rondÔnia, um estado de fronteira na amazÔnia … · como o primeiro ciclo de imigração intensa...

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Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 8, n. 2, jul.-dez., 2015 RONDÔNIA, UM ESTADO DE FRONTEIRA NA AMAZÔNIA OCIDENTAL BRASILEIRA: FLUXOS MIGRATÓRIOS DO PASSADO E A IMIGRAÇÃO HAITIANA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI RONDONIA, A FRONTIER STATE OF BRAZILIAN WESTERN AMAZONIA: MIGRATORY FLOWS FROM PAST AND THE HAITIAN IMMIGRATION IN THE EARLY 21ST CENTURY Marília Lima Pimentel Cotinguiba Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Geraldo Castro Cotinguiba Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Correspondência: Rua Algodoeiro, 4661, Caladinho Porto Velho – Rondônia – Brasil. CEP: 76808-252 E-mail: [email protected] / [email protected] Resumo Este artigo tem o objetivo de apresentar um panorama dos diferentes fluxos migrató- rios para a região de fronteira da Amazô- nia ocidental brasileira, no estado de Ron- dônia e sua formação colonial. A ênfase é sobre a recente imigração de haitianos para a cidade de Porto Velho. Analisamos este fenômeno sob a perspectiva teórica da mi- gração transnacional, que considera que os indivíduos em mobilidade vivem além das fronteiras nacionais e mantêm intensa liga- ção com o seu lugar de origem, por meio de redes familiares Palavras-chave: Fronteira; fluxos migrató- rios; Rondônia. Abstract This article aims to present an overview of different migration flows to the border area of Brazilian´s western Amazon, in the state of Rondônia and its colonial formation. The emphasis is on recent immigration of Hai- tians to the city of Porto Velho. We analyze this phenomenon from the theoretical per- spective of transnational migration, consider- ing that individuals living in mobility across borders and maintain strong links with their place of origin through family networks. Keywords: Frontier; migration flows; Rondô- nia.

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

RONDOcircNIA UM ESTADO DE FRONTEIRA NA AMAZOcircNIA

OCIDENTAL BRASILEIRA FLUXOS MIGRATOacuteRIOS DO PASSADO E A IMIGRACcedilAtildeO HAITIANA NO INIacuteCIO DO SEacuteCULO XXI RONDONIA A FRONTIER STATE OF BRAZILIAN WESTERN

AMAZONIA MIGRATORY FLOWS FROM PAST AND THE

HAITIAN IMMIGRATION IN THE EARLY 21ST CENTURY

Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Geraldo Castro Cotinguiba Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Correspondecircncia

Rua Algodoeiro 4661 Caladinho

Porto Velho ndash Rondocircnia ndash Brasil CEP 76808-252

E-mail mpimentel9gmailcom gcotinguibagmailcom

Resumo

Este artigo tem o objetivo de apresentar um

panorama dos diferentes fluxos migratoacute-

rios para a regiatildeo de fronteira da Amazocirc-

nia ocidental brasileira no estado de Ron-

docircnia e sua formaccedilatildeo colonial A ecircnfase eacute

sobre a recente imigraccedilatildeo de haitianos para

a cidade de Porto Velho Analisamos este

fenocircmeno sob a perspectiva teoacuterica da mi-

graccedilatildeo transnacional que considera que os

indiviacuteduos em mobilidade vivem aleacutem das

fronteiras nacionais e mantecircm intensa liga-

ccedilatildeo com o seu lugar de origem por meio

de redes familiares

Palavras-chave Fronteira fluxos migratoacute-

rios Rondocircnia

Abstract

This article aims to present an overview of

different migration flows to the border area of

Brazilianacutes western Amazon in the state of

Rondocircnia and its colonial formation The

emphasis is on recent immigration of Hai-

tians to the city of Porto Velho We analyze

this phenomenon from the theoretical per-

spective of transnational migration consider-

ing that individuals living in mobility across

borders and maintain strong links with their

place of origin through family networks

Keywords Frontier migration flows Rondocirc-

nia

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 46

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Apresentaccedilatildeo1

Nos uacuteltimos cinco anos o estado de Rondocircnia em diferentes momentos tor-

nou-se objeto de reportagem da grande miacutedia e de alguns trabalhos acadecircmicos em

relaccedilatildeo a novos fluxos migratoacuterios por um lado pelas migraccedilotildees internas motivadas

pela construccedilatildeo de duas grandes hidreleacutetricas no rio Madeira Jirau e Santo Antocircnio

por outro lado pela imigraccedilatildeo haitiana a partir de 2011

Nessa perspectiva nosso intuito eacute apresentar a partir da formaccedilatildeo do estado

um panorama dos diferentes fluxos migratoacuterios ocorridos em Rondocircnia e sobretudo

refletir sobre a recente mobilidade de haitianos para o Brasil especificamente para

Porto Velho tomando-a conceitualmente na perspectiva teoacuterica da migraccedilatildeo trans-

nacional2 a qual toma como referecircncia o contexto em que os indiviacuteduos vivem em

espaccedilos aleacutem das fronteiras nacionais e mantecircm todavia intensa relaccedilatildeo com a ori-

gem por meio de suas redes familiares e ao mesmo tempo influenciam aconteci-

mentos nos paiacuteses de destino

O texto estaacute dividido em duas partes principais quais sejam a primeira

aborda um panorama histoacuterico da formaccedilatildeo do estado de Rondocircnia como uma re-

giatildeo de fronteira e tem como objetivo situar o incremento populacional no acircmbito

das migraccedilotildees internas em diferentes momentos especialmente no contexto da colo-

nizaccedilatildeo dessa territorialidade entre os anos de 1980 e 1990 sem perder de vista a

presenccedila imigrante na construccedilatildeo da Estrada de Ferro Madeira Mamoreacute no final da

primeira deacutecada do seacuteculo XX trazendo agrave luz a recente entrada de migrantes internos

para a construccedilatildeo das duas usinas hidreleacutetricas Jirau e Santo Antocircnio para uma

reflexatildeo sobre esse momento histoacuterico

Jaacute a segunda parte o nosso objetivo eacute situar a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade

de Porto Velho que teve iniacutecio no primeiro trimestre de 2011 Nesta parte apresen-

taremos um panorama dos acontecimentos relacionados a esse grupo de imigrantes

Tambeacutem situaremos a nossa pesquisa e alguns dos resultados alcanccedilados a partir de

nossa vivecircncia de campo a partir dos dados coletados aleacutem de situar a conjuntura

tanto local em relaccedilatildeo a nossa pesquisa quanto nacional sobre os desdobramentos

dessa imigraccedilatildeo

Rondocircnia formaccedilatildeo histoacuterica e as migraccedilotildees em um estado de fronteira

De forma geral podemos dizer que o processo de tomada do territoacuterio que

hoje conhecemos como Rondocircnia ndash agrave eacutepoca ocupado por diversos povos indiacutegenas

1 Parte dos dados deste artigo foi extraiacuteda de um estudo mais amplo a dissertaccedilatildeo de mestrado de

Geraldo C Cotinguiba Aqui foram feitas algumas modificaccedilotildees e incorporadas outras informaccedilotildees

complementares

2 FOURON Georges E SCHILLER Nina Glick Georges woke up laughing long-distance nation-

alism and the search for home New York Duke University Press 2001

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ndash ocorreu de diferentes maneiras desde o seacuteculo XVII Esse processo eacute conhecido

localmente como ciclos3 econocircmicos Assim esses ciclos satildeo divididos em fases di-

ferentes uma no periacuteodo colonial outra no periacuteodo imperial e as demais no periacuteodo

republicano Na eacutepoca da colocircnia trecircs grupos principais foram os protagonistas os

jesuiacutetas os bandeirantes e os negros escravizados Os jesuiacutetas com o objetivo de ca-

tequizaccedilatildeo os bandeirantes pela busca por mineacuterios preciosos e a captura de indiacutege-

nas para tornaacute-los escravos4 os negros no processo de exploraccedilatildeo mineral no Vale

do Guaporeacute no seacuteculo XVIII5 O negro e o iacutendio contudo foram mantidos agrave mar-

gem da histoacuteria e sua histoacuteria soacute passou a ser registrada nas uacuteltimas deacutecadas

A fase imperial se confunde com a transiccedilatildeo para a republicana e o destaque

eacute sobre a descoberta da utilizaccedilatildeo do laacutetex extraiacutedo da seringueira6 para processos de

vulcanizaccedilatildeo a borracha ldquoO vale amazocircnico de forma geral e os vales do rio Ma-

deira e Guaporeacute-Mamoreacute do atual territoacuterio rondoniense foram rapidamente inseri-

dos nessa nova perspectiva econocircmicardquo7 O ciclo da borracha foi determinante em

vaacuterios sentidos como o povoamento colonizador e a demarcaccedilatildeo territorial entre

Brasil e Boliacutevia para a delimitaccedilatildeo das fronteiras entre os dois paiacuteses Vale ressaltar

que a regiatildeo foi motivo de litiacutegio e conflito entre Espanha e Portugal que soacute foram

resolvidos por Brasil e Boliacutevia entre a segunda metade do seacuteculo XIX com o Tratado

de Ayacucho de 1867 e selado no iniacutecio do seacuteculo XX com o Tratado de Petroacutepolis

em 1903

O objetivo desse uacuteltimo Tratado era cessar o conflito entre brasileiros e boli-

vianos Os brasileiros exploravam seringais em territoacuterio pertencente agrave Boliacutevia o

Aquiri hoje o estado do Acre De acordo com Manoel Rodrigues Ferreira8 com o

Tratado o Brasil se comprometeu em pagar duas indenizaccedilotildees uma agrave Boliacutevia de

dois milhotildees de Libras Esterlinas e a outra de cento e dez mil Libras Esterlinas ao

Bolivian Syndicate pela posse do territoacuterio e construir uma ferrovia a Estrada de

3 Utilizamos a terminologia ldquociclordquo no entanto natildeo queremos com isso dizer que a regiatildeo seja

dependente desses momentos pois a economia assim como os demais aspectos de uma sociedade

satildeo dinacircmicos Esses ldquociclosrdquo significam momentos em que a regiatildeo dinamizou um montante de

capital maior que o que regularmente sua histoacuteria econocircmica registra

4 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado da colocircnia ao golpe de 1964 ACTA Geograacutefica Boa Vista v 4 n 8 p 143-

160 juldez de 2010

5 FONSECA Dante R da MORATTO Juliana TEIXEIRA Marco Antocircnio D A presenccedila negra em Rondocircnia as estruturas do povoamento Disponiacutevel em

httpwwwgepiaaunirbrindexphp123articleviewFile1510 Acesso em 15 jul 2012

6 Para extraccedilatildeo do laacutetex na Amazocircnia duas categorias foram recrutadas o civil trabalhadores

arregimentados pelos seringalistas e o ldquosoldado da borrachardquo os quais foram recrutados pelo Estado

brasileiro num processo de seleccedilatildeo semelhante ao recrutamento de soldados para as Forccedilas Armadas

Sobre os ldquosoldados da borrachardquo ver por exemplo SECRETO Mariacutea Veroacutenica Soldados da Borra-cha trabalhadores entre o sertatildeo e a Amazocircnia no governo Vargas Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Perseu

Abramo 2007 O recrutamento se deu majoritariamente na regiatildeo Nordeste

7 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

8 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo 10 ed Satildeo Paulo Melhoramentos 2008

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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a

nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira

Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-

beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado

como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia

A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-

daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees

opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um

mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento

histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-

levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a

construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-

ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos

num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez

com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-

anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9

Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos

no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo

que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais

deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou

para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-

dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral

pelos sobrenomes10

Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-

res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro

9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em

httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014

10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham

de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-

grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-

VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs

identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12

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Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse

de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11

Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar

Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se

confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo

colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda

deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente

entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores

sem-terra e os povos indiacutegenas

Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse

processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como

no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente

fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral

o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida

atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade

humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo

detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo

Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente

o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12

Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13

de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas

que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar

Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal

Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado

o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o

Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979

assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima

segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira

11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70

12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015

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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-

docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-

laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-

dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado

do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do

Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo

diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-

cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-

quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-

genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses

ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos

em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si

Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-

lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu

discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo

Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-

nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o

processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo

e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do

territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da

pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala

Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-

ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e

principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-

das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-

tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-

tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-

cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada

pelos salesianos

Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo

de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-

preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da

histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve

como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma

cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou

uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade

14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash

Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011

15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit

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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 53

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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 55

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

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9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Apresentaccedilatildeo1

Nos uacuteltimos cinco anos o estado de Rondocircnia em diferentes momentos tor-

nou-se objeto de reportagem da grande miacutedia e de alguns trabalhos acadecircmicos em

relaccedilatildeo a novos fluxos migratoacuterios por um lado pelas migraccedilotildees internas motivadas

pela construccedilatildeo de duas grandes hidreleacutetricas no rio Madeira Jirau e Santo Antocircnio

por outro lado pela imigraccedilatildeo haitiana a partir de 2011

Nessa perspectiva nosso intuito eacute apresentar a partir da formaccedilatildeo do estado

um panorama dos diferentes fluxos migratoacuterios ocorridos em Rondocircnia e sobretudo

refletir sobre a recente mobilidade de haitianos para o Brasil especificamente para

Porto Velho tomando-a conceitualmente na perspectiva teoacuterica da migraccedilatildeo trans-

nacional2 a qual toma como referecircncia o contexto em que os indiviacuteduos vivem em

espaccedilos aleacutem das fronteiras nacionais e mantecircm todavia intensa relaccedilatildeo com a ori-

gem por meio de suas redes familiares e ao mesmo tempo influenciam aconteci-

mentos nos paiacuteses de destino

O texto estaacute dividido em duas partes principais quais sejam a primeira

aborda um panorama histoacuterico da formaccedilatildeo do estado de Rondocircnia como uma re-

giatildeo de fronteira e tem como objetivo situar o incremento populacional no acircmbito

das migraccedilotildees internas em diferentes momentos especialmente no contexto da colo-

nizaccedilatildeo dessa territorialidade entre os anos de 1980 e 1990 sem perder de vista a

presenccedila imigrante na construccedilatildeo da Estrada de Ferro Madeira Mamoreacute no final da

primeira deacutecada do seacuteculo XX trazendo agrave luz a recente entrada de migrantes internos

para a construccedilatildeo das duas usinas hidreleacutetricas Jirau e Santo Antocircnio para uma

reflexatildeo sobre esse momento histoacuterico

Jaacute a segunda parte o nosso objetivo eacute situar a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade

de Porto Velho que teve iniacutecio no primeiro trimestre de 2011 Nesta parte apresen-

taremos um panorama dos acontecimentos relacionados a esse grupo de imigrantes

Tambeacutem situaremos a nossa pesquisa e alguns dos resultados alcanccedilados a partir de

nossa vivecircncia de campo a partir dos dados coletados aleacutem de situar a conjuntura

tanto local em relaccedilatildeo a nossa pesquisa quanto nacional sobre os desdobramentos

dessa imigraccedilatildeo

Rondocircnia formaccedilatildeo histoacuterica e as migraccedilotildees em um estado de fronteira

De forma geral podemos dizer que o processo de tomada do territoacuterio que

hoje conhecemos como Rondocircnia ndash agrave eacutepoca ocupado por diversos povos indiacutegenas

1 Parte dos dados deste artigo foi extraiacuteda de um estudo mais amplo a dissertaccedilatildeo de mestrado de

Geraldo C Cotinguiba Aqui foram feitas algumas modificaccedilotildees e incorporadas outras informaccedilotildees

complementares

2 FOURON Georges E SCHILLER Nina Glick Georges woke up laughing long-distance nation-

alism and the search for home New York Duke University Press 2001

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ndash ocorreu de diferentes maneiras desde o seacuteculo XVII Esse processo eacute conhecido

localmente como ciclos3 econocircmicos Assim esses ciclos satildeo divididos em fases di-

ferentes uma no periacuteodo colonial outra no periacuteodo imperial e as demais no periacuteodo

republicano Na eacutepoca da colocircnia trecircs grupos principais foram os protagonistas os

jesuiacutetas os bandeirantes e os negros escravizados Os jesuiacutetas com o objetivo de ca-

tequizaccedilatildeo os bandeirantes pela busca por mineacuterios preciosos e a captura de indiacutege-

nas para tornaacute-los escravos4 os negros no processo de exploraccedilatildeo mineral no Vale

do Guaporeacute no seacuteculo XVIII5 O negro e o iacutendio contudo foram mantidos agrave mar-

gem da histoacuteria e sua histoacuteria soacute passou a ser registrada nas uacuteltimas deacutecadas

A fase imperial se confunde com a transiccedilatildeo para a republicana e o destaque

eacute sobre a descoberta da utilizaccedilatildeo do laacutetex extraiacutedo da seringueira6 para processos de

vulcanizaccedilatildeo a borracha ldquoO vale amazocircnico de forma geral e os vales do rio Ma-

deira e Guaporeacute-Mamoreacute do atual territoacuterio rondoniense foram rapidamente inseri-

dos nessa nova perspectiva econocircmicardquo7 O ciclo da borracha foi determinante em

vaacuterios sentidos como o povoamento colonizador e a demarcaccedilatildeo territorial entre

Brasil e Boliacutevia para a delimitaccedilatildeo das fronteiras entre os dois paiacuteses Vale ressaltar

que a regiatildeo foi motivo de litiacutegio e conflito entre Espanha e Portugal que soacute foram

resolvidos por Brasil e Boliacutevia entre a segunda metade do seacuteculo XIX com o Tratado

de Ayacucho de 1867 e selado no iniacutecio do seacuteculo XX com o Tratado de Petroacutepolis

em 1903

O objetivo desse uacuteltimo Tratado era cessar o conflito entre brasileiros e boli-

vianos Os brasileiros exploravam seringais em territoacuterio pertencente agrave Boliacutevia o

Aquiri hoje o estado do Acre De acordo com Manoel Rodrigues Ferreira8 com o

Tratado o Brasil se comprometeu em pagar duas indenizaccedilotildees uma agrave Boliacutevia de

dois milhotildees de Libras Esterlinas e a outra de cento e dez mil Libras Esterlinas ao

Bolivian Syndicate pela posse do territoacuterio e construir uma ferrovia a Estrada de

3 Utilizamos a terminologia ldquociclordquo no entanto natildeo queremos com isso dizer que a regiatildeo seja

dependente desses momentos pois a economia assim como os demais aspectos de uma sociedade

satildeo dinacircmicos Esses ldquociclosrdquo significam momentos em que a regiatildeo dinamizou um montante de

capital maior que o que regularmente sua histoacuteria econocircmica registra

4 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado da colocircnia ao golpe de 1964 ACTA Geograacutefica Boa Vista v 4 n 8 p 143-

160 juldez de 2010

5 FONSECA Dante R da MORATTO Juliana TEIXEIRA Marco Antocircnio D A presenccedila negra em Rondocircnia as estruturas do povoamento Disponiacutevel em

httpwwwgepiaaunirbrindexphp123articleviewFile1510 Acesso em 15 jul 2012

6 Para extraccedilatildeo do laacutetex na Amazocircnia duas categorias foram recrutadas o civil trabalhadores

arregimentados pelos seringalistas e o ldquosoldado da borrachardquo os quais foram recrutados pelo Estado

brasileiro num processo de seleccedilatildeo semelhante ao recrutamento de soldados para as Forccedilas Armadas

Sobre os ldquosoldados da borrachardquo ver por exemplo SECRETO Mariacutea Veroacutenica Soldados da Borra-cha trabalhadores entre o sertatildeo e a Amazocircnia no governo Vargas Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Perseu

Abramo 2007 O recrutamento se deu majoritariamente na regiatildeo Nordeste

7 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

8 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo 10 ed Satildeo Paulo Melhoramentos 2008

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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a

nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira

Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-

beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado

como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia

A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-

daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees

opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um

mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento

histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-

levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a

construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-

ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos

num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez

com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-

anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9

Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos

no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo

que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais

deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou

para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-

dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral

pelos sobrenomes10

Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-

res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro

9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em

httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014

10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham

de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-

grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-

VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs

identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse

de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11

Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar

Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se

confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo

colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda

deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente

entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores

sem-terra e os povos indiacutegenas

Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse

processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como

no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente

fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral

o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida

atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade

humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo

detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo

Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente

o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12

Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13

de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas

que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar

Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal

Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado

o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o

Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979

assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima

segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira

11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70

12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015

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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-

docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-

laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-

dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado

do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do

Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo

diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-

cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-

quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-

genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses

ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos

em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si

Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-

lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu

discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo

Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-

nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o

processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo

e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do

territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da

pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala

Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-

ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e

principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-

das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-

tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-

tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-

cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada

pelos salesianos

Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo

de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-

preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da

histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve

como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma

cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou

uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade

14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash

Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011

15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 52

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 53

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 47

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ndash ocorreu de diferentes maneiras desde o seacuteculo XVII Esse processo eacute conhecido

localmente como ciclos3 econocircmicos Assim esses ciclos satildeo divididos em fases di-

ferentes uma no periacuteodo colonial outra no periacuteodo imperial e as demais no periacuteodo

republicano Na eacutepoca da colocircnia trecircs grupos principais foram os protagonistas os

jesuiacutetas os bandeirantes e os negros escravizados Os jesuiacutetas com o objetivo de ca-

tequizaccedilatildeo os bandeirantes pela busca por mineacuterios preciosos e a captura de indiacutege-

nas para tornaacute-los escravos4 os negros no processo de exploraccedilatildeo mineral no Vale

do Guaporeacute no seacuteculo XVIII5 O negro e o iacutendio contudo foram mantidos agrave mar-

gem da histoacuteria e sua histoacuteria soacute passou a ser registrada nas uacuteltimas deacutecadas

A fase imperial se confunde com a transiccedilatildeo para a republicana e o destaque

eacute sobre a descoberta da utilizaccedilatildeo do laacutetex extraiacutedo da seringueira6 para processos de

vulcanizaccedilatildeo a borracha ldquoO vale amazocircnico de forma geral e os vales do rio Ma-

deira e Guaporeacute-Mamoreacute do atual territoacuterio rondoniense foram rapidamente inseri-

dos nessa nova perspectiva econocircmicardquo7 O ciclo da borracha foi determinante em

vaacuterios sentidos como o povoamento colonizador e a demarcaccedilatildeo territorial entre

Brasil e Boliacutevia para a delimitaccedilatildeo das fronteiras entre os dois paiacuteses Vale ressaltar

que a regiatildeo foi motivo de litiacutegio e conflito entre Espanha e Portugal que soacute foram

resolvidos por Brasil e Boliacutevia entre a segunda metade do seacuteculo XIX com o Tratado

de Ayacucho de 1867 e selado no iniacutecio do seacuteculo XX com o Tratado de Petroacutepolis

em 1903

O objetivo desse uacuteltimo Tratado era cessar o conflito entre brasileiros e boli-

vianos Os brasileiros exploravam seringais em territoacuterio pertencente agrave Boliacutevia o

Aquiri hoje o estado do Acre De acordo com Manoel Rodrigues Ferreira8 com o

Tratado o Brasil se comprometeu em pagar duas indenizaccedilotildees uma agrave Boliacutevia de

dois milhotildees de Libras Esterlinas e a outra de cento e dez mil Libras Esterlinas ao

Bolivian Syndicate pela posse do territoacuterio e construir uma ferrovia a Estrada de

3 Utilizamos a terminologia ldquociclordquo no entanto natildeo queremos com isso dizer que a regiatildeo seja

dependente desses momentos pois a economia assim como os demais aspectos de uma sociedade

satildeo dinacircmicos Esses ldquociclosrdquo significam momentos em que a regiatildeo dinamizou um montante de

capital maior que o que regularmente sua histoacuteria econocircmica registra

4 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado da colocircnia ao golpe de 1964 ACTA Geograacutefica Boa Vista v 4 n 8 p 143-

160 juldez de 2010

5 FONSECA Dante R da MORATTO Juliana TEIXEIRA Marco Antocircnio D A presenccedila negra em Rondocircnia as estruturas do povoamento Disponiacutevel em

httpwwwgepiaaunirbrindexphp123articleviewFile1510 Acesso em 15 jul 2012

6 Para extraccedilatildeo do laacutetex na Amazocircnia duas categorias foram recrutadas o civil trabalhadores

arregimentados pelos seringalistas e o ldquosoldado da borrachardquo os quais foram recrutados pelo Estado

brasileiro num processo de seleccedilatildeo semelhante ao recrutamento de soldados para as Forccedilas Armadas

Sobre os ldquosoldados da borrachardquo ver por exemplo SECRETO Mariacutea Veroacutenica Soldados da Borra-cha trabalhadores entre o sertatildeo e a Amazocircnia no governo Vargas Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Perseu

Abramo 2007 O recrutamento se deu majoritariamente na regiatildeo Nordeste

7 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

8 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo 10 ed Satildeo Paulo Melhoramentos 2008

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 48

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a

nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira

Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-

beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado

como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia

A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-

daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees

opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um

mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento

histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-

levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a

construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-

ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos

num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez

com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-

anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9

Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos

no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo

que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais

deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou

para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-

dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral

pelos sobrenomes10

Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-

res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro

9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em

httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014

10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham

de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-

grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-

VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs

identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse

de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11

Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar

Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se

confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo

colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda

deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente

entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores

sem-terra e os povos indiacutegenas

Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse

processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como

no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente

fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral

o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida

atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade

humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo

detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo

Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente

o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12

Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13

de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas

que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar

Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal

Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado

o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o

Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979

assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima

segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira

11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70

12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-

docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-

laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-

dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado

do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do

Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo

diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-

cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-

quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-

genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses

ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos

em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si

Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-

lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu

discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo

Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-

nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o

processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo

e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do

territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da

pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala

Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-

ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e

principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-

das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-

tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-

tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-

cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada

pelos salesianos

Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo

de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-

preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da

histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve

como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma

cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou

uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade

14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash

Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011

15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 48

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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a

nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira

Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-

beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado

como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia

A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-

daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees

opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um

mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento

histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-

levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a

construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-

ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos

num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez

com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-

anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9

Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos

no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo

que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais

deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou

para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-

dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral

pelos sobrenomes10

Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-

res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro

9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em

httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014

10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham

de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-

grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-

VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs

identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse

de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11

Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar

Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se

confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo

colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda

deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente

entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores

sem-terra e os povos indiacutegenas

Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse

processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como

no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente

fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral

o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida

atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade

humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo

detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo

Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente

o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12

Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13

de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas

que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar

Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal

Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado

o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o

Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979

assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima

segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira

11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70

12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015

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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-

docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-

laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-

dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado

do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do

Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo

diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-

cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-

quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-

genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses

ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos

em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si

Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-

lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu

discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo

Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-

nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o

processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo

e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do

territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da

pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala

Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-

ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e

principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-

das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-

tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-

tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-

cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada

pelos salesianos

Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo

de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-

preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da

histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve

como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma

cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou

uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade

14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash

Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011

15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 51

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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 52

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 53

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 49

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse

de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11

Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar

Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se

confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo

colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda

deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente

entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores

sem-terra e os povos indiacutegenas

Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse

processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como

no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente

fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral

o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida

atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade

humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo

detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo

Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente

o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12

Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13

de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas

que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar

Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal

Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado

o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o

Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979

assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima

segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira

11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70

12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio

rondoniense revisitado Op cit

13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015

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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-

docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-

laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-

dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado

do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do

Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo

diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-

cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-

quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-

genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses

ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos

em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si

Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-

lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu

discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo

Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-

nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o

processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo

e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do

territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da

pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala

Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-

ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e

principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-

das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-

tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-

tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-

cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada

pelos salesianos

Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo

de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-

preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da

histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve

como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma

cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou

uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade

14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash

Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011

15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit

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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 55

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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-

docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-

laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-

dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado

do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do

Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo

diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-

cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-

quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-

genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses

ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos

em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si

Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-

lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu

discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo

Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-

nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o

processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo

e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do

territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da

pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala

Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-

ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e

principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-

das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-

tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-

tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-

cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada

pelos salesianos

Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo

de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-

preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da

histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve

como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma

cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou

uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade

14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash

Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011

15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 51

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 52

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 53

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-

monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-

genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e

quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo

Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia

federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com

o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-

des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe

do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a

colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na

deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a

regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-

nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-

graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de

ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo

Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita

com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava

devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-

oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como

isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-

joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-

lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-

guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes

nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-

neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-

bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades

ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio

Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo

os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo

pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-

mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-

lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da

regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares

que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do

Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-

tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado

formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais

migraram e o momento histoacuterico

A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-

cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de

16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 52

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do

estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-

gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-

maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo

indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute

tatildeo cedo pois se encontra pujante

Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005

POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA

Ano Habitantes

1950 36935

1960 70783

1970 111064

1980 491069

1991 1130874

2000 1377792

2005 1534594

2010 1562409

2013 1728214 (estimativa do IBGE)

2014 1748531(estimativa do IBGE)

2015 1768204 (estimativa do IBGE)

Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17

Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia

passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado

Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-

meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina

de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-

Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE

um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional

era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010

registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi

maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou

1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-

mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-

cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado

em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-

cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de

17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 53

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 55

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 53

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-

tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-

presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio

Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010

POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO

Ano Habitantes

1950 27244

1960 51049

1970 88856

1980 138289

1991 286471

2000 334585

2010 428527

2013 484992 (estimativa do IBGE)

2015 502748 (estimativa do IBGE)

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18

Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000

para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o

que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-

mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens

a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-

nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras

regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo

e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras

regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que

muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias

18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e

httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port

o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015

19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser

da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto

dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e

Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de

Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o

Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado

pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre

os movimentos migratoacuterios no estado

20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte

httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov

2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 55

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de

Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015

Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho

para o ano de 2014

Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do

trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-

rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-

titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu

no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente

as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a

construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho

Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21

21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico

madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no

36935

70783

111064

491069

1130874

1377792

1562409

1728214

1748531

1768204

27244

51049

88856

138289

286471

334585

428527

484992

502748

0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000

1950

1960

1970

1980

1991

2000

2010

2013

2014

2015

Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo

Porto Velho Rondocircnia

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 55

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-

geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos

serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de

realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e

amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas

pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-

recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-

pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e

o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir

deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se

tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-

pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011

Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-

ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-

mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-

truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-

ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-

grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-

grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo

especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-

dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de

campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-

dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental

brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-

tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da

presenccedila haitiana em Porto Velho

Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-

tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-

bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-

ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia

para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser

uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como

se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da

rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio

Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-

Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte

Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-

lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades

limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e

UNESP 2012 p 8

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de

fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-

nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia

ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil

e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras

ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-

grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos

nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de

que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-

nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-

lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total

A presenccedila haitiana em Porto Velho

A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia

06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs

depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-

municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro

trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-

verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de

obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120

quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-

porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria

de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-

nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento

Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011

quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua

portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para

uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-

ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o

22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos

migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014

23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido

3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas

para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi

suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no

iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por

ser realizado

24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda

se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute

coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-

grega outros de outras aacutereas

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 57

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-

maccedilotildees

O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-

sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-

jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no

estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e

a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado

para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram

em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-

tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil

e tradiccedilotildees culturais brasileiras

Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-

tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da

cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar

no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados

do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas

o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o

Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees

e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-

lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita

deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-

sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos

estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul

Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-

mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que

podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade

de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que

se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-

tegoria haitianos queremos dizer que

as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes

niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26

25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)

Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa

Catarina 2014

26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo

social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101

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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-

neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do

que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito

estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade

haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-

pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-

se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash

o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia

um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa

Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-

terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-

meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro

do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-

mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e

alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares

mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da

cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-

posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo

menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-

liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade

A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira

mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do

imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem

parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-

anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas

primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-

templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de

2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-

luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria

com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo

De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo

se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos

meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual

aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou

contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas

de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia

11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base

em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto

seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados

234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram

crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos

entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de

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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

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Gecircnero

Mulheres Homens

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 61

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

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DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por

gecircnero

Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012

Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012

MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem

Mar 2011 10 06 04

Abr 2011 8 07 01

Mai 2011 16 14 02

Jun 2011 5 03 02

Jul 2011 17 16 01

Ago 2011 18 18 00

Set 2011 12 12 00

Out 2011 2 02 00

Nov 2011 13 13 00

Dez 2011 1 01 00

Jan 2012 106 94 12

Fev 2012 26 21 05

Total de Meses

Total de Entradas

Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio

Total Masc

Total Fem

12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27

Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234

Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27

Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41

e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos

A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para

homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-

culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-

gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente

Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma

pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos

verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o

estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e

2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-

mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-

dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma

reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais

clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo

27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

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Gecircnero

Mulheres Homens

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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

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Escolaridade

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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

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56

17 15 18 20

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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados

Fonte pesquisa de campo dos autores

Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-

centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no

primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado

com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-

nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-

titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio

quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao

trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que

inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-

ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de

reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-

mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se

reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam

casados

Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado

em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-

jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente

De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-

gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-

pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-

gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o

graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de

diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-

daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio

a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho

28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

96

21

0 20 40 60 80 100 120

1

Gecircnero

Mulheres Homens

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos

estudando em faculdades de Porto Velho29

Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados

Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30

Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os

motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos

dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-

vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada

pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-

soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal

Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-

claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e

todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo

queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de

haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um

conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-

iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos

com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo

da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em

crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa

do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil

os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti

29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho

COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o

Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-

87 juldez 2014

30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit

Natildeo Estudou1

EnsFundInc7

EnsFundCompl14

EnsMeacutedInc30

EnsMeacutedCompl29

EnsSupInc4

EnsSupCompl15

Escolaridade

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 65

Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de

apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro

de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto

por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-

coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida

da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de

janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade

Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total

dos nossos interlocutores

Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti

Fonte pesquisa de campo dos autores

Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50

cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana

Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso

refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-

dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez

que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-

prios para isso

Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-

camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de

vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo

31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-

cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais

32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave

reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014

18 15

110

15

56

17 15 18 20

TO

TA

L E

NT

RE

VIS

TA

DO

S -

23

9

LUGAR DE ORIGEM NO HAITI

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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015

mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem

emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota

ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute

alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para

isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo

As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota

verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-

pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os

indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das

barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo

de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a

pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em

diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se

encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que

foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-

ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda

pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas

Consideraccedilotildees finais

O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-

mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa

regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde

no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os

barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de

diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos

governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-

ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de

1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-

deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-

rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores

Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em

tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-

ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto

Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em

33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-

mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira

binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de

pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A

expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-

truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-

truccedilatildeo civil

A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-

renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos

em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-

racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-

colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria

O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil

eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos

denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-

ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-

ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste

final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-

centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca

de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-

rupta

Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-

gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo

param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir

para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros

sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito

trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com

qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e

se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-

lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo

um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses

Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que

podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos

que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-

dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter

transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente

em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas

migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo

que causa la migracioacuten

34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de

passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que

entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros

deixaram o Acre de aviatildeo

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015

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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba

Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade

Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de

Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba

Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)

Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015