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Cristina Fachini • Patrícia Mariuzzo • Sônia Araújo Roteiro do milho Roteiro do milho Cultura e culinária no Sudoeste Paulista

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Cristina Fachini • Patrícia Mariuzzo • Sônia Araújo

Roteiro do milhoRoteiro do milho

Cultura e culinária no Sudoeste Paulista

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SECRETARIA DA CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA, UNIDADE DE FOMENTO À CULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Edital PROAC n. 32/2018: Projeto “A Rota do milho: mapea-mento da gastronomia tradicional no Sudoeste Paulista”

Equipe do ProjetoCoordenação – Cristina Fachini (Crìs Tdesco)Editoria – Patrícia MariuzzoArticulação entre municípios do projeto – Sonia AraújoFotografia – Veronica VolpatoFotos extras – André Xavier e Maisha de Araujo (página 25 e 30); Edil Queiroz de Araújo (página 24); Pablo Henrique Lourenço Rodrigues (página 73).

ColaboradoresArtes visuais e redes sociais – Maria Júlia do Nascimento Ferreira Artes visuais – Edil Queiroz AraújoSite – Gustavo PizzoDiagramação – FoxTablet – Jean-Frédéric PluvinageInfográfico – Matheus Mercadante Viglia

Pesquisas de campoRosalina Teixeira da Cruz Alexandre Talita Fernandes Oliveira Glaucia Olímpia Ferreira Inácia Braga Hilário Josiéle Renata de Oliveira Equipe de alunos da LS Consultoria Jr. UFSCAR, Campus Lagoa do Sino Equipe de alunos da FATEC Jr., Consultoria

Instituições parceirasUniveritat de Girona – Catalunha – Escritório de Cooperação InternacionalPrefeituras Municipais de: Apiaí, Capão Bonito, Guapiara, Itapetininga, Itapeva, Ribeirão Grande, Ribeirão Branco e São Miguel Arcanjo.

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A reprodução total ou parcial só é permitida mediante autorização expressa dos organizadores.

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SUMÁRIOAPRESENTAÇÃO ......................................................... 5

CAPÍTULO 1 • Sabores, sentidos e permanências da culinária tradicional no Sudoeste Paulista ............... 6

O milho: grãos dourados semeando história............11A farinha de milho ...................................................12Milho: o ouro que a terra dá ....................................16O tropeirismo .........................................................20O sistema tradicional caipira ..................................23Celebrando o milho .................................................31

CAPÍTULO 2 • Receitas com milho verde .....................33Pamonha doce ........................................................34Bolo de milho verde ................................................36Mingau de milho verde com cambuquira .................37Mingau de milho verde com frango .........................39Bolinho pingado de milho verde ..............................41Pamonha na chapa .................................................43Croquete de milho verde .........................................45Sorvete de milho verde ...........................................47Curau doce .............................................................48

CAPÍTULO 3 • Poema do milho ....................................49CAPÍTULO 4 • A arte que nasce do milho .....................57CAPÍTULO 5 • Cozinha patrimonial: recolhendo memórias do milho .....................................................59

O alimento da fé ......................................................62Permanências ........................................................64

CAPÍTULO 6 • Receitas com farinha de milho ..............66Do grão à farinha: o processo de fabricação artesanal da farinha de milho em monjolos .............................67Bijú doce ................................................................69Encapotado ou bolinho de frango ...........................70Os virados ..............................................................74

Viradinho de banana ...........................................75Viradinho de milho verde ....................................76Viradinho de ovo .................................................77Viradinho de queijo fresco ..................................78Virado de feijão ..................................................79Virado de frango com melancia ...........................80

As paçocas .............................................................82A paçoca de carne ..............................................82Paçoca de amendoim .........................................85

Cabeça de porco moqueada ...................................86Rojão ......................................................................88Quirera com costelinha de porco ............................92Cutia de couve ........................................................94Mingau de alho .......................................................96Bolo de milho salgado .............................................97Bolo doce de farinha de milho .................................99Pastel de farinha de milho .....................................101Biscoito de polvilho na folha de bananeira.............105Polenta .................................................................108

CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................109REFERÊNCIAS .......................................................... 111

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ApresentAção

Conheci o Roteiro do Milho em 2018 através da pesquisadora Cristina Fachini, quando então

participei de um projeto coordenado pelo CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), que ti-nha por objetivo a criação de um Centro de De-senvolvimento Regional no Sudoeste Paulista para dinamizar a economia da região. Alguns projetos foram selecionados para esse fim e lembro-me claramente, como se fosse hoje, que o do milho crioulo suscitou-me um encantamento imediato pois ali estava uma ideia genuína, original e, so-bretudo, de grande potencial para o desenvolvi-mento regional.

De fato, a preocupação com a preservação das sementes de milho crioulo estava associada a um verdadeiro resgate cultural em que o manejo do milho caminha de mãos dadas com a recuperação de tradições festivas e gastronômicas, muitas de-las correndo o sério risco de serem esquecidas. Daí a extrema importância do Roteiro do Milho, liga-do umbilicalmente ao primeiro e coordenado pela Cristina, que estabelece um roteiro gastronômico do milho nos municípios do Sudoeste Paulista.

Tive a rara oportunidade de conhecer ambos os projetos ao vivo e a cores, o que significa dizer que pude, não só desfrutar de verdadeiras lições sobre milho crioulo e turismo gastronômico, mas também de experimentar os deliciosos quitutes regionais, tais como o rojão, o bolinho pingado de milho verde e o bolo doce de farinha de milho.

Esses pratos típicos fazem parte do belo e rico patrimônio territorial e têm a extraordinária capa-cidade de despertar verdadeiros deleites olfativos, explosões de sabor e um desejo de que esses mo-mentos de puro prazer não terminem jamais. Esses sentimentos afloram natural e instantaneamente ao se degustar essas maravilhas da gastronomia regional. É uma experiência única e inesquecível! Esse livro sobre a culinária do milho já nasce como um mapa do tesouro gastronômico, cultural e pa-trimonial da região do Sudoeste Paulista em que os leitores estão convidados a percorrer uma geo-grafia de incontáveis delícias.

Maurício SerraProfessor do Instituto de Economia da UNICAMP

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CApítulo 1

Sabores, sentidos e permanências da culinária tradicional no Sudoeste Paulista

Em época de grande escassez de alimentos, dois guerreiros procuravam inutilmente caça e pes-ca quando depararam com um enviado der Nhandeiara – o grande espírito. O mensageiro divino disse-lhes que a solução para a sua procu-ra seria uma luta de morte entre os dois. O venci-do seria sepultado no local onde caísse e logo de seu corpo brotaria uma planta cujas sementes, replantadas resolveriam para sempre o proble-ma da alimentação. Assim fizeram. Avati – um dos dois, foi morto e de sua cova nasceu a planta chamada milho – avati ou abati na língua tupi1.

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, atrás de Estados Unidos e China. Se-

gundo os dados do acompanhamento da safra de grãos, de dezembro de 2018, feito pela Com-

1. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 97

panhia Nacional de Abastecimento (Conab)2, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, São Paulo e Goiás são os maiores produtores brasileiros.

A história do milho nessas regiões, no entanto, é bem mais antiga: abatitigba; abati; abatiguaçu; abatiatã; abatiúna; abatitinga; abatiete; abatimirim são alguns dos nomes pelos quais o milho era co-nhecido e que compunham as receitas e formas de comer dos primeiros habitantes do Brasil, indí-genas Kaigang, Guaranis, entre tantas outras et-nias3. Ainda hoje a variedade é grande: Assis Brasil, branco americano, bravo, cateto, cristal, dente de cavalo, ferro, indiano, miúdo, morango, pipoca, pi-poca amarelo, pipoca redondo, pipoca roxo, palha roxa, quarentena, roxo e vermelho são alguns dos nomes dados às sementes crioulas de milho que são plantadas no Brasil atualmente.

A região Sudoeste Paulista é a maior produto-ra de milho do Estado de São Paulo, um tipo de agricultura em larga escala que utiliza sementes transgênicas e aplica técnicas avançadas de cul-tivo. Mas essa é apenas uma faceta dessa região.

2. CONAB - https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/graos3. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 98

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7Milho Palha Roxa, Capão Bonito, 2019

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A grande produção agrícola convive com agri-cultores familiares e comunidades quilombolas que seguem plantando sementes crioulas de mi-lho e que alimentam uma cultura imaterial rica em torno desse alimento.

Assim, enquanto nas grandes cidades a cozi-nha do dia a dia pede praticidade, o que resulta, em boa parte das vezes, na adoção de comida industrializada, em alguns lugares, como nesses territórios, práticas tradicionais permanecem. Pastel de milho, virado de frango com melancia, bijú, rojão, croquete, bolinho de frango, paçoca de carne feita no pilão, quirera de milho com costelinha de porco, além de pratos mais conhe-cidos como a pamonha, canjica, bolos e pães, são receitas que permeiam o dia a dia das co-munidades de oito cidades da região Sudoeste do Estado de São Paulo.

Todos esses preparos têm um ingrediente em comum, o milho. Alguns desses pratos típicos re-gionais são reconhecidos como patrimônio imate-rial local, como é o caso do bolinho de frango, em Itapetininga; o rojão, em Ribeirão Grande e o pas-tel de farinha de milho em Apiaí. Nessa região ain-da é possível encontrar monjolos à beira de cursos

d’água, usados para socar o grão. Como se verá, a farinha de milho é um dos pilares da culinária caipira. Pelas mãos de cozinheiros fieis à tradição dessa cozinha, ela é transformada em uma série de pratos consumidos no dia a dia dessas comuni-dades, nas festas e celebrações.

Mãos de Dona Lenice separando os grãos de milho triturados no monjolo. Ribeirão Branco, 2018

Também resistem funcionando fábricas de fari-nha de milho, cujas técnicas de preparo são trans-mitidas de geração a geração. Segundo Macedo, muitas dessas pequenas fábricas ainda mantém

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modo de produção artesanal, onde o milho seco é debulhado manualmente, depois é levado ao pilão do monjolo. Após ser pilado, o milho é aze-dado no rio por oito dias. Em seguida vem a sepa-ração da quirera e do fubá em peneiras artesanais e, finalmente, o fubá úmido vai para a torrefação4.

Em Guapiara, no bairro dos Vieira, caminho para o Santuário da Nossa Senhora D Ajuda, mora Dona Tereza Cravo da Silva, de 70 anos. Ela mantém um monjolo ativo, produzindo farinha de milho no modo artesanal. Sua irmã, de 84 anos, ainda a visi-ta para, juntas, produzirem a farinha no tacho de ferro abaulado, ao lado do córrego, em meio à ve-getação de Mata Atlântica. Dona Tereza cuida de uma roça do milho palha roxa para usar no mono-jolo ou para fazer sua pamonha. Tem outro gosto. As pessoas daqui sabem disso.

4. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 124-5

Dona Teresa nos apresentando seu monjolo

No município de Ribeirão Branco existem três monjolos ainda em funcionamento no bairro dos Boavas. Dona Elenice, Dona Maria Dorico e a mais velha, Dona Berma, mantêm as técnicas tradicio-nais na lida com o milho. Do milho seco azedado no rio produzem o farelo, fubá, quirera e bijú. Em alguns municípios da região é possível visitar as ruínas daquilo que já foi um monjolo. Em outros, como em Apiaí, produz-se a farinha de milho or-gânica e em Capão Bonito a tradicional farinha que perfuma as ruas do centro na hora da torra diária, pelas manhãs.

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Monjolos, farinha de milho, receitas, festas, tudo isso pode ser visto, vivido e experimentado em oito cidades localizadas na região Sudoeste Paulista - Apiaí, Ribeirão Branco, Guapiara, Ribeirão Grande, Capão Bonito, São Miguel Arcanjo, Itapetininga e Itapeva. Elas compõem o Roteiro do Milho, fruto de um levantamento de receitas tradicionais à base de milho e de seus locais de produção e comercialização. A for-malização desse Roteiro, por meio do apoio do Programa de Ação Cultural (Proac), é uma opor-tunidade do turista conhecer essa rica cultura gastronômica alinhavada pelo milho que envol-ve, além das receitas, um modo de vida rural, festas, danças e práticas, como a fabricação de peneiras e cestos, além de artesanato feito com a palha do milho.

O Roteiro do Milho surge como um meio de resguardar, fortalecer e valorizar essas memórias e práticas locais que preservam fluxos e tempos diversos, marcados ainda pelo tempo do plantio e da colheita, pelo ritmo lento do preparo de algu-mas receitas e pelos encontros e experiências cria-dos pelas pessoas dessas comunidades que mos-tram a diversidade e a riqueza da cultura paulista.

Fábrica de farinha de milho – Capão Bonito

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o milho

Grãos dourados semeando histórias

Para mim, como mexicano, ter tido a oportuni-dade de conhecer o projeto Roteiro do Milho no Brasil foi uma grande surpresa. O projeto certa-mente tem um grande potencial irmão para o Brasil e o México. Imediatamente muitas questões se abrem: qual foi o caminho que o milho brasilei-ro teve no processo de domesticação? Quais são as condições sociais e históricas que levaram ao seu estabelecimento? Que práticas agrícolas são semelhantes entre o cultivo de milho no Brasil e no México? Por que o processo de nixtamaliza-ção não se desenvolveu no Brasil? Estas e muitas outras questões permanecem em aberto para aprofundar a pesquisa agroecológica do milho entre o Brasil e o México.

Benjamin Ortiz – México – Diretor de Projetos de Água e Bacias Hidrográficas, Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais, Governo Federal do México.

Há pelo menos nove mil anos, seres humanos já usavam e manipulavam a forma selvagem do

milho, um capim chamado teosinto, no México5. Sua difusão ocupou a América Central e América do Sul, até chegar ao Brasil no período pré-colombia-no, há mais de mil anos, ainda não completamente domesticado6. O cultivo do milho esteve presente em comunidades de diferentes tradições indíge-nas, entre eles Guaranis e Kaigangs, que ocuparam a região entre o Vale do Ribeira e do Paranapane-ma (Sudoeste Paulista) no período da chegada de portugueses, espanhóis e africanos.

O caminho indígena que ligava os oceanos Pacífico e o Atlântico, conhecido por Peabirú, pas-sava por esse território. Muitas lendas e folclores se contam sobre esse caminho por onde possivel-mente transitavam variedades de milho. Diz a len-da que, buscando encontrar uma terra onde o mal não existia, onde os frutos brotavam da terra sem que fosse preciso semear e onde ninguém morre-ria, indígenas construíram uma longa estrada que

5. GUIMARAES, Maria. “Caminhos do milho”. Pesquisa Fapesp, 18/12/2018. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2018/12/13/caminhos-do--milho/. Acesso em 07/11/19.6. KISTLER, Logan. et al. “Multiproxy evidence highlights a complex evolutio-nary legacy of maize in South America”. Science,14 Dec 2018: Vol. 362, Issue 6420, pp. 1309-1313

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ligava o Pacífico e o Atlântico. Esse caminho ficou conhecido como Caminho do Peabiru, palavra tu-pi-guarani que quer dizer “caminho que leva ao céu”7. Peabiru, que também pode significar “ca-minho pisado”, “caminho sem ervas” ou “caminho forrado”, é o nome que designa um conjunto de trilhas continentais que remontam a eras pré-co-lombianas conectando as culturas de vários povos indígenas que usavam essas trilhas para o comércio e trocas, inclusive de sementes de milho. O Peabiru se dividia em três braços principais, um deles che-gando até Cananeia. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, foi por meio desse caminho que os por-tugueses, a partir da costa brasileira, atingiram o Paraguai e, a partir daí, desejavam alcançar as co-biçadas riquezas do Peru8.

7. PROENÇA, Jorge Ubirajara. Caminhos e descaminhos do Peabiru. São Paulo: Editora Nova, 2015, p. 30.8. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, p. 142-44.

A fArinhA de milho

O milho constituiu a base da dieta Guarani, jun-tamente com amendoim, palmito, batata

doce, mandioca, feijão, mel, peixe e carne de caça. O abati ou avaty era considerado sagrado para os tupi-guarani que talvez considerassem obra dos deuses a rapidez e a facilidade do seu cultivo. Avati era o nome do herói do mito guarani da descober-ta do milho. Certo é que esse alimento se adaptou perfeitamente à vida nômade dos indígenas que transportavam seus grãos em seus movimentos de migração, como meio de preservar seu modo de vida. Com o milho eram feitos diversos pratos, de variadas formas, ora com os grãos, ora com fa-rinha, obtida com uso de um pilão manual cavado em tronco de árvore.

Alimento estrutural do processo de coloniza-ção brasileira e paulista, o milho é uma das prin-cipais contribuições nativas para os portugueses quando de sua chegada à América. Permitiu o estabelecimento de núcleos de povoamento e, mais tarde, a mobilidade sertanista. Possibilitou, enfim, a adaptação e sobrevivência dos euro-peus em terras paulistas. Fácil de transportar, as

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sementes plantadas forneciam alimento em um tempo curto: apenas quatro meses para chegar ao ponto de milho verde e cinco ou seis meses, tempo necessário para gerar o grão seco9.

Como farinha, que os indígenas obtinham com o uso de um pilão manual, o cereal se transfor-mava em um alimento que podia ser comido em preparações simples e rápidas10.

O monjolo é popularmente associado à cul-tura indígena, mas o historiador Sérgio Buarque de Holanda ressalta que a máquina era des-conhecida por aquela cultura. Segundo esse autor, Brás Cubas, um fidalgo português que esteve na Ásia com Martins Afonso de Souza, trouxe o primeiro monjolo da China, instalou na capitania de São Vicente. Os indígenas bra-sileiros denominaram o utensílio de engua-guaçu, que significa o grande pilão. A palavra monjolo tem, provavelmente, origem sânscri-ta, vindo de musala, que significa pilão para descascar arroz11.

9. Esse ciclo considera o milho crioulo. O milho melhorado pode ter ciclos ainda mais curtos.10. DORIA, Carlos Alberto; BASTOS, Marcelo Corrêa. A culinária caipira da Paulistânia: a história e as receitas de um modo antigo de comer. São Paulo: Três Estrelas, 2018.11. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Cia.

Quando chegaram à América, os portugueses perceberam rapidamente as qualidades do mi-lho, alçando o alimento à posição estratégica na manutenção da vida dos colonizadores nas novas terras12. O monjolo e os moinhos foram tecnolo-gias trazidas por portugueses. Com a introdução de monjolos movidos com energia hidráulica a farinha de milho torna-se matéria prima central da culinária caipira.

A introdução dos monjolos pelos portugueses foi responsável dar certa escala à produção ma-nual de farinha de milho, disseminando seu uso e aplicações. Esses monjolos espalhados em sítios acabaram por se transformar em casas de farinha de milho. Algumas estão presentes até hoje e po-dem ser visitadas ao longo do Roteiro do Milho, em Guapiara e Ribeirão Branco.

das Letras, 1994, p. 190-1.12. BASSO, Rafaela. Avati na mesa e no sertão. In MELCHIOR, Myriam (org). Gastronomia, cultura e memória: por uma cultura brasileira do milho. Rio de Janeiro: Folio Digital: Letra e Imagem, 2017, p. 58-9.

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Além da farinha de milho, os monjolos movi-dos à água permitiram ampliar a produção de fubá com o qual são produzidos bolos, broas, pães, sopas, mingaus, angus e polentas.

Além dos monjolos, outros elementos da cultu-ra material, como cestos e peneiras confecciona-dos com a palha do milho, também são utilizados no dia a dia das comunidades, ainda que em pe-quena escala. Segundo afirma Toninho Macedo13, “o ‘desempenho’ do fubá de moinho, seja para bolos, angus ou outros usos, é incomparável”.

Conforme descreve Hércules Florence, pintor e desenhista que, no século XVIII, acompanhou uma expedição russa que veio ao Brasil, o monjo-lo é uma estrutura pesada, feita de madeira me-dindo de 25 a 30 pés de comprimento e que tem em uma das extremidades uma cuba e na outra, um furo, onde se adapta um pilão. Instalado jun-to à um rio ou córrego, a água move um conjun-to de pás que faz o pilão se movimentar de cima para baixo, esmagando os grãos de milho depo-sitados na cuba14.

13. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 155.14. FLORENCE, Hércules. Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007 p. 67.

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15Monjolo Dona Teresa, Guapiara, 2018

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Milho, o ouro que a terra dá

As iguarias de milho foram tão marcantes nas vilas do planalto paulista, a ponto de Sérgio

Buarque de Holanda denominar a sociedade lo-cal de “civilização do milho”15. Ainda sobre essa cultura alimentar, Rafaela Basso aponta16 que o milho ocupou papel central na alimentação dos viajantes, nas áreas periféricas e nos polos de ex-tração do ouro também nas capitanias do Sul17.

As Minas do Paranapanema foram parte dessa zona de exploração do ouro em São Paulo. Há indícios de que desde fins do século XVII já ocor-riam atividades de mineração nas cabeceiras do Rio São José de Guapiara. A exploração oficial pela Coroa portuguesa nas Minas do Paranapanema tem início em 1717 em uma região que abrange os atuais municípios de Guapiara, Capão Bonito, Ribeirão Grande e Itapetininga18. As expedições

15. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Cia. das Letras, 1994, p. 181-9.16. BASSO, Rafaela. A cultura alimentar paulista: uma civilização do mi-lho? (1650-1750). São Paulo: Editora Alameda. 220p. 17. REIS, G. N. As minas de ouro e a formação das capitanias do sul. Sao Paulo: Via das Artes, 2013.18. FACHINI, Cristina. Cartografia do patrimônio na Bacia do Rio das Almas - São Paulo, Brasil. 2017. 1 recurso online (233 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Universitat

sertanistas que adentravam o sertão em busca de ouro se alimentavam de milho, ora comendo pratos à base de farinha de milho, ora colhendo espigas do milho ainda verde - servidas assadas, cozidas ou na forma de bebida - diretamente das roças plantadas por colonos que se fixavam nas rotas e se antecipavam aos bandeirantes.

A culinária é resultado de diversos fatores: ao mesmo tempo em que utiliza o que está dispo-nível no meio ambiente, é também fruto dos desafios colocados por ele, no caso, por exem-plo, da comida para viagem. O preparo de fa-rinhas e o uso de temperos para conservar os alimentos responde em parte a esses desafios. Só foi possível para o bandeirante paulista per-manecer meses embrenhado no sertão porque ele tinha à sua disposição um alimento fácil de preparar e de transportar e que se transmutava em diversos pratos. Esse alimento era o milho que o bandeirante comia verde, cozido, assado, em forma de suco, ou, em pratos à base de fari-nha de milho. Os viajantes consumiam a farinha de milho desde o café da manhã, quando era

de Girona, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330707

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servida junto com café em forma de paçocas salgadas (de carne) e doces (com amendoim), cuscuz, bolos, broas e bijú. Ela é também é a base de um dos pratos mais importantes da culinária paulista, o virado19.

Ao contrário do que reza o senso comum, a des-coberta e exploração do ouro foi um marco tam-bém na ocupação do território paulista. A despei-to do sucesso da empreitada da mineração em Minas Gerais, os portugueses seguiram buscando ouro em terras paulistas ao longo do século XVII, motivados pela presença espanhola em busca de minérios e pela intenção de exercer maior contro-le nessa porção do território da Colônia.

Inúmeras bandeiras saíam do Rio Ribeira em direção ao sertão, boa parte utilizando caminhos indígenas para cruzar aqueles territórios. As notí-cias da descoberta de ouro em fins do século XVI e início do XVII empurraram moradores da re-gião para o interior, fazendo surgir uma série de núcleos de povoamento como Iporanga, Apiaí, Paranapanema, entre outros20.

19. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 154.20. FACHINI, Cristina. Cartografia do patrimônio na Bacia do Rio das Almas - São Paulo, Brasil. 2017. 1 recurso online (233 p.). Tese (doutorado) - Universidade

O primeiro povoado resultado desse movimen-to de mineração no Paranapanema foi chamado Arraial de Guapiara ou Arraial Velho, onde, hoje, estão localizados os municípios de Guapiara, Ribeirão Grande e Capão Bonito. Conforme cres-cia o interesse na mineração, a atividade ia subin-do o curso do Rio das Almas, fazendo com que o Arraial Velho fosse transferido para um novo local no ano de 1746, agora na margem direita do Rio, ponto de confluência entre os córregos Lavapés e Ribeirão do Chapéu, onde recebeu o nome de Freguesia Velha. Nesses rios e córregos, a mine-ração aconteceu até meados do século XIX.

Vestígios dessa atividade resistem até hoje nes-ses lugares. Um exemplo são os arrimos de pedra construídos em sua maioria por mão de obra ne-gra. Chamados de encanados, eles serviam para desviar o curso dos córregos e rios para facilitar a faiscagem do ouro nas águas.

A cidade de Apiaí surgiu por conta desse in-teresse, nascida as margens do rio de mesmo nome. Conta-se que o capitão-mor, Francisco

Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Universitat de Girona, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330707

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Xavier da Rocha, chegou à região com 150 es-cravos, após ficar sabendo da existência de ouro nas nascentes do Rio. Ele é considerado o funda-dor da Vila de Santo Antonio das Minas de Apiaí. Ainda em 1728, 41 anos antes da elevação do povoado à condição de vila, fato que aconteceu em 1771, “o governador da capitania, Antonio da Silva Caldeira Pimentel, em visita ao arraial, deu posse a um corpo burocrático, normatizou as atividades mineradoras e estabeleceu a forma de cobrança do Donativo Real, cujo montante, 2,5 arrobas de ouro, foi calculado com base em 947 bateias presentes na região àquela época”21. A extração do ouro fez crescer a população da região, especialmente a de escravos, cuja pre-sença era majoritária ao longo do século XVIII. No entanto, conforme a quantidade de ouro extraído diminuía, decaía também a população de negros na vila. O declínio da atividade mine-radora determinou ainda um deslocamento da atividade econômica, com muitos proprietários

21. VALENTIN, Agnaldo. Posse de escravos e manutenção da propriedade em Apiaí, São Paulo: 1732 a 1835. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 8, n. 9, p. 85-106, abr. 2006. ISSN 2237-8871. Disponível em: <http://periodicos.pu-cminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/1740/1886>. Acesso em: 03 ago. 2019.

de terra passando a se dedicar à agricultura em pequenas propriedades, incluindo aí parte da população negra e parda.

Até hoje a história de Apiaí está ligada à minera-ção, com a exploração de galena, calcário–quart-zo, cobre, manganês, granito e caulim. A cidade é a porta de entrada para o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira - Petar - que guarda as cavernas mais preservadas da região. Apiaí abriga também o Parque Municipal Morro do Ouro, com trilhas e minas desativadas, ainda pouco exploradas pelo turismo. Além da natureza, Apiaí é famosa por sua tradição em artesanato de argila. Alguns objetos, como a moringa tripé, viraram símbolo da cida-de. A Casa do Artesão abriga esculturas de argila confeccionadas pelos artistas da Associação dos Artesãos do Alto Vale do Ribeira.

A atividade mineradora deu início a vários nú-cleos de povoamento, alguns dos quais são as cidades que conhecemos hoje, cujas comunida-des mantém o milho como um dos ingredientes básicos da dieta do dia a dia. As minas trouxeram também outro elemento para a região, os negros escravizados. Já conhecedores do milho, eles in-troduziram novos usos, modos de fazer e receitas.

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Uma delas é o angu. Conforme explica Macedo22, esse prato começou a se popularizar no Brasil a partir do século XVI, com a chegada dos negros bântu que usavam o milho e também outros tu-bérculos para fazer um tipo de papa. No Brasil, o angu era um dos principais pratos da dieta dos negros escravizados que o consumiam original-mente sem sal, como acompanhamento para verduras, carnes e feijão. A receita do pastel de farinha de milho, patrimônio imaterial de Apiaí, possui diversas variações. Em outras regiões é elaborado com o angu, e conhecido como pastel de angu. Os negros trouxeram também receitas de farofa e virados.

Ainda vale ressaltar que deve-se à presença marcante das populações afrodescendentes na divisa entre os Vales do Ribeira e Paranapanema a manutenção de sementes crioulas de milho utilizadas no “Sistema Agrícola Quilombola”, re-conhecido pelo IPHAN como patrimônio agrícola do Brasil.

22. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 368. Dona Lenice abanando a canjica de milho na sururuca

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O tropeirismo

A expansão da atividade mineradora deman-dou uma capacidade de transporte mais

eficiente. Para enfrentar longas viagens em ter-ritórios desconhecidos e de mata fechada, os muares (burros e mulas), que existiam em gran-de quantidade no sul, passam a ocupar o lugar dos cavalos nas expedições. O comércio desses animais passa a ser uma atividade importante no estado de São Paulo, criando uma nova fon-te de renda para os paulistas que viajavam para o sul para buscá-los. Foi nesse contexto que o tropeirismo surgiu, ou seja, como atividade acessória para abastecer a necessidade de ani-mais para transporte nas minas. Ele se conver-te rapidamente em uma atividade de grande importância para a região, tanto pelo estabe-lecimento de conexões territoriais, econômicas e sociais, como pelo surgimento de atividades de suporte nos caminhos por onde os tropeiros passavam, atividades essas que viabilizavam a continuidade das viagens tropeiras23. Entre elas

23. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016 p. 31.

estava a agricultura de abastecimento dos ca-minhos para fornecer gêneros alimentícios às tropas em suas longas viagens.

Os tropeiros introduziram elementos importan-tes da culinária portuguesa, como por exemplo, a carne de porco. Milho, feijão e porco se adaptaram àquela vida em movimento, uma vida provisória. A carne de porco aparece em diversas receitas do Roteiro, como na cabeça de porco moqueada ser-vida, adivinhe com o que: farinha de milho. Esses “homens de hábitos simples, sem parada, mas com destino certo”, têm grande responsabilidade na disseminação do uso do milho e por construir algo que conhecemos como uma cultura caipira em São Paulo24. Eles começaram a trilhar os caminhos do sertão das regiões Sul e Sudeste do país montados no lombo de burros e mulas para alimentar os ex-ploradores das minas.

Essa cultura caipira permeia todo o universo do planalto paulista e para além dele. O caipi-ra está também em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, com seus modos de fazer e de viver e

24. BRANCO, M.A.C. “Regatando os caminhos dos tropeiros”. O Estado de S. Paulo. Suplemento Viagem. 17 de agosto de 2004. Disponível em: www.sao-paulo.sp.gov.br/spnoticias/na-imprensa/resgatando-os-caminhos-dos-tro-peiros. Acesso em 05 de outubro de 2018.

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com alimentação fortemente baseada no uso do milho, da farinha e de carnes como a de porco e a de frango.

O Sudoeste foi fortemente marcado pelo tro-peirismo, atividade econômica que gerou o de-senvolvimento de novos setores na economia colonial. O tropeirismo surgiu a partir das ne-cessidades da atividade da mineração, atividade essa que foi impulsionada pelo apoio da coroa portuguesa às explorações bandeirantes25.

Interessante observar que mesmo com o de-clínio da atividade mineradora, o tropeirismo se mantem importante em São Paulo como principal meio de transporte de mercadorias, circulação de informações e de pessoas. A atividade só come-ça a ver sinais de decadência com a chegada das ferrovias, o que, de todo modo, não acontece de modo homogêneo no território paulista. Uma ati-vidade de tamanha importância no abastecimen-to de extensas áreas permitiu a propagação de uma cultura tropeira, com costumes, manifesta-ções artísticas e religiosas e, também uma cultura

25. MONTEIRO, Rodrigo Rocha. Territorialidade e memória tropeira em São Paulo: o caminho paulista das tropas. 2013. 240 f. Tese - (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2013, p. 23. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/104305>.

alimentar26. O feijão tropeiro, o pirão ou angu, com um pedaço de carne fresca de pequenos animais caçados, ou carne de frango e era a alimentação que deveria garantir a energia necessária para es-ses homens seguirem em longas viagens.

Os portugueses também foram responsáveis pela introdução do açúcar que amplia o uso do milho em bolos, tortas e broas. Assim, enquanto os tropeiros viajantes misturavam a farinha com café e, às vezes com açúcar, como café da manhã, nos povoados ela se transformava em bolos, pães, biscoitos, virados, paçocas, mingaus e angus.

26. IDEM nota 25.

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22Paçoca de Carne no Pilão, Ribeirão Grande, 2019

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O sistema tradicional caipira

Enquanto o tropeirismo marca a dinâmica do movimento, das viagens, do ir e vir, do comér-

cio, do fluxo, a cultura caipira marca os territórios do Sul do Brasil entre aqueles que são fruto dos inúmeros encontros entre culturas e que perma-neceram na terra, se apegaram a ela e dela vive-ram e ainda vivem.

Antonio Cândido, na obra “Os parceiros do Rio Bonito”27, descreve o caipira como um dos tipos do homem rural brasileiro, característico de gran-de parte da Região Sul, Sudeste e Centro Oeste, fruto da fusão da cultura portuguesa com as cul-turas indígena e africana.

Os meios de vida do caipira envolvem uma es-trutura simples de produção e condições de vida, uma busca dos meios mínimos de que necessitam para obter sua alimentação e moradia. Ele pratica formas de solidariedade características da rede de relações entre habitantes de um bairro ou de um grupo de vizinhança, que se concretizavam em um

27. CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira pau-lista e a transformação dos seus meios de vida. 11a. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2010.

mutirão, no trabalho coletivo e na organização de festejos, a maioria deles religiosos.

A cultura caipira ainda se faz presente no Sudoeste Paulista. Utilizamos o caso de Ribeirão Grande, município que integra o Roteiro do Milho, para, através de sua história e de relatos colhidos em campo, apresentar um pouco do sistema tra-dicional caipira, onde o milho é elemento central desse modo de vida rural28. As memórias da po-pulação remontam seus antepassados, até seus avós e bisavós, em um período mais longínquo do início do século XX.

No século XIX, enquanto a atividade de mine-ração ia minguando na Freguesia Velha, outro núcleo de povoado foi se concentrando às mar-gens do rio Ribeirão Grande, em torno da Casa Grande, atual bairro dos Cruzes, por volta de 1780. A Casa Grande abrigava, além da residên-cia da família Cruz, o ponto de venda e troca uti-lizado pelos tropeiros que se dirigiam ao sul do país, bem como pelos remanescentes faisqueiros

28. FACHINI, Cristina. Cartografia do patrimônio na Bacia do Rio das Almas - São Paulo, Brasil. 2017. 1 recurso online (233 p.). Tese (doutora-do) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Universitat de Girona, Campinas, SP, p. 84. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330707>. Acesso em: 2 set. 2018.

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em busca de ouro de aluvião nos rios das Almas, Conchas e Ribeirão Velho.

Na Casa Grande eram celebradas manifestações da cultura caipira, como a prática dos mutirões co-munitários para manutenção das paredes de argi-la e caiação, a organização de festejos religiosos como a recomenda das almas, leilões comunitá-rios, entre outros. A medida que o povoado crescia ao redor da Casa Grande, foi se conformando esse jeito caipira de se pensar como cidade, na relação produzida entre a Casa Grande e o rio Ribeirão Grande. O povoado que foi crescendo ao redor do rio Ribeirão Grande foi alargando a vivência do rural em meio à cidade que ia se configurando. A atual zona urbana de Ribeirão Grande foi se for-mando ao redor da Casa Grande.

Na história de vida de alguns entrevistados da zona rural, esses períodos são marcados por prá-ticas religiosas, festas e pela produção agrícola de subsistência, característicos de um sistema tradi-cional caipira. Várias são as manifestações man-tidas pela população na zona norte de Ribeirão Grande, como a prática dos mutirões comunitá-rios para o manejo agrícola, para a alimentação compartilhada e celebrações.

Durante o mapeamento das receitas descobri-mos que o sistema agrícola utilizado era o plantio consorciado entre feijão, milho e abóbora, conhe-cido em toda a América como milpa29. As semen-tes utilizadas eram da terra, dos indígenas e de suas famílias, replantadas de geração em geração, trocadas entre vizinhos. Entre as plantas de milho, apareciam algumas espigas de milho roxo, que eram assadas na brasa. O milho pipoca, descreve o filho do pipoqueiro de São Miguel Arcanjo, era pontudo, espetava o dedo. Da abóbora que se en-rolava nas hastes do milho, se tiravam os brotos

29. RUIZ, Maya Lorena Pérez. “La Milpa como patrimonio biocultural”. P.215-236. In: Sánchez, Edith Yesenia Peña e Abarrán, Lilia Hernández (coord.) Biodiversidad, patrimonio y cocina: procesos bioculturales sobre ali-mentación-nutricíon. México: Secretaría de Cultura, Instituto Nacional de Antropología e História, 2018. 259p.

Casa Grande, patrimônio cultural tombado pelo CONDEPHAAT.Ribeirão Grande, 2017

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no desbaste, a cambuquira, para comer junto com o milho que já estava no ponto de verde, se cozi-nhava com feijão, se comia refogadinha. Há menos de 50 anos, os moradores da região costumavam guardar o feijão colhido em cavernas. Várias histó-rias foram criadas ao redor dessa prática. Segundo um artesão local:

Plantava feijão. E a noite guardava na caver-na porque se chovia, tava protegida. Só que as pessoas dormiam para fora. E no outro dia iam ver o feijão e tinha sumido... (J.C., 2014, Ribeirão Grande).

Nesse período, o manejo das roças de milho e de feijão era feito de maneira compartilha-da, em sistema de mutirão ou “puxirão” como era conhecido. A prática reunia vizinhos e fa-miliares para colaborar desde plantio até a co-lheita das roças. O trabalho coletivo era acom-panhado das celebrações ao redor do plantio e colheita desses grãos. Em Ribeirão Grande o baile que marcava essas celebrações era a dan-ça do fandango de tamanco. Segundo um dos fandangueiros:

... juntava um mutirão para carpir roça: 25, 30 pessoas. A turma ia, ganhava o dia e tinha o fan-dango a noite. Começava as oito da noite e ia até as oito da manhã, a noite inteira (Entrevistas com fandangueiros do grupo de Fandango de Tamancos, do programa Melhor Idade, do Fundo Social de Ribeirão Grande, 2014).

Nóis fazia puxirão para limpar uma lavoura, a noite fazia o fandango... Era puxirão em carna-val, em casamento, convidado para bater ou-tros puxirão particular, varreio de casa [...] Em Olímpia foram 43 anos celebrando o fandan-go (Entrevistas com fandangueiros do grupo de Fandango de Tamancos, do programa Melhor Idade, do Fundo Social de Ribeirão Grande, 2014).

Grupo Fandango de Tamanco Cuitelo, Ribeirão Grande, 2018

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Os mutirões e o trabalho coletivo tinham várias motivações, como a manutenção das casas de taipa, exemplo que se manteve na Casa Grande, em Ribeirão Grande.

Antigamente se um estivesse se apertando, fa-zia um grupo e ia lá e ajudava [...] ‘Vamos ajudar lá e depois você vem ajudar o meu’. Isso é uma coisa que [se] perdeu... por exemplo, as casas de barro. A Casa Grande mesmo. Antigamente as casas eram de taipa. Então ia todo o pessoalzão lá amassar barro, arrancar cipó.... Hoje é proibi-do. Perdeu essa identidade de um ajudar o ou-tro (M.R., agosto de 2014, Ribeirão Grande).

Para o dia a dia do trabalho na roça, a lida, se preparava a farinha de milho nos monjolos. Do milho tudo se aproveitava. As palhas, para confecção de objetos e utensílios na alimenta-ção, cestarias, para guardar o alimento. O cabe-lo do milho, para fazer remédios, a água do mi-lho, para a tratar a pele. Esse processo é descrito pela Dona Luiza e Dona Pedra:

A gente colhia a lavoura de milho e daí arrumava tudo num paiol né, todo mundo tinha o seu paiol, que era uma construção longe da casa principal, pra não ir rato na casa, né. Aí arrumava no paiol tudo lá, pra depois dar pras vacas, pros porcos, pras galinhas e para as criações que tivesse.

A gente colhia milho, aí descascava, debulhava tudo e levava no monjolo. Aí socava ele e sabe o farelo? Aquela parte branca? Aí tirava o amido e farelo. A gente tinha uma pá e com ela a gente abanava e ia saindo tudo o farelo. Esse farelo a gente dava para porco, galinha, vaca. Não per-dia nada. Aquele milho abanado, levava no rio e ficava oito dias azedando dentro do saco. Ficava com a água passando. A água era limpinha. Aí quando dava oito dias, ele já tava bem crescido. AÍ a gente pegava e colocava em um balaio de pouquinho e pouquinho e esfregava de pouqui-nho e pouquinho. Saia aquela água branquinha. Aquela água, a gente esfregava na cara para não dar espinha. Esses era nossos remédios. Aí colocava o milho para escorrer. Aí esperava até o outro dia escorrer tudo no balaio e aí jogava o milho no monjolo de novo e socava de novo.

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Até ele virar quirera com fubá. Aí passava a qui-rera na peneirinha bem fininha, sabe, e separa-va o fubá. Aquela quirera que ficava na peneira voltava para o monjolo de novo, no pilão, junto com mais um pouco daquele milho escorrido. Aí o fubá, você levava no paiol de fazer farinha e aí já estava o forno de pedra, forno com pedra rasa, abaulada. Aí você pegava um punhado e esfre-gava na pedra. Aí passava um paninho e saía o bijú. O bijú você passava em uma peneira cha-mada sururuca, que já é maior os buracos, e saía a farinha (L.S.S, 2018, Ribeirão Grande).

Do tropeirismo se manteve a tradição do uso da carne suína:

A gente morava em uma casa de barro da minha mãe, né. Aqui mesmo que tinha criação, plan-tava... A gente criava porco no quintal, né. Daí quando matava o porco, o primeiro almoço era a cabeça. Porque a gente não tinha geladeira na época, então essa carne com osso a gente fazia primeiro. Porque as outras carnes ficavam arma-zenadas na gordura e deixava lá numa lata pra ir esquentando (P.J.M., 2018, Ribeirão Grande).

É, a vida era difícil, né? O povo criava os filhos meio à custa de água e farinha. Enfarinhava o feijão na casa pra comer com torresmo. Porque matavam o porco e defumava, né, que ninguém tinha geladeira. Aí defumava o porco e quando estava todo defumadinho colocavam na palha do milho seco. Pegava a palha assim e ia enro-lando nos pedaços de toicinho defumado, sabe? E colocavam num cesto feito de taquara. Você não via o toicinho dentro sabe? Porque era bem enroladinho, tinha bastante palha. Mas tinha muito, né? Porque a gente plantava. Aí guarda-va no cesto a carne enxutinha, o torresmo, a lin-guiça. Guardava naquele cesto pra ir comendo, porque daí, na palha, não vinha bicho né, não vi-nha mosquito. Porque o porco era fácil de criar... (L.S.S., 2018, Ribeirão Grande).

Assim como descreve Antônio Candido, as formas de colaboração e celebração eram, e ain-da são, características das famílias de Ribeirão Grande. O momento do preparo de alimentos à base de milho verde evidencia essa prática du-rante as reuniões familiares e nas celebrações religiosas. Os pratos à base de milho são parte

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da vida comunitária, da união entre amigos e fa-mília. A comida é uma via de integração social e de identificação. Quando o milho verde é colhi-do, as famílias se juntam e dividem as tarefas en-tre limpar o milho, ralar e preparar as refeições. Cada pessoa tem uma tarefa: separar a palha da espiga, tirar o cabelo, ralar o milho, cozinhar.

A religiosidade é marca importante das co-munidades em Ribeirão Grande. As celebrações e o trabalho coletivo representam a comunhão com os irmãos, a fé. A Festa do Milho Verde de Ribeirão Grande foi criada por um grupo de fiéis da Paróquia do Bom Jesus de Ribeirão Grande para terminar a construção da igreja.

Há vinte anos, quando a festa foi organizada pela primeira vez, voluntários plantavam o mi-lho em terrenos cedidos para esse fim. Os vo-luntários se dividiam em vários grupos. Existia um grupo responsável por plantar o milho que seria utilizado para a feitura dos pratos. O plantio era feito em sistema de mutirão. Esse grupo também recebia doações das sementes de milho “próprio para a pamonha”, o milho crioulo. Essas sementes eram obtidas na pró-pria comunidade.

Desde então a festa foi crescendo e esse modo tradicional de produção agrícola das roças de mi-lho para os festejos religiosos foi sendo substituído pelo uso do milho verde comercial. Dentre os mo-tivos para isso estão a redução de terras disponí-veis, a existência de variedades de milho que pos-suem ciclo mais curto, mas principalmente devido à necessidade de encontrar milho no ponto certo para a colheita na data agendada para a festa, na quantidade necessária. São utilizadas no mínimo 18 toneladas por festejo.

Muitos moradores de Ribeirão Grande e região, que cresceram convivendo e se alimentando de pratos à base de milho conseguem reconhecer os distintos sabores gerados por diferentes varie-dades de milho. Uma das voluntárias da Festa do Milho Verde de Ribeirão Grande nos contou que:

Eu acho que tem [diferença no sabor do milho de agora em relação ao milho de antigamente], aquele que a gente fala que é o milho caipira, né? Dava a impressão que ele era mais saboroso, sabe? Não sei se era um sabor de roça, o sabor de casa, de família, mas parece que era diferente... (R. F., 2017, Ribeirão Grande).

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Segundo a ex-coordenadora do curso de tu-rismo receptivo da ETEC de Capão Bonito e mo-radora de Ribeirão Grande, a tradição de plantar e utilizar milho crioulo era parte importante da Festa do Milho Verde. A confecção dos pratos re-sultava em um sabor diferente daqueles em que se usa o milho convencional:

É que era uma outra qualidade de milho, outra qualidade de pamonha, porque tinha outro sa-bor. Hoje isso não acontece. Acho que a festa ocor-re há oito, 10 anos, e isso hoje não acontece. Eles têm uma dificuldade maior em encontrar o milho com aquela qualidade.... Eu sempre achei que isso fazia parte da festa. É uma pena que essa parte da cerimônia tenha sido deixada para trás porque acho que começava ali, quando eles plantavam, né? Então todo o período de preparação vinha junto com a organização da festa e aí depois fin-dava na festa... então, a gente vê que em um dia você come um prato com determinado gosto de milho, no outro dia, o mesmo prato tem outro sa-bor, o bolo também, o cural, um dia está mais cla-ro, outro mais escuro. Isso eu associo a essa perda da plantação do milho, quando eram utilizadas,

inclusive, aquelas sementes que eram doadas por agricultores e fieis, enfim.... Eu acredito muito que as festas tradicionais precisam se manter o mais tradicional possível para elas terem um diferencial (C.B.C., Capão Bonito, setembro, 2014).

Ainda hoje existem agricultores que mantém as variedades de milho crioulo na região. As mais uti-lizadas são “estecão” (por conta de sua haste longa comparada a uma grande estaca) e o milho “paia roxa”. Os pequenos agricultores que mantém essas variedades o fazem apenas para consumo próprio ou ainda para o uso da palha colorida no artesa-nato. As danças que estavam presentes nas cele-brações da colheita são hoje parte do folclore da região. O fandango de tamancos é uma versão do fandango dançado apenas por homens, cujas mo-das relatam aspectos da vida rural, com possibili-dades para improvisos30. É apresentada por alguns grupos nos municípios de Capão Bonito e Ribeirão Grande, como o Fandango de Tamanco Cuitelo e o Grupo da Melhor Idade, e em festivais estaduais como a Festa do Folclore de Olímpia.

30. . CAUHY, P.; MACEDO, T. Fandango de tamanco, 2014. Disponível em: <http://abacai.org.br/patrimonio_imaterial/fandango-de-tamanco/>. Acesso em: 30 maio.

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Grupo Fandango de Tamanco Cuitelo, Ribeirão Grande, 2018

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As duas festas mais antigas da região, a da Paróquia do Bom Jesus, em Ribeirão Grande, e a do Grupo de Combate ao Câncer, em Capão Bonito, chegam a receber cinco mil participan-tes em um só dia. Em Ribeirão Grande esse pú-blico é bastante expressivo considerando que a população total do município é de 7.450 pes-soas31. Cada festa consome de sete a 18 tonela-das de milho verde para a produção dos pratos típicos: pamonha doce e salgada, bolo de milho, curau doce, mingau de milho com frango, quire-ra com costela defumada, suco de milho verde, milho cozido, bolinho pingado de milho verde,

31. IBGE, 2017.

Celebrando o milho

O milho é celebrado em inúmeras festas ao longo do ano, reunindo centenas de pessoas

para plantar, colher, cozinhar e, claro, para comer. Nestas festas permanecem formas de colabora-ção que envolvem a participação voluntária de mais de 200 pessoas para colheita do milho que será utilizado na confecção de produtos para as festas, em geral organizadas pela Igreja Católica.

Grupo de Voluntários no Combate ao Câncer (GVCC) preparando o milho para a Festa do Milho Verde de Capão Bonito, 2018

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pamonha na chapa e o bolinho de frango. Na tradição culinária da região também ocor-

re nítida separação dos pratos preparados com a farinha de milho daqueles à base de milho verde. O milho verde é vendido nas festas devido à sazo-nalidade e à curta duração do produto. Também está associado às celebrações, às colheitas, à co-mensalidade, às reuniões familiares. Já a farinha de milho, que pode ser armazenada, faz parte do dia a dia, é a companheira do trabalho na roça. É o ingrediente que dá sustância aos demais pratos,

que engrossa o caldo, que dá corpo às receitas.Entre tantos pratos tradicionais que expres-

sam uma cultura duradoura, corroborando uma ideia de culinária como fenômeno cultural vivo e em movimento, a gastronomia do Sudoeste Paulista segue se transformando. Na Festa do Milho de Ribeirão Grande, o casal Antonio Pedroso e Ana Margarida Manoel Costa prepa-ra pamonha na chapa. Segundo eles, a receita leva polpa de milho, cheiro verde, tempero e uns “segredinhos”.

Cena da Festa do Milho Verde do Grupo de Voluntários no Combate ao Câncer (GVCC), em Capão Bonito, 2018

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CApítulo 2

Receitas com milho verde

Existem muitos termos usados como sinôni-mos na hora de nomear os pratos à base de

milho verde: burê, mingau e curau. Uma rápi-da enquete entre colegas aqui em Capão Boni-to me fez perceber como cada pessoa entende os diferentes nomes usados nessa culinária. Por isso resolvemos destacar quais os nomes da-mos aos pratos: o burê é citado por Macedo32, pesquisador que também coletou receitas tra-dicionais junto a famílias de Ribeirão Grande e Capão Bonito. O burê é o sinônimo de mingau, prato ensopado de polpa de milho, com uma consistência mais aguada, como uma sopa. O curau é a polpa do milho cozida, mais apurada, que dá para cortar em pedaços.

32. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016.

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pAmonhA doCe

Receita fornecida por Aparecida de Lara Ferreira (Dona Cida), Ribeirão Grande/SP

Dona Cida vende pamonhas fresquinhas em Ribeirão Grande. Aprendeu a fazer as receitas à base milho com mãe.

Trabalha há nove anos comercializando os pra-tos de milho: curau doce, pamonha doce, bolo de milho, milho ralado e o bolinho pingado de milho. Os produtos que mais vendem são a pa-monha doce, bolo de milho e o milho ralado. Ela gosta de ralar o milho no ralador que ela mesma faz, com os furos abertos na largura dos pregos martelados na chapa de zinco.

Ingredientes• 6 espigas de milho verde ainda conservadas com a

palha. O ponto ideal é o grão estar firme, com grãos graúdos

• Açúcar a gosto• Água

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Modo de preparo

Corte o pé da espiga (de onde saem as palhas) na medida de um dedo (1,5 cm). Não corte a pon-ta da espiga onde está o cabelo pois é importan-te manter as palhas compridas para poder uti-lizá-las para cobrir as pamonhas no cozimento. Retire as duas ou três primeiras palhas e descarte. Separe de duas a três palhas do meio da espiga para embrulhar a pamonha. Lave bem as palhas em água fervente. Deixe por dois minutos para escaldar. Escorra a água e reserve as palhas para usar. Esse processo deixa a palha macia e maleá-vel, para que ela não quebre na montagem das trouxinhas.

Retire os cabelos que permaneceram na espi-ga (nas festas de milho verde costuma-se passar um escovão sobre o milho). Rale o milho e coe. O mais tradicional é ralar o milho em um ralador de furos grandes. Se fizer isso, utilize uma colher para raspar a polpa que permaneceu no sabugo do milho. Em um recipiente, despeje a polpa de milho coada e acrescente o açúcar. Misture bem até derreter todo açúcar.

Leve uma panela grande com bastante água para ferver ao fogo médio.

Coloque um pouco da massa em uma palha do milho e faça trouxinhas amarrando a ponta com um barbante. É importante que a água es-teja fervendo para receber as pamonhas, caso contrário, elas irão se desfazer. Cozinhe de 40 minutos à uma hora ou até que estejam firmes. Escorra a água, arrume as pamonhas numa tra-vessa e sirva quente.

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Bolo de milho verde

Receita fornecida por Roseli Ferreira Mendes, Ribeirão Grande – SP

Roseli é voluntária na festa do milho verde em Ribeirão Grande há 20 anos. É tradição de sua fa-mília se reunir duas a três vezes por ano para pre-parar receitas à base de milho verde e em todas essas ocasiões o bolo de milho está presente. Antigamente esse prato era preparado no fogão a lenha, na panela de ferro coberta de brasa. Levava como ingredientes apenas a polpa do milho e o açúcar. Hoje em dia, devido a vários fatores como qualidade do milho verde, ponto de colheita e du-rabilidade da receita, a massa do bolo ganhou ou-tros ingredientes como o leite e a margarina (ou manteiga). Essa é a receita que Roseli aprendeu com outras voluntárias da festa e nos ensinou.

Ingredientes

• 15 a 20 espigas de milho verde ou 1 e ½ litros de pol-pa de milho verde

• 3 copos de leite• 1 copo de açúcar• 4 a 5 colheres de margarina ou manteiga

Modo de preparoRale as espigas de milho verde com ralador

(utilizar uma colher para raspar a polpa que fica no sabugo ralado). É importante observar o ponto do milho verde. Se a polpa estiver no ponto, bem cremosa, não tão seca, acrescente três copos de leite. Se o milho estiver um pouco seco, querendo já passar do ponto, acrescente mais leite (assim o bolo fica mais macio). Misture a polpa com o leite e o açúcar para dissolver todo açúcar. Derreta a margarina ou a manteiga e misture ainda quente junto aos outros ingre-dientes e coloque para assar em uma forma pe-quena por aproximadamente uma hora ou até a massa corar.

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para aquecer os corações. A abóbora é uma plan-ta rústica muito utilizada e o uso dos ramos e brotos é bastante conhecido no mundo rural, na sabedoria do conhecimento tradicional.

A receita aporta um valor nutricional muito importante para alimentação humana, sendo indicada para qualquer idade, de fácil acesso, baixo custo, atendendo também a vegetaria-nos. A cambuquira é considerada uma plan-ta alimentícia não convencional, podendo ser extraída de brotos de qualquer curcubitácia (chuchu e abóboras). Desde que sejam tenros, os caules podem ser descascados e refogados junto com os brotos e folhas, sendo considera-da uma iguaria também na cozinha caipira. São ricos em vitaminas A e C. A palavra cambuqui-ra vem do Tupi ka’aumbykyra (lê-se “caumbi-quira”), que significa “rabadilha de folhas”. Essa receita participou do concurso internacional Sabores y Saberes, promovido pela FAO/ONU em toda a América Latina e recebeu menção honrosa33.

33. http://www.saberesysabores.org/index2.html -

mingAu de milho verde Com CAmBuquirA

Receita fornecida por Maria das Neves Ferreira, Ribeirão Grande/SP

Essa receita é fruto do conhecimento tradi-cional do plantio consorciado de milho com abóbora, sistema agrícola conhecido em toda a América com milpa. Em São Paulo o milho criou-lo é tradicionalmente plantado na lua minguan-te de agosto. Sua colheita no ponto de verde é feita em dezembro, dependendo das condições climáticas. A abóbora é tradicionalmente plan-tada um mês depois do milho, nas entrelinhas dessa cultura. A cambuquira são os ramos no-vos da abóbora que sofrem desbaste da planta. O desbaste serve para fortalecer os brotos que formarão abóboras mais vigorosas. É feito no mesmo período em que o milho verde está no ponto de ser colhido.

Essa receita é elaborada frequentemente nas comunidades rurais de Ribeirão Grande. Como essa região é bastante fria, o mingau é um prato

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Ingredientes

• 120 gramas de cambuquira (ramos e brotos de abóbora)

• 3 espigas de milho verde (preferencialmente crioulo, aproximadamente 750 g)

• 500 ml de água• 1 cebola• 2 dentes alho (20 g aproximadamente)• 10 g de sal

Modo de preparo

Apenas as pontas tenras dos brotos da abó-bora (na medida de um palmo) devem ser usa-das como cambuquira. Deve-se retirar a pele dos ramos e brotos de abóbora até que eles fiquem com a superfície lisa. Reservar.

Retire a palha e os cabelos do milho verde. Rale as espigas de milho em um ralador grande para extrair a polpa do milho. Reserve. Corte a cebola

e o alho em pequenos pedaços. Em uma panela, refogue o alho e a cebola até dourar. Acrescente a cambuquira e refogue por 10 minutos. Acrescente um copo de água e deixe cozinhar por mais cinco minutos ou até abrir fervu-ra. Deixe amaciar. Acrescente a polpa do milho, mexa até engros-sar, deixe cozinhar por mais cin-co a 10 minutos. Acrescente sal a gosto.

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mingAu de milho verde Com frAngo

Receita fornecida por Dona Maria Aires, Bairro Baguaçu, Capão Bonito/SP

Maria Aires faz esse prato desde sua juventude. Ela aprendeu com sua vó e sua mãe. Essa recei-ta é tradicionalmente servida nas festas de milho verde de toda a região. Antigamente era conhe-cido como burê34.

Ingredientes• 1 frango (de preferência caipira)• 10 espigas de milho• 1 cebola• 2 dentes de alho• 3 litros água • Óleo• Sal a gosto• Manjerona, pimenta do reino e limão cravo a gosto

34. Fonte: MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer& beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016.

Modo de preparo

Corte o frango em pedaços e tempere a gosto com sal, alho socado, pimenta do reino e limão cravo. Deixe marinar por 20 minutos. Em seguida coloque a panela no fogo com um fundo de óleo e deixe aquecer bem. Arrume os pedaços de frango na panela com todo o tempero que estiver junto, deixe cozinhar até ficar no ponto. Deixe ficar bem dourado até formar uma crosta no fundo da pa-nela. Em seguida acrescente a cebola picadinha e doure junto, escorra o excesso de gordura. Separe o frango em uma panela a parte e, em seguida, acrescente água e deixe ferver para tomar gosto na panela que preparou o frango. Desligue o fogo e reserve o caldo. Rale as espigas de milho e sepa-re o bagaço mais grosso. Ligue o fogo novamente e, antes de abrir fervura, acrescente aos poucos o milho ralado, sempre mexendo para não empelo-tar. O mingau deve ficar com uma consistência rala, pois ao cozinhar ele engrossa. Leva em média 20 minutos para ficar pronto. Experimente. Quando estiver com sabor de milho cozido, acrescente a cebolinha picada e sirva com o frango. Se preferir deixe o frango na panela e cozinhe junto ao milho ralado. O mingau fica ainda mais saboroso.

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40Mingau de milho verde com frango, Festa do Milho Verde da AJAPEI, Capão Bonito, 2019

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Bolinho pingAdo de milho verde

Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo e Ana Rita, Ribeirão Grande/SP

Sonia coordena as voluntárias no preparo das receitas na Festa do Milho Verde de Capão Bonito. Ela é natural de Capão Bonito e aprendeu mui-tas das receitas à base de milho com a avó que tem origem indígena. Tem um paladar apurado para saborear o milho no seu estado mais puro. Sua preferência é para o bolinho sem tempero. Já a Dona Ana Rita é detentora de um vasto co-nhecimento sobre temperos, condimentos e das ervas medicinais. Muitos moradores de Ribeirão Grande encomendam dela xaropes medicinais a base de ervas. Dona Ana também prepara o boli-nho de milho verde incluindo um tempero casei-ro à base de algumas ervas como açafrão, louro, cebolinha, entre outros. Ela bate tudo no liquidi-ficador e mistura no bolinho.

Sonia Araujo servindo o bolinho pingado de milho verde sem tempero

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Ingredientes

• 5 espigas de milho verde (no ponto intermediário: nem muito mole, nem muito dura).

• 1 colher de amido de milho ou polvilho• Sal a gosto• Óleo para fritar• Alho, cebolinha, açafrão, louro e sal (bater todos os

temperos no liquidificador até formar uma pasta). *Não é necessário acrescentar ovos ou leite.

Modo de preparoRale as espigas de milho verde ou corte e bata

no liquidificador. Se optar por temperar a mas-sa, acrescente uma colher da pasta de temperos à massa. Com uma colher, despeje a massa em pequenas quantidades em óleo quente. Vire os bolinhos para dourar dos dois lados. Retire e co-loque em papel toalha para escorrer. É possível acrescentar recheios à massa como, por exem-plo, frango desfiado, pimenta, queijo ralado.

Dona Ana Rita servindo o bolinho pingado de milho verde com temperos

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pAmonhA nA ChApA

Receita fornecida por Ana Margarida Manoel Costa e Antônio Pedroso, Ribeirão Grande/SP

O casal Ana e Antônio são voluntários fieis da Festa do Milho Verde de Ribeirão Grande. A fim de inovar o cardápio de opções da festa, eles in-troduziram a receita de pamonha na chapa. O prato foi apresentado a eles pela filha que mora em Três Lagoas (Mato Grosso). O sucesso foi tão grande que eles foram chamados para as festas nos municípios vizinhos como Capão Bonito e Itapeva para ensinar a receita.

Ingredientes• 10 espigas de milho verde raladas• 1 colher de chá de sal• 1 colher de sopa de açúcar• Cebolinha a gosto

Modo de preparoEm uma tigela rale as espigas e, depois de rala-

das, passe uma colher sobre elas para tirar a mas-sa que ainda ficou (coração do milho). Reserve. Antônio Pedroso preparando a pamonha na chapa, Ribeirão Grande, 2018

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Tempere o milho ralado com o açúcar e depois com o sal. Acrescente cebolinha a gosto. Em se-guida, coloque a massa em uma chapa ou frigi-deira com um pouco de óleo e espalhe até ficar redonda e com espessura fina. Cubra com uma tampa e espere cerca de dois minutos. Em se-guida, vire a massa, deixe dourar do outro lado e reserve. O recheio é opcional: queijo com toma-te cereja, frango desfiado, entre outros. Pode ser servida dobrada, igual a tapioca.

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Croquete de milho verde

Receita fornecida por Diva Pereira, São Miguel Arcanjo/SP

O croquete é um quitute muito tradicional de São Miguel Arcanjo. É o carro chefe da festa de milho verde do município. Dona Diva é a mãe da Liliane, coordenadora da cozinha na festa.

Ingredientes• 3 colheres de margarina ou manteiga• 200 gramas milho verde cozido em pedaços • ½ litro de polpa de milho verde ou 8 a 10 espigas de

milho verde para ralar• 2 xícaras de farinha de trigo• Manjerona a gosto • Alho a gostoPara empanar: • Ovos• Leite• Farinha de rosca• Recheio: 200 gramas de queijo branco ou mozzarel-

la em tiras (pode variar, conforme o gosto).

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Modo de preparo

Em uma tigela rale as espigas (passe uma co-lher sobre elas para tirar a massa que ainda ficou na polpa no sabugo, reserve).

Frite a manjerona e o alho na margarina ou manteiga. Acrescente a polpa de milho verde ra-lado, deixe apurar. Acrescente os grãos de milho verde cozido e a farinha de trigo. Misture até che-gar ao ponto de uma massa. Abra a massa, re-cheie com queijo e depois feche no formato de um croquete. Empane na clara de ovo com leite e farinha de rosca. Frite em óleo quente.

Volutárias preparando o croquete de milho verde para festa do milho verde da Basílica de São Miguel Arcanjo, São Miguel Arcanjo, 2019

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sorvete de milho verde / iCe roll

Receita fornecida por Fabio Lucio Brisola, São Miguel Arcanjo/SP

Fabio se especializou no preparo de sorvetes de rolo (ice roll). Voluntário na Festa do Milho de São Miguel Arcanjo, desenvolveu essa receita es-pecialmente para a festa.

Ingredientes• Curau doce• Açúcar• Base emulsificante

Modo de preparo

Misture o curau à base liquida emulsificante e em seguida acrescente açúcar. Despeje essa mas-sa em uma chapa gelada à -20° ou -30°, depen-dendo do clima. Se o clima estiver muito quente, é necessário que a chapa esteja a -30° e se o cli-ma estiver frio, a chapa pode estar a -20°. Com o uso de espátulas, esparrame a massa na chapa com movimentos corretos, até que ela congele. Enrole a massa em formato de espiral e sirva.

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CurAu doCe

Receita fornecida por Sonia Araújo, Ribeirão Grande – SP

Sônia Araújo nos forneceu duas variações des-sa receita. Segundo ela, o curau “bem caipira” só leva a polpa coada em água e açúcar, enquan-to que a tradição do curau mineiro é substituir a água pelo leite.

CURAU “MINEIRO”Ingredientes• 1 litro de polpa de milho verde (aproximadamente

15 espigas de milho verde raladas)• 1/3 litro de leite • Açúcar a gosto.

Modo de fazerEm uma panela, despeje a polpa de milho coa-

da, acrescente o leite e o açúcar. Leve no fogo e vá mexendo sem parar até ele ficar brilhante, des-grudando do fundo da panela. Despeje em uma forma e deixe esfriar. Sirva em pedaços.

CURAU “CAIPIRA”Ingredientes

• 1 litro de polpa de milho verde (aproximadamente 15 espigas de milho verde raladas)

• Açúcar a gosto.

Modo de fazerEm uma panela, despeje a polpa de milho coa-

da, acrescente a água e o açúcar. Leve no fogo e vá mexendo sem parar até ele ficar brilhante, des-grudando do fundo da panela. Despeje em uma forma e deixe esfriar. Sirva em pedaços.

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CApítulo 3

Poema do Milho35

Milho...Punhado plantado nos quintais.Talhões fechados pelas roças.Entremeado nas lavouras,Baliza marcante nas divisas.Milho verde. Milho seco .Bem granado, cor de ouro.Alvo. às vezes vareia,– espiga roxa, vermelha, salpintada.

Milho virado, maduro, onde o feijão enramaMilho quebrado, debulhadona festa das colheitas anuais.

Bandeira de milho levada para os monteslargada pelas roças:Bandeiras esquecidas na fartura.Respiga descuidadados pássaros e dos bichos.

35. CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São Paulo: Editora Global,1984.

Milho empaiolado .abastança tranqüilado rato,do caruncho.do cupim.Palha de milho para o colchão.Jogada pelos pastos.Mascada pelo gado.Trançada em fundos de cadeiras.

Queimada nas coivaras.Leve mortalha de cigarros.Balaio de milho trocado com o vizinhono tempo da planta.“- Não se planta, nos sítios, semente da mesma terra”.

Ventos rondando, redemoinhando.Ventos de outubro.

Tempo mudado. Revôo de saúva.Trovão surdo, tropeiro.Na vazante do brejo, no lameiro,o sapo-fole, o sapo-ferreiro, o sapo-cachorro.Acauã de madrugada

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marcando o tempo, chamando chuva.Roça nova encoivarada,começo de brotação.Roça velha destocada.Palhada batida, riscada de arado.Barrufo de chuva.Cheiro de terra; cheiro de mato,Terra molhada, Terra saroia.Noite chuvada, relampeada.Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais.Observatório: lua virada. Lua pendida . . .Circo amarelo, distanciado,marcando chuva.Calendário, Astronomia do lavrador.

planta de milho na lua-nova.Sistema velho colonial.Planta de enxada.Seis grãos na cova,quatro na regra, dois de quebra.Terra arrastada com o pé ,pisada, incalcada, mode os bichos.

Lanceado certo-cabo-da-enxada..Vai, vem . . . sobe, desce . . .

terra molhada, terra saroia . . .Seis grãos na cova; quatro na regra, dois de quebraSobe. Desce . , .Camisa de riscado, calça de mesclaVai, vem . . .golpeando a terra, o plantador.

Na sombra da moita,na volta do toco – o ancorote d’água:

Cavador de milho, que está fazendo?A que milênios vem você plantando.Capanga de grãos dourados a tiracolo.Crente da Terra, Sacerdote da terra.Pai da terra.Filho da terra.Ascendente da terra.Descendente da terra.Ele; mesmo; terra.

Planta com fé religiosa.Planta sozinho, silencioso.Cava e planta.Gestos pretéritos, imemoriais..

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Oferta remota; patriarcal.Liturgia milenária.Ritual de paz.Em qualquer parte da Terraum homem estará sempre plantando ,recriando a Vida.Recomeçando o Mundo.

Milho plantado; dormindo no chão, aconchegadosseis grãos na cova.Quatro na regra, dois de quebra.Vida inerte que a terra vai multiplicar

E vém a perseguição:o bichinho anônimo que espia, pressente.A formiga-cortadeira – quenquém.A ratinha do chão, exploradeira.A rosca vigilante na rodilha,O passo-preto vagabundo, galhofeiro,vaiando, sorrindo . . .aos gritos arrancando, mal aponta.O cupim clandestinoroendo, minando,só de ruindade.

E o milho realiza o milagre genético de nascer:Germina. Vence os inimigos,Aponta aos milhares.– Seis grãos na cova.– Quatro na regra, dois de quebra,Um canudinho enrolado.Amarelo-pálido,frágil, dourado, se levanta.Cria sustância.Passa a verde.Liberta-se. Enraíza,Abre folhas espaldeiradas.Encorpa. Encana. Disciplina,com os poderes de Deus.

Jesus e São Joãodesceram de noite na roça ,botaram a bênção no milho,E veio com elesuma chuva maneira, criadeira, fininha,uma chuva velhinha,de cabelos brancos,abençoandoa infância do milho.

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O mato vem vindo junto,Sementeira.

As pragas todas, conluiadas.Carrapicho. Amargoso. Picão.Marianinha. Caruru-de-espinho.Pé-de-galinha. Colchão.Alcança, não alcança.Competição.Pac . . . Pac . . . Pac . . .a enxada canta.Bota o mato abaixo.arrasta uma terrinha para o pé da planta.“…- Carpa bem feita vale por duas . . .”Quando pode. Quando não… sarobeia.Chega terra O milho avoa.

Cresce na vista dos olhos.Aumenta de dia. Pula de noite.Verde Entonado, disciplinado, sadio.

Agora …A lagarta da folha,lagarta rendeira . . .Quem é que vê?

Faz a renda da folha no quieto da noite.Dorme de dia no olho da planta,Gorda; Barriguda. Cheia.Expurgo: . . nada . . . força da lua . . ,Chovendo acaba – a Deus querê.

” O mio tá bonito … ”“-Vai sê bão o tempo pras lavoras todas . ”“- O mio tá marcando . . . ”Condieionando o futuro:“- O roçado de seu Féli tá qui fais gosto …Um refrigério ”“- O mio lá tá verde qui chega a s’tar azur…”– Conversam vizinhos e compadres.

Milho crescendo, garfando,esporando nas defesas…

Milho embandeirado.Embalado pelo vento.

“Do chão ao pendão, 60 dias vão”.

Passou aguaceiro, pé-de-vento.” – O milho acamou . . . ” “- Perdido?” . . . Nada…

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Ele arriba com os poderes de Deus .. . ”E arribou mesmo; garboso, empertigado, vertical

No cenário vegetalum engraçado boneco de frangalhossobreleva, vigilante.Alegria verde dos periquitos gritadores . . .Bandos em sequência . . . Evolução . . .Pouso . . . retrocesso.

Manobras em conjunto.Desfeita formação.Roedores grazinando, se fartando,foliando, vaiandoos ingênuos espantalhos.

“Jesus e São Joãoandaram de noite passeando na lavourae botaram a bênção no milho” .Fala assim gente de roça e fala certo.Pois não está lá na taipa do ranchoo quadro deles, passeando dentro dos trigais?Analogias . . . Coerências.

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Milho embandeiradobonecando em gestação.– Senhor! . . . Como a roça cheira bem !Flor de milho, travessa e festiva.Flor feminina, esvoaçante, faceira.Flor masculina – lúbrica, desgraciosa.

Bonecas de milho túrgidas,negaceando, se mostrando vaidosas.Túnicas, sobretúnicas . . .saias, sobre-saias . . .Anáguas . . . camisas verdes.Cabelos verdes . . .~Cabeleiras soltas, lavadas, despenteadas. . .– O milharal é desfile de beleza vegetal.

Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas.Cabelos prateados, verde-gaio.Cabelos roxos, lisos, encrespados.Destrançados.Cabelos compridos, curtos,queimados, despenteados .Xampu de chuvas . . .Flagrâncias novas no milharal.– Senhor, como a roça cheira bem! . . .

As bandeiras altaneirasvão se abrindo em formação.Pendões ao vento.Extravasão da libido vegetal.procissão fálica, pagã.Um sentido genésico domina o milharal.Flor masculina erótica, libidinosa,polinizando, fecundandoa florada adolescente das bonecas:

Boneca de milho, vestida de palha . . .Sete cenários defendem o grãoGordas, esguias, delgadas; alongadasCheias, fecundadas.Cabelos soltos excitantes.Vestidas de palha.Sete cenários defendem o grão,Bonecas verdes, vestidas de noivaAfrodisíacas, nupciais . . .

De permeio algumas virgens loucas . . .Descuidadas. Desprovidas.Espigas falhadas. Fanadas. Macheadas.

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Cabelos verdes. Cabelos brancos.Vermelho-amarelo-roxo, requeimado . E o pólen dos pendões fertilizando .. .Uma fragrância quente, sexualinvade num espasmo o milharal.A boneca fecundada vira espiga.Amortece a grande exaltação.Já não importam as verdes cabeleiras rebeladasA espiga cheia salta da haste.O pendão fálico vira ressecado, esmorecido,No sagrado rito da fecundação.

Tons maduros de amarelo.Tudo se volta para a terra-mãe.O tronco seco é um suporte, agora,onde o feijão verde trança, enrama, enflora.

Montes de milho novo, esquecidos,marcando claros no verde que domina a roça.Bandeiras perdidas na fartura das colheitas.Bandeiras largadas, restolhadas.E os bandos de passo-pretos galhofeirosgritam e cantam na respiga das palhadas.

“Não andeis a respigar” – diz o preceito bíblico

O grão que cai é o direito da terra.A espiga perdida – pertence às avesque têm seus ninhos e filhotes a cuidar.Basta para ti, lavrador,o monte alto e a tulha cheia.Deixa a respiga para os que não plantam nem colhem– O pobrezinho que passa.– Os bichos da terra e os pássaros do céu.

Cora Coralina

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56Artesã Ivone trançando a palha do milho acompanhada de seu neto. Guapiara, 2018

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CApítulo 4

Arte que nasce do milho

“Aprendi boa parte do que eu faço com o meu pai e o resto com os vizinhos e desde criança sei fazer os trançados. Meu pai aprendeu o artesa-nato com os pais dele. Tem mais de 15 anos que vivo de fazer o artesanato, dou oficinas e produ-zo as peças para comercializar em feiras. Meu pai plantava os milhos, na verdade ele tinha várias sementes, várias qualidades de milhos crioulos. Tinha milho pipoca, por exemplo, que hoje a gente não tem mais. Dá pra fazer o artesanato com outras palhas. Pode ser sim com palha de milho transgênico, mas quando você planta um milho crioulo, ele tem mais palha, né? A palha é mais resistente, então, você pode puxar que ela não arrebenta” (A.O., Guapiara, 2019).

Da palha colorida do milho crioulo nascem bonecas, imagens católicas, orixás, anjos,

vasos, cestos e flores. O artesanato de Guapiara é também um dos modos de aproveitar o milho,

aqui o que resta dele, o que talvez fosse jogado fora. A palha é naturalmente colorida, em tons que vão desde o amarelo, passeiam pelo verde, vermelho e vão até o roxo.

O delicado trabalho de trançar a palha, uma técnica tradicional da região, é apenas uma das etapas de um processo que começa bem antes, com a seleção das sementes crioulas, a semeadura na lua minguante, a espera para o milho chegar no ponto certo da colheita (que pode durar seis meses, quase o dobro do milho

Artesã Aparecida apresentando suas bonecas de palha. Guapiara, 2018

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transgênico). Depois de colhido, a palha é reti-rada, parte dos grãos é beneficiada e destinada a usos diversos e parte dos grãos se transforma em novas sementes que, compartilhadas, troca-das, semeadas, iniciam novo ciclo.

Em 2010, as artesãs formalizaram a Cooperativa dos Artesãos de Guapiara (Coopag), para facilitar a venda dos produtos, prestar serviços e partici-par de feiras que exigem o CNPJ. Também criaram a Associação de Mulheres Artesãs de Guapiara-Arte&Vida, com o objetivo de captar recursos para aprimoramento do trabalho, organização

de cursos e capacitação de outras mulheres in-teressadas em aprender a arte do trançado com a palha. Em 2017, o artesanato com palha de mi-lho crioulo foi finalista do Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil.

O trançado da palha de milho é uma técnica conhecida em Ribeirão Branco. Por lá, os artesãos gostam de colorir a palha amarela com tintas de várias cores, para fabricar cestarias coloridas.

Milho crioulo e cestarias do grupo de artesãs Arte na Palha.Foto Premiada no concurso Maize CGIAR, 2018

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CApítulo 5

Cozinha patrimonial: recolhendo memórias do milho

Aquele almoço em Ribeirão Grande foi certa-mente uma ocasião especial, uma refeição de amizade. O rojão não é uma coisa que você en-tra no restaurante e pede assim do nada. Comer rojão é um ritual. O rojão é um rico micro-patri-mônio que você divide com as pessoas que ama. Essa coisa de se perder no interior paulista para achar o prato típico... o apetite do explorador é recompensado. Naquele dia em Ribeirão Grande rolou um almoço com rojão, caipirinha e muito carinho e amizade. Fiquei muito satisfeito, mas já voltaram a fome e a saudade (em visita ao Parque Estadual Intervales enquanto visitava amigos que vivem na região). Juan Manuel Cano Sanchiz, Professor Associado do Instituto do Patrimônio Cultural e História da Ciência e Tecnologia da Universidade de Ciência e Tecnologia de Beijing, China.

O objetivo do Roteiro do Milho é promover alimentação como cultura. Cozinhar é uma ativi-dade colaborativa, cooperativa, altruísta. Bares e restaurantes são centros de acolhimento e de convivência. Quando neles podemos experien-ciar um tipo de cozinha que evoca modos de fazer que são parte da cultura e da identidade de um povo, ou seja, uma cozinha que é tam-bém patrimônio, eles podem ser pontes para o outro, outro tipo de comida, de preparo, de pas-sado, presente e de futuro.

O conceito de cozinha patrimonial se refere aos saberes e fazeres ligados à cultura alimentar de uma sociedade. Mais do que os ingredientes e as receitas utilizados, são os ofícios e os modos de fazer que são reconhecidos como parte de uma cultura e de uma identidade. Ao tomar esse pa-trimônio como atrativo turístico, o turismo pode ser um modo de fazer conhecer essa cultura36.

O turismo gastronômico traz a possibilidade de conhecer hábitos e maneiras de viver e de comer de uma comunidade. Visitar restaurantes e estabelecimentos em busca de experiências

36. COELHO-COSTA, E. R. C.; SANTOS, M. S. F. Considerações sobre cozinha pa-trimonial e turismo. Resgate, Campinas, v.23, n. 30, p. 5-15, jul./dez. 2015.

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baseadas no comer e no beber é uma das formas de fazer isso37.

O Roteiro do Milho se insere nessa perspectiva ao eleger a cozinha patrimonial compartilhada por oitos cidades que mantem uma forte tradi-ção cultural em torno do milho. Nesse sentido, ele pode ser não apenas um caminho para pre-servar o passado, mas também para criar o futu-ro dos destinos e manter a autenticidade38.

O turismo pode colaborar com a valorização do patrimônio gastronômico, “conjunto de elemen-tos tangíveis e intangíveis de culturas alimentares consideradas patrimônio compartilhado, ou bem comum, para a coletividade”39. Cada cozinha tem uma essência particular, um conjunto de regras que a caracterizam e identificam, as quais não devem ser transgredidas para que ela não perca sua identidade40.

37. WOLF, E. Culinary tourism: a tasty economic proposition, 2001 e MASCARENHAS, R.; GÂNDARA, J. Producción y transformación territorial. La gas-tronomía como atractivo turístico. Revista Estudios y Perspectivas en Turismo, vol. 19. Buenos Aires, Centro de Investigaciones y Estudios Turísticos. pp. 776-79138. UNWTO. Red de Gastronomía de la OMT: Plan de Acción 2016/2017. Madrid, 2016, p. 15. Disponível em: http://cf.cdn.unwto.org/sites/all/files/pdf/gastronomy_action_plan_print_2_es_web_0.pdf.39. COELHO-COSTA, E. R. C.; SANTOS, M. S. F. Considerações sobre cozinha patri-monial e turismo. Resgate, Campinas, v.23, n. 30, p. 5-15, jul./dez., 2015, p. 06.40. IDEM NOTA 39, apud PÉREZ SAN VICENTE, G. “Reflexiones y una teoría sobre la gastronomía mexicana, en Patrimonio cultural y turismo”. Cuadernos

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Além disso, uma cozinha regional é fruto do espaço específico e dos produtos e insumos disponíveis em determinado território. O patri-mônio gastronômico é construído em torno de uma alimentação que transborda em uma for-ma de comunicação, como linguagem. Mais do que a culinária, trata-se de um veículo cultural que possibilita conhecer um grupo, um lugar, um modo de vida41 .

É o pastel de farinha de milho que representa Apiaí no Roteiro do Milho, mas a cidade oferece outros produtos à base de milho como a fari-nha de milho orgânica e o encapotado. O rojão é uma iguaria criada por famílias de Ribeirão Grande e que se tornou recentemente patrimô-nio cultural imaterial do município. Feito com carne de porco macerada no pilão com fari-nha de milho, todo mundo aprecia o Rojão do Balaio, que é servido em casamentos, celebra-ções, churrascos, encontros de amigos e agora também está disponível para turistas no restau-rante do Parque Estadual Intervales.

del Congreso sobre Patrimonio Gastronómico y Turismo Cultural en América Latina y el Caribe. Memorias. Tomo i. México: Conaculta, 2002, p. 82.41. IDEM NOTA 39.

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o Alimento dA fé

A população do Sudoeste Paulista, mesmo re-sidindo em áreas urbanas, valoriza as tradições do modo de vida rural, a comunhão com os ir-mãos, as festas, os puxirões, a fé. Nos ciclos do ano se celebram os festejos religiosos. Durante a semana santa, pode-se sentir o cheiro dos bis-coitos de polvilho com farinha de milho assados na folha de bananeira pelas ruas de Ribeirão Grande.

As relações com o território compreendem também os caminhos, as trajetórias, os percursos trilhados pelos seus habitantes, que vivenciam memórias e criam novos significados para eles. É a partir de processos assim que alguns caminhos são utilizados como roteiros de caminhadas e cavalgadas de cunho religioso ou ainda para o aproveitamento turístico.

Assim, a religião se expressa em romarias, ca-minhadas e cavalgadas. A peregrinação de ha-bitantes dos municípios do Roteiro do Milho até Iguape é uma forte tradição, não apenas por causa da fé, senão pelo próprio movimento de “sair, desestressar, ficar uma semana fora de

casa. Dá uma revitalizada!” (M.R., 2014, Ribeirão Grande).

São dois os pratos mais típicos das caminha-das: as paçocas e o virado de frango, ambos fei-tos com farinha de milho. O virado de frango é o prato típico da saída dos romeiros para a cami-nhada da fé e a paçoca acompanha os dias de caminhada.

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Dentro do Roteiro do Milho existem dois cen-tros de peregrinação emergentes: o Santuário da Nossa Senhora D Ajuda, no bairro Capela do Alto, em Guapiara e a Basílica de São Miguel Arcanjo, no município de São Miguel Arcanjo. Em dias de celebrações, ambos aglutinam mais de cinco mil peregrinos que vêm de longe ou de cidades vizi-nhas para visitação.

Encontramos, portanto, um território onde os moradores revivem e revisitam práticas antigas e tradições em seu modo de vida atual. A gastro-nomia mistura religiosidade, tropeirismo, agri-cultura, cultura, mercado.

Peregrinação até o Santuário de Nossa Senhora da Ajuda em Guapiara, 2017

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permAnênCiAs

O roteiro gastronômico do milho traz a possi-bilidade de criar uma narrativa de práticas cultu-rais ligadas a modos de vida e à gastronomia, de forma a proporcionar ao turista uma experiência sobre as formas de produção e de vida que ain-da hoje resistem e são praticadas até mesmo no meio urbano dessa região. Mais do que atrações para distrair os turistas nos intervalos das visitas ao rico patrimônio natural da região – são qua-tro parques estaduais – o Roteiro do Milho colo-ca em destaque o rico patrimônio gastronômico e cultural dessa região, com suas histórias, uten-sílios, sabores, sentidos e modos de fazer ainda vivos e presentes no dia a dia das comunidades. No Mercado Municipal de Itapeva, é possível sa-borear um bolinho de frango ouvindo uma boa história ou ainda comprar farinha de milho fei-ta nos monjolos em um dos quiosques recém reformados.

Para além do sabor, há ainda o aspecto sub-jetivo da comida que emerge nos modos de preparo e de consumo, no encontro em torno da refeição, na troca de receitas que segue de

geração em geração, ganhando novos sentidos e significados. A cultura culinária em torno do milho no Sudoeste Paulista confirma um fenô-meno que acontece também em outras regiões do estado, onde resiste uma magia do milho e que envolve gerações de famílias em rituais em torno desse ingrediente e suas variedades, desde o plantio, até a colheita e a produção de alimentos42.

Em um cenário de distanciamento das fon-tes de alimento e até mesmo de sua prepara-ção diária, somos invadidos por uma sensação de estar à mercê da indústria alimentícia, cuja atuação, que perpassa desde a agricultura, pes-ca e criação de animais, longe de trazer segu-rança, têm colocado dúvida sobre a qualidade do que comemos e ansiedade na relação entre o homem e o alimento. O Roteiro do Milho que ora se apresenta pode ser um caminho, aqui no sentido literal, para conscientizar as pessoas sobre a origem dos alimentos, sobre o contex-to ambiental no qual eles são produzidos e en-corajar mais pessoas a usar a cozinha para sua

42. SOARES, Juliana M.M. Rota das raízes: gastronomia e cultura no estado de São Paulo. São Paulo, Buena Onda, 2018.

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finalidade original: além de nutrição, ser fonte de encontro e de alegria43.

A culinária do Sudoeste Paulista que o Roteiro do Milho ajuda a revelar possui ainda laços cul-turais com as tribos indígenas pré-coloniais, com os tropeiros que caminharam por aqueles terri-tórios que são hoje parte de uma rota turística de parques. Ele representa uma possibilidade de resgatar um sentimento de localidade e sazona-lidade dos alimentos, seus métodos de preparo que, em algumas receitas, exige grande núme-ro de pessoas e de tempo. Um tempo que vale a pena esperar, um encontro que a comida faz acontecer. Revela métodos menos voltados à massificação e à conveniência, enfatizando a biodiversidade e a preservação de espécies e va-riedades e de hábitos locais44. São sabores que resistem, a despeito da pressa e da pressão da tecnologia, do empacotamento e comodidades oferecidas pelo mundo contemporâneo.

43. FREEDMAN, Paul. Uma nova história da culinária. In FREEDMAN, Paul. A história do sabor. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009, p. 13-4.44. FREEDMAN, Paul. Uma nova história da culinária. In FREEDMAN, Paul. A história do sabor. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009, p. 13-4.

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CApítulo 6

Receitas com farinha de milho

A farinha de milho acompanha há séculos a vida do território paulista. Esse ingrediente com-põem o cardápio do cotidiano, da roça do dia a dia. No Sudoeste Paulista permanecem os mon-jolos e o processo de fabricação da farinha de milho artesanal, os pilões e as peneiras utilizadas nesse processo.

No infográfico é possível entender melhor esse processo.

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Bijú doCe

Receita fornecida por Lenice Leite dias de Oliveira (Dona Lenice), Ribeirão Branco – SP

Dona Lenice é natural de Nova Campina. Vive em Ribeirão Branco desde que se casou, há 47 anos. Aprendeu a fazer a farinha de milho com sua sogra e continua na atividade até hoje. Conforme seu relato, a tradição familiar já ultra-passa 100 anos.

O Sudoeste Paulista ainda abriga monjolos e muitas fábricas de farinha de milho ativas. Nesses locais, na quentura dos fornos ao aquecer o fubá, faz-se o bijú. No processo de fazer a farinha no ta-cho de ferro ou no “forno de pedra abaulada”, ao espalhar o fubá formava-se uma massa fina e arre-dondada, chamada de bijú. Sobre o bijú se espa-lha um pouquinho de açúcar ou melado de cana, para ser servido enroladinho, no formato de uma panqueca. O costume é comer acompanhado de café. Dona Teresa ainda tem um monjolo ativo na sua casa, na estrada do bairro Capela do Alto, em Guapiara. Dona Lenice, Dona Maria Dorico e Dona Berma conservam seus monjolos no bairro

dos Boava, em Ribeirão Branco. Algumas delas vendem essa farinha artesanal no Mercado do Produtor Rural de Itapeva.

Dona Lenice flocando o biju na sururuca. Ribeirão Branco, 2019

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enCApotAdo ou Bolinho de frAngo

O encapotado ou bolinho de frango está pre-sente na grande maioria dos municípios do Sudoeste Paulista. A história contada é que esse quitute leva esse nome em homenagem aos ca-potes usados pelos tropeiros para se protegerem do frio. Nessa receita pedaços de frango são “en-capotados” em uma bela camada de massa de farinha de milho.

Não se sabe ao certo a origem dessa receita, porém existe um registro publicado em 1985, no jornal O Estado de S. Paulo. Segundo essa fonte, desde 1905, no caminho entre Capão Bonito e Itapetininga, em um distrito chama-do Gramadinho, a família de Antônia Deoclécia Freitas tinha um pequeno negócio de secos e molhados onde preparavam esses bolinhos para vender aos viajantes que conduziam tro-pas de muares (burros) oriundos do Rio Grande do Sul, rumo a Sorocaba e São Paulo. O bolinho era feito com a farinha de milho que eles mes-mo produziam no monjolo da família e frito no fogão a lenha. A importância do bolinho para essa localidade é tão grande que o município

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de Itapetininga declarou o bolinho de frango como patrimônio cultural sob a Lei no. 4982, de 3 de outubro de 2005.

O encapotado tem formato irregular, cuja massa de farinha de milho é moldada ao pe-daço de frango. Essa receita sofreu algumas al-terações no modo de preparo. Pode-se encon-trar pedaços de frango desossados envoltos em uma massa de farinha de milho moldada em uma concha ou colher, dando um aspecto mais arredondado ao prato, ou ainda desfiar o fran-go e usar como recheio da massa de farinha de milho, dando um formato mais alongado a esse bolinho. Essa última opção é a mais servida nas padarias e bares do Sudoeste Paulista. É tam-bém o carro chefe das quermesses e festas reli-giosas em todas as épocas do ano.

O ingrediente básico da massa desse bolinho é a farinha de milho. Receitas mais antigas somam à farinha o polvilho e temperos. Mais recente-mente acrescentou-se batatas cozidas à massa. Nas entrevistas realizadas com as bolinheiras tra-dicionais de Capão Bonito, Dona Rosalina, cola-boradora do projeto, coletou receitas nas igrejas de São Francisco de Assis, São João Batista, São

Paulo Apostolo, Igreja Matriz N. Sra. Conceição, Bom Jesus, Santo Antônio e São Judas. Nessas re-ceitas a massa do bolinho leva três ingredientes básicos: farinha de milho, polvilho e batatas cozi-das. Em algumas, misturam-se os três ingredien-tes, em outras, apenas a farinha de milho com o polvilho ou apenas a farinha de milho com a batata cozida. Como tempero todas indicaram o cheiro verde. A curiosidade é que na região o cheiro verde é sinônimo de cebolinha. Não se usa comer salsinha por aqui.

No trajeto de Itapetininga a Capão Bonito, existem vários pontos de parada e quiosques que vendem o bolinho de frango. Alguns deles oferecem o bolinho de frango tradicional, ou-tros inovam no jeito de fazer e acrescentam ou-tros ingredientes à massa, como o cará. Em São Miguel, o bolinho é acompanhado de diferentes tipos de molhos.

O bolinho é também uma marca de várias ações comunitárias da região. As comunida-des e as paróquias se reúnem para angariar doações de ingredientes, reunindo voluntá-rios para preparar os bolinhos. Eles se empe-nham em ajudar nas vendas dos bolinhos nas

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quermesses para levantar fundos para a cons-trução das igrejas, escolas, ou ainda para aju-dar pessoas enfermas.

São várias as histórias de gente que precisa an-gariar recursos para viagens de saúde e que re-cebe doações de ingredientes para preparar os bolinhos e os vende para levantar recursos para pagar o tratamento.

Cada município do Roteiro do Milho abriga um bar tradicional com muita história para con-tar, onde esse bolinho é feito há décadas, com receitas mais variadas, adquirindo particularida-des e requintes, segredinhos passados de gera-ção a geração.

As variantes dessa receita podem ser acessa-das diretamente neste link em um livro com as receitas de bolinho de frango que participaram do Festival do Bolinho de Frango, em São Miguel Arcanjo, iniciativa que teve a participação de empreendimentos dos municípios do Roteiro do Milho.

Um grupo de alunos da FATEC de Itapetininga realizou um trabalho de mapeamento dos pon-tos de venda do bolinho de frango dessa cida-de, produzindo informações sobre o quitute que

podem ser acessadas no link http://mh.itapeti-ninga.com.br/qrcode/ebolinho/ ou via QR Code em alguns estabelecimentos nesse município.

Optamos por apresentar a receita que Dona Celina usa para preparar seus bolinhos de fran-go na sua cantina, no Mercado do Produtor Rural em Itapeva. Essa receita possui apenas pequenas variações nas quantidades quando comparada à receita de Antonia Deoclécia de Freitas, do bairro Gramadinho, Itapetininga/SP, que está publicada no jornal O Estado de S. Paulo, edição do dia 27 de novembro de 1985.

Ingredientes• 2kg de peito de frango• 1KG de farinha de milho • 150gm de polvilho azedo • 1 ovo inteiro• 3 litros de caldo onde cozinhou o frango • Cheiro verde (cebolinha), salsa, manjerona e alfava-

ca a vontade • 1 cebola• Sal a gosto• Gordura ou óleo vegetal de boa qualidade

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Modo de preparoColoque o frango para cozinhar em água com a cebola. Após o cozimento, desfie o peito de fran-go, refogue e tempere com cheiro verde e reser-ve. Utilize o caldo do cozimento para preparar a massa. Em uma vasilha grande colocar a farinha de milho, o polvilho, e os temperos e misturar bem. Despejar o caldo ainda quente sobre essa mistura e mexer bem. Deixa amornar. Acrescen-te o ovo batido e amasse bem até a massa ficar lisinha e desgrudar das mãos. Com uma escuma-deira, pegue um pouco de massa e recheie com o frango desfiado, cobrindo-o totalmente de massa com a ajuda de uma colher, formando os bolinhos. Coloque-os para fritar em óleo quente. Não coloque muitos pedaços para fritar ao mes-mo tempo porque eles podem “grudar”. Quando os bolinhos começarem a dourar, retirar do óleo quente, e servir.

Dona Celina apresentando o bolinho de frango. Itapeva, 2019

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os virAdos

Os virados são os pratos mais conhecidos de São Paulo. Não é à toa que o virado à pau-lista foi reconhecido como patrimônio imate-rial do Estado de São Paulo pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Governo do Estado de São Paulo45. Mas esse é apenas um tipo de virado dentre as inúmeras variações da receita. Toninho Macedo, no livro “Mesa pau-lista tradicional”, em suas vindas para Ribeirão Grande, adotou a definição de virado que lhe foi oferecida por Dito Inês, filho de Dona Inês, de Ribeirão Grande: “virado é quarqué comida cardenta, bem temperadinha mexida no fogo com farinha de mio”46.

Por aqui ainda se come muito virado, é o prato do dia a dia da roça. E a farinha de milho é usa-da para engrossar qualquer caldo e dar sustância à lida. Virado de manhã e de tarde. Roça não tem café da manhã e almoço como hoje em dia. Mas

45. Fonte: http://www.cultura.sp.gov.br/virado-paulista-e-reconhecido-co-mo-patrimonio-imaterial-do-estado-de-sao-paulo/46. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 295

aqui tem viradinho de queijo, de ovo, de milho verde, de feijão, de frango, entre tantos outros.

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virAdinho de BAnAnA

Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP

Nascida em Capão Bonito, sua família paterna é de Ribeirão Grande e a materna é de Guapiara. Aprendeu as receitas com seus avós, que sempre mantiveram os modos tradicionais da alimenta-ção local. Cresceu com a avó materna reunindo a família para fazer os pratos tradicionais à base de milho verde, como mingau, pamonha. Sônia se lembra de comer viradinhos desde criança, usan-do os produtos da terra junto com a farinha.

A receita pode ter a variação doce ou salgada.

Variação salgada• 3 bananas• 1 pitada de sal• 1 colher de óleo• 1 ½ xícara de farinha de milho

Modo de preparo

Em uma panela aqueça o óleo e coloque as bananas bem picadinhas. Acrescente a pitada de sal e deixe as bananas ficaram um pouco derre-tidas, em seguida acrescente a farinha de milho e mexa até a farinha se misturar com a banana. Está pronto para servir.

Variação doce• 3 bananas • 4 colheres de açúcar (mascavo, demerara)• 1 colher de óleo• 1 ½ xícara de farinha de milho

Modo de preparoEm uma panela aqueça o óleo e coloque as

bananas bem picadinhas. Acrescente o açúcar e mexa até ela derreter, em seguida acrescente a farinha de milho e mexa. Está pronto o viradinho.

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virAdinho de milho verde

Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP

Ingredientes• 3 espigas de milho verde• 1 pitada de sal• 1 colher de óleo• 1 maço de cheiro verde• 1 cebola média• 3 dentes de alho• ½ xícara de água• 1 ½ xícara de farinha de milho

Modo de preparo

Em uma panela aqueça o óleo, frite a cebola com o alho e acrescente o milho cortadinho da espiga. Refogue, acrescente meia xícara de água e continue refogando até o milho ficar macio e cozido. Em seguida acrescente a farinha de milho e o cheiro verde bem picadinho.

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virAdinho de ovo

Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP

Ingredientes• 2 ovos• 1 colher de óleo• 1 pitada de sal• 1 xícara de farinha de milho

Modo de preparo

Em uma panela coloque o óleo, acrescente os dois ovos e mexa até a gema começar a ficar co-zida, de dois a três minutos. Acrescente a farinha de milho e mexa até misturar bem a farinha com o ovo.

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virAdinho de queijo fresCo

Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP

Ingredientes• 1 xícara de queijo fresco picada em cubinhos• 1 colher de óleo• 1 xícara de farinha de milho• 1 pitada de sal (opcional)

Modo de preparo

Em uma panela aqueça o óleo, coloque os cubi-nhos de queijo fresco e vá mexendo até eles co-meçarem a derreter. Em seguida, quando começar a derreter, acrescente a farinha de milho e mexa vigorosamente, unindo os ingredientes. Se neces-sário acrescente uma pitada de sal.

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virAdo de feijão

Receita fornecida por Veronica Volpato Citadini, Capão Bonito/SP

Ingredientes• 1 kg feijão cozido• Farinha de milho a gosto• 4 ovos • Óleo• Alho• Cebola• Salsinha e cebolinha a gosto

Modo de preparo

O virado é feito com o feijão já cozido. Em uma panela refogue o alho e cebola, frite bem. Acrescente os 4 ovos, faça um “mexidinho”. Acrescente salsinha e cebolinha a gosto e volte a mexer. Acrescente o feijão e deixe ferver. Após ferver, vá aos poucos acrescentando a farinha de milho e mexendo, até chegar no ponto. O ponto é a gosto, ou mais seco ou mais úmido. Portanto a quantidade de farinha é a gosto.

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virAdo de frAngo Com melAnCiA

Receita fornecida por Ione Pereira Manfrim, Guapiara/SP

O virado de frango é o prato típico da saída dos romeiros para a caminhada da fé. Na região Sudoeste Paulista muitos municípios anual-mente reúnem fieis para realizar a romaria até o Santuário de Iguape. Os romeiros passam pela Estrada Parque no Parque Estadual de Carlos Botelho. São cinco dias de caminhada. Para o primeiro dia de caminhada costumam levar o virado de frango (mais perecível) e nos dias se-guintes se alimentam de paçoca e frutas. É um resgate das viagens tropeiras que aconteciam na região.

O virado pode ser servido com melancia ou jabuticaba para abrandar a secura da lida e da roça. Quando os agricultores preparavam algum virado para comer na roça, o virado ia adquirin-do uma secura da farinha, que era compensada com um rico caldo das frutas que encontravam disponíveis nos campos. Ione nos apresentando o virado de frango com melancia. Guapiara, 2018

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Ingredientes para o virado

• 1 quilo de coxa e sobrecoxa de frango (desossar as partes do frango, separar os ossos e reservar para se-rem utilizados no caldo)

• 2 batatas médias• 100 gramas de farinha de milho• 2 cabeças de alho • Água• Sal• Cheiro verde (cebolinha), salsinha e manjerona a

gosto

Ingredientes para o preparo do caldo de frango• Ossos de frango• 1 litro de água• 1 cebola picada• 1 cenoura• 1 tomate• Manjerona a gosto

Modo de preparo Desosse as partes do frango, separe os ossos,

tempere com duas cabeças de alho triturado, co-zinhe por 1 hora, peneire e reserve o caldo.

Corte duas batatas médias em cubos e cozinhe com água e sal até ficar ao dente. Escorra e reser-ve. Frite os pedaços de frango em uma panela sem deixar desmanchar. Retire o excesso de óleo. Acrescente o caldo peneirado e as batatas e coloque para aquecer. Acrescente farinha de milho, cheiro verde (cebolinha), salsinha e manjerona e mexer aos poucos até engrossar um pouco. Desligue o fogo e deixe descansar por 5 minutos até engrossar mais um pouco. Sirva com pedaços de melancia.

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As pAçoCAs

Prato típico tropeiro, das caminhadas, das lon-gas viagens.

pAçoCA de CArne

Receita fornecida por Luiz Antônio Taquara, Ribeirão Grande/SP

O senhor Luiz Antônio Taquara é natural de Ribeirão Grande, bairro da Lagoa. Aprendeu a re-ceita das paçocas com sua mãe; e ela, com sua avó. Nas palavras do sr. Luiz, a paçoca era feita “quando reunia a família. Eles gostavam de fa-zer para todos ficarem juntos. E quando eles iam viajar eles sempre faziam bastante pra levar na viagem. Levavam muito pra [romaria] Iguape... Dificilmente a pessoa que ia desse lado que não levava a paçoca”.

A paçoca é o prato da viagem.... Ainda hoje os romeiros se reúnem antes do início da cami-nhada para pilar a paçoca. Se bem armazena-da, esse prato dura oito dias sem refrigeração.

Sr. Luiz Antônio Taquara preparando a paçoca de carne no pilão. Ribeirão Grande, 2019

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As paçocas são feitas no pilão. O ritual de so-car o pilão envolve um ritmo, um movimento. O costume é socar em duas pessoas, alternando a mão de pilão (socador).

A paçoca se come acompanhada de frutas. O senhor Luiz nos contou que durante a viagem a Iguape: “...A pessoa tirava um prato cada um né, aí pegava a banana separado ou a melancia e co-mia junto, era o costume... Tinha laranja na cuia também né, cortava ‘pô’ meio e com uma colher, ia raspando o meio da laranja, tomando o caldo como em uma cuia. O virado de frango sempre ia junto também. Virado de frango é muito bom, né!” Preparava-se o viradinho de frango para o primeiro dia de viagem e depois a paçoca, para os dias seguintes.

Ingredientes• 1 quilo de acém• 1 quilo de pernil de porco• 1 ½ quilo de farinha de milho• Sal a gosto• Alho a gosto• Cebola a gosto

Opcional: cheiro verde (cebolinha) a gosto Dona Pedra ensinando como comer laranja na cuia. Ribeirão Grande, 2019

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Modo de preparo

Corte a carne em cubos pequenos. Coloque a carne para fritar em um fio de óleo com alho, ce-bola e sal até formar um tom escuro no fundo da panela, vá acrescentando água aos poucos, refo-gue, até ficar macia e bem dourada. Após esse processo, coloque no pilão um pouco de farinha de milho e alguns pedaços de carne já refoga-dos e comece a pilar. Vá aos poucos juntando a farinha e a carne e socando no pilão. Pare de vez em quando e revolva o fundo do pilão com uma colher. Acrescente um pouco da gordura da fritura até dar o ponto. A paçoca pode ficar com a carne mais pilada ou em pedaços maiores. Dependendo da maciez da carne, o processo de pilar leva de 20 a 30 minutos até a paçoca ficar pronta.

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pAçoCA de Amendoim (servir Com BAnAnA)

Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP

Ingredientes• ½ quilo de amendoim• 1 quilo de farinha de milho• 1 colher de sal• Açúcar a gosto

Modo de preparoTorre o amendoim no forno mexendo de vez

em quando por aproximadamente 40 minutos ou até ele ficar torrado. Passe o amendoim em uma peneira para tirar toda a casca. No pilão acrescente um pouco de farinha, amendoim, sal e açúcar. Comece a socar. Pare de vez em quan-do, revolva o fundo do pilão com uma colher. Vá aos poucos, acrescentando o restante dos ingre-dientes, socando e mexendo com a colher e até ficar totalmente misturado e soltinho.

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CABeçA de porCo moqueAdA

Receita fornecida por Pedra Joana Manoel, Ribeirão Grande/SP

Dona Pedra é natural de Ribeirão Grande. Aprendeu essa receita com sua mãe e seu pai, que também eram naturais dessas terras. Nos contou que morou a vida inteira no mesmo quintal em que nos recebeu. Na infância mora-va em uma casa de barro com sua mãe onde “criava porco no quintal. Essa era a comida que fazia mais no tempo antigo. Matava porco, então o primeiro almoço era a cabeça. Porque a gente não tinha geladeira na época, então essas carnes com osso a gente fazia primeiro. Porque as outras carnes ficavam armazenadas na gordura e dei-xava lá numa lata pra ir esquentando”. As partes mais difíceis de conservar eram preparadas no primeiro dia. Se cozinhava a cabeça por inteiro, em um panelão, e acrescentava a farinha de mi-lho “pra dar pra todo mundo”.

Dona Pedra acrescentando a couve no preparo da cabeça de porco moqueada. Ribeirão Grande, 2019

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Ingredientes:

• 1 cabeça de porco• Alho• Sal e pimenta do reino a gosto• Couve• Água• Óleo• Farinha de milho

Modo de preparoLave bem a cabeça de porco na água quente.

Depois que estiver limpa, tempere com alho, sal e pi-menta do reino a gosto. Coloque para fritar no óleo. Quando ficar douradinha, escorra o óleo e acres-cente a água e deixe cozinhar até soltar os ossos. Rasgue as folhas de couve e coloque para cozinhar junto com a cabeça de porco. Cozinhe por mais 15 minutos e está pronta. A farinha de milho pode ser acrescentada no prato como acompanhamento. A carne que vai se desgrudando dos ossos da cabe-ça é servida desfiada no prato. Pode-se optar por servi-la com o “corinho” ou sem. O miolo da cabeça (cérebro) é cozido junto com a cabeça e pode ser servido junto com o prato. Segundo a Dona Pedra, tem gente que gosta, ainda come.

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rojão

Receita fornecida por João Claudio Ferreira (Balaio), Ribeirão Grande/SP

Conta-se que entre as famílias Silvério e Ferreira, há aproximadamente 150 anos, foi cria-do o rojão, prato típico da culinária de Ribeirão Grande. A receita era um prato produzido em ocasiões especiais, como em casamentos, pás-coa, natal, e passou a ser consumido também nas festas juninas de Santo Antônio, São João e São Pedro.

O senhor João Claudio Ferreira (o “Balaio”, como é conhecido), um entusiasta da culinária local, tornou o Rojão conhecido em muitos re-cônditos de São Paulo e Brasil. A família Balaio teve a iniciativa de transformar esse prato em produto comercial gerando emprego e renda, mantendo viva a tradição de produzir rojão, dando grande destaque à gastronomia do mu-nicípio por todo Estado.

O sucesso comercial teve início na década de 1980 no “Revelando São Paulo”, uma feira de ar-tesanato, comidas típicas, danças e atividades Claudio Balaio servindo o rojão. Ribeirão Grande, 2019

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culturais, organizada pela Secretaria de Turismo do Governo do Estado de São Paulo. Desde en-tão esse produto começou a fazer parte de várias festas nos municípios do estado sendo um dos principais atrativos gastronômicos.

Balaio possui um açougue onde produz igua-rias locais, entre elas a costelinha de porco defu-mada, a paçoca de carne e o rojão. O açougue do Balaio é conhecido como o principal ponto de venda do rojão e detentor da marca “Rojão, uma explosão que é um estouro...”

Cláudio Balaio nos contou que a tradição do rojão começou com seu bisavô há mais de 150 anos. “O espeto de rojão começou com meu bi-savô. Depois meu avô continuou até passar para o meu pai e desde quando eu e meu irmão éra-mos crianças, ele nos ensinou a montagem da receita”.

João Cláudio Ferreira, o Balaio, com 11 anos, de pé, atrás do fogão de lenha em que seu avô, Joaquim Silvério Ferreira, segura um ro-jão. Como era característico da época, o rojão é assado em braseiro no chão”. 47

Essa iguaria é feita à base de carne suína soca-da em um pilão com farinha de milho e outros ingredientes. Segundo Claudio Balaio, a farinha de milho é um dos principais ingredientes da receita. Essa massa é amarrada a uma haste de madeira, em um formato parecido com o de um cilindro de fogos de artifício, o que fez com que o nome se popularizasse. Antigamente se usava

47 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Antepassados_familia_Ferreira.jpg

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a madeira da capororoca e a massa era amarra-da com fios de taboa. Atualmente o rojão é fei-to em cabos de madeira de eucalipto amarrado com barbante de algodão e assado em braseiro feito no chão.

Em 25 de junho de 2019, Ribeirão Grande re-conheceu o modo de saber fazer o rojão como patrimônio cultural imaterial, pois a tradição de reunir a família para produzir o rojão está pre-sente em muitos lares e continua sendo passa-da para as gerações mais novas.

IngredientesPara 10 unidades• 5kg de pernil ou lombo moídos• 20g de sal• 80 a 150g de farinha de milho • 3 ovos inteiros• 3 colheres de sopa de vinagre ou limão • Cheiro-verde (cebolinha) e salsinha picadinhos• Cebola• Alho picadinho• 10 espetos de eucalipto• 2 metros de barbante para amarrar

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Modo de preparo

Junte os pedaços de carne crua de pernil com farinha de milho no pilão e soque até ficar bem triturada. Retire do pilão, despeje em uma vasilha e junte os demais ingredientes. Misture até ficar uma massa uniforme. Deixe descansar na geladei-ra por duas horas. Com a massa descansada, for-me bolas com mais ou menos meio quilo. Abra as bolas nos espetos de eucalipto e molde até formar um rolo. Em seguida enrole o barbante na carne.

Para assar

Com o braseiro no ponto (fogo nem alto, nem fraco), comece a assar na parte mais baixa até co-meçar a dourar. Transfira os rojões para uma gre-lha mais alta para que possa assar por dentro e por igual. Por fim, volte o rojão em uma grelha mais próxima ao braseiro para dourar.

Claudio Balaio preparando o rojão. Ribeirão Grande, 2019

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quirerA Com CostelinhA de porCo

Receita fornecida por Claudio Balaio e Sonia Araújo, Ribeirão Grande - SP

Essa receita possui várias fontes. Foi adap-tada a partir da receita registrada por Toninho Macedo, mas também recebeu dicas importan-tes tanto do Balaio quanto da Sonia, voluntários nas festas de milho verde da região. Conforme explica Macedo, a quirera é a forma plural da pa-lavra qui, que significa restos, cascas, resíduos, o farelo. “São as sobras do milho pilado, depois de fermentado, para a produção da farinha de milho48.

Ingredientes• 300 gramas de quirera • 1 quilo de costelinha de porco • Cheiro verde (cebolinha)• Tempero a gosto

48. MACEDO, Toninho. Mesa Paulista Tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016.

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Modo de preparo

No dia anterior ao preparo da receita, deixe a quirera de molho em água. Vá retirando os ciscos de milho que subirem à superfície. No dia seguin-te, cozinhe a costelinha de porco em água por 40 minutos. Em seguida, escorra a água da quirera e acrescente a quirera ao caldo onde está cozi-nhando a costelinha, o cheiro verde (cebolinha) e tempere a gosto. Existem muitas variações da re-ceita: substituir a costelinha por frango, linguiça, cambuquira, abobrinha, entre outros.

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CutiA de Couve

Receita fornecida por Luiza Silvério Ferreira, Ribeirão Grande/SP

Dona Luiza nasceu e se criou em Ribeirão Grande. Seu bisavô, Francisco Nunes, era colono que veio de Portugal. Sua avó, Gertrudes Felícia do Espirito Santo, nascida em Portugal, era devota de Santa Gertrudes, a padroeira atual do bairro Ferreira dos Matos. “Minha mãe contava que o meu bisavô teve filhos com uma índia (naquele tempo eles falavam bugre), então eu tenho um pouco de sangue de índio também... Então eles faziam muito essas comidas, que os índios plantavam milho né, então eles vieram de lá e aprenderam a cozinhar o milho e a usar o mi-lho, faziam farinha de milho”.

Dona Luiza, juntamente com seu esposo, co-zinhou por 22 anos (1972 a 1998) em seu restau-rante, o Bar Soares, em Ribeirão Grande. Serviam comida cabocla, “leitoa no espeto à pururuca, chur-rasco, carneiro a caçadora, cabrito, virado de feijão Dona Luisa preparando a cotia de couve. Ribeirão Grande, 2019

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com couve refogada, frango ao molho pardo, ga-linha caipira com arroz, arroz com suã. Tinha gen-te que gostava de comer aquele mingau de cará”. Dona Luiza descreveu todo processo de produ-ção da farinha de milho no monjolo enquanto preparava algumas de suas deliciosas receitas.

Ingredientes• 12 folhas de couve• 1 kg de batata• 1 litro de água• 3 ovos inteiros• Sal a gosto• Cebola, alho e cheiro verde (cebolinha) para temperar.

Modo de preparoRasgue as folhas de couve em pedaços peque-

nos e reserve. Descasque as batatas e pique em pedaços pequenos. Frite a cebola e o alho até dourar, acrescente a água, o sal e as batatas e dei-xe cozinhar até dar o ponto. Quando as batatas es-tiverem moles, em fogo baixo, acrescente o cheiro verde, a couve e os ovos. Mexa delicadamente para não desmanchar. Deixe ferver um pouco e desli-gue. Este prato é servido com farinha de milho e

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torresmo para acompanhar.

mingAu de Alho

Receita fornecida por Luiza Silvério Ferreira, Ribeirão Grande/SP

Ideal para noites geladas, para gente com gri-pe, precisando se recuperar.

Ingredientes• 5 dentes de alho grandes picados• 1 litro de água morna• 3 ovos inteiros• Sal a gosto

Modo de preparoFrite o alho na banha de porco até dourar.

Acrescente a água morna e os ovos, mexa delica-damente para não desmanchar. Quando as claras começarem a talhar acrescente a farinha, mexen-do sempre (a água não pode ferver para não em-pelotar a farinha, caso aconteça equilibrar com água fria). Após acrescentar a farinha, continue

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mexendo até dar a consistência de mingau.

Bolo de milho sAlgAdo

Receita fornecida por Sônia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP

Ingredientes• 3 ovos• 1 xícara de água• 3 xícaras de fubá• 1 xícara de farinha de trigo• 1 xícara de óleo• 1 colher de sal• 1 colher de açúcar

Sonia Araujo nos apresentando o bolo salgado de farinha de milho. Ribeirão Grande, 2018

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• 1 colher de sopa de fermento• Queijo branco em cubinhos

Modo de preparoPrimeiro misture bem todos os ingredientes

secos (fubá, farinha de trigo, sal e fermento). Em seguida, acrescente os ovos e o óleo. Misture bem até incorporar a massa e aos poucos acrescente a água (a quantidade de água vai depender da umidade da farinha, o ponto é uma massa pe-sada e encorpada). Unte a assadeira, coloque a massa e depois acrescente os cubinhos de queijo branco. Asse por 40 minutos ou até ficar dourado. Para quem tiver vontade, esse bolo pode ser as-sado no modo tradicional, com a brasa em cima. Cubra a assadeira com uma folha de alumínio e mantenha a brasa acessa quente por 40 minutos. O sabor fica diferente.

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Bolo doCe de fArinhA de milho

Receita fornecida por Sudenir de Araújo e Maurício Stellmach, Ribeirão Grande/SP

Esse bolo doce é bem conhecido na região. A receita aparece em algumas embalagens dos sacos de farinha de milho produzidos localmen-te como sugestão de preparo. Duas pessoas nos apresentaram esse bolo durante nosso mapea-mento, com algumas variações nas quantidades dos ingredientes.

Sudenir de Araújo, mais conhecida como Susi, é nascida em Bernardino de Campos e mora em Ribeirão Grande há cinco anos. Desde criança tem uma tradição de comer farinha de milho... “Minha família é muito descendente de ‘bugre’, né? E aque-la região era uma região de índios. Hoje em dia a turma come sucrilhos, né? Mas a nossa tradição era farinha com leite”. A receita bolo de farinha de Suzy apresentando o bolo doce de farinha de milho. Ribeirão Grande, 2018

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milho doce com coco é a que ela mais vende no seu estabelecimento comercial. Aprendeu a recei-ta nas embalagens de farinha de milho na região. Já o Mauricio Stellmach cozinha para as crianças nas escolas de Apiaí. Nos preparou esse bolo e ser-viu quentinho enquanto aprendíamos a receita do pastel de milho. Segundo ele, as crianças adoram!

Ingredientes (de acordo com Sudenir de Araújo(Ribeirão Grande/SP)• 6 ovos• 3 xícaras de leite• 1 xícara de óleo• 3 xícaras de açúcar• 3 xícaras de chá de farinha de milho• 100 g de coco ralado• 1 colher de fermento

Ingredientes (de acordo com Maurício Stellmach(Apiaí/SP)• 2 ovos• 2 copos de leite• ½ copo de óleo• 1½ copo de açúcar• 2 copos de requeijão de farinha de milho

• 1 pacote de queijo ralado (50g)• 100g de coco ralado• 1 colher de fermento Modo de preparo

Bata no liquidificador todos os ingredientes, menos o coco e o queijo ralado (opcional), até fi-car homogêneo. Tire do liquidificador e coloque numa vasilha. Acrescente o coco ralado e o queijo

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ralado (opcional), mexa e coloque para assar por 40 minutos.

pAstel de fArinhA de milho

Receita fornecida por Maurício Stellmach e Roseli Mendes de Lima, Apiaí/SP

Devido a esse quitute ter um formato de meia lua e ser chamado de pastel, acredita-se que a ori-gem da receita é portuguesa. Seus ingredientes, porém, são típicos das terras brasileiras, influen-ciado pelo que havia de mais disponível nos tem-pos coloniais: milho e mandioca, produtos agríco-las de grande importância no Sudoeste Paulista. O pastel de farinha de milho também é muito conhecido em Pouso Alegre, região sul de Minas Gerais. Segundo Dória e Bastos, o que acontece com o pastel de milho também ocorre com mui-tos pratos que compõem a cozinha caipira e que são mais conhecidos como parte da culinária mi-neira, fenômeno que eles chamam de “mineiriza-ção da cozinha caipira”. “No fim das contas, não existe diferença notável entre a cozinha mineira

Roseli nos servindo o pastel de milho de Apiaí. Apiaí, 2019

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e a tradicional paulista, a ponto de justificar uma classificação distinta. O que parece existir são ati-tudes diferentes dos mineiros e paulistas diante da culinária caipira”49. De acordo com esses autores, a partir dos anos 1970, o governo de Minas Gerais fez uma campanha oficial para projetar sobre a nação um conceito de ‘mineridade’, o que incluiu o elogio da cozinha caipira como se fosse patrimô-nio seu. Enquanto isso, em São Paulo, em especial a partir dos anos 1950, a cultura caipira passa a ser vista como majoritariamente como rural, em opo-sição ao dinamismo urbano que surgia e, portan-to, atrasada, em oposição à cultura moderna que se americanizava. Nesse processo, a cozinha cai-pira, é soterrada pela comida industrializada, pe-los hábitos dos imigrantes europeus e “pelo sole-ne desprezo que o Brasil moderno devota ao seu passado indígena”50.

O quitute ficou conhecido em Apiaí por causa da família Cordeiro. O bairro de Cordeirópolis re-cebeu esse nome em homenagem à família que o povoou. Foi lá onde se desenvolveu o segundo

49. DORIA, Carlos Alberto; BASTOS, Marcelo Corrêa. A culinária caipira da Paulistânia: a história e as receitas de um modo antigo de comer. São Paulo: Três Estrelas, 2018, p. 300.50. IDEM, p. 92.

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assentamento de Apiaí, local antes conhecido como “Vila Velha”. Dona Arlinda Cordeiro, já fale-cida, herdou a receita, e preparava esse pastel em muitas festas comunitárias locais. Mais recente-mente Apiaí formou um grupo de “culinaristas da cozinha regional” que promovem o pastel de milho em todas as festas gastronômicas e principalmen-te na tradicional Festa de Santo Antônio, padroeiro de Apiaí. O quitute caiu tanto no agrado popular que em 2007 o município reconheceu o pastel de farinha de milho como comida típica de Apiaí.

Ingredientes (massa) • 1 quilo de farinha de milho • 5 colheres de polvilho doce • 1 colher (sopa) rasa de sal • Água o suficiente para amassar (aproximadamente

3 litros) até a massa ficar boa

Ingredientes (recheio) • 1 quilo de carne moída ou frango • Cheiro verde (cebolinha) e sal a gosto • 3 cebolas • 1 cabeça de alho • 100 gramas de bacon

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• 4 dentes de alhos moídos • Pimenta a gosto • 2 litros de óleo de milho para fritura

Variações de recheio: frango desfiado, tomates temperados e palmito, queijo, ricota, broto de bambu etc. Observação: os recheados não po-dem ter molho porque a massa se desfaz.

Modo de preparo do recheio de carne Coloque a carne na panela. Refogue até enxugar a

água e a gordura. Quando estiver bem soltinha, des-ligue o fogo e acrescente a cebola, o alho bem pica-dinhos e os demais temperos.

Modo de preparo da massaEm uma tigela grande coloque a farinha de mi-

lho, o polvilho, o sal e demais temperos. Vá ume-decendo com água morna e amassando com as mãos. Sove bem a massa, deixe descansar por 30 minutos até ficar uniforme a ponto de ser molda-da com as mãos. Dica: molhe as mãos para mol-dar a massa pois ela resseca rapidamente. Faça bolas médias da massa na palma da mão e mol-de com a outra mão deixando em forma de con-cha (deixe a massa o mais fina possível). Coloque

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então o recheio, feche bem o pastel para colar bem a massa. Frite em óleo quente até ficar firme e enxuto.

BisCoito de polvilho nA folhA de BAnAneirA

Se você visitar o quintal das casas do bair-ro Ferreira do Matos, localizado entre Ribeirão Grande e Capão Bonito, vai ver que por ali mui-tas famílias possuem um forno de barro, com formato de um cupinzeiro, construído pelos próprios moradores. É nesse forno que se pre-param esses biscoitos.

O site “Mapa de Ribeirão Grande” apresenta uma entrevista com José Pedroso51, morador do bairro, que conta a forma como era feito o biscoito antigamente. Arrancavam a mandioca, tiravam a casca, lavavam e deixavam de molho para tirar o polvilho para fazer o biscoito e a goma usavam para fazer um doce muito gostoso, que também era servido nos casamentos. A produ-ção do biscoito é uma tradição muito respeitada.

51. https://mapaderibeiraograndesp.wordpress.com/2018/02/06/bairro- ferreira-dos-matos/

Dona Teresa preparando o biscoito de polvilho na folha de bananeiraRibeirão grande, 2019

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Antigamente ele era feito sempre na época da quaresma e semana santa. As preparações para a festa eram muito bonitas. Quem não fazia os biscoitos levava o pão. Algumas pessoas prepa-ravam café para levar e passavam a noite inteira se divertindo e comemorando. Somente depois que o galo cantava é que os biscoitos eram ser-vidos. A luz era só do lampião e da fogueira. Nos anos em que a semana santa chegava em maio, as noites eram mais frias e, quando amanhecia, estava tudo branco de geada.

Receita fornecida por Maria Tereza Ferreira, Bairro Ferreira dos Matos, Ribeirão Grande/SP

Natural de Ribeirão Grande, Tereza viveu a vida toda no bairro Ferreira do Matos. Trabalhou na roça, foi doméstica. Hoje é costureira e tem seu pequeno negócio em casa. Aprendeu a re-ceita do biscoito com sua mãe. Seu marido, José Luiz Ferreira, construiu a fornalha em sua casa. Ele aprendeu vendo sua mãe e o pessoal do bairro fazerem. Conhecido por sua habilidade na construção dos fornos, Luiz recebe muitas

Dona Tereza testando a temperatura do forno para colocação dos biscoitosRibeirão grande, 2019

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encomendas para construir fornalhas nas casas das famílias que querem preparar os biscoitos do modo tradicional.Ingredientes• 1 litro de farinha de milho• 1,5 kg de polvilho azedo• 2 ovos• 1,5 litro de água morna• 200ml de óleo• 1 colher de sal

Modo de preparoAqueça a fornalha com lenha por duas a três

horas antes de preparar a massa do biscoito. Para saber o ponto de quentura da fornalha, coloque uma folha de bananeira dentro da fornalha e ve-rifique se pega fogo. Prepare o biscoito no final desse período.

Para a massa, acrescente água ao polvilho para umedecer e reserve. Misture a farinha de milho com ovo e sal. Em seguida misture no polvilho. Acrescente o óleo. Deixe a massa fermentar por um período entre 40 minutos e uma hora. É ne-cessário retirar toda a brasa da fornalha antes de assar os biscoitos. Isso é feito com uma vassoura

de galhos e folhas verdes de uma planta conheci-da como vassoura (não é o sorgo vassoura). Após o forno estar limpo, pegue a massa e enrole em forma de biscoito em cima de folhas de bananei-ra. Coloque essa massa dentro da fornalha e ob-serve a temperatura e o crescimento da massa. Em cerca de 20 minutos o biscoito estará pronto para ser servido.

Para fazer a fornalha é preciso preparar uma base de pedra (mesa) chamada localmente de lastro. Em seguida é feita outra camada com ti-jolinho comum. Depois levanta-se a fornalha em círculo com tijolinho comum e barro (não usa ci-mento) até a altura da porta. Nessa altura come-çar a preparar o tampo da fornalha no formato de um cupinzeiro. Rebocar com uma massa gros-sa de barro vermelho por fora. Tem que aguardar por cerca de dois dias (dependendo do tempo) para secar. Depois de seco, fazer o reboco final só com areia umedecida e colocar o forno para aquecer com bastante lenha para queimar o for-no. Deixar no fogo baixo por umas quatro horas ou até queimar toda a lenha que foi para o forno. Para manutenção da fornalha é possível cobrir

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com areia umedecida todas as vezes que colocar a fornalha para aquecer. Isso ajuda a diminuir os trincos e rachaduras.

polentA

Receita fornecida por Veronica Citadini, Capão Bonito/SP

Dona Verônica Citadini é natural de Rio Claro, São Paulo. Veio morar em Guapiara acompanhan-do seu marido que trabalhava nas carvoarias da região. Descendente de italianos, ela nos prepa-rou uma bela polenta.

Ingredientes• 1 copo de fubá

• 2 copos de água• Manteiga• Sal

Modo de preparoEm uma panela coloque a manteiga, sal e a

água e deixe ferver. Quando a água estiver bem quente, molhe o fubá com água fria em outra vasilha e depois vá acrescentando aos poucos na panela de água fervente, mexendo para co-zinhar e não empelotar. Desligue quando a po-lenta estiver começando a queimar no fundo da panela. Para acompanhar a polenta, você pode acrescentar molho vermelho, carne de porco, ovos, entre outros.

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ConsiderAções finAis

Tive a oportunidade de conhecer o Roteiro do Milho in loco por meio do apoio que o projeto

recebeu do escritório de cooperação internacio-nal da Universidade de Girona. Para mim viajar ao Sudoeste Paulista foi um descobrimento. Apesar de estar próximo da Região Metropolitana de São Paulo, me pareceu um lugar totalmente diferente e distinto. Foi algo que me fascinou e que apreciei muito. Descobri novas realidades do Brasil: uma realidade gastronômica, uma paisagem única e parques naturais incríveis. Fiquei surpreso porque havia poucas pessoas visitando os parques. Me

pergunto porque as pessoas que vivem em São Paulo dão as costas aos parques naturais, a essa paisagem e essa realidade gastronômica. Penso então que esse projeto tem um futuro importante, se considerar que apenas a Região Metropolitana de São Paulo representa uma concentração urba-na enorme, monstruosa, que desconhece esse pa-raíso natural e gastronômico bem ao lado.

Foi uma agradável surpresa descobrir essa sé-rie de municípios, sua culinária incrível, com um potencial turístico muito importante.Lluis Mundet i CerdanProfessor, pesquisador e consultor em Turismo da Universidade de Girona - Catalunha

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Tive a oportunidade de conhecer e colaborar com o Roteiro do Milho por meio do trabalho

de cooperação internacional com a Universidade de Girona, juntamente com com Lluís Mundet i Cerdan, Cristina Fachini e Sonia Araújo.

O trabalho de valorização do milho e criação de um itinerário turístico com o milho saudável e originário da terra (crioulo), validado pelas fa-mílias e pela história, me surpreendeu, devido a profissionalização dos responsáveis pelo projeto, ao significado simbólico desse grão, seu enorme elo com a sobrevivência e a beleza da austerida-de, da força da mãe terra que inaugura toda a criação. Acredito que o importante agora é dar continuidade, melhorar, colocá-lo no circuito de

visitas interessantes que podem ser feitas no lo-cal, escrever, documentar, mostrar por todos os tipos de canais disponíveis o trabalho específico que pode ser feito com a comida mais maravi-lhosa da América: o milho. Parabenizo todos os membros das comunidades participantes, técni-cos e acadêmicos que trabalharam com paixão. Isso não é esquecido. Eu explico aos meus alu-nos, acredito no projeto.Dolors Vidal-CasellasProfessora, pesquisadora e consultora em Turismo da Universidade de Girona – Catalunha, Membro da Unidade de Cultura, Turismo e Desenvolvimento da Unesco, coordenada pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne.

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Cristina Fachini • Patrícia Mariuzzo • Sônia Araújo

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