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USO DE TECNOLOGIA EM LIVING HISTORY
Rommel dos Santos Andrade WERNECK1
Resumo:
Este artigo analisa o uso de velhas e novas tecnologias na prática educativa de
Living History. Parte-se da presença de instrumentos antigos nas demonstrações de
Living History e do constante uso das novas tecnologias para a organização e
divulgação das atividades e eventos. Estabelece-se ideias entre Anderson (1992),
Kenski (2008), Moran, Roth(1998) e Talboys (2005) com as contribuições das
associações revivalistas acerca da prática e analisa-se a relevância da tecnologia do
século XXI a favor da Living History.
Palavras-chave: Living History, Tecnologia, Educação
PONTO DE PARTIDA
O objetivo desse trabalho é estudar o uso de antigas tecnologias nos museus e
atividades educativas de Living History, doravante denominada LH e revelar a
contribuição de invenções dos séculos XX e XXI no processo de construção dos
eventos, aulas, conhecimentos, textos, exposições e encontros de LH. E para tal,
utilizar-se-ão os conceitos de tecnologias segundo os autores Kenski (2008), Moran
e Reis (s.d.) e as opiniões sobre LH por Anderson (1992), Roth (1998), Talboys
(2005) e associações.
Como justificativa para essa construção, parte-se da falta de literatura científica
sobre o assunto e a necessidade de se falar sobre novas formas de ensinar
partindo-se da demanda de tecnologia no ambiente educacional da LH.
1 Professor de Língua Portuguesa na Prefeitura Municipal de Santo André. Fundador e Diretor do Picnic Vitoriano São Paulo, clube revivalista e de Living History na cidade de São Paulo. Graduado em Letras (Português/ Inglês) pelo Centro Universitário Paulistano. Pós Graduando em Língua Inglesa pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: [email protected]
Sendo a LH um conjunto de atividades patrimoniais, educacionais e culturais, o
presente artigo contempla as demandas da disciplina e curso em que foi solicitado.
A educação é uma atividade cíclica, em constantes ocorrência e transformação.
Estamos certos de que o processo de ensino-aprendizagem ocorre nos homens e
mulheres que buscam construir o conhecimento para ingressar efetivamente na
prática de LH. Outrossim, os museus oferecem a crianças e adultos experiências
manuseando instrumentos fora de moda que outrora constituíram recursos
tecnológicos e nos fazem repensar nossa condição enquanto humanidade no tempo.
Por outro lado, a prática desses eventos se dá com o uso das novas
tecnologias para divulgação e registro como a internet, máquina de costura e
máquinas fotográficas. Enfim, como ocorre o uso de velhas e novas tecnologias na
LH? De que maneira isso beneficia o caráter educativo da LH?
1. CONCEITO DE LIVING HISTORY E EVENTOS AFINS
A Living History, doravante denominada LH, é um jogo de atividades
educativas realizadas em museus ou habitats específicos (farms). Sendo assim,
envolve atividades como cozinhar, tecer, costurar, limpar, assistência médica etc. É
um trabalho que incorpora ferramentas históricas, trajes, culinária e uma
apresentação interativa que busca transmitir uma sensação de volta no tempo aos
observadores e participantes. De acordo com Jay Anderson (1992, p.456), “LH pode
ser definida como uma tentativa de simular nossa vida em outro tempo.” A tradição
de reviver os antepassados praticamente sempre existiu, mas a instalação de
instituição de Recriação Histórica deu-se pela primeira vez em 1891, na Suécia.
A ALHFAM2 (Association of Living History, Farm and Agricultural Museums)
simplifica qualquer dúvida alegando que a prática museológica produz História tal
como professores fazem suas salas, autores em monografias e diretores no cinema.
Sendo que na cultura americana esses espaços são concebidos como museus
educacionais e interativos. Roth (1998, p. 68) afirma que os espectadores ficam
2 ALHFAM: Instituição fundada em 1970 e sediada na cidade de Townson, no Condado de Baltimore, Maryland (EUA) e responde por vários institutos filiados nos EUA e Canadá. http://www.alhfam.org/ 2
surpresos ao verem História de um modo diferente do apresentado nas lições da
escola. Talboys (2005, p.123) afirma que a maioria das atividades educativas
ocorridas em museus são iniciativas de professores de História e problematiza que
visitas ao museu podem ser de interesse para todas as áreas do conhecimento
escolar. A Historia Vivens3 assim explica:
The methodology of the Living History presupposes a multidisciplinary and experimental approach, which combines elements of archaeological and historical research, arts, crafts, presentation techniques and sometimes also martial skills.
Enquanto a LH se preocupa com o cotidiano, a Historical Reenactment
(reencenação histórica) tem eventos históricos como sua principal natureza, busca-
se reconstruir cenas de batalhas, coroações, procissões e eventos cívico-militares
de um período, data específica e por isso, seus praticantes recriam trajes, uniformes,
armas, construções numa modalidade próxima ao teatro, mas mais próxima da
História. Nas duas práticas há realmente uma associação de como seria viver nossa
vida em outra época.
2. CONCEITO DE TECNOLOGIA
O Dicionário Eletrônico Houaiss versão 3.0 data a palavra tecnologia de 1783 e
assim a define: “teoria geral e/ou estudo sistemático sobre técnicas, processos,
métodos, meios e instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da atividade
humana” sendo techno uma referência à “arte, indústria e ciência” e logia
significando “estudo, tratado”. Para Kenski (2008, p.15):
As tecnologias são tão antigas quanto a espécie humana. Na verdade, foi a engenhosidade humana, em todos os tempos, que deu origem às mais diferenciadas tecnologias. O uso do raciocínio tem garantido ao homem um processo crescente de inovações. Os conhecimentos daí derivados, quando colocados em prática, dão origem a diferentes equipamentos, instrumentos, recursos, produtos, ferramentas, enfim, a tecnologias.
3 Historia Vivens: lançado em 2012, é um site dedicado à divulgação de eventos de Living History e Historical Reenactment na Europa http://www.historiavivens.eu/3
Portanto é conveniente salientar que a tecnologia não surgiu com a informática,
mas ressurgiu numa outra forma porque a criação e manipulação de instrumentos
pelo homem para sua sobrevivência sempre existiu. Sendo assim, tem se
cristalizado a tendência de denominar como velhas ou antigas as tecnologias
anteriores à Terceira Revolução Tecnológica e novas as tecnologias obtidas no
citado momento histórico atual.
3. USO DE VELHAS TECNOLOGIAS NA LIVING HISTORY
Os Living History Museums e atividades de LH fora dos museus possibilitam
aos participantes simular suas vidas voltando no tempo vestindo trajes históricos,
comendo pratos típicos e mexendo em ferramentas antigas, isto é, tecnologia
arcaica que outrora era nova. Escreve Reis (s.d., p.4):
Cada época foi marcada por elementos tecnológicos que se fizeram importantes para a sobrevivência da espécie humana. A água, o fogo, um pedaço de madeira ou um osso de um animal qualquer eram usados para matar, dominar ou afastar animais ou outros homens que podiam representar ameaças.
Figura 1 - Preistorica 2016. Foto de Diego Mussida. Fonte: http://bit.ly/2diclga
4
Denominado Preistorica 2016 e organizado pela Associazone Cultural Cinghiale
Bianco Teuta Lingones4, o evento acima produzido de LH busca recriar o período
pré-histórico e, para cumprir tal missão faz uso de instrumentos típicos do período
reconstruídos. Enxergamos na fotografia um cajado, arco, vestimentas e habitações
e sabemos que tudo isso constitui uma prática educativa, pois leva o educando a
entrar em contato com a História. O que nos interessa primeiramente nesse tópico
de discussão é o papel das antigas tecnologias. O homem e a mulher do século XXI
das grandes cidades não possuem necessidades quotidianas de caçar e se
defender de animais, mas o homem neolítico tinha e por isso desenvolveu tais
ferramentas. As pessoas da foto acima redesenvolveram, recriaram esses materiais
e assim, observaram sua utilidade há milhares de anos.
Sobre a problemática acerca da reprodução correta de materiais e o público, a
Sociedade Histórica Destherrense5 explica:
O living history não é restrito aos museus. Há várias sociedades e organizações civis, sem vinculação com museus, que promovem o estudo da História e suas reconstruções. Como esses grupos tendem a exigir um um (sic) grau de autenticidade muito grande de seus membros, os custos de aquisição e manutenção de figurinos e equipamentos, além da necessidade constante de estudo e treinamento (principalmente no caso de reconstrução de batalhas) acabam afastando muitos praticantes.
Old Sturbridge Village é um museu de LH especializado em 1830s. Na foto
abaixo vemos crianças manuseando rocas de fiar tendo contato com um instrumento
muito antigo. A justificativa que encontramos é que a criança precisa também
reconhecer que outros instrumentos foram usados e importantes na História.
4 Associazone Cultural Cinghiale Bianco Teuta Lingones: organização de recriação histórica fundada em 1998 e sediada em Ferrara, na Itália. http://www.lingones.com/5 Sociedade sediada em Florianópolis (SC), fundada e mantida por Pauline KIsner. http://shdestherrense.com/home 5
Figura 2 - Old Sturbridge Village. Fonte: http://migre.me/v6J5T
Afirma Moran (s.d.): “As tecnologias podem trazer hoje dados, imagens,
resumos de forma rápida e atraente. O papel do professor - o papel principal - é
ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los, a contextualizá-los.” O
trabalho da LH com ferramentas antigas também traz dados, informações, imagens,
tudo isso revela as condições sociais das pessoas das mais variadas classes sociais
dos séculos passados. Afirma Roth (1998, p. 134):
[...] first-person interpretation allows children to discover new people, objects, attitudes, activities, dress, and technology in the context of everyday life, it has powerful potential for meaningful learning.
A prática de interpretação em primeira pessoa6 revela tecnologias detalhadas
aos alunos e ainda pensando na necessidade de contextualização de Moran, caberá
ao professor relacionar as rocas de fiar, os trajes antigos ao contexto social e
econômico do período favorecendo o senso crítico do aluno por meio da
aprendizagem significativa que defende Roth.
6 Stacy Flora Roth está se referindo à prática no qual os reenactores (praticantes de Living History) interpretam personagens históricos famosos ou anônimos simulando a vida em outra era.6
4. NOVAS TECNOLOGIAS NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
O planejamento, organização, divulgação e registro dos eventos de LH e
Historical Reenactment se dão graças às tecnologias provenientes da informática. É
no mundo digital do século XXI em que essas atividades são revividas. A Historia
Vivens assim defende a preocupação das práticas de LH com a devida reprodução
das antigas tecnologias:
The Living History requires as well respect for the principles of accuracy and authenticity, where accuracy can be defined as attention to detail, while authenticity indicates the measure of how the making and usage of items, props, actions, weapons, or customs are close to what they would actually have been in the time period portrayed.
A partir do momento em que os participantes decidem reconstruir
ferramentas, armas, roupas etc, há uma obrigação com pesquisa em livros e
especialmente na internet porque nesse último ambiente é possível ter contato com
sites de associações, informações adequadas sobre a história da Moda, fashion
plates7, história das Armas, história geral, imagens de ferramentas, arquitetura etc. A
rede social Pinterest apresenta painéis (pastas) com tais referências e embora se
trate de uma página dinâmica possibilitando a propagação de algumas informações
erradas, mas, sem dúvidas, possibilitou que os usuários atingissem informações fora
dos livros e de modo prático. Há ainda blogues como o Victorian Tailoring que revela
o passo-a-passo da costura histórica. Nos ambientes dedicados à LH, a confecção
de roupas segue conformidade com as devidas referências históricas, incluindo
modelagem8, mas alguns reprodutores utilizam da tecnologia da máquina de costura
do século XXI como observamos na figura abaixo extraída de uma publicação da
página da loja Prior Attire9, na rede social Facebook em que temos claramente o uso
de máquinas de costura no processo de recriação.
7 Em língua portuguesa significa literalmente lâminas. Ilustrações de trajes, croquis cujo estilo existe desde o século XVII. Exemplo: http://bit.ly/2cRefF4 8 Especialista em moda masculina vitoriana, o blog Victorian Tailoring não faz apologia ao uso de máquinas modernas, mas sim revela a costura manual http://migre.me/v6IXE . Um vídeo interessante revela o processo de costura mais próximo do caráter histórico. http://migre.me/v6IYN9 Prior Attire: Loja britânica mantida por Isabela Pitcher que comercializa trajes de época7
Figura 3 – Prior Attire. Fonte: http://migre.me/v6J0S
A divulgação dos eventos se dá pela internet e pelas redes sociais, há ainda a
confecção dos panfletos computadorizados dos eventos, afinal letreiro e fundo
antigo e a combinação de tais elementos se dão graças aos editores de imagem de
computador. O registro fotográfico dos eventos também depende das máquinas
fotográficas de nosso século, sem elas as fotografias expostas aqui nesse trabalho
não existiriam. O grupo Frente del Nalón10, quis enfatizar no panfleto abaixo o
acompanhamento das atualizações no facebook, a mesma instituição produziu um
DVD sobre os eventos.
10 Frente del Nalón: sociedade espanhola especialista em reviver a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a vida civil do período.8
Figura 4 - Panfleto de divulgação da V Recreación Histórica Fonte: http://migre.me/v6K0G
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclusão: tecnologia ontem e tecnologia hoje. O estudo apresentado neste
artigo teve como saldo a revelação de que o desenvolvimento tecnológico e
científico sempre existiu e sempre esteve presente na LH. As atividades educativas
de LH trazem aos participantes uma vida alternativa: como seria manusear artefatos,
objetos e instrumentos de outros períodos históricos tornando possível uma viagem
educativa pela tecnologia.
Ainda que revivam outras épocas, os eventos de LH estão sendo produzidos no
século XXI e a ele também estão submetidos. As máquinas derivadas da informática
são parte essencial da organização e registro das atividades, trata-se de um
caminho sem volta e que trouxe grandes benefícios. É graças aos avanços de nossa
década que podemos construir a máquina do tempo e nela viajar.
9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
About Living History. Historia Vivens. Disponível em: http://migre.me/v72ta
Acesso a 29.09.2016
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25.09.2016
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LEFFLER, P.K., BRENT, J. (Org.) Public History Readings. Estados Unidos: Krieger
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Associazone Cultural Cinghiale Bianco Teuta Lingones: Disponível em:
http://www.lingones.com/ Acesso a 15.09.2016
Grupo Frente del Nalón. Disponível em: http://migre.me/v72oD Acesso a
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KENSKI, Vani M. Tecnologias e ensino presencial e à distância. Campinas, SP:
Papirus, 2008.
KISNER, Pauline. O que é Living History? Disponível em:
http://shdestherrense.com/home/o-que-e-living-history/ Acesso a 27.09.2016
MARVIN, Carolyn. When the old technologies were new: thinking about electric communication in the late nineteenth century. New York: Oxford University Press,
1988
MORAN, José Manuel. O Uso das novas tecnologias da informação e da comunicação na EAD - uma leitura crítica dos meios. Disponível em:
http://migre.me/v6MkT Acesso a 25.09.2016
Old Sturbridge Village. Disponível em: http://migre.me/v6J5T Acesso a 25.09.2016
Prior Attire. Disponível em: http://migre.me/v72gJ Acesso a 30.09.2016
10
PVSP – PICNIC VITORIANO SÃO PAULO. Disponível em:
www.picnicvitoriano.blogspot.com Acesso a 25.09.2016
REIS, Júnias B. A. O conceito de tecnologia e tecnologia educacional para alunos do Ensino Médio e Superior. Disponível em: http://alb.com.br/arquivo-
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