ruy barbosa_obras seletas v. 6

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    MINISTRIO DA CULTURAFundao Biblioteca NacionalDepartamento Nacional do Livro

    OBRAS SELETAS VOLUME 6Rui Barbosa

    Prefcio 9

    Radical Paulistano:

    A Emancipao progride 13

    Dirio da Bahia:

    Pelos escravos! 21Dois de Julho 37

    O Pas:

    Artigo-programa 45

    O bezerro de palha 51

    Jornal do Commercio:

    A legalidade servil 59

    O dever da oposio 63

    A bno dos punhais 75

    Dirio de Notcias:

    O nosso rumo 85Nossa coerncia 93

    Nossa veracidade 107

    Nossa democracia 117

    Nossa ingratido 127

    A nossa reao 137

    Nossos dolos 147ltimas palavras 157

    O exrcito punido 161

    Resposta fala do trono 165O dia mximo 173

    A molstia do Imperador 179

    O programa liberal 185A soluo Saraiva 193

    Conversos do poder 199

    Federao, conservao 211

    Federao e trono 221

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    O manifesto Paulino 227

    A rvore da desordem 235

    Prncipe imperador 241

    A mquina do Rei 251Partidos imperiais 263

    Federao 267

    Liberais, ou corcundas? 275Nuvem no horizonte 281

    O plano contra a Ptria 289

    Boas-vindas 299

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    Prefcio

    Ao planejar, em 1921, a publicao sistemtica de suas obras com o editor A. J. deCastilho, denominou Rui Barbosa Campanhas Jornalsticas a srie dos escritos de imprensa.Com esse ttulo geral apareceram, de fato, os dois primeiros tomos da Queda do Imprio,ambos com a indicao geral de Parte Primeira.

    Em esboo de seu punho, sem data, mas evidentemente anterior, sob o ttulo geral deImprensa , planejou ele a publicao dos escritos de jornal na seguinte ordem: O fim do

    Imprio, 2 vols. , a Ditadura de 1893, 1 vol. , Dois anos de imprensa, 2 vols. , eFolhas esparsas, 1 vol. Partia nos dois casos da campanha de 1889, relegando a um svolume os artigos em jornais acadmicos, oito anos do Dirio da Bahia , os artigos nO Pas ea campanha nos a pedidos do Jornal do Commercio em 1885.

    Alis parece que ele visava antes uma seleo que uma publicao completa, porquemesmo a srie ento chamada Fim do Imprio ficava reduzida a dois tomos, quando AQueda do Imprio , iniciada em 1921, nos dois tomos aparecidos s alcanou o ms de maiode 1889, e a campanha vai terminar somente a 15 de novembro.

    O nome de Campanhas Jornalsticas parece assim que se ajusta a uma coletnea deartigos como a presente.

    A reviso dos textos coube ao professor Sousa e Silva, como nos tomos anteriores, daTribuna Parlamentar. A preparao geral das Obras Seletas continua a cargo do tcnico ebibligrafo A. Simes dos Reis.

    J esto em preparo os tomos seguintes: Tribuna Judiciria, Tribuna Literria e TribunaPopular.

    A boa acolhida que tm recebido os tomos desta srie bem justifica a sua publicaoparalela das Obras Completas.

    Casa de Rui Barbosa, maio de 1956.

    A. J. L.

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    RADICAL PAULISTANO

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    A EMANCIPAO PROGRIDE

    Quando a seiva do esprito pblico entra a derramar-se no grmen de uma reforma, porquea Providncia j a abenoou.

    Nas pocas de incubao poltica como a atual, em que a vontade popular vacila entre aantiguidade de um abuso arreigado nas instituies e a santidade de uma idia venervel,ungida pelo prestgio da verdade eterna, cada receio que se destri uma promessa, cada

    converso que se efetua uma vitria, cada ensaio que se tenta uma conquista.Os princpios so inviolveis e imortais. Inviolveis, porque tm como asilo a conscincia,e enquanto eles se ajuntam, gota a gota, no esprito dos homens para transformar-se na vagaenorme das revolues, no h lei que os reprima, nem inquisio que os alcance.

    Imortais, porque encerram em si, contra a ao corrosiva dos preconceitos humanos, ocarter, a substncia e a energia de uma lei invarivel, absoluta e universal.

    O que, porm, determina principalmente a sua inegvel supremacia perante as concepesdo interesse e da fora, nas grandes lutas sociais, o que deve desanimar sobretudo aospropugnadores do passado, o contgio irresistvel de sua influncia, a virtude reprodutorade seus resultados e a inalienabilidade maravilhosa de suas aquisies.

    Enquanto a semente divina dorme no sulco, podeis lanar-lhe o sal da maldio, podeisplantar-lhe em derredor a parasita insacivel, podeis abaf-la com escolhos, negar-lhe o ar e aluz, o orvalho do cu e as carcias da estao, os recursos da arte e os desvelos do lavrador.

    simplesmente um embuste, porque a reao h de ultrapassar os obstculos, e a verdadegerminar sempre, mas um embuste proveitoso para os interessados.

    Tem sua razo de ser.Os pobres de esprito que no percebem o desenvolvimento subterrneo da reforma, no

    acreditam sua existncia*. uma veia abundante para os exploradores hbeis.Ai deles, porm, ai dos refratrios, quando uma s vergntea atravessar esses empecilhos!Neste caso a resistncia fecunda, a oposio consolida e o contraste fortifica. a hidra invencvel da fbula.

    a histria da emancipao da escravatura entre ns.Outrora a escravido pareceria fadada a perpetuidade neste pas. Falar em extingui-la seria

    uma blasfmia. Fizeram-na esposar a lavoura, cuidando uni-las para sempre. A nao tinhaedificado a sua fortuna sobre um crime, consagrando-o nos seus cdigos como uma neces-sidade social.

    Hoje o princpio emancipador, difundido pela civilizao, lavrou por toda a parte.Na Europa e na Amrica desapareceu a escravido.

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    S ns alimentamos no seio esta ignomnia.A presso formidvel das idias cresce de dia para dia em volta de ns como um oceano

    prenhe de tempestades.No meio de tudo isto o que fez o Governo? Nada; absolutamente nada!A fala do trono de 1869 uma vergonha indelvel. O Sr. D. Pedro II, que em 1867 e em

    1868 havia proclamado solenemente a urgncia da reforma abolicionista, que tinha celebrado

    compromissos pblicos com o pas e com a Europa, que alardeava de todo modo tendnciashumanitrias, vem rasgar aos olhos do mundo o nico ttulo meritrio com que at hoje podiaufanar-se o despotismo de sua autoridade retratando com o silncio todas as suas promessaspara envolver-se numa absteno misteriosa e injustificvel.

    E ainda h quem diga que a emancipao neste pas no questo de partidos!Sim, no devia s-lo.Mas a ndole mesquinha de nossa poltica tem convertido esse reclamo da conscincia

    nacional em arma de hostilidades.Algum dia, quando a liberdade no for mais o privilgio dos brancos no Brasil, quando a

    posteridade examinar os nossos feitos com o facho da Histria na mo, a justia dos

    vindouros h de gravar na memria do Partido Conservador o estigma da reprovao eterna,porque ele sacrificou aos interesses momentneos do poder, o interesse imorredouro daverdade; aos clculos estreis do egosmo, as necessidades imperiosas do futuro, e pequenhez das consideraes pessoais os direitos inalienveis de uma raa escravizada.

    No protesteis! Se a emancipao em 1867 e em 1868 era to urgente, que o imperador amandava estudar pelo conselho destado, e a consignava nos discursos da coroa como anecessidade capital do pas, invocando para ela a reflexo do parlamento, como que de umano para o outro esta necessidade urgente e imediata torna-se to secundria, to indiferente,to remota que nem sequer merece ser mencionada na fala do trono?

    Felizmente, porm, h um preceito e um fato de observao que nos animam.

    O primeiro que desde que a verdade chega a amadurecer com os acontecimentos, cadaembarao com que trabalhamos por contrari-la, um acrscimo de fora para a suamultiplicao.

    O segundo o imponente movimento do esprito nacional que vai-se formandolentamente no pas.

    A servido em que temos vivido at hoje, a ausncia completa de animao poltica dopas, tem-nos habituado a desdenhar esses fatos, que, sob a modstia de suas feies, ocultamgraves sistemas* de regenerao pblica.

    Ao nobre exemplo das provncias do Piau, de Santa Catarina e de Pernambuco, acaba deresponder brilhantemente a provncia de S. Paulo decretando uma verba de vinte contos de

    ris para a redeno de crianas cativas.Honra lhe seja!Bem haja a assemblia provincial, que, neste ponto, soube entender a sua misso! Bem

    haja ela, que assim acaba de penhorar a gratido de seus constituintes! Bem haja ela, porqueassim amou a justia e serviu a causa da verdade!

    Ns a saudamos em nome de nossos pais, cuja memria clama em nossas almas pelaredeno dessa iniqidade tremenda a que os arrastaram, em nome do pas, que reclamaconstantemente o desagravo dessa afronta, em nome do futuro, que se encaminha para ns, e

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    que ser implacvel se lhe deixarmos este legado de oprbrio, em nome das idias radicais,em nome da felicidade de nossos filhos, em nome do evangelho que a grande constituiodos povos livres!

    Ns a saudamos, em nome de Deus!... Num pas descentralizado este fato seria umaexpanso natural das provncias, um acontecimento regular sem significao precisa, semalcance poltico, sem resultados ulteriores.

    Entre ns, porm, onde o Governo constitui-se pai, tutor, administrador da provncia, domunicpio, do cidado, este fato encerra um protesto expressivo contra essa minoridadeperptua que nos aniquila.

    A centralizao administrativa o lao mais eficaz das naes pouco adiantadas,exclama o poder; o que falta ao povo deve salvar* no Governo, para manter o equilbrio vital.Trabalhemos pela unidade administrativa: a condio fundamental da nossa existncia.

    Bem: mas onde esto os efeitos benficos deste sistema? Nas finanas? Estamos exaustos.Na guerra? No se pode conceber direo mais infeliz. No funcionalismo? o nosso maiorflagelo. Nas relaes exteriores? Somos o ludbrio de todos os governos.

    Que da fecundidade to preconizada com que legitimais a centralizao?

    Que reformas se promovem? que melhoramentos se estabelecem? que abusos seextirpam?O que diz, o que faz o Governo diante da grande revoluo social que nos est iminente, a

    supresso do trabalho servil?Emudece.O Governo deserta a causa da emancipao! Ele, que se inculca como o civilizador, o

    mestre, o magistrado do pas, acaba de renegar a justia, a verdade e a civilizao!E as provncias, eternas pupilas de seus administradores, que hasteiam a bandeira

    libertadora, a bela, e venerada bandeira da conscincia e da honestidade nacional.Diante desta escandalosa contradio que homem de bem, que alma patritica ser capaz

    de negar o influxo pernicioso da unidade administrativa?Convenam-se todos de que s h para o Brasil um meio de reabilitao: o sistemafederativo, a iniciativa provincial. As assemblias de Santa Catarina, Piau, Pernambuco eS. Paulo demonstram, com o seu procedimento, a exatido deste asserto.

    Governe cada um a si mesmo: a norma dos estados representativos e dos EstadosUnidos, da Inglaterra, da Blgica, da Holanda, da Sua.

    Ao lado, porm, desta reforma erga outra que esses mesmos acontecimentos proclamamcom a eloqncia respeitvel dos fatos.

    o interesse urgente da emancipao. O Brasil, segundo a expresso de Laboulaye noCongresso Abolicionista de 1867, o Brasil est bloqueado pelo mundo.

    O poder cruza os braos? Pior para ele; a torrente o destruir.A abolio da escravido, quer o Governo queira quer no queira, h de ser efetuada numfuturo prximo.

    Tal a realidade.

    Radical Paulistano, 25 de junho de 1869.

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    DIRIODA BAHIA

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    PELOS ESCRAVOS!

    S SENHORAS BAIANAS

    A vai j por mais de quatro anos.Ento muitas dentre as leitoras, resplandecentes hoje na sua expandida formosura como as

    rosas de Casimira no luxo das suas cem ptalas, eram ainda apenas feiticeiros botezinhos,

    meio escondidos no verde clix dos seus onze anos, tmidos e sorridentes.Nos longes da sua fantasia conjeturo eu que ainda agora poderiam vislumbrar,

    transformada em viso remotssima e indefinida, uma suave reminiscncia de certo dia deabril.*

    O gnio irresistvel da poesia pairava-lhes em torno, desprendendo das asas, como prantodo cu, as harmonias da caridade; e cada gota melodiosa daquele orvalho, recebida, numaalma, convertia-se numa prola de amor, numa carcia, num consolo para um grandeinfortnio vivo entre ns.

    Assim contam lendas orientais que as chuvas do firmamento, acolhidas nas conchasrecnditas do oceano, cristalizam-se nessas lindas jias marinhas to cobiadas para adereo

    de belas.Era Castro Alves, invocando pelos escravos a piedade civilizadora da mulher.A inspirao, consciente da sua energia, emudecera nos lbios do poeta a cadncia

    embevecedora do verso.Mas, na sua prosa, modulada como prece, ouvia-se gemer encantadamente a ctara, como

    nas pginas do cantor de Cimodocia, Atala e Renato.Hoje desapareceu a musa; e o cisne voga alm, para l desse lago azul em cujo seio Deus

    deixou a terra como esmeralda esquecida num invlucro de safira.As vibraes plangentes daquela splica esparziram-se no ar, confundidas msica

    infinita e perene da poesia, que esses peregrinos do cu perpetuam na terra, como no

    murmrio das vagas, dos segredos imperceptveis do zfiro, do dilogo incessante dasrvores, da bulha misteriosa das folhas secas, dos gemidos solenes da montanha, do chilreardos pssaros condensa-se esse acordo inefvel e contnuo da natureza, que nos circunda, nosinebria, nos vivifica, e nos domina.

    Debalde o atrevido folhetinista de hoje apura toda a subtileza dos sentidos, e tentadesentranhar de si faculdades ignotas, para colher no vo um tnue eco perdido dessa voz,que no ouvimos mais.

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    Ah que, se o pudesse, com que sofreguido e que amor o no fixara ao instrumento mudoe inerte da sua imaginativa!

    Ento levantareis a mo do teclado, ou deix-la-eis cair insensivelmente sobre a costura;e, embebidos os olhos dessa umidade, em que o xtase envolve a pupila dos que cismam,fitos os ouvidos e a alma, ireis seguindo, sem cuidar, a repercusso dessa toada longnqua,como haveis de seguir, em mente, ainda hoje, em muita hora de saudade, a doce cantilena

    materna com que se vos embalou o bero.Mas, j que no com prestgios desta nossa esfera que se ho de cativar os silfos

    esquivos e sussurrantes desse outro mundo mgico, fiquem embora a, em sua monotoniasilenciosa, as cordas prosaicas e terrenas, incapazes de mdulos celestes.

    Esqueam o folhetinista, que no passa de um diletante, presumido talvez, com certezaimpertinente.

    Deixem palpitar somente o corao das minhas circunstantes, coro de harpas elias que,ao resvalar do sopro indistinto e permanente dos sofrimentos humanos, estremecem, ressoame exaurem-se deliciosamente num lamento de dor, de consolao e de f.

    Escutem.

    No mais a uniforme surdina da aragem percorrendo melancolicamente a plancie nua,sem promessa de arbusto onde poise, baloice-se, e embeba o frescor da sombra. o flutuar convidativo e potico da virao num desses retalhos de terra verdejante,

    dispersos no deserto, onde h a tpida atmosfera dos trpicos para conforto, arvoredo porcortinado ao sono, e a nepentes com as suas flores e as urnas graciosas cheias de guacristalina, furtada ao sol, para o forasteiro sedento.

    uma inenarrvel sinfonia de almas comovidas que estala com paixo magoada, quebra eadormenta-se como canto inspirador de sonhos bons cabeceira de doente amado, fremecomo a alegria em conscincia iluminada pela bondade, prolonga-se como um desses sculosde casto afeto em fronte de desconsolado esposo, e solua, reprimindo-se, como pranto

    interrompido e enxugado pela esperana.Para isso mais no era mister que uma idia, uma sugesto, um toque, a rubrica destefolhetim, um instantneo relance de olhos a essa enorme e secular desgraa do cativeiro.

    Deu o Onipotente mulher a compleio da flor.No uma galanteria s senhoras presentes.Nesta figura, em que tanto se comprazem literatos e namorados, h a expresso de uma

    verdade to instintiva, que, numa das lnguas de sia, primitiva ptria do homem, mulher eflor se conhecem por um nome s.

    Flor de tanto mimo e mais melindre ainda que a sensitiva pudica e nervosa, terrvellembrana dessa desventura incomparvel, que tem devorado geraes inteiras, dessemilenrio crime, que desumaniza toda uma famlia de irmos nossos, desse como estigma deCaim gravado at hoje nas espduas deste grandioso pas, a esse pensamento de angstia,como se ho de ter as frgeis criaturas divinas, que se no contraiam de aflitas, inclinem-se dehaste para o cho, e exalem-se no seu aroma de inextinguvel afeto?

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    Esto vendo, portanto, as benvolas ouvintes e o crculo de mirones que a ondeia porfora, sem convite, a invejar-me o auditrio, e espiar-me a palestra; esto vendo j que ofolhetinista no vem de mo estendida ao bolo de generosidade por esses infelizes.

    Fora mais que uma superfluidade: uma ofensa.Implorar antecipar-se previdncia do benfeitor, supri-la, ter malsegura a confiana

    nela, na sua certeza, na sua prontido, na sua liberalidade.

    Diante de Deus, sim, prostre-se o pecador, e ore; porque, se bom, tambm severo; pai, mas h de ser sentenciador; a misericrdia, mas , ao mesmo tempo, a justia.

    Mas perante a mulher, por que os joelhos no p, a postura splice, os olhosenvergonhados?

    Pedir-lhe desconhecer nela a Providncia universal do desvalimento e da misria.Falar-lhe em esmola pungi-la ingratamente.A esmola o esforo, a privao, o sacrifcio. Bela e bem fadada palavra, mas que no

    condiz seno queles entre quem a abnegao um acidente, ao sexo endurecido no laboragro do mundo, em que a caridade uma refletida conquista do esprito sobre o interesse.

    Mais sedutor, porm, ainda, e mais digno de bnos o nome a que tem direito o sexo

    lindo; porque ele a caridade mesma.No pratica a virtude; tem-na consubstanciada em si.No se desapega a mulher, como ns, por uma reao violenta e dolorosa, da sua

    personalidade, para acudir ao desamparo: entrega-se ao infortnio alheio, e vive, identifica-se, medra nele, inteira, serena, absorta, feliz. Mais constante que o relento benfico da noite,no tem alternativas a sua dedicao, ininterrompida como o ar, o movimento e o calor. Nose queixa, porque no forceja; no tem que resignar-se, porque se no constrange; faz o bemcomo ns respiramos, como as aves trinam, como o sol irradia.

    , digamos assim, a sua funo vital.Dir-me-o que deste modo, o nosso papel mais herico.

    Responderei que o delas anglico, e, entre anjos e heris, pelos anjos ser sempre o meuvoto.No , pois, esmolar para os cativos o que vim fazer; no nem as alvssaras do festim

    libertador o que aspira o folhetinista.Tarde chegaria sempre a notcia, por mais que se apressasse a pena; que, onde surdiu

    ocasio de entornar blsamo num martrio, a chegou, por instinto, antes de ningum, a moda mulher com a nfora da caridade.

    Essa propriedade adorvel infundiu-vos o Criador, como s plantas a de pressentirem eadivinharem a luz.

    Vai um experimentador implacvel, toma um rebentozinho vioso, nutrido de raios

    solares, e o consagra s trevas, nas profundezas da terra, em alguma obscura escavao, ondepassos de mineiro se no afoitariam, sem a lmpada salvadora de Davy, nem olhos denictalope descobririam vestgios de um reflexo luminoso.

    Deixai atuar o tempo... Vereis o pobre vegetal supliciado, exausto e desbotado desaudades do sol, crescer no meio da sua tristeza, estender dia a dia o colo filiforme, despido eplido; serpear; retrair-se diante dos obstculos, e margin-los; sumir-se pelo cho, eressurgir; dilatar-se persistente, incessante, infatigvel; subir, estirando-se pela parede negrada galeria; apalpar-lhe as salincias; enfiar-se por algum interstcio inexplorado, longo,

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    tortuoso, estreito; atirar-se, onde ningum pensara, por alguma fisga imperceptvel do solo;evadiar-se, afinal, atravs do relvado, priso subterrnea; e, saudando, no seu verdor malcorado ainda, as florinhas do campo, receber avidamente o primeiro beijo dos esplendores dodia.

    De sorte que trazer-vos novas da festa de 5 de setembro fora ingenuidade, que umadelicada zombaria vossa, disfarada num afvel agradecimento, puniria bem.

    A malcia, transparente na polidez do sorriso com que haveis de acolher o apressurado,mas serdio, noticiador, ser-lhe-ia para o amor-prprio uma decepo mortal.

    Todo o meu propsito, a minha audcia toda, pois, reduz-se a querer estar assimconvosco, praticando, na familiaridade inestimvel do sentimento, sobre a sorte dos mserosque tiritam no frio do cativeiro, sob esta azulada abbada, onde tantos astros quantas asminhas ouvintes abrigam no regao tesoiros de calor vivificante.

    Dentre as pensativas circunstantes calculo eu no haver uma s, que, da sua varanda, no

    tenha muita vez festejado, a sorrir de inconsciente admirao, a hora do despertar no cu e naterra.

    Abris, alvoroada, a janela, por onde j vos andava de fora, talvez, a aragem matutina aciciar queixumes de lhe no terdes vindo receber mais cedo as fragrncias, com que por vsmadrugou.

    Na retina, de onde se vos vai apagando a ltima imagem dos sonhos caprichosos, porentre as plpebras ainda apenas a meio descerradas, o matiz da paisagem espelha-se-vos,fulgindo como num aljfar de orvalho.

    A brisa embalsamada, a que franqueastes o recesso inspirativo de vossos purssimossegredos, passa-vos, brincando, pelos cabelos desatados, para ir deter-se, entrando,

    amorosamente no travesseiro da criancinha adormecida; e o primeiro raio travesso do sol vemdescansar-vos de soslaio na fronte, como diadema de uma realeza que no tem senoadoradores.

    De ao p de vs o jasmineiro, entornando-se de sua poisada area, contente, no seu exlio,entre os vossos carinhos, arrasta solta a sua vestidura verde, esmaltada de estrelinhas alvas,enquanto, mais acima, no beirado de casa, empina-se a avezinha, l do ninho temerrio, agorjear, e a rir.

    Parecer-vos- ento que desse panorama indescritvel no quis Deus que houvesse outroscontempladores vivos, seno vs e o alado msico da alvorada.

    Mas no; iludis-vos.

    A par desses dois mundos, num dos quais vive cantando o pssaro, e no outro as minhasleitoras so rainhas, terceiro mundo a se vos est desdobrando aos olhos cheio de vida emistrios como o nosso.

    o mundo extenso, calado e solitrio da vegetao.Vive a planta, como ns, tambm, leitoras, ela que condio de nossa vida.Como ns, nasce frgil, sfrega do seio materno; cresce entre beijos e afagos, como

    vossos filhos; tem sede de seiva e de luz; respira e decompe o ar como os pulmes humanos;sente, deseja, e sofre; luta pela existncia com a tenacidade imperiosa do instinto animal;

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    estremece de amor em sensaes desconhecidas, e reproduz-se; refaz-se no sono das noites;ergue-se jubilosa, ao alvorecer; cora apaixonada ao brando contacto das auras tropicais;definha entre as brumas; ao ardor do areal estala sequiosa; na sombra, empalidece; e tardeparece que devaneia.

    Quer mais o meu auditrio?Pois vou apontar-lhe ainda outra regio de criaturas animadas, em cuja parecena conosco

    bem raro atenta o homem.Leitoras, no meio do campo luxuriante, vede a senzala nua e esboroada.Sob esses tetos h um mundo, que vegeta, como a planta vive; entes que tm paixes,

    filhos, enfermidades, agonia e morte, bem que no conheam ptria, nem noivado, nem lar,nem olhos chorosos sobre o tmulo.

    Um e outro, o vegetal e o escravo, elaboram-nos o po; um e outro consomem-se por ns;de um e outro somos os soberanos.

    Todavia, nem num, nem noutro, podemos, podeis, empregar o nosso, o vosso amor.Porque o amor a identificao, a unidade; e entre eles e ns h o abismo do esprito, da

    liberdade que lhes falta.

    Notareis apenas que, no reino silencioso das plantas, consentiu o Onipotente os efeitosprismticos da luz, a folhagem viridente, a flor de cores festivais, os pomos de oiro.A multido cativa, porm, traz nas carnes inviolvel luto.Dir-se-ia o manto imvel de um fretro sem ouropis. Fretro de um povo.Sabeis a narrativa evanglica de Lzaro e Jesus.Pela caridade, pela origem comum, pelo comum destino, sois, como Maria, irms dos que

    em vida a jazem na sepultura da escravido.Uma palavra, uma emoo fraterna, um olhar de ternura, e... quantos no sero redivivos,

    abenoando-vos?

    Leitoras, antes que me increpem, acusar-me-ei eu prprio.Essa comparao minha uma injustia ao Criador e uma complacncia imerecida, com

    os homens.Negou o Senhor planta a tmpera do pensamento e da vontade livre; mas influiu-lhe

    gozos, belezas e privilgios encantadores.Ns descoroamos da liberdade aos que de Deus a houveram sacrossanta, e com isso os

    abatemos ao nfimo grau da escala criada: at abaixo do reino vegetativo.Segue o heliotropo, com afetuosa perseverana, desde o dardejante oriente ao poente

    rubro, o curso do sol esplndido.Ao escravo, porm, onde fica o astro da sua vocao?Sensvel como virgem, a mimosa dos prados foge, assusta-se, desfalece ao nosso contacto,

    ao simples hlito nosso.Mas a mulher cativa quem lhe deu o direito da pureza?Pendente do caule, a desmdia oscilante balanceia-se, contando insofrida os segundos,

    com a certeza de um pndulo, como alma impaciente pela ventura que tarda.E o escravo esqueceu at o dia do nascimento, porque todos os seus dias so iguais.

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    Nada a valisnria faceira e florida tona do lago plcido; o esposo, abismado nos seusdesejos, preso ao lveo, sob a gua difana, acaricia-lhe os ps; vinda, enfim, a clidaestao das npcias; quebrou a flor masculina os vnculos da sua timidez; despega-se dofundo; alteia-se; emerge; enlaa voluptuosamente a corola desposada gentil; e a flor, me,despreza o toucado e as galas, para se engolfar no retiro cristalino, onde v desvelar tranqilao fruto, o mimo, o prmio dos seus amores.

    Leitoras, quem deu escrava amores impolutos, fecundidade bendita, solitriaobscuridade domstica? escrava, para quem ignomnia a maternidade, que vos santifica?

    Vede a folhagem risonha do laranjal. De dia toda oxignio, que aviventa, e perfumesinofensivos; de noite sob essas exalaes balsmicas insinua-se o carbono, que asfixia.

    Assim o homem.Banhado nas ondas luminosas da liberdade, fertilizar o globo.Reduzido, na opresso, s trevas, encher de morte em derredor a atmosfera empobrecida.H nada mais inocente que o lrio amorvel dos vales?Entretanto, povoai deles, tardinha, a alcova, e... bem pode ser que no acordeis mais.Tambm no escravo est deposto o grmen fragrante da virtude. Por que , pois, que a sua

    convivncia vos empesta o ambiente do lar?Leitoras, restitu os coitados ao ar livre, e a sua vizinhana j no vos h de aterrar como ade pntano estagnado: desprofanareis o santurio do amor conjugal; restaurareis a obradivina; expiareis o nosso atentado.

    Lembram crenas populares da ndia que divindades gigantescas e cruis pelejaram contraas peris, etreas criaturinhas do paraso, mantidas da essncia das flores, e, depois de asvencerem, as dependuraram em prises de ferro ramaria de rvores altssimas.

    As mseras prisioneiras viam de longe os cmoros vicejantes, as borboletas, os nenfares,e finavam-se no suplcio atroz.

    Leitoras, em cada cativo h tambm uma alma, encadeada, a espreitar l de dentro a bem-

    aventurana da liberdade nos outros.Aqui as Divas sois vs: uma inflexo do vosso olhar, e triunfareis dos opressores,envergonhando-os.

    Sereis ento semelhantes a Deus.Perdoem-me as ouvintes bondosas; no tent-las como a serpente bblica.Se entrarem, recolhidas, em si, advirtam que ho de ouvir talvez essa tentao, mas... do

    seu anjo da guarda.Leitoras, para um leilo que vos convidam.Ora que, se no fosse puerilidade brigar por um nome, sempre me havia de enfadar aqui

    muito com os meus bons amigos, os abolicionistas, por esse malsoante batismo.

    Verdade que mngua de outro...Acerquem-se as senhoras, sem medo, que no vm assistir a nenhuma almoeda mercantil,a nenhuma feira de compra e venda.

    Estas prendas no tm preo. Cada uma, no convvio emancipador, o smbolo de umaao boa. Quer dizer: vale todas as opulncias da terra e as recompensas infinitas do cu.

    Cada uma uma bno.Me, que vos revedes na meiga gentileza da filha, aquele ramalhete de madressilvas

    agrestes, que ela anda, ali na mesa, a namorar, de ambiciosa, assentava-lhe to bem!

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    Parecem-vos mortas? Mas reparai que so recendentes e orvalhadas: recendentes da mo defada que as teceu; orvalhadas do suor de amargura, que ho de estancar ao escravo redimido.Onde lhe achareis outro enfeite assim, virgneo e celestial?

    Noivo, que, sem dvida, antes de mim advertistes j na insistncia de certos olhosfascinantes, repartida ali entre os vossos e o primorzinho artstico daquele beija-flor deplumagem vivaz e cambiante como as vossas esperanas, por que no h de ir ele, por vs,

    poisar nas tranas daquela amvel invejosa? Que mais auspicioso agoiro para vossos amores?Pai, que a vos estais distrado no filho, a quem o colorido cintilante daquele brinco

    infantil cativou os desejos, se o preo dessa inocncia do pequenito fosse a ressurreio deum esprito?... Se um dia lhe pudsseis referir que um capricho de sua puercia fora asalvao de um oprimido?

    Ah! que afinal agora sou o penitente ante os meus patrcios da Libertadora... Excelenterazo tinham, para olhar to pouco ao nome, quando a cena enfeitia assim.

    Feito era do folhetinista, se no estivesse agora entre filantropos!Refletisse mais, e vira que feio nome e ignbil coisa era cruz, e, contudo, tem para terra o

    vulto sublime do Cristo e dois braos de paz estendidos sobre o gnero humano.

    Sabem as perspicazes interlocutoras desta minha conferncia que, dentre os muitosapangios e licenas de que dispe o folhetinista, a menos lisonjeira no a da curiosidadeimpune.

    Do lbum que a mo vos folheia inscientemente, enquando a vossa ateno me esthonrando, que de sedutoras criaezinhas do pincel e do lpis a avara modstia da artista mevai escondendo!

    Flores e pssaros; perfis de moas e crianas; ovais de cabeas romnticas e cismativas;lbios como corolas de rosas midas na antemanh; clios baixos como vu de ligeiraobscuridade em enseada lmpida e azul, ou erguidos a entremostrar a alma; um encontro, umadespedida; uma vindima rumorosa, uma seara ondulando ao vento, um partir de madrugada

    para o trabalho em herdade campestre, um volver com a colheita noitinha; algum correr deces na floresta ao encalo de gamo perseguido, ou malogro de caador, mirando ao longe alebre, que lhe salta de ao p; um ermo beira-mar; um campanrio sozinho entre serros comosaudade em corao despovoado; uma encosta com o seu moinho de leques rodopiantes; obaixar manso da sombra tarde pela montanha; o claro da lua cheia a desoras; o oceanogemente, deserto, com as suas fosforescncias brilhantes e alguma vela no horizonte comoalcon boiando...

    Ah! leitoras, a minha indiscrio contraria-vos...Pois negai-me embora o repertrio das vossas horas vagas; arrecadai tambm na cesta os

    prodgios da agulha milagrosa.

    Para daqui a trs semanas vos empraza o folhetinista, e, daqui, f de vossa caridade vos juro que esse tesouro de violetas, recatadas agora assim pertinazmente, l se achar todosemeado, luz pblica, entre as oblaes redeno dos cativos.

    No ser, pois, s leitoras, mas a eles, aos vossos protegidos, que hei de agradecer osuspirado enlevo dessa exposio de maravilhas.

    Apenas, se as circunstantes devassarem ento o incgnito do folhetinista, no se ressintamda malignidade com que saborear essa revelao da vossa mestria, recusada hoje minhacobia, e aos vossos escrpulos mais tarde imposta pelos vossos bons coraes.

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    Dirio da Bahia, 15 de agosto de 1875.

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    DOIS DE JULHO

    Nas festas da liberdade e do povo, o lugar de honra pertence indisputavelmente verdade.Nos grandes dias comemorativos da ptria, a maior das homenagens a ela , sem dvidanenhuma, a sinceridade austera do dever.

    Quando esta cidade, amanh, tomar, em saudao reconhecida gloriosa memria denossos maiores, as ltimas pobres roupas de festa que a sua decadncia lhe permite, e de cada

    uma das almas que abriram os olhos luz da vida no bero desta risonha natureza o prestgiodas tradies populares esprema ainda a amortecida e extrema seiva do antigo fervor, que asprovaes da atualidade no tenham de todo extinguido na expansiva e generosa compleiodeste povo, a imprensa liberal no deixar de associar-se, fraternalmente, pureza e elevao deste sentimento, cuja flama benfazeja teve energia bastante para atravessar tantasamarguras pblicas sem apagar-se.

    Nessas belas manifestaes, impregnadas de tanta poesia e de reminiscncias to caras atodos os filhos desta terra, vimos e veremos sempre um princpio de espontaneidade popular,que, num pas cujo vcio, no diremos constitucional, mas crnico, a inrcia, cumpre nutrire desenvolver zelosamente; vimos e veremos sempre essa fidelidade da gratido s legtimasglrias nacionais, que entre as naes livres um sinal da sua dignidade, e nos povosoprimidos um desmentimento s pretenses da tirania.

    Quando tudo o que era eminente se vai arruinando, e tudo o que impunha respeitodesmoraliza-se, esse culto do passado pode ser um protesto intil contra o presente, umaaspirao eficaz para o futuro, um elemento de vida, de regenerao, de progresso; e entre osinfortnios que se desfecham tantos e tamanhos, uns aps outros, como golpes de um acinteinfatigvel no mal, sobre este desventurado pas, suave o refgio dessa consolaooferecida pelos fastos de uma poca herica aos que padecem e esperam contra a aridez e acorrupo de nossos dias.

    No deixemos prescrever esse formoso costume de nossos antepassados. Preservemo-locomo um dos raros indcios perceptveis hoje da juvenilidade de uma nao que as

    degenerescncias de uma senilidade aparente, fruto do estragado regmen administrativo quenos esmaga, extenuam e afligem. Sintoma de uma virilidade sopitada, mas robusta nas suasdisposies latentes, essas ovaes pstumas da gerao atual aos lidadores que cimentaramcom o prprio sangue a inaugurao de nossa existncia independente, demonstram pelomenos as ntimas simpatias, as afinidades indestrutveis deste povo com a tmpera varonildos que, com ele e por ele, tiveram f, combateram e triunfaram no direito.

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    Mas no consintamos tambm que entre as exploses dessa imponente comemorao,entre o tumulto e os risos desse desafogo festivo, buscado nas reminiscncias de uma dataimortal, contra a mesquinhez e os dissabores desta idade, perca-se esquecida a lio enormedas calamidades que nos cercam, emudea a voz de nossa conscincia envergonhada nashoras calmas da meditao e do trabalho.

    Um povo digno de dominar os seus destinos, de ser indisputadamente senhor de si

    mesmo, no delira, no se atordoa, no fecha os olhos realidade severa da sua posio. Nashoras mais frementes do regozijo, quando a imaginao e o entusiasmo dourarem das suasirradiaes os feitos de nossos pais, ouamos, cada um no seio de sua alma, o murmrio dosangue deles em ns, e lembremo-nos de que o primeiro de nossos deveres filiais, tantoquanto a maior de nossas obrigaes patriticas, igual-los na independncia, natenacidade, no amor do torro natal.

    Entre os esplendores e as harmonias dessa inocente, querida e confortadora solenidade,recolhamo-nos uns instantes obscuridade silenciosa de nosso senso ntimo. Se a voz deletivesse, neste pas, esse grande eco exterior, esse sopro criador e onipotente, que em terrasmais felizes se chama opinio, e rege o mundo livre, grande risco teria que correr o jbilo dos

    nossos lares, e das nossas ruas, de que o turvasse uma imensa tristeza; porque essa vibraocoletiva das nossas conscincias seria asperamente exprobradora, e havia de lembrar-nosverdades cruelmente amargas.

    Ela nos recordaria que essa emancipao, cujo aniversrio vamos celebrar, esterilizou-se edegenerou em frutos de opresso e misria.

    Vossa fraqueza, diria, deixou conspurcar, anular, explorar contra vs a herana de vossosascendentes. As instituies que o patriotismo deles implantou neste solo como rvoresagrada, a cuja sombra se acolhessem sucessivamente as geraes de sua descendncia, porculpa vossa fenecem incultas em mos de especuladores de todas as classes, de todas asgraduaes, de toda a espcie de cometimentos reprovados; e delas j no h mais do que

    runas, simulacros e reminiscncias, cada uma das quais uma increpao indelvel contra ossucessores descuidados e desamorosos de seus pais, que deixaram malbaratar-se o cabedal dagrande famlia comum. Ferida a liberdade nas suas partes vitais, invlida, impotente, tudohavia de perder-se como se perde sempre com ela, o vigor, a considerao, a fortuna. Asopulncias inexaurveis de nossa natureza no podem j ensoberbecer-vos: humilham-vos.Cada uma de vossas irms, primognita das formosas do Cruzeiro, uma indigente entreguea uma tutela de prdigos, devorada de dvidas, cativa de mil credores, coberta de farrapos que

    j no se disfaram. Intelectual, moral e economicamente, tudo a olhos vistos, decai. Vsmesma, gema ridente do Norte, briosa provncia que nunca recuastes da vanguarda entre osmelhores na paz e na guerra, vede: a vossa maternidade inesgotvel de talentos, de

    heroicidade e de civismo no vos salva da depresso, do arruinamento geral. O termmetrodo vosso futuro baixa rapidamente.O funcionalismo voraz, a afilhadagem insacivel, a multido infinita dos impostos paira

    sobre vs, ceva-se da vossa vida, apascenta-se na vossa pobreza crescente. Vossa prpriacapital, a prola ridente do Norte, traz j impressa na fronte, sensvel a todos, a sombra dasaflies pblicas: seus edifcios, seus institutos, o ar mesmo de sua populao, tudo exprimefadiga, velhice, misria, desmoronamento. Amai e relembrai as grandezas de vossos avs;mas o que eles foram por vs, no vos esquea que deveis s-lo por vossos descendentes. A

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    memria inextinguvel dos que vos criaram e legaram a ptria emancipada no quer o cultode um estril entusiasmo. Enquanto eles vos herdaram desbravado e semeado o terreno para aliberdade constitucional, no o vades transmitir aos vossos filhos, aos netos de vossos pais,extenuado, empobrecido, aridificado pela servido. A cautela do absolutismo o vossoflagelo, o vosso abatimento, a vossa morte inevitvel. Conquistai pacfica e legalmente, pois,o uso das instituies liberais, reassumi a vossa soberania constitucional, ascendei ao governo

    de vs mesmos, e sereis felizes moralizados, invencveis; sereis dignos do cu que vos cobre,da natureza que vos circunda, da histria que vos precede.

    Esta a linguagem da conscincia universal, a linguagem dos fatos e do bom-senso.Queremos que seja a nossa, desagrade embora.

    Para uma festa, ainda assim cremos que no destoar. So flores tambm. So as floresagrestes, mas puras da verdade.

    Vo melhor as alegrias populares do que as galas mentidamente risonhas de um otimismofalso.

    Quando das grinaldas patriticas as outras houverem murchado, estas ficaro, porque asua vida no de um dia, como a dos jardins, eterna como a liberdade, que elas coroam.

    Em torno deste emblema, sim, podem reunir-se dignamente os nossos concidados. Porora apenas uma imagem: pode ser uma realidade, quando eles seriamente o quiserem.

    Dirio da Bahia, 2 de julho de 1877.

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    O PAS

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    ARTIGO-PROGRAMA

    Por menos acreditados que estejam na vida pblica os programas de todo o gnero, no h,contudo, armar tenda entre as fileiras mais ativas da imprensa, sem comear por dar conta aosnossos juzes da vocao ou do pensamento a que obedecemos.

    Num centro de civilizao como este, onde a opulncia intelectual da nossa ptria sereflete por tantas faces e to brilhantemente no jornalismo, em rgos que honram o pas, a

    nossa espontaneidade seria uma ousadia, se o lugar que reclamamos no fosse apenas o demodesta colaborao entre os mais humildes trabalhadores na lida obscura de repartir manhpor manh o po do esprito, em pequeninos, ao crculo dos que lem e meditam.

    O Pas no traz arena das lides pelo bem geral pretenses, nem malquerenas,preconceitos, nem intentos reservados. No o anima, tampouco, interesse algum, aindamesmo de qualquer das classes sociais, que no se confunda com os interesses comuns destaesperanosa nacionalidade.

    O seu empenho preponderante consiste em estar em comunicao ntima com asnecessidades mais inteligentes e as idias mais progressistas da nossa poca; em pugnar pelasmais adiantadas aspiraes do povo e pelas exigncias mais liberais do nosso futuro.

    Sem esquecer que, entre as naes, como esta, onde to atrasada corre a educao doesprito popular, a opinio h de ser, at certo ponto, obra da imprensa, , todavia, nossoespecial propsito fazer, quanto possvel, da nossa folha um espelho leal das impressespblicas de cada dia, em presena de cada acontecimento, de cada idia, de cada problema.

    Claro est, pois, que entre ns e as parcialidades militantes no h liames de espciealguma, aparentes ou recnditos, prximos ou remotos. No que no compreendamos autilidade poltica dos partidos e a necessidade social da poltica. Dela e deles uso, muita vezentre os que fazem profisso de imparcialidade, malsinar como de excrescncias passageirasno organismo nacional ou exploraes mais ou menos hbeis do Governo a benefcio dasclasses que especialmente o requestam. No participamos, porm, deste erro, que asuperficialidade, ou a ignorncia gera e divulga.

    Enquanto o regmen parlamentar for, como at hoje, a mais perfeita expresso dainteligncia humana aplicada administrao das sociedades civilizadas, os partidos, queconstituem a alma desse regmen, continuaro a ser necessidades nacionais da ordem maiselevada. A causa das inconvenincias que se lhes costumam atribuir no existncia delesque se liga, mas sua degenerao, inconscincia e fraqueza.

    Destarte, pois, fora dos partidos ainda se nos abre vasto espao ao exerccio da atividadepatritica no jornalismo, onde eles carecem de rgos, mas tambm de aquilatadores e fiscais.

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    Este o nosso ponto de vista: seguir, com indefessa vigilncia, sem disposiopreconcebida, a vida poltica e social da nao, praticando, no a falsa imparcialidade, que,por medo, ou pessimismo, se traduz numa espcie de maledicncia convencional, em umsistemtico descontentamento, mas a imparcialidade verdadeira e isenta, que diz o que pensa,agrade, ou desagrade oposio, ou governos.

    Ao desenvolvimento do bem, no menos funesto do que o otimismo, com as suas

    miragens e falcias, o pessimismo habitual, com as suas leviandades e cruezas. A veiaepigramtica tem a sua funo essencial na imprensa; mas no h de ser a grande artriadesse organismo. Diante de tudo quanto respeitvel for, nos homens, nas instituies, nastradies e nos princpios, buscaremos lembrar-nos sempre de que o jornalismo, por issomesmo que uma exigente escola de crtica, h de ser uma escrupulosa escola de respeito.

    O curso do esprito reformista no pas acelera-se atualmente; e convm aceler-lo.Atravessamos uma agitada fase de transformaes e recomposies, em que o meio de serviraos interesses da ordem abraar com lealdade e confiana a causa das reformas refletidas,mas francas. Honremos a ndole progressista do nosso pas, revelada pelo curso da suaevoluo em sessenta anos, no to acanhada, como alguns afiguram, se considerarmos nessa

    fatal inferioridade imposta pelas leis absolutas da natureza a toda a comunho possuidora deescravos.O Pas tem a sua origem no comrcio; nele assenta particularmente o apoio das simpatias

    a que deve a sua existncia; com ele se honra de associar-se na devoo aos eminentesinteresses nacionais que essa nobre classe representa. Os assuntos, portanto, que tocarem, poresse lado, prosperidade pblica, conseguintemente os assuntos econmicos, agrcolas,industriais, tero, em nossas colunas, o lugar de maior distino, sem omisso, todavia, nemmenospreo, das questes que pertencem esfera moral, cultura da nossa mentalidade, cincia, literatura, ao gosto.

    Discutir os negcios provinciais, cuja gravidade merecer a ateno do pas, um dos

    nossos intuitos mais gratos. Das provncias, pelo comum, tirante as ocorrncias capazes dealimentar curiosidade ou os enredos eleitorais, com que os partidos reciprocamente seenxovalham, rara notcia tem a capital, que as centraliza, para, em geral, esquec-las. Por muifelizes nos daremos, se pudermos contribuir para agitar aqui o exame das matrias impor-tantes desta ordem, promovendo esse vnculo de simpatia entre elas e a corte.

    A publicidade de que dispusermos, oferecemo-la desde j a todos os homens de talento epatriotismo. O Pas prezar-se- de honrar o seu nome, abrindo campo a todas as opiniesdesinteressadas, tolerantes e inteligentes.

    Encetando a sua carreira rodeado de adeses que j lhe ultrapassam largamente aexpectativa, cumpre-lhe agradecer a benevolncia dessa ampla cooperao, que o favorece,

    de espritos superiores em tantas esferas da experincia e do saber.Dessa coadjuvao, a que diligenciaremos corresponder, ao menos com a inteireza denimo, a coerncia de esprito e a firmeza de propsito; da benignidade pblica, to generosano seu gasalhado para com todas as tentativas teis; dos conselhos dos nossos confrades naimprensa, to habituados a alentar os fracos e guiar os inexperientes, deste trplice auxliofiamos o nosso destino, e esperamos a eficcia dos nossos esforos pelo engrandecimento danossa terra.

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    O Pas, 1 de outubro de 1884.

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    O BEZERRO DE PALHA

    No faremos praa de devoo aos agricultores. O zelo pelos interesses da lavoura, que, bementendidos, no vm a ser mais que um aspecto dos interesses gerais da ptria, queremosexerc-lo sem alarde, com a sinceridade e iseno de amigos leais.

    Por isso timbraremos em no lisonjear-lhe preocupaes, que a arte da estratgia polticase empenha em alimentar, sempre que se trata de classes poderosas, cujos hbitos de sossego

    a soluo iminente de um grande problema vem momentaneamente perturbar.Num pas onde a indstria do cultivo da terra tem a vasta preponderncia que entre ns, alavoura constitui uma fora incomparvel, que as convenincias polticas da atualidade,interessadas em mudar a ordem de cousas existentes no Governo, se esmeraro naturalmenteem propiciar, antes acariciando-a, do que dirigindo-a. De bom conselho , pois, que ela seponha de sobreaviso contra os afagos de quem emprega toda a sua habilidade em nocontrariar-lhe, de leve sequer, as predisposies, indigitando-lhe como inimigos todos os queno conspiram na mesma linguagem, e falando-lhe s aos sentimentos, como o medo, queimpossibilitam a serenidade de esprito, e toldam a limpidez da razo.

    O pnico terror adensado, em 1884, no nimo dos proprietrios rurais pela fraseologia dosagitadores polticos, a quarta edio das tempestades de retrica trovejadas em 1831, em1851, em 1871, a propsito do mesmo assunto, e em proveito dos mesmos interesses.

    De cada vez que, do lado do futuro, se projeta no horizonte a questo servil, a runa dalavoura comea a anunciar-se entre gemidos e vociferaes. A grande propriedade,sobressaltada, presta ouvidos, mais ou menos crdulos, ao alarido proftico dos terroristas.No obstante, a energia evolutiva do direito, cuja torrente a resistncia mal aconselhadaavolumou, represando, acaba por triunfar. A reforma efetuou-se. Todavia o novo regmen,criado por ela, em vez de aniquilar, prospera a fortuna agrcola.

    Se a tranqilidade e a satisfao, restitudas aos espritos pela influncia pacificadora dareforma, no levassem a esquecer as predies infaustas da vspera, solenementedesmentidas pela realidade do dia seguinte, o artifcio, descoberto e gasto, estaria

    desmoralizado para sempre. Infelizmente no o que tem acontecido. A experincia dospressgios malogrados no precata as vtimas do engano contra a reproduo do estratagema.A prosperidade e o descanso, frudos sombra da reforma, e graas a ela, desluz-lhesrapidamente da memria as tintas de horror, com que pouco antes os exploradores secompraziam em futurizar-lhe os resultados. O instrumento de aliciao poltica, que dir-se-iaolvidado, estragado, intil, no perdeu nada o prestgio para novas hostilidades contramedidas da mesma natureza. Ponto dar-se ocasio igual. V-lo-eis operar prodgios.

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    Mas nunca esse ludbrio urdido pela m poltica em prejuzo dos interesses reais dalavoura foi to mal encoberto como agora. Nunca a iluso foi to calva. Nunca foi to fcil propriedade agrcola desenlear-se da trama perigosa.

    Compreende-se o seu erro, a facilidade da captao de que ela foi objeto em 1831. Eraento o primeiro grito da humanidade contra a instituio maldita. Congnita, por assimdizer, com a nossa nacionalidade, ela parecia-lhe consubstancial. Ningum ainda ousara

    tocar-lhe. Apenas a voz de alguns raros videntes patriotas denunciava ao longe, no oriente, oponto negro do problema. Habituada imemorialmente a ver nas areias inesgotveis da fricao emprio das suas mquinas de trabalho, a classe afortunada era natural que no concebesseoutra organizao econmica. Estancar de repente esse manancial devia afigurar-se-lhe umcrime contra a ordem, um ato de revoluo, a decretao da indigncia geral.

    Em 1851 a situao no era mais clara. O afluxo torrencial do contrabando, que, em vinteanos, introduzira criminosamente em nossas plagas no menos de seiscentos mil cativos,agravara a pujana dos interesses envolvidos na subsistncia da escravido; e a ostentosa, aescandalosssima violao dos tratados e da lei de 7 de novembro devia ter reforadoprofundamente, entre os proprietrios territoriais, a persuaso da estabilidade, da

    invencibilidade, da necessidade do elemento servil.Em 1871 no podia deixar de ser grande o alvoroto entre os interessados. O projeto dogabinete 7 de maro atacava a escravido, no extrinsecamente, defendendo-lhe reabastecer-se em regies longnquas, mas intrinsecamente, fechando-lhe, no seio da raa oprimida, afonte renovadora do nascimento. Ainda ento parlamentares e jurisconsultos eminentespodiam sustentar que o filho do escravo to propriedade do senhor como os seusprogenitores. A proposta Rio Branco, tornando ingnua, como a dos homens livres, a prole docativo, era a primeira negao legislativa desse carter de propriedade ligado escravido, na

    jurisprudncia civil. O golpe era atordoador. O esprito da lavoura no estava preparado parao abalo. O desconcerto, a clera, o clamor eram explicveis.

    Hoje todos os prestgios e espectros se dissiparam. A agricultura, trs ou quatro vezesespavorida sob as ameaas de destruio, no cessou de medrar. A propriedade servil podeser formalmente negada, em 1867, no Conselho de Estado, pelos projetos do Sr. Baro deMuritiba; em 1871, no parlamento, pelo parecer da comisso especial, em uma cmaraconservadora.

    Para que a lavoura, pois, acabe de desoprimir-se do pesadelo, basta-lhe atentar nafisionomia atual dos partidos.

    Quem se ope reforma?H, certo, desse lado, grupos republicanos, que julgam fomentar o ideal da repblica,

    privilegiando a coroa com a honra das reformas que mais nos dignificam ante o mundo e o

    sculo. H, entre os liberais, a parte ingnua, esquecedia, que se desagregou da imensamaioria dos seus correligionrios, repudiando a bandeira de 1869, onde se inscrevera, entre oscompromissos imediatos do partido, a libertao gradual das geraes presentes. H, entreos conservadores, um ncleo de intransigncia, que quase exclusivamente se compe deproprietrios ou aderentes diretos grande propriedade por dependncias eleitorais.

    Mas a maioria da opinio conservadora como pensa?Enquanto deliberava o parlamento, e era possvel conquistar o poder sem compromissos, e

    presidir as eleies gerais sem indisposies, ningum lhe devassou o sigilo. Enquanto se

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    pleiteava no Rio de Janeiro a eleio de senador, a mesma impenetrabilidade rodeava essemistrio. Agora, porm, um chefe do partido, aclamado pontfice por outro chefe, rompe ovu do segredo, entregando aos aplausos do pas esta declarao patritica: O PartidoConservador quer, deve e pode ir alm da lei de 28 de setembro.

    Este lema sanciona a reforma, e perde-se nas regies do desconhecido.Ainda acreditar a lavoura que a reforma seja a sua perdio?

    H, entre as populaes rurais da Esccia, um costume singular que os partidos polticosparecem ter parodiado em algumas das suas artes. Quando a teta, mungida com insistncia,recusa ao campnio o leite saboroso, um couro de novilho, ajeitado e recheado de palha,basta para fazer verter copiosamente o lquido cobiado.

    H espantalhos contra o progresso das boas causas, que so verdadeiros empalhamentos,ou empalhaes partidrias, amanhadas para extrair populao incauta e honesta o leite dasua fora sob a forma de votos.

    beira das eleies prximas, essa abantesma da runa da lavoura pela emancipao,depois das enrgicas palavras do eminente Sr. de Cotegipe, no induz a pensar na invenoescocesa?

    Os cidados inteligentes que se acautelem do bezerro de palha!

    O Pas, 2 de outubro de 1884.

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    JORNALDO COMMERCIO(APEDIDOS)

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    A LEGALIDADE SERVIL

    Lio de um mestre, oferecida reflexodos obstinados

    O escravismo fala atualmente contra a reforma a mesma linguagem com que a Idade Mdia

    se opunha filosofia de cujo seio saiu a revoluo e a sociedade moderna. A nossa posiohoje, porm, duplamente vantajosa. A tirania exercida pela nobreza feudal era umprivilgio; mas esse privilgio estribava em foros legais. Com o cativeiro entre ns nosucede o mesmo: um privilgio o direito dos senhores, mas um privilgio ilegal. J odemonstramos.

    Demos, todavia, a sua legalidade. Ainda assim, basta essa condio, para que ele se sintasobranceiro reforma e apoiado no direito? No. Acima do direito formal, da legalidadeestrita, existe um direito, mais positivo do que esse, porque , a um tempo, mais legtimo emais forte:o direito que resulta do desenvolvimento humano.

    H, entre os nossos adversrios muita gente que, uns por obcecao e interesse, outros porignorncia e boa-f, revestem-se de toda a gravidade da cincia jurdica, e olham comdesprezo, como profissionais a leigos, os partidrios da abolio. Pois enganam-se essessenhores. No somos to profanos, nem eles to jurisconsultos, quanto presumem. Osabolicionistas no so nenhuns apstolos de uma aspirao ideal, devotos de uma utopia,revolucionadores do direito. no direito, cientificamente real, da nossa poca e da nossanacionalidade que nos firmamos contra a legalidade caduca do cativeiro.

    Sorriam embora de desdm os Tribonianos do escravismo. No havemos de ficar sempadrinho e fiador; e, para evitar excees, iremos busc-lo na terra clssica da jurisprudnciacientfica e do direito histrico, na grande Alemanha, a alma mater de todos os

    jurisconsultos.Entre os homens que, daquele cimo iluminado, derramam sobre o mundo o verbo da

    cincia jurdica, sobressai, nos primeiros lugares, como um dos pontfices desse magistriosupremo, o professor Holtzendorff.

    Os livros desse jurisconsulto, desse civilista, desse criminalista, desse publicistaextraordinrio tm impressionado profundamente a Europa com a seriedade, a originalidade ea superioridade do seu ensino.

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    De uma recentssima obra, Princpios de Poltica, ainda no vertida em idioma algum, doautor da Enciclopdia Jurdica extramos hoje um captulo, que parece escrito para osescravistas pertinazes de nossa terra.

    Ouamos Holtzendorff:O nico expediente regular (para revogar uma lei que no se acha de acordo com as

    necessidades de uma nao) o remdio que pode provir do Poder Legislativo. Mas que

    cumprir fazer, quando esse poder permanea inativo, porque as classes dominantes sejaminteressadas na conservao dos abusos? Quando, descuidado dos seus deveres e por prpriacomodidade, proceda parcialmente? E principalmente quando deixe de dar o remdio legalreclamado, por denegarem o seu assentimento os que devem participar na reforma?

    A resposta simples. Se o tino do juiz ou do pblico, como freqentemente sucede,eludir a aplicao da lei, ento desaparece o mal. Pelo contrrio, iminente o perigo, quandoos grandes aparelhos da vida do Estado obstam a esse meio paliativo. Nesta alternativa, a poltica, sem hesitar, deve infringir a lei e, em lugar da injustia legal, fazer imperar comolei o direito acomodado s necessidades sociais.

    Dada a hiptese que acabamos de definir, no vem absolutamente ao caso desculpar a

    violncia contra a lei positiva; , ao invs, indispensvel reconhecer nesse procedimento umanecessidade moral, um dever, a que povos e governos so obrigados a obedecer. Por maiorque seja o valor da lei, sob o ponto de vista formal, apenas relativo, e nunca absoluto.Ningum se preocupe com o receio de que o arbtrio possa explorar este princpio eminteresse seu, e abusar dele. Uma lei que se torna incorrigvel e irrevogvel, por isso mesmoque interrompe o desenvolvimento histrico do direito, e obsta que se empregue o remdiolegal para corrigir-lhe o dano, deve ser posta fora do terreno do direito.

    As condies polticas atuais do Mecklemburgo demonstram que as classes privilegiadas, confiando em um pretenso direito histrico, quase sempre deixam escapar asmelhores ocasies de iniciar medidas de maior prudncia.

    A histria do direito pblico est repleta de aplicaes do princpio que estabelecemos. Aviolao formal da lei necessria e moralmente justificada, sempre que as classes privilegiadas recusam o seu concurso, legalmente preciso, para a abolio dos prprios privilgios, na ocasio em que o pensamento da igualdade pessoal penetra as classesoprimidas, ou a segurana do Estado ameaada por esses privilgios. A abolio violentada escravido, da servido e da adscrio gleba sem indenizao, bem como a extino dosantigos feudos pela monarquia absoluta,foram imposies da justia histrica.

    Ora, depois desta lio, deixem-me acreditar que a lavoura brasileira, se quiser refletir noassunto, bem pode mandar a cincia jurdica da resistncia escravista, pregada pelos Srs.Paulino de Sousa e Andrade Figueira, para as colees de fsseis, ou os museus de mmias.

    GREY.

    Jornal do Commercio, 4 de maro de 1885.Publicaes a pedido.

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    O DEVER DA OPOSIO

    Provocados pelo ilustre Sr. A. Celso a deixarem refolhos e enunciarem as suas idias acercada questo servil, os Srs. Paulino de Sousa e Joo Alfredo negaram ao Governo o direito deexigir dos seus adversrios no parlamento esse ato de franqueza.

    O escudo com que S. Ex.as se arrodelaram na defesa dessa tese a histria parlamentar daInglaterra.

    Folgamos de ver que os ingleses j servem para alguma coisa entre to eminentesestadistas. A birra desses conspcuos vares contra os assuntos dessa provenincia no seestende seno aos casos em que a autoridade dos precedentes britnicos se ope s doutrinasfalsas em que S. Ex.as se transviaram ou procuram transviar a opinio. Os amigos do Sr. JooAlfredo, nos debates de 1871, mordicavam em Jos de Alencar, porque o famoso oradorperpetrara a vergonha de citar trinta vezes num s discurso o nome de Robert Peel.

    No escrito de hoje vamos incorrer em crime semelhante. Mas a culpa dos preclarossenadores, que, trazendo contra ns a pblico falsas noes dos costumes polticos do ReinoUnido, obrigam-nos a restabelecer a verdade, adulterada por pessoas de posio social torespeitvel.

    Se lcito aos nossos antagonistas expandirem-se com a satisfao de quem deu com umtesouro, ou venceu uma batalha, quando nos podem atirar com uma lambujem de histriainglesa, e derrancada, a ns nos deve tocar o direito de vingar a realidade grosseiramentedeturpada em prejuzo das boas normas parlamentares.

    De Robert Peel o primeiro exemplo alegado agora o de 1831. Esse estadista, numa cartaa Mr. Croker, expendeu a resoluo, em que estava, quanto reforma parlamentar, de no tercom o Governo comunicao alguma, direta ou indireta. Mas R. Peel adotou essa posiode reserva absoluta, porque era adverso a toda reforma eleitoral. Onde est, pois, aqui oargumento invocvel entre aqueles, como o Sr. Joo Alfredo, que declaram a sua convicoda necessidade da reforma?

    Narrou S. Ex. que Lord John Russell, chamado a organizar gabinete aps o malogro dosprimeiros esforos de Robert Peel pela reforma das leis cereais, sabendo que o seu adversrio,em uma carta rainha, prometera apoio tentativa que no mesmo sentido se propusesse afazer um ministrio whig, dirigiu-se a Sir Robert Peel, e pediu-lhe que lhe comunicasse asidias segundo as quais ele achava que a reforma deveria ser feita. Robert Peel, acrescentaS. Ex. , negou-se; e, formulando Lord Russell o seu projeto, apresentou-o quele a quem iasuceder no poder, pediu-lhe que ao menos dissesse a sua opinio sobre os pormenores; aoque Sir Robert Peel ainda se recusou.

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    Esta exposio errnea. S. Ex. leu distraidamente os comentadores, a que alude. Ns,para no receber os fatos em segunda mo, iremos busc-los no manancial primitivo, nasprprias Memrias de Robert Peel, dadas estampa em 1858, pelos seus testamenteiros, LordMahon e E. Cardwell.

    R. Peel, na carta rainha a que se refere o nobre senador (8 de dezembro, 1845), dizia: Oprincpio de acordo com o qual Sir Robert Peel1 tencionava recomendar a modificao das

    leis concernentes importao dos vveres de primeira necessidade est, em geral (in generalaccordance), de conformidade com as idias exprimidas no derradeiro pargrafo da carta de Lord J. Russell aos eleitores de Londres.2. O pensamento de Russell era, portanto,conhecido, e R. Peel declarou estar de acordo com ele. falso, pois, que o grande estadistaconservador se recusasse a desvendar o seu pensamento sobre a reforma cometida aos seusadversrios.

    Ento a que foi que no quis anuir R. Peel?Lord Russell no pediu, como o nobre senador cuida, a R. Peel que lhe comunicasse as

    suas idias sobre o assunto. O que fez, foi, pelo contrrio, oferecer ao seu antagonista acomunicao do seu plano (comunicao que no chegou a realizar-se, como o Sr. Joo

    Alfredo erradamente supe), declarando que declinaria de aceitar o governo, se (sopalavras dele) R. Peel o desaprovasse, e no se comprometesse a sustent-lo.3. As idiascapitais de Peel sobre a reforma estavam enunciadas; e o que dele se solicitava, era um pactoprvio, respeito depormenores caractersticosdo projeto de seu sucessor.

    Eis, textualmente, os motivos e termos da recusa de R. Peel a esse convite, expostos porele mesmo, na sua missiva soberana, em 15 de dezembro de 1845:

    Todas as consideraes do dever pblico concorrem em induzir Sir R. Peel a facilitar epromover, em vez de embaraar quaisquer providncias que tendam a resolver esta grandequesto. Mas Sir R. Peel tem profunda convico de que para as probabilidades do bom xitono contribuiria a comunicao, que se lhe fizesse, dos lineamentos de um projeto, com o fim

    de estipular-se a promessa preliminar de seu apoio. O projeto h de naturalmente abrangeruma srie de medidas que ainda no podem estar meditadamente estudadas. Ainda depois deestudadas, podem passar por modificaes, que os ministros de Vossa Majestade devemmanter plena liberdade para levar a efeito; e a explicao subseqente dos motivos dessasalteraes a uma pessoa que no se acha a servio de Vossa Majestade seria cheia dedificuldades. Sir R. Peel est persuadido de que um ajuste prvio, um prvio compromissoseu (a previous concert, or a previous pledge) de adeso a certos e determinados alvitres,seria mal aceito Cmara dos Comuns e empecivo ao de todos os partidos.4

    Sir R. Peel tinha-se pronunciado sobre a questo at onde [podia], no estando noGoverno. Revelara o seu juzo em favor de uma reforma direta e profunda nas leis cereais.

    Obrigara-se a acompanhar o Governo ainda adverso, que a quisesse fazer. Chegara at aesposar explicitamente os princpios gerais do plano de Lord Russell. Tratava-se, porm, deum problema aduaneiro, de uma questo de direitos de alfndega. Peel no podia, pois, irmais longe. No podia antecipadamente, sem as luzes do debate nas Cmaras e o auxlio dosdados oficiais que at a reunio do parlamento se estariam completando, particularizar a suaopinio sobre especialidades, e empenhar de antemo o seu apoio a medidas fiscais, a cujorespeito o prprio gabinete at ao ltimo momento podia ser levado a modificar as suas

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    demisso de um gabinete e o advento de um ministrio conservador ao Governo. A naotem tido sobejos motivos para desconfiar de frases indefinidas e sonoras, quando de permeiocom elas sobressaem indcios palpveis desse medo a responsabilidades.8

    Mais ateno, Srs. Joo Alfredo e Paulino:No se pode pr em dvida que, se Lord Beaconsfield estivesse frente da oposio

    durante a crise atual, teria escolhido afoutamente o campo de batalha, que os seus sucessores

    tm empregado toda a sua arte em evitar.9Na Inglaterra o Partido Conservador acabou por compreender a necessidade impretervel

    de definir-se. Lord Randolph Churchill, que se tem assinalado pelo seu tino em interpretar asopinies dos seus correligionrios10, sentiu a urgncia, diz o Economist, de formular umplano poltico acerca do Egito, e traou de um modo preciso aquele que o seu partidoalmejava, o adotado pelos seus chefes, alvidrando que a Inglaterra assuma, com o assenso daEuropa reunida em congresso, um protetorado permanente naquele pas.11

    Vede como ali se aprecia essa atitude do chefe conservador: uma poltica essa a que se suscitam muitas e graves objees... Mas clara, definida,

    prtica, ao mesmo passo que corresponde aos ntimos desejos do seu partido...12 O novo

    leader possui a faculdade de exprimir com fora e inteligncia o pensamento dominante noesprito do seu partido.13 Ele declarou que o seu partido ambicionava empunhar o leme, eexps claramente o que seu partido faria, se o leme lhe fosse confiado pelo pas.14

    Na questo da reforma eleitoral as circunstncias, tais quais se passaram, esto ensinandoaos nossos homens de Estado a mesma lio.

    Eis o que escrevia o Times em outubro de 1884:Que desejam realmente os conservadores? A representao das minorias segundo o

    princpio de Hare formulado por Mr. Dogdson, a colocao dos burgos rurais em condiesparticulares, ou a igualdade na diviso dos distritos eleitorais, advogada por Lord R.Churchill e muitos pensadores radicais, dos mais adiantados?... Se alguns desses alvitres, ouqualquer outro que se possa imaginar, ser mais bem aceito aos conservadores do que o planode cauteloso ensaio esboado por Mr. Gladstone, cumpre que quanto antes o pas saiba as preferncias desse partido, que ele quanto antes lha declare. Enquanto, porm, as coisascorrerem como vo, manifesto que os conservadores no tm poltica assentada, nomeditaram plano algum , nem nutrem outro propsito, seno o de oporem-se, com quantosargumentos a ocasio lhes sugira, a tudo o que o Governo tentar.15

    A essa ttica de reservas e meias palavras teve que renunciar, afinal, constrangido pela

    opinio pblica o Partido Conservador. Da resultou descobrir-se uma harmonia singular emvrios pontos importantes entre as idias de Lord Salisbury e Gladstone, quanto base darepresentao parlamentar. As declaraes de um e outro lado permitiram estabelecer-se umainteligncia fecunda entre o ministrio e a oposio, a cujo acordo se deve o bill reformandoa diviso eleitoral na Inglaterra, bill formulado pelo chefe das duas parcialidades opostas. Alei que desse compromisso nasceu, importou para aquele pas (so palavras do Economist)uma revoluo pacfica. Seriam possveis esses resultados, admitida a doutrina de equvocos

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    e sancadilhas, que a sinagoga conservadora entre ns preconiza e quer legitimar com a liofalsificada das praxes britnicas.

    No comeo de 1884 refletia o Economist:Indubitavelmente o pas acha-se agastado com o Governo pelos erros e desastres da sua

    poltica no Egito. Mas sinal de incurvel cegueira nos membros do ministrio Beaconsfieldimaginarem que a nao se resolva a confiar os seus destinos direo desses estadistas,

    quando no tm a mais vaga noo do caminho que eles pretendam seguir, e da direo emque a tencionem levar.16

    Agora, no ltimo nmero da Fortnightly Review que nos acaba de chegar s mos, lemosa mesma coisa:

    Esto os conservadores preparados com um programa completo e definido a respeito doSoudan? Se no esto, que direito lhes assiste de esperar que o povo ingls transfira a eles asua confiana, em vez de anistiar a Mr. Gladstone por erros j agora irremediveis? 17

    Eis como se procede e se pensa na Inglaterra. E aqui uns generais de ciladas pretendemapadrinhar com a sombra dessa poltica sria e leal uma oposio de capa e sombreirocarregado sobre os ombros!

    Estamos num pas onde o que habilita um estadista para solver uma grande questonacional no ter programa e viver envolto em nuvens impenetrveis.

    Ser possvel que baixssemos tanto?Mas isso no regmen parlamentar; a imitao poltica das bestas de rapina, alapadas

    no covil, espera do momento para ferrar no salto a presa cobiada.

    GREY.Jornal do Commercio, 8 de abril de 1885.

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    A BNO DOS PUNHAIS

    Em 1871, quando, semelhantemente ao que agora acontece, a dissidncia escravista,procurando esquivar a questo no terreno da proposta ministerial, intimou ao gabinete, porum voto poltico, a sua retirada imediata, a resposta do Visconde do Rio Branco foi esta:

    O ilustre deputado nos disse: A proposta do Governo est rejeitada, est condenada. Qualfoi, perguntarei eu, o tribunal que a condenou? Onde funciona esse tribunal? Voltamos

    porventura aos tempos da Inquisio? Como que o nobre deputado com tanto aodamentonos vem anunciar que est desde j condenada uma proposta sobre matria to grave edelicada, e proposta que ainda no foi dada para ordem do dia? E note a Cmara que,segundo o nobre deputado, no h para o ministrio mais sada possvel, porque S. Ex. ,tomando-nos todas as avenidas, disse alto e bom som: se aceitais outras idias, ficaisdesmoralizados: se no aceitais, no h tambm salvao para vs!

    sobre este procedimento que eu peo aos meus nobres amigos e aliados, que lhes peoque meditem e me indiquem um exemplo em que se tenha decidido da sorte de um ministriopor uma proposta, que no pode ser sustentada e defendida, porque ainda no est emdiscusso, e pelo mesmo motivo no pode ser atacada; proposta que versa sobre assunto detanta magnitude, que no pode ser considerado e resolvido em um lance dolhos, em reuniesmisteriosas, que o pblico no v, cujos debates no lhe permitido apreciar.

    Sr. Presidente, quando se levanta uma oposio para derribar o gabinete, quando desteconflito podem resultar conseqncias, que at importem a mudana de uma situao poltica, indispensvel que a opinio pblica conhea quais so as causas que afastaram o gabinetede seus opositores, quais os pontos de sua divergncia. Mas como poderemos ns esclarecero pas sobre os verdadeiros motivos que aconselharam uma parte desta Cmara a exigir queo ministrio retire-se, se a proposta no foi ainda dada para ordem do dia, e no se acha emdiscusso?

    Quais so as vossas idias a respeito da proposta? algum porventura as conhece?(muito bem) por este modo que se forma uma questo de gabinete? assim que se pretende

    forar o ministrio a abandonar a posio que ocupa?Era necessrio, Sr. Presidente, que se estabelecesse a discusso sobre a matria principal,

    e que os nobres deputados nos dissessem quais so as suas idias.O gabinete foi assaz franco, e no foi franco por convenincia, mas pelo sentimento do

    seu dever, apresentando a proposta, sujeitando-a ao exame das Cmaras e declarando queacompanharia os debates, cuja luz de bom grado aceitaria. A isso respondem os nobres

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    deputados que no precisam convencer-nos, e, recusando-se a tratar deste assunto, apenasdesejam e exigem que nos retiremos!

    E quem h de suceder-nos? Neste seu aodamento em criar o conflito, no h outrorecurso seno que os nobres deputados, cujas idias sobre o assunto alis no soconhecidas ainda, os nobres deputados nos substituam. Mas, senhores, se ns, porque temosa desgraa de no pensar como vs nesta questo, no nos podemos conservar neste ponto

    honroso, porm difcil e espinhoso, dizei-me: se aqueles que no pensam como vsencontram tais embaraos, acaso vs no os encontrareis tambm? (Apoiados.) Tendes entopouco apreo a todos ns, que ou no importe a nossa divergncia, ou acreditais que de fatoo poder executivo to prepotente, como o disse o nobre deputado pelo municpio neutro,que pode transformar as nossas conscincias e jungir-nos ao vosso carro triunfal?

    Nem entre adversrios assim se procede, quanto mais entre amigos polticos!Quem diria que quatorze anos depois, reerguendo-se no parlamento a questo servil,

    haviam de reproduzir-se ponto por ponto as mesmas circunstncias, as mesmas paixes, osmesmos desvarios, as mesmas invejas, a mesma avidez, o mesmo sistema de violncias etortuosidades contra o primeiro ministrio que tornasse a fazer da grande idia a sua bandeira

    de combate?O Senador Dantas podia fazer suas, uma a uma, as solenes palavras do Visconde do RioBranco.

    S h uma diferena, e essa terrivelmente desfavorvel dissidncia liberal de 1885.Consiste ela em que, nas lutas de 1871, a verificao de poderes correu regularmente, sob aao das influncias que ento costumavam atuar nesse processo, mas sem conspiraesfratricidas; ao passo que agora o compromisso entre os aliados celebrado em termos, emque se joga, entre ameaas, com a sorte dos diplomas liberais ainda no reconhecidos.

    Negou ontem o Sr. Moreira de Barros, em nome dos seus amigos, a veracidade deste fato.Mas S. Ex. faz uma idia incomparavelmente singular da credulidade dos seus conterrneos,

    se seriamente cuida que algum recebesse a sua declarao mais que como o desempenho deuma formalidade, para ingls ver. Os ingleses viram e sorriram. O pblico no sorriu menos.Uns e outros perguntam se tais conchavos no so de sua natureza clandestinos, se a suacondio preliminar no o sigilo mais absoluto. O Sr. Moreira de Barros bem v que, nomais pacfico pas do mundo, um grupo de deputados que, para assaltar o poder, semancomunassem a anular sistematicamente eleies legais, seria corrido e enxotado daopinio como um concilibulo de criminosos. Aqui, para que a palavra de S. Ex. no sedesacredite, mister que os acontecimentos posteriores a no desmintam. O nome do Sr.Moreira Brando est indigitado como a primeira das vtimas do pacto sinistro; e, se o ttulodesse representante da nao, cuja entrada na Cmara nunca sofreu dvidas antes do cheque

    recebido pelos aliados na sesso de 13, for definitivamente roto pelas foras oposicionistas,no se poder [deixar] de ver nesse abuso a confirmao do ajuste anunciado.Os amigos do Sr. Moreira de Barros por toda a parte afirmam, a indiferentes e curiosos,

    aos adeptos do gabinete e aos liberais cujos diplomas esto por verificar, a realidade dadeliberao que o seu chefe veio imprensa dar como absolutamente falsa. Esta notcia, quechegara at aos pontos mais culminantes do jornalismo fluminense, e subira at s colunaseditoriais do Jornal do Commercio, recrudesceu mui significativamente depois que o nobredeputado por So Paulo acudiu a impugn-la.

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    Propalam, at, sem alguma reserva, a possibilidade de vingar o projeto, contanto que o Sr.Dantas deixe as pastas a novos ministros. Outrora (e ainda hoje em todos os outros paseslivres), a regra fundamental de moralidade no governo parlamentar era que os homens deestado se legitimam pelas idias, pelos projetos, pelas reformas de que so iniciadores. Aqui enesta poca inverteu-se a lei antiga e universal: o projeto 15 de julho pode ser timo, mas nopresta, enquanto for governo o Sr. Dantas; pode captar mesmo a adeso direta, ou indireta,

    formal, ou tcita, unnime, ou parcial da dissidncia, contanto que o autor da reformaentregue a sorte dela aos adversrios que at hoje a tm obstado.

    Tais propostas no se discutem entre homens de honra, se a honra no uma qualidadeexcluda das lutas polticas e das combinaes parlamentares.

    Que o Sr. Dantas se retire, para salvar o Partido Liberal! Mas o que salva os partidos, soos princpios, e na arena destes que o Sr. Dantas assentou a sua fortaleza. O Partido Liberalreconheceu no pavilho hasteado pelo Sr. Dantas o pavilho das suas antigas idias, abraou-o com alvoroo. A prova est em que, apesar de todas as depuraes, o incidente do dia 13mostrou em torno do gabinete quarenta e oito votos liberais contra nove dissidentes. Estesnove, dizem-nos agora: Cedei, que somos a maioria. Maioria, porm, de que origem? Maioria

    liberal, maioria de procedncia liberal, maioria pelo Partido Liberal? No, maioriaconservadora; porque sem os 41 conservadores, de que sois inscientemente ludbrio,cuidando ludibri-los, no passareis dessa importncia que se traduz no mesquinho nmerode nove. Entre quarenta e oito liberais de um lado, que sustentam o projeto, e quarenta e umconservadores do outro, que o combatem, vs os nove preferis fundir-vos na minoriainimiga do vosso partido, para com essa aliana constituir maioria hostil ao gabinete. Equereis que esse gabinete largue as armas? Que confie a outros o destino da reforma? que seretire, para salvar o Partido Liberal? Para salv-lo de que... seno, da dissidncia, que s oque o ameaa?

    Que representa ela? O Partido Liberal? No; porque ele deputou Cmara 48 projetistas

    j reconhecidos, afora os depurados e os ameaados de depurao. da opinio pblica entoque sois rgos? Mas a verdade que ela se tem pronunciado pelo gabinete em manifestaescom as quais, em toda a nossa histria poltica, no achareis nada que possa competir. Norepresentam, pois, a opinio; antes vos achais possudos de uma espcie de raiva contra ela,parecendo resolvidos a arrost-la tanto mais pertinazmente, quanto mais estrondosa for acondenao popular do vosso procedimento.

    Ou haveis de dar maioria reforma, ou maioria aos conservadores: no h outraalternativa.

    E d-la-eis aos conservadores, rasgando os mais legtimos diplomas aos vossoscorreligionrios? Mas, revelado inequivocamente, por indcios decisivos, esse sistema, quem

    pode responder pelas conseqncias da reao? O mandato no uma propriedade? Contra asextorses de que ela for alvo, quem poder medir a resistncia?Os vossos zelos pela lei de 9 de janeiro, que deles? Em que vieram a dar? Que chefe

    liberal pode aceitar a hecatombe dos vossos irmos?Estamos ento em pleno domnio das paixes fanticas. O ministrio votado morte em

    reunies misteriosas, cujos decretos se escondem luz pblica como certos artigosmisteriosos nos estatutos dos clubes agrcolas. Os Srs. Moreira de Barros, Afonso Pena e

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    Loureno de Albuquerque, os trs monges brancos da intransigncia proferem solenemente abno tenebrosa:

    Feriam! Feriam! Feriam!Antema gridioMuti siam su partiam!

    Mas o Partido Liberal que h de receber no peito as punhaladas da conjurao.

    GREY.Jornal do Commercio, 19 de abril de 1885.

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    DIRIODE NOTCIAS

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    O NOSSO RUMO

    Abrir, contra o convencionalismo da verdade oficial, mais uma vlvula verdade semcompromissos, e estabelecer, fora do liberalismo partidrio, uma pequena escola deprincpios liberais, a tendes, em poucas palavras, o modesto e difcil programa, que nosimpomos.

    No meio da pliade de escritores consumados, que, cada manh e cada tarde, se dirigem a

    esta capital e ao pas com to vivo fulgor de talento, derramando luz sobre as questes e osfatos, presuno fora no reconhecermos os embaraos da nossa mediania, ou cobiarmos ostriunfos, que a vaidade doira das suas estreis satisfaes.

    Mas entre os mais ilustres h de haver sempre um canto para os mais humildes, quando otimbre destes consista em dedicar-se ao bem e justia.

    A credulidade da ignorncia em uma nao quase analfabeta; as influncias de umgoverno organizado em explorao dessa credulidade; os hbitos de condescendncia com adissimulao, contrados pelo esprito pblico em meio sculo de autocracia disfarada nessasobrecasca de formas constitucionais; a tirania das falsas convenincias, desde a que mentelgrimas e glrias sobre a cova dos mortos, at a que calafeta de sofismas e retrica as fendasdo trono combalido; a mancomunao das imposturas pias, das tradies caducas, das praxesramerraneiras, dos compadrios de camarilha, de corporao e de classe; as subservinciasusuais da fraqueza, da especulao, da apostasia ou do medo; o atraso e a perverso das idiasgerais; o transvio e a tibieza do sentimento cvico; os vcios de uma sociedade contrariada noseu desenvolvimento e saturada de germes de decomposio por um absolutismo deincongruncias e expedientes; tudo o que prepondera, e tudo o que esmorece; tudo o queusurpa e tudo o que se abstm; tudo o que medra e enriquece; tudo o que recua econtemporiza; tudo o que definha, e se resigna; todas essas pusilanimidades, todas essasabdicaes, todas essas inconscincias, todas essas bastardias conspiram contra odesnudamento da nossa verdadeira situao, estendendo sobre ela uma cortina deobscuridade.

    Para soerguer o peso desse vu, para lhe arredar a ponta, no ser demais o concurso deuma boa vontade, estreme de preconceitos, esclarecida pela experincia, sem outras ambiesafora a de militar resolutamente com os amigos ativos da ptria, e no pactuar com ascumplicidades empenhadas em colorir o mal, e desculpar abusos.

    Talvez nos objetem que, prometendo esta aderncia inaltervel verdade, quaisquer queforem os seus riscos, tomamos aos ombros o mais dificultoso dos encargos: tais e tantos soos obstculos, objetivos e subjetivos, que, ainda nos nimos mais bem intencionados, se

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    conjuram contra este propsito, aparentemente trivial. A que ponto no variam, com efeito, asimagens da verdade, segundo o prisma interior de cada esprito que a reflete?

    Certo assim . Mas nada nos dista mais da mente do que a intransigncia intelectual e odogmatismo poltico.

    Toda a cincia da administrao dos Estados um vasto campo de debate e uma lio detransaes. A tolerncia constitui a mais preciosa das virtudes de educao, nas almas

    habituadas a estudar com filosofia as coisas humanas. Deve reputar-se, at, qualidadeprofissional na imprensa peridica; pois, neste mnus delicado, onde to amide as sentenasno passam de emoes arrazoadas, falta discrio de seu ofcio quem no souberdesconfiar dos prprios juzos.

    Nem por isso, todavia, se acentua menos imperioso ao jornalismo o dever da verdade, oumenos praticvel se torna a obedincia a esse dever. Integridade material dos fatos,integridade moral da opinio do escritor, nas suas relaes com o pblico, veracidade esinceridade: eis, se nos no enganamos, a frmula da sua expresso.

    Singela regra, no ? Mas quem poderia sustentar que a sua observncia seja comezinha?Que de vezes uma realidade consensual no superpe o manto da sua mal entendida decncia

    a tristes realidades reais, cuja nudao suscitaria clamores? Que de vezes no anda emcontradio o que se escreve com o que se sabe, o que se v com o que se imprime? Que deautoridades venerveis no pem a arte do patriotismo em fingir no crer nunca a verdadeque malquista, e jurar com ares sisudos na verso carimbada dos homens e das coisas?Quantas indulgncias de uma publicidade imperfeita no acobertam at crimes de Estado, custa dos quais subsistem gabinetes e situaes? Agora mesmo todo o mecanismo doGoverno entre ns no estar girando em torno de uma complacncia inconstitucional, cujovu de quando em quando levantam alguns rgos independentes da opinio, mas sobre aqual recai de novo o silncio desse falso respeito, que homizia ditaduras annimas sombrade uma fico de reinado sobrevivente a si prprio?

    Tudo o que merece durar, na constituio de um povo, recompe-se, e tonifica-se pelapublicidade, que encerra em si o princpio regulador das funes da vida no organismo dosEstados. Por ela se distribui ao corpo social a nutrio reparadora, e se eliminam os resduostxicos, elaborados no processo de renovao vital. Toda a restrio publicidade importa,logo, em embarao de circulao.

    Dela depende inteiramente a higiene dos povos e o saneamento dos governos. , pois, agarantia conservadora por excelncia, contanto que seja plena e ampla. Perigos so os queesconde a meia publicidade, timorata e intermitente, de semi-revelaes e semi-reservas, dearremetidas e recuadas alternativas, que enfraquece os seus instrumentos, desacreditando-os,e expe a nao a surpresas, dissimulando crises, que um sistema de prudncia impruden-

    tssima engravece, ou acelera.A essa claridade de lmpada furta-fogo, cujos raios discretos evitam as responsabilidadesmais altas; a essa publicidade reticente, indecisa, crepuscular convm afoitamente opor agrande publicidade meridiana, que desce, como o sol em pino, desde as agulhas dos serros ato fundo dos algares, e equivale, para as naes livres, resplandecncia do dia tropical paraas criaes vigorosas da natureza. Tal a nossa publicidade, a que nos atrai, aquela a que nosconsagramos, e que diligenciaremos servir com devoo, ao lado dos que a exercem commestria.

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    Nem folha de oposio, nem folha de governo, aspiramos apenas a ser um eco dosentimento pblico, interpretando-o com lealdade, ou o modificador do sentimento pblico,aconselhando-o com simpatia. No admitindo que o nmero seja o critrio da razo, nem asposies graduadas o selo das superioridades legtimas, buscaremos na serenidade das nossasconvices coragem, para desagradar s potestades ou s maiorias.

    Sobretudo envidaremos o melhor do nosso imprio sobre ns mesmos, por guardar

    escrupulosa equanimidade entre as pretenses do partidismo que inimiza os velhos partidos.Os partidos? E por que no lhes prestaremos o servio da nossa franqueza, se, na runa em

    que se debatem, a sua retemperao no poderia nascer seno da conscincia de seus erros? Aambos eles deu o pas certa soma de bem. Aos dois, ainda mor cpia de mal. Eis a sntesehistrica.

    Pelo que toca ao momento presente, diremos que, opulentos alis de inteligncia e forano seu pessoal, amalgamam em si cada qual um caos de elementos contraditrios, cujacoliso os condena a continuarem a vegetar no