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AMANDA E O FREDDY KRUEGER Texto de Gabriel Tonin PERSONAGENS: AMANDA NENÊ MIA DUDU FREDERICO LIPA LÉO CENÁRIO: uma pequena vila com algumas casas. CENA 1 - INTRODUÇÃO (todos os personagens estão em cena) TODOS Essa é a história de uma menina Que saiu de casa ainda bem novinha Ela só queria conseguir tranquila AMANDA Eu não vou me arrepender! FREDERICO, LÉO E MIA Bom um dia inteiro sem pensar na vida Valerá a pena essa luta, linda? E nossas crianças como é que fica? Só não vê quem não quer ver LIPA, NENÊ E DUDU Vá menina, embora, vá tentar lutar A história é velha, vão tentar calar Mas não fique quieta é melhor tentar AMANDA Eu não vou me arrepender! FREDERICO, LÉO E MIA Vinte e quatro horas pra ela voltar LIPA, NENÊ E DUDU É ela que manda, pode perguntar TODOS O que essa menina quer tanto falar? AMANDA Eu não vou me arrepender! NENÊ 1

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AMANDA E OFREDDY KRUEGERTexto de Gabriel Tonin

PERSONAGENS:AMANDANENÊMIADUDUFREDERICOLIPALÉO

CENÁRIO: uma pequena vila com algumas casas.

CENA 1 - INTRODUÇÃO

(todos os personagens estão em cena)

TODOSEssa é a história de uma meninaQue saiu de casa ainda bem novinhaEla só queria conseguir tranquila

AMANDAEu não vou me arrepender!

FREDERICO, LÉO E MIABom um dia inteiro sem pensar na vidaValerá a pena essa luta, linda?E nossas crianças como é que fica?

Só não vê quem não quer ver

LIPA, NENÊ E DUDUVá menina, embora, vá tentar lutarA história é velha, vão tentar calarMas não fique quieta é melhor tentar

AMANDAEu não vou me arrepender!

FREDERICO, LÉO E MIAVinte e quatro horas pra ela voltar

LIPA, NENÊ E DUDUÉ ela que manda, pode perguntar

TODOSO que essa menina quer tanto falar?

AMANDAEu não vou me arrepender!

NENÊVai, segue sua vida, de cabeça erguidaNão se preocupe, não está sozinhaLute pra caramba como uma meninaE que deus vá com você!

FREDERICO, LÉO E MIA

1

Vinte e quatro horas pra ela voltar

AMANDANão volto mesmo!

LIPA, NENÊ E DUDUÉ ela que manda, pode perguntar

AMANDAÉ o meu direito!

TODOSO que essa menina quer tanto falar?

(silêncio)

AMANDAEu não vou me arrepender!

(todos os personagens saem correndo, menos Amanda, que fica sozinha em um foco; Amanda se prepara para falar alguma coisa; por um momento pode parecer que vai começar a cantar uma música; ela desiste e sai de cena devagar)

CENA 2

(Nenê entra varrendo a calçada)

NENÊ

Tava quieta no meu cantoParecia vida novaMas o que esperar de um homemVida nova o escambau

Outro cocô! Oh, vida!

(ela recolhe o cocô com uma sacolinha; Mia entra)

MIABom dia, Nenê!

NENÊ(impaciente) Oi, Mia.

MIABom dia!

NENÊBom dia pra você também.

MIAVarrendo a rua?

NENÊSim, Mia, o cocô do vizinho faz cachorro aqui na frente. Digo, o cachorro do vizinho faz cocô aqui na frente.

MIAPoxa, que barra.

NENÊÉ.

(silêncio)

2

NENÊTem mais um ali. Cachorro morfético.

MIACê ficou sabendo da Amanda?

NENÊ(começando a ficar irritada) Fiquei sabendo sim, Mia.

MIAEu sempre desconfiei dela com aquele pai esquisito dela.

NENÊÉ padrasto.

MIAPai é quem cria.

NENÊOlha, Mia, eu já sei o seu posicionamento sobre isso e você sabe o meu. Não quero ficar de fofoca aqui na minha casa não.

MIANão, não é fofoca, tô só comentando, querida...

NENÊ

Fofoca é comentar sobre a vida alheia. Se você quer ouvir da minha boca, a menina fez certo. Aquele pai dela, com aquela cara de Freddy Krueger...

MIAMas não era padrasto?

NENÊQue seja! Tem história feia aí no meio dessa história. Eu desconfio.

MIAAh, é? Que tipo de história feia?

NENÊ(percebe o jogo de Mia) O que você quer, Mia?

MIAEu? Talvez uma xícara de café, obrigada.

NENÊO que? Pirou, Mia? Bom dia! Bom dia pra você também, garota! (sai)

MIANossa, é uma grossa mesmo.

(Dudu aparece soltando pipa)

MIA

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Ei, Dudu!

DUDUQue?

MIASoltando pipa?

DUDUUé. É, né?

MIAHum. Legal.

DUDUAquele imbecil do Leonardo tá tentando me cortar. (grita) Minha linha tá sem cerol!

MIAE sua amiguinha, hein?

DUDUQual?

MIA“Qual”, Dudu?

DUDUEu tenho várias amigas.

MIAA que fugiu, Eduardo. Aquela que pegou as coisas e deu o pé pra cidade grande.

DUDU

Tá bem, tá viva. (com a pipa) Ai, caramba! Não!

MIAEu sei, Dudu, eu também tenho Facebook. Você viu as fotos que ela tem postado? Toda livre, cabelo curto, hashtag pra isso, hashtag pra aquilo.

DUDUEu vi sim. Acho maneiro.

MIAHum.

DUDUSai, Leonardo! Sai! Não!

MIAE o pai dela, hein?

DUDUÉ padrasto.

MIACriou desde pequena. Largou ele sozinho depois de todos esses anos. Com aquela cara dele.

DUDUUé, ele ficou com a nova mulher dele. Tudo certo. Segue a vida.

MIAMas você sabe o que foi que aconteceu?

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DUDU(a pipa cai) Não! Ah, não! Maldito! (vai sair correndo)

MIAEspera! (segura Dudu) Termine de falar comigo.

DUDUVocê quer saber o que aconteceu pra ela ter ido embora de repente? A mãe morreu, não tem vó, não tem ninguém. O Frederico não é pai dela, não tem vínculo nenhum. Ela seguiu a vida. Tchau! (sai)

MIAMas você sabe se aconteceu alguma coisa de mais grave?

(silêncio)

MIAUma menina que não tem famíliaFica perdida no prazer da vidaSe falta deus, então, meu deus, oh não!A gente morre de preocupação

(todos entram menos Amanda)

TODOSAgora deu pra ser uma feministaQue mostra os peitos ali na PaulistaEla raspou aquele cabelão

MIAEra bonita, mas não é mais não

TODOSO mundo sabe, o mundo viuO pai que cria é quem te pariu!

(black-out)

CENA 3

(Lipa arruma a casa cantando)

LIPATava quieta no meu cantoParecia vida novaSe tem coisa nessa históriaEla nunca disse nada

(Frederico entra)

FREDERICOOi, amor da minha vida!

LIPA

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Oi, amor da minha vida também!

(Frederico descalça as botas e faz uma pequena bagunça iniciando uma música)

FREDERICOHomens sabem sempre o que não devem fazerEssa mordomia eu cresci pra aprenderFalam que é machista, mas não é corrupçãoEu sempre cuidei bem da mulherada, meu irmãoParece que elas querem só falar pra aparecerDe modo que eu acho que ela vai se arrepender

LIPAFala isso não.

FREDERICOEu que criei com o meu suorA mãe já veio com esse B.O.E daí eu fiquei com dóA menina nem tinha vóEu criei com o meu suor!

LIPAEu sei.

FREDERICO

A menina morando na minha casa, embaixo do meu teto, querendo pagar de gatinha, dona mandona, ditar regra?

LIPAÉ coisa de adolescente, você sabe.

FREDERICOEu fico preocupado, sabe. Eu tinha um carinho por ela, mas foi ela que escolheu essa vida.

LIPASim, querido, eu entendo a sua preocupaçãoEntenda, não é fácil pra ninguém nesse mundãoEla é uma menina, você deve esquecerQue lindo, uma família, mas enfim, fazer o quê?Parece que agora sou só eu e mais vocêDe modo que a janta é você quem vai fazer

FREDERICOTá de zoação! Agora você também?

LIPAEu também tenho o meu suorEu não carrego esse B.O.

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Nem vem com essa cara de dóNão sou sua mãe e nem sua vóEu também tenho o meu suor.

(Frederico faz bico e fica emburrado em silêncio; a música termina)

LIPANem vem com essa carinha de dó, Frederico. Agora que a Amanda não está mais aqui, você vai precisar me ajudar se não não vou conseguir dar conta sozinha. E outra coisa...

FREDERICO(faz um barulho de peido com a boca)

LIPAFrederico, o que foi isso?

FREDERICOBlá, blá, blá!

LIPAFrederico!

FREDERICO(amoroso) Ah, vem cá. (agarra ela) Eu não

consigo amar desse jeito, florzinha. Eu amo do meu jeito.

LIPAO que? Mas, Fred...

FREDERICOVenha aqui. Não gosto de ficar discutindo. Não vamos ficar brigando por besteira. Vem cá...

LIPAFred, eu só tava dizendo que a gente podia dividir...

(Frederico a beija forte; Lipa não resiste e retribui)

FREDERICOVocê foi a melhor coisa que já me aconteceu nessa vida.

LIPABobo. Você também é o meu príncipe encantado!

(eles se beijam de novo românticamente)

FREDERICOAgora que a Amanda foi embora não vai ter mais briga aqui nessa casa. Eu tomei uma decisão hoje,

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agora aqui nessa casa é só amor direito! (agarra Lipa carinhoso numa cosquinha; eles se divertem)

(black-out)

CENA 4

(Léo está passando cerol na linha)

LÉOTava quieto no meu cantoMas vou dar uma opinadaA menina ficou chataVou mostrar que eu sou tigrão

(Dudu entra correndo)

DUDUEu quero a minha pipa de volta.

LÉOEu não achei a sua pipa. E se tivesse achado, lei do céu.

DUDULéi do céu uma ova! Eu quero a minha pipa, Leonardo!

LÉO

Sai fora, Dudu. Não achei sua pipa, até procurei, mas caiu lá no mato. Agora vaza!

DUDUÉ proibido usar cerol, sabia?

LÉOLei do céu.

(silêncio)

LÉOVai ficar aí parado me olhando?

DUDUE onde é que ela tá?

LÉOQuem?

DUDUA minha pipa! Onde ela caiu?

LÉOAh, não sei, cara! Por um momento achei que você estivesse falando da sua amiga, Amanda.

DUDUQue?

LÉOVocê viu as fotos que ela tá postando? Deve tá

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usando droga. Ficou feia com aquele cabelo curto.

DUDUEla não tá usando droga, tá bom? E você tá usando cerol, é proibido também, ué.

LÉOO que será que deu na cabeça dela de ela se revoltar tanto com o mundo a ponto de mostrar os peitos na Paulista. Você viu a foto? Pra mim, o respeito começa no respeito do outro. E as nossas crianças?

DUDUVocês tiveram filhos?

LÉOQue? Como assim?

DUDUQue eu soube vocês só saíram algumas vezes e ela nem gostou tanto.

LÉOLógico que a gente não teve filho nenhum. Quem que te falou isso?

DUDUEntão que crianças que você tava falando? Salvar que crianças?

LÉOAs crianças do mundo, ué. Todas as crianças.

DUDUEita, mas então cada um que cuide do seu.

(silêncio)

LÉOVocê que era amiguinho dela, ela não te falou nada do que foi que aconteceu pra ela ir embora de repente?

DUDUFalou. Mas eu não vou contar nada pra você, você perdeu a minha pipa. (sai)

(black-out)

CENA 5

(Nenê está varrendo a calçada cantarolando novamente)

NENÊAh, mais um! Um dia eu mato esse cachorro.

(Mia entra)

MIA

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Boa tarde, Nenê!

NENÊOi, Mia, oi. Boa tarde pra você também.

MIASabe o que eu queria te perguntar? Você falou que desconfia ter acontecido alguma coisa de feia nessa história toda...

NENÊMas você tá fuçando a vida daquela menina de novo, Mia!

MIAMas se aconteceu alguma coisa de ruim pra ela ter virado a feminista que virou o mundo precisava saber.

NENÊ(se irrita e segura Mia pelo braço) Nunca mais ouse falar desse jeito sobre a luta.

MIAAi, nossa! Que jeito? Você pode soltar meu braço, por favor?

NENÊCom esse tom. De deboche.

MIADeus me livre debochar de um assunto sério como esse, Nenê. É que as meninas hoje em dia elas estão perdidas. Mostrar o peito na Avenida Paulista em plena luz do dia. E as nossas crianças?

NENÊE por um acaso você tem filho, Mia?

MIANão, mas...

NENÊOlha, Mia, você sabe o meu posicionamento, eu não sei porque você vem me encher a paciência. A gente já se bloqueeou no Facebook pra manter a paz.  

MIAEu nunca vi você mostrando os peitos na Avenida Paulista, Nenê. É isso. Não é questão de posicionamento político, é respeito!

NENÊMas por que tanto drama por causa de peitos na Avenida Paulista, Mia? São peitos! Peitos! Você tem peitos, eu tenho

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peitos! O que poderia chocar as crianças se elas souberem, se elas descobrirem que - poxa vida! - mulheres tem peitos?

MIAMas é que ela era uma mocinha, Nenê...

NENÊPor favor, Mia, eu tenho que recolher cocô...

(silêncio)

MIAVocê também acha que o Freddy Krueger fez coisa que não devia com a menina, não acha?

(silêncio; ambas chegam no assunto que vinham refletindo)

NENÊNão sei de nada. Ela nunca me falou nada.

MIADe repente ela vai embora assim. O meu psicólogo falou que as nossas revoltas vem tudo por causa de traumas. Eu só queria saber mesmo se o apelido vale o monstro. Porque se ele fez alguma

coisa com ela, eu acho que a gente devia saber, porque mesmo não sendo o pai biológico, ele criou a menina, e ela ainda é uma criança, é nojento pensar.

NENÊEu queria saber também. Eu cheguei a perguntar.

MIAVocê perguntou? Você perguntou pra ele?

NENÊEu perguntei pra ela.

MIAAh, claro. E o que ela disse?

NENÊDisse que estava tudo bem, que não tinha acontecido nada, que eu não precisava me preocupar.

MIAE o aborto que ela fez?

NENÊ(cai em si e se irrita novamente) Você vem aqui tentar criar essa novela

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pra sua vida, né, Mia? Pelo amor de deus.

MIATodo mundo tá sabendo que ela abortou esses tempos aí.

NENÊIsso é problema dela, Mia! Para de se intrometer! Escolha dela!

MIAClaro, claro que é escolha dela. Mas será que o pai desse aborto não era o próprio Freddy Krueger, Nenê? A Geisa falou que ficou sabendo que foi ele que correu atrás dos remédios.

(silêncio)

NENÊ E MIATava quieta no meu cantoParecia vida novaNossa vida é uma novelaComo não sofrer por ela?

(black-out)

INTERLÚDIO

(um pequeno foco destaca Amanda na escuridão; ela está se preparando pra um discurso; ela pensa bem

antes de começar; por fim desiste; os outros atores cantam em off, Amanda canta com o olhar)

TODOSVai saberTem todo um contextoVai saberUm bebêSe o pai que criouVocê tem que obedecer

(Amanda ri e sai devagar)

(black-out)

CENA 6

(Nenê e Mia estão na mesma conversa)

MIAPior de tudo é que esses dias mesmo o Freddy Krueger postou uma foto contra o aborto no Facebook.

NENÊEsse povo é cheio de hipocrisia.

MIAEu acho que se um dia eu precisar abortar eu aborto. Mas não preciso

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ficar falando isso pra todo mundo.

NENÊÉ, pois é, a Amanda vai nesses eventos que ela participa aí, lutar pelo seu direito também.

MIAEu não pedi ajuda dela.

(Léo entra soltando pipa)

LÉOFicaram sabendo?

MIAO que?

LÉOAmanda acabou de ser presa, agora à tarde.

NENÊO que? O que aconteceu?LÉOEu não sei. Acho que é drogas. Só vi que foi presa. A Geisa falou que postaram pelo Facebook dela.

MIAMeu deus do céu! Essa menina foi abusada, Nenê. É a prova. O meu psicólogo falou que...

NENÊ

Mas tá presa onde? Tem alguém ajudando ela, será, meu deus?

LÉOEla tem amigo novo lá na cidade grande, tia. Deve tá pegando vários rapazinhos inocentes pra fazer de escravo sexual.

MIAQue deus abençoe essa menina.

LÉONão mais agora na cadeia, né? Ao menos que ela tenha virado lésbica.

MIAMinha nossa senhora! É capaz, é capaz!

LÉOBom, eu já dei uns pega, né?

MIAAh, garoto, vai que você tem alguma doença agora, otário.

LÉOSerá? Não, eu peguei ela antes dessa fase drogada.

NENÊEu não sei. Coitada. Eu fico... toda confusa

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porque eu queria poder ajudar. Mas aí eu lembro que a gente só tá fofocando sobre a vida da menina. O que que eu tenho a ver com essa história? Aí eu lembro também do Freddy Krueger e... (pausa) Eu tenho tudo a ver com essa história.

MIAEu também. Eu me sinto toda incluída. Dos pés à cabeça.

(Edu entra mexendo no celular)

EDUVai saberTem todo um contextoVai saberNa TVVocê sabe que alguém Está enganando você

E se perceberNum caso comum Da vida realTem a verCom tudo que alguémFalou na rede social

(Lipa e Frederico entram de mãos dadas)

FREDERICO

Boa noite, senhoritas! Cavalheiro.

TODOSBoa noite.

FREDERICOEstá um belíssimo começo de noite, não é mesmo?

MIAEstá sim, senhor.

(paira-se um silêncio constrangedor)

FREDERICOOra, visto o tamanho da tensão, poderia supor que estavam falando da Amanda? Como todos desse lugar, parece.

NENÊVocê tá sabendo o que tá acontecendo, Frederico?

FREDERICOQue ela foi embora da minha casa? Bom, eu moro lá, a louça percebeu.

NENÊNão, Frederico, a Amanda foi presa. Numa dessas manifestações aí, possivelmente.

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FREDERICOO que?      

LIPAPresa?

LÉOFalaram droga.

NENÊEla quis sair da sua casa, Frederico, eu sei que foi escolha dela, eu não sei porque ela quis isso, e mesmo você não sendo o pai dela, você criou essa menina! Você tem vínculo com essa menina, sim.

MIAPai é quem cria.

LIPAEla teve total direito de escolher o que quiser, mas tem que arcar com as consequências também.

MIAOlha, você! Você não devia palpitar, não é filha sua. Você não é nem madrasta porque o padrasto é ele!

DUDUQuem falou que ela foi presa?

FREDERICOTá presa onde? É lógico que eu vou ajudar ela, Nenê. É ela que não gosta de mim.

LIPAEu fiquei sempre do lado dela. Pode perguntar, a gente se dava super bem. Ela e o pai que andavam se bicando.

NENÊPadrasto.

MIAE qual seria o motivo de ela não gostar do senhor, Sr. Krueger? Isso que ficou na cabeça do povo todo.

DUDUGente, a Amanda não foi presa. Foi uma trolada. Olha!

LÉOA Geisa falou que postaram lá na página dela.

DUDU(lê) “Gente, isso que dá deixar o Facebook aberto

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no computador da agência. Ká, ká, ká.”

NENÊQue brincadeira mais imbecil!

LÉOLésbicas. (sai soltando a pipa)

MIASão crianças. A gente precisa salvar as crianças.

FREDERICOEscuta! Vocês todos. É o seguinte. Eu quero que vocês parem de falar da minha família, parem de ficar vasculhando a vida da Amanda. Ela foi embora, ela fez uma escolha pra vida dela. Eu não posso segurar, eu posso? Vocês tem toda razão em tudo que falaram, mas eu não sou o pai dela...

MIAPai é quem cria, Freddy Krueger.

FREDERICOVá falar isso pra ela. Ela não aguentou viver

sob o mesmo teto que eu, um homem que namorava a mãe dela, ué. Que culpa tenho eu?

DUDUVocê é machista, homofóbico, racista, manipulador, folgado, fascista e além de tudo, porco. Era o que ela dizia pra mim e o que eu já vi na sua casa. A propósito, eu sou gay e sim eu me ofendi aquele dia.

FREDERICOOlha, a gente não precisa envolver esse assunto de política agora, garoto.

NENÊIsso não é política, Frederico, isso é a vida!

FREDERICOTá bom, gente. Tá bom. Eu não quero discutir.

MIAE também não deu dois anos pra levar outra mulher pra casa.

LIPAEu não tenho nada a ver com isso. Eu era solteira!

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MIAAh, agora não tem nada a ver com isso! Era solteira!

FREDERICOEu fiquei de luto e depois eu segui em frente! Parem de cuidar da minha vida! O que que é isso? Vocês estão fazendo reunião musical pra falar sobre os problemas da minha vida? Eu não tenho culpa se ela quis ir embora de casa e se vocês todos tinham muito carinho por ela! Adotem ela! Fiquem com ela! Eu fiz o que eu pude! (pausa) Tá bom?

(silêncio; Edu sai lentamente tentando não ser percebido, ficando mais ainda em evidência na cena silenciosa)

FREDERICOEu que criei com o meu suorA mãe já veio com esse B.O.E daí eu fiquei com dóA menina nem tinha vóEu criei com o meu suor!

Olha, deixa ela seguir a vida dela e vamo seguir a nossa. Eu não sou o vilão

aqui, eu sou um cara legal tentando seguir a vida também.

NENÊOlha, Fred, você não me engana. A gente conhece as pessoas é no olho. Você parece um sonho, é todo carinhoso, bonito, fala firme, canta bonito. (para Lipa) Acho que eu caíria na lábia dele também, querida, você não tem culpa. (volta pra Frederico) Mas eu não sei, eu sinto que parece ser um pesadelo conviver com você, não sei porque eu sinto isso. Talvez seja o apelido que te deram, talvez.

FREDERICOPergunta pra ela aqui, ó. Lipa, é um pesadelo conviver com o Freddy Krueger aqui?

LIPA(ela exita) Não. Claro que não.

MIAEla exitou! Ela demorou pra responder!

FREDERICOFala, Lipa! É um pesadelo conviver comigo?

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LIPAClaro que não é! O Frederico é um ótimo companheiro. Às vezes você faz umas piadas sem graça, mas só isso mesmo, amor, eu juro. Eu sei que você vai mudar.

MIAVocês foram feitos um pro outro mesmo.

NENÊE ele contou pra você o que ele fez com a Amanda, Felipa?  

LIPAO que ele fez do que?

FREDERICO(entendendo a acusação) O que que eu fiz com a Amanda, Nenê?

(silêncio)

FREDERICOO que eu fiz com a Amanda, Nenê?

NENÊEla tava grávida, não tava, Frederico? Todo mundo ficou sabendo que ela abortou a criança.

LIPA

Eu não fiquei sabendo disso! É verdade, Frederico?

NENÊQuem era o pai da criança, Frederico? Quem era o pai?

(Léo entra soltando pipa; paira-se um silêncio curioso; todos encaram Léo)

LÉO(percebe que está sendo observado e se entrega) Eu não tenho nada a ver com isso. Eu ia assumir o bebê! Eu sou totalmente contra o aborto, veja lá no meu Facebook! Ele quem obrigou ela abortar! Ela também não queria, a gente queria tentar! Aí ele ficou na cabeça dela e ela tomou o remédio. Mas aí depois... ela se arrependeu. Ela queria ter o bebê e olha que ela é toda esquerdista. Ele me pagou quinhentos reais pra eu tentar convencer ela. Eu tava precisando mais de grana do que de um filho no momento.

MIA

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Meu deus do céu, se isso fosse no Leblon, Amanda se chamaria Helena.

(silêncio)

TODOSOlha só que interessanteNunca é o que a gente achaSó quem tá vivendo a históriaÉ quem tá vivendo a história

FREDERICOEu fiz o que era melhor pra Amanda. Ela vai me agradecer de não ter tido esse filho um dia.

MIAVocê não era contra o aborto, Frederico? Você postou esses dias.

NENÊHipocrisia reina demais nessa cidade.

FREDERICOE você com todos esses julgamentos sobre a minha pessoa, Nenê, deve ser coisa de algum trauma dentro de você, pra você tirar essas suas conclusões aí.

NENÊDesculpe, Frederico. Não tem como eu não desconfiar de um homem que fala abertamente e com orgulho as coisas que você fala. O pior vem na cabeça.

FREDERICOÉ Facebook, Nenê! Vocês que distorcem tudo. Vocês que se ofendem com tudo. Eu sou um homem de bem, a sua insinuação é absurda!

NENÊNa verdade não dá pra não desconfiar de homem nenhum, principalmente dos que se autodenominam “homem de bem”. Esses são os que eu mais desconfio, aliás. Desculpe de qualquer forma se eu te ofendi, mas mantenho a desconfiança. (sai)

MIASe não ficou claro, eu também não gosto de você, Freddy Krueger. (sai)

LÉOTeve uma vez que um vi um post seu que era muito racista, mas eu não lembro qual era. (sai)

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(silêncio; Frederico encara Lipa cansado)

FREDERICOCê percebeu que ela tava insinuando que eu pudesse ter feito alguma coisa com a Amanda, Lipa? Que o filho pudesse ser meu, cê acredita?

(Edu entra em cena e encara Frederico em silêncio)

FREDERICOQue foi? Vai falar alguma coisa?

EDUEu? Eu não.

FREDERICOVocê que era amiguinho da Amanda, além de me ofender com um monte de nome, ela te disse alguma coisa pra ter ido embora assim de repente?

EDUDisse sim, senhor.

FREDERICOE o que foi que ela te disse?

EDUEla pediu pra eu não contar pra ninguém.

FREDERICOHum. Tá certo. Faça isso mesmo. Garoto esperto.

EDUVou fazer. Eu não tenho nada a ver com isso, né?

FREDERICOExato. Você não tem nada a ver com isso.

(Edu sai; silêncio; Lipa fica pensativa)

FREDERICOQue foi?

LIPAVocê fez alguma coisa com a Amanda alguma vez, Frederico?

FREDERICOO que?

LIPAJá pensou em fazer, então?

FREDERICO(pausa) Não, claro que não, Felipa! O que é isso? Pelo amor de deus! Eu jamais faria uma coisa dessa!

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LIPAQue bom, ainda bem.

(silêncio)

FREDERICOVocês mulheres andam muito paranóicas com essas coisas. Absurdo passar pela sua cabeça que eu pudesse fazer algo do tipo.

LIPAÉ calo, Frederico. É calo.

FREDERICOEu tô muito ofendido com a sua desconfiança, Lipa.

LIPAAh, tá ofendido, o bonito? E a louça? Bora pra casa que a louça tá te esperando.

FREDERICOAh, não! Não, não, não. Eu tô cansado... (faz bico)

LIPASim, sim, sim! Pode parar com essa birra que você não é mais criança, Frederico. A Amanda deixou você muito mal acostumado.

(black-out)

CENA 7 - FINAL

(todos os personagens entram cantando)

TODOSEssa é a história de uma meninaQue saiu de casa ainda bem novinhaEla só queria conseguir tranquila

AMANDAEu não vou me arrepender!

TODOSVá menina, embora, vá tentar lutarA história é velha, vão tentar calarMas não fique quieta é melhor tentar

AMANDAEu não vou me arrepender!

FREDERICOVinte e quatro horas pra ela voltar

AMANDANão volto mesmo!

TODOS

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É ela que manda, pode perguntar

AMANDAÉ meu direito!

TODOSO que essa menina quer tanto falar?

(silêncio)

AMANDAEu não vou me arrepender!

(um foco destaca somente Amanda no centro, forte e decidida; ela fica em silêncio por um tempo, empolgada com a luta, em

pose de guerreira; aos poucos ela lembra de uma dor; a empolgação vagarosamente se torna uma crise de choro dolorida; no limite da fraqueza ela reage mais forte e destemida que nunca; ela pinta a cara e se prepara para mostrar os peitos num ato político; numa mistura de emoções, entre raiva, tristeza e coragem, Amanda tira primeiro a blusa e antes de chegar a tirar o sutiã as luzes se apagam)

FIM

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