romantismo no brasil primeira geração poesia romântica

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Page 1: Romantismo no Brasil Primeira Geração Poesia Romântica
Page 2: Romantismo no Brasil Primeira Geração Poesia Romântica

O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com a Independência política e suas conseqüências sócio-culturais: o novo público leitor, as instituições universitárias e, acima de tudo, o nacionalismo ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os escritores são os principais intérpretes.

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Contribuir para a grandeza da nação através de uma literatura que fosse o espelho do novo mundo e de sua paisagem física e humana, eis o projeto ideológico da primeira geração romântica. Há um sentimento de missão: revelar todo o Brasil, criando uma literatura autônoma que nos expressasse.

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Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às exigências ideológicas dos escritores brasileiros, O Romantismo se opunha à arte clássica, e Classicismo aqui significava dominação portuguesa. O Romantismo voltava-se para a natureza, para o exótico; e aqui havia uma natureza exuberante, etc. Tudo se ajustando para o desenvolvimento de uma literatura ufanista.

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Indianismo No "bon sauvage" francês sedimenta-se o modelo de um

herói que se deveria se tornar o passado e a tradição de um país desprovido de sagas exemplares. O nativo - ignorada toda a cultura indígena - converte-se no herói inteiriço, feito à imagem e semelhança de um cavaleiro medieval.

 Assume-se a imagem exótica que as metrópoles

européias tinham dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo. Acima de tudo, o índio representa, na sua condição de primitivo habitante, o próprio símbolo da nacionalidade. Além disso, a imagem positiva do indígena fornece às elites o orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na legitimação de seu próprio poder no Brasil posterior à Independência.

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Resultado da "consciência eufórica de um país novo", o sertanismo romântico (também discutivelmente chamado de regionalismo) procura afirmar as particularidades e a identidade das regiões e da vida rural, na ânsia de tornar literário todo o Brasil.

Este registro do mundo não-urbano permanece na superfície com uma moldura, já que a intriga romanesca é citadina, ou seja, gira em torno dos esquemas românticos do folhetim. Além disso, os autores usam sempre a linguagem culta e literária das cidades e não a fala particular da região retratada.

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A terra é identificada como pátria. Assim, os fenômenos naturais tornam-se representativos da grandeza do país. A natureza jovem, vital, exuberante, serve de compensação para a pobreza social ao mesmo tempo que simboliza as potencialidades do Brasil.

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Os escritores românticos - José de Alencar, em especial - reivindicam uma língua brasileira. Em Iracema, o autor tenta criar esta língua através do estilo poético, da utilização de vocábulos indígenas, de um novo ritmo de frase. Mas não são os escritores que criam um idioma. Continuamos falando e escrevendo o português. Porém, graças ao esforço de Alencar e outros, começa a se estabelecer uma forma brasileira de escrever a língua portuguesa.

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A revista Niterói, dirigida por Gonçalves de Magalhães, representou a oportunidade de discussão do Brasil a partir de uma ótica nacionalista e romântica.

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O passo decisivo para a deflagração do movimento é a publicação da revista Niterói, em Paris, 1836, que trazia como epígrafe: "Tudo pelo Brasil e para o Brasil". A revista, elaborada por intelectuais que estudavam na Europa, propunha a investigação "das letras, artes e ciências brasilienses".

No grupo, destaca-se Gonçalves de Magalhães, que ainda em 1836 lançaria um livro de poemas:

 Suspiros poéticos e saudades. Esta obra

introduziu o espírito romântico no Brasil.

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O projeto de autonomia dos autores românticos não se realizou integralmente. Todos os princípios "nacionalistas" que defenderam estavam, em maior ou menor grau, comprometidos com uma visão européia de mundo. Além disso, o nacionalismo era feito de exterioridades, mais paisagem do que substância humana. Aquele "sentimento íntimo de brasilidade", de que falou Machado de Assis, não existe nas obras do período.

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Por fim, o fato de todos os escritores da primeira geração viverem à sombra do poder (foram ministros, secretários, embaixadores, burocratas do alto escalão) comprometeu-os irremediavelmente com a classe dominante. Fugiram da escravidão e da pobreza, escamotearam a ferocidade das elites e a miséria das ruas, ignoraram a violência que se espalhava pelo cotidiano. Em troca, celebraram o idílio e a natureza, mitificaram as regiões, teatralizaram o índio, criando assim uma arte conservadora.

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Na lírica romântica brasileira, podem ser delimitados, com algum rigor, três momentos que se caracterizam por apresentar temas e visões de mundo diferenciadas. Estes momentos coincidem com a formação de três gerações (1). Cada geração assume uma perspectiva própria, embora todas sejam marcada pelo caráter romântico. Contudo, os elementos que definem cada uma delas não são exclusivos. Interpenetrando-se de forma bastante acentuada.

(1) normalmente atribuía-se a duração média de 15 anos para cada geração. A partir de meados do século XX, em função da rapidez da mudança de costumes e valores, reduziu-se este tempo para 10 anos.

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Geração Denominação ComponentesModelos Poéticos Temas

1ª Nacionalista Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias

Chateaubriand e Lamartine

- O índio- A saudade da Pátria- A natureza- A religiosidade- O amor impossível

2ª Individualista ou Subjetivista

Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Junqueira Freire

Byron e Musset - A dúvida- O tédio- A orgia- A morte- A infância- O medo do amor- O sofrimento

3ª Liberal ou Social ou Condoreira

Castro Alves Vitor Hugo - Defesa de causas humanitárias- Denúncia da escravidão- Amor erótico

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A contribuição dos teóricos europeus, o nacionalismo ufanista pós-1822 e as viagens para o exterior de uma jovem intelectualidade - nascendo daí o famoso sentimento do exílio - fornecem o quadro histórico onde aponta a primeira geração romântica. O apogeu da mesma ocorre entre 1836 e 1851, quando Gonçalves Dias publica Últimos cantos, encerrando o período mais fértil e criativo de sua carreira.

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Obras: Suspiros poéticos e

saudades (1836)A confederação dos

tamoios (1857)

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A Gonçalves de Magalhães coube a precedência cronológica na elaboração de versos românticos. Suspiros poéticos e saudades é a materialização lírica de algumas idéias do autor sobre o Romantismo, encarado como possibilidade de afirmação de uma literatura nacional, na medida em que destruía os artifícios neoclássicos e propunha a valorização da natureza, do índio e de uma religiosidade panteísta.

 No entanto, faltava a Magalhães autêntica emoção

poética para tornar efetivas suas teorias. Em sua obra ele afirma:

Meus versos são suspiros de minha alma sem outra lei que o interno sentimento.

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Isto, porém, não encontra correspondência nela mesma.

Os sentimentos são apresentados de uma maneira retórica, freqüentemente "despoetizados" por imagens de mau gosto:

 Nas veias o sangue já não me galopa,em sacros furores nos lábios me fervem;A lira canora do cisne beócio,deixei sobre a trípode. * Canora: sonora* Beócio: ignorante

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Durante anos, Gonçalves de Magalhães foi considerado o maior poeta pátrio. Transformou-se em símbolo oficial da literatura brasileira, merecendo inclusive grande apreço de D.Pedro II. A confederação dos tamoios, tentativa de indianismo épico em que a prolixidade* dissolve o lirismo, significou a crise dessa carreira triunfante.

 Submetida à primeira e dura revisão crítica, com

José de Alencar denunciando o artificialismo de sua composição, a obra de Magalhães começou a ser relegada a um plano secundário. Sob pseudônimo, o próprio Imperador sai em defesa de seu protegido, mas os argumentos de Alencar eram irrefutáveis.

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Restava-lhe a importância histórica, e esta era incontestável. O Romantismo fora introduzido por ele:

 Triste sou como o salgueiroSolitário junto ao lagoSuspirar, suspirar...Tal é o meu fado! Prolixidade: redundância, exagero verbal.

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Obras: Primeiros cantos

(1846)Segundos cantos

(1848)Sextilhas de frei

Antão (1848)Últimos cantos (1851)Os timbiras (1857).

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Filho de um comerciante português e de uma mulata que viviam em concubinato, Antônio de Gonçalves Dias nasceu em Caxias, no Maranhão. Quando o menino tinha seis anos, o pai casou-se com uma moça branca e proibiu o filho de visitar a mãe, que se reencontraria com o filho apenas quinze anos depois. Antônio cresceu trabalhando como caixeiro na loja do pai e teve uma boa educação, sendo enviado com quatorze anos para Portugal. A morte do pai, no mesmo ano, trouxe o rapaz de volta ao Maranhão, porém a madrasta cumpriu a vontade do marido quanto ao filho e mais uma vez o futuro poeta foi mandado para Coimbra. No início de 1845, retornou à sua província natal, já formado em Direito. Era um rapaz baixinho, musculoso e de olhar inteligente. Sua origem mestiça não era evidente à primeira vista. A sociedade de São Luís o recebeu bem e ele conheceu então aquela que - algum tempo depois - seria o grande amor de sua vida, a jovem Ana Amélia.

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Antes da eclosão desse amor extremado, viajou para o Rio de Janeiro, onde se radicaria. Virou professor de Latim no Colégio Pedro II e lançou, com notável repercussão, os Primeiros cantos e os Segundos cantos. De imediato, obteve a proteção imperial, ocupando diversos cargos de importância nas áreas de pesquisa escolar e de busca de documentos históricos. Em visita ao Maranhão reencontrou Ana Amélia e a pediu em casamento. A família da moça recusou o poeta, alegando a sua origem bastarda e mulata. Exasperado, casou-se com Olímpia Coriolana, provavelmente a primeira mulher que encontrou depois da recusa e com a qual viveu um casamento infeliz. Viajou muito pelas províncias do Norte e pela Europa, sempre a serviço. Afetado pela tuberculose, tentou a cura na França. Desenganado pelos médicos, retornou num cargueiro que naufragaria, já nas costas do Maranhão. A única vítima do naufrágio foi o poeta, que contava então quarenta e um anos de idade.

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Gonçalves Dias consolidou o Romantismo no Brasil com uma produção poética de boa qualidade. Entre os autores do período é o que melhor consegue equilibrar os temas sentimentais, patrióticos e saudosistas com uma linguagem harmoniosa e de relativa simplicidade, fugindo tanto da ênfase declamatória como da vulgaridade. Pode-se dizer que o seu estilo romântico é temperado por uma certa formação clássica, o que evita os excessos verbais tão comuns aos poetas que lhe foram contemporâneos.

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No prefácio do livro de estréia, Primeiros cantos, ele define a liberdade métrica e a variedade temática que dominam a sua lírica:

Muitas delas (as poesias) não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezam regras de mera convenção; adotei todos os ritmos de metrificação portuguesa, e usei deles como me pareceram melhor com o que eu pretendia exprimir.

Não têm unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas - debaixo de céu diverso - e sob influência de impressões momentâneas.

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ÍndioA naturezaO amor impossível

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O elogio literário ao índio, como já foi observado, é mais do que uma convenção poética. Trata-se da reafirmação dos intuitos nacionalistas da primeira geração romântica, conseqüência direta do sentimento localista, posterior à Independência.

Em geral, essa literatura mescla elementos pitorescos (os habitantes do Novo Mundo) com a mitologia romântica européia (a teoria do bom selvagem), acrescidos de uma a visão idealizada (os índios são falsos e, às vezes, inverossímeis) e referências etnográficas que deveriam conferir um tom "verdadeiro" às obras (roupagens, armas, costumes, etc.). O objetivo era a elaboração de um herói mítico brasileiro, de um antepassado glorioso do qual a nação pudesse se orgulhar.

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A superioridade do autor maranhense sobre outros escritores indianistas resulta de três fatores:

 maior conhecimento da vida aborígene;uso épico e lírico de um índio ainda não

deculturado pelo homem branco;esplêndido domínio estilístico, sobretudo na

questão do ritmo e da estrutura melódica.

Vários de seus poemas, que tratam dos primitivos habitantes, tornam-se antológicos, entre os quais Marabá, O canto do piaga, Leito de folhas verdes e, principalmente, I-Juca Pirama.

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Este texto é uma espécie de síntese do indianismo de Gonçalves Dias seja pela concepção épico-dramática da bravura e da generosidade de tupis e timbiras, seja pela ruptura, ainda que momentânea, da convencional coragem guerreira, seja ainda pelo belíssimo jogo de ritmos que ocorre no texto.

I-Juca Pirama significa "aquele que vai morrer" ou "aquele que é digno de ser morto".

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Em sua abertura, o poeta apresenta o cenário onde transcorrerá a história:

No meio das tabas de amenos verdores,Cercadas de troncos - cobertos de flores,Alteiam-se os tetos de altiva nação. (...)São todos Timbiras, guerreiros valentes!Seu nome lá voa na boca das gentes,Condão de prodígios, de glória e terror!

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Em seguida, inicia-se um ritual antropofágico: "Em fundos vasos d'alvacenta argila / ferve o cauim. / Enchem-se as copas, o prazer começa, / reina o festim." O jovem prisioneiro tupi, que vai ser devorado, resolve falar antes do desenlace, e com "triste voz" narra a sua vida desventurada.

Ao metro anterior, de dez sílabas poéticas, plástico e alegre, sucedem-se os versos de cinco sílabas, curtos, rápidos, sincopados. Estas variações contínuas indicam que o ritmo varia de uma parte do poema a outra, traduzindo a multiplicidade de situações do argumento.

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Meu canto de morteGuerreiros, ouvi:Sou filho das selvas,Nas selvas cresci;Guerreiros, descendoDa tribo tupi Da tribo pujante,Que agora anda errantePor fado inconstante,Guerreiros, nasci:Sou bravo, sou forte,Sou filho do Norte;Meu canto de morte,Guerreiros, ouvi.

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O índio tupi no seu canto de morte lembra o velho pai, cego e débil, vagando sozinho, sem amparo pela floresta, e pede para viver:

 Deixai-me viver! (...)Não vil, não ignavo,*Mas forte, mas bravo,Serei vosso escravo:Aqui virei ter.Guerreiros, não choro;Do pranto que choro;Se a vida deploro,Também sei morrer. * Ignavo: preguiçoso.

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O chefe timbira manda soltá-lo. Não quer "com carne vil enfraquecer os fortes". Solto, o jovem tupi perambula pela floresta até encontrar o pai. Este, pelo cheiro das tintas utilizadas no ritual, pelo apalpar do crânio raspado do filho, e por algumas perguntas sem resposta, desconfia de uma terrível fraqueza diante dos inimigos. Pede então que o rapaz o leve até a aldeia timbira. Lá chegando, exige, em nome da honra tupi, que a cerimônia antropofágica ritual seja completada e que o filho seja morto. Mas o chefe timbira recusa-se, acusando o guerreiro tupi de ter chorado covardemente diante de toda a aldeia. Neste momento, o velho cego amaldiçoa o seu descendente:

 Tu choraste em presença da morte?Na presença de estranhos choraste?Não descende o cobarde do forte;Pois choraste, meu filho não és!Possas tu, descendente malditoDe uma tribo de nobres guerreiros,Implorando cruéis forasteiros,Seres presa de vis Aimorés. (...)

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Sê maldito, e sozinho na terra;Pois que a tanta vileza chegaste,Que em presença da morte choraste,Tu, cobarde, meu filho não és.

Mal termina a maldição, o velho escuta o grito de guerra do filho. Ouvindo o rumor da batalha, os sons de golpes, o pai percebe que o filho está lutando para manter a honra tupi, até que o chefe timbira manda seus guerreiros pararem, pois o jovem inimigo se batia com tamanha coragem que se mostrava digno do ritual antropofágico. Com lágrimas de alegria o velho tupi exclama: "Este, sim, que é meu filho muito amado!"

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Como chave de ouro do poema, ocorre uma transposição temporal no seu último canto. O leitor fica sabendo que os acontecimentos dramáticos vividos pelos dois tupis já tinham ocorrido há muito tempo e que tudo aquilo era matéria evocada pela memória de um velho timbira:

 Um velho timbira, coberto de glória,guardou a memóriado moço guerreiro, do velho Tupi! E à noite, nas tabas, se alguém duvidava do que ele contava,Dizia prudente: - Meninos, eu vi!

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Enquanto poeta da natureza, Gonçalves Dias canta o mar, o céu, os campos, as florestas, etc. No entanto, a natureza não tem um valor universal, só merecendo ser celebrada quando simbolizava seu país. A luz do sol, por exemplo, é sempre a imensa luz do sol brasileiro. Só aqui, no espaço da pátria, os elementos naturais se manifestam em sua plena majestade. Significativamente, ele deu a esta parte de sua obra o título de poesias americanas.

 Não é de surpreender também que no espetáculo e

nos contornos da natureza brasileira, o poeta se elevasse até Deus. Assim, nacionalismo e panteísmo se mesclam em sua lírica.

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A celebração da natureza entrelaça-se também com o sentimento saudosista. Gonçalves Dias é um homem nostálgico que lembra a infância, os amores idos e vividos e, antes de mais nada, um homem que, na Europa, sentira-se exilado. Por isso, a memória a todo momento o arrasta até a terra natal. E a pátria aparece sempre como natureza: palmeiras, céu, estrelas, várzeas, bosques e o indefectível sabiá.

 Canção do exílio sintetiza genialmente esta identificação

entre o país e sua expressão física. Desde o seu surgimento, tornou-se o poema mais conhecido do Brasil e, por derivação, o mais imitado e o mais parodiado. Talvez seja o nosso verdadeiro hino nacional.

 

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Contudo, se observamos este texto clássico, poderíamos argumentar que mesmo em Portugal, (onde o poema é escrito, no ano de 1843) há árvores e aves, bosques e várzeas. Aliás, em todos os países há uma natureza interessante a ser cantada. Mas, para Gonçalves Dias, é só na moldura do solo pátrio, que a natureza (brasileira) adquire um maior valor, um valor que em nenhum outro lugar ela pode ter.

 Estamos diante da essência do ufanismo romântico: minha

pátria é a melhor. Por outro lado, trata-se de uma verdade humana definitiva: qualquer indivíduo no exílio - independente da terra natal ser boa ou ruim - sempre guardará por ela uma amorosa e obstinada saudade. Assim, não é de estranhar que Canção do exílio se transformasse no nosso poema:

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Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá;As aves, que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas têm mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores. Em cismar - sozinho, à noite -Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.

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Minha terra tem primores,Que tais não encontro eu cá;Em cismar - sozinho, à noiteMais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra,Sem que eu volte para lá;Sem que desfrute os primoresQue não encontro por cá;Sem qu'inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabiá."

Page 42: Romantismo no Brasil Primeira Geração Poesia Romântica

A lírica amorosa de Gonçalves Dias é marcada pelo sofrimento. Em seus poemas, o amor raramente se realiza, é sempre ilusão perdida, impossibilidade vital de relacionamento. Entre a esperança e a vivência, entre a intenção e o gesto estão os abismos da experiência concreta. E a experiência concreta remete para o fracasso. "Cismar venturas e só topar friezas", eis a delimitação desse posicionamento. Em outro de seus versos, um dos mais desencantados, ele desabafa: "Amor! delírio - engano".

 Apaixonar-se é, pois, predispor-se à angústia e à

solidão. O poeta confessa sua afetividade, suplica a paixão da mulher, mas não obtém resposta. Resta-lhe, pois, o desespero. E

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Em poemas como Se se morre de amor, conseguiu dar dignidade a esse sofrimento:

Se se morre de amor! - Não, não se morre,Quando é fascinação que nos surpreendeDe ruidoso sarau entre os festejos;Quando luzes, calor, orquestra e floresAssomos de prazer nos raiam n'alma (...) Simpáticas feições, cintura breve,Graciosa postura, porte airoso*Uma fita, uma flor entre os cabelos,Um quê mal definido acaso podemNum engano d'amor arrebatar-nos.Mas isso amor não é, isso é delírio,Devaneio, ilusão que se esvaneceAo som final da orquestra, ao derradeiroClarão, que as luzes no morrer despedem:Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,D'amor igual ninguém sucumbe à perda.

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Amor é vida; é ter constantementeAlma, sentidos, coração - abertosAo grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,D'altas vitudes, té capaz de crimes!Compreender o infinito, a imensidade,E a natureza e Deus; gostar dos campos,D'aves, flores, murmúrios solitários;Buscar tristeza, a soledade, o ermo,E ter o coração em riso e festa.Isso é amor, e desse amor se morre! (...) Amá-la, sem ousar dizer que amamos,E, temendo roçar os seus vestidos,Arder por afogá-la em mil abraços:Isso é amor, e desse amor se morre!" *Airoso: esbelto, elegante