robinson jose costa_abbade

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“ALÔ, TIO SAM!” – AMERICANIZAÇÃO DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA DURANTE A SEGUNDA GUERRA Aluno:Robinson José Costa Abbade Orientador: Prof. Dennison de Oliveira Palavras-chave: Cultura Militar, Americanização, Força Expedicionária Brasileira. Esta pesquisa propõe um estudo a respeito do “choque” cultural militar vivido pelos soldados brasileiros que foram ao “front” durante a Segunda Guerra, como parte do grande projeto da “política da boa vizinhança” encabeçada pela OCIAA (Office of the Coordinator of Inter-American Affairs). Esta política estava presente em todas as etapas da FEB, desde os treinamentos feitos pelo Exército Norte-americano, tanto no Brasil como na Itália 1 , até em pequenos tablóides produzidos e distribuídos pelos próprios brasileiros, algumas vezes longe da influência do DIP 2 , mas sob a “batuta” da americanização. Este tipo de artifício foi muito utilizado nesse plano de “sedução”, pois os meios de comunicação, em especial os jornais, demonstravam ter muito sucesso na divulgação do estilo de vida norte- americano. Essa é uma das questões fundamentais neste estudo, que buscou analisar o processo de Americanização da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante sua participação na Segunda Guerra Mundial através dos tablóides produzidos durante as campanhas na Itália em seus acampamentos. Portanto, é interessante salientar que o tema da pesquisa surgiu com a pertinência de que o objeto é pouco conhecido no meio acadêmico. A participação brasileira na Segunda Guerra, com exceção de trabalhos redigidos por ex-combatentes, parentes, amigos ou pesquisadores sobre o assunto, é pouco comentado e estudado dentro da historiografia. Grande parte do que é produzido sobre o tema favorece uma perspectiva dos comandantes, generais e jornalistas, exaltando desta maneira suas principais batalhas, táticas e heroísmo. As fontes primárias usadas nesta pesquisa são os tablóides produzidos pelos pracinhas durante a existência da FEB, que se constituíam em instrumento essencial de politização e arregimentação. Os pequenos tablóides usados na pesquisa são: A Tocha , A Voz da Petrecho, ...E a cobra fumou! , O Camelo, O Chicote ( Publicação do dia 18 de fevereiro de 1945), O Cruzeiro do Sul (Publicação do serviço Especial da FEB), O Expedicionário (Publicações dos dias: 20 e 27 de janeiro de 1945), Noticias do dia. Lembrando que o jornal oficial era o Cruzeiro do Sul, com notícias específicas sobre o comando brasileiro e algumas colaborações de soldados e oficiais da FEB. Foram editados neste período (1944-1945) pequenos jornais, no inicio sem compromisso algum com o comando, chamado de Zé carioca, que fazia sucesso entre os soldados. Era um informativo leve, repleto de humor e passatempos. Seguindo o exemplo do Zé Carioca algumas unidades começaram a publicar pequenos jornais sem ter nenhuma preocupação com o tempo em que era lançado, não eram seriais e tinham o objetivo de distrair o soldado durante a guerra. As publicações eram em sua maioria de impressão manual, com notas de interesse da própria unidade. 1 No teatro de operações esse treinamento era chamado de training on the job 2 O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Brasil) colaborou estreitamente com o OCIAA, em várias mídias, divulgando notícias sobre a Guerra e os Estados Unidos.

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Page 1: Robinson jose costa_abbade

“ALÔ, TIO SAM!” – AMERICANIZAÇÃO DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA DURANTE A SEGUNDA GUERRA

Aluno:Robinson José Costa Abbade

Orientador: Prof. Dennison de Oliveira

Palavras-chave: Cultura Militar, Americanização, Força Expedicionária Brasileira.

Esta pesquisa propõe um estudo a respeito do “choque” cultural militar vivido pelos

soldados brasileiros que foram ao “front” durante a Segunda Guerra, como parte do grande

projeto da “política da boa vizinhança” encabeçada pela OCIAA (Office of the Coordinator

of Inter-American Affairs). Esta política estava presente em todas as etapas da FEB, desde

os treinamentos feitos pelo Exército Norte-americano, tanto no Brasil como na Itália1, até

em pequenos tablóides produzidos e distribuídos pelos próprios brasileiros, algumas vezes

longe da influência do DIP2, mas sob a “batuta” da americanização. Este tipo de artifício

foi muito utilizado nesse plano de “sedução”, pois os meios de comunicação, em especial

os jornais, demonstravam ter muito sucesso na divulgação do estilo de vida norte-

americano.

Essa é uma das questões fundamentais neste estudo, que buscou analisar o processo

de Americanização da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante sua participação na

Segunda Guerra Mundial através dos tablóides produzidos durante as campanhas na Itália

em seus acampamentos.

Portanto, é interessante salientar que o tema da pesquisa surgiu com a pertinência

de que o objeto é pouco conhecido no meio acadêmico. A participação brasileira na

Segunda Guerra, com exceção de trabalhos redigidos por ex-combatentes, parentes, amigos

ou pesquisadores sobre o assunto, é pouco comentado e estudado dentro da historiografia.

Grande parte do que é produzido sobre o tema favorece uma perspectiva dos comandantes,

generais e jornalistas, exaltando desta maneira suas principais batalhas, táticas e heroísmo.

As fontes primárias usadas nesta pesquisa são os tablóides produzidos pelos

pracinhas durante a existência da FEB, que se constituíam em instrumento essencial de

politização e arregimentação. Os pequenos tablóides usados na pesquisa são: A Tocha , A

Voz da Petrecho, ...E a cobra fumou! , O Camelo, O Chicote ( Publicação do dia 18 de

fevereiro de 1945), O Cruzeiro do Sul (Publicação do serviço Especial da FEB), O

Expedicionário (Publicações dos dias: 20 e 27 de janeiro de 1945), Noticias do dia.

Lembrando que o jornal oficial era o Cruzeiro do Sul, com notícias específicas

sobre o comando brasileiro e algumas colaborações de soldados e oficiais da FEB. Foram

editados neste período (1944-1945) pequenos jornais, no inicio sem compromisso algum

com o comando, chamado de Zé carioca, que fazia sucesso entre os soldados. Era um

informativo leve, repleto de humor e passatempos. Seguindo o exemplo do Zé Carioca

algumas unidades começaram a publicar pequenos jornais sem ter nenhuma preocupação

com o tempo em que era lançado, não eram seriais e tinham o objetivo de distrair o soldado

durante a guerra. As publicações eram em sua maioria de impressão manual, com notas de

interesse da própria unidade.

1 No teatro de operações esse treinamento era chamado de training on the job

2 O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Brasil) colaborou estreitamente com o OCIAA, em

várias mídias, divulgando notícias sobre a Guerra e os Estados Unidos.

Page 2: Robinson jose costa_abbade

A partir das fontes levantadas para essa pesquisa, procurou-se analisar a

repercussão da americanização proposta pelos norte-americanos aos brasileiros e como os

pracinhas receberam este projeto no cotidiano de suas missões.

Partindo para a tipologia das fontes, nos limitamos a descrever que são textos

escritos no formato de tablóides, em alguns casos de forma artesanal, que informavam os

febianos sobre o andamento da guerra.

Os jornais consultados não seguem uma ordem cronológica de publicação. Os

únicos exemplares preservados são encontrados no “Museu dos Expedicionários” e no

acervo pessoal de alguns ex-combatentes. A seleção foi aleatória dentro das possibilidades

para pesquisa existente do MEXP3, oferecendo uma visão geral do que foi proposto dentro

deste meio de comunicação.

Porém, devemos frisar que a escolha destes tablóides não significa que eles

sintetizem o processo de americanização no período que compreende 1944 até 1945 entres

os febianos. Para isso seria necessário um estudo mais amplo, que contivesse todos os

jornais produzidos na época. Sendo que esse não foi o objetivo da pesquisa, pois esta

buscou uma visão particular em detrimento a uma visão geral.

Em suma, o objetivo principal da investigação foi o de analisar como repercutiu o

projeto de americanização proposto pelos norte-americanos entre os febianos.

Para fazer esse tipo de pesquisa partimos do contexto em que se formou a Força

Expedicionária Brasileira, dentro dos ideais da Era Vargas, e suas implicações diante da

Segunda Guerra Mundial, tratando dos motivos que levaram a sua criação e os interesses

norte-americanos em relação ao Brasil.

Partindo da conjuntura em que os Estados Unidos entraram oficialmente na

Segunda Guerra Mundial após o bombardeio de Pearl Harbor no dia 7 de dezembro de

1941. Antes disso, a chamada Good Neighbor Policy, cuja principal característica foi o

abandono da prática intervencionista que prevalecera desde o final do século XIX, havia

tornado-se a estratégia de relacionamento dos EUA com a América Latina. A partir de

então, adotou-se a negociação diplomática e a colaboração econômica e militar com o

objetivo de impedir a influência européia na região, manter a estabilidade política no

continente e assegurar a liderança norte-americana no hemisfério ocidental. Nesse

contexto, percebemos o interesse do Estado Novo em mandar, ao lado do V Exército

Americano uma Divisão de 25.000 mil pracinhas, ao mesmo tempo que, se estabelece a

política da “ boa vizinhança” entre os brasileiros através dos meios de comunicação.

William Waack em sua pesquisa sobre a FEB vista pelos aliados e inimigos4,

deixou claro que apesar da falta de experiência do exército brasileiro, estando eles longe do

modelo Norte-americano para a guerra, era importante tê-los no campo de batalha em

nome de uma “política de amizade”, conforme o depoimento do general Mark Clark sobre

aceitação da Força expedicionária no seu V Exército.5 O interesse em americanizar o

Brasil, muitas vezes extrapolou a capacidade técnica e militar requerida. Havia pouco

tempo para uma “reeducação” de oficiais e soldados, por isso era importante formar e

treinar a FEB à “imagem e semelhança” 6

de seus inspiradores.

No entanto, é necessário incluir a formação da FEB em um período em que estava

acontecendo um impacto cultural, que se desenvolveu em decorrência da presença norte-

americana no Brasil. Este processo não foi fruto do acaso, pelo contrário, “houve um

3 MEXP (Museu dos Expedicionários Paranaense)

4 Ver WAACK,William. As duas faces da glória: a FEB vista pelos seus aliados e inimigos. Rio de Janeiro,

Nova Fronteira,1985. PP 21-29. 5 Ibdem, p.22

6 Ibdem. P.22

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planejamento cuidadoso de penetração ideológica e conquista de mercado”.7 Toda etapa de

exportação cultural fez parte de um emaranhado estratégico, que tinha como objetivo ter o

Brasil no plano internacional ligado aos Estados Unidos, que era um país que estava se

afirmando como uma grande potência e centro de um novo sistema de poder.

O estudo problematizou a relação entre os americanos e a Força Expedicionária

Brasileira durante os embates da Segunda Guerra dentro dos moldes da “americanização”

propostos aos brasileiros neste período (1940 – 1945), principalmente através da mídia. A

pesquisa procurou conhecer os componentes deste “choque cultural” no cotidiano militar

da FEB, principalmente ao estudar as produções dos pracinhas através de seus tablóides,

assim como, as experiências vividas por eles e as funções sociais desses impressos.

Dentro do que chamamos de cultura militar as relações de poder se faz presente,

conforme o conceito desenvolvido por Michel Foucault,sendo necessário uma perspectiva

sobre o tema. 8

Segundo a explicação dada por Foucault, “não existe poder fora das relações entre

os indivíduos”.9 Assim, a questão que ajuda a compreender o exercício do poder é: “como

acontece quando os indivíduos exercem, como se diz, seu poder sobre os outros?”.10

Para Foucault não existe relações de poder sem “resistência, escapatória ou

fulga.”11

Pensando desta maneira que foram entendidos as relações entre a FEB e os

soldados do V Exército Americano. A partir da convivência dos pracinhas com as

“normas” militares dos aliados e sua cultura, que a pesquisa pretendeu compreender como

eles reagiram ao discurso da “americanização”, observando suas ações como soldado de

uma cultura específica.

Para finalizar, o conceito de “americanização” utilizado é a mesma defendida pelo

historiador Antonio Tota na sua obra “O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil

na época da Segunda Guerra”, onde diz que o fenômeno pode ser interpretado ora como

“grande perigo destruidor da nossa cultura”, influenciando-a de uma maneira negativa; ora

como “uma força paradigmática e mítica, capaz de tirar-nos de uma possível letargia

cultural e econômica, trazendo um ar modernizante para a sociedade brasileira.”12

Peter Burke em sua pesquisa sobre o hibridismo cultural, demonstra que os

encontros culturais estão presentes em todos os povos: “Devemos ver as formas híbridas

como o resultado de encontros múltiplos e não como o resultado de um único encontro,

quer encontros sucessivos adicionem novos elementos à mistura quer reforcem os antigos

elementos”.

Chegamos às considerações finais, percebendo através da pesquisa que os febianos

não foram passivos diante do processo de americanização norte-americano. Encontramos

vários elementos que demonstram uma adaptação cultural-militar norte-americana sob os

moldes ao estilo cultural-militar brasileiro, surgindo, em muitos casos, certa especificidade.

7 MOURA,Gerson. Tio Sam chega ao Brasil, a penetração cultural americana. São Paulo,Brasiliense,

Coleção tudo é História,1986, p.11 8 Ver FOUCAULT, Michel. “O sujeito e o poder”. In: DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul. Michel

Foucault, uma trajetória filosófica (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Tradução Vera Porto

Carrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 9 Ibidem, p. 242.

10 Ibidem, p. 240.

11 Ibidem, p.243

12 TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda

Guerra.São Paulo. Companhia das letras,2000, p.11