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SÃO PEDRO JULIÃO EYMARD RETIRO DE ROMA de 25 de janeiro a 30 de março de 1865 ad usum privatum Congregação do Santíssimo Sacramento

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SÃO PEDRO JULIÃO EYMARD

RETIRO DE ROMA

de 25 de janeiro a 30 de março de 1865

ad usum privatum

Congregação do Santíssimo Sacramento

Título original:

Bx. Pierre-Julien Eymard

LA GRANDE RETRAITE DE ROME

25 janvier - 30 mars 1865

Edição de texto: E.C. Nuñez e A.Garreau, sss

Roma 1962

Ttradução em português:

Servas do Santíssimo Sacramento

Provincia do Brasil

Belo Horizonte

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INTRODUÇÃO

Retiros e anotações espirituais pessoais

Entre os escritos de Padre Eymard, os Retiros pessoais formam um conjunto de excepcional

importância. Inicialmente, por sua amplitude: cobrem a quase totalidade de sua vida desde sua

primeira comunhão em La Mure, aos doze anos, em 1823, até seu retiro de São Maurício, em 1868,

três meses antes de sua morte. Por outra parte, por seu conteúdo, eles demarcam toda sua vida e são

a expressão mais direta de sua trajetória espiritual ao longo de suas diferentes etapas. Nesta

apresentação geral, examinaremos sucessivamente as fontes de onde foram extraídos, os critérios

considerados para esta edição, enfim, tentaremos resgatar sucintamente a contribuição dos retiros no

conhecimento de Padre Eymard.

As fontes

Os retiros e anotações espirituais de Padre Eymard foram todos extraídos de seus escritos

autográficos, exceto um texto do qual temos apenas uma cópia. Estão todos nos Arquivos Gerais

dos Religiosos do Santíssimo Sacramento (AGRSS), com exceção do primeiro texto que se

encontra nos Arquivos Gerais das Servas do Santíssimo Sacramento (AGSSS).

As autografias estão catalogadas essencialmente em quatro coletâneas: AGRSS, 0-4, 0-8, 0-11 e R-

2. Alguns textos, sobretudo aqueles do fundador, são objeto de cópias. Quanto às edições, estão

reagrupadas na bibliografia geral.

Esta edição

A edição que apresentamos segue a edição típica feita por P. A. Guitton, sob o título: Retiros e

Anotações Espirituais Pessoais, Roma, 1ª parte: 1823-1835; 2ª parte: 1856-1868. A esta parte foram

acrescentados dois textos inéditos.

A parte referente aos retiros divide-se em três períodos que correspondem às grandes etapas da vida

de Pedro Julião Eymard:

Primeiro período- de 1823 a 1839: textos da infância, do seminário do sacerdócio de Pedro

Julião Eymard na diocese de Grenoble;

Segundo período- de 1839 a 1856: reúne retiros e anotações de seu período marista;

Terceiro período- de 1856 a 1868: corresponde a sua missão de fundador.

Os textos estão publicados na íntegra, sem qualquer corte nem modificação.

O valor desses textos é primordial para conhecer Padre Eymard, porque nos revelam sua alma ao

mesmo tempo em que são o reflexo da espiritualidade de uma época. É importante observar que as

anotações feitas por Padre Eymard durante seus retiros espirituais constituem o eco da pregação que

ele recebeu. Por isso, independentemente das observações que provocam nele, constituem um

repertório muito precioso da pregação sacerdotal ou religiosa na primeira metade do século XIX.

Está claro, por outra parte, que marcam de modo singular o itinerário espiritual de Pedro Julião

Eymard. Poderemos observar nas intoduções especiais dos três períodos. É importante notar seu

cuidado de perfeição exterior e interior, seu desejo de santidade, o papel da ascese nos inícios de

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sua vida espiritual, sua abertura para a graça, sua passagem de uma religião do medo para uma

espiritualidade de amor, sua descoberta progressiva da Eucaristia em sua vida e na vida da Igreja.

Padre Eymard não teme destacar suas dificuldades, seus fracassos, seus sofrimentos. Escrevendo,

ele anota alguma graça recebida como aquela de Corpus Christi em São Paulo de Lyon, em 25 de

maio de 1845. Seus retiros nos revelam a dimensão profundamente humana de sua trajetória

espiritual ao mesmo tempo em que nos introduzem, ao longo de seus últimos anos, na profundidade

de sua vida mística.

Os três últimos retiros, de modo particular, revelam para nós sua alma de fundador, tomado

apaixonadamente pela Eucaristia, preocupado com sua santidade em razão do crescimento de suas

famílias espirituais, mergulhado numa graça insigne em seu grande Retiro de Roma, em 1865, que o

conduziu ao topo da vida espiritual.

Sem que ele o soubesse, porque essas anotações pessoais não estavam destinadas à publicação,

Padre Eymard nos deixou o mais precioso testemunho de sua vida pessoal.

Terceiro Período: 1856-1868

Ao longo de sua vida de fundador, Padre Eymard fez três retiros pessoais. Correspondem a etapas

muito importantes: 1863, no momento da aprovação canônica da Sociedade do Santíssimo

Sacramento pela Santa Sé; 1865, quando está em Roma para tratar da questão do Cenáculo; 1868,

no final de sua vida. Os dois primeiros ocorreram em Roma. Em razão disso, são chamados

comumente 1º Retiro de Roma e o segundo, o Grande Retiro de Roma. O terceiro ocorre na calma

do Noviciado de seu Instituto, em Saint-Maurice-Montcouronne (Essonne), na periferia sul de Paris,

apenas alguns meses antes de sua morte. Na diversidade das situações, esses retiros marcam de

modo significativo a trajetória espiritual do fundador: está muito mais cuidadoso em consolidar

espiritualmente sua obra do que em aperfeiçoar as estruturas. Ele executou um considerável

trabalho para redigir constituições e diretórios de seus Institutos. Ao longo desses retiros, consagra-

se a uma reflexão aprofundada sobre si mesmo à luz do Espírito Santo. Consciente de que a vida e a

morte da Sociedade dependem de sua vida, como ele o afirma, apega-se muito mais a sua

santificação pessoal para melhor garantir à sociedade seu crescimento e desenvolvimento. Na escuta

de Deus e na docilidade ao Espírito Santo, recebe luzes e graças que o conduzem ao topo da vida

espiritual.

Grande Retiro de Roma De 25 de janeiro a 30 de março de 1865

O retiro que Padre Julião Eymard fez em Roma, em 1865, situa-se no difícil contexto da negociação

para fundar uma comunidade em Jerusalém, se possível, no Cenáculo. É chamado comumente de

“O Grande Retiro de Roma”, em relação a seu primeiro retiro em Roma, em 1863. Grande ele o é

por sua duração e pela abundância das anotações que deixou. Grande também por sua importância

na vida do fundador.

Resumidamente: Por duas vezes, durante o ano de 1864, Padre de Cuers esteve em Jerusalém para

tentar lançar ali as bases de uma fundação. Há, porém, o impasse. Padre Eymard decide partir para

Roma a fim de acompanhar o problema e, se possível, fazê-lo deslanchar. Chega a Roma em 10 de

novembro de 1864 e fica hospedado no Seminário francês. Lança mão de todos os argumentos com

o Cardeal Barnabò, Prefeito da Sagrada Congregação da Propaganda, e com Monsenhor Capalti,

secretário, para obter êxito em seu projeto. Toma consciência das dificuldades consideráveis que

seu pedido provoca, da situação quase sem saída em que se encontra. Entretanto, ele espera. Os

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obstáculos administrativos multiplicam-se: reenvio do pedido, doença do Cardeal Prefeito, festas de

Natal... Padre Eymard não abandona seu posto. “Em Roma, se não se empurra, se não se está ali,

vai longe!” (a Padre de Cuers, 2 de dezembro de 1864). Obstinado, ele vai acampar em Roma até

que a sentença seja dada. Aproveita esse repouso forçado para trabalhar na biblioteca do Seminário

francês sobre assuntos que lhe interessam: vida religiosa, eucaristia, liturgia.

Em 25 de janeiro de 1865, retira-se para a Vila Caserta, junto aos Redentoristas, perto de Santa

Maria Maior. Entra em retiro. Percebe que o combate a ser travado é interior. Vai permanecer nove

semanas no Esquilino.

As anotações que transcreveu dia a dia para seu uso são o testemunho mais importante de sua

experiência de Deus e constituem um belíssimo texto da literatura espiritual. Expressa com força

seu desejo de conversão, a beleza da vocação eucarística, o cuidado em centrar sua vida na

Eucaristia, seu desejo de um dom cada vez mais total de si mesmo, que encontra seu acabamento na

graça do 21 de março com o “Dom da personalidade”.

Como resumir o “Grande Retiro de Roma” de Padre Eymard? É preciso lê-lo e relê-lo para colher o

movimento de sua alma numa busca ardente de Deus, tendo como fundo uma questão totalmente

temporal. No final, deve renunciar à “conquista do Cenáculo” para acolher como um dom “o

Cenáculo interior”. A partir de então, um novo caminho abre-se em sua vida e apostolado.

Em 30 de março, esgotado, Padre Eymard deixa Roma. Retorna pelo caminho dos Alpes, detém-se

em Lyon onde goza da hospitalidade da Senhora Jordan e chega a Paris no dia 8 de abril, às

vésperas do Domingo de Ramos, para as celebrações da Semana Santa.

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RETIRO

25 de janeiro de 1865: Festa de São Paulo

Redentoristas, Roma

Que venha teu reino eucarístico

Propósitos necessários:

1º Estar inteiramente entregue à ação do momento. Na tentação, no devaneio, colocar a mão no

coração ou lançar um olhar para o crucifixo ou para o altar ou beijar o chão.

2º Trabalhar somente para minha santificação pessoal, mediante exclusão absoluta de todas as

pessoas e coisas.

No que me interessa todo o resto?

Em que isto me beneficia ou é de vantagem para Deus em mim?

3º Totalmente voltado para a graça do momento e somente a ela.

26 de janeiro

1ª Meditação: sobre São Paulo

1° Como Nosso Senhor persegue São Paulo.

2° Como São Paulo responde à primeira graça.

3° Condição desta graça.

1° Quem era Saulo: “Saulo, entretanto, devastava a Igreja: entrava nas casas e arrastava homens e

mulheres, para atirá-los na prisão” (At 8,3).1

“Saulo, respirando ainda ameaças de morte contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao Sumo

Sacerdote. Foi pedir-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de poder trazer para Jerusalém,

presos, os que lá encontrasse pertencendo ao Caminho, quer homens, quer mulheres.” (At 9,1-2).

“Estando ele em viagem e aproximando-se de Damasco, subitamente uma luz vinda do céu o

envolveu de claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que dizia ‘Saulo, Saulo, por que me

persegues?’ ” (At 9,3-4).

2° Primeira graça. Saulo responde: “Quem és, Senhor?”.

Segunda graça. “Eu sou Jesus, a quem tu persegues.” (At 9,5).

“É duro para ti recalcitrar contra o ferrão” (At 26,14).

E, tremendo e estupefato, ele disse: “Senhor, o que queres que eu faça?”

Terceira graça. O Senhor: “Levanta-te e entra na cidade e te dirão o que deves fazer” (At 9,6).

Saulo ergueu-se do chão... Fizeram-no entrar em Damasco. Esteve três dias sem ver e nada comeu

nem bebeu. (At 9,8-9) Orava.

Resumo: Admirei com que bondade Nosso Senhor espera Saulo às portas de Damasco e o arrasa em

sua misericórdia, no momento em que Saulo estava mais furioso; com que doçura lhe fala, o chama

duas vezes pelo nome, lhe faz uma admoestação genérica, sem detalhes humilhantes. Esse “duro”

anuncia que há bastante tempo a graça o perseguia em vão.

Para mim, o sentimento que está no centro de minha meditação é:

1° “Por que me persegues?” (At 9,4). “Noexterior, em minha sociedade, onde tu impedes a vida de

graça e de santidade, por teu pouco cuidado para educar minhas crianças, para despojá-las delas

mesmas, para ajudá-las a corrigir-se, para formá-las à verdadeira vida religiosa pela educação

seguida, e, sobretudo, pelo exemplo. Ao contrário, tu te deixaste absorver pelos estudos estranhos

ou pouco úteis, pelas coisas externas, pelo zelo secundário que te levava para fora de tua casa e de

tua família. Por isso, quantas defecções, quantas pobres plantinhas entristecidas e defeituosas”.

1 Foi utilizada a Bíblia Sagrada – tradução da CNBB – Edição Comemorativa dos quinhentos anos de evangelização do

Brasil e dos cinquenta anos da Conferência Epscopal – 2001 nas citações dos textos bíblicos.

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2° “Por que me persegues?” “Em teu interior, minha graça, o Espírito Santo, minha missão em ti e

por ti”.

O primeiro “persegues” não me tocou muito. Portanto, sem lágrimas. “Está seca minha garganta

como um caco”. (Sl 22,16).

Amanhã retornarei sobre o segundo “Por que me persegues?”

Em seguida, o exercício da Via-Sacra me fez bem.

Envolveu-me com sua claridade. Caindo por terra, eu ouvi: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”

27 de janeiro

1ª Meditação: doente

2ª Meditação: doente

Assunto:

1° “Por que me persegues em ti?” (Cf. At 26,14). Buscar sobre o quê? Por quê? Desde quando?

2° “É inútil teimares contra o ferrão” (At 26,14). O que significa esse “ferrão”? Esse “inútil”?

Resumo:

Estado de espírito bastante recolhido, porém árido.

Minha alma está vazia de Deus. Eu não sinto mais Deus em mim, a não ser quando Ele me

golpeia.

Por que este vazio? O mal provém de meu espírito sempre ocupado com as coisas externas,

com coisas que o absorvem ou com estudos que eu amo. Não pertenço a Deus interiormente.

Daí todas as desordens interiores. Eu não consulto Deus, mas a impressão do momento ou das

criaturas. Muito sugestionável, sobretudo contra qualquer desordem exterior que fere a vaidade do

sucesso, da Sociedade.

Daí escravo dos meios externos para o sucesso ou das pessoas para que eu mesmo fique livre.

Daí a impaciência quando sou interrompido no que estava fazendo com toda a atenção.

Daí a precipitação para me livrar, para rapidamente acabar aquilo que me detém.

Daí o coração agitado, não sentindo mais Deus, mas sendo arrastado para os devaneios do

espírito, ou seus clamores não sendo mais ouvidos pelo espírito.

Daí a fraca vontade, totalmente incapaz para a virtude, escrava da vaidade ou dos trabalhos do

espírito.

Eis, então, o “Me persegues”: Deus vem a mim e eu não estou.

Deus me inspira e eu não o escuto.

Deus me pressiona e eu digo sim a tudo e muito rapidamente para me livrar do próprio Deus.

Nem mesmo me dou conta, pois eu o faço com boa intenção. Entretanto, como é pessoal, o eu acaba

por ser o centro e o fim.

Daí o “inútil” que somente percebo quando estou em adoração ou em oração. E então, a

tentação de acabar rapidamente e de voltar para meu trabalho.

Fujo de Deus, porque tenho medo de mim e já não mais experimento o sentimento.

Daí a perda das graças interiores, o prejuízo que advém para meus irmãos a quem deveria

comunicar essas graças. Porque as graças da Sociedade passam pelo Superior.

Também os vejo como eu. Comunico a eles meu espírito. Aliás, eu os deixo entregues à própria

personalidade.

Não tenho mais o zelo de Deus. Meu zelo é um zelo de um operário que quer ter êxito e que apenas

vive de seus meios pessoais.

Examinei o “ferrão de Deus”, mas não o bastante. Voltarei sobre isto esta tarde.

É preciso que a cada badalada do relógio, eu diga: “Tende misericórdia de mim”.

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3ª Meditação: “Senhor, o que queres que eu faça?”

Deixei o “ferrão” porque minha alma ainda não é capaz de compreendê-lo. Eu percebo o “inútil” e é

só.

Vi durante minha meditação dolorosa de corpo e de alma, uma grande e luminosa verdade que é a

chave de minha vida. Já a percebera algumas vezes, mas de passagem e como que tendo um grande

medo. Talvez tenha sido porque não disse ao “Senhor, que queres que eu faça?”, senão pela

grandeza, pela glória do serviço de Deus, pelo amor de glória de Nosso Senhor, seu triunfo pelo

zelo, pelo sucesso de seu culto.

Explicando melhor meu pensamento: amei Nosso Senhor e seu serviço como o servidor de um

grande rei, como o amigo bem-amado do bom Mestre, como o beneficiário de suas graças, da

confiança das almas de Deus, como o confidente das obras maravilhosas de sua graça, isto é, um

amor de Deus de vaidade.

Se considerar meus pecados comuns e extraordinários, todos vêm da vaidade ou pela vaidade foram

influenciados.

O eu penetrou em tudo, tornou-se minha linguagem, meu delicado sentimento até mesmo no

cuidado das almas, nas obras de Deus.

Segui Nosso Senhor, rei da glória e rei do amor, mas de um amor de glória e de privilegiado.

É verdade, Nosso Senhor favoreceu-me fazendo com que tivesse êxito, enviando-me, beneficiando-

me das simpatias espirituais. Entretanto, infiel, ingrato que eu fui: era motivo para roubar sua

glória? Para dividir os corações, para vangloriar-se como seu discípulo, o Bem-aventurado?

Por que servir-me do sobrenatural? Por que buscar incessantemente uma pregação ou uma direção

marcadas pela personalidade? Poderia fazer tudo isso, mas desaparecendo. “É necessário que Ele

cresça” (Jo 3,30).

Ó Deus, quantos pecados de fumaça! Quanta névoa, quantas graças maravilhosas desperdiçadas!

Quantas almas sofredoras!

E, no entanto, “renuncia a ti mesmo”. (Mt 16,24). É Nosso Senhor que me atrai a esse

aniquilamento. Meu dom do primeiro dia do ano. As humilhações que me acompanham como

graças de salvação.

Eis o ferrão. É preciso que morra a mim mesmo. Ou melhor, que me doe totalmente a Nosso

Senhor pela virtude natural de um bom servo. Servo, eis sua lei, sua virtude, sua recompensa. Este

servo não tem nome. A glória é toda para seu Mestre!

28 de janeiro

1ª Meditação: Pecado – Sobre Jesus Cristo

Doente do corpo.

“O Senhor fez cair sobre ele o peso dos pecados de todos nós” (Is 53,6). Amor do Pai.

“Verdadeiramente, eram nossos sofrimentos que Ele carregava” (Is 53,4). Amor do Filho.

“As palavras de meu lamento estão longe de me ajudar” (Cf. Sl 22). Ele chora nossos pecados como

se fossem Dele. “Grande como o mar são tuas ruínas”.

“Meus olhos estão apagados e amortecidos de tanto chorar” (Cf. Sl 68).

“Minha vida se consome entre aflições” (Sl 30). Ele passou sua vida mergulhado em dores e em

gemidos.

“Com forte clamor e lágrimas” (Hb 5). No Jardim das Oliveiras. Sobre a Cruz.

“Salva-me, meu Deus porque as águas já chegaram até meu pescoço” (Sl 68). Até minha alma. As

amarguras, as angústias.

Ó minha alma, olha para Ele!

“Tolero a confusão sobre minha face” (Cf. Sl 68).

“Tornando-se Ele próprio um maldito em nosso favor” (Gl 3,13).

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“Não tinha beleza nem esplendor [...] Desprezado e abandonado pelos homens, homem das dores,

familiarizado com a doença, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto [...] e nós o

tínhamos como uma vítima de castigo, ferido por Deus e humilhado” (Cf. Is 53).

Eis seu exterior.

“...estava sendo esmagado por nossos pecados” (Is 53,5).

“Sobre o madeiro levou nossos pecados em seu próprio corpo” (1 Pd, 2,24).

“Meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46), mesmo sendo abandonado por seu Pai.

Eis a vítima do pecado.

“Ele estava sendo transpassado por causa de nossas rebeldias, estava sendo esmagado por nossos

pecados” (Is 53,5). Na verdade, Ele carregou nossas dores.

2ª Meditação: Sobre meus pecados

Relembrei os pecados de minha infância. “Tão pequeno e tão pecador”. (Santo Agostinho,

Confissões).

Como fui imprudente à medida que caminhava no sacerdócio, na função e como o bom Deus me

protegeu! Na verdade, eu não o merecia.

Percebi que em todos meus pecados a base foi sempre a vaidade.

A própria vaidade me corrigiu, frequentemente até mesmo me preservou! Vi que jamais me doei

totalmente a Deus, mesmo no fundo de mim mesmo, eu com Deus, Deus comigo, por mim, para

mim, a glória de seu serviço, a doçura de sua paz. Pequei como o Anjo. Roubei de Deus sua glória.

Explorei sua graça. Coroei-me de sua bondade, de seu amor.

É preciso, no entanto, que eu dê esta “substância da terra”, esta “medula da alma”, este eu. É a

morte no esvaziamento. A morte. Fujo dela e jamais a assumi de verdade, a espada de Abraão

imolando seu Isaac.

Quem diz morte diz humildade, humilhação, desprezo, esquecimento.

Quem diz morte diz pobreza exterior de Jesus Cristo: é a veste da humildade, a condição do

servidor infiel.

Quem diz morte diz abnegação de si a serviço de seu Mestre.

Quem diz morte diz penitência, mortificação do velho homem, do escravo rebelde, sempre se

revoltando ou prestes a se revoltar: eis a matéria que tem que ser dada.

Esta meditação foi bastante recolhida e lógica, mas permanece o durum. A explosão deste rochedo

ainda não aconteceu, a não ser o de Abraão, o de José.

3ª Meditação: Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo

Nosso Senhor viu todos meus pecados e, com certeza, essa visão o angustiou bastante no Jardim das

Oliveiras.

Nosso Senhor expiou todos meus pecados, e eu o fiz sofrer muito mais que todos os outros porque

Ele me amou mais, me presenteou com mais graças, dividiu comigo sua missão, cumulou-me de

honra e de confiança pela Sociedade do Santíssimo Sacramento. Ele jamais me recusou coisa

alguma.

Eu o faço ainda sofrer porque minha conduta, minha vida de vaidade, etc. são um obstáculo a suas

graças sobre a Sociedade, à expansão de seu amor por mim. Eu paraliso sua bondade e seu poder.

Esta meditação me tocou bastante, mas permanece sempre o olhar seco, humilhado. Falta-me o

sentimento da oração. Teria necessidade de rezar e de chorar.

29 de janeiro

1ª Meditação: uma hora: Como me doei a Nosso Senhor Vi como não me doei a Nosso Senhor, ao Santíssimo Sacramento, a não ser pela dedicação do

amor, pelo serviço, o culto, o zelo. Aí encontrava a natureza seu elemento, a vaidade e a atividade

do espírito também.

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O impulso do combate, do zelo produzia em mim um calor de piedade, de fervor, de sentimento de

amor do momento. E era só isso.

Queixei-me com Deus de me ter abençoado demais sob esse aspecto.

Agradeci-lhe as provas dos assuntos e mesmo da penúria. Com certeza, eu não estava em condições

interiores de prepará-los bem, de bem nutri-los, de comunicar a eles a graça interior da Sociedade.

Por isso as deserções, esses homens com ideias próprias. Agradeci a Nosso Senhor o Anjo que me

batia (Cf. 2 Cor 12,7). Havia uma grande graça. O medo me detinha ou me estimulava. Incrível

essas lutas retornando de Roma, duas vezes, antes de cada fato, obra, fundação. Como esses golpes

de chicote foram grandes graças!

O que me é preciso? Dar-me a Jesus Cristo e servi-Lo pelo dom, o holocausto de mim mesmo. Não

quero o que é teu, mas a ti mesmo (Cf. Im 4, cap.8). Nosso Senhor me fez compreender que Ele

prefere o dom de meu coração a todos os outros dons exteriores que eu poderia ofertar-lhe, mesmo

se lhe desse os corações de todos os homens sem dar-lhe o meu. “Dá-me, filho, teu coração” (Pr 23,

26).

Consequentemente, Nosso Senhor prefere:

Um ato de humildade pessoal a todas as glórias que eu pudesse consagrar-lhe;

Um ato de renúncia pessoal a todas as homenagens dos sucessos, do zelo, das conversões. Sou

eu que me dou;

Um ato de pobreza pessoal a todos os crescimentos externos da Sociedade e mesmo de seu

Reino externo pela Sociedade;

Um ato de mortificação a todas as virtudes de devotamento porque vem de mim e o resto está

fora de mim.

Eis o que eu jamais dei, estudei, aquilo de que tenho medo. E agora, é o momento de acabar com

isto. Sobretudo porque Nosso Senhor me mostrou o mal que eu faço a sua glória, o prejuízo que eu

causo à Sociedade abalada, as misérias que eu atraio sobre mim, mesmo corporais.

Eis minha meditação. É a meditação fundamental. É preciso que eu construa lá no Alto.

Três vezes abri ao acaso a Imitação e surgiu isto:

Porque facilmente se vence o inimigo exterior quando o homem interior não está devastado. Pior e

mais perigoso inimigo a alma não tem senão a si mesma quando não obedecer ao Espírito. Se

queres vencer a carne e o sangue, deves compenetrar-te do sincero e absoluto desprezo de ti

mesmo. Entretanto, tu ainda te amas desordenadamente; por isso, causa-te repugnância submeter-

te à vontade dos outros.

O termo “vontade” é visível quando estou fazendo uma coisa que me dá prazer e sou interrompido

ou devo parar de fazê-la. Deus vai sempre me libertando e me contrariando.

2ª Meditação: Sobre o dom de mim mesmo e suas consequências

Meditei sobre o dom de mim, sobre suas consequências.

Dom de mim é o verdadeiro amor e o único.

Meditei sobre as palavras da Imitação de Cristo:

Amar a Jesus por Jesus mesmo. Onde encontraremos um homem que sirva a Deus gratuitamente?

É raro encontrar alguém tão espiritual que seja desapegado de tudo. Mesmo que o homem dê toda

sua fortuna, isto não é nada. Se fizer grande penitência, ainda será pouco. Mesmo que compreenda

toda a ciência, ainda estará muito longe. Se tiver uma grande virtude e uma devoção ardente,

mesmo assim ainda lhe falta saber. O quê? Que deixando tudo, deve deixar a si mesmo e sair

totalmente de si, sem reserva de amor-próprio algum.

Consequências: O dom de mim na humildade, como reparação e penitência.

Humildade, isto é, com seu estado de pobreza na vida, de humilhação na forma, de mortificação

como remédio contra essa vaidade crescente.

Fiquei bastante envolvido com o pensamento de que essa humildade não é um dom de amor. Nem

mesmo uma virtude positiva para Deus. É mais especificamente um ato de justiça, um medicamento

necessário para minha salvação em perigo.

Que humilhação!

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Tentei pedir perdão a Deus pelas coisas erradas que fiz.

Agradeci-lhe ter-me trazido aqui a fim de me abrir os olhos.

Entretanto, estou apavorado diante da guerra. Tenho necessidade de rezar.

O que me abalou bastante foi constatar que uma alma devota somente no exterior está exposta a

viver de vaidade, de sensualidade, de dependência das criaturas, como aconteceu comigo. É como

“raiz que nasce da terra seca” (Is 53,2).

30 de janeiro

1ª Meditação: Sobre a leviandade de espírito

Agradeci imensamente a Nosso Senhor por ter mostrado esta verdade em mim e que é a chave de

toda minha vida, o obstáculo primeiro e universal a minha santificação.

Examinei, pois, duas coisas: a questão de fato e sua razão de ser.

1° Percebi que a leviandade é a base de meu caráter e de minha maneira de agir nas coisas que não

são de minha escolha ou de meu agrado.

1. Então, leviandade de espírito na meditação, na oração, no exame. Meu espírito se detém de boa

vontade, sobretudo naquilo que alimenta sua atividade, sua curiosidade, o zelo, a glória exterior de

Nosso Senhor. Trata-se de aplicar esta verdade assim mesmo. No sacrifício de si, de sua liberdade,

de se prostrar aos pés de Nosso Senhor, de escutá-lo com paz e humildade, e ponto final. Como

Pilatos, pergunto o que é a verdade, mas não ouço a resposta. Tenho medo dela. Fujo da verdade em

sua lei pessoal. Também não me beneficio de sua luz, de sua unção divina. Não permaneço na

verdade de Deus.

A fim de evitar a lei pessoal e detalhada, digo sim a tudo pelo sentimento, corro ao encontro de sua

glória, de seus combates exteriores, de seus triunfos, porque nisso se compraz minha atividade e

porque me beneficio da liberdade da escolha e da aplicação. Enfim, minha vaidade religiosa aí

encontra sua satisfação.

Meu espírito é como uma enguia que escorrega pelas mãos.

Oh! Essa antiga serpente é muito hábil, ela é muito forte sobre mim!

2. Meu coração é leviano porque vive do sentimento do momento, não sendo alimentado pela

verdade permanente e pessoal.

Meu coração aflora inteiramente, corre atrás da paz, do sentimento de Deus, ama falar de Nosso

Senhor, de seu amor porque isto lhe traz benefícios.

Oh! Como meu coração tem necessidade de Deus, tem fome de Deus, teria necessidade de chorar

aos pés de Deus. No entanto, meu espírito inquieto, leviano, inconstante arrasta-o por toda a parte

ou o atordoa com suas conversas exteriores ou o cansa e o tumultua por sua imaginação.

Por isso, meu coração não usufrui de Deus porque não aprofunda nada. Tudo fica na superfície. Há

um movimento febril de bem. E, no entanto, Deus me atrai pelo coração. Eu deveria recolher meu

coração, torná-lo vazio, experimentar o desgosto de tudo. Ah! Meu Deus, quando enchereis este

coração feito para vós e que tem tanta necessidade de vós e que não suspira senão por vós!

3. Vontade leviana e inconstante, ardente nas resoluções sublimes e covarde quando é necessário o

menor sacrifício, quando é preciso vencer-se em alguma coisa. Muito generosa externamente,

dedicada a tudo e a todos quando seu gosto, sua vaidade ou seu desejo de liberdade a dominam;

entretanto, sozinha em si mesma é a mais revoltante covardia.

Ela tem medo de Deus, de conhecer profundamente sua vontade particular e pessoal. Sempre

desvirtua a questão e a direciona para outro lado. Dedica-se a sua glória quando seria necessário

dedicar-se à humildade; aos sacrifícios externos, quando seria necessário renunciar a si mesmo; ao

zelo, quando seria preciso recolher-se. Aí está a ilusão. Eu não disse como São Paulo: “Quem és,

Senhor?” Eu o supus. Em seguida, fiz um ato de contrição para não ter que ouvir a lei ou minha

condenação. Jamais eu o disse realmente: “Que quereis que eu faça?” (At 9,6) para esta vida

interior!

2º Por quê? De onde vem essa leviandade?

12

Ela me é natural, pelas dores de cabeça de minha juventude.

Ela é uma tentação habitual, de falsa liberdade porque não sou assim com os estudos e com as

coisas que amo.

Ela é verdadeiramente uma covardia voluntária, porque temo o recolhimento em Deus e em

mim.

Estão aí as três razões.

E mesmo essa leviandade aparece em minha vida exterior, em meus relacionamentos, em minhas

conversas. Sou dominado por uma ideia ou por um desejo para mim e não para os outros.

Li a Imitação, Livro 1, capítulo 11. Realmente foi Deus que o preparou para mim: Como adquirir a

paz. Farei disto objeto de minha meditação às 10h.

Não temos a paz porque nos ocupamos muito das coisas que são ditas e que são feitas pelos

outros e das coisas que não nos dizem respeito: primeira causa.

A segunda: Estamos muito possuídos por nossas próprias paixões e nos preocupamos muito,

muito com as coisas transitórias. Raro é conseguir vencer, mesmo que seja apenas um vício. Se

estivéssemos totalmente mortos a nós mesmos e livres interiormente, criaríamos gosto pelas coisas

divinas e experimentaríamos um pouco das doçuras da celeste contemplação. O que total e

efetivamente nos impede é o fato de não estarmos livres das paixões e da concupiscência e não nos

esforçarmos para trilhar o caminho dos santos.

A terceira é ainda maior: basta um pequeno contratempo para desanimarmos completamente e

voltarmos à procura das consolações humanas.

O que fizeram os santos?

Procuraram mortificar-se totalmente em relação aos desejos terrenos e assim puderam, no íntimo de

seus corações, unir-se a Deus e tornarem-se livres de si mesmos.

Leitura - Dissipação - suas causas

1º Renúncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há muita distração e ilusão (Im 1, cap.

2).

2º A vaidade, porque os letrados gostam de ser vistos e tidos como sábios (Im 1, cap.2).

3º A não-mortificação do coração: o que mais te impede e perturba do que os afetos não-

mortificados de teu coração? [...] o espírito puro, singelo e constante não se distrai em meio às

múltiplas ocupações, porque faz tudo para a honra de Deus, sem buscar em coisa alguma seu

próprio interesse. [...] O homem bom e piedoso ordena inicialmente em seu interior as obras

exteriores (Im 1, cap.3).

4º Imprudência: O homem perfeito não acredita em tudo o que lhe dizem [...] nem comunica de

imediato aos outros aquilo que ouviu ou que suspeitou, mas cautelosamente pondera as coisas

segundo Deus (Im 1, cap.4).

5º Os desejos dos sentidos arrastam de um lado para outro; passado esse momento, o que sobra

senão uma consciência pesada e um coração dissipado? (Im 20, cap.34).

2ª Meditação: Insensibilidade do coração

Não fiz a meditação sobre o tema preparado do capítulo onze da Imitação de Cristo. A graça levou-

me a examinar uma segunda doença de minha alma: a insensibilidade de meu coração para as coisas

de Deus.

Há, certamente, um estado de infidelidade, de punição, porque meu coração tão sensível de si

mesmo, tão terno quando quer chorar, tão agradecido quando é feita alguma coisa por ele, tão

devotado para o reconhecimento é, no entanto, de uma insensibilidade absoluta em relação a Deus e

mesmo à visão de meus pecados, da paixão de Nosso Senhor.

Os males futuros, a privação dos merecimentos atuais; nada disso me atinge. Entretanto, uma coisa

me toca: é a humilhação do pecado, pelo menos exterior, de não usufruir da paz com Deus, esta paz

de amizade.

E essa insensibilidade espiritual torna-se até mesmo natural. Sou pouco afetuoso com meus irmãos.

Não gosto de suas demonstrações de afeto nem de ninguém; minha pobre irmã tem a mesma sorte.

13

A morte me atinge pouco; entretanto, o sofrimento, muito. Já faz muito tempo que não sinto a

compunção do coração e não choro aos pés de Nosso Senhor. Choraria mais facilmente aos pés da

Santa Virgem, com Madalena, São Pedro, São João no Calvário: a simpatia.

Agradeci ao bom Deus de não me ter tratado como um ladrão, um infiel, um velhaco fraudulento;

de me ter mantido na religião, na função de sacerdote, mesmo tendo a reputação desses estados não

merecida, que fique bem claro.

Compreendo que não mereço derramar lágrimas de devoção, menos ainda de amor, nem aquelas da

dor e da penitência. Isto seria uma enorme consolação, um testemunho muito grande da bondade de

Deus. Não mereço a honra de Madalena nem a visita de Pedro.

Uma dor seca, eis a parte do orgulho ferido, de um coração que há muito tempo se amou.

O que poderia amolecer esse coração de ferro, de gelo? O fogo do amor. É preciso que eu veja o

amor de Nosso Senhor por mim. O que seu amor o fez suportar de mim, rodear-me, fazer o bem,

esperar. “Ele me amou primeiro quando eu era o inimigo, o indiferente, o infiel!” (Cf. 1 Jo 4,19).

Quando meu orgulho, meu amor-próprio estiverem sob o peso de tanto amor de Nosso Senhor,

talvez este gelo se derreta. No entanto, hesito diante do confronto do amor de Deus e o meu.

Eis aí o “Senhor, que queres que eu faça?” (At 9,6).

Há muito tempo que rechaço a bondade de Deus que me chama, que me convida, que me pressiona,

vem a mim. Não lhe dei atenção. Desprezei, corri para onde Deus não queria. Quem procura acha!

31 de janeiro

1ª Meditação: Causas e remédios

1° Constatei que meu espírito ficou dissipado, leve, superficial, porque não lhe dei uma ocupação

interior bem definida, pois confiei demais em resoluções vagas ou até mesmo especiais, mas sem

praticidade alguma ou sem punição.

Agora, eis uma boa maneira:

Como é a prática exterior da humildade que deve ser minha virtude em minhas relações exteriores e

não mais o bem do próximo, o zelo, a glória externa de Deus, ficarei atento com um texto, uma

visão, um exemplo etc. E meu espírito terá, então, seu pão cortado, sua tarefa e seu exame, depois,

com rigor.

2° Quanto à aridez de meu coração, vi que era a consequência natural de meu espírito dissipado,

sempre vagando. É verdade que meu coração poderia viver de Deus, do santo recolhimento, da vida

em Deus, em Nosso Senhor. É sempre o mesmo princípio de ação: existe a vaidade do espírito

como a vaidade do exterior, da posição, da afeição, da reputação e até mesmo do zelo sobre os

grandes pecadores. Portanto, eu me iludi bastante sobre o fato de não amar ninguém, não com um

amor desordenado, mas bem perigoso, porque é vaidoso, mesmo que não me dê conta.

Como poderei corrigir esse vício tão antigo? Isto é o que vou pedir esta noite a Nosso Senhor.

A resposta está na Imitação, cap. 7 e 9.

Filho, muito útil e seguro é esconder a graça da devoção sem te vangloriares ou te preocupares

com ela. Sugiro antes que te desprezes e que temas de não seres digno da graça recebida. Se

souberes conservar-te humilde e pequeno diante de ti mesmo e governar com moderação teu

espírito, não cairás tão depressa na tentação e no pecado.

3ª Meditação: Que bom que Deus é bom!

Finalmente. Finalmente vejo meu caminho! E o que devo fazer para chegar a Nosso Senhor.

Será pelo espírito de mortificação que abrangerá e regulará todas as espécies de mortificação.

E esse espírito de mortificação brotará da própria razão, de meu estado de pecador, da necessidade

de fazer penitência, pagar minhas dívidas, tomar o lugar natural que me é devido: o desprezo, o

esquecimento. Assim, espírito de mortificação por dever de justiça.

Contudo, subirei mais alto: espírito de mortificação por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo para ser

enxertado Nele, porque é o único meio eficaz.

14

Consequentemente, meio de união com Jesus Cristo, sua graça, sua vida que será inoculada em

mim, poder de Jesus Cristo em mim pela mortificação que o faz reviver como salvador em mim e

como glorificador de seu Pai por mim. “Completo em minha carne...” (Col 1, 24).

Vi o golpe mortal que reduzia a natureza.

O demônio ri e espera ainda lançar-me de novo nessa vida exterior que é tão ruim para mim. O

espírito espera retomar o poder, mas o coração tem medo.

Com este sinal + vencerás. Na cruz, o amor. A morte sobre a cruz e a ressurreição.

1º de fevereiro

1ª Meditação: Vocação eucarística

1° Como o bom Deus me amou! Conduziu-me pela mão até a Sociedade do Santíssimo

Sacramento!

Todas minhas graças foram graças de preparação.

Todos meus estados, um noviciado! Sempre dominou o Santíssimo Sacramento.

2° Foi a Santíssima Virgem que me conduziu a Nosso Senhor, à comunhão de todos os domingos,

no Laus aos 12 anos, da Sociedade de Maria àquela do Santíssimo Sacramento.

3° Nosso Senhor tomou-me pelo lado mais fraco: pelo serviço de sua glória, o amor de seu culto, de

seu triunfo. Minha vaidade tornava-se uma virtude exterior.

4° Coisa espantosa! Dediquei-me ao serviço, à glória, ao amor de Nosso Senhor no Santíssimo

Sacramento, mas pela lei, o dom da vida, da dedicação.

Não me dediquei pelo dom de mim mesmo, pela abnegação interior, mas somente exterior, não pelo

aniquilamento do amor. Talvez tenha feito alguns atos avulsos. Não senti necessidade. Depois de

um longo tempo, minha alma sofria, percebia um muro de separação, membros atados, um

sufocamento. Hoje, vejo claramente: dar tudo por tudo. Dar-se até a morte para a glória de Cristo.

Esta palavra de Santo Inácio, mártir, me impressionou: “Sou o trigo de Cristo”. Eu acrescentei:

possa eu ser triturado pela mortificação, possa eu ser queimado no fogo do amor, tornar-se um pão

purificado, e estas palavras do Mestre: “Se [o grão de trigo] morrer, produz muitos frutos” (Jo 12,

24). Amém. Amém.

É preciso realmente pôr a mão na massa! Modéstia dos olhos, andar grave. Meu silêncio, deixar

falar os outros, privação à mesa.

Almoço: Imitação, livro 3, capítulo 37

Filho, deixa a ti mesmo e achar-me-ás. Deixa tua vontade e teu amor-próprio e sempre terás lucro.

Porque logo que te entregares a mim sem reserva, a graça te será acrescentada.

Senhor, em que devo renunciar-me e quantas vezes?

Sempre e a toda hora, tanto no muito como no pouco. Nada nego, mas quero achar-te despojado de

tudo. De outro modo, como poderás ser meu e eu, teu se não estiveres interior e exteriormente

desapegado de tua vontade? Se fizeres isto, tu te sentirás muito melhor e, quanto mais pleno e

sincero for teu sacrifício, tanto mais me agradará e maior lucro terás.

2ª Meditação: Virtude característica de um adorador

Penso que a meditação é para mim a mais importante, visto que deve determinar a forma, o

conteúdo, a lei de minha santidade religiosa.

Qual deve ser a virtude dominante de um adorador?

Pensava que era a virtude de religião. Caí na conta de que não, uma vez que tem sua execução, sua

perfeição fora de nós, reside no culto interior e exterior, tendo Deus imediatamente como objeto.

Todos estão obrigados a render-lhe esse culto com maior ou menor frequência, mas ele constitui a

essência da religião.

Acreditava que o amor deveria ser nossa grande virtude de distinção. Embora devamos amar muito

Nosso Senhor Sacramentado, no entanto, é a lei, o dever e a santidade de todos.

Nosso Senhor e o Santíssimo Sacramento pertencem a todos.

15

É preciso uma virtude que seja soberana e perpetuamente eucarística da qual o modelo presente seja

perpétua e universalmente Nosso Senhor, a graça e o fim atual.

Ora, esvaziou-se de si mesmo e tomou a forma de pão.

Nosso Senhor escondendo sua glória divina e humana no Santíssimo Sacramento;

Nosso Senhor ligando seu poder divino e humano;]

Nosso Senhor sacrificando sua liberdade divina e humana;

Nosso Senhor renunciando a toda propriedade do céu e da terra;

Nosso Senhor imolando sua vontade;

Nosso Senhor escondendo até mesmo suas virtudes, sua bondade, sua doçura, seu amor

exterior.

“Na verdade, tu és um Deus que não se deixa ver” (Is 45, 15).

Eis a verdadeira e perene virtude do religioso do Santíssimo Sacramento.

Esta virtude o santifica em toda sua alma, em todos seus sentidos, em toda sua vida.

Ela é simpática ao estado sacramental de Nosso Senhor. Completa esse estado glorioso em seu

interior pela virtude livre e meritória de seu adorador que se torna como seu corpo, seu membro.

É uma verdadeira virtude cristã, visto que toda a virtude de Nosso Senhor está contida nestas

palavras: “Humilhou-se a si mesmo...” (Fl 2, 8).

Assim como sua humildade, seu aniquilamento tornou-se o caráter, a vida, a prova de seu amor.

A mesma coisa acontece em nós.

Portanto, minha alma, aí está inteiramente tua lei de santidade, toda a glória pessoal e verdadeira

que Deus quer de ti, em ti, por ti. “Despojou-se” (Fl 2, 7). “É necessário que Ele cresça e eu

diminua” (Jo 3,30). Tornar-se como uma espécie sacramental, que certamente não tem orgulho, não

tem vaidade, visto que não tem vida própria.

3ª Meditação: Motivos do aniquilamento de Jesus no Santíssimo Sacramento

Esta meditação me tocou profundamente. Analisei por que Nosso Senhor escolheu esse estado de

aniquilamento e descobri dois motivos principais:

Em primeiro lugar, seu amor.

Suportando tantos sacrilégios e outras coisas, sem vingar-se, mesmo sem queixar-se.

Fui aos detalhes, é espantoso. Por que toda essa paciência?

Para não ter que castigar tanto e sempre!

Para manter o homem no temor, pois se o Senhor tivesse que punir sempre, o homem poupado

se acreditaria inocente.

1. Percebi ainda a paciência de Nosso Senhor em receber os imperfeitos e os perfeitos, os tíbios e os

fervorosos sem nada demonstrar, a fim de manter os primeiros na confiança e os segundos na

humildade.

2. Considerei o aniquilamento sacramental para exercer, purificar, alimentar, aperfeiçoar a fé e

também para reparar a queda, reabilitar a prova divina a fim de recompensar a fidelidade.

3. O aniquilamento purificando, estimulando, alimentando o amor.

Como, no entanto, posso saber se Jesus me ama, se está contente com meu serviço? É fácil. Desde

que cumpra um dever junto dele, uma lei ou que lhe dê provas de boa vontade, indo visitá-lo,

fazendo um ato de religião; tenho certeza que vou agradar-lhe.

Entretanto, se eu agir mal, se minha consciência estiver em pecado? Para agradar-lhe, basta isto:

detestar meu comportamento, humilhar-me, desejar agir melhor. Então, ir até Jesus, é isto que ele

ama em mim. Foi ele que colocou em mim este bom pensamento, este desejo. Portanto, ele me quer,

ele me ama.

Um segundo pensamento: Jesus aniquilado, modelo, graça e fim de nosso aniquilamento, da

humildade, da paciência, do perdão, da pobreza, das humilhações.

E sempre: Aprendei de mim “porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).

16

2 de fevereiro

1ª Meditação: Sobre a apresentação

1º Meditei sobre a oferenda de Jesus Cristo. “Entrando no mundo, o Cristo disse: ‘Não te agradam

mais os holocaustos; então, eu disse: eis que venho para fazer, ó Deus, tua vontade’” (Cf. Hb 10,5-

7).

Esta divina vontade do Pai era a forma de vida de Jesus pobre, humilde, obediente e, finalmente, a

Cruz:

1ª oferenda: no seio virginal da Mãe santa: ali, humilhado e atado, mas num paraíso de pureza e de

amor.

2ª oferenda: vindo ao mundo em Belém: sofrendo inicialmente, fazia frio; depois, pobre, não tem

nada; enfim, humilhado, obediente.

3ª oferenda: aquela do Templo: é legal, autêntico. Dom de Maria e de José. Maria e José se

oferecem com ele e por ele.

Pensamento de Jesus nesse momento. Dom de Jesus a seu Pai. “De repente chegará a seu templo o

Senhor” (Ml 3,1).

Renovei meus votos com Jesus e o dom de mim mesmo entre suas mãos a fim de que tenha hoje

alguma coisa a oferecer, a dar a seu Pai, os frutos de sua redenção e de seu amor. Pobre de mim!

Trinta anos de sacerdócio e vinte e quatro anos de preparação. Que frutos deu ao Mestre este campo

regado com tantas graças? Cultivado com tantos cuidados? “Espinhos e ervas daninhas” (Gn 3, 18).

Diante disso, como me senti angustiado!

Renovei o holocausto da vida religiosa, particularmente meu comportamento em relação a fulano,

minha fala sobre mim e sobre tudo aquilo de glorioso em minhas obras, conhecimentos, irmãos.

2º Examinei a razão pela qual Deus fez com que Maria percebesse tão cedo a Paixão de seu Filho.

Ela amava demasiadamente Deus para aceitar e suportar esse sacrifício.

Deus Pai queria dar uma companheira ao Salvador. “Este [menino] será causa...” (Lc 2, 34).

Ela devia alimentar-se com o ardor de seu amor pelo homem.

Como o bom Deus me poupa! Sou tão fraco!

Vou celebrar em Santa Maria Maior.

Almoço: Imitação, livro 3, capítulo 19

Não digas: eu não posso suportar. [...] Este discurso é insensato. [...] No entanto, o homem

verdadeiramente paciente, indiferente às criaturas, recebe com reconhecimento das mãos de Deus

[...] tudo aquilo que lhe acontece de adverso e o considera como um grande lucro.

2ª Meditação: O aniquilamento sacramental de Jesus, glória de seu Pai

Durante a missa em São Pedro, analisei o segundo motivo do aniquilamento de Nosso Senhor no

sacramento, que é a glória de seu Pai, a fim de honrá-lo e glorificá-lo em seu estado glorioso, a fim

de oferecer-lhe o sacrifício, em seu estado sacramental, das qualidades gloriosas de seu corpo, de

sua clareza em se ocultando, de sua agilidade em se comprometendo, de sua sutileza permanecendo

aprisionado sob as santas espécies, de sua imortalidade conservando seu estado de morte, de vítima

querendo ser consumado na comunhão ou pela destruição das santas espécies. E assim o Pai é

glorificado pela humilhação do Verbo encarnado glorioso. E isto somente é feito por Jesus Cristo.

Eis um belo modelo de humildade, ó minha alma, na glória das honras, do sucesso, das riquezas,

etc.

Em tudo isso somos apenas pecadores ou insignificantes. Entretanto, o Salvador, para me fazer

amar o aniquilamento em razão da união, torna-se o nada sacramental por mim, para dizer que

jamais chegarei a este ponto, mas pelo menos aspiro.

Minha saída foi como minha natureza, tagarela e expansiva. Entretanto, posso muito bem ser mais

modesto. Como é frágil, porém, este vaso que encerra o espírito de Deus, este sopro de graça!

17

3 de fevereiro

1ª. Meditação: Presença de Deus

1º Fiquei pensando que tudo vai evaporar e desaparecer se não trabalhar habitualmente na presença

de Deus, que é condição absoluta para mim, a fim de manter meu espírito controlado, atento às

ordens Dele, meu coração na bondade de seu serviço e de seu amor, minha vontade a sua

disposição, meu corpo, respeitoso.

A presença de um homem circunspecto, sábio, amado, soberano naturalmente provoca tudo isso,

visto que ele é a soberana lei do momento e que é respeitada em sua presença.

Assim é mais forte a presença de Deus respeitado e amado e nos mantém nesse estado pela doce

unção de sua graça. “Anda em minha presença” (Gn 17, 1). “O Senhor está vivo”. “Eu coloco o

Senhor diante de mim”. “Estou sempre contigo” (Sl 72, 23). A fortiori, os santos do Novo

Testamento.

2º Entretanto, não preciso somente da presença de Deus para manter-me na lei do bem, para evitar o

mal, mas preciso dela, acima de tudo, para combater a vaidade de meu espírito, sua dissipação, sua

contínua volubilidade.

Necessito, sobretudo, dela para impedir meu coração de procurar consolos piedosos, gloriosos, para

estimular minha vontade em sua preguiça e em suas antipatias de falsa liberdade. Tenho

necessidade soberana dessa presença contra a irritação que vem do combate; não se pode estar

sempre na corrida, em combate no campo de batalha. É preciso um pouco de repouso em Deus:

“Vinde a sós para um lugar deserto e descansai um pouco” (Mc 6,31).

Como conseguir isso? Gradualmente. Porque existem meios para isso: o oferecimento, algumas

frases fáceis e repetidas frequentemente. É necessário o mecanismo da operação, sinais, momentos

fixos, lugares. Quando soa o relógio. Quando tenho que conversar com alguém. Depois, prestar

contas a Deus, como uma criança a sua mãe. Entretanto, acima de tudo, é preciso um castigo

corporal. De outra forma, tudo se transformará em fumaça.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 40

Senhor, nada sou, nada posso, não tenho nada de bom em mim, falta-me tudo e em todas as coisas,

inclino sempre para o nada. E o resto.

(Ida à Sagrada Congregação da Propaganda).

Meu dia inteiro foi passado na agitação; minha meditação consistiu em repetir: aquilo que Deus

quer é o melhor, adoremos sua santa vontade. Mais tarde descobriremos isto.

Deus permitiu a doença do Cardeal Prefeito, a prolongada discussão dos cardeais sobre o

Economato, a preferência de uma outra coisa por Monsenhor Capalti, apesar de suas duas

promessas.

Enfim, o bom Deus me concedeu a graça de não dizer coisas inconvenientes, de não prejudicar em

nada durante a visita.

“Seja bendito o nome do Senhor” (Sl 112, 2).

4 de fevereiro

Fiz minha meditação sobre a atual provação pela qual estou passando. Minha alma começa pouco a

pouco a acalmar-se.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 7 Alguém precisa ter paciência. Foi escrito para mim.

Nem sempre está nas mãos do homem seu caminho, mas pertence a Deus consolar e presentear

com a graça quando, quanto e a quem Ele quiser. Tudo como agrada a Ele, nem mais nem menos.

Dia atribulado entre cartas e visitas. Minha alma está totalmente ressequida.

Ouvi na Igreja de Santa Maria da Paz que um centavo de recolhimento vale bem mais do que mil

reais de graças externas.

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5 de fevereiro

Dia de meu santo batismo

1ª. Meditação: A graça de meu batismo

Meditei sobre a graça inteiramente gratuita e misericordiosa do santo batismo que recebi.

Percebi o que ele significa: uma recriação em Nosso Senhor Jesus Cristo, uma segunda vida em

Jesus Cristo, mas em Jesus Crucificado. “Todo aquele que foi batizado em Cristo, está revestido de

Cristo” (Gl 3, 7). “Os que pertencem a Jesus Cristo, crucificaram a carne com suas paixões e

desejos” (Gl 5,24). “Pelo batismo, fomos sepultados com Ele em sua morte” (Rm 6, 4). “Se alguém

vem, mas não me prefere... a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 26). Eis,

portanto, o caráter da segunda geração: a separação do mundo, a crucifixão, a guerra, a morte

contínua.

Refleti sobre as imensas graças oriundas de meu batismo:

A filiação de Deus;

Membro de Jesus Cristo, filho da Igreja, irmão dos santos;

Direito à graça, à glória de Jesus Cristo.

O que me fez chorar foi ver minhas três vocações: à vida piedosa, sacerdotal e religiosa.

Meu coração comoveu-se, lembrando-me de minha primeira infância.

A vaidade tornou-me culpado; essa mesma vaidade me corrigiu.

Como a Providência foi boa e admirável comigo! É um milagre contínuo.

Refleti sobre o bem que fez a santidade de São Francisco de Assis, de São Domingos, de Santo

Inácio, de Santo Afonso. Recebi as mesmas graças e, então, chorei. “A serpente me enganou” (Gn

3,13). Pela vida ativa, pelo estudo pessoal e pelo zelo alheio.

Agradeci a Nosso Senhor em razão deste segundo retiro que vou fazer. Será a parte iluminada:

Nosso Senhor, minha lei, e Nosso Senhor no Sacramento, meu fim. Entretanto, é preciso abraçar a

verdadeira via do despojamento do velho homem. Somente esta é a verdadeira. Tudo o mais é

ilusão ou preguiça.

Pois bem, que seja! “Morro a cada dia em Cristo e por Cristo” (1 Cor 15,31).

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 13

Se queres vencer a carne e o sangue, deves compenetrar-te do sincero e absoluto desprezo de ti

mesmo. Pó, aprende a obedecer; terra e limo, aprendei a humilhar-vos e a curvar-vos aos pés de

todos. Em que podes, vil pecador, contradizer os que te repreendem, logo tu que ofendeste a Deus

tantas vezes e tantas vezes mereceste o inferno? Pouparam-te, porém, meus olhos, porque tu alma

me é preciosa, para que conheças meu amor e te conserves agradecido a meus benefícios, para que

continuamente sejas humilde e submisso, sofrendo com paciência o desprezo dos outros.

2ª Meditação: Bondade de Deus desde meu batismo

Sobre a bondade de Deus desde meu batismo, sobre sua Divina Providência livrando-me dos

perigos, fazendo-me mudar de lugar, de estado, até mesmo de saúde para me preservar da

escravidão dos estudos, da vaidade dos sucessos, do apego às criaturas, da própria escravidão do

reconhecimento, tendo querido ser Nosso Senhor meu Mestre em tudo, um pouco como São Paulo,

porque eu teria amado muito aqueles que me tivessem feito bem ou me amado.

Tenho sido um pouco como Jacó, sempre a caminho. E tudo isso era para conduzir-me à vocação

eucarística. Foi-me preciso Marselha para comunicar-me o amor exclusivo, o centro. Lyon foi-me

dada para que me exercitasse e me colocasse a caminho do Cenáculo. Enfim, esse querido

Cenáculo, na hora de Deus.

O que me humilhou neste santo dia do meu batismo foi meu natural orgulho. É impressionante

como eu, tão reconhecido pelos homens, tão devotado por natureza, tão cheio de abnegação para dar

prazer a minhas ideias diante de um mestre, tenha sido tão ingrato em relação a Nosso Senhor, tão

pouco serviçal para a santa Virgem. E ver, apesar disso, Deus beneficiando um ingrato, enchendo-

me de honra e de graça, esperando-me sempre com as mãos cheias e o coração aberto!

Percebo hoje que o grande erro da minha vida foi viver muito do espírito e pelo espírito.

19

Cheguei mesmo a temer a virtude em seus atos exteriores, o próprio serviço de Deus naquilo que é

belo, grande, glorioso.

Realmente devo temer esta paz da meditação, esta doçura de recolhimento, estas luzes externas e

estranhas.

Oh, realmente, não há de que humilhar-se até o nada!

Portanto, é preciso que combata fortemente a vida do espírito para colocar-me na simplicidade da

oração e na humildade do coração.

A via-sacra que fiz como desagravo me fez muito bem.

3ª Meditação: A carne, inimiga do Espírito Santo

Esta meditação humilhou-me profundamente, porque me mostrou a influência da carne sobre o

espírito e a do espírito carnal sobre meu serviço de Deus, a astúcia deste espírito pérfido.

O acordo da carne favorecendo os trabalhos do espírito, de zelo, de serviço exterior de Deus, até

mesmo de cólera santa, todos estes preceitos interiores, todos estes combates de força e de

imaginação, esta força de caráter para exibir, estas repreensões a serem feitas aos grandes, tudo isso

é um escabelo para mim, um consolo a minha preguiça, uma força fátua a minha covardia. Isto não

é o espírito de Nosso Senhor, mas um espírito de domínio ou de presunção.

Percebi ainda a ilusão de meu apostolado de amor, desse misticismo que procura destacar-se e que

critica tão facilmente os outros. Tudo isso é vaidade ou covardia. Eis-me reduzido à verdade de

minha miséria.

O que me fez muito bem foi compreender que um ato de desprezo de mim mesmo daria muito mais

glória a Deus que o sucesso da Sociedade por meio de minha pessoa, ou mesmo do Cenáculo,

porque isto seria o Cenáculo em mim e a glória de Deus em mim, isto que Deus prefere a todas as

homenagens que eu lhe faria sem mim, fora de mim. Eis a verdade real.

6 de fevereiro

1ª. Meditação - fundamental: Caráter da vida de Jesus Cristo

Conforme diz São Paulo (Cf. Ef 1,10), Nosso Senhor veio para restaurar todas as coisas Nele. Ele é,

ele se fez para nós nosso caminho, nossa verdade, nossa vida. Ora, para restaurar em nós, é preciso

começar por submeter a carne ao espírito e o espírito a Deus. É preciso dominar a carne pela força

porque ela não tem fé, nem esperança, nem mesmo razão: segue unicamente seus apetites

desregrados. E quando o próprio espírito é conivente com ela, então ocorre a total rebelião. É o que

acontece em mim, mas de outra maneira, mais sutil e mais ilusória. É que a natureza é religiosa e se

reveste de certa aparência de virtude. Meu amor-próprio encontrou o meio de ser o amor de Deus.

Como provocar essa revolução? Por dois meios:

1º Viver da vida de Jesus em mim. Formá-lo em mim, fazê-lo nascer e crescer. Ora, é a missão do

Espírito Santo: “O Espírito Santo descerá sobre ti, [...] por isso aquele que vai nascer será chamado

Santo, Filho de Deus” (Lc 1,35).

É a missão do sacerdócio: “Meus filhos, por vós sinto de novo as dores do parto, até Cristo ser

formado em vós” (Gl 4,19). Jesus Cristo em nós, sua verdade, seus hábitos, suas virtudes, seu amor:

é concebido nos bons desejos,

nasce na boa vontade,

cresce em nossas virtudes,

torna-se perfeito em seu amor crucificado.

Oh, como este pensamento é belo! Portanto, será com Jesus em mim que combaterei o velho

homem. É preciso que sejam dois para o combate. E, à medida que Jesus crescer em mim, serei

mais forte. O essencial é alimentá-lo muito bem, constantemente.

2º. Seguir Jesus Cristo em sua guerra contra a carne e o espírito da carne. Ele começou a fazer

aquilo que me prescreve. Ora, vejo Nosso Senhor mortificando seus sentidos, humilhando seu

espírito, escolhendo uma vida pobre, laboriosa e humilhada. Pratica em sua carne inocente aquilo

20

que é o remédio para a minha, culpada. E isto para que eu seja menos humilhado, menos

desencorajado ou até mesmo honrado e glorificado por parecer-me com Ele.

Só temos que considerar sua modéstia exterior, todas as atitudes de seu corpo, cada movimento de

seus sentidos, cada palavra, cada olhar: tudo é virtude simples, mas que me ensina o que devo

corrigir em mim.

Aliás, é impossível duvidar: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz

cada dia e siga-me” (Lc 9, 23). “Vós sois aqueles que permaneceram comigo em minhas provações”

(Lc 22, 28). “Não penseis que vim trazer a paz à terra. Não vim trazer paz, mas sim a espada” (Mt

10, 34). Então, a mortificação de Jesus Cristo é a incisão de seu enxerto divino, sua vitória sobre o

velho homem.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 54

A natureza tudo faz para seu interesse e proveito. [...] A natureza teme a confusão e o desprezo.

[...] A natureza gosta de ter coisas interessantes e belas, rechaça com horror aquilo que é vil e

grosseiro. [...] Irrita-se com a mais leve injúria. [...] Inclina-se para as criaturas, a carne, as

vaidades. Sente-se à vontade de se produzir. [...] Gosta de experimentar as consolações exteriores

que bajulam os sentidos.

2ª Meditação: Jesus mortificado

Nosso Senhor sofreu durante toda a sua vida.

Por quê?

1º Para reparar a glória de seu Pai, perdida, manchada pela sensualidade, pelo orgulho, pela cupidez

do homem.

O pecado e seu prazer.

2º Nosso Senhor sofreu, mas sem honra, sem consolo, sem descanso, por sua situação e por amor.

Seu sofrimento era como que natural a sua condição.

Ai de mim! Meus sofrimentos não tiveram essa característica! Como eu não soube escondê-los,

torná-los simples e naturais! Na verdade, eu os estraguei, eu os manchei. Perdi muitos méritos por

conta de um consolo e um alívio inúteis!

3º O sofrimento, prova de amor, perfeição do amor. Como Nosso Senhor me deu inúmeras provas!

Onde estão as minhas? E, no entanto, meus pequenos sofrimentos eram grandes graças e aquelas

que eu poderia ter feito nascer teriam sido belas flores de amor!

É preciso dizer do sofrimento como da oração: “Senhor, ensina-me a sofrer e a ser desprezado por

Ti” (São João da Cruz).

3ª Meditação: A carne em oposição ao espírito do Senhor em mim

Ela foi uma crise de toda minha natureza contra a lei do desprezo, o amor do sofrimento, das

humilhações, das perseguições. É pensar que sempre a carne, o espírito, o coração da carne estarão

revoltados, opostos, na posição de oposição, pelo menos de guerra, com o espírito de Nosso Senhor

em mim e que, consequentemente, é uma guerra armada, contínua, uma vigilância de todos os

instantes. Ora, isto não combina com minha preguiça, com minha covardia, de viver como inimigo.

E, no entanto, é preciso.

Nosso Senhor concedeu-me uma grande luz sobre mim. Trabalho muito pelo espírito. Tenho muitos

pensamentos e corro demais atrás deles. Isto faz com que meu coração fique ressequido, não há a

calma do afeto e a unção de seus atos exteriores, estando a alma ativa demais pelo trabalho do

espírito.

07 de fevereiro

1ª. Meditação: Mistério da Encarnação

Finalmente, entro nos mistérios de Nosso Senhor. Aí encontrarei a vida.

Na Encarnação, considerei três coisas:

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1° A preparação pelos desejos da fé e do amor.

Deus quer ser desejado, seu desejo desapega e preserva do mundo, excita o amor.

Desejos dos patriarcas, dos profetas, dos justos, da Santíssima Virgem.

E eu, eu não desejo o céu. Tenho medo porque não tenho nada. Porque não fiz nada, porque um

longo e severo purgatório espera por mim.

Não desejei, ou desejei pouco, o reino de Nosso Senhor em mim, porque estava totalmente voltado

para fora. Não desejei a Santa Comunhão, porque, exigindo ela o recolhimento e meus afetos

estando voltados para o estudo, para o trabalho exterior, tudo isso constituía um constrangimento.

2° A vida de Maria na Encarnação.

Maria estava repleta de alegria na posse, em sua união do Verbo encarnado. “Clama e grita de

alegria, tu que moras em Sião, pois o Deus Santo de Israel é grandioso em teu meio” (Is 12,6).

Estava totalmente concentrada em seu divino fruto, no Emanuel, princípio, centro e fim de sua vida.

Sua ocupação interior consistia inteiramente em admirar seu estado de humilhação, de louvar sua

bondade, de adorá-Lo, de amá-Lo e de servi-Lo.

Por toda parte, ela se sentia feliz com seu Bem-Amado.

Eis a vida que Nosso Senhor quer de mim, a alegria de minha vocação. Sentia-me tão feliz em sua

espera e preparação!

Formar Jesus em mim, viver em Jesus em mim e tudo para Jesus, meu conselho, minha força,

minha consolação, meu centro de amor.

Eis aonde é preciso chegar, a qualquer preço. O resto é nada.

3° Vida de Jesus na Encarnação. Jesus adorava seu Pai em seu estado de humilhação, frágil,

submisso, prisioneiro. Agradecia-lhe os benefícios cada vez maiores com sua idade, suas forças

naturais. Oferecia-lhe as virtudes, o amor de sua boa e digna mãe que o completava.

O Verbo encarnado santificava sua divina mãe, unia-se a todos seus pensamentos, seus desejos,

suas ações e os tornava próprios para adorar, amar e servir seu Pai, gozar nesse novo céu de delícias

da pureza, da santidade, do amor.

Oh, como foram agradáveis ao Verbo encarnado esses nove meses e doces a sua divina Mãe! Como

Maria estava feliz! Como o Verbo encarnado se sentia bem nesse corpo virgem, nesse coração

ardente, nessa alma tão bela!

Jesus quer fazer-me partilhar da graça de Maria em sua Encarnação e vir viver comigo a fim de que

eu viva Nele e por Ele, a fim de ser meu conselho, meu centro de ação, minha alegria, meu paraíso

de graça, para que Ele possa agir. Há bastante tempo que me sinto atraído para esse interior de

Jesus! No entanto, sempre o demônio, minha natureza tão agitada, meu espírito tão independente,

sobretudo minha covardia acabaram por me afastar. Ai de mim! Preciso começar aos 54 anos aquilo

que já deveria terminar! Oh, como essa visão me entristeceu, me humilhou! Pela misericórdia de

Deus não amo ninguém, jamais amei alguém. Só amei a mim por vaidade, não por sensualidade ou

por avareza. Não, não mesmo. Bem, vou, com a graça de Deus, começar por unir-me cada dia às

adorações, ao amor, ao serviço de Maria para com o Verbo encarnado. E isto, antes e depois de cada

uma de minhas ações, ao toque do sino!

2ª. Meditação: Encarnação espiritual

Tema e pensamentos:

1º Criação

Na criação do homem, Deus tinha reservado para si a realeza de sua alma, como a glória de sua

vida. “A alma do homem justo é o trono de Deus” (São Gregório). Deus devia aperfeiçoar sua

imagem, sua semelhança no homem, trabalhando em harmonia com ele.

Entretanto, o pecado alterou todo o plano. O homem pecador não quis mais que Deus permanecesse

nele. Voltou-se totalmente para o exterior, escravo dos objetos exteriores.

Para que ele se voltasse novamente para o interior, Deus o tomou pelos olhos em sua Encarnação.

Depois de se ter dado a conhecer a seus olhos, amado pelo coração, tocado por suas mãos, Jesus se

esconde em nosso interior. É lá que Ele nos fala, que Ele nos aconselha, nos consola, nos santifica.

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É em nosso interior que Ele quer instalar seu reino e forçar-nos também a permanecer com Ele em

nós, a fazer a sua maneira aquilo que a Santíssima Virgem fez em sua Encarnação.

Então, se formos fiéis, Ele nos consola, Ele nos concede sua paz. “É bom estarmos aqui” (Lc 9, 33).

É por isso que ele diz aos pecadores: “Lembrai-vos sempre disso” (Cf. Is 46, 8). “Dá-me, filho, teu

coração” (Pr 23, 26). Acima de tudo, “amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração” (Dt 6, 5). O

coração é a vida, Deus “é o rochedo de meu coração” (Sl 72, 26). “Pois onde estiver teu tesouro, aí

estará também teu coração” (Mt 6, 21).

2º Santificação

Quando Deus se propõe a criar um grande santo, Ele o separa do mundo pelas provações, pelas

perseguições ou por sua graça, infundindo nele o horror ao mundo, o amor da solidão, do silêncio,

da oração.

O maior dom de Deus é o dom da meditação pelo qual a alma é obrigada a isolar-se, a recolher-se, a

espiritualizar-se e a mortificar-se. E quando a alma não faz isto de maneira plena, Deus envia-lhe a

enfermidade, a doença, as provações interiores a fim de desapegá-la sempre mais. As tempestades

purificam o ar.

08 de fevereiro

1ª Meditação: Evangelho segundo São João

Jesus Cristo: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por

si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não

permanecerdes em mim” (Jo 15, 4).

Portanto, nossa união com Nosso Senhor deve ser tão grande como a união do galho com o tronco e

sua raiz; é uma união de vida.

A seiva divina da verdadeira vinha é muito poderosa e fecunda. “Aquele que permanece em mim

como eu nele, este dá muito fruto, pois sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5).

Se estivermos unidos a Jesus Cristo não apenas pelo estado de graça e pela fidelidade à graça, mas

ainda pela união a suas palavras (que são espírito e vida), então seremos totalmente poderosos. “Se

permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será

dado” (Jo 15, 7).

Existe, entretanto, uma união de amor prático que encanta o coração da Santíssima Trindade: “Se

alguém me ama, guardará minha palavra, meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele nossa

morada” (Jo 14, 23).

Eis a última oração de Jesus Cristo: a união com Ele. “Dei-lhes a glória que tu me deste para que

eles sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitamente unidos e o

mundo conheça que Tu me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Jo 17, 22-23).

Desta forma, o Salvador quer que nós sejamos um como Ele o é com seu Pai, que o Pai tenha por

nós o mesmo amor que tem por Ele.

São Paulo diz:

Que somos os membros de Jesus Cristo, que Ele é nossa cabeça;

Que nós somos o corpo de Jesus Cristo (Cf.1 Cor 12, 27), Ele é, portanto, nossa alma;

De si mesmo: “Cristo vive em mim” (Gl 2, 20).

Eucaristia, união substancial: “Quem consome minha carne... permanece em mim e eu nele” (Jo 6,

56).

Comungamos o corpo e o sangue de Nosso Senhor a fim de nos unirmos mais intimamente a seu

espírito, a sua alma, a suas obras, a suas virtudes, a seus méritos, enfim, a sua vida divina.

Nós nos alimentamos para nos fortalecermos.

23

Resumo:

1º Existe, portanto, a união com Jesus Cristo pela fé. “Que ele faça Cristo habitar em vossos

corações pela fé” (Ef 3, 17). “O que vale é a fé agindo pelo amor” (Gl 5, 6). É a união a sua

verdade.

2º Existe a união de amor. “Permanecei em meu amor” (Jo 15, 9). Este amor de Jesus Cristo leva à

observância de seus mandamentos: É a união de obediência, seguida da união de sentimentos. “Haja

entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus” (Fl 2, 5). Depois, a união de espírito que é,

propriamente falando, a vida de Jesus Cristo em nós. “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não

pertence a Cristo” (Rm 8,9).

3º Enfim, a união de sociedade, que mais se aproxima da união hipostática da natureza humana com

a pessoa divina na pessoa do Verbo, onde a natureza humana perdeu sua própria personalidade, não

sendo mais ela mesma, mas a pessoa divina do Verbo.

Para ajudar-nos nessa união, Nosso Senhor instituiu a Eucaristia, que é a comunhão substancial com

seu corpo, sua alma e, enfim, sua divindade.

2ª Meditação:

Foi muito fraca, pouco recolhida, tendo sido feita na casa das Irmãs da Adoração Perpétua e estando

eu um tanto cansado. Não entendo bem esta virtude: a graça de união.

09 de fevereiro

1ª Meditação: União

É bem certo que sem a união com Nosso Senhor poderia ter tomado belas e santas resoluções,

conhecido bem a mim, conhecido bem a Deus; tudo isto seria totalmente ineficaz porque não estaria

agindo em união com Nosso Senhor, nem pensando nele, sendo escravo dos atos exteriores ou dos

atos de meu agrado.

É preciso a união, mas como chegar a isto? É bastante simples: pela própria união! Por que tenho

necessidade de tantas resoluções, de detalhes, de pesquisas espirituais? Tudo isto serve apenas para

distrair o espírito. É preciso penetrar em Nosso Senhor. “Permanecei em mim” (Jo 15,4). Sem ficar

examinando a forma. Colocar-se em sua divina vontade do momento presente, querer unicamente

essa divina vontade, cumpri-la conforme seu desejo e dedicar-se inteiramente a ela por amor, para

agradar a Nosso Senhor. Ser totalmente dela pela graça, pela virtude do momento. Aí está todo o

segredo. É bastante simples: “Permanecei em mim... Aquele que permanece em mim” (Jo 15, 4-5).

Quando estamos junto de alguém muito mais importante do que nós, nós o honramos; junto de um

soberano, obedecemos a ele; junto de um amigo da realeza, procuramos agradar-lhe; junto de Nosso

Senhor Jesus Cristo, procuramos fazer tudo isto.

Entretanto, como pensar na união? Pensando nela! Querendo pensar nela! Tornando-a sua lei, sua

virtude dominante, endereçando a ela sua intenção, oferecendo e tornando a oferecer sua ação,

analisando depois suas falhas.

Por isso, é preciso pensar em Deus. “Anda em minha presença e sê íntegro” (Gn 17,1). “Sempre

coloco a minha frente o Senhor” (Sl 15, 8). “Juro pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem

sirvo” (1 Reis 17,1). “Como Henoc andasse com Deus” (Cf. Gn 5,24).

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 55

Necessidade que temos da graça.

Como a caridade substitui tudo.

Para mim, este é o capítulo mais belo.

2ª Meditação: Será que Deus me ama?

Importante e único assunto!

Não posso duvidar de que Deus me amou no passado e com um amor privilegiado. As

demonstrações desse amor são ainda maiores hoje:

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1° Tudo o que desejo me foi concedido de uma maneira admirável, até mesmo agradável!

2° A Providência Divina me precede, me acompanha e me segue. Eu a vejo, eu a percebo.

3° Deus me atrai mais fortemente para seu íntimo e de uma forma muito doce e muito forte, até

mesmo cruciante quando dele me afasto.

Ora, tudo isso me diz que Deus me ama com um amor enorme.

No entanto, esse amor não é terno. Por quê? Culpa minha porque tive medo da ternura de Deus no

passado, receio de ser obrigado a segui-lo em seus sacrifícios, num estado que me apavorava.

A culpa é minha porque em mim o espírito predomina e não suficientemente o coração, a

contemplação da oração ativa.

Além disso, é uma grande graça que o amor de Deus não seja tão terno em relação a mim, neste

momento! Iria deter-me nisso e é preciso avançar em direção à vida da morte.

Meu Deus, custa-me muito pensar em Deus fora de Deus! Quando estou com alguém ou

preocupado com algum assunto!

3ª Meditação: Motivos do amor de Deus por mim

Tenho analisado o que pode levar Deus a amar-me.

Certamente, não tenho nada em mim que seja digno de seu amor. Nada fiz de excepcional para Ele!

Meu estado é a tibieza, a infidelidade. Não tenho, portanto, direito algum ao amor de Deus. Pelo

contrário, só mereço mesmo seu castigo ou pelo menos seu abandono.

Entretanto, Deus me ama. Ele conserva minha vida. Oferece-me suas graças. Concede-me a honra

extraordinária do sacerdócio e da vida religiosa.

Por que o Pai celeste me ama? O Pai ama em mim seu divino Filho, sua misericórdia, seu

sacerdócio, sua vida pelo menos exterior.

Ele me ama porque Jesus me ama.

Por que Jesus me ama? Ai de mim “servo mau e preguiçoso” (Mt 25, 26). “Administrador

desonesto” (Cf. Lc 16, 8).

Jesus me ama porque sua santa Mãe me entregou a Ele, ama-me desde minha infância. Eu o amo

também, sobretudo depois de Laus, depois da morte de minha pobre mãe a quem fui entregue. E ela

guiou-me como uma verdadeira mãe!

Então, é preciso que a ame muito, visto que com seu amor me vieram todos os bens.

10 de fevereiro

1ª Meditação: Será que eu amo a Deus?

Deus me ama, eis uma verdade consoladora.

Maria me ama, eis minha esperança.

No entanto, será que amo Nosso Senhor?

Num primeiro momento, sim. Somente num primeiro momento. Sim, minha alma reage totalmente

diante de um pensamento contrário.

Coloquei-me no lugar de São Pedro, respondendo a Nosso Senhor “Senhor, tu sabes que eu te amo”

(Jo 21, 15). Então, lhe disse de meu amor de dedicação, que O amava nas criaturas, que Ele bem o

sabia. Nesse momento, meu coração e meus olhos foram eloquentes, não houve distrações.

Entretanto, diante das palavras: “Tu me amas mais do que estes?” percebi meu amor frágil para

seguir Nosso Senhor em sua vida humilde e crucificada, em sua vida solitária e interior, em seu

santo recolhimento. Aqui, meu espírito perturbou-se e o coração emudeceu. É verdade. Não amei

Nosso Senhor por Ele mesmo, mas por sua glória exterior, ou talvez minha natureza nela se

comprazia. Ela encontrava aí sua satisfação. Entretanto, esse amor de Jesus deve ser simpático.

Jesus, acima de tudo. Sua pessoa é o paraíso. Onde Ele está, aí está o tesouro!

Então, deixando voar minha imaginação, coloquei-me na seguinte situação: Se Jesus não quisesse

mais a Sociedade, não quisesse que eu voltasse para junto de meus irmãos, mas me quisesse como

Alexis, um padre pobre, vestido de forma rústica, ignorado e desconhecido, vivendo da espórtula de

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sua Missa, permanecendo num cantinho de uma igreja com Jesus Cristo, não vendo ninguém, não

confessando nem pregando mais, não dando conselhos a ninguém, mas vivendo a vida escondida e

penitente de Nosso Senhor, morrendo sozinho, sem auxílio algum, então, minha alma, o que farias?

Minha primeira resposta foi: “Sim, Senhor, tu sabes que sou teu amigo” (Jo 21,15). “Mestre, eu te

seguirei por onde quer que fores!” (Mt 8,19). Quem pode saber o que o bom Mestre reserva para

mim em sua misericórdia! Deus!

2ª Meditação: Sobre o Cenáculo

Meditei sobre o Cenáculo a respeito do qual li uma descrição em Morone de Maleo.

3ª Meditação:

Adoração em Santa Ágata2

11 de fevereiro

1ª Meditação: Serviço interior

Foi uma boa meditação! Eu estava em meu [estado] de graça.

Estamos ligados ao serviço de família, a um serviço íntimo, ao serviço da própria pessoa de Jesus

Cristo Sacramentado, para, consequentemente, permanecer com Ele, como os anjos que fazem sua

corte e estão sempre prontos a todas suas ordens. E quando Ele não lhes ordena nada em particular,

para honrá-Lo, bendizê-Lo, agradecer-Lhe, amá-Lo, tentar agradar-Lhe, glorificá-Lo. Eis o que nos

compete. Somos a guarda de Nosso Senhor. Formamos sua família. Nossa vida deve, portanto, ser

uma vida de família interior, de ordem, de paz, de união.

Nossa perfeição consiste em bem servir por nós mesmos, tornar-nos agradáveis e aptos,

consequentemente chegar a uma perfeição inteiramente pessoal.

Adorar em espírito e em verdade: eis nossa vocação. “Estes são os adoradores que o Pai procura”

(Jo 4, 23). Não há muitos, consequentemente, ele os procura.

Poucos são aqueles que se contentam de Deus, que se doam exclusivamente, absolutamente a Deus.

Não quero o que é teu, mas a ti (Im 4, cap. 8).

Sempre se quer glorificar a Deus pelo exterior, por suas faculdades, mas não em si, nele mesmo, por

esse reino interior que é a soberana glória que Nosso Senhor quer de cada homem, sobretudo do

adorador. Como o serviço exterior é mais agradável aos sentidos, torna-se meu centro.

Meditando, então, sobre esse serviço pessoal, via o anjo Rafael: “Vós víeis que eu nada comia, mas

dava a impressão de fazê-lo” (Tb 12, 19). Ele via Deus, vivia de Deus acompanhando Tobias. Eis o

que é preciso que eu seja.

Eu analisava a vida do fogo que é toda interior. Arde em fogo pelos outros. Jamais fica tão intenso

como quando está comprimido ou sob as cinzas; ele se conserva durante muito tempo.

Analisei também a raiz de uma árvore que no inverno mergulha nas entranhas da terra para aí

conservar-se, nutrir-se e fecundar.

É o “permanece em Deus, em Cristo” (Cf. Jo 15,5).

Na prática, ficou bem claro para mim que, para tornar-me um verdadeiro religioso e superior, é

preciso que eu viva dessa vida interior de Adoração, que me limite a Nosso Senhor Jesus Cristo,

que tema o ministério exterior porque é mais importante formar meus irmãos, tornar-se mais

ardente do que brilhante, mais raiz do que galho.

Quanto a mim, devo mesmo fugir da glória exterior de Nosso Senhor nesse momento e dou a mim a

felicidade de guardar-me junto de sua adorável pessoa, em seu serviço íntimo.

Devo fugir de tudo aquilo que pode ser para mim uma distração, uma ocasião estranha, ser visto, ser

procurado. Isto me tira de meu centro divino.

Como ontem, resoluções: orações jaculatórias, renovação três vezes a cada ação: antes, durante e

depois. 2 A exposição das Quarenta Horas ocorria na Igreja de Santa Ágata, nos dias 9 e 10 de fevereiro.

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“Dá-me, filho, teu coração” (Pr 23,26), pensamentos, desejos e trabalhos. Meu Deus e meu tudo (Im

3, cap. 34).

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 7 Filho, é muito útil e seguro para ti esconder a graça - Irmã

Bendita, meus sentimentos - nunca deverias gabar-te disto - nem exaltar demais a excelência de

minha vocação nem deverias falar muito sobre isso, porque a vaidade aí se insinua facilmente, em

vez disso, tu deverias pensar o pior sobre ti mesmo e temer. Para conhecer o valor de cada um, é

preciso considerar se está baseado na humildade e cheio da divina caridade, se busca sempre,

única e inteiramente a glória de Deus, se considera a si mesmo realmente um nada e se fica mais

feliz quando os outros o desprezam e humilham e não quando o honram.

Eis o mérito!

2ª Meditação: Cartas

Ruim

3ª Meditação: Confissões

Ruim

12 de fevereiro

A serpente me enganou na oração da manhã e prolonguei a leitura ontem à noite, pois tive insônia.

1ª Meditação: Sobre a profunda miséria de meu espírito

Prolonguei minha ação de graças por uma hora em razão de não ter feito a meditação.

Como o bom Deus foi generoso comigo! Jamais consegui compreender meu mal em trabalhar

sempre pelos outros, estudar, pregar, aconselhar e tudo o mais sob o pretexto da glória de Deus,

para fazer o bem!

Daí essas adorações nesse sentido, e não com Nosso Senhor, mas para mim.

Daí essas ações de graças, não com Nosso Senhor, mas para os outros.

Daí considerá-las tão longas. Tentação de pegar um livro, de ler orações e depois, saindo,

encontrar pessoas amigas, perder tempo facilmente em conversas ou ler o jornal, um livro espiritual

ou para o espírito.

Como senti a profunda miséria de meu espírito, de minha imaginação, de meus sentidos que com

prazer fazem o sacrifício para dar prazer à vaidade do espírito, à falsa liberdade, ao desejo de acabar

bem rápido uma coisa começada, ler cartas e cartões de visitas. Assim, tudo é deferido, adiado; a

oração, prejudicada. Ah! Escravo vergonhoso de uma falsa liberdade de quem sou já há bastante

tempo o joguete! Por que não fazer como diz a Imitação: Conforma-te com minha vontade e não

sofrerás dano algum. Se teu amor for puro, simples e bem orientado, não serás aprisionado pelas

coisas (Im 3, cap.27). Não desejes aquilo que não é lícito possuir (porque é proibido ou não é o

momento adequado, de graça). “Não queiras o que te pode causar transtorno e privar-te da liberdade

interior”. Como pôr-se sempre a serviço, à dedicação estranha. Não atraias para ti as tarefas dos

outros nem te envolvas em causas maiores (Im 1, cap.21). De nada adianta adquirir ou multiplicar

os bens exteriores, o que importa é desprezá-los e arrancá-los do coração pela raiz [...] bem pouco

protege o lugar se falta o espírito de fervor [...] se não te firmares em mim podes mudar, mas não

melhorar (Im 3, cap.27).

Então, minha alma, lê, estuda, reza, trabalha como o jardineiro com sua planta doente.

Olha por ti, busca teu benefício. Quando tiveres que procurar aquele dos outros, espera a ordem de

Deus, a lei do dever.

2ª e 3ª Meditações:

Sobre o mesmo assunto e encontrei um bom material a respeito.

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Na meditação do meio-dia, pedi desculpas. Vi o mal que isto me fez e mais ainda a Deus, a sua

glória.

À noite, agradeci a Nosso Senhor ter atrasado o assunto. Teria partido com um fragmento de retiro,

sem raiz, sem exercício das virtudes. Aqui, isto me seria muito fácil. Bom dia. Eu me senti muito

bem.

A serpente enganou-me pela covardia esta manhã, após a leitura prolongada feita na véspera. Na

verdade, tive insônia esta noite.

“Permanecei submissos a minha vontade e nada vos poderá aborrecer. Se vosso amor é puro,

simples e bem resolvido, não sereis escravos de coisa alguma. Nem mesmo desejareis aquilo que

não vos é permitido ter. Renunciai a tudo aquilo que ocupa demais vossa alma e a priva de sua

liberdade. (Não deveis atrair para vós os compromissos dos outros e não vos deveis envolver

naqueles dos grandes). Para que serve, pois, possuir e acumular muitas coisas fora de vós? Serve

para menosprezá-las e arrancá-las de seu coração... Lugar algum é um refúgio seguro se falta o

espírito de fervor... Se vós não vos apoiais em mim, certamente podereis mudar, mas não será para

melhor. Vigia sobre ti mesmo”.3

13 de fevereiro

1ª Meditação: Sobre a modéstia exterior

Adorei a modéstia de Nosso Senhor. Eu o segui até o Santíssimo Sacramento.

Honrei e louvei a modéstia da Santíssima Virgem.

Questionei-me por que não sou modesto. É porque perco a visão da presença de Deus, não rezo e,

então, a liberdade, a negligência dos sentidos é que interessa. Está muito claro que é uma grande

mortificação, visto que sofro. Por que, então, não fazer diante de Deus aquilo que se faz em razão

das normas da boa educação e do respeito no mundo?

Por que não sou modesto nas ruas? Eu o sou nas coisas indiferentes e mesquinhas. Contudo, sou

curioso, e essa curiosidade tem sua fonte na vaidade. Quero ver para estudar, para falar. Isto é

vaidade das vaidades.

Frequentemente minha vaidade custa caro, a dissipação, as imagens, as distrações e frequentemente

as tentações. O santo homem Jó, que conservava a modéstia dos olhos para não ver, para não ter

nem mesmo a imagem, a lembrança de uma virgem sábia.

É preciso, portanto, que eu abrace a santa modéstia, não para pregar como São Francisco - para mim

seria pura vaidade, não para ser o exemplo dos outros. Isto seria contra a graça em mim; devo ser

modesto para honrar Deus através de meus sentidos, para mantê-los respeitosos, em penitência, a

fim de que minha alma esteja sempre pronta a adorar, possa sempre rezar, refletir somente sobre

alguma verdade de Nosso Senhor, estar livre de qualquer lembrança estranha.

Entretanto, como vou conseguir ser modesto no locutório, no interior da casa? Porque ali está o

deixar-se levar, a familiaridade.

Oh! Como encontrei bem poucas pessoas piedosas, até mesmo religiosas, modestas no olhar no

locutório, nas conversas! Como isso é difícil! O que é a modéstia das ruas? Ela é menos virtude do

que aquela do interior? É preciso com certeza procurar o meio! Ele é bem simples! Não ficar diante

das pessoas, ter diante de si uma imagem qualquer, ter nas mãos um objeto piedoso, estar na

presença de Nosso Senhor, orar enquanto conversa. Entretanto, é preciso querer isto realmente. Vou

tentar a modéstia nos corredores e com as pessoas. Aproveitou muito mais abandonando tudo do

que estudando assuntos sutis (Im 3, cap.43). Meu filho, é preciso que permaneças na ignorância de

muitas coisas, é preciso que estejas como morto para o mundo e que o mundo esteja morto para ti

(Im 3, cap.44).

3 Não há referência ao autor do texto!

28

2ª Meditação:

Um pedido de desculpas em razão de todos os pecados e dos maus exemplos que cometi contra a

modéstia, em razão do que privei Deus de toda a glória, de todas as graças e de todos os méritos dos

quais eu mesmo me privei.

3ª Meditação: Sobre a modéstia – prática

Confesso que estou apavorado diante dessa lei de modéstia que devo praticar em tudo e sempre,

tanto no interior quanto no exterior.

Entendo que a isso estou obrigado:

Como cristão, visto que devo viver conforme a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, que era a

modéstia por excelência.

Como sacerdote, visto que é a realeza de Jesus Cristo em mim.

Como religioso, visto que sou de sua família e devo honrá-lo como os anjos.

Como superior, visto que devo ser modelo para o rebanho.

Estou apavorado diante desta lei prática da modéstia dos olhos com as pessoas que me são

próximas. Parece-me que elas vão pensar que sou orgulhoso, desprezível, que estou enfarado delas.

Parece-me que a modéstia me custará menos nas ruas.

Entretanto, olhar apenas umas duas vezes durante uma visita, na entrada e na saída, parece-me

bastante difícil.

A lei da modéstia, da decência e da boa postura também vai custar muito para mim, sendo nervoso,

ardente e temendo algum constrangimento.

Tudo isto é preciso, custe o que custar. Nosso Senhor quer isto, é meu dever. Contanto que agrade a

meu mestre, o resto não interessa. Será uma libertação e uma independência de tudo o mais.

Tornando-se modelo do rebanho.

14 de fevereiro

1ª Meditação: Modéstia, virtude real

Eis uma das grandes luzes de meu retiro!

Enfim, Nosso Senhor fez-me conhecer e entender que a virtude soberana de um adorador é a

modéstia!

Que é a virtude dos servos da realeza, a virtude dos anjos diante da Majestade Divina;

Que é a virtude por excelência de Maria, a Mãe santíssima;

Que é sua virtude dominante. “Ficaram admirados ao ver Jesus conversando com uma mulher”

(Jo 4, 27). “Jesus levantou o olhar para os discípulos” (Lc 6,20). “Levantando os olhos” (Jo 6,5).

A modéstia deve ser, então, minha virtude, minha virtude real, soberana, dominante.

Ela será para mim todas as virtudes, visto que ela as encerra e as aperfeiçoa.

Virtudes no interior:

A modéstia diante de Deus deve ser pura, humilde, piedosa, devotada e devotada por amor para

seu beneplácito.

Ela é a alma e o exercício do recolhimento interior, visto que compõe a alma diante de Deus,

aos pés de Deus, como Maria.

Virtudes no exterior:

Modéstia dos olhos: é a vigilância cristã, uma mortificação contínua, uma penitência, uma

reparação devida.

Modéstia da boca: a prudência e a sabedoria, a mansidão e humildade, a temperança.

Modéstia dos sentidos: a decência e a conveniência, a honra e o respeito devidos ao próximo.

Modéstia do caminhar: dominar-se, evitar a frivolidade, a dissipação, honrar a si mesmo, aliás,

honrar a Deus em si.

29

Modéstia da atitude geral do corpo: postura firme sem pretensões, postura conveniente sem

afetação, postura honrosa sem ser vaidosa ou exagerada, como diante de Deus; é o respeito.

Modéstia à mesa: é a sobriedade, a etiqueta, a mortificação. É a mais difícil, pois nos deixamos

levar.

Modéstia das relações: é a prática fácil da humildade e da caridade, da humildade que se faz

esquecer, da caridade que se esquece.

Diante de Deus como adorador, o exercício da modéstia é a virtude da religião prática.

Além disso, a modéstia é a educação do religioso sacramentino, é o servo real de Nosso Senhor

Jesus Cristo, seu anjo, seu apóstolo eucarístico.

Meu Deus, como conseguir isto?

1º Pela oração. Pedir todos os dias esta virtude.

2º Pela presença de Deus, da Santíssima Trindade em mim, de Jesus Cristo em mim.

3º Pelos exames frequentes e sempre a sanção reparadora.

4º Tornando essa virtude o desejo do momento, colocando-a por toda a parte a fim de ter seu

espírito!

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 31

Que tristeza! Nós nos recolhemos por algum tempo e logo nos apressamos em sair atrás das

distrações exteriores, sem jamais examinar seriamente nossas obras. [...] Nós nunca analisamos

até onde vão nossos afetos nem deploramos que tudo isso seja impuro em nós. [...] Os frutos de

uma boa vida crescem somente num coração puro.

2ª Meditação: Estava na cidade.

3ª Meditação: A modéstia, seu vínculo com todas as virtudes

Esta meditação, vinda depois da leitura do Venerável Nicolau Lancício, foi muito trabalhosa. Eu

havia lido com muita avidez, mais pelas notas. Consequentemente, pelos outros. Isto me cansou e

me dissipou.

No entanto, depois de quinze minutos, eu pude voltar para meu assunto: a modéstia considerada

como virtude e todas as virtudes por ela.

Percebi o perigo de reprovar muito suas imprudências, suas faltas de surpresa porque tudo isso nada

mais faz do que marcar acentuadamente o sentimento, a lembrança, a imagem. É uma astúcia do

demônio para perturbar. A verdadeira virtude foge da visão, da lembrança e, sobretudo, em razão do

remorso, contempla Deus e diz que ela O ama!

O demônio e a imaginação também exageram a imprudência, a fim de perturbar mais. Eis o perigo

conhecido.

Vi os combates que me esperam. O maior é aquele de ser totalmente sobrenatural com o mundo. Eis

aí o segredo: ser sobrenatural recebendo, falando, tendo uma postura digna, porque tenho três

defeitos a evitar:

Olhar demoradamente, por educação ou enfado ou infantilidade para a roupa das pessoas.

Falar muito, tentando ser agradável, ser útil. É aí que o natural se mistura e, se há vaidade ou

simpatia, perco meu tempo.

Ser muito simples, ingênuo, expansivo com as pessoas de meu conhecimento ou a quem devo

alguma gratidão ou até por uma falsa caridade, um falso zelo.

Portanto, preciso:

1º Ser modesto nos olhos, ver sem enxergar, sem ter a forma da pessoa em meu espírito.

2º Ter dignidade em minha atitude: “Ministro de Cristo” (Col 1,7); e também pelo respeito devido a

Nosso Senhor e a seus santos.

3º Evitar toda naturalidade na expansão em relação a mim, qualquer expressão que possa ter um

sentido natural na dedicação, e não tocar as mãos.

A oração tudo alcança. “Por isso dirigi-me ao Senhor e o invoquei”. E depois, fazer penitência.

30

15 de fevereiro

1ª Meditação: Sobre a castidade

Agradeci a Nosso Senhor ter conservado minha virgindade no estado secular, minha castidade no

sacerdócio e meu voto na vida religiosa. Percebi que graça Nosso Senhor me concedeu! Apesar de

minhas imprudências, de minha naturalidade, de minhas vaidades e essa falta de cuidado em relação

à simpatia.

Como o bom Deus foi generoso comigo!

Jamais estive envolvido em escândalos, em ocasiões provocantes. Ninguém jamais me faltou ao

respeito.

Ai de mim, meu Deus, eu teria sido muito fraco! Vossa misericórdia me protegeu!

Como Deus foi bondoso para comigo!

Ele me repreendia quando me expandia demais, quando algumas ideias voltavam constantemente,

quando pensava mais frequentemente em uma pessoa do que em outra, mesmo que piedosa.

Que horror Nosso Senhor me inspirou em relação à escravidão do afeto impuro ou que pudesse

assim se tornar! E isto por meio da vaidade! Ele me pegava por meu vício dominante, não podendo

prender-me por seu amor. Dessa forma corrigiu-me na infância. Oh! Não agradeci a ele

suficientemente nem à santíssima Virgem a quem devo tanto! Deveria ser punido cem vezes!

Meditei, pois, sobre a excelência da castidade:

Por ela, nosso corpo torna-se o templo puro e adornado da Santíssima Trindade. Seu inimigo

suja esse templo ou perturba sua paz.

Por ela, entramos para o serviço de Nosso Senhor Jesus Cristo com os anjos. “E os anjos o

serviam” (Cf. Mt 4, 11). Somente a pureza deve servi-lo.

Por ela, nós nos tornamos amigos do Rei. “E tem o Rei como seu amigo” (Cf Pr 22,11). Existe

a simpatia de estado e de vida. Jesus ama em nós a Virgem Maria.

Por ela, nós nos tornamos dignos ministros do altar, dignos apóstolos de Jesus a quem ele

confia certamente suas esposas para o dia das núpcias eucarísticas, depois celestes.

Por ela, a alma torna-se o céu de Deus, o altar do amor sobre o qual se oferece sem cessar como

uma hóstia pura, santa e imaculada (Missa).

Portanto, é preciso que a modéstia seja a rainha das virtudes, a guardiã, a defesa, o ornamento, a

veste e, sob esse aspecto, a virtude da modéstia torna-se gloriosa. Ela é meio. Ela é condição

absoluta.

Resolução do dia: modéstia dos olhos, do corpo. Oração.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 53

Filho, minha graça é preciosa e não se mistura a coisas estranhas (negócios estranhos, dedicação

exagerada, zelo pela propaganda inútil) nem a consolações terrenas. Importa, pois, remover os

obstáculos... Procura o retiro, ama a solidão, não busques a conversa de ninguém; pede

fervorosamente a Deus que conserve teu coração compungido e tua consciência pura.

Não dê importância alguma ao mundo inteiro; prefere o serviço de Deus às coisas exteriores [...].

É preciso afastar-te de conhecidos e amigos. [...] Se conseguires vencer-te totalmente, tudo o mais

vencerás com facilidade. A vitória perfeita é o triunfar sobre si mesmo [...] este é verdadeiramente

vencedor de si e senhor do mundo. [...] Vencido este mal, haverá grande paz e tranquilidade

contínua.

2ª Meditação: Sobre a leitura da Imitação de Cristo

Minha alma alimentou-se bem e procurou recolher-se um pouco mais porque meu pobre espírito

começava a dissipar-se e meu coração a esfriar.

3ª Meditação: Castidade do coração

Comecei agradecendo a Nosso Senhor os meios de me instruir (Jerônimo Piatti, jesuíta italiano).

Realmente, assim que Nosso Senhor me deixa desejar alguma coisa, dele eu já a recebo em seguida!

31

O que me ocupou e impressionou em minha meditação foi que é o amor de mim mesmo que se

encontra em todas as criaturas e nas coisas; que existe em mim um amor desgovernado, oculto que

reaparece sob todas as formas, que se encontra em tudo; o que é essa afeição desregrada?! Qual é

seu cerne? Qual é sua lei primeira? Eis o que procuro e não consigo encontrar, a alma de minha

alma ruim. Existe em mim um mistério de vida; parece-me que só quero Deus, mas a cada instante

só me encontro amando a mim, só trabalhando para meu prazer, dedicando-me apenas àquilo que

desejo, amo e espero.

Procuro Deus e não o encontro nas virtudes, na própria oração, nos santos. Quando penso que vou

encontrar Nosso Senhor em algo, ele não está. Faço tudo o que posso para ter um livro santo, uma

imagem, uma leitura. Procuro Jesus como Madalena no jardim da sepultura.

Oh! Como a alma sofre nesse estado! Tudo lhe é amargo. Tudo a faz dizer: “Não está aí, não é

isso”.

Ainda não encontrei esse divino Jardineiro em minha alma. Amo aqueles que o amam, amo demais

até.

Amo o que parece poder dá-lo a mim, amo muito mesmo.

Contudo, minha alma está triste.

Há um elo que deve ser quebrado, um nada talvez...

16 de fevereiro

1ª Meditação – fundamental

Que noite triste e horrível! Como sofri! Resultado de minha meditação de ontem à tarde. Estou mais

que convencido de que tudo aquilo que fiz, que disse, que resolvi durante este retiro não é o

caminho certo.

Penso isto por causa desta tristeza do coração, desta necessidade de algo, desta avidez de ler alguma

coisa que me dê esse segredo. É bom que esta pequena compulsão que se inicia não seja mais

sensível. Isto seria um alimento para meu coração.

Acordando esta manhã, muitas vezes me veio à mente este pensamento da Imitação de Cristo: É

estranho que não te abandones todo a mim, que não confies de todo o coração, com tudo o que

podes desejar ou possuir... Levantando-me, prostrei-me até o chão e implorei luz e graça.

Nosso Senhor recompensou-me muito bem por ter-me eu levantado mais cedo, apesar do cansaço

da noite.

Procurei o capítulo deste “é estranho!” É na Imitação, Livro 3, Capítulo 27

Filho, para tudo possuíres, deves dar tudo sem reserva alguma. Por que te consomes com vãs

tristezas? Por que te cansas com cuidados supérfluos? Conserva-te submisso a minha vontade e

não sofrerás dano algum. Nenhum lugar é abrigo seguro se falta o espírito de fervor, nem durará

muito essa paz que se procura externamente, se ao coração faltar seu verdadeiro fundamento, isto

é, se não te APOIAS EM MIM. Podes muito bem mudar e não melhorar. Frutificai-me, Senhor, com

a graça do Espírito Santo. Fortalecei em mim o homem interior. Dai-me, Senhor, a sabedoria

celeste para que aprenda a buscar-vos e achar-vos, a amar-vos acima de tudo e a ver todas as

coisas como elas são, segundo a ordem de vossa sabedoria. Dai-me paciência... dai-me paciência...

Aí está todo o segredo! Dar a Nosso Senhor meu eu sem condições. Eu o dei, jurei diante do

Santíssimo Sacramento na Consagração. Minhas lágrimas o sancionaram. Coloquei meu coração no

cibório, na hora da comunhão, coração que se dava para ser um cibório.

É Jesus que quer ser meu Rafael (livro de Tobias) meu meio, meu centro. “Permanecei em mim”

(Jo 6,56). “Vós sois aqueles que permaneceram comigo em minhas tribulações” (Lc 22,28).

Um servo permanecendo com seu mestre, todo e sempre a sua disposição, a tudo igual e

afetuosamente; mais afetuosa e alegremente no que mais lhe agrada do que naquilo que o desejaria.

Renovar o dom de mim mesmo, como minha respiração.

Penso que fugia dessa servidão divina, que queria escolher, que queria guardar-me em meu dom.

“Todo teu”, mas cuidado com o voo.

32

Café da manhã: Imitação, Livro 1, capítulo 15

É sempre o mesmo pensamento:

Quem possui a verdadeira e perfeita caridade não busca a si mesmo em coisa alguma, mas seu

único desejo é que em tudo se realize a glória de Deus. De ninguém tem inveja, porque não aprecia

favor particular algum, nem coloca em si mesmo sua alegria, mas desdenhando todos os outros

bens, busca sua felicidae em Deus...

2ª Meditação: Sobre a Imitação

Renovei aquela da manhã. Tenho a sensação dessa graça que conservei, que a meditação desta

manhã é fundamental: sou o servidor de Jesus Cristo.

3ª Meditação: Espírito de Nosso Senhor

Entreguei-me todo a Nosso Senhor como meu Mestre para servi-lo em tudo e não viver mais em

mim nem para mim. Deveria ter feito isto sempre, pois sou sua criatura, seu cristão, seu ministro e

seu religioso. Estou ligado a Deus por deveres assim como por títulos.

Sou, portanto, bastante culpado por não ter feito isto! E por que eu não o fiz? Aliás, por que eu o fiz

de forma iníqua? “A serpente me enganou” (Gn 3,13). O velho homem dominou, eu quis ser

alguma coisa para o serviço de Deus. O espírito do mundo, esse espírito de vaidade, encheu minha

vida. Para que parasse essa torre de Babel de ciência, de estudos, de furor no trabalho, foi preciso

que Deus me tornasse viajante, doente. Essas dores de cabeça que duraram até minha vocação ao

Santíssimo Sacramento eram a misericórdia de Deus que vinha deter o trabalho da torre de Babel.

Na verdade, em mim isso foi a mais viva, eu diria, a única paixão: o estudo, o trabalho. Meu Deus,

vós me corrigíeis por meu próprio defeito e vós me defendíeis contra os perigos do mundo, mesmo

por minha vaidade e seu alimento.

Hoje, que quero ser todo de Nosso Senhor, como seu servo, é bem evidente que devo estudar seu

espírito a fim de servi-lo conforme seus gostos, sua vontade. É meu primeiro trabalho. Ora, para

mim será fácil conhecer o espírito de Jesus. Ele mesmo o disse: “Sede discípulos meus porque sou

manso e humilde de coração” (Mt 11,29). E quando os filhos Boanerges quiseram incendiar uma

cidade hostil a Ele, disse: ”Não sabeis de que espírito sois”. Este é o ponto essencial. Ora, não sou

manso, menos ainda humilde e, sobretudo, de coração. Então, quem me revelará esse espírito de

Jesus? O Espírito Santo que está em mim. É sua divina missão, é para este fim que me foi dado. Isto

conseguirei invocando-o, recolhendo-me, consultando-o sem cessar, agindo somente conforme a lei

do espírito de Jesus e de sua santa graça.

17 de fevereiro

1ª Meditação: Meio do espírito de Jesus

Está claro que devo viver em Nosso Senhor: “Permanecei em mim” (Jo 6,56), pois sou seu

adorador, seu servo, unido a sua adorável pessoa. O essencial, porém, é viver de seu espírito “Se

alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo” (Rm 8,9).

O que me tocou muito nesta meditação foi ver que Nosso Senhor quer ser não apenas meu mestre

de serviço, mas também meu mestre de educação. É ele mesmo que deseja educar-me, formar-me,

aperfeiçoar-me em seu serviço e no serviço de seu Pai celeste, meu Deus. Lançando um olhar sobre

meu passado, vi que foi sempre Nosso Senhor que me guiou, que me instruiu, que quis ser meu

único mestre em tudo. Parece que eu me teria apegado demais a um diretor, a um mestre dedicado.

Aliás, eu estava um pouco como Jacó; depois sentia em mim que não me diziam o que eu

procurava; jovem, não pensava nos homens; comungava e fazia minhas orações. Jamais alguém se

interessou por mim, mesmo espiritualmente. Eu não sentia essa necessidade.

Pois bem! Será, portanto, Nosso Senhor meu mestre, que deseja formar-me, fazer sociedade

comigo. Sinto que está tudo aí e não existe nada, além disso: a graça, a paz, a liberdade, a vida.

Sinto que estou em casa, estando sob o comando de Nosso Senhor. Ele me fez ver bem isso! Não é

33

Ele a própria beleza para meu espírito? A bondade infinita para meu coração? A santidade para

minha vontade? A honra e a força do corpo libertado de todas essas febres de trabalho, de todos os

excessos de fadiga e de servidão!

Será que os santos não encontram tudo Nele? Será que eles não são felizes? Nosso Senhor quer ser

mesmo minha felicidade e minha glória!

Em tudo isso, que honra para mim ter semelhante Mestre!

Que felicidade estar sempre com Ele! Viver de sua palavra, de sua própria vida!

Realmente, como esse bom Mestre pôde ficar 54 anos à porta de minha alma? Esperar-me neste dia!

E isto para meu único bem!

Hoje, renovar o ato de doação, fazer este trabalho na Imitação a fim de ter o resumo do dom e uma

pequena provisão de bons pensamentos.

Se soubesses aniquilar-te inteiramente e arrancar de teu coração o amor de toda criatura, então eu

derramaria sobre ti abundantes graças (Im, 3, cap. 32).

Não há, com certeza, oferenda mais digna nem maior satisfação para apagar os pecados do que

oferecer-se a si mesmo, pura e simplesmente com a oblação do corpo de Cristo, na missa e na

comunhão (Im 4, cap. 7).

2ª Meditação: Sobre o Espírito de Jesus (continuação)

Diante do Santíssimo Sacramento, exposto na Capela das Adoradoras, durante 45 minutos.

Recordei a meditação desta manhã. Constatei que para obter o espírito de Nosso Senhor é preciso

viver dele, e para viver dele é necessário inspirar-se sempre nele e alimentá-lo para o retorno do

coração para Deus e homenagem das obras. Houve em mim uma tempestade a esse respeito,

julgando ser isto impossível com um espírito tão presunçoso, tão leviano e tão mordaz, com uma

natureza habituada à vida ativa, exterior. E, embora desejando concentrar-me, meu espírito

escapava a todo o momento, seguido pela imaginação e tudo em mim se ressentia disso.

Essa estabilidade de espírito, um espírito firme de São Luiz Gonzaga, parece impossível de ser

realizada.

Direi mais: Nosso Senhor não o exige de mim. Ai de mim! Como isto é humilhante! E, sobretudo,

para uma natureza como a minha que quer acabar logo com as coisas e os sacrifícios. No entanto,

vejo-me obrigado a ter paciência com as distrações e as divagações, a humildade contínua com

essas loucuras, essas divagações, depois, com a fascinação que meu espírito exerce sobre meu

coração e minha pobre vontade que, se tendo extraviado, perde seu caminho. Eis meu estado!

Precisei ir às Adoradoras para colher esta pobre flor!

No entanto, ao terminar, Nosso Senhor parecia dizer-me: “Faze atos de amor sobre minha bondade,

minha providência, minha misericórdia. Não necessitas de espírito para isto. Os atos do coração são

feitos rapidamente. Em todas as coisas considera minha intenção. Adora minha vontade nela

mesma. Oferece-te pelo coração a meu coração. Para isso não precisas do espírito. Minha graça

supre o espírito e o espírito de fé vale mais que tua pobre inteligência”.

Com estes pensamentos pude rezar um pouco, mas que miséria! Que guerra me espera. Só desprezo

merece este insensato [o espírito]. Talvez, a humilhação consiga abatê-lo.

3ª Meditação: Espírito de Jesus pelo amor

Retomando meu tema do dia e recordando o bom pensamento das 11 horas, que o coração de Jesus

deve inspirar meu coração, na meditação da tarde, veio-me o pensamento de que só o amor é que

forma o espírito, o inspira e o alimenta, que o pensamento segue o amor, que o amor produz a

imitação, a comunicação do espírito.

Nosso Senhor disse: “Onde estiver teu tesouro, aí estará também teu coração” (Mt 6,21). Se Jesus

for meu tesouro, Ele também será meu pensamento.

Nosso Senhor não quer o espírito, mas a abnegação. Ele começa sua lei pelo “Amarás ao Senhor teu

Deus de todo teu coração...” (Mt 23,37). O resto segue, naturalmente.

34

“Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). O amor é o sentido cristão, divino que Nosso Senhor nos

vem trazer: “Vim trazer fogo...” (Lc 12,49). Portanto, devemos trabalhar o amor para obter o

espírito de Jesus que, então, tornará o espírito de meu coração e o meu espírito será crucificado.

Depois disto, examinei o caráter do espírito de Jesus, resumido nessas adoráveis palavras:

“Aprendei de Mim... que sou manso...” (Mt 11,29). Jesus é manso, manso no interior, manso no

exterior. É o Cordeiro, é a pomba. É a própria bondade...

1º Examinando essa mansidão exterior de Jesus em suas palavras sempre dignas, sempre ternas.

Bom até mesmo quando fala das desgraças: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes... Oh! Se tu

conhecesses!” (Cf. Mt 23,37).

Nas relações com seus discípulos grosseiros, sempre o bom Mestre; com os estranhos, sempre

afável, paciente; com Judas, sempre a mesma bondade. Nada de indiretas, jamais! Somente no

último momento é que revela a traição e de um modo prudente: “Amigo, para que vieste?” (Mt

26,50).

Sua mansidão em seus atos. Tudo respira a doçura, a bondade, a igualdade de vida, de virtude, de

caráter.

2º Sua doçura interior: nenhum ódio nem cólera recalcada, nenhum pensamento de vingança, de

diálogo interior sobre seus direitos. Absolutamente nada: pomba sem fel, espelho transparente de

misericórdia e de bondade.

Pois bem! Para possuir o espírito de Jesus devo adquirir essa mansidão. Oh, como isto me falta

frequentemente; esses arrazoados, essas justificativas, essas respostas enérgicas, esses meios

extremos, esses ímpetos exteriores. Como tudo isto está longe do Cordeiro! Isso provém do amor-

próprio que só tem em vista sua pessoa, os deveres dos outros, as virtudes que deveria ter, o

heroísmo da obediência, a força da ordem dada, o dever de romper, de dar exemplo! Tudo isso não

vale um só ato de mansidão! Não sou um soldado no campo de batalha! Nem um general do

exército! Devo ser como o servo dos servos, o discípulo do meu Mestre manso e humilde de

coração!

Também, para que me serve ostentar essa entrega contra quem se opõe? Essa cólera que certamente

não é uma cólera santa, contra tudo o que é mau, incrédulo, etc. Ai de mim! No fundo, isso não

passa de vaidade. Quero mostrar energia e só tenho impaciência e covardia. Nosso Senhor

lastimaria essas pessoas, rezaria por elas e procuraria honrar seu Pai por meio da mansidão e

humildade.

Além disso, esse modo enérgico, áspero, maldizente pode e deve dar mau exemplo. Cada um gosta

de fazer o mesmo em idênticas circunstâncias.

Isso aparenta autoridade, zelo, independência. Infelizmente! “Para que teu servo não domine” (Cf.

Sl 18,14).

De que modo poderei tornar-me manso?

Não será por meio de raciocínios, nem mesmo pela humildade de espírito, pelo espírito de

penitência e de mortificação. Não! Tudo isto desperta muitas ideias contrárias. É muito militar! No

entanto, me esforçarei para ver o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo! Seu desejo, seu prazer!

Este será o melhor modo! É tudo belo, tudo coração, tudo luz.

18 de fevereiro

1ª Meditação: Jesus humilde de coração

Meditei sobre Jesus humilde de coração.

Comecei por renovar meu dom da personalidade, agradecer a meditação da tarde, suplicar esse

espírito de mansidão de Nosso Senhor. A mansidão, porém, é a flor da humildade. Eis por que

Nosso Senhor põe os dois: o coração e a humildade de coração. A humildade de coração, eis a

árvore que produz a flor e o fruto da mansidão.

Jesus não é, pois, humilde de espírito?

35

Jesus não pode ter a humildade do pecador, visto ser Ele sem pecado. Não se envergonha de nada.

Eu, pelo contrário, tenho que me envergonhar de tudo. Assim, como dizia o bom ladrão: “Esse não

fez mal algum” (Cf. Lc 23,41). E eu fiz muito mal e até nem conheço todo o mal que fiz.

Jesus não era ignorante e eu, nada sei. Eu conheço o mal e até contamino as noções do verdadeiro,

do justo. Jesus sabe tudo e é humilde, como se nada soubesse durante 30 anos, em Nazaré.

Jesus possui todos os bens naturais, Ele sabe e pode fazer tudo com perfeição. No entanto, não o

demonstra, trabalha grosseiramente, como fazem os aprendizes. “Não é esse o filho do carpinteiro?”

(Mt 13,35).

Jesus nunca demonstrou que sabia tudo. Mesmo em sua vida apostólica, Ele dizia só repetir a

Palavra do Pai. Limitou sua missão, desempenhou-a do modo mais simples, mais humilde.

Jesus portou-se como um humilde de espírito. Nunca se glorificou por coisa alguma, nunca

procurou brilhar, mostrar sabedoria, mais instruído do que os outros. Mesmo aos 12 anos, “ouvindo

e interrogando” (Cf. Lc 2,46).

Jesus possuía a humildade de espírito positiva. Dependia em tudo de seu Pai e daqueles que tinham

a autoridade de seu Pai. Tomou a forma de servo, obedecendo sem honras. Remetia toda a glória ao

Pai. “Se eu me glorificasse a mim mesmo, minha glória não valeria nada” (Jo 8,54).

Portanto, a humildade de espírito de Jesus é admirável, magnífica. Ela é toda gloriosa, uma virtude

impregnada de amor.

Devo viver da humildade de espírito de Jesus, por dois motivos:

a título de justiça: sou um nada e sou um pecador. Sou ignorante.

a título de discípulo, de servidor.

E, no entanto, Jesus só me fala de humildade de coração. Parece a seu amor que ele iria humilhar-

me demais, pedindo a humildade de espírito. Isso evoca muitas misérias, muitos pecados e direito

ao desprezo. O amor encobre esse lado e me diz para imitá-lo: “Aprendei de mim” (Mt 11,29).

humilde de coração.

O que significa ser humilde de coração?

É amar a humildade de Jesus Cristo.

É receber das mãos de Deus, com submissão do coração, os exercícios de humildade como um bem,

uma virtude que lhe é muito gloriosa. É aceitar seu estado e seus deveres e não se envergonhar de

sua condição. É ser natural no sobrenatural. Se amo a Jesus, devo assemelhar-me a Ele: “Aprendei

de mim...” “Segui-me...” “O discípulo dever ser como o Mestre...” Se amo Jesus, devo amar o que

Ele ama, o que Ele faz, o que preferiu a tudo. Portanto, isso é preferível, mais honroso, mais

vantajoso.

A humildade de coração é mais fácil que a humildade de espírito, pois trata-se de um sentimento

muito nobre: a imitação de Jesus, seu amor, sua glória nessas circunstâncias sublimes da humildade!

Tenho eu essa humildade de coração?

Tenho a humildade que vai junto com a dedicação, a glória, o sucesso que se dá e se dedica, a

humildade que se abaixa, como a de João Batista. Aprecio o incenso, mas não o grão em si mesmo.

Ó meu Deus! Soou a hora do verdadeiro combate que vai atacar o centro da praça. Deverei tomá-la

de assalto com o auxílio de vossa santa graça.

Oração jaculatória: Foi bom, Senhor, que me tivésseis humilhado para que eu aprenda a observar

vossas santas leis.

Repetir a toda hora: Jesus, manso e humilde de coração.

Reler na Imitação o que se refere a essa virtude.

Evitai dar ao espírito a tagarelice sobre os motivos da humildade. Já sei o suficiente sobre isso.

Seria dissipar o coração, em vez de edificá-lo.

Café da manhã: Imitação, Livro 3, capítulo 12

Opor-se ao costume inveterado, mas será vencido por outro melhor.

Revoltar-se-á a carne, mas o fervor do espírito lhe porá freio.

Perseguir-te-á a serpente antiga e te molestará, mas tu a afugentarás com a oração e com o

trabalho proveitoso, trancando a entrada principal.

Eis a hora do combate.

36

2ª Meditação: Desagravo

Ai de mim! Existe a humildade na prosperidade, na abundância, no sucesso, nas honras, no poder.

Essa humildade deveria ser fácil. Goza-se mesmo na humilhação, isto é, revertendo toda a glória a

Deus, é a humildade negativa.

Existe a humildade positiva que se exerce nas humilhações interiores e exteriores que atacam o

espírito, a alma, o corpo, as obras. “A tempestade submerge-me” (Cf. Sl 68). Esta foi a humildade

de Nosso Senhor e da maioria dos santos.

Desta não fui vítima: nem calúnias, nem maledicências, humilhações públicas, nada disto tive. Será

isso uma graça? Sim, porém, graça de gente enferma, de criancinha e talvez um castigo, porque eu

as evitei pela fuga ou pela fraqueza.

Terei praticado a humildade mais fácil e mais honrosa? Algumas vezes sim, porém, a vanglória a

corrompeu.

Esta meditação me humilhou muito, sobretudo, por sentir-me árido e seco. Parece que o amor-

próprio está zangado por se ver assim tão feio.

3ª Meditação: Como conseguir a humildade de coração?

Ainda pelo espírito de Nosso Senhor em mim! Não há outro meio mais eficiente para mim. Se for

por meio das reflexões, entro na tentação do espírito e julgarei ser humilde, porque terei belos

pensamentos sobre a humildade ou, então, farei o propósito de praticar boas ações. Depois, eu me

deterei nisso, porque não pensarei mais na virtude, absorvido, arrasado por outras coisas. O que

fazer, então? Penetrar no espírito de Nosso Senhor, vê-Lo, consultá-Lo, agir em sociedade, em

união, mas devo bater sempre na mesma tecla: é preciso pensar nisso. É necessário, pois, praticar o

recolhimento em Nosso Senhor, em sua santa e amável humildade de coração.

Como fazer para nela pensar segura e frequentemente? Querê-lo firmemente. Eis o único segredo.

Em seguida, humilhar-me e pedir perdão todas as vezes que tiver faltado à intenção antes, durante e

depois da ação. Verificar isto no exame! Não há outra forma de alcançar êxito.

19 de fevereiro

1ª Meditação: Espírito - Pobreza de Jesus

1º O espírito, a virtude, a vida de Jesus é um espírito, uma virtude, uma vida de pobreza absoluta e

perpétua. Meditei sobre essa pobreza. Considerei o Verbo encarnado desposando-a em Belém e

começando por tudo aquilo que a pobreza tem de mais humilhante, a morada dos animais, de mais

rude, o estábulo, a manjedoura, a palha, o frio, a noite, longe de toda moradia, de todo socorro.

A fim de ser ainda mais pobre, o Verbo encarnado nasce durante a viagem, é rejeitado por todos em

virtude da pobreza de seus pais.

Depois, vai passar sua primeira infância no Egito, onde seus pais sofrerão maior penúria e

desamparo.

Finalmente, volta para Nazaré, aí permanece 30 anos no exercício da pobreza.

Pobre em sua moradia: basta ver Loreto e uma parte da casa que se acha encaixada na rocha.

Pobre no mobiliário: os móveis estritamente necessários e do material mais simples possível e

mais adequado aos pobres. Basta ver a tigela de madeira de Nossa Senhora de Loreto.

Pobres roupas de lã rústica, como se vê em Argenteuil. Sua santa túnica e a de São José em

Santa Anastácia, em Roma, e o pano grosseiro das roupinhas de Nosso Senhor, em Santa Maria

Maior.

Pobre alimentação, fruto do trabalho de um pobre carpinteiro, o estritamente necessário.

Exterior pobre, considerando-se sempre e em toda parte como o último, tomando o último lugar

na sinagoga, honrando e respeitando todo mundo, como fazem os pobres; calando-se diante de

todos, ouvindo humildemente a lei de Deus e a explicação pelos Doutores da lei, nunca fazendo

alarde de sua ciência, sabedoria, mas vivendo uma vida comum, própria de sua condição e

adaptando-se a suas consequências, isto é, ao esquecimento.

37

Em tudo quanto fazia, procurava ser sempre o menor e o mais pobre.

Em sua vida evangélica Jesus conserva sua roupa de operário, o mesmo teor de vida,

rezando ajoelhado no chão,

vivendo do pão de cevada, recebendo muitas vezes esmolas,

aceitando o convite hospitaleiro prescrito pela lei,

viajando à maneira dos pobres,

experimentando fome e frio,

sua pobreza tornando-o desprezível aos escribas e poderosos do mundo,

não temendo dizer: “Ai de vós, ricos!” (Lc 6,24),

querendo só discípulos, pobres como Ele,

ordenando não terem duas túnicas, nem provisões, nem dinheiro, nem um cajado para se

defenderem, nada,

expirando abandonado e despojado das próprias vestes: “Sou um verme” (Sl 21,7), sendo

sepultado num sepulcro dado de esmola,

depois de ressuscitado, conservando ainda com seus Apóstolos o mesmo exterior de pobreza,

e, finalmente, no Santíssimo Sacramento, levando o estado de pobreza até no ocultar a glória de

sua divindade, toda sua santa humanidade e se despojar de toda a liberdade exterior, de toda a

defesa, de todo o movimento, de toda a propriedade, de todo ato exterior. Ele aí está como no seio

de sua Mãe Santíssima, envolto nas santas espécies, à mercê e à disposição dos homens, esperando

deles a matéria de sua existência, os objetos necessários ao culto.

Eis a pobreza de Jesus.

2º Por que será que Ele escolheu esse estado tão pobre?

1. Porque se fez filho de Adão, pecador, exilado, despojado de todos os direitos da primeira criação.

E o Salvador apropriou-se desse estado.

2. Ele escolheu o último grau de pobreza para ser o primeiro a santificar em si todos os atos de

pobreza possíveis.

3. Fez-se pobre, diz São Paulo, “para comunicar-nos suas riquezas celestes e divinas a fim de nos

transmitir por este canal necessário” (Cf. 2 Cor 8,9). Fez-se pobre, a fim de que a pobreza que é

nosso estado, nossa penitência, nossa reparação, nossa perfeição nos parecesse honrosa e amável

Nele.

4. Ele se fez pobre para nos provar e nos manifestar seu amor.

5. Ele permanece pobre, mesmo em seu estado de glória, para ser sempre nosso modelo vivo e

visível.

6. Ele quis uma mãe pobre, discípulos pobres, uma Igreja pobre. Todo aquele que quer tornar-se

santo, deve ser pobre de afeto e grande santo, pobre de afeto e de estado. Então, a perfeição e a

simples santidade consistem em ter menos que mais, em simplificar a vida, diminuindo sempre mais

seus bens e empobrecer-se por amor do espírito de Jesus; numa palavra, fazendo da pobreza a lei

interior e exterior da vida de Jesus em si.

Adorei a pobreza de Jesus. Eis tudo.

Na santa Missa, Nosso Senhor me mostrou:

1. Um grande defeito, o de querer terminar um trabalho começado, indo de encontro a outro dever

do momento. Será preciso, pois, exercitar-me a interromper um trabalho e deixar tudo quando o

dever ou o bom Mestre me chamam para outra coisa.

2. Outra fraqueza que percebi na ação de graças e que muito me entristeceu foi de constatar a

volubilidade de meu espírito na oração, sobretudo na oração vocal. A razão me explica que isso é

absurdo, é perda de tempo, que faço uma injúria a Deus, uma infidelidade à graça do momento ficar

pensando no que tenho que fazer depois, etc. Perco ou pelo menos diminuo o merecimento presente

e isso causa irritação interior, violência ou desgosto depois. Ah! Como pago caro essa falsa

liberdade de espírito! É pelo coração que devo retê-lo ou aniquilá-lo.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 56

Filho, quanto mais saíres de ti mesmo, tanto mais poderás chegar a mim. Assim como não desejar

coisa alguma exterior produz paz interior, assim o desprendimento interior de si mesmo causa a

38

união com Deus. Quero que aprendas a perfeita abnegação de ti mesmo, submetendo-te sem

resistência e sem queixas a minha vontade!

2ª Meditação: Desagravo sobre os pecados cometidos contra a pobreza religiosa

A primeira causa é bem lastimável. É a vaidade nos objetos que são para meu uso, sob pretexto de

que a boa qualidade é melhor e dura mais.

O que deveria ter feito seria consultar antes a virtude e o espírito de pobreza. Um só ato de pobreza

teria sido mais proveitoso a minha alma e à Sociedade do que dez atos de pretensa utilidade ou

economia nas roupas mais finas.

A outra razão é ainda mais mesquinha.

É referente aos cuidados corporais: nas viagens agi como os ricos, os poderosos do mundo. Isto é

indigno de um pobre de Jesus Cristo. Não temos que ir converter os ricaços nos hotéis, nem cogitar

edificar quando estou à mesa. Tudo isso denota que não possuo o espírito e o amor, nem mesmo o

primeiro grau da pobreza religiosa.

Um terceiro motivo, ainda mais vergonhoso: são as precauções contra o mal ou as cautelas contra o

sofrimento ou a proteção e os amigos ricos nas necessidades. Isto não reconheço. Meu amor-próprio

protesta. No fundo, entretanto, estou certo de que há um sentimento de providência humana para o

caso de necessidade. Daí provêm essas cortesias e uma tendência à concessão.

Por isso, meus Irmãos não amam a santa pobreza, porque não lhes dou o exemplo.

Não lhes comunico essa graça porque não pratico as virtudes diante de Deus, a fim de merecer a

graça para mim e para os outros.

Com a mão sobre o coração, posso afirmar que minha natureza receia mais a pobreza prática

pessoal do que a humildade, a modéstia ou qualquer outra virtude.

Por conseguinte, devo começar pela pobreza em minhas roupas, comprando as coisas mais

parecidas com a rústica vestimenta.

Deixar nossas fivelas de prata, usar sapatos com formato mais simples. O primeiro chapéu que

comprar será de qualidade inferior (Im 1, cap. 25)

Abolir os alimentos especiais e aplicar logo o remédio: é o freio à gula e refrearás mais facilmente

todas as outras más inclinações (Im 1, cap. 19). É preciso que em cada refeição haja sempre uma

homenagem, um prato que honre a santa pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo, meu Senhor e meu

Mestre.

3ª Meditação: Pobreza de espírito

Pobre meditação com a cabeça cansada. Na realidade, pobreza de espírito.

O pensamento dominante foi “pele por pele” de satanás contra Jó (Jó 2,4).

A provação custa mais do que o não-usufruto. No entanto, antevi uma grande paz e alegria desse

despojamento, pensando em alguns atos do passado.

É preciso começar somente. Todos os raciocínios não valem um só ato. É preciso provar desse pão,

pedi-lo a Deus.

20 de fevereiro

1ª Meditação: Pobreza espiritual

Esta meditação sempre me faz bem. Renova em mim a graça anterior. Porque é a verdade.

1° Nada sei. Portanto, devo calar-me e escutar. Nosso Senhor, que sabia tudo, que era o Verbo do

Pai, durante trinta anos observou o silêncio de pobreza. E diante dos tribunais não se defendeu.

“Jesus, porém, continuava calado” (Mt 26,63).

Oh! Quantos pecados cometidos por minha língua! Como meu coração deve ser corrompido visto

que minha língua, que é seu órgão natural, é tão inconsequente, tão loquaz, sobretudo tão cheia de

vanglória espiritual. Como se minha direção, minha ciência interior, religiosa fosse melhor. Ai de

mim!

39

2° Não tenho nada de bom no coração frio, seco, árido, estúpido.

Estou diante de Deus não como um animal, mas como uma pedra ou um delirante febril. Meu

coração nada sabe dizer a Deus, a Nosso Senhor e à Santíssima Virgem. Se eu examinar o que a

graça de Deus operou depois de cinquenta anos. Oh! Em destruição hostil: espinhos e abrolhos. Pois

isto que é pior, isto que é ruim.

3° Nada faço de bom. Tudo é mau em mim. Pratiquei pouco o bem, muito o mal. E ainda o pouco

bem que fiz foi cheio de defeitos, de modo muito imperfeito. Eis minha pobreza interior.

Como fazer dela uma virtude? Indo a Nosso Senhor por esse estado de pobreza. Praticando atos

como uma criança que também é fraca, pobre, ignorante, estraga tudo. No entanto, vive alegre e

feliz, em paz com ela mesma, porque sua mãe é tudo para ela.

O pobre não tem recursos nem ciência, não tem proteção. Vive tranquilo em seu estado, gosta de

seus andrajos que são sua eloquência e seu título. E se tem feridas tanto melhor: é seu ganha-pão.

Nosso Senhor não será melhor que uma mãe? Não é minha doce providência, minha luz, meu tudo?

É necessário, portanto, que O sirva em espírito de pobreza, que conserve no mundo a virtude da

pobreza que é a verdadeira humildade de coração; que permaneça no mundo sem defesa. Um pobre

não a tem. Assim, ele anda pelo mundo. Os ladrões não têm nada para roubar dele. Os mundanos,

nada a invejar. Os avaros, nada a lhe dar.

Admirei a pobreza interior de Jesus, Maria e José.

Enfim, vou tentar fazer minhas orações jaculatórias sobre a pobreza de espírito.

Um pobre nada tem, não se apega a nada, não pode nada, para os outros não sabe nada. De outro

modo, ele seria muito rico.

Almoço: Imitação, Livro I, capítulo 25

Certamente, os que fazem maior progresso na virtude são aqueles que de modo mais viril se

esforçam em combater suas inclinações. Porque cada um aproveita mais e alcança maior graça

naquilo em que mais se vence a si mesmo e se mortifica em espírito.

Dois meios, principalmente, ajudam o grande esforço: resistir com violência às inclinações da

natureza viciada e trabalhar com fervor por alcançar o bem de que mais necessita. Tanto mais

aproveitarás quanto maior for a violência que a ti mesmo fizeres.

2ª Meditação: Diante do Santíssimo Sacramento exposto, nas Adoradoras4

Um pensamento que muito me tocou durante esta meditação é que o espírito de pobreza religiosa

deve ser o remédio natural para meu defeito dominante: a vaidade, a cobiça dos meios e cuidados

ou de sucessos, a sensualidade de espírito. Numa palavra, as três concupiscências em mim, com o

caráter próprio de meu estado.

A pobreza torna-se o remédio natural a todas minhas paixões. Não tenho que fazer esforços, pois

esse é meu estado natural e sobrenatural: pobreza de espírito, de coração, de energia, de constância,

de forças.

Trata-se de partir desse sentimento e desse estado para atingir a Deus,

depender inteiramente de Deus,

de sua luz para meu espírito,

de sua graça para minha vontade,

de seu amor em meu coração,

de sua cruz em meu corpo, sofrendo.

Principalmente em minha vida exterior: eis o ponto principal a fim de que a humilhação natural do

estado favoreça a humildade da graça, e que desse modo eu permaneça em sua raiz na terra “qual

raiz que nasce na terra seca” (Is 53,2). Toda essa pobreza, porém, deve viver de afeto e gratidão

para com Nosso Senhor, a fim de tornar-se uma verdadeira virtude.

3ª Meditação: Vocação Eucarística

Eis, finalmente, minha graça!

Como esse deserto foi longo!

4 Na capela das Irmãs da Adoração Perpétua, no Quirinal.

40

1º Meditei sobre a misericórdia de Deus chamando-me à vocação eucarística.

1. Apesar de minha indignidade. “Pequei gravemente” (1 Cor 21,8). Fui e sou culpado do pecado

que Deus mais abomina: o orgulho de vaidade.

2. Apesar de minha pobreza, não lhe ofereci nenhuma coisa honrosa, nem adquirida, nem de virtude

de méritos! Pelo contrário, só lhe ofereci um corpo doente, um espírito leviano e fraco, um pobre

coração que O ama, ai de mim, para sua própria vaidade e satisfação.

3. Apesar de minhas enfermidades espirituais que durariam tanto tempo e que ele bem conhecia.

“Sim, Deus escolheu a mim, enfermo, estulto, ignóbil e desprezível e aquilo que não é” (Cf. 1 Cor

1,27-28).

Certamente, entre todos os Santos que Deus escolheu para sua obra não há nenhum igual a mim, na

origem, nos estudos, no sucesso contra a natureza. No entanto, não deverei tornar-me santo, visto

que a Eucaristia é o Santíssimo Sacramento? Oh! Sim! Eu o desejo! Com a graça de Deus!

2º Como foi que Deus me chamou? E conduziu-me a seus pés?

1. Por ele mesmo: com grande suavidade e força me convidou, atraiu-me e enlevou-me durante

quatro anos de espera.

2. Pela autoridade: Padre Afonso, Padre Touche, Padre Colin: eis, pois, para minha graça.

3. Para a obra: o Santo Padre duas vezes, pelo Padre Jandel e o Padre Touche, os três bispos de

Paris. A Sociedade, consentindo neste retiro e sua decisão.

3° Como Nosso Senhor me trouxe a seus pés? Guardou-me na casa de retiro. Eu não O procurei.

Ele nos fez oferecer pelo arcebispado a casa que ocupamos. Proporcionou todos os meios e, depois,

começou com doçura, honra e majestade. Ele nos concedeu a exposição de acordo com nossas

forças e a 5ª feira Santa, conforme seu amor e cumulou todos nossos desejos, a exposição perpétua

e isto, apesar de tudo e de todos.

Desde então o fogo não se extinguiu. Nosso Senhor nada perdeu com a retirada dos infiéis e dos

indignos.

Em pouco tempo concedeu-nos o elogio do Santo Padre, de 5 de janeiro de 1859, e a aprovação a 8

de maio de 1863, sete anos depois da fundação.

É esta, na verdade, a obra de Deus! Sim, sim, o homem nada faz e nada fez.

“Este é o dia que o Senhor fez...” (Sl 117,24).

21 de fevereiro

1ª Meditação: Serviço de Jesus Cristo

Por minha vocação eucarística e por meu estado religioso estou ligado ao serviço da pessoa de

Nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, não é a um santo, nem a um anjo, nem mesmo ao serviço da Santíssima Virgem que estou

destinado, o que seria muito honroso e bom, mas à pessoa de Nosso Senhor, e ninguém tem direito

a meu serviço, senão Nosso Senhor Jesus Cristo Sacramentado.

E a qual serviço? A tudo quanto há de maior no céu e de mais santo na Igreja, à adoração solene do

Santíssimo Sacramento do altar, pelo culto mais festivo da Santa Igreja, pelos quatro fins do

sacrifício e no próprio nome da Santíssima Virgem que nos deu essa sublime e angélica missão.

E o que há de mais honroso? É sermos nós os primeiros religiosos adoradores do Santíssimo

Sacramento exposto e aprovados para essa finalidade.

Assim, pois, estou ligado e dedicado ao serviço da adorável pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo;

devo-lhe, portanto, o serviço de toda minha vida, de toda minha pessoa, de toda minha alma, de

todo meu corpo, de todas minhas forças, de todos meus atos. Seria roubo subtrair-lhe alguns, um

sacrilégio se os manchasse e uma traição oferecê-los a outros.

Jesus Sacramentado deve ser, portanto, o centro de minha vida como o é sua primeira e única lei.

Servo eucarístico, eis meu título régio e divino!

Mas, ai de mim! Como é que tenho desempenhado meu serviço? Tenho sido mais o comissário de

Nosso Senhor, seu porteiro, seu ordenança, do que propriamente seu servo pessoal. Tenho falado

41

muito dele, mas conversado pouco com Ele. Tenho me agitado à semelhança de Marta enquanto o

bom Mestre me desejava a seus pés. Na adoração, estava mais pelos outros do que por mim mesmo,

só falando em favor dos outros, em prol dos outros. E, no entanto, o Divino Mestre queria a mim

mesmo e me dizia: “Fala-me de ti, abre-me teu coração, conta-me teus desejos, tuas tristezas”. E eu,

qual nuvem que o vento afasta, assemelhando-me ao rugido do vento que sopra e foge, eu me

agitava num trabalho estranho, inútil e até mesmo nocivo, visto que me privava da graça de meu ato

e aborrecia Nosso Senhor. É preciso ser muito tolo para fazer o contrário daquilo que Nosso Senhor

deseja neste momento e cansando-se inutilmente!

Ah! minha alma! Confessa-o francamente. Não te custava nada correr, receavas o sacrifício ou a

repreensão.

Celebrei a Santa Missa em Santa Praxedes, na Santa Coluna da Flagelação, Festa da Paixão.

Almoço: Imitação, livro 3, capítulo 52

Outra coisa não mereço senão ser flagelado e punido por tantas ofensas e tão graves delitos que

cometi. Por isso me tratas com justiça, quando me deixas pobre e desconsolado.

Isto não se aplica muito bem, hoje?

3ª Meditação: Meu serviço eucarístico

Nosso Senhor deseja que eu esteja inteiramente entregue a meu serviço eucarístico. E, certamente, é

bastante grande, importante para exigir toda minha pessoa.

Nosso Senhor quer que esse serviço eucarístico seja a lei suprema de minha vida. Nada há de mais

justo. O serviço do rei deve passar adiante do serviço dos subalternos e seria injustiça e injúria ao

rei preferir os súditos ou partilhar os serviços com eles.

“Ao Senhor teu Deus, adorarás e só a Ele servirás” (Cf. Mt 4,10): eis o grande mandamento de um

adorador.

Na verdade, em que consiste esse serviço eucarístico? Dois deveres para mim:

1º Cumprir meu dever de adorador como um simples religioso, pois afinal sou religioso, estou na

religião para ser simples religioso e não para ser Superior. Devo esse serviço a meu Mestre e esse

alimento a mim, essa vida do amor divino, essa virtude soberana. Seria bem castigado se não

cumprisse esse dever.

2º Fazer de meus irmãos bons religiosos, bons adoradores. Este é meu dever secundário, ou melhor,

vinculado e dependente do primeiro e completando-o. Adorar e fazer adorar, servir e fazer servir o

mais perfeitamente possível.

É bem triste ter que confessar diante de Deus o quanto faltei a esses dois deveres por minha

escravidão, por meus obstáculos não eliminados.

Numa palavra: não me entreguei inteiramente a meu serviço sob o pretexto da glória exterior de

Deus e o bem da Sociedade. Que aconteceu? Todas essas visitas, essas complacências com o

próximo não melhoraram a Sociedade, não granjearam vocação séria alguma. Toda essa

publicidade, todos esses admiradores, tudo isso foi inútil.

É que “Ninguém pode vir a mim se meu Pai que me enviou não o atrair” (Jo 6,44). As vocações dos

Adoradores vêm do Céu e não da terra os que o Pai deseja. São o fruto da própria adoração, do

contentamento de nosso Pai, da complacência de Jesus Cristo em seus servos. Desse modo, temos

sua confiança e como Ele conhece todas as boas vocações, sua divina Providência haveria de

encaminhá-las até mesmo por um anjo até nós, se eu fosse um verdadeiro Superior e um fiel

adorador.

Sou eu a causa dessa esterilidade, porque “meu coração está secando, pois até me esqueço de comer

meu pão” (Sl 101,5).

Ao final de minha meditação, ocorreu-me um belíssimo pensamento, certamente proveniente da

misericórdia de Nosso Senhor.

Eu lhe perguntava como é que Ele me queria a seu serviço. Então, pareceu-me ouvir esta palavra:

“Sê para mim em meu Sacramento, assim como eu fui para meu Pai em minha Encarnação e

durante minha vida mortal”.

42

Este pensamento me impressionou vivamente. Agradeci ao bom Mestre. E entreguei-me novamente

a Ele, para ser todo dele como Ele era de seu Pai em sua vida mortal. Como Jesus é para seu Pai, em

sua vida divina de Verbo, como era para seu Pai em sua vida mortal, como é para seu Pai em sua

vida sacramental. Eis o que eu devo observar e repetir em mim.

Oh! Que belo pensamento! Devo pertencer a Jesus como Ele pertenceu a seu Pai: “eu neles e tu em

mim” (Jo 17,23). “Assim como meu Pai me ama, assim também eu vos amo. Permanecei em mim”

(Jo 15,9).

É o Cristo “que vive verdadeiramente em mim” (Gal 2,20), diz São Paulo.

Rezemos, pois, para descobrir essa verdade e a ela entregar corpos e bens.

22 de fevereiro

1ª Meditação: Servo

Devo ser de Nosso Senhor, como Ele é de seu Pai, pois foi para comunicar-nos sua vida divina que

o Verbo se fez carne.

Ora, vejo que o Pai celeste deu a Nosso Senhor o título de Servo, meu servo. “Com sua experiência,

meu servo, o justo, fará que a multidão se torne justa” (Is 53,11).

O Salvador assume o título de servo: “Eu sou teu servo” (Sl 118).

O que faz um bom servo?

Três coisas:

permanece sempre junto de seu amo;

cumpre pronta e afetuosamente todas suas vontades;

só trabalha para a glória de seu mestre.

Ora, Nosso Senhor excedeu-se nessas três qualidades de servo, como homem.

1º Estava sempre junto de seu Pai, unido a seu Pai. Seu espírito o contemplava sem cessar e adorava

sua beleza. Era a visão beatífica fora do tempo de sua Paixão. Com efeito, vê-se no Santo

Evangelho como Nosso Senhor dirigia-se a seu Pai como se o visse. E o Pai aparecia sobre Ele, bem

como o Espírito Santo. Além disso, Nosso Senhor disse duas coisas que O revelam perfeitamente:

“O filho não pode fazer nada por si mesmo, ele faz apenas o que vê o Pai fazer” (Jo 5, 19). Portanto,

fitava sempre o Pai, a fim de fazer, dizer e pensar a mesma coisa.

“Não acreditas que estou no Pai e o Pai está em mim? [...] realiza suas obras” (Jo 14, 10). Havia,

portanto, sociedade entre o Pai celeste e Nosso Senhor.

O Santo Evangelho diz: “Foi conduzido ao deserto pelo Espírito” (Cf. Mt 4,1). Estava, portanto, sob

a direção do Espírito Santo.

Pois bem, eis meu lugar ao lado de Nosso Senhor. É o lugar do anjo adorador à espera das ordens de

Deus, lugar do servo. “Assim como os olhos das servas estão fitos nas mãos de sua senhora, assim

nossos olhos estão voltados para o Senhor, nosso Deus” (Cf. Sl 122).

Os servos do Rei estão junto de sua pessoa e o observam. Foi o que fizeram todos os santos.

“Caminha em minha presença” (Cf. Gn 17,1). E “eles caminhavam na presença de Deus” (Cf. Gn

5,22). Henoc e Noé e os Santos do Novo Testamento. Portanto, isto é possível e necessário.

Entretanto, não era difícil à alma de Nosso Senhor, da Santíssima Virgem e dos Anjos

permanecerem unidos a Deus. É verdade. Havia esses prazeres. Quanto a mim, tenho a graça de

Deus.

Depois, é pelo coração que se permanece unido a Nosso Senhor. E quando o coração ama, não sofre

por estar junto daquele que ama.

Eis o que me parece e é bem difícil permanecer habitual e inteiramente junto de Nosso Senhor.

Meu pobre espírito arrasta rapidamente meu coração. Depois, meu antigo vício de esvoaçar em

torno de tudo, exceto por um estudo preferido ou por uma simpatia.

2º Nosso Senhor não fazia mais do que repetir a ação do Pai, cumprindo em tudo sua santa vontade.

Era o eco de sua voz, a reprodução humana e divina do pensamento, da palavra, da ação do Pai,

como o telégrafo.

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Eu, o que devo repetir? Tenho de obedecer a Nosso Senhor, fazer o que Ele ordenar no momento,

no exercício dessa virtude, querendo praticá-la com minha alma e com meu corpo, inspirando-me,

portanto, em seu pensamento, em seu desejo. Compete a mim prestar-me a isso com amor e

fidelidade. É uma vida de família. No entanto, não devo esquecer que é em mim que Nosso Senhor

deseja trabalhar. “É o Pai que, permanecendo, realiza suas obras” (Jo 14,10).

3º Nosso Senhor só trabalha para a glória de seu Pai, recusa e rejeita prontamente tudo quanto se lhe

atribui como homem. “Por que me chamas bom?” (Lc 18,19). “Eu não procuro a minha glória...”

(Jo 8,50).

O bom servo só procura a glória de seu amo mais do que sua própria. É isso que se diz sempre, pois

é a delicadeza. Portanto, só devo agradecer a Nosso Senhor, meu Mestre e fazer frutificar suas

graças, seus dons para sua maior glória.

Almoço: Imitação, Livro 3 capítulo 7

É melhor saber e entender pouco humildemente que possuir tesouros de ciência com a vâ

complacência.

É melhor ter menos do que muito, se com o muito te vem o orgulho. Se souberes conservar-te

sempre humilde e pequeno em teu conceito e governar com moderação teu espírito, não cairás tão

depressa na tentação e no pecado.

Eis a verdadeira luz deste dia!

Como Deus é bom!

2ª Meditação: Repetição

Desagravo, súplica. Esta visão de Nosso Senhor que me parece tão fácil e tão consoladora, torna-se,

no entanto, para mim, sumamente difícil. É porque meu coração não encontrou ainda seu tesouro.

Procuro sempre aquilo que me agrada e não o que devo fazer. É porque não me contrario.

Realmente, não quero.

3ª Meditação

Em peregrinação

23 de fevereiro

1ª Meditação: Trabalhar sob Nosso Senhor

Revi a vida de Nosso Senhor sob a dependência absoluta de seu Pai, repetindo fielmente e com

amor sua palavra, suas ações, cumprindo perfeitamente suas ordens, nada fazendo ou dizendo por si

mesmo.

Admirei Nosso Senhor em Nazaré, nessa vida inútil aos olhos do mundo, escondido dos homens,

tão simples em si. No entanto, o Pai a prefere a todas as outras. Ele prefere seu divino Filho e nosso

Salvador glorificando-o e nos santificando, escondido, só tendo a Ele por testemunha, trabalhando

em seu humilde ofício, em coisas de tão pouco valor! É porque essa vida oculta está totalmente em

Deus pelo sacrifício de si, glorifica mais a Deus do que todos os devotamentos fora de si. É o reino

de Deus em si. Há mais aprendizes do que mestres. É a vida contemplativa mais perfeita do que a

vida ativa: é a morte, o sepulcro do amor-próprio. Nosso Senhor troca meu caminho, minha graça,

querendo guardar-me junto de sua divina Pessoa, atraindo-me sempre mais a Ele pelo interior. Isso,

portanto, é uma grande graça.

Trabalharei com o Rei em seu escritório. Serei seu confidente. Executarei diretamente suas ordens.

Repetirei suas próprias palavras e mais nada. Farei o que Ele me mandar. Executarei os planos que

Ele traçar. Serei Ele, o corpo de sua alma, a liberdade de seu desejo, a execução humana e que Ele

tornará divina por nossa união.

Realmente, o que terei que fazer? Trabalhar no interior, em meu interior, sobre mim inicialmente.

“Cristo permanece em mim... Ele executa as obras” (Cf. Jo 14,10). Como fazer para que Ele

permaneça em mim? Devo permanecer nele. Nosso Senhor permanecerá em mim, à medida que eu

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permanecer nele. Essa permanência ocorre pelo dom renovado pela homenagem, vivificado pelos

atos de virtude, fortificado e amparado no amor, no amor ativo e não no prazer. O fogo não tem

prazer em si próprio, nem a vida, pois ela se consome e se doa.

Oh! Há quanto tempo Nosso Senhor me atrai. E eu, sempre fugindo para fora de mim. Julgando

como as pessoas ignorantes que só o movimento, o trabalho exterior e a dedicação têm valor. Isso

quer dizer que ninguém gosta de ficar numa casa onde a dor, a miséria e os sofrimentos dominam.

Escapamos do tédio. Ou do amor estranho. Ou então, é o gás da vanglória que escapa.

Oração jaculatória: Em mim vive, reina e impera.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 43

Filho, não te deixes cativar pela elegância e sutileza dos dizeres humanos, porque o reino de Deus

não consiste em palavras, mas na virtude [...]

Nunca terás minha palavra com o fim de parecer mais douto ou sábio [...]

Aproveitando mais em deixar tudo do que estudando questões sutis [...]

Ouve minhas palavras que inflamam o coração, iluminam o espírito, levam à compunção e

produzem muitas consolações.

2ª Meditação: Glória de Nosso Senhor

Meditei sobre Nosso Senhor, procurando unicamente a glória de seu Pai. Tudo aquilo que é

grandioso, miraculoso e bom, Ele reverte a seu Pai: “Por que me chamas bom?” (Lc 18,19). “Não

procuro minha glória” (Jo 8,50). “Se eu me glorificasse a mim mesmo, minha glória não valeria

nada” (Jo 8.54).

Nosso Senhor declarou-se enviado. Ele realiza a obra de seu Pai e não a sua. “Eu te glorifiquei na

terra, realizando a obra que me deste para fazer” (Jo 17,4).

No entanto, reserva para si tudo quanto há de humilhante, de sofredor e de pobre: o Filho do

Homem veio para servir.

Eis minha tarefa, no serviço de Nosso Senhor: não devo ter título algum a não ser o nome genérico

de servo, a quem não seja dado afeto, glória ou veneração. Os anjos não têm nome, exceto os três

príncipes, e que certamente foram os mais humildes.

Examinando minha conduta, muito tive que me humilhar em relação a meu serviço que se

assemelhou ao de certo criado de Lyon, que expôs um quadro de seu patrão na exposição e depois

se vangloriava dele como se fosse obra sua.

Meu defeito dominante sempre foi o sucesso: ter êxito, fazer servir, adorar, amar e ficar ali como se

tudo já estivesse acabado para mim, como se eu não fosse apenas um poste de sinalização!

3ª Meditação: Revisão

Passei em revista minha alma e seu estado.

Vejo com grande assombro quanto, na menor ocasião, o natural logo aparece como um jato.

Meu espírito volta a sua atividade, a seus devaneios, a suas brincadeiras, a seus folguedos

espirituais.

Meu coração abraça logo o estudo, suas aplicações voltadas para o outro.

Minha vontade tão apegada àquilo que faz por gosto e na visão de sua liberdade.

Depois, meu interior, calmo e recolhido na oração, perde tudo num instante e não pensa mais

em Deus.

Com o próximo, esqueço Deus.

Eis que a natureza não está morta, nem subjugada, nem retida, escapa a todo o momento. Esta

árvore espiritual não tem raízes. Sou como uma planta de estufa que, se dali retirada, logo seca ou

murcha. Em mim só existe uma vida fictícia, ardente junto ao fogo e fria quando fica entregue a si

mesma.

Donde provém isso? De duas causas:

A primeira é que, fora da oração, não me nutro espiritualmente daquilo que faço, não trabalho com

devoção, mas por zelo. Dissipo-me com o próximo em vez de trabalhar nele com Deus. Esta febre

que existe em mim me esgota e me consome.

45

É preciso, pois, trabalhar e alimentar-se na virtude desse trabalho com o espírito recolhido em Deus,

em sua Santa Vontade. É necessário, portanto, dominar-se e dizer: vou glorificar Deus nisto.

A segunda causa é que não tenho um centro onde restaurar minhas forças e alimentá-las à medida

que me vou entregando à ação. Eu me derramo como uma torrente. É o movimento e o ruído de

uma explosão.

Seria preciso conservar o sentimento habitual de Deus, de sua pessoa ou de sua vontade, de sua

glória ou dum mistério ou de uma virtude. Numa palavra: preciso experimentar os sentimentos do

Cristo Jesus. Este sentimento é uma graça e uma virtude. Repousar no Senhor.

Mas como chegar lá? Por amor, diz a Imitação.

24 de fevereiro

1ª Meditação: Ministro de Jesus Cristo

Nosso Senhor, agindo sempre como enviado sob a dependência absoluta de seu Pai, tanto em suas

palavras como em suas ações.

1° Em suas palavras: “As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo” (Jo 14,10).

“Observei o que mandou meu Pai” (Jo 15,10).

Eis, portanto, Nosso Senhor que jamais pronuncia uma palavra por Ele mesmo. Ouve o Pai e o

consulta. Depois, repete fielmente essa divina palavra, sem nada acrescentar e sem nada omitir. Ele

é a Palavra do Pai.

Repete com total respeito essa divina Palavra, ela é divina e santa.

Repete essa palavra com amor, pois ela é uma graça. “O espírito é que dá a vida” (Jo 6,63).

Repete-a com autoridade, pois ela deve santificar o mundo, reformá-lo à luz da verdade, reanimá-lo

no fogo do amor e, finalmente, julgá-lo um dia: “Não estava ardendo nosso coração quando Ele nos

falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32).

A palavra de Jesus Cristo, espírito e vida, a onipotência. “Se minhas palavras permanecerem em

vós, pedi o que quiserdes e vos será dado” (Jo 16,7). Ele disse e foi feito. As palavras de Jesus são

os raios desse sol de verdade: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). Elas são a luz em meio às trevas.

Ora, é isso que devo ser para meus irmãos e para o próximo, a palavra de Cristo. Os Apóstolos o

foram. “Mas o Espírito de vosso Pai falará em vós” (Mt 10,20). “Que a Palavra de Cristo habite em

vós com abundância” (Col 3, 16).

Devo, portanto, ouvir, compreender, repetir essa palavra interior de Jesus Cristo, escutá-la com fé,

recebê-la com respeito e amor, transmiti-la com fidelidade e confiança, com doçura e força.

Ai de mim! Quantas vezes me inspirei tão pouco na palavra de Jesus Cristo, mas em meu amor-

próprio e no próximo! Por isso, usei a linguagem das paixões, das concupiscências disfarçadas sob a

capa do zelo de Nosso Senhor e da Sociedade!

Como essas palavras eram estéreis, irrefletidas, indignas de ministro de Jesus Cristo. Como meu

amor-próprio sabe colher depressa o lado fraco ou forte do próximo! Como ele sabe adaptar-se à

linguagem de cada um! Finalmente, para expiar tanta mundanidade, terminei por Nosso Senhor

Jesus Cristo. Ai de mim! Tarde demais. Isto foi para acalmar minha consciência e as repreensões do

Espírito Santo!

2° Nosso Senhor só praticava as ações ordenadas pelo Pai celeste e observava até os menores

detalhes e Nosso Senhor cumpria inteiramente a santa vontade de seu Pai.

Pois bem! Eis a tarefa de um verdadeiro servidor, de um verdadeiro ministro de Jesus Cristo. Essas

duas palavras o dizem.

Pois é uma grande honra ter Jesus Cristo por Mestre, vê-lo condescender para dirigir-me em tudo,

até nos menores detalhes. E por que, então, não fazer tudo o que Ele faz, como Ele o faz, por que

Ele o faz, eu, seu aprendiz? Sendo assim, teria a paz, a liberdade, a união com Deus. Não

estabeleceria meu centro em minhas obras, mas em Nosso Senhor. “Permanecei em mim” (Jo 6,56).

Não me apegaria a coisa alguma senão àquilo que Nosso Senhor quer e no tempo que Ele

determinar. “Vai lá! E ele vai, e a outro: Vem! E ele vem” (Mt 8,9).

46

Isso requer, entretanto, uma mudança de governo, de chefe, de princípio. É preciso uma revolução

pelo incêndio, pelas correntes e pela morte do velho homem.

Como, porém, consegui-lo?

“O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35).

Tomei a resolução de ler com grande respeito a palavra de Deus e de pronunciar com afeto as

orações litúrgicas da Santa Igreja, inspiradas que foram pelo Espírito Santo. É a oração do Espírito

Santo por sua Esposa.

2ª Meditação: Ação de graças

(Coisas admiráveis de Padre Jerônimo Piatti, jesuíta italiano)

3ª Meditação: Sociedade, Graças

1º Nosso Senhor honrou-me ao chamar-me para trabalhar na Sociedade do Santíssimo Sacramento.

Não poderia ter proporcionado a mim tamanha honra, embora se servisse da pessoa mais indigna e

mais desprezível do mundo.

Para tal Sociedade seria necessário o primeiro príncipe do mundo, o sacerdote mais perfeito, o

religioso mais exemplar. É a glória das outras congregações religiosas. Todas elas tiveram em sua

origem um vulto eminente ou alguma coisa célebre.

A Sociedade do Santíssimo Sacramento só deveria haurir sua glória de seu divino Mestre e isto já

basta, pois Ele está vivo, enquanto todas as outras Sociedades só honram um mistério passado ou,

então, professam a perfeição evangélica.

E estas graças pela Irmã Bendita, etc.

Sem perigo, como sem vaidade.

2º Deus demonstrou um grande amor e uma grande bondade, confiando-me tal missão: o Pai celeste

que nos dá e nos confia seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, que quer permanecer conosco. O

Espírito Santo que quer formar-nos para essa nova vida.

Não é só isso! O Pai que nos envia vocações, pois “Ninguém pode vir a mim se o Pai que me

enviou não o atrair” (Jo 6,44), o Salvador que nos dá a missão de formá-los e o Espírito Santo, a

graça...

Eis, agora, o mais importante: a Santa Igreja, sem mesmo me conhecer, sem que eu possuísse título

pessoal algum, sem ter feito nada de grande por ela, aprova a Sociedade e nos confia seus padres,

seus filhos. Reveste-nos com sua autoridade, seu poder, concede-nos o direito de chamar e formar

para o sacerdócio, de receber a profissão em seu nome e de formar verdadeiros religiosos. Quer ser

a Mãe soberana dessa família. Não é isto um grande milagre?

3º Eis o mais importante para mim: a conservação da Sociedade com seus elementos. Ela poderia

perecer por falta de direção enérgica e consecutiva. Eu estava inteiramente absorvido, tanto no

exterior como no interior, por bagatelas; poderiam ter-se apoderado dela, fazendo-a desviar-se.

Pela falta de uma autoridade única e confirmada, poderia ter-se formado um partido; seria bem

fácil.

Pelos conflitos dos caracteres, dos pontos de vista, das misérias sem dúvida inocentes, nas

consciências. Partia-se de um princípio errado. Não se reconhecia suficientemente a autoridade do

princípio vivo, primeira lei de uma Sociedade que começa. A religião está baseada em sua

autoridade docente. A lei do Evangelho foi a palavra do Apóstolo. Foi escrita muito mais tarde.

“Ide, pois, fazer discípulos” (Mt 28,19) e “Quem vos escuta” (Lc 10,16).

Pelas responsabilidades acima dos recursos e também por minha falta de ordem e de economia.

Por um mau espírito ou por um espírito estranho à alma e ao fim da Sociedade.

Pelo desânimo, quando fiquei só, quando surgiram as oposições e, em seguida, a partida etc.

Pois bem, tudo isto só serviu para infundir mais luz, graça, fundamento. Depois de uma grande

borrasca, surgia uma grande graça.

Oh sim, Nosso Senhor, muito me amou! Ele me ama! Ele bem o demonstra. Eu é que deveria ser

expulso da Sociedade, como indigno, deposto como incapaz, feliz por ser mantido num cantinho

para adorar Nosso Senhor, sepultado no esquecimento. Nosso Senhor deveria ter-me feito morrer

47

logo após a aprovação, porque, ai de mim! Posso ter sido bom para começar, mas não sirvo para

firmar, edificar e aperfeiçoar a graça inicial.

Eis-me aqui, ó meu Deus, inteiramente a vossa disposição! Considerai, Senhor, vossa glória e o

bem da Sociedade. Parece-me que nesse momento e depois de alguns dias aceitaria sem tristeza ir

esconder-me em algum retiro ou ser mandado para um país pobre, desconhecido, pobre e esquecido,

mas com um tabernáculo.

Faça-se tua glória!

25 de fevereiro

1ª Meditação: A Sociedade e eu

Examinei de que modo correspondi à honra e à confiança de Deus e da Igreja.

Como sinto ter dado tão pouca glória a Deus! Uma glória exterior, um reinado exterior. Para o

interior, foi muito pouco e ainda muito imperfeito.

Não poderei reparar essa perda. Já passaram as oportunidadees. De que adianta agora ter-me posto

em destaque, ter ostentado meus dotes, o lado bonito da Sociedade, de nossa vocação, os sacrifícios

que ela enfrentou, semelhante aos das outras. Tudo isto estava maculado pelo amor-próprio. Por que

não glorificar a Nosso Senhor por meio de um silêncio pessoal absoluto?

Não teria sido preferível trabalhar, não para a glória, o engrandecimento e a extensão da Sociedade,

mas no aperfeiçoamento da santidade interior? Ela teria criado raízes hoje. As aves do céu poderiam

abrigar-se em seus ramos e fazer nela seus ninhos.

As pessoas não são atraídas a uma Sociedade religiosa pelo conforto, ciência e pelas qualidades

exteriores, pessoas autossuficientes cujo espírito, o egoísmo tem seu alimento preparado. As santas

vocações são a ela atraídas pela graça da santidade, pelas complacências de Deus numa Sociedade

religiosa. E nela permanecem pelos meios e graças de santidade, porque nos desprendemos de nós

mesmos para nos unirmos mais intimamente a Deus na vocação. Quando o elemento aglutinante

perde sua força de atração entre dois corpos, estes se desprendem e se separam.

Sem dúvida, o demônio favoreceu essa absorção que, chegando até o cansaço, me impossibilitava

de ocupar-me com o resto e fazia-me ir adiando, depois deixar, depois me desculpar.

No entanto, o ponto essencial desta meditação foi a consideração da primeira ideia dada para a

glória do Santíssimo Sacramento, seu Apostolado, sua organização. E eu não percebia uma coisa

grandiosa para mim, que era entregar-me ao Santíssimo Sacramento, eu mesmo, minha natureza,

para glorificá-lo por essa imolação, esse sepultamento.

Finalmente hoje, depois de um mês de retiro, já começo a percebê-lo. Esta é certamente a maior das

graças. Até agora eu não o percebia. Hoje, porém, já o sinto e é necessário que nomeie esse

sentimento de grande misericórdia, pois, se começasse a considerar mais a fundo essa culpabilidade,

minha pobre cabeça estouraria e meu coração haveria de querer desculpar-se sem razão, concentrar-

se e, diante dessa visão tão dolorosa, abandonar tudo, tudo sacrificar. E por quem? Por um homem?

Não. Por quê? Pela afeição pessoal? Também não. Para a glória do mundo religioso? Isso seria

loucura! Para o bem-estar? Faria coisa melhor! Por que então? Ai de mim! Por quê? “A serpente me

enganou” (Gn 3,13). O amor-próprio encontrou o jeito de deslizar no amor de Deus e o natural

penetrou no sobrenatural.

Eis revelado o mistério. Que farei? Algo!

Almoço: Imitação, Livro 2, capítulo 3

O homem bom e pacífico faz com que tudo se converta em bem. Não pensa mal de ninguém. Toda

nossa paz nesta vida miserável consiste mais em sofrer resignado do que em não experimentar

contrariedades.

2ª Meditação: na cidade

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3ª Meditação: Necessidade de Deus

Meditei sobre a necessidade de Deus. Como a alma sofre no mundo, onde tudo quanto ela vê a

distrai, o que ouve a dissipa e a agita, e aí encontra muitas vezes a tentação, a vaidade e a expansão

nas criaturas.

Também uma tristeza me assalta em meio ao mundo. Sinto-me deslocado, fora de meu centro.

Tenho medo.

Como volto depressa para minha cela, aos pés de Nosso Senhor!

Estava cansado de toda essa agitação. Custei a concentrar-me. No entanto, no final, Nosso Senhor

abençoou minha meditação, recolhendo um pouco minha alma. Percebo bem que esta não é uma

graça atual.

Minha graça é uma graça interior. Além disso, não sei conter-me, proteger-me e calar-me no meio

do mundo. Parece que a expansão com Nosso Senhor me torna ainda mais falante com os outros. E

isso é para mim uma desgraça, porque prejudico minha alma. Acontece sempre que em minhas

relações exteriores entra a curiosidade de saber, de ver o que seria útil dizer. Numa palavra: a

vaidade sempre faz uma pequena colheita ou uma tentação e, frequentemente, bem frequentemente,

uma falta.

26 de fevereiro

1ª Meditação: Adoração

Meditei sobre a adoração.

De imediato, constatei dois defeitos em minhas adorações: Pensamentos muito vagos, adoração de

zelo. Na adoração, não se trata, ó minha alma, de ser apóstolo, nem Superior. É preciso ser

simplesmente adorador, isto é, fazer de todo meu ser, de toda minha vida atual e futura uma

homenagem de justiça e de amor a Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento do altar,

exposto solenemente no altar para mim, para ser adorado por mim. Eis o ponto essencial. Não quero

nada. Não quero tuas obras, mas a ti (Im. 4, cap.8).

É preciso que adore a Nosso Senhor, seu amor no Santíssimo Sacramento, seus sacrifícios, seu

estado, sua bondade, numa palavra, o motivo da instituição, da perpetuidade, da multiplicação da

Eucaristia. Que me ponha assim em contato com a graça fundamental e substancial desse divino

Sacramento, unir-me a Nosso Senhor por meio dessa graça, glorificá-lo em seu estado sacramental.

Então, minha alma estará em sua vida. “Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). Não é preciso que eu

vá à Eucaristia por meio dos mistérios e virtudes de Nosso Senhor, mas a esses mistérios e essas

virtudes, da Eucaristia a eles. É o sol que produz os raios. É muito demorado subir ao sol por um só

raio, para-se no caminho.

A grande graça de minha meditação foi considerar a excelência de minha vocação que faz da

adoração uma situação estável e o principal exercício da vida e a finalidade própria da perfeição do

estado religioso, de fazer por dever e por voto o que no mundo se faz livremente e mui raramente;

de constituir, desse modo, a Sociedade de Nosso Senhor, sua guarda divina, fazer o que faz o céu.

Meu espírito estava sobrecarregado de ideias. Minha alma correu muito. Quis muito contemplar a

beleza, a excelência do bem, em lugar de considerar a bondade do amor por mim.

Hei de rever isso! A ação de graças, uma hora.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 7

O progresso na vida espiritual não consiste tanto em teres a graça da consolação, mas em

suportares com humildade, abnegação e paciência a privação, de modo que não afrouxes no

exercício da oração, nem deixes de todo as demais obras que costumas praticar.

Antes, faze tudo de boa vontade, como melhor puderes e entenderes, não te descuides totalmente de

ti por causa das securas e ansiedades espirituais. Muitos há que se deixaram levar pela

impaciência e pelo desalento quando as coisas não corriam como desejavam.

Grande verdade que me confirma na luz que Nosso Senhor me concedeu, a saber: que me apego

muito à paz do coração, à doçura do recolhimento, a esse gozo de Deus. E que, quando me dissipo

49

muito, me sinto árido e seco, fico desolado nesse estado e muito me esforço para encontrar o

sentimento de Deus e fazer como uma criança que não cessa de pedir perdão a sua mãe, até que por

fim ela a abrace. Assim faço também e, então, perco meu tempo. Melhor seria humilhar-me e

aceitar de uma vez por todas esse estado penoso e seguir no trabalho.

Eis uma grande graça que me revela um grande defeito. Atenção, portanto, e ação de graças.

2ª Meditação: Nos Passionistas5

“Ah, se eu tivesse asas como a pomba!” (Sl 54,7).

3ª Meditação: Sobre a impressão provocada por minha leitura

Sobre os perigos do mundo, o número dos que se condenam, e que graça soberana de salvação é a

vida religiosa, que nos livra dos perigos, nos defende contra as ciladas do mundo e nos fortifica

contra nossa própria tentação e nossas paixões sempre terríveis, ainda que refreadas.

Oh! que desespero desses milhares de cristãos que vivem tranquilos no pecado e que hão de acordar

no tribunal de Deus!

27 de fevereiro

1ª Meditação: Adoração

Minha meditação foi melhor que a de ontem de manhã. Estive mais piedoso e mais atento ao

acordar, evitando o perigo de deixar meu espírito abrir-se para as coisas do mundo ou impróprias.

Comecei a meditar sobre os sentimentos comuns da ação de graças, de minha vocação, da felicidade

de estar ligado ao serviço pessoal de Nosso Senhor. Este preâmbulo fixou minha alma, dando-lhe

facilidade para expandir-se.

A adoração em si mesma é o culto de latria tributado a Nosso Senhor Jesus Cristo, o culto de

respeito, de honra, de dependência, de homenagem.

O cego de nascimento, prostrando-se, o adorou. São Tomé, ao dizer: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo

20,28), com certeza também se prostrou. E os Magos “ajoelharam-se diante dele e o adoraram” (Mt

2,11).

1º Culto exterior de respeito, eis a profissão de fé, o culto prescrito pela Santa Igreja, a homenagem

de nosso corpo. Tudo é nada diante de Nosso Senhor. “Meu Senhor e meu rei” (Cf. Sl 43).

Não devo mais dar atenção a ninguém diante do Santíssimo Sacramento - e, se exposto, não

enxergar mais ninguém. Devo estar absorvido em meu Senhor, como os anjos. Ora, tenho muito que

me censurar sob este ponto, com o pretexto de guarda da capela e da vigilância. Não é esse o

momento: a não ser que seja uma coisa evidente, não tenho que ir procurar. Eis meu Deus e meu

Rei.

E o que há de mais honroso é o culto, o cerimonial da Santa Igreja e seu estado sacramental que

adotamos. Perfeito em si mesmo, consequentemente. E temos certeza de que é agradável a Nosso

Senhor por ser ele o culto de sua Esposa, inspirado pelo Espírito Santo.

É preciso, pois, tributar a Nosso Senhor esse culto exterior no espírito interior de homenagem de

todo meu ser e também, segundo o espírito e a intenção da Santa Igreja que quer honrar seu divino

Esposo, seu Salvador, por mim, seu embaixador.

2º É um culto de amor, de homenagem ao amor de Nosso Senhor em si mesmo, depois da expansão

deste amor imenso em seu divino sacramento, depois do louvor e da gratidão à vista de tantos

sacrifícios em seu estado sacramental. Finalmente, de ação de graças por sua infinita bondade de

nos haver amado tanto, eu, tão pobre, tão miserável, tão pecador e tão ingrato.

E isso sem desanimar, depois de 30 anos de sacerdócio, 25 de vida religiosa e 43 de minha primeira

comunhão. No entanto, todas essas benevolências não conseguiram ainda fazer de mim um cristão

medíocre. O pior é que sua bondade me concede ainda tudo quanto há de maior, de mais amável e

5 No Convento de Cœlius, onde Padre Eymard havia feito um retiro de 17 a 25 de maio de 1863 e onde morava seu

amigo Padre Basílio.

50

de mais precioso, a vida religiosa eucarística, na qual estão encerrados todos os bens, todas as

virtudes e todas as glórias da divina Eucaristia e até mesmo todos os direitos e títulos a sua posse.

Ora, de que modo prestei esse culto de amor a Nosso Senhor sacramentado?

É proibido colocar qualquer outra coisa no tabernáculo juntamente com a Sagrada Eucaristia e

também não se pode expor relíquia alguma, por mais insigne que seja, sobre o altar da exposição. E

eu, querendo estar ali? Poderia eu colocar ali dois tronos?

Nosso Senhor não é suficientemente bom, amável, grande para possuir todo meu coração e todo

meu serviço na Adoração? Mas, ó minha alma! é o fogo, a Eucaristia que purifica ou devora, que

beatifica ou crucifica.

Por que não amei bastante e como devia? Por que não soube ou não quis fazer uma verdadeira

adoração de amor? Fiz, na verdade, uma contemplação especulativa. Meditei demais e pouco amei.

Amei em Nosso Senhor e amei por mim mesmo.

Portanto, hoje: ação de graças ao soar de cada hora.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 17

Filho, deixa-me fazer contigo o que eu quero, eu sei que te convém. Tu pensas como homem e

julgas em muitas coisas conforme te persuade o afeto humano...

Férias em Castelgandolfo6.

28 de fevereiro

De manhã: Adoração na Igreja de Jesus, igreja principal dos Jesuítas em Roma, onde estão os

restos mortais de Santo Inácio de Loyola e de São Francisco Xavier.

À tarde: Recolhimento aos pés de Nosso Senhor.

1º de março: Quarta feira de Cinzas

1ª Meditação: Sobre a Penitência

Considerei Deus impondo a penitência a nossos primeiros pais culpados.

Como a bondade de Deus resplandece nessa circunstância em que Ele poderia ter-se encolerizado

muito. Pelo contrário, Ele encaminha os culpados para a via do perdão, oferecendo-lhes ocasião de

humilhação e de arrependimento. Entretanto, o pecado torna a pessoa insolente!

Deus não se irrita com essa insolência. Não os castiga como aos Anjos rebeldes. Ele não os faz

castigar, nem prender, nem ser humilhados pelas outras criaturas. São pobres criaturas, já estão

bastante humilhadas. É um pai que corrige para perdoar, que não abandonará esses pobres

pecadores. Deixará mesmo esse paraíso como um pai que se retira da casa abandonada pelos filhos.

Que penitência Deus inflingirá? Uma penitência corporal, nada mais que isto: “Amaldiçoado será o

solo por tua causa. Com sofrimento tirarás dele o alimento todos os dias de tua vida. Ele produzirá

para ti espinhos e ervas daninhas. E tu comerás das ervas do campo. Comerás o pão com o suor de

teu rosto até voltares à terra da qual foste tirado. Porque tu és pó e ao pó hás de voltar” (Gn 3,17-

19).

“E o Senhor Deus fez para Adão e sua mulher roupas de peles com as quais os vestiu” (Gn 3,21). “E

o Senhor Deus os expulsou do Jardim do Éden, para que cultivassem o solo do qual foram tirados”

(Gn 3,23).

Como se manifesta o coração de um Pai! Ele não entrega o culpado aos executores de sua justiça. É

Ele mesmo que lhe fala, que lhe impõe a penitência, que lhe fornece a primeira roupa, que o expulsa

do Paraíso e sai com ele. Em seguida, promete o Redentor, a Santíssima Virgem Maria Imaculada,

que esmagará a cabeça.

6 Localidade situada a 25 km de Roma, “pitoresca por sua posição perto do lago e pelo palácio do Papa”.

51

Ora, para que essa penitência corporal, a humilhação das vestes, o pó de sua existência, esse

trabalho, esses suores, esses espinhos da terra, e à Eva essas angústias, essas misérias da

maternidade, essa dominação, essa submissão?

Deus castiga o corpo porque a alma se tornou carnal, porque ela amou mais do que ele.

Então, o corpo tornou-se o instrumento do pecado, provou do fruto proibido. É escravo que, de ora

em diante, há de se revoltar continuamente contra o mestre, a consciência, a razão. De imediato, é

necessário subjugá-lo, cortar a raiz carnal das três concupiscências.

Então, a penitência corporal, a penitência de justiça, de reparação da santidade do homem e da

glória de Deus.

Depois Nosso Senhor, segundo Adão, veio e, como filho de Adão, desposou nossa situação, a fim

de elevá-la até a virtude, até sua perfeição. Pratica até mesmo o exercício do perfeito amor. Ele

amou e glorificou seu Pai pelo sofrimento, humilhação e pobreza.

A puríssima e Santíssima Virgem Maria, sua divina Mãe, viveu também assim. Desta forma a

penitência é não somente uma virtude de justiça para mim, grande pecador, mas uma virtude de

Nosso Senhor em mim, um fruto de sua graça, a mais bela flor que poderei oferecer em sua honra.

Sou obrigado a praticar a penitência, não somente na qualidade de pecador, mas ainda como

sacerdote de Jesus Cristo, corredentor, a fim de salvar as almas. “E completo” (Col 1,24). Também

como religioso, visto ser a penitência o fundamento da vida religiosa, a alma dos votos, a verdadeira

vida de Jesus Cristo. “Todo aquele que quiser segui-me, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz

cada dia e me siga”. A fim de compreender meu siga-me, meditei sobre Nosso Senhor no deserto,

jejuando, fazendo penitência. Todas essas reflexões me encontraram seco e frio. Pedi a Nosso

Senhor a graça e o espírito de penitência:

1º não tomar nada entre as refeições;

2º receber bem tudo quanto acontecer como vindo das mãos da Providência. Escolher o que é

ilegível.

Almoço: Imitação, Livro 3, capítulo 51

Às vezes é necessário, por causa de tua natureza viciada, descer a coisas humildes e carregar,

ainda que pese, o fardo dessa vida corruptível.

Enquanto viveres nesse corpo mortal, sentirás tédio e angústias de coração.

2ª Meditação: “Sobre quão amável é vosso tabernáculo” (Sl 83).

Esta paráfrase eucarística me recolheu e me fez bem. Eu me vejo na aridez. Vejo que é um bom

meio de tomar assim um salmo conhecido.

3ª Meditação: Regra Religiosa

1º Devo observar a regra religiosa e, principalmente, a regra pública, tão bem como qualquer

religioso, porque sou religioso antes de tudo. Estou tão obrigado a isso como qualquer outro. É a

vida de minha alma e tenho necessidade de alimentá-la. Tenho que praticar as virtudes religiosas de

meu santo estado e seria muito infeliz e castigado se não tivesse o direito e o mérito. Por isso,

quando falto a uma regra por minha culpa, peco contra Deus, contra a Sociedade e contra mim

mesmo.

Não sou Superior para ser dela dispensado ou para interpretá-la a meu favor, mas para cumpri-la

mais perfeitamente ainda do que os outros, pois sou seu executor, o guardião e o defensor, e terei

que prestar contas severas.

Nisto reconheço, ó meu Deus, quanto sou culpado.

Não soube e não quis largar tudo para dirigir-me aos exercícios públicos do culto e também da

comunidade. Sempre quero acabar o começado, com medo de ferir alguém e penalizar os estranhos,

também pela vaidade, pela autoridade sobre a lei, a regra; tudo isso é muito humano, imperfeito e

bem vergonhoso diante de Deus.

Meu Deus, não o farei mais! Perdoai-me.

52

2º Também devo dar o exemplo a meus irmãos. Como ousaria repreendê-los se eu mesmo sou

culpado? Ora, peco contra o silêncio, a modéstia dos olhos e do porte, contra a exatidão e a

pontualidade.

Sou fraco em corrigir as faltas, porque sou negligente em evitá-las. Ora, é necessário que isso mude.

Meu Deus! Tantas vezes já vos tenho prometido em vão! Espero, porém, que desta vez vossa

misericórdia tenha compaixão de mim e me conceda a graça de começar, finalmente, a ser exemplo

para o rebanho.

3º Passei em revista meu estado atual. Neste dia de férias pude constatar minha fraqueza. Como

presto pouca atenção na presença de Deus, na moderação das palavras; como não sei recolher-me,

rezar interiormente quando estou na companhia dos outros. A prova foi esta tarde. Durante uma

hora fiquei por duas vezes sem pensar em Deus.

Oh! Que tristeza! O que será, então, quando eu estiver na agitação dos negócios?

2 de março

lª Meditação: Regra, Virtude

A obediência à regra deverá ser minha primeira virtude, pois é somente por ela que sou religioso

ativo, que glorifico a Nosso Senhor como religioso e até mesmo cumpro meu dever, obrigado a

duplo título à edificação de meus irmãos.

Agir por outro motivo seria a mais perigosa ilusão, pois seria incidir na própria liberdade caprichosa

e estar sempre assim no casual e no particular.

Além disso, o que me diz que dispensar-me ou não ser pontual numa ação comum, sobretudo por

uma coisa alheia ou particular, seria mais agradável a Deus e poderia dar-lhe maior glória? Nada! E

depois, que me importa o que poderão dizer ou pensar, contanto que esteja em meu lugar, onde

Deus me espera, naquilo que Deus quer! Antes de tudo devo pertencer a Deus e à Sociedade.

Necessito de uma grande reforma neste ponto. É uma falsa virtude e uma falsa liberdade. É fazer

mais conta de si do que da vontade atual de Deus. No entanto, mais triste ainda é que me privo da

primeira graça, dum exercício comum, da primeira benção, e, por conseguinte, da autoridade, do

poder divino e apostólico sobre os outros, porque não recebi totalmente a graça.

Enfim, que estima e apreço terão meus irmãos pelo regulamento se eu não for o primeiro a

demonstrar-lhes e provar-lhes que ele é a lei sagrada e inviolável do serviço de Nosso Senhor? A lei

suprema de suas virtudes? Se não puser a sanção, não coercitiva, mas positiva e ativa?

Esta será para mim a virtude soberana que há de me custar muito em certas ocasiões em que o

amor-próprio será imolado, as complacências rompidas, os casos pessoais submetidos à lei geral do

serviço de Deus.

Consultarás a Deus, ó minha alma, teu dever, seu melhor serviço e, se tiveres em vista somente sua

Santa Vontade, receberás certamente luz e graça. Reza, porque todas as tentações, todos os

demônios e todas as antigas paixões de falsa liberdade e de escravidão estão a tua espera!

Imitação, Livro 1, capítulo 25

Quando o homem chega ao ponto de não buscar consolação em nenhuma criatura, só então

começa a gostar perfeitamente de Deus e anda contente, aconteça o que acontecer.

Então, não se alegra pela abundância nem se entristece pela penúria, mas confia inteira e fielmente

em Deus que lhe é tudo em todas as coisas.

2ª Meditação: Meia hora de recolhimento

Ação de graças pelas boas luzes sobre o estado religioso.

3ª Meditação: A vida ou a morte da Sociedade dependem de minha vida

Se sou um santo religioso adorador, serei um bom Superior e, se for santo, também os outros o

serão, conforme o exemplo do rei.

53

Hão de ser santos porque hei de comunicar-lhes minha graça e este espírito que é seu bem. Eles o

serão, porque então estimarão e amarão sua regra viva.

Deus nos abençoará a todos com aquela bênção que deu ao fiel Abraão: “Por tua descendência serão

abençoadas todas as nações da terra” (Gn 22,18). A árvore é semelhante à raiz: portanto, se sou

santo, a Sociedade há de viver, não porque sou sua vida, esta é Nosso Senhor e a Igreja, mas na

ordem da Providência desempenho na Sociedade essa condição de vida: o povo será como o pastor.

Ai de mim, porém, se não sou santo, sou um demônio para meus irmãos, um satanás, pois não os

edifico; ao contrário, por meu exemplo eu os desedifico e os levo ao relaxamento, à dissipação, à

tibieza, ao menosprezo das regras. E, então, resulta o enfraquecimento, a agonia, a morte da

piedade. Se não somos piedosos em nossa vocação, se não gozamos de Deus, de seu amável

serviço, de sua santa presença, ao menos de tempos em tempos, ficamos como perdidos.

Oh! minha alma, então morreria esta Sociedade pela qual tudo deixaste, tudo sacrificaste, pela qual

Deus operou tantos milagres? Eu deixaria morrer de fome esses pobres filhos? E isso por que e por

quem? Quanto vale a divina Eucaristia?

Oh, não! Meu Deus, ela viverá. Eles também viverão e eu me tornarei, com o auxílio de vossa

graça, aquilo que devo ser. Maria, minha boa Mãe, concluí a obra que começastes.

De que modo poderei tornar-me um santo?

1º Considerando o bem da Sociedade como a lei de minha vida.

2º Fazendo de seu fim o centro de minha vida.

3º Considerando na Sociedade somente o serviço de Nosso Senhor Jesus Cristo por essa pessoa

moral composta de cada um de seus membros.

Assim, não devo amar a Sociedade por si mesma, como obra, como corporação e seus filhos como

individualidades. Isto se transformaria numa tentação para mim; devo considerar a Sociedade como

de Jesus Sacramentado, sua Sociedade de serviço que devo dirigir, amparar, aperfeiçoar como um

general que ampara e dirige seus soldados para o serviço do príncipe a quem pertencem, e para o

serviço, o combate, a vitória que ele espera.

É, portanto, a sua educação, a suas virtudes, a seu melhor serviço que deverei aplicar-me. O Rei me

honra e me paga, os soldados não me pertencem, eles não me devem nada pessoalmente, não tenho

direitos pessoais em relação a eles, mas tenho um nome oficial, de cargo, de comando em nome do

grande Rei e para sua glória exclusivamente!

3 de março

1ª Meditação: Jesus Sacramentado não é amado

Constatei que Nosso Senhor não é amado pelos cinco milhões de pagãos, 50 milhões de judeus, 55

milhões de cismáticos, porque eles não o conhecem ou o conhecem muito mal.

Oh! Entre tantos milhares de criaturas amantes, quantas haveriam de amar Jesus se o conhecessem

tanto quanto eu! E eu deveria, pelo menos, amar Jesus em seu lugar e por elas!

Vi que entre os católicos bem poucos amam a Jesus, quase nunca pensam Nele nem falam Dele, não

falam com Ele, não vêm adorá-Lo, nem recebê-Lo.

Qual a razão disto? É porque nunca experimentaram Jesus, sua suavidade e as delícias de seu amor!

É porque nunca o conheceram em sua bondade. É porque não conhecem seu amor no Santíssimo

Sacramento.

Alguns possuem a fé em Jesus Cristo, mas uma fé passiva ou uma fé simples, de tal modo

superficial, que não alcança o coração ou limita-se à consciência da salvação. E assim mesmo, estes

não são numerosos entre tantos outros católicos que vivem como pagãos, como se jamais tivessem

conhecido Nosso Senhor.

Donde vem que Jesus Cristo é tão pouco amado no Santíssimo Sacramento? Vem dos sacerdotes

que não o fazem conhecer, que pregam somente a fé em Deus, e pouco ou quase nada falam sobre

sua vida no Santíssimo Sacramento, sobre seu amor, os sacrifícios desse amor pelos homens. Numa

palavra, o amor de Jesus a cada um em particular.

54

A segunda causa é porque os Sacerdotes não amam Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Ao

vê-los celebrar, pode-se avaliar seu amor; ao vê-los rezar, adorar, frequentar a Igreja, vê-se que eles

não compreendem a presença de Jesus Cristo. Quantos sacerdotes não fazem nem mesmo uma

visita de devoção ao Santíssimo Sacramento, nunca conversam intimamente com Nosso Senhor, do

fundo do coração.

Contudo, quando se conhece Jesus no Santíssimo Sacramento, seu amor, os sacrifícios desse amor,

os desejos desse amor, seus bens e, apesar disso, não se ama a Jesus Cristo, que injúria! Sim, que

injúria! É dizer que ele não é bastante belo, bom e amável para que seja preferido entre todos.

Que ingratidão! Depois de tantas graças recebidas, de tantas promessas feitas para amá-lo, depois de

tantos votos! Tratá-lo deste modo é zombar de seu amor!

É covardia! Evita-se conhecê-lo bem, vê-lo, recebê-lo e falar-lhe pelo receio de ser preso por seu

amor, por sua bondade, de não poder resistir-lhe, de se ver obrigado a sacrificar-lhe o coração sem

reservas, seu espírito sem outro pensamento, sua vida incondicionalmente.

Tem-se medo do amor de Jesus Cristo e foge-se dele. Fica-se perturbado como Herodes, Pilatos e

mesmo Caifás e seus amigos.

É preciso convir que o mundo também teme esse amor, que tudo empreende para paralisá-lo,

impedir até mesmo que se pense nele, absorvendo, prendendo e cativando as almas e mesmo

combatendo esse amor como não exigido, impossível , a não ser no claustro.

O demônio combate sem cessar esse amor de Jesus Cristo, sobretudo no Santíssimo Sacramento,

porque Ele aí está vivo, substancial, apoderando-se das almas. Então, o demônio afasta esse

pensamento de Jesus como a semente caída na estrada paralisando o efeito, a impressão por meio

das tentações. O fogo arde sempre e (o demônio) o apaga.

E, no entanto, “Deus é amor” (1 Jo 4,16). “A Palavra era Deus” (Jo 1,1). Amai-me. “Assim também

eu vos amo. Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). “Quem come minha carne permanece em mim e

Eu nele” (Jo 6,56). “Fogo eu vim lançar sobre a terra” (Lc 12,49). “Deus é um fogo que consome”

(Cf. Heb 12,29).

Ação de Graças

Terminei minha meditação desta manhã, tornando-a mais eucarística. Deixei-me, também, envolver

pelo quadro e pelo sermão sobre a verdade, de modo que chegou o fim e estava ainda nos

raciocínios e não nos afetos. Depois, a imaginação ainda levou vantagem. Pobre meditação, bela e

fácil, mas estéril para o coração.

Na minha ação de graças, entreguei-me inteiramente ao amor de Nosso Senhor. Esses dois

pensamentos me tocaram:

1º Pelo amor e amor do Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor me atraiu. Essa é minha graça.

2º Ele concedeu-me uma missão de amor e de amor ao Santíssimo Sacramento.

Ora, como corresponder a essas duas graças, se não amo com um amor absoluto, contínuo, vital?

Não é possível, de outra forma.

Renovei firmemente meu dom, minha resolução de repulsa por um ato de amor.

Entreguei-me inteiramente à Santíssima Virgem, que tem sido tão maternal para comigo. Que me

levou pelas mãos aos pés do Santíssimo Sacramento e, no entanto, eu a tinha esquecido um pouco!

Almoço: Imitação, Livro 1, capítulo 22

Acautela-te e daqui a uma hora portas-te como quem nada propôs.

Com muita razão devemos humilhar-nos e nada ter em grande conta, visto que tão frágeis e tão

inconstantes.

Eis o contrapeso!

2ª Meditação: Ida à Sagrada Congregação da Propaganda

Oh! Quanto me custou aceitar esta cruz!

Eis-me agora resignado. Convencido como estou de que o bom Mestre tirará disso sua maior glória

e que Ele tudo dispõe para o melhor. Parece que ainda não me acho no estado que Ele deseja para

servir-se de minha pobreza e de meu abandono.

55

3ª Meditação: Sacrifícios do Amor

Não se ama deveras Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, porque se ignoram e não se

examinam detidamente os sacrifícios que seu amor faz por nós no Santíssimo Sacramento. São tão

surpreendentes que meu coração ficou oprimido e os olhos, cheios de lágrimas.

1º A instituição da Eucaristia era pelo preço de toda a paixão do Salvador. Como assim? A

Eucaristia é um sacrifício, mas não existe sacrifício sem uma vítima a imolar, e depois, imolada. A

imolação é a morte da vítima, o oferecimento, a vítima oferecida, a manducação da vítima, a

participação nos méritos do sacrifício.

Ora, tudo isso se realiza na Eucaristia: é o sacrifício não-sangrento, porque a vítima é morta uma

vez e se perpetua em seu estado de vítima. “Então, vi um Cordeiro” (Ap. 5,6).

Para comer essa vítima, é necessário que ela encubra seu estado vivo e glorioso sob um emblema,

um sinal de morte. Só se come o que está morto e sem vida. De outro modo, haveria luta.

Eis o que é bem impressionante. A Eucaristia foi o preço do jardim das Oliveiras, dos tribunais e do

Calvário. Pois como foi pelo sacrifício da cruz que Jesus operou a obra de nossa redenção, é pelo

sacrifício da missa que Ele o continua para aplicar os méritos: todos os dias promulga a obra da

redenção. É, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima.

Lucro até mais com o sacrifício do altar do que teria aproveitado com o sacrifício da cruz, onde não

teria podido comer da carne da divina vítima, nem beber de seu sangue, pois ela ainda não teria

passado pelo fogo do altar para tornar-se alimento.

E, quem sabe, eu poderia ter sido um daqueles indignos algozes, aos pés da cruz, enquanto agora

tenho a fé.

2º Instituindo a Eucaristia, Jesus perpetuava os sacrifícios de sua paixão, os abandonos do jardim

das Oliveiras, a traição de seus amigos, de seus discípulos tornando-se cismáticos, hereges,

renegados, maometanos, cristãos vendendo a divina hóstia aos judeus, aos ímpios. As negações em

casa de Anás, os furores sacrílegos no palácio de Caifás, o desprezo de Herodes, a covardia de

Pilatos. Depois, a vergonha de se ver preferido ao demônio, a uma paixão, a um ídolo de carne.

Depois, a crucifixão sacramental no corpo e na alma do comungante sacrílego.

Pois bem, Nosso Senhor sabia antecipadamente de tudo isso. Conhecia todos os novos Judas. Ele os

divisava entre os seus, seus filhos queridos, seus padres. E, todavia, isso não o deteve. Ele quis que

seu amor superasse a ingratidão e a malícia do homem. Ele quis sujeitar-se até mesmo à malícia

sacrílega e sobreviver a ela.

Nosso Senhor antevia a tibieza dos seus, a minha, o pouco proveito haurido da santa comunhão.

Não importa: Ele quis amar muito mais do que era amado, quis dar muito mais do que o homem

gostaria de agradecer.

3º O que ainda? E esse estado de morte, quando ele possui a plenitude da vida e duma vida imortal,

ser tratado à semelhança de um morto, visto como um morto, isto é pouca coisa? E esse estado de

morte, o que diz? Significa que Jesus está sem beleza, sem movimento, sem defesa, envolto nas

santas espécies, como em outro sudário, e no tabernáculo como em um túmulo, que Ele ali está

vendo tudo, ouvindo tudo, sofrendo tudo como se estivesse morto. Seu amor encobriu desse modo

seu poder, sua glória, seus pés, suas mãos, sua boca sagrada e só lhe deixou seu coração para nos

amar e seu estado de vítima, para interceder por nós.

Oh! O que deve pensar o demônio à visão desse grande amor de Jesus Cristo pelo homem, e da

imensa frieza e ingratidão do cristão por Jesus Cristo! Talvez lhe diga: “Eu nada dei ao homem de

verdade, de bom, de bem, não sofri por eles e, no entanto, sou mais amado, mais obedecido e

melhor servido que vós!” E ele tem razão!

O que devem pensar os anjos contemplando Jesus em seu Sacramento, e do homem que não o

contempla ou o despreza ou o esquece!

O que devemos pensar da Eucaristia depois da morte, vendo toda sua bondade, todo seu amor e

todas suas riquezas?

Ó meu Deus, meu Deus! Que pensar de mim? Depois de 43 anos, comungo frequentemente. Vós

me concedestes tudo quanto a Eucaristia pode dar de honras, de poder e de graças. Recebi a missão

de revelar vosso admirável e adorável sacramento para o mundo inteiro. No entanto, ai de mim,

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ainda não sou adorador. Ainda não possuo a santidade primeira de meu estado, a virtude elementar

de minha vocação religiosa. Ainda não sois minha lei suprema, o centro de meu coração, a

finalidade de minha vida.

O que é preciso, pois, para triunfar sobre minha alma? Ou a Eucaristia ou a morte!

4 de março

1ª Meditação: Centro: Eucaristia

Para que existe a Eucaristia? Para que ela seja o centro do amor do homem.

O coração do homem sente necessidade de um centro de afeição, de expansão. Deus, ao criar o

primeiro homem, disse: “Não é bom que o homem esteja só. Façamos-lhe uma companheira

semelhante a ele” (Gn 2, 18).

Imitação, capítulo 8

Sem amigo não podes viver. “Pois onde estiver teu tesouro, aí estará também teu coração” (Mt

6,21).

Nosso Senhor quer ser o centro do amor de seus discípulos, quer ser meu centro.

“Como meu Pai me ama, assim eu vos amo. Permanecei em meu amor. Se observardes meus

mandamentos, permanecereis em meu amor, assim como eu observei o que mandou meu Pai e

permaneço em seu amor” (Jo 15,9-10).

O que significa permanecer no amor de Jesus Cristo? É fazer dele o centro de sua vida. Ora, este

centro deve ser a Eucaristia, aí está Jesus:

O único centro de sua consolação nas amarguras. “Vinde a mim todos vós que estais cansados”

(Mt 11,28).

O centro de suas tristezas e decepções, porque este é o momento em que o coração se dá com

mais abandono.

O centro da alegria é o verdadeiro amor que se regozija em seu bem-amado e não em si mesmo.

No Senhor, meu Jesus, eu me alegro.

O centro de seus desejos para ver, poder agradar, surpreender com um ramalhete, um presente.

Não desejar senão aquilo que agrada ou causa prazer.

O centro de vida: pensa-se, delibera-se em seu centro de afeição, age-se para lhe dar prazer, é o

que querem dizer estas palavras de Jesus: “Aquele que me consome viverá por meio de mim” (Jo

6,57). Por mim, por princípio, lei, inspiração ou para mim, fim, ser-me agradável, preferir-me a

tudo.

Será que Jesus é o centro de meu coração? Sim, nas tristezas extraordinárias. Sim, no primeiro

momento do reconhecimento, no extraordinário. No entanto, ele não está no ordinário da vida. Não

penso, não resolvo, não desejo, não procedo em Jesus como um centro. Eis um fato e um fato

constatado, bem triste.

Por que Nosso Senhor não é meu centro? Porque Ele não é ainda o eu de meu eu. Porque não o amo

bastante por afeição. Meu coração permanece na glória de seu serviço, mas não está no bel prazer

de seu coração.

O que fazer para chegar a esse centro? Aí penetrar! Aí permanecer! Agir nesse centro e para esse

centro divino.

O filho trabalha para seus pais, a esposa para seu esposo, o anjo para seu Deus, o adorador para

Jesus Cristo.

Para mim será fácil alcançar esse centro, considerando que vivo ao redor da Eucaristia, que ela é a

ocupação e a lei exterior de minha vida. Será para mim mais fácil do que em qualquer outra

situação, pois é minha graça.

Como consegui-lo? Por meio da ação, isto é, não pelo sentimento de sua paz, de sua doçura, mas

pela homenagem e retornos frequentes. Um centro é o ponto da circunferência, do movimento do

exército, quartel general.

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Vamos, minha alma, saiamos do mundo. Sai de ti, deixa a ti mesma e dirige-te ao Deus da

Eucaristia. Ele tem uma morada, ele te quer. Ele quer viver contigo, dar-se a ti, viver em ti. Fica em

Jesus, aquilo que foi em sua pessoa divina a natureza humana em sua encarnação, despojada de sua

personalidade. Como vivemos para o eu e o eu é a pessoa, assim a alma humana de Nosso Senhor e

seu corpo não viviam, pois, senão para a pessoa divina do Verbo, que não vivia senão para seu Pai e

por seu Pai.

Resolução: renovar minha doação, dom parcial, abandono. “Eu vivo, mas não eu: é Cristo quem

vive em mim” (Gl 2,20). No entanto, é preciso chegar até ao sacrifício que mais custa. Fazê-lo

primeiramente na oração.

Imitação, Livro 2, capítulo 4

Se teu coração for reto, toda criatura será para ti um espelho de vida e um livro de santas

doutrinas.

Não há criatura tão pequena e vil, que não represente a bondade de Deus.

Se fosses inteiramente bom e puro, logo verias tudo sem dificuldades e bem compreenderias. O

coração puro penetra o céu e o inferno.

2ª Meditação: Ida à Sagrada Congregação da Propaganda

5 de março

1ª Meditação: Centro de Vida

Como o bom Deus é bom! Ele soergueu minha alma um tanto abatida, que facilmente poderia

entregar-se à preguiça!

A Sagrada Eucaristia é meu centro natural, sobrenatural e final por estado de vocação. O

pensamento, portanto, deve tornar-se fácil! Por estado eu permaneço em Nosso Senhor, em torno de

seu altar, de seu trono. Ora, morar com alguém é estar todo inteiro com a pessoa. Morar com tão

grande Rei é ter uma morada muito honrosa. Permanecer com Nosso Senhor Jesus Cristo é

permanecer na própria Bondade. É preciso, portanto, ser bem idiota, bem marginal, bem ingrato

para não permanecer aí.

A Sagrada Eucaristia é o próprio objeto de meu trabalho. Seu serviço direto é meu quinhão, seu

culto, sua adoração, seu serviço imediato que exige toda a dedicação de minha mente, todo o

esforço de minha inteligência, toda a energia de minha vontade, a homenagem total de meu corpo.

Tudo em mim deve ser, portanto, preparação e aplicação ao serviço da divina Eucaristia!

A Sagrada Eucaristia é o objetivo de minha vida, fim absoluto, que encerra todos os demais fins,

pois Nosso Senhor é o alfa e o ômega. Agradar-Lhe, amá-Lo, servi-Lo, eis o tempo e a eternidade

para mim. Pertenço a meu Mestre e devo segui-lo por toda a parte.

Permanecendo em Nosso Senhor, estou sempre com Ele, trabalho em união com Ele e para Ele,

quando estou na lei e na graça de meu serviço, pois devo transmitir suas ordens, organizar seu

serviço e mantê-lo.

É preciso, entretanto, que o Deus eucarístico seja meu pensamento natural e sobrenatural

dominante, meu ponto central, a lei de minha vida. De outro modo, seria semelhante a uma criança

com seus brinquedos, a um bêbado na bebedeira, a um escravo daqueles que devo levar a meu

mestre!

Ora, eis a grande graça de minha meditação e que compreendi bem: devo permanecer em Nosso

Senhor, trabalhar sobre Ele e para Ele, não pelo espírito, porque meu espírito deve dar toda a

atenção ao trabalho que está fazendo; é uma ordem, um vigia, um operário, mas não é o mestre. Não

por uma virtude a praticar, servindo-o: isto seria um operário atento a uma coisa, a uma aptidão.

Permanecer numa virtude seria permanecer demais em si, não ceder.

Devo, pois, permanecer em Nosso Senhor, com Nosso Senhor num pensamento, num sentimento

afetuoso, na devoção do amor Dele, de sua glória. Tudo deve alimentar esse pensamento afetuoso.

Deve também alimentar, aperfeiçoar todo o resto, como seu sabor, seu motivo principal. Ora, até

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agora eu me detinha no pensamento intelectual da Eucaristia, no estudo da Eucaristia, nos meios

exteriores do êxito e não em sua essência, no coração desse coração, desse amor divino. Eis a causa

de minha grande agitação. Trabalhei muito o espírito, o corpo, o exterior, mas não o coração, a

afeição. Por isso, meu centro era o espírito, a ciência da Eucaristia, o exterior da Sociedade e não

seu centro de vida.

Centro que me deve ser bem acessível, pois que já tenho sua ideia, seu conhecimento.

Centro que é minha graça de estado.

Centro que deverá formar e alimentar as virtudes cristãs e evangélicas, sem que eu necessite

buscar em outro lugar.

Centro que me basta, pois é uma atmosfera de luz, de suavidade, de paz. É Nosso Senhor.

Entretanto, é preciso, meu eu, que saias de ti e vivas do coração, na bondade de Jesus Eucaristia! É

preciso um amor apaixonado, que arrebate de uma só vez, que leve a termo de um só golpe: “ele

viverá por mim porque ele permanece em mim” (Cf. Jo 6, 57-58).

Meu Deus! Como podeis amar o homem a ponto de tudo fazer por ele neste mundo? Até pôr a seu

serviço os anjos e os santos? De vos colocardes a minha disposição? De esquecer vossa majestade,

vossa dignidade, vossos direitos, rogando-me que vos ame, que responda ao vosso amor pelo meu?

De vos preferir a vosso inimigo que é também o meu, ao demônio? De não me apegar a nenhum

outro senão a vós, finalmente?

Senhor, vós vos esqueceis de que nada sou, que só disponho da boa vontade de meu coração! Até

parece que não podeis ser feliz sem mim! Que necessitais de minha pessoa! E, no entanto, eu não

vos amo de todo meu coração. Eu me faço de rogado para seguir-vos. Não me dedico a Vós! Que

loucura!

Almoço: Imitação: Livro 1, capítulo 24

Quem ama a Deus de todo o coração, não teme a morte, nem castigo, nem inferno, porque o

perfeito amor dá acesso seguro a Deus.

Portanto, tudo é vaidade, a não ser amar a Deus e só a Ele servir!

2ª Meditação: Recolhimento

Seria melhor ter mais assunto. Isto é um repouso e é preciso um trabalho. Assim, farei amanhã.

3ª Meditação: Bondade desse centro divino

Foi uma retomada que fiz. No entanto, o que mais me impressionou neste assunto foi o pensamento

desse centro oculto, invisível, todo interior. E, no entanto, verdadeiro, atual, vivo e muito vantajoso.

Jesus atrai espiritualmente a alma a si, em seu estado totalmente espiritualizado, em seu divino

Sacramento.

Outro pensamento que também me impressionou muito foi ver que o alimento desse centro para

mim é o “Sai de tua terra” (Gn 12,1) de Abraão. O despojamento, o abandono do exterior, a

abertura do coração em Jesus. Que esta vida é mais agradável a seu coração, dá mais glória a seu

Pai, é a homenagem mais desejada por seu amor!

“Sai, vem! Conduzirei a alma que amo na solidão e ali falarei a seu coração”. É o amor de

preferência, é o dom de si, é o trabalho de união. O trabalho da raiz ocorre debaixo da terra, é esta a

vida da árvore.

A grande graça de meu retiro foi ter compreendido esta verdade: “O reino de Deus está dentro de

vós” (Lc 17,21).

Certamente a vida da Santíssima Virgem e de São José, tanto no Egito como em Nazaré, foi a mais

agradável a Deus. Este silêncio, este segredo guardado, esta serenidade privada, esta vida tão bela e

desconhecida!

O amor, porém, nutria-se com isso. Ele estava em seu centro.

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6 de março

1ª Meditação: A lei desse centro

Não existe outro centro senão Jesus e, para mim, Jesus Eucaristia.

Para obrigar-me a isso:

1º Jesus se faz a lei, a necessidade de minha vida. “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Só Ele é

quem concede sua graça e reserva o direito de dispensá-la, a fim de obrigar o homem a dirigir-se a

Ele e implorá-la. Por que isso? A fim de estabelecer e alimentar a união.

2º Ele reserva para si seu consolo, sua paz, a fim de que na tristeza nós os busquemos a Ele, que nas

lutas nos refugiemos Nele e que por este sentimento Ele nos dê uma prova sensível de seu amor, de

sua presença.

3º Jesus quer ser a única felicidade do coração. Ele não concedeu esse centro de repouso a seus

anjos nem a seus santos. Para nós, estabelece a segurança.

Isto é o mais admirável! Nosso Senhor está inteiramente a nosso dispor, sempre pronto e afável para

nos receber.

Atrai-nos incessantemente para ele como um ímã. É uma atração contínua e é isto que constitui a

vida de amor.

Por que esse centro é tão misterioso? Se fosse visível, sensível seria absorvido pelos sentidos que aí

se expandiriam e fariam disso seu Paraíso e seu intento seria frustrado: a união pela santificação,

pelas virtudes, pela doação. Do contrário, a alma teria somente o que resta aos olhos, ao ouvido e ao

tato.

Ele é misterioso porque tal é a natureza do amor neste mundo: amamos aquilo que imaginamos ser

bom, perfeito. O que julgamos pelas aparências ou sinais. Entretanto, não se percebe a alma, seus

sentimentos, seu amor. Podemos amar-nos sem nunca nos termos visto. Basta saber que se é amado,

que se é amante, que se é bom.

Esse centro de Jesus é bem mais que o centro natural dos homens. Possuo sua palavra, eu o possuo,

eu o sinto em minha alma. No entanto, esse centro ainda é bem frágil, essa aspiração para esse

centro é rara, misturada e, no entanto: “Permanece em mim e eu, nele” (Jo 6,56).

Devo ser mais fervoroso em minhas jaculatórias hoje. Elas enfraquecem (ao soar das horas).

Imitação, livro 1, capítulo 21

Feliz aquele que pode afastar de si todo impedimento das distrações e recolher-se com santa

compunção.

2ª Meditação: Restauração

Meditei sobre a necessidade de restauração de todo meu ser. Como tudo está corrompido, mau.

Pensava que havia em mim algo de bom para oferecer a Deus, meu coração. Mas vejo que não. O

que existe de melhor em mim é justamente o pior, é meu pobre corpo.

Pelo menos, um animal quando cansado só procura descanso, enquanto minha imaginação é como a

pólvora junto ao fogo. Meu espírito está sempre vagando e na fumaça de amor-próprio, de vaidade.

Meu coração está pronto para explorar essa vaidade. Minha vontade só ama o que lhe agrada ou vai

ao naturalismo. Portanto, tudo é mau, podre.

Que fazer senão repetir: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro, renova em mim um espírito

resoluto” (Sl 50,12). “Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo” (Ez 36,26)

em troca desse coração de pedra.

Eis a célebre lei do “quem não odeia sua alma e o corpo de pecado” (Cf. Lc 14, 26; Rm 6,6). Essa

moral dificilmente penetra em minha alma, esta segunda natureza é tão endurecida!

Teríamos necessidade de mais exercícios de piedade. Sejam variados, fixos ou públicos. A piedade

fica muito entregue a si mesma.

As Irmãs Adoradoras de Roma, a cada meia hora, recitam em voz alta o ato de desagravo. Os

adoradores têm suas tarefas. A Igreja prescreve aos sacerdotes orações antes e depois da missa.

60

O Santo Padre, tão piedoso, serve-se de livros. O capítulo de São Pedro assiste em coro às novenas

prescritas para as principais festas da Igreja. Isso está faltando a nossos jovens e até mesmo a todos.

É imprescindível um manual de orações.

Meu Deus, concedei-me essa ciência dos santos. Bem que Santo Afonso de Ligorio podia ajudar-me

nisso.

3ª Meditação: Por que Nosso Senhor é tão pouco amado em si mesmo?

Existe o amor de consciência: é o amor da lei divina e da salvação.

Há o amor piedoso: é a vida devota em obras e orações, servos bons e dedicados.

Há o amor de amizade: poucos vivem dele, mesmo na vida devota, mesmo na vida religiosa.

Essa vida de amizade é uma vida de relações interiores que faz com que vivamos mais nos

sentimentos, nas intenções, nas disposições interiores do que na vida exterior. Percebem-se as

intenções, apreciam-se os sentimentos, adivinham-se os pensamentos, admiram-se os mistérios de

bondade.

Foi esta a vida da Santíssima Virgem e de São José, em Nazaré.

Esta é a vida de toda alma que vive não somente para Jesus, mas de Jesus, de sua vida íntima, e que

descobre sua ação oculta em todas as coisas, que vê em tudo o testemunho de seu amor. É uma luta

disfarçada de amor.

Entretanto, para viver dessa vida íntima de Jesus, é preciso estar livre e tranquilo. É preciso não

permanecer em si, nem nos outros; é necessário permanecer nesse jardim fechado, no celeiro oculto

de sua divina caridade.

Como a alma é feliz nessa vida íntima de Jesus! Como ela é infeliz quando a perde, como sofre fora

dessa vida! Nada se compara a seu deserto, a sua agonia. Maria no sepulcro, a Esposa dos Cânticos

à procura do bem-amado, o cervo sedento, o filho que chora e chama sua mãe.

No entanto, que alegria quando exclama Rabboni, Mãe! Jesus!

7 de março

1ª Meditação: Serviço Religioso

Nosso Senhor recompensou-me largamente pelo pequeno sacrifício que fiz ao levantar-me, apesar

do cansaço.

Um pensamento nutriu-me durante minha Meditação. Certamente veio de Nosso Senhor, pois eu

não o tinha preparado.

Devo viver na Sociedade sem glória. Que os outros se glorifiquem em seu primeiro pai, é justo. Ele

era o fundamento e a forma de vida. Deus escolhia um santo para plasmar outros santos. A missão

era honrada pelos dons de Deus e por suas virtudes. Por isso, os santos precisavam da estima e da

confiança de seus discípulos.

Aqui entre nós, porém, é Nosso Senhor o único fundamento, a vida, a graça da Sociedade. É a

Igreja que possui a missão de adorá-Lo e servi-Lo por meio de um culto santo e legítimo. Adorando

Nosso Senhor, não fazemos mais do que cumprir nosso dever de cristão e de filho da Santa Igreja.

É verdade que, para melhor servir Nosso Senhor, praticamos duas coisas do conselho evangélico:

1º Nós nos colocamos em vida de Sociedade.

2º Observamos as leis religiosas.

Tudo isto para desempenhar mais perfeitamente o serviço regular da adoração, do culto e do

apostolado da divina Eucaristia.

Se há honra, glória, estima, afeição na Sociedade, tudo isso é devido a Nosso Senhor, como fim

único e meio.

É o fruto que não deverá ser partilhado, a flor que deverá ser oferecida fresca e intacta.

Nosso Senhor colocou-me nesta admirável condição! E nela me conserva em sua divina bondade!

Abre exceção para sua Sociedade. Quis ficar a sua frente e ser representado por um homem de

pouca valia. E menos do que isso, por um homem de nada, repleto de defeitos e sem possuir

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nenhuma qualidade própria dos fundadores. Isto porque, se fosse um homem notável, um grande

santo, teria fundado sua Sociedade: ela levaria seu nome, ela se teria revestido de sua glória. Mas,

nesse caso, não seria mais a Sociedade de Jesus, por Jesus e por sua santa Igreja.

Nossa Sociedade é a única Sociedade que pode afirmar: meu fundador é Jesus Cristo, pois foi

somente Jesus Cristo que instituiu a Eucaristia e Ele aí está vivo e trabalhando.

Sou apenas um sacristão e um sacristão muito pobre.

Qual é meu dever?

Ser um bom religioso, cumprir todas as observâncias como os outros. A qualidade de Superior não é

um estado, mas uma carga, uma missão de Nosso Senhor, junto Dele ou junto de meus irmãos.

Quando desempenho esses deveres, sou Superior em nome de Nosso Senhor. Terminados esses

deveres, sou um simples religioso e pessoalmente não tenho outros direitos e outras leis senão as

mesmas dos outros religiosos e, menos ainda, porque eu peco mais do que eles.

Nosso Senhor me quer junto dele na qualidade de simples religioso; aprecia meu serviço como

sendo o serviço de um religioso e não de um Superior. Na presença do Rei, desaparecem os outros

mestres!

Eis, portanto, minha posição bem definida e meus primeiros deveres traçados. Comigo, sou apenas

um religioso; com Nosso Senhor, um indigno religioso; com meus irmãos, um pobre religioso

encarregado de uma missão.

Assim, não tenho de me entristecer, nem de me cansar, nem de me preocupar. Devo ser apenas um

religioso adorador!

Essa verdade é tão patente que não posso compreender minha estupidez.

Nosso Senhor é o primeiro Mestre, o único Mestre. Ora, Ele permanece humilhado, pobre e

obediente na divina Eucaristia. Nada reserva para sua natureza humana, mas envia toda honra e

glória à divindade, porque a natureza humana em Nosso Senhor não é o fim, mas o elo divino e

humano. E eu, então? O que sou senão o eco do deserto à semelhança de João Batista, a voz que

repete a ordem de Jesus Cristo, a lei do Pai: que todos o adorem? Ai de mim! Sou o anjo de tantas

graças de amor e glória!

Imitação, Livro 3, capítulo 7

Não se devem avaliar os merecimentos do homem por muitas visões e consolações, nem pelo

domínio das Escrituras, nem pela elevação do cargo.

Entretanto, para conhecer o valor de cada um, considera-se se está fundado na verdadeira

humildade e vive cheio do amor de Deus, se sempre busca a honra de Deus com pura e reta

intenção, se despreza a si mesmo, se não faz caso algum de si e gosta mais de ser desprezado e

humilhado do que estimado pelos homens.

2ª Meditação: Desagravo

Por ter trabalhado tão pouco na vida religiosa, não a tendo colocado em primeiro lugar. Fiz mil

questões e estudos pessoais, que me fizeram sofrer bastante e perder tempo!

Ação de graças de Padre Piatti, sacerdote jesuíta.

3ª Meditação: Na cidade

Uma simples visita ao Santíssimo Sacramento, mas que me valeu por uma boa meditação.

Agradeci a Nosso Senhor por ter-me atraído a Ele por seu interior. Será que essa graça é o indício

de que devo recolher-me ainda mais e preparar-me para a eternidade? Ou então, será uma mudança

de atrativo da graça? Seja o que for, é sempre uma grande graça que não mereci, pois ela é

geralmente uma recompensa. É o Mestre que nos conserva junto dele e com Ele. Torna-se seu

confidente, seu centro de amor. Eis já trinta anos de sacerdócio, nos quais sempre me agito. Oh!

Como esta vida tão ativa encerra lama e poeira. E fumaça! Na verdade, se tivesse que morrer após

esta vida tão agitada, teria receio. Ela foi tão vazia de Deus, mesmo falando sempre de Deus.

Mas, ó meu Deus! Ides deixar-me um pouco a vossos pés para escutar-vos, contemplar-vos, aí

repousar e chorar um pouco. Não ouso elevar-me até vossas mãos e vosso coração; vossos pés me

bastam. Aí está meu lugar e meu amor!

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8 de março

1ª Meditação: Presença de Deus afetuosa e reguladora

Graças a Deus!

Considerando-me sempre tão esquecido de Deus nas conversas, tão diligente no estudo, tão pouco

devoto nas leituras, numa palavra, considerando-me sempre o mesmo (exceto um pouco melhor no

recato ao falar de mim e nas censuras interiores quanto à modéstia), indaguei-me qual a causa de tão

pouca reparação e dessa falta da presença de Deus.

Além disso, o que está acontecendo que não me examino mais após cada visita ou saída?

Tudo isso denota um vício secreto.

Ora, na meditação, Nosso Senhor mostrou-me que o esquecimento Dele provinha do mesmo

defeito, de excesso da expansão e de muita negligência. Desse modo, o natural surge logo. Quando

estou com alguém, no pensamento da pessoa ou de experiência, de curiosidade ou de serviço.

Imitação, Livro 1, capítulo 10

A frivolidade é infecciosa e facilmente nos faz prisioneiros.

Além disso, não me examino o suficiente porque isso me aborrece. Gostaria de permanecer na

pureza da consciência e no testemunho de que sou fiel a Deus, que Ele está contente, por não ter

que me humilhar, pedir-lhe perdão e impor-me uma penitência. E assim sou sempre o mesmo. De

onde provém isso?

1º Da grande liberdade que dou a minha alma, a seus pensamentos naturais e, então, sou arrebatado

qual uma folha que o vento leva.

Que fazer, portanto? Exercitar-me na presença de Deus: na visão de Deus, nós falamos em Cristo,

dizia e fazia o Apóstolo Paulo. “Presta atenção sobre ti” (1 Tm 4,16), dizia ele a Timóteo.

Que fiz para a glória de Deus?

Eis o que deveria fazer e seguir. Entretanto, como conseguir pensar em Deus na ação? Nas visitas?

No mundo?

Tendo este santo costume em minha vida íntima. Saudando, adorando Nosso Senhor ao soar as

horas, oferecendo-lhe meu trabalho presente, entregando-me, bendizendo-o, renovando a resolução

do acordar: doação.

Fazer consistir meu ato de desagravo, não na pureza ou no amor de complacência, mas na confissão

humilde de minha miséria, de minhas faltas. Impor-me imediatamente a penitência do coração.

Exercitar a paciência e a confiança, é o que tenho de fazer.

Eis a raiz verdadeira que deve nutrir a árvore do sincero amor a Deus. Hoje, portanto, cada vez que

soar a hora, mesmo os quartos de hora, eu me porei de joelhos, se estiver sozinho, e farei os três

atos seguintes: adorar, oferecer, agradecer. Se houver falta, pedirei perdão.

2° Outro grande obstáculo à graça da devoção (que deve ser a alma, a vida e a força de minha vida e

não do estudo, da ciência, da dedicação honrosa) é que trabalho e estudo, em vista do apostolado

ou, sem que o perceba, para o serviço da vã complacência ou por um zelo intempestivo. Eis a razão

pela qual corro atrás do belo, alguém poderia ter meus segredos, o grandioso e até mesmo o

sublime.

É verdade que me entusiasmo pelo lado belo do verdadeiro, do grandioso de Deus, o dom de seu

amor e a glória de seu serviço. Isso pode ser normal, mas muito imperfeito. Isso é apenas o exterior.

Não é o íntimo da alma que se dá, da virtude essencial que se imola, se renuncia porque, em última

análise, é o dom de si, de alguma coisa de si próprio. E para mim é o escoamento de meu ser em

Jesus Cristo. Sai, mas como na Encarnação, esvazia-se.

Imitação, Livro 3, capítulo 9

Considera cada coisa por si, como derivada do sumo bem, e por isso tudo deve atribuir a mim

como sua origem.

Por isso, nada de bom deves atribuir a ti mesmo, nem a homem algum tua virtude, mas refere tudo

a Deus, sem o qual nada tem o homem. Tudo dei, tudo quero reaver. Sim.

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9 de março

1ª Meditação: Pobreza de Nosso Senhor - religioso

Meditei sobre a pobreza afetiva de Nosso Senhor. Constatei que, sem a prática, a pobreza afetiva é

pouca coisa.

Amar a pobreza, quando nada falta nem faltará, quando se possui tudo e do bom, se tem mais do

que teria no uso pessoal, se é honrado! Então, onde está a glória e o mérito da santa pobreza?

Tudo mostra o seguinte: Que não sou pobre, que não procuro praticar a pobreza em coisa alguma,

que não tenho seu amor nem seu espírito. Que não sei fazê-la ser praticada por meus irmãos, porque

não lhes dou o exemplo. Que a pobreza religiosa não é observada em Paris e nas casas em geral

onde quer que eu esteja, porque não comunico sua graça nem seu espírito.

Essa falta de pobreza, ou melhor, esse luxo religioso, essas ideias erradas de que o belo é melhor,

dura mais tempo e convém mais a nosso gênero de vida: tudo isso é o raciocínio da vaidade e do

amor ao bem-estar.

Pertencemos menos ao mundo do que os missionários. Não temos de ir ao mundo. Constato que

aqui todos os religiosos se vestem pobremente. Tecidos e calçados simples, até rústicos. Mesmo os

Jesuítas.

Sua cela tem somente o estritamente necessário.

Eu vi em Santa Anastácia o manto grosseiro de São José.

O mesmo tipo de tecido é o de Nosso Senhor em Argenteuil.

Nosso Senhor vivia pobremente, gostava de coisas pobres como inerentes a sua condição; sempre as

preferia. Por quê?

Para melhor glorificar seu Pai.

Para reparar o abuso, os excessos, o orgulho, o amor desordenado dos bens desse mundo no

homem.

Para mostrar-nos o que há de mais perfeito.

Para indicar-nos as condições de sermos seus discípulos.

Esta é a primeira condição da vida religiosa.

É um voto sagrado que fiz.

É o estado, a virtude por excelência da Santíssima Virgem, minha mãe.

É minha condição primeira.

Portanto, ofendo meus pais, minha graça, minhas promessas, a Sociedade, a divina Eucaristia se não

for pobre de verdade e afetivamente.

A pobreza verdadeira está em relação à virtude da pobreza como a humilhação à humildade.

Imitação, Livro 3, capítulo 56

Sem caminho não se anda, sem verdade não se conhece, sem vida não se vive.

A aplicação é fácil de ser encontrada.

Imitação, livro 3, capítulo 23

Prefere ter sempre menos que mais, prefere sempre para ti o rústico, o simples e o comum. Vigia,

sê caloroso com os outros, apenas lhes ordene. Não sou mais do que os outros. O servo de Deus e

de seus servos, oxalá que ele seja fiel!

Imitação, Livro 3, capítulo 37

Despe tua vontade e teu amor-próprio e sempre terás lucro. Porque logo que te entregares a mim

sem reserva, a graça te será acrescentada [...]

Nada excetuo, mas quero achar-te despojado de tudo [...] Dá tudo por tudo [...]

Para que possas seguir nu a Jesus desnudado, morrer a ti mesmo e viver eternamente [...] Isto

pede, isto deseja.

3ª Meditação: Tempestade

Oh, meu Deus! Que tempestade me assaltou durante uma hora! O que não pensou minha

imaginação, meu espírito agitado, severo. Minha vontade era quase febril. Meu coração, no entanto,

permaneceu sem irritação, sem ideia de vingança, ou antes, sem medidas rigorosas com aquilo que

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eu julgava contrário ao espírito de submissão... Há um falso ptincípio nesse caro confrade que não

enxerga além de suas velhas ideias.

Finalmente, lancei-me aos pés de Nosso Senhor, orei com Ele no jardim das Oliveiras: “Afasta de

mim este cálice” (Mt 26,39). Repeti: Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração

semelhante ao vosso. Prometi calar-me, suportar isso. Contemplei Nosso Senhor calmo e bondoso

no meio daqueles que o faziam sofrer tanto e seu amor desculpando Pedro, amando a todos, embora

lhes expusesse suas faltas, seu escândalo, até mesmo Judas.

Constatei que todo este meu zelo pela autoridade, pela correção é um zelo à Boanerges, um zelo de

homem, um zelo despeitado. Ora, enquanto me encontrar neste estado, não sou obrigado a agir. É

melhor sofrer; este é meu dever. Por que me prejudicar por um pequeno benefício que não está

garantido, um ato de protesto que só poderá agravar a situação?

Também analisei o fraco que existe em mim, de me deixar levar pelos relatos de alguns, de agir sob

a impressão do momento e, então, tornar-me um chefe irritadiço e não um pai, um médico, o

homem prudente de Deus.

De onde vem isso? De me tomarem pelo lado fraco de minha alma, o sucesso da Sociedade, seu

mal, a desordem, uma rivalidade, que sei eu? Isto é, venceram-me pelo amor-próprio, eis tudo.

Neste caso, ocorre que julgo as coisas pelo lado contrário e não pela sabedoria que espera, que

examina aquele que fala e sua impressão, talvez sua paixão, que avalia as circunstâncias a favor, as

probabilidades de escusa; a miséria humana, talvez a tentação, a ignorância e, quem sabe, um ponto

de vista incorreto. Em suma, devo calar-me, suspender meu julgamento até que possa ver

claramente em Deus, na verdade desapaixonada, na paz da caridade e na santidade da lei. Para isso,

deverei começar por dominar-me, vencer-me, calar-me, rezar. E rezar muito, pois já há algum

tempo venho tornando-me impaciente, impressionável e quase violento contra certos abusos e certas

maneiras de agir.

Em resumo: Nas relações com o próximo, examinar:

1º o motivo que leva a pessoa a acusar ou expor;

2º a intenção de quem agiu;

3º o estado de minha alma, se ela está nas condições de Deus. Assim, tudo acabará bem.

10 de março

1ª Meditação: Razões da santa pobreza

A pobreza em si não é estimável nem amável por si mesma, pois ela é uma privação, um castigo.

Tornou-se nobre em Nosso Senhor Jesus Cristo que a desposou, fez dela seu estado e sua forma de

vida: o fundamento da vida evangélica, sua primeira bem-aventurança, sua herdeira divina.

É santa, porque é a grande virtude de Nosso Senhor, aquela que repara a glória de Deus, perdida

pelo pecado original e pelos pecados pessoais.

Produz a virtude de penitência pelas privações de estado. É a ocasião natural da grande virtude da

paciência, que é a obra cristã perfeita.

É a alma e o alimento da humildade; ela é a humilhação natural.

Supõe a doçura, uma grande força de caráter para sofrer muito e por muito tempo. Pois o sofrimento

puro, sem consolo, sem socorro ao menos benevolente constitui seu estado comum.

Como virtude positiva ela é mansa; nada se dá a um pobre encolerizado. É honesta, respeita a todos,

sobretudo os grandes benfeitores. É reconhecida, essa é sua força. Ela reza, é sua vida.

É gloriosa a Deus:

Bendiz a santa vontade de Deus em tudo.

Contenta-se com o estado que Deus lhe proporciona.

Serve-se de tudo que constitui seu estado, como homenagem a Deus, assim como Jó.

Adora e ama Deus acima de tudo. Sua santa vontade constitui seu tesouro.

Abandona-se como uma criança nos braços de sua paternal providência, de sua misericórdia, de sua

bondade e, algumas vezes, de sua justiça.

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É a pobre de Deus. “Entrega ao Senhor tua ansiedade” (Sl 54,23).

A pobreza é muito bela aos olhos de Deus, quando é cristã, mas encantadora quando é religiosa,

espontânea. É o verdadeiro amor soberano pela entregade tudo, pelo abandono de tudo. O gozo

causou a perdição do homem. A pobreza o reabilita, o beatifica.

Quão admirável é a pobreza de Jesus no Santíssimo Sacramento! Ali, despojado de toda a glória, de

todo o bem natural, de toda a liberdade. Está ali para a caridade do homem, a sua disposição. É o

verdadeiro amor.

Nessa meditação o que mais me tocou foi constatar a bondade, a prodigalidade dessa divina

providência sobre mim e sobre a Sociedade. Como faço mal de não me conservar como seu filhinho

inteiramente abandonado a ela, nos pequenos sofrimentos, na escolha do que está a meu uso, nas

viagens e mesmo em qualquer ação da vida religiosa comum.

E quanto tenho ofendido esta bela virtude! Como me tenho mostrado pouco digno dessa divina

companhia. Tudo quanto é pessoal é inimigo dessa real virtude.

Amarei ainda mais São Francisco, seu arauto divino, seu apóstolo eminente.

Recordei-me da resolução de ontem à noite: jamais lisonjas, fraquezas em proveito da paz, da

estima. Agir somente na calma, pela verdade pessoal e pelo dever da justiça ou da caridade.

Imitação, Livro 1, capítulo 7

De contínua paz goza o humilde. No coração do soberbo, porém, reina inveja e ira sem limite.

Este artigo, lido depois de minha ação de graças, em que via doçura em relação a minha vaidade,

seguida de vivacidade, energia, ameaças derivadas do mesmo princípio, é a luz de Deus.

Graças a Deus. Eis o campo de luta, o inimigo, o combate de Deus.

2ª Meditação: mesmo assunto: Virtude

Agradeci a Nosso Senhor essa tempestade que de vez em quando se levanta em ondas. Fui obrigado

a rezar com os braços abertos em cruz o Miserere, prostrado. Que violência! Isto não pode provir do

espírito de Nosso Senhor e se tornaria para mim a ocasião de muitos pecados se Deus não me

detivesse e fosse para a Sociedade a causa de grandes perturbações.

Como me senti ofendido, ferido, atacado por sua atitude, suas teorias e palavras impertinentes. Tudo

isto, porém, não legitima um estado de irritação, uma disposição para humilhar: seria por demais

pessoal. Aliás, ele age e pensa agir de boa-fé. É uma alma que se agarra a seu modo de ver no que

julga ser o melhor e receia entregar os pontos. Deus ainda não lhe deu a luz necessária, ele não é

responsável.

Faço mal, portanto, em querer exercer minha autoridade sobre ele. O que tenho a fazer é envolver-

me no silêncio à espera da ocasião manifestada pela divina Providência. Devo deixar essa questão

para outro e só considerar o silêncio, a paciência, a mansidão, a caridade e praticar pela oração o

que não devo fazer pela espada.

Entretanto, não devo comunicar essa provação a ninguém. Seria despetalar a flor.

Na verdade, nunca pensei que eu tivesse tão mau gênio! Tornei-me impaciente, tagarela, indiscreto

na linguagem e nas conversas. Decido com arrogância.

Entretanto, quase poderia dizer que é esse meu maior defeito atualmente. Optamos por nos livrar

dos pensamentos cansativos do coração (Im. 1, cap. 10). Que fazer? Percebo que a natureza será

incapaz de corrigir esse natural vicioso, necessito da graça de Deus. Devo, pois, rezar muito. Já o fiz

um pouco esta manhã.

Sinto que não estou suficientemente forte; é preciso evitar a ocasião ou permanecer no negativo, na

fuga do combate ou no silêncio, caminhar na minha calma e na graça de Deus.

Esse é o grande combate a enfrentar. O santo recolhimento e a virtude ganharão essa batalha.

No fundo, há uma razão verdadeira. Foi isso que me enganou e me levou à severidade interior,

sobretudo. Depois, tudo volta. A imaginação exagera, o demônio instiga, o falso zelo me excita. Ai

de mim! Quando a casa está incendiada, não se deve contribuir com material inflamável. É preciso

isolá-la.

Devo terminantemente cessar toda discussão interior, rezar e desculpar, acusar-me e humilhar-me

na presença de Deus.

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Oh! Se tivesse sido mais constante na prática da regra, se tivesse mais vida de família, mais oração

não teria exposto minha alma, minha paz, a Sociedade.

Sou eu quem está em cena e não os outros. Por isso, é preciso resolver entre Deus e mim, antes de

tudo.

11 de março

1ª Meditação: À Santíssima Virgem

Hoje, sábado, meditei sobre a Santíssima Virgem.

Agradeci a Nosso Senhor ter-nos dado uma mãe tão pura, tão santa, tão grande; de tê-la feito sua

divina mãe, a fim de dá-la a nós com seu título de filho, com seus méritos, suas graças.

Oh! Quanto amor e gratidão devo a tão boa mãe! Quantos bens me vieram por seu intermédio!

Quantas graças em Laus!

A ela devo minha preservação, minha vocação e, acima de tudo, a graça do Santíssimo Sacramento.

Ela me entregou a seu divino Filho como seu servo, seu filho de ternura.

E desde 1856, quantas graças! Graça de perseverança, apesar das lutas do coração e do gênio; graça

de unidade, apesar dos elementos contrários, não sendo bem centralizada por minha culpa exterior.

Graça pessoal contra as tentações. Finalmente, todas as graças concedidas à Sociedade!

No entanto, o que mais me confunde e comove é ter eu correspondido tão pouco a tanta bondade,

tanto amor e direção da Virgem Santíssima. Sinto ter sido tão pouco digno de sua escolha. Tenho

pesar por ter-me descuidado um pouco de sua terna devoção, até mesmo da prática, e de ter-lhe

feito tão pouca honra.

Que fazer? Imitar o que ela fez no serviço de Jesus, para sua glória!

Ela pensava o pensamento de Jesus. Vivia unida às virtudes, aos trabalhos de Jesus. Não se ocupava

de si mesma, senão de Jesus ou para Jesus ou em Jesus: era tão suave, tão humilde, tão serva de

todos! Sabia o que Jesus haveria de sofrer, conhecia seus inimigos, seus algozes. No entanto, nada

disso deixava transparecer. Bondosa até mesmo com Judas. Sua caridade era idêntica à de seu

divino Flho.

Pedi muito a essa boa Mãe que me concedesse seu espírito de mansidão, sua doçura, sua calma, sua

paciência, prudência e sensatez, que me livrasse dessa tentação... Tomei a resolução de não mais

pensar nas contrariedades, nos motivos de tristeza, desculpá-los e justificá-los... honrar suas

virtudes... agir de forma simples e fraterna.

E na presença de Deus confessar minha miséria. Eu é que sou o enfermo, que devo ser tratado; o

agitado que tem de ser acalmado, o homem suscetível. O amor-próprio ferido está na base de tudo

isto.

Afinal, isto é somente uma ocasião. Se não fosse essa, a base viciada encontraria outra.

Oh! Seja Deus sempre bendito!

Maria, estou agradecido por ter-me mostrado este abcesso e que espero haver perfurado.

Imitação, Livro 4, capítulo 2

Regozija-te, minha alma, e agradece a Deus tão excelente dádiva e singular consolação que a

deixou neste vale de lágrimas.

Imitação, Livro 3, capítulo 5

Tu és minha glória e exultação de meu coração. Pois sois minha esperança e meu refúgio no dia da

tribulação.

Foi Nosso Senhor quem confortou um pouco minha fraqueza e pôs uma florzinha sobre minha cruz,

uma gota de óleo sobre esse abcesso aberto. Que saia tudo o que há nele!

2ª Meditação: Submissão

A alegria desta manhã teve sua explicação na minha meditação de meio-dia. Constatei que o estado

negativo com o sacrifício... e mesmo o silêncio, a fuga da ocasião e do sentimento obtiveram um

pouco de força, mas não ainda a vitória. O combate permanece com sua causa e frequentemente

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pode até agravar-se com a violência comprimida. Apenas um momento de falta de vigilância, de

falta de oração e o fogo irromperá como a pólvora. Já não o experimentei? Existe um velho

fermento, um antigo amor-próprio, ferido com razão. É isso que lhe dá força e alimento.

Preciso, então, de um motivo que triunfe tanto sobre a razão como sobre o coração.

Ora, Nosso Senhor em sua misericordiosa bondade, dignou-se dá-lo a mim. Oh! mil louvores e

graças! Nosso Senhor quer isso, este gênero, esta espécie de contradição, estes protestos negativos,

este afastamento sistemático, que é como ele recebe, que se conserva na reserva ou na defensiva,

que só se sente bem no encontro ou na simpatia das ideias.

Ora, Nosso Senhor sabe disso, Ele o permite para meu bem e meu maior bem. Não exige de mim

um ato de submissão exterior, uma deferência, uma humilde aceitação. Não, não devo fazer isso

movido pelo sentimento de paz ou de amizade fraterna. Isto denotaria fraqueza de minha parte.

Seria fugir do sacrifício e não penetrar na razão divina da vontade de Deus.

Eis a razão: buscar e só ter a Deus por testemunha, juiz e consolação, e não ir à procura da

concórdia humana; ver nisso uma lição, uma correção, um alerta de Deus, porque poderia iludir-me,

negligenciar meus deveres, procurar a razão da parte adversa, pessoal e fazer dela o motivo nobre e

generoso do sacrifício para Deus.

Numa palavra:

1º Deus quer esse estado de cruz para meu maior proveito, porque sou leviano e covarde.

2º Procurar esse motivo pessoal, se Deus quiser em sua graça indicá-lo, a fim de acalmar logo a

razão ou o ímpeto.

3º Encobrir inteiramente a pessoa, cortar rente todo o raciocínio na emoção e na ação, a fim de agir

somente pelo impulso de Deus.

Outro pensamento alegrou-me bastante: foi constatar que, afinal, tudo se reduz para mim no

seguinte: “Aquele que permanece em mim, como eu nele, este dá muito fruto” (Jo 15,5).

Consultar sempre Nosso Senhor.

Agir sempre sob o impulso de seu espírito.

Conservar-me sempre entre as mãos e os desejos de sua santa vontade.

Ser o verdadeiro servo de sua Pessoa.

Assim, Nosso Senhor torna-se centro: nele vivemos, nos movemos e temos a existência. O essencial

é pensarmos nisso, alimentar sempre essa união, ora em razão das virtudes, ora pelo sacrifício, o

mais das vezes pelo simples recolhimento do coração, porque é o repouso ativo.

Eu me dizia: então, perdi muito tempo? Não. Era necessário reanimar o sentimento, que a paralisia

havia atrofiado, desentulhar todo esse bazar, esvaziar a casa, limpá-la, orná-la com flores, aquecê-la

por meio da devoção. Numa palavra: torná-la habitável.

Portanto, o caminho percorrido era a estrada certa. Estamos à porta. É preciso entrar, louvar,

entregar-se, habitar em Jesus!

3ª Meditação: Jesus Mestre

Nosso Senhor substituiu o tema de minha meditação. O pensamento da vida interior de Jesus, ao

meio-dia, surgiu mais claro ainda e, então, fiz disso o tema de minha oração.

Para viver em Jesus Cristo, devo contemplá-lo como mestre, modelo e Deus do coração:

Como mestre, é a lei, a regra do julgamento, da verdade.

Como modelo, Ele me indica a forma de vida, das virtudes.

Como Deus do coração, Ele formula sua intenção e é sua conclusão.

Retornando à cruz adotada e aceita na Santa vontade de Deus, verifiquei que cometi um erro e foi o

de rejeitar todo o exame do bem, do verdadeiro, quando julgava que seria uma coisa contrária à

autoridade, de admiti-la ou parecer que era influenciado. Fiz mal. Devia prestar essa homenagem à

verdade, sem lisonjas, bem como sem fraquezas. A justiça e a razão reclamam; restituirei seus

direitos.

Detive-me mais longamente em Nosso Senhor mestre, porque é este o ponto principal para mim, a

fim de evitar essa naturalidade de vida que me surpreende a cada passo.

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Oh! Como chegar a pensar em Jesus? Como vê-lo agir a fim de imitá-Lo? De que modo seu amor

estará sempre ante meus olhos para que seja em tudo o Deus de meu coração?

Meu Deus! Como caio no natural, no leviano, espiritual, do mundo! Isso seria desesperador se não

soubesse que é pelo negativo, isto é, pela paciência, humildade, humilhação da falta que se alcança

a confiança, a virtude positiva.

Outro pensamento que também me impressionou foi o seguinte: talvez nunca tive, nunca senti ao

menos ou compreendi bem: é a vida interior da alma em Nosso Senhor ou em Deus, ocupada em

louvá-Lo, bendizê-Lo e amá-Lo nele mesmo, exercitar as virtudes sobre Deus no exercício da

contemplação, como os anjos e santos no céu, que não se ocupam constantemente da própria

felicidade, mas da glória, das perfeições, da felicidade de Deus nele mesmo.

Ora, minha alma, se não vivesses em Nosso Senhor, jamais poderias viver dessa vida de louvor, de

admiração, de contemplação. É isso que liga muito mais a alma a Deus, bem mais que as virtudes

exteriores ou mesmo interiores sobre si e para si.

Eis a que é preciso aspirar. Esta é a verdadeira vida em Nosso Senhor. A outra é semelhante à do

mercenário preso a uma tarefa. Uma vez terminada, não faz mais nada, põe-se a descansar, aguarda

novas ordens. Um filho está pronto para tudo. E quando não tem trabalho, entrega-se ao amor, ao

prazer e à companhia de seus pais.

12 de março

1ª Meditação: Mansidão interior de Nosso Senhor

Meditei sobre a mansidão de Nosso Senhor constituindo a base de seu caráter, seu espírito e sua

vida. “Porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Ele não disse: aprendei de mim que sou

pobre, mortificado, devoto, piedoso, sábio, silencioso. Nada disso. Mas manso, porque o homem

perdido é naturalmente colérico, rancoroso, ciumento, suscetível, vingativo, homicida em seu

coração, furioso no olhar, viperino na língua, violento em seus membros. A cólera é seu elemento

natural, porque ele é naturalmente orgulhoso, ambicioso, sensual.

Por ser infeliz e humilhado em seu estado, é um ser azedo, como se diz de alguém que sofreu por

causa dos outros.

1º Nosso Senhor é manso em seu coração. Ele ama seu próximo. Ele quer seu bem. Ele deseja o

bem, só pensa no bem que lhe poderá fazer. Julga o próximo somente em sua misericórdia e não em

sua justiça, pois a hora ainda não chegou: “O filho do Homem veio procurar o que estava perdido”

(Lc 19,10). São os doentes que precisam de médicos.

Jesus Cristo é uma boa mãe, o bom Samaritano. Toda criança frágil, o pecador, o justo, todos têm

um lugar de ternura em seu coração. “Vinde a mim vós todos que estais cansados e carregados de

fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28).

Portanto, no coração de Jesus não existe indignação contra aqueles que o desprezam, que o

injuriam, que lhe querem mal, que lhe fazem ou que lhe farão mal. Ele os conhece a todos, não há

senão compaixão e pena por sua infelicidade. “Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a

cidade, começou a chorar” (Lc 19,41).

No entanto, como Nosso Senhor podia ser manso com seus inimigos perversos, maus, com Judas?

Ele era manso por natureza. “Cordeiro de Deus” (Jo 1,22). Era manso por virtude, porque seu Pai

era assim glorificado.

Ele era manso pela missão de seu Pai. A mansidão devia ser a característica do Salvador para atrair

os pecadores, animá-los a vir ter com Ele, prendê-los a Ele e a sua lei.

A mansidão devia ser a virtude dos seus, porque ela é o fruto do amor.

Tenho muita necessidade dessa mansidão do coração. Eu não a tenho, só sua aparência. E, muitas

vezes, os pensamentos, os julgamentos contrários. Por quê?

Porque já há algum tempo não combato suficientemente as recordações dolorosas.

Porque deixo minha imaginação ir para representações de lutas, combates, ataques de coragem,

de energia como os febricitantes que, depois de passado o acesso, não podem mais parar de andar.

69

Porque julgo demais coisas e pessoas em relação ao êxito da Sociedade ou sob a relação da

autoridade ou das virtudes exteriores de obediência, de humildade, de disciplina.

Deveria julgar como Nosso Senhor em sua santidade ou em sua misericórdia ou numa missão para

maior glória de Deus. Então, a caridade seria para mim. Não disturbe a paz do coração humilde.

Permaneça em Deus, como dia a Imitação.

2º Jesus é manso em seu espírito. Só considera o próximo através de seu Pai, só considera os

homens como criaturas de Deus. É o Pai que ama seu filho, que deplora seus extravios, que procura

encontrá-lo, que cuida de suas feridas, qualquer que seja sua causa, que deseja restituir-lhe a vida de

Deus. Então, seu espírito se concentra nos deveres da paternidade para com esse filho, nos meios

eficazes, na tristeza de seu filho infeliz. É o bem que o ocupa. É em seu benefício que trabalha e não

o faz na cólera, na indignação e na vingança.

Como Davi implorando pela vida de Absalão, chorando amargamente sua morte.

A Santíssima Virgem, Mãe das dores, sua compaixão por Jesus e pelos pecadores.

A verdadeira caridade alimenta-se do bem tanto no espírito como no coração do bem e não do mal.

Nunca separa o homem de seu estado sobrenatural ou futuro, não o isola de Deus, pois, do

contrário, haveria um inimigo.

“O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz

nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o mal sofrido; não se

alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, suporta tudo. O amor

jamais acabará” (1Cor 13,4-8).

Assim, tudo isso se refere à verdadeira mansidão de Nosso Senhor.

O que eu dizia de meu coração, devo dizer principalmente de meu espírito e de minha imaginação,

pois muito me cansam na oração pelas tempestades que repentinamente suscitam em mim. São

como verdadeiras fúrias, uma bomba revolucionária que explode e leva tudo a ferro e fogo.

É culpa minha. Não apago de imediato a mecha que fumega. Com um pouco mais de prontidão e

um olhar para Deus, tudo seria apaziguado.

Imitação, Livro 3, capítulo 28

É de grande prudência calar-se nas horas de tribulação. Volta-te interiormente para mim e não te

perturbes com os julgamentos humanos.

Não faças depender tua paz da boca dos homens porque, quer te julguem bem, quer te julguem mal,

não serás por isso um homem diferente. Onde está a verdadeira paz, a glória verdadeira?

Porventura não está em mim?

Quem não procura agradar aos homens nem teme desagradar-lhes gozará uma grande paz.

É do amor desordenado e do não-temor que nasce a inquietação do coração e a distração do

espírito.

Como o divino Mestre foi bom! Na verdade, é o complemento da graça de ontem e desta manhã.

Espera em Deus, ó minha alma! Ocupa-te das virtudes fundamentais.

3ª Meditação: Mansidão exterior de Jesus

Jesus pratica a mansidão em toda sua vida exterior. Essa mansidão é como o suave perfume de sua

caridade e santidade.

Ela reina sobre todos os movimentos de seu corpo. Nada de violento em seus braços, em suas mãos,

em seus gestos. Tudo é calmo. O gesto é a expressão do pensamento, do sentimento.

Seu andar é calmo, não é precipitado nem violento, porque tudo é regulado em seus movimentos

pelo bom senso.

Seu corpo, seu porte, a conservação de suas vestes denotam a ordem, a calma e a paz.

É o reinado da suave modéstia ou da modéstia divina, porque a modéstia é a mansidão do corpo,

que constitui sua dignidade.

Sua cabeça tem um jeito suave, não é altiva, orgulhosa, dominadora, nem muito humilhada, nem

muito tímida. É a postura de humilde e simples modéstia.

Seus olhos não expressam sentimento algum de cólera, de indignação. É um olhar respeitoso para

os superiores, um olhar amoroso para sua mãe e São José em Nazaré,

70

de bondade sobre seus discípulos, de terna compaixão sobre os pecadores e de terno perdão para

seus inimigos.

Sua boca é o trono da mansidão. Ela se abre com modéstia e doce gravidade.

O Salvador fala pouco. Jamais diz tolices; uma palavra ridícula, curiosa ou imprópria não sai de sua

boca. Todas suas palavras são como seus pensamentos, o fruto de sua sabedoria.

Seus termos são simples, sempre convenientes, ao alcance de seu auditório, dos mais simples.

Nosso Senhor evita uma personalidade forte em suas pregações, ataca somente os vícios de escola,

de casta, de exemplo, mas não revela os crimes ocultos, os defeitos íntimos.

Não foge daquele que o odeia, não deixa dever algum por fazer, nenhuma verdade evangélica a

dizer por temor, a fim de evitar uma contradição ou agradar a algum personagem.

Não faz censura alguma prematura, nenhuma profecia pessoal antes do tempo, como a Pedro, a

Judas, a seus carrascos que conhecia. Vive com eles com a mesma bondade, a mesma simplicidade,

a mesma mansidão. O momento ainda não havia chegado, a ordem do céu não tinha sido dada e,

então, o futuro era como se não existisse.

Nosso Senhor era de uma paciência admirável com todas aquelas multidões que o pressionavam.

Nunca era impaciente. Tinha uma calma encantadora no meio de todas essas agitações, esses

pedidos, essas exigências de um povo terrestre.

Contudo, o que há de mais admirável é a vida tão calma, tão mansa, tão boa de Nosso Senhor com

discípulos rústicos, sem inteligência, sucetíveis, vaidosos de seu mestre, interesseiros. Nosso Senhor

ama a todos igualmente. Nada de segredo para um. Nada de preferência por outro. Nenhuma afeição

particular. É a doçura do mel igual em todas suas partes, sempre igual, uniforme em seus costumes.

Também a criança ama Jesus: Ele é tão bom. A tímida mulher do Oriente ousa falar-lhe: Ele é tão

benevolente. O pecador ousa dirigir-se a Ele: é tão terno. O enfermo conta seu mal: Ele é tão

compassivo!

“Aprendei de mim que sou manso”: é o leão de Judá, tendo um favo de mel em sua boca. É o

rochedo misterioso do deserto, distilando o leite e o mel. É o verdadeiro maná do céu, doce e

nutritivo.

Eis a mansidão habitual de Jesus em sua vida comum.

Retomando: se comparo minha vida com a mansidão de Jesus, ai de mim! Que vergonha, que

condenação!

Há algum tempo meu amor-próprio enveredou para o lado do gume da espada, sobretudo com

certas pessoas cuja vida, caráter ou atos feriram mais meu amor-próprio. Pois essas impaciências,

essas repreensões, esse modo incisivo, tudo isso deriva de um fundo de covardia, de preguiça que

quer livrar-se depressa ou ser liberado de um obstáculo, de um sacrifício, de uma coisa aborrecida:

então, é preciso acabar depressa com isso.

Na verdade, essas coisas, esses modos, esses ares, tudo isso é ridículo! Espero que só tenham

causado piedade no coração divino, pois, com efeito, não passam de tolices.

Constatei que a mansidão com as pessoas importantes e com aquelas que favorecem a vanglória ou

uma das três concupiscências é uma fraqueza, uma adulação, uma covardia, e querer tratar com

rigor os fracos é uma crueldade, e a humilhação é uma vingança oculta. Ó meu Deus, meu Salvador.

Quem é o homem? Cinza? Ainda não é o bastante. Cadáver! Pior ainda. Um Satanás solto? Sim!

13 de março

Imitação, Livro 3, capítulo 30

Filho, eu sou o Senhor que te conforta no dia da tribulação. Vem a mim quando estiveres aflito.

O que impede de receberes a consolação e que recorres muito tarde à oração.

Pois antes que rezes com atenção, buscas consolar-te recriando várias distrações exteriores.

Obrigado, meu Deus, isto é bem verdade!

1ª Meditação: Mansidão do silêncio de Jesus

O maior triunfo da mansidão de Jesus está na virtude do silêncio.

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1º Silêncio de estado de Jesus durante 30 anos.

Quantos vícios a corrigir! Quantas pessoas extraviaram! Quantos pecados no culto divino! Nos

levitas, nos chefes da nação.

Nosso Senhor não repreende ninguém, não revela os defeitos. Contenta-se em rezar, fazer

penitência, discordar do mal, pedir perdão a Deus.

O tempo de sua missão divina ainda não chegara. Era o de sua vida oculta.

Que belas coisas Nosso Senhor poderia ter dito para ensinar e consolar. No entanto, não disse,

escutou os outros, assistiu às instuções da sinagoga, dos escribas, dos doutores da lei, como um

simples israelita e da última classe do povo. Ele poderia ter repreendido, corrigido. Ele não o fez.

Não era a hora. “Não é ele o filho do carpinteiro?” (Mt, 13,55). “Como é ele tão letrado sem nunca

ter recebido instrução?” (Jo 7,15). Que sublime silêncio!

O Verbo do Pai, a Sabedoria incriada, aquela que criou a palavra, inspirou a verdade cala-se. Honra

seu Pai por esse manso e humilde silêncio. É bem o caso de dizer: “Sede discípulos meus, porque

sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).

Que condenação de minha vida! Falo como um insensato, muitas vezes falo aquilo que não sei.

Decido sobre o que é duvidoso. Afirmo. Imponho minha opinião! Falo do que não deveria falar.

Revelo o que a humildade mais elementar deveria calar. Já não sei mais falar, visto que não sei mais

calar. Também Nosso Senhor me trata como se trata um tagarela ou um insolente. Ele me deixa

falar sozinho, para minha confusão.

2º Nosso Senhor tem um silêncio paciente, encantador. Ouve até o fim os que lhe falam sem nunca

os interromper. Responde a cada um por sua vez. Repreende, corrige bondosamente, sem humilhar,

sem magoar ninguém, como um bom Mestre o faz com um discípulo ou seu filho.

Ouve coisas desagradáveis, inoportunas e sabe sempre encontrar a ocasião para instruir, corrigir e

fazer o bem.

Retomando: Como tenho que me censurar neste ponto: minha impaciência em responder o que já

compreendi de antemão, ou pela metade, expõe meu enfado em ouvir o que me aborrece ou

contraria e, quando posso, dou logo uma resposta áspera para ter por terminado o assunto.

Não é este o espírito de Nosso Senhor, nem mesmo de um homem bem educado nem de um honesto

pagão.

Há circunstâncias na vida em que a paciência, a humildade, a mansidão se tornam a virtude

adequada do momento e são o fruto de um tempo aparentemente julgado perdido, de uma conversa

aborrecida, indiscreta. Seria melhor parar para não ofender a Deus ou honrá-lo muito pouco.

Como, porém, alcançar essa paciência do silêncio? Dizendo: Deus o quer, sua glória exige, sou eu

quem está no campo de batalha e não o próximo.

3º Silêncio de Jesus no sofrimento.

Ah! Aqui meu coração começa a sentir-se culpado e mais comovido.

Jesus cala-se diante do espírito incrédulo de muitos discípulos seus. Diante do coração perverso e

ingrato de Judas, de quem Ele conhece todos os pensamentos, as maquinações. Jesus domina-se,

mantém-se calmo e bondoso com todos, como se nada soubesse. Observa a lei e respeita os

segredos ainda não revelados.

Oh! Que lição contra os julgamentos temerários, as suspeitas, as antipatias secretas! A lei da

caridade, do dever comum, da vida exterior sobrepuja mesmo o conhecimento das coisas contrárias

porque esta é a lei da providência, da ordem, do estado, da verdade exterior.

Jesus confessa simplesmente a verdade de sua missão, de sua divindade diante da autoridade

judicial. Confessa que é filho de Deus diante dos Pontífices, que é Rei diante do governador

romano. Cala-se diante do curioso, o impudico Herodes; mantém o silêncio de um condenado ante

os olhares sacrílegos da corte pontifícia e da guarda pretoriana. Recebe sem se queixar os golpes da

flagelação, o insulto do Ecce homo. À leitura da iníqua sentença de sua condenação, Ele não apela.

Toma com amor sua cruz e sobe ao Calvário em meio às maldições, aos maus-tratos, aos insultos de

todos e de todo o gênero.

Depois diz, quando a malícia dos homens se esgotou, quando os algozes terminaram a execução,

quando Ele foi elevado na cruz: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34).

72

“Como cordeiro levado ao matadouro ou ovelha diante do tosquiador, ele ficou calado” (Is 53,7).

No entanto, sabia de tudo.

Oh, meu Deus! “Ó céu, fica pasmado, tomado de grande susto” (Jr 2,12).

Um Deus Salvador, onipotente, insultado, desprezado, crucificado, não responde ao homem

perverso, indigno, ingrato senão pela mansidão, pelo perdão.

Na Santa Comunhão, renovei meu dom e meus três votos, decidido a honrar a pobreza por minhas

vestes e por minha vida pessoal. A castidade, pela modéstia dos olhos. A obediência, fazendo

consistir meu dever de religioso de vida comum e de superior como o primeiro objeto dessa

obediência, e não como muitas vezes o fiz, deixando o interior para cuidar do exterior. Limitemos

esse exterior.

2ª Meditação: Meios de obter essa virtude

É fácil constatar o belo, o bem, mesmo a necessidade de uma virtude, principalmente da mansidão.

Deter-se, porém, aí é fazer como o doente que sabe do remédio, mas não o toma. Como o viajante

que se contenta em contemplar seu caminho. Como alcançar a virtude da mansidão de Nosso

Senhor?

A resposta soberana é esta: por meio do amor de Nosso Senhor. O amor realiza a identidade da

vida. Entretanto, como o amor opera?

1º Devemos começar por destruir o foco incandescente do vício contrário: a cólera, a impaciência,

etc., pelo combate ao amor-próprio sob a lei ou a tentação das três concupiscências. Só nos

irritamos porque fomos interrompidos numa ocupação que se prefere a outra.

2º Devemos chegar a preferir o que se apresenta ao que se estava fazendo. Assim, deixamos

qualquer coisa com prazer, pois abraçamos com alegria o que é melhor, mais importante e mais

agradável. Isso é razoável.

Como realizar essa metamorfose? Pelo amor da Santa Vontade de Deus do momento. Vontade que

prefere isto para sua glória e nosso maior bem. É o negociante que deixa um grão menor por um

maior, o criado que deixa um pequeno patrão pelo monarca que o chama pelo nome.

3º Como ser manso?

Imitando Nosso Senhor, nosso bom Mestre.

Por Nosso Senhor, nosso Salvador.

4º A sanção indispensável a essa lei de amor é o exame após cada ação e uma penitência.

5º Qual é a graça especial da virtude da mansidão? A humildade de coração. Eis por que Nosso

Senhor a colocou logo atrás, como sua guarda, como se Ele quisesse dizer: sou manso porque sou

humilde de coração.

Minha alma, sê, pois, mansa com o próximo, com esse próximo que te exercita, assim como Deus é

manso contigo, como Nosso Senhor e a Santíssima Virgem.

Sê mansa a fim de que Ele o seja contigo. “A mesma medida que usardes para os outros, servirá

para vós” (Mt 7,2). “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).

Esta é a lei do talião, a lei natural e a lei divina.

Ó pobre alma, se pensares em teus pecados, no que mereceste e ainda mereces, considerando aquela

bondade, aquela mansidão, aquela paciência, aquela honra com que Jesus te trata, deverias desfazer-

te e confundir-te em mansidão e humildade de coração para com o próximo!

Constatei dois defeitos ou duas tentações:

A mansidão com as mulheres não é uma doçura de virtude, mas uma insipidez, uma fraqueza e,

talvez, um desejo de agradar.

A severidade, o tom arrogante, a energia da coragem é mais um ato de vaidade, de vanglória e

o reverso de sua própria fraqueza, a fim de encobri-la sob uma aparência de força e de energia

fictícia.

O cavalo não é forte porque corre nem o asno porque zurra forte, mas o boi que se move lentamente

e o elefante cujo andar é muito pesado.

“A força, diz o Espírito Santo, está na paciência” (Cf. Pr 25,15) e a paciência é o fruto da humildade

e humildade de coração, é o verdadeiro amor de Deus, pois é ela que atrai a graça.

73

3ª Meditação: Mansidão Eucarística

1º Meditei sobre a mansidão de Nosso Senhor em seu divino Sacramento.

Sua bondade em acolher a todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, crianças e adultos.

Sua afabilidade em colocar-se à altura de cada um, das crianças, dos ignorantes etc.

Sua paciência em ouvir a todos e pelo tempo que desejam e sobre todos os assuntos.

Sua bondade na Comunhão, dando-se a cada um conforme sua disposição e vindo com alegria

em todos, contanto que neles encontre a vida da graça e um pequeno sentimento de devoção, de

bons desejos, de pelo menos respeito, concedendo a cada um a graça conforme sua capacidade,

deixando-lhe em sua passagem um dom de paz e de amor.

“Tu és bom, Senhor, e perdoas, és cheio de misericórdia para com todos que te invocam” (Sl 85,5).

2º Que paciente e misericordiosa mansidão de Jesus para com aqueles que O esquecem: Ele os

espera, até mesmo aqueles que não O respeitam em seu estado sacramental. Não reclama contra os

que O ofendem, não ameaça aqueles que O injuriam, que O vendem, que O crucificam por seus

sacrilégios. Ele não os castiga, mas repete: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc

23,34).

Oh! Que surpresa, que espanto, que assombro, que desespero quando, na hora da morte, a alma

ingrata verá seu Salvador sair da divina hóstia, ou melhor, romper esse véu sacramental e dizer-lhe:

“sou Eu, mas juiz, mas tão severo quanto fui bom”. Não, o reconhecimento de José, príncipe do

Egito, por seus irmãos que o tinham tão duramente tratado nada tem de comparável. José

continuava a ser seu bom irmão, os abraçava, os acalmava. No entanto, depois de nossa morte,

Jesus será o soberano juiz, cheio de majestade, terrível em sua justiça para com aqueles que nesta

vida não foram impulsionados pelo amor.

Ó meu Deus, eu que creio em Vós, que vos sou consagrado, desejaria fundir-me de amor ou

confundir-me de vergonha e de dor.

Oh! Sim, para ser manso, contemplarei a Eucaristia. Comerei esse divino maná para ter uma

abundância de suavidade, de mansidão, fazer minha provisão para o dia todo, pois dela muito

necessito.

14 de março

1ª Meditação: Deus amor

Finalmente, depois do deserto, alcanço a montanha do amor!

Que viagem difícil! Que navegação trabalhosa! Eis-me agora diante do trono do amor! Que seja

Deus bendito!

1. Deus criador.

“Amor muito antigo é o que sinto por ti” (Jr 31,3).

Deus amou o homem com amor eterno, com um amor de Pai, amor de ternura.

Toda a criação foi a preparação do amor de Deus em favor do homem que Ele criou no sexto dia,

quando tudo ficou pronto para recebê-Lo e servi-Lo.

Jamais amarei nem poderei amar meu Criador como Ele me amou, porque não sou eterno, infinito,

onipotente como Ele. Devo amá-Lo pelo menos durante todo o tempo de minha vida, com todo meu

ser, com todo o poder de minhas obras. Nada de mais justo. A colheita pertence ao Senhor. O servo

serve seu amo, o devotado filho serve seus pais além do amor. Por isso a ti estendi meu favor.

Deus amou o homem com um amor de misericórdia em seu pecado e castigou imediatamente o anjo

culpado. E, no entanto, o homem era também merecedor do inferno.

Deus apiedou-se do homem e quis salvá-Lo, apesar de sua justiça. E, para salvá-lo, fez das

consequências de seu estado de pecado a matéria de sua penitência, de sua santidade e até mesmo

da maior glória de Deus:

O orgulho produziu a humilhação.

74

A ambição, a pobreza.

A sensualidade, a desordem dos sentidos.

Deus fará da humildade, do desapego, da mortificação as três virtudes da perfeição, os três cravos

do Calvário, os três títulos de glória de Nosso Senhor e do homem. Humilhou-se. Tornou-se pobre,

crucificado.

Oh! Quão bom para o homem foi Deus. Ele o curou na hora, Ele é seu médico. Ele será seu

Salvador.

2. Deus Salvador.

“Deus veio visitar seu povo” (Lc 7,16).

Ele próprio vai visitar o homem, consolá-lo, declarando-lhe que o ama, demonstrando-lhe esse

amor, partilhando seus sofrimentos, aliviando-os. “Só depois disso, na terra [a sabedoria] apareceu,

com os humanos conviveu” (Ba 3,38).

Deus ama o homem e para prová-lo faz-se homem semelhante a ele, a fim de tornar-se seu irmão

pela carne “e o Verbo se fez carne” (Jo 1,14):

Fez-se pobre, o último de todos, a fim de abraçá-los todos como irmãos.

Fez-se criança a fim de ser o irmão da criança e da criança pobre do estábulo.

Deus viveu a mesma vida do homem, de seu pobre trabalho, de seu pobre pão. Praticou todas as

ações humanas para assemelhar-se ao homem, com todos os sofrimentos e sacrifícios.

Deus amou o homem e deu-lhe tudo quanto possui e tudo o que é. O Pai deu seu Filho, o Filho deu

a si mesmo, o Espírito Santo tornou-se nosso santificador habitual.

Deus ama o homem somente para seu benefício e quer torná-lo santo a sua semelhança, para torná-

lo eternamente feliz com Ele.

O Verbo encarnado permaneceu 33 anos com os homens, para mostrar-lhes o bem, as verdadeiras

virtudes que santificam e agradam a Deus. Ele os instruiu acerca de todas as verdades eternas e

temporais necessárias à vida presente.

Depois expiou em seu corpo, em sua alma, em sua dolorosa agonia, em suas humilhações em

Jerusalém, em suas dores sobre a cruz todos os pecados de pensamentos, de palavras e de ações, o

orgulho, a sensualidade e a avareza.

Aplacou a cólera de Deus, satisfez sua justiça, prendeu o demônio, fechou o inferno, abriu o céu

onde está à espera de seus discípulos para fazê-los participantes de sua glória.

Oh! Quantas ações de graças devo render a esse bom Salvador! Fez-me nascer nas melhores

condições de salvação, das graças da redenção. Guardou-me como a pupila de seus olhos. Cercou-

me de toda sua divina Providência de graça; ela conduziu-me pela mão até a mais bela e mais santa

das vocações. No entanto, ainda não me entreguei inteiramente a seu serviço, a seu amor! Como o

espírito misto do mundo cristão e sacerdotal me tem feito mal!

3. Deus hóspede do homem, Eucaristia.

Nosso Senhor ama de tal modo o homem que não pode separar-se dele até mesmo em seu estado de

glória. A Eucaristia é sua encarnação continuada, multiplicada e perpetuada até o fim do mundo.

Ele quer viver junto do homem e continuar os três estados de sua vida como Salvador: de oração, de

sacrifício, de vida das almas.

Ele reza no tabernáculo. Imola-se no altar. Alimenta-nos na santa Comunhão. É o bom vizinho do

homem, o amigo disfarçado para não ser um peso.

É a sociedade do amor, dos bens, da felicidade, tanto quanto a condição de viajante o permite. “Que

mais deveria eu ter feito por meu vinhedo, que deixei de fazer?” (Is 5,4).

Oh! Se pudéssemos compreender devidamente o amor de Deus! O amor de Jesus nascendo,

sofrendo, sacramentado! Haveríamos de morrer de reconhecimento ou de pesar.

Meu Deus! Como Jesus é pouco amado! Quão poucos são os que O amam com o espírito, com os

pensamentos, com a vontade, procurando agradar-Lhe de coração, com sua nobre paixão de amor!

Muitos acreditam Nele, O respeitam, rezam, O recebem, mas como servos, como mendigos e tendo

em vista a si mesmos.

75

Quão poucos são aqueles para quem Jesus Sacramentado constitui o amor de vida, de honra, de

felicidade. Nosso Senhor não é amado como esposo, ou muito pouco; como Mestre, bem poucos

são os que o seguem em tudo; como amigo, como se ama delicada e puramente um amigo numa

sociedade honesta. Diremos: o natural é sempre fácil, mas o sobrenatural é mais forte, pois dispõe

de uma força sobrenatural. Pois aqueles que amam assim Nosso Senhor imolam com generosidade e

com alegria o natural, amam Jesus pelo desprezo de tudo e, acima de tudo, mais do que a si

próprios.

Ah! É que se ama, amando-se; queremos nos amar, amando. Não se quer abandonar o próprio

nome, seu país, sua família, como a verdadeira esposa o faz para seguir seu esposo. É porque

queremos partilhar com Ele, mas não nos doarmos inteiramente.

É como uma embarcação ancorada na praia. Ela está sobre as ondas do mar, porém não sai do lugar

ou, então, só fica balouçando. Assemelha-se a um nadador que quer andar em vez de lançar-se na

água. Oh! Meu Deus, quebrai esse laço, cortai esse fio sobre as asas de minha alma. Jogai-me no

mar.

Eu juro, eu vos amo por minha vida e por minha morte.

Imitação, Livro 3, capítulo 6

Filho, ainda não és forte nem prudente no amor! Por qualquer contrariedade deixas o começado e

com ânsia excessiva procuras a consolação [...]

Quem ama discretamente não considera tanto a dádiva de quem ama como o amor de quem dá.

Atende mais a intenção que o Amado.

Quem ama nobremente não repousa no dom, mas em Mim, acima de todos os dons.

2ª Meditação: Estado

Meditei sobre minha fraqueza nas relações exteriores, com que facilidade perco a presença de Deus,

sou arrastado, absorvido nas conversas, nas relações simpáticas, na perda de minha liberdade por

vínculos de serviço ou de dedicação. Perda de um tempo considerável em detrimento de meus

deveres, da piedade, do santo recolhimento.

Diante disso, entristeci-me e me perguntei qual a causa.

Tudo se torna causa para mim, porque tudo em mim é miserável, arrastando mais para o exterior do

que para o interior. O pensamento de interessar, de instruir, um motivo de interesse da Sociedade ou

pessoal, a vaidade. Do momento em que lanço no terreno conhecido ou que me interessa ou que me

torna interessante, não há mais o que me detenha, acabou. Pareço um cavalo fogoso, um homem

exaltado. Acabo desejando ser o fim, ter a estima, a confiança, que sei mais? A frivolidade é

contagiosa e nos faz facilmente prisioneiros, diz a Imitação.

Ai de mim! Como esta visão me desolou. Antes eu rezo, tomo boas resoluções, no começo me

contenho. Depois, perco de vista a margem divina e eis-me em alto-mar, exposto a todos os ventos e

a todas as tempestades. Depois, quando me recolho, é a amargura. Tenho medo de me ver, fujo do

exame, humilho-me só por alto e acabo esquecendo. Entretanto, a aridez permanece.

3ª Meditação: Basílica de São Pedro

Quarenta Horas. Santa Francisca Romana.

15 de março

1ª Meditação: Silêncio

Meditei sobre as palavras do Espírito Santo: “No muito falar, não faltará o pecado” (Pr 10,19).

Quantos pecados na paixão de falar.

Peca-se contra a verdade. É raro conservar-se sempre no limite do verdadeiro, não deslizar para

o exagero e as meias-verdades, nas afirmações e até mesmo na mentira por vaidade, pela atração da

probabilidade.

Peca-se contra a caridade, sobretudo quando se tem um caráter implicante, antipático, vaidoso.

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Peca-se contra o respeito devido às coisas sagradas, aos Superiores, mesmo a conveniência

devida às pessoas, à honra de sua dignidade. Isso é o resultado de um espírito jocoso, brincalhão,

zombador, folgazão ou então cansado por dissipar-se.

Peca-se contra a humildade por vaidade, adulação, lisonja. É o mais comum.

Como chegamos a todos esses defeitos? Por envolvimento nas conversas. O demônio aí se

intromete. O espírito mundano aí reina. Os sentidos da visão, da audição se sentem mais à vontade.

As amizades formam-se mais depressa. Pois quando aí se encontra alguma pessoa que saiba excitar

o amor-próprio ou inicialmente o zelo, a caridade, a conveniência, a estima, a confiança, abre-se

largamente a porta do coração ou, então, mexe-se numa antiga ferida ou toca-se no lado fraco,

lança-se o cavalo na arena, o coração, o falso zelo.

A ciência do mundo é fazer falar as pessoas, usar sua linguagem, comprometê-las, engajá-las na

luta. Quanto mais estive entre os homens, menos homem voltei. (Im. 1, cap. 20).

Como chegar a essa virtude de silêncio ou a essa palavra prudente e santa? O meio é simples em si

mesmo. É o que aconselha São Paulo: “Nós falamos com sinceridade, da parte de Deus e na

presença de Deus, em Cristo” (2 Cor 2,17). Um servo, quando se acha na presença de seu amo, tem

uma linguagem moderada; um amigo, com seu amigo; um cristão, na presença de Jesus Cristo.

Minha grande falta é deixar-me absorver pelas coisas ou pelas pessoas, perdendo de vista Jesus

Cristo. E assim, tendo que enfrentar somente a luta, a vigilância, a mortificação, o sacrifício; porque

a violência não é durável, acabo por não perceber mais minhas feridas à semelhança do soldado no

furor da batalha.

Saiba, ó minha alma, que mais vale ouvir do que falar. São José não disse uma palavra sobre a

Encarnação. A Santíssima Virgem, no Evangelho, não fala mais do que quatro vezes: ao Anjo, a

Santa Isabel, ao Menino Jesus e aos criados das núpcias de Caná.

Quantos santos propagaram a glória de Deus por meio do silêncio!

Agora este é meu caminho. Não tenho mais missão. Ou então, quando precisar falar, deverei, a

exemplo do divino Mestre, limitar-me à missão das palavras de Deus.

Devo sacrificar totalmente toda caçoada, qualquer trocadilho de palavras, toda sorte de malícia, de

perfeição, de ciência psicológica. São Paulo dizia a Timóteo: “Foge das paixões da juventude, busca

a justiça, a fé, o amor, a paz com aqueles que invocam o Senhor, de coração puro. Evita as

discussões tolas e descabidas, sabendo que geram rixas. Ora, não convém que o servo do Senhor

viva discutindo, mas que seja manso para com todos, pronto para ensinar, paciente” (2 Tim 2,23-

24).

Imitação, Livro 3, capítulo 5

Grande clamor aos ouvidos de Deus é o ardente afeto da alma fervorosa, que diz: Meu Deus, meu

amor! És todo meu e eu, todo vosso.

Dilata-me no amor, para que aprenda no interior de meu coração a saborear quão suave é amar-

te, até me derreter e nadar em teu amor.

2ª Meditação: Na cidade

3ª Meditação: Paciência, humildade e confiança

Devo evitar dois grandes perigos:

1º O da perturbação diante da quebra de minhas resoluções e de faltas por palavras e impulso.

Depois, devo verificar logo a falta, não deixar para mais tarde, como tenho feito.

É uma tentação ilusória com o pretexto de que mais tarde eu veria mais claramente com calma. Dá-

se o contrário. O demônio aí se insinua para exagerar a falta ou, então, dela me esqueço.

É preciso pagar logo suas dívidas e não arrastar o espírito por entre a nebulosidade, nem manter o

coração numa expectativa dolorosa.

2º O segundo perigo é o desânimo, procurando com muito afã a paz depois de uma dissipação ou de

uma falta, julgando excessivamente essa falta pela privação de Deus e o pesar da alma, o que

produz um estado de tristeza indolente, até mesmo sensual. A alma acaba por se alimentar desse

sentimento estéril como se fosse uma contrição e isto não passa de egoísmo.

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16 de março

1ª Meditação: Leis

Perscrutei quais as leis que deveria seguir no governo de meu ser em relação à vida sobrenatural.

Nosso Senhor dignou-se esclarecer-me sobre o caminho a seguir e o modo de me conduzir com meu

corpo, meu espírito e meu coração.

1º Com meus sentidos, imperativo e dominante, como se faz com os escravos sempre prontos a se

revoltar, com as crianças birrentas, com os preguiçosos, que dizem: não posso. Assim age um

comandante, um mestre. Desse modo procedia São Paulo: “Trato duramente meu corpo e o

subjugo” (1 Cor 9,27).

Assim diz a Imitação: Refreia a gula, como se faz com o cavalo; esforça-te ao máximo, porque o

primeiro choque é sempre terrível. É o da violência; só violentos o arrebatam. Eles arrebatam sem

dar tempo de confabular, sem pedir licença. Os sentidos devem saber que eles têm um mestre duro e

severo e que só lhes dará trégua quando caírem fulminados pela morte. E ainda é preciso que

recebam a morte em pé.

2º Com o espírito, paciente.

Ele é fraco, leviano e ignorante. Devemos conduzi-lo como uma criança à escola, por meio da

atenção simples, pelo interesse da coisa, pelo sentimento do beneplácito de Deus e do recolhimento

em sua bondade paternal nas dificuldades. Como dizemos a uma criança: “Estuda para dar prazer a

teus pais”.

Não é preciso uma contenção absorvente, mas uma atenção dirigente.

O pensamento de Deus para o espírito consiste antes numa simples visão de Deus, como as crianças

que fitam o olhar do professor, mas uma visão de amor, um sentimento filial de dar prazer.

3º Com o coração, abnegado.

O coração é forte. Ele constitui a força do homem. Ele se apega sempre à criatura para ele como um

fim. É avaro. É egoísta. Quer fazer sempre suas provisões ou ter alguns pontos em que possa

repousar. Então “queima, então corta, então não poupes”, eis a oração de Santo Agostinho.

“Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo” (Mt 16,24): eis a condição absoluta de Nosso

Senhor.

Não se pode servir, amar a dois senhores opostos.

Portanto, devemos levar o coração pelo sacrifício, arrancar violentamente seus ídolos, quebrar sem

dó suas cadeias, tirá-los do incêndio, das mãos dos ladrões, do vulcão, da peste. Eis o primeiro ato.

“Só os violentos o arrebatam” (Mt 11,12) porque o reinado de Deus é o coração humano.

Depois, o coração livre vai lançar-se aos pés de seu Senhor e de seu Deus porque “tu nos fizeste

para ti” (Santo Agostinho). Se chora, é a agitação que chora. Se sofre, é a chaga que está

cicatrizando-se. Se quer olhar para trás, merece uma bofetada, como um crime de lesa majestade

contra Deus. Quem dará a bofetada? O Ego: um coração terreno ou sonolento, só desperta desse

modo.

Imitação, Livro 1, capítulo 3

Muitos, porém, estudam, mas para saber viver. Por isso, erram frequentemente e pouco ou nenhum

fruto colhem.

Certamente no dia do juízo não nos perguntará o que lemos, mas o que fizemos. Nem quanto bem

falamos, mas quão honestamente vivemos.

É verdadeiramente sábio aquele que faz a vontade de Deus e renuncia à própria vontade.

Que bela lição! É bem certo que eu faça como as abelhas: Não é para vós que produzistes o mel.

2ª Meditação: Três Cardeais. Cenáculo

3ª Meditação: Amor pessoal de Jesus

A felicidade do amor consiste em:

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1º Jesus pensa em mim pessoalmente,

2º Ele me ama ternamente,

3º Tudo quanto faz no Santíssimo Sacramento Ele o faz por amor a mim, pessoalmente, como se só

eu existisse no mundo e esse bom Salvador. “Eu é que vou seduzi-la, levando-a para o deserto e

falando-lhe ao coração” (Os 2, 16).

3ª Meditação: Ciência Tinha preparado o tema anterior; entretanto, Nosso Senhor, em sua infinita misericórdia, houve por

bem trocá-lo por outro mais útil a minha alma. Meditei sobre a ciência e o estudo. Constatei três

grandes defeitos em mim:

1º A paixão pelos livros apreciados, sobretudo os que podem contribuir para a ciência sagrada de

nossa santa vocação. Não olho despesas quando se trata de adquirir um livro precioso. Ponho nisso

grande empenho. E desde que estudei teologia, sou um apaixonado pelos livros. Teria tido a paixão

pelos estudos se Deus, em sua infinita misericórdia, não me tivesse detido pelas enfermidades e

dores de cabeça e, depois, Ele fez com que estivesse ocupado no santo ministério. Eu teria

sucumbido à paixão do estudo, com minha tenacidade em acabar, em ficar absorvido a ponto de

abandonar tudo, ir adiando tudo o mais até acabar.

2º Sempre estudei em proveito dos outros e por isso não me alimentei. Eis por que o estudo só

apresenta encantos para a vaidade de meu espírito e de meu coração. Nada temiam por eles

próprios.

Deveria ter feito o que faz a mãe que se alimenta de tudo, a fim de nutrir seu filho com a

superabundância de sua nutrição; como a abelha que antes se alimenta das flores, de seu mel; como

o fogo que se alimenta de sua combustão e só dá de sua superabundância; como o reservatório do

qual diz São Bernardo: “deve ser reservatório e não canal”. Se tivesse feito do estudo uma oração,

minha alma não estaria estiolada, esgotada pela ciência. Mas, ai de mim, eu era um assalariado, um

contratado. Se tivesse começado por encher-me de Deus, eu teria pregado melhor, feito muito mais

pelas almas, glorificado mais a Deus. “Permanecei na cidade aé que sejais revestidos da força do

alto” (Lc 24,49). “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas”,

(At 2,4) mas não antes.

3º O terceiro defeito, a curiosidade, quando estou com alguém, a fim de aprender, de estudar o que

não sei ou que pode lisonjear a vaidade. Estudo em vez de edificar os outros, ou de edificar-me. Daí

provêm essas indagações curiosas, essas perdas de tempo e até perigo de ir longe demais. Nada é

mais indiscreto do que um espírito curioso.

Eis minha meditação: agradeci muito ao bom Deus. Esta miséria constatada que antes não percebera

e agora vejo como é importante e essencial. “Pega e come” (Cf. Ez 2,8).

17 de março

1ª Meditação: Vida de amor de Jesus para mim

Jesus, meu Salvador e meu Deus, me ama pessoalmente, ternamente.

1º Ele pensa em mim em toda a parte onde se acha no Santíssimo Sacramento, em todas as santas

hóstias onde está, bem como no céu, em seu trono de glória, finalmente como Deus sempre e em

toda parte.

Oh! Se o pensamento é a respiração e a aspiração do amor, como amo pouco Nosso Senhor! É

pavoroso constatar como só penso no bom Mestre como o mendigo esfomeado ou como aquele que

sofre! Oh! sim, percebo bem que a natureza por si mesma não se volta para Deus! Pelo contrário,

precisa de esforço para isso.

Depois, quando o espírito e o coração estão dominados por uma paixão, é necessária uma grande

violência. Que tristeza! Jesus me olha, me segue com o olhar. Isto é próprio do amor. Ele me segue

de seu divino cibório. Espera meu olhar para me enviar um sorriso de amor e abençoar-me.

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O olhar é a representação em nossa alma. As almas que amam Jesus O veem, O seguem. Essa visão

nutre seu amor e os ampara nas provações.

Oh! Como minha alma é escrava das imagens dos sentidos, mas tão pouco de Nosso Senhor. Ser-

me-ia tão fácil vê-lo e conservar sua deliciosa imagem!

2º Jesus me ama ternamente. Ele o prova assim que faço algum pequeno sacrifício por Ele.

Eu sou a causa de que Ele concentre em si sua ternura, de que Ele se comova sozinho como José à

vista de seus irmãos, sobretudo de Benjamim. Como saiu da presença deles para chorar sozinho.

Não sou bastante terno com Nosso Senhor. Por quê? Porque meu amor não é suficientemente

particular. É muito vago. Muito espiritual, não é bastante cordial. Admiro demais, mas não louvo,

não agradeço, não me entrego suficientemente.

Esse foi sempre meu defeito. Só sei ser expansivo movido pelo amor-próprio. Depois, eu me sinto

envergonhado quando me encontro na presença do bom Deus. Oh! Como teria necessidade de mais

ternura para Nosso Senhor, com Nosso Senhor. Isso prenderia muito mais meu coração; não falo de

uma ternura sensível, isso não, porque meu coração não é terno, mas ternura de atos, de

reconhecimento, de louvor, de dom.

Pareço-me com um homem nas profundezas de um nevoeiro, que precisa elevar-se um pouco para

encontrar o sol. Com um homem que vem de uma região fria e que só necessita dar alguns passos

para chegar junto do fogo. Levanta-te, ó minha alma, caminha, vai para Jesus. Ele te espera com

alegria. Ele te receberá com ternura. Ele é tão bom! Ele te ama!

Imitação, Livro 3, capítulo 55

A graça é minha fortaleza, ela me dá conselho e amparo. É mais poderosa que todos os inimigos e

mais sábia que todos os sábios. É a mestra da verdade e da disciplina, a luz do coração e o alívio

nas tribulações; afugenta a tristeza, dissipa o temor, nutre a devoção, gera santas lágrimas.

O que sou eu sem a graça, senão um lenho seco e um toco inútil que se atira ao fogo!

2ª Meditação: A Santíssima Virgem

Meditei sobre o amor da Santíssima Virgem por mim desde minha infância. Louvei muito Nossa

Senhora do Laus e o dia em que a tomei por mãe, logo após a morte de minha pobre mãe! Desde

então, quantas graças!

Suplicava a seus pés na capela de São Roberto para um dia chegar a ser sacerdote! Como ela,

sozinha, me levou pela mão até ao sacerdócio! Depois ao Santíssimo Sacramento!

Oh! Como tem sido boa para mim a Santíssima Virgem. Chorei de comoção, mas também de pesar

por tê-la tão pouco amado, sobretudo desde que estou na Sociedade do Santíssimo Sacramento.

Deveria tê-lo feito cem vezes mais!

Agradeci muito a Nosso Senhor ter-me dado tão boa mãe e ter-me concedido seus direitos sobre seu

coração.

Fiz o propósito de invocá-la mais e de honrar neste dia suas dores.

3ª Meditação: Compaixão da Santíssima Virgem

Segui com grande emoção a Santíssima Virgem em suas dores, em sua participação em todo o

sofrimento da paixão de Nosso Senhor, seu divino Filho, entrevendo-o pela luz de sua graça no

jardim das Oliveiras e partilhando de sua oração, de sua tristeza, de sua agonia. Existia tão grande

identidade de vida e de amor entre esses dois corações!

Em seguida, ela O vê traído por Judas, abandonado por todos, renegado por Pedro, sozinho diante

de seus juizes, esbofeteado indignamente, tratado como um palhaço. “Hão de escarnecê-lo, ultrajá-

lo e desprezá-lo” (Cf. Mc 10,34 e Lc 18,32). Pobre mãe! Quanto deve ter sofrido com tanto

abandono. Nenhum defensor, ninguém que ousasse reconhecê-lo e defendê-lo!

Depois, São João vem narrar-lhe as diversas fases da paixão de Jesus. Sua prisão em casa de Caifás;

depois, conduzido a Pilatos, depois a Herodes que O trata como um louco.

Essa mãe dolorosa se dirige à Praça do Pretório. Ouve os golpes da flagelação. Vê Jesus ao lado de

Barrabás, na sacada do Pretório. Ouve o “Eis o homem” e os clamores ferozes de: “Seja

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crucificado! Que seja crucificado!” Pobre mãe! Ela só tem lágrimas para dar-lhe. Ela o segue ao

Calvário, ela o reencontra. Seus olhos, seu coração, sua dor se unem num mesmo sacrifício.

Ei-lo sobre o Calvário. Maria contempla-o, despojado barbaramente, brutalmente. Ela o vê

estendido por terra sobre a cruz. Depois ouve os golpes do martelo que transpassam suas mãos e

seus pés. Ela o contempla. Ela é também crucificada. Os contragolpes são como estigmas em seu

coração.

Ela o segue quando o levantam na cruz. E apenas esta foi levantada, desafiando todos os obstáculos,

se aproxima e se coloca a seus pés a contemplar Jesus, mergulhada num oceano de dores. “Tua

ruína é tão grande quanto o mar” (Lm 2,13). Vai acompanhando cada uma de suas dores. Sua alma

permanece colada às chagas de Jesus. Pobre Mãe! Mais forte do que a morte, porém mais dolorosa

do que todas as mortes.

Ouve cada uma das palavras de Jesus. Vê correr seu sangue e extinguir sua vida. Ouve Jesus

queixando-se de sede e não pode aliviá-lo, seu grito do abandono, mesmo do Pai celeste.

Finalmente, ela ouve sua última palavra: “Está consumado. E inclinando a cabeça entregou o

espírito” (Jo 19,30).

Eis morto seu Jesus! Que fará Maria, sua mãe? Ela agonizará de dor e de amor, receberá seu corpo

sagrado, abraçando-o com ternura de mãe, adorando-o como discípula e sepultando-o como a viúva

de Naim, seu filho único.

Depois, chorará. Repassará as dores de Jesus. Refará seu caminho da cruz na tarde da sexta-feira, no

sábado, até o domingo de manhã.

18 de março

1ª Meditação: Paixão pessoal de Nosso Senhor

Meditei sobre a parte que tive na paixão de Nosso Senhor.

Parece, visto que a paixão de Nosso Senhor passou, que isto ocorreu há 19 séculos, parece que nada

tenho a ver com ela, que meus pecados não influíram nela e que, por conseguinte, eu me beneficio

dos méritos da Paixão, mas que não tenho culpa alguma. Eis o que faz com que a Paixão me

comova tão pouco.

No entanto, a verdade é que fiz sofrer Nosso Senhor positiva e diretamente e um sofrimento pessoal

que ele não teria sem meus pecados. Com efeito:

1º É bem certo que Nosso Senhor conhece todos meus pecados, que Ele os via no jardim das

Oliveiras e que os aceitou para expiá-los. Que Ele chorou sobre minhas ingratidões e por todos

meus pecados, que foram mais sensíveis a seu coração do que os dos outros, porque Ele me amou

mais.

O profeta Isaías disse:

“Verdadeiramente, carregou nossos pecados e carregou nossos sofrimentos. Foi ferido por nossas

transgressões e esmagado por nossas iniquidades [...] por suas chagas fomos curados. O Senhor

colocou sobre ele nossas iniquidades. Morto pelos pecados do meu povo... Ele carregou os pecados

de muitos e intercedeu pelos transgressores” (Cf. Is 53, 10-12).

Ora, se Isaías coloca sobre Nosso Senhor seus próprios pecados, se Nosso Senhor expiou os

pecados antes da Encarnação, Expiou aqueles cometidos depois. De outro modo, como seríamos

resgatados?

São Paulo, falando de si mesmo, disse: “Me amou e se entregou por mim” (Gal 2, 20).

2° No entanto, como poderei ter feito sofrer Nosso Senhor se não me encontrava em Jerusalém?

Meus pecados ali estavam. Nosso Senhor os antevia, conhecia toda sua culpabilidade, a malícia,

visto que é a Ele que ofendo atualmente. Ele é a mesma pessoa divina. Seu estado mudou: eis tudo.

Então, a visão antecipada de um assassino, com todo conhecimento do futuro não causa horror?

Será que o Salvador não chorava sobre Jerusalém antes de suas desgraças, mas que Ele via como

presentes?

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Por conseguinte, meus pecados atuaram diretamente sobre a alma de Nosso Senhor durante sua

paixão. Influíram diretamente nos sofrimentos de seu corpo e o crucificaram positivamente, pois se

pode morrer por vários modos e morrer por tormentos mais que suficientes para a morte. “Cristo

morreu e ressuscitou por nós”, dizia São Paulo (Cf. Rm 14,9).

Portanto, eu estava lá no pensamento de Nosso Senhor, pela malícia dos judeus e do demônio que

meus pecados instigavam. Feriram seu corpo sagrado e fizeram jorrar seu sangue precioso.

3° Não terei praticado em particular o que aqueles fizeram sofrer a Nosso Senhor? Não o abandonei

como os apóstolos, não o traí como Judas, em sua doutrina, na confissão da verdade e na

manifestação de sua santidade? Não o terei renegado como Pedro? Ai de mim! Quantas fraquezas

neste ponto! Quantas condescendências por fraqueza, quantas concessões de adulação, de

mundanidade!

Depois, meu orgulho e minha avareza religiosa, minhas afeições demasiado humanas? E minhas

temeridades e presunções? “Não fui culpado desde muito jovem como uma criança?” (Santo

Agostinho).

Ora, se Nosso Senhor tivesse sofrido tudo quanto sofreu só por minha causa, o que pensaria? O que

faria? Morreria de pesar, de vergonha e de tristeza. Não ousaria olhar para ninguém mais, iria

esconder-me para chorar.

4° Se eu me dissesse: sou eu a causa das dores de Maria Santíssima, pois sou culpado dos

sofrimentos de seu divino Filho. Quem sabe se Nosso Senhor quis que conhecesse essa boa mãe,

para que um dia fosse duplamente seu filho, seu religioso e religioso do Santíssimo Sacramento.

Ela deve ter-me visto tão pouco fiel, causando mágoa a seu divino Filho, tão infiel a minha bela

vocação e sendo a causa direta de seu serviço ruim, da pouca glória que Ele recebe da Sociedade tão

bela e tão rica.

Este pensamento deveria fazer-me derramar abundantes e dolorosas lágrimas por ter causado tanta

dor a essa tão boa mãe!

Imitação, Livro 3, capítulo 5

Grande coisa é o amor. É um bem verdadeiramente inestimável que por si só torna suave o que é

difícil e suporta sereno toda adversidade. O amor de Jesus é generoso, inspira grandes ações e nos

estimula sempre à mais alta perfeição. O amor [...] dá tudo por tudo e possui tudo em todas as

coisas porque sobre todas as coisas descansa no sumo bem, do qual emanam e procedem todos os

bens.

O amor! Eis minha lei, meu caminho, minha virtude, minha força, minha alegria, minha vida, minha

morte, meu céu! Amém!

19 de março

1ª Meditação: São José

Nosso Senhor concedeu-me uma grande graça neste dia, a de inspirar-me o pensamento suave e

forte de consagrar-me especialmente e todo inteiro a São José como pai, líder, guia e protetor. Há

tanta semelhança entre nossas duas vocações!

1º São José pai de Jesus, pai legal, pai adotivo. E eu, como sacerdote, sou o pai de Jesus

Sacramentado. Tenho até mais poder intrínseco sobre Nosso Senhor que São José. Sacerdotes são

os pais de Cristo.

Nosso Senhor me obedece como a São José, me honra e me estima.

Como pai, São José carrega Jesus, trabalha para sustentá-lo e defende-o com o risco da própria vida.

Sustenta igualmente sua divina mãe, consola-a e a protege.

Como chefe da Sagrada Família, é São José quem manda, quem representa, quem mantém todas as

relações exteriores.

Com que humildade dá ordens Àquele a quem reconhece seu criador e Salvador! E, no entanto,

assim o faz como o fará mais tarde São João Batista, porque assim determinou o Pai celeste. Com

que humildade fala à Santíssima Virgem sua soberana por sua qualidade de mãe de Deus!

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Eis assim claramente delineados os sentimentos que devem animar minha vida não somente como

padre no altar, mas como superior. Assim como na Sagrada Família, é o menos digno que governa,

que tem as honras do superiorado, as relações exteriores. Devo, portanto, considerar os padres como

São José considerava Nosso Senhor Jesus Cristo, ver em meus irmãos o próprio Jesus Cristo e em

todas as mulheres a Santíssima Virgem, como mães de Jesus, se são mães, esposas de Jesus, se são

virgens, se são religiosas.

Devo honrar São José como meu pai com Jesus. Nosso Senhor deu-lhe esse belo título. Ele cumpriu

todos os deveres que lhe impôs. Honrou-o, amou-o e o serviu nessa admirável qualidade. Farei o

mesmo.

2º São José, meu líder. Tenho relações de estado com São José. Devo viver de sua vida, de suas

virtudes, de seu espírito. Ora, com que espírito São José serviu Jesus e Maria, com amor, porque

conhecia a divindade de Jesus e a excelência de Maria. O anjo revelou-lhe tanto uma como a outra.

Em Belém presenciou os testemunhos do céu e da terra, e sua alma inundada de luzes e de graças

não pôde agradecer suficientemente a seu Pai celeste por tê-lo associado a tão grandes e sublimes

mistérios. Ele se humilha profundamente por sua indignidade, oferece-se com alegria e sem

reservas para cumprir em tudo sua santa vontade.

Dedica-se com grande contentamento a seu serviço, ainda que por vezes penoso e humilhante!

Pois bem! Ó minha alma, eis o caminho que deves trilhar com São José, visto haver tanta

semelhança nas honras e nos deveres. Mais do que o grande patriarca, deves humilhar-te, pois que

não és justo, “como ele é Justo” (Cf. Mt 1,19). Sê perfeito, sobretudo humilde e puro. Deves servir a

Jesus e aos que Jesus te confiou com alegria e felicidade, com a mesma dedicação de São José. “Em

verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos,

foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).

3º São José, meu protetor.

Pai, sou seu filho, bem fraco, bem enfermo, bem pobre.

Membro, continuo sua tarefa junto de Jesus na terra. Devo desenpenhá-la como Ele, com Ele.

Superior, ele tem um anjo que o guia: ele deve ser o meu. É protetor da Sagrada Família: deve ser,

pois, o de minha fraqueza e da Sociedade de Jesus Sacramentado. Esta bela Sociedade do

Santíssimo Sacramento é mãe de Jesus, sua serva e sua família.

Oh! Bondoso São José, sede seu Pai porque o fostes da Sagrada Família. Será guia, porque ela tem

também Jesus, o protetor: ela não deve ter protetor humano nem terrestre. Aceitai hoje a Sociedade

e o amor.

Quanto a mim, eu vos honrarei, amarei e servirei com Maria, minha mãe, e jamais vos separarei de

seu nome, de seu amor! Não vos peço bens temporais, o crescimento da Sociedade, nem vê-la

grande e poderosa. Vós também só contemplastes Jesus pequeno, pobre e humilhado. Não devíeis

contemplar sua glória, nem presenciar seus triunfos. Oh! de boa vontade serei o pobre artífice, o

desconhecido José, o carpinteiro desprezado, o adubo da árvore, o jardineiro do bom Mestre que

não sai de seu jardim, não conhece senão suas plantas, que não ama senão suas flores, não vive

senão de seus frutos, aí morre num cantinho de sua pobre choupana, porém, entre os braços de Jesus

e Maria. Sua sepultura é desconhecida, assim seus despojos não podem ser venerados, não deixa

após si senão seu manto de pobreza e humildade.

Imitação, Livro 3, capítulo 56

Filho, quanto mais saíres de ti mesmo, tanto mais poderás chegar-te a mim. Assim como não

desejar coisa alguma exterior produz paz interior, assim o desprendimento interno de si mesmo

causa a união com Deus.

Segue-me. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.

2ª Meditação: Consagração a São José

Consagrei-me a São José:

1º Como sendo meu Pai espiritual, não querendo outro e não podendo ter um homem, por mais

santo que seja, por causa de meu caráter e de minha indolência.

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São José será, pois, meu mestre espiritual para meu interior, para me fazer viver com ele da vida

interior, dessa vida oculta com Jesus e Maria e imitando-o, sobretudo no silêncio sobre si mesmo,

sobre Jesus, sobre Maria, sobre sua própria felicidade.

Tudo está aí para mim, a abnegação na vida escondida de Nosso Senhor pelo esquecimento

provocado pelo silêncio ou a vida comum.

2º Consagrei-me a São José como a meu guia e mestre em todos meus deveres de Superior, para

desempenhá-los como ele, sendo manso e humilde de coração, sendo manso com meus irmãos,

humilde em mim mesmo, simples diante de Deus. Escolhi este bom santo para ser meu conselheiro

e meu confidente.

3º Tomei-o por meu protetor em todas as dificuldades e tristezas e para protetor da Sociedade, como

sendo a pequenina família de Jesus. Não lhe pedi que me libertasse de minhas cruzes nem de meus

sofrimentos, mas do amor-próprio que os vicia, da vaidade que os corrompe.

Pedi a Nosso Senhor que me desse São José, seu pai, por pai, como Ele me deu Maria por mãe; que

incutisse em mim essa devoção, essa confiança, esse amor de filho, de cliente, de oblato de São

José.

Espero que o bom Mestre me tenha atendido, porque já experimento maior devoção, pleno de

confiança e de esperança para como esse bondoso santo.

3ª Meditação: São José adorador

São José foi, depois da Santíssima Virgem, o primeiro e o mais perfeito adorador de Nosso Senhor.

Adorava-o com uma virtude de fé mais viva que a de todos os santos juntos.

Adorava-o com uma humildade mais profunda que a de todos os eleitos.

Adorava-o com uma pureza mais ilibada que a dos anjos.

Adorava-o com um amor que nenhum outro santo pôde ou poderá jamais ter por Jesus.

Adorava-o com uma dedicação tão grande quanto seu amor.

Como Verbo Encarnado deveria ser glorificado pelas adorações de Maria e de José, e como elas o

indenizavam da indiferença e ingratidão de suas criaturas!

São José adorava o Verbo encarnado em união com sua divina e virgem Mãe, em união com todos

os pensamentos e atos de adoração, de amor, de louvor de Jesus a seu Pai e de caridade pelos

homens, por amor e salvação dos quais se tinha encarnado.

A adoração de São José seguia o mistério, o espírito, a graça, a virtude do mistério. Na Encarnação,

adorava o aniquilamento do Filho de Deus, sua pobreza em Belém, seu silêncio, sua fraqueza, sua

obediência, suas virtudes, das quais tinha um profundo conhecimento, penetrando-lhes a intenção, o

sacrifício ao amor e à glória de seu Pai.

São José adorava interiormente tudo quanto Jesus fazia ou dizia ou pensava. O Espírito Santo tudo

lhe manifestava a fim de que a tudo pudesse unir-se e glorificar o Pai celeste em união com seu

divino Filho, nosso Salvador, de modo que a vida de São José foi uma vida de adoração a Jesus,

mas de adoração perfeita.

Eu me uni bem intimamente a esse bom santo adorador, a fim de que ele me ensine a adorar Nosso

Senhor e permita que, associando-me a ele, seja o José da Eucaristia, como ele o foi de Nazaré.

20 de março

1ª Meditação: Vida da Sagrada Família

Meditei sobre a vida da Sagrada Família, isto é, a vida de Maria e de José em Jesus.

Meditei sobre estes três pontos:

1° Jesus era o centro de amor de Maria e José. “Onde estiver teu tesouro...” (Mt 6,21). De modo que

ter Jesus era todo o centro da família, não faziam questão nem de Belém, nem de Nazaré, nem do

Egito. Ter Jesus era ter a casa do coração.

Quão pressuroso e com que alegria retornava São José para casa onde estava o divino menino!

Como evitava perder tempo longe dele! Bem sabia que Jesus era o amor divino encarnado!

84

Assim meu lar, minha família, meu centro é o Jesus da casa da Sociedade em que vivo. Devo ser

para Ele um outro José e não me sentir bem senão a seu lado.

2° Jesus era a finalidade da vida de Maria e de José. Não viviam, não trabalhavam senão para Ele.

Oh! Com que prazer São José labutava para ganhar o sustento da divina criança e de sua virgem e

divina Mãe! Como levava feliz o humilde salário de seu trabalho! E quando enfrentava

dificuldades, como isto lhe era agradável, sabendo que era por Jesus!

Do mesmo modo, Jesus Hóstia deve ser o alvo de minha vida, visto que sou o José de seu estado

sacramental. Ele deve ser a lei, a alegria e a felicidade de minha vida. E que vida mais bela do que a

consagrada ao Santíssimo Sacramento!

3° Jesus era o alimento contínuo da vida de amor e de união de Maria e José. Eles se sentiam tão

felizes em contemplá-Lo, ouvi-Lo, vê-Lo trabalhar, obedecer, rezar. Tudo fazia com tanta perfeição.

Sentiam-se ainda mais felizes de ver seu interior, suas intenções, de conhecer seus sentimentos, o

motivo de suas virtudes, vê-lo escolher e procurar as ocasiões de pobreza, de obediência, de

penitência; de contemplá-lo em suas humilhações e seus aniquilamentos; de ver como ele

direcionava tudo à glória de seu Pai, sem querer nada para si como Filho do homem, como homem,

mas direcionando toda honra, todo amor à divindade.

Jesus, Maria e José tinham apenas uma vida, desejavam somente uma coisa: glorificar o Pai celeste.

Ah! Eis o que também devo fazer. Para isso, devo penetrar na profunda união de Maria e José,

compartilhar de sua vida, essa vida de família, essa vida íntima da qual só Deus teve o segredo.

Minha alma gozava contemplando o interior da Sagrada Família e o que aí se passava: o Evangelho

familiar de Jesus. Oh! Que belos serões os de Nazaré, passados em colóquios e orações celestiais.

Certamente Jesus explicava a Maria e a José tudo quanto as Santas Escrituras diziam Dele.

Revelava-lhes o calvário e todas as cenas humilhantes e dolorosas. Mostrava os lugares dos pregos

em suas mãos e em seus pés, a fim de iniciar em Maria e José as virtudes do Calvário.

Provavelmente falava ainda da Igreja, dos Apóstolos, dos religiosos, de minha pobre miséria, de seu

amor por mim. Nazaré tornara-se o céu do amor e o paraíso terrestre, não do primeiro, mas do

segundo Adão, da segunda Eva. O céu das virtudes mais puras, do amor mais santo.

Que belo e delicioso perfume devia exalar esse celeste canteiro habitado pelo Verbo Encarnado, a

mãe de Deus, o justo José! Como o Pai celeste devia colocar aí suas delícias, os anjos, sua

admiração, o demônio, o terror.

E eu, isto será o amor.

Imitação, Livro 3, capítulo 23

Separai-me e arrancai-me de toda transitória consolação das criaturas, porque só vós bastais a

quem vos ama e sem vós tudo o mais é vaidade.

2ª Meditação: As sete dores de São José

Quanto mais santos formos, mais devemos sofrer pelo amor e pela glória de Deus.

O sofrimento é o cultivo da graça de Deus numa alma e o triunfo do amor da alma para Deus.

São José, o maior dos santos depois da Santíssima Virgem, sofreu mais que todos os outros santos.

A origem de seu sofrimento era a veneração que devotava à Santíssima Virgem e seu amor tão

terno, tão grande, tão esclarecido por Nosso Senhor.

Por que quis Deus que São José sofresse tanto? Para santificá-lo ainda mais, porque ele era santo.

São José teve sete dores:

1ª A profunda pena da Santíssima Virgem, vendo-se na contingência de abandoná-la e deixá-la em

segredo. O que será dela? Quem irá cuidar dela? Sim, mas o respeito à lei que ordena a separação...

2ª A recusa de Belém em alojá-los, o reduto do estábulo. O que mais o faz sofrer é a injúria que

infligem à mãe e a seu divino Filho e os sofrimentos pelos quais terão que passar.

3ª A circuncisão do menino Jesus, a visão dessa chaga, do sangue que corre, das lágrimas e da dor

de sua divina mãe.

4ª A profecia da espada de dor que um dia deve transpassar o coração da Santíssima Virgem e a

descoberta de todo o sentido da profecia de Isaías, acerca dos sofrimentos do Messias.

5ª A fuga precipitada e noturna para o Egito, o temor que ele tem dos algozes e os gritos de Belém.

85

6ª A volta do Egito para Jerusalém, o receio que tem de Arquelau, filho do cruel Herodes.

7ª A perda de Jesus no Templo.

Depois, quem poderá expressar suas lágrimas, suas dores, ao ouvir Jesus narrar sua futura paixão,

encontrando nas sagradas Escrituras todos os detalhes da paixão do Salvador?

E quando iam a Jerusalém, mostrava Jesus os lugares onde deveria sofrer tanto, a fim de que já

partilhassem o mérito com Ele.

De que modo sofria José?

No silêncio, na humildade, no amor. Não tinha nem ambicionava consolação humana alguma. Não

sofria por ele, mas por Jesus, Maria, pelo próximo. Portanto, ó minha alma, é preciso sofrer.

3ª Meditação: Cruzes

Eu me ofereci com São José para sofrer o que Deus quiser enviar-me. Ofereci as três cruzes de hoje

que amarguravam meu coração e despedaçavam minha alma. Pela primeira vez, aceitei, pus-me à

disposição do silêncio, da paciência, do abandono nas mãos de Deus.

Há de acontecer o que Deus quiser. Se em minha volta houver ainda algumas tempestades, Deus

seja bendito!

Obtenho mais graças, talvez ame melhor o bom Deus e poderei, espero, imitar um pouco melhor o

silêncio de São José.

Oh! Como necessito calar-me nestes momentos atribulados! Devo evitar o encontro com qualquer

pessoa influente porque ainda não me sinto bastante forte no silêncio da cruz.

É preciso rezar, ter paciência, bendizer a Deus e nada mais. Ver, sobretudo, o bem, o justo, o

verdadeiro da cruz.

21 de março

1ª Meditação: Cruzes dos santos

Não há santo que não tenha sido crucificado pelo mundo, que não tenha sido crucificado por si

mesmo e por Deus de modo admirável.

Principalmente os santos Apóstolos e os fundadores das ordens religiosas foram os que mais

sofreram.

Fundar é cavar a terra do próprio coração, cortar as pedras, martelá-las, cimentá-las, uni-las, tirá-las

de seu estado bruto, poli-las, privá-las da própria liberdade e da própria forma.

Quanto não sofreu São Bento a quem hoje celebramos! Quiseram envenená-lo, viu-se forçado a

deixar seus primeiros filhos. Quanto não sofreu por causa dos maus! E São Francisco, por causa de

frei Elias e de seus partidários. E Santo Afonso, pelos seus, mesmo pelo Rei, mesmo por Pio VI?

Qual a causa de tantos sofrimentos? “Entre dores darás à luz os filhos” (Gn 3,16). Isso acontece

tanto na ordem sobrenatural como na ordem natural. Quanto não sofreu Nosso Senhor para nos

regenerar Nele? São Paulo? “Meus filhos, por vós sinto de novo dores de parto” (Gal 4,19). E a

Santíssima Virgem, ao pé da cruz, para tornar-se nossa mãe?

O sofrimento de fundação da construção constitui a beleza e a solidez de uma casa. Quanto mais

profundas forem as raízes, tanto mais forte será a árvore. Quanto mais sofre a mãe, tanto mais

depressa dá à luz. “Pois morrestes e vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3,3).

Como Nosso Senhor me poupou! Quase nada sofri! Sofri muito devido a meus defeitos, mas não

pelo amor de Deus e por motivo de sua glória. Fui um doente e não um soldado.

Também a Sociedade está sempre nas dores latentes do parto. Seu espírito não é vigoroso, seus

membros não são fortes e unidos, seu crescimento não é notável. Ela mantém-se sobre a água.

Vegeta.

Meu Deus! Eis-me aqui em companhia de Jesus no jardim das Oliveiras. Quereis que todos me

abandonem? Que todos me reneguem? Que ninguém mais me conheça? Que eu seja como um peso,

um estorvo, uma humilhação?

86

Aqui estou, Senhor. Queimai-me, cortai-me, desnudai-me, humilhai-me, dai-me, porém, Vosso

amor e Vossa graça para hoje, vossa cruz com pobreza para amanhã. Concedei-me de ser o escabelo

na santíssima Hóstia.

Ação de graças

Ao terminar, fiz o voto perpétuo de minha personalidade a Nosso Senhor Jesus Cristo, nas mãos da

Santíssima Virgem e de São José e sob o patrocínio de São Bento (sua festa). Nada para mim, como

pessoa, pedindo a graça essencial, nada por mim. Modelo: a Encarnação do Verbo.

Ora, assim como pelo mistério da Encarnação a santa humanidade de Nosso Senhor foi aniquilada

em sua própria pessoa, de modo que ela não se preocupava mais, não tinha mais interesse próprio,

não agia mais para si, tendo sido substituída por outra pessoa, a saber, o Filho de Deus, que só

procurava o interesse de seu Pai celeste, que ele buscava sempre e em todas as coisas, assim

também devo estar aniquilado a todo desejo próprio, a qualquer interesse próprio e não visar senão

aos interesses de Jesus Cristo que vive em mim, a fim de aí viver por seu Pai. E é por estar assim

em mim que Ele se dá na Santa Comunhão. “como o Pai que vive me enviou, e eu vivo por meio do

Pai, assim aquele que me consome viverá por meio de mim” (Jo 6,57). É como se o Salvador

dissesse: enviando-me pela Encarnação, o Pai cortou em mim toda a raiz de estima própria, não me

dando a pessoa humana, mas unindo-me a uma pessoa divina, a fim de me fazer viver para Ele.

Assim, pela santa Comunhão viverás para mim, pois estarei vivo em ti. Encherei tua alma com

meus desejos e minha vida consumirá e aniquilará em ti tudo quanto for próprio. Isto de tal modo

que seja eu que viva e deseje tudo em ti, em lugar de ti, e assim tu serás todo revestido de mim.

Serás o corpo de meu coração; tua alma, as faculdades ativas de minha alma; teu coração, o

receptáculo, o movimento de meu coração. Serei a pessoa de tua personalidade, e tua personalidade

será a vida de minha pessoa em ti. “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20).

Imitação, Livro 3, capítulo 48

Estou onde está meu pensamento e meu pensamento está geralmente onde está o que amo.

Contudo, bem-aventurado o homem que por amor de vós, Senhor, abre mão de todas as criaturas,

contraria a natureza e crucifica a carne com o fervor do espírito, para que possa com consciência

serena oferecer-vos uma oração pura e desprendida interior e exteriormente de tudo que é terreno

e mereça entrar no coro dos anjos. Amém.

2ª Meditação: Voto da Personalidade

Este voto deverá ser o mais importante, o mais santo de todos os outros, visto ser ele o voto do eu e

do eu livre de se entregar sempre.

Ora, como é sempre ao eu pessoal que se referem todas as honras, o amor e a posse do bem, não

poderei mais receber por mim nem honras, nem amor, nem bens. E se alguém fizer isto, estará

oferecendo ao nada. E se eu tivesse a desgraça de o receber, estaria retomando de Deus meu eu.

Seria isso na verdade um roubo sacrílego, uma rapina no holocausto.

A verdadeira honra está na verdade do direito. Um criado não merece as honras devidas a seu

patrão.

O amor consiste na reciprocidade. Quando, porém, não dispõe da propriedade de seu coração, como

pessoa, não pode mais ser amado para si, nem ser amado fora do esposo de sua alma, de Jesus

Cristo. Receber um amor para si seria o adultério do coração. Deus nos guarde!

O bem possuído supõe uma pessoa hábil em possuir. Ora, não sou mais uma pessoa capaz de

possuir uma fortuna ou de conquistar e alcançar uma boa posição. Tenho que servir meu Senhor,

guardá-Lo, cultivar seu bem, prestar-Lhe homenagem e não a mim.

Nosso Senhor, em sua vida evangélica, observa admiravelmente a lei da unidade pessoal. Ele

rejeitava tudo quanto se referia a sua natureza humana como pessoa: “Eu não procuro minha glória”

(Jo 8,50). Por que me chamas bom? “Ninguém é bom senão Deus” (Lc 18,19). “O filho do Homem

não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20). Nada pode fazer por si mesmo, está sob as ordens

formais da divindade. Só faz executar as ordens, repetir as palavras, copiar as obras que o Pai faz.

“É o Pai que, permanecendo em mim, realiza suas obras” (Jo 14,10).

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Externamente, Nosso Senhor age como uma pessoa humana, durante sua vida em Nazaré. “E era

obediente a eles” (Lc 2,51). Ele se diz simplesmente enviado durante sua vida evangélica.

Portanto, ó minha alma, tu serás os membros, as faculdades de Jesus Cristo a fim de que ele viva e

proceda em tudo para a glória de seu Pai.

3ª Meditação: Mesmo assunto: Voto da Personalidade

Um pouco cansado de minha peregrinação à Basílica de São Paulo fora dos muros e veneração a

São Bento.

22 de março

1ª Meditação: A União de Nosso Senhor

Meditei sobre a união de Nosso Senhor conosco, união que deve ser a vida de meu voto de

personalidade. “Perfeita abnegação de si” (Expressão tirada das Constituições da Congregação do

Santíssimo Sacramento).

Por que Nosso Senhor deseja tanto essa união? Por que será que Ele a pede? Afinal, essa união será

possível, conveniente e proveitosa a Nosso Senhor?

Ele deseja essa união para glorificar melhor seu Pai sobre a terra, encarnando-se de alguma forma

em cada cristão, a fim de tornar-se como sua personalidade divina e continuar unido a esse cristão,

naquilo que sua pessoa divina operou sobre as ações de sua própria natureza humana, de elevá-las

pela dignidade de sua pessoa divina e pela força e poder dessa união até o merecimento divino, até

torná-las ações divinizadas.

É, portanto, Nosso Senhor que deseja reviver em nós e continuar por meio de nós a glorificação de

seu Pai, como em seus membros a fim de que o Pai celeste se agrade de nossas próprias ações,

considerando-as de seu Divino Filho, nosso Salvador, nelas se compraza e assim viva e reine em

cada um dos homens, como outros tantos membros de Jesus Cristo. E por meio dessa vida e desse

reinado seja paralisado e destruído o reino de Satanás, seu inimigo. Que ele possa receber de todas

as criaturas e da criação inteira o fruto de honra e de glória que lhe é devido.

É, pois, pelo amor e pela glória de seu Pai que Nosso Senhor deseja unir-se a nós.

Eis por que São Paulo nos chama tantas vezes de “Membros de Cristo e Corpo de Cristo” (Cf. 1 Cor

6,15; 12,27).

Eis a razão pela qual Nosso Senhor, na Ceia, dizia a seus discípulos: “Permanecei em mim.

Permanecei em meu amor” (Jo 15,4.9). É o dom de si, visto não morarmos mais em nós,

trabalhamos mais para aquele em cuja casa residimos, estamos a sua disposição.

Nosso Senhor deseja essa união por amor a nós, a fim de nos enobrecer Nele. Os membros

participam da natureza do chefe de família, da cabeça que governa a fim de que um dia Ele possa

comunicar-nos sua glória celeste e tudo que a compõe: o poder, a beleza, a felicidade perfeita.

E como Nosso Senhor não pode comunicar-nos sua glória senão como a seus membros e seus

membros devem ser santos, Ele aceita a incumbência de santificar-nos para unir-nos a Ele e fazer-

nos viver de sua vida.

Por essa união, nossas ações, então, tornam-se as ações de Nosso Senhor e têm valor em seus graus

de união. E esses graus estão em relação com os hábitos, as virtudes e o espírito de Jesus em nós.

Daí essas belas palavras de São Gregório: “O cristão é outro Cristo”, e de São Paulo: “Eu vivo não

eu, é Cristo que vive em mim. Não propriamente eu, mas a graça de Deus comigo” (Gal 2, 20 e 1

Cor 15,10).

E quando essa união é ao mesmo tempo cristã, sacerdotal e religiosa, tem as três dignidades em

Nosso Senhor Jesus Cristo e os três poderes. Ela é três vezes sagrada e consagrada. Tem as três

fontes de graça e de glória.

Essa união é o fruto do amor de Jesus. Ela é a finalidade da divina Providência, tanto na ordem

natural como sobrenatural, de estabelecer a união do homem com Jesus Cristo para alimentar e

88

aperfeiçoar essa união, pois nela consiste toda a glória de Deus e a santificação das almas. Numa

palavra, o fruto da Redenção.

Esta meditação tão bela e tão boa em si mesma fez-me bem, embora eu me tenha detido mais em

sua verdade e em sua excelência e não tanto em sua prática, pelo menos nos atos do coração.

Renovei meu novo voto e as três resoluções do pensamento, das adorações, logo no primeiro

momento, e das conversas antes, durante e depois.

Imitação, Livro 4, capítulo 17

Ó Deus meu, amor eterno, meu único bem, bem-aventuranças intermináveis, [...] tudo quanto pode

conceber e desejar um coração piedoso [...] eu vo-lo dou e ofereço com profunda reverência e

íntimo fervor. Nada quero reservar para mim e tudo o que é meu quero sacrificar-vos

espontaneamente e de boa vontade.

2ª Meditação: Minha união com Nosso Senhor

A união de Nosso Senhor comigo está na mesma relação de minha união com Ele: “Permanecei em

mim e eu permanecerei em vós. [...] Aquele que permanece em mim, como eu nele...” (Jo 15, 4-5).

Portanto, tenho certeza de que Jesus permanecerá em mim se eu quiser permanecer Nele. Assim

como o vento se precipita no vácuo feito pela lei da elasticidade, do equilíbrio, como as águas se

precipitam no abismo, assim o espírito de Nosso Senhor enche o vazio que a alma faz em si mesma.

1° Essa união do homem com Nosso Senhor constitui sua dignidade. A dignidade provém da pessoa

que governa. Assim foi a dignidade divina da natureza humana de Jesus Cristo, tomada no seio

virginal da Santíssima Virgem e divinizada por sua união hipostática com a pessoa do Verbo.

Por minha união com Nosso Senhor eu não me torno uma parte da divindade, algo de divino, digno

de adoração, mas algo de sagrado, de santo, como a dignidade dos pais de um rei, em razão dos

graus mais ou menos aproximado da pessoa do soberano. Em Nosso Senhor, o que constitui o maior

parentesco é a participação mais íntima de sua santidade. “Pois, todo aquele que faz a vontade de

meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,50). São Paulo diz

que “a vontade de Deus é nossa santificação...”

“Sereis santos porque eu sou santo” (1 Pd 1,16). Esta é a participação divina da qual fala São Pedro,

participação da natureza divina.

2º Dessa união deriva o poder do homem. “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o

ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não

podereis dar fruto se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós, os ramos. Aquele que

permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,4-

5).

Está bem claro, nada. Ora, se a fecundidade do sarmento provém de sua união com o tronco e com a

seiva, assim minha fecundidade espiritual provém de minha união com Jesus Cristo. “Eu sou o

caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6. Da união de meus

pensamentos com seus pensamentos, de minhas palavras com suas palavras, de meus desejos com

seus desejos, de minhas ações com suas ações.

A vida de meus membros vem do sangue do coração, e o sangue, do alimento: “Eu sou o pão vivo

que desceu do céu. Quem come deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51).

Eis, pois, o princípio e o centro de meu poder de santidade e de sabedoria: a união com Nosso

Senhor. A nulidade provém de sua ausência. É o ramo seco, cortado.

3º Dessa união vem o mérito. É um merecimento de sociedade. Nosso Senhor se apodera de minha

ação, torna-a sua e merecedora da vida eterna, dum valor eterno em sua dignidade, embora limitada

em minha enfermidade.

Então, tudo se torna meritório de um mérito celeste, nessa divina sociedade. E quanto maior for a

união com Jesus Cristo, tanto maior será também a glória da santidade.

Oh! Como pude durante tanto tempo descuidar-me dessa união divina? Quantos merecimentos

perdidos! Quantas ações estéreis! Quantas graças sem frutos! Eu, sobretudo, com tantos meios, um

negócio tão grande, tão fácil! Ai de mim!

Pobre árvore! Quão indulgente foi Deus em tê-la poupado até agora!

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3ª Meditação: Cruz em Nosso Senhor

Oh! Como nesses momentos de tribulações exteriores sinto necessidade de refugiar-me no divino

Coração de Jesus, a fim de estar ao abrigo de todas essas ventanias e tempestades humanas! Meu

Deus! Quão miserável é essa pobre humanidade! Se não fosse vossa glória, vossa vontade, como eu

iria esconder-me! E colocar-me sozinho a vossos pés e sob vossos pés!

Entretanto, quereis que eu suporte todas essas misérias humanas, que eu viva entre elas e com elas,

e quase por elas! Pois que seja assim! Amém!

Ao menos, desse modo, poderei glorificar-vos melhor por meio da paciência, da mansidão, da

humilhação, da perda de minha liberdade e da contínua abnegação. E, em meio a isso tudo, dai-me a

serenidade de vossa face, a paz do coração em Vós e o amor de meu próximo. Assim servirei a

Deus, meu Salvador, mais abnegadamente, mais devotamente e mais virilmente. Deus seja bendito!

Como ordenança do grande Rei, ordenança sem nome próprio, sem autoridade pessoal, sem glória

particular, ministro de Cristo, Servo de Cristo.

23 de março

1ª Meditação: Vida de união

Há muito tempo Nosso Senhor vem me atraindo para essa vida de união, mostrando o vazio e o

perigo das criaturas, bem como meu próprio nada etc.

Ele mesmo quer ser toda minha vida:

A ciência de meu espírito, de meu ministério. É, portanto, a seus pés que deverei instruir-me. O

que fiz de bom quando confiei somente em meus trabalhos, em meus estudos, em minha pouca

experiência ou mesmo na dos outros? Nada. Menos que nada. Estraguei tudo. Foi necessário refazer

tudo. Nada prestava. Nosso Senhor não tinha sido a luz principal, a ciência divina.

A afeição de meu coração, a força desse coração, sua paz, sua alegria e por isso seu centro.

Como meu coração é infeliz quando está só, quando sente que o Coração de Jesus está frio,

magoado ou ferido por mim! Que sofrimento! Esse divino coração deve ser meu alimento assim

como a água é para o peixe e o ar para o ser que respira. Desfaleço, agonizo longe desse divino

Coração.

A força de minha vontade. Por minha constituição natural, não tenho forças nem de corpo, nem

de alma, nem de espírito. Pelo contrário, sofro. Tudo em mim já está gasto. Logo tudo estará

paralisado. Meu espírito tem bem pouca bagagem e consistência. Ademais, meu corpo está

alquebrado. Sinto verdadeiramente que tanto minha saúde quanto minha inteligência só têm vida

por Nosso Senhor e em Nosso Senhor; que existe uma graça de força no regulamento cumprido,

uma luz, uma força sobre-humana nos trabalhos espirituais.

É a graça de estado. Teria muito mais força se obedecesse melhor ao primeiro impulso, se fosse

mais mortificado no espírito, em meu espírito, na sutileza da inteligência, na curiosidade da razão.

Digamos melhor: se eu fosse humilde de espírito.

É preciso, pois, que esteja unido a Nosso Senhor Jesus Cristo como a natureza humana estava unida

à pessoa do Verbo e como Jesus Cristo estava inteiramente unido a seu Pai. Para isso, no entanto, é

necessário estar unido com uma união de vida recebida, comunicada. É preciso que esse ramo seja

aquecido pelo sol para receber a seiva liquefeita. Ora, esse sol que prepara e que atrai essa seiva

divina é o recolhimento, o desejo, a oração, é o dom de si, é o amor!

Vinde, Senhor Jesus, minha vida e minha única esperança!

Imitação, Livro 3, capítulo 43

Filho, não te deixes cativar pela elegância e sutileza dos dizeres humanos, porque o reino de Deus

não consiste em palavras, mas na virtude. Ouve minhas palavras que inflamam o coração e

produzem consolações. Nunca leias minhas palavras com a intenção de parecer mais douto ou

sábio [...].

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Sou eu que ensino ao homem a ciência e dou aos pequenos compreensão mais clara do que os

homens são capazes de ensinar.

Eis o complemento de minha meditação desta manhã! Quando me entregarei totalmente a esse bom

Mestre? Ah! Como a ciência por ela mesma fez-me perder tempo, graças, piedade!

2ª Meditação: Alimento da união com Jesus Cristo

Um ato de união com Nosso Senhor é fácil, mas uma vida de união contínua é dificílima para uma

alma fraca e leviana como a minha, por causa da escravidão aos trabalhos intelectuais e porque se

deixa arrastar pela vida exterior. Minha alma assemelha-se ao gás que está escondido na água, que

ao menor sopro evapora.

Além disso, sou excessivamente impressionável com qualquer coisa e tão indolente quando estou

sossegado.

Meu Deus! Como viver da vida de união? Vi num lampejo que o meio único e especial era

alimentar e fortificar o homem interior que é Jesus Cristo em mim, concebê-Lo, fazê-Lo nascer e

crescer por todas as ações, leituras, orações, adorações e em todos os relacionamentos da vida. Para

isto, é preciso renunciar continuamente a essa personalidade de Adão e viver sob a dependência de

Jesus interior. A frequência das orações jaculatórias sobre este mesmo tema acabará por naturalizar

o pensamento e o sentimento.

3ª Meditação: Centro da união

Qual é o lugar da união com Jesus Cristo?

Sou eu. É em Jesus que se opera a união. “Permanecei em mim” (Jo 15,4). É em Jesus Cristo em

mim que se realiza o exercício, a virtude dessa união.

Nada de mais evidente! “Se alguém me ama guardará minha palavra; meu Pai o amará, e nós

viremos e faremos nele nossa morada” (Jo 14, 23). “Eu neles e tu em mim para que sejam

perfeiamente unidos” (Jo 17,23).

São Paulo denomina nosso corpo de “Templo do Espírito Santo” (1 Cor 6,19). Ele permanece,

portanto, em nós. Jesus Cristo no-lo deu: “ficará para sempre convosco” (Jo 14,16) o Espírito Santo.

“O reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17,21). “Entra com todo esplendor a filha do rei” (Sl

44,14).

“Venha teu reino” (Mt 6,10), isto é, reina sobre nós.

Imitação, Livro 2, capítulo 1

Eis alma fiel, para este esposo prepara teu coração a fim de que se digne vir morar em ti.

São Paulo dizia: “É Cristo que vive em mim” (Gl 2,20. Eis o que está claro.

Por que Nosso Senhor escolheu o interior do homem como centro dessa união?

Para forçar a homem a penetrar em si. O homem fugia de si próprio como fugimos de um culpado,

como tememos uma prisão! Ora, o homem é isso tudo. Ele tem horror e vergonha de si. Eis a razão

por que foge de si e sai apegando-se a tudo que é exterior. Por causa dessa fuga, Deus se encontra

sozinho e abandonado em sua criatura, que, no entanto, devia ser seu templo e o trono de seu amor.

Deus, desse modo, não pode trabalhar no homem, nem com ele. Vem ao homem a fim de obrigá-lo

a entrar em seu interior, em sua alma, Deus vem nele. É nele que Deus quer falar-lhe: “Ouvirei o

que diz o Senhor Deus” (Sl 84,9). É em seu coração que Ele quer habitar. “Dá-me, filho, teu

coração” (Pr 23,26). Quer que seja a alma quem lhe abra como para seu irmão e para seu esposo.

“Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20). “Abre-me, ó minha irmã e amada” (Ct 5,2).

Nosso Senhor vem sacramentalmente em nós para aí viver espiritualmente. O Sacramento é como o

invólucro que o fecha. Rasga-se pelo amor do coração, assim como o éter encerrado numa cápsula

escapa no estômago sob a ação do calor natural.

Nosso Senhor quer fazer do interior do homem seu verdadeiro templo. “A alma do homem justo é a

morada de Deus”, diz São Gregório, para que o homem não encontre dificuldade em ir ao Senhor

Jesus, mas que o ache facilmente e sempre a sua disposição, como seu senhor, seu modelo e sua

graça, bastando que se recolha em seu interior, em Jesus. A todo o momento, portanto, pode

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oferecer-lhe a homenagem de seus atos, o sentimento de seu coração, fitá-lo com esse olhar que

tudo diz e tudo dá.

Que belíssimas palavras da Imitação: (Im. 2, cap.1)

Frequentemente ele visita o homem interior, em doce entretenimento, suave consolação, grande paz

e familiaridade sobrenatural admirável.

Esta verdade mais me espanta do que me exalta. Será possível que Deus solicite de tal modo uma

alma? Que ele se ponha assim a sua disposição, permanecendo num corpo tão vil, numa alma tão

miserável, tão terrena, tão ingrata?

E, no entanto, isto é divinamente verdadeiro! Eu o creio, eu vo-lo agradeço, ó meu Deus. Eu vos

adoro em Vós.

24 de março

1ª Meditação: Jesus, hóspede do homem

Nosso Senhor é, pois, o hóspede de minha alma e de meu corpo, pois mora em mim. Meu eu se

compõe de meu corpo e de minha alma.

É preciso que ele governe um e outro, pois ele é, por meu voto, meu eu: um piloto en seu navio, um

dono em sua casa, um pai em sua família, a alma no corpo que ela anima e Deus como a vida de um

e de outro.

Ora, são três os deveres para com um hóspede:

O respeito devido a sua posição;

A companhia da amizade;

A homenagem de um festim esplêndido.

É a festa da realeza, da amizade.

Ora, são estes os três deveres que devo tributar a Nosso Senhor em mim:

Respeito em meu corpo, vigilância sobre as tentações e paixões desregradas de minha alma

para não ofender, para honrar.

Companhia, tendo em vista ser Ele o principal, o verdadeiro dono, o bom amigo, o divino

confidente das alegrias e tristezas, o centro de toda real afeição, o tesouro do coração.

Festim, a homenagem de todos meus prazeres, a glória de todas minhas ações, a finalidade de

todos meus sacrifícios. São essas as iguarias divinas do Salvador. Essa água viva da fé e da caridade

da qual Ele tem sede. “Dá-me de beber” (Jo 4,7). “Tenho sede” (Jo 19,28).

Percebo bem: o mel é doce, a luz é esplêndida, o fogo aquece os membros enregelados, a amizade

recíproca é tudo isso no mundo. Então, por que Nosso Senhor não é isso tudo para mim? Porque sou

muito imperfeito, muito fraco, seria para minha perda talvez ou pelo menos por um bem menor. Há

naturezas levianas que necessitam de um pouco de amargura, escravos que precisam de açoites,

almas muito sensíveis que necessitam dessa dura lição. E isto sou eu.

Imitação, livro 3, capítulo 27

Filho [...] porque te consomes em cuidados supérfluos? Conforma-te com minha vontade e nenhum

dano sofrerás. Fortificai-me, Senhor, com a graça do Espírito Santo. Robustecei em mim o homem

interior, livrai meu coração de todo o cuidado inútil e de toda a ansiedade, para que não me deixe

seduzir pelos vários desejos das coisas terrenas, vis ou preciosas, para que considere todas

passageiras e me lembre que eu mesmo sou passageiro como elas. Dai-me, Senhor, sabedoria

celestial para que aprenda a buscar-vos e achar-vos acima de tudo e a compreender todas as

coisas como são, segundo a ordem de vossa sabedoria.

Como é sábio quem assim pensa!

2ª Meditação: Sobre a compaixão das santas almas do Calvário

Sobre a paixão e a compaixão da Santíssima Virgem, de São João, Santa Madalena e da outras duas

Marias.

92

Considerei Nosso Senhor em suas sete palavras, e meu coração ficou muito emocionado à vista de

tantas dores causadas por meus pecados. O pecado inspirou-me um vivo horror.

Depois, refleti sobre a compaixão das santas almas do Calvário, grande em comparação à pureza de

seu amor, pois é a pureza que lhes comunica esse sentimento.

O que é, pois, o pecado para merecer tão grande satisfação?

O que é, pois, a justiça divina para não ser tão severa, visto ser verdadeira?

Eu me uni a todas as adorações de compaixão do Calvário e também deplorei meus pecados!

25 de março: Anunciação

1ª Meditação: Sobre o amor de Deus na Encarnação

Meditei sobre o amor de Deus pelo homem decaído, sobre o amor do Pai dando seu Filho único na

Encarnação para tornar-se semelhante aos homens, seu irmão segundo a carne. A escolha de uma

forma de vida humilde, pobre e sofredora durante todo o tempo de sua vida mortal.

No dom da Encarnação tudo estava estabelecido, determinado.

Esse dom levava consigo todos os estados pelos quais passa a natureza humana para alcançar a

virilidade: a concepção, o nascimento, a infância, etc.

Esse dom divino determinava que o Verbo encarnado seria:

Via, o caminho, o modelo primeiramente durante 30 anos em Nazaré;

Veritas, a verdade durante sua vida evangélica;

Vita, a vida pela morte da cruz, como outrora a serpente de bronze no deserto; e a vida como o

pão do deserto, o maná, e a vida substancial em cada homem por meio da Eucaristia, a extensão da

Encarnação. E cada pessoa, participando pela Eucaristia, da honra, da felicidade e das graças da

Santíssima Virgem em Nazaré, e dos Apóstolos.

Devemos também acrescentar Glória. Nosso Senhor restabelece nossa dignidade, releva nossa

honra, tornando-se nosso parente segundo a carne, nosso sócio segundo o espírito de fé e nossa

comunhão. Mais tarde, no céu, seremos os “co-herdeiros de Cristo, participantes de sua natureza

divina e da sua glória” (Rm 8,17).

Será possível que a Santíssima Trindade tenha amado de tal modo a humanidade decaída e cada

homem em particular? “Oh, se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: Dá-me de

beber” (Jo 4,10).

Oh! Se os homens soubessem o que é a Encarnação! Até que ponto chegou o amor de Deus por

eles, o que Deus fez por ele.

o Pai que lhes dá o Verbo,

o Verbo que se dá a si mesmo até o Calvário e a Eucaristia,

o Espírito Santo que o encarna em Maria, sobre o altar por meio do sacerdote e o vivifica em

cada homem!

Contudo, quem pensa em todas essas maravilhas do amor de Deus pelo homem? Quem medita

nisso? Quem os adora? Quem os glorifica? Quem ama o Verbo Encarnado? Ai de nós! Nosso

Senhor não é conhecido, não é pregado nem mesmo pelos sacerdotes! Não é amado nem mesmo

pelos seus! O amor não consiste num ato de zelo, num ato isolado de virtude. O amor é uma vida,

como foi a vida humana e divina de Jesus Cristo.

Então, não seria oportuno haver na Sociedade membros contemplativos e apóstolos? Ter adoradores

e incendiários, pois que Nosso Senhor deseja ver esse fogo eucarístico abrasar o mundo? Quem

melhor pode e deve espalhar por toda a parte, fazer conhecer, amar e adorar Nosso Senhor do que

os religiosos do Santíssimo Sacramento?

Não fazemos o bastante por Ele. Quem sabe se Nosso Senhor não desejaria esses dois ramos, essas

duas chamas, uma aqui, semelhante à chama, que se eleva até a divina Hóstia, a outra que sobe e se

estende como os raios do sol?

Vou perguntar a Nosso Senhor qual sua santa e adorável vontade sobre este assunto.

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A visão de tanto amor me dava medo. Que deverá pensar desse amor a alma, depois da morte? E,

sobretudo, a alma que O esqueceu, negligenciou, ofendeu e desprezou? Oh! Como deve precipitar-

se coberta de vergonha e horror no inferno e se dizer: tanto amor da parte de Deus e de minha parte,

tanta ingratidão. Não pensei nisso. Esqueci. Não sabia. Tudo isso não desculpa o crime, a

infidelidade, o desprezo.

Também como será o encantamento da alma quando vir romper-se o véu e aparecer a glória do

amor e receber o abraço de alegria e de amor de Nosso Senhor, tão feliz em coroá-la, quanto ela

mesma em ser coroada!

Imitação, Livro 1, capítulo 25

Quando o homem chega ao ponto de não buscar sua consolação em nenhuma criatura, só então

começa a gostar perfeitamente de Deus e anda contente, aconteça o que acontecer. Então, não se

alegra pela abundância, nem se entristece pela penúria, mas confia inteira e fielmente em Deus que

lhe é tudo em todas as coisas, para quem nada perece nem morre, mas por quem vivem todas as

coisas e a cujo aceno obedecem com prontidão.

2ª e 3ª Meditações: Basílica Santa Maria sobre Minerva - Encontro com Pio IX

26 de março

1ª Meditação: Primeira Adoração de Maria Santíssima ao Verbo Encarnado

Eis aqui meu modelo, minha mãe Maria! A primeira adoradora do Verbo Encarnado.

Oh! Como essa primeira adoração da Virgem Mãe deve ter sido perfeita em si, agradável a Deus e

rica de graças!

Quão perfeita deve ter sido a adoração de Maria no primeiro instante da Encarnação!

1º Uma adoração de humildade, de aniquilamento ante a soberana majestade do Verbo, diante da

escolha de sua pobre serva, diante do peso de tanta bondade e de amor por ela e por toda a

humanidade. Tal deve ser o primeiro ato, o primeiro sentimento de minha adoração, na santa

Comunhão. Tal foi o sentimento de Santa Isabel: “Como mereço que a mãe de meu Senhor venha

me visitar? (Lc 1,43). Do centurião: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres

em minha casa” (Lc 7,6).

2º O segundo ato de adoração da Santíssima Virgem deve ter sido naturalmente de alegre gratidão

por sua infinita e inefável bondade para com os homens, dando-lhes seu Salvador, de humilde

reconhecimento por ter escolhido sua indigna, mas feliz serva para uma graça tão insigne.

O reconhecimento da Santíssima Virgem deve ter sido um ato de amor à vista de tanta bondade, de

exaltação, de louvor e de bênção. A gratidão é tudo isso. É a expansão da alma na pessoa do

benfeitor, magnânima, amorosa. A gratidão é o coração do amor do homem.

3° O terceiro ato de adoração da Santíssima Virgem deve ter sido um ato de homenagem! “Eis a

serva do Senhor” (Lc 1,38). A oferta, o dom de si, de toda sua vida para servi-Lo, feliz em poder

dedicar-se, sentindo pesar de reconhecer-se tão pequena, tão pobre, de não poder servi-Lo

dignamente. Ela se oferece para servi-lo como Ele quiser, disposta a todos os sacrifícios que Ele se

dignar pedir-lhe, julgando-se ditosa de poder agradar a Deus e de assim corresponder a seu amor

pelos homens na Encarnação.

4° O quarto ato de adoração Santíssima Virgem Maria deve ter sido um ato de compaixão pelos

pobres pecadores, por cuja salvação o Verbo de Deus se encarnava por amor, a fim de salvá-los.

Soube ainda voltar sua infinita misericórdia em favor deles e se oferecer para reparar por eles, para

fazer penitência por eles, a fim de alcançar o perdão e a volta para Deus; que para eles tivessem a

graça de conhecer seu Criador e Salvador, de amá-Lo e de servi-Lo tributando assim à Santíssima

Trindade a honra e glória que lhes são devidas por toda criatura, mas especialmente pelo homem, o

terno objeto das misericórdias e do amor deste Deus, tão grande e tão bom!

Oh! Como desejaria adorar Nosso Senhor como O adorava essa boa mãe! Fiz a Nosso Senhor um

grande pedido: dar-me à Santíssima Virgem adoradora como minha verdadeira mãe e fazer-me

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participar de sua graça, desse estado de adoração contínua enquanto trazia o Verbo encarnado em

seu puríssimo seio, nesse céu de virtudes e de amor, nesse sol sem manchas.

Sinto que será esta uma das maiores graças de minha vida. Hoje vou fazer todas minhas adorações

em união com essa boa Mãe dos Adoradores, essa Rainha do Cenáculo.

Imitação, Livro 3, capítulo 43

Por muito que estudes e aprendas, terás que referir tudo ao único princípio. Sou eu que ensino ao

homem a ciência e dou aos pequenos compreensão mais clara do que os homens são capazes de

ensinar. Aquele a quem eu ensino depressa será sábio e muito aproveitará espiritualmente.

Oh! Que eu tenha necessidade de colocar-me enfim aos pés de Nosso Senhor para ser instruído por

Ele e começar por esta ciência do coração que compreende melhor todos os estudos da vida!

2ª Meditação: Adoração das Quarenta Horas7

À tarde, idem.

27 de março

1ª Meditação: Revisão Coloquei todas minhas misérias diante de Nosso Senhor; voltaram mais fortes do que nunca, depois

de duas tardes muito dissipadas.

O tédio. Eu quisera partir. Esse desgosto provém do que me escreveram. Oh! Como é verdade!?

Conflito, tristeza e servidão - e muitas vezes desigualdades, mágoas, suspeitas que escravizam,

consolação que enfraquece. De tais pragas libertai-me, Senhor.

Entreguei-me novamente nas mãos de Nosso Senhor, suplicando-lhe que não me dê ouvidos quando

eu resmungar como as crianças.

“Seja feita tua vontade” (MT 6,10).

A falsa energia, a falsa coragem, a violência dos meios, tudo isso é o acesso de uma alma febril,

de um orgulho disfarçado ou de um coração magoado ou por demais sensível.

Vamos, minha alma! Vamos colher um pouco de mel e saibamos aumentá-lo cada dia como a

abelha.

A escravidão do estudo, sempre com o fim de terminar, sempre sem unção porque não trabalho

unido a Deus, mas somente com seu espírito. Por isso, o trabalho de ontem, durante três horas, foi

perdido, em vez de ter ido à festa. É necessário, no entanto, viver do trabalho e não se esgotar

sempre, como eu faço.

Espírito, o que vem a ser tal entusiasmo quando conheço alguém? Paguei bem caro! Toda essa

gente se assemelha a um enxame de abelhas zunindo em torno de mim. Meu lugar era no

Santíssimo Sacramento. Toda devoção curiosa não passa de uma religiosa distração e dissipação.

Falar, ai de mim! Que fraqueza, já não sei calar-me nos momentos de tristeza, de concentração

ou de cansaço moral. Penso que isso vai aliviar-me, fico com a impressão de algum bem ou de uma

coisa que desejo alcançar e assim me esqueço de minhas resoluções. Esqueço que minha alma está

nas mãos do eu divino. Falo como um insensato para agradar ou por interesse.

Eis o que expus a Nosso Senhor durante minha hora de adoração. Todavia, minha alma estava

entregue a seu interesse. O pequenino sacrifício de me levantar na hora, apesar do cansaço,

certamente deve ter agradado a Nosso Senhor.

Imitação, Livro 4, capítulo 11

Oh! Como devem ser limpas as mãos, pura a boca, santo o corpo, imaculado o coração em que

tantas vezes entra o Autor da pureza!

Da boca do sacerdote, que tantas vezes recebe o Santíssimo Sacramento de Cristo, não deve sair

palavra que não seja santa, honesta e útil.

7 De 26 a 28 de março, a exposição solene das 40 horas ocorreu na igreja do Convento dos Redentoristas onde Padre

Eymard fazia seu retiro.

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Seus olhos que costumam contemplar o Corpo de Cristo devem ser modestos e castos, puros e

erguidos ao céu. Sejam também suas mãos puras, que tantas vezes tocam o criador do céu e da

terra.

Assista-nos vossa graça, ó Deus onipotente, para que nós, que assumimos o ministério Sacerdotal,

possamos digna e devotamente servir-vos com toda a pureza e boa consciência.

2ª Meditação: Quarenta Horas - Jesus Rei

Adorei Nosso Senhor Rei em seu trono, Rei de amor, todo amor, todo doação.

Agradeci-lhe toda honra e graça que me concedeu de ser adorador de ofício, sozinho.

Dei-me inteiramente a seu serviço e a sua glória.

Em seguida, minha alma pôs-se a considerar essa divina realeza em si mesma e quanto ela custou ao

divino Rei.

Esse reinado de amor, tão pouco estimado, tão pouco amado. Como todos o temem. Como evitam

aproximar-se desse trono! Ó meu Deus! Dirigem-se aos santos e à Santíssima Virgem. Facilmente

recitam orações vocais. No entanto, interrogar o amor de Jesus Hóstia, adorá-Lo por seu coração,

isso não.

Eis o que deve fazer a Sociedade: honrar seu divino Rei por seu amor e zelo. Quão poucos são os

que desejam partilhar de nossa bela sorte e entre nós quão poucos são verdadeiros religiosos

adoradores!

E eu, o primeiro, tão distante do objetivo, tão incapaz e por minha culpa, tão pouco zeloso por esse

reino interior!

Oh! o simples pensamento de prejudicar a Sociedade, seus filhos queridos, a glória de Deus, sua

graça me entristece! E o que me atinge ainda mais é ver-me tão miserável para fazer melhor! O que

pode dar-me a mais Nosso Senhor? Qual melhor parte ter?

Acabei por lançar-me aos pés de Nosso Senhor.

3ª Meditação: Quarenta Horas

Adoração sofrida

28 de março

1ª Meditação: Adoração

“Que mais deveria eu ter feito por meu vinhedo que deixei de fazer?” (Is 5,4).

Meditei sobre isso, considerando que Nosso Senhor em seu Sacramento de amor, não poderia ter-se

feito

menor: um ponto;

mais humilde: unido a espécies inanimadas;

mais pobre: não tem nada;

mais paciente: está ligado à condição de uma criatura imóvel;

mais manso: Ele é todo amor;

mais generoso: dá tudo com Ele.

Portanto, não pode ser mais amante!

E, no entanto, não é amado. Seu amor não é apreciado. Não é conhecido, até mesmo pouco

conhecido pelos seus.

Ele tem bons servos apostólicos, alguns devotos adoradores de serviço, mas tem poucas esposas!

Até mesmo poucos amigos que o visitam por afeição, que se entretêm com Ele, coração a coração,

que se dedicam a Ele simplesmente!

Nesta meditação de adoração Nosso Senhor concedeu-me uma grande graça: a de me entregar a Ele,

não em palavras, mas em virtude. Já considerei bastante, aprofundei muito. É preciso pôr-se à obra.

Impossível transformar o que é natural em sobrenatural, o amor-próprio em amor divino. É preciso,

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pois, partir disso: o reino de Deus é poder, poder é sacrifício, sacrifício na abnegação e na cruz de

Cristo; a abnegação vem do amor e conduz ao amor.

Portanto, “Não vim trazer paz, mas a espada” (Mt 10,34). Chegando à prática, devo vencer-me

nessa febre de palavras, nesses meios violentos, na severidade em julgar os homens. Tudo isso não

é o espírito de Nosso Senhor. Depois, no fundo é uma vaidade e, diante disso, eu seria um covarde.

Vaidade das relações, dos amigos, de Deus etc. Tudo isso é apenas fumaça, muitas vezes orgulho.

Aprende, meu coração, a só dizer o que Jesus diria em teu lugar. Aprende a calar, a deixar falar os

outros, aprende somente a responder!

Imitação, Livro 3, capítulo 55

A graça é minha fortaleza, ela me dá conselho e amparo.

É mais poderosa que todos os inimigos e mais sábia que todos os sábios.

Ajudai-me com bondade, como Paulo, pois não consigo terminar.

Senhor, que vossa graça sempre me previna e acompanhe.

2ª Meditação: Adoração

Compreendi melhor ainda nossa felicidade e nossa graça vendo descer o Santíssimo Sacramento de

seu trono para ser encerrado no tabernáculo. Quão felizes somos nós! Entre nós é a festa perpétua

do Corpo de Deus! O trono do amor está sempre erguido e ocupado no meio de nós pelo Rei da

glória. Oh! Por que será que não acorrem todos para estar com Ele, para entregar-se a seu serviço, a

seu amor de família?

Como sou tão frio, tão natural ante essa sarça ardente, esse Sinai de amor, sobre esse Tabor

perpétuo? Ai de mim! Infelizmente sou ainda tão terrestre! Sou tão humano! Eu me dou e me tomo

sem cessar. Oh! meu Deus! Já é tempo de soltar esse grilhão ou de romper essa amarra que me

retém preso à margem.

Sede minha sabedoria. Concedei-me o dom da fortaleza. Só Vos peço essa graça, esse presente.

Será suficiente na guerra enfrentada por vosso amor. Não quero ser sábio por mim mesmo, nem

virtuoso para mim, nem para os outros, nem sábio, nem eloquente. Não quero senão uma coisa: a

força de vosso amor, a força de vossa verdade, a força de vosso serviço.

“Tudo posso naquele que me conforta!” (Fil 4, 13).

E, para começar hoje, rezarei nos quartos de hora e no silêncio.

3ª Meditação: Abandono

Nosso Senhor sempre foi tão bom para mim, mesmo quando eu o servia tão mal. Sua bondade se

manifesta todos os dias. Ainda hoje mandou dizer-me o que eu desejava saber. Em cada estado, essa

maternal Providência coloca em meu caminho e como que a minha disposição as pessoas e as coisas

de que necessito ou que me podem ser úteis, frequentemente até o que desejo como uma criança.

Oh! Se estivesse totalmente entregue nas mãos de Deus, se fosse o verdadeiro religioso de seu amor

e de sua glória, o verdadeiro adorador em espírito de amor e de verdade e virtude, como Nosso

Senhor faria ainda mais por mim. Porque, então, seu amor não teria receio que eu me deixasse

arrastar pelo orgulho, pelo egoísmo ou pela sensualidade do coração.

Como ato de abandono, entreguei-me inteiramente à Santa Vontade de Deus, no tocante à decisão

que receberei amanhã, prometendo-lhe não recriminar diante da negativa ou não demonstrar mau

humor, caso a decisão seja adiada mais uma vez.

Concentrei-me no beneplácito de Deus não quanto à indiferença referente ao Cenáculo. Isto não,

porque a glória de Deus está empenhada nisso e, apesar de tudo o que me disse no domingo o

Reverendíssimo Padre Roberto di Ponacchio, Ministro Geral dos Fransiscanos, em relação a

Jerusalém, não me abalou. Ao contrário, iremos lá somente por Nosso Senhor, por e para o

sacrifício.

Afinal, o homem juiz é apenas o agente da santa vontade de Deus. O motivo parte deles. Para mim,

a decisão virá do céu.

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29 de março

1ª Meditação: Milícia Eucarística

Meditei sobre a milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cada homem participa dela e tem uma tarefa

vinculada. Só Ele é Rei. Tudo procede Dele. Tudo deve servi-lo e buscar sua glória.

Nosso Senhor determina a cada um sua categoria, sua posição de chefe ou de soldado. Ele mesmo é

a recompensa de todos e ama a todos.

Nosso Senhor tem três exércitos:

1º O primeiro é aquele que trava suas batalhas em meio ao mundo: são os pastores e os fiéis.

2º O segundo são os ministros, os embaixadores, os enviados plenipotenciários. São os missionários

apostólicos, plenipotenciários da misericórdia, os defensores de seus direitos, os apóstolos da

verdade, de seu amor. “Que as pessoas nos considerem como ministros de Cristo e administradores

dos mistérios de Deus” (1 Cor 4,1).

3° O terceiro exército é o que está a serviço de sua pessoa adorável, constituindo sua guarda, sua

corte, sua família; numa palavra, formando sua casa. É a milícia mais honrada e a mais amada.

São as 144.000 Virgens que seguem por toda a parte o Cordeiro sobre o monte Sião (no Cenáculo),

que por privilégio entoam o canto misterioso do amor, que são as Virgens Esposas do Cordeiro.

Não têm mais nome próprio, “são virgens. Elas seguem o Cordeiro aonde quer que vá” (Ap 14,4).

Ele é seu chefe e as governa.

Esta milícia é a milícia eucarística. Somos nós! Que honra! Que felicidade! Adorá-Lo, amá-Lo,

glorificá-Lo sempre em união com a corte celeste. Guardá-Lo, honrá-Lo sobre seu trono como sua

guarda de honra, que glória! Ser os arcanjos de sua realeza eucarística, ir aonde Ele nos envia para

levar uma graça, iluminar um novo lar, elevar um trono, conquistar um novo reino para Ele. Que

sublime missão! Eis nossa missão!

“Mas és tu, meu companheiro, meu amigo e confidente; uma doce amizade nos unia, na casa de

Deus caminhávamos alegres” (Sl 55, 14-15).

Ana lisei com o coração contristado todos os chefes da milícia que traíram Jesus Cristo, que

desviaram seus soldados e revoltaram-se contra seu divino Rei a partir de Judas, Diótrefes, Ario,

Nestório, Eutiques, Pelágio, Lutero, Jansênio.

E todas essas milícias arrastadas por seus chefes, guerreando com a santa Igreja de Jesus Cristo,

contra o próprio Jesus Cristo.

Ah! Quanto mal a reparar! Quantos soldados sem seu chefe Jesus Cristo! Quantos chefes egoístas,

individualistas que só trabalham em proveito próprio. Que procuram o que é seu, não o de Jesus

Cristo.

A todo chefe Nosso Senhor confia a missão de ser Caminho e à Santa Igreja pede que seja Verdade;

Jesus Cristo se reserva o direito exclusivo de ser Vida.

Um chefe, portanto, deve sempre receber as ordens de Nosso Senhor e fazê-las ser executadas

fielmente, revertendo-lhe toda a glória do combate, toda a honra do serviço.

Esse chefe não tem nome próprio, sua missão é divina.

Esse chefe nunca deve perder de vista seu Senhor e Deus, visto que Ele está sempre no meio dos

seus e junto aos chefes dos seus.

Temos hoje duas grandes missões da milícia: servir e combater. É preciso, porém, possuir as

virtudes militares: ser inteiramente livre de tudo e entregar-se completamente ao serviço do Mestre:

ter somente uma única lei, seu serviço;

somente um desejo, sua glória;

somente uma felicidade, fazê-lo conhecido, amado e adorado.

somente uma ambição, dar gloriosamente sua vida pelo amor e a maior glória da Eucaristia.

Por isso nossa parte é a mais bela. É também a mais atual.

Não se trata mais de defender uma verdade de fé, mas o Rei da verdade, atacado por toda parte. Não

é mais tempo de professar esta ou aquela virtude evangélica, de servir Nosso Senhor, abandonado

em seu divino Sacramento. É preciso combater a grande heresia do século, que é a indiferença,

fazer derreter o gelo que congela todos os corações. É preciso pregar a divina Eucaristia oportuna e

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inoportunamente. É necessário que em toda relação de sociedade, em todo ato exterior Nosso

Senhor tenha sua parte.

Contanto que Cristo seja anunciado!

A flor tem sua forma, sua cor, seu perfume, sempre os mesmos. No céu é sempre o mesmo canto de

glória e de amor. Portanto, um adorador apóstolo deve sempre adorar e pregar Jesus-Hóstia.

Imitação, Livro 3, capítulo 45

Socorrei-nos, Senhor, na tribulação, porque a salvação não vem do homem.

Detive-me neste 1º versículo, com o coração apertado, mas resignado a tudo.

2ª Meditação: Ida à Sagrada Congregação da Propaganda

3ª Meditação: Via-Sacra

Foi tudo o que eu pude fazer. Nosso Senhor foi tão bom comigo esta manhã. O golpe foi abrandado

por sua graça e a surpresa. Em seguida, houve a visita confusa do Cardeal Prefeito, que devia estar

constrangido.

A análise dos dois e a dúvida para discutir o que se haveria de fazer. Depois, a preparação de uma

noite no jardim das Oliveiras. Deus seja bendito!

30 de março

1ª Meditação: Oferenda e força

Nosso Senhor concedeu-me a graça de fazer-lhe companhia esta noite no Jardim das Oliveiras.

Deveria estar doente. No entanto, levantei-me à hora habitual, dizendo: “Não se vive somente de

pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4).

Ofereci-me a Nosso Senhor para cumprir em tudo sua santa vontade que tudo dispõe para nosso

maior bem. Agradeci-lhe por tudo, prometi-lhe não escrever a...

Pedi a graça, o dom e a virtude da força:

força na mansidão e paciência;

força na observância da regularidade e disciplina;

força nos quatro votos.

No entanto, é a força que provém do amor. “Porque o amor é forte como a morte” (Ct 8,6).

Amor puro, de quem se encarnou pelo sacrifício do eu humano em Nosso Senhor.

Tomei a resolução de calar-me a respeito das pessoas. É uma boa oportunidade para glorificar

Nosso Senhor.