saberes silenciados: os conhecimentos sobre … · simpósio brasileiro de saúde e ambiente ......

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2º. Simpósio Brasileiro de saúde e Ambiente de 19 a 22 de outubro Eixo norteador Eixo 2. A função social da ciência, ecologia de saberes e outras experiências de produção compartilhada de conhecimento SABERES SILENCIADOS: OS CONHECIMENTOS SOBRE SAÚDE DAS CULTURAS TRADICIONAIS DO VALE DO JEQUITINHONHA Autores: Docentes: Silvia Regina Paes (UFVJM); Rosana Passos Cambraia (UFVJM);Marivaldo Aparecido de Carvalho (UFVJM). Acadêmicos: Eloízio Fernado das Neves (UFVJM) e Deiviany Santana

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2º. Simpósio Brasileiro de saúde e Ambiente

de 19 a 22 de outubro

Eixo norteador

Eixo 2. A função social da ciência, ecologia de saberes e outras experiências de produção

compartilhada de conhecimento

SABERES SILENCIADOS: OS CONHECIMENTOS SOBRE SAÚDE DAS

CULTURAS TRADICIONAIS DO VALE DO JEQUITINHONHA

Autores: Docentes: Silvia Regina Paes (UFVJM); Rosana Passos Cambraia

(UFVJM);Marivaldo Aparecido de Carvalho (UFVJM).

Acadêmicos: Eloízio Fernado das Neves (UFVJM) e Deiviany Santana

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Resumo

Introdução: As culturas tradicionais brasileiras e da America Latina em geral passaram por um longo processo de transformação após chegada dos europeus. A imposição da cultura ocidental europeia sobre o conhecimento das culturas tradicionais, rotulado de supersticioso, fez com que essas fossem relegadas ao silêncio. Objetivo: A presente comunicação tem como objetivo ampliar e fomentar a discussão acerca das práticas e saberes populares a respeito da doença e da saúde das comunidades tradicionais. Os conceitos de saúde e doença são produzidos a partir de experiências contextuais, culturais, históricas e sociais, e igualmente construídos são os procedimentos de cura. A compreensão sobre o processo de conhecimento popular faz parte da questão da humanização da saúde preconizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde do Brasil). Um de seus pressupostos é o respeito com a singularidade dos atores (pacientes e profissionais) implicados no processo de produção e manutenção da saúde. São vastos os conhecimentos e as técnicas de cura das culturas tradicionais (indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e outros) que podem contribuir à expansão do conhecimento na área da medicina. No processo de cura há que levar em consideração a dimensão sagrada nas culturas tradicionais: a fé cura. Dimensão esta que exerce uma função fundamental para que o ato de curar se efetive. Metodologia: A metodologia do projeto, em desenvolvimento, se dá por meio de oficinas de vídeo, memória e saúde, mapa cultural e entrevistas a partir de estudos de memória como parte da História Oral. Resultados parciais: Este conjunto de métodos e técnicas de desenvolvimento do projeto nos leva a perceber que os conhecimentos das comunidades tradicionais sobre saúde/doença, sobre a natureza, compõem o patrimônio imaterial e correm silenciosamente apesar da discriminação do conhecimento acadêmico. Palavras-Chave: Saúde, Ambiente, Cultura tradicional, Conhecimento tradicional.

O presente artigo faz parte das reflexões feitas a partir do projeto de extensão em

interface com a pesquisa, intitulado “Saberes silenciados: saúde e ambiente das

comunidades quilombolas do Alto Vale do Jequitinhonha” apresentado à FAPEMIG e

aprovado no Edital FAPEMIG 07/2012. O referido projeto teve inicio em 2013 e será

concluído em 2015.

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Titulo: Saberes silenciados: os conhecimentos sobre saúde das culturas tradicionais no Vale

do Jequitinhonha

Resumo

Introdução: As culturas tradicionais brasileiras e da America Latina em geral passaram por

um longo processo de transformação após chegada dos europeus. A imposição da cultura

ocidental europeia sobre o conhecimento das culturas tradicionais, rotulado de supersticioso,

fez com que essas fossem relegadas ao silêncio. Objetivo: A presente comunicação tem como

objetivo ampliar e fomentar a discussão acerca das práticas e saberes populares a respeito da

doença e da saúde das comunidades tradicionais. Os conceitos de saúde e doença são

produzidos a partir de experiências contextuais, culturais, históricas e sociais, e igualmente

construídos são os procedimentos de cura. A compreensão sobre o processo de conhecimento

popular faz parte da questão da humanização da saúde preconizada pelo SUS (Sistema Único

de Saúde do Brasil). Um de seus pressupostos é o respeito com a singularidade dos atores

(pacientes e profissionais) implicados no processo de produção e manutenção da saúde. São

vastos os conhecimentos e as técnicas de cura das culturas tradicionais (indígenas,

quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e outros) que podem contribuir à expansão do

conhecimento na área da medicina. No processo de cura há que levar em consideração a

dimensão sagrada nas culturas tradicionais: a fé cura. Dimensão esta que exerce uma função

fundamental para que o ato de curar se efetive. Metodologia: A metodologia do projeto, em

desenvolvimento, se dá por meio de oficinas de vídeo, memória e saúde, mapa cultural e

entrevistas a partir de estudos de memória como parte da História Oral. Resultados parciais:

Este conjunto de métodos e técnicas de desenvolvimento do projeto nos leva a perceber que

os conhecimentos das comunidades tradicionais sobre saúde/doença, sobre a natureza,

compõem o patrimônio imaterial e correm silenciosamente apesar da discriminação do

conhecimento acadêmico.

Introdução

O foco dos estudos é a cultura tradicional dos vales do Jequitinhonha e Mucuri em

Minas Gerais/Brasil. O objetivo principal é estabelecer um diálogo entre os conhecimentos

produzidos por estas culturas e os produzidos pela universidade. O objetivo do projeto

desenvolvido e em desenvolvimento é a busca por novas metodologias, a partir do diálogo

participativo entre as comunidades tradicionais e a universidade a respeito das questões

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relacionadas à saúde. Esta prática se faz necessário no contexto da humanização da saúde

preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS)1.

Para um melhor esclarecimento sobre o significado de comunidade tradicional ou

cultura tradicional houve a necessidade de rever estes conceitos a partir de alguns autores

como Diegues. A compreensão sobre as comunidades tradicionais no contexto do processo

de globalização se faz necessário para melhor situá-las no transcorrer do desenvolvimento

no Brasil.

As representações sociais contribuíram para uma melhor compreensão dos

significados e importância dada aos conhecimentos pelas culturas tradicionais e os

representantes responsáveis pelas práticas curativas.

Os conhecimentos sobre tratamentos de diferentes doenças, em uma comunidade,

são muito variados. Alguns destes conhecimentos mais gerais, como o uso de chás, são de

domínio de toda comunidade e os mais específicos pertencem às benzedeiras ou

curandeiros que tratam dos problemas mais difíceis de serem curados. Mas, todo e qualquer

conhecimento é coletivo e não se tem um beneficio por saber mais que os demais membros

da comunidade. Os benzimentos ou benzeção feitos pelos curandeiros e benzedeiras são

gratuitos.

Sendo assim, os conceitos de saúde e doença são produzidos a partir de

experiências contextuais, culturais, históricas e sociais, e igualmente construídos são os

procedimentos de cura.

Objetivos:

O objetivo principal é ampliar e fomentar a discussão acerca das práticas e saberes

populares a respeito da doença e da saúde das culturas denominadas de tradicionais. É

importante estabelecer um diálogo entre os conhecimentos produzidos por estas culturas e

os produzidos pela universidade. Os projetos desenvolvidos e em desenvolvimento é a

busca por novas metodologias, a partir do diálogo participativo entre as comunidades

tradicionais e a universidade a respeito das questões relacionadas à saúde.

Método:

O projeto está sendo desenvolvido a partir de várias atividades no formato de

oficinas nas comunidades quilombolas do município de Diamantina e Serro (MG) e na

UFVJM com estudantes e professores ligados à área da saúde e outros interessados.

11 Politica Pública de saúde brasileira. Garante o acesso a toda população aos serviços de saúde

gratuitamente.

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Entende-se a oficina como propiciadora à construção coletiva do conhecimento. A

partir dos intercâmbios entre os participantes se estabelecerá a confiabilidade necessária

para o sucesso dos trabalhos. E ainda destaca-se a relevância de se pensar e criar, o que

Paulo Freire (1996) chama de “pedagogicidade do espaço” como proposta de uma visão

integral dos sujeitos e sua interação no processo educacional.

A metodologia que vem sendo utilizada durante o processo de conscientização

dialógica e de sensibilização dos sujeitos são constituídas das seguintes técnicas,

instrumentos e recursos: diário de campo, entrevistas, oficinas temáticas, fotografias,

filmagens, construção de um mapa do ambiente (social, cultural e natural). As oficinas são:

Oficina Saúde e Memória – reconstrução do conhecimento da comunidade do cuidado com

a saúde a partir de suas representações sobre saúde, doença e ambiente; Áudio visuais

(filmes, multimeios): técnica complementar que auxilia a transmissão do conteúdo; filmagens

para construção de um documentário; Fórum de Diálogo: como um exercício importante

para expressar idéias, mediar e resolver conflitos. Será desenvolvido na comunidade e na

UFVJM; Construção de um Mapa Sócio-Cultural local participativo: como uma maneira de

representação do lugar sobre saúde, doença e ambiente sob a perspectiva de quem vive no

mesmo; Estudo do meio: conhecimento do meio natural do lugar e da comunidade para

aguçamento da observação; a sensibilidade como estímulo aos sentidos; Hora do conto:

registro de histórias do lugar, causos e contos tradicionais que marcam a identidade do lugar

como uma maneira de aprofundamento do conhecimento sobre a cultura e a relação da

mesma com os espaços naturais; Dinâmicas de grupo: técnica utilizada para união dos

participantes e para a descontração

Resultados:

A convivência com as comunidades tradicionais (quilombolas e de agricultores

familiares) do Alto Vale do Jequitinhonha tem demonstrado as possibilidades de construção

de uma nova maneira de se pensar à saúde devido à riqueza de conhecimento que essas

culturas têm. O conhecimento proveniente dessas comunidades tem uma forte ligação aos

espaços naturais onde elas vivem. São conhecedoras de uma enorme quantidade de

plantas e técnicas de cura extremamente importantes para a sociedade em geral.

O grau de conhecimento que as pessoas de toda comunidade têm e, algumas em

particular, como as benzedeiras, parteiras, raizeiros(a) são hoje reconhecidos como

patrimônio imaterial em que o Brasil passou a ter lei que o preserve.

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Esses conhecimentos fazem parte do que Lévi-Strauss designou de “ciência do

concreto”. Para os guardiões2 dessa sabedoria eles adquiriram tais conhecimentos através

de Deus. É um dom que algumas pessoas têm. Ter fé é necessário para que a cura se

efetue. Fé em quem pratica a benzeção e de quem recebe o tratamento.

A relação do cuidado, no tratamento de uma enfermidade, na comunidade

tradicional, com a religião e espiritualidade não se separam no processo de tratamento. Há

por parte dos “especialistas” benzedores, no uso de suas técnicas de tratamento, um

sincretismo que faz parte das benzeções e rezas.

O conhecimento de plantas, de animais e minerais é importante para determinar o

melhor procedimento de acordo com cada caso avaliado.

A maioria, das benzedeiras, afirmou que é procurada por profissionais da saúde

(médicos, enfermeiros e outros) para que elas consigam resolver os problemas que os

afligem. Em geral os que mais procuram são os moradores locais. Dependendo da

benzedeira, ela é procurada por pessoas de outro local ou cidade. Estes curandeiros são

bastante flexíveis e admitem o valor que um medico tradicional tem. O inverso não

acontece. Em geral, os médicos formados pala medicina tradicional cientifica não admite a

validade de um conhecimento e procedimentos oriundos das comunidades tradicionais.

Em muitos casos, narrados pelas benzedeiras, se conseguem curar seus pacientes

depois de os mesmos não terem sucesso com o tratamento da medicina convencional. As

técnicas de tratamentos são os mais variados, tais como: uso de pedaços de carvão, ramos

de folhas e galhos de plantas, copo de água, rezas, sacudir a criança colocando-a de

cabeça para baixo e muitas outras. Estas técnicas são usadas para eliminar mal olhado,

vento virado, quebranto, sol da cabeça, cobreiro3 e outros. Em tratamentos mais sérios,

como mordida de cobra, os procedimentos são mais rigorosos como fazer dieta, ficar de

quarentena e, também, não procurar o tratamento feito por médicos. Tem que seguir a risca

o que o benzedor prescreve.

Pode se observar que os conhecimentos dos “médicos” das comunidades seguem

silenciosos, longe dos holofotes da modernidade cientifica convencional. Mas, fazem parte

do cotidiano de muitas comunidades rurais e também das urbanas. Em alguns lugares são

visíveis, em outros invisíveis. Tem momentos que se mostram e outros se escondem,

dependendo se são aceitos ou sofrem preconceitos. Tem benzedeiras que se retraem e

deixam de benzer porque sofreram preconceitos por parte de religiosos ou ainda são

chamadas de bruxas ou macumbeiras4.

2 Guardiões da sabedoria de uma comunidade são velhos e velhas que guardam, na memória, as

lembranças da história e cultura de seu povo e a transmitem através da fala. 3 Tipos de problemas que as benzedeiras resolvem.

4 Macumba tem um sentido pejorativo, no Brasil, e denomina ritual para fazer o mal. E está carregado de preconceito historicamente marco contra a cultura negra. Porém, macumba em seu sentido exato, é uma espécie

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Os conhecimentos das culturas tradicionais foram e ainda são silenciados pela

sociedade hegemônica, mas se pode observar que estas mesmas culturas continuam a

exercitar seus conhecimentos e a transmitirem aos interessados que convivem com os

conhecedores e pedem para aprender.

As comunidades que vivem em zonas rurais, distantes dos meios urbanos,

conseguem ainda preservar com mais autenticidade e exercitar com mais frequência os

conhecimentos ligados à cura de doenças. Seja pela dificuldade em ter acesso aos meios

convencionais pela distância dos centros urbanos, seja por também acreditarem na eficácia

dos tratamentos dos “médicos” (curandeiros, benzedeiras, raizeiros) locais.

Àquelas comunidades que vivem em zonas urbanas, ou bem próximo a elas, ainda

mantém um modo de vida rural, principalmente, reproduzem suas crenças culturais dentro

dos novos limites impostos e continuam praticando suas atividades tradicionais ligadas à

saúde e seus representantes curandeiros são bastante procurados por um público mais

diversificado. Seus quintais estão cheios de ervas e plantas medicinais para uso próprio ou

para a benzeção de pessoas que procuram a cura de seus males pelos conhecedores

reconhecidos da comunidade.

Conclusão

Os conhecimentos produzidos pelas culturas tradicionais do Vale do Jequitinhonha e

brasileiras de um modo geral, estão ainda cuidadosamente preservados por seus

“especialistas” e podem manter um diálogo com outros conhecimentos produzidos na

academia. Porém, estes mesmos conhecimentos continuam sendo violados e retirados do

domínio da cultura que o produziu para servir de valor econômico para a indústria

farmacêutica. Enquanto a mídia e a própria ciência desmerece esses conhecimentos por

não passarem pelo filtro dos laboratórios das universidades e das indústrias. As leis não

protegem as culturas tradicionais em geral e muito menos protegem os conhecimentos

produzidos por elas. Mas, estes conhecimentos seguem sendo importantes e respeitados

por aqueles que não obtêm uma resposta satisfatória pelas ciências convencionais,

principalmente no que diz respeito aos tratamentos de doenças.

O conhecimento das culturas tradicionais corre silenciosamente apesar da

constante ameaça de silenciamento imposto pela sociedade dominante.

CASTELLI, Pierina German & e WILKINSON, John (2002). Conhecimento tradicional,

inovação e direitos de proteção. Revista Estudos sociedade agricultura.

IANNI, Octavio (1993). Teorias da globalização. 4ª ed., Rio de Janeiro, Civilização

Brasileir, 1997. MARTINS, J. S. A chegada do estranho. São Paulo: Ed. Hucitec.

de árvore africana e também um instrumento musical utilizado em cerimônias de religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda.

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JODELET, Denise (2001). (Org.). As representações sociais: um domínio em expansão.

Rio de Janeiro: EDUERJ.

LEFÈVRE Fernando; LEFÈVRE, Ana Maria Cavalcanti (2000). Os novos instrumentos no

contexto da pesquisa qualitativa. In: LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C.; TEIXEIRA, J. J. V.

(Orgs.) O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem metodológica em pesquisa

qualitativa. Caxias do Sul: Educs.

LEFF, Enrique (2009). Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade,

poder. Petrópolis RJ: Vozes, 2001. Disponível em:

www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414...script. Acesso em: março/2009.

SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.

Título resumido: Saberes Silenciados

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Ilustrações – Fotos: Silvia Regina Paes

Coleta de feijão pela comunidade Associação da Comunidade de Baú em Serro/MG

Fogão á lenha e utilização de brasa para Vassoura feita de palha.

benzimento

Chifre de boi como proteção à casa e às plantações Plantação de ervas e hortaliças

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Benzedor de Serro Benzedeira de Curralinho, Distrito de diamantina/MG

Símbolos de religiosidade Objetos para benzeção

Erva Artemísia utilizada para benzimentos e chás Canteiro de ervas.