salgueirinho, sergio renato berna. o emprego estratégico do

80
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2015 MONOGRAFIA (CAEPE) O Emprego Estratégico do Porta-Aviões na defesa dos interesses de um Estado Capitão-de-Mar-e-Guerra SERGIO RENATO BERNA SALGUEIRINHO

Upload: votu

Post on 08-Jan-2017

214 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2015

MONOGRAFIA (CAEPE)

O Emprego Estratégico do Porta-Aviões na defesa dos interesses de um

Estado

Capitão-de-Mar-e-Guerra

SERGIO RENATO BERNA SALGUEIRINHO

Page 2: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

SERGIO RENATO BERNA SALGUEIRINHO

O EMPREGO ESTRATÉGICO DO PORTA-AVIÕES NA

DEFESA DOS INTERESSES DE UM ESTADO

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da

Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientador: CMG (RM1) Francisco José de

Matos.

Rio de Janeiro 2015

Page 3: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

C2015 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA

SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do

trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a

referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são

de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG

_________________________________

Assinatura do autor

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Salgueirinho, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do Porta-Aviões na Defesa dos Interesses

de um Estado / CMG Sergio Renato Berna Salgueirinho. - Rio de

Janeiro: ESG, 2015. 78 f.: il.

Orientador: CMG (RM1) Francisco José de Matos. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.

1. Porta-Aviões (PA). 2. Estratégia Marítima. 3. Poder Naval. 4.

Defesa e Segurança. 5. Marinha do Brasil (MB). 6. Força nucleada em PA (CSG). I.Título.

Page 4: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

À minha amada família, minha esposa

Lilian e minhas filhas Manuela e Lívia, por

encherem a minha vida de felicidade e por

compreenderem as necessidades dos

momentos de minhas ausências.

Page 5: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que dedicaram suas vidas a criarem seus filhos, por todo o

esforço despendido para que nunca nos faltassem amor, carinho e educação.

A todos os meus professores, instrutores e chefes, que participaram da minha

formação intelectual e profissional na Marinha do Brasil e mesmo antes disso, pelos

exemplos e por terem contribuído com o meu aprendizado.

Ao Orientador e Amigo Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) Francisco José de

Matos, pela forma cortês, honesta, profissional e inteligente com que me orientou e

colaborou com o processo de elaboração deste trabalho.

Ao Amigo Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) Caetano Tepedino Martins, pela

iniciativa, incentivo e colaboração com a disponibilização de relevante material

bibliográfico que enriqueceu este trabalho.

Ao Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, pelos exemplos,

ensinamentos, dedicação e esforço que permitiram realizar o CAEPE 2015 da melhor

forma possível.

Aos estagiários da Turma “Destinos do Brasil”, pelo exemplar convívio

profissional e pelas demonstrações de respeito e amizade, ao longo de todo o Curso.

Page 6: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

“Em cada uma das quatro maiores crises internacionais das quais

participei enquanto ocupava o Cargo de Chefe de Operações Navais [da

USN] - Jordânia, Setembro 1970; Indo-Paquistão, Dezembro 1971; Vietnã, Maio 1972; e Guerra do Yom

Kippur, 1973 – a aviação embarcada no Porta-Aviões (PA) foi a principal

ferramenta militar disponível para o Presidente [dos EUA] para o gerenciamento de crises”.

(Almirante ZUMWALT (USN) in

LEHMAN, 1978, p. 5 - tradução nossa)

Page 7: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

RESUMO

Esta monografia analisa de forma abrangente e atual o papel do Porta-Aviões (PA) e

de sua Força nucleada em PA (CSG)1, suas competências, capacidades e eventuais

limitações frente aos desafios que lhe são impostos em qualquer parte do mundo e

não apenas em uma região em especial. O objetivo do estudo é, de forma teórica,

analisar em que medida o emprego das capacidades de uma Força nucleada em PA

atende aos interesses de segurança e de defesa de um Estado. A metodologia

adotada comportou uma pesquisa bibliográfica e documental, visando buscar

referenciais teóricos, além da experiência do autor como oficial de Marinha do Corpo

da Armada e de ex-tripulante o PA “São Paulo”, da Marinha do Brasil (MB). São

apresentados os principais autores e suas ideias a respeito do tema, como Geoffrey

Till, Norman Friedman e Robert Rubel. O campo de estudo delimitou-se ao universo

de todas as Marinhas que possuem PA em seu inventário, em especial à United States

Navy (USN), por ser incontestavelmente a mais bem aparelhada com seus onze PA.

Entretanto, também foi dada atenção especial ao caso da Marinha do Brasil,

encontrando-se no Anexo A deste trabalho uma análise dos documentos balizadores

da defesa nacional, enquadrando o emprego do PA, e um breve relato sobre a

experiência da MB na operação de seus dois PA ao longo de mais de cinquenta anos

de história. Os principais tópicos são: a organização e o funcionamento de uma Força

nucleada em PA, a concepção de uma Estratégia Marítima e o emprego do Poder

Naval de um Estado, as ameaças atuais à continuidade da existência dos PA e as

oportunidades para continuar efetivo. A conclusão indica sob que condições se deve

ou não empenhar expressivos recursos na obtenção e no emprego estratégico de um

PA, sintetizando os resultados das principais análises e conclusões ao longo do

estudo.

Palavras chave: Porta-Aviões (PA). Força nucleada em PA (CSG). Estratégia

Marítima. Poder Naval. Defesa e Segurança. Marinha do Brasil (MB).

1 A Força nucleada em Porta-Aviões é mundialmente conhecida como Carrier Strike Group (CSG). Disponível

em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Carrier_strike_group>. Acesso em: 24 jul 2015.

Page 8: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

ABSTRACT

This monograph analyzes comprehensively and current the role of the Aircraft Carrier

(CV) and its Carrier Strike Group (CSG), their skills, capacities and limitations, face to

challenges that are imposed in any part of the world and not just in one region in

particular. The aim of this study is theoretical, examining to what extent the

employment of capacities of a Carrier Strike Group (CSG) meets the security and

defense interests of a State. The adopted methodology behaved a bibliographical

research and documentation, in order to get theoretical references, in addition to the

author's experience as a Navy Officer and former crew member of CV "São Paulo",

Brazilian Navy (MB). The main authors and their ideas on the subject, as Geoffrey Till,

Norman Friedman and Robert Rubel. The field of study has been circumscribed to the

universe of all navies that have CV in their inventory, in particular the United States

Navy (USN), because it is unquestionably the most well equipped with their eleven CV.

However, it was also given special attention to the case of the Brazilian Navy,

observing in Annex A of this study an analysis of the documents underpinning the

national defense, framing the use of CV, and a brief account about the experience of

MB on its two operational CV for over fifty years of history. The main topics are: the

organization and functioning of a CSG, the design of a maritime strategy and the

employment of Naval Power of a State, current threats to the continued existence of

the CV and the opportunities to continue effective. The conclusion indicates under what

conditions whether or not to commit resources to obtain significant and strategic

employment of a CV, synthesizing the results of the main analyses and conclusions

throughout the study.

Key words: Aircraft Carrier (CV). Carrier Strike Group (CSG). Maritime Strategy. Naval

Power. Defense and Security. Brazilian Navy (MB).

Page 9: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AEW Airborne Early Warning

AD Area Denial

AJB Águas Jurisdicionais Brasileiras

ARG Amphibious Ready Group

A2 Anti Access

CATOBAR Catapult Assisted Take-Off But Arrested Recovery

CF Constituição Federal (do Brasil)

CSG Carrier Strike Group

CBG Carrier Battle Group

CVBG Carrier (Vessel) Battle Group

DAE Destacamento Aéreo Embarcado

EMALS Electro-Magnetic Aircraft Launch System

END Estratégia Nacional de Defesa

ESG Expeditionary Strike Group

EUA Estados Unidos da América

FAB Força Aérea Brasileira

F/A Fighter / Attack

HADR Humanitarian Assistance and Disaster Relief

JDW Jane’s Defense Weekly

LCM Linhas de Comunicação Marítima

LHA Land Helicopter Assault

LHD Land Helicopter Dock

MB Marinha do Brasil

MEU Marine Expeditionary Unit

MNF Marine National Française

NAe Navio-Aeródromo

NAeL Navio-Aeródromo Ligeiro

PA Porta-Aviões

PLAN People’s Liberation Army Navy

PND Política Nacional de Defesa

SAG Surface Action Group

SAR Synthetic Aperture Radar

SCS Sea Control Ship

Page 10: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

STOBAR Short Take-Off But Arrested Recovery

STOVL Short Take-Off and Vertical Landing

UAV Unmanned Air Vehicle

UCAS-D Unmanned Combat Air System Carrier Demonstration

UCLASS Unmanned Carrier Launched Surveillance and Strike

USN United States Navy

Page 11: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10

2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................... 13

3 O PORTA-AVIÕES (PA)................................................................................26

3.1 O PORTA-AVIÕES (PA) E A FORÇA NUCLEADA EM PA (CSG)................26

3.2 A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE UM CSG NA MARINHA DOS

EUA (USN).................................................................................................................27

4 A CONCEPÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA E O EMPREGO DO PODER NAVAL POR UM ESTADO..........................................................................32

4.1 VIGILÂNCIA MARÍTIMA................................................................................33

4.2 O CONTROLE DO MAR E A PROJEÇÃO DE PODER................................34

4.3 A ESQUADRA PRINCIPAL E A ESQUADRA EM POTÊNCIA.....................36

4.4 ESTRATÉGIA MARÍTIMA EMPREGANDO O PODER NAVAL....................37

4.5 UMA COMPARAÇÃO ENTRE CASOS DISTINTOS DE EMPREGO DO

PODER NAVAL..........................................................................................................42

5 AMEAÇAS E OPORTUNIDADES AO EMPREGO DO PA...........................45

5.1 IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS..................................................................45

5.2 AS INCERTEZAS DA AMEAÇA A2/AD..........................................................47

5.3 OS POSSÍVEIS RUMOS DO PROJETO UCLASS........................................49

5.4 O PA DO SÉCULO XXI..................................................................................50

5.5 O IMPACTO DAS FUTURAS TECNOLOGIAS NO PAPEL DOUTRINÁRIO DO

PA...............................................................................................................................53

6 CONCLUSÃO................................................................................................56

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 60

ANEXO A – O MARCO LEGAL BRASILEIRO E A EXPERIÊNCIA DA MB OPERANDO SEUS PA..............................................................................................63

O MARCO LEGAL BRASILEIRO...................................................................63

A EXPERIÊNCIA DA MB OPERANDO SEUS PA..........................................68

O Primeiro PA da Marinha do Brasil (MB)..................................................68

Cinco décadas de operação de PA na Marinha do Brasil (MB)................71

CONCLUSÕES..............................................................................................75

ANEXO B – O EMPREGO ATUAL DO PODER NAVAL NO OCEANO ÍNDICO OBEDECENDO A UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA.....................................77

Page 12: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

10

1 INTRODUÇÃO

Há uma clássica distinção entre os conceitos de “segurança” e de “defesa”.

Enquanto o significado de segurança corresponde a uma condição na qual o Estado

e a sociedade se sentem livres de riscos e ameaças, o de defesa corresponde às

ações que se devem tomar para se garantir ou se retomar a condição desejável de

segurança, em caso de sua ameaça ou degradação (BRASIL, 2012a). O raciocínio

nos leva a concluir que é indispensável a um Estado a detenção de Forças que, em

caso de ameaça à sua segurança e a de seu povo, serão acionadas para defender a

soberania daquele país.

Para o caso brasileiro, atendendo a essas necessidades, são constituídas as

Forças Armadas, instituições nacionais permanentes e regulares, formadas pela

Marinha, Exército e Aeronáutica, sob a autoridade suprema do Presidente da

República, destinadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a

lei e a ordem (BRASIL,1988, Art. 142º). Para tal, seu inventário de meios deve conter

unidades que, em seu conjunto, alcancem todo o espectro de missões que satisfaçam

as tarefas a elas atribuídas em seu papel constitucional, obedecendo a estratégia

traçada pelo Estado Brasileiro. Em especial, deve-se ter atenção à tarefa de

dissuasão. Nesse sentido, estabelece a Política Nacional de Defesa (PND):

“À ação diplomática na solução de conflitos soma-se a estratégia militar da dissuasão. Nesse contexto, torna-se importante desenvolver a capacidade de mobilização nacional e a

manutenção de Forças Armadas modernas, integradas e balanceadas, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional, em condições de pronto

emprego” (BRASIL, 2012a, item 7.12).

Ampliando-se esse contexto para o nível global e, em seguida, graduando o

foco no âmbito do papel das Marinhas na sua contribuição para a garantia dos

interesses de um Estado, este estudo pretende se deter especificamente na análise e

discussão do papel desempenhado pelo Porta-Aviões (PA) e pela Força nucleada em

PA (CSG)2, em contribuição à missão designada para uma Marinha, levando-se em

consideração suas capacidades e, também, suas limitações.

2 CVBG ou CBG ou CSG – A Força nucleada em Porta-Aviões, conhecida originalmente como Carrier (Vessel)

Battle Group (CVBG ou também CBG), com o passar do tempo passou por transformações e, atualmente, é mais corrente o termo Carrier Strike Group (CSG). Assim, se util izará a sigla CSG neste trabalho para se referir ao conjunto de navios-escolta, de navios de apoio logístico, submarinos e da ala a érea embarcada no PA que, combinados com o próprio PA, formam uma unidade de combate autônoma. Disponível em:

<https://en.wikipedia.org/wiki/Carrier_strike_group>. Acesso em: 24 jul 2015.

Page 13: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

11

O PA, concebido nas primeiras décadas do século XX, derivado das

experiências que se sucederam à tentativa de emprego de aviação embarcada nos

poderosos cruzadores do início daquele século, ganhou elevada notoriedade durante

a 2ª Guerra Mundial (2ªGM), destacando-se na Batalha Naval de Midway, na qual PA

norte-americanos e japoneses se enfrentaram diretamente, consagrando a

importância daquela arma na constituição de ambas as forças oponentes. Dotados de

imponderável capacidade bélica, em especial para a tarefa de projeção de poder, e

de importantes qualidades como grandes versatilidade, flexibilidade e efetividade, os

PA e sua aviação embarcada passaram a constituir a coluna vertebral das Esquadras

das principais Marinhas do mundo, sendo reconhecidos por estas como o Capital

Ship3. Entretanto, com o passar do tempo, apesar de sua constante evolução

tecnológica, essa posição começou a ser desafiada, seja pelo desenvolvimento de

novas armas em sua contraposição, seja pela criação e desenvolvimento de novos

meios que se rivalizariam com este (HARISMENDY, 2014).

Atualmente, somente nove nações no mundo operam PA, contabilizando 29

unidades em serviço e mais seis em construção. Apesar do relativamente elevado

número de unidades, pode-se constatar o baixo número de países que possuem

alguma das variações de PA existentes no mundo4, sendo o Brasil componente desse

seleto grupo (UPADHYAYA 2015, p.29).

Este estudo procurou investigar os aspectos envolvidos nas questões que

alimentam muitos debates entre especialistas em estratégia militar sobre a efetividade

em se investir na obtenção e operação de um PA como meio naval componente do

sistema de defesa de um país. A discussão investiga os argumentos tanto dos autores

considerados como “defensores” quanto dos considerados como “críticos” sobre o

desempenho do PA frente aos desafios dos tempos modernos, dado o

desenvolvimento de ameaças advindas de novas tecnologias, como as conhecidas

A2/AD5 (FRANCE, 2014, p.15), além das outras alternativas existentes que

concorreriam com os PA para a consecução dos mesmos propósitos. Um dos

aspectos que pesa bastante nessa discussão se remete aos elevados custos

3 O termo Capital Ship será tratado neste estudo pelo seu equivalente em Português “Navio Capital ”. 4 Maiores detalhes se encontram no item 5.4 deste estudo. 5 A2 (anti access) e AD (area denial) são conceitos modernos de tecnologia militar de uso estratégico e tático, respectivamente, que se opõem ao emprego de Forças de Superfície e Aéreas, em especial de forças navais

nucleadas em PA, impedindo ou dificultando seu emprego no Teatro de Operações.

Page 14: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

12

envolvidos na obtenção, manutenção e operação de uma Força nucleada em PA

(CSG) (LEHMAN, 1978, p.45).

Para tratar o assunto de forma ordenada, o trabalho foi dividido em seis

capítulos, uma conclusão e dois Anexos. O primeiro capítulo se apresenta sob a forma

desta Introdução. No segundo capítulo, serão apresentados os principais autores e

suas ideias a respeito do tema e analisados os argumentos das correntes destes

pensadores que discutem o emprego do PA na guerra moderna. No terceiro capítulo,

será apresentada uma síntese sobre o que é essencialmente um PA, o arranjo de uma

Força nucleada em um PA (CSG), exemplos históricos de seu emprego e a

organização e o funcionamento de um CSG na Marinha dos EUA (USN). No quarto

capítulo, serão apresentados o conceito da concepção de uma Estratégia Marítima e

alguns exemplos históricos. No quinto capítulo, serão apresentadas as ameaças

atuais à continuidade da existência dos PA e, em contrapartida, as oportunidades que,

na direção oposta, podem lhes fornecer uma janela de oportunidades para continuar

efetivo. O sexto capítulo conterá uma breve conclusão, sintetizando os resultados das

principais análises. O Anexo A apresentará uma análise dos documentos balizadores

da defesa nacional, enquadrando o emprego do PA, e será detalhada a experiência

da MB na operação de seus dois PA ao longo de mais de cinquenta anos de história.

O Anexo B tratará do emprego atual do Poder Naval no Oceano Índico obedecendo a

uma estratégia marítima.

Dessa forma, com foco na dimensão estratégica, orientado pelo conceito de

capacidades e baseado nas discussões tratadas ao longo dos seus capítulos, este

estudo procurará responder ao problema enunciado: em que medida o emprego das

capacidades de uma Força nucleada em PA atende aos interesses de segurança e

de defesa de um Estado?

Para este estudo foi adotada a denominação genérica Porta-Aviões (PA) para

os tipos de Navios-Aeródromos (NAe) existentes, desde que operem aeronaves de

asa fixa, sejam eles CATOBAR (Catapult Assisted Take-Off But Arrested Recovery -

Decolagem Assistida por Catapulta e Recuperação por Aparelho de Parada);

STOBAR (Short Take-Off But Arrested Recover - Decolagem Curta e Recuperação

por Aparelho de Parada); ou STOVL (Short Take-Off and Vertical Landed - Decolagem

Curta e Pouso Vertical).

Page 15: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

13

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Há muito se assiste a uma apaixonada discussão a respeito da validade sobre

a continuidade da existência e do emprego dos PA. Alguns autores são francamente

a favor, outros, ao contrário, decididamente contra. Neste capítulo se pretende

apresentar as principais ideias de alguns desses autores, a fim de se revelar seus

argumentos e permitir se construir um raciocínio próprio que seja útil para os

propósitos deste estudo.

O primeiro autor que se descortinará, Geoffrey TILL, expõe suas ideias em

sua respeitada obra “Poder Marítimo: um guia para o século XXI” (tradução nossa),

as quais se apresenta a seguir um breve resumo.

Uma das mudanças ocorridas nas Marinhas durante o Século XX foi a

substituição dos Encouraçados por Porta-Aviões (PA). Essa alteração, embora não

tenha diminuído o papel estratégico do Poder Naval, modificou significativamente a

forma de se combater no mar. Os PA se tornaram essenciais para a proteção da força,

especialmente contra ataques aéreos provenientes de terra. Com o passar do tempo,

estes navios passaram, ainda, a desempenhar outras tarefas independentes, como a

de prover apoio aos meios navais durante a realização de operações anfíbias,

aumentando sensivelmente a capacidade de Projetar Poder sobre terra. Ao fim da

campanha do Pacífico durante a 2ªGM (1944-1945), o PA se consagrou como o novo

“Navio Capital” das Esquadras.

Embora já tenha alcançado essa posição no passado, ainda se percebe a

relativa frequência com que algumas correntes de pensadores e analistas militares

criticam a efetividade dos PA. O argumento mais contundente segue normalmente

uma mesma linha de pensamento e indaga o seu elevado custo e suas

vulnerabilidades a ataques aéreos e de submarinos. Recentemente, a China, a Índia

e o Reino Unido, que comissionaram ou estão construindo novos PA, têm

experimentado a realidade dessa pesada conta. Apesar disso, muitas importantes

Marinhas, como a USN, continuam investindo nesta arma.

Uma das razões para a continuação dos investimentos nessa classe de navios

se dá pois existe uma elevada crença de que aquelas vulnerabilidades dos PA acima

mencionadas poderiam ser atenuadas com algumas medidas. A primeira forma

encontrada de se minimizar as citadas deficiências foi adicionando navios-escolta na

composição da Força de “proteção” aos PA, a CSG. Na verdade, não somente navios-

Page 16: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

14

escolta, mas também outros meios como submarinos nucleares de ataque e navios

de apoio logístico passaram a compor esta Força. Assim, a Força nucleada em PA

passou a funcionar como um sistema de batalha integrado, no qual os meios navais

se complementam e se protegem mutuamente, permitindo ao PA empregar toda a sua

capacidade ofensiva. Dessa forma, se por um lado, com essa necessária configuração

de proteção, o custo de emprego do PA passou a incorporar os gastos com todos os

outros navios-escolta, encarecendo significativamente o valor do investimento final,

por outro lado, a contrapartida que se observou foi a de que a Força nucleada em PA

passou a desempenhar muitas outras tarefas que um PA sozinho não alcançaria,

tornando-se assim mais versátil e atingindo toda a gama de tarefas previstas para

serem desempenhadas por um meio do Poder Naval7.

Também é importante salientar que o PA possui muitas vantagens em

comparação com outros meios navais, em virtude de suas elevadas dimensões. Os

PA, como são navios de grande porte, normalmente são muito resistentes a ataques,

dispondo de vários dispositivos de combate a sinistros que possam vir a ser

provocados por ataque inimigo; possuem grande capacidade logística e de carga, o

que inclui combustível, munição e, principalmente, uma elevada capacidade de

transporte de sua Ala Aérea embarcada8; e possuem grandes capacidades de

sensoriamento, de comunicações e de inteligência, sendo estas qualidades a

essência da capacidade de Comando e Controle, fundamental para a coordenação

dos meios navais de uma Força nucleada em PA.

Possui, ainda, uma característica que o diferencia das bases aéreas

terrestres. Embora não possua toda a variedade e quantidade de aeronaves que uma

base aérea terrestre dispõe para lançar mão em volume de sortidas9, o PA é móvel.

Isso lhe dá inúmeras vantagens comparativas que podem representar grande

diferença a seu favor durante o seu emprego. Essas vantagens podem ser

enumeradas da seguinte forma: por ser móvel, não é fundamentalmente dependente

da meteorologia local para operar suas aeronaves, uma vez que se movimenta em

conformidade às condições meteorológicas, buscando sempre a melhor condição

7 De acordo com a Doutrina Básica da Marinha (DBM), para o cumprimento de sua Missão, a Marinha deverá estar capacitada a realizar as quatro Tarefas Básicas do Poder Naval: negar o uso do mar ao inimigo; controlar

áreas marítimas; projetar poder sobre terra; e contribuir para a dissuasão (BRASIL, 2014, p.1.6). 8 O termo “Ala Aérea embarcada” se refere ao conjunto de aeronaves, sejam aviões ou helicópteros, que constituem a capacidade aeronaval de um PA. Estas aeronaves poderão realizar diversas missões, desde a busca e a vigilância visual e radar, até as missões de ataque e interceptação, conforme a necessidade. 9 Sortidas é o termo que corresponde aos lançamentos e recolhimentos de aeronaves realizados por um PA.

Page 17: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

15

para operação de suas aeronaves. Da mesma forma, por ser móvel, é menos

vulnerável a ataques estratégicos do que as bases aéreas terrestres fixas, tornando-

se sempre uma incógnita para seus inimigos quanto à região a partir da qual o PA irá

operar. E por último, mas não menos importante, por ser móvel, o PA pode se deslocar

para qualquer parte do globo aonde possa interessar ao poder político que o detém,

estendendo seu braço armado à região onde se deseja estar presente, não sendo

dependente, por exemplo, do raio de ação da aviação baseada em terra, como pode

ser o caso das aeronaves da Força Aérea de um Estado.

Como exemplo histórico, TILL cita a Operação Safeguard10 da OTAN, na qual

uma Força nucleada em PA deslocou-se para a área de operações no Mar Adriático

e, em apenas dez dias, já se encontrava disponível para atuar naquele teatro de

operações. Em contrapartida, a aviação baseada em terra, os caças Jaguar, que

operariam a partir de bases aéreas terrestres na Itália, levaram cerca de três meses

para obter a autorização do governo italiano para serem empregados nesta operação.

Também ocorreu em diversas ocasiões que os caças Jaguar não puderam operar

devido a severas condições meteorológicas reinantes na área onde se encontravam

as suas bases, enquanto que essa situação não ocorria com os grupos aéreos

embarcados no PA que, embora estivesse na mesma operação, movimentava-se de

forma a evitar o mau tempo.

Ainda no tocante aos custos de obtenção e manutenção de um PA, no

passado recente uma corrente de pensadores era favorável à construção de “navios-

arsenal” (verdadeiros arsenais bélicos flutuantes), como uma alternativa aos PA. Esse

conceito de navios, mais tarde batizados de DD-21, teria baterias de artilharia de longo

alcance e seria capaz de lançar mísseis contra alvos em terra, rivalizando com a

capacidade de poder ofensivo inerente aos PA. Entretanto, o projeto foi cancelado

pela própria Marinha norte-americana (USN)11, após analisar parâmetros e concluir

que a relação custo-efetividade dos PA superava a daquele novo conceito de navios.

Como exemplo, um único PA da classe “Nimitz” pode transportar carga bélica

equivalente a 4.000 mísseis de cruzeiro, o que superaria a capacidade dos citados

navios-arsenal.

10 Com a dissolução da Iugoslávia, rompeu-se um violento conflito na Bósnia Herzegovina em abril de 1992, onde a OTAN, em resposta a decisão do Conselho de Segurança da ONU, implementou uma Zona de Interdição ao Voo sobre o Mar Adriático (Operação Safeguard) (TILL, 2007, p. 169). 11 USN é o acrônimo de United States Navy, que será empregado neste trabalho para se referir à Marinha dos

EUA.

Page 18: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

16

Como perspectiva de avanço tecnológico, observa-se uma corrente de

pensadores que acredita que, atualmente, a mais recente aeronave de caça em

desenvolvimento (JSF F-35)12, já seria o último modelo de aeronave tripulada a operar

em um PA da USN. A tendência lógica nessa linha de pensamento é a de que num

futuro não muito distante, as aeronaves de ataque que operarão a partir de um PA

não mais serão tripuladas.

Recentemente a USN em conjunto com a empresa Northrop Grumman

testaram o modelo experimental X-47B a bordo de um PA. Essa aeronave realizou

operações táticas de pouso a bordo, decolagem catapultada e, mais recentemente,

de reabastecimento em voo13 (MALENIC, 2015). Tudo isso sem necessitar de um

piloto fisicamente embarcado em sua cabine de comando. Essa facilidade representa

um sensível avanço nas operações aéreas sob o ponto de vista da aviação de ataque

embarcada em um PA, uma vez que inúmeras vantagens surgem a partir desse novo

conceito. Uma aeronave não tripulada pode ter maior capacidade de manobras, uma

vez que não existiria mais a limitação humana às acelerações gravitacionais

decorrentes das manobras táticas realizadas em confrontos diretos entre aeronaves

e, até mesmo para se evadir de mísseis. Num combate aéreo entre forças oponentes,

essa vantagem pode ser extremamente significativa. O espaço dedicado a

acomodação do piloto e todo o aparato para sua sobrevivência na cabine da aeronave

também pode ser substituído por novos equipamentos embarcados, como dispositivos

eletrônicos de combate mais robustos e mais potentes. A ausência da necessidade

do espaço da cabine do piloto favorece também a arquitetura de construção da

aeronave, contemplando a possibilidade de um desenho de menor assinatura radar,

mais difícil de ser detectado pelo inimigo. Ainda na linha de argumentações, é possível

imaginar que num caso de necessidade de operação de aeronaves num ambiente em

que ainda não foi possível conquistar a superioridade aérea local, ou seja, em que as

incertezas do combate ainda podem prevalecer, contar com aeronaves não tripuladas

pode ampliar a eficácia operacional, uma vez que a perda de uma aeronave abatida

pelo fogo inimigo não equivaleria à perda da vida de um piloto, normalmente o

elemento mais valioso e demorado a ser preparado para o combate. Cita-se, como

12 JSF F-35, do inglês Joint Strike Figther, é atualmente a mais moderna aeronave de caça e ataque, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento pelo seu consórcio fabricante. 13 Os testes do X-47B da Northrop Grumman no PA “George H. W. Bush” da USN ocorreram em 2013 e o teste

de reabastecimento no ar ocorreu em 2015.

Page 19: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

17

exemplo, o caso da campanha do Kosovo14 em que, durante as operações de

projeção de poder sobre terra empregando-se a aviação embarcada, a artilharia

antiaérea Servia baseada em terra ainda não havia sido neutralizada, o que

representou um potencial risco a essas operações, levando à destruição um elevado

número de aeronaves atacantes, pertencentes às forças da OTAN. Como resultante,

houve a perda de significativo número de pilotos, recurso humano de elevado valor

militar. Além disso, o impacto psicológico nas mentes dos combatentes, na sociedade

e na cúpula do poder dos Estados pertencentes àquela aliança militar pode sofrer

abalo significativo, influenciando na continuidade do esforço de guerra.

Assim, com relação aos custos envolvidos na posse e operação de uma Força

nucleada em PA em comparação com outras alternativas, conclui TILL: “Todavia, o

ponto chave é que o custo de desempenhar certas funções deve se comparar com os

custos de não desempenhá-las ou com os de fazê-lo de outra forma” (TILL, 2007, p.

169, tradução nossa). Em resumo, a conclusão que se pode extrair a partir do

pensamento de TILL é que, apesar do autor reconhecer os custos elevados envolvidos

na operação de uma Força nucleada em um PA, ainda assim considera compensador

o investimento nesse tipo de arma, tendo em vista a efetividade dos resultados

alcançados por uma força com esta configuração, além da versatilidade de emprego

e flexibilidade que possui.

Como proposta de reflexão adicional sobre as ideias articuladas por TILL, ao

se realizar um exercício de raciocínio lógico, utilizando-se seus conceitos e aplicando-

os ao caso do conflito das Malvinas15, seria possível inferir que, se durante o referido

conflito o PA Argentino “25 de Mayo” possuísse um grupo de navios-escolta que lhe

assegurassem adequada proteção no teatro de operações marítimo, a despeito da

presença dos submarinos nucleares de ataque britânicos, essa condição poderia ter

alterado significativamente os resultados daquele conflito. A importância dessa

reflexão traz como ensinamento que não basta a um Estado, apenas, possuir um meio

naval como um PA em seu inventário de navios de combate para assegurar a defesa

dos seus interesses no teatro de operações. É preciso raciocinar com todo o conjunto

14 Na Campanha do Kosovo, em 1999, as forças da OTAN decidiram atacar a Iugoslávia, sem consultar a ONU ou qualquer outro organismo internacional, desfechando um bombardeio que durou 78 dias (BBC. A Guerra do

Kosovo). Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/static/especial/milosevic_yugoslavia/kosovo.htm>. Acesso em: 07 jun 2015. 15 A Guerra das Malvinas foi um conflito estabelecido no Atlântico Sul em 1982, em que o Reino Unido e a

Argentina disputaram a posse do Arquipélago das Malvinas/Falklands (CAMOGLI, 2007).

Page 20: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

18

de meios que constitui o sistema de proteção e funcionamento de uma Força nucleada

em PA para que se tenha a confiabilidade dos resultados esperados na atuação desta

Força Naval com toda a sua capacidade.

Por outro lado, David W. WISE, autor de artigos sobre emprego das Forças

Armadas norte-americanas e alto executivo de uma empresa internacional de

seguros, adota uma posição francamente crítica quanto ao valor militar atual dos PA

frente às ameaças da guerra moderna. Seu recente artigo publicado no sítio da

Internet “Medium”17 apresenta uma série de argumentos contra o Programa de

Construção de PA da USN. A seguir são apresentados os principais pilares de suas

ideias.

Os PA norte-americanos desde a batalha do Golfo de Leyte (1942) até os dias

atuais nunca chegaram a enfrentar uma ameaça real que testasse sua verdadeira

efetividade em serviço. Dentre as vulnerabilidades dessa classe de navios, a que mais

se destaca é a sua debilidade defensiva contra a ameaça submarina. Além dessa

vulnerabilidade, recentemente os avanços tecnológicos proporcionaram o

desenvolvimento dos mísseis balísticos antinavio de longo alcance, conceito de

ameaça antiacesso (A2), como têm sido tratadas essas novas armas. Basicamente o

alcance desses mísseis, lançados de terra, ou até mesmo embarcados em navios-

escolta de superfície, excederiam o raio de ação das aeronaves que operam a partir

dos PA, limitando, dessa forma, a aproximação da Força nucleada em PA da área

onde se encontra o teatro de operações e do litoral ao qual se deseja projetar poder.

(BRUSTLEIN, 2010, p.9)

Outro argumento fortemente defendido por WISE se refere aos elevados

custos de construção desses navios. Recentemente, o PA “Gerald Ford” da USN, que

ainda se encontra em construção, com previsão de lançamento em 2016, já sofreu

diversos atualizações de orçamento, passando de US$ 10.5 bilhões a US$ 14.2

bilhões, o que representa um reajuste superior a 40% do custo inicial. Além disso, sua

ala aérea deverá ser composta por aeronaves JSF-35C18, as quais ainda se

encontram em fase de desenvolvimento. Estima-se que o custo da Ala Aérea

17 Disponível em: <https://medium.com/war-is-boring/the-u-s-navy-s-big-mistake-building-tons-of-supercarriers-79cb42029b8>. Acesso em: 07 jun 2015. 18 As aeronaves JSF F-35 da versão “C” correspondem à variante construída para operar em PA do segmento CATOBAR, pois podem ser lançadas por catapulta. As de versão “B” deverão operar em PA dos segmentos STOBAR e STOVL, pois não podem ser lançadas por catapulta. Finalmente, as de versão “A” deverão operar a partir de terra, pois não possuem requisitos para operar a partir de PA. Disponível em:

<http://www.jsf.mil/f35/f35_variants.htm>. Acesso em: 04 nov 2015.

Page 21: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

19

embarcada que operará nesse novo PA representará cerca de 70% do valor do próprio

meio.

Com o atual orçamento dedicado às Forças Armadas norte-americanas

sofrendo contingências orçamentárias, WISE sugere a diminuição dos gastos

militares, reduzindo-se a quantidade de navios daquela Marinha, assim como contesta

o valor final de custo de um único meio naval, como será o caso do super PA “Gerald

Ford”. Alega que a eventual perda de um navio tão custoso em um conflito armado, o

que seria perfeitamente razoável de se imaginar num campo de batalhas, colocaria

em risco a capacidade de sua substituição por uma outra unidade de mesmo valor,

tendo em vista os elevados custos envolvidos (WISE, 2015). Dessa forma, o autor traz

à luz a discussão de que se esses meios, apesar dos elevadíssimos custos de

construção, ainda apresentam tamanha vulnerabilidade, não seria racional se manter

o seu programa de obtenção, devendo-se, portanto, buscar alternativas mais baratas

e mais eficientes para o cumprimento das tarefas atualmente a ele designadas.

Outro autor consagrado e reconhecido por seu domínio de conhecimento

sobre os meios da USN e seu emprego estratégico, Norman FRIEDMAN, realizou em

sua respeitada obra “Seapower as Strategy: navies and national interests”19, uma

análise profunda do universo do emprego do Poder Naval em apoio aos interesses de

um Estado. FRIEDMAN destaca que muito do que os EUA fazem ou pretendem fazer

além de suas fronteiras depende da influência exercida pelo seu Poder Naval

sustentado em uma base sólida. No seu livro, o autor se propõe a descrever o

emprego do Poder Naval, sob o conceito de uma estratégia marítima, procurando

apresentar a melhor utilização possível que a característica da mobilidade, própria de

uma Força Naval, pode oferecer. Seguem-se suas principais ideias.

Em contraste com o período da Guerra Fria, as ameaças que se seguiram

com o passar do tempo se tornaram difusas e as crises passaram a acontecer

simultânea e aleatoriamente em várias partes do mundo. De acordo com o ponto de

vista de FRIEDMAN, a “dissuasão” funciona como uma das bases estratégicas da

política externa dos EUA, requerendo um Poder Naval com credibilidade e capacidade

de permanência nas áreas onde há uma crise que afete os interesses do Estado norte-

americano (FRIEDMAN, 2001, p.226).

19O termo Seapower do título da obra de FRIEDMAN, tanto poderia ser interpretado como “Poder Marítimo” quanto como “Poder Naval” (que é a expressão militar do Poder Marítimo). Entretanto, tendo em vista a sua

conotação militar ao longo da citada obra, o termo é interpretado como Poder Naval .

Page 22: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

20

Em suas considerações a respeito do emprego de um PA e da Força nucleada

em PA (CSG), FRIEDMAN afirma que “Para a USN, o principal elemento de uma

Esquadra é o CSG, podendo ainda ser apoiado por Grupos de Ação de Superfície

(SAG) e podendo prestar apoio a Grupos Anfíbios Prontos (ARG)”20 (FRIEDMAN,

2001, p.272, tradução nossa). Ao mesmo tempo em que afirma que um CSG é o

coração do Poder Naval dos EUA, o autor demonstra consciência a respeito do custo

que este arranjo de navios representa. Sustenta que “A estratégia [marítima] não

determina o tamanho de uma Esquadra [de um Poder Naval], todavia, a estratégia

molda a configuração desta Esquadra [deste Poder Naval] respeitando o que as

finanças permitem” (FRIEDMAN, 2001, p.271, tradução nossa). Uma interpretação

para esta assertiva, buscando decifrá-la em sua essência, seria a de que a

constituição de um Poder Naval, ou seja, a quantidade e os tipos de navios que uma

Marinha pode dispor, devem respeitar os limites financeiros existentes, pois a

realidade orçamentária se impõe sobre o universo dos desejos; entretanto, a sua

configuração, ou seja, os arranjos sob o qual será organizada para operar no mar,

deverá obedecer estritamente os preceitos idealizadas pela estratégia marítima

estabelecida para o Estado ao qual pertence. Um exemplo citado por FRIEDMAN para

ilustrar seu pensamento se refere ao fenômeno vivido pela USN após o fim da Guerra

Fria. Assim como outras Forças militares, o Poder Naval norte-americano encolheu

naquela ocasião. Ao invés de quinze CSG em operação nos mares, a USN passou a

operar com apenas doze. Entretanto, apesar da redução do número de arranjos de

CSG, a orientação estratégica fundamental para a Força não se alterou, ao contrário,

resistiu e até se intensificou.

No capítulo de sua obra em que FRIEDMAN dedica à conformação de uma

Força Naval, o autor sugere algumas alternativas, a fim de que os custos de operação

e de manutenção desta Força Naval fossem amortizados. Percebe-se que estas

propostas procuram preservar integralmente a constituição do binômio PA versus Ala

Aérea embarcada, o que de fato representa a maior parte do custo de funcionamento

de um CSG. De acordo com o entendimento de FRIEDMAN, uma conclusão parcial

que se pode extrair deste pensamento é de que o que menos vale à pena para a USN

é comprometer os seus PA e aeronaves embarcadas.

20 No capítulo três deste estudo serão apresentados os conceitos de Surface Action Group (SAG) e de

Amphibious Ready Group (ARG).

Page 23: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

21

Assim, cita-se alguns exemplos de alternativas para redução do custo de

operação de uma Força, expressados pelo autor: o primeiro seria a de se reduzir o

número de navios-escolta que compõem um CSG, mas jamais o de se diminuir o

número de aeronaves embarcadas em um PA. Uma segunda alternativa sugerida, que

parece até mesmo contraditória com a sua própria assertiva comentada alguns

parágrafos acima, é a de redução do número de CSG na composição do Poder Naval

norte-americano. O autor comenta que essa medida reduziria sensivelmente os custos

de operação da USN, entretanto, esta alteração poderia provocar prejuízos

estratégicos inaceitáveis, não sendo aconselhável de se adotar. Uma terceira

alternativa sugerida seria a de se investir pesadamente em novas tecnologias, como

a de mísseis e a de eletrônica, de maneira que pudessem ser embarcadas nas

aeronaves que operam a partir dos PA. Dessa forma, essas aeronaves poderiam

dispor de “novas” tecnologias, o que lhes dariam maiores capacidades, podendo,

assim, ser reduzidas em sua quantidade a bordo dos PA, sem comprometer a

eficiência do cumprimento de sua missão. Por fim, a quarta e última alternativa seria

a de se cortar os custos de obtenção de navios, estendendo-se a vida útil daqueles

meios navais atualmente em operação. Entretanto, o próprio autor não vê muitas

vantagens nesta medida. Sua alegação se apoia nos argumentos de que existem dois

parâmetros que devem ser analisados com cautela para se avaliar as vantagens desta

medida. O primeiro se refere ao formato do casco. Novos navios são sempre

concebidos com alterações em sua estrutura hidrodinâmica e nas formas geométricas

de sua superestrutura, que proporcionam uma espécie de “camuflagem

eletromagnética”, conhecida como stealth21, valendo a pena o investimento em

unidades novas. O segundo parâmetro se refere à propulsão. O autor alega que há

uma tendência de que uma nova geração de navios venha a ser projetada com

propulsão elétrica totalmente integrada, alcançando parâmetros de desempenho

comparáveis aos da propulsão nuclear, sem as inconveniências deste último.

Portanto, a última alternativa apresentada, a de estender a vida útil dos navios em

operação, não encontra no autor simpatia pela sua adoção (FRIEDMAN, 2001, p.285).

O quarto autor a ser apresentado é Robert RUBEL, professor do Naval War

College (USN). Como oficial superior, sendo aviador naval da USN, participou de

21 Entende-se por tecnologia stealth a capacidade de camuflagem eletromagnética que a lgumas formas

geométricas e alguns materiais com características de absorção de energia eletromagnética possuem.

Page 24: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

22

algumas importantes campanhas militares como a da Guerra do Yom Kippur (1973) e

da Operação Escudo do Deserto (1990). Durante sua carreira, comandou o

Esquadrão de Aeronaves de Ataque 131, acumulando grande experiência embarcado.

Em seu artigo de 2011 para a Naval War College Review, RUBEL analisa o

papel doutrinário previsto para o emprego do PA e do seu CSG, sob o ponto de vista

da confrontação das capacidades que esta classe de navios detém frente aos novos

desafios do mundo atual e suas perspectivas de evolução. RUBEL reconhece que o

PA goza de elevado prestígio tanto em Marinhas de grande porte e bem estabelecidas

quanto em outras Marinhas em estágio de aprimoramento de capacidades. Da mesma

forma que é reconhecido como uma classe de navios que possui uma estrutura da

mais elevada complexidade, o PA é proporcionalmente dispendioso. Na USN, um

recente estudo aponta que cerca de 46% de todo o esforço de pessoal daquela

Marinha se encontra empregado em proveito do PA e de sua estrutura de

funcionamento (RUBEL, 2011, p.13). Em um momento em que os cortes

orçamentários do setor de defesa atingem a maioria dos países e, também, os EUA,

a discussão a respeito da utilidade de emprego do PA e as justificativas para a

continuidade de investimento neste modelo de arranjo ascendem ao topo da lista de

discussões.

Para efeito de classificação, RUBEL considera que apenas os PA das

categorias CATOBAR, STOBAR e alguns do tipo STOVL, podem ser considerados

como PA, desde que cumpram as tarefas doutrinárias previstas para navios deste tipo.

No desenvolvimento de sua teoria, RUBEL considera que como as doutrinas

de emprego de PA não são divulgadas abertamente pelas Marinhas que os detém,

para que se analise o desempenho dos PA sob essa perspectiva, seria necessário

inferir quais seriam esses papéis doutrinários. Normalmente se utilizam os termos

“Projeção de Poder” e “Controle do Mar” como tarefas doutrinárias aplicáveis aos PA

e seus CSG. Entretanto, o autor julga que esses termos são abrangentes demais para

se extrair conclusões precisas sobre o seu nível de atendimento pelos PA. Para tal,

propõe decompor essas tarefas doutrinárias em seis componentes, as quais serão

brevemente apresentadas e analisadas em seguida (RUBEL, 2011, p.15).

O primeiro papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Olhos da

Força”. No princípio do século passado, quando surgiram os PA, estes eram

normalmente empregados para o transporte das aeronaves que fariam a busca pela

Força Naval inimiga antes que esta pudesse detectar a sua própria. Naquela época,

Page 25: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

23

as aeronaves não possuíam poder combatente e os PA eram posicionados à ré da

direção de avanço da Força Naval, de maneira a não se exporem ao risco do combate.

Não tardou para que as Forças oponentes percebessem que a melhor solução contra

essa medida seria a de replicar o mesmo arranjo, entretanto, armando seus aviões

para o combate, o que tornou possível a elevação de um papel secundário dos PA

para um de maior proeminência.

O segundo papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Cavalaria”.

Segundo o autor, os PA devem possuir a capacidade para se fazer valer da sua

velocidade de deslocamento e de seu poder ofensivo (sua Ala Aérea embarcada)

para, como as armas de cavalaria, atacar o inimigo e retirar-se em velocidade, a fim

de diminuir as atrições decorrentes da manutenção da presença na área do teatro de

operações e, consequentemente, sofrerem menos danos.

O terceiro papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Navio Capital”.

Um Navio Capital desempenha um papel extraordinário para a Força que se encontra

defendendo. Suas armas são capazes de destruir ou anular quaisquer meios de uma

Força oponente. Entretanto, ao assumir o papel de Navio Capital, o PA assume a

necessidade de aumentar sua exposição, passando a elevar abruptamente o seu risco

de operação, o que não acontecia nos papéis doutrinários anteriormente

mencionados. Quando uma nação decide empregar o seu Navio Capital contra um

oponente, colocando-o sob os riscos do combate, é porque conscientemente assumiu

a vontade de conquistar o Domínio do Mar.

O quarto papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Plataforma de

Ataque Nuclear”. Com o surgimento do artefato nuclear, os PA passaram a competir

com a Força Aérea no papel de elementos de dissuasão nuclear. Ao trazer para si

essa tarefa, os PA deveriam agir como no papel doutrinário da Cavalaria, ou seja,

aproximar-se do alvo o suficiente para desfechar um ataque poderoso e, em seguida,

retirar-se do teatro. Entretanto, com o advento das modernas tecnologias de

monitoramento, a sua movimentação nos mares pode ser acompanhada, o que

aumenta sensivelmente seu risco de emprego. Com o surgimento do submarino

nuclear balístico, o qual se vale de sua capacidade de ocultação, esse papel ganhou

um novo competidor.

O quinto papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Aeródromo no

Mar”. Este papel para ser assumido deve-se obedecer a três requisitos táticos, que

são determinantes do grau de risco de emprego do PA neste papel. São eles: 1)

Page 26: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

24

manter a concentração da Força; 2) não restringir a mobilidade da Força a uma área

geográfica; e 3) não engajar decisivamente com Forças de terra, a menos que se

detenha a superioridade do poder combatente. Somente poderá haver a quebra dessa

regra e se deixar de cumprir algum desses requisitos se, e somente se, não houver

oposição inimiga no Mar. Quando ocorre do PA e seu CSG assumirem o papel

doutrinário de Aeródromo no Mar e realizarem uma tarefa estratégica de Projeção de

Poder sobre terra, os requisitos 2 e 3 são provavelmente violados. Quando há a

necessidade tática de se permanecer por longo período para cumprir aquela tarefa,

normalmente o requisito 1 também é infringido. Ocorrendo isso, a regra enunciada é

quebrada e o risco de exposição do PA e de seu CSG aumenta muito. Um exemplo

citado por RUBEL ocorreu na Guerra do Yom Kipur (1973). Os EUA movimentaram

três CSG para o Mar Mediterrâneo para apoiar militarmente as Forças israelenses que

lutavam contra a Força de coalisão árabe. Entretanto, como a ex-União Soviética

movimentou para o mesmo teatro de operações a sua Quinta Frota Naval,

numericamente superior às Forças norte-americanas, esta situação caracterizou a

exceção que impediria os CSG norte-americanos de quebrarem a regra e cumprirem

o papel doutrinário de Aeródromo no Mar, sob a o risco de serem destruídos.

O sexto e último papel doutrinário de emprego de um PA seria o de “Peça do

xadrez geopolítico”. Esse papel surge com a elevação do prestígio dos PA e de seu

poder de combate. Esse papel pode ser assumido pelo Poder Naval devido às

características de liberdade de movimento que os mares possuem. Ao desempenhar

esse papel, o PA e seu CSG precisam mostrar bandeira, ou seja, serem vistos. A

medida que os PA se consagraram como Navios Capitais e emprestaram

extraordinário prestígio às Marinhas que os possuíam em seus inventários de meios,

se verificou a disposição dos Estados em empenharem vultosos recursos na obtenção

e manutenção desta classe de navios, pois ambicionavam poder utilizá-los como Peça

do xadrez geopolítico, em atendimento aos seus interesses estratégicos (RUBEL,

2011, p.18).

Ao encerrar a descrição dos pilares doutrinários que devem iluminar o

emprego dos PA e de seus CSG, RUBEL comenta que a manutenção do Programa

de Construção de PA da USN como forma de se manter o papel de prestígio político-

militar mundial ao poder dispor de onze Peças do xadrez geopolítico sobre o tabuleiro

é na verdade uma armadilha para os EUA. A cada cinco anos é construído um novo

PA pela USN. Todos são construídos num único estaleiro, o qual domina a expertise

Page 27: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

25

do empreendimento. Com o valor investido em um único PA e sua Ala Aérea

embarcada seria possível construir dez submarinos nucleares, ou mesmo vinte

Destroyers22 com capacidade de guiagem de mísseis. A partir do momento em que se

questiona quantos PA a USN deveria ter, o argumento de alguns especialistas é o de

que no caso de haver uma interrupção neste programa, os EUA correriam o risco

estratégico de perder a perícia de sua construção de PA. Para o autor esse raciocínio

é falacioso e não se sustenta. A base do raciocínio que deveria sustentar a decisão

de se continuar com este programa deveria se apoiar no argumento da capacidade

de poder que o PA representa e não na necessidade estratégica e doutrinária de se

dispor de um número determinado de navios desta classe. Atualmente, com a

construção de mais um PA, o “Gerald Ford”, a USN ainda disporá de navios desta

classe por, pelo menos, mais cinquenta anos. Assim, segundo RUBEL, transferiu-se

o valor estratégico desta arma para os operários do estaleiro construtor na Virginia-

EUA, sendo um engano se julgar que todo o futuro estratégico dos EUA dependeria

destes trabalhadores.

Encerrando suas ideias, RUBEL relembra que muitas tarefas colaterais

poderão surgir para o pleno aproveitamento dos PA para além do seu papel

doutrinário. Uma delas é o da participação em Operações Humanitárias, na qual esta

classe de navios parece adequada, tendo em vista todos os recursos próprios que

possui, além da sua independência de qualquer apoio baseado em terra. Entretanto,

comenta o autor, esse não deve ser o elemento orientador para a decisão de se obter

um PA. Ao contrário, deve-se ter a consciência desta decisão baseada na

necessidade de possuir um meio que cumpra todas as seis tarefas doutrinárias

anteriormente apresentadas (RUBEL, 2011, p.19).

Apesar de muitos outros autores estarem presentes nos debates a respeito

da viabilidade e utilidade de emprego do PA e do seu CSG como, por exemplo,

Correntin Brustlein, Hervé Coutau-Bégarie, John Lehman, Henry Holst, Shishir

Upadhyaya e Henry Hendrix, somente para citar alguns renomados, para efeito deste

estudo os quatro autores apresentados já cobrem um largo espectro de pontos de

vista e de argumentações, satisfazendo o propósito deste capítulo.

22 Destroyer é a denominação de uma categoria de navios de superfície de combate empregado comumente

nos CSG e nos SAG da USN, sendo possuidores de elevado poder de fogo, como canhões, mísseis e torpedos.

Page 28: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

26

3 O PORTA-AVIÕES – PA

Para se compreender com maior exatidão do que se trata um PA em sua

essência e de como se organiza uma Força Naval nucleada neste tipo de navio (CSG),

este capítulo procurará detalhar esse assunto, nivelando conhecimento básico para

todas as classes de leitores, especialmente aqueles que não possuem familiarização

com os conceitos de uma Força Naval e de suas características. Por vezes será

necessário se deter em algum conceito de nível operacional, ou até mesmo tático,

desde que seja indispensável para a compreensão do todo. Esta percepção auxiliará

no entendimento de como essa organização de navios, distribuídos em torno de um

navio capital como o PA, possui influência fundamental no desenvolvimento da

estratégia marítima de uma Marinha.

O PA é uma classe de navios que pode transportar e operar aviões de asa

fixa, além de outras aeronaves de asa rotativa, como helicópteros. Em razão de sua

concepção, possui algumas características marcantes como dimensões elevadas;

grande capacidade de carga – sejam aeronaves, combustível, armamento e pessoal;

um amplo convés de voo23; grande autonomia; e capacidade de desenvolver grandes

velocidades, como requisito de operação dos aviões de sua Ala Aérea embarcada.

Possui nos seus aviões a sua verdadeira essência ofensiva. Assim, quanto maior for

a capacidade de acomodação e de embarque de aviões e quanto mais poderosos

forem essas aeronaves, maior será o poder ofensivo do PA, refletindo diretamente no

seu valor militar.

3.1 O PORTA-AVIÕES (PA) E A FORÇA NUCLEADA EM PA (CSG)

Apesar de ser um navio capital e de possuir elevado poder de combate, um

PA não opera sozinho. Em síntese, depende de outros navios para apoiá-lo na

consecução de sua missão (ASSANO, 2010). Essa característica se deve à algumas

vulnerabilidades que possui, especificamente de suas deficiências na capacidade de

defesa antissubmarino (contra ataques de submarinos inimigos), e na sua capacidade

de defesa antiaérea (contra ataques de aeronaves inimigas e de mísseis antinavio,

23 O convés de voo de um PA, conhecido como Convoo, é um convés corrido, de proa à popa, sem interferências, exceto pela superestrutura onde se localiza algumas estações como a Torre de Controle do

Aeródromo. Neste convés as aeronaves são lançadas (decolam) e s ão recolhidas (pousam).

Page 29: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

27

podendo estes últimos serem lançados tanto por aeronaves quanto por outros navios

inimigos – de superfície ou submarinos). Atualmente, há notícia de que mísseis

balísticos antinavio também podem ser lançados por instalações em terra,

aumentando o rol de possibilidades de ataque aos PA24.

Dessa forma, em termos gerais, a fim de se reduzir as citadas fraquezas

inerentes a um PA, são constituídas Forças nucleadas em PA (CSG). Estas forças

não possuem uma constituição rígida e, de forma geral, variam conforme os meios

navais que cada Marinha possui e a missão que lhes é assignada. Entretanto, para

efeito de referência, pode-se exemplificar a constituição de uma típica Força nucleada

em PA como sendo formada por: um ou dois submarinos nucleares de ataque, dois

ou três navios-escolta com capacidade antiaérea, dois ou três navios-escolta com

capacidade antissubmarino, um navio-tanque ou de apoio logístico e, também, da Ala

Aérea embarcada no PA (ASSANO, 2010, p.9). Esta Ala Aérea varia de composição

conforme alguns parâmetros. Fundamentalmente, dois requisitos importam, sendo

eles a capacidade de transporte do PA, intimamente ligada às suas dimensões, e a

capacidade operacional do PA, advinda das características técnicas próprias do navio

que o limitam na operação de alguns tipos de aeronaves.

3.2 A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE UM CSG NA MARINHA DOS EUA

(USN)

Segundo FRIEDMAN, na Marinha dos EUA, atual detentora do maior Poder

Naval do planeta, a organização e o funcionamento de uma Força nucleada em PA se

apresenta conforme descrito a seguir.

Uma das mais poderosas formações navais já concebidas na USN é a da

Força nucleada em PA (CSG). Seu conjunto compreende um PA; navios-escolta

(normalmente contendo dois pares de cruzadores lançadores de mísseis e de um a

dois submarinos nucleares de ataque); e um navio de apoio logístico (para permitir o

reabastecimento de itens diversos, como combustível de aviação, munição, víveres,

etc.). Outros arranjos de Força que também merecem um breve comentário e que,

quando concebidos, recebem denominações próprias são os Grupo de Ação de

24 No capítulo cinco deste estudo o assunto que trata sobre a ameaça de mísseis antinavio provenientes de

bases em terra será explorado com maior profundidade.

Page 30: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

28

Superfície (SAG), Grupo Anfíbio Pronto (ARG) e Grupo de Ataque Expedicionário

(ESG).

Com o advento dos mísseis balísticos da família Tomahawk, combinado com

o desenvolvimento do “super” sistema de Defesa Antiaérea embarcado em navios de

combate de superfície, conhecido por Aegis, e, além disso, fruto das limitações

orçamentárias que impediam a criação de um número sem fim de CSG, foram

concebidos os Grupos de Ação de Superfície (SAG). Este arranjo de navios de

superfície, basicamente formado por um CSG subtraído do seu PA e de sua Ala Aérea

embarcada, tem muitos empregos, mas não serve como alternativa para a Projeção

de Poder sobre terra. Portanto, não equivale a um CSG. As seguintes razões justificam

a assertiva: não possui a mesma capacidade de sustentação logística de ataque (por

sua limitação de munição); não possui o peso da presença que um PA significa na

composição de um CSG (prestígio político e militar) e; possui limitações de suas

capacidades de ataque a alvos em terra. Assim, não alcança a superioridade aérea

necessária à execução de uma operação de Projeção de Poder (FRIEDMAN, 2001,

p.259).

O Grupo Anfíbio Pronto (ARG) é um arranjo de meios para o transporte e

projeção de uma Força Anfíbia para a tomada de um território hostil. Possui diversos

meios navais, incluindo os Navios-Multipropósitos, como os LHA e os LHD25 que,

apesar de se assemelharem a um PA, não o são. O ARG, por não possuir a

capacidade de conquista da superioridade aérea local, além de suas vulnerabilidades

quanto às ameaças submarina e aérea, necessita da proteção fornecida por um CSG

durante seu trajeto e, especialmente, na realização do desembarque anfíbio

(FRIEDMAN, 2001, p.266). Quando se concentram um CSG e um ARG, forma-se a

concepção do arranjo mais poderoso de todos, o chamado Grupo de Ataque

Expedicionário, conhecido em inglês por Expeditionary Strike Group (ESG).

Na USN, de forma a se promover a máxima integração entre os navios

componentes de uma Força nucleada em PA (CSG), esta Força terá sempre uma

única e permanente configuração de Comando e será sempre constituída pelos

mesmos navios. Além disso, na USN foi concebida a constituição de um ARG para

cada CSG existente, que operam sempre como um par casado. Este conceito rígido

25 LHA e LHD são tipos de navios com amplo convés de voo, que se assemelham a um PA de pequeno porte, mas que se destinam basicamente a transportar e lançar as Unidades Anfíbias Expedicionárias (Marine

Expeditionary Unit - MEU). Não são considerados PA.

Page 31: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

29

deriva da experiência acumulada por muitos anos pela USN, respeitando os elevados

requisitos de Comando e Controle exigidos para a complexidade das operações

inerentes a este tipo de Força, assim como das rápidas evoluções nesses requisitos.

As poderosas e robustas capacidades ofensiva e defensiva de uma Força

nucleada em PA lhe conferem elevada autonomia e independência, de tal sorte que

dispensam o apoio de outras forças para o cumprimento de sua missão. Suas

unidades componentes provêm apoio mútuo. Os submarinos nucleares desta Força,

dotados de mísseis antinavio de longo alcance, são capazes de desenvolver altas

velocidades que, taticamente, lhes dão liberdade de manobra. Além disso, são

detentores da capacidade de ocultação, podendo, assim, se aproximarem da força

oponente sem serem notados, e a partir de qualquer direção. São normalmente

posicionados à frente do rumo de avanço do dispositivo de navios, a fim de realizar a

varredura da área, sendo, geralmente, armados com mísseis de ataque a alvos de

terra do tipo Tomahawk. Dessa forma, mantêm o fator surpresa e a iniciativa das

ações para si. Apesar do seu extraordinário poder ofensivo, algumas características

dos submarinos devem ser levadas em consideração na designação de suas missões.

O submarino, apesar de ter a ocultação como a sua maior virtude, é justamente esta

propriedade que o impede de realizar uma ação de presença, deixando uma lacuna

quando o interesse estratégico do Estado é o de mostrar-se em uma determinada

posição (FRIEDMAN, 2001, p.261) (COUTAU-BÉGARIE, 1990, p.98). Para citar um

exemplo dessa “limitação”, na Guerra das Malvinas, em 1982, foi necessário o

afundamento do Cruzador “Belgrano”, da Armada Argentina, por um torpedo lançado

pelo Submarino Nuclear “Conqueror”, da Royal Navy26, para que o efeito de dissuasão

da sua presença no teatro de operações fosse verdadeiramente reconhecido pela

Argentina. A partir daquele episódio, os navios de superfície de combate argentinos,

incluindo-se o seu PA, foram paralisados, permanecendo atracados para não serem

afundados.

As aeronaves componentes da Ala Aérea embarcada de um PA possuem

elevado raio de ação, além do seu armamento possuir um elevado alcance. A soma

desses dois fatores geralmente permite que estas aeronaves desfechem ataque sobre

o oponente além do alcance de suas capacidades defensivas, o que lhes garante a

ofensiva (HENDRIX, 2013, p.8). Entretanto, cabe lembrar que o surgimento de novas

26 Entende-se por Royal Navy a Marinha do Reino Unido.

Page 32: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

30

tecnologias no âmbito dos mísseis A2/AD e a perspectiva de seu desenvolvimento

desafiam esse trunfo.

Os navios-escolta de superfície componentes desta Força, possuidores de

sistemas de armas antiaérea de elevado desempenho, se encarregam de engajar e

destruir os mísseis e demais armamentos eventualmente lançados pela aviação de

ataque oponente, liberando a aviação embarcada no PA para se ocuparem,

exclusivamente, do combate aéreo, buscando destruir a aviação aérea oponente no

solo ou no ar. O PA também é o único meio capaz de lançar as aeronaves de alarme

antecipado aerotransportado (AEW)27, cuja função é a de se posicionar

favoravelmente no entorno do CSG, a fim de detectar com grande antecedência as

unidades da Força oponente, permitindo o lançamento das vagas de aeronaves de

ataque antes que o oponente tome a iniciativa das ações. Dessa forma, a partir de

todos esses dispositivos de defesa e de ataque, a Força nucleada em PA encontra-se

capacitada a alcançar a superioridade aérea local, um dos requisitos táticos

fundamentais para se exercer o Controle do Mar, Projetar Poder sobre terra, ou Apoiar

as operações de desembarque anfíbio de um ARG (FRIEDMAN, 2001, p.257).

Durante o período da Guerra Fria os PA norte-americanos recebiam até cinco

esquadrões de aeronaves de caça e ataque, os F-14 Tomcat. Cada esquadrão

possuía quinze aeronaves. Com o advento da tecnologia, as aeronaves receberam

novas capacidades resultando em notável evolução, especialmente na área de

eletrônica embarcada, o que permitiu que uma mesma aeronave pudesse ser

configurada tanto para caça28 quanto para ataque (F/A)29, como é o caso dos F/A-18

Hornet. Dessa forma, a quantidade de esquadrões embarcados pode ser reduzida de

cinco para quatro e a quantidade de aeronaves por esquadrão também diminuiu de

quinze para apenas doze. Com isso, o número total de aeronaves embarcadas sofreu

redução30. Uma outra consequência direta da evolução tecnológica das aeronaves e

dos PA se evidencia na elevação da capacidade de sortidas31. Essa evolução, somada

27 “Alarme Antecipado Aerotransportado” é conhecida em inglês como Airborne Early Warning (AEW) 28 Na MB a missão de ataque a outra aeronave em voo é denominada de “interceptação”. Neste estudo se

empregará o termo “caça”, mais genérico, com a mesma finalidade. 29 Em inglês a abreviatura F/A (Fighter/Attack) significa que a aeronave tanto pode ser empregada no combate aéreo contra uma outra aeronave, recebendo a denominação aeronave de caça (F), como pode ser empregada

para ataque ao solo ou à navios , recebendo a denominação aeronave de ataque (A). 30 Apesar de menos numerosa, a Ala Aérea embarcada num PA na atualidade é mais cara que antes, pois as aeronaves mais modernas são individualmente muito mais custosas. 31 A restrição do número de sortidas resulta de limitações tanto do PA quanto das próprias aeronaves. No PA se

deve à capacidade de reabastecimento e de rearmamento da aeronave embarcada, assim como a capacidade

Page 33: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

31

ao desenvolvimento da precisão da pontaria e do alcance do armamento lançado

pelas aeronaves embarcadas incrementa ainda mais a capacidade ofensiva dos PA.

Um outro fator que também interfere na capacidade de sortidas das aeronaves é a

tancagem32 de combustível de aviação existente no PA. Quanto maior for essa

capacidade, menor será a dependência de reabastecimento no mar por parte do PA

(FRIEDMAN, 2001, p.257). Como conclusão parcial, pode-se deduzir que, apesar da

gradual redução do número de aeronaves embarcadas nos mais modernos PA, o

poder combatente destas aeronaves em comparação ao de gerações anteriores é

significativamente superior, alavancando ainda mais a eficiência da combinação do

binômio PA versus Ala Aérea embarcada.

A capacidade de embarque de aeronaves em um PA depende de alguns

fatores. As aeronaves que operam embarcadas possuem uma estrutura reforçada e

algumas características as distinguem das aeronaves que operam exclusivamente a

partir de aeródromos de terra. Uma dessas características é a capacidade de

dobradura de suas asas, de forma a ocuparem menos espaço quando estacionadas.

Da mesma forma, as dimensões do convés de voo influem diretamente na capacidade

de recebimento e transporte de aeronaves (FRIEDMAN, 2001, p.258).

Dessa forma, a partir do estudo da organização e funcionamento de um CSG

na USN, depreendidas de todas as características apresentadas, é possível concluir

que a Força Nucleada em PA possui capacidade de operação praticamente

autossuficiente, o que a posiciona com elevado destaque sobre todos os outros

arranjos de formação de navios. Uma outra característica muito evidente do PA e de

seu CSG é a sua vocação ofensiva. Seu rendimento em combate parece estar

diretamente ligado à sua forma de emprego. Ao se empregar o CSG com uma postura

ofensiva, é possível oferecer ao PA toda a liberdade de ação para utilizar o seu poder

combatente. Do contrário, corre-se o risco de subutilizar o seu potencial, colocando-

se em risco a sua segurança. Entretanto, há que se considerar que este conceito, ou

doutrina de emprego, foi desenvolvido há alguns anos e que as ameaças surgidas

mais recentemente podem desafiar as atuais capacidades de um CSG.

de efetuar seguidos lançamento pelos sistemas de suas catapultas. Estas restrições técnicas influem diretamente na capacidade de desempenho do binômio. 32 O termo “tancagem” é empregado na Marinha do Brasil e se refere ao volume de c ombustível que pode ser

armazenado em um PA, ou mesmo outro navio que opere com aeronaves.

Page 34: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

32

4 A CONCEPÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA E O EMPREGO DO PODER

NAVAL POR UM ESTADO

Este capítulo procura reunir diferentes aspectos sobre a concepção de uma

Estratégia Marítima voltada para um Estado que possui interesses no Mar. Esses

interesses podem se limitar ao seu litoral ou, do contrário, se estender muito além

dessa fronteira, alcançando nos oceanos o elemento de ligação que permite acesso

livre a dimensões globais. É interessante observar que os exércitos se mantém

limitados às fronteiras terrestres de um Estado. As Forças Aéreas atuam conforme o

raio de ação de suas aeronaves, podendo até ultrapassar a fronteira de soberania

aeroespacial do Estado. Entretanto, não possuem a capacidade de permanência para

além de suas bases fixas no território. Por outro lado, as Marinhas sempre foram

forças expedicionárias. Servem para mostrar bandeira, para sinalizar a presença do

Estado numa determinada região do planeta, para representar o interesse genuíno de

uma nação em uma porção dos mares, seja lá onde se encontre.

Uma Estratégia Marítima se fundamenta na importância que um Estado atribui

ao emprego do seu Poder Naval para representá-lo onde e quando melhor assegure

os seus interesses. Para tal, este Estado necessita adquirir a consciência do valor

desta ferramenta de poder, destinando-lhe recursos adequados, a fim de que o seu

Poder Naval adquira as capacidades necessárias para se impor aos oponentes que

contrariem os interesses do seu Estado-Nação. Dessa forma se constrói as bases de

uma verdadeira concepção estratégica marítima.

No Brasil diversos documentos normativos de alto nível definem as

orientações político-estratégicas a serem seguidas pela expressão militar do Poder

Nacional. A MB desenvolve suas capacidades em conformidade com essas

orientações. No Anexo A deste estudo se detalham as normas vigentes no Marco

Legal do Brasil, além de se relatar uma síntese da experiência brasileira na condução

de seus PA ao longo de mais de meia década de história.

O ponto de vista de FRIEDMAN sobre o emprego do Poder Naval em

subordinação a uma estratégia marítima quase que pode ser sintetizado pela assertiva

que encerra o último parágrafo de sua obra, “Em geral, a estratégia dita as razões

pelas quais os navios se prestam, o quão distantes devem operar afastados de suas

águas e por quanto tempo devem permanecer junto a costa de outros países”

(FRIEDMAN, 2001, p.285, tradução nossa).

Page 35: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

33

Nos próximos parágrafos serão levantados aspectos importantes que

constituem os alicerces que sustentam um Poder Naval, procurando destacar o papel

do PA e da Força nucleada em PA neste contexto.

4.1 VIGILÂNCIA MARÍTIMA

Um fato inquestionável é o de que detectar e identificar navios de superfície

navegando na vastidão dos oceanos é uma tarefa bastante trabalhosa e difícil de se

realizar. Com o advento das aeronaves na execução da busca e da patrulha marítima

essa dificuldade se abrandou, mas não cessou. De fato, a fase de identificação torna

a patrulha marítima mais demorada e não garante que a identificação positiva da

embarcação de superfície seja descoberta (FRIEDMAN, 2001). Atualmente, com o

surgimento de novas tecnologias, como a de radares com capacidade de abertura

sintética34, que podem ser instalados em aeronaves que operam a partir de terra ou

de navios, aumentou a capacidade de identificação de alvos na superfície. É

interessante observar que mesmo com a utilização de satélites espaciais para a tarefa

de identificação de embarcações de superfície, a dificuldade não se suavizou.

A USN ao longo das últimas décadas desenvolveu um sistema de vigilância

marítima de desempenho muito superior ao de outras Marinhas apoiado no conceito

do trinômio que une: uma grande quantidade de sensores de alto desempenho

(distribuídos ao longo da costa, embarcados em navios e aeronaves e espalhados

pelo espaço em uma rede de satélites); centros de compilação de dados (localizados

no continente, constituindo um poderoso sistema de processamento); e um confiável

sistema de comunicação satelital (protegido contra violações e de uso estritamente

militar). Com este aparato, foi possível conectar os navios em operação no mar aos

poderosos bancos de dados localizados em terra firme. Dessa forma, a Força Naval

foi dotada de uma insuperável capacidade de vigilância marítima e de consciência

situacional da área de operações.

Prosseguindo um pouco mais na exploração dessa vantagem comparativa, os

navios da USN dotados de mísseis antinavio de longo alcance passaram, então, a ter

melhor desempenho na guerra, muito acima do desempenho daqueles navios de

34 Os novos radares de abertura sintética, conhecidos em inglês por Synthetic Aperture Radar (SAR), permitem obter dados que vão além do tradicional “contato” radar, podendo -se explorar a silhueta do alvo e outras

características, que permitem auxiliar na sua identificação.

Page 36: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

34

outras Marinhas com sistemas de mísseis até mesmo equivalentes, mas que, todavia,

não possuíam a mesma rede de vigilância em seu apoio (FRIEDMAN, 2001, p.80).

Numa análise inicial, pode-se deduzir que o puro e simples aparelhamento de

uma potência militar-naval com sistemas de armas de alto desempenho, como mísseis

antinavio de longo alcance, instalados na costa ou transportados por Forças Navais e

Aeronavais, não garantem a sua plena utilização se não houver uma compatível e

poderosa rede de vigilância e de inteligência em apoio à operação daquela Força

Naval no mar.

Uma das formas de se ampliar a capacidade de vigilância marítima sem

depender da existência de uma rede de monitoramento com base em vigilância e

comunicação satelital se dá por intermédio do emprego da aviação de patrulha

embarcada em um PA. Esse foi o raciocínio e o argumento utilizado pela Royal Navy

para defender a continuidade de seu programa de construção de PA. Segundo

FRIEDMAN, referindo-se à Royal Navy:

“Para defender este projeto a Marinha [do Reino Unido] estimou o prejuízo que teria se possuísse uma Esquadra sem a existência de um PA. Aeronaves de patrulha embarcadas em PA

poderiam detectar alvos a algumas centenas de milhas à frente [da Força Naval] e direcionar as aeronaves de ataque também embarcadas. A [partir desse preceito a] Royal Navy poderia

desenvolver navios lançadores de mísseis compatíveis com este alcance. Entretanto, ainda assim as aeronaves seriam necessárias para a detecção dos alvos” (FRIEDMAN, 2001, p.81

– tradução nossa).

4.2 O CONTROLE DO MAR E A PROJEÇÃO DE PODER

Analisando-se os diversos níveis de capacidade do Poder Naval de uma

nação, segundo FRIEDMAN, pode-se classificar as diferentes Marinhas existentes no

mundo em duas categorias básicas: a primeira, detentora de capacidades que lhes

dão um mais elevado grau de liberdade e poder de ação, como é o caso da USN, é

normalmente descrita como uma “Marinha de Projeção de Poder” ou uma “Marinha

de Controle do Mar”. A segunda categoria, identificada com algumas debilidades nas

capacidades do seu Poder Naval, é vista como uma “Marinha de negação do uso do

Mar”, pois costuma concentrar seus esforços exclusivamente em prevenir que outros

não utilizem o espaço marítimo que tenta dominar, normalmente adjacente ao seu

litoral. Nota-se que, ao negar o uso daquela porção marítima ao oponente, não

conquista para si próprio o seu uso seguro, constituindo um grau de controle inferior

Page 37: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

35

ao do “Controle do Mar” (BRASIL, 2014, p. 1-8). FRIEDMAN esclarece, ainda, que

Projetar Poder se refere à capacidade de atacar alvos em terra e que Controlar o Mar

é a capacidade de conquistar e manter o uso de uma área marítima, a despeito do

interesse contrário de uma Força oponente (FRIEDMAN, 2001, p.82). Para

PERTUSIO, Controlar o Mar significa “operar em um espaço marítimo com certa

liberdade de ação, mas de modo algum com total segurança; a ameaça nunca poderá

ser descartada por completo” (PERTUSIO, 2005, p. 71 – tradução nossa).

Durante a época da Guerra Fria, os PA norte-americanos, em conjunto com

seus navios-escolta, atuaram como elementos de “Projeção de Poder”, pois as suas

aeronaves poderiam bombardear o território soviético. Mais especificamente,

poderiam conter e destruir a aviação soviética proveniente de suas bases em terra,

em caso de ataque desta última às forças navais norte-americanas. Prosseguindo um

pouco além, os navios de combate da OTAN, como Fragatas e Cruzadores, foram

reconhecidos como navios de “Controle do Mar” (SCS)35, pois conseguiam garantir a

segurança das Linhas de Comunicação Marítima (LCM) de interesse, a despeito da

ameaça soviética nos oceanos. Com o fim do conflito no Vietnã, quando os interesses

norte-americanos foram duramente criticados pela sua sociedade, houve uma extensa

discussão nos EUA em torno da necessidade de manutenção das Forças nucleadas

em PA (CSG), cujos custos de manutenção eram elevadíssimos. O argumento inicial

era de que os SCS seriam suficientes para conter as forças soviéticas, dispensando,

assim, a presença e, até mesmo, a existência dos PA. Entretanto, como conclusão

das intensas discussões, essa ideia foi derrotada. Chegou-se ao consenso de que,

sob um ataque aéreo soviético com aeronaves baseadas em terra e dotadas de

mísseis antinavio sobre uma Força Naval norte-americana desprovida do poder

ofensivo correspondente ao da Ala Aérea embarcada em um PA, os SCS seriam

capazes, apenas, de resistir aos primeiros ataques, tendo, em algum momento, suas

capacidades de defesa e de munição saturadas e esgotadas pelo contínuo ataque e

rearmamento das aeronaves soviéticas. Somente o poder aéreo baseado nos PA

seria capaz de anular o poder aéreo oponente, destruindo-o antes do esgotamento da

capacidade defensiva da Força Naval.

35 Navios reconhecidos como de Controle do Mar são conhecidos na literatur a específica em inglês como Sea

Control Ships (SCS).

Page 38: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

36

Naquela ocasião, a Ala Aérea norte-americana era composta por esquadrões

de aeronaves F-14 Tomcats. Essas aeronaves tanto desempenhavam papel de

proteção do PA, ocupando a camada mais externa do sistema defensivo da Força

nucleada em PA (CSG), como compunham o seu braço ofensivo de maior alcance,

encarregadas de atacar as aeronaves inimigas em voo ou no solo. Para potencializar

seu desempenho, a USN passou a dotar as Forças nucleadas em PA (CSG) com

navios-escolta armados com sistemas de defesa antiaérea de elevado desempenho,

denominado sistema Aegis. Dessa forma, esses navios passaram a se encarregar de

defender a Força Naval dos mísseis antinavio lançados pelas aeronaves inimigas,

liberando os F-14 Tomcat embarcados nos PA exclusivamente para atacarem a

aviação inimiga, tornando o sistema sinérgico e mais eficiente. Como afirma

FRIEDMAN, “... o PA era seguramente o único elemento da força capaz de lidar com

os bombardeiros [soviéticos]” (FRIEDMAN, 2001, p.82 – tradução nossa).

Segundo FRIEDMAN, a estratégia norte-americana naquela ocasião, ao

designar Forças nucleadas em PA para se aproximarem da direção de potenciais

alvos soviéticos, era a de incitar a Marinha soviética para que esta partisse para a

ofensiva, buscando duelar o que a USN acreditava poder ser a “batalha decisiva”.

Cabe atentar que essa estratégia somente é adotada por aquela Força que se julga

superior à oponente em poder de combate.

A escolha pelo emprego do modelo baseado em Força nucleada em PA

durante a Guerra Fria foi absolutamente consciente por parte da USN. A vantagem

residia no fato de que o poder ofensivo representado pelos PA tanto servia para

projetar poder contra as forças soviéticas, como para lidar com outras crises ao redor

do mundo. Assim, afirma FRIEDMAN, “controle do mar e projeção de poder podem

ser dois lados da mesma moeda” (FRIEDMAN, 2001, p.83 – tradução nossa).

4.3 A ESQUADRA PRINCIPAL E A ESQUADRA EM POTÊNCIA

Um conceito estratégico importante é o de Esquadra Principal e o de Esquadra

em Potência. Esse conceito fica evidente quando duas forças navais que se enfrentam

possuem uma franca desigualdade em termos de capacidade ofensiva. Contudo, a

Esquadra em Potência, apesar de ser reconhecidamente inferior à adversária, é

suficientemente poderosa para causar danos e grandes preocupações à Esquadra

Principal. Para destruí-la, a Esquadra Principal deverá realizar grande esforço.

Page 39: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

37

Entretanto, se decidir somente neutralizá-la, muitos e importantes meios navais da

Esquadra Principal ficarão impedidos de serem empregados em outras missões ou

teatros de operação, pois estarão aferrados à Esquadra em Potência (PERTUSIO,

2005, p. 97).

A USN, que se organizou em torno de Forças nucleadas em PA durante a

Guerra Fria, claramente representava a Esquadra Principal, enquanto que a Marinha

soviética desempenhava o papel de Esquadra em Potência, sendo baseada na

combinação de três elementos distintos: aeronaves baseadas em terra dotadas de

mísseis antinavio, navios de combate de superfície e submarinos. Observa-se que

naquela época não existiam PA na Marinha soviética. Esta situação não trazia

vantagens para a USN, pois essa assimetria entre o Poder Naval dos oponentes

imobilizava relativamente a Esquadra norte-americana, a qual tentava romper com

essa situação forçando a confrontação com a Força Naval soviética em uma “Batalha

Decisiva”, como anteriormente comentado.

Da mesma forma que ocorria na Guerra Fria, este conceito estratégico

permanece válido para os dias de hoje. A Esquadra Principal procurará confrontar a

Força Naval oponente, inferior em capacidades, o quanto antes, numa Batalha

Decisiva. Uma Esquadra Principal em confronto com uma outra Força de reconhecida

inferioridade ofensiva, tanto poderá Projetar Poder como poderá lutar para obter o

Controle do Mar (FRIEDMAN, 2001, p.90). Entretanto, ao possuir esta Esquadra

Principal uma Força Naval nucleada em PA, seria mais vantajoso para esta optar pela

Projeção de Poder, abreviando a conquista do “Domínio do Mar”, liberando assim a

Esquadra Principal da imobilização causada pela Esquadra em Potência.

4.4 ESTRATÉGIA MARÍTIMA EMPREGANDO O PODER NAVAL

Um Poder Naval ou uma Estratégia Marítima se baseiam na capacidade

dominante de movimentação rápida e contundente de uma expressiva Força Naval

para a área de interesse estratégico, normalmente próximo à região em que se localiza

a crise. Movimentar pesadas forças sobre os mares é muito mais fácil e efetivo do que

fazê-lo sobre terra ou pelo ar. Movimentar uma base aérea completa, com todos os

seus aviões e helicópteros, além de todo o pessoal necessário para colocá-la em

funcionamento, é o que fazem rotineiramente os PA (FRIEDMAN, 2001, p.227).

Page 40: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

38

Para se obter a liberdade de movimento no deslocamento de forças de

maneira dominante e segura é necessário algo mais do que a ação inicial de negar o

uso da área marítima de interesse ao oponente. Segundo FRIEDMAN, à combinação

da liberdade de manobra com a negação do uso do mar ao inimigo é conhecida como

“Controle do Mar”, um grau de controle mais elevado que a simples “Negação do uso

do Mar” e que exige maiores capacidades.

O “Domínio do Mar” ou o domínio de uma área marítima, conceito largamente

difundido pelo célebre estratego norte-americano, Alfred T. Mahan36, exige de uma

Força Naval a capacidade para exercer o “Controle do Mar”, o que implica em esforço

para remover barreiras impostas pelo inimigo, que representam antagonismos aos

interesses do Estado. Em alguns casos, pode até exigir a capacidade de exercer

pressão sobre o oponente, atingindo-o no que considera mais valioso, seu território e,

consequentemente, seu povo. Assim, o Poder Naval dotado da capacidade de projetar

poder sobre o território inimigo caracteriza a expressão máxima de influência e poder,

mesmo que este não venha a exercer de fato as ações de projeção acima mencionada

(FRIEDMAN, 2001, p.228).

Neste aspecto reside o inestimável valor de um Poder Naval, ou seja, a sua

capacidade de exercer influência sobre uma outra Força, sem que nem mesmo

precise fazer uso explícito de sua força. Graças às suas características de mobilidade

e permanência, o Poder Naval pode estar presente onde melhor lhe convier, sem

depender da permissão de qualquer outro ator internacional, proporcionando ampla

liberdade de emprego ao poder político do Estado ao qual pertence, fazendo valer os

preceitos da política externa da nação que detém a posse desta valiosa ferramenta

de influência (FRIEDMAN, 2001, p.228).

Segundo FRIEDMAN, “a história tem mostrado que o Poder Naval geralmente

requer uma coalisão com parceiros com orientação baseada no território, a fim de se

alcançar resultados decisivos” (FRIEDMAN, 2001, p.228 - tradução nossa). Isso

significa que uma Marinha com Poder Naval forte exerce elevado poder de atração e

influência sobre outras nações na consolidação de alianças político-estratégicas e

36 Alfred Thayer Mahan (1840-1914) foi um oficial da USN que se notabilizou pelas suas ideias que influenciaram muitas Marinhas durante o Século XX, em especial a própria USN. Sua obra mais famosa, The

Influence of Seapower on History, 1660-1783, publicado em 1890, apresenta conceitos de emprego do Poder Naval como uma ferramenta para a consecução de uma estratégia marítima em apoio à Política Externa, e desencadeou a formação de Marinhas de grande porte, a fim de se habilitarem a alcançar um dos seus conceitos fundamentais, o “Domínio do Mar”. (Disponível em: <http://global.britannica.com/biography/Alfred-

Thayer-Mahan>. Acesso em: 19 jul 2015).

Page 41: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

39

militares. Essas alianças terão maior valor estratégico quanto mais se reunirem

benefícios provenientes dos Estados aliados. Pode-se citar, como exemplo de

benefícios oriundos dessas alianças, a disponibilidade de posições estratégicas no

território aliado para instalação de bases para apoio, especialmente se a Força Naval

estiver atuando em áreas distantes de seu porto sede. Trata-se, portanto, de um papel

político significativo do Poder Naval, decorrente da condição de domínio de um poder

militar-naval influente, reconhecido pelos demais Estados daquela coalisão. Essa

característica contribui diretamente com os interesses político-estratégicos daquela

nação que optou pela consecução de uma Estratégia Marítima, decidindo investir seus

recursos no fortalecimento de seu Poder Naval.

O surgimento de uma ameaça aos interesses de um Estado pacífico pode se

configurar de forma muito rápida no tempo, não podendo ser enfrentado sem uma

adequada e antecipada preparação do seu Poder Naval, o que requer sempre atenção

e cuidadosos investimentos. A agilidade característica do Poder Naval, a sua

capacidade de mobilidade nos mares e o seu poder de permanência na área de

operações poderão deter temporariamente um oponente de grande porte, na medida

em que contribuirão decisivamente para o alargamento do fator tempo para reação,

necessário para que o Estado ameaçado se mobilize adequadamente para enfrentar

tal oponente. Segundo FRIEDMAN, a capacidade de se opor ao inimigo o mais

afastado possível da costa a se defender implica diretamente na escolha dos tipos de

meios navais que comporão o Poder Naval de um Estado (FRIEDMAN, 2001, p.229).

Esses conceitos se aplicam a todos os Estados que pretendem empregar o

seu Poder Naval em benefício da garantia de seus interesses. Uma estratégia nacional

de orientação marítima requer elevada concentração de esforços na direção do mar.

Ao identificar que uma ameaça externa de significativa expressão somente pode

alcançar o seu território vindo da direção do mar, ou seja, se pelas fronteiras terrestres

não há ameaças configuradas ou esperadas que possam por em risco o território,

aquele Estado pode decidir optar pela constituição de um Poder Naval com

capacidade litorânea, ou por uma estratégia de defesa oceânica. Entretanto, somente

uma Força Naval com orientação oceânica poderá prevenir o Estado de uma invasão

inimiga de seu território, seu mais valioso bem, juntamente com seu povo. Segundo

FRIEDMAN, “Quanto maior a costa, maior o custo de sua defesa. Uma solução

oceânica substitui um sistema de concentração de forças litorâneas; a mobilidade

Page 42: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

40

multiplica [exponencialmente] a sua eficiência” (FRIEDMAN, 2001, p.229 – tradução

nossa).

Uma outra perspectiva interessante levantada por FRIEDMAN é a de que uma

Marinha com uma estratégia marítima orientada para o oceano exige recursos

humanos de elevado nível de conhecimento para bem operar toda a tecnologia

embarcada nos navios que tipicamente integram tal Força. Essa exigência surge,

basicamente, pois a tecnologia embarcada nesses navios encontra-se no estado da

arte (FRIEDMAN, 2001, p.229). Como corolário do raciocínio acima, pode-se deduzir

que um pré-requisito para a constituição de uma Marinha de última geração é a de

que a população de seu Estado-Nação tenha, também, um elevado nível de instrução,

permitindo a captação destes recursos humanos, com o potencial requerido, no seio

da sua própria população. Essa dinâmica exige e estimula o desenvolvimento do setor

de educação de uma nação, ao mesmo tempo em que exige a preparação daquela

Marinha para bem capacitar o seu pessoal.

FRIEDMAN também chama a atenção quando diz que “Ilhas são candidatas

óbvias para as estratégias marítimas nacionais” (FRIEDMAN, 2001, p.230 – tradução

nossa). Para os casos de países insulares como Japão, Taiwan e Reino Unido, isso é

realmente óbvio. Entretanto, para aqueles países que possuem ilhas oceânicas, ou

seja, arquipélagos muito afastados da costa, como é o caso do Brasil com respeito às

suas diversas ilhas e arquipélagos a mais de 350Km da costa, essa não é uma

percepção tão óbvia para a sociedade, que muitas vezes até mesmo desconhece a

existência dessas formações geográficas.

A perspectiva na qual governos orientam suas estratégias exclusivamente na

direção do interior do território e abandonam a consciência da necessidade de

implantação de uma estratégia marítima é historicamente demonstrada. As pessoas

habitam o território, não os mares. Por mais que o mar represente uma opção de lazer

e entretenimento para a população de um Estado, enxergar a importância e a

necessidade de se manter presença no mar, fora do alcance visual de quem se

encontra na costa, requer um elevado esforço de abstração. Vai contra a direção da

intuição humana. Mesmo Estados que possuem uma Marinha bem estruturada e

dispendiosa costumam se confundir quanto ao papel desta Força. Os Exércitos

costumam achar que o Poder Naval se presta a defender a costa, unicamente

(FRIEDMAN, 2001, p.231).

Page 43: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

41

Neste contexto se inserem os PA. Ao se comparar o poder representado por

aviões baseados em um aeródromo fixo em terra com o poder de uma Ala Aérea

embarcada em um PA, verifica-se que há significativas diferenças. Observa-se que,

mesmo que se desdobrasse a aviação baseada em terra por seguidos aeródromos ao

longo de um território, não seria possível se alcançar o grau de mobilidade e de

profundidade daquele obtido pela aviação embarcada em um PA, especialmente

quando a direção desta projeção é no sentido do mar (FRIEDMAN, 2001, p.231).

Como conclusão de seu pensamento sobre a concepção de uma estratégia

marítima e o emprego do Poder Naval por um Estado, podemos extrair a seguinte

reflexão do raciocínio de FRIEDMAN. O mar e a estratégia marítima que se pretende

aplicar neste espaço marinho podem ser encarados sob duas formas distintas, como

uma “barreira” ou como uma “estrada”. Se a estratégia marítima pretende empregar o

seu Poder Naval para utilizar o mar como uma “barreira” contra ameaças externas,

provavelmente este Poder Naval será utilizado como uma ferramenta para o

isolacionismo daquele Estado. O argumento contrário a esta estratégia de isolamento

é o de que algumas “armas” pertencentes a outros atores internacionais, sejam elas

militares ou até mesmo econômicas, em algum momento conseguirão vencer esta

barreira representada por aquele Poder Naval litorâneo, atingindo o coração da

soberania do Estado, seu território e seu povo. Assim, é mais vantajoso encarar o mar

como uma estrada para o restante do mundo e empregar o Poder Naval para engajar

as ameaças o mais próximo possível de suas bases, ou seja, o mais longe possível

da costa a ser defendida (FRIEDMAN, 2001, p.232).

Como complemento ao tema exposto neste item, no Anexo B a este estudo é

apresentado um panorama do cenário geopolítico abordando o emprego atual do

Poder Naval no Oceano Índico obedecendo a uma estratégia marítima. Baseado no

artigo de UPADHYAYA para a Revista IHS Jane’s Navy International, publicado em

março de 2015, o texto aponta as mudanças na conjuntura internacional, destacando

a concentração de Forças Navais de diferentes Estados, com interesses muitas vezes

antagônicos, disputando influência e poder no teatro marítimo composto pelos Oceano

Índico e Mar da China. A característica que chama a atenção e que interessa a este

estudo é a concentração de um elevado número de PA de diversas nações operando

naquelas águas ao mesmo tempo, destacando a presença mais recente da China e

da Índia, cada qual dispondo de seu PA que compõem seu Poder Naval, além de

outros PA da USN e de algumas Marinhas da OTAN. O autor considera que aquele

Page 44: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

42

cenário poderá ser um respeitado laboratório de ensaio para a confrontação das

capacidades dos PA com as suas ameaças.

4.5 UMA COMPARAÇÃO ENTRE CASOS DISTINTOS DE EMPREGO DO PODER

NAVAL

Neste item se apresentará dois casos históricos envolvendo disputas entre o

Brasil, com seus interesses político-econômicos próprios, e duas nações estrangeiras

distintas, onde ambas gozavam de elevado prestígio e poder de influência, em

especial no campo militar-naval, onde possuíam um Poder Naval expressivo e

reconhecidamente superior ao Brasileiro.

O primeiro caso, a Guerra da Lagosta. Este foi o nome dado ao episódio

ocorrido entre 1962 e 1963, na costa Nordeste do Brasil, envolvendo o Brasil e a

França, que ameaçou significativamente a estabilidade das relações entre as duas

nações, livres e soberanas.

Tudo começou em virtude de uma disputa travada por barcos pesqueiros das

duas nacionalidades pela captura da lagosta na Plataforma Continental Brasileira, na

altura do litoral pernambucano. Após denúncia de que barcos de pesca franceses

estariam pescando lagostas dentro dos limites das Águas Jurisdicionais Brasileiras

(AJB)40, o Governo Brasileiro decidiu intervir e a Marinha do Brasil apreendeu os

barcos de pesca franceses envolvidos na questão. Cabe mencionar que os

pescadores franceses não possuíam autorização para a pesca naquela área e, ainda,

utilizavam métodos industriais de pesca, o que comprometia a pesca desse produto

pelos pescadores nacionais, os quais somente utilizavam o método artesanal de

pesca.

A reação do Governo francês foi enérgica, despachando para o local do litígio

um navio de guerra da Marinha Nacional Francesa (MNF), o Contratorpedeiro “Tartu”.

Além disso, por coincidência ou não, uma Força Naval daquela nação composta por

dez navios de combate, sendo um deles o PA “Clemenceau”, realizava exercícios de

manobras militares na costa oeste da África, em latitudes próximas ao do local do

litígio, no litoral brasileiro.

40 Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) são os espaços marítimos que compreendem a faixa de 200 milhas marítimas contadas a partir das l inhas de base, acrescida das águas sobrejacentes à extensão da Plataforma

Continental além das 200 milhas marítimas, onde ela ocorrer (BRASIL, 2014, p. 1-2).

Page 45: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

43

Segundo afirmou BRAGA, “É importante destacar que aquela Força-Tarefa,

capitaneada pelo Porta-aviões “Clemenceau”, estava operando em uma área tão

próxima do local da crise que poderia atingi-la em dois dias e suas aeronaves de

combate em pouco mais de três horas” (BRAGA, 2004, p.118).

O desdobramento dessa escalada de crise se deu com o pronto envio de uma

Força-Tarefa composta por navios de guerra da Esquadra brasileira. Embora

debilitada em suas condições materiais de conservação dos seus meios navais e,

também, pelo baixíssimo estoque de munição que possuía, provocado pelos

contingenciamentos orçamentários para a manutenção dos navios daquela Força nos

últimos anos, o Brasil ainda pode atuar na ação dissuasória, contribuindo para a

solução da crise no campo político-diplomático (BITTENCOURT in BRAGA, 2004,

p.6).

Para o caso dessa crise, BITTENCOURT vai ainda além, quando pondera se

a deliberada escalada da crise, com o envio do Contratorpedeiro “Tartu” por parte da

França, não teria sido um reflexo da percepção francesa de que o Brasil não seria

capaz de responder militarmente à altura, dada a condição de sucateamento de sua

Esquadra. Como conclusão, afirma que “Essa dissuasão, necessária para

manutenção da paz, resulta da existência de um poder militar suficiente, em respaldo

dos interesses nacionais” (BITTENCOURT in BRAGA, 2004, p.6).

A decisão por parte da Marinha do Brasil de envio de uma Força Naval

significativa não se deu senão pela presença da Esquadra francesa nas proximidades

da região. A existência daquela Força nucleada em PA, o que elevava

exponencialmente seu poder ofensivo, significava, inclusive, uma capacidade de

Projeção de Poder sobre o território brasileiro.

O segundo caso a ser apresentado é conhecido por “Questão Christie”. Neste

outro grave caso também ocorrido na história da política externa brasileira, a

soberania brasileira também foi ameaçada, mas o desfecho foi bem mais desfavorável

para o Brasil que no caso da Guerra da Lagosta. O episódio, ocorrido em 1861 e

somente concluído em 1865, envolvia um navio-cargueiro civil britânico, o “Prince of

Wales”, naufragado após uma tempestade nas proximidade da costa do Albardão, no

litoral no sul do Brasil. Os corpos dos tripulantes mortos foram enterrados pela

população local que os recolheu na praia, tendo aquela mesma população saqueado

a carga encontrada (FROTA, 2000, p.358). A Inglaterra exigiu uma reparação do

Governo brasileiro, representada por uma elevada indenização para cobrir o valor da

Page 46: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

44

carga saqueada. Quando o caso já estava por se resolver diplomaticamente, um

incidente ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1862 mudou o curso das

negociações. Três oficiais ingleses da Fragata “Fort”, da Royal Navy, atracada

naquela cidade foram presos por estarem bêbados, provocando desordem pelas ruas

da cidade, e por desacatarem um soldado, sentinela de um posto policial no Bairro da

Tijuca (FROTA, 2000, p. 358). O representante inglês no Brasil, William Christie, o

mesmo que exigiu as reparações sobre o extravio da carga do navio naufragado,

dessa vez julgou o caso uma afronta à Inglaterra. Recebendo instruções da corte

inglesa, apresentou ultimato ao Brasil exigindo pagamento de valiosa indenização.

Como seu pleito não fora atendido, ordenou ao navio inglês que apresasse cinco

navios mercantes brasileiros, apossando-se de sua carga, como represália e

compensação pelos danos infringidos nos dois casos, e ainda bloqueou o porto do Rio

de Janeiro. O governo brasileiro não teve outra saída e pagou a indenização requerida

ao governo inglês (FROTA, 2000, p.359). De acordo com BITTENCOURT,

praticamente nada pode ser feito além da atuação diplomática, pois o Brasil não

possuía Forças Armadas preparadas que pudessem enfrentar o poderio daquele país

opressor. Assim, concluiu BITTENCOURT, “Foi, portanto, necessário suportar a

humilhação, como o preço que se pagou pela imprevidência de não ter ao menos um

poder naval suficiente para dissuadir o emprego da força que resultou dos exageros

do Ministro Christie”.

Nesses dois exemplos, ainda que separados no tempo por praticamente um

século, podemos constatar dois importantes aspectos. O primeiro é que as situações

de crise podem acontecer inesperadamente, sem nenhum indício prévio que permita

uma preparação adequada. Portanto, ter consciência de que se deve estar preparado

para enfrentar situações desafiadoras a qualquer instante, exige um esforço de

preparação dos recursos de defesa, o que muitas vezes pode parecer dispendioso e

inócuo, entretanto, indispensável para aquele que preza pela sua liberdade e

soberania.

E o segundo aspecto é que a existência de um poder militar crível é essencial

para garantir a defesa dos interesses de um país soberano e livre, permitindo livrá-lo

de situações imprevisíveis de possível jugo estrangeiro. Os resultados obtidos pelo

Brasil frente às duas nações poderosas que o desafiaram na defesa de seus

interesses tiveram desfechos antagônicos. Essa inversão de sinal dos resultados dos

dois casos se deveu basicamente à capacidade de emprego de seu Poder Naval.

Page 47: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

45

5 AMEAÇAS E OPORTUNIDADES AO EMPREGO DO PA

Neste Capítulo serão apresentados os principais e mais recentes aspectos de

um ambiente incerto e desafiador que ameaçam a continuidade da existência do PA

e de seu CSG e, também, as possíveis soluções e oportunidades vislumbradas que

parecem dar um novo ar ao arranjo dos CSG, como uma alternativa viável à

manutenção do poder que uma Força Naval deve dispor para cumprir seu papel numa

estratégia de orientação marítima.

5.1 IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS

Num artigo recente publicado em 2014, Henry HOLST escreveu para o site

“National Interest” um artigo sobre o receio de especialistas em defesa norte-

americanos de que os PA da USN estariam sob ameaça de segurança em suas

operações com o desenvolvimento de novas tecnologias de armamento de longo

alcance por outras nações, como era o caso dos arsenais de mísseis balísticos e de

cruzeiro chineses, DF-21D e YJ-12, respectivamente, reforçando a confirmação e o

potencial da ameaça A2/AD (HOLST, 2014).

Segundo HOLST, a ameaça representada por um CSG da USN tem sido o

pilar da estratégia militar-naval norte-americana nas últimas décadas. O surgimento

da possibilidade de afundamento de um PA componente um CSG da USN por uma

arma proveniente do conceito da ameaça A2/AD representaria a quebra daquele

paradigma. O autor explica que o fundamento do emprego de um CSG é o de mobilizar

o Poder Naval de forma rápida e veloz, a fim de desfechar um ataque por aeronaves

da Ala Aérea embarcada num PA daquele CSG estacionado próximo à costa inimiga,

lançando armamento (bombas e mísseis) sobre os alvos militares do território do

Estado oponente (HOLST, 2014). Tudo isso aconteceria com relativa segurança para

a Ala Aérea embarcada no CSG, pois estaria garantida a superioridade aérea local,

por meio das diversas camadas de defesa aeroespacial implementadas pelos navios-

escolta do CSG e, também, por parte das aeronaves embarcadas no próprio PA.

Entretanto, a partir do momento em que os novos mísseis balísticos antinavio, com

alcance de até 1.500Km (A2), combinados com as armas de defesa antiaérea

baseadas em terra (AD), conseguiriam superar a capacidade defensiva do CSG, a

solução mais segura para o PA e seu CSG seria o de se posicionar fora do alcance

Page 48: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

46

daquela ameaça de mísseis. A primeira consequência que se vislumbra dessa medida

seria a restrição à liberdade de manobra que se imporia ao CSG. Uma outra resultante

recairia sobre a efetividade do ataque proveniente das aeronaves do CSG.

Possivelmente o raio de ação destas aeronaves somado ao alcance do seu

armamento não seriam suficientes para superar todo o afastamento de costa imposto

ao PA pelas armas antiacesso, de maneira a efetivamente atingirem os alvos que se

pretendiam.

O autor também cita Henry HENDRIX, um analista militar respeitado nos EUA,

que julga que os PA são caros demais para o serviço que podem oferecer:

“… o PA equipado com aeronaves de caça e ataque tripuladas é uma forma cada vez mais cara de se fornecer um poder de

fogo e os PA não estarão habilitados a se posicionar perto o bastante dos seus alvos para operarem efetivamente ou sobreviverem numa era de imageamento satélite e de mísseis

de longo alcance de ataque preciso” (HENDRIX in HOLST, 2014 - grifo nosso - tradução nossa).

Cabe destacar que HENDRIX menciona aeronaves “tripuladas”, deixando

uma brecha para futuros debates que proponham o emprego de aeronaves não

tripuladas como um opção tecnológica mais poderosa em relação à atual.

Ainda segundo HOLST, existe nos EUA um complexo jogo de interesses

industriais e comerciais por trás do emprego dos PA e seus CSG, atuando estes

interesses como o cerne da estratégia militar-naval norte-americana. Sua ruptura

significaria elevados prejuízos para este já consolidado setor da base industrial de

defesa, o que contrariaria muitos interesses de grupos poderosos e influentes. Assim,

afirma HOLST, “se os PA estão sendo eclipsados por vários sistemas de armas A2/AD

e estratégias assimétricas, a inércia industrial militar por trás do programa de PA é

uma desvantagem estratégica para os EUA” (HOLST, 2014 – tradução nossa). Além

disso, o autor aponta que a questão também estaria ligada à dogmas consolidados e

existentes e à dificuldade de se quebrar esses paradigmas doutrinários já

consagrados (HOLST, 2014). Estes seriam mais alguns elementos que prejudicariam

uma necessária revisão na forma de se combater os novos desafios que se

apresentam na atualidade e parecem se descortinar para o futuro.

Por fim, o autor reconhece que se há realmente uma ameaça à segurança das

operações navais com o emprego dos PA e de seus CSG, há também que se ter certa

cautela para não se superestimar o grau de letalidade dessa ameaça (HOLST, 2014).

Ainda assim, não se pode deixar de conjecturar que, se o domínio da tecnologia dos

Page 49: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

47

mísseis balísticos de longo alcance não for todavia uma ciência plenamente conhecida

pelos atuais opositores dos EUA, nada garante que em curto espaço de tempo esta

já não estaria plenamente dominada. Isso implica dizer que há que se considerar essa

ameaça como, no mínimo potencial e latente, e se buscar soluções alternativas que

possam superá-la. A resposta mais coerente é sugerida pelo próprio HOLST, que

conclui que o investimento em novas tecnologias e inovações poderá resgatar a

estabilidade das operações de Projeção de Poder, devolvendo o grau de segurança

uma vez já alcançado, o que permitiria que se investisse com menos desconfiança

tanto recurso em pouquíssimos meios, como o PA e seu CSG.

5.2 AS INCERTEZAS DA AMEAÇA A2/AD

Publicado em dezembro de 2013 no periódico “Observatoire da la non

proliferation”, do Ministério da Defesa francês, o artigo de Stéphane DELORY analisa

as incertezas ao redor da possibilidade da real existência e efetividade do míssil

antinavio de longo alcance chinês, denominado DF-21D, que concretiza a ameaça A2,

a maior ameaça na atualidade à continuidade da existência do PA e de seu CSG.

Seguem-se as análises colhidas do mencionado artigo e conclusões.

A dúvida dos especialistas reside na possibilidade da conversão de um míssil

balístico convencional em um míssil balístico antinavio de longo alcance. A fim de se

contrapor à ameaça configurada por um CSG de uma Força Naval inimiga nas

proximidades de sua costa, os chineses anunciaram que desenvolveram um míssil

balístico antinavio a partir de um outro sistema de armas já existente, originalmente

um míssil balístico contra alvos em terra. Este novo sistema de armas, teria sido

testado de 2012 a 2013 sobre um alvo em terra simulando um PA, e já estaria com

sua fase de desenvolvimento concluída, sendo o primeiro lote de 21 mísseis já

encomendado e em fase de instalação em bases estratégicas chinesas. Seu alcance,

ostensivamente divulgado, é de 1.500Km, o que representaria uma séria ameaça à

aproximação dos CSG a um teatro de operações nas águas do Mar da China e do

Oceano Índico, uma vez que os mísseis poderiam ser instalados, até mesmo, fora da

costa chinesa, em alguma ilha, por exemplo.

Os especialistas e engenheiros militares questionam a possibilidade e

probabilidade da China ter desenvolvido tal sistema e, ainda, do mesmo ser realmente

efetivo. Argumentam que um CSG possui mobilidade permanente nos mares, além de

Page 50: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

48

diversos sistemas de autodefesa, inclusive de guerra eletrônica. Supondo que este

míssil antinavio seja teleguiado, para que fosse lançado e atingisse o alvo pré-

determinado o míssil necessitaria receber continuamente dados precisos do

posicionamento do alvo para que pudesse corrigir sua trajetória ao longo do seu voo

de aproximação. Se essa trajetória de voo do míssil for muito longa, muito mais dados

serão necessários tramitar entre a fonte de informações e o míssil, além da

necessidade de se manter perfeita comunicação de dados entre ambos. Segundo

DELORY, apesar de todos os avanços tecnológicos da atualidade, essas dificuldades

ainda são muito grandes para serem superadas pelo conhecimento científico-

tecnológico atual. Portanto, esse é o raciocínio que leva muitos especialistas nessa

área do conhecimento a desconfiarem que a China atualmente não possua o

conhecimento tecnológico necessário para operacionalizar o míssil DF-21D, pelo

menos para o alcance anunciado (1.500Km). Entretanto, ainda que esta não seja uma

tecnologia dominada pela China nos dias de hoje, dificilmente deixará de ser em um

prazo não muito longo, dada a velocidade de avanço das conquistas nesse campo da

ciência.

Seja como for, a divulgação do desenvolvimento desse novo sistema

antiacesso pelos chineses já serviu ao seu propósito inicial, que era o da dissuasão

estratégica. Ao recordarmos o episódio ocorrido em 1996, no qual os EUA deslocaram

um CSG para as proximidades de Taiwan quando se deu a crise entre as “duas

Chinas”, naquela ocasião a China nada pode fazer, pois não possuía um Poder Naval

que ameaçasse a posição norte-americana. Entretanto, num exercício de formulação

hipotética de cenários, nos dias de hoje seria pouco provável que aquele mesmo

movimento por parte dos EUA ocorresse com tamanha liberdade e segurança, em

virtude dos novos elementos incluídos no atualmente intrincado tabuleiro de xadrez

geoestratégico do Mar da China. Os EUA não possuem uma tecnologia desenvolvida,

embarcada em um CSG, que garanta a segurança de sua Força Naval frente a uma

ameaça desta natureza.

Segundo DELORY, como não há provas concretas da efetividade do sistema

DF-21D, não é razoável classificar este dispositivo como um “game changer”.

Entretanto, seguramente é “o anúncio de que um novo modo de conflito emerge,

baseado nos argumentos de que alguns meios poderão lançar um ataque a prazo

muito curto” (DELORY, 2013, tradução nossa).

Page 51: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

49

5.3 OS POSSÍVEIS RUMOS DO PROJETO UCLASS

Marina MALENIC, correspondente da Revista JDW42 em Washington-EUA,

especialista em aviação, analisou o estado atual do programa norte-americano de

desenvolvimento de aeronaves não tripuladas para operação a partir de um PA, e

observou que a USN e o Pentágono se encontram em um dilema sobre qual rumo

adotar neste programa, dependendo de qual venha a ser o principal emprego das

futuras aeronaves não tripuladas, vigilância ou ataque?

O projeto da Aeronave não tripulada para vigilância e ataque lançada por PA

(UCLASS)43 encontra-se em pleno desenvolvimento. Entretanto, em virtude de

algumas incertezas por parte do Pentágono e da própria USN a respeito de qual seria

o principal papel desta nova aeronave, se voltada para vigilância com alguma

capacidade de ataque, ou vice-versa, o projeto se encontra atualmente com

significativos atrasos. O dilema das autoridades norte-americanas pode colocar em

risco o sucesso e a viabilidade do projeto, uma vez que mais atrasos na definição

destes requisitos poderão comprometer sua aplicabilidade, invalidando todo o esforço

despendido até o momento (MALENIC, 2015).

A dúvida reside em determinar precisamente os requisitos de projeto para as

empresas candidatas ao desenvolvimento do modelo, considerando a previsão de que

a versão com prioridade para as capacidades de ataque poderiam alcançar um custo

dez vezes superior ao da aeronave com prioridade para as capacidades de vigilância,

ainda que nesta última versão se conservasse alguma capacidade de ataque. Num

momento em que o orçamento das Forças Armadas norte-americanas tem sido

profundamente contingenciado, essa decisão implica seriamente na capacidade da

USN de arcar com os custos da encomenda que fizer no futuro. Além disso, o tempo

requerido para o desenvolvimento da aeronave não tripulada com prioridade de

capacidades para a versão de ataque deverá ser bem mais longo.

Apesar das incertezas, as notícias do desenvolvimento do projeto do UCLASS

não são tão desanimadoras. Em 2013 a empresa Northrop Grumman realizou testes

na costa Leste dos EUA, com seu modelo stealth X-47B, a bordo do PA “George H.

W. Bush”, da USN, onde a aeronave pousou e foi lançada por catapulta como se fosse

42 A sigla JDW corresponde a Jane’s Defence Weekly, semanário Britânico especializado em Defesa. 43 UCLASS é a sigla em inglês para “Unmanned Carrier Launched Surveillance and Strike” Aircraft, que significa

Aeronave não tripulada para vigilância e ataque lançada por PA.

Page 52: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

50

um caça tripulado. Em 2015, o mesmo protótipo realizou seu primeiro reabastecimento

em voo, tendo recebido combustível real de uma aeronave K-707. Todas essas

operações foram realizadas sem tripulante. Ao que tudo indica, o desenvolvimento

deste modelo de aeronave poderá concretizar as expectativas dos estrategistas norte-

americanos de se construir uma arma, lançada a partir de um CSG, poderosa o

suficiente para superar o ambiente hostil às operações aéreas, decorrente do

surgimento das ameaças configuradas por Antiacesso e Negação de Área (A2/AD).

Um outro desafio que se encontra pela frente para a USN, independente da escolha

a ser tomada com relação às capacidades que o novo modelo de aeronave não

tripulada poderá ser dotada, será a de integrar operacionalmente o futuro UCLASS às

demais aeronaves da Ala Aérea embarcada em um PA. Essa novidade implicará,

certamente, na necessidade de desenvolvimento de novas doutrinas e procedimentos

operacionais.

Alguns especialistas já arriscam dizer que num ambiente hostil de A2/AD, a

complementaridade das capacidades inerentes aos F/A-18 Tomcat, JSF F-35C e

UCLASS parecem se encaixar equilibradamente, resultando num conjunto perfeito e

muito mais poderoso, quando operando em conjunto.

5.4 O PA DO SÉCULO XXI

Segundo a análise de UPADHYAYA, “um PA com capacidade de ataque –

talvez visto por alguns como o maior símbolo do Poder Naval e, de fato, do Poder

Nacional – também deverá possuir a flexibilidade operacional para apoiar uma

elevada gama de [distintas] tarefas” (UPADHYAYA, 2015, p.29 – tradução nossa). Um

exemplo recente se deu com a participação do PA “Abraham Lincoln”, da US Navy, e

de seu CSG, que realizaram operações de combate aéreo nas regiões do Oceano

Índico e do Golfo Pérsico, em ações sobre o Afeganistão, Iraque e Somália. Este

mesmo PA foi amplamente empregado na condução de uma Operação de Assistência

Humanitária44, após um tsunami atingir a costa de diversos países da região do

Oceano Índico, em 2004. Na ocasião não foi possível contar com o apoio de qualquer

instalação de terra dos países atingidos pelo desastre, pois toda a infraestrutura que

44 Operação típica onde uma Força Militar-Naval presta auxílio a um população carente, fruto de um desastre

natural, cuja denominação desta operação em inglês é Humanitarian Assistance and Disaster Relief (HADR)

Page 53: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

51

existia havia sido destruída pelas forças da natureza (UPADHYAYA, 2015, p.29). Isso

demonstra uma capacidade de emprego dual de um PA e de seu CSG. Nesse tipo de

operação, onde é muito provável que os recursos do país ou da região afetada pelo

desastre natural estejam inacessíveis ou indisponíveis, é fundamental que todas as

necessidades logísticas sejam supridas pelo elemento operativo empregado naquela

operação, no caso o PA apoiado por seu CSG (CONDE, 2011). Como afirma

UPADHYAYA, um PA atual “trata-se de uma formidável plataforma que provê à sua

Marinha e a de nações amigas uma capacidade de exercitar uma vasta gama de

opções militares e diplomáticas no mar e em terra” (UPADHYAYA, 2015, p.29).

Ao final da II GM poucas Marinhas possuíam PA e capacidade para operá-

los, apesar do elevado número de navios dessa classe. Atualmente o número de

nações com essa capacidade aumentou, embora não ultrapasse o número de nove

Marinhas. Entre elas se encontra o Brasil, que possui o PA “São Paulo”, um navio de

propulsão convencional, mas representante da categoria CATOBAR (a que detém a

possibilidade de operação com os aviões de maior capacidade ofensiva, maior

autonomia e maior raio de ação), categoria essa somente operada nos dias de hoje

pelas USN, pela Marinha Nacional Francesa (MNF) e pela MB. Além dessas três

Marinhas, as seguintes nações também compõem o rol internacionalmente

reconhecido como o clube de elite das nações que possuem um PA: China, Índia,

Itália, Rússia, Espanha e, em futuro breve, novamente o Reino Unido (todos da

categoria STOBAR).

A hegemonia norte-americana neste campo de atuação é incontestável. Dos

29 PA em serviço atualmente, vinte pertencem à USN, sendo dez CATOBAR e dez

STOVL45. Dos seis PA que ora se encontram em construção no mundo, três são da

USN, aumentando o número de unidades CATOBAR em mais dois PA.

Assim como outros autores, UPADHYAYA reconhece que, apesar do PA ter

atravessado vários anos tendo provado ser um valioso instrumento político de poder,

ele permanece no centro de um controverso debate sobre a validade de sua operação

como uma arma atual e eficiente contra as ameaças do Século XXI, especialmente se

comparado a outras opções menos custosas. Segundo o autor, críticos consideram o

PA como uma “relíquia com relevância e capacidade de sobrevivência limitadas, face

à evolução das capacidades militares centrais [de um Poder Naval]” (UPADHYAYA,

45 Os PA STOVL são os empregados nos Amphibious Ready Group (ARG).

Page 54: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

52

2015, p.29 – tradução nossa). As capacidades militares centrais acima citadas se

referem a sobrevivência num ambiente de batalha mais fluido; maiores capacidades

ofensivas dos submarinos atuais; notável salto e avanço tecnológico de mísseis

antinavio de última tecnologia (A2/AD); e a ameaça de aeronaves de combate

baseadas em terra, mas atualmente com elevadíssimo raio de ação. Apesar de

UPADHYAYA admitir a argumentação dos críticos, entretanto, ressalta que o mesmo

avanço tecnológico também permeou a evolução dos PA em sua capacidade de

autodefesa contra a maior parte dessas ameaças citadas. Adiciona, ainda, a seguinte

reflexão. Apesar de todas essas críticas, as Marinhas mais poderosas e desenvolvidas

do mundo continuam deliberadamente decidindo por manter e, ainda, por obter novas

unidades de PA. Como argumento mais consistente, UPADHYAYA sustenta que os

PA são capazes, como nenhum outro meio naval, de desenvolver uma elevada gama

de tarefas dentro do espectro da diplomacia e de força policial, além das tradicionais

tarefas de operações navais de combate. Estas últimas, segundo o autor,

doutrinariamente se dividem em: operações de ataque (onde reside a principal razão

da existência do PA para muitas Marinhas); ações de presença; dissuasão

estratégica; operações de controle do mar; projeção de poder (sobre terra); e

segurança marítima (como as operações de assistência humanitária) (UPADHYAYA,

2015, p.29).

Com relação à evolução tecnológica assimilada pelos PA, dois aspectos que

são ressaltados por UPADHYAYA coincidem com a opinião de outros autores e

representam a tendência para o futuro próximo, a médio e longo prazos. São eles as

capacidades de operação com aeronaves não tripuladas e a de operação de

catapultas impulsionadas eletromagneticamente, conhecidas pela sigla EMALS46. Em

julho de 2013 a USN realizou a primeira demonstração do seu “sistema de combate

aéreo em PA com aeronaves não tripuladas”47, denominado X-47B. Este teste real no

mar, além de demonstrar como se encontra avançado o desenvolvimento do novo

sistema, também evidenciou a imensa distância tecnológica que separa a USN das

outras Marinhas do mundo.

46 O sistema de lançamento de aeronaves por catapulta eletromagnética é conhecido em inglês por Electro-Magnetic Aircraft Launch System (EMALS). 47 O sistema de combate aéreo em PA com aeronaves não tripuladas é conhecido em inglês pelo termo

Unmanned Combat Air System Carrier Demonstration (UCAS-D)

Page 55: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

53

Um outro salto tecnológico que também se encontra em andamento é o do

desenvolvimento do EMALS que, juntamente com o do novo sistema de aparelho de

parada, também no estado da arte, possuem previsão de instalação no mais novo PA

em construção para a US Navy, o “Gerald R. Ford”. O novo sistema EMALS proverá

uma maior capacidade de geração de energia para o lançamento de aviões por

catapulta, o que significa que aeronaves ainda mais pesadas, seja pela maior

quantidade de armamento ou combustível que transportarão, seja por outros

requisitos tecnológicos, como aviões mais modernos com novas capacidades e,

possivelmente, maiores e mais pesados que os atuais, poderão ser lançados pelos

PA de uma nova geração. Além disso, o novo sistema também proverá uma maior

cadência de sortidas48, o que se converte em um maior poder ofensivo representado

pelo PA e sua Ala Aérea embarcada.

Avalia-se, portanto, que essas novas tecnologias poderão provocar uma

quebra de paradigma no conceito de operação de aeronaves a partir de um PA, pois

permitirão multiplicar os efeitos da geração de poder combatente a partir desta

plataforma. Isso significa que pode-se estar diante do surgimento de uma “nova” arma,

ou de sua remodelagem com um poder ofensivo nunca antes alcançado. A primeira

consequência dessa inovação será a necessidade de se repensar o emprego tático e

estratégico desta “nova” arma, tendo em vista que seus requisitos de operação e as

suas novas capacidades representarão um poder combatente superior ao que hoje

existe. Pode-se imaginar, inclusive, a necessidade de reformulação doutrinária de seu

emprego, dadas as transformações que poderá gerar devido à incorporação de novas

capacidades. A segunda decorrência, dessa vez em um plano político-estratégico,

será a necessidade dos líderes daquela nação que possuir uma arma de tamanho

poder, de desenvolverem uma perfeita compreensão do novo significado que este

instrumento de Política Externa representará, de forma a se ampliar seu emprego e o

potencial de influência gerado pela sua presença em uma região.

5.5 O IMPACTO DAS FUTURAS TECNOLOGIAS NO PAPEL DOUTRINÁRIO DO PA

Segundo RUBEL, que esclarece que para se analisar o impacto que as futuras

tecnologias provocarão nos PA e seus CSG, é preciso prospectar o seu

48 Sortidas é o termo que significa a quantidade de lançamento de aeronaves no domínio do tempo .

Page 56: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

54

comportamento diante desses novos desafios, não sob o ponto de vista clássico de

como o PA se defenderá de cada ameaça, mas sim de como se comportará no

cumprimento das tarefas doutrinárias previstas para o seu papel.

Assim, para o caso da ameaça de mísseis balísticos antinavio (A2), o caso

mais explorado é o do míssil chinês DF-21. Seu propósito não é o de afundar o alvo

de superfície, pois as características de sua carga explosiva e de sua trajetória final

de voo são configuradas para apenas causar danos à superestrutura do alvo, bem

como à Ala Aérea embarcada que se encontrar estacionada em local desprotegido,

como sobre o convés de voo de um PA, por exemplo. Apesar de não destruir o alvo,

seu impacto possivelmente o neutralizaria, deixando-o incapaz de operar. Portanto,

ao se perceber que seu dano afetaria seriamente a missão do PA, impedindo-o de

operar num teatro com a presença desta ameaça, sem deixar de correr elevados

riscos, pode-se dizer que a utilidade futura do PA e de seu CSG ficaria seriamente

comprometida por este tipo de ameaça. Entretanto, se por um lado a existência da

ameaça A2 intimida a utilidade do PA e de seu CSG, por outro lado ao se considerar

que a guiagem do míssil é provavelmente dependente de uma fonte de dados no

próprio míssil, é possível imaginar que esta arma é suscetível a despistamento ou

bloqueio de guerra eletrônica, o que reduz sensivelmente a possibilidade de sucesso

do seu ataque.

Conforme as ideias de RUBEL já apresentadas neste estudo, sob o ponto de

vista das tarefas doutrinárias, se o PA estiver realizando papel de “Cavalaria”, de

“Navio Capital”, ou de “Plataforma de Ataque Nuclear”, no qual somente será

necessária a aproximação de costa para se desfechar o ataque, evadindo-se em

seguida da área sob ameaça, é possível calcular o risco posicionando-o dentro de um

nível aceitável. Dessa forma, a ameaça representada por um míssil antiacesso

proveniente de terra não colocaria o PA em situação de extremo risco, sendo aceitável

sua operação neste ambiente. Por outro lado, se o PA estiver realizando papel

doutrinário de “Aeródromo no Mar” ou de “Peça de xadrez geoestratégico”, no qual se

exige a sua presença no teatro de operações por tempo contínuo, o grau de risco

assumido é muito elevado, tornando impeditivo para o CSG cumprir este papel.

Segundo este ponto de vista, seria indispensável reavaliar todo o espectro de papéis

doutrinários atribuídos a um PA, ajustando-o à nova realidade (RUBEL, 2011, p. 20).

Para o caso da ameaça de submarinos, mísseis de cruzeiro antinavio, ou de

armas de negação de área (AD), o raciocínio se repete como para a ameaça do míssil

Page 57: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

55

DF-21. O CSG tem a possibilidade de se defender dessas ameaças, desde que em

baixa quantidade. Caso haja uma exposição prolongada ao ataque, alcançando-se a

saturação da capacidade de defesa do CSG, o nível de risco da operação do PA

nestas condições ultrapassa a faixa do tolerável, impedindo-o de cumprir com estes

papéis doutrinários previstos para um PA (RUBEL, 2011, p. 20).

Para o caso da ameaça ao papel doutrinário dos PA, conferida por avançados

sistemas de Defesa Aeroespacial, partindo-se da premissa de que a principal arma de

um PA é a capacidade ofensiva da sua Ala Aérea embarcada, à medida que outros

sistemas de armas oponentes ameaçam a sua liberdade de ação e sua segurança, o

papel dos PA se reduz. Novos sistemas de mísseis superfície-ar têm atingido

desempenho superior ao alcançado por aeronaves de ataque tripuladas. Da mesma

forma, aeronaves modernas como o Su-27 (russo) e suas derivações (J-15 chinês),

combinados a novos sistemas embarcados em navios de superfície, já possuem poder

ofensivo equilibrado ao da Ala Aérea embarcada em um PA da USN, o que reduz as

chances de sucesso de um combate aéreo em favor de qualquer dos lados. Todo esse

aparato oponente permite deduzir que a utilidade do PA e de seu CSG,

desempenhando o papel de “Cavalaria”, de “Navio Capital” ou de “Aeródromo no Mar”,

fica comprometida ao enfrentar um oponente bem armado, tornando-se o combate de

elevado risco. A única solução possível vislumbrada no momento parece apontar para

a possibilidade de desenvolvimento de aeronave não tripulada para vigilância e ataque

lançada por PA (UCLASS), com assinatura radar extremamente reduzida por suas

características stealth e armada com mísseis ar-superfície e ar-ar de desempenho

ainda mais elevado que os existentes atualmente (RUBEL, 2011, p. 21).

Segundo RUBEL, as aeronaves não tripuladas (UAV)49 poderão ser o

elemento que mais contribuirá para a realocação do papel doutrinário dos PA. A

presença de uma Ala Aérea embarcada composta por UAV também poderá

representar o ressurgimento da importância do papel doutrinário de “Olhos da Força”.

Ao detectar e identificar o oponente a uma distância superior ao que se obtém

atualmente, o PA e seu CSG adquirirão novas capacidades de manobra, mantendo-

se fora do alcance inimigo, o que favorecerá à retomada do papel doutrinário de

“Aeródromo no Mar” (RUBEL, 2011, p. 21).

49 UAV significa em inglês Unmmaned Air Vehicules, Aeronaves não tripuladas.

Page 58: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

56

7 CONCLUSÃO

Ao se mergulhar no universo do Poder Naval de um Estado e ao se visitar os

mais diversos conceitos que determinam a formulação de uma estratégia de

orientação marítima, invariavelmente se constatará a presença de um elemento

comum nos debates envolvendo esses temas, o Porta-Aviões (PA) e o seu

desempenho no papel doutrinário que lhe cabe. Procurando investigar como se daria

o emprego estratégico de um PA em atendimento aos interesses de um Estado, este

estudo pode alcançar algumas conclusões, as quais serão apresentadas a seguir.

O PA surgiu no início do século XX e seu papel inicial foi o de um ator

coadjuvante no desempenho das funções inerentes a uma Força Naval. Entretanto, à

medida que as aeronaves embarcadas evoluíram em suas capacidades combatentes,

especialmente no seu poder ofensivo, o PA passou a ser percebido como de maior

relevância. Sua consagração foi definitivamente alcançada durante os combates

navais da 2ªGM, de onde saiu reconhecido como o “Navio Capital” das Esquadras. A

partir daquele momento o PA passou para o centro dos debates, onde permanece até

os dias atuais. Uma consequência decorrente da assunção do papel de “Navio

Capital”, onde o risco à segurança inerente a esta posição se elevou

exponencialmente, foi a necessidade de provê-lo de uma robusta Força de proteção,

o Carrier Strike Group (CSG), que lhe garantisse a liberdade de manobra para que

lançasse suas aeronaves e cumprisse os diversos papéis doutrinários que lhes foram

designados. Somente protegido pelos demais navios componentes do CSG a

operação do PA se tornou viável. O eventual desfalque ou deficiência das

capacidades de qualquer dos navios que integram o CSG interferem no pleno

emprego do PA, principal elemento deste poderoso arranjo de meios navais,

colocando em risco a sua segurança.

Ao se investigar as ponderações das correntes de pensamento de alguns

autores consagrados, especialistas neste tema, observa-se uma nítida divisão entre

os que defendem a continuidade dos investimentos nesta classe de navios,

encontrando utilidade para o seu emprego nos dias de hoje, e os que são contra essa

continuidade, pois apontam mais desvantagens do que benefícios neste investimento.

Autores como Geoffrey TILL, Shishir UPADHYAYA, Henry HOLST e Norman

FRIEDMAN, com um olhar mais conservador e teórico sobre o papel do Poder Naval

em atendimento aos interesses do Estado, ainda percebem utilidade suficiente para o

Page 59: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

57

emprego dos PA em contribuição às tarefas fundamentais de um Poder Naval, mesmo

reconhecendo que estes são vulneráveis a uma série de ameaças. Outros autores

como David WISE, Henry HENDRIX e Robert RUBEL, com um tom mais pragmático

e, talvez, mais realista, questionam se as capacidades dos PA evoluíram o suficiente

para enfrentarem os desafios tecnológicos desenvolvidos pelos potenciais oponentes

que se impõem nos dias de hoje.

Apesar das discordâncias, observa-se que ambas as correntes convergem em

um ponto, o custo de obtenção e de manutenção de um PA, de sua Ala Aérea

embarcada e da Força nucleada em PA, unidades componentes de um CSG, é cada

vez mais dispendioso. Ainda assim, os autores da corrente a favor veem vantagens

na manutenção do emprego dos PA, pois consideram que estes, em conjunto com o

seu CSG, são os únicos meios navais que realizam toda a gama de tarefas

estratégicas previstas para um Poder Naval. Estes autores também consideram que

há soluções viáveis a serem implementadas nos PA para que superem os desafios

que limitam sua liberdade de operação nos mares, como é o caso de algumas

ameaças tradicionais, como ataques de submarinos, de mísseis antinavio e de

aeronaves modernas de alto desempenho, ou quando enfrentando ameaças

anunciadas mais recentemente, como é o caso dos mísseis antiacesso e de negação

de área (A2/AD), se é que realmente já existem. O ponto de divergência de ambas as

correntes surge exatamente da argumentação dos autores da corrente contra, que

julgam que as vantagens comparativas dos PA em relação a outros meios navais não

é compensadora. Estes autores argumentam que outros meios navais menos

custosos, quando combinados, executariam aquelas tarefas estratégicas inerentes ao

Poder Naval tão bem quanto o PA e seu CSG e, ainda, com custo individual menor.

Dessa forma, ao se empregar estes outros meios navais, se tornaria mais aceitável a

aprovação de riscos, que são próprios dos campos de batalha, sem que a possível

perda de um único PA exposto às ameaças do teatro de operações, como pode vir a

acontecer, significasse a quebra da capacidade de uma Marinha de substituí-lo por

um outro, pois é extraordinariamente caro.

Também é importante ressaltar a visão de RUBEL, o qual apresenta uma linha

de raciocínio não convencional, propondo a análise do papel doutrinário do PA sob

nova perspectiva, afastando-se dos conceitos tradicionais de “Controle do Mar” e de

“Projeção de Poder” como parâmetros únicos para se medir a efetividade do PA e de

seu CSG. Partindo-se do ponto de vista deste autor e da suposição de que novas

Page 60: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

58

tecnologias de armamento anunciadas nos dias de hoje existiriam de fato, conclui-se

que os papéis doutrinários de “Aeródromo no Mar” e de “Peça de xadrez

geoestratégico” estariam ameaçados e que o PA perderia assim sua posição

incontestável de “Navio Capital”. Desta forma, a liberdade de ação do PA e de seu

CSG se reduziria significativamente frente aos novos desafios do mundo atual,

devendo o papel doutrinário do PA ser redimensionado, respeitando-se as limitações

de suas capacidades, as quais não teriam evoluído o suficiente para sobrepujar tais

amaças.

Com relação às ameaças e oportunidades ao emprego do PA, é possível

concluir que as ameaças A2/AD podem ainda não ser uma realidade conforme

anunciado até o momento. Entretanto, há indícios de que esta ameaça tenda a se

concretizar num futuro não muito distante, exigindo das Marinhas detentoras de PA

um estudo das soluções para se mitigar o risco de perda de seus navios em um teatro

de operações com a existência daquelas novas armas. Por outro lado, uma solução

que parece se descortinar e que deve contribuir para fortalecer a capacidade ofensiva

do CSG é o surgimento do UAV, especialmente daquele classificado como UCLASS.

Da mesma forma, o investimento no desenvolvimento de novas tecnologias de defesa

que aprimorem certas armas como, por exemplo, os mísseis instalados no CSG e nas

aeronaves componentes da Ala Aérea embarcada no PA, pode abrir uma nova janela

de oportunidades para este arranjo de navios, prolongando a existência do PA como

o “Navio Capital” das Forças Navais.

Dessa forma, acredita-se já se possuir elementos suficientes para se

responder à indagação inicial que motivou a investigação proposta por este estudo,

qual seja: em que medida o emprego das capacidades de uma Força nucleada em PA

atende aos interesses de segurança e de defesa de um Estado? Uma resposta

concisa e breve, baseada nas evidências levantadas pelo estudo, nas análises

desenvolvidas no seu decorrer e na suposição de que as armas A2/AD de fato ainda

não existem, pois nunca foram realmente demonstradas, seria: a capacidade de

emprego de uma Força nucleada em PA atende plenamente aos interesses de

segurança e de defesa de um Estado, desde que integralmente respeitadas as

condições de operação já consagradas para um PA. A justificativa da resposta,

entretanto, ainda merece ser fundamentada com cuidado. Devido a efetividade dos

resultados alcançados por uma Força nucleada em PA; da versatilidade de emprego

e flexibilidade que possui, expressos pela ampla gama de papéis doutrinários

Page 61: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

59

assumidos como adequados para um PA e seu CSG; aos desafios conhecidos e

comprovadamente reais representados pelas ameaças presentes no cenário atual e;

apesar dos cada vez mais elevados custos de obtenção e de manutenção de um PA

e de seu CSG; é possível se concluir que este arranjo de navios reúne todas as

qualidades necessárias para exercer poder e influência no teatro de operações

marítimo que interessa ao Estado-Nação que o detém. Além disso, o PA e seu CSG

compõem um arranjo de navios com vocação francamente ofensiva. O emprego de

suas capacidades adotando-se uma postura político-estratégica coerente com esta

natureza favorece significativamente os resultados obtidos na sua operação,

diminuindo-se os riscos e aumentando-se a efetividade do poder combatente da Força

nucleada em PA. A decisão de um Estado em investir na obtenção de um PA deve

respeitar integralmente todas as condições inerentes ao seu emprego. O desvio do

propósito deste emprego em ações subsidiárias ou em papéis doutrinários de baixo

poder ofensivo pode significar desperdício de recursos, uma vez que existem outros

meios navais, muito menos custosos que o PA, que desempenham com grande

efetividade aqueles papéis considerados secundários.

Por outro lado, admitindo-se que os anúncios da existência e desempenho

das armas A2/AD são confiáveis e que num cenário futuro próximo estas armas já

estarão demonstradas e em plena operação, é possível se concluir que ainda será

necessário ao PA desenvolver novas capacidades para que atenda plenamente à

defesa dos interesses de um Estado. Serão indispensáveis profundos investimentos

em tecnologia, a fim de superar as deficiências atuais, revertendo o atual cenário e

restabelecendo a incontestável superioridade tática de poder combatente exigido para

um “Navio Capital”. Somente assim, ao recuperar seu prestígio, reconhecimento e

efetiva capacidades, seus elevados custos deixarão de ser fator de críticas, passando

a ser considerados apenas como fator limitador às nações para o ingresso e

permanência no seleto clube de países detentores desta magnífica arma. Cabe, enfim,

ressaltar que esta discussão diz respeito exatamente ao futuro do PA, o qual já reinou

soberano por várias décadas. Portanto, o olhar crítico deve considerar o estado da

arte, militar-naval e tecnológica, aplicada a esta classe de navios, analisando as

competências do mais moderno PA frente a todos os desafios existentes no presente

e, também, àqueles vislumbrados em um futuro que se pode prospectar com razoável

confiabilidade.

Page 62: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

60

REFERÊNCIAS

AMORIM, Celso in NASSER, Reginaldo Mattar et al. O Brasil e a segurança no seu entorno estratégico: América do Sul e Atlântico Sul. – Brasília : Ipea, 2014.

ARAGÃO, Guilherme do Prado. Entre o céu e o mar: Porta-Aviões do Brasil – 1ª ed.

- Rio de Janeiro: ASX Produções, 2011.

ASSANO, Alexandre Itiro Vilela. Força Nucleada no Nae “São Paulo”:

Possibilidades, limitações e requisitos para a defesa anti-aérea. Rio de Janeiro,

2010. Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores.

BITTENCOURT, Armando de S. in BRAGA, Claudio da C. A Guerra da Lagosta.

Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2004.

BRAGA, Claudio da C. A Guerra da Lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de

Documentação da Marinha, 2004. BRUSTLEIN, Corentin. Vers la fin de la projection de forces? I. La menace du déni d’accès. Laboritoire de Recherche sur la Defense, abr. 2010. Disponível em <

https://www.ifri.org/fr/publications/enotes/focus-strategique/vers-fin-de-projection-de-

forces-i-menace-deni-dacces>. Acesso em: 05 abril 2015. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:

texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004.

______. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa. Brasília, DF: Ministério

da Defesa, 2012a. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br>. Acesso em: 13

março 2015. ______. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF:

Ministério da Defesa, 2012b. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br>. Acesso em: 13 março 2015.

______. Ministério da Defesa. Marinha do Brasil. EMA-305 - Doutrina Básica da

Marinha. Brasília, DF: Estado-Maior da Armada, 2014. Disponível em:

<https://www.marinha.mil.br>. Acesso em: 16 junho 2015. CAMOGLI, Pablo. Batallas de Malvinas: Todos los combates de la guerra del

Atlántico sur - 1ª ed. – Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguarra, 2007.

CONDE, Francisco André Barros. Navio de Propósitos Múltiplos (NPM):

Um novo meio para a participação do Brasil na Ajuda Humanitária em desastres

naturais. Rio de Janeiro, 2011. Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Estado-Maior para Oficiais

Superiores.

Page 63: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

61

COUTAU-BÉGARIE, Hervé. Le problème du porte-avions - 1ª ed. – Paris: Centre

d’études des relations entre stratégies ettechnologies, Economica, 1990. DELORY, Stéphane. Les incertitudes du DF-21D. Observatoire de la non proliferation. Numéro 87. Décembre 2013. Disponível em:

<<http://www.defense.gouv.fr/das/reflexion-strategique/observatoires/observatoire-

de-la-non-proliferation>>. Acesso em: 24 julho 2015. FRANCE. Ministère de la Défense, Centre interarmées de concepts, de doctrines et d'expérimentations (CICDE). Réflexion doctrinale interarmées RDIA2014/002.

Entrée en premier, avr. 2014. Disponível em: <

http://www.cicde.defense.gouv.fr/spip.php?article1187>. Acesso em: 29 maio 2015. FRIEDMAN, Norman. Seapower as strategy: navies and national interests - 1ª ed. –

Annapolis, Maryland, USA: Naval Institute Press, 2001. FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos anos de história do Brasil. Rio de

Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2000.

LEHMAN, John. Aircraft Carriers: The Real Choices. The Washington Papers,

Georgetown University, 1978.

HARISMENDY, Iban. O Porta-Aviões no Século XXI: Como as novas capacidades

Anti-Acesso e de Negação de Área (A2/AD) podem influenciar as funções e as características futuras dos porta-aviões. Rio de Janeiro, 2014. Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito parcial para a conclusão do

Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores. HENDRIX, Henry J. At what cost a carrier? Center for a new American security.

Disruptive Defensive Papers. March 2013. Disponível em: <<http://www.cnas.org/publications/reports/at-what-cost-a-carrier#.VbJt4O9RHIU>>.

Acesso em: 24 julho 2015. HOLST, Henry. The US Military’s Ultimate Fear: Are Aircraft Carriers too big to fail?

The National Interest. August 2014. Disponível em: <<http://nationalinterest.org/blog/the-buzz/the-us-militarys-ultimate-fear-are-aircraft-

carriers-too-big-11066>>. Acesso em: 25 julho 2015. MALENIC, Marina. Surveillence or Strike? Revista IHS Jane’s Defense Weekly,

England, vol 52, ishue 22, p. 30-33, 03 junho 2015. NERI, Marcelo Côrtes in NASSER, Reginaldo Mattar et al. O Brasil e a segurança no seu entorno estratégico: América do Sul e Atlântico Sul. – Brasília : Ipea, 2014.

PERTUSIO, Roberto Luis. Estratégia Operacional. 3. ed. Buenos Aires: Instituto de

Publicaciones Navales, 2005.

RUBEL, Robert C. The Future of Aircraft Carrier. Naval War College Review.

Autumm 2011. Disponível em: <<https://www.usnwc.edu/Publications/Naval-War-College-Review/2011---Autumn.aspx>>. Acesso em: 24 julho 2015.

Page 64: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

62

TILL, Geoffrey. El Poder Marítimo: una guia para el siglo XXI. Buenos Aires: Inst. de

Publicaciones Navales, 2007.

UPADHYAYA, Shishir. Power... and Politics? Strike carriers in the Indian Ocean. Revista IHS Jane’s Navy International, England, vol 120, ishue 2, p. 28-32, mar.

2015.

WISE, David W. The U.S. Navy’s Big Mistake — Building Tons of Supercarriers:

The Pentagon behaves as if aircraft carriers will rule forever … they won’t. Disponível em: <https://medium.com/war-is-boring/the-u-s-navy-s-big-mistake-building-tons-of-supercarriers-79cb42029b8>. Acesso em: 07 jun 2015.

ZUMWALT, E. R. Jr. in LEHMAN, John. Aircraft Carriers: The Real Choices. The

Washington Papers, Georgetown University, 1978.

Page 65: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

63

ANEXO A

O MARCO LEGAL BRASILEIRO E A EXPERIÊNCIA DA MB OPERANDO SEUS PA

1.1 O MARCO LEGAL BRASILEIRO

No contexto dos documentos normativos que tratam diretamente sobre o tema

de Defesa ou que abordam essa temática em algum aspecto como parte de seu bojo,

destacam-se neste Anexo: a Constituição Federal (CF) de 1988, a Política Nacional

de Defesa (PND) de 2012, a Estratégia Nacional de Defesa (END) de 2012 e, mais

especificamente no âmbito militar-naval, a Doutrina Básica da Marinha (DBM) de

2014.

No que diz respeito aos conceitos de segurança e defesa, é possível observar

diferenças entre si, pois “A segurança, em linhas gerais, é a condição em que o

Estado, a sociedade ou os indivíduos se sentem livres de riscos, pressões ou

ameaças, inclusive de necessidades extremas. Por sua vez, defesa é a ação efetiva

para se obter ou manter o grau de segurança desejado” (BRASIL, 2012a).

Dessa forma, pode-se depreender que para se garantir o atingimento e a

manutenção do estado de segurança desejado pela sociedade para sua prosperidade

e desenvolvimento é indispensável lançar mão de ações efetivas de defesa, sendo

entendido o conceito de Defesa Nacional, contido na PND, como “o conjunto de

medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território,

da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente

externas, potenciais ou manifestas”. (BRASIL, 2012a, inciso II, item 2.4).

A CF, em seus Artigos 4º e 5º, estabelece que o conceito de Soberania50

constitui um dos seus fundamentos basilares e que os princípios da Independência

Nacional, da Autodeterminação dos povos e da Não-intervenção, dentre outros, são

aqueles que regem as relações internacionais do Brasil (BRASIL,1988, Art. 4º e 5º).

Ainda no Artigo 142º, é estabelecido que a destinação precípua das Forças Armadas

é a defesa da Pátria, devendo as Forças Singulares contribuírem integradamente,

cada qual com sua competência específica, para a defesa da Soberania Nacional e

dos princípios fundamentais regidos pela Carta de 1988 (BRASIL,1988, Art. 142º).

50 Segundo o Dicionário Aurélio, o conceito de “Soberania” significa a propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior (Dicionário Aurélio , versão

digital, 3.0).

Page 66: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

64

Assim, é possível depreender que torna-se indispensável instrumentar o

Estado com mecanismos de uso e emprego da Força, a fim de garantir a validade

desses conceitos e princípios, em caso de sua ameaça por agentes externos, ou até

mesmo internos.

A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END),

documentos condicionantes de alto nível, principais instrumentos orientadores da

Defesa Nacional, estabelecem os objetivos e as diretrizes para o preparo e o emprego

das Forças Armadas em sua missão de defesa da pátria e de garantia dos poderes

constitucionais. “A PND fixa os objetivos da Defesa Nacional e orienta o Estado sobre

o que fazer para alcançá-los. A END, por sua vez, estabelece como fazer o que foi

estabelecido pela Política”. (BRASIL, 2012a).

É possível verificar que após o fim da Guerra Fria houve uma ampliação no

espectro das ameaças, que passaram a ser mais difusas e menos evidentes de

identificação. A busca por riquezas e a disputa por espaços marítimos e terrestres

tende a aumentar o estado de tensão entre os agentes internacionais, devendo

aqueles que desejam manter seguras suas conquistas admitir a necessidade de

manter um nível de preparação adequado para fazer frente às ameaças, investindo

conscientemente nos mecanismos de defesa do Estado, fundamentalmente suas

Forças Armadas. Segundo AMORIM, “Deve-se construir adequadas capacidades

dissuasórias no mar, em terra e no ar. Isto é essencial para desestimular eventuais

agressões à soberania brasileira” (AMORIM in NASSER, 2014, p.7).

A área de interesse do Brasil não se limita às suas fronteiras. “O País visualiza

um entorno estratégico que extrapola a região sulamericana e inclui o Atlântico Sul e

os países lindeiros da África, assim como a Antártica”. (BRASIL, 2012a, item 4.1).

Segundo NERI, o Atlântico Sul também configura área estratégica para o Brasil.

“Em paralelo, o Brasil considera também o Atlântico Sul como

parte integrante de seu entorno estratégico. Assim como há relação direta entre a estabilidade sul-americana e a estabilidade brasileira, a paz no Atlântico Sul é condição

essencial para a manutenção da segurança do Brasil. É pelo oceano que transita a maior parte do comércio internacional do nosso país e é nele que se encontra parte substancial de nossas

fontes energéticas. Os problemas do Atlântico Sul são, portanto, problemas do Brasil” (NERI in NASSER, 2014, p.10).

Além disso, o Brasil também possui interesse estratégico na região do Caribe,

mais ao norte. Portanto, pode-se concluir que sua capacidade de influência deve

abranger, além do território nacional e marítimo conhecido como Águas Jurisdicionais

Page 67: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

65

Brasileiras, onde o país goza de soberania, todas as outras áreas de interesse

manifestadas acima. Para exercer poder de influência nessas áreas compatível com

a orientação explicitada na PND, é necessário contar com mecanismos que tenham a

capacidade de projetar poder além dos limites fronteiriços do país, alcançando os

limites dessa extensão.

A região da América do Sul, embora gozando de relativa paz, também

encontra-se susceptível a instabilidades, derivadas, entre outros aspectos, das

desigualdades socioeconômicas entre os países e povos da região. Assim, não se

deve assumir que essa situação pacífica não pode vir a ser ameaçada e

repentinamente alterada (NERI in NASSER, 2014).

De acordo com a PND existem duas áreas que devem receber especial

atenção, além de todo o território nacional, em detrimento das demais regiões

mencionadas. São elas a Amazônia e o Atlântico Sul. Note-se que a porção marítima

que contorna a foz do Rio Amazonas pode ser considerada como uma via de acesso

ao interior do território, dadas as excepcionais condições de navegação deste Rio.

Portanto, nessas áreas marítimas, há a necessidade de reforço da capacidade de sua

defesa. (BRASIL, 2012a, item 5.3).

“O mar sempre esteve relacionado com o progresso do Brasil, desde o seu descobrimento. A natural vocação marítima brasileira é respaldada pelo seu extenso litoral e pela

importância estratégica do Atlântico Sul” (BRASIL, 2012, item 5.5).

No mar estão inúmeras riquezas minerais já descobertas e, em alguns limites,

já exploradas pelo Brasil. Além disso, mais de 95% do seu comércio internacional se

utiliza das vias marítimas, o que permite ao país aumentar suas riquezas, garantindo

o fluxo de mercadorias que o abastecem. Portanto, garantir a segurança desse

ambiente é de fundamental importância para a manutenção do desenvolvimento do

Brasil.

No 6º capítulo da PND, onde estão listados os Objetivos Nacionais de Defesa,

destacam-se alguns destes que evidenciam a preocupação do Estado Brasileiro em

preservar sua soberania e interesses nacionais, estruturando adequadamente seu

sistema de defesa. Apesar de não haver o privilégio de algum objetivo sobre os

demais, cabe destacar um aspecto que incide diretamente sobre o aparelhamento e

o preparo das Forças Armadas brasileiras, devendo o país “estruturar as Forças

Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis

Page 68: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

66

com os planejamentos estratégicos e operacionais”. (BRASIL, 2012a, inciso X, item

6).

Quando a PND passa às Orientações, que se constituirá em fonte de dados

para permitir a elaboração da END, destaca-se a de índice 7.5.

“O País deve dispor de meios com capacidade de exercer vigilância, controle e defesa: das águas jurisdicionais brasileiras;

do seu território e do seu espaço aéreo, incluídas as áreas continental e marítima. Deve, ainda, manter a segurança das linhas de comunicações marítimas e das linhas de navegação

aérea, especialmente no Atlântico Sul” (BRASIL, 2012a, item 7.5).

Dada a grandiosidade da extensão da área de interesse acima mencionada,

assim como da sua localização em grande parte sobre o mar, é indispensável dispor

de poder militar naval com capacidade de garantir o cumprimento dessas orientações.

Além da orientação acima mencionada, torna-se importante mencionar as de

índice 7.13 e 7.14, que preveem o emprego das Forças Armadas em Ações

Humanitárias; em missões de paz sob a égide de organismos multilaterais; e dispondo

de capacidade para projeção de poder, a fim de habilitar a participação do Brasil em

operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

(BRASIL, 2012a, item 7.13 e 7.14).

A Estratégia Nacional de Defesa (END) é o documento de planejamento de

Defesa de mais alto nível do Estado. Decorrente da PND, a qual estabeleceu os

Objetivos Nacionais de Defesa, a END, que propicia a execução das suas orientações,

apresenta o caminho a seguir de como se pretende alcançar os Objetivos Nacionais

de Defesa fixados anteriormente, traçando para isso as Diretrizes para as Forças

Armadas e os decorrentes Objetivos Estratégicos para cada Força singular.

Dentre as 25 Diretrizes constantes neste documento, a base do pensamento

se apoia no desenvolvimento da capacidade de dissuasão militar, promovido pela

combinação de alguns fatores, como o adequado preparo das Forças e o

desenvolvimento da capacidade de vigilância do território e áreas marítimas de

interesse. Podem-se destacar dez das 25 Diretrizes, que são particularmente

importantes e guardam vínculo direto com o objeto deste Anexo. Assim, citam-se:

desenvolver a capacidade de dissuasão, baseado no preparo para o combate, na

concentração de forças nos limites fronteiriços marítimos e no desenvolvimento da

capacidade de vigilância (1, 5 e 9, respectivamente); organizar as forças militares,

privilegiando suas capacidades operacionais (monitoramento/controle, mobilidade e

Page 69: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

67

presença) (2); desenvolver a mobilidade estratégica e a capacidade de resposta a ato

hostil, especialmente devido às elevadas dimensões da área de interesse a defender

(4); desenvolver a capacidade de operação em conjunto (7); desenvolver o conceito

de flexibilidade no combate (12); estruturar o potencial estratégico em torno de

capacidades (16); preparar as Forças para atuarem em apoio à Política Externa

Brasileira, mesmo sob a égide de organismos multilaterais, contribuindo para a Defesa

Nacional (19); e desenvolver o potencial de mobilização militar, a fim de proteger as

Linhas de Comunicações Marítimas (LCM) e plataformas de explotação de petróleo

(21) (BRASIL, 2012b).

Para cada Força Singular foram estabelecidos Objetivos Estratégicos, sendo

dez deles exclusivos para a Marinha. Dentre esses, destacam-se cinco que

interessam diretamente à discussão deste estudo. O ponto fundamental estabelecido

é o de que a Marinha deverá lidar com pesos desiguais no desenvolvimento das

capacidades para empregar seus meios, no que diz respeito às tarefas (básicas)

estratégicas do Poder Naval. Apesar desse desenvolvimento ser desigual, foi

estabelecido que este deverá ser conjunto, a fim de se firmar como uma Força

balanceada entre os meios submarinos, de superfície e aéreos.

Duas áreas do litoral receberam maior atenção, devendo possuir maior

capacidade de controle de acesso. São elas a bacia petrolífera de Santos à Vitória e

a foz do Rio Amazonas.

Para assegurar a capacidade de projetar poder sobre terra, de defender as

instalações navais e portuárias, os arquipélagos e as ilhas oceânicas nas águas

jurisdicionais brasileiras, para atuar em operações internacionais de paz e em

operações humanitárias, em qualquer lugar do mundo, a Força contará com meios de

Fuzileiros Navais (BRASIL, 2012b). Entretanto, é importante raciocinar com dois

aspectos decorrentes deste último Objetivo Estratégico. O primeiro é o de que se

planteia a necessidade de capacitação do Poder Naval numa vasta gama de tarefas

para seu emprego. E o segundo aspecto é o de que para que esses meios de

Fuzileiros Navais sejam empregados nas tarefas acima mencionadas, é necessário

dispor de meios navais adequados que permitam o estabelecimento das condições

mínimas de deslocamento e operação com segurança para o efetivo emprego da tropa

de Fuzileiros Navais.

Para os meios de superfície, em especial os de maior porte, o foco deverá ser

na obtenção de navios-aeródromo e de multipropósito.

Page 70: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

68

1.2 A EXPERIÊNCIA DA MARINHA DO BRASIL OPERANDO SEUS PA

No ano de 2011, como forma de celebrar os cinquenta anos de operações dos

PA na Marinha do Brasil (MB), foi lançada a obra intitulada “Entre o céu e o mar: Porta-

Aviões do Brasil”. O pesquisador Guilherme ARAGÃO levantou os fatos que contam

a história dos PA, desde seu surgimento, no princípio do Século XX, passando por

sua trajetória de ascensão de relevância no cenário mundial, repleto de participações

importantes nos intensos conflitos. A obra dedica seu maior espaço para contar

precisamente as trajetórias dos PA “Minas Gerais” e PA “São Paulo”51, destacando a

importância destes navios para a MB, em especial nas suas contribuições para a

consolidação da capacidade de operação da aviação naval de asa fixa naquela Força.

1.2.1 O primeiro PA da Marinha do Brasil (MB)

Em 1956 o mundo vivia o início da Guerra Fria e de uma realidade bipolar.

Nesse contexto, o Brasil se posicionava ao lado das potências ocidentais, em especial

como aliado político e militar dos EUA. Nessa ocasião, fruto das experiências vividas

nas duas Guerras Mundiais, na qual o país viu seus navios mercantes serem

afundados por submarinos inimigos junto à costa Brasileira, se reforçava

gradualmente a consciência da necessidade de melhor aparelhar o Poder Naval

nacional, a fim de se contrapor às ameaças constituídas pelo bloco soviético, em caso

de deflagração de um novo conflito. O Tratado Interamericano de Assistência

Recíproca (TIAR) e o Acordo de Assistência Militar EUA-Brasil surgiram como um

reflexo das novas configurações geopolíticas resultantes da disputa entre os dois

blocos, em que se enfrentavam os EUA e a União Soviética. Segundo ARAGÃO, “O

TIAR incentivava a adoção de estratégias capazes de oferecer à MB, no caso de

guerra, poder naval suficiente para garantir a segurança do tráfego marítimo no

Atlântico Sul Ocidental, detendo uma eventual força inimiga composta, principalmente,

por submarinos” (ARAGÃO, 2011, p.57).

51 Os PA são denominados na Marinha do Brasil como Navios-Aeródromos. Assim o PA “Minas Gerais” (atualmente descomissionado) era conhecido na MB como Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) e o PA “São Paulo”

(atualmente em serviço) é conhecido como Navio-Aeródromo (NAe). Esta denominação que pode ser considerada “técnica” não invalida a denominação genérica e mais conhecida globalmente, que é a de “Porta -Aviões” (PA). Em inglês a denominação genérica é Aircraft Carrier e a denominação específica de uma unidade é Carrier Vessel (CV). Para efeito deste estudo, como foi anteriormente anunciado, se usará a denominação dita

como “genérica” de PA.

Page 71: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

69

As lideranças políticas e militares brasileiras perceberam que o momento era

favorável para se ampliar o peso estratégico representado pelo Brasil como um

parceiro militar das potências ocidentais, uma vez que era detentor de posicionamento

geoestratégico privilegiado no Atlântico Sul. Entretanto, apesar da ajuda militar

oferecida por parte do governo norte-americano, os EUA não tinham a intenção de

dotar o Poder Naval brasileiro com um PA, portanto, não foi obtida concessão para a

cessão de um PA da USN para a Marinha do Brasil. Esta aspiração, que já havia

alcançado, por parte do governo brasileiro, até mesmo as altas esferas do poder,

encontrou no próprio Presidente da República, Juscelino Kubitschek, um Estadista de

visão estratégica e um hábil negociador político, o qual conduziu o processo de

aquisição para o primeiro PA brasileiro. Graças às manobras e intervenções políticas

do governo federal, foi obtido o aval do Reino Unido para a transferência de posse do

ex-HMS “Vengeance” para a MB (ARAGÃO, 2011), mesmo sendo o Reino Unido o

principal parceiro político e militar dos EUA, o que parecia um contracenso.

É interessante observar que a incorporação de um PA ao Poder Naval

brasileiro provocaria um desequilíbrio de forças regionais na América do Sul, onde a

Argentina poderia ficar em desvantagem militar, na comparação de poderes

combatentes. A compensação, orquestrada pelas grandes potências ocidentais à

época, brindou a Marinha Argentina, em 1959, com a venda do ex-HMS “Warrior”, um

PA também da classe “Colossus”, como era o PA “Minas Gerais”, vindo a ser

rebatizado com o nome de PA “Independencia”. Posteriormente, em 1970, o PA

“Independencia” foi substituído pelo ex-PA “Venerable”, o qual se encontrava a serviço

na Marinha Holandesa sob o nome de “Karel Doorman”, entre os anos de 1948 a 1968.

Na Marina Argentina este PA foi rebatizado com o nome de “Veinticinco de Mayo”,

tendo permanecido em serviço até 1999, sem continuidade por outro navio tipo PA.

O HMS “Vengeance” pertencia à classe “Colossus”. Essa classe de PA foi

projetada e construída no Reino Unido durante o decorrer da 2ªGM e surgiu da

necessidade de se desenvolver um PA que pudesse ser construído em pouco tempo,

uma vez que a guerra já havia sido deflagrada. Entretanto, deveria possuir maior

capacidade combativa que os PA de Escolta ora existentes. Assim, de 1942 a 1946

foram construídos dez PA dessa classe.

O HMS “Vengeance” foi lançado ao mar em 1944, passou pelos testes iniciais

de navegação e logo foi comissionado. Recebeu 42 novos aviões, sua Ala Aérea

embarcada, e seguiu para o Oceano Índico, onde ainda participou de manobras

Page 72: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

70

militares durante a 2ªGM. Com a assinatura da rendição japonesa, o navio seguiu para

Hong Kong, na China, cidade que viraria uma possessão inglesa após a guerra. Este

PA atuou até 1952 na Royal Navy, sendo emprestado temporariamente para a

Marinha Australiana, onde serviria por um ano como meio de treinamento da tripulação

do novo PA australiano que se encontrava em construção no Reino Unido, o HMAS

“Majestic”. Em 1955 o navio retornou ao Reino Unido e foi descomissionado, sendo

adquirido pela Marinha do Brasil em 1956. Essa aquisição ocorreu sob elevadas

críticas, especialmente pelos políticos de oposição ao governo do Presidente

Juscelino, conforme relata ARAGÃO:

“Nem todos compreenderam a importância estratégica para a defesa dos interesses brasileiros. As quatro décadas de

operação do NAeL Minas Gerais e sua trajetória, tanto na formação de oficiais, praças e pilotos quanto na capacitação militar e tecnológica da Marinha, provaram o acero da decisão.

Foi aproveitada uma janela única para a compra desse tipo de equipamento. O preço para se desenvolver e construir um navio-aeródromo próprio seria muito maior” (ARAGÃO, 2011, p.57).

Na MB o ex-MMS “Vengeance” foi rebatizado com o nome de PA “Minas

Gerais”. A primeira providência adotada pelo governo brasileiro foi a de modernizá-lo.

Assim, de 1957 a 1960 o navio passou por inúmeras transformações no estaleiro

Verolme na Holanda, onde teve a superestrutura original, conhecida como “Ilha”,

substituída por uma nova e o convés de voo remodelado, recebendo o navio uma pista

de pouso em ângulo. Sua chegada ao Rio de Janeiro ocorreu em 1961 e foi muito

festejada.

Os primeiros aviões a operar a bordo foram modelos T28, monoplanos de

fabricação norte-americana adquiridos pela MB, tendo sido montados a bordo do

próprio PA “Minas Gerais”. A frota era composta por seis aviões, que compunham o

1º Esquadrão Misto de Aviões Antissubmarino, e começaram a operar no navio a partir

de 1963. Além deste Esquadrão, a Marinha também operava helicópteros Sikorsky

SH-34J, empregados para fazer frente à ameaça submarina. Em 1965, a Força Aérea

Brasileira (FAB) foi autorizada por Decreto Presidencial a operar a bordo do PA “Minas

Gerais”, num arranjo que não era comum à época. Assim, a FAB adquiriu 16 aviões

Grumman S2-A Tracker, denominados P-16 e, a partir de 1965 a Marinha passou a

operar apenas helicópteros a bordo do seu PA, tendo a FAB detido a exclusividade

da operação de aviões. Até 2001, quando o PA “Minas Gerais” foi descomissionado,

este navio foi empregado com grande intensidade pela MB, em exercícios militares na

Esquadra Brasileira e em outros exercícios com Marinhas de outras nações. O PA

Page 73: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

71

“Minas Gerais” ainda sofreu outras modernizações no Brasil, sendo a mais importante

a de 1975 a 1979. Em 1998, fruto de um decisão de governo, a MB recebeu

autorização para reaver o seu próprio Esquadrão de aviões e voltar a operar com

estas aeronaves no seu PA. Naquela altura, os P-16 da FAB já se encontravam

obsoletos, sendo descomissionados, e a MB adquiriu 23 aeronaves A4-KU Skyhawk,

de fabricação norte-americana, mas pertencentes ao governo do Kuwait (ARAGÃO,

2011).

A partir de 1999 as aeronaves A4, que no Brasil receberam a denominação

AF-1, passaram a operar na MB, conduzidas exclusivamente por pilotos da Marinha,

realizando os primeiros pousos e decolagens a bordo do PA “Minas Gerais”.

Entretanto, era indiscutível que os requisitos operacionais dos AF-1 superavam as

capacidades que a estrutura do PA “Minas Gerais” tinha a oferecer em vários

aspectos, inclusive nas dimensões do seu convés de voo. Estes fatores foram

impulsionadores para que o governo brasileiro buscasse uma nova alternativa. Assim,

após quarenta anos de serviços prestados à MB o PA “Minas Gerias” foi substituído

pelo PA “São Paulo”, ex-PA “Foch”, adquirido no ano 2000 junto ao governo francês.

1.2.2 Cinco décadas de operação de PA na Marinha do Brasil (MB)

O PA “Foch” foi o segundo PA construído na França, uma vez que os dois PA

que a Marinha Nacional Francesa (MNF) possuía até então eram de origem norte-

americana. Pertencente à mesma classe que o seu antecessor, o PA “Clemanceau”,

foi lançado ao mar em 1963 e possuía características técnicas de um PA compatíveis

com o seu tempo. Segundo ARAGÃO, “os irmãos Clemenceau conferiram à França o

status de terceira maior potência naval militar do mundo” (ARAGÃO, 2011, p.105).

Sua estrutura era preparada para operar com aviões à reação, tendo recebido em seu

convés aeronaves A4 Skyhawk, Étendard, Super Étendard, Crusader, Harrier e

Rafale. Durante o serviço na MNF, que durou 37 anos, participou de inúmeras

operações de guerra, podendo se destacar: o processo de independência do Djibut,

entre 1977 e 1978, nas águas do Oceano Índico; a guerra do Líbano, desencadeada

pela invasão do Líbano pelas tropas Israelenses, entre 1982 e 1984, na qual garantiu

a evacuação de oitocentos nacionais franceses da região do conflito, dentre outras

tarefas ligadas à tentativa de se impor um cessar fogo ao conflito; na primeira Guerra

do Iraque, entre 1990 e 1991, nas águas do Golfo Pérsico; nos conflitos eclodidos na

Page 74: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

72

região dos Balcãs, entre 1993 e 1994, na qual contribuiu para a garantia da operação

da Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR), com segurança, em especial

das tropas Francesas que participaram dessa coalizão; e na campanha do Kosovo,

entre 1998 e 1999, onde contribuiu para a implantação da Força do Kosovo (KFOR),

na qual, por meio da sua Ala Aérea embarcada, chegou a realizar 490 ataques aéreos

contra alvos em terra na Sérvia, no Kosovo e em Montenegro (ARAGÃO, 2011, p.109).

Dessa forma, é possível verificar que o PA “Foch”, juntamente com o PA

“Clemenceau”, foram plenamente empregados pelo governo francês para apoiarem

as suas decisões de política externa, na qual assumiam papel relevante em

importantes missões militares ao redor do mundo. Essa gama de capacidades

militares presentes no Poder Naval francês, providas pelos seus PA, permitiram

àquele país participar de forma contundente nas decisões e nos destinos de diversos

conflitos, elevando a influência da França no cenário mundial (ARAGÃO, 2011).

Em 1999, o Brasil realizou a oferta de aquisição do PA “Foch”, sendo

concretizada em 2000, tendo o navio sido rebatizado na MB com o nome de PA “São

Paulo” e chegado ao Brasil em 2001. Em um momento histórico, em fevereiro de 2001,

navegaram lado a lado nas águas do litoral da cidade do Rio de Janeiro os dois PA

brasileiros, “Minas Gerais” e “São Paulo”, para em seguida ser realizado o

descomissionamento do primeiro. Segundo ARAGÃO, “A compra de um Porta-Aviões

mais moderno representava um esforço do país em cumprir com as expectativas da

ONU em relação aos candidatos a membros permanentes do seu Conselho de

Segurança” (ARAGÃO, 2011, p.111). Realmente, a partir da posse do PA “São Paulo”,

o Brasil passava a condição de detentor de uma arma de elevado valor militar. Esse

novo meio parecia elevar a importância estratégica do Poder Naval brasileiro,

contribuindo significativamente para a defesa das riquezas que compunham a

Amazônia Azul. Destaca-se que este navio possuía seu sistema de operação do tipo

CATOBAR52, podendo lançar sua aviação de caça por catapultas. O binômio formado

pelo PA “São Paulo” e sua Ala Aérea embarcada, o Esquadrão VF-1 de aviões AF-1,

formavam um par-casado bem equilibrado.

52 Somente as USN, a MNF e a MB operam PA com este sistema, permitindo o lançamento dos seus aviões embarcados por meio de catapulta, os quais possuem um poder ofensivo com capacidades superiores aos dos

aviões lançados por sky jump ou lançamento verticalmente.

Page 75: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

73

A aeronave A4 Skyhawk foi selecionada pela MB, dentre outras opções53,

devido às suas características de versatilidade e flexibilidade de operações. Podem

ser equipadas com grande variedade de armamento (mísseis e bombas, além de

possuir canhões de médio calibre) e com outros dispositivos, como pod de

aerofotografia, o que permite a realização de operações de inteligência, e com

recursos de guerra eletrônica. Sua operação no PA “São Paulo” se iniciou ainda em

2001, tendo no mesmo ano sido validado o Boletim de Lançamento e Recolhimento

(BLR)54 da plataforma.

De 2001 a 2005 o PA “São Paulo” operou por toda a costa brasileira, tendo

realizado, também, operações combinadas com as Marinhas argentina e uruguaia, na

costa desses países, e com a USN, operando na costa brasileira com o PA de

propulsão nuclear “Ronald Reagan”. Ultrapassou, neste período, o número de 560

catapultagens e recolhimentos de aviões AF-1 em seu convés de voo. Em 2005, após

um acidente a bordo enquanto operava no mar, com o rompimento de uma rede de

vapor que alimentava uma de suas duas catapultas, foi iniciado um longo período de

revitalização, concluído em 2010, quando o navio voltou a operar (ARAGÃO, 2011). É

interessante observar o investimento que a MB realizou na revitalização e

modernização de alguns sistemas deste navio, ocorridas durante os períodos de suas

paradas para reparo, em 2003, em 2005, em 2008 e em 2012. Pode-se destacar

diversas obras de recuperação e modernização no sistema de propulsão, nas

catapultas, no sistema de compilação de dados táticos, no sistema de geração de

energia, dentre outros. Entretanto, devido a necessidade de novas intervenções em

seu sistema de propulsão e de geração de energia, a partir de 2012 o navio encontra-

se em avaliação técnica e reparos adicionais.

Atualmente, as aeronaves AF-1 do Esquadrão VF-1 da MB sofrem novas

modernizações, executadas pela empresa EMBRAER, com a expectativa de

conclusão dos trabalhos nos próximos anos. Ao final deste processo, a Marinha

contará com aeronaves revitalizadas, tanto em propulsão quanto em aviônica, além

de seus sensores eletrônicos, permitindo o seu pleno emprego embarcado em PA por,

pelo menos, mais uma década e meia.

53 Também foram consideradas a possibilidade de aquisição de aeronaves do tipo A-7 Corsair II, Super Étendard e Harrier (ARAGÃO, 2011, p. 117). 54 O BLR equivale, para um aeroporto em terra, à homologação de sua pista para operação com aeronaves

(ARAGÃO, 2011).

Page 76: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

74

Com relação ao PA “São Paulo”, ainda se aguarda a conclusão dos estudos

de sua modernização, a fim de se dar continuidade ao esforço de sua revitalização.

Contudo, conforme afirma ARAGÃO, ao mencionar as diretrizes estabelecidas na

END com relação a operação de PA pela MB, é possível concluir que a capacitação

conquistada pela MB ao longo das últimas cinco décadas, ao deter o operar um PA

em seu Poder Naval, lhe garantiram uma expertise valiosa que não se alcança de

forma instantânea e não sem altos investimentos de elevados custos. Um exemplo

concreto que se observa foi o ocorrido com a Marinha da China55. Ao comissionar seu

primeiro PA em 2011, comprado como sucata da Ucrânia e reformado nos estaleiros

chineses, a Marinha chinesa buscou qualificar sua nova tripulação e pilotos para

operarem este PA, que foi rebatizado de “Liaoning”. Experimentou grande dificuldade

em encontrar cooperação nesse intercâmbio. Uma das soluções encontradas foi a

troca de experiências com a MB, a qual enviou alguns tripulantes do PA “São Paulo”

à China em 2009 para auxiliar no adestramento dos principais postos a bordo.

Ao contrário da dificuldade acima relatada, pode-se observar o ocorrido com

a MB em 2001. Ao se constatar a rapidez com que a MB se capacitou a operar o PA

“São Paulo” com seus próprios aviões e pilotos, com praticamente total independência

de auxílio de qualquer outra nação, fica claramente demonstrada e evidenciada a

validade do esforço da operação do PA “Minas Gerais”, mesmo quando este navio já

atingia uma idade avançada para operação militar de um meio naval. Este esforço tem

reconhecidos méritos e seu valor reside na capacidade de detenção do conhecimento

técnico para operação de uma complexa plataforma como um PA do tipo CATOBAR,

além da capacidade de retenção do conhecimento para o emprego tático de um navio

deste porte em uma Esquadra. Assim, conforme afirma ARAGÃO:

“O Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil [PAEMB] estabelece a obtenção de dois Navios-Aeródromos no futuro. Desse modo, o Brasil asseguraria o conhecimento militar,

tecnológico e humano conquistado ao longo de cinco décadas, disponível a apenas um seleto grupo de Marinhas no mundo. Uma história de conquistas, iniciada na distante década de 1960,

com a incorporação do NAeL Minas Gerais, e ainda em construção, com a modernização e a abertura de novos desafios ao NAe São Paulo” (ARAGÃO, 2011, p.134).

55 A Marinha da China é conhecida pela sigla em inglês PLAN, que significa People’s Liberation Army Navy, ou

seja, Marinha do Exército de Libertação Popular da China.

Page 77: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

75

1.3 CONCLUSÕES

Quanto ao comportamento do Brasil no cenário atual, sendo a MB detentora

de um PA da categoria CATOBAR, a de maior capacidade ofensiva, e sendo este o

único navio desta classe no âmbito regional, é possível extrair as seguintes

conclusões.

Sabendo-se que o Brasil é um país pacífico e respeitador dos direitos dos

demais Estados; que estabeleceu em seu ordenamento jurídico e nas Diretrizes e

Orientações de Política e Estratégia o preceito da dissuasão como um de seus pilares

estratégicos; que a PND estabeleceu que “À ação diplomática na solução de conflitos

soma-se a estratégia militar da dissuasão” (BRASIL, 2012a, item 7.12); e que nas

Diretrizes promulgadas na END, a base do pensamento se apoia no desenvolvimento

da capacidade de dissuasão militar, é portanto coerente o desenvolvimento de

capacidades militares de meios como PA e submarinos, especialmente os de

propulsão nuclear, por exercerem este papel estratégico de poder e de dissuasão.

Entretanto, a despeito do atual domínio da perícia da operação de um meio

complexo como o PA “São Paulo” pela MB, duas ações imprescindíveis necessitarão

ser seguidas, advindas das análises do conteúdo das discussões apresentadas neste

Anexo, se adotada a decisão de se manter um PA no inventário do Poder Naval

brasileiro. A primeira ação se refere ao exercício do papel estratégico da dissuasão.

Somente uma Força Naval adestrada e contando com a plena disponibilidade

operacional de seus meios navais poderá alcançar os efeitos desejados desta tarefa

estratégica do Poder Naval, a dissuasão. Como se demonstrou neste estudo que o

custo de operação de um CSG exige um elevado vulto de recursos, a primeira ação

necessária seria a de equacionar a questão orçamentária que possa suportar as

demandas exigidas para a manutenção e a operação de um arranjo como um CSG

na MB. Se esta condição não for respeitada, o atingimento do propósito da dissuasão

pela capacidade de operação e emprego de uma Força nucleada em PA estará

significativamente comprometida.

A segunda ação necessária se refere ao emprego estratégico da Força

nucleada em PA para a consecução dos papéis doutrinários que lhes cabe. Como há

uma robusta e fundamentada contestação teórica a respeito da habilitação atualmente

exercida pela Força nucleada em PA para a realização de todas as suas supostas

tarefas estratégicas previstas frente aos novos desafios assumidos como existentes

Page 78: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

76

na área estratégica de atuação do Poder Naval, como no caso brasileiro, seria

necessário que a MB estudasse minuciosamente a competência do desempenho de

seu PA no atingimento dos objetivos táticos e operacionais previstos na doutrina de

emprego de um PA vigente na MB. Esta ação se faz necessária, a fim de que se

conheça perfeitamente quais as capacidades e limitações de sua Força nucleada em

PA, redimensionando o papel estratégico previsto em sua doutrina de emprego para

o seu PA. Esta ação permitirá, também, se perceber qual o grau de risco que se

pretende submeter a Força nucleada em PA quando for empregada nas diferentes

tarefas do Poder Naval.

Page 79: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

77

ANEXO B

O EMPREGO ATUAL DO PODER NAVAL NO OCEANO ÍNDICO OBEDECENDO A

UMA ESTRATÉGIA MARÍTIMA

O recente interesse na geopolítica do Oceano Índico tem atraído um maior

número de Forças Navais de diferentes países para a região. Um outro fenômeno que

chama a atenção é o aumento na quantidade de PA que compõem o Poder Naval das

Marinhas dos países acima mencionados. A combinação desses elementos é

analisada por UPADHYAYA em seu artigo para a Revista IHS Jane’s Navy

International, publicado em março de 2015.

O recente e incessante crescimento do interesse mundial sobre a região do

Oceano Índico pode ser decifrado sob uma ótica geoestratégica, decompondo-se a

questão, basicamente, em três fatores. Primeiramente, observa-se que na região se

encontram importantes fontes de riquezas minerais, como petróleo e gás, além de

outros minerais raros e valiosos. Com o incremento da exploração destas riquezas,

tem crescido exponencialmente o comércio marítimo na região, chegando a 80% o

volume de tráfego desses produtos destinados a países para fora da região. Em

segundo lugar, é possível observar que o ambiente marítimo da região encontra-se

com sua segurança ameaçada, especialmente em pontos focais como o Estreito de

Malaca e o Golfo de Áden. Após mais de cem anos com relativa estabilidade,

reapareceu naquelas águas a presença de ataques piratas e roubo armado aos navios

mercantes que trafegam na região. Um aspecto que contribui com o ressurgimento

deste cenário na região é o atual estado de instabilidade política, econômica e social

por que passam alguns dos países lindeiros da região, como a Indonésia. E

finalmente, em terceiro lugar, surge de forma evidente a deficiência de infraestrutura

desses países e a decorrente incapacidade para lidar com os recentes efeitos dos

desastres naturais que têm assolado a região, como foi o caso do tsunami de 2004.

Portanto, a combinação desses fatores provoca consequências que superam

as capacidades dos Estados lindeiros de resolverem estas complexas questões que

se apresentam de forma autônoma, sem a necessidade de auxílio externo. Sob a

perspectiva militar, essas ameaças não tradicionais se somam às relações de risco

de crises entre Estados, exigindo das Forças Navais atuantes na área a versatilidade

para o desenvolvimento de capacidades para o emprego do Poder Naval neste

cenário de incertezas e de distintos desafios (UPADHYAYA, 2015, p.28).

Page 80: SALGUEIRINHO, Sergio Renato Berna. O Emprego Estratégico do

78

Deve-se somar a esses fatores acima mencionados mais um importante

ingrediente, que é a maior presença de forças navais chinesas nas águas da região.

A China, que hoje já é a segunda maior economia do mundo, vem apresentando

crescente interesse na região, o que tem afetado o equilíbrio geoestratégico reinante.

Sua economia, notadamente orientada para a exportação de produtos manufaturados,

enxerga na garantia da segurança das Linhas de Comunicação Marítima (LCM) um

elemento indispensável para a manutenção do crescimento do país e do seu povo.

Esse comércio de exportação de produtos manufaturados e de importação de

matérias-primas atravessa em boa medida as águas do Oceano Índico, o que explica

a postura adotada pela Marinha da China nos últimos anos, como ressalta

UPADHYAYA.

“...a importância do Poder Naval [Chinês] em assegurar o comércio e o acesso às fontes estratégicas de matérias-primas

tem recebido crescente atenção de Pequim. Isso, sem dúvida, levou à expansão em grande escala da PLAN56, incluindo a aquisição de um PA e o foco em operações cruzando o Oceano

Índico (UPADHYAYA, 2015, p.28 – tradução nossa).

O crescimento da presença chinesa naquelas águas é muito significante e

interfere no equilíbrio geoestratégico de forças, pois, além do natural interesse e

presença da Marinha da Índia, que também possui um PA em operação no Oceano

Índico e, atualmente, constrói outro PA em seu próprio país57, os EUA recentemente

alteraram a direção do eixo de seu interesse para aquela região. Um dos fatores dessa

mudança foi justamente a ameaça à Pax Americana representada pelo crescimento

da economia chinesa e de suas ações estratégicas nesse início de século. Cabe

mencionar, ainda, que a USN opera de acordo com alguns princípios estratégicos

próprios58, que se baseiam na aliança com outras Marinhas pertencentes à OTAN.

Por meio dessa estratégia, observa-se a presença de Forças Navais pertencentes às

principais Marinhas do mundo na região do Oceano Índico. Dentre essas, observa-se

a presença naquelas águas de PA da França e da Itália.

56 PLAN é a sigla para People’s Liberation Army Navy, como é conhecida a denominação para a Marinha

chinesa. 57 A Índia adquiriu o ex-PA “Gorshkov” da Marinha russa, o qual foi revitalizado na própria Rússia, sendo entregue à Índia. Lá recebeu o nome de PA “Vikramadytia”. Na ocasião a Índia operava seu PA classe

“Colossus”, o PA “Vikrant”, o qual foi descomissionado após a chegada do novo PA. Atualmente constrói um PA nos estaleiros do próprio país. Sua Ala Aérea embarcada é composta por aeronaves MIG-29, de procedência russa (UPADHYAYA, 2015, p.30). 58 Sua atual estratégia marítima é conhecida como “Uma Estratégia de Cooperação para o Poder Naval do

Século XXI” (UPADHYAYA, 2015, p.28 - tradução nossa)