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Internet, jornais electrónicos e teletrabalho Algumas apostas no mercado de trabalho Rogério Santos Um estudo recentemente publicado apon- tava para a existência de um parque informá- tico com 1,2 milhões de computadores em Portugal 1 . Segundo o mesmo trabalho, e para 1998, havia 750 mil pessoas com possi- bilidades de acesso à Internet, na escola, no emprego e no lar. Nas residências, por exem- plo, o número ascendia já a cerca de cem mil, mas o contacto mais presente processava-se na escola. A maioria dos utilizadores da In- ternet usava-a há menos de um ano, estu- dava, possuía um grau elevado de instrução e provinha maioritariamente da área de Lis- boa e Vale do Tejo. Apesar de menos relevantes do que em outros países da Europa, estes números são já interessantes e merecem alguma reflexão. Por isso, o eixo principal desta comunica- ção assenta na aplicação dos computadores em domínios concretos, tais como a edição electrónica e o teletrabalho, fomentadoras de empregabilidade no presente e no futuro. Es- tamos a falar - convém frisar - de sectores englobando a informática, o multimedia, as telecomunicações e as tecnologias de infor- mação, que caminham, elas próprias, para a convergência, como nós próprios escreve- 1 Instituto das Comunicações de Portugal (1999). Internet, telecomunicações e sociedade de informa- ção, uma visão prospectiva (2000/2010) - conclusões. Lisboa: Instituto das Comunicações de Portugal mos em livro recente 2 . Sectores que projec- tam, entre outras actividades, o desenvolvi- mento da videoconferência e as reuniões em rede, a aplicação dos computadores às tare- fas de computação e o grafismo em três di- mensões 3 . Vejamos em primeiro lugar as empresas. As actividades destas fazem-se acompanhar por um jogo contínuo de criação de novas or- ganizações e de fusões e aquisições de em- presas. Por exemplo, em 1998, a Microsoft comprou a Hotmail, a America Online (o maior portal da Internet, com mais de 38 mi- lhões de visitantes em Fevereiro último 4 ) ad- quiriu a Netscape e a Compaq fez o mesmo com a Digital. Isto tudo em empresas de in- formática, infotainment (mistura de informa- ção e entretenimento) e telecomunicações. Já este ano, em Abril, a Yahoo comprou a Broadcast.com, fornecedora de serviço no- ticioso e de actualidade, que inclui som e vídeo, e serviços às empresas como video- conferência, tornando a nova empresa o se- gundo maior portal da Internet (mais de 31 milhões de visitantes em Fevereiro último). 2 Rogério Santos (1998). Os novos media e o es- paço público. Lisboa: Gradiva 3 Comunicações, revista da APDC (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunica- ções), número de Fevereiro de 1999, p. 37 4 Público, 5 de Abril de 1999

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Page 1: Santos rogerio-teletrabalho

Internet, jornais electrónicos e teletrabalhoAlgumas apostas no mercado de trabalho

Rogério Santos

Um estudo recentemente publicado apon-tava para a existência de um parque informá-tico com 1,2 milhões de computadores emPortugal1. Segundo o mesmo trabalho, epara 1998, havia 750 mil pessoas com possi-bilidades de acesso à Internet, na escola, noemprego e no lar. Nas residências, por exem-plo, o número ascendia já a cerca de cem mil,mas o contacto mais presente processava-sena escola. A maioria dos utilizadores da In-ternet usava-a há menos de um ano, estu-dava, possuía um grau elevado de instruçãoe provinha maioritariamente da área de Lis-boa e Vale do Tejo.

Apesar de menos relevantes do que emoutros países da Europa, estes números sãojá interessantes e merecem alguma reflexão.Por isso, o eixo principal desta comunica-ção assenta na aplicação dos computadoresem domínios concretos, tais como a ediçãoelectrónica e o teletrabalho, fomentadoras deempregabilidade no presente e no futuro. Es-tamos a falar - convém frisar - de sectoresenglobando a informática, omultimedia, astelecomunicações e as tecnologias de infor-mação, que caminham, elas próprias, paraa convergência, como nós próprios escreve-

1 Instituto das Comunicações de Portugal (1999).Internet, telecomunicações e sociedade de informa-ção, uma visão prospectiva (2000/2010) - conclusões.Lisboa: Instituto das Comunicações de Portugal

mos em livro recente2. Sectores que projec-tam, entre outras actividades, o desenvolvi-mento da videoconferência e as reuniões emrede, a aplicação dos computadores às tare-fas de computação e o grafismo em três di-mensões3.

Vejamos em primeiro lugar as empresas.As actividades destas fazem-se acompanharpor um jogo contínuo de criação de novas or-ganizações e de fusões e aquisições de em-presas. Por exemplo, em 1998, a Microsoftcomprou a Hotmail, a America Online (omaior portal da Internet, com mais de 38 mi-lhões de visitantes em Fevereiro último4) ad-quiriu a Netscape e a Compaq fez o mesmocom a Digital. Isto tudo em empresas de in-formática,infotainment(mistura de informa-ção e entretenimento) e telecomunicações.Já este ano, em Abril, a Yahoo comprou aBroadcast.com, fornecedora de serviço no-ticioso e de actualidade, que inclui som evídeo, e serviços às empresas como video-conferência, tornando a nova empresa o se-gundo maior portal da Internet (mais de 31milhões de visitantes em Fevereiro último).

2 Rogério Santos (1998).Os novos media e o es-paço público. Lisboa: Gradiva

3 Comunicações, revista da APDC (AssociaçãoPortuguesa para o Desenvolvimento das Comunica-ções), número de Fevereiro de 1999, p. 37

4 Público, 5 de Abril de 1999

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Hoje, há já cerca de 300 mil redes interliga-das no mundo, com um crescimento anual de100%5. Entre nós, a PT e a Microsoft assina-ram um acordo, com esta a entrar no capitalda TV Cabo, traduzível, para já, em serviçosinteractivos.

Em segundo lugar, analisemos a impor-tância crescente do uso do computador nanossa sociedade. A um maior poder de pro-cessamento de informação nos computado-res, juntam-se as funções demultimediae dainteractividade, resultado de equipamentosmais modernos e sofisticados e de mais li-gações entre redes. As empresas já começa-ram a ver este fenóm twocolumn,eno e inte-gram a Internet na sua actividade, factor ge-rador de postos de trabalho. Seguindo o es-tudo do ICP citado inicialmente, sucedem-sefases como abertura ao exterior (criação desítios institucionais e de promoção), interac-ção com parceiros (intranets com acesso declientes e fornecedores) e integração da in-formação no quadro económico da empresa.

Como conclusão do ponto agora descrito,a um maior uso de computadores e da Inter-net corresponde a criação de novas empresase de novos empregos, como a prestação deserviços de design, programação, marketinginteractivo e alojamento de páginas. Do per-fil do novo emprego, destacamos vários pon-tos fortes. Ao trabalho independente e cria-tivo, na busca de novas projectos e soluções,junta-se a necessidade de constituir equipasmultidisciplinares, enriquecedoras do con-junto de conhecimentos de cada indivíduo ede uma grande competitividade no seu con-junto. Metade das empresas do sector li-gado à Internet nasceu depois de 1996 e temum ambiente de micro-empresas quer em nú-

5 Notícias intercom, 12 de Abril de 1999

mero de empregados quer em facturação. Aorigem jovem dos seus elementos é um outrofactor a destacar.

Observemos agora, com maior detalhe, al-gumas das apostas futuras de emprego nes-tas áreas. Um exemplo de actividade é ojornalismo electrónicoou on-line6. As pro-fissões ligadas à comunicação social estãona moda, embora nem tudo esteja a correrbem. No caso concreto do jornalismo elec-trónico, este combina texto, imagem e som.A transmissão na Web permite juntar os di-versos géneros jornalísticos à sua volta - anotícia, a reportagem, a entrevista, a crónica-, com a acrescida vantagem tecnológica deprocurar à frente ou voltar atrás, através dohipertexto7. Por este, o utilizador navega edescobre novos sítios e informações. Alémdisso, há terreno para novos conteúdos, comos fornecedores e os utilizadores a pesqui-sarem ao mesmo tempo8, e que se repercutena função do jornalista, agora aberta a novasactividades ou profissões. Aqui, incluem-seos jornalistas na forma clássica de colectoresde informação e produtores de notícias, mastambém fotojornalistas, cartoonistas, arqui-vistas, operadores de câmara e técnicos devídeo e áudio. Isto implica que o editor deum jornal electrónico, por exemplo, tem depossuir uma formação ecléctica, trabalhandoquer o áudio quer o vídeo, escrevendo, acres-

6 Começa já a traduzir-se o conceito para línguaportuguesa -jornalismo em linha

7 Mark Deuze (1998). “The webcommu-nicators: issues in research into online jour-nalism and journalists”. In First Monday<http://www.firstmonday.dk/issues/issue3_12/deuze/index.html>

8 Helder Bastos (1999). “A viragem digital dojornalismo”, texto apresentado ao congresso da SOP-COM (Associação Portuguesa de Ciências da Comu-nicação), na Fundação Calouste Gulbenkian

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centando os hiperlinks e mantendo a necessi-dade de fechar a edição a tempo. Em Agostode 1997 - e trata-se já de uma data distantepara nós -, havia 3622 jornais editados na In-ternet, metade dos quais nascera nesse ano9.Muitas das estações de rádio e de televisãoligadas à Internet só existem na Web, semnunca terem emitido através das ondas hert-zianas.

De um lado, destaca-se a vertente expe-rimental da nova ferramenta tecnológica, edo outro, a procura comercial e de negócio.Neste último, basta pensar no êxito da vendaelectrónica de livros por parte da Amazon.Uma razão do crescimento de jornais elec-trónicos é a multiplicidade de propostas, quevai dos meios informativos sobre tecnologiasaté às revistas de crítica e criação literária. Apossibilidade experimental articula-se comnovas linhas estéticas nos textos, nas ima-gens e nos grafismos que os acompanham,dando conta de uma jovem geração de agen-tes criativos que usam a Internet, o já cha-mado quartomedium. Além disso, num jor-nal electrónico, não há constrangimento deespaço e tempo como no diário que lemosou no telejornal, isto é, os textos podem ter adimensão de acordo com o nosso interesse enão se subordinam às páginas existentes ou àduração do telejornal. Por outro lado, devidoao hipertexto (links para outras áreas de inte-resse), salta-se de um texto para outro textoou imagem.

Uma área mais global utilizando as desig-nadas tecnologias de informação é oteletra-balho. Este define-se como o resultado deactividades e serviços que incluem a trans-missão à distância de dados, imagens, tex-

9 Dados disponíveis em http//:www.towson.edu/∼lieb/multimedia_syllabus.html

tos. No sentido restrito do termo, o tele-trabalho efectua-se no domicílio ou em tele-centros; no sentido mais geral, é todo aqueleque parte do posto de trabalho com um com-putador ligado em rede. Engloba activida-des como a telegestão e a televigilância, istoé, actividades controladas remotamente pormeio de aparelhos vídeo, electrónicos e com-putadores.

No sentido restrito atrás referido, as pes-soas que praticam estas actividades são pro-fissionais independentes na sua maioria, ope-rando em programação informática, na tra-dução e na análise e controlo de máquinas,naquilo a que um autor americano chamoude profissionais simbólicos-analíticos10, re-correndo a trabalho de investigação, de reso-lução e identificação de problemas e de in-termediação estratégica. As acções de co-municação destes trabalhadores simbólicos-analíticos fazem-se acompanhar de modosde interligação como o correio electrónico,rede que corre a par da Internet.

Indo mais fino ao conjunto de actividadesem torno do teletrabalho, não podemos dei-xar de referir algumas aplicações concretasusando a Internet. Uma delas é atelemedi-cina, que permite a troca de dados sobre es-tados de saúde e, até, acompanhar ou reali-zar operações à distância. O sucesso da te-lemedicina encontra-se na segurança em ter-mos de transmissão e armazenamento de da-dos, na sua fiabilidade tecnológica e na con-fiança social que nela se deposita. Fazeruma operação por telemedicina exige, porum lado, uma grande habilidade por parte domédico operador e, por outro lado, a acei-tação pública do sucesso de tal empreendi-

10 Robert Reich (1993).O trabalho das nações.Lisboa: Quetzal, pp. 253-257

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mento. Nesta plateia, não fazemos tanto aapologia do médico perito em manipular má-quinas à distância, mas à criação de empre-gos em torno desta actividade. Talvez surjadaqui uma pequena fileira de profissionais,do fornecimento de equipamentos e sua ma-nutenção à preparação de códigos de comu-nicação homem-máquina.

Outra das aplicações é usada pela banca,como ohomebanking, já praticadas por mui-tos bancos. Isto quer dizer que muitas dastransacções bancárias são já efectuadas pormáquinas inteligentes. O mesmo ocorrecom ocomércio electrónico, definido comoa condução de actividades comerciais en-tre empresas e particulares por intermédiode meios electrónicos. Áreas apontadas degrande expansão no comércio electrónicosão os sectores de distribuição, automóvele electricidade. Resolvidos que forem osproblemas de confidencialidade, como os re-ceios de roubo de códigos de acesso a cartõesvisa através da Internet, o comércio electró-nico promete revolucionar as transacções en-volvendo dinheiro. Os sucessos do multi-banco e da via verde são dois bons exemplos.

Nesta curta intervenção, falámos das ma-ravilhas do mundo novo. Mas não podemosesquecer o reverso, se quisermos ser realis-tas. O uso da Internet e das tecnologias de in-formação provoca um conjunto de oportuni-dades e de ameaças, com a criação de novasprofissões e a requalificação de outras profis-sões. O aspecto negativo será o aumento dainfo-exclusão, problema que afecta as pes-soas que não acompanham a evolução tecno-lógica ou com medo de operar as novas má-quinas. Por outro lado, as áreas que temosvindo a referir são constituídas por nichos demercado em constante mudança. O risco deobsoletização traduz-se em precariedade do

negócio e do emprego. Além disso, e já vistoatrás, o ambiente de micro-empresas signi-fica a existência de poucos postos de traba-lho por unidade produtiva. O problema dodesemprego em vasta escala não se resolvecom a criação de apenas algumas empresas,mas com a constituição de muitas e consti-tuindo um feixe de actividades entrecruza-das. Mas o mercado não é elástico e o apoioa iniciativas individuais e de pequenos gru-pos precisa de ser multiplicado, tornando-senecessário um grande esforço em termos deimaginação.

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