salgueirinho, sergio renato berna. o emprego estratégico do
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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2015
MONOGRAFIA (CAEPE)
O Emprego Estratégico do Porta-Aviões na defesa dos interesses de um
Estado
Capitão-de-Mar-e-Guerra
SERGIO RENATO BERNA SALGUEIRINHO
SERGIO RENATO BERNA SALGUEIRINHO
O EMPREGO ESTRATÉGICO DO PORTA-AVIÕES NA
DEFESA DOS INTERESSES DE UM ESTADO
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.
Orientador: CMG (RM1) Francisco José de
Matos.
Rio de Janeiro 2015
C2015 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do
trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são
de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG
_________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Salgueirinho, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do Porta-Aviões na Defesa dos Interesses
de um Estado / CMG Sergio Renato Berna Salgueirinho. - Rio de
Janeiro: ESG, 2015. 78 f.: il.
Orientador: CMG (RM1) Francisco José de Matos. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.
1. Porta-Aviões (PA). 2. Estratégia Marítima. 3. Poder Naval. 4.
Defesa e Segurança. 5. Marinha do Brasil (MB). 6. Força nucleada em PA (CSG). I.Título.
À minha amada família, minha esposa
Lilian e minhas filhas Manuela e Lívia, por
encherem a minha vida de felicidade e por
compreenderem as necessidades dos
momentos de minhas ausências.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que dedicaram suas vidas a criarem seus filhos, por todo o
esforço despendido para que nunca nos faltassem amor, carinho e educação.
A todos os meus professores, instrutores e chefes, que participaram da minha
formação intelectual e profissional na Marinha do Brasil e mesmo antes disso, pelos
exemplos e por terem contribuído com o meu aprendizado.
Ao Orientador e Amigo Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) Francisco José de
Matos, pela forma cortês, honesta, profissional e inteligente com que me orientou e
colaborou com o processo de elaboração deste trabalho.
Ao Amigo Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) Caetano Tepedino Martins, pela
iniciativa, incentivo e colaboração com a disponibilização de relevante material
bibliográfico que enriqueceu este trabalho.
Ao Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, pelos exemplos,
ensinamentos, dedicação e esforço que permitiram realizar o CAEPE 2015 da melhor
forma possível.
Aos estagiários da Turma “Destinos do Brasil”, pelo exemplar convívio
profissional e pelas demonstrações de respeito e amizade, ao longo de todo o Curso.
“Em cada uma das quatro maiores crises internacionais das quais
participei enquanto ocupava o Cargo de Chefe de Operações Navais [da
USN] - Jordânia, Setembro 1970; Indo-Paquistão, Dezembro 1971; Vietnã, Maio 1972; e Guerra do Yom
Kippur, 1973 – a aviação embarcada no Porta-Aviões (PA) foi a principal
ferramenta militar disponível para o Presidente [dos EUA] para o gerenciamento de crises”.
(Almirante ZUMWALT (USN) in
LEHMAN, 1978, p. 5 - tradução nossa)
RESUMO
Esta monografia analisa de forma abrangente e atual o papel do Porta-Aviões (PA) e
de sua Força nucleada em PA (CSG)1, suas competências, capacidades e eventuais
limitações frente aos desafios que lhe são impostos em qualquer parte do mundo e
não apenas em uma região em especial. O objetivo do estudo é, de forma teórica,
analisar em que medida o emprego das capacidades de uma Força nucleada em PA
atende aos interesses de segurança e de defesa de um Estado. A metodologia
adotada comportou uma pesquisa bibliográfica e documental, visando buscar
referenciais teóricos, além da experiência do autor como oficial de Marinha do Corpo
da Armada e de ex-tripulante o PA “São Paulo”, da Marinha do Brasil (MB). São
apresentados os principais autores e suas ideias a respeito do tema, como Geoffrey
Till, Norman Friedman e Robert Rubel. O campo de estudo delimitou-se ao universo
de todas as Marinhas que possuem PA em seu inventário, em especial à United States
Navy (USN), por ser incontestavelmente a mais bem aparelhada com seus onze PA.
Entretanto, também foi dada atenção especial ao caso da Marinha do Brasil,
encontrando-se no Anexo A deste trabalho uma análise dos documentos balizadores
da defesa nacional, enquadrando o emprego do PA, e um breve relato sobre a
experiência da MB na operação de seus dois PA ao longo de mais de cinquenta anos
de história. Os principais tópicos são: a organização e o funcionamento de uma Força
nucleada em PA, a concepção de uma Estratégia Marítima e o emprego do Poder
Naval de um Estado, as ameaças atuais à continuidade da existência dos PA e as
oportunidades para continuar efetivo. A conclusão indica sob que condições se deve
ou não empenhar expressivos recursos na obtenção e no emprego estratégico de um
PA, sintetizando os resultados das principais análises e conclusões ao longo do
estudo.
Palavras chave: Porta-Aviões (PA). Força nucleada em PA (CSG). Estratégia
Marítima. Poder Naval. Defesa e Segurança. Marinha do Brasil (MB).
1 A Força nucleada em Porta-Aviões é mundialmente conhecida como Carrier Strike Group (CSG). Disponível
em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Carrier_strike_group>. Acesso em: 24 jul 2015.
ABSTRACT
This monograph analyzes comprehensively and current the role of the Aircraft Carrier
(CV) and its Carrier Strike Group (CSG), their skills, capacities and limitations, face to
challenges that are imposed in any part of the world and not just in one region in
particular. The aim of this study is theoretical, examining to what extent the
employment of capacities of a Carrier Strike Group (CSG) meets the security and
defense interests of a State. The adopted methodology behaved a bibliographical
research and documentation, in order to get theoretical references, in addition to the
author's experience as a Navy Officer and former crew member of CV "São Paulo",
Brazilian Navy (MB). The main authors and their ideas on the subject, as Geoffrey Till,
Norman Friedman and Robert Rubel. The field of study has been circumscribed to the
universe of all navies that have CV in their inventory, in particular the United States
Navy (USN), because it is unquestionably the most well equipped with their eleven CV.
However, it was also given special attention to the case of the Brazilian Navy,
observing in Annex A of this study an analysis of the documents underpinning the
national defense, framing the use of CV, and a brief account about the experience of
MB on its two operational CV for over fifty years of history. The main topics are: the
organization and functioning of a CSG, the design of a maritime strategy and the
employment of Naval Power of a State, current threats to the continued existence of
the CV and the opportunities to continue effective. The conclusion indicates under what
conditions whether or not to commit resources to obtain significant and strategic
employment of a CV, synthesizing the results of the main analyses and conclusions
throughout the study.
Key words: Aircraft Carrier (CV). Carrier Strike Group (CSG). Maritime Strategy. Naval
Power. Defense and Security. Brazilian Navy (MB).
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AEW Airborne Early Warning
AD Area Denial
AJB Águas Jurisdicionais Brasileiras
ARG Amphibious Ready Group
A2 Anti Access
CATOBAR Catapult Assisted Take-Off But Arrested Recovery
CF Constituição Federal (do Brasil)
CSG Carrier Strike Group
CBG Carrier Battle Group
CVBG Carrier (Vessel) Battle Group
DAE Destacamento Aéreo Embarcado
EMALS Electro-Magnetic Aircraft Launch System
END Estratégia Nacional de Defesa
ESG Expeditionary Strike Group
EUA Estados Unidos da América
FAB Força Aérea Brasileira
F/A Fighter / Attack
HADR Humanitarian Assistance and Disaster Relief
JDW Jane’s Defense Weekly
LCM Linhas de Comunicação Marítima
LHA Land Helicopter Assault
LHD Land Helicopter Dock
MB Marinha do Brasil
MEU Marine Expeditionary Unit
MNF Marine National Française
NAe Navio-Aeródromo
NAeL Navio-Aeródromo Ligeiro
PA Porta-Aviões
PLAN People’s Liberation Army Navy
PND Política Nacional de Defesa
SAG Surface Action Group
SAR Synthetic Aperture Radar
SCS Sea Control Ship
STOBAR Short Take-Off But Arrested Recovery
STOVL Short Take-Off and Vertical Landing
UAV Unmanned Air Vehicle
UCAS-D Unmanned Combat Air System Carrier Demonstration
UCLASS Unmanned Carrier Launched Surveillance and Strike
USN United States Navy
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10
2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................... 13
3 O PORTA-AVIÕES (PA)................................................................................26
3.1 O PORTA-AVIÕES (PA) E A FORÇA NUCLEADA EM PA (CSG)................26
3.2 A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE UM CSG NA MARINHA DOS
EUA (USN).................................................................................................................27
4 A CONCEPÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA E O EMPREGO DO PODER NAVAL POR UM ESTADO..........................................................................32
4.1 VIGILÂNCIA MARÍTIMA................................................................................33
4.2 O CONTROLE DO MAR E A PROJEÇÃO DE PODER................................34
4.3 A ESQUADRA PRINCIPAL E A ESQUADRA EM POTÊNCIA.....................36
4.4 ESTRATÉGIA MARÍTIMA EMPREGANDO O PODER NAVAL....................37
4.5 UMA COMPARAÇÃO ENTRE CASOS DISTINTOS DE EMPREGO DO
PODER NAVAL..........................................................................................................42
5 AMEAÇAS E OPORTUNIDADES AO EMPREGO DO PA...........................45
5.1 IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS..................................................................45
5.2 AS INCERTEZAS DA AMEAÇA A2/AD..........................................................47
5.3 OS POSSÍVEIS RUMOS DO PROJETO UCLASS........................................49
5.4 O PA DO SÉCULO XXI..................................................................................50
5.5 O IMPACTO DAS FUTURAS TECNOLOGIAS NO PAPEL DOUTRINÁRIO DO
PA...............................................................................................................................53
6 CONCLUSÃO................................................................................................56
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 60
ANEXO A – O MARCO LEGAL BRASILEIRO E A EXPERIÊNCIA DA MB OPERANDO SEUS PA..............................................................................................63
O MARCO LEGAL BRASILEIRO...................................................................63
A EXPERIÊNCIA DA MB OPERANDO SEUS PA..........................................68
O Primeiro PA da Marinha do Brasil (MB)..................................................68
Cinco décadas de operação de PA na Marinha do Brasil (MB)................71
CONCLUSÕES..............................................................................................75
ANEXO B – O EMPREGO ATUAL DO PODER NAVAL NO OCEANO ÍNDICO OBEDECENDO A UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA.....................................77
10
1 INTRODUÇÃO
Há uma clássica distinção entre os conceitos de “segurança” e de “defesa”.
Enquanto o significado de segurança corresponde a uma condição na qual o Estado
e a sociedade se sentem livres de riscos e ameaças, o de defesa corresponde às
ações que se devem tomar para se garantir ou se retomar a condição desejável de
segurança, em caso de sua ameaça ou degradação (BRASIL, 2012a). O raciocínio
nos leva a concluir que é indispensável a um Estado a detenção de Forças que, em
caso de ameaça à sua segurança e a de seu povo, serão acionadas para defender a
soberania daquele país.
Para o caso brasileiro, atendendo a essas necessidades, são constituídas as
Forças Armadas, instituições nacionais permanentes e regulares, formadas pela
Marinha, Exército e Aeronáutica, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, destinadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a
lei e a ordem (BRASIL,1988, Art. 142º). Para tal, seu inventário de meios deve conter
unidades que, em seu conjunto, alcancem todo o espectro de missões que satisfaçam
as tarefas a elas atribuídas em seu papel constitucional, obedecendo a estratégia
traçada pelo Estado Brasileiro. Em especial, deve-se ter atenção à tarefa de
dissuasão. Nesse sentido, estabelece a Política Nacional de Defesa (PND):
“À ação diplomática na solução de conflitos soma-se a estratégia militar da dissuasão. Nesse contexto, torna-se importante desenvolver a capacidade de mobilização nacional e a
manutenção de Forças Armadas modernas, integradas e balanceadas, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional, em condições de pronto
emprego” (BRASIL, 2012a, item 7.12).
Ampliando-se esse contexto para o nível global e, em seguida, graduando o
foco no âmbito do papel das Marinhas na sua contribuição para a garantia dos
interesses de um Estado, este estudo pretende se deter especificamente na análise e
discussão do papel desempenhado pelo Porta-Aviões (PA) e pela Força nucleada em
PA (CSG)2, em contribuição à missão designada para uma Marinha, levando-se em
consideração suas capacidades e, também, suas limitações.
2 CVBG ou CBG ou CSG – A Força nucleada em Porta-Aviões, conhecida originalmente como Carrier (Vessel)
Battle Group (CVBG ou também CBG), com o passar do tempo passou por transformações e, atualmente, é mais corrente o termo Carrier Strike Group (CSG). Assim, se util izará a sigla CSG neste trabalho para se referir ao conjunto de navios-escolta, de navios de apoio logístico, submarinos e da ala a érea embarcada no PA que, combinados com o próprio PA, formam uma unidade de combate autônoma. Disponível em:
<https://en.wikipedia.org/wiki/Carrier_strike_group>. Acesso em: 24 jul 2015.
11
O PA, concebido nas primeiras décadas do século XX, derivado das
experiências que se sucederam à tentativa de emprego de aviação embarcada nos
poderosos cruzadores do início daquele século, ganhou elevada notoriedade durante
a 2ª Guerra Mundial (2ªGM), destacando-se na Batalha Naval de Midway, na qual PA
norte-americanos e japoneses se enfrentaram diretamente, consagrando a
importância daquela arma na constituição de ambas as forças oponentes. Dotados de
imponderável capacidade bélica, em especial para a tarefa de projeção de poder, e
de importantes qualidades como grandes versatilidade, flexibilidade e efetividade, os
PA e sua aviação embarcada passaram a constituir a coluna vertebral das Esquadras
das principais Marinhas do mundo, sendo reconhecidos por estas como o Capital
Ship3. Entretanto, com o passar do tempo, apesar de sua constante evolução
tecnológica, essa posição começou a ser desafiada, seja pelo desenvolvimento de
novas armas em sua contraposição, seja pela criação e desenvolvimento de novos
meios que se rivalizariam com este (HARISMENDY, 2014).
Atualmente, somente nove nações no mundo operam PA, contabilizando 29
unidades em serviço e mais seis em construção. Apesar do relativamente elevado
número de unidades, pode-se constatar o baixo número de países que possuem
alguma das variações de PA existentes no mundo4, sendo o Brasil componente desse
seleto grupo (UPADHYAYA 2015, p.29).
Este estudo procurou investigar os aspectos envolvidos nas questões que
alimentam muitos debates entre especialistas em estratégia militar sobre a efetividade
em se investir na obtenção e operação de um PA como meio naval componente do
sistema de defesa de um país. A discussão investiga os argumentos tanto dos autores
considerados como “defensores” quanto dos considerados como “críticos” sobre o
desempenho do PA frente aos desafios dos tempos modernos, dado o
desenvolvimento de ameaças advindas de novas tecnologias, como as conhecidas
A2/AD5 (FRANCE, 2014, p.15), além das outras alternativas existentes que
concorreriam com os PA para a consecução dos mesmos propósitos. Um dos
aspectos que pesa bastante nessa discussão se remete aos elevados custos
3 O termo Capital Ship será tratado neste estudo pelo seu equivalente em Português “Navio Capital ”. 4 Maiores detalhes se encontram no item 5.4 deste estudo. 5 A2 (anti access) e AD (area denial) são conceitos modernos de tecnologia militar de uso estratégico e tático, respectivamente, que se opõem ao emprego de Forças de Superfície e Aéreas, em especial de forças navais
nucleadas em PA, impedindo ou dificultando seu emprego no Teatro de Operações.
12
envolvidos na obtenção, manutenção e operação de uma Força nucleada em PA
(CSG) (LEHMAN, 1978, p.45).
Para tratar o assunto de forma ordenada, o trabalho foi dividido em seis
capítulos, uma conclusão e dois Anexos. O primeiro capítulo se apresenta sob a forma
desta Introdução. No segundo capítulo, serão apresentados os principais autores e
suas ideias a respeito do tema e analisados os argumentos das correntes destes
pensadores que discutem o emprego do PA na guerra moderna. No terceiro capítulo,
será apresentada uma síntese sobre o que é essencialmente um PA, o arranjo de uma
Força nucleada em um PA (CSG), exemplos históricos de seu emprego e a
organização e o funcionamento de um CSG na Marinha dos EUA (USN). No quarto
capítulo, serão apresentados o conceito da concepção de uma Estratégia Marítima e
alguns exemplos históricos. No quinto capítulo, serão apresentadas as ameaças
atuais à continuidade da existência dos PA e, em contrapartida, as oportunidades que,
na direção oposta, podem lhes fornecer uma janela de oportunidades para continuar
efetivo. O sexto capítulo conterá uma breve conclusão, sintetizando os resultados das
principais análises. O Anexo A apresentará uma análise dos documentos balizadores
da defesa nacional, enquadrando o emprego do PA, e será detalhada a experiência
da MB na operação de seus dois PA ao longo de mais de cinquenta anos de história.
O Anexo B tratará do emprego atual do Poder Naval no Oceano Índico obedecendo a
uma estratégia marítima.
Dessa forma, com foco na dimensão estratégica, orientado pelo conceito de
capacidades e baseado nas discussões tratadas ao longo dos seus capítulos, este
estudo procurará responder ao problema enunciado: em que medida o emprego das
capacidades de uma Força nucleada em PA atende aos interesses de segurança e
de defesa de um Estado?
Para este estudo foi adotada a denominação genérica Porta-Aviões (PA) para
os tipos de Navios-Aeródromos (NAe) existentes, desde que operem aeronaves de
asa fixa, sejam eles CATOBAR (Catapult Assisted Take-Off But Arrested Recovery -
Decolagem Assistida por Catapulta e Recuperação por Aparelho de Parada);
STOBAR (Short Take-Off But Arrested Recover - Decolagem Curta e Recuperação
por Aparelho de Parada); ou STOVL (Short Take-Off and Vertical Landed - Decolagem
Curta e Pouso Vertical).
13
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Há muito se assiste a uma apaixonada discussão a respeito da validade sobre
a continuidade da existência e do emprego dos PA. Alguns autores são francamente
a favor, outros, ao contrário, decididamente contra. Neste capítulo se pretende
apresentar as principais ideias de alguns desses autores, a fim de se revelar seus
argumentos e permitir se construir um raciocínio próprio que seja útil para os
propósitos deste estudo.
O primeiro autor que se descortinará, Geoffrey TILL, expõe suas ideias em
sua respeitada obra “Poder Marítimo: um guia para o século XXI” (tradução nossa),
as quais se apresenta a seguir um breve resumo.
Uma das mudanças ocorridas nas Marinhas durante o Século XX foi a
substituição dos Encouraçados por Porta-Aviões (PA). Essa alteração, embora não
tenha diminuído o papel estratégico do Poder Naval, modificou significativamente a
forma de se combater no mar. Os PA se tornaram essenciais para a proteção da força,
especialmente contra ataques aéreos provenientes de terra. Com o passar do tempo,
estes navios passaram, ainda, a desempenhar outras tarefas independentes, como a
de prover apoio aos meios navais durante a realização de operações anfíbias,
aumentando sensivelmente a capacidade de Projetar Poder sobre terra. Ao fim da
campanha do Pacífico durante a 2ªGM (1944-1945), o PA se consagrou como o novo
“Navio Capital” das Esquadras.
Embora já tenha alcançado essa posição no passado, ainda se percebe a
relativa frequência com que algumas correntes de pensadores e analistas militares
criticam a efetividade dos PA. O argumento mais contundente segue normalmente
uma mesma linha de pensamento e indaga o seu elevado custo e suas
vulnerabilidades a ataques aéreos e de submarinos. Recentemente, a China, a Índia
e o Reino Unido, que comissionaram ou estão construindo novos PA, têm
experimentado a realidade dessa pesada conta. Apesar disso, muitas importantes
Marinhas, como a USN, continuam investindo nesta arma.
Uma das razões para a continuação dos investimentos nessa classe de navios
se dá pois existe uma elevada crença de que aquelas vulnerabilidades dos PA acima
mencionadas poderiam ser atenuadas com algumas medidas. A primeira forma
encontrada de se minimizar as citadas deficiências foi adicionando navios-escolta na
composição da Força de “proteção” aos PA, a CSG. Na verdade, não somente navios-
14
escolta, mas também outros meios como submarinos nucleares de ataque e navios
de apoio logístico passaram a compor esta Força. Assim, a Força nucleada em PA
passou a funcionar como um sistema de batalha integrado, no qual os meios navais
se complementam e se protegem mutuamente, permitindo ao PA empregar toda a sua
capacidade ofensiva. Dessa forma, se por um lado, com essa necessária configuração
de proteção, o custo de emprego do PA passou a incorporar os gastos com todos os
outros navios-escolta, encarecendo significativamente o valor do investimento final,
por outro lado, a contrapartida que se observou foi a de que a Força nucleada em PA
passou a desempenhar muitas outras tarefas que um PA sozinho não alcançaria,
tornando-se assim mais versátil e atingindo toda a gama de tarefas previstas para
serem desempenhadas por um meio do Poder Naval7.
Também é importante salientar que o PA possui muitas vantagens em
comparação com outros meios navais, em virtude de suas elevadas dimensões. Os
PA, como são navios de grande porte, normalmente são muito resistentes a ataques,
dispondo de vários dispositivos de combate a sinistros que possam vir a ser
provocados por ataque inimigo; possuem grande capacidade logística e de carga, o
que inclui combustível, munição e, principalmente, uma elevada capacidade de
transporte de sua Ala Aérea embarcada8; e possuem grandes capacidades de
sensoriamento, de comunicações e de inteligência, sendo estas qualidades a
essência da capacidade de Comando e Controle, fundamental para a coordenação
dos meios navais de uma Força nucleada em PA.
Possui, ainda, uma característica que o diferencia das bases aéreas
terrestres. Embora não possua toda a variedade e quantidade de aeronaves que uma
base aérea terrestre dispõe para lançar mão em volume de sortidas9, o PA é móvel.
Isso lhe dá inúmeras vantagens comparativas que podem representar grande
diferença a seu favor durante o seu emprego. Essas vantagens podem ser
enumeradas da seguinte forma: por ser móvel, não é fundamentalmente dependente
da meteorologia local para operar suas aeronaves, uma vez que se movimenta em
conformidade às condições meteorológicas, buscando sempre a melhor condição
7 De acordo com a Doutrina Básica da Marinha (DBM), para o cumprimento de sua Missão, a Marinha deverá estar capacitada a realizar as quatro Tarefas Básicas do Poder Naval: negar o uso do mar ao inimigo; controlar
áreas marítimas; projetar poder sobre terra; e contribuir para a dissuasão (BRASIL, 2014, p.1.6). 8 O termo “Ala Aérea embarcada” se refere ao conjunto de aeronaves, sejam aviões ou helicópteros, que constituem a capacidade aeronaval de um PA. Estas aeronaves poderão realizar diversas missões, desde a busca e a vigilância visual e radar, até as missões de ataque e interceptação, conforme a necessidade. 9 Sortidas é o termo que corresponde aos lançamentos e recolhimentos de aeronaves realizados por um PA.
15
para operação de suas aeronaves. Da mesma forma, por ser móvel, é menos
vulnerável a ataques estratégicos do que as bases aéreas terrestres fixas, tornando-
se sempre uma incógnita para seus inimigos quanto à região a partir da qual o PA irá
operar. E por último, mas não menos importante, por ser móvel, o PA pode se deslocar
para qualquer parte do globo aonde possa interessar ao poder político que o detém,
estendendo seu braço armado à região onde se deseja estar presente, não sendo
dependente, por exemplo, do raio de ação da aviação baseada em terra, como pode
ser o caso das aeronaves da Força Aérea de um Estado.
Como exemplo histórico, TILL cita a Operação Safeguard10 da OTAN, na qual
uma Força nucleada em PA deslocou-se para a área de operações no Mar Adriático
e, em apenas dez dias, já se encontrava disponível para atuar naquele teatro de
operações. Em contrapartida, a aviação baseada em terra, os caças Jaguar, que
operariam a partir de bases aéreas terrestres na Itália, levaram cerca de três meses
para obter a autorização do governo italiano para serem empregados nesta operação.
Também ocorreu em diversas ocasiões que os caças Jaguar não puderam operar
devido a severas condições meteorológicas reinantes na área onde se encontravam
as suas bases, enquanto que essa situação não ocorria com os grupos aéreos
embarcados no PA que, embora estivesse na mesma operação, movimentava-se de
forma a evitar o mau tempo.
Ainda no tocante aos custos de obtenção e manutenção de um PA, no
passado recente uma corrente de pensadores era favorável à construção de “navios-
arsenal” (verdadeiros arsenais bélicos flutuantes), como uma alternativa aos PA. Esse
conceito de navios, mais tarde batizados de DD-21, teria baterias de artilharia de longo
alcance e seria capaz de lançar mísseis contra alvos em terra, rivalizando com a
capacidade de poder ofensivo inerente aos PA. Entretanto, o projeto foi cancelado
pela própria Marinha norte-americana (USN)11, após analisar parâmetros e concluir
que a relação custo-efetividade dos PA superava a daquele novo conceito de navios.
Como exemplo, um único PA da classe “Nimitz” pode transportar carga bélica
equivalente a 4.000 mísseis de cruzeiro, o que superaria a capacidade dos citados
navios-arsenal.
10 Com a dissolução da Iugoslávia, rompeu-se um violento conflito na Bósnia Herzegovina em abril de 1992, onde a OTAN, em resposta a decisão do Conselho de Segurança da ONU, implementou uma Zona de Interdição ao Voo sobre o Mar Adriático (Operação Safeguard) (TILL, 2007, p. 169). 11 USN é o acrônimo de United States Navy, que será empregado neste trabalho para se referir à Marinha dos
EUA.
16
Como perspectiva de avanço tecnológico, observa-se uma corrente de
pensadores que acredita que, atualmente, a mais recente aeronave de caça em
desenvolvimento (JSF F-35)12, já seria o último modelo de aeronave tripulada a operar
em um PA da USN. A tendência lógica nessa linha de pensamento é a de que num
futuro não muito distante, as aeronaves de ataque que operarão a partir de um PA
não mais serão tripuladas.
Recentemente a USN em conjunto com a empresa Northrop Grumman
testaram o modelo experimental X-47B a bordo de um PA. Essa aeronave realizou
operações táticas de pouso a bordo, decolagem catapultada e, mais recentemente,
de reabastecimento em voo13 (MALENIC, 2015). Tudo isso sem necessitar de um
piloto fisicamente embarcado em sua cabine de comando. Essa facilidade representa
um sensível avanço nas operações aéreas sob o ponto de vista da aviação de ataque
embarcada em um PA, uma vez que inúmeras vantagens surgem a partir desse novo
conceito. Uma aeronave não tripulada pode ter maior capacidade de manobras, uma
vez que não existiria mais a limitação humana às acelerações gravitacionais
decorrentes das manobras táticas realizadas em confrontos diretos entre aeronaves
e, até mesmo para se evadir de mísseis. Num combate aéreo entre forças oponentes,
essa vantagem pode ser extremamente significativa. O espaço dedicado a
acomodação do piloto e todo o aparato para sua sobrevivência na cabine da aeronave
também pode ser substituído por novos equipamentos embarcados, como dispositivos
eletrônicos de combate mais robustos e mais potentes. A ausência da necessidade
do espaço da cabine do piloto favorece também a arquitetura de construção da
aeronave, contemplando a possibilidade de um desenho de menor assinatura radar,
mais difícil de ser detectado pelo inimigo. Ainda na linha de argumentações, é possível
imaginar que num caso de necessidade de operação de aeronaves num ambiente em
que ainda não foi possível conquistar a superioridade aérea local, ou seja, em que as
incertezas do combate ainda podem prevalecer, contar com aeronaves não tripuladas
pode ampliar a eficácia operacional, uma vez que a perda de uma aeronave abatida
pelo fogo inimigo não equivaleria à perda da vida de um piloto, normalmente o
elemento mais valioso e demorado a ser preparado para o combate. Cita-se, como
12 JSF F-35, do inglês Joint Strike Figther, é atualmente a mais moderna aeronave de caça e ataque, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento pelo seu consórcio fabricante. 13 Os testes do X-47B da Northrop Grumman no PA “George H. W. Bush” da USN ocorreram em 2013 e o teste
de reabastecimento no ar ocorreu em 2015.
17
exemplo, o caso da campanha do Kosovo14 em que, durante as operações de
projeção de poder sobre terra empregando-se a aviação embarcada, a artilharia
antiaérea Servia baseada em terra ainda não havia sido neutralizada, o que
representou um potencial risco a essas operações, levando à destruição um elevado
número de aeronaves atacantes, pertencentes às forças da OTAN. Como resultante,
houve a perda de significativo número de pilotos, recurso humano de elevado valor
militar. Além disso, o impacto psicológico nas mentes dos combatentes, na sociedade
e na cúpula do poder dos Estados pertencentes àquela aliança militar pode sofrer
abalo significativo, influenciando na continuidade do esforço de guerra.
Assim, com relação aos custos envolvidos na posse e operação de uma Força
nucleada em PA em comparação com outras alternativas, conclui TILL: “Todavia, o
ponto chave é que o custo de desempenhar certas funções deve se comparar com os
custos de não desempenhá-las ou com os de fazê-lo de outra forma” (TILL, 2007, p.
169, tradução nossa). Em resumo, a conclusão que se pode extrair a partir do
pensamento de TILL é que, apesar do autor reconhecer os custos elevados envolvidos
na operação de uma Força nucleada em um PA, ainda assim considera compensador
o investimento nesse tipo de arma, tendo em vista a efetividade dos resultados
alcançados por uma força com esta configuração, além da versatilidade de emprego
e flexibilidade que possui.
Como proposta de reflexão adicional sobre as ideias articuladas por TILL, ao
se realizar um exercício de raciocínio lógico, utilizando-se seus conceitos e aplicando-
os ao caso do conflito das Malvinas15, seria possível inferir que, se durante o referido
conflito o PA Argentino “25 de Mayo” possuísse um grupo de navios-escolta que lhe
assegurassem adequada proteção no teatro de operações marítimo, a despeito da
presença dos submarinos nucleares de ataque britânicos, essa condição poderia ter
alterado significativamente os resultados daquele conflito. A importância dessa
reflexão traz como ensinamento que não basta a um Estado, apenas, possuir um meio
naval como um PA em seu inventário de navios de combate para assegurar a defesa
dos seus interesses no teatro de operações. É preciso raciocinar com todo o conjunto
14 Na Campanha do Kosovo, em 1999, as forças da OTAN decidiram atacar a Iugoslávia, sem consultar a ONU ou qualquer outro organismo internacional, desfechando um bombardeio que durou 78 dias (BBC. A Guerra do
Kosovo). Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/static/especial/milosevic_yugoslavia/kosovo.htm>. Acesso em: 07 jun 2015. 15 A Guerra das Malvinas foi um conflito estabelecido no Atlântico Sul em 1982, em que o Reino Unido e a
Argentina disputaram a posse do Arquipélago das Malvinas/Falklands (CAMOGLI, 2007).
18
de meios que constitui o sistema de proteção e funcionamento de uma Força nucleada
em PA para que se tenha a confiabilidade dos resultados esperados na atuação desta
Força Naval com toda a sua capacidade.
Por outro lado, David W. WISE, autor de artigos sobre emprego das Forças
Armadas norte-americanas e alto executivo de uma empresa internacional de
seguros, adota uma posição francamente crítica quanto ao valor militar atual dos PA
frente às ameaças da guerra moderna. Seu recente artigo publicado no sítio da
Internet “Medium”17 apresenta uma série de argumentos contra o Programa de
Construção de PA da USN. A seguir são apresentados os principais pilares de suas
ideias.
Os PA norte-americanos desde a batalha do Golfo de Leyte (1942) até os dias
atuais nunca chegaram a enfrentar uma ameaça real que testasse sua verdadeira
efetividade em serviço. Dentre as vulnerabilidades dessa classe de navios, a que mais
se destaca é a sua debilidade defensiva contra a ameaça submarina. Além dessa
vulnerabilidade, recentemente os avanços tecnológicos proporcionaram o
desenvolvimento dos mísseis balísticos antinavio de longo alcance, conceito de
ameaça antiacesso (A2), como têm sido tratadas essas novas armas. Basicamente o
alcance desses mísseis, lançados de terra, ou até mesmo embarcados em navios-
escolta de superfície, excederiam o raio de ação das aeronaves que operam a partir
dos PA, limitando, dessa forma, a aproximação da Força nucleada em PA da área
onde se encontra o teatro de operações e do litoral ao qual se deseja projetar poder.
(BRUSTLEIN, 2010, p.9)
Outro argumento fortemente defendido por WISE se refere aos elevados
custos de construção desses navios. Recentemente, o PA “Gerald Ford” da USN, que
ainda se encontra em construção, com previsão de lançamento em 2016, já sofreu
diversos atualizações de orçamento, passando de US$ 10.5 bilhões a US$ 14.2
bilhões, o que representa um reajuste superior a 40% do custo inicial. Além disso, sua
ala aérea deverá ser composta por aeronaves JSF-35C18, as quais ainda se
encontram em fase de desenvolvimento. Estima-se que o custo da Ala Aérea
17 Disponível em: <https://medium.com/war-is-boring/the-u-s-navy-s-big-mistake-building-tons-of-supercarriers-79cb42029b8>. Acesso em: 07 jun 2015. 18 As aeronaves JSF F-35 da versão “C” correspondem à variante construída para operar em PA do segmento CATOBAR, pois podem ser lançadas por catapulta. As de versão “B” deverão operar em PA dos segmentos STOBAR e STOVL, pois não podem ser lançadas por catapulta. Finalmente, as de versão “A” deverão operar a partir de terra, pois não possuem requisitos para operar a partir de PA. Disponível em:
<http://www.jsf.mil/f35/f35_variants.htm>. Acesso em: 04 nov 2015.
19
embarcada que operará nesse novo PA representará cerca de 70% do valor do próprio
meio.
Com o atual orçamento dedicado às Forças Armadas norte-americanas
sofrendo contingências orçamentárias, WISE sugere a diminuição dos gastos
militares, reduzindo-se a quantidade de navios daquela Marinha, assim como contesta
o valor final de custo de um único meio naval, como será o caso do super PA “Gerald
Ford”. Alega que a eventual perda de um navio tão custoso em um conflito armado, o
que seria perfeitamente razoável de se imaginar num campo de batalhas, colocaria
em risco a capacidade de sua substituição por uma outra unidade de mesmo valor,
tendo em vista os elevados custos envolvidos (WISE, 2015). Dessa forma, o autor traz
à luz a discussão de que se esses meios, apesar dos elevadíssimos custos de
construção, ainda apresentam tamanha vulnerabilidade, não seria racional se manter
o seu programa de obtenção, devendo-se, portanto, buscar alternativas mais baratas
e mais eficientes para o cumprimento das tarefas atualmente a ele designadas.
Outro autor consagrado e reconhecido por seu domínio de conhecimento
sobre os meios da USN e seu emprego estratégico, Norman FRIEDMAN, realizou em
sua respeitada obra “Seapower as Strategy: navies and national interests”19, uma
análise profunda do universo do emprego do Poder Naval em apoio aos interesses de
um Estado. FRIEDMAN destaca que muito do que os EUA fazem ou pretendem fazer
além de suas fronteiras depende da influência exercida pelo seu Poder Naval
sustentado em uma base sólida. No seu livro, o autor se propõe a descrever o
emprego do Poder Naval, sob o conceito de uma estratégia marítima, procurando
apresentar a melhor utilização possível que a característica da mobilidade, própria de
uma Força Naval, pode oferecer. Seguem-se suas principais ideias.
Em contraste com o período da Guerra Fria, as ameaças que se seguiram
com o passar do tempo se tornaram difusas e as crises passaram a acontecer
simultânea e aleatoriamente em várias partes do mundo. De acordo com o ponto de
vista de FRIEDMAN, a “dissuasão” funciona como uma das bases estratégicas da
política externa dos EUA, requerendo um Poder Naval com credibilidade e capacidade
de permanência nas áreas onde há uma crise que afete os interesses do Estado norte-
americano (FRIEDMAN, 2001, p.226).
19O termo Seapower do título da obra de FRIEDMAN, tanto poderia ser interpretado como “Poder Marítimo” quanto como “Poder Naval” (que é a expressão militar do Poder Marítimo). Entretanto, tendo em vista a sua
conotação militar ao longo da citada obra, o termo é interpretado como Poder Naval .
20
Em suas considerações a respeito do emprego de um PA e da Força nucleada
em PA (CSG), FRIEDMAN afirma que “Para a USN, o principal elemento de uma
Esquadra é o CSG, podendo ainda ser apoiado por Grupos de Ação de Superfície
(SAG) e podendo prestar apoio a Grupos Anfíbios Prontos (ARG)”20 (FRIEDMAN,
2001, p.272, tradução nossa). Ao mesmo tempo em que afirma que um CSG é o
coração do Poder Naval dos EUA, o autor demonstra consciência a respeito do custo
que este arranjo de navios representa. Sustenta que “A estratégia [marítima] não
determina o tamanho de uma Esquadra [de um Poder Naval], todavia, a estratégia
molda a configuração desta Esquadra [deste Poder Naval] respeitando o que as
finanças permitem” (FRIEDMAN, 2001, p.271, tradução nossa). Uma interpretação
para esta assertiva, buscando decifrá-la em sua essência, seria a de que a
constituição de um Poder Naval, ou seja, a quantidade e os tipos de navios que uma
Marinha pode dispor, devem respeitar os limites financeiros existentes, pois a
realidade orçamentária se impõe sobre o universo dos desejos; entretanto, a sua
configuração, ou seja, os arranjos sob o qual será organizada para operar no mar,
deverá obedecer estritamente os preceitos idealizadas pela estratégia marítima
estabelecida para o Estado ao qual pertence. Um exemplo citado por FRIEDMAN para
ilustrar seu pensamento se refere ao fenômeno vivido pela USN após o fim da Guerra
Fria. Assim como outras Forças militares, o Poder Naval norte-americano encolheu
naquela ocasião. Ao invés de quinze CSG em operação nos mares, a USN passou a
operar com apenas doze. Entretanto, apesar da redução do número de arranjos de
CSG, a orientação estratégica fundamental para a Força não se alterou, ao contrário,
resistiu e até se intensificou.
No capítulo de sua obra em que FRIEDMAN dedica à conformação de uma
Força Naval, o autor sugere algumas alternativas, a fim de que os custos de operação
e de manutenção desta Força Naval fossem amortizados. Percebe-se que estas
propostas procuram preservar integralmente a constituição do binômio PA versus Ala
Aérea embarcada, o que de fato representa a maior parte do custo de funcionamento
de um CSG. De acordo com o entendimento de FRIEDMAN, uma conclusão parcial
que se pode extrair deste pensamento é de que o que menos vale à pena para a USN
é comprometer os seus PA e aeronaves embarcadas.
20 No capítulo três deste estudo serão apresentados os conceitos de Surface Action Group (SAG) e de
Amphibious Ready Group (ARG).
21
Assim, cita-se alguns exemplos de alternativas para redução do custo de
operação de uma Força, expressados pelo autor: o primeiro seria a de se reduzir o
número de navios-escolta que compõem um CSG, mas jamais o de se diminuir o
número de aeronaves embarcadas em um PA. Uma segunda alternativa sugerida, que
parece até mesmo contraditória com a sua própria assertiva comentada alguns
parágrafos acima, é a de redução do número de CSG na composição do Poder Naval
norte-americano. O autor comenta que essa medida reduziria sensivelmente os custos
de operação da USN, entretanto, esta alteração poderia provocar prejuízos
estratégicos inaceitáveis, não sendo aconselhável de se adotar. Uma terceira
alternativa sugerida seria a de se investir pesadamente em novas tecnologias, como
a de mísseis e a de eletrônica, de maneira que pudessem ser embarcadas nas
aeronaves que operam a partir dos PA. Dessa forma, essas aeronaves poderiam
dispor de “novas” tecnologias, o que lhes dariam maiores capacidades, podendo,
assim, ser reduzidas em sua quantidade a bordo dos PA, sem comprometer a
eficiência do cumprimento de sua missão. Por fim, a quarta e última alternativa seria
a de se cortar os custos de obtenção de navios, estendendo-se a vida útil daqueles
meios navais atualmente em operação. Entretanto, o próprio autor não vê muitas
vantagens nesta medida. Sua alegação se apoia nos argumentos de que existem dois
parâmetros que devem ser analisados com cautela para se avaliar as vantagens desta
medida. O primeiro se refere ao formato do casco. Novos navios são sempre
concebidos com alterações em sua estrutura hidrodinâmica e nas formas geométricas
de sua superestrutura, que proporcionam uma espécie de “camuflagem
eletromagnética”, conhecida como stealth21, valendo a pena o investimento em
unidades novas. O segundo parâmetro se refere à propulsão. O autor alega que há
uma tendência de que uma nova geração de navios venha a ser projetada com
propulsão elétrica totalmente integrada, alcançando parâmetros de desempenho
comparáveis aos da propulsão nuclear, sem as inconveniências deste último.
Portanto, a última alternativa apresentada, a de estender a vida útil dos navios em
operação, não encontra no autor simpatia pela sua adoção (FRIEDMAN, 2001, p.285).
O quarto autor a ser apresentado é Robert RUBEL, professor do Naval War
College (USN). Como oficial superior, sendo aviador naval da USN, participou de
21 Entende-se por tecnologia stealth a capacidade de camuflagem eletromagnética que a lgumas formas
geométricas e alguns materiais com características de absorção de energia eletromagnética possuem.
22
algumas importantes campanhas militares como a da Guerra do Yom Kippur (1973) e
da Operação Escudo do Deserto (1990). Durante sua carreira, comandou o
Esquadrão de Aeronaves de Ataque 131, acumulando grande experiência embarcado.
Em seu artigo de 2011 para a Naval War College Review, RUBEL analisa o
papel doutrinário previsto para o emprego do PA e do seu CSG, sob o ponto de vista
da confrontação das capacidades que esta classe de navios detém frente aos novos
desafios do mundo atual e suas perspectivas de evolução. RUBEL reconhece que o
PA goza de elevado prestígio tanto em Marinhas de grande porte e bem estabelecidas
quanto em outras Marinhas em estágio de aprimoramento de capacidades. Da mesma
forma que é reconhecido como uma classe de navios que possui uma estrutura da
mais elevada complexidade, o PA é proporcionalmente dispendioso. Na USN, um
recente estudo aponta que cerca de 46% de todo o esforço de pessoal daquela
Marinha se encontra empregado em proveito do PA e de sua estrutura de
funcionamento (RUBEL, 2011, p.13). Em um momento em que os cortes
orçamentários do setor de defesa atingem a maioria dos países e, também, os EUA,
a discussão a respeito da utilidade de emprego do PA e as justificativas para a
continuidade de investimento neste modelo de arranjo ascendem ao topo da lista de
discussões.
Para efeito de classificação, RUBEL considera que apenas os PA das
categorias CATOBAR, STOBAR e alguns do tipo STOVL, podem ser considerados
como PA, desde que cumpram as tarefas doutrinárias previstas para navios deste tipo.
No desenvolvimento de sua teoria, RUBEL considera que como as doutrinas
de emprego de PA não são divulgadas abertamente pelas Marinhas que os detém,
para que se analise o desempenho dos PA sob essa perspectiva, seria necessário
inferir quais seriam esses papéis doutrinários. Normalmente se utilizam os termos
“Projeção de Poder” e “Controle do Mar” como tarefas doutrinárias aplicáveis aos PA
e seus CSG. Entretanto, o autor julga que esses termos são abrangentes demais para
se extrair conclusões precisas sobre o seu nível de atendimento pelos PA. Para tal,
propõe decompor essas tarefas doutrinárias em seis componentes, as quais serão
brevemente apresentadas e analisadas em seguida (RUBEL, 2011, p.15).
O primeiro papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Olhos da
Força”. No princípio do século passado, quando surgiram os PA, estes eram
normalmente empregados para o transporte das aeronaves que fariam a busca pela
Força Naval inimiga antes que esta pudesse detectar a sua própria. Naquela época,
23
as aeronaves não possuíam poder combatente e os PA eram posicionados à ré da
direção de avanço da Força Naval, de maneira a não se exporem ao risco do combate.
Não tardou para que as Forças oponentes percebessem que a melhor solução contra
essa medida seria a de replicar o mesmo arranjo, entretanto, armando seus aviões
para o combate, o que tornou possível a elevação de um papel secundário dos PA
para um de maior proeminência.
O segundo papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Cavalaria”.
Segundo o autor, os PA devem possuir a capacidade para se fazer valer da sua
velocidade de deslocamento e de seu poder ofensivo (sua Ala Aérea embarcada)
para, como as armas de cavalaria, atacar o inimigo e retirar-se em velocidade, a fim
de diminuir as atrições decorrentes da manutenção da presença na área do teatro de
operações e, consequentemente, sofrerem menos danos.
O terceiro papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Navio Capital”.
Um Navio Capital desempenha um papel extraordinário para a Força que se encontra
defendendo. Suas armas são capazes de destruir ou anular quaisquer meios de uma
Força oponente. Entretanto, ao assumir o papel de Navio Capital, o PA assume a
necessidade de aumentar sua exposição, passando a elevar abruptamente o seu risco
de operação, o que não acontecia nos papéis doutrinários anteriormente
mencionados. Quando uma nação decide empregar o seu Navio Capital contra um
oponente, colocando-o sob os riscos do combate, é porque conscientemente assumiu
a vontade de conquistar o Domínio do Mar.
O quarto papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Plataforma de
Ataque Nuclear”. Com o surgimento do artefato nuclear, os PA passaram a competir
com a Força Aérea no papel de elementos de dissuasão nuclear. Ao trazer para si
essa tarefa, os PA deveriam agir como no papel doutrinário da Cavalaria, ou seja,
aproximar-se do alvo o suficiente para desfechar um ataque poderoso e, em seguida,
retirar-se do teatro. Entretanto, com o advento das modernas tecnologias de
monitoramento, a sua movimentação nos mares pode ser acompanhada, o que
aumenta sensivelmente seu risco de emprego. Com o surgimento do submarino
nuclear balístico, o qual se vale de sua capacidade de ocultação, esse papel ganhou
um novo competidor.
O quinto papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Aeródromo no
Mar”. Este papel para ser assumido deve-se obedecer a três requisitos táticos, que
são determinantes do grau de risco de emprego do PA neste papel. São eles: 1)
24
manter a concentração da Força; 2) não restringir a mobilidade da Força a uma área
geográfica; e 3) não engajar decisivamente com Forças de terra, a menos que se
detenha a superioridade do poder combatente. Somente poderá haver a quebra dessa
regra e se deixar de cumprir algum desses requisitos se, e somente se, não houver
oposição inimiga no Mar. Quando ocorre do PA e seu CSG assumirem o papel
doutrinário de Aeródromo no Mar e realizarem uma tarefa estratégica de Projeção de
Poder sobre terra, os requisitos 2 e 3 são provavelmente violados. Quando há a
necessidade tática de se permanecer por longo período para cumprir aquela tarefa,
normalmente o requisito 1 também é infringido. Ocorrendo isso, a regra enunciada é
quebrada e o risco de exposição do PA e de seu CSG aumenta muito. Um exemplo
citado por RUBEL ocorreu na Guerra do Yom Kipur (1973). Os EUA movimentaram
três CSG para o Mar Mediterrâneo para apoiar militarmente as Forças israelenses que
lutavam contra a Força de coalisão árabe. Entretanto, como a ex-União Soviética
movimentou para o mesmo teatro de operações a sua Quinta Frota Naval,
numericamente superior às Forças norte-americanas, esta situação caracterizou a
exceção que impediria os CSG norte-americanos de quebrarem a regra e cumprirem
o papel doutrinário de Aeródromo no Mar, sob a o risco de serem destruídos.
O sexto e último papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Peça do
xadrez geopolítico”. Esse papel surge com a elevação do prestígio dos PA e de seu
poder de combate. Esse papel pode ser assumido pelo Poder Naval devido às
características de liberdade de movimento que os mares possuem. Ao desempenhar
esse papel, o PA e seu CSG precisam mostrar bandeira, ou seja, serem vistos. A
medida que os PA se consagraram como Navios Capitais e emprestaram
extraordinário prestígio às Marinhas que os possuíam em seus inventários de meios,
se verificou a disposição dos Estados em empenharem vultosos recursos na obtenção
e manutenção desta classe de navios, pois ambicionavam poder utilizá-los como Peça
do xadrez geopolítico, em atendimento aos seus interesses estratégicos (RUBEL,
2011, p.18).
Ao encerrar a descrição dos pilares doutrinários que devem iluminar o
emprego dos PA e de seus CSG, RUBEL comenta que a manutenção do Programa
de Construção de PA da USN como forma de se manter o papel de prestígio político-
militar mundial ao poder dispor de onze Peças do xadrez geopolítico sobre o tabuleiro
é na verdade uma armadilha para os EUA. A cada cinco anos é construído um novo
PA pela USN. Todos são construídos num único estaleiro, o qual domina a expertise
25
do empreendimento. Com o valor investido em um único PA e sua Ala Aérea
embarcada seria possível construir dez submarinos nucleares, ou mesmo vinte
Destroyers22 com capacidade de guiagem de mísseis. A partir do momento em que se
questiona quantos PA a USN deveria ter, o argumento de alguns especialistas é o de
que no caso de haver uma interrupção neste programa, os EUA correriam o risco
estratégico de perder a perícia de sua construção de PA. Para o autor esse raciocínio
é falacioso e não se sustenta. A base do raciocínio que deveria sustentar a decisão
de se continuar com este programa deveria se apoiar no argumento da capacidade
de poder que o PA representa e não na necessidade estratégica e doutrinária de se
dispor de um número determinado de navios desta classe. Atualmente, com a
construção de mais um PA, o “Gerald Ford”, a USN ainda disporá de navios desta
classe por, pelo menos, mais cinquenta anos. Assim, segundo RUBEL, transferiu-se
o valor estratégico desta arma para os operários do estaleiro construtor na Virginia-
EUA, sendo um engano se julgar que todo o futuro estratégico dos EUA dependeria
destes trabalhadores.
Encerrando suas ideias, RUBEL relembra que muitas tarefas colaterais
poderão surgir para o pleno aproveitamento dos PA para além do seu papel
doutrinário. Uma delas é o da participação em Operações Humanitárias, na qual esta
classe de navios parece adequada, tendo em vista todos os recursos próprios que
possui, além da sua independência de qualquer apoio baseado em terra. Entretanto,
comenta o autor, esse não deve ser o elemento orientador para a decisão de se obter
um PA. Ao contrário, deve-se ter a consciência desta decisão baseada na
necessidade de possuir um meio que cumpra todas as seis tarefas doutrinárias
anteriormente apresentadas (RUBEL, 2011, p.19).
Apesar de muitos outros autores estarem presentes nos debates a respeito
da viabilidade e utilidade de emprego do PA e do seu CSG como, por exemplo,
Correntin Brustlein, Hervé Coutau-Bégarie, John Lehman, Henry Holst, Shishir
Upadhyaya e Henry Hendrix, somente para citar alguns renomados, para efeito deste
estudo os quatro autores apresentados já cobrem um largo espectro de pontos de
vista e de argumentações, satisfazendo o propósito deste capítulo.
22 Destroyer é a denominação de uma categoria de navios de superfície de combate empregado comumente
nos CSG e nos SAG da USN, sendo possuidores de elevado poder de fogo, como canhões, mísseis e torpedos.
26
3 O PORTA-AVIÕES – PA
Para se compreender com maior exatidão do que se trata um PA em sua
essência e de como se organiza uma Força Naval nucleada neste tipo de navio (CSG),
este capítulo procurará detalhar esse assunto, nivelando conhecimento básico para
todas as classes de leitores, especialmente aqueles que não possuem familiarização
com os conceitos de uma Força Naval e de suas características. Por vezes será
necessário se deter em algum conceito de nível operacional, ou até mesmo tático,
desde que seja indispensável para a compreensão do todo. Esta percepção auxiliará
no entendimento de como essa organização de navios, distribuídos em torno de um
navio capital como o PA, possui influência fundamental no desenvolvimento da
estratégia marítima de uma Marinha.
O PA é uma classe de navios que pode transportar e operar aviões de asa
fixa, além de outras aeronaves de asa rotativa, como helicópteros. Em razão de sua
concepção, possui algumas características marcantes como dimensões elevadas;
grande capacidade de carga – sejam aeronaves, combustível, armamento e pessoal;
um amplo convés de voo23; grande autonomia; e capacidade de desenvolver grandes
velocidades, como requisito de operação dos aviões de sua Ala Aérea embarcada.
Possui nos seus aviões a sua verdadeira essência ofensiva. Assim, quanto maior for
a capacidade de acomodação e de embarque de aviões e quanto mais poderosos
forem essas aeronaves, maior será o poder ofensivo do PA, refletindo diretamente no
seu valor militar.
3.1 O PORTA-AVIÕES (PA) E A FORÇA NUCLEADA EM PA (CSG)
Apesar de ser um navio capital e de possuir elevado poder de combate, um
PA não opera sozinho. Em síntese, depende de outros navios para apoiá-lo na
consecução de sua missão (ASSANO, 2010). Essa característica se deve à algumas
vulnerabilidades que possui, especificamente de suas deficiências na capacidade de
defesa antissubmarino (contra ataques de submarinos inimigos), e na sua capacidade
de defesa antiaérea (contra ataques de aeronaves inimigas e de mísseis antinavio,
23 O convés de voo de um PA, conhecido como Convoo, é um convés corrido, de proa à popa, sem interferências, exceto pela superestrutura onde se localiza algumas estações como a Torre de Controle do
Aeródromo. Neste convés as aeronaves são lançadas (decolam) e s ão recolhidas (pousam).
27
podendo estes últimos serem lançados tanto por aeronaves quanto por outros navios
inimigos – de superfície ou submarinos). Atualmente, há notícia de que mísseis
balísticos antinavio também podem ser lançados por instalações em terra,
aumentando o rol de possibilidades de ataque aos PA24.
Dessa forma, em termos gerais, a fim de se reduzir as citadas fraquezas
inerentes a um PA, são constituídas Forças nucleadas em PA (CSG). Estas forças
não possuem uma constituição rígida e, de forma geral, variam conforme os meios
navais que cada Marinha possui e a missão que lhes é assignada. Entretanto, para
efeito de referência, pode-se exemplificar a constituição de uma típica Força nucleada
em PA como sendo formada por: um ou dois submarinos nucleares de ataque, dois
ou três navios-escolta com capacidade antiaérea, dois ou três navios-escolta com
capacidade antissubmarino, um navio-tanque ou de apoio logístico e, também, da Ala
Aérea embarcada no PA (ASSANO, 2010, p.9). Esta Ala Aérea varia de composição
conforme alguns parâmetros. Fundamentalmente, dois requisitos importam, sendo
eles a capacidade de transporte do PA, intimamente ligada às suas dimensões, e a
capacidade operacional do PA, advinda das características técnicas próprias do navio
que o limitam na operação de alguns tipos de aeronaves.
3.2 A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE UM CSG NA MARINHA DOS EUA
(USN)
Segundo FRIEDMAN, na Marinha dos EUA, atual detentora do maior Poder
Naval do planeta, a organização e o funcionamento de uma Força nucleada em PA se
apresenta conforme descrito a seguir.
Uma das mais poderosas formações navais já concebidas na USN é a da
Força nucleada em PA (CSG). Seu conjunto compreende um PA; navios-escolta
(normalmente contendo dois pares de cruzadores lançadores de mísseis e de um a
dois submarinos nucleares de ataque); e um navio de apoio logístico (para permitir o
reabastecimento de itens diversos, como combustível de aviação, munição, víveres,
etc.). Outros arranjos de Força que também merecem um breve comentário e que,
quando concebidos, recebem denominações próprias são os Grupo de Ação de
24 No capítulo cinco deste estudo o assunto que trata sobre a ameaça de mísseis antinavio provenientes de
bases em terra será explorado com maior profundidade.
28
Superfície (SAG), Grupo Anfíbio Pronto (ARG) e Grupo de Ataque Expedicionário
(ESG).
Com o advento dos mísseis balísticos da família Tomahawk, combinado com
o desenvolvimento do “super” sistema de Defesa Antiaérea embarcado em navios de
combate de superfície, conhecido por Aegis, e, além disso, fruto das limitações
orçamentárias que impediam a criação de um número sem fim de CSG, foram
concebidos os Grupos de Ação de Superfície (SAG). Este arranjo de navios de
superfície, basicamente formado por um CSG subtraído do seu PA e de sua Ala Aérea
embarcada, tem muitos empregos, mas não serve como alternativa para a Projeção
de Poder sobre terra. Portanto, não equivale a um CSG. As seguintes razões justificam
a assertiva: não possui a mesma capacidade de sustentação logística de ataque (por
sua limitação de munição); não possui o peso da presença que um PA significa na
composição de um CSG (prestígio político e militar) e; possui limitações de suas
capacidades de ataque a alvos em terra. Assim, não alcança a superioridade aérea
necessária à execução de uma operação de Projeção de Poder (FRIEDMAN, 2001,
p.259).
O Grupo Anfíbio Pronto (ARG) é um arranjo de meios para o transporte e
projeção de uma Força Anfíbia para a tomada de um território hostil. Possui diversos
meios navais, incluindo os Navios-Multipropósitos, como os LHA e os LHD25 que,
apesar de se assemelharem a um PA, não o são. O ARG, por não possuir a
capacidade de conquista da superioridade aérea local, além de suas vulnerabilidades
quanto às ameaças submarina e aérea, necessita da proteção fornecida por um CSG
durante seu trajeto e, especialmente, na realização do desembarque anfíbio
(FRIEDMAN, 2001, p.266). Quando se concentram um CSG e um ARG, forma-se a
concepção do arranjo mais poderoso de todos, o chamado Grupo de Ataque
Expedicionário, conhecido em inglês por Expeditionary Strike Group (ESG).
Na USN, de forma a se promover a máxima integração entre os navios
componentes de uma Força nucleada em PA (CSG), esta Força terá sempre uma
única e permanente configuração de Comando e será sempre constituída pelos
mesmos navios. Além disso, na USN foi concebida a constituição de um ARG para
cada CSG existente, que operam sempre como um par casado. Este conceito rígido
25 LHA e LHD são tipos de navios com amplo convés de voo, que se assemelham a um PA de pequeno porte, mas que se destinam basicamente a transportar e lançar as Unidades Anfíbias Expedicionárias (Marine
Expeditionary Unit - MEU). Não são considerados PA.
29
deriva da experiência acumulada por muitos anos pela USN, respeitando os elevados
requisitos de Comando e Controle exigidos para a complexidade das operações
inerentes a este tipo de Força, assim como das rápidas evoluções nesses requisitos.
As poderosas e robustas capacidades ofensiva e defensiva de uma Força
nucleada em PA lhe conferem elevada autonomia e independência, de tal sorte que
dispensam o apoio de outras forças para o cumprimento de sua missão. Suas
unidades componentes provêm apoio mútuo. Os submarinos nucleares desta Força,
dotados de mísseis antinavio de longo alcance, são capazes de desenvolver altas
velocidades que, taticamente, lhes dão liberdade de manobra. Além disso, são
detentores da capacidade de ocultação, podendo, assim, se aproximarem da força
oponente sem serem notados, e a partir de qualquer direção. São normalmente
posicionados à frente do rumo de avanço do dispositivo de navios, a fim de realizar a
varredura da área, sendo, geralmente, armados com mísseis de ataque a alvos de
terra do tipo Tomahawk. Dessa forma, mantêm o fator surpresa e a iniciativa das
ações para si. Apesar do seu extraordinário poder ofensivo, algumas características
dos submarinos devem ser levadas em consideração na designação de suas missões.
O submarino, apesar de ter a ocultação como a sua maior virtude, é justamente esta
propriedade que o impede de realizar uma ação de presença, deixando uma lacuna
quando o interesse estratégico do Estado é o de mostrar-se em uma determinada
posição (FRIEDMAN, 2001, p.261) (COUTAU-BÉGARIE, 1990, p.98). Para citar um
exemplo dessa “limitação”, na Guerra das Malvinas, em 1982, foi necessário o
afundamento do Cruzador “Belgrano”, da Armada Argentina, por um torpedo lançado
pelo Submarino Nuclear “Conqueror”, da Royal Navy26, para que o efeito de dissuasão
da sua presença no teatro de operações fosse verdadeiramente reconhecido pela
Argentina. A partir daquele episódio, os navios de superfície de combate argentinos,
incluindo-se o seu PA, foram paralisados, permanecendo atracados para não serem
afundados.
As aeronaves componentes da Ala Aérea embarcada de um PA possuem
elevado raio de ação, além do seu armamento possuir um elevado alcance. A soma
desses dois fatores geralmente permite que estas aeronaves desfechem ataque sobre
o oponente além do alcance de suas capacidades defensivas, o que lhes garante a
ofensiva (HENDRIX, 2013, p.8). Entretanto, cabe lembrar que o surgimento de novas
26 Entende-se por Royal Navy a Marinha do Reino Unido.
30
tecnologias no âmbito dos mísseis A2/AD e a perspectiva de seu desenvolvimento
desafiam esse trunfo.
Os navios-escolta de superfície componentes desta Força, possuidores de
sistemas de armas antiaérea de elevado desempenho, se encarregam de engajar e
destruir os mísseis e demais armamentos eventualmente lançados pela aviação de
ataque oponente, liberando a aviação embarcada no PA para se ocuparem,
exclusivamente, do combate aéreo, buscando destruir a aviação aérea oponente no
solo ou no ar. O PA também é o único meio capaz de lançar as aeronaves de alarme
antecipado aerotransportado (AEW)27, cuja função é a de se posicionar
favoravelmente no entorno do CSG, a fim de detectar com grande antecedência as
unidades da Força oponente, permitindo o lançamento das vagas de aeronaves de
ataque antes que o oponente tome a iniciativa das ações. Dessa forma, a partir de
todos esses dispositivos de defesa e de ataque, a Força nucleada em PA encontra-se
capacitada a alcançar a superioridade aérea local, um dos requisitos táticos
fundamentais para se exercer o Controle do Mar, Projetar Poder sobre terra, ou Apoiar
as operações de desembarque anfíbio de um ARG (FRIEDMAN, 2001, p.257).
Durante o período da Guerra Fria os PA norte-americanos recebiam até cinco
esquadrões de aeronaves de caça e ataque, os F-14 Tomcat. Cada esquadrão
possuía quinze aeronaves. Com o advento da tecnologia, as aeronaves receberam
novas capacidades resultando em notável evolução, especialmente na área de
eletrônica embarcada, o que permitiu que uma mesma aeronave pudesse ser
configurada tanto para caça28 quanto para ataque (F/A)29, como é o caso dos F/A-18
Hornet. Dessa forma, a quantidade de esquadrões embarcados pode ser reduzida de
cinco para quatro e a quantidade de aeronaves por esquadrão também diminuiu de
quinze para apenas doze. Com isso, o número total de aeronaves embarcadas sofreu
redução30. Uma outra consequência direta da evolução tecnológica das aeronaves e
dos PA se evidencia na elevação da capacidade de sortidas31. Essa evolução, somada
27 “Alarme Antecipado Aerotransportado” é conhecida em inglês como Airborne Early Warning (AEW) 28 Na MB a missão de ataque a outra aeronave em voo é denominada de “interceptação”. Neste estudo se
empregará o termo “caça”, mais genérico, com a mesma finalidade. 29 Em inglês a abreviatura F/A (Fighter/Attack) significa que a aeronave tanto pode ser empregada no combate aéreo contra uma outra aeronave, recebendo a denominação aeronave de caça (F), como pode ser empregada
para ataque ao solo ou à navios , recebendo a denominação aeronave de ataque (A). 30 Apesar de menos numerosa, a Ala Aérea embarcada num PA na atualidade é mais cara que antes, pois as aeronaves mais modernas são individualmente muito mais custosas. 31 A restrição do número de sortidas resulta de limitações tanto do PA quanto das próprias aeronaves. No PA se
deve à capacidade de reabastecimento e de rearmamento da aeronave embarcada, assim como a capacidade
31
ao desenvolvimento da precisão da pontaria e do alcance do armamento lançado
pelas aeronaves embarcadas incrementa ainda mais a capacidade ofensiva dos PA.
Um outro fator que também interfere na capacidade de sortidas das aeronaves é a
tancagem32 de combustível de aviação existente no PA. Quanto maior for essa
capacidade, menor será a dependência de reabastecimento no mar por parte do PA
(FRIEDMAN, 2001, p.257). Como conclusão parcial, pode-se deduzir que, apesar da
gradual redução do número de aeronaves embarcadas nos mais modernos PA, o
poder combatente destas aeronaves em comparação ao de gerações anteriores é
significativamente superior, alavancando ainda mais a eficiência da combinação do
binômio PA versus Ala Aérea embarcada.
A capacidade de embarque de aeronaves em um PA depende de alguns
fatores. As aeronaves que operam embarcadas possuem uma estrutura reforçada e
algumas características as distinguem das aeronaves que operam exclusivamente a
partir de aeródromos de terra. Uma dessas características é a capacidade de
dobradura de suas asas, de forma a ocuparem menos espaço quando estacionadas.
Da mesma forma, as dimensões do convés de voo influem diretamente na capacidade
de recebimento e transporte de aeronaves (FRIEDMAN, 2001, p.258).
Dessa forma, a partir do estudo da organização e funcionamento de um CSG
na USN, depreendidas de todas as características apresentadas, é possível concluir
que a Força Nucleada em PA possui capacidade de operação praticamente
autossuficiente, o que a posiciona com elevado destaque sobre todos os outros
arranjos de formação de navios. Uma outra característica muito evidente do PA e de
seu CSG é a sua vocação ofensiva. Seu rendimento em combate parece estar
diretamente ligado à sua forma de emprego. Ao se empregar o CSG com uma postura
ofensiva, é possível oferecer ao PA toda a liberdade de ação para utilizar o seu poder
combatente. Do contrário, corre-se o risco de subutilizar o seu potencial, colocando-
se em risco a sua segurança. Entretanto, há que se considerar que este conceito, ou
doutrina de emprego, foi desenvolvido há alguns anos e que as ameaças surgidas
mais recentemente podem desafiar as atuais capacidades de um CSG.
de efetuar seguidos lançamento pelos sistemas de suas catapultas. Estas restrições técnicas influem diretamente na capacidade de desempenho do binômio. 32 O termo “tancagem” é empregado na Marinha do Brasil e se refere ao volume de c ombustível que pode ser
armazenado em um PA, ou mesmo outro navio que opere com aeronaves.
32
4 A CONCEPÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA E O EMPREGO DO PODER
NAVAL POR UM ESTADO
Este capítulo procura reunir diferentes aspectos sobre a concepção de uma
Estratégia Marítima voltada para um Estado que possui interesses no Mar. Esses
interesses podem se limitar ao seu litoral ou, do contrário, se estender muito além
dessa fronteira, alcançando nos oceanos o elemento de ligação que permite acesso
livre a dimensões globais. É interessante observar que os exércitos se mantém
limitados às fronteiras terrestres de um Estado. As Forças Aéreas atuam conforme o
raio de ação de suas aeronaves, podendo até ultrapassar a fronteira de soberania
aeroespacial do Estado. Entretanto, não possuem a capacidade de permanência para
além de suas bases fixas no território. Por outro lado, as Marinhas sempre foram
forças expedicionárias. Servem para mostrar bandeira, para sinalizar a presença do
Estado numa determinada região do planeta, para representar o interesse genuíno de
uma nação em uma porção dos mares, seja lá onde se encontre.
Uma Estratégia Marítima se fundamenta na importância que um Estado atribui
ao emprego do seu Poder Naval para representá-lo onde e quando melhor assegure
os seus interesses. Para tal, este Estado necessita adquirir a consciência do valor
desta ferramenta de poder, destinando-lhe recursos adequados, a fim de que o seu
Poder Naval adquira as capacidades necessárias para se impor aos oponentes que
contrariem os interesses do seu Estado-Nação. Dessa forma se constrói as bases de
uma verdadeira concepção estratégica marítima.
No Brasil diversos documentos normativos de alto nível definem as
orientações político-estratégicas a serem seguidas pela expressão militar do Poder
Nacional. A MB desenvolve suas capacidades em conformidade com essas
orientações. No Anexo A deste estudo se detalham as normas vigentes no Marco
Legal do Brasil, além de se relatar uma síntese da experiência brasileira na condução
de seus PA ao longo de mais de meia década de história.
O ponto de vista de FRIEDMAN sobre o emprego do Poder Naval em
subordinação a uma estratégia marítima quase que pode ser sintetizado pela assertiva
que encerra o último parágrafo de sua obra, “Em geral, a estratégia dita as razões
pelas quais os navios se prestam, o quão distantes devem operar afastados de suas
águas e por quanto tempo devem permanecer junto a costa de outros países”
(FRIEDMAN, 2001, p.285, tradução nossa).
33
Nos próximos parágrafos serão levantados aspectos importantes que
constituem os alicerces que sustentam um Poder Naval, procurando destacar o papel
do PA e da Força nucleada em PA neste contexto.
4.1 VIGILÂNCIA MARÍTIMA
Um fato inquestionável é o de que detectar e identificar navios de superfície
navegando na vastidão dos oceanos é uma tarefa bastante trabalhosa e difícil de se
realizar. Com o advento das aeronaves na execução da busca e da patrulha marítima
essa dificuldade se abrandou, mas não cessou. De fato, a fase de identificação torna
a patrulha marítima mais demorada e não garante que a identificação positiva da
embarcação de superfície seja descoberta (FRIEDMAN, 2001). Atualmente, com o
surgimento de novas tecnologias, como a de radares com capacidade de abertura
sintética34, que podem ser instalados em aeronaves que operam a partir de terra ou
de navios, aumentou a capacidade de identificação de alvos na superfície. É
interessante observar que mesmo com a utilização de satélites espaciais para a tarefa
de identificação de embarcações de superfície, a dificuldade não se suavizou.
A USN ao longo das últimas décadas desenvolveu um sistema de vigilância
marítima de desempenho muito superior ao de outras Marinhas apoiado no conceito
do trinômio que une: uma grande quantidade de sensores de alto desempenho
(distribuídos ao longo da costa, embarcados em navios e aeronaves e espalhados
pelo espaço em uma rede de satélites); centros de compilação de dados (localizados
no continente, constituindo um poderoso sistema de processamento); e um confiável
sistema de comunicação satelital (protegido contra violações e de uso estritamente
militar). Com este aparato, foi possível conectar os navios em operação no mar aos
poderosos bancos de dados localizados em terra firme. Dessa forma, a Força Naval
foi dotada de uma insuperável capacidade de vigilância marítima e de consciência
situacional da área de operações.
Prosseguindo um pouco mais na exploração dessa vantagem comparativa, os
navios da USN dotados de mísseis antinavio de longo alcance passaram, então, a ter
melhor desempenho na guerra, muito acima do desempenho daqueles navios de
34 Os novos radares de abertura sintética, conhecidos em inglês por Synthetic Aperture Radar (SAR), permitem obter dados que vão além do tradicional “contato” radar, podendo -se explorar a silhueta do alvo e outras
características, que permitem auxiliar na sua identificação.
34
outras Marinhas com sistemas de mísseis até mesmo equivalentes, mas que, todavia,
não possuíam a mesma rede de vigilância em seu apoio (FRIEDMAN, 2001, p.80).
Numa análise inicial, pode-se deduzir que o puro e simples aparelhamento de
uma potência militar-naval com sistemas de armas de alto desempenho, como mísseis
antinavio de longo alcance, instalados na costa ou transportados por Forças Navais e
Aeronavais, não garantem a sua plena utilização se não houver uma compatível e
poderosa rede de vigilância e de inteligência em apoio à operação daquela Força
Naval no mar.
Uma das formas de se ampliar a capacidade de vigilância marítima sem
depender da existência de uma rede de monitoramento com base em vigilância e
comunicação satelital se dá por intermédio do emprego da aviação de patrulha
embarcada em um PA. Esse foi o raciocínio e o argumento utilizado pela Royal Navy
para defender a continuidade de seu programa de construção de PA. Segundo
FRIEDMAN, referindo-se à Royal Navy:
“Para defender este projeto a Marinha [do Reino Unido] estimou o prejuízo que teria se possuísse uma Esquadra sem a existência de um PA. Aeronaves de patrulha embarcadas em PA
poderiam detectar alvos a algumas centenas de milhas à frente [da Força Naval] e direcionar as aeronaves de ataque também embarcadas. A [partir desse preceito a] Royal Navy poderia
desenvolver navios lançadores de mísseis compatíveis com este alcance. Entretanto, ainda assim as aeronaves seriam necessárias para a detecção dos alvos” (FRIEDMAN, 2001, p.81
– tradução nossa).
4.2 O CONTROLE DO MAR E A PROJEÇÃO DE PODER
Analisando-se os diversos níveis de capacidade do Poder Naval de uma
nação, segundo FRIEDMAN, pode-se classificar as diferentes Marinhas existentes no
mundo em duas categorias básicas: a primeira, detentora de capacidades que lhes
dão um mais elevado grau de liberdade e poder de ação, como é o caso da USN, é
normalmente descrita como uma “Marinha de Projeção de Poder” ou uma “Marinha
de Controle do Mar”. A segunda categoria, identificada com algumas debilidades nas
capacidades do seu Poder Naval, é vista como uma “Marinha de negação do uso do
Mar”, pois costuma concentrar seus esforços exclusivamente em prevenir que outros
não utilizem o espaço marítimo que tenta dominar, normalmente adjacente ao seu
litoral. Nota-se que, ao negar o uso daquela porção marítima ao oponente, não
conquista para si próprio o seu uso seguro, constituindo um grau de controle inferior
35
ao do “Controle do Mar” (BRASIL, 2014, p. 1-8). FRIEDMAN esclarece, ainda, que
Projetar Poder se refere à capacidade de atacar alvos em terra e que Controlar o Mar
é a capacidade de conquistar e manter o uso de uma área marítima, a despeito do
interesse contrário de uma Força oponente (FRIEDMAN, 2001, p.82). Para
PERTUSIO, Controlar o Mar significa “operar em um espaço marítimo com certa
liberdade de ação, mas de modo algum com total segurança; a ameaça nunca poderá
ser descartada por completo” (PERTUSIO, 2005, p. 71 – tradução nossa).
Durante a época da Guerra Fria, os PA norte-americanos, em conjunto com
seus navios-escolta, atuaram como elementos de “Projeção de Poder”, pois as suas
aeronaves poderiam bombardear o território soviético. Mais especificamente,
poderiam conter e destruir a aviação soviética proveniente de suas bases em terra,
em caso de ataque desta última às forças navais norte-americanas. Prosseguindo um
pouco além, os navios de combate da OTAN, como Fragatas e Cruzadores, foram
reconhecidos como navios de “Controle do Mar” (SCS)35, pois conseguiam garantir a
segurança das Linhas de Comunicação Marítima (LCM) de interesse, a despeito da
ameaça soviética nos oceanos. Com o fim do conflito no Vietnã, quando os interesses
norte-americanos foram duramente criticados pela sua sociedade, houve uma extensa
discussão nos EUA em torno da necessidade de manutenção das Forças nucleadas
em PA (CSG), cujos custos de manutenção eram elevadíssimos. O argumento inicial
era de que os SCS seriam suficientes para conter as forças soviéticas, dispensando,
assim, a presença e, até mesmo, a existência dos PA. Entretanto, como conclusão
das intensas discussões, essa ideia foi derrotada. Chegou-se ao consenso de que,
sob um ataque aéreo soviético com aeronaves baseadas em terra e dotadas de
mísseis antinavio sobre uma Força Naval norte-americana desprovida do poder
ofensivo correspondente ao da Ala Aérea embarcada em um PA, os SCS seriam
capazes, apenas, de resistir aos primeiros ataques, tendo, em algum momento, suas
capacidades de defesa e de munição saturadas e esgotadas pelo contínuo ataque e
rearmamento das aeronaves soviéticas. Somente o poder aéreo baseado nos PA
seria capaz de anular o poder aéreo oponente, destruindo-o antes do esgotamento da
capacidade defensiva da Força Naval.
35 Navios reconhecidos como de Controle do Mar são conhecidos na literatur a específica em inglês como Sea
Control Ships (SCS).
36
Naquela ocasião, a Ala Aérea norte-americana era composta por esquadrões
de aeronaves F-14 Tomcats. Essas aeronaves tanto desempenhavam papel de
proteção do PA, ocupando a camada mais externa do sistema defensivo da Força
nucleada em PA (CSG), como compunham o seu braço ofensivo de maior alcance,
encarregadas de atacar as aeronaves inimigas em voo ou no solo. Para potencializar
seu desempenho, a USN passou a dotar as Forças nucleadas em PA (CSG) com
navios-escolta armados com sistemas de defesa antiaérea de elevado desempenho,
denominado sistema Aegis. Dessa forma, esses navios passaram a se encarregar de
defender a Força Naval dos mísseis antinavio lançados pelas aeronaves inimigas,
liberando os F-14 Tomcat embarcados nos PA exclusivamente para atacarem a
aviação inimiga, tornando o sistema sinérgico e mais eficiente. Como afirma
FRIEDMAN, “... o PA era seguramente o único elemento da força capaz de lidar com
os bombardeiros [soviéticos]” (FRIEDMAN, 2001, p.82 – tradução nossa).
Segundo FRIEDMAN, a estratégia norte-americana naquela ocasião, ao
designar Forças nucleadas em PA para se aproximarem da direção de potenciais
alvos soviéticos, era a de incitar a Marinha soviética para que esta partisse para a
ofensiva, buscando duelar o que a USN acreditava poder ser a “batalha decisiva”.
Cabe atentar que essa estratégia somente é adotada por aquela Força que se julga
superior à oponente em poder de combate.
A escolha pelo emprego do modelo baseado em Força nucleada em PA
durante a Guerra Fria foi absolutamente consciente por parte da USN. A vantagem
residia no fato de que o poder ofensivo representado pelos PA tanto servia para
projetar poder contra as forças soviéticas, como para lidar com outras crises ao redor
do mundo. Assim, afirma FRIEDMAN, “controle do mar e projeção de poder podem
ser dois lados da mesma moeda” (FRIEDMAN, 2001, p.83 – tradução nossa).
4.3 A ESQUADRA PRINCIPAL E A ESQUADRA EM POTÊNCIA
Um conceito estratégico importante é o de Esquadra Principal e o de Esquadra
em Potência. Esse conceito fica evidente quando duas forças navais que se enfrentam
possuem uma franca desigualdade em termos de capacidade ofensiva. Contudo, a
Esquadra em Potência, apesar de ser reconhecidamente inferior à adversária, é
suficientemente poderosa para causar danos e grandes preocupações à Esquadra
Principal. Para destruí-la, a Esquadra Principal deverá realizar grande esforço.
37
Entretanto, se decidir somente neutralizá-la, muitos e importantes meios navais da
Esquadra Principal ficarão impedidos de serem empregados em outras missões ou
teatros de operação, pois estarão aferrados à Esquadra em Potência (PERTUSIO,
2005, p. 97).
A USN, que se organizou em torno de Forças nucleadas em PA durante a
Guerra Fria, claramente representava a Esquadra Principal, enquanto que a Marinha
soviética desempenhava o papel de Esquadra em Potência, sendo baseada na
combinação de três elementos distintos: aeronaves baseadas em terra dotadas de
mísseis antinavio, navios de combate de superfície e submarinos. Observa-se que
naquela época não existiam PA na Marinha soviética. Esta situação não trazia
vantagens para a USN, pois essa assimetria entre o Poder Naval dos oponentes
imobilizava relativamente a Esquadra norte-americana, a qual tentava romper com
essa situação forçando a confrontação com a Força Naval soviética em uma “Batalha
Decisiva”, como anteriormente comentado.
Da mesma forma que ocorria na Guerra Fria, este conceito estratégico
permanece válido para os dias de hoje. A Esquadra Principal procurará confrontar a
Força Naval oponente, inferior em capacidades, o quanto antes, numa Batalha
Decisiva. Uma Esquadra Principal em confronto com uma outra Força de reconhecida
inferioridade ofensiva, tanto poderá Projetar Poder como poderá lutar para obter o
Controle do Mar (FRIEDMAN, 2001, p.90). Entretanto, ao possuir esta Esquadra
Principal uma Força Naval nucleada em PA, seria mais vantajoso para esta optar pela
Projeção de Poder, abreviando a conquista do “Domínio do Mar”, liberando assim a
Esquadra Principal da imobilização causada pela Esquadra em Potência.
4.4 ESTRATÉGIA MARÍTIMA EMPREGANDO O PODER NAVAL
Um Poder Naval ou uma Estratégia Marítima se baseiam na capacidade
dominante de movimentação rápida e contundente de uma expressiva Força Naval
para a área de interesse estratégico, normalmente próximo à região em que se localiza
a crise. Movimentar pesadas forças sobre os mares é muito mais fácil e efetivo do que
fazê-lo sobre terra ou pelo ar. Movimentar uma base aérea completa, com todos os
seus aviões e helicópteros, além de todo o pessoal necessário para colocá-la em
funcionamento, é o que fazem rotineiramente os PA (FRIEDMAN, 2001, p.227).
38
Para se obter a liberdade de movimento no deslocamento de forças de
maneira dominante e segura é necessário algo mais do que a ação inicial de negar o
uso da área marítima de interesse ao oponente. Segundo FRIEDMAN, à combinação
da liberdade de manobra com a negação do uso do mar ao inimigo é conhecida como
“Controle do Mar”, um grau de controle mais elevado que a simples “Negação do uso
do Mar” e que exige maiores capacidades.
O “Domínio do Mar” ou o domínio de uma área marítima, conceito largamente
difundido pelo célebre estratego norte-americano, Alfred T. Mahan36, exige de uma
Força Naval a capacidade para exercer o “Controle do Mar”, o que implica em esforço
para remover barreiras impostas pelo inimigo, que representam antagonismos aos
interesses do Estado. Em alguns casos, pode até exigir a capacidade de exercer
pressão sobre o oponente, atingindo-o no que considera mais valioso, seu território e,
consequentemente, seu povo. Assim, o Poder Naval dotado da capacidade de projetar
poder sobre o território inimigo caracteriza a expressão máxima de influência e poder,
mesmo que este não venha a exercer de fato as ações de projeção acima mencionada
(FRIEDMAN, 2001, p.228).
Neste aspecto reside o inestimável valor de um Poder Naval, ou seja, a sua
capacidade de exercer influência sobre uma outra Força, sem que nem mesmo
precise fazer uso explícito de sua força. Graças às suas características de mobilidade
e permanência, o Poder Naval pode estar presente onde melhor lhe convier, sem
depender da permissão de qualquer outro ator internacional, proporcionando ampla
liberdade de emprego ao poder político do Estado ao qual pertence, fazendo valer os
preceitos da política externa da nação que detém a posse desta valiosa ferramenta
de influência (FRIEDMAN, 2001, p.228).
Segundo FRIEDMAN, “a história tem mostrado que o Poder Naval geralmente
requer uma coalisão com parceiros com orientação baseada no território, a fim de se
alcançar resultados decisivos” (FRIEDMAN, 2001, p.228 - tradução nossa). Isso
significa que uma Marinha com Poder Naval forte exerce elevado poder de atração e
influência sobre outras nações na consolidação de alianças político-estratégicas e
36 Alfred Thayer Mahan (1840-1914) foi um oficial da USN que se notabilizou pelas suas ideias que influenciaram muitas Marinhas durante o Século XX, em especial a própria USN. Sua obra mais famosa, The
Influence of Seapower on History, 1660-1783, publicado em 1890, apresenta conceitos de emprego do Poder Naval como uma ferramenta para a consecução de uma estratégia marítima em apoio à Política Externa, e desencadeou a formação de Marinhas de grande porte, a fim de se habilitarem a alcançar um dos seus conceitos fundamentais, o “Domínio do Mar”. (Disponível em: <http://global.britannica.com/biography/Alfred-
Thayer-Mahan>. Acesso em: 19 jul 2015).
39
militares. Essas alianças terão maior valor estratégico quanto mais se reunirem
benefícios provenientes dos Estados aliados. Pode-se citar, como exemplo de
benefícios oriundos dessas alianças, a disponibilidade de posições estratégicas no
território aliado para instalação de bases para apoio, especialmente se a Força Naval
estiver atuando em áreas distantes de seu porto sede. Trata-se, portanto, de um papel
político significativo do Poder Naval, decorrente da condição de domínio de um poder
militar-naval influente, reconhecido pelos demais Estados daquela coalisão. Essa
característica contribui diretamente com os interesses político-estratégicos daquela
nação que optou pela consecução de uma Estratégia Marítima, decidindo investir seus
recursos no fortalecimento de seu Poder Naval.
O surgimento de uma ameaça aos interesses de um Estado pacífico pode se
configurar de forma muito rápida no tempo, não podendo ser enfrentado sem uma
adequada e antecipada preparação do seu Poder Naval, o que requer sempre atenção
e cuidadosos investimentos. A agilidade característica do Poder Naval, a sua
capacidade de mobilidade nos mares e o seu poder de permanência na área de
operações poderão deter temporariamente um oponente de grande porte, na medida
em que contribuirão decisivamente para o alargamento do fator tempo para reação,
necessário para que o Estado ameaçado se mobilize adequadamente para enfrentar
tal oponente. Segundo FRIEDMAN, a capacidade de se opor ao inimigo o mais
afastado possível da costa a se defender implica diretamente na escolha dos tipos de
meios navais que comporão o Poder Naval de um Estado (FRIEDMAN, 2001, p.229).
Esses conceitos se aplicam a todos os Estados que pretendem empregar o
seu Poder Naval em benefício da garantia de seus interesses. Uma estratégia nacional
de orientação marítima requer elevada concentração de esforços na direção do mar.
Ao identificar que uma ameaça externa de significativa expressão somente pode
alcançar o seu território vindo da direção do mar, ou seja, se pelas fronteiras terrestres
não há ameaças configuradas ou esperadas que possam por em risco o território,
aquele Estado pode decidir optar pela constituição de um Poder Naval com
capacidade litorânea, ou por uma estratégia de defesa oceânica. Entretanto, somente
uma Força Naval com orientação oceânica poderá prevenir o Estado de uma invasão
inimiga de seu território, seu mais valioso bem, juntamente com seu povo. Segundo
FRIEDMAN, “Quanto maior a costa, maior o custo de sua defesa. Uma solução
oceânica substitui um sistema de concentração de forças litorâneas; a mobilidade
40
multiplica [exponencialmente] a sua eficiência” (FRIEDMAN, 2001, p.229 – tradução
nossa).
Uma outra perspectiva interessante levantada por FRIEDMAN é a de que uma
Marinha com uma estratégia marítima orientada para o oceano exige recursos
humanos de elevado nível de conhecimento para bem operar toda a tecnologia
embarcada nos navios que tipicamente integram tal Força. Essa exigência surge,
basicamente, pois a tecnologia embarcada nesses navios encontra-se no estado da
arte (FRIEDMAN, 2001, p.229). Como corolário do raciocínio acima, pode-se deduzir
que um pré-requisito para a constituição de uma Marinha de última geração é a de
que a população de seu Estado-Nação tenha, também, um elevado nível de instrução,
permitindo a captação destes recursos humanos, com o potencial requerido, no seio
da sua própria população. Essa dinâmica exige e estimula o desenvolvimento do setor
de educação de uma nação, ao mesmo tempo em que exige a preparação daquela
Marinha para bem capacitar o seu pessoal.
FRIEDMAN também chama a atenção quando diz que “Ilhas são candidatas
óbvias para as estratégias marítimas nacionais” (FRIEDMAN, 2001, p.230 – tradução
nossa). Para os casos de países insulares como Japão, Taiwan e Reino Unido, isso é
realmente óbvio. Entretanto, para aqueles países que possuem ilhas oceânicas, ou
seja, arquipélagos muito afastados da costa, como é o caso do Brasil com respeito às
suas diversas ilhas e arquipélagos a mais de 350Km da costa, essa não é uma
percepção tão óbvia para a sociedade, que muitas vezes até mesmo desconhece a
existência dessas formações geográficas.
A perspectiva na qual governos orientam suas estratégias exclusivamente na
direção do interior do território e abandonam a consciência da necessidade de
implantação de uma estratégia marítima é historicamente demonstrada. As pessoas
habitam o território, não os mares. Por mais que o mar represente uma opção de lazer
e entretenimento para a população de um Estado, enxergar a importância e a
necessidade de se manter presença no mar, fora do alcance visual de quem se
encontra na costa, requer um elevado esforço de abstração. Vai contra a direção da
intuição humana. Mesmo Estados que possuem uma Marinha bem estruturada e
dispendiosa costumam se confundir quanto ao papel desta Força. Os Exércitos
costumam achar que o Poder Naval se presta a defender a costa, unicamente
(FRIEDMAN, 2001, p.231).
41
Neste contexto se inserem os PA. Ao se comparar o poder representado por
aviões baseados em um aeródromo fixo em terra com o poder de uma Ala Aérea
embarcada em um PA, verifica-se que há significativas diferenças. Observa-se que,
mesmo que se desdobrasse a aviação baseada em terra por seguidos aeródromos ao
longo de um território, não seria possível se alcançar o grau de mobilidade e de
profundidade daquele obtido pela aviação embarcada em um PA, especialmente
quando a direção desta projeção é no sentido do mar (FRIEDMAN, 2001, p.231).
Como conclusão de seu pensamento sobre a concepção de uma estratégia
marítima e o emprego do Poder Naval por um Estado, podemos extrair a seguinte
reflexão do raciocínio de FRIEDMAN. O mar e a estratégia marítima que se pretende
aplicar neste espaço marinho podem ser encarados sob duas formas distintas, como
uma “barreira” ou como uma “estrada”. Se a estratégia marítima pretende empregar o
seu Poder Naval para utilizar o mar como uma “barreira” contra ameaças externas,
provavelmente este Poder Naval será utilizado como uma ferramenta para o
isolacionismo daquele Estado. O argumento contrário a esta estratégia de isolamento
é o de que algumas “armas” pertencentes a outros atores internacionais, sejam elas
militares ou até mesmo econômicas, em algum momento conseguirão vencer esta
barreira representada por aquele Poder Naval litorâneo, atingindo o coração da
soberania do Estado, seu território e seu povo. Assim, é mais vantajoso encarar o mar
como uma estrada para o restante do mundo e empregar o Poder Naval para engajar
as ameaças o mais próximo possível de suas bases, ou seja, o mais longe possível
da costa a ser defendida (FRIEDMAN, 2001, p.232).
Como complemento ao tema exposto neste item, no Anexo B a este estudo é
apresentado um panorama do cenário geopolítico abordando o emprego atual do
Poder Naval no Oceano Índico obedecendo a uma estratégia marítima. Baseado no
artigo de UPADHYAYA para a Revista IHS Jane’s Navy International, publicado em
março de 2015, o texto aponta as mudanças na conjuntura internacional, destacando
a concentração de Forças Navais de diferentes Estados, com interesses muitas vezes
antagônicos, disputando influência e poder no teatro marítimo composto pelos Oceano
Índico e Mar da China. A característica que chama a atenção e que interessa a este
estudo é a concentração de um elevado número de PA de diversas nações operando
naquelas águas ao mesmo tempo, destacando a presença mais recente da China e
da Índia, cada qual dispondo de seu PA que compõem seu Poder Naval, além de
outros PA da USN e de algumas Marinhas da OTAN. O autor considera que aquele
42
cenário poderá ser um respeitado laboratório de ensaio para a confrontação das
capacidades dos PA com as suas ameaças.
4.5 UMA COMPARAÇÃO ENTRE CASOS DISTINTOS DE EMPREGO DO PODER
NAVAL
Neste item se apresentará dois casos históricos envolvendo disputas entre o
Brasil, com seus interesses político-econômicos próprios, e duas nações estrangeiras
distintas, onde ambas gozavam de elevado prestígio e poder de influência, em
especial no campo militar-naval, onde possuíam um Poder Naval expressivo e
reconhecidamente superior ao Brasileiro.
O primeiro caso, a Guerra da Lagosta. Este foi o nome dado ao episódio
ocorrido entre 1962 e 1963, na costa Nordeste do Brasil, envolvendo o Brasil e a
França, que ameaçou significativamente a estabilidade das relações entre as duas
nações, livres e soberanas.
Tudo começou em virtude de uma disputa travada por barcos pesqueiros das
duas nacionalidades pela captura da lagosta na Plataforma Continental Brasileira, na
altura do litoral pernambucano. Após denúncia de que barcos de pesca franceses
estariam pescando lagostas dentro dos limites das Águas Jurisdicionais Brasileiras
(AJB)40, o Governo Brasileiro decidiu intervir e a Marinha do Brasil apreendeu os
barcos de pesca franceses envolvidos na questão. Cabe mencionar que os
pescadores franceses não possuíam autorização para a pesca naquela área e, ainda,
utilizavam métodos industriais de pesca, o que comprometia a pesca desse produto
pelos pescadores nacionais, os quais somente utilizavam o método artesanal de
pesca.
A reação do Governo francês foi enérgica, despachando para o local do litígio
um navio de guerra da Marinha Nacional Francesa (MNF), o Contratorpedeiro “Tartu”.
Além disso, por coincidência ou não, uma Força Naval daquela nação composta por
dez navios de combate, sendo um deles o PA “Clemenceau”, realizava exercícios de
manobras militares na costa oeste da África, em latitudes próximas ao do local do
litígio, no litoral brasileiro.
40 Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) são os espaços marítimos que compreendem a faixa de 200 milhas marítimas contadas a partir das l inhas de base, acrescida das águas sobrejacentes à extensão da Plataforma
Continental além das 200 milhas marítimas, onde ela ocorrer (BRASIL, 2014, p. 1-2).
43
Segundo afirmou BRAGA, “É importante destacar que aquela Força-Tarefa,
capitaneada pelo Porta-aviões “Clemenceau”, estava operando em uma área tão
próxima do local da crise que poderia atingi-la em dois dias e suas aeronaves de
combate em pouco mais de três horas” (BRAGA, 2004, p.118).
O desdobramento dessa escalada de crise se deu com o pronto envio de uma
Força-Tarefa composta por navios de guerra da Esquadra brasileira. Embora
debilitada em suas condições materiais de conservação dos seus meios navais e,
também, pelo baixíssimo estoque de munição que possuía, provocado pelos
contingenciamentos orçamentários para a manutenção dos navios daquela Força nos
últimos anos, o Brasil ainda pode atuar na ação dissuasória, contribuindo para a
solução da crise no campo político-diplomático (BITTENCOURT in BRAGA, 2004,
p.6).
Para o caso dessa crise, BITTENCOURT vai ainda além, quando pondera se
a deliberada escalada da crise, com o envio do Contratorpedeiro “Tartu” por parte da
França, não teria sido um reflexo da percepção francesa de que o Brasil não seria
capaz de responder militarmente à altura, dada a condição de sucateamento de sua
Esquadra. Como conclusão, afirma que “Essa dissuasão, necessária para
manutenção da paz, resulta da existência de um poder militar suficiente, em respaldo
dos interesses nacionais” (BITTENCOURT in BRAGA, 2004, p.6).
A decisão por parte da Marinha do Brasil de envio de uma Força Naval
significativa não se deu senão pela presença da Esquadra francesa nas proximidades
da região. A existência daquela Força nucleada em PA, o que elevava
exponencialmente seu poder ofensivo, significava, inclusive, uma capacidade de
Projeção de Poder sobre o território brasileiro.
O segundo caso a ser apresentado é conhecido por “Questão Christie”. Neste
outro grave caso também ocorrido na história da política externa brasileira, a
soberania brasileira também foi ameaçada, mas o desfecho foi bem mais desfavorável
para o Brasil que no caso da Guerra da Lagosta. O episódio, ocorrido em 1861 e
somente concluído em 1865, envolvia um navio-cargueiro civil britânico, o “Prince of
Wales”, naufragado após uma tempestade nas proximidade da costa do Albardão, no
litoral no sul do Brasil. Os corpos dos tripulantes mortos foram enterrados pela
população local que os recolheu na praia, tendo aquela mesma população saqueado
a carga encontrada (FROTA, 2000, p.358). A Inglaterra exigiu uma reparação do
Governo brasileiro, representada por uma elevada indenização para cobrir o valor da
44
carga saqueada. Quando o caso já estava por se resolver diplomaticamente, um
incidente ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1862 mudou o curso das
negociações. Três oficiais ingleses da Fragata “Fort”, da Royal Navy, atracada
naquela cidade foram presos por estarem bêbados, provocando desordem pelas ruas
da cidade, e por desacatarem um soldado, sentinela de um posto policial no Bairro da
Tijuca (FROTA, 2000, p. 358). O representante inglês no Brasil, William Christie, o
mesmo que exigiu as reparações sobre o extravio da carga do navio naufragado,
dessa vez julgou o caso uma afronta à Inglaterra. Recebendo instruções da corte
inglesa, apresentou ultimato ao Brasil exigindo pagamento de valiosa indenização.
Como seu pleito não fora atendido, ordenou ao navio inglês que apresasse cinco
navios mercantes brasileiros, apossando-se de sua carga, como represália e
compensação pelos danos infringidos nos dois casos, e ainda bloqueou o porto do Rio
de Janeiro. O governo brasileiro não teve outra saída e pagou a indenização requerida
ao governo inglês (FROTA, 2000, p.359). De acordo com BITTENCOURT,
praticamente nada pode ser feito além da atuação diplomática, pois o Brasil não
possuía Forças Armadas preparadas que pudessem enfrentar o poderio daquele país
opressor. Assim, concluiu BITTENCOURT, “Foi, portanto, necessário suportar a
humilhação, como o preço que se pagou pela imprevidência de não ter ao menos um
poder naval suficiente para dissuadir o emprego da força que resultou dos exageros
do Ministro Christie”.
Nesses dois exemplos, ainda que separados no tempo por praticamente um
século, podemos constatar dois importantes aspectos. O primeiro é que as situações
de crise podem acontecer inesperadamente, sem nenhum indício prévio que permita
uma preparação adequada. Portanto, ter consciência de que se deve estar preparado
para enfrentar situações desafiadoras a qualquer instante, exige um esforço de
preparação dos recursos de defesa, o que muitas vezes pode parecer dispendioso e
inócuo, entretanto, indispensável para aquele que preza pela sua liberdade e
soberania.
E o segundo aspecto é que a existência de um poder militar crível é essencial
para garantir a defesa dos interesses de um país soberano e livre, permitindo livrá-lo
de situações imprevisíveis de possível jugo estrangeiro. Os resultados obtidos pelo
Brasil frente às duas nações poderosas que o desafiaram na defesa de seus
interesses tiveram desfechos antagônicos. Essa inversão de sinal dos resultados dos
dois casos se deveu basicamente à capacidade de emprego de seu Poder Naval.
45
5 AMEAÇAS E OPORTUNIDADES AO EMPREGO DO PA
Neste Capítulo serão apresentados os principais e mais recentes aspectos de
um ambiente incerto e desafiador que ameaçam a continuidade da existência do PA
e de seu CSG e, também, as possíveis soluções e oportunidades vislumbradas que
parecem dar um novo ar ao arranjo dos CSG, como uma alternativa viável à
manutenção do poder que uma Força Naval deve dispor para cumprir seu papel numa
estratégia de orientação marítima.
5.1 IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS
Num artigo recente publicado em 2014, Henry HOLST escreveu para o site
“National Interest” um artigo sobre o receio de especialistas em defesa norte-
americanos de que os PA da USN estariam sob ameaça de segurança em suas
operações com o desenvolvimento de novas tecnologias de armamento de longo
alcance por outras nações, como era o caso dos arsenais de mísseis balísticos e de
cruzeiro chineses, DF-21D e YJ-12, respectivamente, reforçando a confirmação e o
potencial da ameaça A2/AD (HOLST, 2014).
Segundo HOLST, a ameaça representada por um CSG da USN tem sido o
pilar da estratégia militar-naval norte-americana nas últimas décadas. O surgimento
da possibilidade de afundamento de um PA componente um CSG da USN por uma
arma proveniente do conceito da ameaça A2/AD representaria a quebra daquele
paradigma. O autor explica que o fundamento do emprego de um CSG é o de mobilizar
o Poder Naval de forma rápida e veloz, a fim de desfechar um ataque por aeronaves
da Ala Aérea embarcada num PA daquele CSG estacionado próximo à costa inimiga,
lançando armamento (bombas e mísseis) sobre os alvos militares do território do
Estado oponente (HOLST, 2014). Tudo isso aconteceria com relativa segurança para
a Ala Aérea embarcada no CSG, pois estaria garantida a superioridade aérea local,
por meio das diversas camadas de defesa aeroespacial implementadas pelos navios-
escolta do CSG e, também, por parte das aeronaves embarcadas no próprio PA.
Entretanto, a partir do momento em que os novos mísseis balísticos antinavio, com
alcance de até 1.500Km (A2), combinados com as armas de defesa antiaérea
baseadas em terra (AD), conseguiriam superar a capacidade defensiva do CSG, a
solução mais segura para o PA e seu CSG seria o de se posicionar fora do alcance
46
daquela ameaça de mísseis. A primeira consequência que se vislumbra dessa medida
seria a restrição à liberdade de manobra que se imporia ao CSG. Uma outra resultante
recairia sobre a efetividade do ataque proveniente das aeronaves do CSG.
Possivelmente o raio de ação destas aeronaves somado ao alcance do seu
armamento não seriam suficientes para superar todo o afastamento de costa imposto
ao PA pelas armas antiacesso, de maneira a efetivamente atingirem os alvos que se
pretendiam.
O autor também cita Henry HENDRIX, um analista militar respeitado nos EUA,
que julga que os PA são caros demais para o serviço que podem oferecer:
“… o PA equipado com aeronaves de caça e ataque tripuladas é uma forma cada vez mais cara de se fornecer um poder de
fogo e os PA não estarão habilitados a se posicionar perto o bastante dos seus alvos para operarem efetivamente ou sobreviverem numa era de imageamento satélite e de mísseis
de longo alcance de ataque preciso” (HENDRIX in HOLST, 2014 - grifo nosso - tradução nossa).
Cabe destacar que HENDRIX menciona aeronaves “tripuladas”, deixando
uma brecha para futuros debates que proponham o emprego de aeronaves não
tripuladas como um opção tecnológica mais poderosa em relação à atual.
Ainda segundo HOLST, existe nos EUA um complexo jogo de interesses
industriais e comerciais por trás do emprego dos PA e seus CSG, atuando estes
interesses como o cerne da estratégia militar-naval norte-americana. Sua ruptura
significaria elevados prejuízos para este já consolidado setor da base industrial de
defesa, o que contrariaria muitos interesses de grupos poderosos e influentes. Assim,
afirma HOLST, “se os PA estão sendo eclipsados por vários sistemas de armas A2/AD
e estratégias assimétricas, a inércia industrial militar por trás do programa de PA é
uma desvantagem estratégica para os EUA” (HOLST, 2014 – tradução nossa). Além
disso, o autor aponta que a questão também estaria ligada à dogmas consolidados e
existentes e à dificuldade de se quebrar esses paradigmas doutrinários já
consagrados (HOLST, 2014). Estes seriam mais alguns elementos que prejudicariam
uma necessária revisão na forma de se combater os novos desafios que se
apresentam na atualidade e parecem se descortinar para o futuro.
Por fim, o autor reconhece que se há realmente uma ameaça à segurança das
operações navais com o emprego dos PA e de seus CSG, há também que se ter certa
cautela para não se superestimar o grau de letalidade dessa ameaça (HOLST, 2014).
Ainda assim, não se pode deixar de conjecturar que, se o domínio da tecnologia dos
47
mísseis balísticos de longo alcance não for todavia uma ciência plenamente conhecida
pelos atuais opositores dos EUA, nada garante que em curto espaço de tempo esta
já não estaria plenamente dominada. Isso implica dizer que há que se considerar essa
ameaça como, no mínimo potencial e latente, e se buscar soluções alternativas que
possam superá-la. A resposta mais coerente é sugerida pelo próprio HOLST, que
conclui que o investimento em novas tecnologias e inovações poderá resgatar a
estabilidade das operações de Projeção de Poder, devolvendo o grau de segurança
uma vez já alcançado, o que permitiria que se investisse com menos desconfiança
tanto recurso em pouquíssimos meios, como o PA e seu CSG.
5.2 AS INCERTEZAS DA AMEAÇA A2/AD
Publicado em dezembro de 2013 no periódico “Observatoire da la non
proliferation”, do Ministério da Defesa francês, o artigo de Stéphane DELORY analisa
as incertezas ao redor da possibilidade da real existência e efetividade do míssil
antinavio de longo alcance chinês, denominado DF-21D, que concretiza a ameaça A2,
a maior ameaça na atualidade à continuidade da existência do PA e de seu CSG.
Seguem-se as análises colhidas do mencionado artigo e conclusões.
A dúvida dos especialistas reside na possibilidade da conversão de um míssil
balístico convencional em um míssil balístico antinavio de longo alcance. A fim de se
contrapor à ameaça configurada por um CSG de uma Força Naval inimiga nas
proximidades de sua costa, os chineses anunciaram que desenvolveram um míssil
balístico antinavio a partir de um outro sistema de armas já existente, originalmente
um míssil balístico contra alvos em terra. Este novo sistema de armas, teria sido
testado de 2012 a 2013 sobre um alvo em terra simulando um PA, e já estaria com
sua fase de desenvolvimento concluída, sendo o primeiro lote de 21 mísseis já
encomendado e em fase de instalação em bases estratégicas chinesas. Seu alcance,
ostensivamente divulgado, é de 1.500Km, o que representaria uma séria ameaça à
aproximação dos CSG a um teatro de operações nas águas do Mar da China e do
Oceano Índico, uma vez que os mísseis poderiam ser instalados, até mesmo, fora da
costa chinesa, em alguma ilha, por exemplo.
Os especialistas e engenheiros militares questionam a possibilidade e
probabilidade da China ter desenvolvido tal sistema e, ainda, do mesmo ser realmente
efetivo. Argumentam que um CSG possui mobilidade permanente nos mares, além de
48
diversos sistemas de autodefesa, inclusive de guerra eletrônica. Supondo que este
míssil antinavio seja teleguiado, para que fosse lançado e atingisse o alvo pré-
determinado o míssil necessitaria receber continuamente dados precisos do
posicionamento do alvo para que pudesse corrigir sua trajetória ao longo do seu voo
de aproximação. Se essa trajetória de voo do míssil for muito longa, muito mais dados
serão necessários tramitar entre a fonte de informações e o míssil, além da
necessidade de se manter perfeita comunicação de dados entre ambos. Segundo
DELORY, apesar de todos os avanços tecnológicos da atualidade, essas dificuldades
ainda são muito grandes para serem superadas pelo conhecimento científico-
tecnológico atual. Portanto, esse é o raciocínio que leva muitos especialistas nessa
área do conhecimento a desconfiarem que a China atualmente não possua o
conhecimento tecnológico necessário para operacionalizar o míssil DF-21D, pelo
menos para o alcance anunciado (1.500Km). Entretanto, ainda que esta não seja uma
tecnologia dominada pela China nos dias de hoje, dificilmente deixará de ser em um
prazo não muito longo, dada a velocidade de avanço das conquistas nesse campo da
ciência.
Seja como for, a divulgação do desenvolvimento desse novo sistema
antiacesso pelos chineses já serviu ao seu propósito inicial, que era o da dissuasão
estratégica. Ao recordarmos o episódio ocorrido em 1996, no qual os EUA deslocaram
um CSG para as proximidades de Taiwan quando se deu a crise entre as “duas
Chinas”, naquela ocasião a China nada pode fazer, pois não possuía um Poder Naval
que ameaçasse a posição norte-americana. Entretanto, num exercício de formulação
hipotética de cenários, nos dias de hoje seria pouco provável que aquele mesmo
movimento por parte dos EUA ocorresse com tamanha liberdade e segurança, em
virtude dos novos elementos incluídos no atualmente intrincado tabuleiro de xadrez
geoestratégico do Mar da China. Os EUA não possuem uma tecnologia desenvolvida,
embarcada em um CSG, que garanta a segurança de sua Força Naval frente a uma
ameaça desta natureza.
Segundo DELORY, como não há provas concretas da efetividade do sistema
DF-21D, não é razoável classificar este dispositivo como um “game changer”.
Entretanto, seguramente é “o anúncio de que um novo modo de conflito emerge,
baseado nos argumentos de que alguns meios poderão lançar um ataque a prazo
muito curto” (DELORY, 2013, tradução nossa).
49
5.3 OS POSSÍVEIS RUMOS DO PROJETO UCLASS
Marina MALENIC, correspondente da Revista JDW42 em Washington-EUA,
especialista em aviação, analisou o estado atual do programa norte-americano de
desenvolvimento de aeronaves não tripuladas para operação a partir de um PA, e
observou que a USN e o Pentágono se encontram em um dilema sobre qual rumo
adotar neste programa, dependendo de qual venha a ser o principal emprego das
futuras aeronaves não tripuladas, vigilância ou ataque?
O projeto da Aeronave não tripulada para vigilância e ataque lançada por PA
(UCLASS)43 encontra-se em pleno desenvolvimento. Entretanto, em virtude de
algumas incertezas por parte do Pentágono e da própria USN a respeito de qual seria
o principal papel desta nova aeronave, se voltada para vigilância com alguma
capacidade de ataque, ou vice-versa, o projeto se encontra atualmente com
significativos atrasos. O dilema das autoridades norte-americanas pode colocar em
risco o sucesso e a viabilidade do projeto, uma vez que mais atrasos na definição
destes requisitos poderão comprometer sua aplicabilidade, invalidando todo o esforço
despendido até o momento (MALENIC, 2015).
A dúvida reside em determinar precisamente os requisitos de projeto para as
empresas candidatas ao desenvolvimento do modelo, considerando a previsão de que
a versão com prioridade para as capacidades de ataque poderiam alcançar um custo
dez vezes superior ao da aeronave com prioridade para as capacidades de vigilância,
ainda que nesta última versão se conservasse alguma capacidade de ataque. Num
momento em que o orçamento das Forças Armadas norte-americanas tem sido
profundamente contingenciado, essa decisão implica seriamente na capacidade da
USN de arcar com os custos da encomenda que fizer no futuro. Além disso, o tempo
requerido para o desenvolvimento da aeronave não tripulada com prioridade de
capacidades para a versão de ataque deverá ser bem mais longo.
Apesar das incertezas, as notícias do desenvolvimento do projeto do UCLASS
não são tão desanimadoras. Em 2013 a empresa Northrop Grumman realizou testes
na costa Leste dos EUA, com seu modelo stealth X-47B, a bordo do PA “George H.
W. Bush”, da USN, onde a aeronave pousou e foi lançada por catapulta como se fosse
42 A sigla JDW corresponde a Jane’s Defence Weekly, semanário Britânico especializado em Defesa. 43 UCLASS é a sigla em inglês para “Unmanned Carrier Launched Surveillance and Strike” Aircraft, que significa
Aeronave não tripulada para vigilância e ataque lançada por PA.
50
um caça tripulado. Em 2015, o mesmo protótipo realizou seu primeiro reabastecimento
em voo, tendo recebido combustível real de uma aeronave K-707. Todas essas
operações foram realizadas sem tripulante. Ao que tudo indica, o desenvolvimento
deste modelo de aeronave poderá concretizar as expectativas dos estrategistas norte-
americanos de se construir uma arma, lançada a partir de um CSG, poderosa o
suficiente para superar o ambiente hostil às operações aéreas, decorrente do
surgimento das ameaças configuradas por Antiacesso e Negação de Área (A2/AD).
Um outro desafio que se encontra pela frente para a USN, independente da escolha
a ser tomada com relação às capacidades que o novo modelo de aeronave não
tripulada poderá ser dotada, será a de integrar operacionalmente o futuro UCLASS às
demais aeronaves da Ala Aérea embarcada em um PA. Essa novidade implicará,
certamente, na necessidade de desenvolvimento de novas doutrinas e procedimentos
operacionais.
Alguns especialistas já arriscam dizer que num ambiente hostil de A2/AD, a
complementaridade das capacidades inerentes aos F/A-18 Tomcat, JSF F-35C e
UCLASS parecem se encaixar equilibradamente, resultando num conjunto perfeito e
muito mais poderoso, quando operando em conjunto.
5.4 O PA DO SÉCULO XXI
Segundo a análise de UPADHYAYA, “um PA com capacidade de ataque –
talvez visto por alguns como o maior símbolo do Poder Naval e, de fato, do Poder
Nacional – também deverá possuir a flexibilidade operacional para apoiar uma
elevada gama de [distintas] tarefas” (UPADHYAYA, 2015, p.29 – tradução nossa). Um
exemplo recente se deu com a participação do PA “Abraham Lincoln”, da US Navy, e
de seu CSG, que realizaram operações de combate aéreo nas regiões do Oceano
Índico e do Golfo Pérsico, em ações sobre o Afeganistão, Iraque e Somália. Este
mesmo PA foi amplamente empregado na condução de uma Operação de Assistência
Humanitária44, após um tsunami atingir a costa de diversos países da região do
Oceano Índico, em 2004. Na ocasião não foi possível contar com o apoio de qualquer
instalação de terra dos países atingidos pelo desastre, pois toda a infraestrutura que
44 Operação típica onde uma Força Militar-Naval presta auxílio a um população carente, fruto de um desastre
natural, cuja denominação desta operação em inglês é Humanitarian Assistance and Disaster Relief (HADR)
51
existia havia sido destruída pelas forças da natureza (UPADHYAYA, 2015, p.29). Isso
demonstra uma capacidade de emprego dual de um PA e de seu CSG. Nesse tipo de
operação, onde é muito provável que os recursos do país ou da região afetada pelo
desastre natural estejam inacessíveis ou indisponíveis, é fundamental que todas as
necessidades logísticas sejam supridas pelo elemento operativo empregado naquela
operação, no caso o PA apoiado por seu CSG (CONDE, 2011). Como afirma
UPADHYAYA, um PA atual “trata-se de uma formidável plataforma que provê à sua
Marinha e a de nações amigas uma capacidade de exercitar uma vasta gama de
opções militares e diplomáticas no mar e em terra” (UPADHYAYA, 2015, p.29).
Ao final da II GM poucas Marinhas possuíam PA e capacidade para operá-
los, apesar do elevado número de navios dessa classe. Atualmente o número de
nações com essa capacidade aumentou, embora não ultrapasse o número de nove
Marinhas. Entre elas se encontra o Brasil, que possui o PA “São Paulo”, um navio de
propulsão convencional, mas representante da categoria CATOBAR (a que detém a
possibilidade de operação com os aviões de maior capacidade ofensiva, maior
autonomia e maior raio de ação), categoria essa somente operada nos dias de hoje
pelas USN, pela Marinha Nacional Francesa (MNF) e pela MB. Além dessas três
Marinhas, as seguintes nações também compõem o rol internacionalmente
reconhecido como o clube de elite das nações que possuem um PA: China, Índia,
Itália, Rússia, Espanha e, em futuro breve, novamente o Reino Unido (todos da
categoria STOBAR).
A hegemonia norte-americana neste campo de atuação é incontestável. Dos
29 PA em serviço atualmente, vinte pertencem à USN, sendo dez CATOBAR e dez
STOVL45. Dos seis PA que ora se encontram em construção no mundo, três são da
USN, aumentando o número de unidades CATOBAR em mais dois PA.
Assim como outros autores, UPADHYAYA reconhece que, apesar do PA ter
atravessado vários anos tendo provado ser um valioso instrumento político de poder,
ele permanece no centro de um controverso debate sobre a validade de sua operação
como uma arma atual e eficiente contra as ameaças do Século XXI, especialmente se
comparado a outras opções menos custosas. Segundo o autor, críticos consideram o
PA como uma “relíquia com relevância e capacidade de sobrevivência limitadas, face
à evolução das capacidades militares centrais [de um Poder Naval]” (UPADHYAYA,
45 Os PA STOVL são os empregados nos Amphibious Ready Group (ARG).
52
2015, p.29 – tradução nossa). As capacidades militares centrais acima citadas se
referem a sobrevivência num ambiente de batalha mais fluido; maiores capacidades
ofensivas dos submarinos atuais; notável salto e avanço tecnológico de mísseis
antinavio de última tecnologia (A2/AD); e a ameaça de aeronaves de combate
baseadas em terra, mas atualmente com elevadíssimo raio de ação. Apesar de
UPADHYAYA admitir a argumentação dos críticos, entretanto, ressalta que o mesmo
avanço tecnológico também permeou a evolução dos PA em sua capacidade de
autodefesa contra a maior parte dessas ameaças citadas. Adiciona, ainda, a seguinte
reflexão. Apesar de todas essas críticas, as Marinhas mais poderosas e desenvolvidas
do mundo continuam deliberadamente decidindo por manter e, ainda, por obter novas
unidades de PA. Como argumento mais consistente, UPADHYAYA sustenta que os
PA são capazes, como nenhum outro meio naval, de desenvolver uma elevada gama
de tarefas dentro do espectro da diplomacia e de força policial, além das tradicionais
tarefas de operações navais de combate. Estas últimas, segundo o autor,
doutrinariamente se dividem em: operações de ataque (onde reside a principal razão
da existência do PA para muitas Marinhas); ações de presença; dissuasão
estratégica; operações de controle do mar; projeção de poder (sobre terra); e
segurança marítima (como as operações de assistência humanitária) (UPADHYAYA,
2015, p.29).
Com relação à evolução tecnológica assimilada pelos PA, dois aspectos que
são ressaltados por UPADHYAYA coincidem com a opinião de outros autores e
representam a tendência para o futuro próximo, a médio e longo prazos. São eles as
capacidades de operação com aeronaves não tripuladas e a de operação de
catapultas impulsionadas eletromagneticamente, conhecidas pela sigla EMALS46. Em
julho de 2013 a USN realizou a primeira demonstração do seu “sistema de combate
aéreo em PA com aeronaves não tripuladas”47, denominado X-47B. Este teste real no
mar, além de demonstrar como se encontra avançado o desenvolvimento do novo
sistema, também evidenciou a imensa distância tecnológica que separa a USN das
outras Marinhas do mundo.
46 O sistema de lançamento de aeronaves por catapulta eletromagnética é conhecido em inglês por Electro-Magnetic Aircraft Launch System (EMALS). 47 O sistema de combate aéreo em PA com aeronaves não tripuladas é conhecido em inglês pelo termo
Unmanned Combat Air System Carrier Demonstration (UCAS-D)
53
Um outro salto tecnológico que também se encontra em andamento é o do
desenvolvimento do EMALS que, juntamente com o do novo sistema de aparelho de
parada, também no estado da arte, possuem previsão de instalação no mais novo PA
em construção para a US Navy, o “Gerald R. Ford”. O novo sistema EMALS proverá
uma maior capacidade de geração de energia para o lançamento de aviões por
catapulta, o que significa que aeronaves ainda mais pesadas, seja pela maior
quantidade de armamento ou combustível que transportarão, seja por outros
requisitos tecnológicos, como aviões mais modernos com novas capacidades e,
possivelmente, maiores e mais pesados que os atuais, poderão ser lançados pelos
PA de uma nova geração. Além disso, o novo sistema também proverá uma maior
cadência de sortidas48, o que se converte em um maior poder ofensivo representado
pelo PA e sua Ala Aérea embarcada.
Avalia-se, portanto, que essas novas tecnologias poderão provocar uma
quebra de paradigma no conceito de operação de aeronaves a partir de um PA, pois
permitirão multiplicar os efeitos da geração de poder combatente a partir desta
plataforma. Isso significa que pode-se estar diante do surgimento de uma “nova” arma,
ou de sua remodelagem com um poder ofensivo nunca antes alcançado. A primeira
consequência dessa inovação será a necessidade de se repensar o emprego tático e
estratégico desta “nova” arma, tendo em vista que seus requisitos de operação e as
suas novas capacidades representarão um poder combatente superior ao que hoje
existe. Pode-se imaginar, inclusive, a necessidade de reformulação doutrinária de seu
emprego, dadas as transformações que poderá gerar devido à incorporação de novas
capacidades. A segunda decorrência, dessa vez em um plano político-estratégico,
será a necessidade dos líderes daquela nação que possuir uma arma de tamanho
poder, de desenvolverem uma perfeita compreensão do novo significado que este
instrumento de Política Externa representará, de forma a se ampliar seu emprego e o
potencial de influência gerado pela sua presença em uma região.
5.5 O IMPACTO DAS FUTURAS TECNOLOGIAS NO PAPEL DOUTRINÁRIO DO PA
Segundo RUBEL, que esclarece que para se analisar o impacto que as futuras
tecnologias provocarão nos PA e seus CSG, é preciso prospectar o seu
48 Sortidas é o termo que significa a quantidade de lançamento de aeronaves no domínio do tempo .
54
comportamento diante desses novos desafios, não sob o ponto de vista clássico de
como o PA se defenderá de cada ameaça, mas sim de como se comportará no
cumprimento das tarefas doutrinárias previstas para o seu papel.
Assim, para o caso da ameaça de mísseis balísticos antinavio (A2), o caso
mais explorado é o do míssil chinês DF-21. Seu propósito não é o de afundar o alvo
de superfície, pois as características de sua carga explosiva e de sua trajetória final
de voo são configuradas para apenas causar danos à superestrutura do alvo, bem
como à Ala Aérea embarcada que se encontrar estacionada em local desprotegido,
como sobre o convés de voo de um PA, por exemplo. Apesar de não destruir o alvo,
seu impacto possivelmente o neutralizaria, deixando-o incapaz de operar. Portanto,
ao se perceber que seu dano afetaria seriamente a missão do PA, impedindo-o de
operar num teatro com a presença desta ameaça, sem deixar de correr elevados
riscos, pode-se dizer que a utilidade futura do PA e de seu CSG ficaria seriamente
comprometida por este tipo de ameaça. Entretanto, se por um lado a existência da
ameaça A2 intimida a utilidade do PA e de seu CSG, por outro lado ao se considerar
que a guiagem do míssil é provavelmente dependente de uma fonte de dados no
próprio míssil, é possível imaginar que esta arma é suscetível a despistamento ou
bloqueio de guerra eletrônica, o que reduz sensivelmente a possibilidade de sucesso
do seu ataque.
Conforme as ideias de RUBEL já apresentadas neste estudo, sob o ponto de
vista das tarefas doutrinárias, se o PA estiver realizando papel de “Cavalaria”, de
“Navio Capital”, ou de “Plataforma de Ataque Nuclear”, no qual somente será
necessária a aproximação de costa para se desfechar o ataque, evadindo-se em
seguida da área sob ameaça, é possível calcular o risco posicionando-o dentro de um
nível aceitável. Dessa forma, a ameaça representada por um míssil antiacesso
proveniente de terra não colocaria o PA em situação de extremo risco, sendo aceitável
sua operação neste ambiente. Por outro lado, se o PA estiver realizando papel
doutrinário de “Aeródromo no Mar” ou de “Peça de xadrez geoestratégico”, no qual se
exige a sua presença no teatro de operações por tempo contínuo, o grau de risco
assumido é muito elevado, tornando impeditivo para o CSG cumprir este papel.
Segundo este ponto de vista, seria indispensável reavaliar todo o espectro de papéis
doutrinários atribuídos a um PA, ajustando-o à nova realidade (RUBEL, 2011, p. 20).
Para o caso da ameaça de submarinos, mísseis de cruzeiro antinavio, ou de
armas de negação de área (AD), o raciocínio se repete como para a ameaça do míssil
55
DF-21. O CSG tem a possibilidade de se defender dessas ameaças, desde que em
baixa quantidade. Caso haja uma exposição prolongada ao ataque, alcançando-se a
saturação da capacidade de defesa do CSG, o nível de risco da operação do PA
nestas condições ultrapassa a faixa do tolerável, impedindo-o de cumprir com estes
papéis doutrinários previstos para um PA (RUBEL, 2011, p. 20).
Para o caso da ameaça ao papel doutrinário dos PA, conferida por avançados
sistemas de Defesa Aeroespacial, partindo-se da premissa de que a principal arma de
um PA é a capacidade ofensiva da sua Ala Aérea embarcada, à medida que outros
sistemas de armas oponentes ameaçam a sua liberdade de ação e sua segurança, o
papel dos PA se reduz. Novos sistemas de mísseis superfície-ar têm atingido
desempenho superior ao alcançado por aeronaves de ataque tripuladas. Da mesma
forma, aeronaves modernas como o Su-27 (russo) e suas derivações (J-15 chinês),
combinados a novos sistemas embarcados em navios de superfície, já possuem poder
ofensivo equilibrado ao da Ala Aérea embarcada em um PA da USN, o que reduz as
chances de sucesso de um combate aéreo em favor de qualquer dos lados. Todo esse
aparato oponente permite deduzir que a utilidade do PA e de seu CSG,
desempenhando o papel de “Cavalaria”, de “Navio Capital” ou de “Aeródromo no Mar”,
fica comprometida ao enfrentar um oponente bem armado, tornando-se o combate de
elevado risco. A única solução possível vislumbrada no momento parece apontar para
a possibilidade de desenvolvimento de aeronave não tripulada para vigilância e ataque
lançada por PA (UCLASS), com assinatura radar extremamente reduzida por suas
características stealth e armada com mísseis ar-superfície e ar-ar de desempenho
ainda mais elevado que os existentes atualmente (RUBEL, 2011, p. 21).
Segundo RUBEL, as aeronaves não tripuladas (UAV)49 poderão ser o
elemento que mais contribuirá para a realocação do papel doutrinário dos PA. A
presença de uma Ala Aérea embarcada composta por UAV também poderá
representar o ressurgimento da importância do papel doutrinário de “Olhos da Força”.
Ao detectar e identificar o oponente a uma distância superior ao que se obtém
atualmente, o PA e seu CSG adquirirão novas capacidades de manobra, mantendo-
se fora do alcance inimigo, o que favorecerá à retomada do papel doutrinário de
“Aeródromo no Mar” (RUBEL, 2011, p. 21).
49 UAV significa em inglês Unmmaned Air Vehicules, Aeronaves não tripuladas.
56
7 CONCLUSÃO
Ao se mergulhar no universo do Poder Naval de um Estado e ao se visitar os
mais diversos conceitos que determinam a formulação de uma estratégia de
orientação marítima, invariavelmente se constatará a presença de um elemento
comum nos debates envolvendo esses temas, o Porta-Aviões (PA) e o seu
desempenho no papel doutrinário que lhe cabe. Procurando investigar como se daria
o emprego estratégico de um PA em atendimento aos interesses de um Estado, este
estudo pode alcançar algumas conclusões, as quais serão apresentadas a seguir.
O PA surgiu no início do século XX e seu papel inicial foi o de um ator
coadjuvante no desempenho das funções inerentes a uma Força Naval. Entretanto, à
medida que as aeronaves embarcadas evoluíram em suas capacidades combatentes,
especialmente no seu poder ofensivo, o PA passou a ser percebido como de maior
relevância. Sua consagração foi definitivamente alcançada durante os combates
navais da 2ªGM, de onde saiu reconhecido como o “Navio Capital” das Esquadras. A
partir daquele momento o PA passou para o centro dos debates, onde permanece até
os dias atuais. Uma consequência decorrente da assunção do papel de “Navio
Capital”, onde o risco à segurança inerente a esta posição se elevou
exponencialmente, foi a necessidade de provê-lo de uma robusta Força de proteção,
o Carrier Strike Group (CSG), que lhe garantisse a liberdade de manobra para que
lançasse suas aeronaves e cumprisse os diversos papéis doutrinários que lhes foram
designados. Somente protegido pelos demais navios componentes do CSG a
operação do PA se tornou viável. O eventual desfalque ou deficiência das
capacidades de qualquer dos navios que integram o CSG interferem no pleno
emprego do PA, principal elemento deste poderoso arranjo de meios navais,
colocando em risco a sua segurança.
Ao se investigar as ponderações das correntes de pensamento de alguns
autores consagrados, especialistas neste tema, observa-se uma nítida divisão entre
os que defendem a continuidade dos investimentos nesta classe de navios,
encontrando utilidade para o seu emprego nos dias de hoje, e os que são contra essa
continuidade, pois apontam mais desvantagens do que benefícios neste investimento.
Autores como Geoffrey TILL, Shishir UPADHYAYA, Henry HOLST e Norman
FRIEDMAN, com um olhar mais conservador e teórico sobre o papel do Poder Naval
em atendimento aos interesses do Estado, ainda percebem utilidade suficiente para o
57
emprego dos PA em contribuição às tarefas fundamentais de um Poder Naval, mesmo
reconhecendo que estes são vulneráveis a uma série de ameaças. Outros autores
como David WISE, Henry HENDRIX e Robert RUBEL, com um tom mais pragmático
e, talvez, mais realista, questionam se as capacidades dos PA evoluíram o suficiente
para enfrentarem os desafios tecnológicos desenvolvidos pelos potenciais oponentes
que se impõem nos dias de hoje.
Apesar das discordâncias, observa-se que ambas as correntes convergem em
um ponto, o custo de obtenção e de manutenção de um PA, de sua Ala Aérea
embarcada e da Força nucleada em PA, unidades componentes de um CSG, é cada
vez mais dispendioso. Ainda assim, os autores da corrente a favor veem vantagens
na manutenção do emprego dos PA, pois consideram que estes, em conjunto com o
seu CSG, são os únicos meios navais que realizam toda a gama de tarefas
estratégicas previstas para um Poder Naval. Estes autores também consideram que
há soluções viáveis a serem implementadas nos PA para que superem os desafios
que limitam sua liberdade de operação nos mares, como é o caso de algumas
ameaças tradicionais, como ataques de submarinos, de mísseis antinavio e de
aeronaves modernas de alto desempenho, ou quando enfrentando ameaças
anunciadas mais recentemente, como é o caso dos mísseis antiacesso e de negação
de área (A2/AD), se é que realmente já existem. O ponto de divergência de ambas as
correntes surge exatamente da argumentação dos autores da corrente contra, que
julgam que as vantagens comparativas dos PA em relação a outros meios navais não
é compensadora. Estes autores argumentam que outros meios navais menos
custosos, quando combinados, executariam aquelas tarefas estratégicas inerentes ao
Poder Naval tão bem quanto o PA e seu CSG e, ainda, com custo individual menor.
Dessa forma, ao se empregar estes outros meios navais, se tornaria mais aceitável a
aprovação de riscos, que são próprios dos campos de batalha, sem que a possível
perda de um único PA exposto às ameaças do teatro de operações, como pode vir a
acontecer, significasse a quebra da capacidade de uma Marinha de substituí-lo por
um outro, pois é extraordinariamente caro.
Também é importante ressaltar a visão de RUBEL, o qual apresenta uma linha
de raciocínio não convencional, propondo a análise do papel doutrinário do PA sob
nova perspectiva, afastando-se dos conceitos tradicionais de “Controle do Mar” e de
“Projeção de Poder” como parâmetros únicos para se medir a efetividade do PA e de
seu CSG. Partindo-se do ponto de vista deste autor e da suposição de que novas
58
tecnologias de armamento anunciadas nos dias de hoje existiriam de fato, conclui-se
que os papéis doutrinários de “Aeródromo no Mar” e de “Peça de xadrez
geoestratégico” estariam ameaçados e que o PA perderia assim sua posição
incontestável de “Navio Capital”. Desta forma, a liberdade de ação do PA e de seu
CSG se reduziria significativamente frente aos novos desafios do mundo atual,
devendo o papel doutrinário do PA ser redimensionado, respeitando-se as limitações
de suas capacidades, as quais não teriam evoluído o suficiente para sobrepujar tais
amaças.
Com relação às ameaças e oportunidades ao emprego do PA, é possível
concluir que as ameaças A2/AD podem ainda não ser uma realidade conforme
anunciado até o momento. Entretanto, há indícios de que esta ameaça tenda a se
concretizar num futuro não muito distante, exigindo das Marinhas detentoras de PA
um estudo das soluções para se mitigar o risco de perda de seus navios em um teatro
de operações com a existência daquelas novas armas. Por outro lado, uma solução
que parece se descortinar e que deve contribuir para fortalecer a capacidade ofensiva
do CSG é o surgimento do UAV, especialmente daquele classificado como UCLASS.
Da mesma forma, o investimento no desenvolvimento de novas tecnologias de defesa
que aprimorem certas armas como, por exemplo, os mísseis instalados no CSG e nas
aeronaves componentes da Ala Aérea embarcada no PA, pode abrir uma nova janela
de oportunidades para este arranjo de navios, prolongando a existência do PA como
o “Navio Capital” das Forças Navais.
Dessa forma, acredita-se já se possuir elementos suficientes para se
responder à indagação inicial que motivou a investigação proposta por este estudo,
qual seja: em que medida o emprego das capacidades de uma Força nucleada em PA
atende aos interesses de segurança e de defesa de um Estado? Uma resposta
concisa e breve, baseada nas evidências levantadas pelo estudo, nas análises
desenvolvidas no seu decorrer e na suposição de que as armas A2/AD de fato ainda
não existem, pois nunca foram realmente demonstradas, seria: a capacidade de
emprego de uma Força nucleada em PA atende plenamente aos interesses de
segurança e de defesa de um Estado, desde que integralmente respeitadas as
condições de operação já consagradas para um PA. A justificativa da resposta,
entretanto, ainda merece ser fundamentada com cuidado. Devido a efetividade dos
resultados alcançados por uma Força nucleada em PA; da versatilidade de emprego
e flexibilidade que possui, expressos pela ampla gama de papéis doutrinários
59
assumidos como adequados para um PA e seu CSG; aos desafios conhecidos e
comprovadamente reais representados pelas ameaças presentes no cenário atual e;
apesar dos cada vez mais elevados custos de obtenção e de manutenção de um PA
e de seu CSG; é possível se concluir que este arranjo de navios reúne todas as
qualidades necessárias para exercer poder e influência no teatro de operações
marítimo que interessa ao Estado-Nação que o detém. Além disso, o PA e seu CSG
compõem um arranjo de navios com vocação francamente ofensiva. O emprego de
suas capacidades adotando-se uma postura político-estratégica coerente com esta
natureza favorece significativamente os resultados obtidos na sua operação,
diminuindo-se os riscos e aumentando-se a efetividade do poder combatente da Força
nucleada em PA. A decisão de um Estado em investir na obtenção de um PA deve
respeitar integralmente todas as condições inerentes ao seu emprego. O desvio do
propósito deste emprego em ações subsidiárias ou em papéis doutrinários de baixo
poder ofensivo pode significar desperdício de recursos, uma vez que existem outros
meios navais, muito menos custosos que o PA, que desempenham com grande
efetividade aqueles papéis considerados secundários.
Por outro lado, admitindo-se que os anúncios da existência e desempenho
das armas A2/AD são confiáveis e que num cenário futuro próximo estas armas já
estarão demonstradas e em plena operação, é possível se concluir que ainda será
necessário ao PA desenvolver novas capacidades para que atenda plenamente à
defesa dos interesses de um Estado. Serão indispensáveis profundos investimentos
em tecnologia, a fim de superar as deficiências atuais, revertendo o atual cenário e
restabelecendo a incontestável superioridade tática de poder combatente exigido para
um “Navio Capital”. Somente assim, ao recuperar seu prestígio, reconhecimento e
efetiva capacidades, seus elevados custos deixarão de ser fator de críticas, passando
a ser considerados apenas como fator limitador às nações para o ingresso e
permanência no seleto clube de países detentores desta magnífica arma. Cabe, enfim,
ressaltar que esta discussão diz respeito exatamente ao futuro do PA, o qual já reinou
soberano por várias décadas. Portanto, o olhar crítico deve considerar o estado da
arte, militar-naval e tecnológica, aplicada a esta classe de navios, analisando as
competências do mais moderno PA frente a todos os desafios existentes no presente
e, também, àqueles vislumbrados em um futuro que se pode prospectar com razoável
confiabilidade.
60
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The Pentagon behaves as if aircraft carriers will rule forever … they won’t. Disponível em: <https://medium.com/war-is-boring/the-u-s-navy-s-big-mistake-building-tons-of-supercarriers-79cb42029b8>. Acesso em: 07 jun 2015.
ZUMWALT, E. R. Jr. in LEHMAN, John. Aircraft Carriers: The Real Choices. The
Washington Papers, Georgetown University, 1978.
63
ANEXO A
O MARCO LEGAL BRASILEIRO E A EXPERIÊNCIA DA MB OPERANDO SEUS PA
1.1 O MARCO LEGAL BRASILEIRO
No contexto dos documentos normativos que tratam diretamente sobre o tema
de Defesa ou que abordam essa temática em algum aspecto como parte de seu bojo,
destacam-se neste Anexo: a Constituição Federal (CF) de 1988, a Política Nacional
de Defesa (PND) de 2012, a Estratégia Nacional de Defesa (END) de 2012 e, mais
especificamente no âmbito militar-naval, a Doutrina Básica da Marinha (DBM) de
2014.
No que diz respeito aos conceitos de segurança e defesa, é possível observar
diferenças entre si, pois “A segurança, em linhas gerais, é a condição em que o
Estado, a sociedade ou os indivíduos se sentem livres de riscos, pressões ou
ameaças, inclusive de necessidades extremas. Por sua vez, defesa é a ação efetiva
para se obter ou manter o grau de segurança desejado” (BRASIL, 2012a).
Dessa forma, pode-se depreender que para se garantir o atingimento e a
manutenção do estado de segurança desejado pela sociedade para sua prosperidade
e desenvolvimento é indispensável lançar mão de ações efetivas de defesa, sendo
entendido o conceito de Defesa Nacional, contido na PND, como “o conjunto de
medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território,
da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente
externas, potenciais ou manifestas”. (BRASIL, 2012a, inciso II, item 2.4).
A CF, em seus Artigos 4º e 5º, estabelece que o conceito de Soberania50
constitui um dos seus fundamentos basilares e que os princípios da Independência
Nacional, da Autodeterminação dos povos e da Não-intervenção, dentre outros, são
aqueles que regem as relações internacionais do Brasil (BRASIL,1988, Art. 4º e 5º).
Ainda no Artigo 142º, é estabelecido que a destinação precípua das Forças Armadas
é a defesa da Pátria, devendo as Forças Singulares contribuírem integradamente,
cada qual com sua competência específica, para a defesa da Soberania Nacional e
dos princípios fundamentais regidos pela Carta de 1988 (BRASIL,1988, Art. 142º).
50 Segundo o Dicionário Aurélio, o conceito de “Soberania” significa a propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior (Dicionário Aurélio , versão
digital, 3.0).
64
Assim, é possível depreender que torna-se indispensável instrumentar o
Estado com mecanismos de uso e emprego da Força, a fim de garantir a validade
desses conceitos e princípios, em caso de sua ameaça por agentes externos, ou até
mesmo internos.
A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END),
documentos condicionantes de alto nível, principais instrumentos orientadores da
Defesa Nacional, estabelecem os objetivos e as diretrizes para o preparo e o emprego
das Forças Armadas em sua missão de defesa da pátria e de garantia dos poderes
constitucionais. “A PND fixa os objetivos da Defesa Nacional e orienta o Estado sobre
o que fazer para alcançá-los. A END, por sua vez, estabelece como fazer o que foi
estabelecido pela Política”. (BRASIL, 2012a).
É possível verificar que após o fim da Guerra Fria houve uma ampliação no
espectro das ameaças, que passaram a ser mais difusas e menos evidentes de
identificação. A busca por riquezas e a disputa por espaços marítimos e terrestres
tende a aumentar o estado de tensão entre os agentes internacionais, devendo
aqueles que desejam manter seguras suas conquistas admitir a necessidade de
manter um nível de preparação adequado para fazer frente às ameaças, investindo
conscientemente nos mecanismos de defesa do Estado, fundamentalmente suas
Forças Armadas. Segundo AMORIM, “Deve-se construir adequadas capacidades
dissuasórias no mar, em terra e no ar. Isto é essencial para desestimular eventuais
agressões à soberania brasileira” (AMORIM in NASSER, 2014, p.7).
A área de interesse do Brasil não se limita às suas fronteiras. “O País visualiza
um entorno estratégico que extrapola a região sulamericana e inclui o Atlântico Sul e
os países lindeiros da África, assim como a Antártica”. (BRASIL, 2012a, item 4.1).
Segundo NERI, o Atlântico Sul também configura área estratégica para o Brasil.
“Em paralelo, o Brasil considera também o Atlântico Sul como
parte integrante de seu entorno estratégico. Assim como há relação direta entre a estabilidade sul-americana e a estabilidade brasileira, a paz no Atlântico Sul é condição
essencial para a manutenção da segurança do Brasil. É pelo oceano que transita a maior parte do comércio internacional do nosso país e é nele que se encontra parte substancial de nossas
fontes energéticas. Os problemas do Atlântico Sul são, portanto, problemas do Brasil” (NERI in NASSER, 2014, p.10).
Além disso, o Brasil também possui interesse estratégico na região do Caribe,
mais ao norte. Portanto, pode-se concluir que sua capacidade de influência deve
abranger, além do território nacional e marítimo conhecido como Águas Jurisdicionais
65
Brasileiras, onde o país goza de soberania, todas as outras áreas de interesse
manifestadas acima. Para exercer poder de influência nessas áreas compatível com
a orientação explicitada na PND, é necessário contar com mecanismos que tenham a
capacidade de projetar poder além dos limites fronteiriços do país, alcançando os
limites dessa extensão.
A região da América do Sul, embora gozando de relativa paz, também
encontra-se susceptível a instabilidades, derivadas, entre outros aspectos, das
desigualdades socioeconômicas entre os países e povos da região. Assim, não se
deve assumir que essa situação pacífica não pode vir a ser ameaçada e
repentinamente alterada (NERI in NASSER, 2014).
De acordo com a PND existem duas áreas que devem receber especial
atenção, além de todo o território nacional, em detrimento das demais regiões
mencionadas. São elas a Amazônia e o Atlântico Sul. Note-se que a porção marítima
que contorna a foz do Rio Amazonas pode ser considerada como uma via de acesso
ao interior do território, dadas as excepcionais condições de navegação deste Rio.
Portanto, nessas áreas marítimas, há a necessidade de reforço da capacidade de sua
defesa. (BRASIL, 2012a, item 5.3).
“O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil, desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira é respaldada pelo seu extenso litoral e pela
importância estratégica do Atlântico Sul” (BRASIL, 2012, item 5.5).
No mar estão inúmeras riquezas minerais já descobertas e, em alguns limites,
já exploradas pelo Brasil. Além disso, mais de 95% do seu comércio internacional se
utiliza das vias marítimas, o que permite ao país aumentar suas riquezas, garantindo
o fluxo de mercadorias que o abastecem. Portanto, garantir a segurança desse
ambiente é de fundamental importância para a manutenção do desenvolvimento do
Brasil.
No 6º capítulo da PND, onde estão listados os Objetivos Nacionais de Defesa,
destacam-se alguns destes que evidenciam a preocupação do Estado Brasileiro em
preservar sua soberania e interesses nacionais, estruturando adequadamente seu
sistema de defesa. Apesar de não haver o privilégio de algum objetivo sobre os
demais, cabe destacar um aspecto que incide diretamente sobre o aparelhamento e
o preparo das Forças Armadas brasileiras, devendo o país “estruturar as Forças
Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis
66
com os planejamentos estratégicos e operacionais”. (BRASIL, 2012a, inciso X, item
6).
Quando a PND passa às Orientações, que se constituirá em fonte de dados
para permitir a elaboração da END, destaca-se a de índice 7.5.
“O País deve dispor de meios com capacidade de exercer vigilância, controle e defesa: das águas jurisdicionais brasileiras;
do seu território e do seu espaço aéreo, incluídas as áreas continental e marítima. Deve, ainda, manter a segurança das linhas de comunicações marítimas e das linhas de navegação
aérea, especialmente no Atlântico Sul” (BRASIL, 2012a, item 7.5).
Dada a grandiosidade da extensão da área de interesse acima mencionada,
assim como da sua localização em grande parte sobre o mar, é indispensável dispor
de poder militar naval com capacidade de garantir o cumprimento dessas orientações.
Além da orientação acima mencionada, torna-se importante mencionar as de
índice 7.13 e 7.14, que preveem o emprego das Forças Armadas em Ações
Humanitárias; em missões de paz sob a égide de organismos multilaterais; e dispondo
de capacidade para projeção de poder, a fim de habilitar a participação do Brasil em
operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
(BRASIL, 2012a, item 7.13 e 7.14).
A Estratégia Nacional de Defesa (END) é o documento de planejamento de
Defesa de mais alto nível do Estado. Decorrente da PND, a qual estabeleceu os
Objetivos Nacionais de Defesa, a END, que propicia a execução das suas orientações,
apresenta o caminho a seguir de como se pretende alcançar os Objetivos Nacionais
de Defesa fixados anteriormente, traçando para isso as Diretrizes para as Forças
Armadas e os decorrentes Objetivos Estratégicos para cada Força singular.
Dentre as 25 Diretrizes constantes neste documento, a base do pensamento
se apoia no desenvolvimento da capacidade de dissuasão militar, promovido pela
combinação de alguns fatores, como o adequado preparo das Forças e o
desenvolvimento da capacidade de vigilância do território e áreas marítimas de
interesse. Podem-se destacar dez das 25 Diretrizes, que são particularmente
importantes e guardam vínculo direto com o objeto deste Anexo. Assim, citam-se:
desenvolver a capacidade de dissuasão, baseado no preparo para o combate, na
concentração de forças nos limites fronteiriços marítimos e no desenvolvimento da
capacidade de vigilância (1, 5 e 9, respectivamente); organizar as forças militares,
privilegiando suas capacidades operacionais (monitoramento/controle, mobilidade e
67
presença) (2); desenvolver a mobilidade estratégica e a capacidade de resposta a ato
hostil, especialmente devido às elevadas dimensões da área de interesse a defender
(4); desenvolver a capacidade de operação em conjunto (7); desenvolver o conceito
de flexibilidade no combate (12); estruturar o potencial estratégico em torno de
capacidades (16); preparar as Forças para atuarem em apoio à Política Externa
Brasileira, mesmo sob a égide de organismos multilaterais, contribuindo para a Defesa
Nacional (19); e desenvolver o potencial de mobilização militar, a fim de proteger as
Linhas de Comunicações Marítimas (LCM) e plataformas de explotação de petróleo
(21) (BRASIL, 2012b).
Para cada Força Singular foram estabelecidos Objetivos Estratégicos, sendo
dez deles exclusivos para a Marinha. Dentre esses, destacam-se cinco que
interessam diretamente à discussão deste estudo. O ponto fundamental estabelecido
é o de que a Marinha deverá lidar com pesos desiguais no desenvolvimento das
capacidades para empregar seus meios, no que diz respeito às tarefas (básicas)
estratégicas do Poder Naval. Apesar desse desenvolvimento ser desigual, foi
estabelecido que este deverá ser conjunto, a fim de se firmar como uma Força
balanceada entre os meios submarinos, de superfície e aéreos.
Duas áreas do litoral receberam maior atenção, devendo possuir maior
capacidade de controle de acesso. São elas a bacia petrolífera de Santos à Vitória e
a foz do Rio Amazonas.
Para assegurar a capacidade de projetar poder sobre terra, de defender as
instalações navais e portuárias, os arquipélagos e as ilhas oceânicas nas águas
jurisdicionais brasileiras, para atuar em operações internacionais de paz e em
operações humanitárias, em qualquer lugar do mundo, a Força contará com meios de
Fuzileiros Navais (BRASIL, 2012b). Entretanto, é importante raciocinar com dois
aspectos decorrentes deste último Objetivo Estratégico. O primeiro é o de que se
planteia a necessidade de capacitação do Poder Naval numa vasta gama de tarefas
para seu emprego. E o segundo aspecto é o de que para que esses meios de
Fuzileiros Navais sejam empregados nas tarefas acima mencionadas, é necessário
dispor de meios navais adequados que permitam o estabelecimento das condições
mínimas de deslocamento e operação com segurança para o efetivo emprego da tropa
de Fuzileiros Navais.
Para os meios de superfície, em especial os de maior porte, o foco deverá ser
na obtenção de navios-aeródromo e de multipropósito.
68
1.2 A EXPERIÊNCIA DA MARINHA DO BRASIL OPERANDO SEUS PA
No ano de 2011, como forma de celebrar os cinquenta anos de operações dos
PA na Marinha do Brasil (MB), foi lançada a obra intitulada “Entre o céu e o mar: Porta-
Aviões do Brasil”. O pesquisador Guilherme ARAGÃO levantou os fatos que contam
a história dos PA, desde seu surgimento, no princípio do Século XX, passando por
sua trajetória de ascensão de relevância no cenário mundial, repleto de participações
importantes nos intensos conflitos. A obra dedica seu maior espaço para contar
precisamente as trajetórias dos PA “Minas Gerais” e PA “São Paulo”51, destacando a
importância destes navios para a MB, em especial nas suas contribuições para a
consolidação da capacidade de operação da aviação naval de asa fixa naquela Força.
1.2.1 O primeiro PA da Marinha do Brasil (MB)
Em 1956 o mundo vivia o início da Guerra Fria e de uma realidade bipolar.
Nesse contexto, o Brasil se posicionava ao lado das potências ocidentais, em especial
como aliado político e militar dos EUA. Nessa ocasião, fruto das experiências vividas
nas duas Guerras Mundiais, na qual o país viu seus navios mercantes serem
afundados por submarinos inimigos junto à costa Brasileira, se reforçava
gradualmente a consciência da necessidade de melhor aparelhar o Poder Naval
nacional, a fim de se contrapor às ameaças constituídas pelo bloco soviético, em caso
de deflagração de um novo conflito. O Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR) e o Acordo de Assistência Militar EUA-Brasil surgiram como um
reflexo das novas configurações geopolíticas resultantes da disputa entre os dois
blocos, em que se enfrentavam os EUA e a União Soviética. Segundo ARAGÃO, “O
TIAR incentivava a adoção de estratégias capazes de oferecer à MB, no caso de
guerra, poder naval suficiente para garantir a segurança do tráfego marítimo no
Atlântico Sul Ocidental, detendo uma eventual força inimiga composta, principalmente,
por submarinos” (ARAGÃO, 2011, p.57).
51 Os PA são denominados na Marinha do Brasil como Navios-Aeródromos. Assim o PA “Minas Gerais” (atualmente descomissionado) era conhecido na MB como Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) e o PA “São Paulo”
(atualmente em serviço) é conhecido como Navio-Aeródromo (NAe). Esta denominação que pode ser considerada “técnica” não invalida a denominação genérica e mais conhecida globalmente, que é a de “Porta -Aviões” (PA). Em inglês a denominação genérica é Aircraft Carrier e a denominação específica de uma unidade é Carrier Vessel (CV). Para efeito deste estudo, como foi anteriormente anunciado, se usará a denominação dita
como “genérica” de PA.
69
As lideranças políticas e militares brasileiras perceberam que o momento era
favorável para se ampliar o peso estratégico representado pelo Brasil como um
parceiro militar das potências ocidentais, uma vez que era detentor de posicionamento
geoestratégico privilegiado no Atlântico Sul. Entretanto, apesar da ajuda militar
oferecida por parte do governo norte-americano, os EUA não tinham a intenção de
dotar o Poder Naval brasileiro com um PA, portanto, não foi obtida concessão para a
cessão de um PA da USN para a Marinha do Brasil. Esta aspiração, que já havia
alcançado, por parte do governo brasileiro, até mesmo as altas esferas do poder,
encontrou no próprio Presidente da República, Juscelino Kubitschek, um Estadista de
visão estratégica e um hábil negociador político, o qual conduziu o processo de
aquisição para o primeiro PA brasileiro. Graças às manobras e intervenções políticas
do governo federal, foi obtido o aval do Reino Unido para a transferência de posse do
ex-HMS “Vengeance” para a MB (ARAGÃO, 2011), mesmo sendo o Reino Unido o
principal parceiro político e militar dos EUA, o que parecia um contracenso.
É interessante observar que a incorporação de um PA ao Poder Naval
brasileiro provocaria um desequilíbrio de forças regionais na América do Sul, onde a
Argentina poderia ficar em desvantagem militar, na comparação de poderes
combatentes. A compensação, orquestrada pelas grandes potências ocidentais à
época, brindou a Marinha Argentina, em 1959, com a venda do ex-HMS “Warrior”, um
PA também da classe “Colossus”, como era o PA “Minas Gerais”, vindo a ser
rebatizado com o nome de PA “Independencia”. Posteriormente, em 1970, o PA
“Independencia” foi substituído pelo ex-PA “Venerable”, o qual se encontrava a serviço
na Marinha Holandesa sob o nome de “Karel Doorman”, entre os anos de 1948 a 1968.
Na Marina Argentina este PA foi rebatizado com o nome de “Veinticinco de Mayo”,
tendo permanecido em serviço até 1999, sem continuidade por outro navio tipo PA.
O HMS “Vengeance” pertencia à classe “Colossus”. Essa classe de PA foi
projetada e construída no Reino Unido durante o decorrer da 2ªGM e surgiu da
necessidade de se desenvolver um PA que pudesse ser construído em pouco tempo,
uma vez que a guerra já havia sido deflagrada. Entretanto, deveria possuir maior
capacidade combativa que os PA de Escolta ora existentes. Assim, de 1942 a 1946
foram construídos dez PA dessa classe.
O HMS “Vengeance” foi lançado ao mar em 1944, passou pelos testes iniciais
de navegação e logo foi comissionado. Recebeu 42 novos aviões, sua Ala Aérea
embarcada, e seguiu para o Oceano Índico, onde ainda participou de manobras
70
militares durante a 2ªGM. Com a assinatura da rendição japonesa, o navio seguiu para
Hong Kong, na China, cidade que viraria uma possessão inglesa após a guerra. Este
PA atuou até 1952 na Royal Navy, sendo emprestado temporariamente para a
Marinha Australiana, onde serviria por um ano como meio de treinamento da tripulação
do novo PA australiano que se encontrava em construção no Reino Unido, o HMAS
“Majestic”. Em 1955 o navio retornou ao Reino Unido e foi descomissionado, sendo
adquirido pela Marinha do Brasil em 1956. Essa aquisição ocorreu sob elevadas
críticas, especialmente pelos políticos de oposição ao governo do Presidente
Juscelino, conforme relata ARAGÃO:
“Nem todos compreenderam a importância estratégica para a defesa dos interesses brasileiros. As quatro décadas de
operação do NAeL Minas Gerais e sua trajetória, tanto na formação de oficiais, praças e pilotos quanto na capacitação militar e tecnológica da Marinha, provaram o acero da decisão.
Foi aproveitada uma janela única para a compra desse tipo de equipamento. O preço para se desenvolver e construir um navio-aeródromo próprio seria muito maior” (ARAGÃO, 2011, p.57).
Na MB o ex-MMS “Vengeance” foi rebatizado com o nome de PA “Minas
Gerais”. A primeira providência adotada pelo governo brasileiro foi a de modernizá-lo.
Assim, de 1957 a 1960 o navio passou por inúmeras transformações no estaleiro
Verolme na Holanda, onde teve a superestrutura original, conhecida como “Ilha”,
substituída por uma nova e o convés de voo remodelado, recebendo o navio uma pista
de pouso em ângulo. Sua chegada ao Rio de Janeiro ocorreu em 1961 e foi muito
festejada.
Os primeiros aviões a operar a bordo foram modelos T28, monoplanos de
fabricação norte-americana adquiridos pela MB, tendo sido montados a bordo do
próprio PA “Minas Gerais”. A frota era composta por seis aviões, que compunham o
1º Esquadrão Misto de Aviões Antissubmarino, e começaram a operar no navio a partir
de 1963. Além deste Esquadrão, a Marinha também operava helicópteros Sikorsky
SH-34J, empregados para fazer frente à ameaça submarina. Em 1965, a Força Aérea
Brasileira (FAB) foi autorizada por Decreto Presidencial a operar a bordo do PA “Minas
Gerais”, num arranjo que não era comum à época. Assim, a FAB adquiriu 16 aviões
Grumman S2-A Tracker, denominados P-16 e, a partir de 1965 a Marinha passou a
operar apenas helicópteros a bordo do seu PA, tendo a FAB detido a exclusividade
da operação de aviões. Até 2001, quando o PA “Minas Gerais” foi descomissionado,
este navio foi empregado com grande intensidade pela MB, em exercícios militares na
Esquadra Brasileira e em outros exercícios com Marinhas de outras nações. O PA
71
“Minas Gerais” ainda sofreu outras modernizações no Brasil, sendo a mais importante
a de 1975 a 1979. Em 1998, fruto de um decisão de governo, a MB recebeu
autorização para reaver o seu próprio Esquadrão de aviões e voltar a operar com
estas aeronaves no seu PA. Naquela altura, os P-16 da FAB já se encontravam
obsoletos, sendo descomissionados, e a MB adquiriu 23 aeronaves A4-KU Skyhawk,
de fabricação norte-americana, mas pertencentes ao governo do Kuwait (ARAGÃO,
2011).
A partir de 1999 as aeronaves A4, que no Brasil receberam a denominação
AF-1, passaram a operar na MB, conduzidas exclusivamente por pilotos da Marinha,
realizando os primeiros pousos e decolagens a bordo do PA “Minas Gerais”.
Entretanto, era indiscutível que os requisitos operacionais dos AF-1 superavam as
capacidades que a estrutura do PA “Minas Gerais” tinha a oferecer em vários
aspectos, inclusive nas dimensões do seu convés de voo. Estes fatores foram
impulsionadores para que o governo brasileiro buscasse uma nova alternativa. Assim,
após quarenta anos de serviços prestados à MB o PA “Minas Gerias” foi substituído
pelo PA “São Paulo”, ex-PA “Foch”, adquirido no ano 2000 junto ao governo francês.
1.2.2 Cinco décadas de operação de PA na Marinha do Brasil (MB)
O PA “Foch” foi o segundo PA construído na França, uma vez que os dois PA
que a Marinha Nacional Francesa (MNF) possuía até então eram de origem norte-
americana. Pertencente à mesma classe que o seu antecessor, o PA “Clemanceau”,
foi lançado ao mar em 1963 e possuía características técnicas de um PA compatíveis
com o seu tempo. Segundo ARAGÃO, “os irmãos Clemenceau conferiram à França o
status de terceira maior potência naval militar do mundo” (ARAGÃO, 2011, p.105).
Sua estrutura era preparada para operar com aviões à reação, tendo recebido em seu
convés aeronaves A4 Skyhawk, Étendard, Super Étendard, Crusader, Harrier e
Rafale. Durante o serviço na MNF, que durou 37 anos, participou de inúmeras
operações de guerra, podendo se destacar: o processo de independência do Djibut,
entre 1977 e 1978, nas águas do Oceano Índico; a guerra do Líbano, desencadeada
pela invasão do Líbano pelas tropas Israelenses, entre 1982 e 1984, na qual garantiu
a evacuação de oitocentos nacionais franceses da região do conflito, dentre outras
tarefas ligadas à tentativa de se impor um cessar fogo ao conflito; na primeira Guerra
do Iraque, entre 1990 e 1991, nas águas do Golfo Pérsico; nos conflitos eclodidos na
72
região dos Balcãs, entre 1993 e 1994, na qual contribuiu para a garantia da operação
da Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR), com segurança, em especial
das tropas Francesas que participaram dessa coalizão; e na campanha do Kosovo,
entre 1998 e 1999, onde contribuiu para a implantação da Força do Kosovo (KFOR),
na qual, por meio da sua Ala Aérea embarcada, chegou a realizar 490 ataques aéreos
contra alvos em terra na Sérvia, no Kosovo e em Montenegro (ARAGÃO, 2011, p.109).
Dessa forma, é possível verificar que o PA “Foch”, juntamente com o PA
“Clemenceau”, foram plenamente empregados pelo governo francês para apoiarem
as suas decisões de política externa, na qual assumiam papel relevante em
importantes missões militares ao redor do mundo. Essa gama de capacidades
militares presentes no Poder Naval francês, providas pelos seus PA, permitiram
àquele país participar de forma contundente nas decisões e nos destinos de diversos
conflitos, elevando a influência da França no cenário mundial (ARAGÃO, 2011).
Em 1999, o Brasil realizou a oferta de aquisição do PA “Foch”, sendo
concretizada em 2000, tendo o navio sido rebatizado na MB com o nome de PA “São
Paulo” e chegado ao Brasil em 2001. Em um momento histórico, em fevereiro de 2001,
navegaram lado a lado nas águas do litoral da cidade do Rio de Janeiro os dois PA
brasileiros, “Minas Gerais” e “São Paulo”, para em seguida ser realizado o
descomissionamento do primeiro. Segundo ARAGÃO, “A compra de um Porta-Aviões
mais moderno representava um esforço do país em cumprir com as expectativas da
ONU em relação aos candidatos a membros permanentes do seu Conselho de
Segurança” (ARAGÃO, 2011, p.111). Realmente, a partir da posse do PA “São Paulo”,
o Brasil passava a condição de detentor de uma arma de elevado valor militar. Esse
novo meio parecia elevar a importância estratégica do Poder Naval brasileiro,
contribuindo significativamente para a defesa das riquezas que compunham a
Amazônia Azul. Destaca-se que este navio possuía seu sistema de operação do tipo
CATOBAR52, podendo lançar sua aviação de caça por catapultas. O binômio formado
pelo PA “São Paulo” e sua Ala Aérea embarcada, o Esquadrão VF-1 de aviões AF-1,
formavam um par-casado bem equilibrado.
52 Somente as USN, a MNF e a MB operam PA com este sistema, permitindo o lançamento dos seus aviões embarcados por meio de catapulta, os quais possuem um poder ofensivo com capacidades superiores aos dos
aviões lançados por sky jump ou lançamento verticalmente.
73
A aeronave A4 Skyhawk foi selecionada pela MB, dentre outras opções53,
devido às suas características de versatilidade e flexibilidade de operações. Podem
ser equipadas com grande variedade de armamento (mísseis e bombas, além de
possuir canhões de médio calibre) e com outros dispositivos, como pod de
aerofotografia, o que permite a realização de operações de inteligência, e com
recursos de guerra eletrônica. Sua operação no PA “São Paulo” se iniciou ainda em
2001, tendo no mesmo ano sido validado o Boletim de Lançamento e Recolhimento
(BLR)54 da plataforma.
De 2001 a 2005 o PA “São Paulo” operou por toda a costa brasileira, tendo
realizado, também, operações combinadas com as Marinhas argentina e uruguaia, na
costa desses países, e com a USN, operando na costa brasileira com o PA de
propulsão nuclear “Ronald Reagan”. Ultrapassou, neste período, o número de 560
catapultagens e recolhimentos de aviões AF-1 em seu convés de voo. Em 2005, após
um acidente a bordo enquanto operava no mar, com o rompimento de uma rede de
vapor que alimentava uma de suas duas catapultas, foi iniciado um longo período de
revitalização, concluído em 2010, quando o navio voltou a operar (ARAGÃO, 2011). É
interessante observar o investimento que a MB realizou na revitalização e
modernização de alguns sistemas deste navio, ocorridas durante os períodos de suas
paradas para reparo, em 2003, em 2005, em 2008 e em 2012. Pode-se destacar
diversas obras de recuperação e modernização no sistema de propulsão, nas
catapultas, no sistema de compilação de dados táticos, no sistema de geração de
energia, dentre outros. Entretanto, devido a necessidade de novas intervenções em
seu sistema de propulsão e de geração de energia, a partir de 2012 o navio encontra-
se em avaliação técnica e reparos adicionais.
Atualmente, as aeronaves AF-1 do Esquadrão VF-1 da MB sofrem novas
modernizações, executadas pela empresa EMBRAER, com a expectativa de
conclusão dos trabalhos nos próximos anos. Ao final deste processo, a Marinha
contará com aeronaves revitalizadas, tanto em propulsão quanto em aviônica, além
de seus sensores eletrônicos, permitindo o seu pleno emprego embarcado em PA por,
pelo menos, mais uma década e meia.
53 Também foram consideradas a possibilidade de aquisição de aeronaves do tipo A-7 Corsair II, Super Étendard e Harrier (ARAGÃO, 2011, p. 117). 54 O BLR equivale, para um aeroporto em terra, à homologação de sua pista para operação com aeronaves
(ARAGÃO, 2011).
74
Com relação ao PA “São Paulo”, ainda se aguarda a conclusão dos estudos
de sua modernização, a fim de se dar continuidade ao esforço de sua revitalização.
Contudo, conforme afirma ARAGÃO, ao mencionar as diretrizes estabelecidas na
END com relação a operação de PA pela MB, é possível concluir que a capacitação
conquistada pela MB ao longo das últimas cinco décadas, ao deter o operar um PA
em seu Poder Naval, lhe garantiram uma expertise valiosa que não se alcança de
forma instantânea e não sem altos investimentos de elevados custos. Um exemplo
concreto que se observa foi o ocorrido com a Marinha da China55. Ao comissionar seu
primeiro PA em 2011, comprado como sucata da Ucrânia e reformado nos estaleiros
chineses, a Marinha chinesa buscou qualificar sua nova tripulação e pilotos para
operarem este PA, que foi rebatizado de “Liaoning”. Experimentou grande dificuldade
em encontrar cooperação nesse intercâmbio. Uma das soluções encontradas foi a
troca de experiências com a MB, a qual enviou alguns tripulantes do PA “São Paulo”
à China em 2009 para auxiliar no adestramento dos principais postos a bordo.
Ao contrário da dificuldade acima relatada, pode-se observar o ocorrido com
a MB em 2001. Ao se constatar a rapidez com que a MB se capacitou a operar o PA
“São Paulo” com seus próprios aviões e pilotos, com praticamente total independência
de auxílio de qualquer outra nação, fica claramente demonstrada e evidenciada a
validade do esforço da operação do PA “Minas Gerais”, mesmo quando este navio já
atingia uma idade avançada para operação militar de um meio naval. Este esforço tem
reconhecidos méritos e seu valor reside na capacidade de detenção do conhecimento
técnico para operação de uma complexa plataforma como um PA do tipo CATOBAR,
além da capacidade de retenção do conhecimento para o emprego tático de um navio
deste porte em uma Esquadra. Assim, conforme afirma ARAGÃO:
“O Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil [PAEMB] estabelece a obtenção de dois Navios-Aeródromos no futuro. Desse modo, o Brasil asseguraria o conhecimento militar,
tecnológico e humano conquistado ao longo de cinco décadas, disponível a apenas um seleto grupo de Marinhas no mundo. Uma história de conquistas, iniciada na distante década de 1960,
com a incorporação do NAeL Minas Gerais, e ainda em construção, com a modernização e a abertura de novos desafios ao NAe São Paulo” (ARAGÃO, 2011, p.134).
55 A Marinha da China é conhecida pela sigla em inglês PLAN, que significa People’s Liberation Army Navy, ou
seja, Marinha do Exército de Libertação Popular da China.
75
1.3 CONCLUSÕES
Quanto ao comportamento do Brasil no cenário atual, sendo a MB detentora
de um PA da categoria CATOBAR, a de maior capacidade ofensiva, e sendo este o
único navio desta classe no âmbito regional, é possível extrair as seguintes
conclusões.
Sabendo-se que o Brasil é um país pacífico e respeitador dos direitos dos
demais Estados; que estabeleceu em seu ordenamento jurídico e nas Diretrizes e
Orientações de Política e Estratégia o preceito da dissuasão como um de seus pilares
estratégicos; que a PND estabeleceu que “À ação diplomática na solução de conflitos
soma-se a estratégia militar da dissuasão” (BRASIL, 2012a, item 7.12); e que nas
Diretrizes promulgadas na END, a base do pensamento se apoia no desenvolvimento
da capacidade de dissuasão militar, é portanto coerente o desenvolvimento de
capacidades militares de meios como PA e submarinos, especialmente os de
propulsão nuclear, por exercerem este papel estratégico de poder e de dissuasão.
Entretanto, a despeito do atual domínio da perícia da operação de um meio
complexo como o PA “São Paulo” pela MB, duas ações imprescindíveis necessitarão
ser seguidas, advindas das análises do conteúdo das discussões apresentadas neste
Anexo, se adotada a decisão de se manter um PA no inventário do Poder Naval
brasileiro. A primeira ação se refere ao exercício do papel estratégico da dissuasão.
Somente uma Força Naval adestrada e contando com a plena disponibilidade
operacional de seus meios navais poderá alcançar os efeitos desejados desta tarefa
estratégica do Poder Naval, a dissuasão. Como se demonstrou neste estudo que o
custo de operação de um CSG exige um elevado vulto de recursos, a primeira ação
necessária seria a de equacionar a questão orçamentária que possa suportar as
demandas exigidas para a manutenção e a operação de um arranjo como um CSG
na MB. Se esta condição não for respeitada, o atingimento do propósito da dissuasão
pela capacidade de operação e emprego de uma Força nucleada em PA estará
significativamente comprometida.
A segunda ação necessária se refere ao emprego estratégico da Força
nucleada em PA para a consecução dos papéis doutrinários que lhes cabe. Como há
uma robusta e fundamentada contestação teórica a respeito da habilitação atualmente
exercida pela Força nucleada em PA para a realização de todas as suas supostas
tarefas estratégicas previstas frente aos novos desafios assumidos como existentes
76
na área estratégica de atuação do Poder Naval, como no caso brasileiro, seria
necessário que a MB estudasse minuciosamente a competência do desempenho de
seu PA no atingimento dos objetivos táticos e operacionais previstos na doutrina de
emprego de um PA vigente na MB. Esta ação se faz necessária, a fim de que se
conheça perfeitamente quais as capacidades e limitações de sua Força nucleada em
PA, redimensionando o papel estratégico previsto em sua doutrina de emprego para
o seu PA. Esta ação permitirá, também, se perceber qual o grau de risco que se
pretende submeter a Força nucleada em PA quando for empregada nas diferentes
tarefas do Poder Naval.
77
ANEXO B
O EMPREGO ATUAL DO PODER NAVAL NO OCEANO ÍNDICO OBEDECENDO A
UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA
O recente interesse na geopolítica do Oceano Índico tem atraído um maior
número de Forças Navais de diferentes países para a região. Um outro fenômeno que
chama a atenção é o aumento na quantidade de PA que compõem o Poder Naval das
Marinhas dos países acima mencionados. A combinação desses elementos é
analisada por UPADHYAYA em seu artigo para a Revista IHS Jane’s Navy
International, publicado em março de 2015.
O recente e incessante crescimento do interesse mundial sobre a região do
Oceano Índico pode ser decifrado sob uma ótica geoestratégica, decompondo-se a
questão, basicamente, em três fatores. Primeiramente, observa-se que na região se
encontram importantes fontes de riquezas minerais, como petróleo e gás, além de
outros minerais raros e valiosos. Com o incremento da exploração destas riquezas,
tem crescido exponencialmente o comércio marítimo na região, chegando a 80% o
volume de tráfego desses produtos destinados a países para fora da região. Em
segundo lugar, é possível observar que o ambiente marítimo da região encontra-se
com sua segurança ameaçada, especialmente em pontos focais como o Estreito de
Malaca e o Golfo de Áden. Após mais de cem anos com relativa estabilidade,
reapareceu naquelas águas a presença de ataques piratas e roubo armado aos navios
mercantes que trafegam na região. Um aspecto que contribui com o ressurgimento
deste cenário na região é o atual estado de instabilidade política, econômica e social
por que passam alguns dos países lindeiros da região, como a Indonésia. E
finalmente, em terceiro lugar, surge de forma evidente a deficiência de infraestrutura
desses países e a decorrente incapacidade para lidar com os recentes efeitos dos
desastres naturais que têm assolado a região, como foi o caso do tsunami de 2004.
Portanto, a combinação desses fatores provoca consequências que superam
as capacidades dos Estados lindeiros de resolverem estas complexas questões que
se apresentam de forma autônoma, sem a necessidade de auxílio externo. Sob a
perspectiva militar, essas ameaças não tradicionais se somam às relações de risco
de crises entre Estados, exigindo das Forças Navais atuantes na área a versatilidade
para o desenvolvimento de capacidades para o emprego do Poder Naval neste
cenário de incertezas e de distintos desafios (UPADHYAYA, 2015, p.28).
78
Deve-se somar a esses fatores acima mencionados mais um importante
ingrediente, que é a maior presença de forças navais chinesas nas águas da região.
A China, que hoje já é a segunda maior economia do mundo, vem apresentando
crescente interesse na região, o que tem afetado o equilíbrio geoestratégico reinante.
Sua economia, notadamente orientada para a exportação de produtos manufaturados,
enxerga na garantia da segurança das Linhas de Comunicação Marítima (LCM) um
elemento indispensável para a manutenção do crescimento do país e do seu povo.
Esse comércio de exportação de produtos manufaturados e de importação de
matérias-primas atravessa em boa medida as águas do Oceano Índico, o que explica
a postura adotada pela Marinha da China nos últimos anos, como ressalta
UPADHYAYA.
“...a importância do Poder Naval [Chinês] em assegurar o comércio e o acesso às fontes estratégicas de matérias-primas
tem recebido crescente atenção de Pequim. Isso, sem dúvida, levou à expansão em grande escala da PLAN56, incluindo a aquisição de um PA e o foco em operações cruzando o Oceano
Índico (UPADHYAYA, 2015, p.28 – tradução nossa).
O crescimento da presença chinesa naquelas águas é muito significante e
interfere no equilíbrio geoestratégico de forças, pois, além do natural interesse e
presença da Marinha da Índia, que também possui um PA em operação no Oceano
Índico e, atualmente, constrói outro PA em seu próprio país57, os EUA recentemente
alteraram a direção do eixo de seu interesse para aquela região. Um dos fatores dessa
mudança foi justamente a ameaça à Pax Americana representada pelo crescimento
da economia chinesa e de suas ações estratégicas nesse início de século. Cabe
mencionar, ainda, que a USN opera de acordo com alguns princípios estratégicos
próprios58, que se baseiam na aliança com outras Marinhas pertencentes à OTAN.
Por meio dessa estratégia, observa-se a presença de Forças Navais pertencentes às
principais Marinhas do mundo na região do Oceano Índico. Dentre essas, observa-se
a presença naquelas águas de PA da França e da Itália.
56 PLAN é a sigla para People’s Liberation Army Navy, como é conhecida a denominação para a Marinha
chinesa. 57 A Índia adquiriu o ex-PA “Gorshkov” da Marinha russa, o qual foi revitalizado na própria Rússia, sendo entregue à Índia. Lá recebeu o nome de PA “Vikramadytia”. Na ocasião a Índia operava seu PA classe
“Colossus”, o PA “Vikrant”, o qual foi descomissionado após a chegada do novo PA. Atualmente constrói um PA nos estaleiros do próprio país. Sua Ala Aérea embarcada é composta por aeronaves MIG-29, de procedência russa (UPADHYAYA, 2015, p.30). 58 Sua atual estratégia marítima é conhecida como “Uma Estratégia de Cooperação para o Poder Naval do
Século XXI” (UPADHYAYA, 2015, p.28 - tradução nossa)