santa gertrudes

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Santa Gertrudes Filha dileta do Coração de Jesus Tão ligada ao sobrenatural, mais parecia um anjo do Céu que uma criatura terrena. Viveu alheia às atrações mundanas e foi tida como “sustentáculo da religião” Plinio Maria Solimeo Pouca coisa se sabe da vida de Santa Gertrudes. Os cinco livros de suas revelações nos oferecem poucos dados sobre sua própria vida. Sabemos que nasceu pelo ano de 1256. Seus pais a colocaram como aluna das beneditinas de Rodesdorf quando tinha apenas cinco anos. Era priora desse mosteiro outra Gertrudes, de Hackeborn. Muito piedosa e culta, esta priora, vendo a estupenda inteligência de sua homônima, incentivou-a muito não apenas na observância monástica, mas também nas atividades intelectuais que Santa Lioba e suas freiras anglo-saxãs haviam transmitido às suas fundações na Germânia. A pequena Gertrudes encantava a todos. “Nessa alma, Deus reuniu o brilho e o frescor das mais belas flores à candura da inocência, de maneira que encantava todos os olhares como atraía todos os corações”, diz sua biógrafa e contemporânea 1 . A educação de Gertrudes foi confiada à irmã da priora, Matilde, muito adiantada na via mística e na santidade. Esta procurava incutir nas almas de suas alunas o fogo do amor de Deus que devorava seu coração. E encontrou em Gertrudes um campo propício para isso. Assim, “conservando a pureza de coração durante os anos de sua infância e adolescência, e entregando-se com ardor aos estudos e artes liberais, [Gertrudes] foi preservada pelo Pai das misericórdias de todas as frivolidades que, com frequência, arrastam a mocidade” 2 . Na conversão, recebe os estigmas de Cristo Entretanto, em seu afã de passar das línguas para a retórica, e desta para a filosofia, ela diminuiu um tanto seu primitivo fervor. Foi quando, aos 26 anos de idade, depois de um mês de terrível provação, Nosso Senhor apareceu- lhe e fez-lhe compreender sua falta: “Provaste a terra com meus inimigos e sugaste algumas gotas de mel entre os espinhos. Volta a mim, e te inebriarei na torrente de meu divino amor” 3 . Explica a biógrafa: “Então Gertrudes compreendeu que tinha estado longe de Deus, em região desconhecida, quando, aplicando-se até esse dia aos estudos mundanos, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência espiritual e, devido a um apego muito forte aos encantos da sabedoria humana, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência espiritual” 4 . Nessa visão foram-lhe impressas, não de modo visível externamente, os sagrados estigmas de Cristo Senhor Nosso. Após tais acontecimentos, que ela chama de “sua conversão”, entregou-se com ardor ao estudo da teologia escolástica e mística, da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, sobretudo de Santo Agostinho, São Gregório Magno, São Bernardo e Hugo de São Vítor. No mosteiro ela não exercia outra função senão a de irmã-substituta da irmã-cantora, Santa Matilde. Apesar de sempre doente e lutando tenazmente contra suas paixões, atendia às inúmeras pessoas que a vinham consultar, “com citações dos livros sagrados empregadas tão a propósito, que não permitiam objeções” 5 . Para esclarecer seus consulentes escreveu em língua vernácula (as outras obras, escreveu-as em latim) alguns tratados, nos quais explicou passagens obscuras da Sagrada Escritura e transcreveu as mais belas sentenças dos Padres da Igreja. Infelizmente essas obras se perderam. Sua biógrafa, que era uma de suas ardentes condiscípulas, afirma também que Gertrudes “era fortíssimo apoio da Religião, defensora tão zelosa da justiça e da verdade, que seria possível aplicar-lhe o que se diz do sumo sacerdote Simão no mesmo livro da Sabedoria: ‘Sustentou a casa durante sua vida’, isto é, foi o sustentáculo da Religião; ‘e em seus dias fortificou o templo’, no sentido de que, por seus exemplos e conselhos, fortificou o templo espiritual da devoção e excitou nas almas um maior fervor” 6 . Pureza, humildade, bondade, fidelidade, caridade Num ano em que o frio ameaçava os homens, animais e colheitas, durante a Missa Santa Gertrudes implorava a Deus que desse remédio a esses males. E teve a seguinte resposta: “Filha, hás de saber que todas tuas orações são ouvidas”. Ao que ela replicou: “Senhor, dai-me a prova desta bondade fazendo com que cessem os rigores do frio”. Ao sair da igreja, a santa notou que os caminhos estavam inundados pela água produzida pela neve derretida. O tempo favorável continuou, e começou mais cedo a primavera 7 . Santa Gertrudes procurava esclarecer-se sobre suas visões, especialmente com Santa Matilde, que também era favorecida com aparições de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sobre as duas, tendo uma alma santa do mosteiro perguntado a Nosso Senhor “por que exaltava Gertrudes acima de todas e parecia não reparar em Matilde, Ele respondeu: ‘Eu faço grandes coisas nesta, mas as que faço e ainda farei naquela são bem maiores’”. E explicou o porquê dessa predileção: “Um amor todo gratuito me prende a ela, e é este mesmo amor que, por um dom especial, dispôs e conserva agora em sua alma cinco virtudes, em que me deleito: uma verdadeira pureza, pela influência contínua de minha graça; uma verdadeira humildade, pela abundância de meus dons, pois, quanto mais realizo grandes coisas nela, mais ela mergulha nas profundidades de sua indignidade pelo conhecimento de sua fragilidade; uma verdadeira bondade que a leva a desejar a salvação de todos os homens; uma verdadeira fidelidade, pela qual todos os seus bens me são oferecidos pela salvação do mundo; enfim, uma verdadeira caridade que a faz amar-me com fervor, com todo seu coração, toda sua alma e todas suas forças, e ao próximo como a si mesma por minha causa8 .

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Page 1: Santa Gertrudes

Santa GertrudesFilha dileta do Coração de Jesus

Tão ligada ao sobrenatural, mais parecia um anjo do Céu que uma criatura terrena. Viveu alheia às atrações mundanas e foi tida como “sustentáculo da religião”

Plinio Maria Solimeo

Pouca coisa se sabe da vida de Santa Gertrudes. Os cinco livros de suas revelações nos oferecem poucos dados sobre sua própria vida. Sabemos que nasceu pelo ano de 1256. Seus pais a colocaram como aluna das beneditinas de Rodesdorf quando tinha apenas cinco anos.

Era priora desse mosteiro outra Gertrudes, de Hackeborn. Muito piedosa e culta, esta priora, vendo a estupenda inteligência de sua homônima, incentivou-a muito não apenas na observância monástica, mas também nas atividades intelectuais que Santa Lioba e suas freiras anglo-saxãs haviam transmitido às suas fundações na Germânia.

A pequena Gertrudes encantava a todos. “Nessa alma, Deus reuniu o brilho e o frescor das mais belas flores à candura da inocência, de maneira que encantava todos os olhares como atraía todos os corações”, diz sua biógrafa e contemporânea1.

A educação de Gertrudes foi confiada à irmã da priora, Matilde, muito adiantada na via mística e na santidade. Esta procurava incutir nas almas de suas alunas o fogo do amor de Deus que devorava seu coração. E encontrou em Gertrudes um campo propício para isso. Assim, “conservando a pureza de coração durante os anos de sua infância e adolescência, e entregando-se com ardor aos estudos e artes liberais, [Gertrudes] foi preservada pelo Pai das misericórdias de todas as frivolidades que, com frequência, arrastam a mocidade”2.

Na conversão, recebe os estigmas de Cristo

Entretanto, em seu afã de passar das línguas para a retórica, e desta para a filosofia, ela diminuiu um tanto seu primitivo fervor. Foi quando, aos 26 anos de idade, depois de um mês de terrível provação, Nosso Senhor apareceu-lhe e fez-lhe compreender sua falta: “ Provaste a terra com meus inimigos e sugaste algumas gotas de mel entre os espinhos. Volta a mim, e te inebriarei na torrente de meu divino amor” 3. Explica a biógrafa: “Então Gertrudes compreendeu que tinha estado longe de Deus, em região desconhecida, quando, aplicando-se até esse dia aos estudos mundanos, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência espiritual e, devido a um apego muito forte aos encantos da sabedoria humana, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência espiritual”4. Nessa visão foram-lhe impressas, não de modo visível externamente, os sagrados estigmas de Cristo Senhor Nosso.

Após tais acontecimentos, que ela chama de “sua conversão”, entregou-se com ardor ao estudo da teologia escolástica e mística, da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, sobretudo de Santo Agostinho, São Gregório Magno, São Bernardo e Hugo de São Vítor.

No mosteiro ela não exercia outra função senão a de irmã-substituta da irmã-cantora, Santa Matilde. Apesar de sempre doente e lutando tenazmente contra suas paixões, atendia às inúmeras pessoas que a vinham consultar, “com citações dos livros sagrados empregadas tão a propósito, que não permitiam objeções”5. Para esclarecer seus consulentes escreveu em língua vernácula (as outras obras, escreveu-as em latim) alguns tratados, nos quais explicou passagens obscuras da Sagrada Escritura e transcreveu as mais belas sentenças dos Padres da Igreja. Infelizmente essas obras se perderam.

Sua biógrafa, que era uma de suas ardentes condiscípulas, afirma também que Gertrudes “era fortíssimo apoio da Religião, defensora tão zelosa da justiça e da verdade, que seria possível aplicar-lhe o que se diz do sumo sacerdote Simão no mesmo livro da Sabedoria: ‘Sustentou a casa durante sua vida’, isto é, foi o sustentáculo da Religião; ‘e em seus dias fortificou o templo’, no sentido de que, por seus exemplos e conselhos, fortificou o templo espiritual da devoção e excitou nas almas um maior fervor”6.

Pureza, humildade, bondade, fidelidade, caridade

Num ano em que o frio ameaçava os homens, animais e colheitas, durante a Missa Santa Gertrudes implorava a Deus que desse remédio a esses males. E teve a seguinte resposta: “Filha, hás de saber que todas tuas orações são ouvidas”. Ao que ela replicou: “Senhor, dai-me a prova desta bondade fazendo com que cessem os rigores do frio”. Ao sair da igreja, a santa notou que os caminhos estavam inundados pela água produzida pela neve derretida. O tempo favorável continuou, e começou mais cedo a primavera7.

Santa Gertrudes procurava esclarecer-se sobre suas visões, especialmente com Santa Matilde, que também era favorecida com aparições de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sobre as duas, tendo uma alma santa do mosteiro perguntado a Nosso Senhor “por que exaltava Gertrudes acima de todas e parecia não reparar em Matilde, Ele respondeu: ‘Eu faço grandes coisas nesta, mas as que faço e ainda farei naquela são bem maiores’”. E explicou o porquê dessa predileção: “Um amor todo gratuito me prende a ela, e é este mesmo amor que, por um dom especial, dispôs e conserva agora em sua alma cinco virtudes, em que me deleito: uma verdadeira pureza, pela influência contínua de minha graça; uma verdadeira humildade, pela abundância de meus dons, pois, quanto mais realizo grandes coisas nela, mais ela mergulha nas profundidades de sua indignidade pelo conhecimento de sua fragilidade; uma verdadeira bondade que a leva a desejar a salvação de todos os homens; uma verdadeira fidelidade, pela qual todos os seus bens me são oferecidos pela salvação do mundo; enfim, uma verdadeira caridade que a faz amar-me com fervor, com todo seu coração, toda sua alma e todas suas forças, e ao próximo como a si mesma por minha causa”8.

Devoção ao Sagrado Coração de Jesus

A Eucaristia era o centro da piedade de Gertrudes, que oferecia a Nosso Senhor todos seus atos e orações antes da comunhão, como preparação para acercar-se mais dignamente da Sagrada Mesa; e todos os que se seguiam à comunhão, como outros tantos atos de ação de graças pelo excelso benefício.

“Diz-se que Santa Gertrudes foi a santa da santa humanidade de Cristo, assim como Santa Catarina de Gênova o foi da divindade. Diz-se igualmente que Santa Gertrudes ensinou de maneira admirável a teologia da Encarnação, que foi a teóloga do Sagrado Coração, e que, se não foi escolhida para ser a apóstola do Sagrado Coração, foi ao mesmo tempo a amante radiosa, a poetisa delicada e a profetisa dessa devoção. Encarnação, misericórdia de Jesus e intimidade confiante com Ele, Sagrado Coração, tal é, com efeito, o domínio de Santa Gertrudes. A isso convém acrescentar a Eucaristia: poucos levaram avante a comunhão freqüente tanto quanto ela, e com um sentido tão justo das condições requeridas”9.

Page 2: Santa Gertrudes

Algumas das revelações de Nosso Senhor a Santa Gertrudes parecem preludiar as que faria quatro séculos depois a Santa Margarida Maria Alacocque sobre seu Sagrado Coração. Apresentou-lhe um dia, por exemplo, seu divino Coração sob a forma de um turíbulo de ouro, do qual subiam ao Pai Celeste tantas colunas de perfumado incenso quantas são as classes de homens pelas quais Ele deu a vida.

Santa Gertrudes assim fala de graças recebidas desse divino Coração: “Além desses favores, me admitistes ainda à incomparável familiaridade de vossa ternura, oferecendo-me a arca nobilíssima de vossa divindade, quer dizer, vosso Coração Sagrado, para que nele me deleite. Vós o destes a mim gratuitamente ou o trocastes pelo meu, como prova ainda mais evidente de vossa terna intimidade. Por esse Coração divino conheci vossos secretos juízos. Por ele me destes tão numerosos e doces testemunhos de vosso amor, que se não conhecesse vossa inefável condescendência, eu ficaria surpreendida ao ver-vos prodigalizá-los até mesmo à vossa amada Mãe, se bem que Ela seja a mais excelente criatura e reine convosco no Céu”10.

Santa Gertrudes havia escrito uma preparação para a morte, para proveito dos fiéis. Consistia em um retiro de cinco dias, o primeiro dos quais consagrado a considerar a última enfermidade; o segundo, a confissão; o terceiro, a unção dos enfermos; o quarto, a comunhão; e o quinto a dispor-se para a morte. Certamente ela se preparou desse modo para seu falecimento. Segundo a tradição, este deu-se pelo ano 1302 ou 1303, durante um de seus inumeráveis êxtases, provavelmente no dia 15 de novembro.

Santa Teresa de Ávila e São Francisco de Sales promoveram muito o culto a essa santa extraordinária, mas só em 1739 ele foi estendido à Igreja Universal11.

SANTA GERTRUDES DE HELFTA (1256-1302)

Santa Gertrudes de Helfta foi monja cisterciense e escritora mística, também conhecida como Gertrudes a Grande, ou Gertrudes a Magna. Das

origens de Gertrudes de Helfta só se conhece a data de nascimento: 6 de janeiro de 1256. O lugar parece ter sido Eisleben, e a familia é um enigma. O silêncio

a respeito resultou suspeito, e se há elaborado conjecturas como a procedência servil ou pobre; haver sido abandonada; ou ser filha ilegítima de algum nobre.

O que é seguro é que em sua familia existiam circunstâncias que na época não era adequado mencionar.

Com a idade de 5 anos ingressou no monasterio de Helfta. Sobre isto tão pouco hão ficado noticias, desconhecendo-se como chegou e se foi acolhida

exclusivamente como educanda, para ser formada na escola de meninas a cargo de Matilde de Hackeborn; ou como oblata, oferecida a Deus para converter-

se em monja.

Gertrudes iniciou sua aprendizagem monástica. Realizou o noviciado, professou e recebeu uma cuidada formação teológica, filosófica, literaria e musical. Sua

vida foi normal até os 25 anos, como uma monja a mais do monastério, dedicada à copia de manuscritos, a costura e aos labores agrícolas da horta

monastica. Não desempenhou cargos importantes, ou ao menos só se conhece que foi cantora segundo às ordens de Matilde de Hackeborn.

Em 27 de janeiro de 1281 teve sua primeira experiencia mística, que suporía uma profunda mudança em sua vida. Se tratou de uma visão de Cristo

adolescente, que lhe dizia: "Não temas, te salvarei, te livrarei... Volve-te a mim e eu te embriagarei com a torrente de meu divino regalo". A partir disto deixou

os estudos profanos e de literatura pelos estudos teológicos; e sua existência passou de ser rotineira a viver uma profunda experiencia mística.

Gertrudes viverá uma intensa vida mística em meio a vida comunitaria. Muitas vezes sofreu enfermidades, porém isto não a incapacitou para dedicar-se a

escrever diversas obras literárias entre as que se encontravam comentarios à Sagrada Escritura. Se perderam quase todas as suas obras, conservando-se só

três.

Memorial da abundancia da divina suavidade. Tem 24 capítulos. O gênero é semelhante às Confissões de Santo Agostinho. Recolhe a experiencia mística de

Gertrudes desde sua conversão até o ano 1190.

Dos materiais soltos escritos ou ditados por Gertrudes, assim como os recolhidos pelas monjas contemporaneas, surgiu a segunda obra. A autora que os

ordenou permanece no anonimato, e se chama a si mesma "redatora" (redactrix). A compilação se terminou pouco antes de morrer Gertrudes. Consta de cinco

livros. O primeiro é um panegírico da pessoa e atividade de Gertrudes de Helfta, obra da redatora. O segundo incorpora o Memorial exclusivamente. Os livros

terceiro, quarto e quinto recolhem os materiais de diversa procedência, que relatam as experiencias místicas de Gertrudes em torno às festas litúrgicas, assim

como as revelações recebidas sobre a morte e gloria de pessoas de sua volta.

Livro de orações composto integralmente por Gertrudes. A finalidade é reavivar o fervor religioso mediante a reflexão. São 7 exercicios, que respondem aos

momentos mais importantes da vida de uma monja: batismo, conversão, consagração virginal, profissão monástica, louvor divino e morte, entendida como

encontro com o divino Esposo.

Toda a obra de Gertrudes se organiza em torno à vida monástica, cujo centro é a Liturgia das Horas, a Eucaristia e a Lectio Divina. Sua espiritualidade é de

caráter cristocêntrico, destacando especialmente a imagem do Coração de Jesus, símbolo do amor divino. Suas obras, junto com a de Matilde de Hackeborn,

são um dos testemunhos mais antigos desta devoção. A presença da Virgem Maria também é importante, porém sua mariologia se integra por completo em

sua cristologia.

A respeito das virtudes, têm uma visão otimista e positiva, em chave de acolhida da graça divina e de progressiva união com Cristo, mais que como uma luta

contra os vicios e as paixões. Junto a isto desenvolve a ideia da suplência de Cristo, pela qual o amor de Jesus lhe leva a suprir e sanar com seus méritos e

virtudes a insuficiência do homem para salvar-se.

Page 3: Santa Gertrudes

Tudo isso entrega ao homem a liberdade de coração. Talvez este seja o ponto que mais chamou a atenção aos seus leitores. Gertrudes se sente

soberanamente livre confiando plenamente no amor e na misericordia de Cristo. Isso a fez ser otimista e intrépida, manifestándo-o por exemplo em sua prática

de comungar sempre que podia, algo impensavel para seu tempo, pelas orações, jejuns e exercicios necessários para preparar-se. A suplência de Cristo

sanava os esquecimentos a este respeito.

Seus escritos e espiritualidade passaram desapercebidos até 1536 em que os cartuxos de Colonia imprimem o Memorial. A aceitação e êxito foi enorme, e se

produziu toda uma corrente espiritual em torno a ela que se traduziu em reedições contínuas de seus escritos e numerosas biografias. Por tal êxito, e ao

desconhecer o apelido, começou a ser chamada Gertrudes a Grande, ou a Magna.

Gertrudes morreu em 17 de novembro de 1302, em Helfta, aos 45 anos de idade.

PENSAMENTOS DE SANTA GERTRUDES DE HELFTA

"Ó Amor, o ardor de tua divindade abriu-me o Coração dulcíssimo de Jesus! Ó Coração do qual mana toda doçura. Ó Coração transbordante de ternura. Ó

Coração repleto de caridade!"

"Beber desta fonte salvadora significa restituir a si a própria verdade, ofuscada pelo pecado, para recuperar a luminosidade da inteligência e do amor originais.

Quem faz tal experiência reencontra o próprio coração, recriado no amor de Deus"

"Ó Amor, mergulha meu espírito nas águas deste Coração melífluo, sepultando nas profundezas da divina misericórdia todo o peso da minha iniqüidade e da

minha negligência. Restitui-me, em Cristo, uma inteligência luminosa e um afeto puro, para que – através de ti – eu possa ter um coração imune,

desembaraçado e livre".

"Ó Senhor, desejo louvar-te e agradecer-te porque, apesar da minha indignidade, mantiveste tua transbordante ternura para comigo. Quero ainda louvar-te

porque alguns, ao ler estas páginas, poderão saborear na intimidade de seu ser as mais elevadas experiências. De fato, por meio do alfabeto, alcançam a

ciência da filosofia aqueles que querem estudar; similarmente, por meio de sinais que, na verdade, são apenas figuras retratadas, os leitores destas páginas

aprenderão a degustar dentro de si mesmos aquele maná escondido que não poderia ser associado a nenhuma mistura de imagens corpóreas, e de cujo

sabor somente quem já experimentou sentirá fome".

"Naquela mesma hora, quando minha memória ainda se ocupava devotamente com tais pensamentos, senti que me estava sendo divinamente concedido – a

mim, tão indigna que sou – aquilo mesmo que havia pedido na oração, isto é: no interior de meu coração, como sendo um lugar corpóreo, eu soube que tinham

sido impressos os sinais de tuas santíssimas chagas, dignas de respeito e adoração".

"Deus onipotente e Mestre generoso de todo bem, digna-te garantir-nos sempre este alimento enquanto caminhamos em nosso exílio, na espera de que –

contemplando com rosto descoberto a glória do Cristo – sejamos transformados à sua própria imagem, de luz em luz, como sob suavíssimo sopro".

"Durante uma pregação feita na capela por um frade, este dizia: 'O amor é um dardo de ouro. Se o homem o lança sobre qualquer outra pessoa, ele a possui

de algum modo. Seria, pois, loucura usar o amor para os bens terrestres, mas negligenciar os bens celestes'. Inflamada por tais palavras, Gertrudes disse ao

Senhor: 'Que me seja condedido este dardo! Então, sem esperar um segundo, eu me esforçaria para vos transpassar com ele, a Vós, único bem-amado de

minha alma, para ter-vos sempre comigo'. Ela ainda pronunciava tais palavras, quando viu o Senhor que a mirava com uma flecha áurea e lhe dizia: 'Tu

planejas ferir-me, caso possuísses uma flecha de ouro. Mas eis que sou eu quem a tenho! Desejo com ela transpassar-te de tal modo, que jamais poderás

sarar'".

"E era uma flecha com três curvaturas: no início, no meio e na extremidade. Assim se mostrava o tríplice efeito que esta flecha provocava na alma ferida.

Quando a primeira curvatura penetra na alma, sua ferida a torna semelhante a um enfermo, que sente somente desgosto pelos bens passageiros: não há coisa

alguma neste mundo que lhe assegure prazer nem consolação. A segunda, ao penetrar na alma, a faz parecer uma pessoa com alta febre que, exasperada

pela dor, reclama pelo remédio com extrema impaciência. Assim é a alma nesta situação: o desejo que possui é tão intenso que, sem conseguir dominá-lo nem

moderá-lo, arde por unir-se a Deus. E quando isto lhe parece impossível, se acaso ela não o experimenta, chega quase a perder o respiro. A terceira

curvatura, enfim, quando penetra na alma, a faz elevar-se a uma altura tão sublime que nenhum de nós pode imaginar. A tal ponto, que uma mínima descrição

deste estado nos faria dizer que a alma – como se fosse separada de seu corpo – estivesse toda mergulhada em delícias, nas torrentes do néctar da

divindade".

"Ó Fogo verdadeiro que tudo consome! Ó Fogo operante, cujo poder queima os vícios para manifestar à alma o suave vigor de tua unção! Só em ti nos é dada

a força que restaura, re-fomando nosso ser segundo a imagem e semelhança original".

"Eu recitava esta prece: 'Pelo vosso Coração transpassado, ó Senhor amantíssimo, dignai-vos transpassar meu coração com os dardos de vosso amor, para

que nada de terrestre nele pemaneça e que ele seja repleto unicamente da virtude de vossa divindade'. Tendo assim rezado, bem depressa percebi – através

de uma graça interior e de um sinal externo que vi surgir sobre o crucifixo – que minha prece havia chegado ao vosso Coração. Com efeito, depois de receber

o sacramento da vida, já de volta ao meu lugar, pareceu-me ver partir do lado direito do crucifixo que está impresso sobre meu livro algo como um raio de sol,

Page 4: Santa Gertrudes

cuja extremidade tinha forma de uma flecha. Este raio emanava vigorosamente em minha direção. Conteve-se por um instante, depois se lançou novamente e

permaneceu fixo, atraindo toda a minha afeição".

"Ainda que sabia eu que me achava no dormitorio, me parecia que me encontrava no lugar do coro aonde costumava fazer minhas tibias orações e ouvi estas

palavras 'eu te salvarei e te livrarei. Não Temas'. Quando o Senhor disse isto, extendeu sua mão mão fina e delicada até tocar a minha, como para confirmar

sua promessa e proseguiu: 'Has mordido o pó com meus inimigos e has tratado de extrair mel dos espinhos. Volve-te agora a Mim, e minhas delicias divinas

serão para ti como vinho'".

"Então vi na mão que pouco antes se me havía dado como prenda, as joias radiantes que anularam a pena de morte que havia sobre nós".

Santa Gertrudes, a Grande - Festejada 16 de novembro

A Abadia de Helfta

A famosa Abadia de Helfta foi fundada por Gertrudes de Hackeborn. Gertrudes pertencia à dinastia dos Hackeborn e era irmã de Santa Matilde de Hackeborn (¹).

Bem jovem entrara na abadia cisterciense de Roderdorf e foi eleita abadessa em 1251. Em 1253, fundou o convento de Hederleben com a ajuda de seus dois irmãos, Alberto e Luís, mas, como faltasse água ali, deram-lhe o Castelo de Helpeda (Helfta), próximo de Eisleben (moderna Alemanha) e as terras ao seu arredor. Em 1258 ela mudou-se para Helfta com toda a comunidade.

Durante o período em que Gertrudes foi abadessa, Helfta tornou-se famosa em todo o Sacro Império Romano-Germânico, devido às práticas de ascetismo de suas monjas, ao misticismo de algumas e da grande capacidade intelectual que abrilhantou a vida monástica feminina da Idade Média.

Gertrudes exigia que suas religiosas fossem educadas nas artes liberais, mas acima de tudo tivessem amplo conhecimento das Escrituras. Era considerada um modelo de abadessa, mais especialmente por sua conduta durante o ano de enfermidade que precedeu o seu falecimento.

Gertrudes de Hackeborn nunca escreveu, nem recebeu qualquer revelação de Deus, nem tão pouco foi canonizada. Não deve ser confundida com Santa Gertrudes, a Grande.

Gertrudes, a Grande

Page 5: Santa Gertrudes

É certo que Gertrudes era de uma família abastada, mas sabemos apenas que ela nasceu em Eisleben, Alemanha, no ano 1256. Não era de família nobre, como acreditaram alguns, confundindo-a com Gertrudes, a Abadessa de Helfta. Seus pais a colocaram como aluna das beneditinas de Roderdorf quando tinha apenas cinco anos.

Muito piedosa e culta, Gertrudes de Hackeborn vendo a estupenda inteligência de sua homônima, incentivou-a muito não apenas na observância monástica, mas também nas atividades intelectuais que Santa Lioba e suas freiras anglo-saxãs haviam transmitido às suas fundações na Germânia.

A pequena Gertrudes encantava a todos. “Nessa alma, Deus reuniu o brilho e o frescor das mais belas flores à candura da inocência, de maneira que encantava todos os olhares como atraía todos os corações”, diz sua biógrafa e contemporânea.

Como vimos acima, a comunidade transferiu-se para Helfta e a Abadia seguia na época a regra cisterciense. Para uma jovem de seu tempo, não era coisa tão comum, mas Gertrudes recebeu uma cultura universal e clássica. Estudou latim, filosofia e teologia; se comprazia com a leitura de Virgilio e Cícero, e a filosofia de Aristóteles.

A educação de Gertrudes foi confiada à irmã da priora, Matilde de Hackeborn, muito adiantada na via mística e na santidade. Esta procurava incutir nas almas de suas alunas o fogo do amor de Deus que devorava seu coração. E encontrou em Gertrudes um campo propício para isso.

A narração das experiências místicas de Matilde, Lux divinitatis, constitui um elegante texto poético. Por volta de 1290, Matilde tivera uma visão relacionada com a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Estas religiosas eram influências decisivas na vida interior de muitas jovens que delas se aproximavam, e certamente devem ter influenciado Gertrudes.

Em 27 de janeiro de 1281, depois de um mês de terrível provação, Nosso Senhor apareceu-lhe e fez-lhe compreender sua falta: “ Provaste a terra com meus inimigos e sugaste algumas gotas de mel entre os espinhos. Volta a mim, e te inebriarei na torrente de meu divino amor”. E, como dirá ela mesma, o Senhor "mais brilhante que toda luz, mais profundo do que qualquer segredo, docemente começou a aplacar aquela perturbação que havia entrado em meu coração".

Nessa visão, não de modo visível externamente, foram-lhe impressos os sagrados estigmas de Cristo Senhor Nosso, e em seguida foi agraciada com êxtases.

Após tais acontecimentos, que ela chama de “sua conversão”, entregou-se com ardor ao estudo da teologia escolástica e mística, da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, sobretudo de Santo Agostinho, São Gregório Magno, São Bernardo e Hugo de São Vítor.

No mosteiro ela não exercia outra função senão a de irmã-substituta da irmã-cantora, Santa Matilde. Apesar de sempre doente e lutando tenazmente contra suas paixões, atendia às inúmeras pessoas que a vinham consultar. Gertrudes desejaria viver na solidão, mas as notícias correm e pessoas chegam ao mosteiro para fazerem confidências, para interrogá-la, ou simplesmente para vê-la.

E esta contemplativa enferma tem momentos de assombrosa atividade no contato com as pessoas e no empenho em divulgar-lhes a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e o culto a São José. A outros mais distantes auxilia com seus escritos, a exemplo de Matilde, e o faz com elegância que é fruto de seus estudos. O empenho da adolescência e da juventude na disciplina escolástica preparara Gertrudes para ser uma apóstola do modo adequado ao seu tempo. E é uma precursora de Santa Teresa d'Ávila e de Santa Margarida Maria Alacoque.

Santa Gertrudes foi objeto das complacências divinas, como mais tarde haveria de ser Santa Margarida Maria Alacoque. Ambas penetraram no amor íntimo de Jesus, embora de maneira diversa.

Santa Gertrudes é a Santa da Humanidade de Jesus Cristo e a teóloga do Sagrado Coração. Ela vê o Coração Divino não com a coroa de espinhos e

Page 6: Santa Gertrudes

a cruz; não se sente chamada à vocação especial de vítima expiatória pelos pecados do mundo. A chaga do peito que Jesus lhe apresenta é uma porta dourada por onde ela entra. Como São João Evangelista, ela repousa sobre o peito de Jesus, onde seu Coração é para ela um banho de purificação, um asilo e um descanso.

Um dia Gertrudes não pôde assistir com as Irmãs uma conferência espiritual. Apareceu-lhe o Senhor e lhe disse: "Queres, minha queridíssima, que o sermão to faça Eu"? Ela aceitou e Jesus fez que ela descansasse sobre o seu Coração e ela ouviu duas pulsações: "Com estas duas pulsações opero Eu a salvação dos homens", disse-lhe Ele. A primeira pulsação servia para tornar o Pai propício aos pecadores, para lhes desculpar a malícia e movê-los à contrição; a segunda era um grito de alegria e congratulação pela eficácia do sangue de Jesus na salvação dos justos. Era um grito que atraía os bons para trabalharem constantemente na obra de sua perfeição.

Num ano em que o frio ameaçava os homens, animais e colheitas, durante a Missa Santa Gertrudes implorava a Deus que desse remédio a esses males. E teve a seguinte resposta: “Filha, hás de saber que todas tuas orações são ouvidas”. Ao que ela replicou: “Senhor, dai-me a prova desta bondade fazendo com que cessem os rigores do frio”. Ao sair da igreja, a santa notou que os caminhos estavam inundados pela água produzida pela neve derretida. O tempo favorável continuou, e começou mais cedo a primavera.

A fama de santidade acompanhava Gertrudes já em vida e perdurou no tempo. As suas obras, o Arauto da bondade divina e os sete Exercícios, em belíssima prosa latina, foram editadas no século XVI pelo cartuxo João Lamperge e foram logo traduzidas para várias línguas européias.

Os especialistas afirmam que os livros da Santa Gertrudes, junto com as obras de Santa Teresa d'Ávila e de Santa Catarina de Sena, são as obras mais úteis que uma mulher tenha dado à Igreja para alimentar a piedade das pessoas que se dedicam à vida contemplativa.

Santa Gertrudes havia escrito uma preparação para a morte, para proveito dos fiéis. Consistia em um retiro de cinco dias, o primeiro dos quais consagrado a considerar a última enfermidade; o segundo, a confissão; o terceiro, a unção dos enfermos; o quarto, a comunhão; e o quinto a dispor-se para a morte. Certamente ela se preparou desse modo para seu falecimento, que ocorreu no Mosteiro de Helfta, em 17 de novembro de 1302.

Gertrudes já era considerada santa no momento de sua morte; Clemente XII incluiu o seu ofício no Calendário Romano em 1677. Mas somente em 1739 o seu culto foi estendido à Igreja Universal.

Santa Teresa de Ávila e São Francisco de Sales promoveram muito o culto a essa santa extraordinária. Gertrudes é uma das padroeiras dos escritores católicos.

(¹) Santa Matilde de Hackeborn (ou de Helfta) – festa litúrgica 19 de novembro.

Esta Santa, junto com Santa Gertrudes, a Grande, é a glória do monaquismo e uma das maiores escritoras espirituais e místicas do Cristianismo.

Matilde nasceu em 1241, no Castelo de Helfta, e pertencia a uma das mais nobres e poderosas famílias da Turíngia, os Hackeborn, aparentada com o Imperador Frederico II. Com sete anos foi enviada para o mosteiro beneditino de Roderdorf para ser educada. Em 1258, quando sua irmã mais velha, Gertrudes, foi eleita abadessa da Abadia de Helfta, Matilde a seguiu. Três anos mais tarde ela ficou encarregada da direção de uma jovem monja, Gertrudes, que era alguns anos mais jovem do que ela.

Matilde foi mestra do coro. Tinha cinqüenta anos e estava doente. Sua irmã mais velha já havia falecido quando Matilde revelou o seu grande segredo: as maravilhas que a graça divina operava em sua alma, tudo o que Deus mostrava a ela. Duas Irmãs recolheram suas confidências e uma delas foi Santa Gertrudes, a Grande. Elas trabalharam de 1291 a 1298. Nasceu assim o Livro da Graça Especial, uma das mais belas e das mais célebres obras da literatura mística da Idade Média.

Como Santa Gertrudes, Santa Matilde é precursora da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, fonte do amor divino. Ela teve por este amor expressões de apaixonado lirismo. O renome de Matilde se espalhou.

No século XIV ela era célebre em Florença, pois os dominicanos tinham propagado o Livro da Graça. Dante, em seu Purgatório, menciona uma

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encantadora jovem, Matelda, que guarda o Paraíso terrestre, provavelmente inspirado pela cantora do amor divino.

Matilde faleceu em 19 de novembro de 1298 ou 1299.

Catequese de Bento XVI sobre Santa Gertrudes

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

Queridos irmãos e irmãs,

Santa Gertrudes, a Grande, sobre a qual desejo falar hoje, leva-nos também nesta semana ao mosteiro de Helfta, onde surgiram algumas das obras-primas da literatura religiosa feminina latino-alemã. A esse mundo pertence Gertrudes, uma das místicas mais famosas, única mulher da Alemanha a ter o apelativo de "Grande", devido à estatura cultural e evangélica: com a sua vida e seu pensamento incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã. É uma mulher excepcional, dotada de particulares talentos naturais e de extraordinários dons da graça, de profundíssima humildade e ardente zelo pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e de prontidão para socorrer os necessitados.

Em Helfta, confronta-se, por assim dizer, sistematicamente com a sua mestra Matilde de Hackeborn, da qual falei na Catequese da quarta-feira passada; entra em contato com Matilde de Magdeburgo, outra mística medieval; cresce sob o cuidado materno, doce e exigente, da Abadessa Gertrudes. Dessas três coirmãs surgem tesouros de experiência e sabedoria; processa-os em uma síntese própria, percorrendo o seu itinerário religioso com ilimitada confiança no Senhor. Expressa a riqueza da espiritualidade não somente do seu mundo monástico, mas também e sobretudo daquele bíblico, litúrgico, patrístico e beneditino, com um sinal personalíssimo e com grande eficácia comunicativa.

Nasce em 6 de janeiro de 1256, festa da Epifania, mas não se sabe nada nem sobre seus pais nem sobre o lugar de nascimento. Gertrudes escreve que o próprio Senhor revela-lhe o sentido desse seu primeiro desenraizamento. "Escolhi-a para minha morada porque me comprazo que tudo que há de amável em ti é obra minha [...]. Exatamente por essa razão eu a distanciei de todos os seus parentes, para que nenhum a amasse por razão de consanguinidade e eu fosse o único motivo de afeto que levasse consigo" (Le Rivelazioni, I, 16, Siena 1994, p. 76-77).

Na idade de cinco anos, em 1261, entra no mosteiro, como era comum naquela época, para a formação e o estudo. Aqui transcorre toda a sua existência, da qual ela mesma assinala as fases mais significativas. Nas suas memórias, recorda que o Senhor a protegeu com longânime paciência e infinita misericórdia, esquecendo os anos da infância, adolescência e juventude,

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transcorridos – escreve – "em tal cegueira de mente que eu teria sido capaz [...] de pensar, dizer ou fazer sem nenhum remorso tudo aquilo que me fosse aprazível e em qualquer lugar tivesse podido, se tu não me tivesses prevenido, seja com um inerente horror do mal e uma natural inclinação para o bem, seja com a vigilância externa dos outros. Teria me comportado como uma pagã [...] e isso graças por tendo tu desejado que desde a infância, a partir do meu quinto ano de idade, habitasse no santuário bendito da religião para ser educada entre os teus amigos mais devotos" (Ibid., II, 23, p. 140s).

Gertrudes é uma estudante extraordinária, aprende tudo o que se pode aprender das ciências do Trivio e Quadrivio, a formação daquele tempo; é fascinada pelo saber e se dedica ao estudo secular com ardor e tenacidade, conseguindo sucessos escolares para além de toda a expectativa. Se nada sabemos sobre as suas origens, muito ela nos diz sobre suas paixões juvenis: literatura, música e canto, arte da miniatura a capturam; tem um caráter forte, decidido, imediato, impulsivo; muitas vezes afirma ser negligente; reconhece os seus defeitos, dos quais pede humildemente perdão. Com humildade, pede conselho e orações pela sua conversão. São traços do seu temperamento e defeitos que a acompanharam até o fim, a ponto de surpreender algumas pessoas que se perguntavam por que o Senhor a preferia tanto.

De estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, por vinte anos, não acontece nada de excepcional: o estudo e a oração são a sua atividade principal. Devido aos seus dons, destaca-se entre as coirmãs; é tenaz no consolidar a sua cultura em variados campos. Mas, durante o Tempo do Advento de 1280, começa a sentir desgosto em tudo isso, sente vaidade e, em 27 de janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da Virgem, rumo à Hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas trevas. Com suavidade e doçura, acalma a preocupação que a angustia, preocupação que Gertrudes vê como um dom próprio de Deus "para abater aquela torre de vaidade, ai de mim, mesmo tendo o nome e hábito de religiosa, que eu estava elevando com a minha soberba, onde ao menos encontrastes a via para mostrar-me a tua salvação" (Ibid., II,1, p. 87). Tem a visão de um rapaz que a guia a superar o emaranhado de espinhos que oprime a sua alma, tomando-a pela mão. Naquela mão, Gertrudes reconhece "o traço precioso daquelas feridas que revogaram todos os atos de acusação de nossos inimigos" (Ibid., II,1, p. 89), reconhece Aquele que, sobre a Cruz, salvou-nos com o seu sangue, Jesus.

A partir daquele momento, a sua vida de comunhão íntima com o Senhor intensifica-se, sobretudo nos tempos litúrgicos mais significativos – Advento-Natal, Quaresma-Páscoa, festas da Virgem – também quando, doente, era impedida de unir-se ao coro. É o mesmo húmus litúrgico de Matilde, sua mestra, que Gertrudes, no entanto, descreve com imagens, símbolos e termos mais simples e lineares, mais realistas, com referências mais diretas à Bíblia, aos Padres, ao mundo beneditino.

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A sua biografia indica duas direções daquele que poderíamos definir como a sua particular "conversão": nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos seculares para aqueles teológicos, e na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente à vida de oração intensa, mística, com um excepcional ardor missionário. O Senhor, que a tinha escolhido desde o seio materno e desde pequena a tinha feito participar do banquete da vida monástica, a chama com a sua graça "das coisas externas à vida interior e das ocupações terrenas ao amor das coisas espirituais". Gertrudes compreende ter estado longe d'Ele, em razão da dessemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; ter se dedicado com muita avidez aos estudos livres, à sabedoria humana, descuidando das ciências espirituais, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; então é conduzida ao monte da contemplação, onde deixa o homem velho para revestir-se do novo. "Da gramática torna-se teóloga, com a inquebrantável e atenta leitura de todos os livros sagrados que podia ter ou procurar, preenchendo o seu coração das mais úteis e doces sentenças da Sagrada Escritura. Tinha, por isso, sempre pronta alguma palavra inspirada e de edificação com a qual satisfazer aqueles que vinham consultá-la, e reúne os textos bíblicos mais adequados para refutar qualquer opinião errada e silenciar seus opositores" (Ibid., I,1, p. 25).

Gertrudes transforma tudo isso em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo com amor e fidelidade à Igreja, a ponto de ser útil e apreciada por teólogos e pessoas piedosas . Dessa sua intensa atividade restaram-nos poucos registros, também devido aos acontecimentos que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além de Arauto do divino amor ou As revelações, restam-nos os Exercícios Espirituais, uma joia rara da literatura mística espiritual.

Na observância religiosa, a nossa Santa é "uma coluna forte [...], firmíssima defensora da justiça e da verdade" (Ibid., I, 1, p. 26), diz a sua biografia. Com as palavras e o exemplo, suscita nos outros grande fervor. Às orações e às penitências da regra monástica acrescenta outras com ainda maior devoção e abandono confiante em Deus, a ponto de suscitar em quem a encontra a consciência de estarem na presença do Senhor. E, de fato, Deus mesmo a faz compreender tê-la chamado a ser instrumento da sua graça. Desse imenso tesouro divino, Gertrudes sente-se indigna, confessa não tê-lo protegido e valorizado. Exclama: "Ai de mim! Se Tu me tivesses dado para tua recordação, indigna como sou, ainda que um fio somente de estopa, teria que guardá-lo com maior respeito e reverência que o que tive por esses teus dons!" (Ibid., II,5, p. 100). Mas, reconhecendo a sua pobreza e a sua indignidade, adere à vontade de Deus, "porque – afirma – tão pouco aproveitei das tuas graças que não posso vir a acreditar que tenham sido agraciadas para mim somente, não podendo a tua eterna sabedoria ser frustrada por alguém. Foi, pois, o Doador de todo o bem que me ofereceu gratuitamente dons tão imerecidos, para que, lendo este escrito, o coração de pelo menos um de seus amigos seja comovido pelo pensamento de que o zelo das almas levou a deixar por tanto tempo uma joia de valor tão inestimável em meio à lama abominável do meu coração" ( Ibid., II,5, p. 100s).

Em particular, dois favores lhe são caros mais que qualquer outro, como a própria Gertrudes escreve: "Os estigmas das tuas salutares chagas que me imprimistes, quase preciosas joias,

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no coração, e a profunda e salutar ferida de amor com que o assinalastes. Tu me inundastes com esses Teus dons de tamanha felicidade que, ainda que eu tivesse que viver milhares de anos sem qualquer consolação interna ou externa, a sua recordação seria suficiente para confortar-me, iluminar-me, encher-me de gratidão. Desejastes ainda introduzir-me na inestimável intimidade da tua amizade, abrindo-me de diversos modos aquele sacrário nobilíssimo da tua Divindade que é o teu Coração divino [...]. A esse acúmulo de benefícios, somastes aquele de dar-me por Advogada a santíssima Virgem Maria, Mãe Tua, e de ter-me frequentemente recomendado ao seu afeto como o mais fiel dos esposos poderia recomendar à sua mãe a sua esposa dileta" (Ibid., II, 23, p. 145).

Voltada para a comunhão sem fim, conclui a sua existência terrena em 17 de novembro de 1301 ou 1302, à idade de cerca de 45 anos. No sétimo Exercício, aquele da preparação à morte, Santa Gertrudes escreve: "Ó Jesus, tu que me és imensamente querido, estejas sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo sem divisão e o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal forma que o meu espírito, desprendido dos laços da carne, possa imediatamente encontrar repouso em ti. Amém" (Exercícios, Milano 2006, p. 148).

Parece-me óbvio que essas não são coisas do passado, históricas, mas a existência de Santa Gertrudes permanece uma escola de vida cristã, de caminho justo, e mostra-nos que o centro de uma vida feliz, de uma vida verdadeira, é a amizade com Jesus, o Senhor. E essa amizade aprende-se no amor pela Sagrada Escritura, no amor pela liturgia, na fé profunda, no amor por Maria, de modo a conhecer sempre mais realmente o próprio Deus e, assim, a verdadeira felicidade, a meta da nossa vida. Obrigado.

Catequese de Bento XVI sobre Santa Matilde de Hackeborn

Bollettino della Sala Stampa della Santa Sede(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

Queridos irmãos e irmãs,

hoje desejo falar-vos sobre Santa Matilde de Hackeborn, uma das grandes figuras do mosteiro de Helfta, que viveu no século XIII. A sua irmã Santa Gertrude a Grande, no VI livro da obra Liber specialis gratiae (O livro da graça especial), em que são narradas as graças especiais que Deus deu a Santa Matilde, assim afirma: "Isso que escrevemos é bem pouco em comparação àquilo que omitimos. Unicamente para a glória de Deus e utilidade do próximo publicamos estas coisas, porque parece-nos injusto manter o silêncio sobre tantas graças que Matilde

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recebeu de Deus não tanto por ela mesma, a nosso ver, mas para nós e para aqueles que virão depois de nós" (Mechthild von Hackeborn, Liber specialis gratiae, VI, 1).

Essa obra foi redigida por Santa Gertrude e uma outra coirmã de Helfta e tem uma história singular. Matilde, com a idade de cinquenta anos, atravessava uma grave crise espiritual, unida a sofrimentos físicos. Nesta condição, confidenciou a duas coirmãs amigas as graças singulares com que Deus a tinha guiado desde a infância, mas não sabia que elas anotavam tudo. Quando soube disso, ficou profundamenta angustiada e perturbada. O Senhor, no entanto, tranquilizou-a, fazendo-lhe compreender que tudo o que era escrito era para a glória de Deus e o proveito do próximo (cfr. ibid., II, 25; V,20). Assim, essa obra é a fonte principal para obter informações sobre a vida e espiritualidade da nossa Santa.

Com ela, somos introduzidos na família do Barão de Hackeborn, uma das mais nobres, ricas e poderosas da Turíngia, aparentada com o imperador Federico II, e entramos no mosteiro de Helfta no período mais glorioso da sua história. O Barão havia dado ao mosteiro uma filha, Gertrude de Hackeborn (1231/1232 - 1291/1292), dotada de uma forte personalidade, Abadessa por quarenta anos, capaz de dar uma impressão peculiar à espiritualidade do mosteiro, levando-o a um extraordinário florescer enquanto centro de mística e cultura, escola de formação científica e teológica. Gertrude ofereceu às monjas uma elevada instrução intelectual, que as permitia cultivar uma espiritualidade fundada sobre a Sagrada Escritura, sobre a Liturgia, sobre a tradição Patrística, sobre a Regra e espiritualidade cistercense, com particular predileção por São Bernardo de Claraval e Guglielmo de St-Thierry. Foi uma verdadeira mestra, exemplar em tudo, na radicalidade evangélica e no zelo apostólico. Matilde, desde a infância, recebeu e apreciou o clima espiritual e cultural criado por sua irmã, oferecendo depois a sua própria marca.

Matilde nasce em 1241 ou 1242 no castelo de Helfta; é a terceira filha do Barão. Aos sete anos, juntamente com sua mãe, visita a irmã Gertrude no mosteiro de Rodersdorf. É tão fascinada por aquele ambiente que deseja ardentemente fazer parte dele. Entra como educanda e, em 1258, torna-se monja no convento, transferindo-se, entretanto, para Helfta, na propriedade dos Hackeborn. Distingue-se pela humildade, fervor, amabilidade, limpidez e inocência de vida, familiaridade e intensidade com que vive o relacionamento com Deus, a Virgem, os Santos. É dotada de elevadas qualidades naturais e espirituais, entre as quais "a ciência, a inteligência, o conhecimento das coisas humanas, a voz de uma maravilhosa suavidade: tudo a tornava apta a ser para o mosteiro um tesouro, sobre todos os aspectos" (Ibid., Proêmio). Assim, "o rouxinol de Deus" – como era chamada – ainda muito jovem, torna-se diretora da escola do mosteiro, diretora do coro, mestre de noviças, serviços que desempenhou com talento e infatigável zelo, não somente para proveito das monjas, mas a todos desejava fazer chegar a sua sabedoria e bondade.

Iluminada pelo dom divino da contemplação mística, Matilde compõe numerosas orações. É

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mestra de fiel doutrina e de grande humildade, conselheira, consoladora, guia no discernimento: "Ela – lê-se – distribuía a doutrina com uma abundância que nunca havia se visto no mosteiro, e temos, ai de mim! grande temor, de que não se verá nunca mais nada semelhante. As irmãs reuniam-se em torno dela para sentir a palavra de Deus como junto de um pregador. Era o refúgio e a consoladora de todos, e tinha, por dom singular de Deus, a graça de revelar livremente os segredos do coração de cada um. Muitas pessoas, não somente no mosteiro, mas também estrangeiros, religiosos e seculares, vindos de longe, atestavam que essa santa virgem havia livrado-lhes das suas penas e que nunca tinham experimentado tanta consolação quanto junto dela. Compôs e também ensinou tantas orações que, se fossem reunidas, excederiam o volume de um saltério" (Ibid., VI,1).

Em 1261, chega ao convento uma menina de cinco anos, de nome Gertrude: é confiada aos cuidados de Matilde, com apenas vinte anos, que a educa e guia na vida espiritual até fazê-la não somente excelente discípulas, mas a sua confidente. Em 1271 ou 1272, entra no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. O lugar acolhe, assim, quatro grandes mulheres – duas Gertrude e duas Matilde –, glória do monaquismo germânico. Na longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde é afligida por contínuos e intensos sofrimentos, aos quais se juntam duríssimas penitências escolhidas para a conversão dos pecadores. Desse modo, participa da paixão do Senhor até o fim da vida (cfr. ibid., VI, 2). A oração e a contemplação são o húmus vital da sua existência: as revelações, os seus ensinamentos, o seu serviço ao próximo, o seu caminho na fé e no amor têm aqui as suas raízes e o seu contexto. No primeiro livro da obra Liber specialis gratiae, as redatoras recolhem as confidências de Matilde explicadas nas festas do Senhor, dos Santos e, de modo especial, da Beata Virgem. É impressionante a capacidade que essa Santa tem de viver a Liturgia nos seus vários componentes, também aqueles mais simples, levando-os à vida cotidiana monástica. Algumas imagens, expressões, aplicações às vezes estejam distantes da nossa sensibilidade, mas, se se considera a vida monástica e a sua missão de mestra e diretora do coro, colhe-se a sua singular capacidade de educadora e formadora, que ajuda as coirmãs a viver intensamente, partindo da Liturgia, todos os momentos da vida monástica.

Na oração litúrgica, Matilde dá particular relevância às horas canônicas, à celebração da Santa Missa, sobretudo a santa Comunhão. Aqui é frequentemente tomada em êxtase em uma intimidade profunda com o Senhor no seu ardentíssimo e dulcíssimo Coração, em um diálogo estupendo, no qual pede luzes interiores, enquanto intercede de modo especial pela sua comunidade e as suas coirmãs. Ao centro estão os mistérios de Cristo, com relação aos quais a Virgem Maria refere constantemente para caminhar sobre a via da santidade: "Se tu desejas a verdadeira santidade, estejas próxima ao meu Filho; Ele é a própria santidade que santifica todas as coisas" (Ibid., I,40). Nesta sua intimidade com Deus está presente o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores, os pecadores. Para ela, Céu e terra unem-se.

As suas visões, os seus ensinamentos, os acontecimentos da sua existência são descritos com expressões que evocam a linguagem litúrgica e bíblica. Compreende-se assim o seu profundo conhecimento da Sagrada Escritura, que era o seu pão cotidiano. A ela recorre continuamente, seja valorizando os textos bíblicos na liturgia, seja desenhando símbolos, termos, paisagens, imagens, personagens. A sua predileção é pelo Evangelho: "As palavras do Evangelho eram

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para ela um alimento maravilhoso e suscitavam no se coração sentimentos de tamanha doçura que frequentemente, pelo entusiasmo, não podia terminar a leitura [...] O modo com que lia aquelas palavras era tão fervoroso que em todos suscitava a devoção. Da mesma forma, quando cantava no coro, era toda absorvida em Deus, transportada por tal ardor que ás vezes manifestava os seus sentimentos com gestos [...] Outras vezes, como que tomada em êxtase, não sentia aqueles que a chamavam ou moviam e contrariada retomada o sentido das coisas exteriores" (Ibid., VI, 1). Em uma das visões, é Jesus mesmo a recomendar-lhe o Evangelho; abrindo-lhe a chaga do seu dulcíssimo Coração, diz-lhe: "Considera quanto imenso seja o meu amor: se desejas conhecê-lo bem, em nenhum lugar o encontrarás expresso mais claramente que no evangelho. Ninguém nunca ouviu falar de sentimentos mais fortes e macios quanto estes: Como o Pai me amou, assim também eu vos amei (Jo 15, 9)" (Ibid., I,22).

Queridos amigos, a oração pessoal e litúrgica, especialmente a Liturgia das Horas e a Santa Missa são as raízes da experiência espiritual de Santa Matilde de Hackeborn. Deixando-se guiar pela sagrada Escritura e nutrir pelo Pão eucarístico, Ela percorreu um caminho de íntima união com o Senhor, sempre na plena fidelidade à Igreja. É isso também para nós um forte convite a intensificar a nossa amizade como Senhor, sobretudo através da oração cotidiana e da participação atenta, fiel e atrativa na Santa Missa. A Liturgia é uma grande escola de espiritualidade

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A discípula Gertrude descreve com expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde di Hackeborn, duríssimos, mas iluminados pela presença da Santíssima Trindade, do Senhor, da Virgem Maria, de todos os Santos, também da irmã de sangue Gertrude. Quando chegou a hora em que o Senhor desejou levá-la para Si, ela Lhe pede ainda poder viver no sofrimento pela salvação das almas e Jesus se compraz deste ulterior sinal de amor.

Matilde tinha 58 anos. Percorreu o último trecho da estrada caracterizado por oito anos de graves doenças. A sua obra e a sua fama de santidade difundiram-se amplamente. Ao chegar a sua hora, "o Deus de Majestade [...] única sua vida da alma que O ama [...] cantou-Lhe: Venite vos, benedicti Patris mei [...] Vinde, ó vós, que sois benditos do meu Pai, vinde receber o meu reino […] e a associou à sua glória" (Ibid., VI,8).

Santa Matilde de Hackeborn confia-nos ao Sagrado Coração de Jesus e à Virgem Maria. Convida a louvar o Filho com o Coração da Mãe e a louvar Maria com o Coração do Filho: "Saúdo-vos, ó Virgem veneradíssima, naquele dulcíssimo orvalho, que do Coração da Santíssima Trindade difunde-se em vós; saúdo-vos na glória e na alegria com que agora vos alegrais na eternidade, vós que, preferida entre todas as criaturas da terra e do céu, fostes eleita ainda antes da criação do mundo! Amém" (Ibid., I, 45).

Catequese de Bento XVI sobre Santa Hildegarda (parte 1)

Queridos irmãos e irmãs,

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em 1998, por ocasião do Ano Mariano, o Venerável João Paulo II escreveu uma Carta Apostólica intitulada Mulieris dignitatem, tratando do papel precioso que as mulheres desenvolveram e desenvolvem na vida da Igreja. "A Igreja – ali se lê –agradece todas as manifestações do 'gênio' feminino surgidas no curso da história, no meio de todos os povos e Nações; agradece todos os carismas que o Espírito Santo concede às mulheres na história do Povo de Deus, todas as vitórias que deve à fé, à esperança e caridade das mesmas: agradece todos os frutos de santidade feminina" (n. 31).

Também naqueles séculos da história que nós habitualmente chamamos de Medievo, diversas figuras femininas destacaram-se pela santidade da vida e a riqueza do ensinamento. Hoje, desejo começar a apresentar-vos uma dessas: santa Hildegarda di Bingen, que viveu na Alemanha, durante o século XII. Nasceu em 1098, na Renânia, em Bermershein, nas proximidades de Alzey, e morreu em 1179, com 81 anos, não obstante a permanente fragilidade da sua saúde. Hildegarda pertencia a uma família nobre e numerosa e, desde seu nascimento, foi dedicada por seus pais ao serviço de Deus. Aos oito anos, para receber uma adequada formação humana e cristã, foi confiada aos cuidados da professora Giuditta de Spanheim, que havia abandonado a clausura do mosteiro beneditino de São Disibodo. Ia formar um pequeno mosteiro feminino de clausura, que seguia a Regra de São Bento. Hildegarda recebeu o véu do Bispo Ottone di Bamberga e, em 1136, com a morte da Madre Giuditta, então Superiora da comunidade, as irmãs a chamaram para lhe suceder. Desenvolve essa missão explorando suas habilidades de mulher culta, espiritualmente elevada e capaz de afrontar com competência os aspectos organizativos da vida claustral. Alguns anos depois, também devido ao número crescente de jovens mulheres que batiam às portas do mosteiro, Hildegarda fundou outra comunidade, em Bingen, dedicada a São Ruperto, onde transcorre o resto da vida. O estilo com que exercia o ministério da autoridade é exemplar para toda a comunidade religiosa: isso suscitava uma santa emulação na prática do bem, tanto que, como é evidente a partir de testemunhos da época, a madre e as filhas competiam no estimar-se e no servir umas às outras.

Já nos anos em que era superiora do mosteiro de São Disibodo, Hildegarda tinha começado a ditar as visões místicas, que recebia há tempos, ao seu conselheiro espiritual, o monge Volmar, e à sua secretária, uma irmã a que era muito afeiçoada, Richardis di Strade. Como sempre acontece na vida dos verdadeiros místicos, também Hildegarda desejou submeter-se à autoridade de pessoas sábias para discernir a origem das suas visões, temendo que fossem fruto de ilusões e que não viessem de Deus. Destinou-se, por isso, à pessoa que, nos seus tempos, gozava de máxima estima na Igreja: São Bernardo de Claraval, do qual já falei em algumas Catequeses. Ele tranquilizou e encorajou Hildegarda. Mas, em 1147, ela recebeu outra aprovação importantíssima. O Papa Eugenio III, que presidia um sínodo em Treviri, leu um texto ditado por Hildegarda, apresentando-lhe ao Arcebispo Enrico di Magonza. O Papa autorizou a mística a escrever as suas visões e a falar em público. A partir daquele momento, o prestígio espiritual de Hildegarda cresceu sempre mais, tanto que seus contemporâneos lhe atribuíram o título de "profetiza teutônica". É isto, queridos amigos, o selo de uma experiência autêntica do espírito Santo, fonte de todo o carisma: a pessoa depositária de dons sobrenaturais nunca se orgulha, não os ostenta e, sobretudo, mostra total obediência autoridade eclesial. Todo o dom distribuído pelo Espírito Santo, de fato, é destinado à edificação da Igreja, e a Igreja, através de seus pastores, reconhece sua autenticidade.

Falarei novamente, na próxima quarta-feira, sobre esta grande mulher "profetiza", que fala com grande atualidade também hoje a nós, com a sua corajosa capacidade de discernir os sinais dos tempos, com o seu amor pela criação, a sua medicina, a sua poesia, a sua música, que hoje é reconstruída, o seu amor por Cristo e pela Sua Igreja, sofredora também naquele tempo, ferida também naquele tempo pelos pecados dos padres e dos leigos, e tanto mais amada como corpo de Cristo. Assim, Santa Hildegarda fala a nós; conversaremos novamente na próxima quarta-feira. Obrigado pela vossa atenção.

Catequese de Bento XVI sobre Santa Hildegarda (parte 2)

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Queridos irmãos e irmãs,

hoje, desejo retomar e continuar a reflexão sobre Santa Hildegarda di Bingen, importante figura feminina da Idade Média, que se distinguiu pela sabedoria espiritual e santidade de vida. As visões místicas de Hildegarda assemelham-se às dos profetas do Antigo Testamento: expressando-se com as categorias culturais e religiosas de sua época, interpretava à luz de Deus as Sagradas Escrituras, aplicando-as às várias circunstâncias da vida. Assim, todos aqueles que a ouviam se sentiam encorajados a praticar um estilo de vida cristã coerente e comprometido. Em uma carta a São Bernardo, a mística renana confessa: "A visão encanta todo o meu ser: não vejo com os olhos corporais, mas me aparece no espírito dos mistérios... Conheço o significado profundo do que é exposto no Saltério, nos Evangelhos e nos outros livros, que me são mostrados em visão. Ela queima como uma chama em meu coração e na minha alma, e me ensina a compreender profundamente o texto" (Epistolarium pars prima I-XC: CCCM 91).

As visões místicas de Hildegarda são ricas de conteúdos teológicos. Fazem referência aos principais eventos da história da salvação, e valem-se de uma linguagem principalmente poética e simbólica. Por exemplo, na sua obra mais famosa, intitulada Scivias, ou seja, "Conhece as vias", ela resume em trinta e cinco visões os acontecimentos da história da salvação, da criação do mundo ao fim dos tempos. Com os traços característicos da sensibilidade feminina, Hildegarda, exatamente na seção central da sua obra, desenvolve o tema do matrimônio místico entre Deus e a humanidade realizado na Encarnação. Sobre o lenho da Cruz, realizam-se as núpcias do Filho de Deus com a Igreja, sua esposa, cheia de graça e tornada capaz de dar a Deus novos filhos, no amor do Espírito Santo (cf. Visio tertia: PL 197, 453c).

Já a partir dessas breves considerações, vemos como também a teologia pode receber uma contribuição especial das mulheres, porque são capazes de falar de Deus e dos mistérios da fé com a sua peculiar inteligência e sensibilidade. Encorajo, por isso, todas aquelas que desenvolvem esse serviço a fazê-lo com profundo espírito eclesial, alimentando a sua reflexão com a oração e olhando a grande riqueza, ainda em parte inexplorada, da tradição mística medieval, especialmente aquela representada por modelos luminosos, como Hildegarda di Bingen.

A mística renana é autora também de outros escritos, dois dos quais particularmente importantes porque reportam, como o Scivias, as suas visões místicas: são o Liber vitae meritorum (Livro dos méritos da vida) e o Liber divinorum operum (Livro das obras divinas), denominado também De operatione Dei. No primeiro, é descrita uma única e poderosa visão de Deus que vivifica o cosmo com sua força e luz. Hildegarda enfatiza a profunda relação entre o homem e Deus e nos recorda que toda a criação, da qual o homem é o vértice, recebe vida da Trindade. O escrito é centrado sobre a relação entre virtudes e vícios, a partir da qual o ser humano deve enfrentar cotidianamente o desafio dos vícios, que o afastam do caminho rumo a Deus e das virtudes, que o favorecem. O convite é para afastar-se do mal e glorificar a Deus e para entrar, depois de uma existência virtuosa, na vida de "toda a alegria". Na segunda obra, considerada por muitos a sua obra-prima, descreve ainda a criação na sua relação com Deus e a centralidade do homem, manifestando um forte cristocentrismo de sabor bíblico-patrístico. A Santa, que apresenta cinco visões inspiradas no Prólogo do Evangelho de São João, reporta as palavras que o Filho dirige ao Pai: "Toda a obra que tu desejaste e que me confiou, eu a levei a bom termo, e eis que eu estou em ti, e tu em mim, e que nós somos um" (Pars III, Visio X: PL 197, 1025a).

Em outros escritos, enfim, Hildegarda manifesta a versatilidade de interesses e a vivacidade cultural dos mosteiros femininos da Idade Média, ao contrário dos preconceitos que ainda pesam sobre aquela época. Hildegarda ocupou-se de medicina e ciências naturais, assim como música, sendo dotada de talento artístico. Compôs também hinos, antífonas e cantos, recolhidos sob o título Symphonia Harmoniae Caelestium Revelationum (Sinfonia da Harmonia das Revelações celestes), que eram alegremente executados nos seus mosteiros, espalhando um clima de serenidade, e que chegaram também a nós. Para ela, toda a criação é uma sinfonia do Espírito Santo, que é em si mesmo alegria e júbilo.

A popularidade de que Hildegarda foi circundada incitava muitas pessoas a questioná-la. Por esse motivo, dispomos de muitas de suas cartas. A ela procuravam comunidades monásticas de homens e mulheres, bispos e abades. Muitas respostas ainda são válidas para nós. Por exemplo, a uma comunidade religiosa feminina Hildegarda escreveu assim: "A vida espiritual deve ser cuidada com grande dedicação. No início, o trabalho é amargo. Por isso, exige a renúncia ao prazer da carne e a outras coisas semelhantes. Mas, se se deixa fascinar pela santidade, uma alma santa perceberá como doce e amável

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exatamente o desprezo pelo mundo. É preciso inteligentemente certificar-se de que a alma não envelheça" (E. Gronau, Hildegard. Vita di una donna profetica alle origini dell’età moderna, Milano 1996, p. 402). E, quando o Imperador Federico Barbarossa causou um cisma na Igreja, opondo três anti-papas ao Papa legítimo Alexandre III, Hildegarda, inspirada por suas visões, não hesitou em lhe recordar que também ele, o imperador, era sujeito ao juízo de Deus. Com a audácia  que caracteriza todo o profeta, ela escreveu ao Imperador estas palavras da parte de Deus: "Ai, ai desta má conduta dos ímpios que me desprezam! Ouvi, ó rei, se deseja viver! Caso contrário, minha espada te traspassará!" (Ibid., p. 412).

Com a autoridade espiritual de que era dotada, nos últimos anos de sua vida, Hildegarda começou a viajar, apesar de sua idade avançada e das condições inconvenientes da viagem, para falar de Deus às pessoas. Todos a ouviam com prazer, mesmo quando usava um tom severo: a consideravam uma mensageira enviada por Deus. Recordava, sobretudo às comunidades monásticas e ao clero, o chamado a uma vida em conformidade com sua vocação. De modo particular, Hildegarda opôs-se ao movimento dos cátaros alemães. Eles – cátaros literalmente significa "puros" - defendiam uma reforma radical da Igreja, especialmente para combater os abusos do clero. Ela repreendeu-os por querer subverter a natureza mesma da Igreja, lembrando-lhes que a verdadeira renovação da comunidade eclesial não se obtém tanto com a mudança de estruturas, mas com um sincero espírito de penitência e um caminho ativo de conversão. Essa é uma mensagem que nunca devemos esquecer.

Invoquemos sempre o Espírito Santo, a fim de suscitar na Igreja mulheres santas e corajosas, como Santa Hildegarda di Bingen, que, valorizando os dons recebidos de Deus, deem a sua preciosa e peculiar contribuição para o crescimento espiritual das nossas comunidades e da Igreja em nosso tempo.

Catequese de Bento XVI sobre Santa Catarina de Gênova

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

Queridos irmãos e irmãs,

hoje, desejo falar-vos de outra Santa que leva o nome de Catarina, após Catarina de Sena e Catarina de Bolonha; falo de Catarina de Gênova, conhecida sobretudo por sua visão do purgatório. O texto que descreve sua vida e pensamento foi publicado na cidade liguresa em 1551; é dividido em três partes: a Vida propriamente dita, a Dimostratione et dechiaratione del purgatorio [Demonstração e declaração do purgatório] – mais conhecida como Trattato - e o Dialogo tra l’anima e il corpo [Diálogo entre a alma e o corpo]. O autor final foi o confessor de Catarina, o sacerdote Cattaneo Marabotto.

Catarina nasceu em Gênova, em 1447; última de cinco filhos, ficou órfã do pai, Giacomo Fieschi, quando ainda era pequena. A mãe, Francesca di Negro, deu-lhe uma válida educação cristã, tanto que a maior das duas filhas tornou-se religiosa. Aos dezesseis anos, Catarina foi prometida em casamento a Giuliano Adorno, um homem que, após várias experiências comerciais e militares no Oriente Médio, havia retornado a Gênova para se casar. A vida matrimonial não foi fácil, também pelo caráter do marido, inclinado aos jogos de azar. A própria Catarina foi induzida inicialmente a cultivar um tipo de vida mundana, na qual, contudo, não chegou a encontrar serenidade. Após dez anos, no seu coração havia um sentimento de profundo vazio e amargura.

A conversão iniciou em 20 de março de 1473, graças a uma experiência singular. Foi para a Igreja de São Bento e ao Mosteiro de Nossa Senhora das Graças, para confessar-se, e, ajoelhando-se diante do sacerdote, "recebeu – como ela mesma escreve – uma ferida no coração, de um imenso amor de Deus", com uma visão tão clara de suas misérias e de seus defeitos e, ao mesmo tempo, da bondade de Deus, que quase desmaia. Foi tocada no coração por essa consciência de si mesma, da vida vazia que levava e da bondade de Deus. Dessa experiência nasce a decisão que orientou toda a sua vida, expressa nas palavras: “Não mais o mundo, não mais pecados" (cf. Vita mirabile, 3rv). Catarina, em seguida, fugiu, deixando em aberto a Confissão. De volta à casa, entrou no quarto mais escondido e chorou longamente.

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Naquele momento, foi instruída interiormente sobre a oração e teve consciência do imenso amor de Deus pelos pecadores, uma experiência espiritual que não conseguiu expressar em palavras (cf. Vita mirabile, 4r). É nessa ocasião que lhe aparece Jesus sofredor, carregando a cruz, como frequentemente é representado na iconografia da Santa. Poucos dias depois, retornou ao sacerdote para fazer finalmente uma boa Confissão. Começou aqui aquela "vida de purificação" que, por muito tempo, a fez experimentar uma constante dor pelos pecados cometidos e a levou a impor-se penitências e sacrifícios para mostrar a Deus o seu amor.

Nesse caminho, Catarina foi aproximando-se sempre mais do Senhor, até entrar naquela que é chamada "vida unitiva", um relacionamento, isto é, de união profunda com Deus. Na Vita, é descrito que a sua alma era guiada e domesticada interiormente somente pelo doce amor de Deus, que lhe dava tudo aquilo de que tinha necessidade. Catarina abandonou-se de modo tão absoluto nas mãos do Senhor a ponto de viver, por cerca de vinte e cinco anos – como ela escreve – "sem mediação de nenhuma criatura, sendo somente por Deus instruída e governada" (Vita, 117r-118r), alimentada sobretudo pela oração constante e pela Santa Comunhão, recebida diariamente, algo que não era comum no seu tempo. Somente muitos anos mais tarde o Senhor lhe deu um sacerdote que cuidasse de sua alma.

Catarina sempre foi relutante no confidenciar e manifestar a sua experiência de comunhão mística com Deus, sobretudo pela profunda humildade que experimentava frente às graças do Senhor. Somente a perspectiva de dar-Lhe glória e poder beneficiar o caminho espiritual de outros a levou a narrar aquilo que aconteceu com ela, a partir do momento da sua conversão, que é a sua experiência originária e fundamental. O local da sua ascensão aos vértices místicos foi o hospital de Pammatone, o maior complexo hospitalar genovês, do qual foi diretora e animadora. Ali, Catarina vive uma existência totalmente ativa, apesar dessa profundidade de sua vida interior. Em Pammatone, vai-se formando em torno a ela um grupo de seguidores, discípulos e colaboradores, fascinados por sua vida de fé e por sua caridade. O próprio marido, Giuliano Adorno, ali foi conquistado a deixar a sua vida dissipada, tornando-se terciário franciscano e transferindo-se ao hospital para dar o seu auxílio à mulher. O empenho de Catarina na cura dos doentes segue até o fim de seu caminho terreno, em 15 de setembro de 1510. Da conversão à morte não houve eventos extraordinários, mas dois elementos caracterizaram toda a sua existência: de um lado, a experiência mística, isto é, a profunda união com Deus, sentida como uma união esponsal, e, de outro, a assistência aos doentes, a organização do hospital, o serviço ao próximo, especialmente os mais necessitados e abandonados. Esses dois pólos – Deus e o próximo – preencheram totalmente a sua vida, transcorrida praticamente no interior dos muros do hospital.

Queridos amigos, não devemos nunca esquecer que, quanto mais amamos a Deus e somos constantes na oração, tanto mais conseguiremos amar verdadeiramente quem está ao nosso redor, quem nos é próximo, porque seremos capazes de ver em toda a pessoa o rosto do Senhor, que ama sem limites e distinções. A mística não cria distância com o outro, não cria uma vida abstrata, mas, mais que tudo, aproxima do outro, porque se começa a ver e agir com os olhos, com o coração de Deus.

O pensamento de Catarina sobre o purgatório, pelo qual é particularmente conhecida, é

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condensado nas últimas duas partes do livro citado no início: o Trattato sobre o purgatório e o Dialogo tra l’anima e il corpo [Diálogo entre a alma e o corpo]. É importante observar que Catarina, na sua experiência mística, nunca teve revelações específicas sobre o purgatório ou sobre almas que ali estão se purificando. Todavia, nos escritos inspirados de nossa Santa, é um elemento central e o modo de descrevê-lo tem características originais com relação à sua época. O primeiro traço original diz respeito ao "lugar" da purificação das almas. Em seu tempo, era representado principalmente com o recurso a imagens ligadas ao espaço: pensava-se em um certo espaço, onde se encontraria o purgatório. Em Catarina, ao contrário, o purgatório não é apresentado como um elemento de paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Esse é o purgatório, um fogo interior. A Santa fala do caminho de purificação da alma rumo à comunhão plena com Deus, partindo da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em contraste com o infinito amor de Deus (cf. Vita mirabile, 171v). Sentimos no momento da conversão, onde Catarina sente de repente a bondade de Deus, a distância infinita da sua vida dessa bondade e um fogo queimando dentro de si mesma. E esse é o fogo que purifica, é o fogo interior do purgatório. Também aqui há um traço original com relação ao pensamento daquele tempo. Não se parte, de fato, do além para contar os tormentos do purgatório – como era usual naquele tempo e talvez ainda hoje – e depois indicar a via para a purificação ou a conversão, mas a nossa Santa parte da experiência exatamente interior da sua vida em caminho rumo à eternidade. A alma – diz Catarina – apresenta-se a Deus ainda ligada aos desejos e às penas que derivam do pecado, e isso torna impossível gozar da visão beatífica de Deus. Catarina afirma que Deus é tão puro e santo que a alma com as manchas do pecado não pode encontrar-se na presença da divina majestade (cf. Vita mirabile, 177r). E também nós sentimos o quanto estamos distantes, o quanto estamos cheios de tantas coisas, a ponto de não poder ver a Deus. A alma é consciente do imenso amor e da perfeita justiça de Deus e, por consequência, sofre por não ter respondido de modo correto e perfeito a tal amor, e exatamente o próprio amor a Deus torna-se chama, o amor mesmo a purifica das suas escórias do pecado.

Em Catarina, vemos a presença de fontes teológicas e místicas às quais era normal chegar em sua época. Em particular, encontra-se uma imagem típica de Dionísio, o Areopagita, aquela, qual seja, do fio de ouro que vincula o coração humano com Deus mesmo. Quando Deus purificou o homem, ele o liga com um sutilíssimo fio de ouro, que é o seu amor, e o atrai a si com um afeto tão forte que o homem fica como "superado e vencido e tudo foge de si". Assim, o coração do homem é invadido pelo amor de Deus, que se torna o único guia, o único motor da sua existência (cf. Vita mirabile, 246rv). Essa situação de elevação a Deus e de abandono à sua vontade, expressa na imagem do fio, é utilizada por Catarina para expressar a ação da luz divina sobre as almas do purgatório, luz que as purifica e eleva aos esplendores dos raios fulgurantes de Deus (cf. Vita mirabile, 179r).

Queridos amigos, os Santos, na sua experiência de união com Deus, alcançam um "saber" tão profundo dos mistérios divinos, no qual amor e conhecimento se compenetram, que são auxílio aos próprios teólogos no seu empenho de estudo, de intelligentia fidei, de intelligentia dos mistérios da fé, de aprofundamento real dos mistérios, por exemplo, de o que seja o purgatório.

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Com a sua vida, santa Catarina ensina-nos que quanto mais amamos a Deus e entramos em intimidade com Ele na oração, tanto mais Ele se faz conhecer e acende o nosso coração com o seu amor. Escrevendo sobre o purgatório, a Santa recorda-nos uma verdade fundamental da fé que se torna, para nós, convite a rezar pelos defuntos, a fim de que possam chegar à visão beatífica de Deus na comunhão dos santos (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1032). O serviço humilde, fiel e generoso que a Santa prestou por toda a sua vida no hospital de Pammatone, pois, é um luminoso exemplo de caridade para todos e um encorajamento especialmente para as mulheres que dão uma contribuição fundamental à sociedade e à Igreja com a sua obra preciosa, enriquecida pela sua sensibilidade e atenção com os mais pobres e mais necessitados. Obrigado.

Catequese de Bento XVI sobre Santa Catarina de Bolonha

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

Arquivo

O corpo incorrupto de Santa Catarina de Bolonha, preservado na capela do mosteiro de Corpus Domini

Queridos irmãos e irmãs,

em uma recente Catequese, falei sobre Santa Catarina de Sena. Hoje, desejo apresentar-vos uma outra Santa, menos conhecida, que leva o mesmo nome: Santa Catarina de Bolonha, mulher de vasta cultura, mas muito humilde; dedicada à oração, mas sempre pronta a servir; generosa no sacrifício, mas cheia de alegria para acolher com Cristo a cruz.

Nasceu em Bolonha em 8 de setembro de 1413, primogênita de Benvenuta Mammolini e de

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Giovanni de' Vigri, patrício ferrarês rico e culto, Doutro em Leis e público Leitor em Pádua, onde desenvolvia atividade diplomática para Niccolò III d'Este, marquês de Ferrara. As notícias sobre a infância de Catarina são escassas e não todas seguras. Enquanto criança, vive em Bolonha, na casa dos avós; ali é educada pelos parentes, sobretudo pela mamãe, mulher de grande fé. Transfere-se com ela para Ferrara quanto tinha cerca de dez anos e entra para a corte de Niccolò III d'Este como dama de honra de Margherita, filha natural de Niccolò. O marquês está transformando Ferrara em uma esplêndida cidade, chamando artistas e letrados de vários Países. Promove a cultura e, ainda que conduza uma vida privada não exemplar, cuida muito do bem espiritual, da conduta moral e educação dos súditos.

Em Ferrara, Catarina não experimenta dos aspectos negativos que comportava frequentemente a vida de corte; goza da amizade de Margherita e torna-se sua confidente; enriquece a sua cultura: estuda música, pintura, dança; aprende a escrever poemas, composições literárias, tocar viola; torna-se especialista na arte da miniatura e da cópia; aperfeiçoa o estudo do latim. Na vida monástica futura valorizará muito o patrimônio artístico e cultural adquirido nesses anos. Aprende com facilidade, paixão e tenacidade; mostra grande prudência, singular modéstia, graça e gentileza no comportamento. Uma característica, no entanto, a distingue de modo absolutamente claro: o seu espírito constantemente voltado às coisas do Céu. Em 1427, com somente quatorze anos, também após alguns eventos familiares, Catarina decide deixar a corte, para unir-se a um grupo de jovens mulheres provenientes de famílias nobres que viviam em comum, consagrando-se a Deus. A mãe, com fé, consente, ainda que tivesse outros projetos para ela.

Não conhecemos o caminho espiritual de Catarina antes dessa primeira escolha. Falando em terceira pessoa, ela afirma que entrou no serviço de Deus "iluminada pela graça divina [...] com reta consciência e grande fervor", passa noite e dia em santa oração, comprometendo-se em conquistar todas as virtudes que via nos outros, "não por inveja, mas para mais agradar a Deus, em quem tinha posto o seu amor" (Le sette armi spirituali, VII, 8, Bologna 1998, p. 12). Notáveis são os seus progressos espirituais nesta nova fase da vida, mas grandes e terríveis são também as provações, os sofrimentos interiores, sobretudo as tentações do demônio. Atravessa uma profunda crise espiritual até o limiar do desespero (cf. ibid., VII, p. 12-29). Vive na noite do espírito, percorrida também pela tentação da incredulidade com relação à Eucaristia. Após tanto padecer, o Senhor a consola: em uma visão, dá-lhe clara consciência da presença real eucarística, uma consciência tão luminosa que Catarina não consegue expressar com palavras (cf. ibid., VIII, 2, p. 42-46). No mesmo período, uma prova dolorosa se abate sobre a comunidade: surgem tensões entre quem deseja seguir a espiritualidade agostiniana e quem é mais orientado à espiritualidade franciscana.

Entre 1429 e 1430, a responsável pelo grupo, Lucia Mascheroni, decide fundar um mosteiro agostiniano. Catarina, ao contrário, escolhe ligar-se à regra de Santa Clara de Assis. É um dom da Providência, porque a comunidade habita nas redondezas da Igreja do Espírito Santo, anexa ao convento dos Frades Menos que aderiram ao movimento da Observância. Catarina e as companheiras podem, assim, participar regularmente das celebrações litúrgicas e receber uma adequada assistência espiritual. Têm também a alegria de escutar as pregações de São Bernardino de Sena (cfr ibid., VII, 62, p. 26). Catarina narra que, em 1429 – terceiro ano da sua

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conversão – vai confessar-se com um dos Frades Menores por ela estimados, faz uma boa Confissão e reza intensamente para que o Senhor lhe dê o perdão de todos os pecados e da pena a eles vinculada. Deus revela-lhe em visão que lhe perdoou por completo. É uma experiência muito forte da misericórdia divina, que a marca para sempre, dando-lhe um novo impulso para responder com generosidade ao imenso amor de Deus (cf, ibid., IX, 2, p. 46-48).

Em 1431, tem uma visão do juízo final. A terrível cena dos condenados a leva a intensificar orações e penitência pela salvação dos pecadores. O demônio continua a assaltá-la e ela se confia de modo sempre mais completo ao Senhor e à Virgem Maria (cf. ibid., X, 3, p. 53-54). Nos escritos, Catarina nos deixa algumas notas essenciais desse misterioso combate, do qual sai vitoriosa com a graça de Deus. Fá-lo para instruir as suas irmãs e aquele que pretendem encaminhar-se à via da perfeição: desejou alertar sobre as tentações do demônio, que se esconde frequentemente atrás de aparências enganadoras, para depois insinuar dúvidas de fé, incertezas vocacionais, sensualidade.

No tratado autobiográfico e didático, As sete armas espirituais, Catarina oferece, a esse respeito, ensinamentos de grande sabedoria e profundo discernimento. Fala em terceira pessoa ao relatar as graças extraordinárias que o Senhor lhe concedeu e em primeira pessoa ao confessar os próprios pecados. Do seu escrito transparece a pureza da sua fé em Deus, a profunda humildade, a simplicidade do coração, o ardor missionário, a paixão pela salvação das almas. Elenca sete armas na luta contra o mal, contra o diabo: 1. ter cuidado e preocupação de trabalhar sempre para o bem; 2. crer que, sozinhos, nunca poderemos fazer nada de verdadeiramente bom; 3. confiar em Deus e, por seu amor, não temer nunca a batalha contra o mal, seja no mundo, seja em nós mesmos; 4. meditar com frequência nos eventos e palavras da vida de Jesus, sobretudo sua Paixão e Morte; 5. recordar-se que devemos morrer; 6. ter fixa na mente a memória dos bens do Paraíso; 7. ter familiaridade com a Sagrada Escritura, levando-a sempre no coração para que oriente todos os pensamentos e todas as ações. Um belo programa de vida espiritual, também hoje, para cada um de nós!

No convento, Catarina, apesar de ser habituada à corte de Ferrara, cumpre as funções de lavadeira, costureira, padeira e é empregada no cuidado de animais. Faz tudo, também os serviços mais humildes, com amor e pronta obediência, oferecendo às irmãs um testemunho luminoso. Ela vê, de fato, na desobediência aquele orgulho espiritual que destrói toda outra virtude. Por obediência, aceita o encargo de mestra de noviças, embora se considere incapaz de desenvolver o encargo, e Deus continua a animá-la com a sua presença e seus dons: é, de fato, uma mestre sábia e apreciada.

Em seguida, é lhe confiado o serviço do parlatório. Custa-lhe muito interromper com frequência a oração para responder às pessoas que se apresentam ao mosteiro, mas também dessa vez o Senhor não deixa de visitá-la e ser-lhe próximo. Com ela, o mosteiro é sempre mais um lugar de oração, de oferta, de silêncio, de fadiga e alegria. À morte da abadessa, os superiores pensam subitamente nela, mas Catarina lhes convence a destinar-se às Clarissas de Mantua, mais instruídas nas constituições e nas observâncias religiosas. Poucos anos depois, em 1456, ao seu mosteiro é pedido que crie uma nova fundação em Bolonha. Catarina preferiria terminar seus dias em Ferrara, mas o Senhor lhe aparece e exorta a aceitar a

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vontade de Deus indo a Bolonha como abadessa. Prepara-se para a nova missão com jejuns, disciplina e penitência. Parte para Bolonha com dezoito irmãs. Como superiora, é a primeira na oração e no serviço; vive em profunda humildade e pobreza. Ao terminar do trênio de abadessa, é feliz por ser substituída, mas, após um ano, retoma as suas funções, porque a nova eleita fica cega. Apesar de sofrer e com graves enfermidades que a atormentam, realiza seu serviço com generosidade e dedicação.

Ainda por um ano exorta as irmãs à vida evangélica, à paciência e à constância nas provações, ao amor fraterno, à união com o Esposo divino, Jesus, para preparar, assim, o próprio dote para as núpcias eternas. Um dote que Catarina vê no saber compartilhar os sofrimentos de Cristo, afrontando, com serenidade, desconforto, angústia, desprezo, incompreensão (cf. Le sette armi spirituali, X, 20, p. 57-58). No início de 1463, as enfermidades se agravam; reúne-se com as irmãs em Capítulo pela última vez, para anunciar a sua morte e recomendar a observância da regra. Até o final de fevereiro é tomada de fortes sofrimentos que não a deixam mais, mas é ela quem conforta as irmãs na dor, assegurando-lhes seu auxílio também do Céu. Após ter recebido os últimos Sacramentos, entrega ao confessor o escrito Le sette armi spirituali e entra em agonia; o seu rosto fica belo e luminoso; olha ainda com amor quantos a circundam e morre docemente, pronunciando três vezes o nome de Jesus: é 9 de março de 1463 (cfr I. Bembo, Specchio di illuminazione. Vita di S. Caterina a Bologna, Firenze 2001, cap. III). Catarina será canonizada pelo Papa Clemente XI em 22 de maio de 1712. A cidade de Bolonha, na capela do mosteiro de Corpus Domini, preserva o seu corpo incorrupto.

Queridos amigos, Santa Catarina de Bolonha, com as suas palavras e vida, é um forte convite a deixarmo-nos sempre guiar por Deus, a cumprir cotidianamente a sua vontade, também se muitas vezes ela não corresponde aos nossos projetos, a confiar na sua Providência, que nunca nos deixa sozinhos. Nessa perspectiva, Santa Catarina fala conosco; da distância de tantos séculos, é, todavia, muito moderna e fala á nossa vida. Assim como nós, sofre as tentações da incredulidade, da sensualidade, de um combate difícil, espiritual. Sente-se abandonada por Deus, encontra-se na escuridão da fé. Mas, em todas essas situações, tem sempre a mão do Senhor, não O deixa, não O abandona. E caminhando com a mão na mão do Senhor, anda sobre a via justa e encontra o caminho da luz. Assim, diz também a nós: coragem, também na noite da fé, também em meio a tantas dúvidas que possam existir, não deixa a mão do Senhor, caminha com a tua mão na Sua mão, crê na bondade de Deus; assim, andarás sobre a estrada justa! E desejo sublinhar um outro aspecto, aquele da sua grande humildade: é uma pessoa que não desejou ser alguém ou qualquer coisa; não desejou aparecer; não desejou governar. Desejou servir, fazer a vontade de Deus, estar ao serviço dos outros. E, exatamente por isso, Catarina era credível na autoridade, porque se podia ver que, para ela, a autoridade era exatamente servir aos outros. Peçamos a Deus, por intercessão da nossa Santa, o dom de realizar o projeto que Ele tem para nós, com coragem e generosidade, para que somente Ele seja a rocha firme sobre a qual se edifica a nossa vida. Obrigado

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Bento XVI: Catequese sobre Santa Isabel da Hungria

Queridos irmãos e irmãs:

Gostaria, hoje, de vos falar sobre uma das mulheres da Idade Média que maior admiração suscitou : Santa Isabel da Hungria, também chamada   de Isabel de

Turíngia.

Nasceu  em 1207, na Hungria. Os historiadores discutem onde. Seu pai era André II, rico e poderoso rei da Hungria, o qual, para reforçar seus vínculos

políticos, tinha-se casado com a condessa alemã Gertrudes de Andechs-Merania, irmã de Santa Edwiges, que era esposa do duque de Silésia.

Isabel viveu na corte húngara somente nos primeiros quatro anos da sua infância, junto com uma irmã e três irmãos. Ela gostava de música, de dança e de

jogos; recitava com fidelidade as suas orações e mostrava  particular atenção aos pobres, a quem ajudava com uma boa palavra ou com um gesto afetuoso.

A sua infância feliz foi bruscamente interrompida quando, da distante Turíngia, chegaram alguns cavaleiros para a conduzir à sua nova terra na Alemanha

central. Segundo os costumes daquele tempo, de facto, o seu pai tinha acordado que Isabel se tornasse princesa de Turíngia. O landgrave, ou conde, daquela

região era um dos soberanos mais ricos e influentes da Europa no começo do século XIII e seu castelo era centro de magnificência e de cultura. Mas, por trás

das festas e da glória, escondiam-se as ambições dos príncipes feudais, geralmente em guerra entre eles e em conflito com as autoridades reais e imperiais.

Neste contexto, o conde Hermann acolheu com boa vontade o noivado entre seu filho Ludovico e a princesa húngara. Isabel partiu da sua pátria com um rico

dote e um grande séquito, incluindo as suas aias pessoais, duas das quais permaneceriam amigas fiéis até o fim. São elas que nos deixaram preciosas

informações sobre a infância e sobre a vida da santa.

Após uma longa viagem, chegaram a Eisenach, para subirem, depois, à fortaleza de Wartburg, o castelo num maciço sobre a cidade. Lá se celebrou o

compromisso entre Ludovico e Isabel. Nos anos seguintes, enquanto Ludovico aprendia o ofício de cavaleiro, Isabel e suas companheiras estudavam alemão,

francês, latim, música, literatura e bordados. Apesar de o compromisso ter sido decidido por razões políticas, nasceu entre os dois jovens um amor sincero,

motivado pela fé e pelo desejo de fazer a vontade de Deus.

Aos 18 anos, Ludovico, após a morte do seu pai, começou a reinar sobre Turíngia. Mas Isabel converteu-se em objeto de críticas silenciosas, porque o seu

comportamento não correspondia à vida da corte. Assim também a celebração do matrimónio não foi faustosa e os gastos do banquete foram distribuídos, em

parte, pelos pobres. Na sua profunda sensibilidade, Isabel via contradições entre a fé professada e a prática cristã. Não suportava os compromissos. Uma vez,

entrando na igreja, na festa da Assunção, ela tirou a coroa, colocou-a aos pés da cruz e permaneceu prostrada no chão, com o rosto coberto. Quando uma

freira a desaprovou por este gesto, ela respondeu: «Como posso eu, criatura miserável, continuar a usar uma coroa de dignidade terrena quando vejo o meu

Rei Jesus Cristo coroado de espinhos?». Ela comportava-se diante dos seus súbditos da mesma forma que se comportava diante de Deus. Entre os escritos

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das suas aias, encontramos este testemunho: «Não consumia alimentos sem antes estar certa de que procediam das propriedades e dos bens legítimos do

seu marido. Enquanto se abstinha dos bens adquiridos ilicitamente, preocupava-se também por  ressarcir aqueles que tivessem sofrido violência» (nn. 25 e

37). Um verdadeiro exemplo para todos aqueles que desempenham cargos: o exercício da autoridade, a todos os níveis, deve ser vivido como serviço à justiça

e à caridade, na busca constante do bem comum.

Isabel praticava assiduamente as obras de misericórdia: dava de beber e de comer a quem batia à sua porta, distribuía roupas, pagava dívidas, cuidava dos

doentes e sepultava os mortos. Descendo do seu castelo, dirigia-se frequentemente com suas aias às casas dos pobres, levando pão, carne, farinha e outros

alimentos. Entregava pessoalmente estes alimentos e tratava com atenção do vestuário e das camas dos pobres. Este comportamento foi reportado ao seu

marido, a quem isso não só não desagradou, como respondeu aos seus acusadores: «Enquanto ela não vender o castelo, estou feliz!». Neste contexto coloca-

se o milagre do pão transformado em rosas: enquanto Isabel ia pela rua com seu avental cheio de pão para os pobres, encontrou-se com o marido, que lhe

perguntou o que estava a transportar. Ela abriu o avental e, em vez de pães, apareceram magníficas rosas. Este símbolo da caridade está presente muitas

vezes nas representações de Santa Isabel.

O seu casamento foi profundamente feliz: Isabel ajudava seu marido a elevar as suas qualidades humanas ao nível espiritual, e ele, por outro lado, protegia a

sua esposa na sua generosidade para com os pobres e nas suas práticas religiosas. Cada vez mais admirado pela grande fé de sua esposa, Ludovico,

referindo-se à sua atenção aos pobres, disse-lhe: «Querida Isabel, é Cristo quem tu lavaste, alimentaste e cuidaste» - um claro testemunho de como a fé e o

amor a Deus e ao próximo reforçam e tornam ainda mais profunda a união matrimonial.

O jovem casal encontrou apoio espiritual nos Frades Menores, que, desde 1222, se espalharam pela Turíngia. Entre eles, Isabel escolheu o Frei Rüdiger como

diretor espiritual. Quando ele lhe narrou as circunstâncias da conversão do jovem e rico comerciante Francisco de Assis, Isabel entusiasmou-se ainda mais no

seu caminho de vida cristã. A partir daquele momento, dedicou-se ainda mais a seguir Cristo pobre e crucificado, presente nos pobres. Inclusive quando

nasceu o seu primeiro filho, seguido de outros dois, a nossa santa não descuidou, jamais, as suas obras de caridade. Além disso, ajudou os Frades Menores a

construir um convento em Halberstadt, do qual o Frei Rüdiger se tornou superior. Por isso, a direção espiritual de Isabel passou para Conrado de Marburgo.

Uma dura prova foi o adeus ao marido, no final de junho de 1227, quando Ludovico IV se associou à cruzada do imperador Frederico II, recordando à sua

esposa que esta era uma tradição para os soberanos de Turíngia. Isabel respondeu: «Não o impedirei. Eu entreguei-me totalmente a Deus e agora devo

entregar-te também». No entanto, a febre dizimou as tropas e o próprio Ludovico ficou doente e morreu em Otranto, antes de embarcar, em setembro de 1227,

aos 26 anos. Isabel, ao saber da notícia, sentiu tal dor, que se retirou em solidão, mas depois, fortificada pela oração e consolada pela esperança de voltar a

vê-lo no céu, interessou-se novamente pelos assuntos do reino.

 

Outra prova, porém, a esperava: o seu cunhado usurpou o governo de Turíngia, declarando-se verdadeiro herdeiro de Ludovico e acusando Isabel de ser uma

mulher piedosa e incompetente para governar. A jovem viúva, com os seus três filhos, foi expulsa do castelo de Wartburg e começou a procurar um lugar para

se refugiar. Somente duas de suas aias permaneceram junto dela, a acompanharam e confiaram os três filhos aos cuidados de amigos de Ludovico.

Peregrinando pelos povoados, Isabel trabalhava onde era acolhida, assistia os doentes, fiava e costurava. Durante este calvário, suportado com grande fé,

paciência e dedicação a Deus, alguns parentes, que lhe tinham permanecido fiéis, e consideravam ilegítimo o governo do seu cunhado, reabilitaram seu nome.

Assim, Isabel, no início de 1228, pôde receber uma renda apropriada para se retirar para o castelo da família, em Marburgo, onde vivia, também, o seu diretor

Page 24: Santa Gertrudes

espiritual, Frei Conrado. Foi ele quem contou ao Papa Gregório IX o seguinte facto: «Na Sexta-Feira Santa de 1228, com as mãos sobre o altar da capela da

sua cidade, Eisenach, onde tinha acolhido os Frades Menores, na presença de alguns frades e familiares, Isabel renunciou à sua própria vontade e a todas as

vaidades do mundo. Ela queria renunciar a todas as suas posses, mas eu dissuadi-a por amor aos pobres. Pouco depois, construiu um hospital, recolheu

doentes e inválidos e serviu à sua própria mesa os mais miseráveis e abandonados. Tendo-a repreendido por estas coisas, Isabel respondeu-me que dos

pobres recebia uma graça especial e humildade» (Epistula magistri Conradi, 14-17).

Podemos ver nesta afirmação uma experiência mística parecida com a vivida por São Francisco: de facto, o Pobrezinho de Assis declarou   no seu testamento

que, servindo os leprosos, o que antes era amargo se transformou em doçura da alma e do corpo (Testamentum, 1-3). Isabel passou os seus últimos três anos

no hospital que fundara, servindo os doentes e velando com os moribundos. Tentava sempre levar a cabo os serviços mais humildes e os trabalhos mais

repugnantes. Ela converteu-se no que poderíamos chamar de mulher consagrada no meio do mundo (soror in saeculo) e formou, com outras suas amigas,

vestidas com um hábito cinzento, uma comunidade religiosa. Não é por acaso que ela é padroeira da Terceira Ordem Regular de São Francisco e da Ordem

Franciscana Secular.

Em novembro de 1231, foi vítima de fortes febres. Quando a notícia da sua doença se propagou, muitas pessoas foram visitá-la. Após cerca de 10 dias, ela

pediu que fechassem as portas, para ficar a sós com Deus. Na noite de 17 de novembro, descansou docemente no Senhor. Os testemunhos sobre a sua

santidade foram tantos, que, apenas quatro anos mais tarde, o Papa Gregório IX a proclamou santa e, no mesmo ano, se consagrou, em Marburgo, bela igreja

construída em sua honra.

Queridos irmãos e irmãs, na figura de Santa Isabel, vemos como a fé e a amizade com Cristo criam o sentido da justiça, da igualdade de todos, dos direitos

dos demais, e criam o amor e a caridade. E dessa caridade nasce a esperança, a certeza de que somos amados por Cristo e de que o amor de Cristo nos

espera e nos torna, assim, capazes de o imitar e ver nos demais.

Santa Isabel convida-nos a redescobrir Cristo, a amá-lo, a ter fé e, assim, a encontrarmos a verdadeira justiça e o amor; e também a alegria de que um dia

estaremos submersos no amor divino, no gozo da eternidade com Deus.

Obrigado.

CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI - SANTA MARGARIDA D'OINGT

Page 25: Santa Gertrudes

 

 

Queridos irmãos e irmãs,

com Margarida d'Oingt, sobre a qual desejo falar-vos hoje, somos introduzidos na espiritualidade cartusiana, que se inspira na síntese evangélica vivida e proposta por São Bruno. Não é assinalada a data de seu nascimento, se bem que alguns a coloquem em torno de 1240. Margarida provém de uma poderosa família de antiga nobreza do Lionese, os Oingt. Sabemos que a mãe chamava-se também Margarida, que tinha dois irmãos – Guiscardo e Luigi – e três irmãs: Caterina, Isabella e Agnese. Essa última a seguirá ao mosteiro, na Cartuxa, sucedendo-lhe depois como priora.

Não temos relatos sobre sua infância, mas de seus escritos podemos intuir que transcorreu tranquilamente, em um ambiente familiar afetuoso. De fato, para expressar o amor sem limites de Deus, ela valoriza muitas imagens ligadas à família, com particular referência às figuras do pai e da mãe. Em uma meditação reza assim: "Belo e doce Senhor, quando penso nas especiais graças que me tendes feito por tua solicitude: antes de tudo, em como me tendes protegido desde a minha infância, e como me tendes livrado do perigo deste mundo e me tendes chamado a dedicar-me ao teu santo serviço, e como me tendes providenciado todas as coisas que me eram necessárias para comer, beber, vestir e calçar, (e o tendes feito) de tal modo que não tive como não pensar em todas essas coisas senão como sinal da tua grande misericórdia" (Margarida d’Oingt, Scritti spirituali, Meditazione V, 100, Cinisello Balsamo 1997, p. 74).

Sempre, das suas meditações, intuímos que entrou na Cartuxa de Poleteins em resposta ao chamado do Senhor, deixando tudo e aceitando a severa regra cartusiana, para ser totalmente do Senhor, para estar sempre com Ele. Ela escreve: "Doce Senhor, deixei meu pai e minha mãe e os meus irmãos e todas as coisas deste mundo por teu amor; mas isso é pouquíssimo, porque as riquezas deste mundo não são mais que espinhos afiados; e quem mais possui, mais é infeliz. E, por isso, parece-me que não deixei nada mais que miséria e pobreza; mas tu sabes, doce Senhor, que se eu possuísse milhares de mundos e pudesse dispô-los de acordo com minha vontade, abandonaria tudo pelo teu amor; e mesmo se tu também me desses tudo que possuís no céu e na terra, não me sentiria satisfeita até que tivesse a ti, porque tu és a vida da minha alma, nem tenho nem quero ter pai e mãe fora de ti" (ibid., Meditazione II, 32, p. 59).

Também da sua vida na Cartuxa possuímos poucos dados. Sabemos que, em 1288, torna-se quarta priora, cargo que mantém até a morte, acontecida em 11 de fevereiro de 1310. Dos seus escritos, no entanto, não emergem particulares realizações no seu itinerário espiritual. Ela concebe toda a vida como um caminho de purificação até a plena configuração a Cristo. Cristo é o Livro que está escrito, que deve ser registrado cotidianamente no próprio coração e na própria vida, em particular a sua paixão salvífica. Na obra Speculum, Margarida, referindo-se a si mesma em terceira pessoa, sublinha que, por graça do Senhor, "havia registrado no seu coração a santa vida que Deus Jesus Cristo conduziu sobre a terra, os seus bons exemplos e a sua boa doutrina. Ela tinha colocado tão bem o doce Jesus Cristo no seu coração que parecia que esse estivesse presente e que tivesse um livro fechado na sua mão, para instruí-la" (ibid., I, 2-3, p. 81). "Neste livro, ela encontrava escrita a vida que Jesus Cristo teve sobre a terra, do seu nascimento à ascensão ao céu" (ibid., I, 12, p. 83).

Todos os dias, desde a manhã, Margarida aplica-se ao estudo desse livro. E, quando já o tendes visto cuidadosamente, começa a ler no livro da própria consciência, que revela a falsidade e as mentiras da sua vida (cf. ibid., I, 6-7, p. 82); escreve de si para ajudar os outros e para fixar mais profundamente no próprio coração a graça da presença de Deus, para fazer, assim, que todo o dia a sua existência seja assinalada pelo confronto com as palavras e as ações de Jesus, com o Livro da vida d'Ele. E isso para que a vida de Cristo esteja impressa na alma de modo estável e profundo, até poder ver o Livro no interior, ou seja, até contemplar o mistério de Deus Trindade (cf. ibid., II, 14-22; III, 23-40, p. 84-90).

Através de seus escritos, Margarida oferece-nos algumas brechas sobre sua espiritualidade, permitindo-nos colher alguns traços da sua personalidade e dos seus dons de governo. É uma mulher muito culta; escreve habitualmente em latim, a língua dos eruditos, mas escreve também em francês provençal e também isso é uma raridade: os seus escritos são, assim, os primeiros, de que se tem memória, redigidos nessa língua. Vive uma existência rica de experiências místicas, descritas com simplicidade, deixando intuir o inefável mistério de Deus, sublinhando os imites da mente ao contatá-lo e a inadequação da língua humana ao expressá-lo. Tem uma personalidade linear, simples, aberta, de doce carga afetiva, de grande equilíbrio e agudo discernimento, capaz de entrar na profundidade do espírito humano, de colher seus limites, as ambiguidades, mas também as aspirações, as tensões da alma com relação a Deus. Mostra uma forte atitude no governo, conjugando a sua profunda vida espiritual mística com o serviço às irmãs e à comunidade. Nesse sentido, é significativo um trecho de uma carta a seu pai: "Meu doce pai, comunico-vos que me encontro tão ocupada com a causa dos necessitados em nossa casa que não me é possível aplicar o espírito em bons pensamentos; de fato, tenho tanto a fazer que não sei para qual lado me dirigir. Nós não recolhemos grãos no sétimo mês do ano e os nossos vinhedos foram destruídos pela tempestade. Além disso, a nossa igreja encontra-se em tão péssimas condições que somos obrigados em parte a reconstruí-la" (ibid., Lettere, III, 14, p. 127).

Uma monja cartusiana delineia assim a figura de Margarida: "Através da sua obra, revela-nos uma personalidade fascinante, de inteligência viva, orientada à investigação e, ao mesmo tempo, favorecida por graças místicas: em uma palavra, uma mulher santa e sábia que sabe expressar com certo humorismo uma afetividade toda espiritual" (Una Monaca Certosina, Certosine, in Dizionario degli Istituti di Perfezione, Roma 1975, col. 777). No dinamismo da vida mística, Margarida valoriza a experiência dos afetos naturais, purificados pela graça, como meio privilegiado para compreender mais profundamente e auxiliar com mais prontidão e ardor a ação divina. O motivo reside no fato de que a pessoa humana é criada à imagem de Deus, e, por isso, é chamada a construir com Deus uma maravilhosa história de amor, deixando-se envolver totalmente pela sua iniciativa.

O Deus Trindade, o Deus amor que se revela no Cristo lhe fascina, e Margarida vive uma relação de amor profundo pelo Senhor e, por contraste, vê a ingratidão humana até a covardia, até o paradoxo da cruz. Ela afirma que a cruz de Cristo é similar à mesa de parto. A dor de Jesus sobre a cruz é parecida àquela de uma mãe. Escreve: "A mãe que me carregou no ventre, sofreu fortemente, ao dar-me à luz, por um dia e uma noite, mas tu, belo e doce Senhor, por mim fostes atormentado não por uma noite ou dia somente, mas por mais de trinta anos […]; quanto amargamente tendes sofrido por minha causa por toda a vida! E quando chegou o momento do parto, o teu trabalho foi tão doloroso que o teu santo suor tornou-se gotas de sangue que escorreram por todo o teu corpo até a terra" (ibid., Meditazione I, 33, p. 59).

Margarida, evocando os relatos da Paixão de Jesus, contempla essas dores com profunda compaixão: "Tu fostes deposto sobre o duro leito da cruz, de tal modo a não poder te mover ou girar ou agitar os teus membros, assim como costuma fazer um homem que padece uma grande dor, porque permanecestes completamente tensionado e te pregaram com pregos […] e […] foram lacerados todos os teus músculos e as tuas veias. […] Mas todas essas dores […] ainda não te bastavam, tanto que desejastes que o teu lado fosse transpassado pela lança tão cruelmente a ponto de garantir que o teu dócil corpo fosse totalmente dilacerado e rasgado; e o teu precioso sangue fluía com tanta força até formar uma longa estrada, quase como que um grande rio". Referindo-se a Maria, afirma: "Não era de se admirar que a espada que atravessou o teu corpo também tenha penetrado o coração da tua gloriosa mãe que tanto amava sustentar-te […] porque o teu amor foi superior a todos os outros amores" (ibid., Meditazione II, 36-39.42, p 60s).

Queridos amigos, Margarida d’Oingt convida-nos a meditar cotidianamente na vida de dor e amor de Jesus e de sua Mãe, Maria. Aqui está nossa esperança, o sentido do nosso existir. Da contemplação do amor de Cristo por nós nascem a força e a alegria para responder com igual amor, colocando a nossa vida a serviço de Deus e dos outros. Com Margarida, dizemos também nós: "Doce Senhor, tudo isso que tendes feito, por amor a mim e por todo o gênero humano, faz com que eu te ame, mas a lembrança da tua santíssima paixão dá um vigor sem igual à minha força de afeto para amar-te. É por isso que parece […] que encontrei tudo aquilo que tanto desejei: não amar nada mais que a ti ou em ti ou por amor teu"

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(ibid., Meditazione II, 46, p. 62).

À primeira vista, essa figura cartusiana medieval, bem como toda a sua vida, o seu pensamento, parecem muito distantes de nós, da nossa vida, do nosso modo de pensar e agir. Mas, se olhamos ao essencial dessa vida, vemos que diz respeito também a nós e deveria se tornar essência também da nossa existência.

Ouvimos que Margarida considerou o Senhor como um livro, fixou o olhar no Senhor, considerou-o como um espelho no qual aparece também a própria consciência. E, a partir desse espelho, entrou luz na sua alma: deixou entrar a palavra, a vida de Cristo no seu ser e, assim, foi transformada; a consciência foi iluminada, encontrou critérios, luz e foi limpa. Exatamente disso temos necessidade também nós: deixarmos entrar as palavras, a vida, a luz de Cristo na nossa consciência para que seja iluminada, compreenda aquilo que é verdadeiro e bom e aquilo que é mal; que seja iluminada e limpa a nossa consciência. O lixo não está somente em diversas estradas do mundo. Há lixo também nas nossas consciências e nas nossas almas. É somente a luz do Senhor, a sua força e o seu amor que nos limpa, purifica e nos dá o caminho correto. Portanto, sigamos Santa Margarida neste olhar com relação a Jesus. Leiamos no livro da sua vida, deixemo-nos iluminar e limpar, para aprender a verdadeira vida. Obrigado.

CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI - SANTA JULIANA DE CORNILLON

 

Queridos irmãos e irmãs,

também nesta manhã desejo apresentar-vos uma figura feminina, pouco conhecida, a quem a Igreja, no entanto, deve um grande reconhecimento, não somente pela sua santidade de vida, mas também porque, com o seu grande fervor, contribuiu para a instituição da solenidade litúrgica mais importante do ano, aquela de Corpus Domini (Corpus Christi). Trata-se de Santa Juliana de Cornillon, conhecida também como Juliana de Liège. Conhecemos alguns dados sobre sua vida sobretudo através de uma biografia, escrita provavelmente por um eclesiástico seu contemporâneo, em que são narrados vários testemunhos de pessoas que conheceram diretamente a Santa.

Juliana nasce entre 1191 e 1192 nos arredores de Liège, na Bélgica. É importante sublinhar esse lugar, porque naquele tempo a Diocese de Liège era, por assim dizer, um verdadeiro "cenáculo eucarístico". Antes de Juliana, insignes teólogos haviam ilustrado o valor supremo do Sacramento da Eucaristia e, sempre em Liège, havia grupos de mulheres generosamente dedicados ao culto eucarístico e à comunhão fervorosa. Guiadas por sacerdotes exemplares, viviam juntas, dedicando-se à oração e às obras de caridade.

Órfã aos cinco anos, Juliana, com a irmã Agnese, foi confiada aos cuidados das monjas agostinianas do convento-leprosário de Mont-Cornillon. Foi educada especialmente por uma monja, de nome Sapienza, que acompanhou seu amadurecimento espiritual, até quando a própria Juliana recebeu o hábito religioso e tornou-se também ela monja agostiniana. Adquiriu uma notável cultura, a ponto de ler as obras dos Padres da Igreja em língua latina, em particular Santo Agostinho e São Bernardo. Além de uma vivaz inteligência, Juliana mostrava, desde o início, uma propensão particular para a contemplação; tinha um sentido profundo da presença de Cristo, que experimentava vivendo de modo particularmente intenso o Sacramento da Eucaristia e detendo-se frequentemente a meditar sobre as palavras de Jesus: "Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo" (Mt 28, 20).

Aos 16 anos teve a primeira visão, que após repetiu-se mais vezes nas suas adorações eucarísticas. A visão apresentava a lua no seu pleno esplendor, com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor a fez compreender o significado disso que lhe havia aparecido. A lua simbolizava a vida da Igreja sobre a terra, a linha opaca representava, por sua vez, a ausência de uma festa litúrgica, para a instituição da qual era pedido a Juliana que trabalhasse de modo eficaz: uma festa, isto é, na qual os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a fé, avançar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.

Por cerca de 20 anos, Juliana, que nesse meio tempo tornou-se a priora do convento, conservou em segredo essa revelação, que havia preenchido de alegria o seu coração. Depois, confiou-o a outras duas fervorosas adoradoras da Eucaristia, a beata Eva, que conduzia uma vida eremítica, e Isabella, que a havia conhecido no mosteiro de Mont-Cornillon. As três mulheres estabeleceram uma espécie de "aliança espiritual", com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento. Desejaram envolver também um sacerdote muito estimado, Giovanni di Losanna, canônico na igreja de São Martinho em Liège, rogando-lhe que interpelasse teólogos e eclesiásticos sobre o quanto estava em seus corações. As respostas foram positivas e encorajadoras.

Aquilo que aconteceu a Juliana de Cornillon repete-se frequentemente na vida dos Santos: para ter a confirmação de que uma inspiração vem de Deus, é preciso sempre imergir-se na oração, saber esperar com paciência, buscar a amizade e o encontro com outras almas boas, e submeter tudo ao juízo dos Pastores da Igreja. Foi exatamente o Bispo de Liège, Roberto di Thourotte, que, após hesitações iniciais, acolheu a proposta de Juliana e das suas companheiras e instituiu, pela primeira vez, a solenidade de Corpus Domini na sua Diocese. Mais tarde, outros bispos o imitaram, estabelecendo a mesma festa nos territórios confiados aos seus cuidados pastorais.

Aos Santos, todavia, o Senhor pede frequentemente o superar das provas, para que a sua fé seja incrementada. Aconteceu também isso a Juliana, que teve que submeter-se à dura oposição de alguns membros do clero e do próprio superior do qual dependia o seu mosteiro. Então, por sua própria vontade, Juliana deixou o convento de Mont-Cornillon com algumas companheiras e, por dez anos, de 1248 a 1258, foi hospedada por vários mosteiros

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de irmãs cistercienses. Edificava a todos com a sua humildade, não tinha nunca palavras de crítica ou de reprovação para seus adversários, mas continuava a difundir com zelo o culto eucarístico. Morreu em 1258 em Fosses-La_Ville, na Bélgica, na cela onde estava exposto o Santíssimo Sacramento e, segundo as palavras do biógrafo, Juliana morreu contemplando com uma última explosão de amor Jesus Eucaristia, que tinha sempre amado, honrado e adorado.

À boa causa da festa de Corpus Domini foi conquistado também Tiago Pantaléon di Troyes, que tinha conhecido a Santa durante seu ministério de arquidiácono em Liège. Foi exatamente ele que, tornado Papa com o nome de Urbano IV, em 1264, instituiu a solenidade do Corpus Domini como festa de preceito para a Igreja universal, na quinta-feira sucessiva a Pentecostes. Na Bula de instituição, intitulada Transiturus de hoc mundo (11 de agosto de 1264), Papa Urbano lembrava com discrição também as experiências místicas de Juliana, confirmando sua autenticidade, e escreve: "Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, consideramos justo que, ao menos uma vez por ano, se faça mais honrosa e solene memória. As outras coisas, de fato, de que fazemos memória, nós as aproveitamos com o espírito e com a mente, mas não obtemos por isso a sua real presença. Por sua vez, nessa sacramental comemoração do Cristo, ainda que sob outra forma, Jesus Cristo está presente entre nós na própria substância. Enquanto estava prestes a ascender ao céu, disse: "Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo" (Mt 28, 20).

O Pontífice mesmo desejou dar o exemplo, celebrando a solenidade de Corpus Domini em Orvieto, cidade em que então morava. Foi por sua ordem que, na Matriz da Cidade, conservava-se – e conserva-se ainda – o célebre corporal com os traços do milagre eucarístico acontecido um ano antes, em 1263, em Bolsena. Um sacerdote, enquanto consagrava o pão e o vinho, foi tomado por fortes dúvidas sobre a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia. Milagrosamente, algumas gotas de sangue começaram a fluir da Hóstia consagrada, confirmando, desse modo, aquilo que nossa fé professa. Urbano IV pediu a um dos maiores teólogos da história, São Tomás de Aquino – que naquele tempo acompanhava o Papa e encontrava-se em Orvieto –, para compor os textos do ofício litúrgico dessa grande festa. Esses, ainda hoje em uso na Igreja, são obras-primas, em que se fundem teologia e poesia. São textos que fazem vibrar as cordas do coração para expressar louvor e gratidão ao Santíssimo Sacramento, enquanto a inteligência, adentrando com espanto no mistério, reconhece na Eucaristia a presença viva e verdadeira de Jesus, do seu Sacrifício de amor que nos reconcilia com o Pai, e nos dá a salvação.

Embora após a morte de Urbano IV a celebração da festa do Corpus Domini tenha sido limitada em algumas regiões da França, da Alemanha, da Hungria e da Itália setentrional, foi ainda um Pontífice, João XXII, que, em 1317, restaurou-a para toda a Igreja. Daí em diante, a festa sofreu um desenvolvimento maravilhoso, e é ainda muito querida pelo povo cristão.

Desejo afirmar com alegria que hoje, na Igreja, há uma "primavera eucarística": quantas pessoas permanecem silenciosas diante do Tabernáculo, para entreter-se em diálogo de amor com Jesus! É consolador saber que não poucos grupos de jovens redescobriram a beleza de rezar em adoração diante do Santíssimo Sacramento. Penso, por exemplo, na nossa adoração eucarística em Hyde Park, em Londres. Rezo para que esta "primavera" eucarística difunda-se sempre mais em todas as paróquias, em particular na Bélgica, a pátria de Santa Juliana. O Venerável João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, constatava que "em muitos lugares, é dedicado amplo espaço à adoração do Santíssimo Sacramento, tornando-se fonte inesgotável de santidade. A devota participação dos fiéis na procissão eucarística da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça do Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam. E mais sinais positivos de fé e de amor eucarísticos se poderiam mencionar" (n. 10).

Recordando Santa Juliana de Cornillon, renovamos também nós a fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Como nos ensina o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, "Jesus Cristo está presente na Eucaristia de um modo único e incomparável. De fato, está presente de modo verdadeiro, real, substancial: com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade. Nela está presente em modo sacramental, isto é, sob as espécies eucarísticas do pão e do vinho, Cristo completo: Deus e homem" (n. 282).

Queridos amigos, a fidelidade ao encontro com o Cristo Eucarístico na Santa Missa dominical é essencial para o caminho de fé, mas busquemos também ir frequentemente visitar o Senhor presente no Tacernáculo! Olhando em adoração a Hóstia consagrada, nós encontramos o dom do amor de Deus, encontramos a Paixão e a Cruz de Jesus, bem como a sua Ressurreição. Exatamente através do nosso olhar em adoração, o Senhor nos atrai para si, dentro de seu mistério, para transformar-nos como transforma o pão e o vinho. Com as palavras do Hino eucarístico Adoro te devote, repetimos diante do Senhor, presente no Santíssimo Sacramento: "fazei que eu creia sempre mais em Ti, que em Ti eu tenha

Catequese de Bento XVI sobre Santa Verônica Giuliani

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé(tradução de Nicole Melhado / Revisão de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

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Queridos irmãos e irmãs,

hoje, gostaria de apresentar-vos uma mística que não é da época medieval; trata-se de Santa Verônica Giuliani, monja clarissa capuchinha. O motivo é que, no dia 27 de dezembro próximo, acontece o 350º aniversário de seu nascimento. A cidade de

Castello, lugar onde viveu a maior parte do tempo e morreu, bem como Mercatello, sua cidade natal, e a Diocese de Urbino vivem

com alegria esse evento.

Verônica nasce, pois, em 27 de dezembro de 1660, em Mercatello, no vale de Metauro, filha de Francisco Giuliani e Benedita

Mancini; é a última de sete irmãs, das quais outras três abraçaram a vida monástica; deram-na o nome de Úrsula. Aos sete anos de

idade, perde a sua mãe, e o pai muda-se para Piacenza como superintendente da alfândega do Ducado de Parma. Nesta cidade,

Úrsula sente crescer em si o desejo de dedicar a vida a Cristo. O chamado se faz sempre mais presente, tanto que, aos 17 anos,

entra na restrita clausura do mosteiro das Clarissas Capuchinhas da cidade de Castello, onde permanecerá por toda a sua vida. Lá

recebe o nome de Verônica, que significa “verdadeira imagem”, e, de fato, ela se torna uma verdadeira imagem de Cristo

Crucificado. Um ano depois, emite a solene profissão religiosa: inicia um caminho de configuração a Cristo, por meio de muitas

penitências, grandes sofrimentos e algumas experiências místicas ligadas à Paixão de Jesus: a coroação de espinhos, o casamento

místico, a ferida no coração e os estigmas. Em 1716, aos 56 anos, torna-se abadessa do mosteiro e será confirmada no cargo até a sua morte, em 1727, depois de uma dolorosíssima agonia de 33

dias que culminou numa profunda alegria, tanto que suas últimas palavras foram: “Encontrei o Amor, o Amor deixou-Se

contemplar!” (Summarium Beatificationis, 115-120). No dia 9 de julho, deixa a morada terrena para encontrar-se com Deus. Tem

67 anos, 50 deles vividos no mosteiro da cidade de Castello. É proclamada Santa em 26 de maio de 1839 pelo Papa Gregório XVI.

Verônica Giuliani escreveu muito: cartas, relações

Page 29: Santa Gertrudes

autobiográficas, poesias. A fonte principal para reconstruir o seu pensamento é, no entanto, o seu Diario, iniciado em 1693: são 22

mil páginas manuscritas, que abrangem 34 anos de vida em clausura. A escritura flui espontânea e contínua, não existem

riscos ou correções, nenhum sinal de interrupção ou distribuição do material em capítulos ou partes de acordo com um padrão

predeterminado. Verônica não desejava compor uma obra literária; na verdade, foi obrigada a colocar por escrito suas

experiências pelo Padre Jerônimo Bastos, religioso das Filipinas, de acordo com o Bispo diocesano Antonio Eustachi.

Santa Verônica possui uma espiritualidade marcadamente cristológico-esponsal: é a experiência de ser amada por Cristo, Esposo fiel e sincero, e de desejar corresponder com um amor

sempre mais envolvido e apaixonado. Nela, tudo é interpretado através da chave do amor, e essa lhe dá uma profunda serenidade.

Cada coisa é vivida em união com Cristo, por amor seu, e com a alegria de poder demonstrar a Ele todo o amor do qual é capaz

uma criatura.

O Cristo ao qual Verônica está profundamente unida é aquele sofredor, da paixão, morte e ressurreição; é Jesus no ato da oferta ao Pai para salvar-nos. Dessa experiência, deriva também o amor

intenso e sofredor pela Igreja, na dupla forma da oração e da oferta. A Santa vive nesta óptica: ora, sofre, busca a “pobreza

santa”, como expropriação, perda de si (cfr. ibid., III, 523), propriamente para ser como Cristo, que doou tudo de si mesmo.

Em cada página dos seus escritos, Verônica recomenda algumas pessoas ao Senhor, oferecendo suas orações de intercessão com a oferta de si mesma em cada sofrimento. O seu coração se dilata a todas "as necessidades da Santa Igreja”, vivendo com ansiedade o

desejo da salvação de “todo o universo” (ibid., III-IV, passim). Verônica grita: “Ó pecadores, ó pecadoras... todos e todas, vinde

ao coração de Jesus; vinde lavar-vos no seu preciosíssimo sangue... Ele vos espera com os braços abertos para abraçar-vos" (ibid., II, 16-17). Animada por uma ardente caridade, dá às irmãs

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do mosteiro atenção, compreensão, perdão; oferece as suas orações e seus sacrifícios pelo Papa, o seu bispo, os sacerdotes e

por todas as pessoas necessitadas, incluindo as almas do purgatório. Resume sua missão contemplativa nestas palavras: "Nós não podemos andar pregando pelo mundo para converter almas, mas somos obrigados a orar continuamente por todas as

almas que estão a ofender a Deus... particularmente com os nossos sofrimentos, ou seja, com um princípio de vida

crucificada" (ibid., IV, 877). A nossa Santa cumpre essa missão como um “estar em meio” aos homens e Deus, entre os pecadores

e Cristo Crucificado.

Verônica vive de modo profundo a participação no amor sofredor de Jesus, certa de que o “sofrer com alegria” seja a “chave do

amor” (cfr ibid., I, 299.417; III, 330.303.871; IV, 192). Ela evidencia que Jesus padece pelos pecados dos homens, mas

também pelos sofrimentos que os seus servos fiéis haveriam de suportar ao longo dos séculos, no tempo da Igreja, propriamente através de fé solida e coerente. Escreve: “O Eterno Pai Lhe fez ver

e sentir naquele ponto todos os sofrimentos que haveriam de padecer os seus eleitos, as almas Suas mais queridas, isto é,

aquelas que saberiam aproveitar do Seu Sangue e de todos os Seus sofrimentos” (ibid., II, 170). Como disse o Apóstolo Paulo de si mesmo: “Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que faltou às aflições de Cristo,

por amor do seu corpo, que é a Igreja” (Col 1,24). Verônica chega a pedir a Jesus para ser crucificada com Ele. “Em um instante –

escreve –,vi sair de Suas santíssimas chagas cinco raios resplandecentes; e todos vieram em minha direção. E eu via esses raios transformarem-se em pequenas chamas. Em quatro haviam pregos; e em um havia uma lança, como de ouro, toda inflamada: e

me passou o coração, de lado a lado... e os pregos passaram as mãos e os pés. Eu senti grande dor; mas, na mesma dor, me via,

me sentia toda transformada em Deus” (Diario, I, 897).

A Santa está convencida de participar já no Reino de Deus, mas, ao mesmo tempo, evoca todos os Santos da pátria celeste para que

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venham ajudá-la no caminho terreno da sua doação, em expectativa da bem-aventurança eterna; é essa a constante

aspiração de sua vida (cfr ibid., II, 909; V, 246). Em comparação às pregações da época, centrada não raramente na “salvação das almas” em termos individuais, Verônica mostra forte sentido

“solidário”, de comunhão com todos os irmãos e irmãs em caminho rumo ao Céu, e vive, reza, sofre por todos. As coisas

penúltimas, terrenas, no entanto, ainda que apreciadas no sentido franciscano como dom do Criador, resultam sempre relativas, em

tudo subordinadas ao “gosto” de Deus e sob o sinal de uma pobreza radical. Na communio sanctorum, ela esclarece sua doação eclesial, bem como o relacionamento entre a Igreja

peregrina e a Igreja celeste. “Os Santos todos – estão lá em cima através dos méritos e da paixão de Jesus; mas a tudo aquilo que

fez Nosso Senhor, esses cooperaram, de modo que suas vidas foram ordenadas, reguladas pelas mesmas obras (suas)” (ibid., III,

203).

Nos escritos de Verônica, encontramos muitas citações bíblicas, algumas vezes de modo indireto, mas sempre pontual: ela revela

familiaridade com o Texto sacro, do qual se nutre a sua experiência espiritual. Nota-se, também, que os momentos fortes da experiência mística de Verônica não são nunca separados dos

eventos salvíficos celebrados na Liturgia, onde há um lugar particular para a proclamação e a escuta da Palavra de Deus. A

Sagrada Escritura, assim, ilumina, purifica, confirma a experiência de Verônica, tornando-a eclesial. Por outro lado, no entanto,

exatamente a sua experiência, ancorada na Sagrada Escritura com intensidade incomum, guia a uma leitura mais profunda e

"espiritual" do mesmo Texto, entra na profundidade escondida do texto. De fato, ela não somente se exprime com as palavras da

Sagrada Escritura, mas realmente também vive por essas palavras, tornam vida n'Ela.

Por exemplo, a nossa Santa cita sempre a expressão do Apóstolo Paulo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31; cfr

Diario, I, 714; II, 116.1021; III, 48). Nela, a assimilação desse texto

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paulino, essa sua confiança grande e alegria profunda, torna-se um fato consumado em sua própria pessoa: “ A minha alma –

escreve – foi ligada com a divina vontade e eu fui estabelecida realmente e firmada para sempre na vontade de Deus. Pareceu-

me que jamais deveria me afastar da vontade de Deus e me dirigi estas precisas palavras: nada me poderá separar da vontade de

Deus, nem angústias, nem preocupações, nem dor, nem problemas, nem desprezos, nem tentações, nem criaturas, nem

demônios, nem a escuridão, e tampouco a morte, porque, na vida e na morte, quero tudo, e em tudo, o querer de Deus” (Diario, IV, 272). Assim, temos também a certeza de que a morte não tem a

última palavra, estamos fixados na vontade de Deus e assim, realmente, na vida para sempre.

Verônica se revela, em particular, uma testemunha corajosa da beleza e da força do Amor divino, que a atrai, permeia, incendeia.

É o Amor crucificado que ficou impresso em sua carne, como naquela de São Francisco de Assis, com os estigmas de Jesus.

“Minha esposa – me sussurra o Cristo crucificado –me são caras as penitências que fazes por aqueles que estão em minha desgraça...

Depois, puxando o braço da cruz, me faz sinal para que me encoste ao Seu lado... E eu me encontro nos braços do Crucificado. Aquilo que eu senti naquele momento não posso narrar: gostaria

de estar para sempre em Seu santíssimo lado” (ibid., I, 37). É também uma imagem do seu caminho espiritual, da sua vida

interior: estar no abraço do Crucificado e, assim, estar no amor de Cristo pelos outros. Também com a Virgem Maria Verônica vive

uma relação de profunda intimidade, testemunhada nas palavras que sente dizer um dia sobre Nossa Senhora e que escreve em seu

Diario: “Eu te fiz repousar no meu seio, tivestes a união com a minha alma, e dessa fostes como em vôo levada diante de Deus”

(IV, 901).

Santa Verônica Giuliani convida-nos a fazer crescer, na nossa vida cristã, a união com o Senhor no ser pelos outros, abandonando-

nos à Sua vontade com confiança completa e total, e a união com a Igreja, Esposa de Cristo; convida-nos a participar do amor

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sofredor de Jesus Crucificado pela salvação de todos os pecadores; convida-nos a ter o olhar fixo no Paraíso, meta do nosso caminho terreno, onde viveremos junto a tantos irmãos e irmãs a alegria

da comunhão plena com Deus; convida-nos a nutrir-nos cotidianamente da Palavra de Deus para aquecer o nosso coração

e orientar nossa vida. As últimas palavras da Santa podem ser consideradas a síntese da sua apaixonada experiência mística: “Encontrei o Amor, o Amor deixou-Se contemplar!”. Obrigado.

Santa Juliana de Cornillon 

Queridos irmãos e irmãs,

 

Também esta manhã gostaria de vos apresentar uma figura feminina pouco conhecida, mas à qual a Igreja deve um grande

reconhecimento, não apenas pela sua santidade de vida, mas também porque, com o seu intenso fervor, contribuiu para a instituição de

uma das solenidades litúrgicas mais importantes do ano, a do Corpus Christi. Trata-se de Santa Juliana de Cornillon, também conhecida

como Santa Juliana de Liège. Dispomos de alguns dados sobre a sua vida, sobretudo através de uma biografia, escrita provavelmente por

um eclesiástico seu contemporâneo, em que são reunidos vários testemunhos de pessoas que conheceram a Santa de modo directo.

Juliana nasceu entre 1191 e 1192 nos arredores de Liège, na Bélgica. É importante ressaltar esta localidade, porque naquela época a

Diocese de Liège era, por assim dizer, um verdadeiro «cenáculo eucarístico». Antes de Juliana, teólogos insignes explicaram ali o valor

supremo do Sacramento da Eucaristia e, ainda em Liège, havia grupos femininos generosamente dedicados ao culto eucarístico e à

comunhão fervorosa. Orientadas por sacerdotes exemplares, elas viviam juntas, dedicando-se à oração e às obras de caridade.

Tendo ficado órfã com 5 anos de idade, Juliana com a sua irmã Inês foram confiadas aos cuidados das monjas agostinianas do convento-

leprosário de Mont-Cornillon. Foi educada principalmente por uma religiosa chamada Sapiência, que acompanhou também o seu

amadurecimento espiritual, até quando a própria Juliana recebeu o hábito religioso, tornando-se também ela uma monja agostiniana.

Adquiriu uma cultura notável, a tal ponto que lia as obras dos Padres da Igreja em língua latina, em particular Santo Agostinho e São

Bernardo. Além de ter uma inteligência perspicaz, Juliana demonstrava desde o início uma propensão especial para a contemplação; era

dotada de um profundo sentido da presença de Cristo, que experimentava vivendo de modo particular o Sacramento da Eucaristia e

detendo-se com frequência para meditar sobre estas palavras de Jesus: «Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo»

(Mt 28, 20).

Com a idade de 16 anos teve uma primeira visão, que depois se repetiu várias vezes nas suas adorações eucarísticas. A visão apresentava

a lua no seu mais completo esplendor, com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor levou-a a compreender o

significado daquilo que lhe tinha aparecido. A lua simbolizava a vida da Igreja na terra, a linha opaca representava, ao contrário, a ausência

de uma festa litúrgica, para cuja instituição se pedia a Juliana que trabalhasse de maneira eficaz: ou seja, uma festa em que os fiéis

pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a fé, prosperar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.

Durante cerca de 20 anos Juliana, que entretanto se tinha tornado priora do convento, conservou no segredo esta revelação, que tinha

enchido de alegria o seu coração. Sucessivamente, confiou-se com outras duas fervorosas adoradoras da Eucaristia: a Beata Eva, que

levava uma vida eremítica, e Isabel, que se tinha unido a ela no mosteiro de Mont-Cornillon. As três mulheres estabeleceram uma espécie

de «aliança espiritual», com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento. Quiseram envolver também um sacerdote muito estimado,

João de Lausanne, cónego na igreja de São Martinho em Liège, pedindo-lhe que interpelasse teólogos e eclesiásticos sobre aquilo que elas

estimavam. As respostas foram positivas e encorajadoras.

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O que aconteceu com Juliana de Cornillon repete-se frequentemente na vida dos Santos: para ter uma confirmação de que uma inspiração

vem de Deus, é preciso imergir-se sempre na oração, saber esperar com paciência, procurar a amizade e o confronto com outras almas

boas e submeter tudo ao juízo dos Pastores da Igreja. Foi precisamente o Bispo de Liège, D. Roberto de Thourotte que, após hesitações

iniciais, aceitou a proposta de Juliana e das suas companheiras, e instituiu pela primeira vez a solenidade do Corpus Christi na sua Diocese.

Mais tarde, também outros Bispos o imitaram, estabelecendo a mesma festa nos territórios confiados aos seus cuidados pastorais.

Todavia, aos Santos o Senhor pede com frequência que superem as provas, para que a sua fé seja incrementada. Aconteceu também com

Juliana, que teve de sofrer a dura oposição de alguns membros do clero e do próprio superior de quem dependia o seu mosteiro. Então,

voluntariamente, Juliana deixou o convento de Mont-Cornillon com algumas companheiras e, durante 10 anos, de 1248 a 1258, foi hóspede

de vários mosteiros de religiosas cistercienses. Edificava todos com a sua humildade, nunca tinha palavras de crítica ou de repreensão para

os seus adversários, mas continuava a difundir com zelo o culto eucarístico. Faleceu no ano de 1258 em Fosses-La-Ville, na Bélgica. Na cela

onde jazia foi exposto o Santíssimo Sacramento e, segundo as palavras do seu biógrafo, Juliana faleceu contemplando com um último

ímpeto de amor Jesus Eucaristia, por ela sempre amado, honrado e adorado.

Pela boa causa da festa do Corpus Christi foi conquistado também Tiago Pantaleão de Troyes, que conhecera a Santa durante o seu

ministério de arquidiácono em Liège. Foi precisamente ele que, tendo-se tornado Papa com o nome de Urbano IV, em 1264, instituiu a

solenidade do Corpus Christi como festa de preceito para a Igreja universal, na quinta-feira sucessiva ao Pentecostes. Na Bula de instituição,

intitulada Transiturus de hoc mundo (11 de Agosto de 1264), o Papa Urbano evoca com discrição também as experiências místicas de

Juliana, valorizando a sua autenticidade, e escreve: «Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião é

justo que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória. Com efeito, as outras coisas que comemoramos,

compreendemo-las com o espírito e com a mente, mas não por isso alcançamos a sua presença real. Ao contrário, nesta comemoração

sacramental de Cristo, ainda que seja de outra forma, Jesus Cristo está presente no meio de nós na sua própria substância. Com efeito,

quando estava prestes a subir ao Céu, Ele disse: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20)».

O próprio Pontífice quis dar o exemplo, celebrando a solenidade do Corpus Christi em Orvieto, cidade onde então residia. Precisamente por

uma sua ordem, na Catedral dessa Cidade conservava-se — e ainda hoje se conserva — o célebre corporal com os vestígios do milagre

eucarístico ocorrido no ano precedente, 1263, em Bolsena. Enquanto consagrava o pão e o vinho, um sacerdote foi arrebatado por fortes

dúvidas sobre a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia. Milagrosamente, algumas gotas de sangue

começaram a brotar da Hóstia consagrada, confirmando desta maneira o que a nossa fé professa. Urbano IV pediu a um dos maiores

teólogos da história, S. Tomás de Aquino — que naquela época acompanhava o Papa e estava em Orvieto — que compusesse os textos do

ofício litúrgico desta grande festividade. Eles, ainda hoje em vigor na Igreja, são obras-primas em que se fundem teologia e poesia. São

textos que fazem vibrar as cordas do coração para expressar louvor e gratidão ao Santíssimo Sacramento, enquanto a inteligência,

insinuando-se com admiração no mistério, reconhece na Eucaristia a presença viva e verdadeira de Jesus, do seu Sacrifício de amor que nos

reconcilia com o Pai e nos confere a salvação.

Embora depois da morte de Urbano IV a celebração da festa do Corpus Christi tenha sido limitada a algumas regiões da França, da

Alemanha, da Hungria e da Itália setentrional, foi ainda um Pontífice, João XXII, que em 1317 a restabeleceu para toda a Igreja. Dessa época

em diante, a festa conheceu um desenvolvimento maravilhoso, e ainda agora é muito sentida pelo povo cristão.

Gostaria de afirmar com alegria que hoje, na Igreja, tem lugar uma «primavera eucarística»: quantas pessoas se detêm silenciosas diante

do Tabernáculo, para manter um diálogo de amor com Jesus! É consolador saber que não poucos grupos de jovens redescobriram a beleza

de rezar em adoração diante do Santíssimo Sacramento. Penso, por exemplo, na nossa adoração eucarística no Hyde Park, em Londres.

Rezo a fim de que esta «primavera» eucarística se difunda cada vez mais em todas as paróquias, de modo particular na Bélgica, pátria de

Santa Juliana. O Venerável João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, constatava que «em muitos lugares é dedicado amplo espaço à

adoração do Santíssimo Sacramento, tornando-se fonte inesgotável de santidade. A devota participação dos fiéis na procissão eucarística

da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça do Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam. E mais sinais

positivos de fé e de amor eucarísticos se poderiam mencionar» (n. 10).

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Recordando Santa Juliana de Cornillon, renovemos também nós a fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Como nos ensina o Compêndio

do Catecismo da Igreja Católica, «Jesus Cristo está presente na Eucaristia de um modo único e incomparável. De facto, está presente de

modo verdadeiro, real e substancial: com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade. Nela está presente de modo

sacramental, isto é, sob as espécies eucarísticas do pão e do vinho, Cristo completo: Deus e homem» (n. 282).

Caros amigos, a fidelidade ao encontro com Cristo Eucarístico na Santa Missa dominical é essencial para o caminho de fé, mas procuremos

também ir visitar frequentemente o Senhor presente no Tabernáculo! Contemplando em adoração a Hóstia consagrada, nós encontramos o

dom do amor de Deus, encontramos a Paixão e a Cruz de Jesus, assim como a sua Ressurreição. Precisamente através do nosso olhar de

adoração, o Senhor atrai-nos para Si, para dentro do seu mistério, em vista de nos transformar do mesmo modo como transforma o pão e o

vinho. Os Santos sempre hauriram força, consolação e alegria do encontro eucarístico. Com as palavras do Hino eucarístico Adoro te devote

repitamos diante do Senhor presente no Santíssimo Sacramento: «Fazei-me crer cada vez mais em Vós, que em Vós eu tenha esperança,

que eu vos ame!». Obrigado.

__________________________________________

Beata Ângela de Poligno 

Estimados irmãos e irmãs

 

Hoje gostaria de vos falar sobre a Beata Ângela de Foligno, uma grande mística medieval que viveu no século XIII. Geralmente, ficamos

fascinados diante dos ápices da experiência de união com Deus que ela conseguiu alcançar, mas talvez sejam considerados demasiado

pouco os primeiros passos, a sua conversão e o longo caminho que a levou desde o ponto de partida, o «grande medo do inferno», até à

meta, que é a união total com a Trindade. A primeira parte da vida de Ângela não é certamente a de uma fervorosa discípula do Senhor.

Tendo nascido por volta de 1248 numa família abastada, ela permaneceu órfã de pai e foi educada pela mãe de modo bastante superficial.

Muito cedo, foi introduzida nos ambientes mundanos da cidade de Foligno, onde conheceu um homem com o qual casou aos vinte anos e do

qual teve alguns filhos. Levava uma vida despreocupada, a ponto de se permitir desprezar os chamados «penitentes» — muito difundidos

naquela época — ou seja, aqueles que para seguir Cristo vendiam os próprios bens e viviam na oração, no jejum, no serviço à Igreja e na

caridade.

Alguns acontecimentos, como o violento tremor de terra de 1279, um furacão, a prolongada guerra contra Perúsia e as suas duras

consequências incidem na vida de Ângela, que progressivamente adquire consciência dos próprios pecados, até chegar a um passo

decisivo: invoca São Francisco, que lhe aparece em visão, para lhe pedir conselho em vista de uma boa Confissão geral que devia realizar:

estamos no ano de 1285; Ângela confessa-se a um frade em São Feliciano. Três anos mais tarde, o caminho da conversão conhece mais

uma mudança: a dissolução dos vínculos afectivos porque, em poucos meses, à morte da mãe seguem-se a do marido e de todos os seus

filhos. Então, vende os seus bens e, em 1291, adere à Terceira Ordem de São Francisco. Falece em Foligno no dia 4 de Janeiro de 1309.

O livro da Beata Ângela de Foligno, em que está contida a documentação a propósito da nossa Beata, narra esta conversão; indica os meios

necessários para isto: a penitência, a humildade e as tribulações; e descreve as suas passagens, a sucessão das experiências de Ângela,

que começaram em 1285. Recordando-as, depois de as ter vivido, ela procurou narrá-las através do Frade confessor, que as transcreveu

procurando sucessivamente dispô-las em etapas, às quais chamou «passos ou mudanças», mas sem conhecer ordená-las plenamente (cf. Il

Libro della beata Angela da Foligno, Cinisello Balsamo 1990, pág. 51). Isto porque a experiência de união para a Beata Ângela é um

envolvimento total dos sentidos espirituais e corporais, e daquilo que ela «compreende» durante as suas êxtases só permanece, por assim

dizer, uma «sombra» na sua mente. «Ouvi verdadeiramente estas palavras — confessa ela depois de um arrebatamento místico — mas

aquilo que eu vi e compreendi, e que Ele [ou seja, Deus] me mostrou, não sei nem posso dizê-lo de qualquer modo; não obstante, revelaria

de bom grado aquilo que entendi com as palavras que ouvi, mas foi um abismo absolutamente inefável». Ângela de Foligno apresenta a sua

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«vivência» mística, sem a elaborar com a mente, uma vez que são iluminações divinas que se comunicam à sua alma de maneira repentina

e inesperada. O próprio Frade confessor tem dificuldade em descrever tais acontecimentos, «também por causa da sua grande e admirável

discrição em relação aos dons divinos» (Ibid., pág. 194). À dificuldade que Ângela tem de descrever a sua experiência mística, acrescenta-

se inclusive a dificuldade para os seus ouvintes de a compreender. Uma situação que indica claramente como o único e verdadeiro Mestre,

Jesus, vive no coração de cada crente e deseja tomar posse total do mesmo. Assim ocorreu em Ângela, que escrevia a um dos seus filhos

espirituais: «Meu filho, se tu visses o meu coração, serias absolutamente obrigado a fazer tudo quanto Deus deseja, porque o meu coração

é o de Deus, e o coração de Deus é o meu». Ressoam aqui as palavras de São Paulo: «Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim»

(Gl 2, 20).

Então, consideremos aqui unicamente alguns «passos» do rico caminho espiritual da nossa Beata. O primeiro, na realidade, é uma

premissa: «Foi o conhecimento do pecado — como ela mesma esclarece — a seguir ao qual a alma teve um grande medo de ser

condenada; neste passo, chorou amargamente» (Il Libro della beata Angela da Foligno, pág. 39). Este «medo» do inferno corresponde ao

tipo de fé que Ângela tinha no momento da sua «conversão»; uma fé ainda pobre de caridade, ou seja, do amor de Deus. Arrependimento,

medo do inferno e penitência abrem a Ângela a perspectiva do doloroso «caminho da cruz» que, do oitavo ao décimo quinto passo, a levará

depois pelo «caminho do amor». O Frade confessor narra: «Então, a fiel disse-me: tive esta revelação divina: “Depois daquilo que foi escrito,

manda escrever que quem quiser conservar a graça, não deve afastar os olhos da alma da Cruz, tanto na alegria como na tristeza que lhe

concedo ou permito”» (Ibid., pág. 143). Mas nesta fase, Ângela ainda «não sente o amor»; ela afirma: «A alma sente vergonha e amargura,

e ainda não experimenta o amor, mas sim a dor» (Ibid., pág. 39), e sente-se insatisfeita.

Ângela sente que deve dar algo a Deus para reparar os seus pecados, mas lentamente compreende que nada tem para lhe oferecer, aliás,

que «não é nada» diante dele; entende que não será a sua vontade que lhe dará o amor de Deus, porque ela só pode dar-lhe o seu «nada»,

o «desamor». Como ela mesma dirá: apenas «o amor verdadeiro e puro, que vem de Deus, está na alma e faz com que ela reconheça os

próprios defeitos e a bondade divina [...] Tal amor leva a alma a Cristo e ela compreende com segurança que não se pode verificar nem

haver qualquer engano. A tal amor não se pode misturar algo deste mundo» (Ibid., págs. 124-125). Abrir-se única e totalmente ao amor de

Deus, que tem a máxima expressão em Cristo: «Ó meu Deus — reza ela — tornai-me digna de conhecer o mistério excelso, que o vosso

amor ardentíssimo e inefável realizou, juntamente com o amor pela Trindade, ou seja, o mistério altíssimo da vossa santíssima encarnação

por nós [...] Ó amor incompreensível! Acima deste amor, que fez com que o meu Deus se tenha feito homem para me fazer Deus, não

existe amor maior» (Ibid., pág. 295). Todavia, o coração de Ângela traz sempre as feridas do pecado; mesmo depois de uma Confissão bem

feita, ela sentia-se perdoada mas ainda angustiada pelo pecado, livre mas condicionada pelo passado, absolvida mas carente de penitência.

E inclusive o pensamento do inferno a acompanha, pois quanto mais a alma progredir pelo caminho da perfeição cristã, tanto mais ela se

há-de convencer não só que é «indigna», mas que é merecedora do inferno.

E eis que, ao longo do seu caminho místico, Ângela compreende de modo profundo a realidade central: aquilo que a salvará da sua

«indignidade» e do «merecimento do inferno» não será a sua «união com Deus», nem a sua posse da «verdade», mas sim Jesus crucificado,

«a sua crucifixão por mim», o seu amor. No oitavo passo ela diz: «Contudo, eu ainda não entendia se era um bem maior a minha libertação

dos pecados e do inferno, e a conversão à penitência, ou então a sua crucifixão por mim» (Ibid., pág. 41). Trata-se do equilíbrio instável

entre amor e dor, que ela sentia em todo o seu difícil caminho rumo à perfeição. Precisamente por isso, contempla de preferência Cristo

crucificado, porque em tal visão ela vê realizado o equilíbrio perfeito: na cruz está o homem-Deus, num supremo gesto de sofrimento que é

um acto supremo de amor. Na terceira Instrução, a Beata insiste sobre esta contemplação, afirmando: «Quanto mais perfeita e puramente

virmos, tanto mais perfeita a puramente amaremos [...] Por isso, quanto mais virmos Deus e o homem Jesus Cristo, tanto mais seremos

transformados nele através do amor [...] Aquilo que eu disse do amor [...] digo-o também da dor: quanto mais a alma contempla a dor

inefável de Deus e do homem Jesus Cristo, tanto mais sofre e é transformada em dor» (Ibid., págs. 190-191). Identificar-se, transformar-se

no amor e nos sofrimentos de Cristo crucificado, identificar-se com Ele. A conversão de Ângela, que teve início com aquela Confissão de

1285, só alcançará o amadurecimento quando o perdão de Deus aparecer na sua alma como a dádiva gratuita de amor do Pai, nascente de

amor: «Ninguém pode desculpar-se — afirma ela — porque todos podem amar a Deus, e Ele só pede à alma que o ame, uma vez que Ele a

ama e é o seu amor» (Ibid., pág. 76).

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No itinerário espiritual de Ângela, a passagem da conversão para a experiência mística, daquilo que se pode expressar para o que é

inefável, tem lugar através do Crucificado. É o «Deus-homem apaixonado» que se torna o seu «mestre de perfeição». Toda a sua

experiência mística consiste, portanto, em tender para uma «semelhança» perfeita com Ele, mediante purificações e transformações cada

vez mais profundas e radicais. A este maravilhoso empreendimento, Ângela dedica-se inteirtamente, de alma e corpo, sem se poupar a

penitências e tribulações, desde o início até ao fim, desejando morrer com todos os sofrimentos padecidos pelo Deus-homem crucificado,

para ser transformada totalmente nele: «Ó filhos de Deus — ela recomendava — transformai-vos totalmente no Deus-homem apaixonado,

que vos amou a ponto de se dignar morrer por vós com uma morte extremamente ignominiosa, total e inefavelmente dolorosa, de modo

penosíssimo e amarguíssimo. E isto somente por amor a ti, ó homem!» (Ibid., pág. 247). Esta identificação significa também viver aquilo

que Jesus viveu: pobreza, desprezo e dor, porque — como ela afirma — «através da pobreza temporal, a alma encontrará riquezas eternas;

mediante o desprezo e a vergonha, ela alcançará a suma honra e uma glória excelsa; através de um pouco de penitência, feita com esforço

e dor, possuirá com infinita docilidade e consolação o sumo Bem, Deus eterno» (Ibid., pág. 293).

Da conversão à união mística com Cristo crucificado, ao inefável. Um caminho elevadíssimo, cujo segredo é a oração constante: «Quanto

mais rezares — afirma ela — tanto mais serás iluminado; quanto mais fores iluminado, tanto mais profunda e intensamente verás o sumo

Bem, o Ser sumamente bom; quanto mais profunda e intensamente O vires, tanto mais O amarás; quanto mais O amares, tanto mais serás

feliz; e quanto mais fores feliz, tanto mais compreenderás e serás capaz de o compreender. Em seguida, chegarás à plenitude da luz,

porque entenderás que não podes compreender» (Ibid., pág. 184).

Estimados irmãos e irmãs, a vida da Beata Ângela começa com uma existência mundana, bastante distante de Deus. Mas depois, o

encontro com a figura de São Francisco e, finalmente, o encontro com Cristo crucificado, desperta a alma para a presença de Deus, para o

facto de que somente com Deus a existência se torna verdadeiramente vida porque se torna, na dor pelo pecado, amor e alegria. E assim

nos fala a Beata Ângela. Hoje todos nós corremos o perigo de viver como se Deus não existisse: Ele parece tão distante da vida

contemporânea. Mas Deus tem mil modos, para cada um o seu, de se fazer presente na alma, de mostrar que existe, que me conhece e me

ama. E a Beata Ângela quer chamar a nossa atenção para estes sinais, com os quais o Senhor sensibiliza a nossa alma, atentos à presença

de Deus, para aprendermos assim o caminho com Deus e rumo a Deus, na comunhão com Cristo crucificado. Oremos ao Senhor para que

nos torne atentos aos sinais da sua presença, que nos ensine a viver realmente. Obrigado!

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4 de enero

Beata Ángela de Foligno (1249-1309)

por Isaac Vázquez, o.f.m.

. Ángela vino al mundo a mediados del siglo XIII, probablemente hacia el año 1249. La posteridad quiso inmortalizar con su nombre el de la bella ciudad que la vio nacer y que sesenta años después, en 1309, había de ser también el lugar de su sepultura. Si bien es cierto que los santos, ya en vida, son más moradores del cielo que de la tierra, no pueden, sin embargo, al igual que todos los mortales, sacudir del todo el lastre que los hace hijos de su tiempo y de su ambiente. La época en que vivió la beata Ángela presenta rasgos singulares, ricos en contrastes, como acontece siempre en toda época de transición.

Las grandes ideas características de la Edad Media brillan ya en la mitad del siglo XIII con luces de atardecer. Todos los sucesos de la sociedad de entonces nos hacen pensar en el ocaso, diríamos con Huizinga, en el otoño del medievo. La unidad de la «respublica christiana», que naciera del consorcio del sacerdocio y del imperio, quedaba gravemente lesionada, y prácticamente destruida, con Federico II, en lucha constante con el papado. Al lado del imperio pululaban en Alemania las ciudades libres, y en Italia los comunes, que luchaban unas veces contra la Iglesia en favor del emperador, y otras contra éste aliados con la Iglesia, según fuera su distintivo de gibelinos o güelfos. La fe operante y entusiasta que tantos cruzados empujara hacia el Oriente, languidecía con el postrer suspiro de san Luis; mientras las grandes síntesis escolásticas, expresión a la vez de la unidad y

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universalidad medievales, estaban perdiendo a sus geniales forjadores Alejandro de Halés, santo Tomás y san Buenaventura. En 1308, un año antes que la beata Ángela, muere Juan Duns Escoto. último gran escolástico. Pero entre las sombras crepusculares del medievo, se dibujan ya las luces del Renacimiento, con distintos cánones y nuevas ideas, que el Dante presiente y saluda en su Vita nuova. El geocentrismo, antropocentrismo e individualismo de la nueva era que nace, suplantan al teocentrismo y universalismo de la Edad Media que fenece. El pujante nacionalismo deshace en jirones la vieja túnica del Imperio. El Petrarca, tenido por muchos como el primer hombre moderno, canta las bellezas de su patria italiana y se inspira en la naturaleza y en el paisaje.

Ángela tuvo que vivir, pues, en una época fronteriza. Y en el drama de su vida, pecadora en un principio, santa después, no es difícil descubrir las huellas del ambiente en que se movió. De elevada posición, poseía riquezas, castillos, joyas y fincas. Se casó en temprana edad, y tuvo varios hijos. Tanto en sus años juveniles, como después en su estado de esposa y de madre, apuró pródiga la copa de los placeres que el mundo le brindaba. Ella misma confesará más tarde una y muchas veces sus graves desvaríos. Sin que nos veamos precisados a creer al pie de la letra la exactitud de estas confesiones, fruto más del arrepentimiento que de la verdad objetiva, no se pueden descartar tampoco los hechos que, por otra parte, están en conformidad con las circunstancias históricas que los rodean. En efecto, la cuna de Ángela fue mecida por aires nada saturados de clericalismo. Foligno, ciudad obstinadamente ligada al emperador, estaba siempre dispuesta a ponerse en pie de guerra contra cualquier pretensión del Papa. Pero la suerte de las armas muchas veces le era adversa, y uno de aquellos años sufrió una aplastante e ignominiosa derrota por parte de las fuerzas pontificias de Asís y de Perusa. ¿Quién duda de que entre la distinguida estirpe de Ángela no se encontrarían entonces rabiosos gibelinos, para quienes los nombres de curas, papas y frailes venían resultando sinónimos de declarados enemigos políticos? Nos dirá Ángela más tarde que en su madre encontraba gran obstáculo para la conversión.

Pero la gracia de Dios iba obrando en lo profundo de su alma. Las circunstancias han cambiado con el tiempo. Es hacia el año 1285. Foligno es ahora una ciudad súbdita del Papa y protegida por él. Ángela anda en sus treinta y cinco. Sus pecados de la juventud comienzan a producirle cierto escozor en la conciencia. Le llega también la prueba. En breve tiempo pierde a su madre, a su marido y a sus hijos. Huérfana de sus seres queridos, comienza a practicar la religión, pero en un principio sin apartarse del todo del pecado. Por eso hace comuniones sacrílegas, por no confesar sinceramente sus pecados. Es la hora de los confusos sentimientos: la lucha entre el espíritu y el cuerpo. Se halla sin luz, como Saulo en el camino de Damasco.

Pero allí cerca estaba Asís. «Oriente diré, que no Asís», cantó el Dante. El ejemplo de Francisco continuaba fascinando a muchas almas desde hacía casi un siglo. Para Ángela constituyó también un faro en esta noche oscura del espíritu. Un día en que se encontraba atormentada por remordimientos de conciencia, pidió a san Francisco que le sacara de aquellas torturas. Poco después entró en la iglesia de San Feliciano, donde predicaba a la sazón un religioso franciscano; se sintió tan conmovida que, al bajar el predicador, se postró ante su confesonario, y, con grande compunción, hizo confesión general de toda su vida, quedando muy consolada.

El fraile se llamaba Arnaldo, cuya vida, al igual que la de nuestra Beata, no ha podido ser hasta ahora suficientemente estudiada, por falta de datos. Parece ser, sin embargo, que pertenecía a la comunidad de Asís, y que en la Orden seguía la corriente de los llamados «Espirituales», grupo que hicieron célebre, entre otros, los nombres de Pedro Juan Olivi, Ángel Clareno, Hubertino de Casale y el mismo Juan de Parma, general que fue de toda la Orden. Lo que sí sabemos ciertamente de fray Arnaldo es que, a partir de la conversión de Ángela, pasó a ser su confesor, su director y su confidente espiritual. Gracias a sus ruegos y a su pluma de amanuense, la posteridad puede saborear la Autobiografía de la beata Ángela, conocida también con el nombre de Memorialfray Arnaldo, verdadero tesoro de teología espiritual, donde se encierran las inefables experiencias místicas de esta alma, desde su conversión, en 1285, hasta el año 1296, en que se consuman sus admirables ascensiones

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hasta la contemplación del misterio de la Santísima Trinidad.

Pasman los prodigios que la divina gracia, en tan breve tiempo, ha obrado en esta alma privilegiada. Su trato íntimo con la divinidad, sus éxtasis escalofriantes, los secretos celestiales que en ellos se le confiaban, son más para admirados que para descritos. L. Leclève no duda en afirmar que Ángela de Foligno, por el crecido número de sus visiones, solamente admite parangón con Teresa de Avila; y a ambas llama reinas de la teología mística.

Nuestra pobre fraseología humana resulta inadecuada para captar los misteriosos coloquios entre Ángela y la divinidad. La misma Beata sufría y se lamentaba, porque después de escuchar la lectura de lo que acababa de dictar a fray Arnaldo, le parecía que allí no se contenían más que blasfemias y burlas. Así son de mezquinos nuestros conceptos humanos cuando se los quiere hacer pasar por vehículos de realidades divinas.

Si estas dificultades encuentran los santos para exteriorizar sus propias experiencias, ¿qué pasará cuando los hombres se afanan por querer clasificarlas y analizarlas desde afuera y a distancia? Dejemos a los santos saborear dulcemente las inefables dulzuras nacidas del contacto íntimo con la divinidad. Las flores de la vida mística crecen, como las estrellas alpinas, en las cumbres de las altas montañas, y no a todos es dado llegar a esas alturas para disfrutar de su aroma. Unos habrán de contentarse con acampar muy cerca de la cima; otros, a la mitad; algunos, tal vez los más, apenas si habrán caminado unos pasos hacia la cúspide de la montaña. Pero lo que sí es cierto es que todos deben intentar subir la cuesta de la montaña espiritual; diríase con otras palabras, todos están llamados a ejercitarse en la vida ascética, mediante la posesión de las virtudes cristianas y la práctica de la perfección, rastreando los senderos, a veces tortuosos y empinados, que conducen a las recónditas alturas de la mística. En electo, estas dos vías, ascética y mística, no se desenvuelven a manera de dos paralelas, sino que constituyen, en el pensamiento de la beata Ángela, las dos mitades, inicial y terminal respectivamente, de una misma vida espiritual. Así, pues, si no todos los cristianos podrán tocar con sus manos el término de esa línea ascendente, todos, sin embargo, están obligados a no desistir de lanzarse a la carrera espiritual. «Y que nadie se excuse –les advierte la Beata– con que no tiene ni puede hallar la divina gracia, pues Dios, que es liberalísimo, con mano igualmente pródiga la da a todos cuantos la buscan y desean».

Cosas admirables sobre la perfección ha dejado escritas la beata Ángela. En dieciocho etapas va describiendo, en el primer capítulo de su autobiografía, el laborioso proceso de su conversión, desde que comenzó a sentir la gravedad de sus pecados y el miedo de condenarse hasta el momento en que al oír hablar de Dios se sentía presa de tal estremecimiento de amor, que aun cuando alguien suspendiera sobre su cabeza una espada, no podía evitar los movimientos. A la beata Ángela se le atribuyen, además de la Autobiografía de fray Arnaldo, unas exhortaciones, algunas epístolas y un testamento espiritual, que han merecido a su autora ser considerada por algunos nada menos que como magistra theologorum. Sin ocultar el tono de exageración que el cariño de los discípulos ha puesto en este elogio hacia la madre espiritual, hay que reconocer que los opúsculos de la beata Ángela recogen lo mejor que de teología ascética habían escrito los grandes maestros de la escolástica; y colocada además providencialmente en los umbrales de una época nueva, logra trasvasar a los odres del Renacimiento los vinos añejos de la espiritualidad del siglo XIII. Los aires renacentistas de acercamiento al hombre, a lo individual y concreto, la mueven a abrazar el pensamiento franciscano que coloca a Cristo, Hombre- Dios, por centro de toda la vida espiritual, ejemplar de todas las virtudes y única vía para caminar hacia la perfección. Empapada en el espíritu de san Francisco, a cuya Tercera Orden de Penitencia se incorporó desde los primeros días de su conversión, e inspirada en el pensamiento bonaventuriano, la beata Ángela es la gran mística de la humanidad de Cristo. La imitación de Cristo- Hombre, mediante el ejercicio de las virtudes, es la meta de la ascética, así como la unión con Dios, por medio de Cristo, es la consumación y remate de la mística.

Pero la espiritualidad de nuestra Beata recibe modalidades nuevas, dentro de lo franciscano; pues mientras el cristocentrismo de la escuela franciscana, en general, se orienta hacia la Encarnación, hay que reconocer que

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para la beata Ángela todo gira en torno a la cruz. La pasión y muerte de Cristo es la demostración más grande de amor que el Hijo de Dios ha podido dar a los hombres. Cristo desde la cruz es el Libro de la Vida, como lo llama ella, en el cual debe leer todo aquel que quiera encontrar a Dios. Era tal la devoción que sentía hacia la cruz que, si le cuadraba contemplar una estampa o un cuadro en que se representaba alguna escena de la pasión, se apoderaba de sus miembros la fiebre y caía enferma. Por eso la compañera procuraba esconderle las representaciones de la pasión, para que no las viese. Sus opúsculos fueron editados varias veces, en siglos pasados, con el título significativo de Theologia Crucis. En la meditación de la pasión era donde conocía con más viveza la gravedad de sus pecados pasados, y los lloraba con mayor dolor. Aquí es donde se decide a tomar resoluciones que dan nuevo rumbo a su vida. «En esta contemplación de la cruz –refiere ella– ardía en tal fuego de amor y de compasión que, estando junto a la cruz, tomé el propósito de despojarme de todas las cosas, y me consagré enteramente a Cristo.» La pobreza, la estricta pobreza de espíritu, era la contraseña que ella exigía para distinguir los verdaderos discípulos de Cristo. Muchos se profesan de palabra seguidores de Cristo; pero en realidad y de hecho abominan de Cristo y de su pobreza. En las páginas de sus opúsculos el amante de la historia podrá descubrir las inquietudes en torno a la pobreza de Cristo que convivieron los espirituales franciscanos y nuestra Beata de Foligno.

Junto a la cruz, la beata Ángela aprendió a ser la gran confidente del Sagrado Corazón de Jesús, muchos siglos antes que santa Margarita María recibiera los divinos mensajes. «Un día en que yo contemplaba un crucifijo, fui de repente penetrada de un amor tan ardiente hacia el Sagrado Corazón de Jesús, que lo sentía en todos mis miembros. Produjo en mí ese sentimiento delicioso el ver que el Salvador abrazaba mi alma con sus dos brazos desclavados de la cruz. Parecióme también en la dulzura indecible de aquel abrazo divino que mi alma entraba en el Corazón de Jesús.» Otras veces se le aparecía el Sagrado Corazón para invitarla a que acercase los labios a su costado y bebiese de la sangre que de él manaba. Abrasada en esta hoguera de amor, nada tiene de extraño que se derritiese en ardientes deseos de padecer martirio por Cristo.

El amor que Cristo nos demostró en la cruz, se perpetúa a través de los siglos de una manera real en el sacramento de nuestros altares. La devoción a la Eucaristía, tan característica de los tiempos modernos, tiene una eminente precursora en la beata Ángela. Fueron muchas las visiones, con que el Señor la recreó en el momento de la consagración, o durante la adoración de la sagrada hostia. Siete consideraciones dedica a la ponderación de los beneficios que en este sacramento se encierran. El cristiano debe acercarse con frecuencia a este sacramento, seguro de que, si medita en el grande amor que en él se contiene, sentirá inmediatamente transformada su alma en ese mismo divino amor. La Beata exhorta, sin embargo, a cada cristiano a que se haga, a modo de preparación, las siguientes consideraciones: ¿A quién se acerca? ¿Quién es el que se acerca? ¿En qué condiciones y por qué motivos se acerca?

Abrazada con Cristo en la Cruz, arrimada a su costado y confortada con el Pan de Vida, la beata Ángela recibió la visita de la hermana muerte. Eran las últimas horas del día 4 de enero de 1309 cuando esta privilegiada mujer, rodeada de un gran coro de hijos espirituales, entregaba plácidamente su alma al Redentor. Su cuerpo fue sepultado en la iglesia del convento franciscano de Foligno. Sobre su sepulcro comenzó Dios a obrar en seguida muchos milagros. El papa Clemente XI aprobó el culto, que se le tributó constante, el día 30 de abril de 1707.

Santa Ângela de Foligno

A história de Santa Ângela, considerada uma das primeiras místicas italianas, poderia ser o roteiro de um romance ou novela, com final feliz, é claro. Transformou-se de mulher fútil e despreocupada em mística e devota, depois literata, teóloga e, finalmente, santa. A data mais aceita para o nascimento de Ângela, em Foligno, perto de Assis e

de Roma, é o ano 1248. Ela pertencia à uma família relativamente rica e bem situada socialmente. Ainda muito jovem casou-se com um nobre e passou a levar uma vida ainda mais confortável, voltada para as vaidades, festas e recreações mundanas. Assim viveu até os trinta e sete anos, quando uma tragédia avassaladora mudou sua vida.

Num curto espaço de tempo perdeu os pais, o marido e todos os numerosos filhos, um a um. Mas, ao invés de esmorecer, uma mulher forte e confiante nasceu daquela seqüência de mortes e sofrimento, cheia de fé em Deus e no seu conforto espiritual. Como conseqüência, em 1291 fez os votos religiosos, doando todos os seus bens para

os pobres e entrando para a Ordem Terceira de São Francisco, trocando a futilidade por penitências e orações. O dom místico começou a se manifestar quando Santa Ângela recebeu em sonho a orientação de São Francisco para que fizesse uma peregrinação a Assis. Ela obedeceu, e a partir daí as manifestações não pararam mais.

Contam seus escritos que ela chegava a sentir todo o flagelo da paixão de Cristo, nos ossos e juntas do próprio corpo. Todas essas manifestações, acompanhadas e testemunhadas por seu diretor espiritual, Santo Arnaldo de Foligno, foram registradas em narrações que ela escrevia em dialeto úmbrio e que eram transcritas imediatamente para o latim ensinado nas escolas, para que pudessem ser aproveitados imediatamente por toda a cristandade. Trinta e cinco dessas passagens foram editadas com o título

"Experiências espirituais, revelações e consolações da Bem-Aventurada Ângela de Foligno", livro que passou a ser básico para a formação de religiosos e trouxe para a Santa o título de "Mestra dos Teólogos". Muitos dos quais a comparam como Santa Tereza d'Ávila e Santa Catarina de Sena.

Ângela terminou seus dias orientando espiritualmente, através de cartas, centenas de pessoas que pediam seus conselhos. Ao Santo Arnaldo, à quem ditou sua

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autobiografia, disse o seguinte: "Eu, Ângela de Foligno, tive que atravessar muitas etapas no caminho da penitencia e conversão. A primeira foi me convencer de como o pecado é grave e danoso. A segunda foi sentir arrependimento e vergonha por ter ofendido a bondade de Deus. A terceira me confessar de todos os meus pecados. A quarta me convencer da grande misericórdia que Deus tem para com os pecadores que desejam ser perdoados. A quinta adquirir um grande amor e reconhecimento por tudo o que Cristo sofreu por todos nós. A sexta sentir um profundo amor por Jesus Eucarístico. A sétima aprender a orar, especialmente rezar com amor e atenção o Pai Nosso. A oitava procurar e tratar de viver em contínua e afetuosa comunhão com Deus". Na Santa Missa, ela muitas vezes via Jesus Cristo na Santa Hóstia. Morreu, em 04 de janeiro 1309,

já sexagenária, sendo enterrada na Igreja de São Francisco, em Foligno, Itália.

Seu túmulo foi cenário de muitos prodígios e graças. Assim, a atribuição de sua santidade aconteceu naturalmente, àquela que os devotos consideram como a padroeira das viúvas e protetora da morte prematura das crianças. Foi o Papa Clemente XI que reconheceu seu culto, em 1707. Porém ela já tinha sido descrita como Santa por vários outros pontífices, à exemplo de Paulo III em 1547 e Inocente XII em 1693. Mais recentemente o Papa Pio XI a mencionou também como Santa em uma carta datada de

1927.

SANTA ANGELA DE FOLIGNO (1248-1309)

Angela de Foligno nasceu em 1248 na cidade de Foligno, Úmbria,

Itália de pais ricos e não cristãos. Casou-se cedo e teve vários filhos.

Vivia uma vida mundana e as vezes sacrílega. Assim viveu até os

trinta e sete anos, quando uma tragédia avassaladora mudou sua

vida.

Num curto espaço de tempo perdeu os pais, o marido e todos os

numerosos filhos, um a um. Mas, ao invés de esmorecer, uma mulher

forte e confiante nasceu daquela seqüência de mortes e sofrimento,

cheia de fé em Deus e no seu conforto espiritual. Em seguida a uma

visão em 1285 ela se converteu. Como conseqüência, em 1291 fez os

votos religiosos, doando todos os seus bens para os pobres e

entrando para a Ordem Terceira de São Francisco, trocando a

futilidade por penitências e orações. O dom místico começou a se

manifestar quando Santa Ângela recebeu em sonho a orientação de

São Francisco para que fizesse uma peregrinação a Assis. Ela

obedeceu, e a partir daí as manifestações não pararam mais.

Ela experimentou várias experiências místicas relatadas pelo seu

biógrafo, Padre Arnaldo de Foligno. Notável por sua caridade,

visionária, mística é considerada a primeira escritora mística da

história da Igreja.

Ângela de Foligno deixou inúmeros escritos de natureza mística,

incluindo uma ampla autobiografia. Dedicou-se à meditação do

mistério da paixão de Jesus Cristo; ás atividades de oração e prática

da caridade. Segundo seus relatos teve visões místicas.

Contam seus escritos que ela chegava a sentir todo o flagelo da

paixão de Cristo, nos ossos e juntas do próprio corpo. Todas essas

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manifestações, acompanhadas e testemunhadas por seu diretor

espiritual, Santo Arnaldo de Foligno, foram registradas em narrações

que ela escrevia em dialeto úmbrio e que eram transcritas

imediatamente para o latim ensinado nas escolas, para que

pudessem ser aproveitados imediatamente por toda a cristandade.

Trinta e cinco dessas passagens foram editadas com o título

"Experiências espirituais, revelações e consolações da Bem-

Aventurada Ângela de Foligno", livro que passou a ser básico para a

formação de religiosos e trouxe para a Santa o título de "Mestra dos

Teólogos". Muitos dos quais a comparam como Santa Teresa de Ávila

e Santa Catarina de Sena.

Uma das passagens mais interessantes de sua vida foi quando ela

estava refletindo sobre a Paixão de Cristo e entrou em êxtase, no

qual Cristo lhe diz: “Não foi para brincar que te amei”. Segundo ela,

Jesus estava referindo-se ao Seu sacrifício na Cruz para nos salvar.

Sua espiritualidade se orienta para a Paixão e Morte de Jesus Cristo.

O Cristo da Cruz é o livro da vida, que deve ser por todo aquele que

deseja encontrá-lo. Era tamanha a vocação que ela nutria pela cruz,

que se contemplasse uma estampa ou quadro que representasse

alguma cena da Paixão, era acometida de febre.

Na meditação da Paixão era que tomava consciência da gravidade de

seus pecados passados, chorando-os com dor maior. Nesta

contemplação da cruz, ela mesma diz, ardia em tal fogo de amor e de

compaixão que, estando junto à cruz, tomei o propósito de despojar-

me de todas as coisas, e me consagrei inteiramente a Cristo.

Ângela terminou seus dias orientando espiritualmente, através de

cartas, centenas de pessoas que pediam seus conselhos. A Santo

Arnaldo ditou sua autobiografia. Na Santa Missa, ela muitas vezes

via Jesus Cristo na Santa Hóstia.

Um de seus livros mais conhecidos: "Theologia Crucis" é uma

belíssima meditação da Paixão de Cristo.

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Morreu na mesma cidade em que nasceu em 4 de janeiro de 1309 e

foi enterrada na Igreja de São Francisco de Assis em Foligno, Itália.

PENSAMENTOS DE ANGELA DE FOLIGNO

"Sem a luz de Deus ninguém se salva. Ela ajuda o homem a dar os

primeiros passos; ela o leva ao topo da perfeição. Por isso, aquele

que quiser começar a possuir esta luz de Deus, reze".

"Sua vida pode ser, mesmo quando sua língua está em silêncio, um

límpido espelho...".

"Quanto mais você rezar, mais luz receberá; e quanto mais luz

receber mais profundamente verá o sumo bem e a bondade dele

definida em todas as coisas. E, quanto melhor e mais profundamente

ver, mais o amará; e quanto mais o amar, mais será feliz; e quanto

mais for feliz, mais compreenderá Deus e será capaz de entendê-lo".

"A oração deverá ser feita na medida do possível, numa situação de

serenidade de espírito e, portanto, é possível, no silêncio e com a

alma livre de qualquer ansiedade".

"Não dormia. Ele chamou-me e disse-me que aplicasse os meus

lábios sobre a ferida do seu lado. Pareceu-me que aplicava os meus

lábios, e que bebia sangue, e neste sangue ainda quente eu

compreendi que ficava lavada. Eu senti pela primeira vez uma

grande consolação, misturada uma grande tristeza, porque tinha a

Paixão diante dos meus olhos. E solicitei do Senhor a graça de

derramar o meu sangue por Ele como Ele tinha derramado o seu

para mim".

“Quando a morte te arrancar deste mundo, cheio de vaidades e luxos

sem razão, e chegardes a Minha Presença para ser julgada... vendo

os pecados que os homens cometeram ao olhar para o teu corpo

escassamente coberto, tu própria ficarás envergonhada”.

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"Se você já estiver no caminho da perfeição e quiser que esta luz

aumente em você, reze; se você já alcançou a perfeição e quer mais

luz para poder nela perseverar, reze; se você quisera fé, reze; se

quiser a esperança, reze; se quiser a caridade, reze; se quiser a

pobreza, reze; se quiser a obediência, a castidade, a humildade, a

mansidão, a fortaleza, reze. Qualquer virtude que você queira, reze".

"É bom e muito agradável a Deus que tu ores com o fervor da graça

divina, que veles e te fatigues ao realizar toda ação boa; mas é mais

agradável e aceitável ao Senhor se, faltando a graça, não diminuas

tuas orações, tuas vigílias, tuas boas obras. Atue sem a graça da

mesma maneira como o fazias quando a possuías… tu fazes tua

parte, filho meu, e Deus fará a sua. A oração forçada, violenta, é

muito agradável a Deus".

"Seria mais tolerável para mim sofrer todas as dores, suportar as

torturas mais horrorosas dos mártires, que me ver exposta às

tentações diabólicas contra a pureza".

"Colocastes a humildade de coração e a mansidão por fundamento e

firme raiz de todas as virtudes... Por isso, Senhor, quisestes que, de

vós, principalmente, as aprendêssemos... Dai-me a graça de

estabelecer-me em tal alicerce! Fundada nesta base, esforce-me por

crescer. Se for a humildade meu alicerce, será minha conversação

toda angelical, pura, benigna e pacifica. Serei benévolo e agradável a

todos, e com todos mostrar-me-ei amável... Ó humildade, quantos

bens trazes, tu que fazes pacíficos e serenos os que te possuem!”

"O supremo bem da alma é a paz verdadeira e perfeita... Quem quer,

portanto, perfeito repouso trate de amar a Deus com todo o coração,

pois Deus mora no coração. Ele é o único que dá e que pode dar a

paz".

"Sepultei-me na paixão de Cristo, e me deu a esperança de que nela

encontraria minha libertação".

Page 46: Santa Gertrudes

"Ó nada desconhecido, ó nada desconhecido! Não pode a alma ter

melhor visão neste mundo do que contemplar o próprio nada e

habitar nele como a cela de um cárcere".

“Ó Deus-Homem doloroso, ensinai-me a considerar e imitar o

exemplo de vossa vida e a aprender de vós, ó modelo de toda

perfeição!... Fazei-me correr atrás de vós com todo o afeto de minha

alma, para chegar, com vossa guia, felizmente, à cruz".

“Ó Jesus, vossa primeira companhia na terra foi a pobreza

voluntária, contínua, perfeita, suprema... Quisestes viver e ser pobre

de todas as coisas temporais... Das coisas deste mundo só quisestes a

extrema indigência, com penúria, fome e sede, frio e calor, muita

fadiga, dureza e austeridade... Quisestes viver pobre de parentes e

amigos e de todo afeto deste mundo... Enfim, vos despojastes de vós

mesmo, exteriormente despido de vosso poder, sabedoria e glória".

"Eu, Ângela de Foligno, tive que atravessar muitas etapas no

caminho da penitencia e conversão. A primeira foi me convencer de

como o pecado é grave e danoso. A segunda foi sentir

arrependimento e vergonha por ter ofendido a bondade de Deus. A

terceira me confessar de todos os meus pecados. A quarta me

convencer da grande misericórdia que Deus tem para com os

pecadores que desejam ser perdoados. A quinta adquirir um grande

amor e reconhecimento por tudo o que Cristo sofreu por todos nós. A

sexta sentir um profundo amor por Jesus Eucarístico. A sétima

aprender a orar, especialmente rezar com amor e atenção o Pai

Nosso. A oitava procurar e tratar de viver em contínua e afetuosa

comunhão com Deus".