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271 STF S UPREMO T RIBUNAL F EDERAL CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva, relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso extraordinário desprovido. Recurso Extraordinário nº 591.874-2 – Mato Grosso do Sul – Plenário – Relator Min. Ricardo Lewandowski – DJU 18.12.2009 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso e, por maioria, negar-lhe provimento, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciados, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito. Brasília, 26 de agosto de 2009. RICARDO LEWANDOWSKI – Relator

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271

STF SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO

PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE

TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO USUÁRIOS DO SERVIÇO.

RECURSO DESPROVIDO

I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva, relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.

III – Recurso extraordinário desprovido.

Recurso Extraordinário nº 591.874-2 – Mato Grosso do Sul – Plenário – Relator Min. Ricardo Lewandowski – DJU 18.12.2009

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso e, por maioria, negar-lhe provimento, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciados, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito.

Brasília, 26 de agosto de 2009.

RICARDO LEWANDOWSKI – Relator

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RELATÓRIO

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que concluiu pela responsabilidade civil objetiva de empresa privada prestadora de serviço público em relação a terceiro não usuário do serviço.

Na origem, cuida-se de ação de reparação de danos morais e materiais ajuizada por Justa Servin de Franco e outra, contra a Viação São Francisco, em razão de acidente ocorrido em 14.11.1998, que vitimou o seu companheiro, no Município de Campo Grande/MS.

O acórdão recorrido recebeu a seguinte ementa

“Apelação Cível. Ação de Reparação de Danos. Acidente Envolvendo Ciclista e Ônibus de Empresa de Transporte Coletivo. Responsabilidade Objetiva. Obrigação de Indenizar. Dano Material Não Comprovado. Dano Moral Independente de Prova. Recurso Provido para Julgar Procedentes em Parte os Pedidos Iniciais

1. À míngua de prova de que o acidente envolvendo ciclista e ônibus de empresa de transporte coletivo, com morte do ciclista, deu-se por caso fortuito, força maior ou por culpa exclusiva da vítima, a empresa responderá objetivamente pelo dano, seja por se tratar de concessionária de serviço público, seja em virtude do risco inerente à sua atividade.

2. Inexistindo prova de que a vítima fatal de acidente de trânsito desenvolvia atividade remunerada, tem-se por improcedente o pedido de pensão alimentícia formulado pela companheira e pela filha.

3. O sofrimento decorrente do sinistro que acarretou a morte do companheiro e pai independe de qualquer atividade probatória e permite condenar a empresa de transporte coletivo a indenizar a família pela dor causada.”

Neste RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, sustentou-se ofensa aos arts. 37, § 6º, e 93, IX, da mesma Carta.

Alega a recorrente, em síntese, que a teoria da responsabilidade objetiva não se aplica ao caso, pois a pessoa que faleceu em razão do acidente não era usuária do serviço de transporte coletivo (fls. 322-323).

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Nas contrarrazões encartadas às fls. 362-367, sustentam-se a responsabilidade objetiva da recorrente bem como a inocorrência, na espécie, de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Em 23.10.2008, o Supremo Tribunal Federal considerou existente a repercussão geral da questão constitucional debatida nos autos. Transcrevo a ementa da decisão:

“Constitucional. Responsabilidade Objetiva. Art. 37, § 6º, da Constituição. Pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público em relação a terceiros não usuários do serviço. Repercussão geral reconhecida” (fl. 410).

À ocasião, manifestei-me pela existência de repercussão geral, observando que a questão foi submetida ao Plenário desta Corte por meio do RE 459.749/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, cujo julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Eros Grau. Entretanto, ele não foi concluído em razão da superveniência de acordo entre as partes (fl. 406).

Deixei de ouvir o Ministério Público Federal, porquanto, em inúmeros outros casos que versavam sobre a mesma questão constitucional, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, em razão da inviabilidade do exame de provas na via extraordinária. Nesse sentido, cito, entre outros, os seguintes processos: RE 565758/DF, de minha relatoria, RE 459749/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa.

No entanto, instado a pronunciar-se, na Sessão Plenária de 26.08.2009, o Procurador-Geral da República manifestou-se, oralmente, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Senhor Presidente, a questão constitucional discutida nestes autos consiste em aquilatar-se o alcance do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, no que tange à extensão da teoria da responsabilidade objetiva a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, relativamente a terceiro que não ostenta a condição de usuário do serviço por ela prestado.

Como se sabe, a obrigação do Estado de reparar os danos causados a terceiros em razão de atividades praticadas por seus agentes foi, por longo tempo, recusada em nome da iníqua “teoria da irresponsabilidade” da

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Administração Pública1, fundada em princípios herdados do regime absolutista (the king can do no wrong; le roi ne peut mal faire), que representavam verdadeira negação do direito pelo próprio Estado, cuja principal atribuição é, justamente, a de guardá-lo e aplicá-lo de forma isonômica e adequada.

Ao escrever sobre a responsabilidade do Poder Público, nos idos 1927, PAUL DUEZ já sustentava a obrigação estatal de reparar, como regra, concluindo que “aujourd’hui, on peut dire que la responsabilité est la règle, l‘irresponsabilité, la exception”2.

Examinando a evolução da responsabilidade extracontratual do Estado, MARIA SYLVIA ZANELLA DE PIETRO, muito bem sintetizou a questão ao assinalar que:

“O tema da responsabilidade civil do Estado tem recebido tratamento diverso no tempo e no espaço; inúmeras teorias têm sido elaboradas, inexistindo dentro de um mesmo direito uniformidade de regime jurídico que abranja todas as hipóteses. Em alguns sistemas, como o anglo-saxão, prevalecem os princípios do direito privado; em outros como o europeu-continental, adota-se o regime publicístico. A regra adotada por muito tempo foi a de irresponsabilidade; caminhou-se, depois, para a responsabilidade subjetiva, vinculada à culpa, ainda hoje aceita em várias hipóteses; evoluiu-se, posteriormente, para a teoria da responsabilidade objetiva, aplicável, no entanto, diante de requisitos variáveis de um sistema para outro, de acordo com normas impostas pelo direito positivo.”3

No Brasil, a teoria da irresponsabilidade jamais foi acolhida, seja no âmbito doutrinário, seja no jurisprudencial. Com o advento do Código Civil de 1916, adotou-se, majoritariamente, a teoria civilista da responsabilidade subjetiva, com base na redação um tanto quanto ambígua do art. 15 do referido diploma normativo, que conduzia à ideia da culpa4.

1 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3.ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007, p.20-21. 2 DUEZ, Paul. La responsabilité de la puissance publique. Paris: Librairie Dalloz, 1927, p.V, segundo o

qual “atualmente, pode-se dizer que a responsabilidade é a regra e a irresponsabilidade a exceção” (tradução livre).

3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.618. 4 “Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus

representantes que nessa qualidade causem danos a terceiro, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano” (grifei).

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As Constituições de 1934 e 1937 acolheram o princípio da responsabilidade civil solidária entre o Estado e os seus funcionários, por danos causados a terceiros, ressalvado o direito de regresso5.

Com a Constituição de 1946, o Brasil assumiu uma postura mais publicista com relação à responsabilidade do Estado, desenvolvendo-se aqui a “teoria do risco administrativo”, segundo a qual não se exige a demonstração de culpa para que se possa responsabilizar objetivamente o Poder Público por prejuízo causado a terceiro, mas, apenas, a constatação do nexo de causalidade entre o dano e a ação administrativa6. Adotou ela, então, a “teoria do risco”, que tem por substrato a ideia de que toda a atividade estatal envolve a possibilidade de causar dano a alguém7.

Assim, assentava o art. 194 da referida Carta que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”, admitida a ação regressiva contra funcionários que tivessem agido com culpa.

A Constituição de 1967 manteve a regra em seu art. 105, acrescentando que a ação de regresso seria cabível em caso de dolo ou culpa. Idêntica redação foi adotada pela EC 1/1969, no art. 107.

Em 1988, com o advento da nova Constituição, estabeleceu-se no art. 37, § 6º, o seguinte:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

A responsabilidade civil, tanto do Estado, quanto da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, portanto, passou a ser objetiva em relação a terceiros, como se depreende da redação do referido dispositivo constitucional.

É bem de ver, contudo, que a força maior e a culpa exclusiva da vítima podem figurar como excludentes de responsabilidade do Estado, exatamente porque o nexo causal entre a atividade administrativa e o dano dela resultante não fica evidenciado8.

5 Cf. arts. 171 e 194, respectivamente. 6 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,

p.366-367. 7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p.621. 8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 624-625;

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Resta saber – e é exatamente isso que se discute no presente RE – se a locução “terceiros”, abrigada no art. 37, § 6º, da Constituição vigente, alcança também aquela pessoa que não se utiliza do serviço público.

A matéria ora submetida ao exame do Plenário, convém recordar, não é nova nesta Suprema Corte. Em caso semelhante, nos autos do RE 262.651/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, decidido pela 2ª Turma, em 16.11.2004, prevaleceu o entendimento de que “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário”. À ocasião, o Min. Joaquim Barbosa foi voto vencido na companhia do Min. Celso de Mello.

Noutra ocasião, no julgamento do RE 459.749/PE, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, o qual foi suspenso em virtude de pedido de vista do Min. Eros Grau e não concluído em razão da superveniência de acordo entre as partes, o Relator reiterou o entendimento de que a teoria da responsabilidade objetiva é aplicável às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, mesmo para os terceiros não usuários do serviço, com fulcro nos seguintes fundamentos:

“1) Tendo a Constituição brasileira optado por um sistema de responsabilidade objetiva baseado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, no qual a simples demonstração do nexo causal entre a conduta do agente público e o dano sofrido pelo administrado é suficiente para desencadear a obrigação do Estado de indenizar o particular que sofre o dano, deve a sociedade como um todo compartilhar os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade administrativa, em face do princípio da isonomia de todos perante os encargos públicos.

2) Parece-me imprópria a indagação acerca dessa ou daquela qualidade intrínseca da vítima para se averiguar se no caso concreto está ou não está configurada hipótese de responsabilidade objetiva, já que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não se modifica em razão da simples transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço.”

Ao examinar pontualmente o tema em questão, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, por sua vez, assevera que o art. 37, § 6º, da Constituição não faz qualquer distinção no que concerne à qualificação do sujeito passivo do dano, ou seja, não exige que a pessoa atingida pela lesão ostente a condição de

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usuário do serviço. De fato, segundo o brocardo latino, ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemos9. Nesse sentido, o citado autor sustenta que:

“para a produção dos efeitos supostos na regra é irrelevante se a vítima é usuário do serviço ou um terceiro em relação a ele. Basta que o dano seja produzido pelo sujeito na qualidade de prestador do serviço público. Também não se poderia pretender que, tratando-se de pessoa de Direito Privado, a operatividade do preceito só se daria quando o lesado houvesse sofrido o dano na condição de usuário do serviço, porque o texto dá tratamento idêntico às ‘pessoas jurídicas de Direito Público e às de Direito Privado prestadoras de serviços públicos’. Assim, qualquer restrição benéfica a estes últimos valeria também para os primeiros, e ninguém jamais sufragaria tal limitação à responsabilidade do Estado.”10

Com fundamento nesse argumento, penso também que não se pode interpretar restritivamente o alcance do referido art. 37, § 6º, sobretudo porque o texto magno, interpretado à luz do princípio da isonomia, não permite que se faça qualquer distinção entre os chamados “terceiros”, isto é, entre usuários e não usuários do serviço público, vez que todos eles, de igual modo, podem sofrer dano em razão da ação administrativa do Estado, seja ela realizada diretamente, seja por meio de pessoa jurídica de direito privado.

Não impressiona, data venia, o entendimento segundo o qual apenas os terceiros usuários do serviço público gozam de proteção constitucional decorrente da responsabilidade objetiva do Estado, porquanto têm o direito subjetivo de receber um serviço adequado. É que tal raciocínio contrapõe-se à própria natureza do serviço público, que, por definição, tem caráter geral, estendendo-se, indistintamente, a todos os cidadãos, beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal.

Na espécie, não ficou evidenciado, nas instâncias ordinárias, que o acidente fatal que vitimou o ciclista ocorreu por culpa exclusiva da vítima ou em razão de força maior. Constato, no entanto, que restou comprovado o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público, sendo tal condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado, ora recorrente, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

9 “Onde a lei não distingue, não podemos nós distinguir.” 10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25.ed. São Paulo: Malheiros,

2008, p.744-745.

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Isso posto, pelo meu voto, conheço do recurso extraordinário, mas nego-lhe provimento.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Presidente, uma questão de ordem que não posso deixar de suscitar diz respeito à necessidade de observarmos, quando admitida a repercussão geral, sempre e sempre, a vinda ao processo do pronunciamento da Procuradoria-Geral da República, já que a premissa é a de que teremos a adoção de entendimento, pelo Plenário, sob esse ângulo, acerca da matéria constitucional controvertida.

O Relator realmente apontou que haveriam precedentes da Procuradoria, em outros processos, indicando o envolvimento de matéria fática, a inviabilidade do extraordinário. Mas a simples circunstância de o Tribunal, de o Relator não ter empolgado o Verbete n° 279 da Súmula do Supremo para negar seguimento a esse recurso, inserindo-o, portanto, na internet para definição da repercussão, a meu ver, é conducente a ouvir-se o Ministério Público. É um princípio que observo e como o faço como relator, integrando o Tribunal, devo sustentá-lo.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Senhor Presidente, em cerca de oitenta por cento das repercussões gerais que tive a honra de submeter a este Plenário, eu fiz menção ao mesmo fato, ou seja, ao fato de o Ministério Público ter se manifestado em processos análogos sobre o mesmo assunto, e nós temos aproveitado o parecer do Parquet.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Suscito essa questão e já disse, no Plenário, que sou portador de um espírito irrequieto.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Em relação à exigência do texto constitucional, nós entendemos que tendo havido algum pronunciamento do Ministério Público sobre o tema, isso é suficiente.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Mas Ministro, veja, os precedentes são conflitantes com a vinda do processo à bancada para julgamento do extraordinário sob o ângulo da repercussão geral. Por quê? Dizem respeito a outros processos em que haveria o recurso voltado ao revolvimento das premissas fáticas constantes dos acórdãos impugnados. O simples fato de o Relator haver acionado o instituto da repercussão geral, trazendo o processo à bancada, ao julgamento do Colegiado, indica que não se tem o óbice do Verbete n° 279 e que vamos adentrar a matéria de fundo. Se vamos adentrar a matéria de fundo, assentando entendimento constitucional, é recomendável, pelo menos, ouvir o Ministério Público.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Eu estou trazendo à colocação, em meu relatório, que há um parecer no RE 565.758, do Distrito

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Federal, da minha relatoria, que eu poderia perfeitamente trazer em substituição, porque a tese é a mesma.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Vossa Excelência trouxe o processo ao Plenário e não o liquidou em duas linhas, acionando o Verbete n° 279 da Súmula do Supremo!

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Não. Eu tenho seguido a praxe da Casa. Quer dizer, em todas as repercussões gerais que eu trouxe, em que o mesmo problema suscitado, não houve nenhuma objeção do Plenário.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Não se faz presente sequer o óbice do Verbete n° 2 79, porque os fatos estão bem delineados no acórdão impugnado mediante o extraordinário. O que se busca é o enquadramento jurídico-constitucional da situação fática retratada, soberanamente, pelo Tribunal de origem.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Consulto o Procurador-Geral, se não queria se pronunciar sobre o tema, de imediato.

O Sr. Min. CEZAR PELUSO: Senhor Presidente, não há o destaque.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): É uma matéria conhecida, nós participamos, na Turma, de julgamento.

O Sr. Min. CARLOS AYRES BRITTO: Nós vemos muitas vezes com súmula vinculante, o Procurador-Geral da República se pronuncia oralmente.

O Sr. Min. CEZAR PELUSO: Essa questão, Senhor Presidente, suscitou uma questão de ordem técnica que o Tribunal já corrigiu quando, no software do Plenário Virtual, colocou a alternativa de inadmissibilidade do recurso por falta de outros requisitos, não de repercussão geral. Hoje nós temos alternativa.

Se de fato a questão fosse puramente de matéria sobre prova ou de norma infraconstitucional, a alternativa seria negar a existência de repercussão geral, porque ela é inconcebível quando o recurso é inadmissível. É preciso que haja uma questão constitucional para se imaginar ou para se conceber a qualidade da repercussão geral, de modo que ela nem deveria ter vindo ao Plenário se ela é uma questão de fato. E, mais, vindo ao Plenário, é exigência textual, inclusive do Regimento Interno: trazido o feito a julgamento após vista ao Procurador-Geral.

O Sr. Min. CARLOS AYRES BRITTO: Qual o artigo?

O Sr. Min. CEZAR PELUSO: Artigo 325.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Na esteira do que dispõe, aliás, o artigo 103 da Constituição. Ê taxativo: vista ao Procurador-Geral.

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O Sr. ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS (Procurador-Geral da República) – Senhor Presidente, eu pediria para examinar os autos, enquanto o Tribunal poderia prosseguir, e veria se há condições de manifestação neste momento.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: A tese é interessantíssima, porque, pelo que percebi, estamos aqui a cogitar da posição do Estado, ou da concessionária, talvez como segurador universal, para utilizar expressão de Celso Antônio Bandeira de Mello.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: É uma mudança de jurisprudência do Supremo, até o Ministro-Relator, em uma conversa, dizia isso, vai ser uma mudança de jurisprudência.

O Sr. Min. CARLOS AYRES BRITTO: Agora, interessante que o Regimento Interno diz que há vista ao Procurador-Geral da República se necessária.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Então, Senhor Presidente, fica suspenso enquanto o eminente Procurador examina.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Eu só lembrava que, na Turma, tivemos essa discussão no RE 262.651, de relatoria do Ministro Velloso. Na ocasião, o Ministro Joaquim Barbosa pediu vista e trouxe posição contrária à posição então sustentada pelo Ministro Velloso. E a posição que prevaleceu, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello, foi a de que, no caso específico, não havia responsabilidade civil objetiva para a concessionária em relação aos terceiros não usuários. Mas o tema sempre foi controvertido, e aparentemente aquela decisão estava em confronto com a massiva doutrina de Direito Administrativo que entende que também a responsabilidade objetiva se aplica às concessionárias de serviço público. Portanto, eu estava a dizer ao Ministro Ricardo Lewandowski da importância de ter trazido esse tema ao Plenário para uma definição.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Na esteira do que Vossa Excelência está assentando, Senhor Presidente, observo que, a partir desse leading case do Ministro Velloso, que foi um caso isolado num recurso extraordinário, houve uma intensa discussão aqui nesta Suprema Corte, com posições já destoantes. Mas a própria doutrina tem evoluído, assim se puder proferir o voto ainda hoje, o farei.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: O tema é importante, inclusive, por isso que o Ministro-Relator está dizendo que seria uma mudança de jurisprudência ou, pelo menos, a fixação de uma jurisprudência nova.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Vamos aguardar o Senhor Procurador-Geral.

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O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Apenas estou dizendo que toda vez que o Ministério Público foi instado a se manifestar, ele manifestou-se pelo não conhecimento, porque entendeu que haveria necessidade do revolvimento de contexto fático-probatório.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Senhor Presidente, gostaria inicialmente de agradecer a gentileza e o esforço do eminente Procurador-Geral em analisar, na própria sessão, um tema de elevada complexidade como este que ora é submetido ao Plenário.

Sua Excelência mostra um elevadíssimo espírito público, fazendo jus às melhores tradições do Ministério Público – renovadas pela Constituição de 1988 –, de modo a permitir que um assunto desta magnitude e repercussão possa ser examinado pelo Supremo Tribunal Federal sem mais delongas.

Queria apenas assinalar, Senhor Presidente, que, quando deixei de encaminhar – mas, evidentemente, curvo-me ao entendimento superior do Plenário – o processo à Procuradoria-Geral da República, eu me louvei na Resolução nº 312, de 31 de agosto de 2005, subscrita pelo eminente Ministro Nelson Jobim, que diz o seguinte:

“Art. 1º. Nos casos de processos com fundamento em idêntica controvérsia, o encaminhamento à Procuradoria-Geral da República será feito mediante a seleção de dois processos representativos, ficando sobrestados os demais.

Art. 2º. O despacho com providências sucessivas deverá ser utilizado sempre que possível.”

É evidente que, se o Plenário entender de forma diversa, nos casos desta magnitude, ouvirei o Ministério Públicó.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Até porque hoje já há a possibilidade de termos pronunciamento em prazo adequado. O quadro mudou bastante, e temos um diálogo bastante direto, com a própria Procuradoria-Geral dando prioridade a esses processos.

Creio que, com isso, também podemos obter bons resultados, sem que haja o prejuízo do pronunciamento da Procuradoria-Geral.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Também, Senhor Presidente, começo por elogiar o belo voto do Ministro Lewandowski, como sempre.

Queria que, em matéria de responsabilidade, nós chegássemos ao que se chegou na Antiguidade. Quem leu o Código de Hamurábi ou Hamurabi, viu lá uma norma, segundo a qual, se o agronum, se o cidadão declarar perante a

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cidade e seu administrador que um ladrão lhe teria tirado alguma coisa de sua casa, porque falhou a cidade, ela responderia por isso.

É mais ou menos para isso que se caminha no Direito Administrativo, quando o Estado falha e causa dano, comprovado o nexo entre o fato e o dano.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Aí está o problema, porque, segundo o constante do acórdão, não teria havido nexo de causalidade, considerados o serviço e o dano.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: O acórdão sim.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Não estampa, a meu ver, o nexo de causalidade.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Primeiro, Ministro, só para acentuar que eu comungo inteiramente: a responsabilidade é objetiva, que não significa responsabilidade pelo risco integral.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Potencializou-se a responsabilidade objetiva, retornando-se à teoria do risco integral.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Não, porque aqui se , estabeleceu um nexo.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Sim, sim, estou com o acórdão em mãos.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Às folhas 204, tem um dado que me preocupou enormemente (a prova que foi desfeita pelo Tribunal a quo) quando se diz:

“analisando detidamente os autos constata-se induvidosamente que a causa determinante para o acidente foi a culpa exclusiva da vítima.”

O que se teve?

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Foi?

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: A culpa exclusiva da vítima. O que se teve?

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Foi?

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: A culpa exclusiva da vítima na sentença. O que foi desfeito no acórdão.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): No acórdão.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Sim, sim, então se disse que a acionada não comprovou a culpa exclusiva da vítima, mas foi retratado quadro que afasta, por completo, a causalidade.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Não. O nexo causal não.

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O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Ou seja, não teria havido ato comissivo ou omissivo da acionada a ponto de causar o dano.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Mas aí há responsabilidade objetiva, Ministro, é que houve um fato: o ônibus vinha, me parece que, numa ladeira, enfim, onde se tinha uma velocidade máxima permitida de 40km/h e, o que não é contestado, ele estava a 18km/h.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: A 18km, bem abaixo da velocidade permitida.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: E a vítima estava ao lado com a bicicleta e foi atingido pelo ônibus; enfim, isto é fato.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Esse atingimento não está na faticidade revelada no acórdão.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Isso é fato.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Mas a ementa diz isso: à míngua de provas.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: No acórdão está que não foi afastada, à míngua de provas, a conduta da vítima; logo, responde o serviço, daí porque a responsabilidade objetiva, nos termos do § 6° do art. 37 da Constituição da República.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Pelo menos Vossa Excelência assenta que haveria a causalidade! Já fico mais tranquilo.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Se o ciclista atropelado caiu.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Sim. O que eu estou dizendo é que a responsabilidade objetiva se dá nesses termos.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Assim é interpretada, por Vossa Excelência, a moldura fática constante do acórdão.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: A responsabilidade objetiva é isso. Há um fato, há uma consequência danosa comprovada e há o nexo. Esse nexo pode ser rompido? Pode. Por exemplo, por culpa exclusiva da vítima. Vale para o Estado, vale para a concessionária e vale para o prestador de serviço.

O Ministro Lewandowski assentou, com o que eu concordo inteiramente, que o serviço público tem um toque de Midas, ou seja, tudo que ele atinge se transforma num regime jurídico, que não pode ser aquele civilista. Por isso eu chamo até de responsabilidade administrativa ou extracontratual.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Vamos fazer justiça ao Ministro Carlos Velloso, porque, no precedente, ele não restringia ao usuário, em si, a

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responsabilidade. Partiu, isto sim, da natureza da responsabilidade, se objetiva ou subjetiva, distinguindo o usuário e o terceiro.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Sim.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Porque no próprio Texto Constitucional está a referência a terceiro.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: A terceiro, mas para garantir a responsabilidade objetiva.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Exatamente.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Terceiro, sendo que essa responsabilidade é a mesma.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Porque há situações concretas em relação ao usuário e em relação ao terceiro, nas quais a responsabilidade não é objetiva, pelo menos assim penso, distinguindo as situações.

O Sr. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Quando a culpa é da vítima, caso fortuito ou força maior.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: De regra não afirmo peremptoriamente. Se o ato é omissivo, procedo à distinção.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Essa a distinção que o Professor CELSO ANTÔNIO ainda faz e que o Ministro Carlos Velloso, como Vossa Excelência, fez.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Ministra Cármen Lúcia, temos a mesma escola: CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.

A Srª Min. CÁRMEN LÚCIA: Pois é. Eu não faço essa distinção. Para mim a responsabilidade é objetiva e, neste caso, há um nexo de causalidade que foi comprovado, pelo menos a partir do que foi posto no acórdão, sobre o qual nós não podemos discutir mais.

Então, a minha sequência, na linha do belo voto do Ministro Lewandowski, é exatamente porque eu não distingo o que a Constituição da República, a meu ver, não distinguiu: prestador de serviço público, seja diretamente o Estado, seja terceiro, no caso a concessionária, quando presta o serviço e, nesse desempenho, causa dano decorrente, portanto, dessa atividade, que é serviço público, submete-se ao regime de responsabilidade constitucionalmente estabelecido. Esse regime é o da responsabilidade objetiva que ficou comprovado.

Razão pela qual eu acompanho o Relator para, exatamente, conhecer e negar provimento.

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VOTO

O Sr. Min. EROS GRAU: Senhor Presidente, pelo que eu pude apurar, há um nexo de causalidade; primeiro ponto. Segundo ponto, o voto do Ministro Lewandowski é objetivo. Terceiro ponto, o debate sobre serviço público começou com o atropelamento da Agnece.

Acompanho o Relator.

VOTO

O Sr. Min. CARLOS AYRES BRITTO: Senhor Presidente, também cumprimento o Relator por mais um belo voto.

A tese central me parece correta, o Ministério Público bem pontuou, há uma responsabilidade objetiva, ínsita a prestação do serviço público, independentemente do seu prestador: se prestador público, se prestador privado.

O serviço público é próprio do Estado, é dele, do Estado, em benefício de toda coletividade. A esse bônus social corresponde um ônus social, a coletividade que é beneficiária de um serviço essencialmente público responde pelos danos causados a terceiros e não só aos usuários quando da prestação desses serviços, que, sendo do Estado, é dela, da coletividade. Numa paridade perfeita entre bônus e ônus.

A Constituição não falou de terceiros à toa, ou por acidente, ou por acaso, ela o fez intencionalmente. A Constituição é precisa em diversas passagens quando distingue usuário de terceiros.

São muitos os dispositivos. O que ela quis fazer foi assentar, a meu sentir, a meu ver, duas isonomias. A primeira isonomia ou igualdade de tratamento normativo entre o Estado, prestador de serviço público, e o particular, prestador de serviço público. Segunda isonomia, entre os usuários específicos do serviço público e os terceiros em geral. Então, duas categorias de isonomia que me parecem contempladas pelo § 6º do artigo 37.

Só para lembrar a Vossas Excelências, eu listei aqui, num outro voto, umas quatro ou cinco passagens em que a Constituição fala de usuário. E também umas três ou quatro passagens em que a Constituição fala de terceiros, por exemplo, no artigo 26, a Constituição diz:

“Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I – (...)

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II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; (...).

(...)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

§ 1º. A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

Ou seja, a Constituição usa apropriadamente os dois termos: usuários, de uma parte; terceiros, de outra parte.

E, no § 6º, portanto, o uso do termo “terceiros” me parece que foi realmente intencional para extrapolar, ultrapassar as dimensões do simplesmente usuário. Com isso, a Constituição imprime à prestação do serviço público um cuidado ainda maior, ou seja, exige que o princípio da eficiência se aplique em plenitude na prestação dos serviços públicos para que essa prestação não lesione nem usuários em particular, nem terceiros em geral, o que me parece de boa medida, de boa política legislativa, correspondendo a uma espécie de profilaxia social em tema tão importante quanto o dos serviços públicos.

Com essas ligeiras observações, eu perfilho o entendimento do eminente Relator para negar provimento ao recurso extraordinário.

O Sr. Min. CEZAR PELUSO: Senhor Presidente, eu pedi ao eminente Procurador-Geral da República que me desse, porque me escapara, o exato número do recurso extraordinário, porque Sua Excelência fez referência a acórdão oriundo da 2ª Turma, da qual participo, e que consagrava tese que jamais admiti. E verifiquei com conforto, que eu não compusera a Turma julgadora nesse caso.

Realmente, acho que o eminente Relator – e o cumprimento por isso – deu, a meu ver, o exato alcance da interpretação do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição, que tem até explicação histórica algo interessante. É que, perante a Constituição anterior, que não continha regra exata a respeito, sempre se discutiu sobre a extensão da responsabilidade civil do Estado às empresas

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concessionárias e permissionárias de serviço público. E, aí, se chegou à conclusão óbvia de que negar a responsabilidade de tais empresas constituiria espécie de fraude em dano das vítimas, porque, se o Estado prestasse o serviço e ocasionasse o dano, responderia. E, quando transfere a prestação a terceiro, as vítimas não teriam remédio jurídico adequado.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Dependeria das acidentalidades.

O Sr. Min. CEZAR PELUSO: Exatamente. Em alguns casos, como a prestação de serviço era exercida pelo Estado, a vítima era indenizada e, o dano reparado. Nos casos em que o serviço fosse prestado por terceiro, por concessionário ou permissionário, não o era, o que figurava absurdo em termos jurídicos e práticos. Daí, a redação dada na Constituição atual, em que, a meu ver, com o devido respeito, o termo “terceiro” não é posto para distinguir entre usuário e não-usuário; “terceiro”, na norma, diz respeito a quem não seja o próprio Estado ou o concessionário do serviço público. Isto é, o dano causado por agente do concessionário a si mesmo não tem relevância, mas o causado a terceiro a tem.

É o caso. Foi o dano causado a terceiro, de modo que não importa saber se esse terceiro é usuário ou não. Diria mais: nos casos de não-usuário, a responsabilidade é mais exigível, pois, sobretudo nas hipóteses de transporte, a responsabilidade contratual seria suficiente, pois a obrigação do transportador é levar o transportado são e salvo. De modo que, se não leva, responde do mesmo modo, com base na responsabilidade civil objetiva, ou com base na responsabilidade contratual!

O Sr. Min. CEZAR PELUSO: Exatamente. Seria inútil. Na verdade, o que a Constituição preceitua é assegurar a quem sofra dano causado pelo Estado, ou por quem, em nome dele, presta serviço público, a reparação por responsabilidade objetiva.

E, no caso, realmente fiquei, à primeira vista, impressionado com a sentença de primeira instância, que não encontrou nexo causal. Mas o acórdão é textual a respeito, não apenas na ementa, mas em várias passagens:

“’A rigor’ – palavras do Relator – ‘não encontro nos autos elementos suficientes para afirmar, de maneira conclusiva, que a culpa do acidente foi única e exclusivamente da vítima’.

Depois, um pouco mais adiante:

‘De maneira análoga’ – após citar acórdão do Superior Tribunal de Justiça –, ‘no caso em apreço, no qual não há prova concludente de responsabilidade exclusiva da vítima, infere-se que a empresa de transporte responde objetivamente pelo dano, seja por se tratar de

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concessionária de serviço público, seja em virtude do risco inerente à sua atividade’.”

Ora, nexo causal é, pura e simplesmente, a maior, ou quando há culpa exclusiva da vítima. Quando não ocorre nenhum desses três fatos, o nexo causal é presente. Por quê? Porque o dano só pode ser imputado à ação do prestador de serviço. E foi o que sucedeu no caso, pois o acórdão negou tanto força maior e caso fortuito, como, igualmente, a culpa exclusiva da vítima.

Razão por que acompanho o voto do Relator, além de o cumprimentar pelo brilhante voto, que de uma vez firma o princípio correto na interpretação do dispositivo constitucional.

É como voto.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, começo por fazer justiça a quem ingressou no Tribunal comigo, o redator do acórdão citado.

Esse acórdão precisa ser lido e relido.

Sua Excelência, o Ministro Carlos Velloso, não puxou votação no sentido de restringir quer a responsabilidade do Estado, quer a responsabilidade daquele que lhe faça as vezes no serviço público aos usuários. Não, não, Sua Excelência não cometeria essa heresia. Sua Excelência estabeleceu distinção considerada a prática de ato lícito ou ilícito, comissivo ou omissivo.

É um acórdão que precisa ser realmente perquirido na essência, no que ele encerra.

Todos estamos de acordo com comezinhas noções de responsabilidade do Estado (gênero), ou da concessionária ou permissionária.

Efetivamente, tem-se o § 6º do artigo 37 a alcançar – diria – todo e qualquer cidadão, com o emprego, inclusive, nesse parágrafo, do vocábulo terceiro. Não há a utilização do vocábulo usuário.

Também estamos de acordo com a necessidade de, para chegar-se à responsabilidade do Estado ou à da prestadora do serviço, ter-se certo nexo de causalidade.

Não me impressiona, Senhor Presidente, o enquadramento jurídico contido no acórdão impugnado mediante o extraordinário, já que estamos aqui a examinar o acerto ou desacerto do que decidido na origem, a partir das premissas fáticas desse mesmo acórdão. Eis as premissas fáticas, não segundo o Juízo que julgou improcedente o pedido inicial, mas segundo o Redator do acórdão, o Relator Desembargador Josué de Oliveira:

“’1. Narrativa dos fatos.

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De acordo com o laudo de vistoria em local de acidente de tráfico com vítima fatal, elaborado pelo Instituto de Criminalística (fls. 20-25) e juntado com a inicial, por volta das 11h30 do dia 14 de novembro de 1998, pela Rua Pintassilgo, nesta capital, via de trânsito em regime de mão dupla de direção, com pavimentação de material areno-argiloso-pedregoso (sem asfalto), em sofrível condição de trafegabilidade, deslocava-se o ônibus 2107 da Viação São Francisco, com velocidade em torno de 18Km/h’ – uma velocidade, portanto, baixa; a velocidade permitida era de 4 0 Km/h.

Pela mesma rua, nas proximidades do imóvel nº 30, a vítima empurrava sua bicicleta guando, ao ser ultrapassada pelo ônibus, que vinha no mesmo sentido de tráfego, caiu...’ – não foi atropelada – e, aqui, há uma história, não vou adentrar esse campo, ela gostava de tomar uma cerveja de vez em quando – ‘caiu sob o veículo, por motivos alheios ao conhecimento do perito criminal, vindo o ônibus a passar com o rodado traseiro’ – quer dizer, caiu da metade do ônibus para trás – ‘da lateral direita sobre sua cabeça.

A respeito do ônibus, esclarece o laudo que, à simples inspeção ocular, não foram encontradas avarias relacionadas com o atropelamento, caracterizando que o impacto foi somente contra corpo flácido.

A seu turno, a bicicleta não possuía avarias visíveis que indicassem que tenha sido atingida quando da colisão contra o ônibus”.

E ele conduzia a bicicleta sem estar nela montado.

Em conclusão, quanto à faticidade – e é importante esta conclusão para definir-se se houve realmente a revelação do nexo de causalidade –, o laudo aponta como causa determinante do acidente a queda da vítima – quem sabe uma vertigem – sob as rodas do ônibus. Ela caiu sob as rodas trazeiras do ônibus, não ficando elucidado o motivo dessa queda.

Senhor Presidente, não posso, diante desses parâmetros factuais, concluir que se tem, nesse acórdão, só porque se afirmou que não houve culpa exclusiva da vítima, só porque se potencializou, a mais não poder, a responsabilidade objetiva, existente o nexo de causalidade.

Peço vênia ao relator para conhecer e prover o recurso.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Ministro Celso de Mello (inserido ante o cancelamento do aparte por Sua Excelência), creio que Vossa Excelência não precisa pedir vénia, porque estamos de acordo quanto à extensão da

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responsabilidade. Só que aponto inexistente nexo de causalidade. Se Vossa Excelência concluísse da mesma forma, daria provimento também ao recurso.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Eu também, Senhores Ministros, já me manifestara quando do julgamento do RE 262.651, da relatoria do Ministro Carlos Velloso, em sentido diverso àquele que agora a Corte vem a adotar, com base nos fundamentos que Sua Excelência houve por bem lançar. Mas entendo que a questão realmente deve ser reexaminada. Aquela jurisprudência, se consolidada em toda a extensão, envolveria uma redução teleológica da norma constante do § 6º do art. 37, que não é exatamente o seu intuito, que é um intuito protetivo, como acaba de ser destacado inclusive pelo Ministro Marco Aurélio, que aqui apenas reconhece não haver o nexo.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Creio afirmarmos todos que a responsabilidade pode ser objetiva ou subjetiva, dependendo da situação jurídica.

O Sr. Min. MARCO AURÉLIO: Então, se é assim, o Estado fica como segurador universal.

O Sr. Min. CELSO DE MELLO: É interessante observar que a Lei Federal nº 8.987/95, que dispõe sobre a disciplina jurídica da delegação de prestação de serviços públicos, contém um artigo, o artigo 25, que, na verdade, representa, no plano legal, a própria solução normativa do conflito que se estabeleceu neste caso.

O artigo 25 da Lei nº 8.987/95 assim dispõe:

“Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade” (grifei).

O Sr. Min. CARLOS AYRES BRITTO: Aí o regime normativo está perfeito, completo.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): É verdade. E eu anoto, na linha da doutrina, também já amplamente citada, dos vários trabalhos aqui citados a partir do entendimento do Professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, entre tantos outros que já foram aqui mencionados, cito também o trabalho do nosso colega da UnB, Professor LUCAS ROCHA FURTADO, no seu Curso de Direito Administrativo, no mesmo sentido.

Também entendo que, diante da controvérsia suscitada a partir do voto do Ministro Marco Aurélio, o Tribunal, com base nos dados fáticos colhidos, entendeu que não havia nenhuma das excludentes que poderia eventualmente

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descaracterizar a responsabilidade objetiva. Portanto, não estamos mudando a doutrina da responsabilidade objetiva quanto à teoria do risco administrativo.

Nesse sentido, portanto, o meu voto é para negar provimento ao recurso extraordinário.

VOTO

Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão que entendeu pela responsabilidade civil objetiva de empresa privada prestadora de serviço público em relação a terceiro não usuário do serviço. Concluiu-se que a empresa de transporte coletivo responde objetivamente por dano ocasionado a ciclista, seja por se tratar de empresa concessionária de serviço público, seja em virtude do risco inerente à sua atividade.

Alega-se ofensa aos artigos 37, § 6º, e 93, IX, da CF, destacando-se a inaplicabilidade da responsabilidade objetiva aos acidentes de trânsito envolvendo ônibus coletivo de empresas concessionárias de serviço público e pessoas não passageiras, isto é, não acobertadas pelo contrato de transporte.

A repercussão geral foi reconhecida (fl. 409)

Inicialmente, reconheço que, nos autos do RE nº 262651-1/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 06.05.2005, acompanhei o relator para firmar a tese de que

“A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentam a condição de usuário. Exegese do art. 37, §6º, da CR”.

Para o Ministro Velloso, a conclusão se justificaria em razão de o serviço ser prestado por pessoa jurídica de direito privado e não pelo “poder público em sentido estrito”:

“Tratando-se, entretanto, de delegação do Estado para a prestação de serviço público que pode ser remunerado por preços e tarifas – serviço público, portanto, não inerente à soberania estatal e, comumente, não essencial e, portanto, não obrigatório – serviço público prestado por permissionário ou concessionário, a matéria deve ser visualizada de forma especial. Neste caso, as despesas decorrentes da reparação do dano devem ser repartidas entre os que utilizam o serviço. Noutras palavras, a responsabilidade objetiva dá-se relativamente ao usuário do serviço e não quanto a quem não está recebendo o serviço”.

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Todavia, melhor reexaminando a questão, entendo que tal diferenciação não repercute na matéria afeta à responsabilidade objetiva.

De fato, a natureza do serviço – serviço público – não se altera em razão de o concessionário ser o responsável pela execução da atividade. Aliás, a titularidade do serviço permanece com o poder concedente, no caso, o Estado.

Por outro lado, o dispositivo constitucional que garante a responsabilidade objetiva, além de não fazer a distinção cogitada pelo eminente Ministro Velloso, revela, na verdade, ampla proteção àqueles que sofrem danos decorrentes da prestação de serviços públicos, independentemente de se tratar da Administração Direta, Indireta ou, ainda, dos chamados agentes colaboradores do Estado (permissionários e concessionários de serviços públicos). Eis o comando constitucional:

“Art. 37. [...]

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

LUCAS FURTADO, aos analisar o dispositivo, esclarece a questão:

“Assim sendo, parece-nos que o único critério apontado pela Constituição Federal como referencial para delimitar a responsabilidade civil objetiva dessas entidades está relacionado à prestação do serviço público. Ou seja, se o texto constitucional confere às pessoas jurídicas de Direito Privado responsabilidade objetiva em razão da prestação dos serviços públicos, sempre que o desempenho dessa atividade causar prejuízo aos usuários ou a terceiros não usuários, ela responde de forma objetiva.

Deve ser relembrado que o fundamento teórico da responsabilidade civil objetiva é o denominado risco administrativo, que está diretamente relacionado à prestação dos serviços públicos. Quem quer que preste o serviço público – é essa a regra constitucional – assume a responsabilidade objetiva. Neste aspecto, ademais, o texto constitucional distingue a responsabilidade extracontratual das pessoas de Direito Público, que respondem objetivamente em qualquer situação, das pessoas de Direito Privado, que somente assumem responsabilidade objetiva quando prestam serviços públicos” (FURTADO, Lucas. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.1041) (g.n.).

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Evidente, portanto, que a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos limita-se ao exercício de tal atividade; em outras palavras, caso a empresa cause dano a terceiros em razão de conduta não relacionada à prestação de serviço público, descaberá qualquer menção à responsabilidade objetiva.

Por fim, o nexo causal e o dano devem ser plenamente demonstrados.

No caso, a morte do ciclista decorreu do impacto com o veículo de transporte coletivo da prestadora do serviço público, conforme demonstra a ementa do acórdão recorrido:

“1. À míngua de prova de que o acidente envolvendo ciclista e ônibus de empresa de transporte coletivo, com morte do ciclista, deu-se por caso fortuito, força maior ou por culpa exclusiva da vítima, a empresa responderá objetivamente pelo dano, seja por se tratar de concessionária de serviço público, seja em virtude do risco inerente à sua atividade” (fl.).

Em reexame de meu ponto de vista, acolho, enfim, a tese do cabimento da responsabilidade objetiva em relação à empresa privada prestadora de serviço público.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso extraordinário.

É o voto.

O Sr. Min. GILMAR MENDES (Presidente): Senhores Ministros, registro, mais uma vez, os agradecimentos do Tribunal ao esforço desenvolvido pelo eminente Procurador-Geral no sentido de dar consecução ao julgamento.

Sabemos nós todos a importância, hoje, de ter sequência o julgamento dos casos com repercussão geral, porque não estamos julgando apenas o recurso extraordinário, mas definindo o tema em toda a sua amplitude.

Gostaria, inclusive, de lembrar, nos antecedentes históricos deste tipo de situação de hard case para a Procuradoria-Geral, o julgamento, na época, do Mandado de Segurança 16.512 – isto se deu em 1966 –, quando se impugnou, por mandado de segurança, uma resolução do Senado, que revogava uma outra resolução, a qual suspendia um ato declarado inconstitucional pelo Supremo – o modelo da suspensão, hoje, do artigo 52, X.

E aí veio, então, o mandado de segurança e o Tribunal arrostou essa questão e disse: O mandado de segurança não é instrumento para impugnar lei ou ato normativo. Tratava-se de um mandado de segurança contra lei ou ato normativo.

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JURISPRUDÊNCIA

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Então converteu este mandado de segurança – porque o julgamento já estava iniciado – em representação. E o Procurador-Geral Alcino Salazar, então, naquela assentada, fez a manifestação que, a rigor, convertia o mandado de segurança numa representação.

De modo que eu gostaria de fazer esta homenagem justa ao Procurador-Geral da República.

EXTRATO DE ATA

Recurso Extraordinário 591.874-2

Proced.: Mato Grosso do Sul

Relator: Min. Ricardo Lewandowski

Recte.(s): Viação São Francisco Ltda.

Adv.(a/s): Cid Eduardo Brown da Silva e Outro(a/s)

Recdo.(a/s): Justa Servin Franco e Outro(a/s)

Adv.(a/s): Adelmar Demerval Soares Bentes e Outro(a/s)

Intdo.(a/s): Novo Hamburgo Companhia de Seguros Gerais

Adv.(a/s): Danny Fabrício Cabral Gomes e Outro(a/s)

Intdo.(a/s): Bradesco Auto RE Cia. de Seguros

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e, por maioria, negou-lhe provimento, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Colhido o parecer do Procurador-Geral da República. Ausentes, licenciados, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito. Plenário, 26.08.2009.

Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Eilen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Brítto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

LUIZ TOMIMATSU – Secretário

295

TST TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE EMBARGOS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU

OBSCURIDADE. REJEIÇÃO

Rejeitam-se os embargos de declaração, na medida em que ausentes as hipóteses previstas nos arts. 535 do CPC e 897-A da CLT.

Embargos de declaração rejeitados.

Embargos de Declaração em Recurso de Embargos nº 2935/2001-045-02-00.0 – Embargante: Companhia de Gás de São Paulo – Embargado: João Tavares Moreira Ramos – Relatora: Minª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa – J. 12.11.2009

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos de declaração em embargos em recurso de revista nº TST-ED-E-RR-2935/2001-045-02-00.0, em que é embargante Companhia de Gás de São Paulo – COMGÁS e embargado João Tavares Moreira Ramos.

RELATÓRIO

Em face do acórdão das fls. 768-78, a reclamada opõe embargos de declaração, sustentando a existência de omissão quanto ao alegado no item 12 da impugnação ao recurso de embargos do reclamante. Objeta que a tese obreira, no sentido de que houve redução do salário-hora a partir de janeiro de 1997 não poderia ter sido apreciada, por envolver período alcançado pela prescrição quinquenal parcial pronunciada na sentença.

Pugna pelo acolhimento dos embargos de declaração, a fim de que seja suprido o vício indicado. Invoca os arts. 496, IV, e 535, II, do CPC.

Embargos de declaração apresentados em mesa para julgamento, na forma regimental.

É o relatório.

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JURISPRUDÊNCIA

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V OT O

Tempestivos os embargos de declaração (fls. 786 e 787) e subscritos por advogadas regularmente constituídas nos autos (fls. 706 e 756), deles conheço.

No mérito, não visualizo o vício apontado pela embargante, pois a observância da prescrição parcial quinquenal pronunciada nas instâncias ordinárias não alcança o acréscimo condenatório imposto no acórdão turmário embargado, relativamente ao pagamento das sétima e oitava horas como extras, no período de janeiro de 1997 a julho de 1998, com os reflexos deferidos na decisão de piso.

Com efeito, o juízo de 1º grau pronunciou a prescrição parcial quinquenal das parcelas vencidas e exigíveis anteriores a 19.12.2006 (fl. 420), aspecto que não foi objeto de modificação pela Corte de origem, ao julgamento dos recursos ordinários interpostos por ambas as partes (fls. 511-8 e 530-7). Nessa esteira, porque resguardado do cutelo prescricional o acréscimo condenatório imposto no acórdão embargado, não diviso a omissão apontada pela reclamada.

Sob outro enfoque, não merece guarida a alegação de que a prescrição quinquenal parcial impediria o exame da tese de redução do salário-hora a partir de janeiro de 1997. A prescrição fulmina a pretensão e impede a condenação da reclamada ao pagamento de parcelas vencidas e exigíveis situadas no período alcançado pela lâmina prescricional, mas não tem o condão de obstar a apreciação da tese exposta no recurso de embargos do reclamante, mormente porque, no caso, o intervalo de tempo localizado entre o final do mês de dezembro de 1996 e o início do mês de janeiro de 1997, momento em que houve a redução do salário-hora, encontra-se fora do período alcançado pela prescrição.

Rejeito os embargos declaratórios.

Isto posto, acordam os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração.

Brasília, 12 de novembro de 2009.

ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA – Ministra Relatora

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STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCORRÊNCIA DESLEAL E DESVIO DE

CLIENTELA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO. AUSÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. DANOS MATERIAIS. COMPROVAÇÃO. PRESUNÇÃO

– Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.

– É inadmissível o reexame de fatos e provas em recurso especial.

– Verificada a existência de causa de pedir, não há reconhecer-se a inépcia da inicial na presente hipótese.

– O art. 209 da Lei 9.279/96 autoriza a reparação por danos materiais advindos de atos de concorrência desleal que importem desvio de clientela pela confusão causada aos consumidores.

– A reparação não está condicionada à prova efetiva do dano, pois os atos de concorrência desleal e o conseqüente desvio de clientela provocam, por si só, perda patrimonial à vítima.

Recurso especial não provido.

Recurso Especial nº 978.200 – PR – 3ª T. – Relª Minª Nancy Andrighi – DJU 02.12.2009

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, retificar a decisão proferida na sessão do dia 10.11.2009 para, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial.

Brasília (DF), 19 de novembro de 2009 (data do julgamento)

Minª NANCY ANDRIGHI – Relatora

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JURISPRUDÊNCIA

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RELATÓRIO

Recurso especial interposto pela Super Clean do Brasil Ltda. com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.

Na origem, trata-se de duas ações:

1) Ação cominatória ajuizada pela recorrente em face da Water Line Indústria Química Ltda., na qual requer que a recorrida abstenha-se de colocar, no rótulo de seus produtos, os termos que indicam o nome empresarial “Super Clean”;

2) Ação de obrigação de não fazer c.c. perdas e danos, ajuizada pela recorrida em face da recorrente, pretendendo: I) a abstenção por esta de utilizar, a qualquer título, a expressão “Super Clean”; II) a alteração dos atos constitutivos da recorrente, retirando de sua denominação social e fantasia a expressão “Super Clean”; e III) a condenação da recorrente à compensação por dano moral e à indenização pelos danos materiais consistentes em danos emergentes e lucros cessantes.

Sentença: analisando conjuntamente as ações, julgou improcedente o pedido cominatório e parcialmente procedente o pedido da ação de obrigação de não fazer para: I) determinar que a recorrente se abstenha de utilizar, a qualquer título, a expressão “Super Clean”, inclusive, para alterar seus atos constitutivos na Junta Comercial do Estado do Paraná; e II) condenar a recorrente a pagar à recorrida indenização por danos materiais sofridos em virtude da concorrência desleal, remetendo a apuração do valor para a fase de liquidação.

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, afastando a preliminar de inépcia da inicial da ação de obrigação de não fazer, diante da verificação do pedido e da causa de pedir. No mérito, manteve a fundamentação da sentença que conferiu proteção à marca “Super Clean”, de titularidade da recorrida, em prestígio à anterioridade do registro da marca no INPI. Ainda, deu provimento à apelação adesiva interposta pela recorrida, para majorar os honorários advocatícios, de R$ 3.000,00 (três mil reais) para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Eis a ementa do julgado:

“Apelação Cível e Recurso Adesivo. Ações Cominatória e de Obrigação de Não Fazer – Confronto Entre Nome Comercial e Marca. Empresas Que Atuam no Mesmo Mercado e Ramo de Atividade – Anterioridade do Registro da Marca. Caracterização de Concorrência Desleal. Danos Materiais. Existência. Honorários Advocatícios. Majoração. Apelação Improvida e Recurso Adesivo Provido

I – Havendo conflito entre o nome comercial e a marca utilizada nos produtos de empresas que atuam no mesmo mercado e ramo de

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atividade, deve-se verificar a anterioridade do registro, na Junta Comercial ou no INPI, conferindo-se a propriedade do bem incorpóreo àquele que o registrou em primeiro lugar.

II – Pratica concorrência desleal ‘todo aquele que procura, fraudulentamente, induzir em erro a freguesia de outrem; que tente usurpar os direitos legitimamente adquiridos por terceiros; que, por atos ou fatos, usufrui lucros valendo-se da situação de prestígio de seu rival, ou de sua habilidade ou de sua inteligência; que cria intencional confusão com os produtos ou estabelecimentos adversos, no sentido de desacreditá-los perante o conceito público’ (MENDONÇA, J. M Carvalho de. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. v.X, Editora Broxoi, p.274).

III – Havendo conflito entre o nome comercial e a marca, resta evidente o prejuízo causado à parte vítima dos atos de concorrência desleal, tendo em vista a confusão gerada aos consumidores dos respectivos produtos, com desvio de clientela.

IV – Não havendo condenação, a fixação dos honorários advocatícios deve se dar nos termos do § 4º, do art. 20, do CPC, utilizando-se apenas os critérios previstos nas alíneas do § 3º do mesmo dispositivo.”

Embargos declaratórios: interpostos pela recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: alega as seguintes violações:

I) ao art. 535, I e II do CPC, sob o fundamento de que acórdão é contraditório, ao estender a proibição da utilização do termo “Super Clean” a quaisquer produtos, deixando de reconhecer que o registro da marca no INPI restringe-se ao produto ácido inibido; e omisso, no que toca à alegada inépcia da inicial;

II) aos arts. 282, III e 295, I, parágrafo único I do CPC, pretendendo o reconhecimento da inépcia do pedido de indenização por danos materiais, pela falta de causa de pedir;

III) aos arts. 186 e 927 do CC⁄02 e ao art. 333, I do CPC, fundada na impossibilidade de presumir a ocorrência de danos materiais que devem ser, efetivamente, provados;

IV) ao art. 124, VI da Lei 9.279/96, com o objetivo de limitar a condenação, na obrigação de não fazer, à proibição do uso da expressão “Super Clean” apenas ao ácido inibido, único produto a que se referiria o registro no INPI.

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JURISPRUDÊNCIA

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Contrarrazões às fls. 435/447.

É o relato do necessário.

VOTO

O recurso especial impõe a discussão de duas questões, a saber: I) o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial, sob o fundamento de não ter sido explicitado o pedido de danos materiais, o que, segundo a recorrente, em última análise, remeteria, para a liquidação, não só a apuração do valor mas também o debate a respeito da efetiva ocorrência do dano; e II) a impossibilidade de presunção da ocorrência do dano material que, para ser fixado, deveria ter sido provado.

I – Da negativa de prestação jurisdicional (violação ao art. 535, II do CPC)

Afirma a recorrente que o acórdão recorrido é contraditório porque, ao estender a proibição da utilização do termo “Super Clean” a quaisquer produtos, o TJPR deixou de reconhecer que o registro da marca no INPI restringe-se ao produto ácido inibido. Alega, ainda, que o Tribunal de origem omitiu-se quanto à alegada inépcia da inicial da ação de obrigação de não fazer.

Contudo, o acórdão recorrido não padece de violação ao art. 535 do CPC, pois o TJPR apreciou, de forma coerente e fundamentada, os temas trazidos pela recorrente, não havendo, portanto, qualquer contradição ou omissão.

II – Do reexame de fatos e provas (violação ao art. 124, VI, da Lei 9.279/96)

Sustenta a recorrente que houve violação ao art. 124, VI, da Lei 9.279/96, pretendendo limitar a condenação à obrigação de não fazer tão somente à proibição do uso da expressão “Super Clean” para o ácido inibido, único produto a que se referiria o registro no INPI.

O acórdão recorrido, contudo, afirmou que a recorrente “não logrou comprovar que o registro da marca ‘Super Clean’ se deu apenas para uso exclusivo em um único produto, o ácido inibido. Os documentos constantes dos autos, que fazem prova do registro da aludida marca, não demonstram qualquer restrição nesse sentido” (fl. 383).

Alterar as conclusões do TJPR, portanto, importaria no revolvimento de fato e provas, o que é vedado ao STJ, por óbice da Súmula 7/STJ.

III – Da inépcia da petição inicial (violação aos arts. 282, III e 295, I, parágrafo único I, do CPC)

Alega a recorrente que a petição inicial da ação de obrigação de não fazer ajuizada pela recorrida é inepta “por não descrever quais os prejuízos sofridos, sejam eles danos emergentes, lucros cessantes ou danos morais” (fl. 416). Assim,

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“a ausência de causa de pedir ocorre pelo fato do recorrido não ter apontado os prejuízos que teve, deixando, inclusive de afirmar se foram danos emergentes ou lucros cessantes, o que, sem dúvida, prejudicou o direito de defesa da recorrente” (fl. 420).

O acórdão recorrido, porém, contrariando a pretensão da recorrente, afastou a preliminar de inépcia da inicial sob o fundamento de que a alegação apresentada não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no rol taxativo do art. 295 do CPC, inclusive a alegada ausência de causa de pedir.

Da petição inicial, infere-se que, tanto para os danos materiais quanto para todos os demais pedidos, a causa de pedir é a prática de concorrência desleal e desvio de clientela. E a sua indicação, ainda que não especificados os valores dos danos afirmados pelo recorrido, foi suficiente para não causar prejuízo ao exercício do direito de defesa.

Assim, não há falar-se em inépcia da inicial por ausência de causa de pedir.

IV – Da presunção do dano material pela concorrência desleal (violação aos arts. 186 e 927 do CC/02 e ao art. 333, I, do CPC)

Sustenta a recorrente que o Tribunal de origem, ao condená-la ao pagamento de danos materiais, fundando-se na presunção da sua ocorrência, violou os arts. 186 e 927 do CC/02 e ao art. 333, I, do CPC, que exigem a efetiva prova do prejuízo.

Conforme remansosa jurisprudência desta Corte, em regra, os danos materiais são devidos quando efetivamente provados numa ação de conhecimento.

A discussão que se pretende aqui, porém, é peculiar, porque não se refere à prova dos danos materiais, mas à identificação dos elementos necessários à caracterização dos referidos danos, nas hipóteses de prática de atos de concorrência desleal e desvio de clientela.

Deve-se ponderar, ainda, que o tema não deve ser tratado, isoladamente, à luz do CC/02, diante da existência de lei específica a respeito. O art. 209 da Lei 9.279/96, refere-se à reparação de danos nas situações de concorrência desleal e ostenta a seguinte redação:

“Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”

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JURISPRUDÊNCIA

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O dispositivo, portanto, autoriza a reparação material pela constatação do ato de concorrência desleal, que gera dúvida aos consumidores pela confusão entre estabelecimentos e⁄ou produtos.

O fundamento da reparação está no desvio da clientela que, acreditando na aquisição de um determinado produto conhecido, no mercado, pelo nome e pela reputação, adquire outro.

Isso porque, essa confusão na aquisição do produto e⁄ou serviço, tanto pode passar despercebida, quanto pode gerar algum tipo de insatisfação, porquanto não era, efetivamente, o produto esperado.

Qualquer que seja a situação, porém, há prejuízo à vítima do ato: se despercebida a diferença, o autor (do ato de concorrência desleal) auferiu lucros a partir da boa reputação do produto criado pela vítima; se gerou insatisfação, denigre a imagem e a reputação criados e trabalhados pela vítima.

Dessa forma, o ato de concorrência desleal e o consequente desvio de clientela provocam, por si sós, perda patrimonial, sendo desnecessária a comprovação do dano.

Ademais, o citado art. 209 da Lei 9.279/96, não apresenta nenhuma condicionante da reparação do dano material à prova do efetivo prejuízo. O ato de concorrência desleal, reitere-se, por si só, provoca substancial redução no faturamento da empresa que dele é vítima. O prejuízo, portanto, é presumido, autorizando-se, em consequência, a reparação.

Aliás, esse foi o posicionamento adotado no REsp 466.761/RJ, de minha relatoria, ocasião em que a 3ª Turma entendeu que o art. 209, da Lei 9.279/96, em hipóteses de contrafação de produto, não condiciona a reparação dos danos materiais à prova da comercialização dos produtos fabricados (REsp 466.761/RJ, DJ de 04.08.2003).

Seguindo a mesma linha de orientação do referido REsp 466.761/RJ, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que o dispositivo autoriza a reparação material pela ocorrência do ato de concorrência desleal, dispensando a comprovação do dano. O prejuízo é presumido e o seu valor, tal como no citado precedente, será determinado em liquidação de sentença.

Assim, não merece reforma o acórdão recorrido.

Forte em tais razões, nego provimento ao presente recurso especial.

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STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

COMERCIAL E TRABALHISTA. FALÊNCIA. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE NO BOJO DE AÇÃO

RECLAMATÓRIA. CRÉDITO TRABALHISTA. PARCELAS VENCIDAS APÓS A DECRETAÇÃO DA QUEBRA. MULTA

PREVISTA NA TRANSAÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ATRIBUIÇÃO DO ÔNUS À MASSA.

EXCLUSÃO DA PENALIDADE

I. Não cabe a inserção, na habilitação do crédito trabalhista em falência, da multa pelo não pagamento de parcela do acordo quando o vencimento daquela deu-se já após a decretação da quebra.

II. Recurso especial conhecido e provido, para determinar a exclusão da penalidade na habilitação.

Recurso Especial nº 569.217 – SP – 4ª T. – Relator Min. Aldir Passarinho Júnior – DJU 07.12.2009

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 4ª Turma, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJAP) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 10 de novembro de 2009 (data do julgamento)

Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR – Relator

RELATÓRIO

Exmº Sr. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Massa Falida de Tojo Indústria e Comércio Ltda. interpõe, pela letra a, do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (fl. 63):

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“Habilitação de crédito – Multa trabalhista – Natureza indenizatória – Inclusão devida – Inaplicabilidade dos artigos 23, parágrafo único, inciso III, e 25, § 3º, da Lei de Falências – Recurso provido.”

Alega a recorrente que a decisão violou os arts. 23, III, parágrafo único, 25 e 26, da antiga Lei de Falências, pugnando pela exclusão da multa trabalhista da habilitação de crédito.

Aduz que o crédito laboral foi habilitado na classe dos privilegiados com o acréscimo de juros até a decretação da quebra e correção monetária de conformidade com a lei, se a massa comportar, e que, todavia, a aludida penalidade não foi incluída por ser exigível apenas em data posterior à da decretação da falência, de modo que inocorreu a mora prevista no acordo trabalhista. A primeira parcela vencia em 19.01.99 e a empresa teve a sua quebra decretada antes, em 14.12.98, daí a não incidência da multa por inadimplemento.

Salienta que no cumprimento do que dispõe o diploma falimentar, há necessidade de verificação dos créditos na data da falência (art. 25 da Lei de Quebras), e a multa do art. 477, bem como a dobra do art. 467, da CLT, são penalidades, o que não se confunde com verba privilegiada, de sorte que impossível tanto a sua inclusão como crédito, bem como considerar tais verbas como privilegiadas.

Invoca, por analogia, a Súmula nº 565 do c. STF, que embora direcionada a matéria fiscal, é firme em determinar que pena não se incluiu no crédito habilitado em falência.

Contrarrazões às fls. 135/138, afirmando que a interpretação dada pelo Tribunal estadual está correta, ante a natureza das verbas como alimentar, daí constituir crédito privilegiado incluível na habilitação.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pela decisão presidencial de fls. 145/146.

Parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República às fls. 153/158, pelo Dr. Maurício de Paula Cardoso, no sentido do não provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Exmº Sr. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Trata-se de recurso especial, aviado pela letra a do autorizador constitucional, que pugna pela exclusão da habilitação de crédito em falência de multa aplicada ao

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descumprimento de acordo trabalhista firmado entre ex-empregado e a empresa empregadora, antes da quebra.

É apontada ofensa aos arts. 23, III, parágrafo único, 25 e 26 da antiga Lei de Falências.

O voto condutor do acórdão, de relatoria do eminente Desembargador Reis Kuntz, traz a seguinte fundamentação (fls. 103/105):

“No que tange à questão referente à natureza indenizatória da multa trabalhista, no sentido do julgado embargado, assim esta Câmara tem reiteradamente decidido: ‘A multa trabalhista deverá integrar o crédito a ser habilitado, pelo seu valor indenizatório e, sendo assim, não têm incidência os artigos 23, parágrafo único, inciso III e 25, § 3º, da Lei de Falências. Dispõe o artigo 449, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação que lhe deu a Lei nº 6.449, de 1997 que ‘na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito’. A multa aplicada com base no artigo 477, § 8º, da CLT, tem natureza indenizatória, não se lhe aplicando, portanto, a exclusão do artigo 23, parágrafo único, inciso III, e nem a do artigo 25, § 3º, da Lei de Falências. E assim se considera porque, dentre as penas pecuniárias a que alude o primeiro dos citados preceitos legais, não se incluem as de natureza meramente indenizatória (cf. VALVERDE, Miranda. Comentários. Forense, v.1/164, 1.948)’ (cf. Apelação Cível nº 248.629.4/4 – Nova Odessa/Americana).

Mas, entendeu o ilustre Desembargador subscritor do voto vencido que, no caso em tela, a pretensão não pode ser acolhida porque a falência foi declarada antes do vencimento da primeira parcela do acordo judicial certificado à fl. 4.

Acontece que, como se constata deste documento emanado da Justiça Trabalhista, a conciliação, geradora dos direitos pleiteados pelo habilitante, foi realizada antes da indigitada quebra.

Diante disso, não pode, por si só, o simples fato de a homologação do acordo ou seu inadimplemento, ocorridos após o decreto falimentar, e por motivos alheio à vontade do embargado, excluir o direito de habilitar seu lídimo crédito no quadro geral de credores da falida.”

Divergira desse entendimento, em sede de apelação, daí os infringentes, o ilustre Desembargador Sebastião Carlos Garcia, que assim se manifestou às fls. 67/68:

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“Mesmo admitindo-se a multa moratória na categoria de indenização trabalhista e, como tal, devendo ser revertida em prol do empregado como crédito privilegiado na falência, pareceu-me que essa orientação não pode ser aplicada no caso sub judice. É que, fundamentalmente, inocorreu a mora prevista no acordo trabalhista como causa da aplicação da multa.

Eis que, no caso em exame, o acordo judicial foi firmado em 02.12.98, com vencimento da primeira parcela em 19.01.99, e daí sucessivamente, a cada 30 dias, cujo inadimplemento acarretaria a multa de 30%.

A quebra, no entanto, deu-se em 14.12.98, antes do vencimento da primeira parcela, o que, por si só, impõe a exclusão da pena convencional pretendida na presente habilitação de crédito.

Sabendo-se, como já referido, que inocorreu o inadimplemento voluntário do acordo homologado pela Justiça Trabalhista, é irretorquível que a aplicação desta multa fica afastada, não sendo possível sua inclusão na presente habilitação de crédito, porquanto inocorrente o pressuposto essencial para esse fim, vale dizer, a verificação do efetivo descumprimento do acordo trabalhista homologado judicialmente, sem o qual não é possível a inclusão daquela multa entre as indenizações trabalhistas abrangidas pelo art. 449, § 1º, da CLT.

Saliente-se que, não fosse a superveniência da falência, tal multa não seria exigível sequer no âmbito da Justiça do Trabalho, em sede de eventual liquidação de sentença, na hipótese de inadimplemento involuntário, decorrente de causa obstativa de força maior.

Estas as razões pelas quais ousei dissentir da douta maioria, mesmo porque esta matéria já foi objeto de apreciação por esta Câmara, na ocasião do julgamento das apelações nºs 221.994-4/1 e 221.614-4/9, em razão do mesmo processo falimentar, tendo também como parte a ora apelada Tojo Indústria e Comércio Ltda.”

Tenho que razão assiste ao douto voto então vencido, acima retratado.

Inicialmente, não tenho dúvidas sobre a natureza indenizatória da penalidade em comento, pelo que, se a discussão estivesse cingida a este ponto, estaria em confirmar o recurso especial (cf. 3ª Turma, REsp nº 702.940/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJU de 12.12.2005).

Ocorre, entretanto, como destacado no referenciado voto dissonante, que a multa seria devida em caso de descumprimento de um acordo pela ex-

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empregadora, e, na espécie dos autos, peculiarmente, a primeira parcela da transação venceu após a decretação da quebra. Portanto, não se trata nem de dívida vencida ao tempo da falência, nem, tampouco, de ato moratório da empresa quebrada. À época do pagamento da primeira parcela do acordo a empresa já não mais existia em sua forma original, tornara-se massa falida, de sorte que sequer era possível o cumprimento da obrigação, pelo que não há como se atribuir o ônus à Massa. A situação fático-jurídica, na ocasião, era outra, e, assim, a hipótese de incidência da multa – a inadimplência do acordo – deixara de existir pelo próprio desaparecimento legal da empresa que se quebrara antes.

Destarte, estou em que indevida, realmente, a habilitação do crédito alusivo à multa prevista no termo de acordo (fls. 15/16).

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para excluir do crédito habilitado o valor da mencionada penalidade.

É como voto.

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STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO E AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA – ALEGAÇÃO DE

PRESCRIÇÃO CAMBIAL COMO FUNDAMENTO DA DEMANDA – INVIABILIDADE – RESTAURAÇÃO DO PROTESTO APÓS A IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO, A DESPEITO DA PRESTAÇÃO

DE CONTRACAUTELA CONSISTENTE EM DEPÓSITO DE CAUÇÃO PECUNIÁRIA NO VALOR MENCIONADO NO

CHEQUE PROTESTADO – ADMISSIBILIDADE – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO

1. Não há omissão no aresto a quo, no qual se analisou todos os temas relevantes suscitados pelas partes, inclusive o relativo à prescrição, embora o resultado não tenha sido favorável à parte recorrente.

2. É inviável suscitar, na via da ação declaratória de inexigibilidade de relação jurídica e de sustação do protesto, a arguição de prescrição cambial, visto que a eventual perda do atributo de executividade pelo cheque não importa, ipso jure, o cancelamento do protesto ante a higidez da dívida.

3. O depósito em dinheiro do valor do cheque protestado como contracautela exigida para o deferimento da liminar de sustação de protesto não obsta a restauração do protesto após o julgamento de improcedência da demanda declaratória de inexigibilidade de relação jurídica e de sustação do protesto.

4. É que, ao longo do feito ajuizado pelo devedor, a fluência do iter processual através do duto profilático do contraditório e da ampla defesa pautou-se na discussão acerca do an debeatur (ou seja, da exigibilidade ou não do cheque protesto), e não sobre o quantum debeatur (isto é, o valor efetivamente devido).

5. Realmente, o montante efetivo da dívida pode ser havido como superior ao mencionado no próprio cheque, do que dá exemplo o artigo 19 da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97), na dicção do qual o pagamento do título ou documento protestado não se limita ao valor

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declarado pelo apresentante, mas abrange também os “emolumentos e demais despesas [como as decorrentes da realização da intimação]”.

6. Recurso especial improvido.

Recurso Especial nº 369.470 – SP – 3ª T. – Relator Min. Massami Uyeda – DJU 23.11.2009

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJRS), Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJBA) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 10 de novembro de 2009 (data do julgamento).

Ministro MASSAMI UYEDA – Relator

RELATÓRIO

O Exmº Sr. Min. MASSAMI UYEDA (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto pela Padaria e Confeitaria Mirante Ltda. (doravante, Padaria Mirante) com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição Federal.

Verifica-se, da análise dos autos, que a Padaria Mirante ajuizou ação cautelar de sustação de protesto de cheque e, posteriormente, ação anulatória desse título em desfavor de Refrigeração Apollo NP Ltda.-ME e de Armando Hernandes Garcia. Basicamente, a controvérsia decorre do fato de que a Padaria Mirante, após adquirir uma máquina raladora de laranjas da empresa Refrigeração Apollo, sustou cheque de R$ 700,00 (setecentos reais) alegando haver defeito no produto. O referido cheque, todavia, foi endossado a Armando, o qual o levou a protesto.

O r. Juízo de 1º grau condicionou a concessão de liminar de sustação do protesto ao “depósito no valor do título” (fl. 24 do apenso). A Padaria Mirante, a seu turno, promoveu o depósito judicial dessa quantia (R$ 700,00 – setecentos reais) e obteve a liminar (fls. 26/27 do apenso).

Sobreveio, porém, sentença de improcedência da ação cautelar de sustação de protesto e da ação anulatória, com a seguinte determinação do r. Juízo sentenciante: “com o trânsito em julgado, oficie-se ao Cartório de Protesto para conhecimento da revogação” (fls. 149/155).

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Opostos aclaratórios pela Padaria Mirante, o r. Juízo de 1º grau os rejeitou, sob os seguintes argumentos: “Inexiste na decisão embargada qualquer omissão, contradição ou obscuridade. Aliás, contradição haveria se, julgada improcedente a medida cautelar, assim como a principal, determinasse o juízo a sustação definitiva do protesto. Após o trânsito em julgado, se mantida a decisão pela Superior Instância, nada impedirá que a autora embargante transacione com a credora, liberando-lhe o valor caucionado para evitar o protesto” (fls. 162/163).

Interposta apelação pela Padaria Mirante, o extinto Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou-lhe provimento. Veja-se:

“Cambial. Cheque. Emitido Para Pagamento de Aquisição de Máquina. Apresentação de Defeito. Sustação. Título Endossado a Terceiro. Má-fé do portador não comprovada. Ordem de pagamento à vista. Título autônomo e independente. Impossibilidade de se opor as exceções pessoais existentes contra a endossante. Recurso desprovido” (fl. 184).

Opostos embargos de declaração pela Padaria Mirante, a egrégia Corte estadual os rejeitou, com as seguintes considerações: “as razões do acórdão não implicam na negativa de ser a prescrição matéria possível de alegação em qualquer grau de jurisdição e momento processual, embora não possa ser reconhecido de ofício no caso de direito disponível. A embargante é autora de ação declaratória de inexigibilidade de título, não está sendo cobrada judicialmente pelo beneficiário do título a ponto de alegar a prescrição, não tendo a referida matéria sido incluída como causa de pedir na inicial (fl. 184). Também, claro o aresto quanto à caução não gerar o direito de sustar definitivamente protesto (fl. 185). Liminar de cautela exige fumus boni iuris, o que não há no caso em apreço. A ação da embargante foi julgada improcedente em ambas as instâncias” (fl. 198).

No recurso especial, busca o recorrente a reforma do v. acórdão, apontando, em suma, ofensa aos arts. 303, III, 535, II, 804 do CPC, 162 do CC e 59 da Lei nº 7.357/85. Aduz que houve omissão no seio do aresto a quo quanto à prescrição. Consigna, ainda, que, “prescrita a ação executiva relativa ao título de crédito discutido nestes autos, injurídico se apresentava o seu protesto, já que (...) injustificável o protesto de cheque prescrito” (fl. 217). Anota, ademais, que a prescrição pode ser suscitada a qualquer tempo “por via de ação ou defesa lato sensu” (fl. 217). Sustenta, outrossim, que, como a liminar de sustação de protesto foi concedida mediante prestação de contracautela consistente no depósito do valor do cheque, “a existência de depósito judicial efetuado a título de contracautela impede a efetivação do protesto que a recorrente [Padaria

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Mirante] pretendia evitar, pois os recorridos [Armando] poderão sacar o numerário a qualquer momento após o trânsito em julgado” (fl. 225).

Contra-razões de Armando às fls. 232/235.

É o relatório.

VOTO

O Exmº Sr. Min. MASSAMI UYEDA (Relator): A celeuma instaurada no recurso especial centra-se em saber se houve ou não omissão acerca da questão da prescrição. Discute-se, ademais, se é ou não viável a arguição de prescrição do título protestado em sede de ação voltada contra esse protesto. Controverte-se, ainda, sobre a possibilidade de revigoração do protesto sustado liminarmente em virtude da prestação de contracautela consistente no depósito do valor consignado no cheque protestado.

O recurso não merece prosperar.

Com efeito.

Em referência ao art. 535, II, do CPC, observa-se, da análise dos autos, que não há se alegar, como se quer neste inconformismo, negativa de prestação jurisdicional.

In casu, o Tribunal a quo analisou todos os temas relevantes suscitados pelas partes, inclusive o relativo à prescrição, embora o resultado não tenha sido favorável à parte recorrente.

Na realidade, o órgão julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para o julgamento do feito, de acordo com seu livre convencimento fundamentado (CPC, art. 131), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso (nesse sentido: STJ, AgRg no Ag nº 638.361/PB, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, v.u., j. 03.03.2005, DJ 19.12.2005; STJ, AgRg no REsp nº 705.187/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, v.u., j. 15.09.2005, DJ 26.09.2005).

Assim, resultado diferente do pretendido pela parte não implica, necessariamente, omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional.

No tocante aos arts. 162 do CC, 303, III, do CPC e 59 da Lei nº 7.357/85, bem de ver que, do ponto de vista processual, não há óbice a que o devedor – ao se servir de ação destinada a obter a declaração de inexistência de relação jurídica e, consequentemente, o cancelamento do protesto – argua, a qualquer momento, a ocorrência de prescrição da própria dívida em proveito da sua pretensão. É que, com a prescrição do débito, o crédito se desveste da sua

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exigibilidade jurídica e se convola no que a doutrina designa de “obrigação natural” (na qual há vínculo jurídico, sem a obrigação propriamente dita, ou seja, sem o direito de ação).

Não sucede o mesmo com a alegação de prescrição da ação executiva do título de crédito protestado, pois a exigibilidade da dívida mencionada no título de crédito permanece hígida com a prescrição cambial.

De fato, a prescrição cambial despoja o crédito somente da ação executiva, de sorte que a satisfação dessa obrigação poderá ser buscada por outra via judicial (por exemplo, a ação monitória) ou extrajudicial (como o protesto).

Recorda-se, por oportuno, que, à luz do art. 1º da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97), o protesto não se restringe a títulos executivos, mas a “títulos e outros documentos de dívida”, razão por que a eventual perda do atributo de executividade pelo cheque não importa, ipso jure, o cancelamento do protesto.

A propósito, confira-se este julgado:

“Ação de Cancelamento de Protesto. Nota Promissória. Protesto. Cancelamento Diante da Prescrição do Título Executivo

1. Não tem agasalho na Lei nº 9.492/97 a interpretação que autoriza o cancelamento do protesto simplesmente porque prescrito o título executivo. Hígido o débito, sem vício o título, permanece o protesto, disponível ao credor a cobrança por outros meios.

2. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 671.486/PE, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 25.04.2005).

Por conseguinte, ao contrário do sustentado pela Padaria Mirante, é inviável suscitar, na via da ação declaratória de inexigibilidade de relação jurídica e de sustação do protesto, a arguição de prescrição cambial.

Em alusão ao art. 804 do CPC, é certo que o depósito em dinheiro do valor do cheque protestado como contracautela exigida para o deferimento da liminar de sustação de protesto representa, no mínimo, um pagamento sujeito à condição suspensiva do malogro da demanda proposta pelo devedor.

Todavia, forçoso se faz observar que, ao longo do feito ajuizado pelo devedor, a fluência do iter processual através do duto profilático do contraditório e da ampla defesa pautou-se na discussão acerca do an debeatur (ou seja, da exigibilidade ou não do cheque protesto), e não sobre o quantum debeatur (isto é, o valor efetivamente devido). Em outras palavras, não se assegurou ao credor o direito de indigitar a quantia necessária ao cancelamento do protesto.

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Por essa razão, a improcedência do pleito de sustação de protesto e da declaração de inexigibilidade de relação jurídica não autoriza que a caução pecuniária oferecida a título de contracautela seja considerada como pagamento integral da dívida e, portanto, como idônea a coibir a restauração do protesto sustado liminarmente.

Na espécie, a Padaria Mirante depositou a importância de R$ 700,00 (setecentos reais) a título de contracautela exigida para a concessão da liminar de sustação de protesto. Esse valor, conquanto correspondente à quantia citada no cheque protestado, não se submeteu ao crivo do contraditório e da ampla defesa para efeito de definir se ele representa ou não o quantum efetivo da dívida, o que permite a revigoração do protesto após o julgamento de improcedência da demanda.

Nesse contexto, oportuno esclarecer que o montante efetivo da dívida pode ser havido como superior ao mencionado no próprio cheque, do que dá exemplo o artigo 19 da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97), na dicção do qual o pagamento do título ou documento protestado não se limita ao valor declarado pelo apresentante, mas abrange também os “emolumentos e demais despesas [como as decorrentes da realização da intimação]”.

Nega-se, pois, provimento ao recurso especial.

É o voto.

Min. MASSAMI UYEDA – Relator

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STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE BENS DE

PROPRIEDADE DA EMPRESA EXECUTADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA – A mudança de endereço da empresa executada associada à

inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica.

– A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.

– Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.

Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.

Recurso Especial nº 970.635 – SP – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJU

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 3ª

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Srª Ministra Relatora. Os

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Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Srª Ministra Relatora.

Brasília (DF), 10 de novembro de 2009 (data do julgamento). Ministra NANCY ANDRIGHI – Relatora

RELATÓRIO Cuida-se de recurso especial, interposto por Fermatic Indústria e

Comércio de Máquinas Ltda., com fundamento na alínea c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJSP.

Ação: de execução de título judicial, movida pela New Bel Representações Comerciais Ltda., em face da recorrente, na qual é pleiteado o recebimento de R$ 10.120,05 (dez mil cento e vinte reais e cinco centavos), relativos à condenação imposta à recorrente nos autos de ação de cobrança anteriormente ajuizada pela recorrida em seu desfavor.

Decisão interlocutória: determinou a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente para atingir o patrimônio pessoal dos seus sócios, sob o fundamento de que a recorrente aparentemente teria encerrado suas atividades de maneira irregular, o que se presumiu pelo fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada, nem deixar informes do seu atual paradeiro, apesar de possuir obrigações pendentes de liquidação (fl. 235).

Acórdão: não conheceu do agravo de instrumento interposto pela recorrente, por considerá-lo intempestivo.

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram acolhidos para permitir o conhecimento do agravo de instrumento, ao qual, todavia, foi negado provimento nos termos da seguinte ementa:

“Embargos de Declaração. Ação de Execução. Deferimento do Pedido de Desconsideração da Personalidade Jurídica da Empresa-Executada. Determinação de prosseguimento da execução com a citação de seus sócios, para pagamento, sob pena de penhora de bens que integram o seu patrimônio. Inexistência de bens em nome da empresa-executada. Aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Possibilidade de a penhora recair sobre bens particulares dos sócios. Reconhecimento da tempestividade do recurso de agravo de instrumento. Embargos acolhidos e negado provimento ao recurso de agravo de instrumento” (fl.301).

Embargos de declaração: novamente interpostos pela recorrente, foram rejeitados (fl. 388). Nesse julgado, consignou expressamente o TJSP que: “constatada a inexistência de bens de propriedade da empresa (pessoa jurídica), aplica-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica” (fl. 339).

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Recurso especial: alega a existência de dissídio jurisprudencial e sustenta que a simples inexistência de bens para satisfação do crédito da recorrida/exequente não é suficiente para a desconsideração de sua personalidade jurídica, a qual somente seria admitida nas hipóteses excepcionais, expressamente previstas no art. 50 do CC/02, ou seja, quando houvesse desvio de finalidade, abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial.

Prévio juízo de admissibilidade: transcorrido o prazo legal sem que fossem apresentadas as contrarrazões da recorrida (fl. 405), foi o recurso especial admitido na origem (fl. 406).

É o relatório.

VOTO Cinge-se a controvérsia a determinar se a simples inexistência de bens de

propriedade da empresa executada constitui motivo apto à desconsideração da sua personalidade jurídica.

I – Da desconsideração da personalidade jurídica A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como a

superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade.

No campo doutrinário e acadêmico, várias teorias foram desenvolvidas sobre o tema, todas elas esculpidas com a finalidade de estabelecer os requisitos que devem ser preenchidos para viabilizar a desconsideração.

Assim, quanto aos pressupostos de incidência da desconsideração, duas são as principais teorias que foram adotadas no ordenamento jurídico pátrio: a Teoria Maior e a Teoria Menor da Desconsideração.

De acordo com os postulados da Teoria Maior da Desconsideração, a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica.

Exige-se, portanto, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial.

Assim, verificado o desvio de finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, teria lugar a Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração, ao passo que, caracterizada a confusão patrimonial, evidenciada pela inexistência, no campo

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dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios, aplicável seria a Teoria Maior Objetiva da Desconsideração.

A Teoria Menor da Desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior, pois para ela a incidência da desconsideração se justificaria pela simples comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Para esta teoria, portanto, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas sim pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e⁄ou administradores da pessoa jurídica.

Na legislação pátria, observa-se que a adoção da Teoria Menor, justamente pelo fato de possuir menos condicionantes para a sua incidência, tem se restringido apenas às situações excepcionais em que se mostra necessário proteger bens jurídicos de patente relevo social e inequívoco interesse público, tal como se dá, por exemplo, na defesa dos interesses do consumidor ou na tutela do meio ambiente (REsp 279.273/SP, de minha relatoria, 3ª Turma, DJ de 29.03.2004).

A regra geral adotada em nosso ordenamento é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que recepciona e consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente objetiva quanto na subjetiva.

Na presente hipótese, os motivos que deram ensejo à desconsideração da personalidade jurídica determinada pelo TJSP foram a aparente insolvência da recorrente e o fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada. Contudo, não demonstrada a confusão patrimonial nem o desvio de finalidade, não merece prosperar o entendimento adotado no acórdão, sendo de rigor, portanto, o afastamento da desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.

Forte em tais razões, conheço do recurso especial e a ele dou provimento para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.

VOTO-VOGAL Exmº Sr. Min. MASSAMI UYEDA: Sr. Presidente, estava até comentando

com o Sr. Ministro Paulo Furtado que há uma ou duas semanas houve um caso da Srª Ministra Nancy Andrighi, que o julgamento está interrompido por pedido de vista da minha parte. Foi uma cautelar, se não me engano. Havia um pedido de liminar e analisarei, porque há certa semelhança com este.

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Mas me parece que a conclusão que a eminente Ministra Relatora dá aqui, na medida liminar parece que S. Exª não deu – estou guardando isso para poder analisar.

Considero esse voto precioso e acompanho a Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial.

Ministro MASSAMI UYEDA

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TJSP TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PLENO DA JUCESP [REVOGAR ARQUIVAMENTOS DE ALTERAÇÕES DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, TOMADA PELA MAIORIA, DE ACORDO COM O CONTRATO] QUE SE

ACOLHE POR IMPLICAR VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA SOCIEDADE QUE ALMEJA, COM O REGISTRO, DAR

PUBLICIDADE DOS ATOS CONTRATUAIS FORMALMENTE CORRETOS

Decisão administrativa lançada sem fundamentação e em contrariedade ao disposto no artigo 35, da Lei 8.934/94. Provimento para afastar a extinção decretada por suposta irregularidade na representação processual e, na forma do artigo 515, § 3º, do CPC, conceder a ordem, restabelecendo a força dos arquivamentos.

Apelação 358.346-4/0-00 – São Paulo – Voto 13847 – 4ª C. Dir. Priv. – Relator: Ênio Zuliani – J. 25.09.2008

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível com revisão n° 358.346-4/0-00, da Comarca de São Paulo – Faz. Pública –, em que é apelante SPCOBRA Instalações e Serviços Ltda. sendo apelados Fazenda Pública do Estado de São Paulo, Armando Kilson Filho e Outro:

Acordam, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Teixeira Leite (Presidente), Fábio Quadros.

São Paulo, 25 de setembro de 2008.

ENIO ZULIANI – Relator

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RELATÓRIO

SPCOBRA Instalações e Serviços Ltda. impetrou mandado de segurança contra ato do Plenário da Junta Comercial do Estado de São Paulo, por considerar ilegal o cancelamento das alterações de contrato social [registros da 12ª, 13ª e 14ª modificações]. Observa-se que a decisão foi tomada por iniciativa de Armando Kilson Filho e foi publicada no Diário Oficial, de 18.09.2003 [fl. 160].

Verifica-se que a 12ª alteração foi subscrita pela sócia majoritária [Cobra, detentora de 56%] e visou a alterar a estrutura administrativa da sociedade [extinguindo o Conselho de Administração e a Diretoria, transferindo a administração para a Cobra], conforme fl. 35. A 13ª alteração foi para mudança de endereço e extinção da filial de Santo André [fl. 48]. A 14ª deliberação expressou a exclusão do sócio Armando Kilson Filho, por ruptura da affectio societatis, anotado que os haveres seriam pagos nos termos regimentais [fl. 59].

Cabe observar que pela 11ª alteração, ocorrida em 25.11.2001, com a adesão de Armando, a Cobra adquiriu as cotas de José Francisco de Oliveira e Rosa Maria Florença Aragão, obtendo 56% do capital social [fl. 210]. Nesse mesmo documento, constou [cláusula décima quarta] que as deliberações sociais seriam tomadas quando obtida a aprovação dos sócios que representassem 51% do capital social [fl. 212], tendo ocorrido registro na Jucesp [fl. 321]. A provocação de Armando, na Jucesp, está xerocopiada [fl. 179].

Deve ser referido que, em 27.06.2002, foi protocolizada ação civil de Armando em busca da dissolução parcial da sociedade [para sua saída], com apuração de seus haveres [fl. 70]. Essa ação não prosseguiu devido ao pedido de desistência [fl. 108].

O ilustre Magistrado prolatou r. sentença de extinção, sem resolução de mérito, por considerar [fl. 910] irregular a representação processual da autora, diante do documento de fl. 471, que nada mais é do que a extinção do mandato outorgado pela SPCOBRA aos Advogados subscritores da inicial devido a ter ocorrido revogação, pelo sócio Armando, após resultado da Jucesp. Daí o recurso da autora insistindo no acolhimento do writ, nos termos do artigo 515, § 3º, do CPC [fl. 960].

Armando fez pronunciamento e insiste na questão de ilegalidade das deliberações tomadas sem que fosse dada prévia ciência ao sócio e, nos memoriais que exibiu antes da sessão, comunicou que a sociedade foi dissolvida, por sentença, tendo ocorrido com bloqueio de bens [cita processo 483.597-4, relator Desembargador Piva Rodrigues, da 9ª Câmara de Direito Privado]. A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça sugeriu o não provimento e

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foi decidida, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, a competência da 4ª Câmara de Direito Privado para o presente julgamento. A recorrente fez anexar, como reforço de seus argumentos, parecer da lavra do eminente Professor RENAN LOTUFO.

É o relatório.

VOTO

De acordo com o artigo 32, II, a, da Lei 8934/1994, é obrigatório o registro das alterações de contrato das sociedades empresárias, o que justificou o envio das modificações do estatuto da empresa impetrante. Evidente que a decisão da Junta Comercial é soberana quanto a não arquivar [ou revogar os arquivamentos realizados] diante dos dizeres do artigo 35, da norma citada, especialmente o que consta dos incisos I [documentos que não obedecerem às prescrições legais] ou VI [cláusula restritiva de alteração por deliberação dos majoritários]. O registro dos atos de comércio confere publicidade e servem, também, para garantir proteção aos minoritários, evitando que se sacramentem propósitos de exclusão deles “quando o contrato social não preveja tal hipótese” [MIRANDA JÚNIOR, Darcy Arruda. Direito Comercial. 2.ed. São Paulo: José Bushatsky, 1971, v.1., p.336]. A lição é completada da seguinte forma: “Depois deve salientar-se que, se tal alteração é viável quando o contrato social a admita, com maior razão, quando há previsão legal”.

O sempre lembrado ORLANDO GOMES emitiu parecer acerca dessa temática [Exclusão de sócio e arquivamento da alteração contratual, in Novas Questões de Direito Civil. 2.ed. 1988, p.249] e anotou, com base na doutrina de CARVALHO MENDONÇA e OSCAR BARRETO FILHO, o seguinte: “A exclusão de um sócio é ato que exorbita, por sua natureza, relevância e significação para a vida da sociedade mercantil, da esfera de competência das Juntas Comerciais para controlar a legalidade da alteração que se lhe segue, atenta a sua natureza administrativa e finalidade publicitária de atos comerciais de certa natureza, para conhecimento e garantia de terceiros e que lhe não é licito apreciar a natureza de cláusulas reguladoras dos interesses dos sócios, pois essa atribuição pertence ao Poder Judiciário”.

Quando a Junta Comercial não arquiva a modificação do contrato, surge uma situação perturbadora ou, no mínimo, conflituosa, na medida em que se mantém o contrato originário contra a vontade da maioria detentora do capital social e, embora continue regular a existência formal da sociedade, suas cláusulas essenciais [inclusive o conceito de affectio societatis] claudicam por obra da decisão administrativa, estimulando uma incerteza jurídica que repercute na base institucional, com sensível prejuízo para o ideal de

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conservação produtiva da sociedade. Em virtude da intensa repercussão do ato praticado pela Junta Comercial no direito da sociedade e no de desenvolver regularmente sua função social, é que se admite, desde que presentes os demais requisitos previstos na Lei 1533/53, art. 1º, o mandado de segurança [cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16.ed. Saraiva, 2005, p.40].

Diante do primado constitucional de acesso à ordem jurídica justa [artigo 5º, XXXV, da CF], não poderia ser obstaculizado o direito de a impetrante obter resposta do Judiciário sobre essa importante temática da dinâmica empresarial. E, respeitada a convicção do digno Magistrado que prolatou a r. sentença apelada, ocorreu um raciocínio equivocado ao ser analisada a matéria da irregularidade ou inexistência da representação processual, fundamento da extinção, sem resolução de mérito. O Tribunal aplicará o artigo 515, § 3º, do CPC, conforme expressamente pleiteado.

O mandato ad judicia está documentado pela procuração passada por Ignácio Carinena Toro, no dia 23.09.2003 [fl. 424/425], sendo que Armando Kilson Filho emitiu comunicado, como Diretor Geral da SPCOBRA, no dia 25.09.2003, revogando o mandato [fl. 471]. A eficácia da derradeira manifestação de vontade deve ser valorada diante do litígio instaurado e dos precedentes que marcam o antagonismo do sócio minoritário com os atos praticados pela sócia majoritária e, pelo fato de a notificação revogatória ter sido emitida no próprio dia em que foi protocolizado o mandamus [25.09.2003], era de se concluir que os objetivos da representação da SPCOBRA se situavam na esfera de atribuições do delegado do majoritário, no instante da recepção do libelo, o que qualifica o poder do mandante. Admitir o inverso, como elaborado pela r. sentença, seria o mesmo que excluir da empresa que teve o corpo societário fragmentado pela ruptura da affectio societatis, o direito de buscar, no Judiciário, resposta para as expectativas decorrentes do ato declarado pelo Plenário da Junta Comercial, e isso é desafiador ao senso normal das coisas.

Acerca do conceito de representatividade, ínsito no contrato de mandato, a Professora MARIA HELENA DINIZ anotou ser “o mandatário representante por vontade do representado” [Curso de Direito Civil Brasileiro. 24.ed. Saraiva, 2008, v.3, p.371], de forma que, para agir de acordo com as instruções da mandante, os advogados não poderiam receber contra-ordens de Armando Kilson Filho, porque essa duplicidade de poderes antagônicos eliminaria o consenso válido para o deslanchar de atos de pacificação da crise jurídica aberta pelo dissenso societário. Sócios que são desafetos não revogam mandatos que contrariam seus interesses, de modo que não há irregularidade alguma com a representação processual. Na verdade, pelo grau de beligerância entre a sócia majoritária [Cobra, representada por Ignácio] e o sócio minoritário, as vontades deles,

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quanto à representação de ações judiciais, são distintas, autônomas e independentes, porque, se forem confrontadas, uma anulará a outra seguidamente, e isso contribuirá para perpetuar a instabilidade jurídica.

O mandato ad judicia segue a diretriz do artigo 38, do CPC [cf. art. 692, do CC], e a capacidade ou legitimidade do mandante merece investigação quando da outorga dos poderes e do poder que ele, mandante, terá para satisfazer o empenho dos mandatários [art. 675, do CC], A representação, no caso, foi passada para demandar ato da Junta Comercial o qual afeta o patrimônio de Armando Kilson Filho, e essa destinação específica retira dele, Armando, interesse para revogar atos praticados na gestão do majoritário, ainda que teoricamente pudesse ele invocar sua reassunção ao cargo diretivo.

Flagrante é a ilegalidade do ato praticado pelo Plenário da Jucesp [fl. 160]. Primeiro, por ser decisão nula de pleno direito [afronta ao art. 5º, LV, da CF], sem que se possa deduzir, para ratificação, o poder-dever de a administração revogar atos considerados ilegais ou nulos. Aliás, a obrigatoriedade da motivação é exigência maior quando são revistos atos consolidados, como esses que permitiram o arquivamento das alterações contratuais, pois caberia ao Plenário dispor, com transparência, as razões pelas quais foram cancelados os arquivamentos, inclusive por que a Procuradora do Estado, Drª Vera Lúcia La Pastina, Chefe da Procuradoria da Jucesp, emitira longo e criterioso parecer pelo não provimento do recurso manejado por Armando Kilson Filho [fls. 390/396]. Afinal, cuida-se de pronunciamento de órgão julgador, e seu dispositivo se torna insustentável se não são fornecidas as razões do convencimento.

No âmbito do direito administrativo, foi realçada a importância do motivo do ato a ser praticado, ainda que no exercício do poder discricionário, e a conclusão dos doutrinadores é no sentido de que a necessidade da motivação decorre da revelação da situação de fato a ser avaliada “e o complexo de normas jurídicas por ele aplicadas àquela situação de fato” [CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Motivo e motivação do ato administrativo. RT, 1979, p.97]. A motivação é que informa o sujeito sobre os seus direitos, fornecendo-lhe o subsídio para questionamentos perante a própria administração e frente ao Judiciário. A “motivação constitui garantia de legalidade dos atos administrativos”, lembra MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO [Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. Atlas, 1991, p.152].

RUY CIRNE LIMA afirmou que “a revogação e a suspensão do ato administrativo tendem, diretamente, à conservação da ordem e harmonia da administração” [Princípios de direito administrativo. 6.ed. RT, 1987, p.93]. Embora se admita que a forma da revogação é a mesma utilizada para a sua prática, o

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que levou OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO a professar que a revogação poderia ocorrer de forma tácita “quando o novo administrativo é incompatível com a situação jurídica anterior, de caráter precário. Contudo, deve, como regra, ser motivada” [Princípios gerais de direito administrativo. Forense, 1979, v.I, p.574]. MIGUEL REALE, citado no parecer do eminente Professor RENAN LOTUFO, foi incisivo ao combater a prática condenável da revogação arbitrária ou aquela que a “Administração, a seu talante e indefinidamente, autorizar, permitir, restringir, condicionar e suspender o exercício de determinados direitos por ela mesma atribuídos” [Revogação e anulamento do ato administrativo. 2.ed. Forense, 1980, p.81].

O ato em exame guardou total silêncio sobre os motivos de se cancelarem os arquivamentos, uma omissão inaceitável por dois bons argumentos: primeiro, porque as averbações produziram efeitos reais na esfera patrimonial dos sócios, da sociedade e de terceiros e, depois, porque o arquivamento revogado não ofende a lei; o ato revogatório seria, sim, incompatível com os limites da competência homõlogatória da Junta [Lei 8934/94]. Em Portugal, por expressa disposição do artigo 100, do Código de Registro Comercial, de 1986, o conservador deve sempre proferir despacho fundamentado a reparar ou manter a decisão [MENEZES CORDEIRO. Manual de Direito Comercial. Coimbra: Almedina, 2001, I, p.319].

Abre-se, agora, um outro debate, cuja conclusão reforça o sentido da ilegalidade da decisão do Plenário. O contrato social foi alterado seguidas vezes, o que é próprio da dinâmica empresarial, sendo que, pelo negócio de 03.12.1998, foi estabelecido que as “deliberações da sociedade serão tomadas quando se obtiver a aprovação dos sócios que representem 52% (cinquenta e dois por cento) do capital social” [cláusula décima quarta – fl. 24]. O sócio Armando subscreveu [fl. 30], e a Jucesp admitiu o protocolo [fl. 20]. Posteriormente, em 25.09.2001, pela décima primeira modificação, ocorreu transferência de cotas, e isso permitiu que a Cobra assumisse 56% do capital social [fl. 166]. Armando assinou [fl. 173], e reafirmou-se que as deliberações serão tomadas pelo voto de 51% do capital social [fl. 167]. A Jucesp recepcionou o protocolo da alteração [fl. 162]

Oportuno registrar que a cognição do presente writ não se estende ao mérito da questão da sociedade empresária, e não se poderá enxergar nas linhas que se seguem, cuja redação se faz obrigatória em homenagem ao artigo 93, IX, da CF, referência direta ou vinculativa ao litígio entre os sócios e ou qual seria, entre a disputa deles, o direito preponderante, até porque o que se permite deliberar nesse restrito campo de jurisdição diz respeito ao aspecto formalidade do arquivamento das alterações contratuais, sem qualquer decisão sobre o

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conteúdo das deliberações. O Tribunal considera que o direito de o majoritário [com mais de 52% da representação do capital social] excluir o sócio minoritário por decisão de assembleia está previsto no contrato, o que, em consequência, obsta que se use o artigo 35, VI, da Lei 8934/94, cuja redação é a seguinte: “não podem ser arquivados – a alteração contratual, por deliberação majoritária do capital social, quando houver cláusula restritiva”.

É incontroversa a ruptura da affectio societatis e a prova persuasiva de não existir clima de reconciliação entre os sócios reside no ajuizamento de ação, por iniciativa de Armando, de ação de dissolução parcial da sociedade, propondo a sua retirada [item 35 – fl. 86] baseada na quebra do consenso entre os sócios [item 33 – fl. 85] e, embora esse pedido não tenha produzido sentença, pela desistência manejada pelo próprio Armando em 23.08.2002 [fl. 108], esse projeto de formação de uma lide não deixa de constituir documento importante na confirmação de total inviabilidade da convivência pacífica e produtiva dos sócios. É, pois, fato notório, a dissidência entre os sócios, o que, no plano abstrato, legaliza as deliberações que seriam construtivas para conservação da empresa. Não custa lembrar que o próprio Armando comunicou que a dissolução da sociedade foi declarada por sentença [afirmação dos memoriais entregues no gabinete do relator].

A primeira delas [12ª] ocorreu no dia 1º de março de 2002 [fl. 46] e alterou o gerenciamento, excluindo os poderes do sócio Armando. A outra [13ª] não interferiu nos direitos dos sócios, e a última [14ª] foi tomada em 08.10.2002 [fl. 68], em data posterior ao ajuizamento da ação promovida por Armando [protocolizada em 27.06.2002 – fl. 70]. O sócio Armando reclamou, na Junta, que não seriam jurídicas essas alterações, o que constitui tese de difícil verossimilhança diante do fato incontroverso da ruptura da affectio societatis e da inviabilidade completa de mudar, mesmo que tivesse presente, o resultado imposto pelo majoritário. Ora, sendo sociedade de pessoas, o término da afeição entre os sócios não autoriza tergiversar sobre a saída do minoritário, mesmo que não se prove a conduta desleal ou ímproba do sócio. É que a falta da affectio societatis constitui justa causa ou a maior razão para colocar fim ao dissídio e redimensionar o quadro estrutural da sociedade, para que se a crise não se agrave e prejudique a finalidade institucional da sociedade. Ao minoritário é assegurado, com direito absoluto, a apuração de seus haveres, por critérios de verificação física e contábil [liquidação integral das cotas].

O art. 35, I, da Lei 8934/94, poderia ser citado pelo Pleno da Jucesp para revogar o arquivamento, porque consta que não se arquivam “documentos que não obedecerem às prescrições legais ou regulamentares ou que contiveram matéria contrária aos bons costumes ou à ordem pública, bem como os que

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colidirem com o respectivo estatuto ou contrato não modificado anteriormente”. Ora, para a JUCESP, o contrato social [prevendo decisões pela vontade de 51% do capital social] e a não proibição de exclusão do sócio por conta do artigo 7°, do Decreto-lei 3708/19, bastavam para ratificar o ato e rejeitar o recurso de Armando. Resulta que a revogação que se emite sem fundamentação legal, como ocorreu, ofende direito líquido e certo da impetrante, porque repercute de forma desastrosa nas deliberações para a sua subsistência.

Embora sem aplicação para a hipótese, por ser norma posterior ao advento do fato que ornamenta a causa petendi, não custa lembrar que o artigo 1085, do novo Código Civil, permite que a maioria expulse o sócio que, com seu comportamento, ponha em risco os objetivos da sociedade. O Código Civil da Itália autoriza, da mesma maneira, a exclusão, pela maioria, destacando que o sócio a ser excluído não entra no cômputo dos votos válidos [artigo 2287].

Todos esses fatores conduzem à certeza de a Jucesp ter adotado, de forma ilegal [revogação sem razões], a pior das soluções suscetíveis de consideração no instante do julgamento, optando por ato que fez com que o sócio excluído retornasse e esquentasse o clima de animosidade. Caberia, se se motivasse o ato, manter os arquivamentos porque a exclusão do sócio, por desarmonia, sempre foi admitida por interpretação do artigo 339, do antigo Código Comercial, como anota FRAN MARTINS [Novos estudos de Direito Societário. Saraiva, 1988, p.226]: “Para que haja a exclusão do sócio é necessária, assim, apenas a decisão de sócios representando a maioria do capital, não havendo nem mesmo necessidade de cláusula especial no contrato dispondo sobre ela”. A doutrina aceitou a evolução do conceito da exclusão, ainda que sem prova da culpa do excluído, para, na expressão de HERNANI ESTRELLA “eliminar o mal pela raiz”, exatamente porque “o clima de entendimento, tão imprescindível à boa marcha dos negócios sociais, somente é viável quando reinem entre os sócios irrestrita cordialidade, confiança e lealdade recíprocas e colaboração mútua” [Curso de Direito Comercial. Editor José Konfino, 1973, p.495].

O artigo 67, da Lei 8.934/94, com a regulamentação pelo Decreto 1800/96, permite [art. 54] que a deliberação majoritária abranja, também, destituição de gerência e exclusão de sócio. Não existe impedimento para que se arquivem os atos da impetrante, de modo que o ato praticado implique ingerência do órgão de chancela [registro] em assuntos de gestão, cuja eficácia depende única e exclusivamente da vontade soberana [maioria].

Isso posto, acolhe-se o mandado de segurança para declarar ilegal a decisão que revogou os arquivamentos, restabelecendo os registros das

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alterações 12°, 13° e 14°, do contrato social da impetrante. Sem honorários. Custas ex-causa.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Teixeira Leite [Presidente] e Fábio Quadros.

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EMENTÁRIO (SELEÇÃO POR MARIÂNGELA GUERREIRO

MILHORANZA*)

CONSUMIDOR

685) Consumidor. Pagamento a Prazo Vinculado à Aquisição de Outro Produto. “Venda Casada”. Prática Abusiva Configurada. 1. O Tribunal a quo manteve a concessão de segurança para anular auto de infração consubstanciado no art. 39, I, do CDC, ao fundamento de que a impetrante apenas vinculou o pagamento a prazo da gasolina por ela comercializada à aquisição de refrigerantes, o que não ocorreria se tivesse sido paga à vista. 2. O art. 39, I, do CDC, inclui no rol das práticas abusivas a popularmente denominada “venda casada”, ao estabelecer que é vedado ao fornecedor “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. 3. Na primeira situação descrita nesse dispositivo, a ilegalidade se configura pela vinculação de produtos e serviços de natureza distinta e usualmente comercializados em separado, tal como ocorrido na hipótese dos autos. 4. A dilação de prazo para pagamento, embora seja uma liberalidade do fornecedor – assim como o é a própria colocação no comércio de determinado produto ou serviço –, não o exime de observar normas legais que visam a coibir abusos que vieram a reboque da massificação dos contratos na sociedade de consumo e da vulnerabilidade do consumidor. 5. Tais normas de controle e saneamento do mercado, ao contrário de restringirem o princípio da liberdade contratual, o aperfeiçoam, tendo em vista que buscam assegurar a vontade real daquele que é estimulado a contratar. 6. Apenas na segunda hipótese do art. 39, I, do CDC, referente aos limites quantitativos, está ressalvada a possibilidade de exclusão da prática abusiva por justa causa, não se admitindo justificativa, portanto, para a imposição de produtos ou serviços que não os precisamente almejados pelo consumidor. 7. Recurso Especial provido. (STJ – REsp 384284 – RS – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 15.12.2009)

686) Instituição Financeira. CDC. Pessoa Jurídica. Aplicabilidade. Juros Remuneratórios. Abusividade. Necessidade de Demonstração Inequívoca. Juros Remuneratórios. Lei N° 4.595/64. Não Recepção Pela Constituição. Interpretação Sistemática. Código Civil e Código Tributário Nacional. Limitação do Encargo ao Patamar de 12% ao Ano. Comissão de Permanência à Taxa de Mercado. Vedação. Capitalização. Ilegalidade. Art. 5º, MP 2.170-36. Inconstitucionalidade Declarada Pela

* Mestre em Direito pela PUCRS. Professora na PUCRS. Advogada em Porto Alegre/RS.

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Corte Superior do TJMG. Comissão de Permanência. Cumulação Com Juros de Mora e Multa. Art. 47, do CDC. A reiterada jurisprudência deste egrégio Sodalício, bem como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, orienta-se pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações estabelecidas entre consumidores e instituições financeiras. Embora não seja a devedora principal, pessoa jurídica, enquadrada como destinatária final do produto nos termos do caput do art. 2º, do CDC, a vulnerabilidade econômica, técnica e fática em relação ao Banco autoriza, excepcionalmente, a aplicação da legislação consumerista, pois a finalidade desta legislação é tutelar o direito daqueles que estejam em posição vulnerável, ou seja, proteger o mais fraco nas relações mercadológicas, nos termos do art. 4, inc. I, do CDC. A discussão acerca da auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CR/88, restou superada, em razão da revogação do dispositivo pela Emenda Constitucional 40/2003 e, principalmente, pela edição da Súmula Vinculante n° 7, segundo a qual o mencionado dispositivo tinha sua aplicação condicionada à edição de Lei Complementar. Segundo o art. 192, caput, da CR/88 – que não foi revogado, frise-se – o sistema financeiro nacional é “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da sociedade, em todas as partes que o compõem [...]”. No mesmo sentido, dispõe o art. 170 da Constituição que a ordem econômica “tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]”. Por fim, o art. 173, § 4°, prevê que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise [...] ao aumento arbitrário dos lucros”. A livre estipulação de juros não foi recepcionada pelo conjunto de princípios e normas contidas na Constituição da República. Isso porque o custo do crédito tem impacto direto na produção e circulação de riquezas, devendo se submeter a normas que estejam alinhadas aos objetivos constitucionais perseguidos pelo Estado. Na ausência de norma específica acerca da limitação dos juros, aplica-se o Código Civil vigente na data da celebração do contrato. Interpretando-se, conjuntamente, Código Civil de 2002 e Código Tributário Nacional, chega-se à conclusão de que o limite de juros compensatórios permitido pelo direito brasileiro, hoje, para todas as pessoas, inclusive instituições financeiras, permanece no patamar de 12% ao ano. A comissão de permanência calculada à taxa média de mercado gera excessiva onerosidade para o consumidor, razão pela qual deve ser praticada apenas nos exatos limites dos índices de correção monetária. Por essa razão é que se deve, ao excluir a comissão de permanência, incluir a correção monetária conforme o INPC – índice oficial calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, nos termos do art. 4º, da Lei 8.177/91 – com o objetivo de preservar o valor real do dinheiro. A capitalização mensal dos juros é vedada, salvo exceções legais, como as cédulas de crédito industrial, rural e comercial. Inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº 2170/2001 declarada incidentalmente pela Corte Superior do TJMG, no incidente de inconstitucionalidade de nº 1.0707.05.100807-6/003. A comissão de permanência é devida após o vencimento da dívida, ou seja, no período de inadimplência, desde que não cumulada com correção monetária, juros remuneratórios, juros moratórios e multa, calculada à taxa média de mercado, limitada, contudo, à taxa dos juros remuneratórios contratada. É indevida a inscrição ou a manutenção do consumidor em cadastros de inadimplentes na pendência de ação revisional, sobretudo quando procedente a demanda (TJMG – Proc. 1.0702.08.433350-0/001(1) – 18ª C.Cív. – Rel. Mota E Silva – DJ 11.12.2009)

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FALÊNCIA

687) Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Comercial e Processo Civil. Falência. Habilitação de Crédito Tributário. Possibilidade. Ausência de Obrigatoriedade de Propositura de Execução Fiscal. Admissibilidade de Opção da Via Adequada ao Caso Concreto. 1. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou na vertente de que os arts. 187 do CTN, e 29, da LEF (Lei 6.830/80) conferem, na realidade, ao Ente de Direito Público a prerrogativa de optar entre o ajuizamento de execução fiscal ou a habilitação de crédito na falência, para a cobrança em juízo dos créditos tributários e equiparados. Assim, escolhida uma via judicial, ocorre a renúncia com relação à outra, pois não se admite a garantia dúplice. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg-AI 713217 – RS – 3ª T. – Rel. Min. Vasco Della Giustina – DJ 01.12.2009)

PRISÃO CIVIL

688) Apelação. Busca e Apreensão Convertida em Depósito. Cédula de Crédito Comercial. Garantia em Alienação Fiduciária. Prisão Civil. Impossibilidade. Conquanto o Decreto-lei nº 911/69 disponha que o devedor assume a condição de depositário do bem alienado fiduciariamente, essa condição de depositário não é a que a Carta Magna prevê, ao permitir a prisão civil do depositário infiel. Nos casos de alienação fiduciária, em que o contrato de depósito não passa de uma ficção jurídica criada pelo Decreto-lei nº 911/1969, incabível a decretação da prisão civil do devedor. Diante da impossibilidade de devolução do bem, objeto da garantia de alienação fiduciária, deve o devedor devolver o equivalente em dinheiro correspondente ao valor de mercado do bem, objeto da garantia, consoante o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores. (TJMG – Proc. 1.0702.05.230122-4/001(1) – 17ª C. Cív. – Rel. Lucas Pereira – DJ 10.12.2009)

SOCIETÁRIO

689) Processual Civil. Recurso Especial. Violação do Art. 535, I e II, do CPC. Ocorrência. Direito Societário. Transferência de Ações Escriturais. Impedimento de Intermediação de Negócios Com Valores Mobiliários. 1. Viola o art. 535, I e II, do CPC acórdão que, a despeito de contradição e omissão verificadas e ante a oposição dos embargos declaratórios, nega-se ao julgamento das questões devolvidas na apelação. 2. Há contradição no acórdão que, concluindo pela legitimidade da instituição financeira responsável pela escrituração de ações da companhia emissora, admite também a legitimidade passiva desta, mas fundamenta-se na afirmação de que não houve prova da outorga de poderes para administração das ações escriturais. 3. Há omissão no acórdão que deixa de apreciar documentos que teriam, antes da data lá fixada, levando ao conhecimento da instituição financeira administradora a existência de impedimento para a realização da transferência das ações escriturais. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp 1071761 – MG – 4ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJ 18.12.2009)

690) Sociedade Comercial. Sociedade Por Cotas de Responsabilidade Limitada. Dissolução Parcial. Apuração de Haveres. Legitimidade Passiva. Sociedade e Sócios Remanescentes. Litisconsórcio Passivo Necessário. Precedentes. Caso Concreto. Especificidades. Conforme precedentes desta Corte, na generalidade dos casos, a

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retirada de sócio de sociedade por quotas de responsabilidade limitada dá-se pela ação de dissolução parcial, com apuração de haveres, para qual têm de ser citados não só os demais sócios, mas também a sociedade. Na especificidade do caso concreto, contudo, não é necessária a inclusão da sociedade, pois, tratando-se de processo muito antigo, ansioso por chegar a desfecho, está bem claro que os demais sócios excluíram o autor, exclusão com a qual, pelo fato de os demais sócios constituírem a unanimidade remanescente, a sociedade jamais chegaria a sustentar o que quer que seja em contrário, de modo que, a rigor, desnecessário anular o processo para inclusão de litisconsorte necessário e retorno à mesma situação que já se tem agora. Recurso Especial improvido. (STJ – REsp 788886 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJ 18.12.2009)

691) Comercial. Processual Civil. Embargos Declaratórios Recebidos Como Agravo Regimental. Ações. Cessão. Subscrição. Ilegitimidade Ativa do Cessionário. Súmula Nº 7-STJ. Multa. Art. 557, § 2º, do CPC. I. Embargos de declaração, com intuito de obter efeitos meramente infringentes, recebidos como agravo regimental, em face dos princípios da instrumentalidade das formas e da fungibilidade dos recursos. II. Firmou a 2ª Seção orientação no sentido de que o contratante que transferiu ações emitidas pela sociedade anônima não perde a legitimidade ativa para, posteriormente, reivindicar a subscrição de ações remanescentes tidas como devidas à época da assinatura do contrato (REsp nº 453.805/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, unânime, DJ de 10.02.2003). III. Ao cessionário, por sua vez, falece a legitimidade dos direitos conferidos ao primitivo subscritor em época anterior à cessão de crédito. IV. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” – Súmula nº 7-STJ. V. Agravo regimental improvido, com aplicação de multa de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 557, § 2º, do CPC, ficando a interposição de novos recursos sujeita ao prévio recolhimento da penalidade imposta. (STJ – AgRg-AI 1216425 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJ 11.12.2009)

692) Administrativo. Empresa de Factoring. Registro no Conselho Regional de Administração. Obrigatoriedade. Recurso Desprovido. Não merece ser acolhido recurso de agravo interno onde o recorrente não apresenta qualquer subsídio capaz de viabilizar a alteração dos fundamentos da decisão hostilizada, persistindo, destarte, imaculados e impassíveis os argumentos nos quais o entendimento foi firmado. As empresas que desempenham atividades de factoring estão sujeitas ao registro no Conselho Regional de Administração, posto que comercializam títulos de crédito, bem como atividades de assessoria financeira e mercadológica, sendo abrangidas pela área de negócios, que se enquadra no campo da Administração de Empresas. Agravo interno desprovido. (TRF 2ª R. – AI-AC 2001.51.01.002005-8 – 5ª T. – Rel. Desemb. Fed. Fernando Marques – DJ 22.12.2009)

TRIBUTÁRIO

693) Tributário. ISSQN. Sociedade Uniprofissional. Repetição do Indébito. Regime de Tributação por Alíquota Fixa. Repercussão Jurídica do Tributo. Art. 166 do CTN. Inaplicabilidade. Divergência Jurisprudencial Prejudicada. 1. É nula a CDA que exige ISSQN sobre o preço do serviço de sociedade uniprofissional, sujeita à tributação por alíquota fixa. 2. O que define se um tributo é direto ou indireto é a forma de sua

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imposição. Quando a lei admite que o imposto seja destacado da nota para ser suportado pelo consumidor tem-se a imposição indireta já que não se confundem o patrimônio desfalcado pelo tributo e a pessoa responsável pelo seu recolhimento ao Estado. Quando o patrimônio da pessoa jurídica obrigada ao recolhimento do tributo for o titular do patrimônio desfalcado pelo tributo temos a imposição direta. (Precedente: REsp 897.813/RJ) 3. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a inaplicabilidade do art. 166 do CTN ao ISSQN no regime de tributação da alíquota fixa aplicável às sociedades uniprofissionais. Precedentes. 4. Divergência jurisprudencial prejudicada. 5. Recurso especial provido. (STJ – REsp 1121634 – PR – 2ª T. – Relª Min. Eliana Calmon – DJ 18.12.2009)

694) Processual Civil. Tributário. ISS. Sociedade. Responsabilidade Limitada. Finalidade Empresarial. Benefício. Art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/1968. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou o benefício da tributação fixa do ISS, pois aferiu, com base na prova dos autos, que os contribuintes têm natureza empresarial, organizam-se como sociedade limitada e prestam serviço sem caráter pessoal. 2. O tratamento privilegiado previsto no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/1968 é inaplicável ao caso. Precedentes do STJ. 3. Inviável rever as premissas fáticas adotadas pelo Tribunal de origem (Súmula 7/STJ). 4. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg-AI 1194776 – MG – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 11.12.2009)

695) Recurso Especial. Tributário. ICMS. Bonificação de Mercadorias. Regime de Substituição Tributária. Irrelevância. Não Incidência do Imposto. Art. 535 do CPC. Violação. Não Ocorrência. 1. Não viola o art. 535 do CPC o acórdão que, mesmo sem se ter pronunciado sobre todos os temas trazidos pelas partes, manifestou-se de forma precisa sobre aqueles relevantes e aptos à formação da convicção do órgão julgador, resolvendo de modo integral o litígio. 2. Mesmo no regime de apuração de tributos nominado de substituição tributária para frente, as mercadorias entregues aos comerciantes ou atacadistas pela indústria em bonificação não se sujeitam à incidência do ICMS. Precedente: REsp 975.373/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008. 3. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – REsp 1100105 – MG – 1ª T. – Relª Minª Denise Arruda – DJ 11.12.2009)

696) Tributário. Contribuição Previdenciária Sobre o Valor de Comercialização dos Produtos Rurais. Incidência. 1. Hipótese em que o ora agravante pretende a declaração de inexigibilidade da Contribuição Previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. 2. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que: a) a Lei 7.787/1989 suprimiu apenas a contribuição prevista no inciso II, do art. 15, da Lei Complementar 11/1971, relativa ao adicional da Contribuição Previdenciária devida pelas empresas, uma vez que não tem por fato gerador a folha de salários; e b) de outro lado, ficou incólume a Contribuição incidente sobre o valor comercial dos produtos rurais a que alude o art. 15, I, da já citada Lei Complementar. 3. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg-REsp 1147972 – RS – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 11.12.2009)

697) Tributário. Execução Fiscal. Agravo de Instrumento. Inclusão do Sócio Gerente da Empresa. Artigo 135, Inciso III, do CTN. Aplicabilidade. CDA. Ausência do Nome do Sócio. Dissolução Irregular da Sociedade. 1. A jurisprudência dos Tribunais, inclusive

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do colendo Superior Tribunal de Justiça, tem entendido possível o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente, quando ficar comprovado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, bem assim no caso de dissolução irregular da empresa. 2. É pacífica a jurisprudência a respeito da possibilidade de citação do co-responsável tributário, ainda que o seu nome não conste da Certidão de Dívida Ativa. 3. Se a execução for proposta contra a pessoa jurídica e não houver indicação do nome do sócio-gerente na CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN, mediante comprovação pertinente de tal circunstância. 4. No caso em apreço, a ação de execução fiscal foi proposta em face da sociedade empresária, MIPAN Panificadora Comércio e Indústria Ltda., uma vez que na certidão de dívida ativa consta o nome da mesma (fl. 19). Ao dar cumprimento ao mandado de citação, penhora e avaliação, o oficial de justiça certificou que deixou de citar a referida empresa tendo em vista que o local está em obras, tendo sido informado por um dos empregados que trabalhava no local que lá funcionará um curso (fl. 21). Diante deste fato e com base na certidão do contrato social da executada arquivado na JUCERJA, os sócios gerentes Marco Antonio da Costa Gastanes e Leila Machado Martins Pessanha foram incluídos no pólo passivo da demanda (fls. 29/35). Posteriormente, o juízo a quo reviu seu entendimento, determinando a exclusão dos sócios gerentes da executada do pólo passivo da demanda (fls. 39/40). 5. A dissolução irregular da sociedade (sem o cumprimento das obrigações tributárias e sem o pedido regular de falência) enseja a transferência da responsabilidade nos termos do art. 135, III, do CTN. 6. Agravo de instrumento provido. (TRF 2ª R. – Ag 2008.02.01.014639-3 – 4ª T. – Rel. Desemb. Fed. Luiz Antonio Soares – DJ 04.12.2009)

698) Tributário. Solidariedade do Contratante dos Serviços. Art. 30, VI, Lei nº 8.212/91. Contribuição Previdenciária. Retenção de 11% Sobre Nota Fiscal ou Fatura de Prestação de Serviços. Cessão de Mão-de-Obra. Relação de Emprego. Inexistência. Contribuição Destinada ao INCRA. Intervenção na Atividade Econômica. Recepção Pela EC nº 33/2001. Contribuição Destinada ao SEBRAE. Multa Fiscal. Aplicação da Lei Mais Benéfica. Honorários. 1- A solidariedade pelo pagamento das contribuições previdenciárias, prevista no art. 31, caput, da Lei nº 8.212/91, desde a sua redação original, não comporta benefício de ordem, consoante dispõe o art. 124 do CTN. 2 - A partir de 01.02.1999, quanto em vigor as alterações promovidas pela Lei nº 9.711/98, o tomador do serviço passou a ser o único sujeito passivo da obrigação tributária. 3 - O regime de substituição tributária do art. 31 da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 9.711/98, diz respeito às contribuições de que tratam os incisos I e II (contribuição previdenciária sobre a folha e o respectivo adicional ao SAT), implicando antecipação do pagamento das mesmas, a serem compensadas com o que for devido a tal título no mês. 4 - A retenção a título de contribuições sobre a folha de pagamento pressupõe a relação empregatícia da prestadora relativamente àqueles cuja mão-de-obra é cedida. 5 - Inocorrendo a cessão de mão-de-obra, indevida a contribuição tributária. 6 - Não estando presentes os requisitos elencados no art. 3º da CLT, não há como ser reconhecida a existência do vínculo de emprego, sendo indevidas as contribuições previdenciárias. 7 - A contribuição de 0,2%, destinada ao INCRA, qualifica-se como contribuição interventiva no domínio econômico e social, encontrando sua fonte de legitimidade no art. 149 da Constituição de 1988. Tal contribuição pode ser validamente exigida das

REVISTA JURÍDICA EMPRESARIAL 11 JURISPRUDÊNCIA NOVEMBRO/ DEZEMBRO 2009

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empresas comerciais ou industriais. 8 - A Emenda Constitucional nº 33/2001 apenas estabeleceu fatos econômicos que estão a salvo de tributação, por força de imunidade, e, por outro lado, fatos econômicos passíveis de tributação, quanto à instituição de contribuições sociais e contribuições de intervenção no domínio econômico. 9 - Os empregadores, independentemente da atividade desenvolvida, estão sujeitos às contribuições destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional. 10 - O adicional destinado ao SEBRAE (Lei nº 8.029/90, na redação dada pela Lei nº 8.154/90) constitui simples majoração das alíquotas previstas no DL nº 2.318/86 (SENAI, SENAC, SESI e SESC). Logo, deve ser recolhido pelos sujeitos passivos que também contribuem para as entidades ali referidas. 11 - Tendo ambas as partes sido vencedoras e vencidas, incide a compensação dos honorários advocatícios e das custas. (TRF 4ª R. – Ap/RN 2008.72.05.000040-2 – SC – 2ª T. – Rel. Juiz Fed. Artur César de Souza – DJ 09.12.2009)

699) Tributário. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, Incidente Sobre a Importação e Comercialização de Petróleo e Seus Derivados, e Álcool Etílico Combustível. Empresa de Transportes Rodoviários. Consumidora Final. Ilegitimidade Passiva Ad Causam. 1. Em matéria tributária, não é possível opor a realidade econômica à forma jurídica. O sujeito passivo da obrigação tributária principal diz-se contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN). 2. Não é o caso da empresa, consumidora final, que adquire diesel para a realização de transportes rodoviários, com relação à CIDE incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível. 3. Ausência de legitimidade para figurar no pólo ativo da demanda. (TRF 4ª R. – Ag-AC 2009.71.08.000346-8 – RS – 1ª T. – Rel. Juiz Fed. Jorge Antonio Maurique – DJ 01.12.2009)

700) Tributário. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Empréstimo Compulsório Sobre Energia Elétrica. Lei 4.156/62 (Com Alterações do Decreto-Lei 644/69). Restituição ou Compensação das Obrigações ao Portador em Favor do Contribuinte. Prescrição. Aplicação do Prazo Quinquenal Estabelecido Pelo Decreto 20.910/32 Depois de Transcorrido o Prazo Previsto Para o Resgate. Matéria Pacificada Pela 1ª Seção em Sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1.050.199/RJ). 1. A 1ª Seção, em sede de recurso especial repetitivo (REsp 1.050.199/RJ, Relª Minª Eliana Calmon, DJ 09.02.2009), pelo qual se analisou o empréstimo compulsório sobre energia elétrica instituído pela Lei 4.156/62, com alterações do Decreto-Lei 644/69, firmou o entendimento de que “as obrigações ao portador emitidas pela ELETROBRÁS em razão do empréstimo compulsório instituído pela Lei 4.156/62 não se confundem com as debêntures e, portanto, não se aplica a regra do art. 442 do CCom, segundo o qual prescrevem em 20 anos as ações fundadas em obrigações comerciais contraídas por escritura pública ou particular. Não se trata de obrigação de natureza comercial, mas de relação de direito administrativo estabelecida entre a ELETROBRÁS (delegada da União) e o titular do crédito, aplicando-se, em tese, a regra do Decreto 20.910/32”. 2. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg-AI 886469 – RS – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJ 07.12.2009)