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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rodolfo Gasparini Morbiolo A relação esponsal entre Cristo e sua Igreja A Esposa de Cristo na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II MESTRADO EM TEOLOGIA SÃO PAULO 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rodolfo Gasparini Morbiolo

A relação esponsal entre Cristo e sua Igreja

A Esposa de Cristo na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II

MESTRADO EM TEOLOGIA

SÃO PAULO

2010

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Rodolfo Gasparini Morbiolo

A relação esponsal entre Cristo e sua Igreja

A Esposa de Cristo na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II

MESTRADO EM TEOLOGIA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Teologia – Dogma, sob a orientação de

Prof. Dr. Ney de Souza.

SÃO PAULO

2010

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTO

Embora uma das mais belas atitudes humanas, agradecer é das mais difíceis. Logo,

antes de fazê-lo quero afirmar que não dedicarei a ninguém em especial este trabalho, pois

não acredito haver alguém que o mereça mais que outro. E faço dos inícios deste gesto

pessoal, antes de agradecimento, um desabafo. Acredito que o método científico pode

suportar esta pequena quebra de protocolo, e meus amigos interlocutores um instante de

insanidade.

Se alguém me tivesse dito que viver seria tão difícil, e me tivesse dado uma alternativa

– que não tive – talvés tivesse aceitado. Não que esteja insatisfeito com minha vida, mas a

verdade é que o caminho tem se mostrado mais desafiador do que poderia parecer à primeira

vista. Muito semelhante ao que diz o caipira quando lhe perguntam sobre qual a distância do

lugar – para ele, habituado ao caminho, é logo ali; para os marinheiros de primeira viagem, a

distância parece interminável e desesperadora. Logo, portanto, mutatis mutandis, se alguém

me tivesse dito quão difícil seria enveredar pelos caminhos do mestrado em teologia

dogmática, associado às demais responsabilidades pastorais de jovem e ansioso sacerdote,

certamente eu o chamaria de louco, e o teria ignorado.

Não foi assim, mas poderia ter sido. E aqui estou – no final deste caminho. Percorrido

em meio a muitas lutas, sofrimentos, desânimos e lamentos. Nunca, em momento algum,

faltou-me a graça daquele que me escolheu antes da fundação do mundo e no qual creio – esta

provação não foi maior que sua providência. E justamente por isso, a Ele, meu Deus, eu

agradeço por primeiro, na intensidade da minha insignificância para a amplitude da sua

grandeza trinitária.

Aos demais, todos os amigos, como poderia não agradecer: minha paciente família,

pais e irmã, meus irmãos sacerdotes e bispo, por minhas inúmeras ausências justificáveis, mas

injustificadas. Ao povo sob minha responsabilidade pastoral, negligenciado na atenção, para

que eu pudesse falar do amor e da comunhão. Finalmente, ao caríssimo orientador Prof. Pe.

Ney de Souza, por sua atenção e respeito ao meu trabalho e à minha abordagem teológica.

O texto que apresento – tenho a mais sincera consciência disto – não é mais do que o

testemunho de minha juventude teológica; dos primeiros passos de uma reflexão que precisa

ser encarnada para viver, e produzir fruto. Termino com uma menção, um agradecimento e

uma prece, à Rainha e Padroeira do Brasil, Mãe minha e da Igreja: que sua intercessão dê

fecundidade sobrenatural ao meu esforço e humilde contribuição.

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RESUMO

A presente pesquisa bibliográfica estudou a abrangência e os limites da esponsalidade eclesial

na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II. Justifica-se tal procedimento devido à

importância do tema para a teologia da Igreja Católica, uma vez que profundamente enraizado

na Escritura, e em sua Tradição e Magistério; como também da necessidade da abordagem do

tema do amor esponsal no mundo atual como instrumento de evangelização. Partiu da

hipótese de que o Vaticano II não deu importância ao tema como princípio hermenêutico.

Tendo constatado a veracidade da hipótese, re-propôs o tema do amor esponsal, a partir da sua

interface comunional, como caminho de comunicação da teologia católica, quer com o mundo

científico, quer com a sociedade atual.

Palavras-chave: esponsalidade, Igreja, Jesus Cristo, comunhão eclesial

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ABSTRACT

This bibliography research examined the extent and limits of nuptial Church in the

Constitution on the Church of Vatican II. This procedure is justified because of the

importance of the issue to the theology of the Catholic Church, once deeply rooted in

Scripture and Tradition and its Magisterium, as well as the need to approach the theme of

conjugal love in the world today as an instrument of evangelization. Hypothesized that the

Vatican did not give importance to the issue as a hermeneutical principle. Having established

the veracity of the hypothesis, proposed the re-issue of spousal love – their ecclesial

communion interface – such as communication path of Catholic theology to the scientific

world and society today.

Keywords: nuptial, Church, Jesus Christ, ecclesial communion

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ABREVIATURAS

Ad gentes Decreto do Concílio Vaticano II

Aparecida Documento da Conferência Latino-Americana

BJ Bíblia de Jerusalém

Cat. Catecismo da Igreja Católica

Dei Verbum Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II

Deus Caritas est Encíclica do Papa Bento XVI

Dives in misericordia Encíclica do Papa João Paulo II

Ecclesia de Eucharistia Encíclica do Papa João Paulo II

Fides et ratio Encíclica do Papa João Paulo II

Gaudium et spes Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II

Lumen Gentium Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II

Mulieris dignitatem Carta Apostólica de João Paulo II

Perfectae caritatis Decreto do Concílio Vaticano II

Presbyterorum ordinis Decreto do Concílio Vaticano II

Sacrosanctum Concilium Constituição do Concílio Vaticano II

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ....10

CAPÍTULO I

Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal ....14

1.1 Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal, delimitados a Constituição sobre a Igreja ....14

1.1.1 O Apocalipse ....14

1.1.2 As Cartas Paulinas ....19

1.2 Outros Enraizamentos Bíblicos Presumíveis ....25

1.2.1 Os Evangelhos, e o Cristo-Esposo ....25

1.2.2 Notas Prefigurativas no Antigo Testamento de Deus-Esposo do seu Povo ....29

CAPÍTULO II

Abrangência e Limites da Esponsalidade no Concílio Vaticano II ....39

2.1 A Mentalidade do Concílio ....39

2.2 A Eclesiologia do Vaticano II ....47

2.2.1 Um Concílio Eclesiológico ....48

2.2.2 A História da Constituição sobre a Igreja ....51

2.2.3 Linhas Teológicas Fundamentais da Constituição sobre a Igreja ....54

2.3 Abrangência e Limites da Imagem Esponsal ....58

2.3.1 Da Sagrada Escritura ao Concílio Vaticano II ....60

2.3.2 Na Eclesiologia do Vaticano II ....66

2.3.3 Avaliação Crítica da Imagem Esponsal ....69

CAPÍTULO III

A Esponsalidade como Modelo de Comunhão ....72

3.1 A Comunhão Eclesial como Interface da Esponsalidade ....72

3.1.1 A Hermenêutica do Sínodo de 1985 ....73

3.1.2 A Interface Pneumatológico-Trinitária da Esponsalidade ....74

3.1.3 Os Modos de Comunhão na Igreja ....78

3.1.4 Esponsalidade como Comunhão ....81

3.2 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico na Ciência Teológica ....84

3.2.1 A Ciência Moderna como Problema Epistemológico ....86

3.2.2 A Ciência Teológica como Problema Epistemológico ....88

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3.2.3 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico ....91

3.3 A Envergadura Pastoral da Esponsalidade: Diálogo com a Teologia Latino-Americana ....92

CONCLUSÃO ....95

FONTES E BIBLIOGRAFIA ....97

I – FONTES ....97

A) Fontes Magisteriais ....97

B) Fontes Bibliográficas ....97

II – BIBLIOGRAFIA GERAL ....98

A) Magistério Eclesial ....98

B) Livros ....98

C) Artigos em Periódicos ..108

D) Dissertações ..109

E) Meios Eletrônicos ..109

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INTRODUÇÃO

A Igreja, que se manifesta como “povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do

Espírito Santo”1, tem, portanto, seu cerne no mistério da comunhão trinitária. A Eucaristia que

faz a Igreja é comunhão no Corpo e no Sangue de Cristo.2 É nesta relação profunda de

intimidade que Deus se revela, isto é, dá-se aos homens como a amigos3, procurando integrar-

lhes ao mistério do seu amor, comunicado por Jesus Cristo, seu Filho. É disto que a Igreja é

testemunha: do amor que levou Deus a enviar seu Filho ao mundo não para condená-lo, mas

para salvá-lo, entregando-o à morte para redimi-lo.4 Este testemunho ela o manifesta nas suas

atitudes eclesiais, quando vive sua solidariedade para com todos os seus membros, dentro e

fora da assembléia que manifesta sua consecução histórica.

São Paulo expressará este amor pela imagem de uma união esponsal entre Cristo e a

Igreja.5 Na verdade, ele retoma as tradições veterotestamentárias que já comemoravam o povo

escolhido sob a imagem da esposa, que em Deus tem seu amado, e que a busca e desposa

mesmo sendo infiel.6 São João associa esta imagem matrimonial a Cristo

7; imagem presente

também nos Evangelhos Sinóticos.8 No Apocalipse esta união esponsal comemora a alegria

messiânica que se manifestará no encontro da Jerusalém Celeste com seu Divino Esposo Jesus

Cristo.9

A Igreja que nasce da comunhão, precisa se concretizar pela comunhão, pois ela não é

tão somente esposa, mas sendo esposa – recordando a imagem da mulher original tirada do

marido original10

– é corpo do Corpo de Cristo, isto é, é feita do seu Corpo, na multiplicidade

dos seus membros. Deste modo, faz-se indispensável, que a solidariedade comum estabeleça,

ou ainda concretize, a comunhão fundante e originante.

As rupturas da comunhão, ao longo dos séculos, legaram para a humanidade um sinal

eclesial de salvação divido em si mesmo, que parece até mesmo ignorar as raízes profundas

da sua unidade com Deus e com os irmãos. É o que constataram os bispos latino-americanos

1 Cf. Lumen Gentium, 4. 2 Cf. 1Cor 10,16-17. E também, cf. Ecclesia de Eucharistia, 23.34-46. 3 Cf. Dei Verbum, 2. 4 Cf. Jo 3,16-17. 5 Cf. Ef 5,25-26. 6 Cf. Os 1,2; Ez 16,1. 7 Cf. Jo 3,29. 8 Cf. Mt 9,15; Mc 2,19; Lc 5,34. E também, cf. Mt 22,2; 25,1 – como seus paralelos lucanos. 9 Cf. Ap 19,7; 21,2. 10 Cf. Gn 2,18-24.

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em Conferência: a necessidade de uma vida missionária que brote de uma verdadeira simbiose

da comunhão com Cristo.11

Embora a imagem da Igreja apresentada pelo Concílio Vaticano II tenha valorizado

sua face espiritual e misteriosa12

, esta ainda é um desafio àquela fé que tende apenas à

visibilidade estrutural da Igreja. Ante esta necessidade, esta monografia pretende pesquisar na

imagem mistérica da Igreja Esposa de Cristo sua identidade comunional, essencial para a

unidade com o plano salvífico de Cristo, indispensável para solidariedade do Povo de Deus no

Corpo Místico de Cristo.

A hipótese principal desta dissertação apóia-se em um pressuposto fundamental,

argumentado por Congar a respeito da produção documental do Concílio Vaticano II. A saber:

[...] o Concílio discutiu, trabalhou em comissões [...] e esse trabalho

desembocou em alguns textos. [...] Trata-se de textos, isto é, de conjuntos de

idéias. Ora, é preciso, depois disso, que essas idéias sejam aplicadas de modo

concreto. Evidentemente, elas mesmas têm o seu dinamismo próprio. E creio

que haja realmente, nesse domínio, um dinamismo do Concílio. [...] se o

Concílio teve um sentido, foi de passar do domínio ideal ou ideológico para o

concreto da vida da Igreja.13

Transpondo o limiar ideológico, na sequência da afirmação de Congar, da necessária

concretização ou realização dos ideais conciliares, tem lugar a argumentação do Papa Bento

XVI quando afirmou em sua primeira encíclica que “no início do cristianismo não há uma

decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa

que dá à vida um novo horizonte e, assim, o rumo decisivo”14

. Logo, o encontro eclesial com

Jesus Cristo parece ser o lugar decisivo, no qual o ser humano, redimido por Cristo,

redescobre e concretiza sua vocação fundamental: “resposta ao dom do amor com que Deus

vem ao nosso encontro”15

. A Igreja, melhor dizendo, a comunidade eclesial, “família de Deus

no mundo”16

, apresenta-se como sendo o lugar do encontro, isto é, o espaço para a fecunda e

necessária união de Deus com sua humanidade, estabelecida desde a Pessoa e Obra do seu

Filho Jesus, Senhor e Cristo.

11 Cf. Aparecida, 154-239. 12 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea. Encontro com a modernidade. SP: Loyola, 2002, p. 94 e

ALMEIDA, Antônio José de. Lumen Gentium – A transição necessária. SP: Paulus, 2005, p. 47-60. 13 Cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono. SP: Loyola, 1990, p. 9. 14 Cf. Deus Caritas est, 1. 15 Cf. Id. 16 Cf. Ibid., 25.

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12

É sobre essa união, que performa e atualiza a família de Deus no mundo – no

horizonte da história da humanidade, embora o transcenda – dita esponsal, que argumenta a

Constituição sobre a Igreja:

Cristo ama a Igreja como sua esposa, tornando-se o modelo do marido que

ama a esposa como ao seu próprio corpo; e a Igreja, por seu lado, está sujeita a

Cristo, sua cabeça. “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da

divindade”, para que ela procure e alcance toda a plenitude de Deus.17

Ao caminhar por entre as tentações e as provas, [a Igreja] é fortalecida pelo

conforto da graça de Deus, que o Senhor lhe prometera, para que na fraqueza

da carne, se não afaste da fidelidade perfeita, mas se conserve sempre como

esposa digna do seu Senhor e nunca deixe de renovar-se pela ação do Espírito

Santo, até que pela cruz, atinja aquela luz que não conhece ocaso.18

[A Igreja] é também a virgem, que guarda íntegra e pura a fé jurada ao

Esposo, e, à imitação da Mãe do seu Senhor, pela graça do Espírito Santo,

conserva virginalmente íntegra a fé, sólida a esperança, sincera a caridade.19

Os padres conciliares tiveram, pois, a consciência, que esta mistérica união de Cristo

com sua Igreja, embora instaurada no tempo, não se restringe a ele, mas o ultrapassa na

proporção do amor que manifestou em palavras e obras, fundado no seu próprio ser. Assim

sendo, completa o documento conciliar:

A Igreja que é ainda chamada “Jerusalém do alto” e “nossa mãe” (Gl 4,26; Ap

12,17), é descrita também como esposa imaculada do Cordeiro imaculado

(Ap 19,7; 21,2.9; 22,17), que Cristo “amou... e se entregou por ela a fim de

santificá-la” (Ef 5,25-26), que uniu a si em aliança indissolúvel, e que

17 Cf. Lumen Gentium, 7. E também, cf. Ef 3,16; 5,23-28; Cl 2,9. Acrescente-se: “Nós cremos que a Igreja, cujo

mistério é exposto no Sagrado Concílio, é indefectivelmente santa. Na verdade, Cristo, o Filho de Deus, que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado „o único Santo‟, amou a Igreja como sua esposa, entregando-se a si mesmo

por ela a fim de a santificar (cf. Ef 5,25-26); uniu-a a si como seu corpo e enriqueceu-a com o dom do Espírito

Santo, para a glória de Deus” – cf. Ibid., 39. Da santidade da Igreja, que busca a santidade do seu Senhor, devem

haurir os estados de vida na sua escolha por parte dos fiéis; é o que sustenta a mesma Constituição acerca dos

esposos na situação familiar e dos consagrados ao serviço divino no seu testemunho de vida – cf. Ibid., 41.44. 18 Cf. Ibid., 9. 19 Cf. Ibid., 64. Acrescente-se: “A Igreja, refletindo piedosamente sobre Maria e contemplando-a à luz do Verbo

feito homem, penetra cheia de respeito, mais e mais no íntimo do altíssimo mistério da encarnação, e vai

tomando cada vez mais a semelhança do seu Esposo” – cf. Ibid., 65.

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incessantemente “alimenta e dela cuida” (Ef 5,29); esposa que Jesus Cristo

purificou e quis unida e sujeita a si no amor e na fidelidade (Ef 5,24), e que,

finalmente, encheu para sempre de bens celestes, a fim de que nós possamos

compreender a caridade de Cristo para conosco, caridade que excede todo o

conhecimento. Mas enquanto, aqui na terra, a Igreja prossegue na sua

peregrinação longe do Senhor (2Cor 5,6), busca e antegoza já agora, no exílio,

as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, onde a vida da

Igreja se encontra escondida com Cristo em Deus, até aparecer refulgente de

glória com seu Esposo (Cl 3,1-4).20

A presente elaboração teológica, portanto, pesquisará a esponsalidade da Igreja em

relação a Jesus Cristo, conforme sustentam as declarações conciliares citadas acima. E parte

da hipótese fundamental de que o Concílio Vaticano II não valorizou em profundidade as

dimensões teológico-sistemáticas da esponsalidade, enquanto imagem mistérica da Igreja;

nuances que parecem ter o potencial para servir de base epistemológica para o diálogo a

respeito da comunhão eclesial, na teologia e na Igreja, com vistas ao processo de

evangelização do mundo contemporâneo.

Para tanto, o primeiro capítulo examinará o enraizamento bíblico da esponsalidade,

desde o encadeamento teológico das citações apresentadas no concernente à imagem esponsal

na Constituição sobre a Igreja. Em seguida, no segundo capítulo, procurar-se-á evidenciar

tanto a abrangência, quanto os limites da esponsalidade, segundo a mesma Constituição,

inserida no contexto mais amplo da mentalidade conciliar, para verificar a probidade da

hipótese insinuada acima. Finalmente, no terceiro capítulo, terá lugar a evidenciação do nexo

semântico entre o conceito de esponsalidade e o de comunhão, caminho para uma re-

interpretação da eclesialidade conciliar dentro dos parâmetros definidores desta dissertação.

20 Cf. Ibid., 6. E também, cf. Gl 4,26; Ef 5,23-28; 2Cor 5,6; Cl 3,1-4; Ap 12,17; 19,7; 21,2.9; 22,17. Acrescente-

se: “Com a força do Evangelho, [o Espírito Santo] faz ainda rejuvenescer a Igreja, renova-a continuamente e

eleva-a a união consumada com seu Esposo. Pois o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: „Vem” – cf. Ibid.,

4. E também, cf. Ap 22,17.

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CAPÍTULO I

Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal21

Considerando o acento eclesiológico desta pesquisa e reconhecendo sua delimitação

temática à Constituição Dogmática sobre a Igreja do Vaticano II, optou-se por desenvolvê-la,

neste capítulo, primeiramente à luz dos textos bíblicos citados no mesmo documento do

Concílio. A mencionada Constituição dá realce imediato para a projeção escatológica da

Igreja, apoiando-se nos textos do Apocalipse, alicerçando-a imediatamente na descrição

paulina. Em seguida, como se verá, foram adicionados outros enraizamentos bíblicos

presumíveis, fundamentados na compreensão da relação esponsal na perspectiva do Cristo-

Esposo dos Evangelhos, e do Deus-Esposo do Antigo Testamento, como substrato bíblico

indispensável para a compreensão dessa imagem eclesial.

1.1 Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal, delimitados à Constituição sobre a

Igreja22

1.1.1 O Apocalipse23

A interpretação cristã do livro do Apocalipse reconhece uma identificação da Igreja

com a Jerusalém celeste, esposa de Cristo.24

Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se

as núpcias do Cordeiro, e sua esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se

21 Citações bíblicas seguem BJ. 22 Ultimamente, em 1991, em uma série de catequeses publicadas no jornal L’ Osservatore Romano, o Papa João

Paulo II tratou da temática do enraizamento bíblico da Imagem Esponsal da Igreja – cf. JOÃO PAULO II. A

Igreja. 51 catequeses do papa sobre a Igreja. 2.ed. Lorena: Cléofas, 2004, p. 71-85. De modo sistemático, em

1988, antes, porém, a temática apareceu no capítulo VII de sua Carta Apostólica dedicada à reflexão sobre a

dignidade e a vocação da mulher – cf. Mulieris dignitatem, p. 85-101. 23 A abordagem do livro do Apocalipse será mediada por PRIGENT, Pierre. O apocalipse. 2.ed. SP: Loyola,

2002, e CORSINI, Eugênio. O Apocalipse de São João. SP: Paulinas, 1984; apoiada em MAGNOLFI, Maria. A

Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. A Igreja e seu mistério/I. SP: Cidade Nova, 1984, p. 145-149 e PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. A esponsalidade de Cristo com a

Igreja. 2ª Parte: O Novo Testamento. Teocomunicação. Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia da

PUCRS. Porto Alegre: PUCRS, v.38, n.160, maio/ago. 2008, p. 241-245. 24 É conveniente ressaltar que em Ap 19,7 o termo utilizado para designar a esposa ou noiva é gine, enquanto em

Ap 21,2.9 e Ap 22,17 aparece nimfe. Na verdade, mesmo no que diz respeito a Ap 19,7 há manuscritos que

fazem figurar nimfe em vez de gine, o que seria muito mais apropriado considerando que na tradição sinótica

quando refere-se a Jesus Cristo, sob a figura de Esposo, utiliza-se o termo nimfios. Prigent enfatiza que nimfe

também comporta um sentido bem mais amplo que gine, isto é, mulher, esposa, noiva – cf. PRIGENT, Pierre.

Op. cit., p. 397.

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15

com linho puro, resplandecente – pois o linho representa a conduta justa dos

santos.25

Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém

nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para o seu marido. [...] Depois,

um dos sete Anjos das sete taças cheias com as sete últimas pragas veio até

mim e disse-me: “Vem, vou mostrar-te a Esposa, a mulher do Cordeiro!”. Ele

então me arrebatou em espírito sobre um grande e alto monte, e mostrou-me a

Cidade santa, Jerusalém, que descia do Céu, de junto de Deus, com a glória de

Deus.26

O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” Que aquele que ouve diga também:

“Vem!” Que o sedento venha, e quem o deseja, receba gratuitamente água da

vida.27

Está evidente nos excertos acima o tema da esponsalidade sob as imagens das núpcias

do Cordeiro e da preparação da Esposa, como afirma Prigent: “a esposa (a Igreja) recebeu de

Deus as vestes adaptadas à cerimônia. [...] As manifestações humanas da salvação, [...] as

provas evidentes do poder de Deus”, de modo a atestar com convicção uma nova ordem das

coisas, agora direcionadas para a vida eterna: vida dos cristãos, “vencedores através de Cristo

e com Cristo”, que hão de partilhar do seu reinado.28

25 Cf. Ap 19,7-8. A BJ coloca este texto em paralelo com o texto do profeta Isaías: “Transbordo de alegria em

Iahweh, minha alma se regozija no meu Deus, porque me vestiu com vestes de salvação, cobriu-me com o manto

de justiça, como o noivo que se adorna com o diadema, como a noiva que se enfeita com suas jóias” – cf. Is 61,10. Também são admissíveis outras associações, cf. Is 62,4-5; 65,18. 26 Cf. Ap 21,2.9-10. A descrição da opulência da Jerusalém celeste, de algum modo, de acordo com a BJ, coloca-

nos em contato com a introdução da visão de Ezequiel do templo futuro que culminará no retorno da “Glória de

Iahweh” sobre este lugar – cf. Ez 40,2; 43,2. Também podemos associar o texto de Isaías que põe em relevo o

esplendor de Jerusalém: “Põe-te de pé, resplandece, porque tua luz é chegada, a glória de Iahweh raia sobre ti.

Com efeito, as trevas cobrem a terra, a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se Iahweh e sua glória

aparece sobre ti. [...] Não terás mais o sol como luz do dia, nem o clarão da lua te iluminará, porque Iahweh será

tua luz para sempre, e teu Deus será teu esplendor. [...] Teu povo, todo constituído de justos, possuirá a terra para

sempre, como um renovo de minha própria plantação, como obra das minhas mãos, para minha glória” – cf. Is

60,1-2.19.21. 27 Cf. Ap 22,17. O final deste texto nos remete à profecia de Isaías sobre os tempos messiânicos, nos quais haveria abundância de água para matar a sede e alimento para a fome: “Ah! Todos que tendes sede, vinde às

águas. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai, sem dinheiro e sem pagar, vinho e

leite” – cf. Is 55,1. A água, símbolo veterotestamentário e profético da vida, no Novo Testamento é símbolo do

Espírito comunicado por Jesus Cristo; é o que nos recorda a BJ citando o Evangelho de João: “[...] mas quem

beber da água que lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele fonte de água

jorrando para a vida eterna” – cf. Jo 4,14. Ou ainda da citação do livro do Apocalipse: “Eu sou o Alfa e o

Ômega, o Princípio e o Fim; e a quem tem sede eu darei gratuitamente da fonte de água viva” – cf. Ap 21,6. 28 Cf. Ibid., p. 325-326. Acrescente-se: “É a última etapa da história da salvação. Ela suscita alegria escatológica.

E a obediência dos homens é levada à dignidade de preparativos da grande festa de Deus” – cf. Ibid., p. 334.

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A nova Jerusalém é o símbolo da reconciliação que houve entre a humanidade

e Deus, da nova aliança, eterna e definitiva, do novo povo escolhido que Deus

elegeu não mais numa única nação, mas “de todas as nações, tribos, povos e

línguas”. Neste sentido, ela representa a Igreja que, embora seja a retomada e

a continuação do antigo Israel, acolhe e salva todas as nações.29

O tema nupcial introduzido em Ap 19,7 será aprofundado em Ap 21,2.9. A referência

fundamental repousa no relacionamento de Deus com seu povo, refletido na literatura

profética veterotestamentária, na qual o Senhor se une a Israel “e espera dele, como de uma

esposa a fidelidade”30

.

Prigent recorda que neste primeiro nível de compreensão a imagem nupcial está

projetada no passado, sem conotações messiânicas, pois explora um vínculo já estabelecido.

Por outro lado, nos escritos do cristianismo primitivo, “as características escatológicas e

messiânicas estão nitidamente presentes”, isto é, “a imagem das núpcias do Messias remete

para o Reino”.31

Isto verifica-se tanto nos evangelhos como nas epístolas. [...] A ênfase é então

uma exortação a responder ao chamado escatológico dirigido por Deus,

passando para um segundo plano o próprio tema do casamento. Outras vezes,

ao contrário, a imagem é explorada para ressaltar a união do esposo (o Cristo)

com a esposa que ele escolheu (a Igreja). [...] Teríamos aí, na sua

especificidade e sua novidade, a interpretação cristã da velha imagem

profética.32

O tema, assim explorado, ressalta que a esposa preparou-se, a si mesma, para o seu

esposo.33

É fato que esta interpretação coloca-se em paralelo com a desenvolvida na Carta aos

Efésios, na qual, é Cristo quem toma a Igreja para si e a prepara, “purificando-a” e

Corsini enfatizaria que tema no qual desembocam os textos apresentado é o da morte de Cristo como

fundamento para a reunião dos escolhidos no Reino messiânico, isto é, a Jerusalém celeste – cf. CORSINI, Eugênio. Op. cit., p. 367-386. 29 Cf. Ibid., p. 371. E também, cf. Ap 1,20; 7,9; 21,25-26; 22,2. 30 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 331. 31 Cf. Ibid., p. 331-332. 32 Há, porém, que se considerar, enfatiza Prigent, que a presente teoria passa muito rápido ao largo do judaísmo,

especialmente o de caráter rabínico, pois apoiado-nos no Sl 45, é possível entrever uma proclamação de núpcias

messiânicas em um casamento régio, o que nos levaria a entrever um caráter não apenas messiânico, mas

escatológico nas tradições sapienciais de Israel – cf. Ibid., p. 332. 33 Cf. Ibid., p. 332-333.

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“santificando-a”.34

Aqui, porém, a Igreja tem uma postura ativa diante das vestes que lhe

foram concedidas, enfatiza Prigent35

– autorizada, ela “se enfeitou para o seu marido”36

.

Em Ap 21,2, considerando a preparação nupcial da esposa, isto é, da Igreja, associa-se

a ela a imagem da Jerusalém celeste, bem como da glorificação da realidade humana, como “o

mundo da nova criação”37

.

Prigent evoca Ez 16,11-13 para falar da solidez desta tradição profética que vê numa

“mulher magnificamente vestida e enfeitada de jóias [...] a glória com que Deus revestiu

Jerusalém”38

.

A mulher ornada para o cordeiro evidentemente contrasta fortemente com a

grande prostituta, cujas ricas vestes e jóias procuravam apenas proclamar ao

mundo e a si mesma a sua própria glória, penhor enganoso de segurança, e até

de eternidade.39

E finaliza, enfatizando que não se fará menção maior à noiva, que remonta de Ap 19,7

e Ap 21,2, senão na introdução da próxima perícope em Ap 21,9, quando serão descritas as

características da Jerusalém celeste. A razão poderia ser esta: “o mundo novo é na realidade

identificável com a Jerusalém celeste, já que uma e a mesma imagem da esposa é capaz de

representar os dois de maneira satisfatória”40

.

34 Cf. Ef 5,25-27. 35 Cf. Ibid., p. 333-334. 36 Cf. Ap 21,2. Situamo-nos no cenário da consumação do mistério eclesial. Neste sentido, é válido distinguir

este momento de projeção escatológica, daquele enunciado na Carta aos Efésios, que parece dar indicações para a consecução histórica da comunidade cristã, com referências ao mistério. Corsini insiste, porém, em ressaltar

que no livro do Apocalipse a distinção estabelecida entre o Espírito e a Esposa que gritam à chegada de Cristo

parece insinuar “ainda um momento de espera”, embora sua irrupção seja “iminente” – cf. CORSINI, Eugênio.

Op. Cit., p. 398. 37 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 384. Acrescente-se: “A verdade revelada chama com efeito a descobrir que a

Igreja goza de um estatuto estranho, que as categorias habituais da linguagem não conseguem traduzir: ela é

chamada a ser um reino escatológico, a dar testemunho aqui na terra de uma existência nova, eterna e celeste.

Quando este ministério profético for exercido com uma fidelidade total, quando ele for universalmente

conhecido e aceito, então se poderá afirmar que tudo está cumprido, o que pode ser expresso em um registro

temporal (o fim dos tempos) ou espacial (a Jerusalém celeste desce à terra)” – cf. Ibid., p. 386. 38 Cf. Ibid., p. 336. Acrescente-se: “Aqui é grande o testemunho da Igreja. É a glória que ela irradia quando aparece como Mulher vestida de sol (cf. Ap 12)” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-

Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 148. 39 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 387. 40 Cf. Ibid., p. 397. Acrescente-se: “Note-se, todavia, que o paralelismo, embora intencional, não é continuado;

[...] é evidente que o simbolismo das núpcias teria apresentado perigos” – cf. Id. Neste sentido, é prudente

ressaltar o posicionamento de Prigent, citado em Pereira e Santos, com relação à unidade literária de Ap 21:

Prigent situa o versículo 2 e 9 em duas perícopes diferentes, sem unidade literária entre eles. As razões de crítica

textual são descritas cf. Ibid., p. 377-380, e citadas resumidamente em PEREIRA, Edson; SANTOS, Manoel

Augusto. Op. cit., p. 242-243. Isto, porém não prejudica a compreensão da temática abordada.

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Antes, porém, de identificar a relação Cordeiro-Esposa o livro do Apocalipse enuncia

a imagem do Cristo-Cordeiro41

, com aspectos altamente significativos.

Magnolfi recorda o substrato veterotestamentário da imagem do Cordeiro: em

primeiro lugar, enraíza-o na evocação do cordeiro pascal de Ex 12; em seguida, explica-a a

partir da figura do servo sofredor de Is 53,7. O aspecto sacrifical está presente e atuante na

teologia do Apocalipse, porém não está isolado ou finalizado, isto é, o Cordeiro “como que

imolado” está “de pé”, o que na consideração de Magnolfi refere-se estreitamente à Morte e

Ressurreição de Jesus.42

Para Prigent o irrecusável na interpretação desta imagem de Cristo é

que o Cordeiro do Apocalipse “é um vencedor” e “seu sacrifício assegura a redenção, como o

do cordeiro pascal”.43

Este é o esposo que se apresenta para as núpcias: uma figura que

exprime “um significado cristológico de grande intensidade, é o Cristo com todas as

potencialidades de sua morte e ressurreição, empenhado em cheio no desenvolvimento da

história”44

.

Em Ap 22,17 ressoa o caráter litúrgico do livro do Apocalipse.45

Magnolfi fala aqui de

uma Igreja que amadureceu sua consciência esponsal, tornando-se capaz de unir sua voz à do

Espírito para rezarem juntos.46

Prigent, por sua vez, procura aprofundar o significado do

Espírito que está unido à Igreja-Esposa: “é o espírito dos profetas, o espírito profético, que o

nosso autor teve o cuidado de precisar que não é outro senão o testemunho de Jesus”47

. É o

Espírito “que ao longo das Cartas às Igrejas [...] faz o próprio Jesus falar”48

. E termina:

“através desta oração decidida, o homem atinge a aspiração da criação que através dos sinais

escatológicos, está orientada para a vinda de Cristo”49

. Corsini ainda completaria, que o

41 Cf. Ap 5,6. 42 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 145. Neste sentido, Prigent é mais prudente. Ao resumir o posicionamento de comentadores a respeito das

referências em relação ao Cordeiro do Apocalipse, ele recorda, citando José Comblin, que “Is 53 é uma das raras

profecias do AT [Antigo Testamento] que oferecem uma possível base para a exploração do binômio morte-

ressurreição e para sua aplicação a Cristo. Mas nada há no Apocalipse que a sublinhar esta possível

correspondência” – cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 116-117. Por outro lado, concorda com o vinculo, segundo

ele “dificilmente contestável”, com o Cordeiro pascal e com o efeito redentor do seu sacrifício. 43 Cf. Ibid., p. 117. 44 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 146. Acrescente-se: “Investido de toda a sua energia messiânica (sete chifres), tem a plenitude do Espírito (sete olhos), que ele possui enquanto Ressuscitado e que envia como energia sua para toda a terra” – cf. Id. Para

aprofundar os dois simbolismos, os chifres e os olhos – cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 118. 45 Cf. Ibid., p. 425-426 e MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI,

Maria; et alli. Op. cit., p. 148-149. 46 Cf. Ibid., p. 148. 47 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 425. 48 Cf. Ibid., p. 425. 49 Cf. Ibid., p. 426. Acrescente-se: “São as únicas palavras na Escritura, em conclusão ao Apocalipse,

pronunciadas em primeira pessoa pela Esposa. [...] Ela, de fato, pode-se dizer que [...] está diante de Cristo como

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aspecto litúrgico de todo o livro do Apocalipse, como de um modo especial desta perícope,

salienta que “a idéia da vinda de Cristo a seus fiéis ocorre – não unicamente, mas de modo

privilegiado e perfeito – na assembléia litúrgica [na qual] Cristo está verdadeira e

concretamente presente”50

no meio dos seus.

1.1.2 As Cartas Paulinas51

A Carta aos Efésios apresenta sua concepção “doméstica”52

– ou “familiar” – de

Igreja, como Igreja em relação a Cristo. Assim, a união entre o homem e sua mulher acaba

esclarecida pela relação esponsal de Cristo para com sua Igreja. E, analogamente, a união

humana tipificada pelo mistério da relação entre Cristo e sua Igreja.

Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres estejam sujeitas

aos maridos, como ao Senhor, porque o homem é cabeça da mulher, como

Cristo é cabeça da Igreja e o salvador do Corpo. Como a Igreja está sujeita a

Cristo, estejam as mulheres em tudo sujeitas aos maridos. E vós, maridos,

amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a

fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para

apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa

semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim, também os maridos devem

amar suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama sua

mulher ama-se a si mesmo, pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne,

antes alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque

somos membros do seu Corpo. “Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe

e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne.” É grande este mistério:

um alguém, um sujeito, uma pessoa” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In:

MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 149. 50 Cf. CORSINI, Eugênio. Op. cit., p. 397. 51 A abordagem das cartas paulinas, bem como de sua teologia, será mediada por BARBAGLIO, Giuseppe. As

Cartas de Paulo (I). SP: Loyola, 1989 e FABRIS, Rinaldo. As Cartas de Paulo (III). SP: Loyola, 1992; apoiada

em MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p.

141-144, e PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 245-250. Também, cf. BAUMERT,

Norbert. Mulher e Homem em Paulo. Superação de um mal entendido. SP: Loyola, 1999, p. 193-229; CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo. SP: Teológica, SP: Paulus, 2003, p. 270-284 e CERFAUX,

Lucien. O cristão na teologia de Paulo. SP: Teológica, SP: Paulus, 2003, p. 527-553. 52 Título apresentado pela BJ ao excerto da Carta aos Efésios (cf. Ef 5,21), que de fato está inserido na parte

parenética da carta, dedicada às orientações morais e éticas às comunidades fundadas pelo apóstolo. Embora, o

acento pareça ser mais teológico, que necessariamente parenético – cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 192-193.

Deter-nos-emos na corrente da tradição que considera a Carta aos Efésios como recorrente ao corpo teológico

paulino, com relação direta com a Carta aos Colossenses. Para uma interpretação diferenciada, cf. SCHNELLE,

Udo. Evolução do pensamento paulino. SP: Loyola, 1999 e CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de Paulo,

p. 528-537.

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refiro-me à relação entre Cristo e sua Igreja. Em resumo, cada um de vós

ame sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido.53

A Carta, citada acima, apresenta a relação esponsal como um mistério. Não uma

realidade oculta, mas revelada; tema bastante apropriado à teologia paulina que lê no

evangelho anunciado por São Paulo e na mensagem proclamada por Jesus Cristo,

[...] revelação de mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos,

agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do

Deus eterno, dado a conhecer a todas as nações, para levá-las à obediência da

fé [..]54

Na teologia paulina este mistério revelado à Igreja, que tem em São Paulo seu

ministro55

, comemora a salvação operada pela cruz de Cristo56

, bem como a exortação aos

gentios para a conversão57

, de modo a reunir num único povo todas as nações58

, sob a

obediência de uma única fé.

Este plano de salvação, ou de recapitulação59

de todas as coisas em Cristo, não apenas

comemora a salvação pela cruz, como enfatizado acima, mas atribui seu afeito, e o faz através

do batismo, no qual “fomos sepultados com ele na morte, para que como Cristo foi

ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova”60

.

53 Cf. Ef 5,21-33 – grifos nossos. A orientação doméstica parece colocar-nos em contato com o texto da Carta de

Pedro (cf. 1Pe 3,1-7); nela não há alusão clara ao mistério de Cristo e da Igreja. No entanto, a sujeição da mulher

ao homem, como sua cabeça, à semelhança de Cristo a Deus, esta já transparece na Carta aos Coríntios (cf. 1Cor 11,3.8-9); neste texto também é evocada a origem da mulher como tirada do homem, fazendo ressoar Gn 2,23-

24, de modo semelhante à Carta aos Efésios. De algum modo, porém, a construção do texto da Carta aos Efésios

nos recorda a aliança e o juramento que Deus fez com Jerusalém, sua esposa infiel: “Banhei-te com água, lavei o

teu sangue e te ungi com óleo” – cf. Ez 16,9. 54 Cf. Rm 16,25-26. Acrescente-se: “Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus antes dos

séculos, de antemão destinou para nossa glória. [...] A nós, porém, Deus o revelou pelo Espírito. Pois o Espírito

sonda todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus” – cf. 1Cor 2,7.10. Ou ainda: “Às gerações e aos

homens do passado este Mistério não foi dado a conhecer, como foi agora revelado aos seus santos apóstolos e

profetas, no Espírito [...] de pôr em luz dispensação do mistério oculto desde os séculos em Deus, criador de

todas as coisas, para dar a conhecer [...], por meio da Igreja, a multiforme sabedoria de Deus” – cf. Ef 3,5.9-10. E

também: “[Da Igreja] me tornei ministro, [...] para levar a bom termo o anúncio da Palavra de Deus, o mistério escondido desde os séculos e desde as gerações, mas agora manifestado aos seus santos” – cf. Cl 1,25-26. 55 Cf. Rm 16,25; Cl 1,23; 4,3; Ef 3,3-12; 6,19. 56 Cf. 1Cor 2,8. 57 Cf. Rm 11,25; 16,26; Cl 1,26-27; Ef 3,6. 58 Cf. Ef 1,9-10. 59 Cf. Ef, 1,10. 60 Cf. Rm 6,4. Acrescente-se: “[...] sabendo que Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre, a

morte não tem mais domínio sobre ele. [...] Assim também vós, considerai-vos mortos para o pecado e vivos

para Deus em Cristo Jesus” – cf. Rm 6,9.11.

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Assim, o mistério revelado que purifica, também nutre com a graça, pois capacita àqueles que

foram salvos para a realização das obras que caracterizam a sua nova condição.61

Este, porém, não é o único testemunho paulino da relação esponsal, embora pareça ser

“o principal texto neotestamentário”62

sobre este tema. Também Paulo compara seu ministério

à missão de preparar e apresentar a Cristo sua Esposa, na Carta aos Coríntios: “Experimento

por vós um zelo semelhante ao de Deus. Desposei-vos a esposo único, a Cristo, a quem devo

apresentar-vos como virgem pura”63

.

Assim, ao caráter escatológico de consumação da relação esponsal, próprio do

Apocalipse, se assoma na teologia paulina da Carta aos Efésios, a sua consecução histórica64

,

isto é, não há que esperar apenas para o retorno de Cristo, para o futuro, mas se perfaz, de

algum modo, já no presente: é Cristo que alimenta e cuida da Igreja, como um marido que

serve à sua esposa, preparando-a para a união definitiva.65

E o faz através do ministério do

Apóstolo: desposa e purifica. Conseqüentemente: “a imagem apocalíptica da Cidade Santa,

que desce do Céu, realiza-se constantemente na Igreja como imagem de um povo a

caminho”66

.

Um povo a caminho que tem consciência da sua limitação e da necessidade da graça

de Cristo para alcançar seu objetivo, como afirma o Concílio Vaticano II: “a Igreja que reúne

em seu seio os pecadores, [...] sempre necessitada de purificação, sem descanso dedica-se à

penitência e à renovação”67

. E o faz, “no poder do Senhor ressuscitado”, sua Cabeça, seu

61 Cf. Gl 4,1-9; Ef 2,8-10; 2Cor 5,16-18. 62 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 245. Conste, porém, que Bucker, na

fundamentação bíblica do modelo da Esposa de Cristo, não se prende ciosamente neste texto, antes cita o

testemunho de Paulo em 2Cor 11,2, no qual o Apóstolo interpreta sua missão como inserida no processo de

preparação e apresentação da Igreja-Esposa para o seu marido Cristo – cf. BUCKER, Bárbara Pataro. O feminino da Igreja e o conflito. RJ: Vozes, 1995, p. 116. De fato, esta atitude paulina liga-se mais intimamente à tradição

veterotestamentária enunciada no profeta Oséias (cf. Os 1,2). Para um exame mais aprofundado desta temática

verificar o estudo do “feminino na eclesiologia da esposa de Cristo” – cf. Ibid., p. 191-228. 63 Cf. 2Cor 11,2. Esta pesquisa não ignora as dificuldades relativas à unidade literária e redação da Segunda

Carta aos Coríntios, cf. SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 28-31, contudo não pode deixar de reconhecer o

entrelaçamento dos temas apresentados anteriormente na teologia paulina e neotestamentária. Sejam, também,

consideradas as relações teológicas entre a Carta aos Efésios e a Carta aos Colossenses, cf. FABRIS, Rinaldo.

Op. cit., p. 107-144; bem como em CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo, p. 270-276 e CERFAUX,

Lucien. O cristão na teologia de Paulo, p. 485-496.527-536. 64 Cf. JOÃO PAULO II. Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In:

JOÃO PAULO II. A Igreja, p. 83-85. 65 Cf. Ef 5,29. Acrescente-se: “As núpcias se realizaram, não precisam ser celebradas num futuro escatológico,

como se a relação atual Cristo-Igreja estivesse apenas em nível de noivado: já se trata de um matrimônio

consumado” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et

alli. Op. cit., p. 144. Parafraseando Magnolfi: este matrimônio espiritual, no presente, vem ritualizado no banho

do batismo, que torna a Igreja participante do amor esponsal de Cristo – cf. Ibid., p. 144. 66 Cf. JOÃO PAULO II. Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In:

João Paulo II. A Igreja, p. 85. 67 Cf. Lumen Gentium, 8. Nas palavras de João Paulo II: a Igreja “vive sem dúvida na verdade da Redenção

operada por Cristo, mas vive também na confissão dos pecados humanos dos seus filhos” – cf. JOÃO PAULO II.

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Senhor, no qual “encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições

e dificuldades, [...] para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério

de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude da sua luz”.68

Exatamente, neste sentido específico, há que se considerar, a exortação de Paulo à

submissão recíproca de todos entre si, na qual se insere a da mulher ao seu marido, como da

Igreja a Cristo, sua Cabeça.69

[...] trata-se da motivação profunda das relações interpessoais, iluminadas pela

fé no Senhor ressuscitado ou no Cristo glorioso. Quem se empenhou no

seguimento de Cristo [...] não pode romper a unidade eclesial rejeitando a

dedicação aos irmãos. O mesmo vale para a esposa: ela não está

“subordinada” a nenhum outro homem senão ao seu marido, e mesmo isso por

força da sua entrega radical ao único Senhor que é o Cristo ressuscitado.70

Deste modo, a chave cristológica é indispensável para compreender o sentido da

relação esponsal. Ele, Jesus Cristo, é “cabeça e salvador da Igreja”71

. Neste sentido, absoluto e

distintivo, como cabeça, Cristo “exerce nela [na Igreja, seu corpo] a influência de centro

promocional e coordenador, para levá-la ao crescimento da caridade, até a plenitude”72

;

enquanto, como salvador, torna-a “santa e imaculada”73

.

Nas palavras de João Paulo II:

Esta relação entre Cabeça e Corpo não anula a reciprocidade esponsal, mas

reforça-a. É precisamente a precedência do Redentor em relação aos crentes (e

portanto à Igreja) que torna possível tal reciprocidade esponsal em virtude da

graça que Cristo mesmo derrama.74

Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In: João Paulo II. A Igreja, p.

85. 68 Cf. Lumen Gentium, 8. 69 Cf. Ef 5,21-23. E também, cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 192. 70 Cf. Ibid., p. 195. Acrescente-se: “Todas as razões em favor da „submissão‟ da mulher ao homem no

matrimônio devem ser interpretadas no sentido de uma „submissão recíproca‟ de ambos „no temor de Cristo” – cf. Mulieris dignitatem, p. 91. 71 Cf. Ibid., p. 195-197. 72 Cf. Ef 4,15-16. E também, cf. Lumen Gentium, 6. Acrescente-se: “Pois nele habita corporalmente toda a

plenitude da divindade e nele fostes levados à plenitude. Ele é a cabeça [...] Ele nos perdoou todas as faltas:

apagou, em detrimento das ordens legais, o título da dívida que existia contra nós; e o suprimiu, pregando-o na

cruz [...]” – cf. Cl 2,9.13-14. E também, cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 195. 73 Cf. Ibid., p. 196. 74 Cf. JOÃO PAULO II. Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In:

João Paulo II. A Igreja, p. 80.

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Com relação à graça de Cristo que prepara sua Esposa, a Igreja, Fabris, completa: “O

banho de purificação é o batismo no qual a Igreja foi não só lavada e purificada, mas também

„santificada‟, ou seja, eleita e consagrada e, portanto, escolhida como parceira da aliança com

o Cristo Senhor”.75

A Igreja, “parceira da Aliança”, como acima enfatizado, também é

alimentada pelo mistério que concretiza sua dignidade esponsal; uma vez que “a medida do

verdadeiro amor esponsal encontra sua fonte mais profunda em Cristo, que é esposo da Igreja,

sua Esposa”76

,

A doação de Jesus Cristo à sua esposa no sacrifício da Cruz, na ressurreição e

na vinda do Espírito Santo, não foi um ato acontecido uma única vez, um ato

transitório. Tal doação jamais termina, visto que seu amor jamais se cansa. Ele

vive para sua esposa; ele cuida carinhosamente dela como seu próprio “eu”;

Ele a alimenta com a força da sua palavra. Mas, principalmente pela sua

própria carne e sangue na Eucaristia. Dando-lhe seu corpo e seu sangue, torna-

se realmente um corpo [...]77

.

Ainda nas palavras do saudoso Papa João Paulo II:

A Eucaristia torna presente e de modo sacramental realiza novamente o ato

redentor de Cristo, que “cria” a Igreja, seu corpo. Com este “corpo” Cristo

está unido como esposo à esposa. Tudo isto está presente na Carta aos Efésios.

No “grande mistério” de Cristo e da Igreja é introduzida a perene “unidade dos

dois”, constituída desde o “princípio” entre o homem e a mulher.78

75 Cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 196. Tema caríssimo à teologia paulina fundamental, como afirma a BJ em

nota a Rm 6,4: “o batismo não se opõe à fé, mas o acompanha (cf. Gl 3,26-27; Ef 4,5), [...] sepulta o pecador na morte de Cristo (cf. Cl 2,12), de onde sai com ele pela ressurreição (cf. Rm 8,11), como „nova criatura‟ (cf. 2Cor

5,17), „homem novo‟ (cf. Ef 2,15), membro do único Corpo animado pelo único Espírito (cf. 1Cor 12,13; Ef 4,4-

5)”. 76 Cf. Mulieris dignitatem, p. 91. 77 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 249. Acrescente-se: “O „dom sincero‟ atuado

no sacrifício da Cruz ressalta de modo definitivo o sentido esponsal do amor de Deus. Cristo é o Esposo da

Igreja, como Redentor do mundo. A Eucaristia é o sacramento da nossa redenção. É o sacramento do Esposo, da

Esposa” – cf. Mulieris dignitatem, p. 95-96. 78 Cf. Ibid., p. 96.

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Reunindo em uma única obra esponsal, da parte de Cristo para sua Igreja, o batismo e

a Eucaristia, enquanto estabelecedores e mantenedores do mistério “comunhão”79

, Cerfaux

sintetiza:

Pelo batismo estamos unidos a Cristo em sinal de pertença. [...] Paulo dirá que

somos batizados no Corpo de Cristo; a pertença torna-se identificação com o

Corpo de Cristo. O batismo e a eucaristia já se acham unidos na síntese de

Paulo. Cada uma dessas instituições, a seu modo, relembra a morte de Cristo e

reproduz a sua vida de ressuscitado. [...] Todas as duas unem ao “corpo” de

Cristo, identificado com a Igreja.80

Cerfaux ressalta, ainda, que a teologia paulina do Corpo de Cristo identificado com a

Igreja, faz referência ao “corpo ressuscitado de Cristo que se torna o novo templo”, isto é, o

“ambiente” onde se realiza a santificação da Igreja pela ação salvífica do Batismo e da

Eucaristia. Assim, esta Igreja é, também, “o lugar do nascimento dos cristãos [...] onde a vida

de Cristo atinge os homens”.81

E resume:

[...] não somente somos uma espécie de corpo, mas pertencemos realmente a

Cristo e uma vez que a sua vida é a nossa, somos verdadeiramente membros,

sendo Cristo o princípio de unidade e de vida entre nós, assim como o corpo o

é para os membros. O batismo consagrou-nos ao corpo de Cristo, e a eucaristia

nos identifica a este corpo de Cristo ao qual nos refere, de tal sorte que Cristo

é realmente, para todos os cristãos, seu corpo. Os cristãos são um só corpo,

não por simples direito de comparação, mas num realismo sacramental e

místico.82

Num contexto mais amplo, segundo Baumert83

, é indispensável considerar a

“moldura” literária do Espírito que capacita a assembléia eclesial para Cristo, e a vincula nele,

79 Cf. CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de Paulo, p. 340-358. Isto é, “participação em Cristo pela união

profunda existente entre o cristão e a morte e a vida do ressuscitado” – cf. Ibid., p. 340. 80 Cf. CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo, p. 279. 81 Cf. Ibid., p. 275. 82 Cf. Ibid., p. 276-277. Acrescente-se: “Do mesmo modo que o tema da Igreja-esposa de Cristo esboçado na

segunda Epístola aos Coríntios desabrocha na Epístola aos Efésios e aplica-se à Igreja universal e celeste, assim

o tema do corpo de Cristo. Nas grandes epístolas, refere-se a uma comunidade particular e de maneira muito

concreta. Nas epístolas do cativeiro, a noção de Igreja universal é mais abstrata e personifica-se; o tema do corpo

de Cristo se transpõe para as realidades celestes: a Igreja (celeste) é o corpo de Cristo ressuscitado, glorioso,

pléroma da divindade” – cf. Ibid., p. 277. 83 Cf. BAUMERT, Norbert. Op. cit., p. 193-202.

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sua “cabeça” como um “corpo” que dele depende, e, portanto, lhe é submisso, ou melhor,

“subordinado”, como prefere o exegeta. E, deste modo, reinterpretando o excerto da Carta aos

Efésios:

Como a assembléia (a humanidade) está sujeita ao Cristo (a partir de Deus),

assim também em tudo (no verdadeiro sentido) as mulheres a seus maridos.

[...] Cristo amou a humanidade, entregou-se por ela, purificou-a, glorificou-a e

santificou-a. Pois a humanidade reunida (toda) é realmente seu corpo: ele, em

sua encarnação, tornou-se com ela “uma só carne” – aquela grande e oculta

realidade, que Deus agora nos revela. É como se o autor quisesse dizer:

“entendei” o que Deus achou bom e ofereceu para nós: a plenitude do seu

Espírito.84

1.2 Outros Enraizamentos Bíblicos Presumíveis

1.2.1 Os Evangelhos, e o Cristo-Esposo

Os Evangelhos testemunham a aplicação a Jesus Cristo desta caracterização

matrimonial, seja como noivo ou esposo.85

Nos Sinóticos, independentemente da função da narrativa no contexto amplo ou estrito

de cada Evangelho, Jesus é “o noivo”, e seus discípulos são designados como “os amigos do

noivo”86

:

Por esse tempo, vieram procurá-lo os discípulos de João com esta pergunta:

“Por que razão nós e os fariseus jejuamos, enquanto os teus discípulos não

jejuam?”. Jesus respondeu-lhes: “Por acaso podem os amigos do noivo, estar

de luto, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será

tirado; então, sim, jejuarão.87

84 Cf. Ibid., p. 201. Acrescente-se: “Sem metáfora, isso significa a total consagração da comunidade dos salvos,

num relacionamento de aliança” – cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 197. 85 Cf. Mt 9,15; Mc 2,19; Lc 5,34; e também Jo 3,29. Sob a forma de parábolas em Mt 22,2 e 25,1, e em seus

correlatos em Lucas. Pereira e Santos preferem falar de “autodesignação de Jesus” apoiando-se em Magnolfi –

cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 240 e MAGNOLFI, Maria. A Revelação do

mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 138. 86 Respectivamente, nimfios e uioi tou nimfonos. 87 Cf. Mt 9,14-15 – grifos nossos; e os paralelos Mc 2,18-20 e Lc 5,33-39. É relevante para esta pesquisa o

reconhecimento desta tradição na redação dos Evangelhos Sinóticos, como também em João (cf. Jo 3,29).

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Há que se considerar que a presente tradição sinótica evangélica se apresenta em

panorama de controvérsia88

entre Jesus, e seus discípulos, e os discípulos de João e dos

fariseus, acerca do gesto religioso-penitencial do jejum. Jesus justifica a atitude dos seus

discípulos devido à sua presença entre eles, através da comparação com a festa de núpcias, na

qual seria inadmissível que agissem penitencialmente enquanto a presença do noivo indicava

motivação para a celebração das bodas. Na seqüência, a mesma tradição enuncia o tempo no

qual “o noivo lhes será tirado”: tempo pascal e pós-pascal do arrebatamento de Jesus dentre

seus discípulos.89

Fabris90

, comenta o texto paralelo no Evangelho de Marcos afirmando que Jesus

ensina uma nova piedade, enquanto foge dos esquemas do seu tempo, que haviam sido

estabelecidos pela mentalidade farisaica e dos discípulos de João Batista, fundamentados no

legalismo e ascetismo.

Nesta nova relação de piedade, os discípulos de Jesus, interpretados a partir da

mentalidade semítica presente na expressão “os amigos do noivo”, podem ser compreendidos

como os “encarregados de acompanhá-lo e de animar a festa”91

nupcial do Reino de Deus –

festa da união de Deus com seu povo, de forte repercussão veterotestamentária. Corroboram

com a mesma identificação as parábolas do “banquete nupcial”92

, e das “dez virgens”93

.

Na primeira, o Reino dos Céus é comparado a um banquete organizado por um rei

para o casamento do seu filho. A recusa à participação dos primeiros convidados dá lugar ao

convite a toda a sorte de pessoas, “maus e bons”94

. Não obstante, a parábola termine

tragicamente, pois o rei observa que os últimos convidados não estavam trajados

88 Controvérsia, disputa ou polêmica, enquanto gêneros literários evangélicos – cf. MONASTÉRIO, Rafael

Aguirre; CARMONA, Antonio Rodrigues. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 104-105.198-200.284-286. Isto, porém, não exclui posições diferentes, mais, ou menos, abrangentes, até porque um mesmo texto pode

comportar gêneros literários diversos conforme sua história de redação – cf. SILVA, Cássio Murilo Dias da.

Metodologia de exegese bíblica, p. 185-239 e BERGER, Klaus. As formas literárias do novo testamento, p. 76-

80. 89 Cf. BARBAGLIO, Giuseppe. O Evangelho de Mateus. In: BARBAGLIO, Giuseppe; et alli. Os Evangelhos

(I). SP: Loyola, 1990, p. 168-169. 90 Cf. FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Marcos. In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos

(II). 3.ed. SP: Loyola, p. 447. 91 Comentário acrescido ao texto em nota de rodapé (nota 18) – cf. Ibid., p. 447 e PEREIRA, Edson. SANTOS,

Manoel Augusto. Op. cit., p. 239. 92 Cf. Mt 22,1-14. De fato, o paralelo em Lc 14,15-24 não comemora um cenário nupcial, embora conjugue os elementos fundamentais da narrativa – cf. BARBAGLIO, Giuseppe. O Evangelho de Mateus. In: BARBAGLIO,

Giuseppe; et alli. Op. cit., p. 326. 93 Cf. Mt 25,1-13. Também o paralelo em Lc 12,35-40 não reproduz fielmente todos os elementos de Mateus, e o

contexto da narrativa é notadamente diverso, contudo está presente a imagem nupcial – cf. FABRIS, Rinaldo. O

Evangelho de Lucas. In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Op. cit., p. 142-144. Estas duas citações estão

ausentes na narrativa teológica de Marcos; com relação ao problema e as teorias sinóticas, bem como à história

da interpretação destes Evangelhos – cf. MONASTÉRIO, Rafael Aguirre; CARMONA, Antonio Rodrigues. Op.

cit., p. 55-70. 94 Cf. Mt 22,10.

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adequadamente para a festa, ela insere elementos importantes para a compreensão dos

destinatários do Reino dos Céus e, conseqüentemente, da salvação.95

Se é fato que “os amigos

do noivo”, ou os “filhos da casa onde se celebram as bodas”96

, correspondem aos “amigos

mais íntimos do esposo”97

, também é verdade que nas bodas do Reino dos Céus o salão de

festa também comporta outros convidados; tanto os que recusam o convite do rei, como os de

segunda ordem que acolhem o convite; como ainda, dentre esses últimos, aqueles que tendo

sido acolhidos, não estavam adequadamente vestidos para a ocasião.98

Na segunda, o Reino dos Céus é comparado ao banquete ao qual tem acesso as virgens

prudentes que foram ao encontro do noivo com as suas lâmpadas carregadas de óleo. A

despreparação das lâmpadas é lida como insensatez que não apenas exclui da festa de núpcias,

como também da recordação do Senhor. De caráter notadamente escatológico, a parábola

associa a salvação à figura alegórica do banquete nupcial, destinado àquelas virgens que

estivessem prontas e equipadas para seguir o noivo, que é Cristo.99

Com relação à ausência da esposa nos textos sinóticos evangélicos, reflete Maggioni:

Jesus fala do esposo de forma absoluta. Diversamente do Antigo Testamento,

que se fixava no comportamento da esposa, o olhar agora se concentra todo

sobre Jesus. Nos evangelhos, de fato, a grande novidade é Jesus; [...] e a Igreja

é todo um converter-se a Ele, um pôr-se em seu seguimento. O fato de Jesus

afirmar-se como Esposo sem aludir à esposa contém um significado mais

total, sugere que toda a união matrimonial se efetua na pessoa de Jesus. Como

Jesus não é uma das duas partes que contraem a aliança, mas é Ele próprio a

95 Recorde-se a prefiguração da salvação como “festa” nos profetas – cf. Is 25,6-12. 96 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 239. Referenciada anotada com tradução

diferente – “filhos do quarto nupcial” – cf. FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Marcos. In: BARBAGLIO,

Giuseppe; et alli. Op. cit., p. 447. 97 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 239. 98 Afirma Barbaglio que “o destino dos homens se decide na tomada de posição diante do convite último e

definitivo que Deus lhes dirige” – cf. BARBAGLIO, Giuseppe. O Evangelho de Mateus. In: BARBAGLIO, Giuseppe; et alli. Op. cit., p. 326. Deus o faz através do seu Filho, Jesus Cristo, pelo mistério da Encarnação, por

meio da pregação do seu Evangelho, no qual se inclui a proclamação do amor e misericórdia divinos pela

Paixão, Morte e Ressurreição. Assim sendo, “não é a lei, mas a fé em Cristo que salva” – cf. Ibid., p. 327. 99 Cf. Ibid., p. 363-365. Acrescente-se: “Na parábola das dez virgens, a vinda do Esposo é sinal do Reino já

presente, com uma tonalidade escatológica de encontro final decisivo” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação

do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 138. À expectativa das virgens ao

encontro do esposo que está para chegar, na tradição de Mateus, poder-se-ia assomar a responsabilidade de

vigilância cobrada dos servos na expectativa da chegada do seu Senhor, na tradição de Lucas (cf. Lc 12,36) – cf.

FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Lucas. In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Op. cit., p. 143-144.

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Aliança, que une Iahweh e o povo, assim agora não é apenas um esposo na

presença de uma esposa; é o Esposo por excelência.100

A tradição joanina também apresenta uma identificação semelhante na transição final

do ministério de João Batista, no qual ele afirma a respeito da sua missão: “Não sou eu o

Cristo, mas sou enviado adiante dele‟. Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do

esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha

alegria e ela é completa”101

. No que há de evidente, temos, segundo Maggioni102

: “o Batista já

não é apenas testemunha de Jesus, mas também o verdadeiro discípulo”, pois “soube superar a

si mesmo para aceitar com alegria o Cristo”. Casalegno, por sua vez, aprofunda e expande a

interpretação bíblica do significado esponsal das palavras de João Batista:

Também a afirmação com a qual o Batista manifesta a sua subordinação a

Jesus: “eu não sou digno de desatar a correia de sua sandália”, pode ser uma

indicação da identidade messiânica de Jesus. O gesto de descalçar a sandália

do pé não indica somente o serviço do escravo ao senhor. Também acontece

quando, segundo a lei do levirato, se renuncia ao direito de desposar a própria

cunhada que ficou viúva, recusando o dever de continuar uma descendência

para o irmão falecido. Neste caso, a mulher rejeitada aproxima-se do cunhado

e lhe descalça a sandália do pé, cuspindo nele diante dos anciãos da cidade.

Assim, o homem que não respeitou a lei do levirato e casou-se com uma outra

mulher receberá o apelativo injurioso de “descalçado”, e a sua família será

chamada de “família do descalçado” (Dt 25,5-10). É possível que João,

recusando-se a descalçar a sandália de Jesus, reconheça a qualificação de

legítimo esposo de Israel para Jesus (Jo 3,29; 2,9).103

100 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 138. 101 Cf. Jo 3,28-29. A citação acima se reveste de importância devido à consideração da figura da esposa em

relação ao esposo, Jesus Cristo. Isto é uma novidade, em contraposição com os Evangelhos Sinóticos, embora

não seja fácil atribuir nome à esposa – cf. MAGGIONI, Bruno. O Evangelho de João. In: FABRIS, Rinaldo;

MAGGIONI, Bruno. Op. cit., p. 312-313. 102 Cf. Ibid., p. 313. Para Dautzenberg, “[...] o evangelista reserva ao Batista a função de testemunha de Jesus, enviada por Deus (cf. Jo 3,26.28; 5,31-36); esta função esgota sua missão” – cf. DAUTZENBERG, Gerhard. A

história de Jesus no Evangelho de João. In: SHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gerhard. Formas e

exigências do Novo Testamento. 2.ed. SP: Teológica, SP: Paulus, 2004, p. 297. 103 Cf. CASALEGNO, Alberto. Para que contemplem a minha glória (Jo 17,24). Introdução à teologia do

Evangelho de João. SP: Loyola, 2009, p. 177. Magnolfi apoiado na mesma base exegética sustenta o mesmo

afirmando: “João Batista, ao se apequenar, reconhece a Jesus este direito. Ele [Jesus] deve ser reconhecido e

acolhido como Esposo” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI,

Maria; et alli. Op. cit., p. 139. É bastante oportuno não esgotar a cristologia joanina com referência a João Batista

e aos discípulos de Jesus apenas à dimensão salientada nesta elaboração, isto é, de fato Jesus é “esposo

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A pesquisa exegética que fundamenta as explanações de Magnolfi e Casalegno

sintetiza a mensagem da perícope joanina citada acima da seguinte maneira:

As autoridades judias têm uma imagem peculiar do Messias, em virtude da

qual, o confundem com o Batista. João Batista afasta-se de semelhante

sugestão [...]. O Messias vem como esposo para renovar o matrimônio com a

esposa; João é o amigo, não o rival. Quanto à esposa, o Batista pensa que o

Israel presente, convenientemente preparado, receberá com gozo o esposo.104

Em um sentido mais amplo não se pode ignorar a comemoração de Magnolfi, na qual

insiste em outros textos “permeados de simbologia esponsal”105

no Evangelho de João. A

saber: “os perfumes, a voz, a procura” próprios de textos como os de Nicodemos, da unção de

Betânia e da busca de Madalena por Jesus depois do seu sepultamento; ou mesmo, a alusão a

Jesus como verdadeiro Esposo nas bodas de Caná.106

1.2.2 Notas Prefigurativas no Antigo Testamento de Deus-Esposo do seu Povo107

A esponsalidade tem raízes profundas no Antigo Testamento, especialmente se

amparada na relação de Aliança estabelecida entre Deus e seu povo.108

Sintetiza-o Magnolfi:

legítimo”, mas dentre seus títulos messiânicos também podem ser elencados o de “Messias de Israel”, “Messias

escondido”, afora suas designações soteriológicas e seus “títulos abertos ao transcendente” – cf. CASALEGNO,

Alberto. Op. cit., p. 175-183. A base da explicitação de Casalegno e Magnolfi encontra-se em um trabalho mais

antigo elaborado por Proulx e Schökel – cf. PROULX, P.; SCHÖKEL, L. Alonso. Las sandalias del Mesías Esposo. Biblica. Comentarii periodici Pontificii Instituti Biblici. Roma, v.59, 1978, p. 1-37. 104 Tradução de: “Las autoridades judías tienen uma imagen peculiar del Mesías, em virtud de la cual, confunden

al Bautista com él. Juan Bautista rechaza semejante sugestión [...]. El Mesías viene como esposo a renovar el

matrimonio com la esposa, Juan es el amigo, no el rival. En cuanto a la esposa, el Bautista piensa que el Israel

presente, convenientemente preparado, recibirá com gozo o esposo” – cf. Ibid., p. 36. 105 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 139-140. O estudo de Proulx e Schökel focaliza uma porção do texto joanino, a saber Jo 1-3, que acaba por

ressaltar um apelo esponsal direto e específico de ordem jurídico-profética; isto, porém, não extingue os demais

elementos simbólicos de esponsalidade próprios do Evangelho, ou dos outros Evangelhos, cf. PROULX, P.;

SCHÖKEL, L. Alonso. Op. cit., p. 37. 106 Cf. Jo 3,3; 12,1-8; 20,11-18; 2,1-12. E também, cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 139. 107 Cf. JOÃO PAULO II. A Igreja prefigurada como esposa no Antigo Testamento. In: JOÃO PAULO II. A

Igreja, p. 71-74. 108 João Paulo II anotou este enraizamento citando Is 54,5, e acrescenta: “[...] queremos salientar que a Aliança

de Deus com Israel é apresentada pelos profetas como um laço esponsal. Também este aspecto particular da

relação de Deus com seu povo tem um valor figurativo e preparatório da união esponsal entre Cristo e a Igreja,

novo Povo de Deus, novo Israel constituído por Cristo” – cf. Ibid., p. 71. A tradução do excerto de Isaías

utilizada no texto citado de João Paulo II diverge do texto da BJ, na qual figura como segue: “Com efeito,

esquecerás a condição vergonhosa da tua mocidade, não tornarás a lembrar o opróbrio da tua viuvez, porque o

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O povo de Israel apóia a sua relação com Deus e o seu conhecimento dEle na

experiência do seu amor. Deus o chamou dentre os outros povos para ser o seu

povo e concluiu com ele uma aliança eterna. [...] Com efeito, Israel

experimenta um Deus próximo de si, que o liberta, o salva, o instrui, o conduz,

um Deus que o escolheu e se lhe revelou, prometendo a sua presença operante

no meio dos israelitas. [...] É essa presença que faz Israel ser de um modo

particular “povo de Deus”.109

Este percurso histórico-teológico veterotestamentário da relação esponsal, de forte

acento antropológico, poderia ser sintetizado nas palavras de Bucker:

Israel se estabelece em Canaã e tem de lutar contra os deuses, mas em

desvantagem; Israel é o povo que começa a ser sedentário, enquanto os

cananeus têm um deus da agricultura. Além do mais, os povos antigos adotam

a religião da região onde vão, sendo seduzidos pelos atrativos das religiões da

fertilidade e os mitos cananeus de Baal, deus da natureza e fecundidade que

exige orgias sexuais [...] Diante dos excessos da fé em Baal, relacionada com a

sexualidade, Oséias usou a metáfora do amor, da prostituição, para referir-se à

relação de Deus com seu povo.110

Oséias inaugura a utilização da imagem esponsal para falar do relacionamento de Deus

com seu povo e, alude Bucker, ele “é o mais completo”111

, seguido de perto pelos profetas

teu esposo será teu criador, Iahweh dos Exércitos é o seu nome” – cf. Is 54,4-5. E também, cf. LACAN, Marc-

François. Esposo/esposa. In: LÉON-DUFOUR, Xavier (Dir.). Vocabulário de teologia bíblica. 2.ed. Petrópolis:

Vozes, 1977, p. 304-308. 109 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 128. E ainda recupera os símbolos proféticos que expressam este relacionamento amoroso: “nos profetas [...]

Israel é comparado à virgem (às vezes à cidade, à vinha), ou então à esposa, à mãe” – cf. Ibid., p. 128-129. Estas

imagens proféticas serão as responsáveis pela composição neotestamentária póspascal da esponsalidade entre

Cristo e a Igreja, já verificada anteriormente. 110 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. Cit., p. 111. Acrescente-se: “Não se trata aqui de um mito, como ocorre na

religião canaanita, onde o deus-esposo fecunda a terra da qual ele é o Baal [...]; a este mito correspondem ritos sexuais, notadamente a prostituição sagrada. Esses ritos aparecem ligados à idolatria; por isso, para melhor

estigmatizá-la o Deus zeloso que a condena, a chama uma prostituição. O Deus de Israel é o esposo não da sua

terra, mas do seu povo; o amor que os une tem uma história” – cf. LACAN, Marc-François. Esposo/esposa. In:

LÉON-DUFOUR, Xavier (Dir.). Op. cit., p. 305. 111 Em Oséias “o amor toca no nível mais profundo e provoca conversão” – cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op.

cit., p. 112. Schökel e Diaz completariam esta idéia afirmando que “a mensagem de Oséias tem algo de

desconcertante. A nossa lógica religiosa segue os seguintes passos: pecado-conversão-perdão. A grande

novidade de Oséias, o que o situa em plano diferente e o converte em precursor do NT [Novo Testamento] é o

fato de ela inverter a ordem: o perdão antecede à conversão. Deus perdoa antes de o povo se converter, ainda que

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Jeremias112

, Isaías113

, Ezequiel114

, bem como pelo livro de Cântico dos Cânticos e pelo Salmo

45.115

Esta relação com Deus faz de “Israel amado qual esposa pelo seu Deus,

independentemente de qualquer infidelidade”116

. Ainda, em outras palavras: “Israel

experimenta um Deus próximo de si. Um Deus que o escolheu e se revelou, prometendo a sua

presença operante em meio aos israelitas”117

.

Da parte de Deus, alguns elementos bíblicos são indispensáveis para compreender sua

participação esponsal: um Deus zeloso que tem ciúmes do seu povo118

e que castiga, pois quer

mudar o seu coração119

. Da parte de Israel, resta ser julgada e condenada por suas

infidelidades pelo processo que Deus instaura na pregação profética. Aqui tem lugar a Palavra

dirigida a Oséias:

Processai vossa mãe, processai. Porque ela não é minha esposa, e eu não sou

seu esposo. Que ela afaste de seu rosto as suas prostituições e de entre os seios

seus adultérios. Senão eu a despirei completamente [...] acabarei com sua

alegria [...] conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração.120

ele não se tenha convertido” – cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; SICRE DIAZ, José Luís. Profetas II: Ezequiel, Doze

profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias. 2.ed. SP: Paulus, 2002, p. 892. 112 Cf. Jr 2,23; 3,12; 30,14; 31,22. 113 Cf. Is 54,4-17; 62,4-12; 50,1. 114 Cf. Ez 16; 23. 115 Um estudo específico sobre a esponsalidade no Antigo Testamento pode ser encontrado em: SANTOS,

Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento.

Teocomunicação. Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia da PUCRS. Porto Alegre: PUCRS, v.37,

n.158, dez. 2007, p. 447-469. 116 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 129. 117 Cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O

Antigo Testamento. Teocomunicação. Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia da PUCRS. Porto Alegre:

PUCRS, v.37, n.158, dez. 2007, p. 451. 118 Cf. Ex 20,5; 34,14. Acrescente-se: “Iahweh, Iahweh... Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera e rico

em graça e fidelidade, que guarda sua graças a milhares, tolera a falta, a transgressão e o pecado, mas a ninguém

deixa impune” – cf. Ex 34,6-7; Jr 32,18. “Iahweh é um fogo devorador. Ele é um Deus ciumento” – cf. Dt 4,24;

Is 33,14; e ainda, cf. Ex 13,22; 24,17. Afirma a BJ em nota de rodapé a Dt 4,24 que “este ciúme de Deus é o

próprio excesso de amor” – cf. Dt 5,9; 6,15; 32,16.21; e ainda, cf. Ex 20,5; 34,14; Nm 25,11; Ez 8,3-5; 39,25; Zc

1,14. 119 Acrescente-se: “Agirei contigo como tu agiste: desprezaste um juramento imprecatório e violaste a uma

aliança. Contudo, lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo na tua juventude e estabelecerei contigo uma aliança eterna. [...] Desta maneira, serei eu que restabelecerei a minha aliança contigo e saberás que eu sou Iahweh” – cf.

Ez 16,59-60.62-63; e ainda: “Assim diz o Senhor Iahweh: Não é em consideração a vós que ajo assim, ó casa de

Israel, mas sim por causa do meu santo nome, que vós profanastes entre as nações para as quase vos dirigistes.

[...] dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos

darei coração de carne [...]” – cf. Ez 36,22.26. E também, cf. Jr 30,17; 31,2-4.21-22. 120 Cf. Os 2,4-5.13.16. Recorda a nota de rodapé da BJ a Os 2,4 que o processo é uma forma literária (cf. SICRE,

José Luís. Profetismo em Israel. O profeta, os profetas, a mensagem. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 145.153-

154) freqüente nos profetas, por meio da qual Deus acusa a infidelidade do povo, tomando o profeta como

testemunha – cf. Os 4,1; Is 3,13; Mq 6,1; Jr 2,9.

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A condenação e o castigo têm, contudo, uma finalidade remissiva. Deus quer trazer

seu povo de volta para seu regaço esponsal, e disso o profeta também é feito mensageiro:

Por isso, eis que, eu mesmo a seduzirei, conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei

ao coração. [...] Ali ela responderá como nos dias da sua juventude, como no

dia em que subiu da terra do Egito. Acontecerá, naquele dia, – oráculo de

Iahweh – que me chamarás “Meu marido”, e não mais me chamarás “Meu

Baal”. [...] Eu te desposarei a mim para sempre, eu te desposarei a mim na

justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu te desposarei a mim na fidelidade

e conhecerás a Iahweh.121

Nas palavras de Bucker, “o amor toca no nível mais profundo e provoca

conversão”122

, de modo que “a transcendência de Deus, à diferença de outros escritos bíblicos

anteriores e posteriores, se coloca no amor”123

.

Aqui se faz prudente um aprofundamento do significado deste “amor”124

que redime e

instaura a comunhão de Deus com Israel. É um amor que instaura uma nova união, mais que

isso, uma comunhão; é dom de amor e resposta de amor, que faz voltar às origens, à

juventude.125

Neste sentido, as novas núpcias acrescentam à Israel as disposições interiores

proféticas para a fidelidade: a lei gravada no coração, o coração novo e o espírito novo,

conforme os anúncios apropriados a Ezequiel e Jeremias.126

121 Cf. Os 2,16-18.21-22. Recorda a nota de rodapé da BJ a Os 2,18 que “o nome baal („senhor‟) era dado ao marido. Este nome se encontrava, em tempos mais antigos na composição de numerosos nomes de pessoa (cf.

1Sm 14,49; 2Sm 2,8), sem que isso implicasse idolatria. [...] Mas, em época mais recente, o termo baal foi

considerado como ímpio, por referir-se aos baais cananeus (cf. Jz 2,13)”. 122 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 112. Acrescente-se: “Porque é amor que eu quero e não o

sacrifício, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos” – cf. Os 6,6. A BJ em nota de rodapé a esta última

citação do profeta, afirma: “Em 14,3 Oséias chega a dizer que o único sacrifício válido é a conversão sincera”. E

ainda, cf. Os 2,21-22; Am 5,21; 1Sm 15,22. 123 Cf. Id. 124 A BJ em nota a Os 2,21, afirma: “a palavra hesed exprime primeiramente a idéia de vínculo, de

empenhamento. Na esfera profana designa a amizade, a solidariedade, a lealdade, sobretudo quando essas

virtudes procedem de pacto. Em Deus esse termo exprime a fidelidade a sua aliança, e a bondade que dela decorre em favor do povo escolhido; em outras palavras exprime o amor de Deus por seu povo e os benefícios

que dele decorrem. Mas este hesed de Deus requer no homem também, o hesed, isto é, o dom da alma, a amizade

confiante, [...] o amor que se traduz por uma submissão alegre à vontade de Deus e pelo amor ao próximo”. 125 A mesma nota citada acima acrescenta a respeito do verbo hebraico traduzido por “desposar”, o que segue:

“Este verbo é usado na Bíblia somente referindo-se a uma jovem virgem. Deus suprime, assim, totalmente o

passado adúltero de Israel, que é como criatura nova. Na expressão „eu te desposarei a mim na (justiça)‟, o que

segue a preposição „na‟ é o dote que o noivo oferece a sua noiva” – cf. 2Sm 3,14. 126 Cf. Jr 31,31-34; Ez 36,26-27. Uma reflexão sistemática aprofundada desta temática, em âmbito magisterial,

foi demandada na Encíclica sobre a Misericórdia Divina do Papa João Paulo II, na qual ele insiste que este amor

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A idéia de um Israel feminino e jovem remete à profecia de Ezequiel que “vendo-a

[Deus] abandonada por todos, a socorre apenas nascida, a faz crescer, e na sua juventude sela

com ela uma aliança, tornando-a sua”127

. No entanto, a realidade de Israel acentua sua

infidelidade, na linguagem profética sua “prostituição”128

, isto é, o modo como atraiçoa o seu

Deus através da idolatria, voltando-se para os “deuses estrangeiros”129

. A resposta de Deus

corresponde à sua fidelidade, e à manutenção da Aliança firmada no passado, que elege e

vocaciona Israel à união com seu Esposo: “Desta maneira, serei eu que restabelecerei a minha

aliança contigo e saberás que eu sou Iahweh”130

.

Esclarece Bucker:

O amor de Javé é incondicional, amor de benevolência diante da obstinação do

mal ou descaminhos da insensatez na leviandade de seu Povo. [...] Ele, o

Esposo, não só sabe do que é capaz seu amor, mas também do que pode a

Esposa tão-só se reconhecendo, identificando a origem e missão dessa escolha

e destinação.131

O amor que Deus manifesta à Israel não é, contudo, cego ou obstinado; ele não ignora

os seus pecados, antes os aponta, acusando sua Esposa infiel, para depois retomá-la, como

ressalta Magnolfi:

Era compreensível que a esposa prostituída devesse ser rejeitada e só fosse

merecedora de punições, porém o amor de Deus se abaixa, a fim de a

caracteriza como que a essência da intimidade de Israel com o Senhor – uma intimidade que se compreende na

base de um verdadeiro diálogo que compromete na fidelidade mútua – cf. Dives in misericordia, 4. 127 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 130. 128 Cf. Ez 16,15. A prostituição de Israel, associada às imagens simbólicas de Jerusalém e Samaria, é retomada e

reforçada: “[...] elas cometeram adultério e suas mãos estão manchadas de sangue: adulteraram com seus ídolos

imundos. Mais ainda: Quanto aos seus filhos que elas me deram à luz, fizeram-nos passar pelo fogo para devorá-

los, [...] contaminaram o meu santuário e violaram meus sábados” – cf. Ez 23,37-38. E ainda, cf. Jr 3,1. 129 Assim concretiza-se a imagem de Israel como “esposa infiel de Iahweh”, conforme nota da BJ a Ez 16.

Acrescente-se: “Deus, qual esposo traído, o ameaça [Israel] com as piores punições. [...] Mas justamente quando

a invectiva chega ao auge, acontece uma coisa imprevisível: Deus se apieda [...] É o perdão gratuito da parte de Deus, acima de todo o mérito” – cf. Ibid., p. 131. 130 Cf. Ez 16,62 – anotado cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 113. Acrescente-se: “Borrifarei água sobre

vós e ficareis puros; sim, purificar-vos-ei de todas as vossas imundícies e de todo os vossos ídolos imundos. [...]

Ainda isto farei por eles: eu me deixarei procurar pela casa de Israel e os multiplicarei como rebanho humano” –

cf. Ez 36,25.37; Acrescente-se ainda: “A minha Habitação estará no meio deles: eu serei o seu Deus e eles serão

o meu povo. Assim saberão as nações que eu sou Iahweh, aquele que santifica Israel, quando o meu santuário

estiver no meio deles para sempre” – cf. Ez 37,27-28. 131 Cf. Id. Acrescente-se: “Ezequiel acaba seu livro com uma imagem da restauração. Expressão do triunfo do

Amor eterno de Deus e da conversão da Esposa” – cf. Id.

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reconquistar para si. Assim Deus, ao retomá-la para Si, ao justificá-la [...],

revela a íntima qualidade do seu amor.132

Jeremias caminha em paralelo com Ezequiel na reflexão sobre a infidelidade de Israel,

enquanto eleita, e o desejo de Deus de restituir com seu povo uma “Nova Aliança”: “Porei

minha lei no fundo seu ser e a escreverei em seu coração. Então serei seu Deus e eles serão

meu povo”133

. Este movimento divino, afirma Bucker, “é o ápice espiritual do livro de

Jeremias”134

, e sintetiza:

Esta Nova Aliança tem três características: é iniciativa divina para o perdão

dos pecados; é responsabilidade e retribuição pessoal; é interiorização da

religião. A Lei deixa de ser uma carta puramente exterior para tornar-se uma

inspiração que atinge o „coração‟ do homem, sob a influência do Espírito de

Deus, que dá ao homem um coração novo, capaz de conhecer a Deus.135

O livro de Isaías, embora também explicite o tema da Esposa136

, tem uma

peculiaridade, a saber: “o fato de Deus ser o Criador da Esposa”137

, isto é, o Deus de Israel se

132 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p.131-132. 133 Cf. Jr 31,33 – grifos nossos. E ainda, cf. Jr 7,23; 11,4; 30,22; 31,1; 32,38. E também, cf. Ez 11,20; 36,28;

37,27; Zc 8,8; Dt 7,6. 134 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 115. Magnolfi não reflete a teologia de Jeremias sobre Israel;

prefere deslocar-se diretamente para o tema apropriado pelo Dêutero-Isaías – cf. MAGNOLFI, Maria. A

Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 132-136. De fato, a melhor

indicação direta da esponsalidade em termos específicos no profeta Jeremias dá-se em Jr 2,2, a saber: “Eu me

lembro, em teu favor, do amor de tua juventude, do carinho do teu tempo de noivado [...]”. Da nota de rodapé da BJ ao mesmo texto citado acima temos que a expressão hebraica para “amor” é a mesma de Oséias, isto é, a já

comentada hesed. Não obstante, indiretamente, Deus não canse de manifestar seu amor por seu povo – cf. Jr

11,15. Afirmaria Santos e Pereira: “Na primeira parte de seu ministério [...] Jeremias está sob a influência de seu

antecessor Oséias. [...] O profeta insiste em que a Aliança é fundamentalmente uma questão de amor entre

Iahweh e Israel. Amor simbolizado pela união do homem e da mulher no matrimônio” – cf. SANTOS, Manoel

Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento. Op. cit., p.

465. 135 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 115. Acrescente-se da nota da BJ a Jr 31,31-34: “Esta Aliança nova

e eterna, proclamada novamente por Ezequiel (cf. Ez 36,25-28), nos últimos capítulos de Isaías (cf. Is 55,3;

59,21; 61,8), vívida no Salmo 51, será inaugurada pelo sacrifício do Cristo (cf. Mt 26,28); e sua realização será

anunciada pelos apóstolos (cf. 2Cor 3,6; Rm 11,27; Hb 8,6-13; 9,15; 1Jo 5,20)”. 136 Cf. Is 49,14-21; 50,1; 51,17-52,9; bem como, cf. Is 1,21; 5,1. Note-se que Santos e Pereira não enfatizam o

testemunho de Isaías como salutar, exceto à guisa de conclusão – cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA,

Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento. Op. cit., p. 468. 137 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 115. Acrescente-se: “[...] porque o teu esposo será teu criador [...]”

– cf. Is 54,5. Magnolfi prefere ler esta postura criadora de Deus frente à sua esposa relacionando textos do

Dêutero-Isaías e do Trito-Isaías, enaltecendo a beleza da obra que será realizada por Iahweh (cf. Is 62,2-5; 66,7-

8; bem como Is 54,1.11-12) – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In:

MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 133-134. O que de todo não é ilegítimo, uma vez que “ornada como

esposa e unida a Iahweh, o seu lugar será chamado agora „a cidade de Iahweh, a Sião do santo de Israel” – cf.

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apresenta como o Criador, aquele “que criou os seus e os estendeu, que firmou a terra e o que

ela produz, que deu o alento aos que ela povoam e o sopro de vida aos que se movem sobre

ela”138

. Schökel e Diaz preferem traduzir Is 54,5 como segue: “Porque o que te criou te toma

por esposa”139

, enfatizando que sua anterioridade à criação, obra de seu poder, caracteriza o

que pode realizar em favor de sua amada Esposa. Como, também, sustenta Schreiner:

Iahweh diz agora a Sião: „Tu és o meu povo‟. Ele não se esquecerá dos seus,

pois tem a planta da cidade [Sião, Jerusalém] desenhada em suas mãos.

Iahweh salva o seu povo do cativeiro babilônico. Por isso, Sião, a cidade santa

de Jerusalém, deve ataviar-se com vestes festivas. Ela se tornará populosa,

será novamente aceita por Iahweh, seu Senhor e esposo, e será presenteada

com uma Aliança eterna de salvação. Iahweh retorna a Sião e o lugar recebe a

boa-nova: „Reina o teu Deus‟. A cidade será reconstruída com uma beleza

inimaginável, mais gloriosa do que qualquer cidade dos deuses.140

Do diálogo teológico entre algumas passagens do Dêutero-Isaías141

e do Trito-

Isaías142

, brota a reflexão sobre a beleza e a fecundidade da glória que haverá de resplandecer

da obra de amor de Deus para com o seu Povo, sua Esposa. Como enfatiza Magnolfi:

O perdão, a imprevisível resposta de fidelidade à infidelidade de Israel, este

amor de Iahweh-Esposo, que chega ao ponto de assumir sobre Si a vergonha

da esposa, provoca principalmente dois efeitos, o de restituir a beleza e

revestir ainda a esposa daquele esplendor de que a tinha adornado seu Criador

e de torná-la fecunda de uma forma excepcional.143

SCHREINER, Josef. O livro da escola de Isaías. In: SHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Antigo

Testamento. 2.ed. SP: Teológica, SP: Paulus, 2004, p. 211. 138 Cf. Is 42,5. E ainda, cf. Is 44,25; 45,12. 139 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; SICRE DIAZ, José Luís. Profetas I: Isaías, Jeremias. 2.ed. SP: Paulus, 2004, p.

345. Schökel e Diaz falam de Is 49 e 51 como “poemas matrimoniais” que “desenvolvem com coerência e

intensidade a imagem matrimonial”; e assim: “Pela aliança, Israel é esposa do Senhor, como também mãe

fecunda. Pela sua infidelidade ela foi repudiada pelo marido e ficou como solteira ou viúva, outra vez só e sem

filhos. Deus, porém, não esquece o seu amor: o repúdio e o abandono foram apenas momentâneos, ele tornará a tomá-la por esposa, a estar com ela, a torná-la fecunda. A reconciliação será fecunda e perpétua, terá força

cósmica. [...] O „Deus de toda a terra‟ escolhe uma cidade, como escolheu um povo como propriedade” – cf.

Ibid., p. 346-347. 140 Cf. SCHREINER, Josef. O livro da escola de Isaías. In: SHREINER, Josef. Op. cit., p. 210. E também, cf. Is

49,15; 51,16; 52,1-2.7.9; 54,1-11. 141 Cf. Is 54,1.11-12. 142 Cf. Is 62,2-5; 66,7-8. 143 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 133.

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E completa Schreiner: “Esta glória de Deus, que, na sua ação salvífica, brilha sobre

Israel, atrairá o mundo inteiro”144

, como afirma o texto do profeta: “Põe-te de pé, resplandece,

porque a tua luz é chegada, a glória de Iahweh raia sobre ti”145

. Assim, “a beleza de agora,

que se contrapõe à anterior desolação, é o sinal da realidade do amor do seu Deus e do seu

perdão”146

.

Complementa Magnolfi:

[...] finalmente Israel é digno do seu Deus, Ele mesmo o fez belo e ele agora

pode ir-lhe ao encontro como virgem adornada para o Esposo. Os traços da

infidelidade desapareceram, a virgem esposa se demonstra capaz de responder

com o mesmo amor. É este o conteúdo do Cântico dos Cânticos [...]147

.

Assim se apresenta uma interpretação possível da teologia, altamente alegórica148

, do

Cântico dos Cânticos perante a temática da esponsalidade bíblica veterotestamentária: uma

expressão do amor da Esposa que se sente amada e vai ao encontro do seu Senhor. De fato,

como ressaltam Santos e Pereira: “Em sentido literal o livro parece ser uma celebração do

amor e da fidelidade entre um homem e uma mulher”149

. Lacoste acrescentaria:

[...] esse diálogo canta a beleza e a bondade do amor entre um homem e uma

mulher, em relação de paridade completa em que se desenrola a plenitude

144 Cf. SCHREINER, Josef. O livro da escola de Isaías. In: SHREINER, Josef. Op. cit., p. 211. Acrescente-se:

“Na verdade, Iahweh traz todos os estrangeiros, que se unem a ele, para seu monte santo; e o seu templo „será

chamado casa de oração para todos os povos‟ [Is 56,6]” – cf. Id. 145 Cf. Is 60,1. 146 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 133. 147 Cf. Ibid., p. 134-135. 148 Embora a tradição judaico-cristã celebre alegoricamente a teologia deste livro não se pode descurar de outras

interpretações legítimas – cf. SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, Ludger. VI. O Cântico dos Cânticos. In:

ZENGER, Erich; et alli. Introdução ao Antigo Testamento. SP: Loyola, 2003, p. 341-345. Ou ainda:

STADELMANN, Luis I. Cântico dos Cânticos. 2.ed. SP: Loyola, 1998, p. 15-20 e ASENSIO, Víctor Morla.

Livros sapienciais e outros escritos. 3.ed. SP: Ave-Maria, 2008, p.412-417. 149 Cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O

Antigo Testamento. Op. cit., p. 454. E ainda: “Considerando que o amor humano em si mesmo já é um eco do

amor divino, o livro encontra-se essencialmente orientado para isso” – cf. Id. Asensio acrescenta uma contribuição a respeito da figura feminina presente no livro do Cântico dos Cânticos, a saber: “Acostumado no

Antigo Testamento a tropeçar com figuras femininas com as características típicas das sociedades primitivas do

Oriente Próximo antigo, em geral, e da estrutura patriarcal da sociedade israelita, em particular, surpreende

descobrir no Cântico a presença de uma mulher diferente. A seu lado o amado empalidece; ela é a autêntica

protagonista. Uma mulher presa de um apaixonado amor, porém livre em sua escolha, em seus movimentos e

suas decisões; livre para tomar iniciativas; livre também em sua disposição para o abraço amoroso” – cf.

ASENSIO, Víctor Morla. Op. cit., p. 405-406 – grifos nossos. É o que se deduz da citação: “[...] estou doente de

amor [...]” – cf. Ct 2,5; 5,8. Em oposição radical a imagem feminina “fria, preocupada e absorvida pela

economia familiar” de Pr 31 – cf. Ibid., p. 406.

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original evocada em Gn 1 e 2. Nota-se, no entanto, que toda a tradição da

leitura judaica do texto a interpreta como cantando a relação entre Javé e Israel

[...]. O Cântico dos Cânticos serve para exprimir, em sua expressão mais

avançada e mais acabada, a realidade da aliança designada pelos profetas.150

Magnolfi151

ressalta que o motivo esponsal também surge nos Salmos, em especial no

Salmo 45, conforme seguem alguns excertos:

[...] És o mais belo dos filhos dos homens,

a graça escorre de teus lábios,

porque Deus te abençoa para sempre.

[...] Entre as tuas amadas estão as filhas do rei;

à tua direita uma dama, ornada com ouro de Ofir.

[...] que o rei se apaixone por tua beleza:

prostra-te à sua frente, pois ele é o teu senhor!152

O Rei-Messias tem sua beleza fundada e exaltada na benção divina, inclusive lhe são

aplicados os atributos de Iahweh153

e do Emanuel154

. “As tuas amadas”, acima citadas, podem

fazer referência às nações pagãs155

, convertidas ao Deus verdadeiro e admitidas ao seu

serviço, seguindo Israel156

, que há seu tempo e assim vestida, ingressa como Rainha157

no

palácio do Rei.

Magnolfi acrescentaria à descrição do Esposo:

[...] revestido de toda a beleza, tanto física como interior, com as

características mais excelsas para um rei, segue a apresentação igualmente

150 Cf. PELLETIER, Anne-Marie. Casal. In: LACOSTE, Jean-Yves (Dir.). Dicionário crítico de teologia. SP:

Paulinas, SP: Loyola, 2004, p. 355. Acrescente-se: “Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim” – cf. Ct

7,11. 151 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 135. 152 Cf. Sl 45,3.10.12. Da nota de rodapé da BJ: “[...] este Salmo poderia ter sido canto profano para as núpcias de

rei israelita, Salomão, Jeroboão II ou Acab [...]. Mas a tradição judaica e a cristã interpretam com referência às

núpcias do Rei-Messias com Israel (figura da Igreja; cf. Ct 3,11; Is 62,5; Ez 16,8-13) e a liturgia por sua vez entende a alegoria, aplicando-a a Nossa Senhora”. Há, de fato, opiniões diferentes, como salientam Santos e

Pereira, citando Schökel e Carniti – cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de

Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento. Op. cit., p. 460-461 e SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI,

Cecília. Salmos I (salmos 1-72). Tradução, introdução e comentário. SP: Paulus, 1996, p. 630. 153 Cf. Sl 145,4-7.12-13. 154 Cf. Is 9,5-6. 155 Cf. Ct 1,3; 6,8; Is 60,3s; 61,5. 156 Cf. Sl 45,15-16. 157 Cf. Sl 45,16.

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solene e majestosa da esposa. [...] Diz-se, por exemplo, que os lábios do

soberano estão cheios de “graça”; essa “graça” é antes de tudo uma qualidade

estético-moral, porque é derramada por Deus e se transforma naquela “graça”

que torna o eleito “gracioso” junto aos homens e aos olhos de Deus. Diz-se,

ainda, que lhe pertencem “esplendor e majestade”; estas duas palavras são

geralmente usadas para revelar qualidades divinas. São como que o manto de

luz com que Deus se envolve quando aparece ao homem, como em muitos

Salmos [...] um revérbero do esplendor de Deus.158

E com relação à Esposa:

[...] igualmente é “toda esplendor”, ornada de uma luz semelhante àquela que

acompanha a glória divina. Ela, com efeito, é filha de rei e esposa de rei e é

agora irradiação de esplendor em meio ao cortejo nupcial. Esta beleza tem seu

paralelo na simbologia da veste, expressa por aquele seu traje todo tecido de

ouro.159

Schökel e Carniti terminariam por dizer que na linha de uma tradição que não se

extingue no Antigo Testamento, mas se aprofunda e se enraíza na novidade do horizonte

cristão, “os símbolos da luta pela justiça, da eleição por amor e do matrimônio, da realeza,

abrem-se a nova expansão”160

; um processo que desemboca na reflexão patrística dos

primeiros séculos do cristianismo, enfatizando a relevância da esponsalidade como marco

teológico para compreensão da relação entre a comunidade cristã e seu Senhor.161

158 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 135. E também, cf. Sl 21,6; 96,6; 104,1; 111,3; 145,5.12. 159 Cf. Id. Acrescente-se: “Não devemos esquecer que o vestido de cerimônia é, em todas as culturas, sinal de

uma realidade mais profunda” – cf. Id. 160 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI, Cecília. Op. cit., p. 630. 161 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,

p. 150-158.

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CAPÍTULO II

Abrangência e Limites da Esponsalidade no Concílio Vaticano II

Este capítulo situa o cerne da problemática desenvolvida nesta pesquisa. A tradição

esponsal, com suas nuances bíblicas, evolui historicamente na compreensão eclesial até a

síntese elaborada pelo Vaticano II. Na Constituição sobre a Igreja, a esponsalidade é apenas e

tão somente uma entre inúmeras outras imagens da Igreja, à semelhança das reflexões

teológicas mais primitivas do cristianismo. Esta ordem sistemática do discurso conciliar

parece situar à margem um instrumento hermenêutico imagético de primeira ordem para

contemplar o mistério eclesial situado desde a teologia conciliar. Do exposto acima, deriva a

necessidade de expressar com clareza a abrangência e os limites da esponsalidade no Concílio

Vaticano II, para verificar e validar a relevância de uma reflexão teológica pautada nesta

imagem eclesial.

2.1 A Mentalidade do Concílio

São evidentes e irrenunciáveis as intuições originárias enunciadas pelo Papa João

XXIII a respeito da convocação do Concílio Vaticano II, como instrumento de revitalização

eclesial. A saber:

[...] julgamos ter chegado o tempo de oferecer à Igreja católica e ao mundo o

dom de um novo Concílio Ecumênico [...] no momento em que a Igreja

percebe, de modo mais vivo, o desejo de fortificar a sua fé e de se olhar na

própria e maravilhosa unidade; como, também, percebe melhor o urgente

dever de dar maior eficiência à sua forte vitalidade, e de promover a

santificação de seus membros, a difusão da verdade revelada, a consolidação

de suas estruturas. Será esta uma demonstração da Igreja, sempre viva e

sempre jovem, que sente o ritmo do tempo, e que, em cada século, se orna de

um novo esplendor, irradia novas luzes, realiza novas conquistas,

permanecendo, contudo, sempre idêntica a si mesma, fiel à imagem divina

impressa na sua face pelo Esposo que a ama e protege, Jesus Cristo.162

162 Cf. JOÃO XXIII. Constituição apostólica com a qual é convocado o Concílio Vaticano II. In:

DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 12-13.

E ainda, acrescente-se: “O gesto do mais recente e humilde sucessor de Pedro que vos fala, de convocar esta

soleníssima reunião, pretendeu afirmar, mais uma vez, a continuidade do magistério eclesiástico, para o

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Como, também, sua finalidade originária: “O que mais importa ao Concílio

Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado

de forma mais eficaz”163

. Complementada e explicitada, da maneira como segue:

A finalidade principal deste Concílio não é, portanto, a discussão de um e

outro tema da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando [...]

Para isto, não haveria necessidade de um Concílio. Mas da renovada, serena e

tranqüila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão

[...].164

Também indicou como deveriam ser combatidos os erros: “Agora, porém, a esposa de

Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que da severidade. Julga satisfazer

melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando

condenações”165

, mostrando-se “mãe amorosa para com todos, benigna, paciente, cheia de

misericórdia e bondade também com os filhos separados”166

.

Confirmadas que foram estas intuições, pelas palavras de seu sucessor o Papa Paulo

VI no encerramento do Concílio: “[...] toda esta riqueza doutrinal orienta-se apenas a isto:

servir o homem, em todas as circunstâncias da sua vida, em todas as suas fraquezas, em todas

as suas necessidades. A Igreja declarou-se como que escrava da humanidade [...] a idéia de

serviço ocupou o lugar central”167

. Em outras palavras:

[...] o magistério da Igreja, embora não tenha querido pronunciar-se com

sentenças dogmáticas extraordinárias sobre nenhum capítulo doutrinal, propôs,

todavia, o seu ensinamento autorizado acerca de muitas questões que hoje

comprometem a consciência e a atividade do homem. O magistério, por assim

dizer, desceu para dialogar com o homem; e conservando sempre a sua

apresentar, em forma excepcional, a todos os homens do nosso tempo, tendo em conta os desvios, as exigências

e as possibilidades deste nosso tempo” – cf. JOÃO XXIII. Discurso na abertura solene do Concílio. In:

DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 21. 163 Cf. Ibid., p. 26. Acrescente-se: “[...] é necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio

sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; e, ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as

novas condições e formas de vida introduzidas no mundo hodierno, que abriram novos caminhos ao apostolado

católico” – cf. Ibid., p. 26-27. 164 Cf. Ibid., p. 27-28. 165 Cf. Ibid., p. 28. 166 Cf. Ibid., p. 29. 167 Cf. PAULO VI. Homilia na conclusão solene do Concílio. In: DOCUMENTOS DO CONCÍLIO

ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 671.

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autoridade e a sua virtude, adotou a maneira de falar acessível e amiga que é

própria da caridade pastoral. Quis fazer-se ouvir e entender por todos. [...] isto

é, falou aos homens de hoje, tais quais são.168

Não obstante, o enunciado acima, é possível também, sorver o chamado “espírito” do

Concílio Vaticano II, isto é, a mentalidade conciliar, de pelo menos duas fontes objetivas: da

letra documental169

, como da história das discussões que geraram os documentos conciliares,

que não é outra senão a história do próprio Concílio170

– como afirma Alberigo: “[...] a

história do Vaticano II não pode ser reconstruída a não ser sobre a base da análise crítica das

fontes [...]”171

.

A diversidade documental, propriamente dita, sinaliza os diversos direcionamentos da

reflexão dos Padres conciliares; portanto, embora versem sobre a realidade eclesial172

, se

forem considerados a partir das suas múltiplas características teológicas, sinalizam uma

grande abertura dialógica, que no corpo de cada um dos textos acabará salientado: a Igreja

dialogando consigo mesma a respeito de si e de seus desafios de presença no mundo.173

Neste

ínterim, dividem-se os críticos entre os defensores de uma postura de continuidade conciliar,

portanto a mentalidade do concílio não seria outra senão aquilo que a Igreja sempre elaborou

de si, mas recolocada aos tempos atuais em linguagem apropriada; os segundos,

promulgadores de um ideal de ruptura, portanto de clara novidade.

Alberigo prefere postular uma posição conciliadora entre os extremos desta discussão,

quando afirma:

168 Cf. Ibid., p. 670 – grifos nossos. 169 Consignada nos dezesseis documentos produzidos pelo Concílio Vaticano II, isto é, as duas constituições

dogmáticas Dei Verbum e Lumen Gentium, a constituição pastoral Gaudium et Spes, a constituição

Sacrosanctum Concilium, as três declarações Dignitatis humanae, Gravissimum educationis e Nostra aetate,

bem como os seus nove decretos Apostolicam actuositatem, Ad gentes, Christus Dominus, Inter mirifica,

Orientalium ecclesiarum, Optatam totius, Perfectae caritatis, Presbyterorum ordinis e Unitatis redintegratio. 170 Assinalada nas suas Atas e já criticada por inúmeros teólogos à distância de quarenta anos do evento conciliar

– cf. ALMEIDA, Antonio José de. Lumen Gentium. A transição necessária. SP: Paulus, 2005, p. 22. 171 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. Breve história do Concílio Vaticano II (1959-1965). Aparecida: Santuário, 2006,

p.14. Acrescente-se: “Evidentemente, a uma hermenêutica dos „textos‟ conciliares deve-se acrescentar uma

hermenêutica do Concílio enquanto „evento‟, „espírito‟, „movimento‟. Trata-se de identificar o „espírito‟ do Concílio, ou seja, aquele impulso espiritual de renovação que animou os trabalhos conciliares e que contagiou a

vida eclesial” – cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 22. 172 Como se diz tradicionalmente: ad intra e ad extra, isto é, para dentro e para fora da realidade eclesial. 173 Acrescente-se: “Do papa João XXIII nasceu a idéia mesma do concílio caracterizada por um „pensar grande‟,

pela convicção que a fé pudesse gerar um acontecimento histórico adequado às novas exigências da humanidade.

[...] O Vaticano II apresenta-se como um concílio empenhado em levar a Igreja a responder comunitária e

positivamente, ou seja, repropondo os conteúdos evangélicos essenciais à humanidade de hoje [...]” – cf. Ibid., p.

196. E ainda: “[...] foi a primeira vez que a Igreja se definiu a si mesma” – cf. CONGAR, Yves M.-J. À guisa de

conclusão. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 1285.

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É interessante acentuar os elementos de continuidade entre as expectativas

delineadas antes do concílio e seus resultados. Apesar de uma considerável

correspondência entre muitas dessas expectativas e conclusões, parece,

todavia, que o Vaticano II terá complexivamente ultrapassado as expectativas,

realizando uma virada mais profunda e orgânica [...] Nasceu um concílio

novo, ou seja, diferente daqueles da tradição precedente, uma vez que não foi

determinado pela resposta a desvios heréticos, nem por exigências de

organização da cristandade, nem por emergências dramáticas, sem enfim

realizar um projeto bem determinado.174

Libanio, de modo semelhante, acentua “uma dupla leitura” permitida pelo Concílio:

[...] a leitura de continuidade acentua o permanente, o estrutural e considera a

história um fluxo contínuo. É feita muito a gosto da instituição, oferecendo

segurança, mas padecendo facilmente do viés ideológico e inibidor de

mudanças. A leitura de ruptura salienta o ponto da novidade criativa, muito

própria dos críticos e profetas, gerando insegurança, desagradando os senhores

da instituição, mas permitindo avanços.175

Embora, ele mesmo, em sua opinião, não hesite em sustentar a novidade do Vaticano

II, a partir de um referencial de ruptura para com uma mentalidade que prefere designar “pré-

moderna” ou “tradicional”, dita teocêntrica. Em oposição, o Concílio teria procurado falar

com a modernidade, a partir da modernidade das elaborações de diversos movimentos

eclesiais, ditos: bíblico, litúrgico, ecumênico, missionário, leigo, teológico e social,

historicamente contextualizados.176

E assim, resume:

O Concílio Vaticano II significou real ruptura em relação à mentalidade

predominante na Igreja católica até o final do pontificado de Pio XII. Essa

ruptura caracterizou-se pela passagem de uma visão pré-moderna do mundo

para uma visão moderna. E o Concílio foi esse divisor de águas, ao

174 Cf. Ibid., p. 195. 175 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II. Em busca de uma primeira compreensão. SP: Loyola,

2005, p. 11. Na obra citada acima o autor situa-se na leitura de ruptura, e justifica-o: “Assumiremos neste estudo

essa segunda leitura do Concílio Vaticano, e não o consideraremos na linha de Trento e Vaticano I. Trata-se de

uma preferência, que não implica nenhuma exclusividade radical. Está também presente uma continuidade que

eventualmente será indicada. [...] No entanto, a ótica principal do nosso trabalho focaliza a ruptura. Interessa-nos

apontar para as novidades que brotaram do Concílio a fim de incentivar o prosseguimento desse processo em vez

de introduzir freios estratégicos.” – cf. Ibid., p. 13-14. 176 Cf. Ibid., p. 15-56.

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confeccionar os textos e ao dirigi-los precipuamente ao sujeito social

moderno.177

Para Lorscheider, “o novo [do Concílio] significa a acentuação de alguns aspectos que,

no decurso dos tempos, ou ficaram esquecidos ou perderam o seu vigor, na prática e na

reflexão pastoral-eclesiológica”178

. Neste sentido, ele “não veio para definir ou condenar, mas

para servir e salvar. Toda a sua postura não foi fuga do mundo, mas presença viva e atuante

em favor do mundo e da humanidade”179

, sob a égide de dois conceitos fundamentais:

“abertura crítica ao mundo de hoje”180

e “uma Igreja dialogante”181

; já explicitados pelo então

bispo de Santo Ângelo alguns meses antes do encerramento do Concílio.182

Esta “abertura crítica” compreende salutarmente, parafraseando novamente

Lorscheider, focalizar a participação ativa da Igreja na história humana, isto é, “o aspecto

encarnacionista do mistério da Igreja, a sua historicidade, com especial atenção aos sinais dos

tempos”183

. Enquanto, a “Igreja dialogante”, explica-se desde o diálogo que o próprio Deus,

através do seu Verbo, seu Filho, no Espírito Santo, trava com a humanidade; e disto: “Este

diálogo deve acontecer dentro da própria Igreja católica; [...] É um diálogo animado por um

amor fervoroso e sincero”184

. E sintetizando:

177 Cf. Ibid., p. 14. Entenda-se “sujeito social moderno” como o entende Libanio, isto é, “não são os indivíduos

considerados em sua singularidade, mas na qualidade de grupos ou classes sociais que assumem, desempenham

papel decisivo e primordial em certo momento da história” – para Libanio este “sujeito social moderno agiu

dentro e fora do Concílio [...] por meio das relações que ele criou com seus membros, peritos e padres

conciliares” – cf. Ibid., p. 12-13. 178 Cf. LORSCHEIDER, Aloísio. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: SANTOS, Manoel

Augusto (Org.). Concílio Vaticano II: quarenta anos de Lumen Gentium. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p. 21.

Também publicado em: LORSCHEIDER, Aloísio; et alli. Vaticano II: 40 anos depois. 2.ed. SP: Paulus, 2006, p.

39-49. 179 Cf. LORSCHEIDER, Aloísio. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: SANTOS, Manoel

Augusto (Org.). Op. cit., p. 26. 180 Dito “aggiornamento”, enquanto “exprime o aspecto encarnacionista do mistério da Igreja, a sua

historicidade, acentuando a necessidade de atenção aos sinais dos tempos” – cf. Ibid., p. 19. 181 Enquanto “diálogo” não seja “polêmica, controvérsia, discussão”, mas sim, “dar ao outro o testemunho de

uma convicção íntima que se tem, oferecendo, ao mesmo tempo, ao outro a oportunidade de, por sua vez, dar o

testemunho de sua convicção íntima” – cf. Id. Congar argumentaria: “Um diálogo significa que os outros não são unicamente passivos” – cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono, SP: Loyola, 1990, p. 17. 182 Acrescente-se: “Espelhando-se em Cristo, o Concílio procurou realizar o seu primeiro propósito: o

„aggiornamento‟ da Igreja, o diálogo da Igreja consigo mesma, a sua renovação interior” – cf. LORSCHEIDER,

Aloísio. O mistério da Igreja no Vaticano II. Porto Alegre: Departamento Regional de Teologia: Champagnat,

1965, p. 1. 183 Resumo do artigo do Cardeal Aloísio Lorscheider, já citado anteriormente em outros trabalhos, agora na

Apresentação da obra de Gonçalves e Bombonatto – cf. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO,

Vera Ivanise (Org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. 2.ed. SP: Paulinas, 2005, p. 6. 184 Cf. Id.

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O Vaticano II trabalha com duas realidades: a revelação e a situação. Há uma

nova concepção teológica da salvação. A salvação não é colocada antes ou

depois do mundo, mas dentro do mundo. A salvação constrói-se neste mundo,

onde temos a as sementes do Verbo, embora não se esgote com a realidade e

na realidade deste mundo. É a teologia do Reino de Deus já presente e atuante

no mundo. O Evangelho é a semente evangélica colocada no coração da Igreja

e da humanidade. Por isso, não mais fuga do mundo, mas presença evangélica

atuante no mundo.185

Uma leitura mais contemporânea, apropriada aos teólogos Gonçalves e Bombonatto,

reafirma a “pertinência histórica” do Concílio Vaticano II, pois

[...] acolheu um contexto de renovação teológica e eclesial proveniente de

várias décadas e sistematizou conteúdos fundamentais que proporcionaram a

vivência de um novo espírito da Igreja em suas estruturas internas, em sua

relação com o mundo e em sua visão teológica e antropológica.186

E disso decorre, como conclui Gonçalves e Bombonatto, que: “Mesmo em meio às

tensões do tempo, do espaço e da cultura, a continuidade histórica do espírito do Concílio

Vaticano II é a afirmação de uma Igreja que abriu suas janelas para enxergar [...]”187

. De fato,

esta “Igreja aberta ao mundo” e em “diálogo com um mundo” tornou-se motivo de crítica

teológica dos peritos do Concílio, imediatamente após seu encerramento. Dentre eles,

sobressai Ratzinger, pelo teor de sua avaliação e pelo impacto histórico-eclesiológico de sua

teologia; a saber:

[...] o Vaticano II queria claramente, incorporar e subordinar o discurso da

Igreja ao discurso de Deus, queria propor uma Eclesiologia no sentido

propriamente teo-lógico, mas a recepção do Concílio, até agora, passou por

cima desta característica dominante, em favor de cada uma das afirmações

eclesiológicas, atirou-se a palavras-chave individuais e, assim, ficou aquém

das grandes perspectivas dos Padres conciliares.188

185 Cf. Ibid., p. 7. 186 Cf. Ibid., p. 419. E também, cf. ROUSSEAU, Olivier. A Constituição no quadro dos movimentos

renovadores de teologia das últimas décadas. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 115-134. 187 Cf. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Org.). Op. cit., p. 420. 188 Cf. RATZINGER, Joseph. Caminhar juntos na fé. A Igreja como comunhão. Braga: Editorial A. O., 2005, p.

123. Houve, certamente, quem discordasse desta opinião e se manifestasse, no tempo oportuno, assim

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O problema assinalado por Ratzinger parece fazer ressaltar o fator fundamentalista da

interpretação pós-conciliar, isto é, uma recepção que acabou por discutir mais as tendências

da reflexão conciliar e menos o resultado do ardoroso processo de construção do Concílio,

que decorre da sua documentação, como um todo. Justamente, o que parece ser o contrário

daquilo que se desejava da parte dos Papas no itinerário original do Concílio, como dos

especialistas citados acima. Ratzinger, também, abordou esta dificuldade, com relação à

qualificação teológica dos documentos conciliares, em especial da Constituição sobre a Igreja,

devido a sua Nota explicativa prévia189

, ainda durante a execução do Concílio:

[...] é um documento amadurecido através de anos de mais intensiva auto-

expressão da presente consciência de fé, como pregação ao mundo de hoje e

como base de sua renovação espiritual, que não pode estar sobre fundamentos

vacilantes. Não significa que o texto seja irreformável nas particularidades de

suas formulações e direções de idéias, ou mesmo de suas citações da Escritura

e dos Padres. Significa, porém, que no conjunto dos textos doutrinários dos

tempos mais recentes a essa Constituição cabe um significado preferencial,

como uma espécie de ponte para a interpretação.190

As críticas apresentadas acima, da parte de Ratzinger, não o impediram de reconhecer

a “abertura ao mundo” enquanto novidade proporcionada pelo Concílio, sob a forma de um

novo realismo da teologia, do derrubamento das fronteiras na Igreja, da ideia de diálogo e a

aceitação da autonomia das ordens mundanas. Como afirma:

teologicamente. Faz-se prudente recordar aqui apenas como indicação, justamente por não corresponder aos

objetivos desta elaboração, a contribuição de Comblin, cf. COMBLIN, José. O povo de Deus. 2.ed. SP: Paulus,

2002, como também, do já recordado Libanio, cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 205-213.

Sobre a recepção do Concílio, também cf. DOMÍNGUEZ, José Arturo. Las interpretaciones posconciliares. In:

RODRÍGUEZ, Pedro (Dir.). Eclesiología 30 años después de “Lumen Gentium”. Pueblo de Dios – Cuerpo de

Cristo – Templo del Espíritu Santo – Sacramento – Comunión. Madrid: Rialp, 1994, 39-87 e RATZINGER,

Joseph. El nuevo pueblo de Dios. Esquemas para una eclesiología. Barcelona: Herder, 1972, p. 335-356. 189 A Nota explicativa prévia tinha por objetivo explicitar o “espírito e o sentido” como deveria ser explicada e

compreendida a doutrina exposta no capítulo III da Constituição sobre a Igreja – cf. Notificações feitas pelo

Exmo. Secretário Geral na 123ª Congregação Geral (16 de novembro de 1964). In: DOCUMENTOS DO

CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 193-194. 190 Cf. RATZINGER, J. A colegialidade episcopal. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 788 – grifos

nossos. E ainda, acrescente-se: “Justamente o objetivo desse texto [Nota explicativa prévia] não é absorver as

forças dos teólogos; seu sentido é antes de levá-los acima deles e guiá-los mesmo às fontes do perpétuo

rejuvenescimento de toda a teologia: à Sagrada Escritura e aos ricos tesouros que dos escritos dos Padres devem

ser explorados como novos, de geração em geração” – cf. Id.

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Comparado com certas tendências que se desenvolveram no século XIX e na

primeira metade do século XX, representa sem sombra de dúvida uma ruptura,

contudo uma ruptura que comporta uma mesma motivação fundamental. É

possível dizer que o concílio marca a passagem de uma situação em que se

parecia ter alcançado um máximo de cristianização, cuja manutenção e

fortalecimento se considerava a tarefa mais importante, para uma situação em

que se deve reconhecer de novo o radical posicionamento minoritário do

cristianismo, que exige não manutenção, mas uma existência missionária.191

Neste horizonte de interpretação, parece oportuno, a modo de síntese da mentalidade

do Concílio, o esboçado por Congar também às vésperas da última sessão do Vaticano II:

[...] um concílio toca a Igreja em profundidade e prolonga sua ação durante

gerações, mesmo durante séculos. É que ele põe por obra as forças de toda a

catolicidade, numa espécie de concelebração cujo principal celebrante é o

Espírito Santo, prometido à assembléia fraterna reunida em nome do Senhor.

Essa cooperação humana e mística findou no ato supremo do magistério que

foi a proclamação do texto [...].192

No excerto acima, Congar tem em mente a “aprovação litúrgica e canônica”193

da

Constituição sobre a Igreja, mas o aplicável a um texto conciliar parece poder aplicar-se ao

Concílio como um todo na busca da compreensão do seu itinerário teológico, como aqui se

faz: o “espírito” que o conduz não é outro senão o Espírito de Cristo; que também conduz a

sua Igreja no seu processo dialógico entre si, e de modo especial através do Concílio com o

mundo, cujo resultado final é a elaboração textual que contém a explanação do conteúdo da fé

para os dias atuais, como tanto o desejava seu idealizador o Papa João XXIII, bem como seu

finalizador o Papa Paulo VI.194

191 Tradução de: “Comparado con ciertas tendencias que se desarrollaron en el siglo XIX y en la primera mitad

del XX, representa sin género de duda una ruptura, pero una ruptura dentro de una intención en que parecía

alcanzado un máximo de cristianización, cuya conservación y afianzamiento se consideraba como la tarea más

importante, a una situación en que debe reconocerse de nuevo la radical postura minoritaria del cristiano, que pide no conservación sino una existencia misionera” – grifos nossos – cf. RATZINGER, Joseph. El nuevo

pueblo de Dios. Esquemas para una eclesiología. Barcelona: Herder, 1972, p. 332-333. 192 Cf. CONGAR, Yves M.-J. À guisa de conclusão. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 1286. Nesta

citação, Congar faz referência a outro texto, produzido por ele mesmo, após a terceira sessão do Concílio

Vaticano II, aqui citado da edição disponível impressa um ano depois – cf. CONGAR, Yves. Le Concile au jour

le jour. Troisième session. Paris: Du Cerf, 1965, p. 9-39. 193 Cf. CONGAR, Yves M.-J. À guisa de conclusão. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 1286. 194 Congar recorda que, embora o Concílio não tenha como prerrogativa formular novos dogmas, nem por isso

seus documentos deixam de gozar de autoridade. Para tanto, cita o texto da recém-aprovada Lumen Gentium que

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Almeida acrescentaria assim:

Não se trata, de forma alguma, de separar nem de opor “espírito” e “letra” do

Concílio, preferindo aquele a esta, ou vice-versa. [...] Não obstante o limite

inerente aos textos conciliares, o “espírito” do Concílio – ainda que os

transcenda – está ligado aos textos, está mesmo nos textos. Sem os textos, o

“espírito” do Concílio se esvai, como fogo-fátuo ou fantasma inalcançável;

sem o “espírito”, porém, os textos não passariam de “letra morta”, que sem o

Espírito, mata e não salva.195

Assim lido e interpretado, à luz do seu “espírito”, o Vaticano II ecoa na história como

o Concílio que conseguiu apresentar-se “pastoral” sem descurar seu caráter “doutrinal”,

justamente por evidenciar que o “pastoral faz parte da doutrina, mas exprimindo-se na

história, no tempo e no mundo atual”196

. Um Concílio capaz de integrar o passado e o

presente da fé, na historicidade dinâmica da sua Tradição.197

2.2 A Eclesiologia do Vaticano II

Conforme o exposto anteriormente, o Concílio não quis repetir verdades antigas, mas

desejou atualizar a milenar consciência que a Igreja tem de seu próprio mistério como fonte

de evangelização. Neste sentido, parafraseando Hackmann, a Constituição sobre a Igreja

reflete uma eclesiologia enquanto a autoconsciência que a Igreja no Vaticano II tem de si

mesma. E completa, acentuando: “Seu valor está na visão orgânica do mistério da salvação e

afirma que os bispos entre si e em comunhão com o Sucessor de Pedro, na expressão da sua colegialidade em

concílio, de modo especial e significativo, “enunciam de modo infalível a doutrina de Cristo”; e a isto, deve-se

aderir “com assentimento de fé” – cf. Ibid., p. 1286-1287. E também, cf. Lumen Gentium, 25. 195 Cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 23. 196 Cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono, p. 9-10. Argumentá-lo-ia ainda como segue: “É verdade que

algumas pessoas abusaram desse título para dizerem: já que é pastoral, ele não é doutrinal. Isso é absolutamente falso: ele é doutrinal, mas doutrinal-pastoral, isto é, pertencente a uma doutrina que requer ser aplicada

historicamente, que não é uma espécie de „terra de ninguém‟, entre o céu e a terra, um tipo de quadro absoluto,

imutável, intocável” – cf. Ibid., p. 10. 197 Acrescente-se: “[A Tradição] é uma realidade viva, e não a transmissão material de uma coisa que será

retomada sem, modificações. Trata-se da vida de um princípio por todo o decorrer da sua história. [...] a

novidade do Vaticano II consistiu em grande parte na admissão da historicidade da Igreja, das Escrituras etc.

Historicidade não quer dizer, de forma alguma, algo de totalmente novo: retoma-se o anterior, mas em condições

originais. Trata-se da famosa adaptação. [...] Estou convencido de que o Vaticano II se insere na Tradição. Mas,

evidentemente, trouxe elementos novos” – cf. Ibid., p. 11.

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do mistério da história humana, procurando colocar no centro aquilo que é essencial e

imutável, mostrando claramente as dimensões interiores da Igreja”198

.

Os próximos itens têm por objetivo aprofundar este processo de autoconhecimento da

Igreja revelando suas nuances em vista da situação da esponsalidade no conjunto orgânico

desses elementos, que integrados parecem ter o potencial de oferecer ao mundo atual uma

clara ilustração do mistério eclesial.

2.2.1 Um Concílio Eclesiológico

Afirma-se do Vaticano II, que sendo pastoral tornou-se um Concílio eclesiológico.

Assim, o argumentou o Cardeal Lorscheider recordando que o itinerário original idealizado e

legitimamente ensinado pelo Papa João XXIII procurou qualificar o Concílio como

“pastoral”, isto é, diferentemente dos anteriores “teria que se preocupar fundamentalmente

com o caminho necessário para o mundo de hoje abrir-se ao Evangelho”199

. No entanto, seu

falecimento entre a primeira e segunda sessões conciliares fez emergir no cenário eclesial o

Papa Paulo VI “que acrescentou o elemento eclesiológico”200

à reflexão do seu antecessor e

ao itinerário por ele definido. Não que este elemento estivesse completamente ausente: até,

porque, o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo é prerrogativa irrenunciável da Igreja e da

sua missão, desde os tempos primitivos do cristianismo; no entanto, uma Igreja preocupada

com o modo de anunciar, precisaria ter plena, autêntica e profunda consciência de si mesma e

de seu significado.201

Alberigo sustenta que desde o encerramento da primeira sessão conciliar “já estava

claro que o tema característico do Vaticano II devia ser a Igreja”202

, o que acabou sendo

acentuado nas sessões seguintes pelo espaço dedicado ao estudo, elaboração e re-elaboração

198 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Igreja, que dizes de ti mesma? E as eclesiologias. In: SANTOS,

Manoel Augusto (Org.). Op. cit., p. 86. E acrescente-se: “El concilio Vaticano II ha sido en contecimiento

fundamental a través del cual se ha perguntado la Iglesia por su sentido y quehacer en el mundo contemporáneo.

Fue uma toma de conciencia profunda de la Iglesia sobre sí misma desde sus raíces en Jesucristo, fue um acto de

presencia en el mundo con um espírito comprensivo y servicial „simpático‟ y evangelizador, y fue una adopción

de actitudes que están llamadas a marcar durante mucho tiempo su rumbo” – cf. BLAZQUEZ, Ricardo. La

Iglesia del Concilio Vaticano II. 2.ed. Salamanca: Sigueme, 1991, p. 14-15. 199 Cf. LORSCHEIDER, Aloísio. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: SANTOS, Manoel

Augusto (Org.). Op. cit., p. 17. 200 Cf. Id. 201 Assim, a Igreja que emerge do Vaticano é, segundo Lorscheider: “aberta à comunidade como forma de viver

a vida cristã e estar presente no mundo”; “uma Igreja servidora e solidária” e “dialogante” – cf. Ibid., p. 21-23. 202 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. 3.ed. SP: Paulus, 2005, p. 407. Não obstante,

o Papa Paulo VI tenha iniciado a segunda sessão conciliar, em 29 de setembro de 1963, re-enumerando as

prerrogativas definidas pelo Papa João XXIII: “a exposição da teologia da Igreja, a sua renovação interior, a

promoção da unidade dos cristãos, e, enfim, o diálogo com o mundo contemporâneo” – cf. Ibid., p. 410.

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do Esquema que versava sobre a Igreja.203

E assim, a Constituição sobre a Igreja, “passará

indubitavelmente à história como o documento central do Concílio [...], está situada no ponto

de confluência das grandes preocupações [...] e projeta fachos de luz sobre todos os outros

pronunciamentos [...]”204

, como afirmara Baraúna. E complementara:

[a Constituição sobre a Igreja] nada mais é que uma nova plataforma de

lançamento e de projeção para o futuro. Ela injetou sangue novo na

comunidade católica e cristã. Urge agora fazer que este novo plasma entre a

fazer parte da sua circulação vital, passe a renovar-lhe as fibras e os tecidos,

até a última célula. O fermento já foi depositado na massa. Mas o processo de

fermentação está apenas iniciado [...]205

.

Também é oportuna a menção de De Lubac a respeito do exposto acima:

[...] é realmente em virtude de uma lógica profunda que esse Concílio reunido

no século XX devia ser levado a tratar amplamente da Igreja. E isto não

somente porque era preciso concluir, um dia, o trabalho empreendido no

século passado e então deixado em suspenso, ou porque mister se fazia, afinal,

ao cabo de séculos de cisma, resolver a situar o catolicismo em relação às

outras famílias cristãs e a manifestar a plenitude dele [...]. Seja qual tenha

sido, no preparo dele, a parte das iniciativas individuais ou a dos acidentes da

história, esse grande texto conciliar [a Constituição sobre a Igreja] é o

desfecho de um movimento irreprimível, interior à consciência cristã. A Igreja

devia “dizer-se, um dia, a si mesma, explicitamente, o que ela pensa de si

mesma”. Soara a hora de dizê-lo. Esse texto traz, de alguma sorte, o selo da

necessidade.206

Como reflexo desse movimento interior à consciência cristã, movimento de abertura e

integrador, a Constituição sobre a Igreja, no coração do Concílio, surge como o resultado da

cooperação do episcopado mundial, com seu Papa inserido e presidindo este colégio – cerca

203 Cf. Ibid., p. 410-413. 204 Cf. BARAÚNA, Guilherme. Prefácio. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 21. 205 Cf. Ibid., p. 26. 206 Cf. DE LUBAC, Henri. Liminar. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 28 – grifos nossos. E

acrescente-se: “A nova Constitutio de Ecclesia [...] trata do tema principal do Concílio” – cf. Ibid., p. 28.

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de dois mil e quinhentos bispos – unidos pela “força da sua comunhão, gerada e sustentada

pelo Espírito Santo”207

, em vista da comunicação do mistério eclesial.

Libanio, em reflexão bastante atual, enfatizando a leitura eclesiológica como “chave

principal”208

de interpretação do Concílio Vaticano II, recorda a posição teológica defendida

por Acerbi, no tocante a subsistência de dois posicionamentos eclesiológicos entrelaçados na

teologia conciliar.

Uma eclesiologia hegemônica, realçada na Constituição sobre a Igreja, que ressalta a

Igreja em analogia a Cristo, isto é, “o Senhor glorioso é-lhe princípio de vida [...] a plenitude

da revelação [...] Ele ocupa a posição central”209

, é de fato, Jesus, a Luz dos povos. A Igreja se

compreende em Cristo, divina e humana; inacabada e a caminho da sua plenitude. Por outro

lado, enfatiza Libanio, há a resistência de um resíduo eclesiológico do Vaticano I que

propugnava uma Igreja “hierárquica primacial e clerical”210

, o que sustenta “tensões em

aberto”211

na eclesiologia conciliar, com dificuldades para a integração do espírito dialógico

do Concílio.

De um modo, ou de outro, a índole eclesiológica do Vaticano II, como afirma Libanio,

não é outra senão a de uma Igreja capaz da sua autocrítica, em diálogo com o mundo exterior

à sua proclamação de fé e disposta à integração dos benefícios da modernidade para

comunicação da Luz de Cristo para todos os povos.212

Arias enfatiza finalmente, que o Concílio não teve apenas um espírito eclesiológico,

nem apenas relacionou eclesiologias, mas foi um acontecimento que estruturou um “projeto

de Igreja”213

pautado na “autocompreensão da Igreja frente ao mundo moderno, diante de

Deus e diante dos homens [...] como Povo de Deus em comunhão”214

, que precisa ser

continuamente recordado, relido e redescoberto para ser capaz de realizar seu intento. E com

relação a esta assimilação ou recepção contínua do itinerário eclesiológico formulado pelo

Vaticano II, reconhece:

207 Cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 13. Mesmo que o Concílio Vaticano II não tivesse escolhido

tratar do mistério da Igreja, não se pode descurar que todo “concílio é, na verdade, a expressão máxima da

comunhão eclesial em sua dimensão visível e institucional” – cf. Ibid., p. 14. 208 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 101-105. 209 Cf. Ibid., p. 102. 210 Cf. Ibid., p. 103. 211 Cf. Ibid., p. 104. 212 Cf. Ibid., p. 104-105. 213 Cf. ARIAS, Gonzalo Tejerina. Concilio Vaticano II. Acontecimiento y proyecto de Iglesia. In: ARIAS,

Gonzalo Tejerina (Coord.). Concilio Vaticano II: acontecimiento y recepción. Estudios sobre el Vaticano II a los

cuarenta años de su clausura. Salamanca: Universidad Pontificia de Salamanca, 2006, p. 11-32. 214 Tradução: “[...] autocomprensión de la Iglesia, en el mundo moderno, ante Dios y ante los hombres […] como

Pueblo de Dios en comunión” – cf. Ibid., p. 27.

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O convite para fazer da Igreja uma viva communio pela força da Palavra, que

seja um sinal de salvação para o mundo inteiro, permanece um chamamento

perfeitamente válido e exigente. O caráter eclesiológico do Concílio não deve

impedir uma leitura que com alguma radicalidade situa o discurso eclesial no

propósito mais global de tomada de consciência da grave crise do sentido

religioso no atual desenvolvimento da humanidade e de resposta a ela.215

Assim, Arias situa a hermenêutica eclesiológica do Concílio na direção da construção

de uma “religião humanizadora”216

, isto é, uma Igreja que tem como identidade sua abertura

dialógica para com todos os horizontes humanos, para neles plasmar Cristo.

2.2.2 A História da Constituição sobre a Igreja217

A Constituição sobre a Igreja e seu Esquema de estudo eclesiológico ocupou espaço

nas discussões dos Padres conciliares pelo menos em três das quatro sessões do Vaticano II,

vindo a ser aprovada, no encerramento da terceira seção em 21 de novembro de 1964, com

2.151 votos favoráveis e 5 contrários.218

Foram inúmeras as dificuldades enfrentadas pelo Esquema sobre a Igreja, elaborado

pela comissão preparatória, desde o primeiro período do Concílio, conforme afirmara

Kloppenburg: “Criticou-se a estrutura, o método fundamental, a argumentação, o conteúdo, o

espírito”219

; e aprofunda Alberigo:

215 Tradução: “La invitación a hacer de la Iglesia una viva communio bajo la fuerza de la Palabra, que sea un

signo de salvación para el mundo entero, permanece como un llamamiento de perfecta validez y exigencia. El

carácter eclesiológico del Concilio no debe impedir una lectura que alguna radicalidad sitúa el discurso eclesial

en un propósito más global de toma de conciencia de la grave crisis del sentido religioso en el actual momento

de desarrollo de la humanidad y de respuesta a ella” – cf. Ibid., p. 31. 216 Cf. Id. 217 Esta pesquisa prefere restringir-se a uma abordagem histórica da elaboração da Constituição dogmática sobre

a Igreja, no curso do Concílio Vaticano II. Sobre sua etapa preparatória, cf. BETTI, Umberto. Cronistória da

Constituição. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p.135-139 e RODRÍGUEZ, Pedro. La Iglesia: misterio

y misión. Diez lecciones sobre La eclesiología del Concilio Vaticano II. Madrid: Cristiandad, 2007, p. 17-48. Para uma compreensão mais abrangente da história do Concílio Vaticano II como um todo, cf. ALBERIGO,

Giuseppe. Breve história do Concílio Vaticano II (1959-1965), e de modo mais aprofundado cf. ALBERIGO,

Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. 3.ed. SP: Paulus, 2005. E em leitura mais contemporânea, cf.

SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo

Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Org.). Op. cit., p. 17-67. 218 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 429. 219 Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA,

Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 197. Sobre o conteúdo específico das críticas dos padres conciliares, cf. Ibid., p.

197-200.

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[...] levantaram-se graves objeções não só em relação à sua redação, mas

também à linha eclesiológica que o inspirava. Ele parecia pouco sintonizado

com a elaboração teológica mais recente e ainda ligado demais aos aspectos

institucionais da Igreja, em prejuízo dos aspectos mistéricos, pouco sensível às

questões ecumênicas, sobretudo ao abordar o problema crucial dos membros

da Igreja; também o tema do episcopado era apresentado numa perspectiva

subalterna em relação às prerrogativas do ofício papal.220

O teor das críticas levou à reformulação do Esquema entre a primeira e a segunda

sessão conciliar, conduzida fundamentalmente pelo teólogo belga G. Philips.221

O novo

Esquema, já aprovado pelo Papa João XXIII para envio aos bispos, em 22 de abril de 1963,

comportava: “Em vez dos 12 capítulos do esquema preparatório, o novo contava só com 4,

que tratavam do mistério da Igreja, da sua constituição hierárquica, dos leigos e do povo de

Deus e, enfim, dos estados religiosos de perfeição”222

; que foram tratados na segunda sessão

conciliar.223

E na crítica de Alberigo:

A estrutura documento ficava, assim, profundamente renovada, embora dom

Philips houvesse reutilizado não poucas passagens do texto preparatório,

reduzindo desse modo a oposição dos teólogos “romanos” ao novo texto,

ainda que pagando o preço de uma menos coerência teológica da exposição.224

Os Padres conciliares apresentaram ao Esquema de Philips cerca de 4.000 emendas,

orais ou por escrito, o que resultou numa nova revisão e aperfeiçoamento por parte da

220 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 405. 221 Em 1965, no ano do encerramento do Concílio, Kloppenburg afirmara: “Falou-se, todavia, abertamente na

imprensa que a Comissão teológica se decidira fundamentalmente pelo ensaio de esquema belga elaborado por

Philips, que continuou depois, até a solene promulgação do documento, a alma e o principal redator do texto” –

cf. KLOPPENBURG, Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA,

Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 200. O mesmo não negara ter havido outras propostas de esquema oriundos do Santo Ofício, dos teólogos alemães, dos franeceses, chilenos e espanhóis, cf. Id. 222 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 408. E também, cf. KLOPPENBURG,

Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p.

201. 223 Sobre a avaliação crítica dos padres conciliares, cf. Ibid., p. 201-217. 224 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 408. E também, cf. CONGAR, Yves.

L’Iglise. De Saint Augustin à l‟époque moderne. Paris: Du Cerf, 2007, p. 413-458 e HACKMANN, Geraldo

Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como comunhão orgânica. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2003, p. 45-58.

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Comissão Teológica, com uma nova metodologia para facilitar as correções do texto até sua

aprovação final.225

A crítica de Philips226

destes acontecimentos é bastante pormenorizada, contudo seria

inadequado transcrevê-la nesta monografia, uma vez que ênfase deste trabalho não é histórica,

mas teológica – aqui, a história é apenas um instrumental de acesso ao conteúdo teológico

desenvolvido na construção da Constituição sobre a Igreja. De um modo ou de outro, o texto

final aprovado fincou-se como um marco referencial, isto é, “a pedra angular”227

dos

documentos conciliares aprovados.

Para Betti a Constituição sobre a Igreja tonar-se-ia a “Carta Magna a que se deverá

referir-se qualquer ulterior aprofundamento da doutrina sobre a Igreja”228

. E concluindo,

acrescentara:

Este resultado, quase até a véspera, inesperado, além de efeito da assistência

do Espírito Santo, é mérito de todos os bispos, que nunca, como nesta

circunstância, mostraram ser uma coisa só com o sucessor de Pedro. [...] As

vicissitudes que acompanharam o texto na sua trabalhosa evolução talvez

hajam incidido um pouco negativamente na formulação do mesmo. Mas isto

está na natureza das coisas, e também os outros Concílios fizeram a mesma

experiência: uma fórmula dogmática pode ser expressa de muitas maneiras; e

esta pluralidade de expressão já diz da perfectibilidade de cada uma.229

225 Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA,

Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 218-241. Inclusive foi apresentada uma Nota explicativa prévia, “por ordem da

Autoridade Superior”, que segundo Alberigo “apresentava-se como uma interpretação do próprio capítulo [o

terceiro, sobre a estrutura hierárquica], proposta aos padres pelo comissão teológica antes que se passasse às

votações das emendas; na realidade, resultava da preocupação do Papa de levar em conta também os argumentos da minoria conciliar, buscando assim formulações que pudessem obter unanimidade na votação definitiva” – cf.

ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 427. 226 Cf. PHILIPS. A Igreja e seu mistério no II Concílio Vaticano. História, texto e comentário da Constituição

Lumen Gentium – Tomo I. SP: Herder, 1968, p. 9-73. 227 Cf. Ibid., p. 1. E acrescenta: “E não é de admirar. A doutrina da natureza da Igreja ocupava o centro do

interesse da teologia desde o fim da primeira guerra. [...] Não é suficiente que ela nos proponha seus dogmas;

nós instamos para que nos diga com que autoridade se apresenta a nós explicando sua missão essencial” – cf. Id. 228 Cf. BETTI, Umberto. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 159. 229 Cf. Id.

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2.2.3 Linhas Teológicas Fundamentais da Constituição sobre a Igreja

Como ponto de partida, apresenta-se válida a síntese de Alberigo, sobre esta

constituição eclesiológica, “a única que recebeu o qualificativo de dogmática ao lado daquela

relativa à Palavra de Deus”230

; a saber:

[A Constituição sobre a Igreja] tem seus pontos fortes nos três primeiros

capítulos, nos quais o concílio, no sulco da tradição patrística e da renovação

teológica da primeira metade do séc. XX, apresenta a Igreja como

“sacramento em Cristo, luz dos povos”, como momento crucial do desígnio de

salvação do Pai, que tem como meta o reino, o qual, por isso mesmo, é distinto

da Igreja. A imagem paulina do corpo de Cristo é utilizada também pelo

Vaticano II, mas no contexto da rica e complexa articulação das imagens

bíblicas da Igreja, que exaltam a variedade de aspectos e de membros: um

povo peregrino na história, caminhando em direção ao cumprimento da

salvação. Povo com o qual Deus renovou uma aliança eterna, que culminou na

cruz e na ressurreição de Cristo; com Jesus e por obra do Espírito, todos os

membros da Igreja participam, na fé, do sacerdócio comum, que exercem

primariamente nos sacramentos, na comunhão recíproca, no serviço aos

homens, de acordo com os carismas que cada um recebeu. A comunidade

eclesial vive na sociedade humana e participa da sua aventura, mas, porque

“católica” e missionária, não se identifica com nenhuma condição em

particular: social, cultural, racial. A Igreja de Cristo se realiza na Igreja

católica, presidida pelo pontífice romano, mas não se esgota nela.231

A reflexão acima procura sintetizar a teologia da Constituição sobre a Igreja e, faz

ressaltar, esta designação de Igreja que parece condizer claramente com o objetivo da

construção do documento explicitado no item anterior: a Igreja é como que “o momento

crucial do desígnio de salvação do Pai”, que deseja iluminar todos os povos com a luz da

salvação que irrompe de Jesus Cristo, seu Filho. O objetivo final da Igreja é o Reino de Deus,

para o qual estão convidados todos os seres humanos a participar. Contudo, como “momento

crucial” deste desígnio de congregação da humanidade, a Igreja distingue-se do Reino,

embora esteja também ela direcionada para sua consecução. Logo, do exposto, deriva a

concepção não de uma sociedade perfeita, imagem idêntica ao Reino na terra, mas uma

230 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 429. 231Cf. Ibid., p. 429-430 – grifos nossos.

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imagem mais humilde, aberta ao diálogo e consciente da sua limitação temporal; serva da

humanidade, enquanto faz resplandecer a luz do seu Salvador e Senhor.232

Almeida prefere falar da teologia da Constituição sobre a Igreja como uma

eclesiologia de transição, uma “necessária transição”233

de imagem eclesial que demonstra a

maturidade da Igreja de compreender-se distinta na sua natureza e na sua consecução

histórica, como foi propugnado pelo Concílio.234

Esta nova imagem eclesial, nova porquê

atualizada pela reflexão do Concílio, pauta-se em princípios enunciados pelo teólogo; dentre

eles seguem os que parecem ser os mais importantes:

i. Uma transição de linguagem: do conceitual e jurídico, para o imagético.235

ii. De uma Igreja voltada para si, para uma Igreja voltada para Cristo.236

iii. De uma eclesiologia critomonista, para uma eclesiologia trinitária.237

iv. De uma Igreja autofinalizada, para uma Igreja reinocêntrica.238

v. De uma Igreja comprometida com o poder, para uma Igreja solidária com os

pobres.239

Almeida ressalta ainda que grande é riqueza teólogica da Constituição a ponto de não

ser possível esgotá-la em alguns princípios, mesmo que genericamente elaborados. Isto faz

notar, como afirma, que entre as chamadas “imperfeições” ou “limites” do texto conciliar está

a dificuldade de uma síntese dos elementos teologicamente articulados; que parece ter ficado

legado às gerações futuras como meta a atingir.240

Neste sentido, Libanio prefere falar de

“tendências”241

eclesiológicas, ou ainda de “deslocamentos fundamentais de significado”242

,

que a seu modo apontam para a possibilidade de “uma nova figura do pensar teológico e da

pastoral que afetam a totalidade da Igreja”243

. E desta nova figura multifaceda o que assoma

indubitavelmente é o “mistério”244

.

232 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 107-147. Libanio falaria de uma inversão eclesiológica

de uma base “apologética, abstrata, jurídica” para o “mistério da Igreja”, considerando o primeiro capítulo da

Lumen Gentium – cf. Ibid., p. 108. E concorda Almeida, cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 47-56. 233 Cf. Ibid., p. 15. 234 Aqui cabe a distinção articulada pelo teólogo do movimento de compreensão de si mesma, ad intra, que teve

como espaço de desenvolvimento na Lumen Gentium, e do movimento de compreensão do seu papel na história,

ad extra, na Gaudium et spes. Em ambos ambientes teológicos há transições de mentalidade e linguagem

indispensáveis para compreender a “nova” imagem da Igreja para si e para o mundo atual – cf. Ibid., p. 16. 235 Cf. Ibid., p. 47-56. 236 Cf. Ibid., p. 57-60. 237 Cf. Ibid., p. 61-66. 238 Cf. Ibid., p. 67-72. 239 Cf. Ibid., p. 115-132. 240 Cf. Ibid., p. 191-194. 241 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 144. 242 Cf. Ibid., p. 145. 243 Cf. Id. 244 Cf. Ibid., p. 146.

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Esse [mistério] acontece na história para a salvação dos seres humanos e a

Igreja é dele sacramento. Em sua visibilidade, é povo de Deus que representa,

significa e faz presente entre os humanos o Reino de Deus. Sua universalidade

não é abstrata nem anterior, mas se realiza em cada Igreja particular. Estas,

espalhadas pelo mundo, comungam entre si e com o bispo de Roma,

constituindo-se a Igreja católica. [...] Descobre na história humana os sinais

dos tempos, apontando para a ação de Deus. Sabe-se cada vez mais feita de

fiéis leigos a serviço dos quais a hierarquia se constitui. E recuperando uma

piedosa tradição mariana situa a Virgem no seu coração como a fiel seguidora

de Cristo. E ela toda se põe a caminho da escatologia final, vivendo em

antecipação momentos de plenitude. Entende sua vocação à santidade como

um chamado de Deus a todos os membros.245

A leitura de Hackmann exalta não a eclesiologia em sentido genérico, mas a

compreensão plural que emerge da autoconsciência que a Igreja tem de si mesma, não apenas

no cenário apropriado ao Vaticano II, mas desde a antiguidade. E neste sentido, faz-se

legítimo falar em termos de “eclesiologias”246

. Assim, na sua compreensão, há que se falar

das novidades teológicas para a reflexão eclesiológica suscitadas pela Constituição sobre a

Igreja, como também das eclesiologias nascidas destas novidades, como ainda daquilo que

chamará de desvios eclesiológicos pós-conciliares.

Dos princípios teológicos que figuram como novidade no cenário eclesiológico

ressalta a “dimensão cristocêntrica”247

que apresenta a Igreja como mistério de Cristo, a

“dimensão pneumatológica”248

que manifesta a dependência da Igreja da ação do Espírito

Santo, a “dimensão sacramental”249

que dá sustentabilidade à razão da historicidade da Igreja

245 Cf. Ibid., p. 146-147. 246 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Igreja, que dizes de ti mesma? E as eclesiologias. In: SANTOS,

Manoel Augusto (Org.). Op. cit., p. 85-119. 247 Cf. Ibid., p. 88. Acrescente-se: “A Igreja existe desde Cristo e em Cristo. O cristocentrismo da Lumen Gentium é a culminância de um movimento eclesiológico que inicia na Escola de Tubinga, se irradia até os

teólogos do Colégio Romano, e, por meio desses, se faz presente no Vaticano I. A sua primeira expressão, pelo

menos parcial, pelo Magistério, encontra-se na Encíclica Mystici Corporis (1943), e é definitivamente

introduzida no Vaticano II por Paulo VI, no seu discurso de abertura da segunda Sessão do Concílio” – cf. Ibid.,

p. 88-89. 248 Cf. Ibid., p. 91. Acrescente-se: “[...] a Eclesiologia só é possível com Cristologia e Pneumatologia em ato, por

que Jesus Cristo e o Espírito Santo estão enraizados na Igreja e a levam, por isso, a produzir frutos de vida

eterna” – cf. Id. 249 Cf. Ibid., p. 98. E disto: “[...] a Igreja é o sacramento primordial da graça de Deus para os homens” – cf. Id.

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e a “dimensão escatológica”250

que ressalta o caráter inconcuso da Igreja, uma vez que

caminha para sua consumação final, na expectativa do Reino definitivo.

São, também, indicadas quatro expressões eclesiológicas das tentativas de síntese das

novidades acima destacadas. A saber: uma “eclesiologia de comunhão”251

, com relevo para a

expressão comunitária da eclesialidade; uma “eclesiologia do Povo de Deus”252

, que partindo

da imagem bíblica referente, mostra a igualdade fundamental de todos na Igreja pelo Batismo,

reunindo nesta imagem eclesial qualificativos de relevância fundamental como a

ministerialidade e a missionaridade da Igreja; a “Igreja servidora”253

que busca a simplicidade

evangélica, o exercício da caridade e do serviço; e uma “Igreja libertadora”254

, cuja

prerrogativa objetiva compromentimento com as classes mais empobrecidas.

Dentre os desvios eclesiológicos no pós-concílio são destacados aqueles apropriados à

reflexão mal estruturada da relação entre as imagens eclesiais do Corpo de Cristo e Povo de

Deus, que redundaram, na leitura de Hackmann, numa “redução sociológica da

eclesiologia”255

, na qual o mistério fica esquecido, enquanto a Igreja acaba sendo

compreendida como “emanação de uma base autônoma e configurada por princípios

sociológicos e não por princípios postos por seu fundador”256

, e uma Igreja “separada de Jesus

Cristo”257

, como resultado de um distanciamento da fé do lugar apropriado para crescer e

alimentar a fé. Cita ainda, um “esquecimento do Espírito Santo”258

, na verdade, um

esquecimento do lugar do Espírito na economia da salvação ressaltado pelo Concílio, que

acabou resumido a uma autonomia absoluta da obra do Espírito, desvinculada da obra de

Jesus Cristo, isto é, a fundação da sua Igreja. E, por último, um certo “vazio mariológico na

Igreja”, como esquecimento do modo como o Concílio refletiu o lugar de Maria e sua relação

com a Igreja.

Da sintética reflexão de Hackmann resulta a percepção da necessidade de integração

dos mais variados aspectos, imagens ou dimensões enunciadas pelo Vaticano II como

imagens da natureza íntima da Igreja, em vista da comunicação do seu mistério. As

“unilateralidades”259

, ou ainda, “a seleção arbitrária de temas”260

, como frisa Hackmann,

250 Cf. Ibid., p. 103. 251 Cf. Ibid., p. 104. 252 Cf. Ibid., p. 105. 253 Cf. Ibid., p. 106. 254 Cf. Ibid., p. 107. 255 Cf. Ibid., p. 112-114. 256 Cf. Ibid., p. 112. 257 Cf. Ibid., p. 114-115. 258 Cf. Ibid., p. 115-118. 259 Cf. Ibid., p. 108. 260 Cf. Ibid., p. 119.

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mostraram-se nocivas e parecem não colaborar para que a Igreja responda aos desafios do

mundo hodierno, fundamental espírito do Concílio. E complementa, agora observando todos

os documentos conciliares que versam sobre a realidade eclesial:

Em todos esses documentos observa-se a uma mudança de visão de Igreja: do

acento da perspectiva de sociedade passam a valer seus aspectos de mistério e

bíblicos, atendendo a sua missionariedade, enquanto sacramento de salvação.

[...] Quando se procura responder aos novos desafios, frutos da busca de

continuar, nos dias de hoje, a missão da evangelização de Cristo, o último

Concílio ecumênico não perdeu sua atualidade e continua como autêntica

fonte de inspiração, pois ele significou o desembocar do processo secular de

reflexão da Igreja sobre si mesma.261

Sem este apontamento final, este item não estaria a contento: a Igreja que emerge do

Concílio Vaticano II, desde sua documentação, mostra-se indubitavelmente como um

conjunto de imagens que ressaltam seu mistério e projetam sua consecução histórica para a

missionariedade no mundo atual, repleto de desafios.262

2.3 Abrangência e Limites da Imagem Esponsal

Antes de tudo, faz-se oportuno considerar a evocação desta pesquisa à terminologia

“imagem” aplicada à Igreja e seu significado histórico-dogmático. A autocompreensão que a

Igreja tem de si mesma articula-se e evolui – enquanto assimila – com a história, influenciada

por inúmeras variáveis, a saber: a “profissão de fé, liturgia, espiritualidade, reflexão teológica,

expressão simbólica e artística”263

. E disto, o que se espera afirmar aqui, ao se falar de

“imagem” da Igreja é exatamente sua representação na teologia, enquanto desenvolve as

261 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como

comunhão orgânica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 55 – grifos nossos. 262 Calvo ressalta quatro dimensões fundamentais ao falar da Igreja nos documentos do Vaticano II, delas a

primeira é seu mistério e a última sua natureza missionária – cf. CALVO, Angel Torres. Diccionario de los

textos conciliares (Vaticano II). Tomo I: A-I. Madrid: Compañía Bibliográfica Española, 1968, p. 937-960. O mesmo também se aplica às reflexões de Rodríguez que polariza a eclesiologia conciliar em mistério e missão –

cf, RODRÍGUEZ, Pedro. Op. Cit., p. 7-8; E ainda, cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 7-8. 263 Cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER, Johannes; LOEHRER,

Magnus (Ed.). Mysterium Salutis. Compêndio de dogmática histórico-salvífica. v.IV/2. Petrópolis: Vozes, 1975,

p. 5-6. De fato, em linguagem teológica apropriada aqui se fala propriamente de “lugares teólogicos”, isto é, a

Igreja vive sua fé e desenvolve sua autocompreensão de fé de um modo explicitamente objetivo no tempo e na

história; todos esses modos de ser Igreja podem caracterizá-la e referenciá-la, implicando sua interpretação – cf.

WIEDENHOFER, Siegfried. Eclesiologia. In: SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática. v.2. 2.ed.

Petrópolis: Vozes, 2002, p. 54-56.

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nuances do seu mistério enunciadas desde as Sagradas Escrituras, fonte de Revelação264

, bem

como de sua articulação com as variantes histórico-eclesiais enunciadas acima.

Da interpretação de Fries, acrescente-se:

O termo de imagem da Igreja encerra, nesse contexto, um significado duplo:

subentende a imagem no sentido de conceituação viva, de idéia clara

formulada pela comunidade dos fiéis sobre o que é e deve ser a Igreja.

Subentende, além disso, a imagem a figura concreta – em termos modernos –

a imagem propiciada pela Igreja ao observador da época correspondente –

esteja ele dentro ou fora da Igreja. [...] Uma historicidade assim entendida

encerra a razão intrínseca de se processar real e necessariamente uma

modificação da imagem da Igreja.265

Uma reflexão mais atual, apropriada à Bucker, preferiria usar a terminologia “modelo”

em lugar de “imagem”, afirmando: “O problema epistemológico dos modelos é importante.

São uma ponte entre o concreto da realidade e o abstrato do pensamento”266

. E assim, parece

tornar-se possível aperfeiçoar o significado das terminologias empregadas, equivalendo-as

nesta pesquisa, como segue explicado abaixo:

[...] modelo [e, consequentemente, como dantes, “imagem”], tem o significado

de uma representação objetiva do ser da Igreja, que ajuda a responder

múltiplas questões em torno da sua essência e a orientar comportamentos

eclesiais. Trata-se de perceber melhor o caráter mistérico do ser eclesial, mas,

ao mesmo tempo, de resolver os problemas práticos de sua existência

histórica.267

264 Entenda-se aqui o que se afirma a respeito da transmissão da Divina Revelação através da Sagrada Tradição e

da Sagrada Escritura, intrinsecamente unidas neste processo – cf. Dei Verbum, 7-10. Bem como, sobre o lugar

das Escrituras na vida da Igreja: “[A Igreja] sempre considerou as divinas Escrituras e continua a considerá-las,

juntamente com a Sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por

Deus e escritas uma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio Deus, e fazem

ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos apóstolos” – cf. Dei Verbum, 21. 265 Acrescente-se: “Desse emaranhado inextricável de idéia e realidade resultam necessariamente certas tensões –

o que não representa nenhum prejuízo para a causa da Igreja, mas antes sua expressão inevitável e sua figura a

abarcar todas as dimensões” – cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER,

Johannes; LOEHRER, Magnus (Ed.). Op. cit., p. 6. 266 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. O feminino da Igreja e o conflito. RJ: Vozes, 1995, p. 60. 267 Cf. Ibid., p. 61. E também, cf. DULLES, Avery. A Igreja e seus modelos. Apreciação crítica da Igreja sob

todos os seus aspectos. SP: Paulinas, 1978, p. 11-32. Libanio faria criticar a utilização dessas terminologias,

elencando suas limitações, e optando o uso da terminologia “cenário” em sua abordagem – cf. LIBANIO, João

Batista. Cenários da Igreja. 3.ed. SP: Loyola, 2001, p. 11-13.

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Neste sentido verifica-se indispensável sua aplicabilidade ao estudo eclesiologia, e isto

não apenas no singular, mas justamente no plural, para referir-se ao conjunto de

características que expressam a eclesialidade nos mais diversos “lugares”268

da teologia.

2.3.1 Da Sagrada Escritura ao Concílio Vaticano II

Na linha da reflexão desenvolvida no final do Capítulo 1, desta elaboração, anotada de

Schökel e Carniti269

, apenas parece-se ser possível mensurar a implicação da simbologia

bíblica esponsal através da sua impressão nas reflexões que provocaram a vida teológica da

Igreja primitiva ao longo dos primeiros séculos do cristianismo, bem como através do período

medieval. E neste sentido, especificamente, tem lugar a afirmação de Bucker: “A eclesiologia

medieval pensou a Igreja como Esposa de Cristo”270

.

Antes, porém, algumas conclusões oriundas do exame da Escritura271

, pois é

justamente desta fonte singular que os Padres da Igreja se alimentaram para desenvolver sua

primitiva reflexão teológica sobre a esponsalidade; como explica Magnolfi: “Antes de tudo,

na própria explicação dos textos da Escritura, os Padres encontram a oportunidade para

desenvolver o discurso da teologia bíblica [...]”272

.

Fica evidente na leitura da projeção escatológica da Igreja-Esposa no livro Apocalipse

uma postura ativa da Igreja diante da chegada iminente do Cristo-Esposo. Ela se prepara para

sua chegada, isto é, tem as disposições necessárias para esperá-lo; mais que isto, está unida ao

Espírito para invocar sua derradeira manifestação. Não é difícil associar esta imagem eclesial

àquela própria da parábola das virgens do Evangelho, que aguardam a chegada do seu noivo

com as disposições necessárias para seu encontro – elas têm condições de se preparar e, assim

preparadas, no encontro, são acolhidas aos aposentos nupciais.

A mesma imagem, sem grande dificuldade, faz recordação da atitude de busca e do

amor desejoso da personagem feminina do Cântico dos Cânticos: na sua independência e

268 Cf. MICHON, Cyrille; NARCISSE, Gilbert. Lugares teológicos. In: LACOSTE, Jean-Yves (Dir.). Dicionário

crítico de teologia. SP: Paulinas, SP: Loyola, 2004, p. 1055-1059. Como também, cf. CANO, Melchor. De locis

theologicis. Edición comemorativa del V centenario del nacimiento del Melchor Cano. Madrid: Biblioteca de

Autores Cristianos, 2006. 269 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I (salmos 1-72). Tradução, introdução e comentário.

SP: Paulus, 1996, p. 630-631. 270 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 116. Magnolfi faz referência a uma “inscrição marmórea do século

II, chamada o epitáfio de Albércio”, na qual “se encontra uma síntese de vários elementos doutrinais

importantes”, a saber: o tema da Igreja, Virgem casta que oferece um alimentos espiritual e que se acha

identificada com a Igreja de Roma – cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: nos Padres da

Igreja e na Liturgia. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. A Igreja e seu mistério/I. SP: Cidade Nova, 1984, p. 150. 271 Cf. Capítulo 1, desta elaboração. 272 Cf. Ibid., p. 150.

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autonomia sai ao encontro do seu esposo amado, com grande beleza e majestade, que lhe são

apropriadas (ou lhe foram apropriadas) – exaltadas magistralmente no Salmo 45.

Também fica evidente no Apocalipse a concretização da imagem do Cristo-Esposo,

enquanto Cordeiro-Vencedor, que realiza no mistério da sua Páscoa, conforme a descrição

eclesial paulina: a eleição, a purificação e a acolhida da sua amada Esposa. Assim, estão

unidos de modo irrevogável pelos laços de um amor esponsal, isto é, marital, como daquele

do qual falaram Isaías, Jeremias e Ezequiel, com o qual Deus desposaria seu povo, para

apagar seu passado ignominioso, e implantar, como que através de uma nova criação, uma

nova vida, sob a imagem de um novo coração.

Enquanto caminha na história da humanidade, no afã da sua peregrinação ao encontro

do Cristo-Esposo – que lhe seduz manifestando seu amor na gentileza da graça, esquecendo-

se de suas mazelas – a Igreja-Esposa é convidada a reconhecer-se, ao mesmo tempo, amada

na sua totalidade mistérica (pois já recebeu o gérmen do amor, na redenção divina), mas

também cooperadora de comunhão, enquanto, nos indivíduos que a compõem, faz-se

chamada a ser aquilo que se autodenominou João Batista no Evangelho joanino – verdadeiros

amigos do Cristo-Esposo, que experimentam a alegria de contemplar aqueles que foram

chamados à nova criação, tornarem-se, assim, escolhidos, pois se deixaram vestir por seu

Senhor de uma nova dignidade; a sua própria dignidade comunicada para a salvação.

Assim, na interpretação de Bucker a patrística cristã compreenderá que “o mistério da

Igreja consiste na comunhão da humanidade com Cristo, pela obra do Espírito”273

, e que “esta

comunhão realiza a obra da redenção”274

, de modo que o próprio mistério da encarnação já

carrega, em si mesmo, simbologia esponsal, não como mera representação, mas como

concretização de um desígnio divino de união de todo gênero humano em Jesus Cristo.275

Fries ressalta, que no contexto da compreensão primitiva da Igreja como “mistério”276

e do esboço de suas características através de “enunciados bíblicos”277

, emerge a imagem da

Igreja como “Esposa de Cristo”278

, enquanto “enunciado da aliança de amor de Deus com a

273 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 117. Temática central consignada em Lumen Gentium, 4. 274 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 117. 275 Cf. Ibid., p. 117-118. 276 Cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER, Johannes; LOEHRER,

Magnus (Ed.). Op. cit., p. 6-16. 277 Cf. Ibid., p. 8. 278 Cf. Ibid., p. 10. Entre outras imagens bíblicas altamente significativas, a saber: “Novo Povo de Deus”, “Corpo

cuja cabeça é Cristo”, “Casa ou Templo de Deus”, “Comunhão dos Santos”, “Igreja de pecadores”, “Mãe”,

“coluna e fundamento da verdade”, etc. – cf. Ibid., p. 8-12.

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comunidade que elegeu e destinada a atingir a verdadeira plenitude por Jesus Cristo, pois foi

nele que se tornou evento e realidade a união de Deus com a humanidade”279

. E acrescenta:

A imagem da Igreja como Esposa de Cristo apresenta de maneira

acentuadamente ilustrativa um vigor não só indicativo, mas também

parenético, enunciando a missão e o dever da Igreja, de ser a comunidade dos

que crêem, esperam, obedecem, servem, procuram e amam [...]280

.

Desta reflexão primordial, pode decorrer, fundamentalmente, a compreensão esponsal

da Pregação do Evangelho, enquanto “chamada e convite à Igreja para ser a Esposa”281

, e a

esponsalidade da cruz, como nova criação, e assim: “A analogia de Eva, que surge da costela

de Adão, é aplicada por muitos padres à Igreja que nasce da costela (lado) de Cristo na

cruz”,282

e disto: “A morte de Cristo na cruz faz da Esposa, Mãe”283

.

Daqui derivam outras variações sobre o mesmo tema, a saber: “a Igreja é comparada à

Esposa pelo fato de receber dotes que o Esposo faz à Esposa”284

; e vai se acentuando cada vez

a estreita relação simbólica entre a Igreja e Maria285

, ambas são Mãe e Virgem286

. Magnolfi

ressalta aqui o papel preponderante de Orígenes que aplica espiritualmente à Igreja Esposa de

Cristo a chave de interpretação que a lê santa e irrepreensível.287

Disto decorre sua

“fecundidade pura de gerar os filhos de Deus e os novos povos, mediante os sacramentos”288

.

Assim, do mistério da Igreja-Esposa na sua totalidade, caminha-se também para a

reflexão da vida de cada cristão e do seu acesso a graça que é própria da eclesialidade.

279 Cf. Ibid., p.10. Fries acrescenta que associadas as imagem da “Esposa de Cristo” com a de “Corpo de Cristo”,

articula-se “a presença de Cristo na Igreja e com a Igreja, mas descrevendo ao mesmo tempo a não-identidade de

Igreja e Cristo, o confronto personal e, com isso, a distância que expressa à uma a qualidade de Senhor e de

Soberano, inerente a Cristo à face de sua Igreja” – cf. Id. 280 Cf. Id. 281 Cf. Ibid., p. 119. 282 Cf. Id. 283 Cf. Id. Acrescente-se: “[...] esta idéia da maternidade da Igreja pelo cruz é especialmente querida pelos padres

latinos. A maternidade da Igreja tem abundantes provas na Patrística: Pastor de Hermas, Irineu, Tertuliano,

Clemente de Alexandria, Metódio, Atanásio” – cf. Ibid., p.119-120. 284 Cf. Ibid., p. 121. 285 Cf. Ibid., p. 122. 286 Recorde-se, porém, como afirma Magnolfi, que a temática tem raízes antigas: Clemente Romano o afirma em

suas Cartas, embora seja Clemente de Alexandria quem desenvolve a reflexão de modo mais completo – cf.

CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: nos Padres da Igreja e na Liturgia. In: MAGNOLFI,

Maria; et alli. Op. cit., p. 151; e também, cf. TIHON, Paul. A Igreja. In: SESBOÜÉ, Bernard (Dir.). Os sinais da

salvação (séculos XII-XX). v.3. SP: Loyola, 2005, p. 315. 287 Cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: nos Padres da Igreja e na Liturgia. In:

MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 151. 288 Cf. Ibid., p. 154.

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Magnolfi resume: “o mistério da Igreja-Esposa se realiza em cada cristão, mediante os

sacramentos da fé”289

.

O Batismo “torna-se, assim, na tipologia dos padres, o mistério das núpcias de Cristo

com a Igreja, o cumprimento da aliança, o momento em que se vive sacramentalmente em

cada um tudo o que aconteceu para a Igreja na cruz”290

; e pela Eucaristia “a Igreja-Esposa se

une a Cristo-Esposo, [...] dele se nutre, torna-se uma só coisa com o Esposo, [...] que ama a

sua Igreja e se dá a Si mesmo por ela”291

. Finalmente, a celebração pascal não é outra coisa

senão, da parte de Cristo-Esposo ressuscitado, “a noite do encontro [nupcial] com a Igreja-

Esposa e é o dia da fecundidade”292

.

Também são distintos três níveis da sua esponsalidade:

i. De Agostinho e Jerônimo entende-se a Igreja como Esposa no sentido da hierarquia,

“que sofre como que dores de parto até que se forme Cristo no povo de Deus”293

;

ii. A Esposa, também, é entendida só como povo de Deus, enquanto o Esposo,

simbolicamente, pode ser reconhecido na figura de São José294

e dos bispos295

;

iii. Finalmente, de Orígenes, Gregório Niceno, Cirilo de Alexandria e Gregório

Magno, surge uma visão de síntese que associa tanto a hierarquia como o povo de Deus, em

unidade, sob a égide da Esposa.296

A reflexão dos padres também caminha no horizonte da associação de dois elementos

identitários em oposição: a santidade e o pecado.297

Neste sentido, afirma Bucker:

Daí a tensão entre a Esposa do Cordeiro do Apocalipse, Igreja sem mancha

nem ruga, e a Igreja no caminhar da história. Os padres falam da Igreja santa

enquanto tem os sacramentos, mas pecadora enquanto seus membros não são

o que deveriam ser.298

E completa Tihon, considerando as dificuldades internas da comunidade cristã

primitiva:

289 Cf. Ibid., p. 155. 290 Acrescente-se: “[...] o seu nascimento do costado de Cristo, lavada no sangue e na água” – cf. Id. 291 Cf. Ibid., p. 156. 292 Cf. Ibid., p. 157. 293 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 122. 294 Assim se expressam Beda, Crisóstomo e Ambrósio – cf. Ibid., p. 122-123. 295 Assim se expressam Eusébio e Agostinho. Tertuliano vê Pedro como Esposo da Igreja. Paciano e Efrém, os

sacerdotes – cf. Ibid., p.123. 296 Cf. Id. 297 Cf. TIHON, Paul. A Igreja. In: SESBOÜÉ, Bernard (Dir.). Op. cit., p. 313-314. 298 Tem papel fundamental nesta discussão Agostinho, e antes dele Cipriano de Cartago – cf. BUCKER, Bárbara

Pataro. Op. cit., p. 123.

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O pequeno grupo daqueles e daquelas que se consideravam os santos e os

eleitos via-se agora congregando numerosíssimas comunidades em que se

acotovelavam pessoas cujo compromisso era manifestamente muito diverso. A

Igreja se compunha, sem dúvida, de santos, mas também de pecadores. Nos

inícios, as situações escandalosas podiam ser resolvidas caso por caso.

Multiplicando-se esses casos, a questão assumia outra dimensão. A natureza

da Igreja estava em causa. [...] Para além das divergências disciplinares, são

duas as eclesiologias que se defrontam. A Igreja é um pequeno rebanho de

puros, ou a reunião de pecadores que se descobre chamada pela graça e, a essa

luz, bem ou mal, caminha como pode?299

.

A síntese desse desenvolvimento teológico, no medievo, é recolhida por Magnolfi300

de modo especial dos “autores espirituais medievais e modernos” para afirmar que “o

despertar eclesiológico deste século recupera a imagem da Igreja-Esposa na reflexão

teológica, para repropô-la sob diversos aspectos na eclesiologia do Vaticano II”. E assim a

teologia da Igreja, como Esposa de Cristo, ao longo do período medieval, fará seu trânsito

conceitual da Igreja-Esposa à alma-esposa, apoiada especialmente nos desenvolvimentos de

Orígenes, aprofundados por São Bernardo que acabou por ampliar “o significado eclesial ao

das almas em particular, justamente em virtude da união de cada cristão com a Igreja”301

;

também presentes na reflexão espiritual de São Francisco de Assis.302

Fries303

enfatizaria mais detalhadamente este processo recordando a importância da

arquitetura sacra na conservação da teologia dos Padres dos primeiros séculos do cristianismo,

a saber:

O estilo gótico não só se explica pelo motivo do Império [no auge da era

constantiniana], mas pelo motivo do Mistério, que continua a existir ao lado do

299 Cf. TIHON, Paul. A Igreja. In: SESBOÜÉ, Bernard (Dir.). Op. cit., p. 313.315. 300 Cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: dos autores medievais ao Vaticano II. In:

MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit. p. 159-163. A saber, autores como: Santa Hildegarda, Pedro de Celle,

Juliano de Vezelay, Guilherme de Saint Thierry, entre outros – cf. Ibid., p. 159-160. 301 Cf. Ibid., p. 160. 302 Acrescente-se a contribuição de autores bizantinos, exemplificados em Nicolau Cabasilas, bem como no

trabalho esponsalício de Santa Tereza de Jesus, visto como continuidade desse desenvolvimento teológico-

espiritual, sem descurar da importância mística do simbolismo esponsal de João da Cruz – cf. Ibid., 160-161. E

disso decorre ainda a compreensão de “Igreja particular”, enquanto “grupo eclesial que vive, na comunhão da fé

e do amor, sua experiência eclesial”, como Esposa de Cristo, oriunda da reflexão de Dionísio, o Cartuxo – cf.

Ibid., 160. 303 Cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER, Johannes; LOEHRER,

Magnus (Ed.). Op. cit., p. 26.

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motivo do Império sob a imagem autêntica da Igreja com Corpo e Esposa de

Cristo. Essa imagem está viva e – literariamente – presente na imagem da

Igreja na forma em que se precipita, não tanto na Canonística, mas nas grandes

sumas teológicas, nos tratados sobre a Graça e a Redenção, bem como na

Exegese medieval, ainda pouco exaurida eclesiologicamente, e nos

comentários escriturísticos. Sobretudo nos numerosos comentários ao Cântico

dos Cânticos e ao Apocalipse traçava-se a imagem duma Igreja sem mancha,

nem rugas, duma Santa Igreja celeste, que teve sua expressão na arquitetura do

estilo gótico, que vive na piedade mística, que representa, ao lado da

Escolástica como forma de ciência teológica, uma força determinante da alta

Idade Média. Ao teólogo associa-se o místico, a quem o ardor, a comoção, a

contemplação, a adoração parecem valer mais do que a ciência e ilustração.304

As conseqüências do exposto acima são bastante profundas no coração do medievo,

uma vez que, se fortalece a “convicção de que a Igreja autêntica e verdadeira consiste na

comunhão dos santos, que não coincide, de modo algum, com os limites externos da Igreja

visível”305

, uma espécie de “Igreja espiritual”, com também de “Igreja oculta” e “Igreja

invisível”. Neste cenário de contrastes despontam, além dos já citados Bernardo e Francisco,

Joaquim de Fiore, Henrique Suso e João Tauler, fazendo irromper em associação e oposição à

imagem de Cristo como Imperador, a “imagem do homem Jesus padecente e crucificado,

redundando numa mística da Paixão extremamente viva e interiorizada”306

.

Fries sintetiza os desenvolvimentos eclesiológicos medievais recordando que ao lado

do imperialismo eclesial apropriado a este período histórico, cresce, desenvolve e se fortalece

uma “imagem da Igreja pobre serviçal, que vê sua imagem interior em Jesus Homem, na

Paixão e na Cruz, e reassume o motivo do Mistério”307

, bem como uma “imagem da Igreja

sem manchas nem rugas”308

e, para além, uma “imagem da Igreja dos Santos [...] que origem

e destino aponta para a Igreja celestial e, no presente, vive, como Igreja oculta, nos corações

dos homens”309

. Logo, a mentalidade eclesial fazia-se pululada de imagens ao sabor dos

interesses que engendravam.

304 Cf. Id. Acrescente-se: “Cria-se assim um novo relacionamento entre indivíduo e Igreja, que não se resume na

Igreja como instituição e objetivação, mas se apóia naquelas realidades por causa das quais existem instituições e

objetivações; devendo a Igreja se moldar por essas realidades na vida espiritual concreta” – cf. Id. 305 Cf. Id. 306 Cf. Ibid., p. 27. 307 Cf. Ibid., p. 28. 308 Cf. Id. 309 Cf. Id.

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66

É esta a Igreja, que caminha contestada pela Reforma, rumo ao Concílio de Trento,

que acabará optando entre outras prerrogativas às de “visibilidade eclesial”, isto é, “pela

objetivação dos conteúdos da fé e dos sete sacramentos, pela instituição, por sua direção pelos

legítimos pastores”310

, de modo especial pela supremacia do Pontífice Romano, o Vigário de

Cristo. Uma Igreja apologética e triunfalista.311

Uma Igreja centrada em si mesma, distante do

mundo, que o recusa.312

Paulatinamente, a Igreja-Esposa-de-Cristo parece ter se tornado pretensa Rainha-de-

Cristo-no-Mundo, e de uma relação de intimidade, optou por uma relação de autoridade. Esta

parece ser a imagem da Igreja que caminha ao encontro da reflexão conciliar no Vaticano II:

uma Senhora poderosa arrastando-se a si e aos seus pela história do mundo. A Esposa de

Cristo parece que houvera perdido sua união com seu divino Esposo, e caminhava sozinha

com suas estruturas de manutenção.313

2.3.2 Na Eclesiologia do Vaticano II

O Concílio Vaticano II, pastoral sem deixar de ser dogmático, com vontade de

renovação, põe seus “olhos voltados para sua origem normativa: Jesus Cristo, e no

testemunho dele”314

, e lê a missão da Igreja não segundo a manutenção da sua

sustentabilidade histórica, mas segundo “sua missão no tempo e para os homens deste

tempo”315

: comunicadora do mistério de amor que a redime e a une ao seu Senhor.

Na Constituição sobre a Igreja, esta é descrita como “a esposa imaculada do

Cordeiro”316

, chamada, por isso mesmo, à santidade317

; vive na expectativa do encontro

escatológico com seu Esposo-Cristo318

, ansiando por esta meta na expectação do Espírito, no

qual e através do qual procura crescer na fidelidade319

ao amor daquele que amando-a

entregou-se por ela.

Também a Constituição sobre a Revelação Divina declara um carisma especial que

configura a Esposa de Cristo em relação às Escrituras, isto é, ela é dotada de uma espécie de

310 Cf. Ibid., p. 36-37. 311 Cf. Ibid., p. 38. 312 Cf. Ibid., p. 39-46. 313 A opinião aqui desenvolvida não ignora que no início do século XX os movimentos históricos e eclesiais já

prenunciavam novas intenções teológicas que acabaram por eclodir no Concílio Vaticano II – Cf. Ibid., p. 49-55. 314 Cf. Ibid., p. 51. 315 Cf. Id. 316 Cf. Lumen Gentium, 6. 317 Cf. Lumen Gentium, 39. 318 Cf. Lumen Gentium, 4. 319 Cf. Lumen Gentium, 8.

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inteligência particular em vista da sua compreensão e comunicação, sob a assistência do

Espírito Santo.320

A Constituição sobre a Sagrada Liturgia, por sua vez, frisa que o lugar apropriado ao

encontro ou união esponsal da Igreja-Esposa e do Cristo-Esposo não é outro senão a ação

litúrgica, na qual “Cristo sempre associa a si a Igreja”321

, confiando a ela o sacramento do seu

Corpo e Sangue, isto é, a Eucaristia322

. E neste sentido específico, figura a oração litúrgica,

como “a voz da Esposa que fala ao Esposo”323

, enquanto celebra ao longo do ano litúrgico “a

obra salvífica do seu divino Esposo”324

.

Finalmente, a experiência da comunhão nupcial se faz ressaltada dos ministérios aos

quais se dedicam parcela do povo de Deus em sinal de consagração e doação total a Cristo: os

religiosos325

, os sacerdotes326

, mas também os cônjuges327

que neste amor esponsal inspiram

sua afeição e doação mútua.

Não obstante o exposto acima, a esponsalidade da Igreja não foi uma imagem

hermenêutica fundamental elaborada na Constituição sobre a Igreja, em surpreendente

oposição aos tempos primitivos do cristianismo. É o que declara Magnolfi:

Não obstante esta riqueza conciliar, podemos afirmar que o tema da Igreja-

Esposa não teve uma influência determinante na teologia: os comentários aos

textos conciliares são antes sóbrios e se limitam a repetir a síntese bíblica do

Vaticano II.328

É inegável, contudo, que haja sinais de esponsalidade, isto é, de união na concepção da

Igreja em relação a Cristo, presentes no itinerário teológico do Vaticano II. Isto advém,

inclusive, do assim enaltecido despertar cristológico do Concílio, salientado acima, como no

item 2.2.3.

320 Cf. Dei Verbum, 8; 23. 321 Cf. Sacrosanctum Concilium, 7. 322 Cf. Sacrosanctum Concilium, 47. 323 Cf. Sacrosanctum Concilium, 84-85. 324 Cf. Sacrosanctum Concilium, 102. 325 Cf. Perfectae Caritatis, 12; Lumen Gentium, 44 326 Cf. Presbyterorum Ordinis, 16. 327 Cf. Lumen Gentium, 41; Gaudium et Spes, 48. 328 Cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: dos autores medievais ao Vaticano II. In:

MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit. p. 165.

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Faz-se oportuno recordar, que tanto o Papa Paulo VI329

, como o Papa João Paulo II330

,

desenvolveram reflexões apropriadas à esponsalidade da Igreja, enfatizando, no pós-Concílio

um, a Igreja como lugar do encontro com Cristo, e o outro, a Igreja como dom de Esposa para

o mundo e para a sociedade. Talvés sejam os desenvolvimentos mais significativos desde a

teologia medieval da esponsalidade, como refletida no item 2.3.1.

Papa Paulo VI, afirmando a Igreja como “ponto de encontro do amor de Cristo por

nós”, assim refletiu:

Que a Igreja seja esposa é mistério de caridade, de enamoramento de Deus,

mediante Cristo, no Espírito Santo, do mundo, da humanidade, da Igreja; a

epígrafe da Igreja pode ser: „Assim Deus amou‟; „Pelo grande amor‟; ou

então: „Cristo nos amou‟ [...] Este mistério nos ensina o amor acima de todo

amor que Cristo nutriu pela Igreja; ensina-nos a união íntima e indissolúvel e

ao mesmo tempo a distinção de Cristo e da Igreja; ensina-nos que a Igreja não

princípio nem fim em si mesma; ela é de Cristo, dele recebe a sua dignidade, a

sua virtude santificadora, a sua humilde e excelsa realeza; [...] revela-nos que

a Igreja é o ponto de encontro do amor de Cristo por nós: a casa das

núpcias.331

A “casa das núpcias” é indubitavelmente o lugar do encontro; lugar onde se estabelece

a união e a comunhão entre os esposos: “a Esposa unida ao seu Esposo, unida porque vive a

sua vida”332

. Assim, a Igreja experimenta pelo mistério do sacerdócio de Cristo, enfatizou o

Papa João Paulo II, sua vocação de manter-se “unida de maneira a responder com um „dom

sincero de si mesma‟ ao dom inefável do amor do Esposo, Redentor do mundo”333

. Esta se

tornou a vocação de todos os batizados, na Igreja, tanto homens como mulheres, todos foram

feitos Esposa de Cristo na ordem da graça.

329 Cf. PAULO VI. Udienza: la mística Sposa di Cristo e Madre dei cristiani. Apud: CERVERA, Jesús

Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo, dos autores medievais ao Vaticano II. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op.

cit., p. 165. 330 Cf. Mulieris dignitatem, p. 97-101. 331 Cf. PAULO VI. Udienza: la mística Sposa di Cristo e Madre dei cristiani. Apud: CERVERA, Jesús

Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo, dos autores medievais ao Vaticano II. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op.

cit., p. 165. 332 Cf. Mulieris dignitatem, p. 97. 333 Cf. Mulieris dignitatem, p. 97.

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2.3.3 Avaliação Crítica da Esponsalidade334

Na direção daquilo que Magnolfi afirmou sobre o modo como a teologia moderna e

contemporânea elaborou esta temática, Bucker insiste em uma tentativa de síntese dessa

abordagem na teologia, a qual, muitas vezes no período medieval foi instrumento para

“censurar os defeitos da Igreja” 335

, principalmente daqueles que a conduziam.

Congar cita a imagem esponsal como apropriada aos Padres da Igreja e aos teólogos

medievais.336

Mersh e Balthasar usam da imagem para refletir suas construções teológicas.337

Na opinião de Bucker, Vonier “é um teólogo importante na Eclesiologia da Esposa”338

, pois

“o desejo de manter uma distinção entre uma Igreja escatológica e outra peregrinante aparece

tanto na eclesiologia do Povo como na Eclesiologia da Esposa”339

, fazendo uma distinção

com relação entre a Igreja-noiva e a Igreja-Esposa.

Bucker, ainda, procurando avaliar criticamente a imagem esponsal, ou o modelo da

Esposa, situa-o, primeiramente frente ao Modelo do Corpo de Cristo, e afirma:

Ao apresentar um modelo cuja plenitude é escatológica, e cuja unidade é

orgânica, o modelo de Corpo não permite suficientemente a confrontação com

um processo histórico. As vantagens que destacamos do modelo da Esposa

para superar dialeticamente os limites do modelo de Corpo são três: diante do

aspecto da unidade que só é perfeita na escatologia, temos a vantagem de uma

unidade construída na história; diante de uma unidade provocada pela lei,

temos uma unidade garantida pelo amor; diante de uma unidade reduzida à

uniformidade, podemos encontrar uma unidade na diversidade.340

Depois o situa frente ao modelo de Povo de Deus, como segue:

O modelo de Povo carece do aspecto da organicidade do modelo de Corpo;

[...] o modelo de Esposa permite recolher o valor da unidade „orgânica‟ em um

sujeito vivo, mas ao mesmo tempo difere da Pessoa de Cristo. Trata-se de

unidade sim, inclusive pensada em termos tão vigorosamente unitários como o

334 Nossa avaliação crítica terá como referência o trabalho desenvolvido por Bucker, um dos poucos da

atualidade da pesquisa eclesiológica que procurou abordar a esponsalidade, enquanto imagem ou modelo de

Igreja, com criticidade científica na teologia – cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 126-128. 335 Cf. Ibid., p. 124. 336 Cf. Id. 337 Cf. Ibid., p. 124-125. 338 Cf. Ibid., p. 125. 339 Cf. Ibid., p. 125-126. 340 Cf. Ibid., p. 128-129 – grifos nossos.

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de „uma só carne‟, mas ao mesmo tempo trata-se de alteridade. E esta unidade

na alteridade, conseguida no amor, não é um dado já conseguido e

estabelecido de forma permanente, mas um projeto buscado e pretendido

através de um processo carregado de vicissitudes históricas.341

E assim, as vantagens do modelo esponsal, apropriadas a esta pesquisa, objetivamente,

se caracterizam tanto pela organicidade de uma pessoa na alteridade da relação com Cristo,

quanto pela unidade amorosa que se identifica permanentemente com as preferências do

Esposo.342

E completa:

O modelo eclesiológico da Esposa existe na Igreja, sobretudo para mostrar a

relação de conversão e do viver totalmente para o Esposo, [...] O que é

essencial na eclesiologia é precisamente esta relação fundamental da Igreja

com Cristo para evitar o perigo de viver a Igreja isolada em si mesma, sem

Cristo e sem a ação do Espírito Santo. Este perigo não é evitado pelo simples

fato de a Igreja dedicar-se às „coisas espirituais‟; deve fazê-lo no Espírito e

como Esposa de Cristo.343

E disto, decorre na compreensão da teóloga: “Se o feminino tem uma grande

importância para a vida da humanidade, porque a mulher é companheira, Esposa e mãe,

podemos suspeitar que tenha também uma grande importância para a eclesiologia”344

. Este

feminino não significa outra coisa senão “àquela parte da humanidade consagrada pelo

Espírito para se sinal visível do mistério que acontece em Cristo”345

.

Finalmente, Bucker ressalta que esta imagem esponsal ou modelo de Igreja-Esposa

também carrega limites insinuados na sua instrumentalização no discurso teológico pelo viés

do “intimismo”, isto é:

Esta limitação é produzida pela forma ideologizada como a mulher como

Esposa tem sido apresentada na sociedade, ocupando-se exclusivamente de

341 Cf. Ibid., p. 131. 342 Cf. Id. 343 Cf. Ibid., p. 134 – grifos nossos. 344 Cf. Ibid., p. 135. E também, cf. BOFF, Leonardo. O rosto materno de Deus. Ensaio interdisciplinar sobre os

feminino e suas formas religiosas. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008 e RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans

Urs von. María, Iglesia naciente. 2.ed. Madrid: Encuentro, 2006. 345 Cf. Id.

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tarefas domésticas. Com esta idéia, o projeto missionário do Esposo, que é o

Reino, seria uma dimensão desatendida. [...] A Igreja é companheira na grande

obra da salvação realizada por Cristo-Esposo; ela é o primeiro fruto e modelo

para a humanidade, ela conduz a todos os povos, como apresenta o

Apocalipse, no encontro com o Esposo, amorosamente chamado quando ela

diz: „Vem‟.346

Para Bucker, o caminho para a superação destes limites conceituais a respeito do

feminino, que comprometem o modelo da Esposa na teologia, pode vir de uma releitura dos

grandes temas teológicos, justamente a partir da eclesiologia da Esposa – a Trindade, o

Serviço do Reino, a Mariologia –, de modo a inserir no imaginário teológico, novos

elementos hermenêuticos de união e comunhão eclesial.347

No final deste caminho reflexivo vale ressaltar o método utilizado por Bucker para

distinguir as vantagens e desvantagens do modelo esponsal, isto é, relacionando-o com os

outros modelos, nenhum deles, em sua unilateralidade, suficientes em si mesmos, para

descrever o mistério da Igreja. Na verdade, este método já estava – ao que parece –

denunciado no modo como a Constituição sobre Igreja foi projetada no Vaticano II: um texto

que não se preocupou com sínteses, nem com anátemas, mas com a manifestação de inúmeras

nuances do mistério eclesial, que se manifesta historicamente na Igreja Católica.

346 Cf. Id. 347 Cf. Id.

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CAPÍTULO III

A Esponsalidade como Modelo de Comunhão

Partindo do pressuposto da necessidade de modelos para a expressão criativa da

Revelação, enquanto mistério auscultado na fé eclesial, este terceiro capítulo procurará propor

a Comunhão Eclesial, enfatizada da Constituição sobre a Igreja do Vaticano II, como interface

da Esponsalidade da Igreja em relação a Jesus Cristo, examinando as possibilidades pastorais

que assomam desta abordagem teológica.

3.1 A Comunhão Eclesial como Interface da Esponsalidade

A Igreja convocada pela Trindade como lugar de comunhão tem sua garantia na ação

do Espírito Santo, pois é “quem realiza, em Cristo, a unidade da Igreja como sinal e

instrumento da unidade de todos os homens”348

. Coda ressaltaria:

A unidade da Igreja mergulha a sua “raiz” na Trindade: de fato, é próprio do

Espírito Santo realizar, em Cristo, a divinização dos homens, isto é, torná-los

“participantes da natureza divina”, fazendo-os “filhos no Filho”. Mas é

também o Espírito Santo que, derramando a caridade no coração dos homens,

cria entre eles relações à imagem e semelhança daquelas que intercorrem entre

as Pessoas da Santíssima Trindade: é o Espírito Santo que torna os homens

capazes de amar-se um ao outro como Cristo os amou.349

Santifica o Espírito à Igreja, portanto, “impelindo-os para o alvo da santidade, pelo

crescimento e aperfeiçoamento da „comunhão na unidade”350

, que tem como fonte primordial

o sacramento eucarístico, pois justamente na “Eucaristia os crentes podem aproximar-se do

Pai por Cristo num mesmo Espírito”351

.

Assim sendo, a Comunhão Eclesial não se apresenta meramente como uma teoria de

comunhão, ou uma idealização da mesma, mas um verdadeiro esforço humano impulsionado

348 Cf. CODA, Piero. O Espírito Santo e o mistério da Igreja. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. A Igreja e seu

mistério/I. SP: Cidade Nova, 1984, p. 196. 349 Cf. Ibid., p. 197. E também, cf. 2Pe 1,4; Rm 5,5; Jo 13,34. 350 Cf. Ibid., p. 198. 351 Cf. Id. E também, cf. Lumen Gentium, 4 e TABORDA, Francisco. O memorial da páscoa do Senhor. Ensaios

litúrgico-teológicos sobre a Eucaristia. SP: Loyola, 2009, p. 249-284. Como também, cf. KASPER, Walter. O

sacramento da unidade: Eucaristia e Igreja. SP: Loyola, 2006.

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pela graça divina, isto é, um movimento espiritual – porque guiado, conduzido e sustentado

pelo Espírito Santo – que culmina na missão.352

É experiência de comunhão que prorrompe no

diálogo com toda a eclesialidade e com o mundo.353

Neste sentido, a Comunhão Eclesial é

também esforço de comunhão entre todos aqueles que estão fazendo da sua própria vida um

caminho através do qual o amor divino se expande e se comunica; e disto, a relação esponsal

parece ter a capacidade de ser modelo e imagem.

3.1.1 A Hermenêutica do Sínodo de 1985

Antes de tudo, faz-se oportuno notar a distinção metodológica a respeito do estudo do

Vaticano II, apontada por Routhier, que ressalta a importância de um trabalho de interpretação

dos textos conciliares que leve em consideração sua totalidade e a mensagem transmitida

pelos temas que perpassam a elaboração dos documentos como um todo.354

Neste sentido, faz-se também necessário considerar a heterogeneidade característica de

cada um dos documentos, pois, abordam cada qual, realidades eclesiológicas específicas, bem

como, sua unidade necessária em torno do itinerário idealizado pelo Concílio, já mencionado

anteriormente.355

Também é oportuno recordar, como enfatizado no Capítulo II, que a síntese

eclesiológica do Vaticano II não parece ter sido um objetivo dos documentos conciliares, isto

é, a temática eclesiológica tornou-se central e indispensável, contudo o Concílio não fecha a

reflexão sobre a Igreja nas delimitações das suas considerações – ele é dialógico.356

E, assim

é, que a teologia tem procurado construir uma interpretação adequada da exposição conciliar

em seus documentos, sobre a Igreja, em seu mistério e no mundo.

O Sínodo de 1985 parece ter colaborado com este trabalho, da parte do magistério

eclesial, evidenciando o tema da “comunhão eclesial” não apenas como uma linha temática

352 Cf. CODA, Piero. O Espírito Santo e o mistério da Igreja. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 198-199. 353 É o que acentua a Constituição pastoral do Vaticano II: “Em virtude da sua missão de iluminar o mundo

inteiro com a mensagem de Cristo e de reunir em um só Espírito todos os homens, de qualquer nação, raça ou

cultura, a Igreja constitui um sinal daquela fraternidade que torna possível e fortalece o diálogo sincero” – cf.

Gaudium et spes, 92. 354 Cf. ROUTHIER, Gilles. Il Concilio Vaticano II. Recezione ed ermeneutica. Milano: Vita e Pensiero, 2007, p.

283-293. 355 Cf. Ibid., p. 276-283. 356 Cf. Ibid., p. 104-132.

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transversal, mas como um tema fundamental e capaz de redundar em síntese do exposto nos

textos conciliares.357

A opção desta interpretação eclesiológica do Vaticano II, na leitura de Hackmann, traz

conseqüências bastante evidentes: é comunhão com Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo,

haurida na Palavra e nos sacramentos – de modo especial, pelo Batismo e pela Eucaristia. E,

consequentemente, se acostumou a afirmar do exposto, desde o Sínodo, que: “a comunhão do

corpo de Cristo eucarístico significa e produz, isto é, edifica a íntima comunhão de todos os

fiéis no Corpo de Cristo que é a Igreja”358

.

A Eclesiologia de comunhão revela-se como adequada para unir dois aspectos

que, de per si, tendem a ser entendidos separadamente: o teológico e o

pastoral, a comunhão e a missão, ou seja, a essência e a práxis. O “em si” e o

“para nós” da Igreja. Assim, a Igreja poderá viver a comunhão internamente

(ad intra) e promovê-la externamente (ad extra), a partir do modelo da

unidade trinitária, conforme pede Jesus Cristo à sua Igreja. O Vaticano II

recorda que o amor de Deus não se pode separar do amor ao próximo e que há

certa semelhança entre a unidade das Pessoas divinas e a união dos filhos de

Deus na verdade e caridade.359

3.1.2 A Interface Pneumatológico-Trinitária da Esponsalidade Eclesial

A Constituição sobre a Igreja para definir a Igreja como “povo congregado na unidade

do Pai e do Filho e do Espírito Santo”360

descreve a obra do Espírito como aquele que dá

“acesso ao Pai, por Cristo”361

e que “habita na Igreja e nos corações dos fiéis como num

templo”362

. É o Espírito que unido à Esposa, conclama em uníssono, em comunhão definitiva,

a presença do Esposo, o Senhor Jesus. Logo, há uma relação, uma interface, evidente e

profunda – essencial – entre a obra do Espírito, que é amor, e a união esponsal que faz a Igreja

na comunhão trinitária.

357 É o que ressalta Hackmann: “A partir do Sínodo de 1985, foi priorizada a Eclesiologia de comunhão como a

mais característica e fundamental do Vaticano II, embora existam outras Eclesiologias possíveis” – cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como comunhão

orgânica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 98. Há quem considere este posicionamento uma atitude infértil de

reducionismo eclesiológico e de corrupção do Vaticano II – cf. COMBLIN, José. O povo de Deus. 2.ed. SP:

Paulus, 2002, p. 115-132. 358 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Op. cit., p. 98. E ainda, cf. Ecclesia de Eucharistia, 34-46. 359 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Op. cit., p. 99. 360 Cf. Lumen Gentium, p. 4. 361 Cf. Lumen Gentium, p. 4. E ainda, cf. Ef 2,18. 362 Cf. Lumen Gentium, p. 4. E ainda, cf. 1Cor 3,16; 6,19.

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E sobre o papel do Espírito em relação ao mistério da Igreja, acrescentaria Strotmann:

O Espírito Santo é, por excelência, a “testemunha” na vasta contestação a

respeito do homem, contestação que irrompeu durante a vida terrena de Jesus,

e que depois não mais parou. Ele é a figura essencial do processo escatológico

que se processa até o fim dos tempos, e durante o qual devem os fiéis

“permanecer” no Filho, sobriamente, permanecendo em suas palavras,

guardando suas palavras e seus mandamentos. [...] Para a Igreja, a vitória

sobre o mundo é a sua fé em Cristo imolado. Unida ao Senhor pela fé, já não

há mais Acusador, e sim o Intercessor, Cristo, que está entre nós e Deus, e que

reina junto ao Pai como “advogado perante Deus”, atestando o Espírito ao

nosso espírito que somos filhos de Deus.363

E acrescentaria Philipon, expandindo esta reflexão no horizonte trinitário da

eclesialidade, pois, segundo o teólogo, “o Mistério da Igreja só se explica, portanto, à luz da

Trindade”364

:

Tocamos aqui a essência mais íntima do mistério eclesial, projeção, para fora

das relações que ligam em si as Três Pessoas divinas. [...] Todos os

ensinamentos do Concílio sobre o mistério da Igreja estão marcados com o

“selo da Trindade”. A natureza íntima da Igreja acha no mistério trinitário as

suas origens eternas, a sua forma exemplar e a sua finalidade. [...] Tudo, na

Igreja, se faz “em nome e em honra da indivisível Trindade”.

Um aspecto inegligenciável da intervenção trinitária de Philipon, no final do processo

conciliar, faz recordar a limitação teológica do modelo eclesial de “sociedade de fiéis365

”, a

saber: “deixa na sombra o principal: a Ação primordial e a Assistência contínua do Espírito

prometida por Jesus à sua Igreja”366

. Neste sentido, o Concílio Vaticano teria marcado o final

da era apologética da Contra-Reforma, isto é, mergulha-se agora no mistério eclesial para

desbravar nele e haurir dele “a vida secreta e divina que anima todas as suas articulações [...]

assinalando o primado do mistério da Trindade sobre todos os mistérios cristãos, e o seu papel

363 Cf. STROTMANN, Théodore. A Igreja como mistério. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). A Igreja do

Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 346-360. 364 Cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 361. 365 Cf. Ibid., p. 362. 366 Cf. Id.

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explicativo, pelo interior, sob a ação do Espírito Santo, de todo o mistério eclesial”367

. E

completa refletindo o método de apresentação do mistério eclesial conciliar:

Certos espíritos, habituados aos métodos modernos de observação e de

indução, não ocultaram sua surpresa de ver um Concílio, que se diz pastoral e

se jacta de querer responder às interrogações do mundo moderno, começar a

apresentação do mistério eclesial, não a partir das realidades terrenas, objeto

da nossa experiência cotidiana e do nosso método histórico, mas sim, “ex-

abrupto”, partindo de cima, do Princípio dos princípios: Deus Pai, Fonte

primeira da Divindade, Princípio do Filho e do Espírito Santo.368

Entretanto, pondera Philipon, “essa clareza todo divina e puríssima é a mais alta luz, a

mais clarificadora, sobre todo o mistério eclesial [...] que fixa as verdadeiras perspectivas do

mistério eclesial, em ligação orgânica com o mistério fundamental do cristianismo”369

. E

sintetiza, especificando as peculiaridades do Concílio:

O Vaticano II não se deterá, como o XI Concílio de Toledo, em definir o

sentido das relações intratrinitárias e em expor o mistério da Trindade por ele

mesmo, de maneira abstrata e didática. O Vaticano II é um Concílio pastoral e

missionário [...] encarará, portanto, a ação de cada uma das Três Pessoas

divinas no mistério eclesial sem preocupação de precisar se se trata de

propriedades pessoais incomunicáveis ou de apropriação. Utiliza a linguagem

da Escritura, deixando aos teólogos o cuidado de interpretar esse ensino com

rigor mais científico.370

Da obra referente a Deus Pai decorre a “criação do mundo e a iniciativa de divinização

do homem pela graça da adoção”371

; em sua conseqüência,

367 Cf. Id. Acrescente-se: “Porém, jamais, sobretudo num Concílio ecumênico, o Magistério da Igreja havia

exposto com tal força e tal amplitude o lugar primordial da Trindade no mistério eclesial. Não se trata de uma

afirmação ocasional e marginal, senão de uma declaração conciliar solene, querendo manifestar a todos as

origens eternas e o fundamento último do mistério da Igreja, sua natureza profunda, sua finalidade última, a fim

de apreender melhor o sentido da sua missão divina e da sua ação sobrenatural no mundo” – cf. Id. 368 Cf. Ibid., p. 363. 369 Cf. Id. E também, cf. Ef 3,14-19. 370 Cf. Id. 371 Cf. Lumen Gentium, 2.

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[...] toda a economia da salvação é apresentada em perspectivas eclesiais [...]:

nossa predestinação de nos tornarmos “conformes à imagem de seu Filho”, e

sua realização temporal na formação progressiva da Igreja, segundo as etapas

da história de Israel no Antigo Testamento e a manifestação evidente da Igreja

de Cristo no Pentecostes pela efusão do Espírito Santo, até a sua consumação

na glória, no fim dos tempos, quando a Igreja se achar congregada

definitivamente junto ao Pai.372

E assim, há na Igreja uma obra comum e indivisível da Trindade, tendo Cristo e sua

Encarnação como centro desse processo econômico; e os outros desenvolvimentos que se

seguirão na Constituição sobre a Igreja, sobre o Povo de Deus, “dependerão dessa visão

fundamental, que situa a iniciativa da Igreja, sua organização e seu crescimento, no

prolongamento das relações pessoais do Pai com o Filho”373

.

A obra do Espírito Santo na economia da salvação é bastante clara e inequívoca: é o

comunicador das relações. Assim: “todo o movimento eclesial parte do Pai e, pelo Filho, para

Ele retorna, ao sopro do Espírito”374

, que “santifica continuamente a Igreja”375

.

Philipon terminaria sua exposição afirmando que “a Igreja do Vaticano II é a Igreja da

Trindade”, e que a vocação eclesial não é outra senão a irradiação do mistério Trinitário de

Amor e Comunhão que se comunica, e o faz citando De Lubac:

Deus não nos fez “para ficarmos nos termos da natureza”, nem para

cumprirmos um destino solitário. Fez-nos para sermos introduzidos juntos no

seio da sua Vida trinitária. Jesus Cristo ofereceu-se em sacrifício para que não

façamos senão um nessa unidade de Pessoas divinas. Tal deve ser a

“recapitulação”, a “regeneração” e a “consumação” de tudo, e tudo o que nos

atrai para fora disso é enganador. Ora, há um Lugar onde, desde este mundo,

essa reunião de todos na Trindade começa. Há uma “Família de Deus”,

misteriosa extensão da Trindade no tempo, a qual não só nos prepara para essa

372 Cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 364. 373 Cf. Ibid., p. 366. E também, cf. Lumen Gentium, 3. 374 Cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 366. 375 Cf. Lumen Gentium, 4. Acrescente-se: “Inaugurada de maneira retumbante carismática em Pentecostes, a

Ação do Espírito Santo “santifica continuamente a Igreja”. Como o haviam anunciado os profetas [...]. Sua ação

é a um tempo purificadora e renovadora. Ele restitui a vida aos homens, mortos pelo pecado. Por Ele nossos

corpos mortais ressuscitarão em Cristo” – cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In:

BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 367. E ainda, cf. CONGAR, Yves. El Espíritu Santo. 2.ed.

Barcelona : Herder, 1983, p. 696-703.

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vida unitiva e nos proporciona a firme segurança dela, mas também já nos faz

participar dela.376

A Esponsalidade faz ressaltar este caráter tanto pneumatológico, quanto trinitário, do

mistério eclesial, ambos fundamentais para se compreender a Igreja como Comunhão.377

Comunhão instaurada não apenas através de um amor humano, limitado nas suas

contingências e egoísmos, mas como um transbordamento do amor divino que pela graça da

união com Jesus Cristo, na sua Igreja, torna possível a unidade da humanidade e a

fraternidade universal.378

E disto decorre o inevitável: que segundo a Revelação cristã, a

eclesialidade, ser Igreja e fazer parte da sua consecução histórica, perfaz o caminho e o

objetivo da existência humana sobre a face terra, isto é, a intenção da criação.379

E disto, a

realização do ser humano está na Igreja, enquanto comunhão com Deus e comunhão uns com

os outros, como frisa Schönborn.380

E, neste sentido específico, faz-se passível de aplicação o

princípio eclesiológico fundamental que afirma a necessidade da Igreja para a salvação

daqueles que creem, justamente porque a comunhão que ela engedra, como mistério essencial,

é indispensável para sua união verdadeira com Deus e manifestação da sua identidade

sacramental.381

3.1.3 Os Modos de Comunhão na Igreja

A Comunhão Eclesial, de fato, se manifesta de modos diversos. Essencialmente, a

graça divina comunicada através dos sacramentos realiza comunhão eclesial. No entanto, a

Igreja se concretiza na história através da associação de fiéis; logo, a unidade do Corpo

Místico de Cristo, enquanto Povo de Deus reunido em nome da Trindade, a caminho da

376 Cf. Ibid., p. 381 – o excerto citado figura em Baraúna; correspondente em língua italiana, cf. DE LUBAC,

Henri. Meditazione sulla Chiesa. Milano: Paoline, 1965, p. 292-293. 377 Cf. MÜLLER, Gerhard Ludwig. La comprensión trinitaria de la Iglesia en la Constitución “Lumen Gentium”.

In: RODRÍGUEZ, Pedro (Dir.). Eclesiología 30 años después de “Lumen Gentium”. Pueblo de Dios – Cuerpo

de Cristo – Templo del Espíritu Santo – Sacramento – Comunión. Madrid: Rialp, 1994, p. 27-38. 378 São indispensáveis as distinções metodológicas recordadas por Ladaria, da parte da Comissão Teológica

Internacional, cf. LADARIA, Luis F. A Trindade: mistério de comunhão. SP: Loyola, 2009, p. 11-65, a respeito

das reflexões teológico-trinitárias de Rahner, sobre a Revelação do mistério trinitário – cf. RAHNER, Karl. The Trinity. New York: Herder & Herder, 2010, p. 21-24. E também, cf. CANTALAMESSA, Raniero.

Contemplando a Trindade. 2.ed. SP: Paulus, 2005, p. 79-90. 379 Cf. SCHÖNBORN, Christoph. Amar a la Iglesia. Ejercicios espirituales dados en el Vaticano en presencia de

S. S. Juan Pablo II. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1997, p. 23-31. Acrescente-se “finis omnium

Ecclesia” – cf. Ibid., p. 25.30. E também, cf. Cat., 760. 380 Cf. Ibid., p. 25. Acrescente-se: “Allí, en él corazón del Padre, no sólo reposa el Hijo; de allí procede el

decreto de la creación, el plan de la comunión que se llama y es la Iglesia” – cf. Ibid., p. 15. 381 Cf. Cat., 846-848. E também, cf. Lumen Gentium, 14. E ainda, cf. ESCRIVÁ, Josemaría. Amar a Igreja.

Lisboa: Prumo, Rei dos Livros, 1990, 53-57.

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consumação da santidade que carrega como semente de salvação, também assim se perfaz.

Deste modo, o testemunho histórico da comunhão é inseparável da graça que realiza este dom

no crente. Mais, justamente a graça da comunhão com Deus tem o potencial salvífico de

instauração da comunhão entre os fiéis; na direção desta capacitação espiritual precisam

mover-se os corações daqueles que buscam a santidade na vida eclesial, pois a Comunhão

Eclesial é – substancialmente e necessariamente382

– Comunhão dos Santos.383

Como reflete a Constituição sobre a Igreja:

Esta santidade da Igreja incessantemente se manifesta e deve manifestar-se

nos frutos de graça que o Espírito Santo produz nos fiéis; exprime-se de

muitas maneiras em todos aqueles que, em harmonia com seu estado de vida,

tendem à perfeição da caridade, edificando uns aos outros, mas de modo

particular, evidencia-se na prática dos conselhos que ordinariamente se

chamam de evangélicos.384

E parafraseando o Catecismo da Igreja Católica, que recorda, por sua vez e atualiza a

ininterrupta tradição eclesial: a Comunhão dos Santos se perfaz justamente destes dois

horizontes indispensáveis e articulados entre si: a comunhão das coisas santas, portanto a

graça sacramental, como também a comunhão entre as pessoas santas; alimentando-se na

fonte da unidade com o Pai, em Cristo, pela emanação do Espírito, é que a Igreja cresce e se

fortalece para viver a comunhão e comunicá-la ao mundo em missão.385

Schönborn acrescentaria:

A comunhão dos santos é a comunhão de todos os que, como Cristo e com

Ele, se declaram solidários uns com os outros. Por isso, a Igreja como

comunhão dos santos não é um grupo particular entre outros grupos, mas é

como que o centro da humanidade, “o coração do mundo”.386

382 Cf. 1Jo 4,20. 383 Cf. Ef 1,1. E também, cf. At 9,13; Rm 1,7. 384 Cf. Lumen Gentium, 39. 385 Cf. Cat., 948. E também, cf. RODRÍGUEZ, Pedro. La Iglesia: misterio y misión. Diez lecciones sobre La

eclesiología del Concilio Vaticano II. Madrid: Cristiandad, 2007, p. 106-114. 386 Acrescente-se: “La communio sanctorum es la comunión de todos los que, como Cristo y con El, se declaran

solidarios unos de otros. Por eso, la Iglesia como communio sanctorum no es un grupo particular entre otros

grupos, sino que es el centro de la humanidad, „el corazón del mundo” – cf. SCHÖNBORN, Christoph. Op. cit.,

p. 190. E ainda: “Y así, communio sanctorum significa también que todos nosotros somos responsables los unos

pelos otros” – cf. Ibid., p. 191.

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E assim, seria de desejar que toda a humanidade histórica viesse ao encontro da sua

identidade e vocação eclesial, para formarem um só povo no Senhor naquela comunidade de

fiéis, a Igreja Católica, que o Senhor Jesus Cristo escolheu para manifestar seu amor

esponsal.387

A existência daqueles que ignoram ou rejeitam a Comunhão Eclesial Católica

como lugar histórico de encontro como o amor divino, não descura, porém, a identidade da

eclesialidade. A Igreja, no seu mistério e, enquanto comunidade constituída historicamente,

continua sendo o que é, mesmo sem adesão da humanidade como um todo, uma vez que sua

identidade manifesta-se desde a comunhão trinitária. Mais, justamente por ser um sinal e

sacramento da íntima união com Deus, a Igreja é chamada à missão, desde a comunidade

cristã primitiva e apostólica a ser testemunha e missionária, comunicadora da comunhão em

suas atitudes e vida eclesial, para quantos desejem conhecer as razões da sua esperança.388

Assim, assentar-se sobre o modelo eclesial de Comunhão, ou sobre a Igreja entendida

como Comunhão, corresponde a reconhecer neste principio de agregação, que para alguns

teólogos floresceu como a “inovação conciliar de maior transcendência”389

, as raízes

trinitárias da sua vida e missão.390

Em síntese do exposto acima, desde a reflexão de Blasquez, entrevemos na

eclesiologia de comunhão que deriva da reflexão conciliar perspectivas diferentes de um

mesmo mistério.391

A saber, a Igreja Católica concretiza-se historicamente em:

i. Comunhão dos fiéis em Cristo, por meio da qual, a seu modo, todos os fiéis são

partícipes, pois compartilham como povo a mesma missão e o mesmo objetivo de vida. Nesta

perspectiva, a Eucaristia revela-se como inseparável da sua concretização, pois oferece na

liturgia, o que significa no sacramento;392

ii. Comunhão entre as Igrejas, por meio da qual, na Igreja Católica, as Igrejas

particulares manifestam-se como verdadeiras Igrejas de Cristo, como a Igreja universal que as

reúne na raiz de um mesmo mistério;393

387 Do exposto, manifesta-se a consciência explicitada na Constituição sobre a Igreja de que a verdadeira Igreja

de Cristo realiza-se historicamente na Igreja Católica, mesmo debaixo dos pecados e limitações daqueles que

dela fazem parte enquanto instituição visível; a saber: “Esta Igreja como sociedade constituída e organizada

neste mundo, subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele,

ainda que fora do seu corpo se encontrem realmente vários elementos santificação e verdade, que, na sua qualidade de dons próprios da Igreja de Cristo, conduzem para a unidade católica” – cf. Lumen Gentium, 8. 388 Cf. 1Pe 3,15. E também, cf. Mt 16,15; 28,16-20. E ainda, cf. Lumen Gentium, 8.13-17. 389 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. La Iglesia del Concilio Vaticano II. 2.ed. Salamanca: Sigueme, 1991, p. 56-60. 390 Cf. Ibid., p. 60-63. 391 É também apropriada uma aproximação do das Declarações da Congregação para Doutrina da Fé sobre o

tema da comunhão eclesial, cf. CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE LA FE. El misterio de la Iglesia

y la Iglesia como comunión. Madrid: Palabra, 1995. 392 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 64-68. E também, cf. Ecclesia de Eucharistia, p. 34-46. 393 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 68-71. E também, cf. Lumen Gentium, 23; Ad gentes, 19.

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iii. Comunhão hierárquica, por meio da qual o corpo investido com o sacerdócio

ministerial – papa e episcopado; bispo e seu presbitério – simboliza e realiza na colegialidade

que os integra o serviço do corpo místico eclesial.394

Estas perspectivas assinaladas desde o interior da eclesialidade católica não fecham a

comunhão à Igreja em si mesma, antes a projetam para fora, para o mundo, justamente porque

isto também corresponde à sua natureza: ela deve ser como que uma “seta” que indica o

caminho da comunhão em todas as suas estruturas e em todos os fiéis, individualmente, e

comunitariamente organizados.395

3.1.4 A Esponsalidade como Comunhão396

Balthasar sustenta com relação ao “sujeito integral”397

da Igreja que este se manifesta

tanto coletivamente como individualmente. Coletivamente é como um povo, uma família,

uma associação de individualidades, de pessoas individuais articuladas entre si, congregadas.

Reunidas sim, contudo, não apenas por uma iniciativa humana de relação, mas congregadas

pela fé, e esta fé repousa em Jesus Cristo. Assim, as individualidades associadas – em Igreja –

são os cristãos em sentido próprio e sacramental, e todas as estruturas, mesmo notavelmente

humanas, também estão profundamente radicadas em Cristo e no se Espírito, como enfatizado

anteriormente. Logo, “o sujeito da Igreja é Cristo”398

– é Ele quem age na Igreja, realizando

“os atos da Igreja e respondendo desde sua manifestação sacramental”399

. Consequentemente,

mesmo concebida coletivamente a eclesialidade, nunca apenas povo, mas sendo povo

também, é corpo, e em leitura paulina, Corpo de Cristo, dependente de seu Senhor e Redentor,

cabeça em sentido próprio e teológico.

De tudo isto, conclui: “a Igreja não é nem pode ser outra coisa senão expansão,

comunicação e participação da personalidade de Cristo”400

, em sentido da humanidade e da

divindade unidas hispostaticamente em Cristo e manifestadas na sacramentalidade eclesial.

394 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 71-76. E também, cf. CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE

LA FE. “Communionis notio”, sobre algunos aspectos de la Iglesia considerada como comunión. In: CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE LA FE. Op. cit., p. 101-189. 395 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 76-78.79-102. 396 Este item explora a imagem esponsal e sua interface comunional de acordo com a exposição de Balthasar, cf.

BALTHASAR, Hans Urs von. Ensayos teológicos. II. Sponsa Verbi. 2.ed. Madrid: Encuentro, Cristiandad,

2001, p. 145-196. 397 Cf. Ibid., p. 145. 398 Cf. Ibid., p. 147. 399 Cf. Id. 400 Cf. Ibid., p. 148.

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A claridade do seu pensar, a força do seu querer, o caráter conseqüente do seu

amor, são a vida que Ele nos infunde e sem a qual não podemos fazer “nada”,

mas com a qual podemos dar todo o fruto esperado de nós. Aqui, o princípio

único de vida que habita em Cristo está mais fortemente sublinhado que no

modelo do corpo.401

Esta relação profunda e necessária entre as imagens de Povo e Corpo também transita

tranquilamente para a da Esposa, justamente devido à interpretação patrística do nascimento

da Igreja desde “a ferida do lado aberto”402

de Jesus Cristo na cruz – ressaltada da teologia

joanina: o sangue e a água, símbolos associados de uma síntese sacramental, “significam o

„acontecer‟ do supremo amor divino-humano”403

. Este acontecimento do amor divino na

humanidade de Cristo une-se à entrega ou doação do Espírito, de modo que os três o Espírito,

a água e o sangue, perfazem as testemunhas do amor divino-humano de Jesus Cristo na

Igreja.404

Isso que nasce do corpo de Cristo quando morre: é unicamente a espírito-

corporeidade do Homem-Deus, que se efunde para fora em formas

sacramentais [...], ou se deve pensar que no Crucificado, que morre

representativamente, está de tal maneira presente o elemento da humanidade

pecadora pré-existente, que esta co-desemboca, como uma segunda realidade,

em certo modo, nesta criação e efusão da Igreja. Aceitando-se esta última

posição, que é a mais óbvia, o trânsito da imagem da Igreja como corpo para a

imagem como esposa já se realizou imperceptivelmente.405

401 Tradução de: "La claridad de su pensar, la fuerza de su querer, el carácter consecuente de su amor son esa

vida que se nos infunde y sin la cual no podemos hacer „nada‟, pero con la cual podemos dar todo fruto esperado

de nosotros” – cf. Id. 402 Tradução de: “la herida del costado” – cf. Ibid., p. 149. E também, cf. Jo 19, 31-37. 403 Tradução de: “significa el „acontecer‟ del supremo amor humano-divino” – cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Op. cit., p. 149. 404 Cf. 1Jo 5,6-8. 405 Tradução de: “eso que nace del cuerpo de Cristo cuando Éste muere: es únicamente, acaso, la espíritu-

corporeidad del Hombre-Dios, que se efunde hacia fuera en formas sacramentales […], o si debe pensarse que en

el Crucificado, que muere representativamente, está de tal manera presente un elemento de humanidad pecadora

preexistente, que ésta co-desemboca, como una segunda realidad, en cierto modo, en esta creación y efusión de

la Iglesia. Si se acepta esto último, que es lo más obvio, el tránsito de la imagen de la Iglesia como cuerpo a la

imagen de la Iglesia como esposa se ha realizado ya imperceptiblemente” – cf. BALTHASAR, Hans Urs von.

Op. cit., p. 150.

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E da reflexão acima, Balthasar retoma a passagem de São Paulo aos Efésios406

, na qual

através da comparação da relação entre Cristo e a Igreja, e do homem e a mulher, unidos pelo

amor, “obriga-se a conceber a imagem de Cabeça e corpo em um sentido esponsal e

pessoal”407

, pois a “Cabeça‟ significa agora realmente, neste contexto, o Senhor do

matrimonio, o Esposo, e o „corpo‟ significa o complemento e a fusão físico-matrimonial”408

.

Duas afirmações derivam daqui, segundo Balthasar409

:

i. Uma pessoal, pois a Igreja é alguém a quem o Senhor amou e por quem se entregou

à morte a fim de purificar pelo banho de água na palavra – alguém pré-existente, portanto;

ii. Uma somática ou corporal, pois a Igreja, tal como é, Gloriosa, sem ruga nem

mancha, nasce e procede do acontecimento da cruz, historicamente.

Tal imagem carrega desde suas bases bíblicas, como ressaltado no Capítulo I, como

advém da reflexão de Balthasar410

e Bucker411

, um profundo realismo, em sentido próprio,

pois atribui às partes da união certa “oposição esponsal” que garante para ambos, na ordem da

vida espiritual comunicada por Deus, uma “subjetividade e personalidade” próprias de

sujeitos reais, formadores de eclesialidade, antropologicamente situados.

Outra qualidade da imagem ressaltada por Balthasar é a valorização do feminino, uma

vez que a esposa é mulher, em sentido próprio; a Igreja, feminina, esposa, mulher e mãe,

evoluirá na patrística para uma associação apropriada à figura de Maria, com seus

qualificativos. 412

A eclesiologia esponsal, afirmará ainda Balthasar, tem sua centralidade no amor

eclesial dinâmico ascendente e descendente, sustentador e sustentado, que encontra em Maria

sua conclusão orgânica.413

É uma imagem, que por assim dizer, perpassa o abismo entre a

santidade suprema e imaculada, simbolizada em Maria e na sua virgindade, e o abismo da

iniqüidade do pecador na gravidade da sua pecaminosidade.414

Ambas as realidades incidem

diretamente na realidade da Esposa de Cristo, que o é assim, eleita desde sua pré-existência

pecadora para a santidade de Deus. A Igreja se perfaz assim, de comunhão daqueles que

406 Cf. Ef 5, 21-33. 407 Tradução de: “obliga a concebir la imagen de Cabeza y cuerpo en un sentido esponsal y personal” – cf. Ibid.,

p. 150. 408 Tradução de: “Cabeza‟ significa ahora realmente, en este contexto, el Señor del matrimonio, el Esposo, y ele „cuerpo‟ significa el complemento y la fusión físico-matrimonial” – cf. Id. 409 Cf. Id. 410 Cf. Ibid., p. 152-160. 411 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. O feminino da Igreja e o conflito. RJ: Vozes, 1995, p. 131-132. 412 Tradução de: “eclesificación‟ de la conciencia individual” – cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Op. cit., p.

170. 413 Cf. Ibid., p. 182. E também, cf. RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans Urs von. María, Iglesia

naciente. 2.ed. Madrid: Encuentro, 2006. 414 Cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Op. cit., p. 183.

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foram eleitos para viverem conforme a santidade de Deus e foram feitos assim capazes

através da Páscoa de Jesus Cristo.

Finalmente, da analogia matrimonial, Balthasar ainda ressalta três elementos, ditos

pressupostos e indispensáveis, que sinalizam como a realidade humana manifesta-se como

“centro e cume da criação”415

, de modo que a imagem ou o modelo esponsal nada acrescenta

ao humano que não seja próprio da sua natureza, mas recolhe do humano justamente seus

elementos de ordem natural para aplicá-los a Cristo e à Igreja.

Primeiro, a relação que une os seres humanos sobre o sinal da fusão corporal, não os

une apenas fisicamente, como se aplica aos demais animais, mas relaciona seus espíritos, suas

realidades metafísicas, em vista da manifestação de um novo ser. Depois, num segundo

aspecto, advém a união da Igreja no Corpo de Cristo – união autêntica e sobrenatural. E

finalmente, a distinção por oposição que dá manutenção às individualidades pessoais – Deus e

a humanidade; humanidade, que nesta relação se perfaz feminina, simbolizada em Maria.416

É nesta ordem de aplicação que o matrimonio pode ser concebido como sinal da

redenção operada por Cristo, através da qual a Trindade manifesta seu desígnio de amor

humanidade, associando-a a Si, sem descurar sua identidade e personalidade.

Logo, o que entende aqui por comunhão, em interface esponsal, não é outra coisa

senão esta íntima união, que não corresponde apenas a um esforço humano, mas é

substancialmente eleição e vocação divina à aliança definitiva que transcende os limites da

materialidade física, que oferece ao princípio espiritual sua analogia esponsal. É manifestação

da comunhão trinitária e acolhimento desta, na união Cristo-Igreja, e na sua consecução

histórica – e, deste modo, a Igreja se perfaz da comunidade daqueles que foram feitos,

coletiva e individualmente, partícipes da comunicação do amor divino, que os capacita para

progredir na caridade até alcançarem a estatura de Cristo, em seu Corpo, para a glória

dAquele que continuamente cria e recria todas as coisas pelo poder do seu Espírito.417

3.2 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico na Ciência Teológica

O estudo teológico, desenvolvido academicamente, tem caráter científico, enquanto

perscruta metodologicamente seu objeto de pesquisa: Deus no seu diálogo de Revelação com

415 Tradução de: “el centro e cumbre de la creación” – cf. Ibid., p. 189. 416 Cf. Ibid., p. 189-193. 417 Cf. Ef 3,14-21.

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o ser humano.418

Sendo ciência, no sentido apropriado ao que se destina esta pesquisa, seus

pressupostos metodológicos verificam-se articulados aos parâmetros definidores do processo

científico moderno, isto é, a problematização metodológica da realidade ou de um aspecto da

realidade.419

No entanto, o método científico enquanto caminho epistemológico possui suas

imperfeições e limitações, que por sua vez, indubitavelmente atingem a pesquisa teológica e

podem comprometê-la, no seu caminho de conhecimento de Deus, justamente porque parte de

um dado não mensurável empiricamente, a fé.

Este impasse metodológico foi destacado pelo Papa Bento XVI em um diálogo com os

sacerdotes no encerramento do ano sacerdotal. Afirma o Santo Padre420

, que se faz necessário

“resistir à aparente cientificidade” da teologia, não se submetendo a todas as hipóteses do

momento: “mas pensar realmente a partir da grande fé da Igreja, que está presente em todos

os tempos e nos dá o acesso à verdade”. E ainda acrescenta:

Sobretudo, também, não pensar que a razão positivista, que exclui o

transcendente – que não pode ser acessível – é verdadeira razão! Esta razão

frágil, que só apresenta as realidades experimentáveis, é realmente uma razão

insuficiente. Nós teólogos devemos usar a razão grande, que está aberta à

grandeza de Deus. Devemos ter coragem de ir além do positivismo.421

Os três itens seguintes abordam esta questão metodológica desde o problema

epistemológico da ciência moderna, passando pela busca do entendimento do objeto de

pesquisa fundamental da teologia e sua abordagem, culminando na verificação da validade da

esponsalidade, aqui analisada, como princípio epistemológico na teologia.

418 Cf. LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação. SP: Paulinas, 1981, p. 16-18. Acrescente-se: “O

ponto de partida da teologia é, portanto, o Deus vivo, em seu livre testemunho de si mesmo” – cf.

LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação, p. 16. E ainda: “A revelação é o acontecimento decisivo e primeiro do cristianismo, condicionante da opção de fé [..]” – cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação.

3.ed. SP: Paulinas, 1985, p. 5-6. 419 Cf. LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação, p. 52-53. Acrescente-se: “Designa-se hoje pelo

termo de ciência toda disciplina que se beneficia de um objeto e método próprios e que termina numa síntese

comunicável [...], ditas experimentais ou racionais conforme predomine nelas o recurso à experiência ou a parte

da razão” – cf. LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação, p. 52. 420 Cf. BENTO XVI. Diálogo na vigília por ocasião do encontro internacional de sacerdotes na conclusão do

ano sacerdotal – citação eletrônica completa em FONTES E BIBLIOGRAFIA. 421 Cf. Id.

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86

3.2.1 A Ciência Moderna como Problema Epistemológico

A epistemologia, enquanto ciência positiva, estuda o “conhecimento” e,

consequentemente, os problemas relativos à aquisição do mesmo por parte do ser pensante,

isto é, o ser humano.422

O termo “conhecimento” figura aqui destacado tendo em vista que

também é considerado um problema científico. Zagzebski423

acentua que o conhecimento é

“relação”, como algo apropriado ao seu processo. E acrescenta: “De um lado da relação está

um sujeito consciente, do outro está uma porção da realidade com a qual o conhecedor está

direta ou indiretamente relacionado”424

. E assim conclui: “conhecimento é crença resultante

dos atos de virtude intelectual”425

, ou ainda: “é o contato cognitivo com a realidade resultante

dos atos de virtude intelectual”426

.

Também chamada de “teoria do conhecimento”427

, a epistemologia desenvolverá suas

problematizações em relação constante ao processo filosófico ocidental e ao método científico

moderno, assim constituído.428

De ambos universos conceituais advirão questionamentos

sobre a sustentabilidade do conhecimento, isto é, suas bases e a garantia da verdade: estando o

seu humano no centro do processo de conhecimento da realidade, e relacionando-se ele com

todas as coisas através da razão, o único conhecimento com garantia de sustentabilidade será

aquele advindo da experiência com a natureza e da interpretação racional dos conteúdos

adquiridos.429

Logo, a objetividade da experiência ou experimentação científica da natureza

acabará determinando a subjetividade das conclusões e das teorias científicas, como garantia

de verdade.430

E disto, amparada nas proposições da filosofia clássica, advirá a formulação de

422 Cf. GRECO, John. O que é epistemologia? In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Compêndio de

epistemologia. SP: Loyola, 2008, p. 16. 423 Cf. ZAGZEBSKI, Linda. O que é conhecimento? In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Op. cit., p. 153-189. 424 Cf. Ibid., p. 153. Acrescente-se: “Partindo do pressuposto de que a relação direta é uma questão de grau,

torna-se conveniente pensar no conhecimento de coisas como uma forma direta de conhecimento, em

comparação ao conhecimento sobre as coisas, que é indireto” – cf. Id. 425 Cf. Ibid., p. 182. 426 Cf. Ibid., p. 183. 427 Sobre a história sintética da teoria do conhecimento, cf. HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. SP:

Martins Fontes, 1999, p. 14-16. Acrescente-se a respeito da posição da teoria do conhecimento no sistema da

filosofia, segundo Hessen, que a ela seria adequada uma tripla qualificação: é uma teoria da ciência, do valor e

da visão de mundo, cf. Ibid., p. 12-14. 428 É difícil distinguir a ciência da filosofia dos pensadores nos tempos ditos modernos. Estão profundamente relacionados nos questionamentos, como nas suas elucidações, como ainda nos princípios formulados. Não

apenas a ciência e a filosofia, mas também a história, a literatura e a política. É o que sustenta Rossi, cf. ROSSI,

Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. SP: UNESP, 1992. 429 Cf. HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 119-129. 430 Cf. Ibid., p. 70-92. Hessen recorda que a resposta do “teísmo cristão” à questão da verdade do conhecimento

reside formalmente na divindade como “princípio comum”, tanto do sujeito como do objeto do processo

cognitivo, e assim: “Como causa criadora do universo, Deus coordenou de tal modo os reinos ideal e real que

ambos concordam entre si, existindo, portanto, uma harmonia entre pensamento e ser. Assim, a solução do

problema do conhecimento reside na idéia da divindade enquanto origem comum do sujeito e do objeto, da

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87

uma “lei de causalidade” na natureza, capaz de determinar mecanicamente suas características

e realidade.431

De uma pretensa e optada “lei de causalidade” para a concepção da natureza na ciência

moderna, a filosofia da ciência co-optou certa “causalidade” no processo de construção

sistemática do discurso científico, o que acabou por tornar a ciência, menos objetiva no

sentido estrito da natureza.432

E assim, o método científico que originalmente tendeu a zelar

pela representação da natureza, objeto de pesquisa e teorização, acabou perfazendo-se teoria

da teoria, ou manutenção da abstração já teorizada, desvinculando-se daquilo que no início do

processo científico da humanidade, sempre foi fundamental na aquisição do conhecimento.433

Esta “irrupção irresistível do formal”434

na lógica do pensamento moderno legou um

cenário de crise para a epistemologia científica, que, por sua vez, também dá forma

metodológica à expressividade e comunicabilidade da ciência teológica – pois seu objeto de

conhecimento não pode mensurado experimentalmente, no sentido expresso pelo método

moderno, e sua objetividade não reside numa realidade da natureza, mas propriamente

“metafísico”, pois se projeta para além desta realidade material e histórica, embora seja

evidenciado nela.

Este cenário de crise não invalida o processo científico de busca do conhecimento,

antes suscita a possibilidade de novos ambientes, com novos objetos, para o investimento da

racionalidade ou dos, acima citados, “atos de virtude intelectual”, inclusive a divindade, na

amplitude das manifestações religiosas, como Deus no estrito sentido cristão-católico.435

E

assim, o método científico, dito positivo, também se inclina para a necessidade de um diálogo

ordem do pensamento e da ordem do ser” – cf. Ibid., p. 94. E ainda, cf. ABRANTES, Paulo. Imagens da

natureza, imagens de ciência. Campinas: Papiros, 1998, p. 53-72. 431 Cf. HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna. RJ: Zahar, 1998, p. 66-81. E

ainda, cf. ABRANTES, Paulo. Op. cit., p. 73-108. É conveniente frisar que esta concepção causal e determinista

vê-se criticada durante atualmente, inclusive por cientistas, que tem procurado enxergar o processo científico a

partir de uma atitude intelectual diferenciada, cf. PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. Tempo, caos e as leis da

natureza. SP: UNESP, 1996. 432 Cf. HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 148-159. Hessen situa esta problemática no horizonte de uma teoria

especial do conhecimento, explicando que “a teoria geral do conhecimento investiga o relacionamento de nosso

pensamento com os objetos de maneira geral”, enquanto a teoria especial do conhecimento o faria com “os

conteúdos de pensamento” que se expressam nos relacionamentos com os objetos do conhecimento – cf. Ibid., p.

133-148. 433 Abrantes afirmaria que conforme a humanidade transformou sua visão de mundo e de natureza, também a ciência, enquanto método de abordagem, também o fez. Esta transformação na imagem da natureza e na imagem

da ciência, ao longo da história de desenvolvimento do pensamento ocidental acabou determinando a obtenção e

a sistematização do conhecimento – cf. ABRANTES, Paulo. Op. cit., p. 9-28. 434 Cf. OMNÈS, Roland. Filosofia e ciência contemporânea. SP: UNESP, 1996, p. 9. O autor aplica esta

expressão “irrupção irresistível do formal” às ciências fundamentais desmembradas no processo moderno e

contemporânea da história do conhecimento ocidental, a saber: a lógica, as matemáticas e a física, e à sua visão

de mundo legada à metodologia científica, cf. Ibid., p. 9-10. 435 Sobre o lugar epistemológico da religião, cf. WOLTERSTORFF, Nicholas. Epistemologia da religião. In:

GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Op. cit., p. 469-502.

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com outros métodos, ou modelos de ciência, já evidenciados ao longo da história da

humanidade. O processo epistemológico que aqui se evidencia, mostra-se aberto para a

criatividade da racionalidade humana na sua busca de conhecimento.

3.2.2 A Ciência Teológica como Problema Epistemológico

Coloca-se aqui o problema do lugar epistemológico da ciência teológica, aqui

compreendido como o modo através do qual a teologia cristã produz e reproduz o

conhecimento de Deus. Neste sentido, considere-se a posição fundamental de Latourelle:

A revelação ou a palavra de Deus à humanidade é a primeira realidade cristã:

o primeiro fato, o primeiro mistério, a primeira categoria. Toda a economia da

salvação, na ordem do conhecimento, repousa sobre esse mistério a

automanifestação de Deus numa confidência de amor. A revelação é o

mistério primordial, o que nos comunica todos os outros, pois é a

manifestação do desígnio salvífico de Deus, premeditado desde toda a

eternidade e que se realizou em Jesus Cristo.436

Se a Revelação é o “acontecimento decisivo e primeiro do cristianismo”437

, que

condiciona a opção de fé como um ato da vontade humana de aderir, esta não pode ser

compreendida como “uma opção às cegas, mas uma opção de homem, de acordo com sua

natureza de ser inteligente e livre”438

. Logo, a fé enquanto adesão ao acontecimento

perpetrado pela Revelação cristã acontece mediada pela razão humana que é capaz de

escolher. Assim, a teologia cristã não tem outro ponto de partida senão a “inteligência da

fé”439

, enquanto esforço racional para assimilar e compor um patrimônio objetivo da

Revelação que simbolize aquilo a que se adere na fé.

Deste modo, a teologia cristã produz e reproduz conhecimento de Deus, quando lê

racionalmente, e critica coerentemente, a história de salvação da humanidade, e neste caminho

436 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 5. 437 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 5-6. 438 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 6. 439 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 7. Acrescente-se: “[...] é uma busca do espírito, uma

prospecção do mistério já aceito na fé” – cf. Id.

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econômico, perscruta o mistério revelado, tendo em vista sua comunicabilidade e

inteligibilidade.440

Não se pode descurar que este esforço salutar já possui um desenvolvimento histórico,

pois como afirmaria Ratzinger: “Foi a filosofia que deu à fé sua primeira visão concreta”441

. E

disto, há que se acrescentar em síntese:

A identificação entre cristianismo e filosofia deve-se a um determinado

conceito de filosofia que aos poucos passou a ser criticado pelos pensadores

cristãos, sendo definitivamente abandonado no século XIII. A diferença entre

um e outro, que é obra antes de tudo de Tomás de Aquino, os distingue mais

ou menos assim: Filosofia é a razão pura procurando responder às questões

últimas da realidade. Conhecimento filosófico é somente o conhecimento que

se pode chegar pela razão como tal, sem se recorrer à revelação. Sua certeza

provém unicamente do argumento, e suas afirmações valem tanto quanto os

argumentos. A teologia, ao invés, é a realização compreensiva da revelação de

Deus; é a fé em busca de compreender. Por conseguinte ela própria não

encontra seus conteúdos, mas os obtém da revelação, para em seguida

compreendê-los em sua ligação e em seu sentido interno. Com uma

terminologia que teve início apenas com Tomás de Aquino, passou-se a fazer

referência a esses dois terrenos diferentes, filosofia e teologia, como a ordem

natural e a ordem sobrenatural. Estas distinções só passaram a ser inteiramente

claras na Era Moderna.442

Da exposição de Ratzinger tém-se a clara ideia da distinção que se produziu

paulatinamente entre filosofia e teologia, entre conhecimento racional e fé. O problema

enunciado no subtítulo, sobre o lugar epistemológico da ciência teológica, se coloca tendo em

vista que, embora historicamente tenham sido distintos os ambientes apropriados a cada um

dos estudos – filosofia e teologia –, a teologia, enquanto compreensão da fé, não se concretiza

senão através do recurso à capacidade racional de elaboração e síntese do ser humano. Tanto

440 Wolterstorff enfatizaria que a adesão a uma religião implica da parte do crente em atos participativos como: o

culto, leitura e interpretação de escrituras sagradas, oração, meditação, autodisciplina, submissão às instruções,

atos justos e caridade, em suma: mudança e transforma de comportamentos que sinalizam e materializam a

adesão à fé. Neste sentido, a religiosidade é indubitavelmente lugar epistemológico, pois promove conhecimento

e transforma a visão de mundo, encerrando um comportamento diferenciado – cf. WOLTERSTORFF, Nicholas.

Epistemologia da religião. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Op. cit., p. 469. 441 Cf. RATZINGER, Joseph. Natureza e missão da teologia. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 13. 442 Cf. Ibid., p. 15-16.

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que, enquanto ciência positiva e especulativa, a teologia está profundamente enraizada na

articulação racional dos conteúdos da fé.

O Papa João Paulo II procurou enunciar esta difícil relação afirmando a busca da

verdade e sua adesão, como objetivo conjunto de cada um desses esforços intelectuais. E o fez

alertando o que chamou de “tarefas atuais da teologia”, que acabam por elucidar o problema

proposto acima:

Enquanto compreensão da Revelação, a teologia, nas sucessivas épocas

históricas, sempre sentiu como próprio dever escutar as solicitações das várias

culturas, para permeá-las depois, por meio de uma coerente contextualização,

com o conteúdo da fé. Também hoje lhe compete uma dupla tarefa. Por um

lado, deve cumprir a missão que o Concílio Vaticano II lhe confiou: renovar

as suas metodologias, tendo em vista um serviço mais eficaz à evangelização.

[...] Mas, por outro lado, a teologia deve manter o olhar fixo sobre a verdade

última que lhe foi confiada por meio da Revelação, não se contentando nem se

detendo em etapas intermédias. [...] Essa tarefa, que diz respeito em primeiro

lugar à teologia, interpela também a filosofia.443

Pelo enfatizado acima pelo Papa João Paulo II, o esforço racional, dito filosófico, tem

lugar na teologia, enquanto instrumental, como “o espelho onde se reflete a cultura dos

povos”444

, que interpela e questiona a teologia na sua busca e adesão à verdade, não apenas

como conjunto ideológico, mas como à pessoa do Verbo Encarnado, Jesus Cristo.445

Neste sentido, especificamente, reside o cerne da problematização deste subtítulo: a

adesão à fé cristã conforma um conjunto de atitudes próprias dos cristãos, que identificam e

caracterizam a fé, na sua consecução histórica; assim, as imagens da Igreja, enquanto modo de

expressão, historicamente constituído, da fé e da relação da humanidade com Cristo,

verificam-se como lugar epistemológico da ciência teológica, pois possibilitam conhecimento

das consequências históricas do modo com o ser humano experimenta e transmite sua relação

com Deus.

443 Cf. Fides et ratio, 92 – grifos nossos. 444 Cf. Fides et ratio, p. 103. 445 Cf. Fides et ratio, p. 92.

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3.2.3 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico

O problema epistemológico da ciência moderna enquanto evasão da realidade para a

formulação e manutenção do conceito, como evidenciado no item 3.1.1, de fato, não se impõe

como objeção direta à utilização teológico-científica da imagem esponsal, uma vez que sua

teorização diz respeito a uma relação antropológica fundamental, aplicada à religião e à

relação de Deus com seu povo, como de Jesus Cristo com sua Igreja: é substancialmente uma

relação de amor, de união e comunhão, que inclusive aproxima a divindade, e seu

conhecimento, do humano, em atitude de profunda condescendência, como observado da

fundamentação bíblica no capítulo I.

E neste sentido, especificamente antropo-teológico, a esponsalidade pode colocar em

diálogo a teologia e a filosofia, como também o mundo científico, que nasceu como

especialização da reflexão epistemológica da natureza. Logo, também a imagem esponsal

pode ser interpretada como instrumento para superação da distância criada historicamente

entre fé e razão, e não como objeção ao conhecimento de Deus.

A esponsalidade da Igreja, aqui tematizada, também se impõe como problema

epistemológico, uma vez que evoluiu historicamente como conceito entranhado de novas

caracterizações, como observado ao logo do capítulo 2; pode ela, portanto, expressar

satisfatoriamente o ser da Igreja para o mundo atual? A esponsalidade diz algo a respeito da

identidade eclesial que precisa ser salientado para o mundo cristão-católico hodierno e para os

homens de boa vontade?

Mais que isso: a esponsalidade da Igreja, refletida da Constituição sobre a Igreja do

Concílio Vaticano II, mesmo com suas limitações de elaboração teológicas, salientadas

anteriormente, tem as prerrogativas necessárias para conduzir o povo cristão ao conhecimento

do verdadeiro Deus?

A imagem esponsal evoluiu para o conceito de esponsalidade para falar de uma

maneira de a Igreja relacionar-se com Jesus Cristo, seu Senhor e Salvador. No entanto, este

conceito teológico só pode expressar a força da união, se concretizado historicamente por um,

ou muitos, instrumentos de comunhão. Eis a razão para pensar a comunhão eclesial como

interface da esponsalidade, isto é, como outro rosto humano (fundado no matrimonial, porém

diferente dele) que signifique esta realidade elevada à ordem da graça; nada menos que um

sacramento, em sentido amplo, que comunica o que contém, isto é, o mistério da

eclesialidade, para aquele que dele desejar conhecimento de Deus.

Afirmaria a Constituição sobre a Igreja, que a Igreja essencialmente, é o sacramento de

Cristo, porque autorizada pelo Espírito Santo – que a consagra – significa e comunica a

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pessoa e obra de Jesus, como luz que ilumina todo homem; e que Cristo é como que

sacramento do Pai, justamente porque o revela446

. Nos encaminhamentos finais do Concílio,

Smulders enfatizaria sobre a Igreja:

Comunidade humana de liberdade e de amor, congregada pela ação salvífica

de Cristo, unida pelo Espírito Santo, abrigada pelo amor sempre salvador do

Pai, a Igreja é sobre a terra o potente sinal do desígnio de Deus nosso

Salvador. No tempo decorrente entre a Ascensão e a Parusia, ela é o

Sacramento da humanidade [...] visível para todos, apontando para Cristo.447

Assim, a comunhão eclesial historicamente constituída na Igreja Católica448

, e por

meio dela no mundo, parece servir para revelar na esponsalidade da Igreja, Cristo, e neste

mesmo Espírito, em Cristo, a paternidade de Deus.

3.3 Envergadura Pastoral da Esponsalidade: Diálogo com a Teologia Latino-Americana

A Conferência de Aparecida ressaltou que o amor esponsal de Cristo por sua Igreja, da

Igreja para Cristo, tem lugar na reflexão teológica latino-americana: amor como experiência

pessoal comunicada através do anúncio querigmático e missionário da fé. E que no coração

deste mistério eclesial que caminha ao encontro da unidade derradeira está a comunhão –

comunhão com Cristo e entre os irmãos; na comunidade eclesial e no mundo; da comunidade

para a sociedade, num contínuo impulso evangelizador que dissemina a presença de Jesus

Cristo que no poder do seu Espírito é capaz de vivificar todas as realidades humanas, dando-

lhes sentido divino.

Os discípulos de Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai e com

seu Filho morto e ressuscitado, na “comunhão no Espírito Santo”. O mistério

da Trindade é a fonte, o modelo e a meta do mistério da Igreja: “um povo

reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito”, chamado em Cristo

“como sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da

446 Cf. Lumen Gentium, 1-4. 447 Cf. SMULDERS, Pieter. A Igreja como sacramento de salvação. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit.,

p. 418-419. 448 Cf. Lumen Gentium, 8.

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unidade de todo o gênero humano. A comunhão dos fiéis e das Igrejas locais

do Povo de Deus se sustenta na comunhão da Trindade.449

E ainda, em conseqüência: “a vocação ao discipulado é con-vocação à comunhão em

sua Igreja”450

. E deste modo, “a Igreja, como „comunidade de amor‟ é chamada a refletir a

glória do amor de Deus, que é comunhão, e assim atrair as pessoas e os povos para Cristo”451

.

Disto deriva a consciência, bastante avançada teologicamente, de que “a Igreja cresce, não por

proselitismo, mas por atração [...] quando vive em comunhão”452

.

O Documento falará então de “lugares”453

apropriados à construção da comunhão: a

diocese, a paróquia, as comunidades eclesiais, as conferências episcopais. Falará também de

discípulos com vocações específicas: bispos, presbíteros, diáconos, fiéis leigos e leigas,

consagrados e consagradas.454

Falará ainda daqueles que deixaram a fé católica e daqueles

que vivem em outros credos, também como discípulos a seu modo, bastante específicos.455

Todos estão a ser chamados à comunhão na santidade de Deus, através do seguimento de

Jesus animados pelo Espírito Santo.456

Miranda situa Aparecida no eixo de uma nova configuração eclesial para o

enfrentamento da situação de crise que interroga a Igreja latino-americana, e desta, à Igreja

universal. A saber:

A Igreja é uma realidade humano-divina. Enquanto divina deve ela sua

identidade ao próprio Deus, manifestado e presente na pessoa de Jesus Cristo.

Mas, enquanto comunidade de homens e mulheres, esta mesma identidade

som existe enquanto encarnada na história, em épocas, contextos e situações

existenciais bem determinados. [...] E, como tais contextos vitais sofrem

transformações, como nos comprova a história da humanidade, também a

Igreja, para realizar sua missão salvífica e fazer jus à sua própria identidade de

sinal e instrumento do Reino, deve assumir, desde que se façam necessárias

para sua finalidade, estas transformações em sua configuração institucional.

449 Cf. Aparecida, 155. 450 Cf. Aparecida, p. 156. 451 Cf. Aparecida, p. 159. 452 Cf. Aparecida, p. 159. E também, cf. Rm 12,4-13; Jo 13,34. 453 Cf. Aparecida, 84-92. 454 Cf. Aparecida, p. 93-105. 455 Cf. Aparecida, p. 106-112. 456 Cf. Aparecida, p. 71-80.

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Daí se explicam as mudanças históricas no culto, nas expressões doutrinais, na

organização comunitária, nas linhas pastorais, no serviço da caridade.457

E indica segundo sua leitura, os aspectos salutares desta nova configuração desde as

conclusões da Conferência, isto é, a Igreja latino-americana precisa ser uma comunidade

eclesial de místicos – experimentadores da fé – missionários, atenta aos primeiros dignitários

da Revelação Divina em Jesus Cristo, os pobres.458

De fato, uma Igreja capaz de mostra-se

fonte de unidade e de coerência, numa “sociedade fragmentada”459

, carente de sentido.

Logo, parece haver lugar na eclesiologia latino-americana para a construção de

manifestações pastorais que privilegiem esta imagem salutar da tradição cristã, não

significativamente ressaltada no Concílio Vaticano II, ao menos diretamente, que traz como

itinerário simbólico a unidade na missão evangelizadora: do Cristo Senhor para o mundo, no

Amor.460

Como refletiria Bucker:

A missão unificadora é, pois, a expressão da soberania de Cristo diante da qual

nenhuma cultura, em sua autentica identidade, é alheia. Por isso, é verdadeira

unidade de diferenças. E por isso também, a missão respeita as „alteridades‟

[...] sem confundir-se com uma nivelação que uniformiza, mas não une.461

Para concluir, sem terminar, “a missão unificadora é consciência do envio ao

diferente”462

, é diálogo amoroso com o diferente que acaba por impor-se pelo obséquio da

verdade. E a Igreja latino-americana parece poder haurir esta renovação eclesiológica da

renovação da consciência teológica que tem de si mesma, a partir deste referencial

comunional que é a esponsalidade.

457 Cf. MIRANDA, Maria de França. O desafio de Aparecida: uma configuração eclesial para a América Latina.

REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA. 50 anos depois do Vaticano II na América Latina. Petrópolis: Vozes,

v.69, n. 273, janeiro, 2009, p. 80. 458 Cf. Ibid., p. 93-102. 459 Cf. MIRANDA, Mario de França. A Igreja numa sociedade fragmentada. Escritos eclesiológicos. SP:

Loyola, 2006, p. 147-208. 460 É o que afirma Gonzáles, quando reflete a teologia dos documentos da Conferência latino-americana;

parafraseando-o: o centro da fé professada nas quatro conferências gerais é Jesus Cristo – ele é o Mestre, que a

Igreja segue quais discípulos, em missão ad gentes – cf. GONZÁLES, Carlos Ignacio. Seguir a Jesús en América

Latina. Rutas de las cuatro conferencias generales Del episcopado latinoamericano. 2.ed. México: Buena Prensa,

2006, p. 275-286. 461 Cf. Ibid., p. 314. 462 Cf. Id.

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CONCLUSÃO

A Igreja que nasce de Jesus Cristo e de sua Páscoa, como lugar de comunhão,

profundamente refletida pelo Concílio Vaticano II, continua a fazer-se, não apenas enquanto

universal, mas também enquanto particular, não apenas como comunidade de fiéis, mas

também como humanidade redimida inserida no mundo e em relação com o mundo. Esta

Igreja de Cristo – este sujeito eclesial – continua seu processo de compreensão de si mesmo, e

de síntese da sua identidade. Certamente a grande contribuição do Concílio para a Igreja foi a

de ajudá-la a ver-se, compreender-se, anunciar-se. Faz-se oportuna aqui uma recolocação da

reflexão de Congar, já citada na Introdução desta monografia – a saber:

[...] o Concílio discutiu, trabalhou em comissões [...] e esse trabalho

desembocou em alguns textos. [...] Trata-se de textos, isto é, de conjuntos de

idéias. Ora, é preciso, depois disso, que essas idéias sejam aplicadas de modo

concreto. Evidentemente, elas mesmas têm o seu dinamismo próprio. E creio

que haja realmente, nesse domínio, um dinamismo do Concílio. [...] se o

Concílio teve um sentido, foi de passar do domínio ideal ou ideológico para o

concreto da vida da Igreja.463

Um caminho a percorrer historicamente, portanto, é o da aventura do diálogo, que traz

do campo ideológico, para o concreto da vida pastoral eclesial, aquilo que os Padres

conciliares com tanto labor evidenciaram. Neste sentido, a Igreja latino-americana parece

estar oferecendo grandes contribuições à Igreja universal, quando já compreende suas

relações internas e externas como passíveis de uma nova hermenêutica – como evidenciado na

última Conferência do episcopado latino-americano.

O desafio de definição de uma nova hermenêutica, ou ainda de um novo princípio

hermenêutico para a eclesialidade católica – isto é, de um novo caminho de conhecimento de

si mesma, através do qual, se pode chegar a uma melhor compreensão do mistério da relação

que Deus estabelece com a humanidade na sua Revelação, como autocomunicação de amor e

amizade – que culmina numa redescoberta das suas características fundamentais, parece ser o

caminho, com grandes limitações, delineado neste construto monográfico.

A Igreja-Esposa não pode ser para a Igreja de hoje uma ideia ou uma ideologia, ou

menos, uma teoria científica coerente do ser da eclesialidade. A Igreja é feita de seres

463 Cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono. SP: Loyola, 1990, p. 9.

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humanos, integrados em comunidades em relação uns com os outros, cada qual com sua

especificidade, construindo a unidade do Corpo Místico de Cristo no mundo e na história,

desde a unidade do Amor do Pai e do Filho, como Povo congregado nesta unidade e por esta

unidade. Não é uniforme, mas diversa, e por isso precisa integrar-se, entendo-se como um

conjunto orgânico de realidades eclesiais específicas inter-relacionadas e coerentes.

Provavelmente seja este o maior desafio da Igreja-Esposa: compreender-se assim,

fazendo-se. A esponsalidade, assim comprendida, não corresponde apenas a uma tipologia

matrimonial aplicada à Igreja, mas verdadeiramente é símbolo de sua identidade comunional

– verificada nesta pesquisa, como capaz de engedrar e comunicar a vitalidade da mentalidade

conciliar na Igreja Católica e no mundo atual.

A Igreja-Esposa-de-Cristo mostra-se substancialmente como uma experiência de

comunhão na unidade que a graça trinitária promove e prorrompe. Logo, necessita de adesão,

iniciativa e concretização da parte da humanidade eleita para a salvação – não meramente

teóricas, mas práticas e enraizadas numa história que caminha para consumação final, porque

constrói sua individuação eclesial, projetando-se no Espírito para o encontro com o Cristo-

Esposo.464

É uma Igreja atuante e dinâmica, como o desejara o Vaticano II, movida pelo Amor.

464 Cf. FAHEY, Michael A. A Igreja. In: FIORENZA, Francis S.; GALVIN, John P. (Org.). Teologia

sistemática. Perspectivas católico-romanas. v.2. SP: Paulus, 1997, p. 57-61.

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