s à o l u Í s : u m a l e i t u r a d a c i d a d e

20
62 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E Figura 6.1 - Praça D. Pedro II e Palácio dos Leões (Vista aérea). 1 José Marcelo do Espírito Santo, Arquiteto e Urbanista 6 FORMAÇÃO HISTÓRICA E O PROCESSO ATUAL DE DESENVOLVIMENTO DA CIDADE 1 Em 8 de setembro de 1612 Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, oficializou a fundação da cidade de São Luís de forma cerimoniosa, conforme costume dos colonizadores franceses em todos seus territórios coloniais. Uma vez iniciada sua edificação, o Forte de Saint Louis (homenagem ao Rei-Menino Luís XIII) foi a principal construção francesa na Upaon Açu (Ilha Grande), dominada pelos índios Tupinambás. Estes aproximaram suas construções de pau e folha de pindoba no entorno do forte, formando, juntamente com barracões de madeira construídos pelos recém chegados o embrião da principal praça da cidade, hoje denominada D. Pedro II (Fig. 6.1). Através de mãos francesas e indígenas, esta intervenção no meio natural daquele trecho do sítio, escolhido para instalação do forte, foi determinante no desenvolvimento da cidade e permitiu o surgimento do mais antigo espaço urbanizado de São Luís. Somente em 1615 deu-se a reconquista do Maranhão pelos portugueses, sob o comando de Jerônimo de Albuquerque. Para garantir e oficializar o domínio lusitano, São Luís passou por organização administrativa, quando, entre outras medidas, o Engenheiro-Mor do Brasil Francisco Frias de Mesquita executou um plano de arruamento que deveria orientar o seu crescimento e que foi deixado na Colônia como norma. A União Ibérica (entre 1580 e 1640), quando a Coroa Portuguesa esteve sob domínio espanhol, determinou este desenho próprio e particular ao desenvolvimento do núcleo urbano agora sob colonização portuguesa. Tal norma urbanística, de origem espanhola, marcou o domínio físico do novo núcleo urbano sobre a cultura indígena encontrada na América, determinando aos colonizadores que só era permitida a exploração econômica das novas terras ou a catequese dos indígenas à obediência da Metrópole e da Igreja após a conclusão do povoamento de fato, com a construção dos arruamentos estruturantes mínimos e das principais edificações governamentais. Em São Luís esta mesma marca urbanística foi deixada por Frias de Mesquita como regra, uma traça (do espanhol traza), um plano regulador em duas dimensões que formará um novo tipo de cidade, agora regular e com regras para sua expansão. Esta orientação de traçado urbano foi adotada nas ruas de São Luís, a ponto de, quando da invasão holandesa (1641), ser registrada no que são consideradas as mais antigas planta e vista da cidade (Figs. 6.2 e 6.3), já revelando o atual desenho urbano do Centro Histórico. As praças (as plazas mayores e plazas de armas espanholas), as ruas ortogonais orientadas de acordo com os pontos cardeais e as fachadas dos edifícios (que deveriam ser concebidas com o máximo de regularidade, simetria e belas visuais) marcaram o modelo implantado pelos espanhóis em suas cidades coloniais e refletiram as expectativas renascentistas de beleza, simetria e ordenação racional dos espaços públicos. São Luís apresentou seu desenvolvimento físico através de um arruamento ortogonal, também com orientação pelos pontos cardeais favorecendo a insolação e ventilação uniformes de todas as edificações, cujas fachadas apresentam regularidade na extensão da rua, ocupando toda a testada principal do lote sem recuos frontais. São Luís apresenta em seu Centro Antigo, no sítio original de sua fundação, o modelo da Plaza Mayor, contendo os principais edifícios administrativos: o Palácio dos Leões (antigo Palácio dos Governadores), a Arquidiocese e a Catedral da Sé (principais edifícios religiosos), o Palácio La Ravardière, sede da Prefeitura Municipal (antiga Casa de Câmara e Cadeia) e já no século 20 (mantendo o caráter do logradouro de espaço centralizador dos poderes) recebeu o Palácio da Justiça. O desenvolvimento da cidade manteve este modelo urbano ao longo dos séculos 18 e 19, na medida que se expandiu em direção ao

Upload: others

Post on 30-Oct-2021

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

62 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

Figura 6.1 - Praça D. Pedro II e Palácio dos Leões (Vista aérea).

1

José Marcelo do Espírito Santo, Arquiteto e Urbanista

6 FORMAÇÃO HISTÓRICA E O PROCESSO ATUAL DE

DESENVOLVIMENTO DA CIDADE

1

Em 8 de setembro de 1612 Daniel de La Touche, Senhor de

La Ravardière, oficializou a fundação da cidade de São Luís de forma

cerimoniosa, conforme costume dos colonizadores franceses em todos

seus territórios coloniais. Uma vez iniciada sua edificação, o Forte de

Saint Louis (homenagem ao Rei-Menino Luís XIII) foi a principal

construção francesa na Upaon Açu (Ilha Grande), dominada pelos

índios Tupinambás. Estes aproximaram suas construções de pau e

folha de pindoba no entorno do forte, formando, juntamente com

barracões de madeira construídos pelos recém chegados o embrião

da principal praça da cidade, hoje denominada D. Pedro II (Fig. 6.1).

Através de mãos francesas e indígenas, esta intervenção no meio

natural daquele trecho do sítio, escolhido para instalação do forte, foi

determinante no desenvolvimento da cidade e permitiu o surgimento

do mais antigo espaço urbanizado de São Luís.

Somente em 1615 deu-se a reconquista do Maranhão pelos

portugueses, sob o comando de Jerônimo de Albuquerque. Para

garantir e oficializar o domínio lusitano, São Luís passou por

organização administrativa, quando, entre outras medidas, o

Engenheiro-Mor do Brasil Francisco Frias de Mesquita executou um

plano de arruamento que deveria orientar o seu crescimento e que foi

deixado na Colônia como norma. A União Ibérica (entre 1580 e 1640),

quando a Coroa Portuguesa esteve sob domínio espanhol, determinou

este desenho próprio e particular ao desenvolvimento do núcleo urbano

agora sob colonização portuguesa.

Tal norma urbanística, de origem espanhola, marcou o domínio

físico do novo núcleo urbano sobre a cultura indígena encontrada na

América, determinando aos colonizadores que só era permitida a

exploração econômica das novas terras ou a catequese dos indígenas

à obediência da Metrópole e da Igreja após a conclusão do povoamento

de fato, com a construção dos arruamentos estruturantes mínimos e

das principais edificações governamentais. Em São Luís esta mesma

marca urbanística foi deixada por Frias de Mesquita como regra, uma

traça (do espanhol traza), um plano regulador em duas dimensões

que formará um novo tipo de cidade, agora regular e com regras para

sua expansão.

Esta orientação de traçado urbano foi adotada nas ruas de São

Luís, a ponto de, quando da invasão holandesa (1641), ser registrada

no que são consideradas as mais antigas planta e vista da cidade

(Figs. 6.2 e 6.3), já revelando o atual desenho urbano do Centro

Histórico. As praças (as plazas mayores e plazas de armas espanholas),

as ruas ortogonais orientadas de acordo com os pontos cardeais e as

fachadas dos edifícios (que deveriam ser concebidas com o máximo

de regularidade, simetria e belas visuais) marcaram o modelo

implantado pelos espanhóis em suas cidades coloniais e refletiram as

expectativas renascentistas de beleza, simetria e ordenação racional

dos espaços públicos. São Luís apresentou seu desenvolvimento físico

através de um arruamento ortogonal, também com orientação pelos

pontos cardeais favorecendo a insolação e ventilação uniformes de

todas as edificações, cujas fachadas apresentam regularidade na extensão

da rua, ocupando toda a testada principal do lote sem recuos frontais.

São Luís apresenta em seu Centro Antigo, no sítio original de

sua fundação, o modelo da Plaza Mayor, contendo os principais edifícios

administrativos: o Palácio dos Leões (antigo Palácio dos Governadores),

a Arquidiocese e a Catedral da Sé (principais edifícios religiosos), o

Palácio La Ravardière, sede da Prefeitura Municipal (antiga Casa de

Câmara e Cadeia) e já no século 20 (mantendo o caráter do logradouro

de espaço centralizador dos poderes) recebeu o Palácio da Justiça.

O desenvolvimento da cidade manteve este modelo urbano ao

longo dos séculos 18 e 19, na medida que se expandiu em direção ao

Page 2: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E 63

interior da ilha. A partir deste traçado original a formação e desenvolvimento dos espaços públicos e

privados prosseguiu de forma diferenciada do modelo colonial do resto do país, tipicamente portugueses,

que submeteram seu desenho urbano à topografia, como se apresenta em Alcântara. Somente após a

consolidação desta forma urbanística é que foram tomadas medidas para integrar o Maranhão à Coroa

Portuguesa, como a Criação do Estado do Maranhão (compreendendo as Capitanias do Grão-Pará, Ceará

e Maranhão) em maio de 1617 e instalação da Câmara Municipal de São Luís, elevada a categoria de

Vila, em 1619.

Na segunda metade do século 18 o Rei D. José I, através de seu Primeiro Ministro Sebastião José

de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, determinou uma série de investimentos e incentivos na

manufatura cerâmica, na produção do vinho e nas tecelagens, como forma de aumentar a oferta de

empregos para a população portuguesa. Para garantir o fornecimento de matéria-prima para a iniciante

indústria manufatureira da Metrópole, Pombal criou uma série de Companhias de Comércio em diferentes

regiões de suas colônias, como a Companhia da Ásia (1753), a Companhia da Pesca da Baleia e a da

Agricultura dos Vinhos do Alto Douro (1756) e a Companhia de Pernambuco e Paraíba (1759).

Em São Luís foi instalada a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão

(em 1755) que introduziu no Maranhão o cultivo do algodão em larga escala, através da mão-

de-obra negra. Agora integrado ao sistema mundial de comércio, através da exportação do

arroz, algodão e materiais regionais (agro-exportação), o Maranhão canalizou para São Luís

e Alcântara os principais portos de escoamento, determinando uma circulação de riquezas

que promoveu um florescimento cultural e urbano significativo para as duas cidades.

Também resultado deste período de desenvolvimento foi a elevação da Vila de Paço do Lumiar,

em 1761.

Porém, em 1755, no mesmo ano da criação da Companhia de Comércio, um terremoto

de grandes proporções destruiu um terço da cidade de Lisboa e deixou mais de 40 mil mortos.

Este fato determinou um plano de reconstrução que previu a primeira pré-industrialização dos

elementos arquitetônicos na história, determinados por Pombal para garantir maior velocidade

nas obras de recuperação física da capital lusitana.

As novas edificações em São Luís (fruto do desenvolvimento da Companhia de Comércio)

seguiram os mesmos princípios estilísticos hoje reconhecidos como Barroco Pombalino, surgidos

como resultado plástico das medidas normatizadoras propostas pela equipe de engenheiros e

arquitetos a serviço de Pombal na reconstrução de Lisboa. Aproximaram-se aqui os modelos

portugueses utilizados na reconstrução da chamada Baixa Pombalina, em Lisboa, dos modelos

adotados em São Luís do Maranhão.

Figura 6.2 - São Luís em 1641, em registro do cartógrafo holandês Johanes Vingboons. FONTE: REIS FILHO, 2000.

Figura 6.3 - Vista de São Luís quando da invasão holandesa (1641), obra do pintor Franz Post. FONTE:

REIS FILHO, 2000.

Page 3: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

64 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

Figura 6.4 – Vista da Rua Portugal que apresenta características do Barroco

Pombalino, como: o uso freqüente de emolduramento dos vãos, sacadas

em pedra de liós, guarnecidas por balcões de ferro forjado ou fundido,

pisos, soleiras, molduras e portadas em cantaria.

Figura 6.5 – Praça Benedito Leite no início do século 20. A praça apresentava o estilo dos jardins franceses, onde predominava a vegetação topiária. FONTE:

CUNHA, Gaudêncio. Álbum do Maranhão, 1908.

São desse período a lavra das pedras de cantaria (as pedras de

liós) que compõem o acervo arquitetônico da cidade, também utilizadas

e provenientes de Lisboa como lastro dos navios mercantes que

chegavam à cidade para o transporte do algodão para a Europa e a

chegada dos primeiros lotes de azulejaria portuguesa para utilização

nos novos edifícios, financiados por comerciantes portugueses ligados

às atividades da Companhia Geral de Comércio (Fig. 6.4).

Ao final do século 19 a Abolição da Escravatura e a posterior

Proclamação da República comprometeram a produção algodoeira,

causando nova estagnação econômica que durou até o início da

segunda metade do século 20, apenas interrompido por breve surto

industrial têxtil nas décadas de 30/40, que, porém não resistiu à

concorrência do parque industrial do sul do país.

Se o século 19 caracterizou-se pela gradativa diminuição das

exportações de matéria prima (o algodão), com a internalização do

comércio, e simultaneamente teve lugar o aparecimento das primeiras

indústrias, este fato trouxe repercussões espaciais na ocupação do

solo urbano. Representou a expansão da malha urbana existente,

que se restringia até então ao Centro Antigo e suas imediações.

A implantação das primeiras indústrias têxteis (somaram 24

fábricas) e o surgimento de infra-estrutura e serviços urbanos (a criação

da Companhia de Águas e Companhia Telefônica) evidenciou um

processo de crescimento, denotando a aplicação de recursos financeiros

por parte do recém surgido empresariado, composto por agricultores

que naquele momento passaram a trocar suas residências do interior

do estado pela Capital.

Com a consolidação do processo de industrialização teve início

a expansão da malha viária e o aparecimento dos primeiros bairros

suburbanos e operários, como o Anil (a 9 km do centro), próximo à

Fábrica de Tecidos Rio Anil (atual CINTRA) e o aparecimento dos

núcleos habitacionais fabris, no entorno das fábricas Camboa e

O declínio do ciclo algodoeiro maranhense ocorreu com o

término da Guerra Civil Americana (a Guerra de Secessão), que permitiu

a retomada do cultivo do algodão em larga escala pelos Estados Unidos

e a venda por preços mais baixos ao mercado europeu.

A partir de 1808, com a vinda da Família Real para o Rio de

Janeiro e a permissão para a instalação das primeiras indústrias têxteis

no país, se desenvolveram em São Luís os curtumes, a indústria do

anil (ou índigo, produto responsável pelo tom azul dos tecidos, retirado

de leguminosas) e o soque do arroz.

A crise do sistema agro-exportador, com os problemas do

transporte fluvial maranhense e a queda dos preços do algodão

no mercado externo, foi acompanhada pelo nascimento de um

setor comercial interno, responsável pelo financiamento da

produção agrícola. É este capital mercantil que investirá nos

serviços urbanos que surgiram neste período (1850 – 1870). São

reflexos do desenvolvimento da cidade, fruto desta diversificação

do capital acumulado na agro-exportação, a iluminação a gás

hidrogênio em 1863, o transporte de bondes puxados a burro

(1871) e os serviços de água canalizada (os chafarizes da

Companhia do Rio Anil, em 1874) (Fig.6.5).

Page 4: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

Santa Isabel. Em termos regionais foi implantada em 1921 a Estrada

de Ferro São Luís-Teresina, que garantiu importante corredor de

comunicação com o interior maranhense.

A chegada das décadas de 30 e 40 do século 20 representou

um declínio econômico para o Maranhão em função da perda da

atividade agro-exportadora e estagnação no crescimento das atividades

fabris. Porém reflexos das transformações econômicas repercutiram

na ocupação espacial da cidade, determinando deslocamentos

populacionais. De um lado a população de renda mais alta instalada

até então na área da Praia Grande se deslocou para o bairro Monte

Castelo, especificamente ao longo da avenida Getúlio Vargas. Neste

momento deu-se início ao processo de desvalorização da área central

que vai sendo ocupada pela população de renda mais baixa, dando

origem à formação dos cortiços.

Na década de 50, a expansão físico-territorial urbana foi induzida

pelos investimentos regionais, que propiciaram uma breve saída do

declínio econômico até então verificado. Isto foi propiciado pelo

aumento das exportações (principalmente do babaçu) e importações

no Estado, cujo incremento foi possível em função dessas mesmas

infra-estruturas regionais, especialmente pela implantação de rodovias

federais e estaduais.

Estas rodovias permitiram interligações entre as cidades de São

Luís e Teresina, bem como as demais existentes ao longo de seu

traçado, favorecendo principalmente os acessos através de

entroncamentos viários às cidades de Codó e Bacabal, passando por

Caxias e chegando em Teresina, estendendo-se esses benefícios às

cidades da região. Outra rodovia que data deste período foi a que faz

ligação da cidade de São Luís com Porto Franco, no extremo sudoeste

do estado, na divisa com Tocantins. Implementou-se o trecho Peritoró-

Pindaré da rodovia São Luís-Belém e a nível federal o período foi

marcado pelo aparecimento da rodovia Belém-Brasília, no trecho do

território maranhense.

Estas rodovias permitiram as ligações com o oeste e nordeste

do Estado e tiveram como objetivo principal a abertura de fronteiras

agrícolas, propiciando o desenvolvimento da policultura (babaçú, arroz,

milho e feijão), cujo escoamento anteriormente se realizava somente

pela Estrada de Ferro São Luís-Teresina. Estas atividades abrangeram

as cidades de Rosário, Itapecurú, Coroatá, Codó, Caxias e Timon.

Surgiram novos pólos de comercialização no interior do estado,

destacando-se Pindaré, Santa Inês, Bacabal, Pedreiras, Coroatá, Codó,

Caxias, Imperatriz e Chapadinha.

Os efeitos das novas rodovias e o desenvolvimento dos novos

núcleos de produção agrícola e comerciais no interior do estado

refletiram no desenvolvimento urbano da capital, principalmente no

corredor Centro-Anil, concretizando-se no assentamento de grandes

contingentes populacionais (12 km de expansão urbana). A capital

surgia como pólo natural para onde convergiam os movimentos

migratórios, que tiveram início justamente nesta década.

Na década de 60, a canalização de investimentos para a cidade

repercutiu no direcionamento dos vetores de crescimento da ocupação

física-territorial da malha urbana. Destacaram-se como fatores

determinantes da expansão da mancha urbana: primeiro a ampliação Figura 6.6 – Evolução/Expansão do Centro Histórico de São Luís: 1640/1970 (sobre base cartográfica de 2001). FONTE: ESPÍRITO SANTO (2006).

S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E 65

Page 5: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

66 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

do sistema viário em áreas já urbanizadas; em segundo lugar a

consolidação dos bairros até então considerados suburbanos; em

terceiro a implantação dos primeiros conjuntos habitacionais pela

COHAB e, por último, a intensificação das migrações rurais

caracterizadas pelo início do processo de ocupação por “invasão”.

A ampliação do sistema viário urbano ocorreu concretamente

com o prolongamento da projeção do corredor Centro-Anil, ligando

os bairros mais afastados (situados na periferia) à área central,

formados pelo prolongamento da Avenida Getúlio Vargas e Avenida

João Pessoa. As barreiras físicas constituídas pelos rios Anil e Bacanga

também contribuíram para este vetor de crescimento (o corredor

sudeste) em direção ao Tirirical.

O crescimento físico-territorial atingiu 13 km de expansão da

área urbana, constituindo a consolidação dos bairros Liberdade

(Matadouro), Monte Castelo (Areal), Fátima (Cavaco), João Paulo,

Caratatiua, Jordoa e Sacavém.

A consolidação destes bairros determinou o deslocamento

das atividades comerciais ao longo do eixo viário principal pelas

avenidas Getúlio Vargas e João Pessoa. O João Paulo, até então

considerado subúrbio, tornou-se sub-centro funcional. Antes da

ampliação desta via a ocupação era esparsa e, com o seu

pro longamento, es ta área passou a exercer a t iv idades

diversificadas no uso e ocupação do solo, onde as tradicionais

lojas do Centro Antigo passaram a manter suas filiais.

Outro vetor de crescimento foi determinado pela implementação

de um novo sistema viário urbano em fins da década de 60,

especificamente no período de 1967 a 1970, possibilitando o

crescimento a sudoeste e ao norte, com a construção respectivamente

da Barragem do Bacanga, fazendo a ligação entre a área central de

São Luís e o Porto do Itaqui, e a construção da segunda ponte sobre

o Anil, Ponte José Sarney, em 1970. A primeira ponte sobre o Rio Anil

ligou o bairro do Caratatiua ao Ivar Saldanha em 1968.

A construção da barragem propiciou a ocupação do bairro Anjo

da Guarda, loteamento implantado em 1968 para abrigar a população

do bairro do Goiabal (próximo ao cemitério do Gavião) que havia sido

desabrigada, na época, por ocasião de um incêndio, e antigos

moradores do Sítio Santa Quinta, nas margens do rio Bacanga, onde

hoje está situado o campus da Universidade Federal do Maranhão

(UFMA). Foi previsto no projeto a implantação de infra-estrutura

de saneamento, porém não concluída. Compondo o atual eixo

urbano Itaqui-Bacanga, a área foi, em 1988, inteiramente ocupada

por invasões.

Já a ponte José Sarney possibilitou a formação dos bairros São

Francisco e Renascença ao longo da década seguinte (1980), num

trecho da cidade anteriormente apenas ocupado por residências de

veraneio ao longo da praia do Olho d’Água.

Outro fator de ocupação direcionada esteve relacionado ao

aparecimento dos primeiros conjuntos habitacionais, implantados pelo

sistema de financiamento da COHAB, especificamente nos anos de

1967 e 1969, denominado Rio Anil I e II, respectivamente.

Estes conjuntos foram implantados em área afastada do

tradicional centro residencial e comercial da cidade, evidenciando-se

nesta época o surgimento de grandes bolsões de vazios urbanos, que

acentuaram em parte a expansão urbana exagerada que a cidade

hoje apresenta. Surgiram aqui os mais graves problemas em termos

de fornecimento das infra-estruturas e dos serviços de abastecimento

e saneamento, bem como de transporte e limpeza públicas. A princi-

pal oferta da rede escolar, hospitalar e de serviços ainda permanecia

no Centro Histórico.

O final da década de 60 foi marcado por uma grande migração

rural, que se relacionou à demanda de mão-de-obra na construção

civil, tanto na construção de novas vias e ampliação do sistema viário,

como na construção dos novos loteamentos e conjuntos habitacionais.

Neste momento expandiu-se a área de palafitas ocupadas por

populações de baixa renda, em ocupações que predominam ainda

hoje no divisor de águas do Bacanga e do Anil e em áreas de mangues.

Esta década representou um marco decisivo na expansão física-terri-

torial da mancha urbana, caracterizando-se por um processo

relativamente rápido e desordenado de crescimento sem um

planejamento físico-territorial. Apenas em meados da década seguinte

foram estabelecidas normas de parcelamento e uso do solo urbano,

na tentativa de ordenar a ocupação do espaço através do Plano Diretor

de 1975, proposto pelo prefeito Haroldo Tavares.

O período formado pelas décadas de 70 e 80 foi marcado pela

continuidade do crescimento verif icado na década anterior,

caracterizando-se por uma aceleração maior na ocupação física-terri-

torial, também proporcionada pela ampliação do sistema viário e

consolidação dos vetores de crescimento anteriormente determinados.

Neste período foram feitos investimentos que resultaram na

implantação do Distrito Industrial na Ilha de São Luís. Embora estudos

para essa implantação datem da década de 60, o Distrito Industrial

também se concretizou após a elaboração do Plano Diretor de 1974.

Na década de 70 verificou-se o duplo processo de ocupação

direcionada: de um lado um processo “espontâneo”, através da

Figura 6.7 - Avenida Castelo Branco e bairro do São Francisco.

Page 6: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E
Page 7: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

68 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

proliferação de ocupações irregulares de áreas urbanas; e por outro

lado um processo “induzido” determinado pela implantação de grande

número de conjuntos habitacionais de iniciativa privada próximos a

loteamentos consolidados.

Ao lado destes fenômenos teve início a preocupação de

contenção do crescimento desordenado que vinha se refletindo no

processo de ocupação da ilha. O processo culminou na elaboração,

pela Prefeitura Municipal, dos Termos de Referência para o Plano de

Desenvolvimento Local Integrado (em 1974), com propostas de

direcionamento e disciplinamento do uso e ocupação do solo urbano.

Nestas propostas destacaram-se a implementação de um complexo

sistema viário na área urbana, implantação do Distrito Industrial e a

previsão de áreas de expansão urbana para os prováveis

assentamentos populacionais, através do incremento dos conjuntos

habitacionais populares.

No âmbito regional foram elaborados os primeiros estudos para

a implantação da ferrovia até a Ponta da Madeira em área do Porto do

Itaqui, aliado à conclusão da BR-135, ligando os núcleos urbanos

localizados no sul de São Luís e à cidade de Teresina. A reformulação

do plano rodoviário propiciou a reorganização dos fluxos para o Porto

do Itaqui. Com isso São Luís retomou a posição de centro polarizador

regional, provocando grandes fluxos populacionais e conseqüente

inchamento da cidade. Em termos regionais se deu nova expansão de

infra-estrutura, quando entrou em funcionamento a Usina de Boa

Esperança e a CEMAR (Companhia Energética do Maranhão, empresa

estatal de energia elétrica), em maio de 1970.

A construção da terceira ponte sobre o Rio Anil, denominada

Ponte Bandeira Tribuzzi, na década de 80, juntamente com o término

do Anel Viário e marginais dos rios Bacanga e Anil aproximaram não

só o Centro Histórico do Distrito Industrial como permitiram o

surgimento dos maiores conjuntos habitacionais populares da cidade,

entre eles Cidade Operária, Cohatrac e Jardim São Cristóvão. Também

foram implementados nesta década nove novos conjuntos pela COHAB

na Ilha de São Luís, paralelamente ao processo contínuo de ocupações

irregulares de áreas urbanas.

A instalação no Distrito Industrial da Alumar (Alumínio do

Maranhão) e CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), num primeiro

momento contribuíram apenas para o acréscimo populacional na

cidade, oriundo da zona rural da ilha e do interior do estado. Em

termos urbanísticos houve uma gradativa redução do uso residencial

da área central da cidade, devido a transferência de moradores para

regiões periféricas, atraídos por melhores condições de moradia e

preços mais baixos, com possibilidade de compra dos imóveis.

Ao mesmo tempo em que o Centro Histórico teve a função

residencial substituída progressivamente pelo comércio e serviços,

sua parte protegida pela legislação federal teve um esvaziamento

muito mais acentuado, agravado pela instalação de instituições

administrativas federais, estaduais e municipais.

O abandono da região central, que passou a comprometer

fisicamente grande parte da área, foi combatido parcialmente pela

legislação urbanística municipal e pelo projeto Praia Grande/Reviver,

de forma mais direta, com intervenções sobre as estruturas físicas

daquele trecho da cidade. As intervenções compreenderam a

restauração e adequação às novas funções dos edifícios históricos,

assim como a renovação de infra-estrutura urbana, com a reforma

das redes de água, esgoto e drenagem, a substituição da rede

telefônica e elétrica aérea pela subterrânea, o alargamento das

calçadas e a construção de praças e jardins.

Nesta lógica de construção do espaço urbano destacam-se ainda

no Centro Antigo as funções administrativas do Estado e do Município,

bem como as atividades do comércio varejista, tradicional e de gêneros

alimentícios. O Centro apresenta, portanto, diversidade de usos e

situações urbanas que não afetam, no entanto, a sua homogeneidade

e riqueza ambiental enquanto conjunto urbano coerente e

representativo.

Valorizado do ponto de vista histórico, mas perdendo

gradativamente seus valores estéticos e ambientais, por conta de usos

incompatíveis com as suas características: tráfego de veículos pesados,

espaços públicos desqualificados e pouco vivenciados, raras áreas

verdes e equipamentos urbanos inadequados com o estilo do sítio, o

Centro Antigo, exige, como tem ocorrido, significativos investimentos

para a sua recuperação e requalificação.

Figura 6.8 - Avenida Colares Moreira e bairro Renascença.

Page 8: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E
Page 9: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

70 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

6.1 A Proteção Patrimonial do Centro Histórico

O reconhecimento internacional sobre os valores patrimoniais

do acervo ambiental urbano de São Luís foi resultado de um processo

antagônico: estagnada economicamente ao final do século 19, a cidade

não proporcionou mudanças urbanísticas drásticas, nem por parte do

Poder Público, nem através da sociedade, sem fôlego financeiro para

substituir o acervo edificado de origem portuguesa pelas novas

tendências ecléticas que já despontavam em algumas poucas

edificações, como influência dos principais centros nacionais, em es-

pecial a então Capital Federal, Rio de Janeiro.

Parte do Centro Histórico de São Luís teve ao longo do tempo

sua função residencial substituída por comércio e serviços. Em par-

ticular a área sob tutela da legislação federal de tombamento sofreu

um esvaziamento mais acentuado, agravado pela instalação da função

administrativa federal, estadual e municipal em edifícios da área,

afastando cada vez mais a população residente.

O abandono da região central passou a comprometer fisicamente

grande parte do acervo edificado, sendo objeto de preocupação da

Prefeitura refletida através da legislação urbanística municipal (os

Planos Diretores de 1974 e 1992, que mostraram limitações como

instrumentos preservacionistas) e principalmente pelo Projeto Praia

Grande (de forma mais direta sobre as estruturas físicas daquele trecho

da cidade), iniciado pelo poder público estadual na década de 80.

Atualmente mantém-se uma parte significativa do Centro

Histórico ainda com uso residencial. Porém a área incluída na Listagem

do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) apresenta um uso comercial

intensivo (e em vários momentos danoso ao acervo) e muitas

edificações vazias, exatamente no entorno da área de intervenção do

governo estadual e sob proteção do Instituto do Patrimônio Histórico

e Artístico Nacional - IPHAN.

Patrimônio Nacional desde 1974, 1.369 imóveis e logradouros

públicos do Centro Histórico de São Luís situados em aproximadamente

100 hectares foram incluídos em dezembro de 1997 na Listagem do

Patrimônio Mundial, passando a ter o título de Patrimônio Cultural da

Humanidade, ao lado de 582 localidades, sít ios e bens,

internacionalmente reconhecidos como Veneza, a Torre de Pisa, as

Pirâmides do Egito e as Muralhas da China, entre outros.

A preocupação com a preservação do acervo arquitetônico em

São Luís remonta a década de 40 do século 20, num momento em

que o então governo estadual implementava reformas urbanísticas

na cidade que causaram reações controversas na opinião pública.

Considerada na época velha e antiquada pelo governo interventor do

Estado Novo, a estrutura urbana de São Luís foi parcialmente alterada

pela abertura de eixos viários e alargamento de ruas, colocando frente

a frente, pela primeira vez na história da cidade, defensores da

renovação urbana e preservacionistas.

São deste período as intervenções urbanas que resultaram na

comunicação viária formada pela Avenida Magalhães de Almeida (que

destruiu vários quarteirões coloniais e uma praça) e o alargamento

das ruas do Egito (que também demoliu casarões coloniais) e das

Cajazeiras (no extremo sul da atual área preservada).

A sucessão de ações de tombamento federal, surgidas como

resposta às ações reurbanizadoras do Poder Público estadual, foi

acompanhada pela Prefeitura com a criação da Comissão do Patrimônio

Artístico e Tradicional do Município e de um Decreto-Lei que impedia

a demolição ou reforma de edifícios com mirante e/ou azulejados. A

produção acadêmica e intelectual sobre o acervo ambiental urbano

da cidade, naquele momento, referenciava a preservação justificada

pelos fatores históricos e de antiguidade de casarões isolados.

Durante a década de 60, porém, retornou o pensamento de

necessárias reformas urbanísticas na cidade antiga, em parte resultado

do novo panorama político e euforia econômica que se propunha para

o Maranhão, com a quebra da oligarquia política de Vitorino Freire, de

caráter fortemente conservador. Surgiram nesta época os principais

exemplares de arquitetura moderna verticalizada no Centro Histórico

de São Luís: a sede do Banco do Estado do Maranhão (Edifício BEM),

a sede do Instituto Nacional de Seguridade Social (Edifício João

Goulart), um edifício de escritórios (Edifício Colonial) e um edifício

residencial (Edifício Caiçara).

Os primeiros trabalhos sobre o acervo artístico e arquitetônico de

São Luís voltados a um aprofundamento científico e de produção do

conhecimento a partir de bases metodológicas partiram da UNESCO,

através de seus representantes que estiveram na capital maranhense

para relatar sua conservação e o valor patrimonial de seu conjunto

ambiental urbano. Baseados em princípios internacionais de conservação

(em particular a Carta de Veneza) e apesar de não conseguirem efetivar

a inclusão de São Luís na Listagem do Patrimônio Mundial naquela década,

conseguiram influenciar trabalhos preservacionistas locais e parcialmente

reverter o pensamento generalizado do governo e de camadas da

intelectualidade sobre a substituição da cidade antiga pela imagem da

modernidade adquirida do sul do país.

O primeiro destes trabalhos foi elaborado pelo arquiteto francês

Michel Parent, que se encontrava no Brasil na segunda metade da

década de 60 preparando um Relatório sobre o Pelourinho, o Centro

Histórico de Salvador (Bahia). Parent foi chamado em 1966 pelo

governo estadual, incluindo São Luís e Alcântara em seus

apontamentos, entregues à UNESCO em 1968. Nesta ocasião foi

proposta a inclusão do Centro Histórico de Salvador na Listagem do

Patrimônio Mundial, bem como apontado o valor similar do acervo

das duas cidades maranhenses.

Figura 6.9 - Praia Grande e Centro Histórico.

Page 10: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E
Page 11: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

72 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

USO

Comercial Serviços Institucional Industrial

Residencial

Unifamiliar

Residencial

Multifamiliar

Misto Sem Uso

Federal 18,30 % 13,19 % 13,49 % * 20,86 % 2,15 % 12,07 % 19,94 %

Estadual 20,28 % 12,85 % 3,58 % 0 53,05 % 0,51 % 3,97 % 5,76 %

GABARITO

1 pavimento 2 pavim. 3 pavim. 4 pavim. 5 pavim. 6 pavim. ou + Lote Vazio

Federal 51 % 36 % 10 % 2 % 1 ** ***

Estadual 68,31 % 27 % 2,61 % 0,51 % 0,12 % 0,12 % 1,33 %

CONSERVAÇÃO

Ruína Péssimo Regular Bom Lote Vazio

Federal 11 % 36 % 43 % 10 % ***

Estadual 0,71 % 7,71 % 22,72 % 67,53 % 1,33 %

ESTILO ARQUITETÔNICO

Barroco

Pombalino

Neoclássico Moderno Art Deco Neocolonial Eclético Popular Lote Vazio

Federal 56 % 0,5 % 16,5 % 4 % 4 % 9 % 10 % ***

Estadual 15,92 % 0 21,36 0,71 % 2,09 % 12,45 % 46,14 % 1,33 %

Tabela 6.1 – Caracterização do Centro Histórico de São Luís. FONTE: PREFEITURA DE SÃO LUÍS. IPLAM, 1998.

* Uso industrial não incluído no levantamento do IPHAN ** IPHAN considerou 5 pavimentos ou + *** Lotes vazios na área Federal contabilizados à parte

O segundo e mais importante contato da UNESCO com a cidade

efetuou-se através do arquiteto português Alfredo Viana de Lima em

fins de 1973. No Brasil para elaborar um Relatório e Plano de

Preservação para a cidade de Ouro Preto (Minas Gerais), no mesmo

ano esteve em São Luís e Alcântara para a elaboração de um relatório

oficial sobre a preservação das duas cidades.

Foi após o seu Rapport et propositions pour la conservation,

recuperation et expansion de São Luís/Maranhão e a partir de suas

considerações sobre a área de intervenção e critérios a serem adotados

que o governo estadual passou a organizar seu s istema

preservacionista na cidade, anteriormente apenas a cargo do IPHAN,

sobre bens e imóveis isolados.

O trabalho de Viana de Lima foi o primeiro a revelar, de forma

precisa e metodológica, a natureza do desenho urbano da cidade,

identificando as origens da arquitetura civil de São Luís a partir dos

modelos arquitetônicos Barroco-Pombalinos utilizados no processo de

reconstrução de Lisboa pós-terremoto de 1755.

As recomendações do arquiteto português foram diretamente

utilizadas em duas frentes distintas: no sistema de preservação

estadual, que passou a ser organizado a partir da instalação do

Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do

Maranhão – DPHAP-MA e num capítulo específico do Plano Diretor de

São Luís, desenvolvido pelo governo municipal em 1974. Tem origem

neste documento técnico a divisão municipal do Centro Histórico em

áreas diferenciadas de proteção, com índices especiais e normas para

ocupação, usos e gabarito, que deveriam ser analisados pelo DPHAP-

MA, incluindo formalmente a participação da instância estadual nos

processos de análise e aprovação de obras novas e reformas na área

de preservação, agora já tombada pelo órgão federal.

A partir da década de 80 os recursos municipais tornaram-se

cada vez mais escassos. A proposta municipal de um Anel Viário como

proteção ao tráfego do Centro Histórico (iniciado em 1972 e concluído

em 1985) representou o último grande investimento municipal na

área. O governo estadual, porém, iniciou neste mesmo período o

Programa Plurianual de Valorização do Patrimônio Histórico e Artístico

do Estado, que após a 1

ª

Convenção Nacional da Praia Grande

transformou-se no Projeto Praia Grande, elaborado pelo arquiteto

americano John Gisiger. Este programa, após sucessivas alterações e

complementações que ultrapassaram diferentes governos estaduais,

foi responsável pelas principais intervenções de requalificação nas

áreas do entorno do bairro da Praia Grande e em imóveis isolados até

o final da década de 90.

6.2 O Acervo Preservado

O Centro Histórico de São Luís (áreas de expansão urbana

desenvolvidas até a segunda metade do século 19) extrapola os limites

jurídicos de preservação, ocupando uma área de aproximadamente

220 hectares onde habitam pouco mais de 40 mil pessoas (CENSO

IBGE 2000) distribuídas em 11 bairros: Centro, Desterro, Madre Deus,

Goiabal, Lira, Coréia, Vila Passos, Fabril, Diamante, Camboa e Apicum.

O conjunto tombado é formado por 5.607 imóveis preservados

por Legislação Federal, Estadual e Municipal, sendo 978 imóveis

inseridos na área de proteção federal (60 hectares) e 4.629 imóveis

na área de proteção estadual (160 hectares). Toda área é classificada

como Zona de Proteção Histórica – ZPH pela atual Legislação

Urbanística Municipal e, legalmente, o tombamento estadual engloba

e também protege a área federal de preservação.

A área incluída na Listagem do Patrimônio Cultural da

Humanidade da UNESCO possui 1.369 imóveis, num perímetro que

envolve exemplares e logradouros na área federal e algumas quadras

estaduais. Estes imóveis Patrimônio Mundial estão distribuídos nos

bairros do Centro, Praia Grande e Desterro e nas praças D.Pedro II/

Benedito Leite, João Lisboa/Carmo, Antonio Lobo/Santo Antonio (An-

tonio Vieira) e São João. Apesar de possuir legislação própria para

efetuar o dispositivo legal do tombamento, o Município ainda não

possui acervo preservado.

A caracterização da área de preservação ao final de década de

90 pode ser observada através da tabela 6.1, onde se destacava o

uso predominante residencial unifamiliar em todo o conjunto

preservado. Destacava-se também o percentual elevado de imóveis

desocupados e com usos institucionais na área federal e as

características estilísticas ligadas ao denominado Barroco-Pombalino.

A área de tombamento estadual é marcada pelos estilos Moderno e

Eclético (incluídos o neocolonial e art déco) e Popular, derivados dos

sistemas construtivos informais que ao longo do tempo se apropriaram

da imagem tradicional da arquitetura do Centro da cidade, porém

sem uma unidade estilística que o defina claramente.

Também é significativa a presença de ampla rede educacional

(pública e privada) e de saúde (clínicas, consultórios, hospitais públicos

e particulares) no Centro Histórico, principalmente na área de

tombamento estadual, considerada pelos órgãos preservacionistas

como área de proteção do entorno do trecho federal e do Patrimônio

Mundial.

As atuações de órgãos municipais, estaduais e/ou federais (em

ações como limpeza pública, obras, terras/habitação e concessionárias

de água, luz e telefonia), bem como as presenças da iniciativa privada

e dos moradores do Centro Histórico, são discutidas pela

municipalidade desde 1998 a partir dos conceitos referentes ao

Planejamento da Conservação Urbana Integrada, quando então se

formatou o Plano Municipal de Gestão do Centro Histórico de São

Luís. Os princípios da Conservação Integrada utilizados pelos técnicos

da Prefeitura de São Luís foram sistematizados a partir dos conteúdos

da Declaração de Amsterdã (elaborada pelo Conselho da Europa em

1975) e teoricamente adotados nas atividades da Fundação Munici-

pal de Patrimônio Histórico (FUMPH) e de seu Núcleo Gestor, instância

instalada em agosto de 2003 para a potencialização de ações não só

dos poderes públicos atuantes na área, mas de todos os atores que

fazem interface com aquele trecho da cidade.

Page 12: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

RESIDENCIAL COMERCIAL INDUSTRIAL

PRESTAÇÃO

SERVIÇO

SERVIÇO

PÚBLICO

INSTITUCIONAL FUNDAÇÃO RELIGIOSOUSO

BAIRRO H V H V H V H V H V H V H V H V

soma

4.209 258 2.028 654 8 1 82 15 51 15 29 6 9 1 25 7.319

CENTRO

670.202 30.483 396.365 105.192 1.857 733 107.974 60.242 43.251 23.853 22.507 9.337 3.849 1.688 17.532 1.495.074

190 19 165 3 4 1 1 2 1 1 387

DESTERRO

28.482 2.139 37.054 1.951 4.065 2.521 33 745 7551 448 84.993

344 3 28 2 2 1 2 1 383

MADRE

DEUS 30.369 552 2.730 1.726 1.268 563 14.380 151 51.742

563 6 22 1 1 2 1 596

GOIABAL

31.799 540 1.849 132 92 972 50 35.437

1.365 5 38 1 2 1 1 2 1.415

LIRA

91.145 2.526 7.447 130 386 126 885 776 103.396

7.897 4 103 1 5 3 1 3 8.017

CORÉIA

54.094 583 11.020 37 1.143 817 68 727 68.492

475 5 31 4 1 1 1 1 2 1 523

VILA

PASSOS61.332 788 6.581 250 123 236 235 361 211 290 70.411

388 46 42 2 2 1 2 483

FABRIL

34.865 6.808 9.058 1.085 226 213 556 52.813

576 93 45 32 1 14 1 2 1 1 3 769

DIAMANTE

50.227 5.999 11.448 768 474 4.894 265 4.982 96 297 1.026 80.480

244 1 15 2 262

CAMBOA

21.256 28 2.451 2.576 26.312

167 61 46 2 1 1 1 279

APICUM

23.102 5.180 16.634 2.306 176 718 1.489 49.608

1.113.291 56.127 505.200 110.466 6.277 734 120.574 63.281 51.019 24.754 38.440 9.343 12.780 3.179 23.486 291

1.169.418 615.666 7.011 183.855 75.773 47.783 15.959 23.777soma

2.139.263

Tabela 6.2 - Imóveis e áreas construídas (m2) por usos no Centro Histórico de São Luís; FONTE: PREFEITURA DE SÃO LUÍS: IPLAM / SEMTHURB Cadastro Técnico Municipal–1998.

H = Construção Horizontal; V = Construção Vertical

S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E 73

Page 13: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

74 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

Figura 6.10 - Arquitetura Barroca-Pombalina

Figura 6.11 - Arquitetura Barroca-Pombalina

Figura 6.12 - Arquitetura Neocolonial

Figura 6.13 - Arquitetura Eclética

Figura 6.14 - Arquitetura Eclética

Figura 6.15 - Arquitetura Art Decó

Figura 6.16 - Arquitetura Moderna

Figura 6.17 - Arquitetura Moderna

Figura 6.18 - Arquitetura Art Decó

Page 14: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E
Page 15: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

76 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

6.3 Planos Diretores e Expansão da Cidade

O processo de ocupação da Ilha de São Luís apresentou a partir

do final da década de 60 do século 20 características próprias quanto

ao assentamento populacional na malha urbana, resultando num

crescimento que em diferentes ocasiões extrapolou aos parâmetros

propostos pela legislação urbanística vigente. Este crescimento foi

provocado principalmente por grandes investimentos em infra-

estruturas regionais introduzidas no Maranhão na segunda metade

da década de 50, que propiciaram nas décadas seguintes um ritmo

acelerado de sucessivos fluxos populacionais do interior do estado

para a capital.

Foi, porém, na década de 70 que estes problemas se agravaram

e foi, justamente num panorama de crescimento desordenado e sem

planejamento físico-territorial, que surgiu a necessidade de imposição

de medidas para a contenção, controle e direcionamento do uso e da

ocupação do solo na cidade de São Luís. Tal necessidade foi reforçada

pela orientação do governo federal que, através do Serviço Federal

de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), propunha aos municípios a

elaboração de um Plano de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI),

que em São Luís foi coordenado por Wit Olaf Prochnik, mesmo

profissional que, posteriormente, foi responsável pela elaboração dos

Planos Setoriais para a instalação do Campus da Universidade

Federal do Maranhão no Bacanga e do Plano do Diretor do

Distrito Industrial.

No início da década de 70, portanto, realizaram-se os primeiros

estudos que resultariam na elaboração preliminar do Plano Diretor da

Cidade. Também nesta época foi destinada à Sociedade de

Melhoramentos e Urbanismo da Capital - SURCAP (empresa munici-

pal de urbanização), uma área de 3.690 ha, denominada “Gleba Rio

Anil”, localizada na porção norte, entre as praias e o Rio Anil (da

Ponta D’Areia e São Francisco até a Avenida São Luís Rei de França).

Estas áreas foram gradativamente sendo comercializadas pelo poder

público municipal, através da implantação de diferentes loteamentos

e parcelamentos do solo.

O primeiro Plano Diretor de São Luís (elaborado em 1974) e

sua respectiva lei complementar de Zoneamento, Parcelamento, Uso

e Ocupação do Solo Urbano, definiram como diretrizes básicas três

elementos: primeiro a hierarquização das vias urbanas; segundo a

organização do espaço urbano em zonas de uso diferenciado e, por

último, a preservação da paisagem.

Estas medidas tiveram por objetivos básicos disciplinar a

circulação de veículos e de pedestres, o desenvolvimento harmônico

da cidade e assegurar a proteção ao meio ambiente natural, que

resultaram e induziram a ocupação de determinadas áreas, assim

como restringiram o uso de outras.

Posteriormente (em 1981) a Lei de Zoneamento foi modificada,

numa reelaboração efetuada em função das transformações ocorridas

no desenvolvimento da cidade. Na prática em decorrência, de um

lado, de forte pressão social por demandas de espaço para habitação

e ineficácia de uma política pública ou fiscalização com base nessa

mesma legislação para atenuar essas demandas, e, por outro lado,

pela implementação de medidas voltadas ao desenvolvimento econômico,

principalmente relativos à implantação de um Distrito Industrial.

Este plano previu tendências que viriam a se consolidar na

década seguinte, especialmente em relação ao direcionamento de

ocupação do solo urbano: de um lado o assentamento populacional

e, de outro, a implantação do sistema viário urbano e de transporte.

Aliado a estes dois fatores e de igual importância foi a implantação do

Distrito Industrial em área já pré-determinada por decretos federais e

estaduais, antes mesmo da elaboração Plano Diretor de 1974, em

áreas especiais jurisdicionadas.

Segundo o Plano Diretor de 1974 os maiores fluxos populacionais

deveriam ocorrer do centro para os bairros, numa previsão de 4 áreas

de maior concentração e distribuição de tráfego: Centro; Praias; Porto

e Distrito Industrial; e um eixo: Centro-Anil. No caso da área central,

especificamente entre os bairros Monte Castelo, Fátima e João Paulo,

que aliado ao Anil, já constituíam naquela data sub-centros de bairro,

permanecendo totalmente consolidados até hoje.

O segundo fluxo populacional induzido pelo Plano Diretor de

1974 ocorreria entre a área central e o Itaqui, por constituir zona de

uso previsto como fundamentalmente industrial. Além do Porto pre-

via-se a implantação de uma siderúrgica (a SIDERBRÁS) já em área

do futuro módulo industrial.

A margem direita do rio Anil já apresentava, na década de 70,

tendências de ocupação residencial hoje consolidadas em grandes e

numerosos conjuntos habitacionais, de iniciativa pública e privada,

ainda mesclados pela presença de grande número de vazios urbanos.

Também foi previsto no plano o crescimento das áreas da Ponta D’Areia,

Olho D’água, Tirirical e Itaqui. Previu-se um incremento quanto à

ocupação, o que realmente se efetivou, principalmente em função da

implantação do então novo sistema viário.

Apesar do surgimento de centros de bairros no Olho D’Água e

no São Francisco, previu-se que o principal centro de empregos

continuaria sendo a área central de São Luís. Previu-se também o

surgimentos de centros de empregos vinculados à uma natureza

turística nas praias da Ponta D’Areia e Olho D’Água.

Estimou-se um acentuado crescimento populacional e, para

tanto, foram definidas áreas de expansões urbanas com maiores

densidades em locais de fácil acesso à zona industrial e em áreas

ainda desocupadas, o que acarretou o aparecimento de grandes

bolsões urbanos. Porém o acentuado crescimento populacional da

cidade, muito acima do projetado pelo Plano Diretor, determinou um

esvaziamento das originais funções do Centro Histórico, bem como

um crescimento descontrolado de bairros periféricos como forma de

atendimento às demandas por habitação.

Em relação ao assentamento populacional, portanto, o plano

de 1974 e sua respectiva Lei de Zoneamento definiram duas áreas

prioritárias de ocupação residencial. Uma no extremo leste do corredor

Centro-Anil, onde já se localizavam os primeiros conjuntos habitacionais

implantados pela COHAB no final da década de 60 (ZR-5), e outra

área nas proximidades do rio Bacanga (ZR-6). Estas medidas visavam

o não adensamento da área central (por conta das características

patrimoniais históricas e culturais) e seu entorno imediato.

O corredor Centro-Anil foi considerado prioritário pois a região

apresentava facilidades na complementação de infra-estruturas, além

de manter as relações de trabalho da população, já que se localizava

em área próximo ao Distrito Industrial, aliado ao fato desta área possuir

densidades muito baixas, tornando-se, portanto, possível a sua

densificação. A segunda área (rio Bacanga) foi considerada prioritária

porque criaram-se condições favoráveis à urbanização, em função da

construção da Barragem do Bacanga, que permitiu a ocupação de

trechos antes inundáveis.

Em relação ao sistema viário verificou-se, na prática, que as

medidas adotadas foram efetivamente concretizadas e incorporadas

à malha urbana existente. Baseavam-se fundamentalmente no

direcionamento da ocupação da cidade, induzindo o crescimento para

áreas que na época se encontravam pouco ocupadas. Foram previstas

áreas de maior intensidade de ocupação, resultado, principalmente,

da construção de grandes e extensas avenidas ao norte em direção

às praias, à sudeste em direção ao Tirirical e à leste em direção ao

município de São José de Ribamar.

Foram previstas 6 implementações viárias de maior destaque:

Prolongamento da Avenida dos Franceses para o Sacavém; Ponte da

Camboa sobre o rio Anil (atual ponte Bandeira Tribuzzi); Eixo viário

Tirirical-Sacavém; Via marginal do rio Bacanga (av. Presidente Médici,

hoje av. dos Africanos); Anel Viário (executado ao longo da década de

80); e Via Marginal do rio Anil (em área urbanizável).

As medidas adotadas e previstas no Plano de 74 foram na sua

maioria concluídas na segunda metade da década 70 e início da

seguinte, destacando-se a Ponte Bandeira Tribuzzi, a av. dos Franceses

e as vias marginais dos rios Bacanga e Anil. A desativação de um

trecho da antiga ferrovia São Luís–Teresina e a implantação em seu

lugar da via Tirirical-Sacavém ao longo de seu leito, em trecho que vai

do aeroporto à área central (12 km de extensão), concretizou-se em

meados da década de 80 e atualmente ainda encontra-se em processo

de urbanização. Também em relação ao Anel Viário a obra para conclusão

do trecho IV (e último) foi completada em 1987.

Das medidas implantadas estas foram as que levaram mais

tempo para ser concluídas. Isso ocorreu devido a uma forte pressão

nas duas últimas décadas relacionadas a uma demanda exercida pela

grande quantidade de loteamentos, que canalizaram os investimentos

em obras de saneamento para estas outras áreas de interesse, além

de loteamentos na porção norte (das praias) e conjuntos à leste (áreas

consideradas prioritárias), para viabilizar e consolidar a ocupação

residencial nas mesmas.

Também na década de 80 foi iniciada a implantação da av.

Atlântica (atual av. Litorânea), margeando as praias ao norte da cidade.

Esta medida não foi prevista no Plano de 1974, nem mesmo nas duas

Leis de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo

subseqüentes, sendo apenas concluída no início da década de 90.

Quanto à organização do espaço urbano e sua divisão em zo-

nas de uso, foi verificada uma quantidade considerável de mudanças

na formulação do Plano Diretor de 74 e de sua Lei de Zoneamento

que culminaram na alteração dessa última, através da lei delegada nº

2.527 de 24 de junho de 1981.

Estas mudanças específicas da lei de Zoneamento em relação

Page 16: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E
Page 17: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

78 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

ao Plano Diretor se detiveram, basicamente, na incorporação de no-

vas áreas urbanizáveis e, portanto, em modificações quanto à nova

divisão de zonas em relação ao plano anterior. Por outro lado

verificaram-se mudanças quanto à classificação e intensidade dos usos

adequados, tolerados e proibidos. Este fato demonstrou a ineficácia

da primeira Lei de Zoneamento (1974) e portanto a necessidade de

sua reformulação enquanto adequação à realidade existente e na

indução de crescimento.

Foi na mesma década de 80 ampliado o perímetro urbano, que

avançou em área rural à leste, em direção a São José de Ribamar

(Mapa X), avançando por sobre o limite municipal de ambos e onde

atualmente se encontram os conjuntos da COHAB e de bairros e

conjuntos vizinhos formados por sucessivos processos de invasão de

terras e consolidação de assentamentos informais. Tal processo

resultou, inclusive, na alteração por parte da Assembléia Legislativa

do Estado dos limites dos municípios em 1985. A zona urbanizada

também foi ampliada ao sul, próximo ao Estreito dos Mosquitos,

passando de zona rural para zona de uso estritamente industrial.

Na porção norte da ilha (na região litorânea), a zona de uso

especial foi ampliada e não se restringiu mais somente a uma pequena

faixa (a das praias), mas avançando até a Avenida dos Holandeses,

onde se encontram atualmente loteamentos de alto padrão. Em relação

aos usos, permaneceram as restrições já previstas no zoneamento

anterior, ou seja, predominantemente residencial e concomitante com

uso de incentivo ao turismo. Foi delimitada uma zona de uso especial

com interesse em preservação paisagística (ZE-1).

A área central e o corredor Centro-Anil também sofreram

modificações quanto à divisão das zonas de uso, sendo que a área

central (a zona de interesse histórico), de uso comercial predominante,

passou a abranger uma área maior de edificações com este fim,

adequada aos processos de tombamento efetivados pelo governo

estadual. Já no corredor Centro-Anil, em área imediatamente

envolvente à central, permaneceram as zonas de uso de sub-centro

de bairros, porém com índices restritos de ocupação, resultando

densidades menores a partir de 1981.

Outra grande modificação ocorreu nas proximidades do Porto

do Itaqui onde se localizou o loteamento Anjo da Guarda e as invasões

circunvizinhas após a instalação do mesmo loteamento, acrescidas

das invasões Sá Viana (ao lado do Campus da Universidade Federal

do Maranhão), Sítio Encantado e Outeiro. Esta área era classificada

como zona de uso estritamente industrial no Zoneamento de 1974,

passando em 1981 para zona residencial, com alta densidade.

A zona de proteção ao aeroporto teve a sua área subtraída,

justamente nas proximidades do Campus da Universidade Estadual do

Maranhão e da MA-201, em direção à São José de Ribamar, onde se

instalaram o Jardim São Cristóvão e os conjuntos COHAB–Cidade

Operária. Também ao sul da reserva Florestal do Sacavém verificou-se

uma mudança de uso, que passou de zona industrial para zona residencial.

As duas últimas alterações demonstram uma pressão social

dos fluxos populacionais verificados nos últimos anos da década de

80 por demanda de espaço para habitação, que acabaram instalando-

se em locais afastados da área central. Se este fato demonstrou por

um lado a não disponibilidade de áreas para uso residencial em locais

mais bem servidos de mínima infra-estruturas (bem como oferta de

trabalho, que para estas populações se encontrava especificamente

na área central e nos sub-centros do corredor Centro-Anil), por outro

lado significou também uma tentativa do Poder Público de induzir o

processo de ocupação para estas áreas. Neste sentido é exemplar o

registro histórico da formação do bairros Anjo da Guarda (no Itaqui)

e Santa Bárbara (próximo ao Tirirical).

No primeiro caso a área já vinha sendo gradativamente ocupada

com uso residencial desde 1969, data de implantação do loteamento

projetado pelo Poder Público Municipal. Esta área seria destinada ao

assentamento populacional com alto índice de adensamento.

Entretanto o conjunto foi ocupado pelo assentamento de famílias de

baixa renda, vítimas de um incêndio no bairro Goiabal (no Centro),

situado próximo ao Cemitério do Gavião e aos bairros Lira e Belira.

Desta forma verificou-se junto ao estabelecido pelo Plano Diretor

de 1974 e sua respectiva Lei de Zoneamento uma desconformidade

quanto ao uso estabelecido nesta área: dimensionada como zona in-

dustrial quando na verdade parte da área já se caracterizava por uma

significativa ocupação residencial.

Ao mesmo tempo a mudança dos usos - de industrial para

residencial - que se verificou na área imediatamente envolvente à

área de proteção da Reserva Florestal do Sacavém, foi justificada na

época a partir de dois fatores. O primeiro para eliminar a possibilidade

de conflitos em função da proximidade entre zonas de usos bastante

distintos: industrial e de proteção à Reserva Florestal do Sacavém.

Assim a criação de uma zona residencial intermediária entre ambas

viria amenizar a possibilidade do aparecimento desses conflitos. Na

prática, porém, o uso habitacional foi, nas últimas décadas, o

responsável pela invasão gradativa de áreas protegidas

ambientalmente da Reserva.

A ampliação do perímetro urbano, avançando em área rural

(especificamente ao sul da ilha nas proximidades do Estreito dos

Mosquitos), que passou a ter uso estritamente industrial a partir de

1981 e onde foi instalado o consórcio ALUMAR, explicou em parte o

surgimento desta zona de uso residencial ao sul da área de proteção

à reserva do Sacavém. Considerando que por ocasião da implantação

da ALUMAR foram desapropriadas aglomerações rurais existentes

nessa área, necessário se fez a oferta de áreas residenciais alternativas.

Essas populações foram alojadas em área do Coqueiro I,

próximo à Santa Bárbara e ao Tirirical, ao longo da BR-135. Esta área

apresentava características de ocupação rural, que poderia dar

continuidade às atividades agrárias de subsistência que caracterizavam

as populações desapropriadas. Entretanto esta tentativa fracassou,

pois a população desapropriada deslocou-se para os bairros do Anil e

João de Deus, além de localidades rurais dos municípios vizinhos de

Rosário, Simão, Arari e Itapecuru, áreas cuja fertilidade das terras é

mais apropriada às atividades agrárias.

Desde 1970 destinou-se para a atividade industrial uma área

que representava aproximadamente 1/3 da área total do Município de

São Luís. Essa área foi demarcada e delimitada através de Lei e

Decretos Federais e Legislações Estaduais, denominadas como glebas

Itaqui-Bacanga (à sudoeste da ilha) e Tibiri-Pedrinhas (ao sul). Estes

documentos legais tinham por objetivo restringir a ocupação da área,

e estabeleceram as bases para execução de um Plano de

Desenvolvimento Urbanístico da Área Metropolitana, onde foi prevista

a instalação do futuro Distrito Industrial de São Luís.

Porém foi na elaboração do Plano de Desenvolvimento Local

Integrado (1970), que resultaria posteriormente no primeiro Plano

Diretor da cidade em 1974, que se estabeleceram efetivamente as

normas de uso e padrões de ocupação para esta área industrial. Assim

o Distrito Industrial, implantado em 1974, ocupou grande parte da

área de abrangência dos decretos que a delimitavam, inclusive em

área com características rurais. A zona industrial dividiu-se então em

duas categorias de uso, ZI-1 e ZI-2, sendo que ambas apresentaram

(como “tolerado”, segundo texto legal) o uso residencial.

A diferenciação entre as duas zonas se deu especificamente

quanto à classificação e ao porte industrial: a ZI-1 (localizada nas

proximidades do Tirirical e ao longo da BR-135) estabeleceu como

uso adequado indústrias em geral de pequeno e médio porte, enquanto

que a ZI-2 estabeleceu os mesmos usos da ZI-1 acrescidos de indústrias

de grande porte, localizando-se numa área de abrangência maior (do

Estreito dos Mosquitos ao Porto do Itaqui).

As mudanças constantes na reformulação da Lei de Zoneamento

em 1981 verificaram-se tanto em relação à divisão das zonas de uso,

quanto em relação às áreas, especificamente ao sul, nas proximidades

do Estreito dos Mosquitos, onde parte da área fora designada pelo

Plano Diretor de 1974 e seu respectivo Zoneamento como zona rural.

Modificações de uso ocorreram também nas áreas em direção

ao Porto do Itaqui, especificamente na bairro Anjo da Guarda e ao

longo da BR-135, do trecho que vai desde o Tirirical até o

entroncamento rodo-ferroviário ao Sul, ao lado da Reserva Florestal

do Sacavém, já anteriormente delimitada. A área do Anjo da Guarda

passou a classificar-se como zona residencial (com densidades de

ocupação significativas), estendendo-se até a área imediatamente

vizinha ao Campus da Universidade Federal do Maranhão.

Já a área do Distrito Industrial delimitada anteriormente no

plano de 1974, ao longo da BR-135 nas proximidades do Tirirical e da

Reserva Florestal, teve sua área modificada, em função da mudança

na caracterização da zona que passou a classificar-se como uso

residencial também com características voltadas à densificação. Quanto

aos usos adequados e tolerados nessas zonas, verificou-se a

manutenção da ZI-1. Nela foram localizadas na década de 80 os

módulos M-1 e M-2 do Distrito Industrial. Na ZI-2 as restrições foram

mais acentuadas quando comparadas ao Zoneamento de 1974, sendo

estabelecido como uso adequado indústrias de pequeno porte, médio

e grande porte, proibindo-se o uso residencial.

Foi estabelecida uma zona numa estreita faixa, ao longo da

BR-135 e Ferrovia Carajás-CVRD, com uso destinado à proteção

paisagística, tolerando-se porém unidades industriais de apoio às

indústrias de maior porte. Esta zona se localizou em área intermediária

entre as duas zonas industriais. Foi por onde se realizaram as infra-

estruturas industriais de transporte, linha de transmissão de energia

e adutora de abastecimento.

Page 18: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E
Page 19: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

80 S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E

Finalmente estas transformações culminaram na elaboração de

um novo Plano Diretor do Distrito Industrial de São Luís, através da

Companhia de Desenvolvimento Industrial (CDI), que definiu as

diretrizes do plano urbanístico dessas zonas de uso. O estudo (de

1985) foi baseado no levantamento de uma hipótese de ocupação,

atrelado especificamente quanto ao panorama econômico e vocação

industrial: análise urbanística; diagnóstico dos sistemas de infra-

estrutura existentes; relações funcionais da cidade e do distrito;

pesquisa nas indústrias e efeitos multiplicadores locais diretos e

indiretos. O plano considerou ainda algumas restrições quanto ao

uso, especificamente em relação ao controle do meio ambiente, índices

de ocupação e preservação de algumas aglomerações rurais já

existentes na área.

Assim o Plano Diretor Industrial elaborado pela CDI estabeleceu

novas zonas de uso em relação ao zoneamento vigente do município,

que foram absorvidos pela municipalidade na reformulação de seu

Zoneamento (através da Lei nº 2.527 de 24 de julho de 1981). Estas

novas zonas de uso configuraram 10 subdivisões modulares, que

tiveram como critério as bacias de esgotamento sanitário (como forma

de redução dos custos de investimentos em infra-estrutura em

saneamento de frenagem).

O Distrito Industrial abrangia ao final da década de 80 do século

20 uma área total de 19.943,23 ha, restando portanto

aproximadamente 34.000 ha, que se encontravam distribuídos em

áreas rurais e urbanas. O módulo 1 encontrava-se no mesmo período

praticamente consolidado em termos de área ocupada por indústrias

diversificadas de pequeno e médio porte. Verificou-se também em

todos os módulos a tolerância quanto à instalação de estabelecimentos

para prestação de serviços ao Distrito Industrial.

No início da década de 90 do século 20 o Distrito Industrial apresentava-

se super-dimensionado em áreas modulares relativamente extensas e apenas

parcialmente ocupadas, restando apenas os módulos 2, 6, 7, 9 e 10 com

áreas disponíveis para ocupação futura. Destes módulos, um (o de nº 6) foi

reservado desde o Decreto Federal de cessão da área para implantação da

SIDERBRÁS. Os módulos 7 e 9 poderiam ser desmembrados e o módulo 10

só permitia usos paisagísticos.

A partir da obrigatoriedade constitucional que exigia o Plano

Diretor para cidades com mais de 20 mil habitantes e amparado no

conjunto de informações técnicas que tramitavam naquela data entre

Câmara e Senado Federais reunidas num Projeto de Lei que

posteriormente se transformaria no Estatuto da Cidade, o Poder Público

Municipal deu início em 1990 aos trabalhos técnicos de revisão de sua

legislação urbanística básica.

O Plano Diretor resultante, aprovado juntamente com sua Lei

Complementar de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do

Solo Urbano em dezembro de 1992, foi dividido em Objetivos, Diretrizes

e Instrumentos, além de um título específico para as definições sobre

a Política de Desenvolvimento Urbano, Função Social da Cidade e

Função Social da Propriedade Urbana. Títulos específicos norteavam

as políticas públicas de Preservação do Meio Ambiente, Patrimônio

Cultural, Habitação, Transporte, Desenvolvimento Econômico e

Tecnológico. Um título final determinava critérios para um Sistema de

Planejamento e Gestão Urbana.

Objetivos políticos, sociais, físico-ambientais e administrativos,

Diretrizes sociais, físico-ambientais e político-administrativas e

Instrumentos institucionais, jurídicos, tributários e financeiros,

urbanísticos e administrativos compunham uma matriz de propostas

para o desenvolvimento da cidade.

Dentre os instrumentos foram aprovados com o Plano Diretor

de São Luís de 1992 vários que posteriormente seriam oferecidos aos

municípios, através do Estatuto da Cidade. Em artigos, incisos e alíneas

específicas foram detalhados os Direitos de Superfície e de Preempção,

Direito Real de Concessão de Uso, Reurbanização e Urbanização

Consorciadas, Operações Urbanas (Solo Criado) e Transferência do

Potencial Construtivo. Fruto do Sistema de Planejamento e Gestão

Urbana proposto pelo Plano Diretor de 1992, foi criado no mesmo

ano o Instituto de Pesquisa e Planejamento do Município (IPLAM),

instalado em janeiro de 1993 (hoje denominado Instituto de Pesquisa

e Planificação da Cidade).

Apesar da atualidade dos instrumentos disponibilizados - São

Luís foi o primeiro Município brasileiro a apresentar em sua legislação

urbanística estes instrumentos do Estatuto da Cidade - o Plano Diretor

de 1992 encontrou a mesma dificuldade apresentada por vários

municípios do país a partir daquela data: os instrumentos, para sua

plena utilização, além de suas leis complementares específicas,

necessitariam estar distribuídos no território municipal. Ou seja,

deveriam constar num mapa da cidade anexado a Lei do Plano Diretor,

informando de maneira clara em quais trechos da cidade os

instrumentos propostos poderiam ser utilizados. Desta forma apenas

o solo criado, aprovado em lei específica juntamente com o Plano

Diretor, teve utilização prática na cidade.

Aprovada na mesma data do Plano Diretor, sua principal lei

complementar instituiu novo Zoneamento, Parcelamento, Usos e

formas de Ocupação do Solo Urbano, dividindo a cidade em 38 tipos

de Zonas (distribuídas em 54 áreas distintas), mais 66 Corredores

viários, que, possuindo índices urbanísticos específicos quanto à

intensidade de uso do solo (limites de ocupação, afastamentos, área

máxima de edificação e número de pavimentos) perfazem um total

de 120 setores urbanísticos contendo usos residenciais, comerciais,

de serviços, institucionais, industriais, agrícolas e especiais.

Um dos principais objetivos da Lei de Zoneamento de 1992 foi

o incentivo à ocupação dos vazios urbanos existentes em quantidades

significativas na cidade. Da mesma forma a ocupação destas áreas,

associadas aos índices não atrativos nas faixas limítrofes do município,

impediriam o crescimento da cidade em direção a São José de Ribamar.

O incentivo a essa ocupação foi efetivado através dos índices

urbanísticos, que em vários trechos da área urbana tiveram, por

exemplo, seu gabarito ampliado de forma significativa (de seis para

doze pavimentos), reforçados pela implantação do solo criado, que

possibilitou edifícios de até 15 andares.

Os índices urbanísticos distribuídos pelo território municipal

seriam responsáveis pelas densidades projetadas (p. 85), que

garantiriam uma ocupação induzida nos vazios urbanos identificados.

Estas densidades, porém, quando comparadas às densidades atuais,

revelam a grande concentração construtiva apresentada em apenas

alguns pontos da cidade - em particular sobre áreas do Loteamento

Boa Vista, em trecho compreendido entra as avenidas Colares Moreira

e Holandeses - e um total desinterese pelo mercado imobiliário local

na urbanização de outras áreas.

Figura 6.19 - Verticalização da cidade.

Page 20: S Ã O L U Í S : U M A L E I T U R A D A C I D A D E