ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

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RITUAL DA TATUAGEM: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA CULTURAL ENTRE OS IKPENG KOROTOWI TAFFAREL Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais para obtenção do título de Mestre. CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL 2010

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Page 1: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

RITUAL DA TATUAGEM: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA CULTURAL ENTRE OS IKPENG

KOROTOWI TAFFAREL

Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais para obtenção do título de Mestre.

CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL

2010

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2

KOROTOWI TAFFAREL

RITUAL DA TATUAGEM: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA CULTURAL ENTRE OS IKPENG

Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário Co-Orientadora: Profª. Drª. Carla Galbiati

CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL

2010

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3

KOROTOWI TAFFAREL RITUAL DA TATUAGEM: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA

CULTURAL ENTRE OS IKPENG

Esta Dissertação foi julgada e aprovada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais. Cáceres, 19 de Março de 2010.

Banca examinadora

Prof. Dr. Germano Guarim Neto Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

Prof. Dr. Waldir José Gaspar

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT

(Orientador)

CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL

2010

Page 4: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

DEDICATÓRIA

Aos Ikpeng da aldeia Moygu, Arayo e Tupara, pela sua persistência em

continuar seus costumes e tradição que vem fazendo no dia-a-dia de suas

vidas.

A minha mãe, Makawa Ikpeng (in memoriam), que sempre sonhou com

meus estudos superiores. Um abraço fraterno.

Page 5: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

AGRADECIMENTO ESPECIAL

Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT

Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais

Prof. Ms. Taisir Mahmudo Karim (Reitor)

Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário (Vice Reitor)

Profª. Drª. Carolina Joana da Silva (Pró-Reitora de Pesquisa)

Profª. Drª. Carla Galbiati (Coordenadora do PPGCA)

Prof. Dr. Germano Guarim Neto (UFMT)

Prof. Edson Flávio dos Santos

Prof. Fernando Selleri Silva

Rivelino Fúlvio Linhares

Ediléia Gonçalves Leite

Page 6: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

MINHA GRATIDÃO

À Remiru Ikpeng

minha esposa.

Aos meus filhos

Kayanalu Konongru Ikpeng,

Awarengku Djokae Kuryawa Ikpeng,

Warenipo’i Aryong Tompo Ikpeng,

Tokïrïge Van Goh Wotpe Ikpeng,

que tanto sentiram a minha ausência.

À Wawana Ikpeng,

meu genro

À Awyara Ikpeng,

meu afilhado

que sempre sonharam em me ver como Mestre.

Page 7: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

AGRADECIMENTOS

Este trabalho resultou das pesquisas feitas no contexto da minha

qualificação de Mestre em Ciências Ambientais, tendo com orientador o Prof.

Dr. Elias Januário, meus sinceros agradecimentos aos componentes da Banca

examinadora de Projeto, da Qualificação e da Defesa: Prof. Dr. Germano

Guarim Neto, Profª. Drª. Carolina Joana da Silva, Prof. Dr. José Waldir Gaspar,

Prof.ª Carla Galbiati, Prof. Dr. Aumeri Carlos Bampi, Prof. Dr. Heitor Queiroz de

Medeiros.

Minha gratidão às pessoas que me ajudaram durante a pesquisa de

campo, colocando-se à minha disposição para darem informações

fundamentais para construir esse trabalho.

- Aos Ikpeng da aldeia Moygu e Arayo, que me forneceram as

informações importantes durante as pesquisas realizadas.

- Aos professores da escola Amure do Pavuru no Município de Feliz

Natal.

- Ao professor Oporike Ikpeng que ficou do meu lado durante as

pesquisas, tirando minhas dúvidas.

- A toda a Equipe da Faculdade Indígena Intercultural do campus da

UNEMAT de Barra do Bugres.

- A amiga Sandra Lima pela ajuda nos ajustes finais da Dissertação e

pela amizade partilhada.

- Aos servidores do Instituto Socioambiental (ISA), que me

incentivaram a concluir o meu estudo.

- Meus sinceros agradecimentos àquelas pessoas que partilharam

comigo do esforço para concluir esta pesquisa de Mestrado, contribuindo de

alguma forma para sua elaboração.

- Ao meu pai, Mya’u Kaiabi, conhecido como Chiquito e meus irmãos

Ayaneku Ikpeng, Pareayup Mate Ikpeng, Pyta Kekgrïpo Ikpeng, Katuma

Ewoera Ikpeng, Nongkiru Wemo Ikpeng e os filhos dos mesmos.

- Aos professores da Escola Estadual Indígena Amure, Prof.

Pomekenpo Ikpeng, Prof. Iokore Kawakum Ikpeng, Prof. Matare Clovis Ikpeng,

Page 8: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

Prof. Nawaki Ikpeng, Prof. Wawana Ikpeng, Prof. Paiata Juary Ikpeng, Prof.

Kawiago Ikpeng, que me deixavam informado sobre minha família durante o

tempo que ficava fora de casa.

- Aos chefes do Posto Indígena Pavuru, Kumare Ikpeng e seu

substituto Komoru Ikpeng, que disponibilizaram os transportes para me

locomover da aldeia para cidade e vice-versa, bem como a Equipe de Saúde.

- Ao meu primo Maiua Meg Poanpo Txicão, que me auxiliou no trabalho

de campo e com as gravações de áudio e sempre acreditou no meu sucesso.

Page 9: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

SOBRE O AUTOR

Korotowï Taffarel (Ikpeng) nasceu em 1971 no Posto Indígena

Leonardo Villas Boas, no Sul do Xingu, Estado de Mato Grosso. É casado com

Remiru Ikpeng e tem quatro filhos: Kayamnalu, Awarengku, Warenipo’i e

Tokïrïge. Atualmente mora com a família na aldeia Arayo.

É falante das línguas indígenas Ikpeng, Kaiabi, Aruak, Waura, Tupi-

Kamaiura, Karib-Kuikuro, além dos idiomas português e espanhol.

Atuou como professor em Escolas Indígenas, como a Escola Estadual

Indígena Central Ikpeng e Central Diauarum.

Graduou-se em Licenciatura Plena em Línguas, Artes e Literaturas pela

Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT, no ano de 2006,

desenvolvendo nesse período pesquisas sobre a língua Ikpeng na aldeia

Moygu no Médio Xingu/MT.

Page 10: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

ÍNDICE

Lista de quadros................................................................................................11

Lista de figuras...................................................................................................11

Resumo..............................................................................................................14

Abstract..............................................................................................................15

Introdução..........................................................................................................16

Revisão de Literatura............................................................................................... 15

Material e Métodos............................................................................................23

Resultados e discussão.....................................................................................28

3.1 Os Ikpeng: Mito, História e Organização Social..........................................28

3.1.1 - O mito de origem dos Ikpeng............................................................. 27

3.1.2 - Histórico da ocupação ....................................................................... 28

3.1.3 - Importância dos nomes ..................................................................... 31

3.1.4 - Organização social ............................................................................ 33

3.1.5 - Aldeia e Praça Cerimonial ................................................................. 35

3.2 Os Ikpeng: A Festa da Tatuagem e sua relação com o Meio Ambiente...... 39

3.2.1 - Origem da Festa Moyngo .................................................................. 39

3.2.2 - Plantas utilizadas no Ritual da Tatuagem.......................................... 46

3.2.3 - Animais utilizados no Ritual da Tatuagem......................................... 47

3.2.4 - As etapas da Festa da Tatuagem...................................................... 48

3.2.5 - Orientações de manejo entre os Ikpeng ............................................ 55

3.2.6 - Preparação e planejamento para a caçada ....................................... 61

3.2.7 - Saída para caçar ............................................................................... 68

3.2.8 - A volta dos caçadores ....................................................................... 72

3.2.9 - Parte mais importante da festa.......................................................... 81

3.2.10 - Final da reclusão dos Meninos. ....................................................... 86

Considerações finais................................................................................................ 89

Referências....................................................................................................... 91

Anexos ...................................................................................................................... 93

Page 11: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Plantas utilizadas no ritual da tatuagem..................................... 47/48

Quadro 2- Animais utilizadas no ritual da tatuagem.................................... 48/49

Page 12: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Localização da Aldeia Moygu e Posto Indígena Pavuru .................. 24

Figura 2 - Casa tradicional do Parque Indígena do Xingu, Habitação Ikpeng 25

Figura 3 - Dançarinos se preparando para receber os caçadores....................26

Figura 4- Ancião Aporike Ikpeng ...................................................................... 27

Figura 5 - Os dançarinos levando cesto de caça e pescado defumados para

casa.................................................................................................................. 36

Figura 6 - Preparativos para a dança............................................................... 37

Figura 7- Menino dançando junto com o seu padrinho..........................................39

Figura 8 - Cortando yego para furar a orelha dos meninos...............................56

Figura 9 - Distribuição de alimentos aos padrinhos durante o ritual................. 60

Figura 10 - Mulheres preparando polvilho........................................................ 62

Figura 11 - Preparando o buraco para colocar a cera de jatobá e acender o

fogo .................................................................................................................. 62

Figura 12 - Colocando a cera no buraco .......................................................... 63

Figura 13 - Colocando fogo no buraco ............................................................. 63

Figura 14 - Fogo sendo colocado no buraco.................................................... 64

Figura 15 - O buraco é tampado para que a fuligem se fixe nas costas dos

tachos............................................................................................................... 64

Figura 16 - No dia seguinte o Txiwo (fuligem) é tirado pelas mães ou avós dos

meninos que serão tatuados ............................................................................ 65

Figura 17 - Furação de orelha .......................................................................... 65

Figura 18 - Armação de caibro da casa de festa de Rito de Passagem........... 67

Figura 19 - Casa da Festa da Tatuagem. Capacidade para cerca de duzentas

pessoas............................................................................................................ 67

Figura 20- Homens fazendo objetos ................................................................ 69

Figura 21 - Boneco de um macaco prego ........................................................ 69

Figura 22 - Um menino de seis anos de idade com seus bonecos .................. 70

Figura 23 - Os homens guardam os bonecos na casa da festa ....................... 70

Figura 24 - Wokyoro com sua esposa e neto chegando na aldeia................... 73

Figura 25 - Wokyoro contando como foi a caçada para as pessoas da aldeia. 73

Figura 26 - Mulher do Wokyoro contando quem foi o melhor caçador ............. 74

Page 13: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

Figura 27 - As mulheres preparando PÏTXA (mingau) para a festa.................. 75

Figura 28 - WOKPO (mingau de caldo doce da mandioca) cozinhando .......... 75

Figura 29 - Jovens se preparando para a dança.............................................. 76

Figura 30 - Homens carregando cesto com caça e peixe defumado ............... 77

Figura 31 - Mulheres carregando cesto............................................................ 78

Figura 32 - Mulheres recebendo caça e peixe defumado dos caçadores ........ 78

Figura 33 - Padrinhos recebendo a caça.......................................................... 79

Figura 34 - Mulher carregando cesto com couro de caça. ............................... 80

Figura 35 - Padrinho dando banho de purificação no seu afilhado .................. 81

Figura 36 – Menino sendo preparado para corte de cabelo............................. 82

Figura 37 - Padrinho cortando cabelo do seu afilhado ..................................... 82

Figura 38 – Guardiã sentada cuidado dos meninos ......................................... 83

Figura 39 - Os padrinhos prontos para irem dançar com seus a filhados ........ 84

Figura 40 - Menino sendo tatuado.................................................................... 84

Figura 41 - Menino tatuado .............................................................................. 85

Figura 42 - Os padrinhos passam a noite dançando aos lados dos seus

afilhados, os pais também cuidam a noite........................................................ 87

Figura 43 - Momento de preparação para a tatuagem......................................90

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RESUMO

TAFFAREL. Korotowi. RITUAL DA TATUAGEM: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA CULTURAL ENTRE OS IKPENG Cáceres: UNEMAT, 2010. 97 p. (Dissertação – Mestrado em Ciências Ambientais)1.

Esta pesquisa tem como objetivo destacar as práticas culturais que permeiam o ritual da tatuagem sob a ótica da Educação Ambiental do povo indígena Ikpeng da aldeia Moygu, Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso. Descreve o modo de organização social, política, ambiental e econômica do povo Ikpeng da Aldeia Moygu, no que se refere ao ritual da tatuagem e sua importância para o povo Ikpeng. Também identifica as práticas de sustentabilidade envolvidas no ritual da tatuagem, a partir dos sinais diacríticos presentes na vida cotidiana da comunidade, bem como os recursos naturais envolvidos diretamente nas respectivas práticas culturais e as formas de manejo adotadas pela comunidade. Com isso verifica-se de que forma os pressupostos da Educação Ambiental estão na realização do ritual de maneira que não venha impactar o meio ambiente. Cada povo tem sua cultura e suas práticas de cunho ecológico, onde os seus conhecimentos de lidar com o meio ambiente, de como explorar o meio ambiente sem ameaçar a biodiversidade, fazendo manejo para consumo da sua família e atender as suas necessidades Desde o princípio os indígenas vêm praticando o desenvolvimento sustentável com o meio ambiente em seus territórios porque, para eles, a natureza é como um patrimônio muito importante na cultura e que tem valor na vida de cada indivíduo. Numa perspectiva de pesquisa qualitativa, amparada nos pressupostos da etnografia de Clifford Geertz, este estudo utiliza-se de uma variedade de instrumental na obtenção dos dados como entrevistas, observações, imagens, entre outras, que permitirão conhecer a densa rede de relações estabelecida entre os Ikpeng. Tomando como referencial a observação participante, foi possível trazer à tona, observando as práticas culturais, a relação de desenvolvimento sustentável e de educação ambiental que este povo estabelece com o meio ambiente. Dessa forma, esta pesquisa ao se dedicar a interpretação do ritual da tatuagem, com a finalidade de registrar os conhecimentos presentes nas diferentes etapas da cerimônia, contribuiu para o entendimento das relações sócio-ambientais do povo Ikpeng.

Palavras-Chave: Práticas Culturais, Educação Ambiental, Sustentabilidade, Saberes Indígenas, Ritual.

1 Comitê Orientador: Orientador Dr. Elias Renato da Silva Januário, UNEMAT; Dra Carla Galbiati, UNEMAT.

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ABSTRACT

TAFFAREL, Korotowi. RITUAL TATTOOS: CULTURAL ENVIRONMENTAL EDUCATION AND CULTURAL PRACTICE AMONG IKPENG. Cáceres: UNEMAT, 2009. 97p. (Dissertation - Master in Environmental Sciences)2 This research aims to interpret the cultural practices that permeate the tattoo ritual from the perspective of sustainability of the Ikpeng indigenous people from Moygu village of the Xingu Indigenous Park. It describes how they organize socially, politically and economically, regarding the tattoo ritual and its importance to Ikpeng people. It also identifies cultural practices involved in this ritual, from diacritics to the daily lives of the community and natural resources directly involved in their cultural practices and forms of management adopted by the community. Thus it is verified how the environmental education assumptions can contribute to the ritual in a way that won’t impact the environment. Each nation has its culture and practices of ecological features, where their knowledge of dealing with the environment, to explore the environment without threatening biodiversity, making the management for their families and attend their needs. From the beginning, the Indians have been practicing sustainable development with the environment in their territories, because for them, nature is as an important heritage in the culture; it has value in the life of each individual. In terms of qualitative research supported the assumptions of ethnography of Clifford Geertz, this study makes use of a variety of instruments to obtain data such as interviews, observations, pictures, among other things, that will meet the dense network of relations established between Ikpeng. Taking as reference the participant observation, it was possible to bring out, observing cultural practices, the relationship between sustainable development and environmental education that provides people with the environment. Thus, this research is devoted to the interpretation of the tattoo ritual of the Ikpeng people, in order to record the knowledge present in the different stages of the ceremony contributing to the understanding of socio-environmental relations of the Ikpeng people. Key Words: Cultural Practices, Environmental Education, Sustainability, Indigenous Knowledge, Ritual. 2 Guidance Committee: Major Professor: Dr. Elias Renato da Silva Januário, UNEMAT; Dra

Carla Galbiatti, UNEMAT.

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15

INTRODUÇÃO

A Expedição Roncador-Xingu, vanguarda da Fundação Brasil Central,

foi criada em 1943, inserida num programa do governo de ocupação das

regiões centrais do Brasil. Por meio desta Expedição os irmãos Villas Boas

chegaram à região dos formadores do rio Xingu, ocasião em que se

defrontaram com diversas populações indígenas.

Engajados em defesa dos povos indígenas, os irmãos Villas Boas

começaram a pedir a proteção das terras da região do Alto Xingu em meados

de 1948, por ocasião dos projetos de colonização de iniciativa do

Departamento de Terras e Colonização do Estado de Mato Grosso, que

começavam a emergir.

Essa política intensificou-se na década de 1950, culminando na divisão

da área do futuro Parque Indígena em diversas propriedades particulares

negociadas à época pela ação de alguns funcionários do extinto Serviço de

Proteção aos Índios, inclusive com certidões negativas falsas emitidas. Tendo

em vista essas ações e diante da proposta de se criar um Parque Nacional na

região, o então Vice-Presidente da República Café Filho constituiu uma

comissão para estudar o assunto. Faziam parte desta Orlando Villas Boas,

Darcy Ribeiro, entre outros.

O objetivo principal desta comissão era elaborar um anteprojeto de lei

para a criação do Parque. Assim sendo, em 17 de abril de 1952 o citado

anteprojeto do Parque Nacional do Xingu foi apresentado pelo Marechal

Cândido Mariano da Silva Rondon, contemplando uma área de 200.000

quilômetros quadrados (cerca de 1 milhão de hectares).

Ao encaminhar o anteprojeto ao então Presidente da República,

Getúlio Vargas, Café Filho ressaltou que “a Marcha para o Oeste” tinha

revelado ao País uma vasta área onde vivam numerosas tribos em isolamento

milenar. Diante disto a criação do Parque como proposta, em 1952, nunca foi

concretizada.

Somente em 14 de abril de 1961, por meio do Decreto nº. 50.455 o

Parque Nacional do Xingu, atual Parque Indígena do Xingu, foi criado com uma

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16

área 10 vezes menor do que a mencionada no anteprojeto, excluindo os

territórios tradicionais dos grupos meridionais (Alto Xingu). Sete anos depois,

precisamente em 06/08/1968, outro Decreto (63.082) modificava os limites

meridionais e reconhecia parcialmente o erro do Decreto anterior.

Mas, somente em 13/07/1971, o Decreto nº. 68.909, incorporava ao

PIX os territórios dos Aruak e Karib, que habitavam a região acima da

confluência dos rios Tanguro e Sete de Setembro. Com isto o território

Metyktire foi dividido pelo traçado da BR-080, a qual se tornou a fronteira norte.

A demarcação do PIX efetivamente foi realizada em 1978 e a homologação em

1991.

Os territórios indígenas na região se estendiam a leste, a oeste e ao

sul, para além das fronteiras do PIX. A atual superfície do PIX é de 2.642.003

hectares. Estão em andamento na FUNAI estudos de identificação e

delimitação da TI Naruwoto (ao sul do PIX) e Ikpeng no rio Jatobá.

A Terra Indígena é dividida em 3 partes: Alto Xingu, Médio Xingu e

Baixo Xingu. No Alto Xingu ficam os seguintes povos: Kamaiura, Kuikuro,

Matipu, Mehinaku, Nafukua, Waura e Yawalapiti. No Médio: Ikpeng, Kaiabi,

Kamaiura, Aweti, Trumai e Waura. No Baixo Xingu: Kaiabi, Kĩsedjê, Tapayuna,

Yudja.

A etnia Ikpeng não é originária do Xingu. Conforme sua história, sua

origem se deu na confluência de Rio Amazonas com o Mar. Como todos os

índios eram nômades, assim o povo subiu pelo Rio Amazonas, depois Rio

Tapajós e Rio Teles Pires.

No século XIX habitavam entre Rio Teles Pires e o Rio Ronuro; na

década de 1920 foram habitar entre o Rio Jatobá e o Rio Batovi, de onde iam

guerrear com os povos do Alto Xingu (Kalapalo, Bakairi, Matipu, Trumai). As

duas últimas batalhas foram com os Mehinaku e com os Waura na década de

1950, quando capturaram duas meninas Waura (Tsaulu e Kamiru).

Alguns meses depois os Waura convidaram algumas etnias para ir

guerrear contra os Ikpeng e resgatar as duas meninas roubadas. Envolveram

também nesse conflito alguns soldados que estavam em treinamento na base

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17

Jacaré, Norte do Estado de Mato Grosso, onde quase foram todos dizimados

não conseguindo resgatar as meninas.

Na década de 1960 os Irmãos Villas Boas fizeram contato com os

Ikpeng no Rio Jatobá no Noroeste do Mato Grosso, na margem esquerda do

Rio, sendo que em 1967 foram transferidos 52 indivíduos sobreviventes dos

conflitos em seu território para o Parque Nacional do Xingu, na época

denominada “Reserva”. Os Ikpeng Moraram dez anos no Posto Indígena

Leonardo Villas Boas. Em 1978, no mês de outubro, os Ikpeng mudaram para

sua aldeia nova, onde estão até os dias de hoje, exatamente onde as roças

foram abertas.

No ano de 2008 completaram-se 30 anos que os Ikpeng estão

morando no Médio Xingu, Posto Indígena Pavuru, Aldeia Moygu. Sua

organização social foi estabelecida da seguinte forma: várias pessoas casaram

com outras etnias como: Kaiabi, Waura, Trumai, Kamaiura e Yudja.

Atualmente são 368 indivíduos, distribuídos em três aldeias Moygu,

Arayo e Tupara. Apesar dessa mistura de etnias, a língua dominante é a língua

Ikpeng, que pertence ao tronco lingüístico Karib.

Portanto, desde criança os Ikpeng falam as duas línguas (Materna e

Português). Suas práticas culturais e tradicionais estão bastante vivas e são

realizadas cotidianamente.

Uma das práticas rituais importante e significativa é o Rito de

Passagem dos meninos que fazem tatuagem, que acontece a cada dois anos.

Essa prática envolve outras práticas de sustentabilidade, porque um ano antes

de realizar esse ritual a comunidade se prepara. Faz roça, constrói a casa da

festa e a casa do centro, que é chamado de Mïye.

Os pais dos meninos a serem tatuados também vão preparando as

coisas para presentear os padrinhos de seus filhos, como: meko (bolsa de

fibra), patxi (ferramenta de retirar peixe da lagoa) awrat (rede de fibra), pyengï

(corda para arco), entre outras.

Durante um ano os caçadores também vão se preparando aonde e

como caçar e pescar, bater timbó, em que lagoa vai caçar e o que caçar. Assim

os jovens e adolescentes aprendem o manejo dos recursos naturais, por

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18

exemplo, como tirar bambu, como tirar leite de árvore (yepkui), como tirar broto

de buriti, como tirar caule de buriti para fazer a flauta. Aprendem também a

fazer enfeite para usar na festa, cantar, dançar e confeccionar os materiais

necessários para a festa.

A festa dura um ano e meio. Durante um ano os dançarinos dançam

duas vezes por semana, a festa tem quatro etapas: na 1ª etapa só tem músicas

e danças, isso dura dois ou três meses;.

Na 2ª etapa, que é a abertura da flauta e purificação de todas as

pessoas da aldeia, nesse momento começa a preparação para a caçada e a

tirada da tocha e da cera de jatobá para fazer fuligem. O pé de jatobá que

produz cera não pode ser derrubado. Tem início a preparação dos alimentos.

Na 3ª etapa a comunidade reúne-se para selecionar os caçadores.

Selecionados os caçadores eles começam a discutir em que lugar vão caçar,

porque não podem caçar no mesmo lugar da última festa, só pode caçar num

lugar oito anos atrás ou mais, onde os animais já estão recuperados.

Depois de preparar tudo os caçadores saem para caçar, ficam um mês

no mato caçando, depois disso eles voltam e acontece uma grande festa de

três dias e duas noites. Na última noite de festa é que os meninos serão

tatuados, começa por volta das 18:00 horas e termina as 6:00 horas da manhã.

A partir disso os meninos são proibidos de participar das cerimônias e

tem uma dieta alimentar especial. No entanto, começam a participar de

algumas atividades culturais, como as de: confeccionar, tecer, trançar, plantar,

pescar e caçar.

Na 4ª etapa, após seis meses, começa a preparação para cortar o

cabelo dos meninos. Demora uma semana para preparar os alimentos e os

caçadores. Após isso saem para caçar e ficam duas semanas. Enquanto isso

os padrinhos preparam seus afilhados para cortar o cabelo. No dia em que os

caçadores chegam acontece a festa e é cortado os cabelos dos meninos na

casa do centro, a partir disso eles fazem parte da sociedade.

É por isso que a tatuagem é muito importante para os Ikpeng, a

tatuagem é uma identidade do povo Ikpeng.

Page 20: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

19

REVISÃO DE LITERATURA

Esta pesquisa tem como objetivo interpretar as práticas culturais que

permeiam o ritual da tatuagem sob a ótica da sustentabilidade e da educação

ambiental do povo indígena Ikpeng da aldeia Moygu, Parque Indígena do

Xingu, para mostrar que entre os Ikpeng a sustentabilidade e a educação

ambiental estão presentes de maneira informal, ou seja, no respeito aos

elementos que compõem o meio ambiente como os animais, as plantas, os rios

e a terra.

Sustentabilidade e Educação Ambiental, vocês verão ao longo da

descrição do ritual da tatuagem, que elas estão implícitas no contexto dos

diversos momentos desse ritual, onde os conceitos que são discutidos pela

academia, que são teorizados em livros, os Ikpeng realizam na prática

cotidiana de seus rituais.

Pretende também, em seus objetivos específicos, descrever o modo de

organização social, ambiental, política e econômica do povo Ikpeng da Aldeia

Moygu; descrever o ritual de tatuagem e sua importância para o povo Ikpeng;

identificar as práticas culturais envolvidas no ritual de tatuagem, a partir dos

sinais diacríticos presentes na vida cotidiana da comunidade; identificar os

recursos naturais envolvidos diretamente nas respectivas práticas culturais e

descrever as formas de manejo adotadas pela comunidade; além de verificar

de que forma os pressupostos da educação ambiental estão presentes nas

ações desenvolvidas pela comunidade ao realizar o ritual da tatuagem em suas

inúmeras práticas culturais.

Este projeto justifica-se partindo do pressuposto que os povos

indígenas não têm as leis no papel, mas têm um grande conhecimento e

respeito por todo o planeta. Nas suas crenças tudo tem sua alma e seu dono

(espírito), por isso nada pode ser desrespeitado na cultura e no meio

ambiental, porque todos surgiram de um criador para manter a vida de

quaisquer seres vivos.

Embora tenham inúmeros livros científicos dos pesquisadores que

falam a respeito do cuidado com o meio ambiente e das várias leis existentes,

Page 21: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

20

para as florestas e os recursos hídricos, as pessoas continuam desrespeitando

as leis, porque mesmo criando as leis para orientar como pode explorar os

recursos ambientais, o “Capital”, representado pelo progresso e

desenvolvimento econômico do país continua desmatando prejudicando a

saúde do ser humano, desafiando ambientalistas e pesquisadores.

Fica a sensação, a impressão de que são apenas as pessoas das

Ciências Ambientais que têm preocupação com o recurso ambiental e hídrico,

quanto à maioria da população parece não ter a mínima preocupação.

Os indígenas aprendem desde criança como lidar com o meio

ambiente, sabendo que o crescimento da população não tem limite, que

nascerão mais crianças a cada dia dos meses.

Segundo os pajés Ikpeng, que se comunicam com os seres da

natureza, dizem que o ser humano não pode desrespeitar ou desafiar a força

da natureza, porque ela é vingativa, isso para povos indígenas é verdade

absoluta.

Dessa forma, a realização desta pesquisa é interessante como registro

das práticas culturais uma vez que a cultura indígena também é dinâmica, ou

seja, passa por transformações ao longo do tempo, sendo necessário o registro

escrito para que não se perca.

Esta pesquisa se dedica a estudar o ritual da tatuagem com a

finalidade de registrar os conhecimentos dos anciões da aldeia Moygu, haja

vista, que são eles os mantenedores dos conhecimentos e das práticas

culturais para a realização do ritual, uma vez que esses sábios podem falecer a

qualquer momento, levando consigo os conhecimentos milenares dos Deuses

ancestrais sobre o meio ambiente, enfim, sobre suas práticas culturais.

Cada povo tem sua cultura e suas práticas de cunho ecológico, onde

os seus conhecimentos de lidar com o meio ambiente, de como explorar o meio

ambiente sem ameaçar a biodiversidade, fazendo manejo para consumo da

sua família e atender as suas necessidades.

Desde o princípio os indígenas vêm adotando práticas sustentáveis em

seus territórios porque, para eles, a natureza é como um patrimônio muito

importante na cultura e que tem valor na vida de cada indivíduo. Por causa

Page 22: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

21

disso, quando outro povo invade seu território existem conflitos. Apesar do

dinheiro ter entrado nas comunidades indígenas, os índios não pensam em

fazer grande derrubadas para ganhar dinheiro. A preservação do meio

ambiente é muito mais importante para os povos nativos do que ganhar

dinheiro, pois ao derrubar toda a mata, estarão matando muitas vidas que

fazem o equilíbrio do meio ambiente.

O conhecimento do povo indígena é milenar e ficou ao longo dos anos

só na oralidade, sendo por isso passado de geração para geração, na

transmissão oral. Agora para registrar esse saber e para que ele seja

reconhecido pela academia, os indígenas estão desenvolvendo pesquisas

como esta.

Vários pesquisadores já produziram reflexões sobre os povos

indígenas, nas diversas áreas do conhecimento (Antropologia, Educação, Meio

Ambiente, Saúde, Lingüística, entre outras), que nos auxiliam nas nossas

reflexões sobre o tema que estamos abordando. Podemos citar Geertz (1989),

Oliveira (1998), Seki (1993), Viveiros de Castro (2002), Villas Boas (1994),

entre outros.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa e etnográfica, algumas

particularidades marcam este estudo, com base nas considerações de Lüdke e

André (1986) como, por exemplo, a ausência de definição rígida e apriorística

de hipóteses, a variedades de técnicas de coleta de dados e uma considerável

quantidade de dados primários.

No entanto, levanta-se algumas problemáticas que instigarão e que

poderão ser verificadas no decorrer do trabalho como o fato do ritual poder ser

deixado de ser realizado, caso ocorra impactos ambientais na região, que

dificulte a realização das caçadas e da coleta dos materiais para a confecção

dos enfeites.

Outra questão instigante é se as discussões da Educação Ambiental,

que estarão presente no trabalho e no decorrer dele, poderão contribuir para

aguçar a percepção dos indígenas envolvidos no ritual, para a necessidade do

manejo sustentável e preservação da natureza para a continuidade dessa

prática cultural.

Page 23: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

22

MATERIAL E MÉTODOS

Esta pesquisa foi pensada numa perspectiva de uma micro-

abordagem, isto é, numa abordagem de estudo que caminha do particular para

o geral. Assim, a lógica interna do grupo em estudo só é identificada e

interpretada a partir do momento em que o pesquisador mergulha no seu

interior, conhecendo as particularidades do universo a ser estudado.

Para isso, a pesquisa requereu uma abordagem interdisciplinar, uma

vez que teve um caráter exploratório, contemplando e interagindo com várias

disciplinas. Conforme os dados fossem encontrados, as reflexões eram

constituídas, chegando à análise e interpretação.

Os dados da pesquisa foram obtidos através da observação

participante, utilizando-se de entrevistas formais e informais, história de vida,

anotações em diários de campo, gravações em áudio e registro fotográfico.

Também foram feitos levantamentos em arquivos de instituições que atuam

com os indígenas, como a FUNAI e as ONGs, obtendo dados da região.

A construção deste trabalho foi estabelecida nas fontes escrita, oral e

iconográfica. No campo da escrita, foi realizado, inicialmente, um levantamento

bibliográfico, seguido de um levantamento documental, com o intuito de firmar

o arcabouço teórico da pesquisa, buscando a compreensão de conceitos que

embasam este estudo. O intento foi de adquirir uma base teórica para refletir

acerca dos objetivos propostos.

Com o uso de mapas e fotografias foi possível o registro iconográfico,

com a proposta de registrar e dar visibilidade às práticas sociais e culturais do

ritual da tatuagem. Ilustrar momentos do ritual e seus participantes possibilitou

a reconstrução do ritual e a caracterização do meio ambiente e das relações

sócio-culturais locais.

As entrevistas foram oportunas para que as pessoas da região

manifestassem, através de suas narrativas, sobre fatos que presenciaram e

viveram. Segundo Thompson (1992, p.20), “[...] a oralidade proporciona a

construção de uma memória mais democrática do passado. [...] Pode devolver

às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental,

Page 24: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

23

mediante suas próprias palavras”. Dessa forma, as entrevistas com os anciões

da região, foram de fundamental importância no levantamento dos dados

qualitativos dessa pesquisa, principalmente na discussão sobre as práticas

tradicionais do ritual e sua relação com o meio ambiente.

A metodologia usada para obter os dados da pesquisa foi a interação

com as pessoas de várias idades da comunidade e de diferentes etnias e

culturas que existem na aldeia, em decorrência do casamento com outros

povos.

Observando e participando dos momentos de atividades de ensino,

usando entrevistas formais e informais sobre a importância da tatuagem na

vida de cada entrevistado, foram feitas anotações no diário de campo, tiradas

fotografias e feitas algumas gravações.

Para iniciarmos o estudo elaboramos uma lista das pessoas que

poderiam ser entrevistadas, aquelas que conhecem mais sobre o ritual e as

práticas de manejo com o meio ambiente.

Além dos encontros formais, houve também participação das festas de

preparação dos iniciados, na realização da última parte do ritual, o que me

facilitou compreender melhor o estudo que estávamos realizando.

Antes de iniciarmos a pesquisa realizamos uma reunião com a

comunidade, explicando o que pretendia fazer com o trabalho do Mestrado em

Ciências Ambientais. Muitos perguntaram para que ia servir a pesquisa, como

ficaria depois de pronta e quanto tempo iria demorar. Respondemos aos

questionamentos feitos e todos ficaram satisfeitos e concordaram com a

realização da pesquisa.

Foram feitas 32 entrevistas entre adultos e jovens, de 9 famílias, com

duração de 42 horas, além disso realizamos várias entrevistas sem anotações,

porque eram para confirmação dos dados fornecidos por outros entrevistados.

Utilizamos do filme (Sonho do Maragarewm) produzido pela própria

comunidade Ikpeng em parceria com a Produtora Vídeo na Aldeia, durante a

pesquisa para tentar entender e fazer comparação das entrevistas feitas.

Usamos o filme porque ele conta como surgiu a festa do Ritual da Tatuagem. É

uma história completa do ritual enfocando os recursos utilizados durante a

Page 25: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

24

festa, explica também como é realizada a festa e quais são as regras para os

meninos em reclusão.

A área de estudo é a aldeia Moygu, que se localiza há 700 metros, em

linha reta, do Posto Indígena Pavuru na margem esquerda do Rio Xingu, no

município de Feliz Natal. (Figura 01)

Figura 1 - Localização da Aldeia Moygu e Posto Indígena Pavuru Fonte: http://www.socioambiental.org/pib/epi/xingu/parque.shtm.

Adaptado por Iokore Kawakum Ikpeng

Page 26: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

25

Localiza-se no Parque Indígena do Xingu, que por sua vez encontra-se

a Noroeste do Mato Grosso fazendo divisa com o Pará. Com extensão de área

de 2.800.000 ha. Essa região abriga 15 etnias diferentes são: Aweti, Ikpeng,

Kaiabi, Kamaiura, Kuikuro, Kĩsedjê Matipu, Mehinaku, Nafukua, Tapayuna,

Trumai, Waura, Yawalapiti e Yudja.

Em 2009 eram cerca de 6.000 indivíduos, contando adultos e crianças.

Cada etnia com sua língua, cultura, crença e organização social. Faz divisa

com 09 municípios: Canarana, Feliz Natal, Gaúcha do Norte, Marcelândia,

Nova Ubiratã, Peixoto de Azevedo, São Félix do Araguaia, São José do Xingu

e Querência.

A aldeia Moygu está organizada em círculo contendo 15 casas, sendo

uma casa de conselho, o campo de futebol bem no centro dela. São 52

famílias, com total de 168 indivíduos. Liderada por um cacique e seus

conselheiros, composto de anciões, pajés, cantores, artesão, três

representante de professores, três representantes de saúde, seis

representantes de mulheres e chefe de Posto da FUNAI.

As casas são cobertas de palha de inajá e sapé, onde a maioria delas

são construídas no modelo arquitetônico do Alto Xingu, numa associação da

arquitetura Kaiaby com a arquitetura tradicional Ikpeng (Figura 02).

Figura 2 - Casa tradicional do Parque Indígena do Xingu, Habitação Ikpeng Foto: Iokore Kawakum Ikpeng, 2008.

Page 27: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

26

Figura 3 - Dançarinos se preparando para receber os caçadores

Foto: Kaiwago Txicão, 2008.

Page 28: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

27

RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 OS IKPENG: Mito, História e Organização Social 3.1.1 - O mito de origem dos Ikpeng

Durante a pesquisa registramos que a origem do povo Ikpeng, segundo

o ancião Aporike Ikpeng (Figura 03), antes de morarem na superfície na terra,

viviam debaixo da água, junto com os animais, tendo como base de alimento

as frutas silvestres. “AREPO” era uma mulher que foi a mãe de todos que

viviam ali. Dessa mulher nasceram três meninos: ONONGYEWÏ, REAGÏ,

MAKRA e três meninas: ENMANGRU, RÏNGKAWO e OPOGI Essas pessoas

eram descendentes das árvores, os irmãos tinham nomes de árvores como:

ONONGYEWÏ, RAEGÏ e MAKRA. Esses nomes os Ikpeng não usam mais. Mas

os nomes das meninas ainda são usados até hoje.

Figura 4 - Ancião Aporike Ikpeng Foto: Komoru Txicão, 2009.

Page 29: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

28

Certo dia os irmãos saíram da água, na superfície da terra e viram que

ali era um lugar muito lindo, que tinham pássaros, animais, árvores e frutas.

Voltaram para o fundo da água e contaram para sua mãe AREPO, mas a mãe

deles já sabia da existência desse lugar, só nunca tinha contado para os filhos

com medo de ser abandonada por eles, por isso nunca comentou sobre essa

terra.

Disseram para sua mãe que tinham saído na superfície da água e que

viram um lugar muito lindo e limpo, que poderiam mudar de lugar de onde

estavam vivendo, que era muito triste viver só entre eles. A mãe deles aceitou

a idéia e se mudaram daquele lugar, mas só que ela não iria com eles.

ONONGYEWÏ, REAGÏ, MAKRA, ENMANGRU, RÏNGKAWO e OPOGI

saíram do fundo da água para fora. Como não tinham outras pessoas ali

morando, passaram a casar com as próprias irmãs, assim eles foram

aumentando a sua população.

3.1.2 Histórico da ocupação

Antes dos Ikpeng serem contatados e trazidos para o Parque Nacional

do Xingu, naquela época denominado Parque Indígena do Xingu, eles

moravam na margem direita do rio Batovi, na aldeia IGARUPTALÏ com duas

casas grandes e uma média. Antes de sua entrada na região dos formadores

do Rio Xingu, os anciões comentam que existiam em torno de 450 indivíduos.

Para reconstituir esse itinerário, é preciso analisar as narrativas (relatos

míticos e tradições orais) dos próprios Ikpeng. Estas, porém, permitem uma

reconstrução histórica intermitente e com pouca profundidade cronológica,

numa zona imprecisa em que figuras originárias de determinado grupo de

parentes atualmente existentes não se distinguem dos grandes antepassados

com poderes sobrenaturais de que falam os mitos.

Na fala Ikpeng, Kantawo é o Deus criador do universo, cujas histórias

remontam a um tempo em que esse povo tinha grandes inimigos, como o forte

povo Txipaya. Suas relações com os Txipaya não eram amigáveis, embora os

Ikpeng contam que aprisionaram e criaram um casal de irmãos do grupo deles,

a quem atribuem a origem das formas e da confecção de cestaria, da

Page 30: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

29

tecelagem do algodão, entre outras técnicas. Indo ao encontro desse relato,

fontes antigas - como Nimuendaju (1948) e Snethlage (1910) - que estiveram

entre um grupo Txipaya que habitavam as margens do Iriri, afluente principal

do Baixo Xingu, levando a crer que os Ikpeng teriam habitado também aquela

região.

Já por volta de 1850, os Ikpeng ocuparam uma área caracterizada por

muitos rios convergentes, onde guerrearam com uma série de grupos. Mas os

nomes que dão aos rios não permitem identificar a região.

Porém, a configuração geral da bacia hidrográfica, a descrição de

certos recursos naturais (como castanha) e de acidentes geográficos, bem

como as evidências sobre nomes e características dos seus inimigos, permitem

supor que se trata da bacia do Teles Pires-Juruena, mais precisamente na

zona intermediária da confluência do Rio Verde-Teles Pires e da confluência do

Teles Pires-Juruena.

Quanto aos inimigos, eles mencionam os Tapawguo e os Awaga estes

podendo corresponder aos Kayapo e Kayabi que nesse período, entre 1850-

1900 ocupavam uma área entre o Juruena e seu afluente Arinos. Também

fazem referência aos Kumari, que corresponde à designação conhecida como

Panará, o povo dessa região.

Comentam também a presença de um grupo de brancos, que

possuíam cavalos e gado, entre os quais os Ikpeng capturaram várias

pessoas. Curiosamente, os Ikpeng chamam Tupi a este último grupo. Essas

hostilidades permanentes, mesmo que irregulares, provocavam sucessivos

deslocamentos das aldeias Ikpeng.

Pouco antes de 1900, pressionados por seus adversários, que, por sua

vez, eram pressionados pelo avanço da frente de colonização ao longo do

Teles Pires, os Ikpeng atravessaram a Serra Formosa, barreira natural que

assinala a divisão entre as bacias do Teles Pires-Juruena e o Alto Xingu.

Nessa região, parecem ter se confrontado novamente com os inimigos

do Teles Pires – Awaga e Kumari – além de um grupo que chamaram de

Pakairi, cuja composição incluía “brancos e alguns negros”. Trata-se

evidentemente dos Bakairi de Paranatinga (com mais probabilidade do que os

Page 31: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

30

do Rio Novo), já vivendo as conseqüências do contato com os não-índios,

vestidos como brancos e criando gado, misturados com caboclos.

As sucessivas aldeias Ikpeng na região alto-xinguana – cerca de 12 ao

longo da primeira metade do século XX – situavam-se todas perto de pequenos

afluentes ou braços mortos do Jatobá ou do Batovi, aproximadamente a 13º de

latitude Sul.

Por volta de 1930, iniciam os ataques contra as aldeias xinguanas

mais meridionais: Wauja, Nahukwá e Mehinako. Dessa maneira, pode-se supor

que o histórico de ocupação territorial Ikpeng corresponde à habitação na

região do Iriri pelo menos até a primeira metade do século XIX, posteriormente

uma migração para o Alto Tapajós e, depois de algumas décadas, o

deslocamento para o Alto Xingu, entre o final do XIX e o início do século XX.

A pacificação dos Ikpeng conseguida pelos irmãos Villas-Bôas

representou uma ruptura determinante na história desse povo, contribuindo

para instaurar uma nova relação com as outras etnias da região. A condição de

atacantes e temíveis guerreiros inverte-se em 1960, quando os Ikpeng

capturam duas jovens Wauja. Estas seriam portadoras da morte “branca”, pois

os Ikpeng começam a morrer de doenças respiratórias provocadas pelo vírus

da gripe.

Além disso, os Wauja resolvem se vingar e conseguem armas de fogo

com um brasileiro. O conflito provoca 12 mortes entre os Ikpeng, mas os Wauja

não conseguem recuperar as moças. Em razão da doença e das armas dos

“brancos”, os Ikpeng perdem assim em poucos meses metade de sua

população.

Em 1964, os Villas-Bôas os encontram numa situação bastante

precária, doentes e subnutridos. Procuram então auxiliá-los e lhes fornecem

instrumentos de metal. Mas os grupos não-indígenas que invadem a região

ameaçam cada vez mais a sua existência, trazem-lhes novas doenças e, em

1967, os Ikpeng aceitam a transferência para outro território, dentro dos limites

do Parque.

Sob a proteção das autoridades do Parque Indígena do Xingu, os

Ikpeng entram numa fase de dependência. Do ponto de vista sanitário e

Page 32: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

31

alimentar, recebem o apoio cotidiano do posto indígena. Além disso, os

indigenistas estimulam os outros povos do Parque a serem generosos com seu

antigo inimigo. Assim, os Ikpeng se dispersaram por um curto período, indo

cada grupo familiar hospedar-se em uma aldeia. Mas as relações com seus

hospedeiros foram difíceis, uma vez que os ressentimentos decorrentes do

período de guerras ainda estavam latentes.

No início da década de 1970, reagruparam-se e fizeram uma aldeia nas

proximidades do Posto Indígena Leonardo Villas Boas, na estrada que

desemboca na convergência do rio Kuluene com o rio Tuatuari. Não se

adaptaram ao local e, entre o final dos anos 1970 mudaram-se para a região do

Médio Xingu, abaixo da aldeia Pato Magro, dos Trumai.

Em 1985, Megaron Txucarramãe, então administrador do Parque, criou

o Posto Indígena Pavuru, distante cerca de 15 minutos da aldeia Moyngo.

Atualmente, este Posto é administrado pelos Ikpeng, constituindo quase que

em uma outra aldeia, onde vivem as famílias dos funcionários da FUNAI (chefe

de posto, assistentes, motorista de barco etc.), um dos professores e

funcionários Ikpeng do distrito de saúde.

Há ainda uma família responsável pelo Posto de Vigilância Ronuro,

próximo à região tradicional Ikpeng, no rio Jatobá. De modo, geral, os Ikpeng

são muito envolvidos na defesa do território do Parque, vigiando e prendendo

invasores, como madeireiros e pescadores.

Mas o principal alvo dos Ikpeng ultimamente tem sido a reconquista de

seu território anterior à transferência para o Parque, na região do rio Jatobá,

contígua ao PIX, mas que está fora de seus limites. Em setembro de 2002, foi

realizada uma expedição Ikpeng a esse território, com fins de reconhecimento

e para trazer recursos como plantas medicinais e conchas para a confecção de

brincos.

3.1.3 Importância dos nomes

A maioria dos Ikpeng possui individualmente uma impressionante lista

de nomes (entre seis e quinze, uma dúzia em média). A cadeia de nomes de

Page 33: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

32

cada um é recitada em um ritual (orengo eganoptovo: “recitação de nomes”)

relacionado com a cerimônia do regresso de uma expedição guerreira bem

sucedida.

Ou então é recitada em ocasiões muito formais em que um “grande”

(que não é designado como “chefe”, pois o termo não é adequado) expressa a

fala do grupo, através de formas especiais. Neste caso, começa o discurso

pela proclamação dos seus nomes, e vai repetindo diversas vezes, para

acentuar o que diz. Cada cadeia de nomes chama-se orengo e é composta de

um nome comum até um mais importante, o emirï – adquirido numa fase

adiantada da vida, sempre depois da morte dos pais.

O processo de nomeação é cumulativo, já que ao longo da vida um

indivíduo costuma ser nomeado diversas vezes e retém todos os nomes. A

utilização destes nomes opõe-se à dos apelidos, que são codinomes afetuosos,

zombeteiros ou ocasionais. O apelido é amït, termo que designa um tipo de

objeto de enfeite de uso jocoso.

Ao contrário dos nomes, os apelidos são descritivos, singulares

contingentes e esquecíveis. A maioria dos Ikpeng possui um apelido, que são

as designações mais utilizadas no cotidiano, em detrimento dos nomes. Ou

seja, apesar de todos possuírem muitos nomes, seu uso cotidiano é raro. De

todo modo, o processo de nomeação é fundamental para a concepção de

mundo e de reprodução social desse povo.

A denominação se faz de acordo com uma cadeia de três membros, no

interior de uma parentela. Um parente escolhe para uma criança uma

seqüência de nomes já existentes de um de seus próprios parentes,

geralmente morto.

Há então outro que designa e alguém que é designado. A relação entre

estes dois últimos é, freqüentemente, de parentesco próximo, como avôs

paternos e avós maternas.

A escolha do nome não é arbitrária, orienta-se por regras sobre a

transmissão dos nomes e, também, por considerações sobre a qualidade da

identidade social. Evita-se assim dar a uma criança o nome de um

Page 34: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

33

antepassado que tenha sofrido de uma falta grave ou de um excesso

pernicioso, pois há possibilidade da repetição de seu destino.

Dessa forma, por meio da transmissão de nomes, os Ikpeng concebem

uma relação contínua com os ancestrais, que remontam até os heróis

fundadores míticos.

Mas não apenas a continuidade social é assegurada, como também

novos nomes são incorporados ao longo do tempo, seja porque determinados

apelidos são adotados como nomes e transmitidos ou, principalmente, pela

incorporação de nomes dos prisioneiros estrangeiros. Mesmo que sejam

poucos, a importância dos cativos como nomeadores é grande e, assim que

tenham filhos com um Ikpeng, são preferencialmente convocados como

designadores.

Mesmo que o momento histórico em que vivam interrompa o ciclo

guerreiro e a captura de estrangeiros, esse modelo continua operando

conceitualmente, concentrando no plano simbólico um modo de pensar e agir

no mundo.

3.1.4 Organização social

Distinguem-se três grandes níveis de organização da sociedade

Ikpeng: o povo, a casa e o fogo. Entre os Ikpeng não existe uma expressão que

designe exatamente o “povo”, enquanto comunidade de língua e cultura, mas

várias formas que denotam aspectos particulares da coletividade. Na presença

de um não-Ikpeng, emprega-se preferencialmente o “nós” exclusivo, tximna,

que se opõe ao conjunto dos estrangeiros ou inimigos, urot. Como referência,

diz-se também freqüentemente ompan Ikpeng ningkïn, que significa “todos os

Ikpeng”.

A comunidade social Ikpeng é um grupo moralmente solidário em

relação ao exterior, que fala uma só língua (tximna mïran) e costuma ser

valorizado através da designação tenpano “gente” (ugwontowo), “conjunto dos

homens”, sobretudo em contextos cerimoniais e solenes, em que a

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34

humanidade essencial do “nós” se opõe à ambígua humanidade do

estrangeiro-inimigo.

O segundo nível que se pode reconhecer na sociedade Ikpeng é o

grupo doméstico. Habitam uma mesma moradia – cuja arquitetura assemelha-

se ao tipo alto-xinguano – agregados de unidades domésticas de tipo e

dimensão variáveis. A casa não privilegia um tipo de relação social, antes

contém todos os laços sociais existentes também entre habitantes de casas

diferentes, embora de modo mais denso.

Assim, é mais comum que as mulheres de uma casa vão colher os

tubérculos de mandioca e preparar o beiju juntas. Do mesmo modo, os homens

co-residentes costumam caçar e pescar em conjunto, na maioria das vezes o

homem caça e pesca sozinho.

Cada uma das várias famílias nucleares ou unidades domésticas co-

residentes estão agrupadas em torno de um fogo, que serve para cozinhar e

aquecer nas noites frias. Os que compartilham esse “fogo” constituem o

terceiro nível reconhecível da sociedade Ikpeng, geralmente composto pelo

marido, esposa e os filhos (biológicos e eventualmente adotivos).

Como se pratica a poliginia e a poliandria, a mulher pode ter mais de

um marido, que tem de ser irmão do marido. O homem também pode ter outras

mulheres, desde que sejam irmãs da sua mulher. Dessa forma tanto o homem

como a mulher podem ter mais de um cônjuge, que também partilham do fogo.

De modo geral os Ikpeng não distinguem os parentes consangüíneos

dos afins (parentes por aliança). Dessa forma, o parentesco não implica

necessariamente uma ancestralidade comum, podendo tratar-se de uma

procriação futura, se casa somente com o primo de segundo grau de sangue.

Portanto, virtualmente, todos os Ikpeng são parentes, sendo as diferenças nos

graus de parentesco relativas às regras matrimoniais.

Não há entre os Ikpeng uma noção de linhagem, pois um filho

descende sempre de seu pai e uma filha descende sempre de sua mãe. A

concepção propriamente dita resulta da cópula, mas o feto masculino (ugwon)

compõe-se unicamente da substância espermática. Por isso, é necessário

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35

alimentar continuamente o crescimento do embrião por meio de relações

sexuais durante a gravidez.

Efetivamente, a regra de filiação bilateral e o conjunto das outras

regras sociais não definem qualquer segmento social entre a comunidade

étnica e a família restrita. Os fatores econômicos e políticos, contudo, podem

moldar a forma dos agrupamentos e dar assim uma certa plasticidade aos

arranjos coletivos no reconhecimento da sociedade.

O status de prestígio (werem: “o cacique”, ou wepru: “o chefe de

trabalho”, ou simplesmente oke: “sábio”) depende de qualidades e esforços

pessoais e não são hereditários.

Existem sempre vários werem wepru, à volta dos quais se podem

cristalizar uma rede de parentela durante um certo período. Por fim, cada casa

tem um “senhor”, que é responsável por coordenar as atividades cotidianas,

mas que não exerce necessariamente a função de chefe.

3.1.5 Aldeia e praça cerimonial

Como apresentado no item anterior, a atual aldeia Ikpeng localiza-se

no Médio Xingu, abaixo da aldeia Terra Preta, dos Trumai. O modelo da aldeia

Ikpeng tem como centro cerimonial a “lua” ou praça ritual, constituída como

uma elipse com dois fogos.

Nela há ainda uma cabana coberta com um teto de duas águas e sem

parede, o mïngye, que não é uma casa de homens, como no modelo alto-

xinguano, pois as mulheres geralmente têm acesso ao local atualmente

denominado de mïngye kurotxiranpot casa de conselho.

Trata-se simultaneamente de um atelier de artesanato – melhor

iluminado do que a escuríssima casa de habitação – uma sala de ensaio para

os preparativos cerimoniais, um local onde amigos podem beber e comer fora

do grupo doméstico e, por fim, o “arsenal” onde alguns confeccionam, sob um

estrito tabu, ao fabrico do toucado otxilat, que representa a principal

indumentária do guerreiro.

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36

Em geral, os grandes rituais Ikpeng ocorrem nessa praça central

envolvendo todos da aldeia.

Na fase final do ciclo de iniciação (que culmina com a tatuagem feita no

rosto dos meninos de oito a doze anos), por exemplo, os caçadores regressam

depois de várias semanas passadas na floresta carregando um grande cesto

com caça moqueada, a qual é trazida com o auxílio de uma faixa frontal e de

redes suplementares, que é depositada na praça para sua distribuição.

Nos círculos cerimoniais os itinerários da dança rodam entorno de dois

pontos, dos quais um é o centro da casa e o outro é envolta do mïngye (casa

dos homens ou do conselho).

Mesmo quando a aldeia é constituída de várias casas e o mïngye fica a

quarenta metros da casa da festa ou do cacique (como acontece na aldeia

atual), cada casa compõe com ele um circulo de dança (Figuras 05 e 06).

Figura 5 - Os dançarinos levando cesto de caça e pescado defumados para casa Foto: Rosana Gasparini, 2008.

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Figura 6 - Preparativos para a dança Foto: Rosana Gasparini, 2008.

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Figura 7 - Menino dançando junto com o seu padrinho. Foto: Awarengku Ikpeng, 2009.

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39

3.2 Os IKPENG: a Festa da Tatuagem e sua relação com o Meio Ambiente 3.2.1 – Origem da Festa Moyngo

No princípio o povo Ikpeng não tinha festa nenhuma. Mas, existia uma

aldeia um dia de distância da outra. Só Maragarewm sabia da existência dessa

aldeia do Eptxum. Uma noite o Maragarewm sonhou com seu compadre e no

seu sonho o povo do Eptxum tinha morrido todo. Ao acordar cedo falou para

sua esposa que tinha sonhado com compadre dele e que ele ia à aldeia do

compadre para visitá-lo. Os dois eram grandes pajés, Maragarewm e Eptxum.

Bem cedo ele saiu para a aldeia do Eptxum, foi caminhando até acabar

o caminho da caçada da aldeia dele e, caminhou uma hora até encontrar

caminho da caçada da aldeia do Eptxum.

Foi caminhando, caminhando e caminhando até chegar ao caminho

grande, só que o caminho continuava com teia da aranha. Algumas hora

depois Maragarewm chegou ao córrego e no córrego voaram os urubus e ele

viu uma pessoa morta.

Ele parou, ficou olhando para descobrir se ele foi atacado por algum

animal ou foi picado por cobra. Não tinha nada de ferimento no corpo, somente

as bicadas dos urubus. Maragarewm continuou caminhando, ao longo do

caminho ele foi encontrando as pessoas mortas, alguns mortos já

decompondo, outras pessoas haviam acabado de morrer.

Maragarewm foi passando pelos mortos até chegar à aldeia. Na aldeia

tinham mais mortos, na casa do centro chamada de Mïngye. Lá o compadre

dele, o Eptxum, estava morto. Maragarewm pensava. – Que será que

aconteceu com vocês? – Será que uma doença brava atacou seu povo ou

espíritos atacaram sua aldeia e mataram todos vocês.

Maragrewm entrou na casa, viu muita gente morta no chão, na rede, do

lado do fogo, quem estava fazendo artesanato ali mesmo havia morrido com

artesanato nas mãos, as mulheres com seus filhos, mortas nas redes.

Maragarewm foi até o porto da aldeia, ao longo do caminho do porto

ele foi passando pelos mortos, chegando à beira do córrego viu mais mortos,

tinha gente morta até na água, ele voltou do porto e passou no pátio todo da

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40

aldeia encontrou mais morto, ele deu uma caminhada de alguns metros pelos

caminhos de roças e caçadas, tinha gente morta também. O sol já estava se

pondo, era por voltar de quatro horas da tarde quando ele resolve ir embora, só

que calculou as horas e não ia dar para ele chegar na aldeia dele ainda claro,

com isso Maragarewm resolveu dormir.

- Já está tarde, vou dormir aqui e descobrir o que aconteceu com meu

compadre, pensou ele.

Maragarewm entrou na casa pegou a peneira velha (maropi) e foi no

lixo da casa e encheu a peneira de caroço de tucumã. Enquanto isso o sol já

estava indo embora, ele se escondeu no canto da casa aonde ninguém podia

vê-lo.

Por volta das 18h00min ele começou ouvir os gritos dos animais como

raposas, lobos e pios de vários pássaros; esses bichos foram se juntando na

casa do centro (mïngye). De repente ele escutou vozes de pessoas.

Maragarewm pensou. Como eles podem falar se estão todos mortos?

O Txero (tucano) falou para Eptxum:

- Pupa ïmun yenenap pupa. – O senhor vai fazer festa porque eu que

quero fazer tatuagem no meu filho.

Eptxum respondeu:

- Eneng eneng, eram omro, epkewa ugro, okekmop. – Pode fazer a

festa, que já tem tempo que a gente não tem feito e as crianças já estão

grandes.

O Tucano foi pedir outras crianças para os pais, todos os pais

concordaram com ele. Logo em seguida eles começaram se preparar para

iniciar a festa.

- Ari mama wenmeplï, ma kutxemakarugen. – pessoal, vamos iniciar a

festa antes que amanheça o dia, falou o Tucano.

Os dançarinos se preparam e foram chamar o cantor, que era Eptxum.

Isso estava acontecendo tudo na casa do centro.

- Pupa, pupa mama geremrï yukwako enmeplï. – O senhor vem cantar

para nós que já está amanhecendo.

Page 42: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

41

O Eptxum começou a cantar uma música que o seu conteúdo fala sobre

o mingau e a importância que ele tem para o povo Ikpeng:

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

As mulheres repetiram a música cantada pelo Eptxum.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

Essa outra parte da música fala do mingau feito de mandioca e do

mingau feito de milho:

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

Page 43: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

42

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

Essa parte fala que o mingau é quente, da forma como ele deve ser

servido, sempre bem quente:

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE,

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

Page 44: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

43

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

Essa outra parte do canto fala que o mingau é feito em uma panela

grande e que deve ser consumido pelas pessoas durante a festa:

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

Page 45: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

44

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

MEMEMEMEME !

Txero chamou as mulheres para irem buscar mandioca. Isso era bem

no início da noite. O Eptxum foi com as mulheres na roça. As mulheres foram

chegando com a mandioca e chamaram o Eptxum para cantar, ele foi cantar.

Essa parte da música fala sobre a mandioca, dizendo que ela é plantada

longe e que é preciso ter pernas e braços fortes para aguentar arrancar e

carregar a mandioca:

Page 46: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

45

IWAKMUNÏ IWAK TARÏWE,

IWAK MUNÏ IWAK ANARÏ,

OPTXINKOM EMPEWA, OWETKOM EMPEWA,

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAKMUNÏ IWAK TARÏWE,

IWAK MUNÏ IWAK ANARÏ,

OPTXINKOM EMPEWA, OWETKOM EMPEWA,

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAKMUNÏ IWAK TARÏWE,

Page 47: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

46

IWAK MUNÏ IWAK ANARÏ,

OPTXINKOM EMPEWA, OWETKOM EMPEWA,

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

MEMEMEMEMEME !

Como mencionado anteriormente, a cada três minutos o Eptxum pedia

para um tipo de festa, só que o padrão da dança era sempre a mesma.

Assim ele foi mostrando as músicas para cada tipo de acontecimento,

enquanto isso acontecia Maragarewm estava bem escondidinho no canto da

casa do Eptxum, os dançarinos estavam realizando as danças na casa do

conselho (mïngye).

Maragarewm foi ouvindo as músicas durante a noite que ele ficou

escondido no canto da casa. Assim ele foi aprendendo as músicas e como são

organizadas para realizar cada etapa da festa, ficou a noite inteira acordado.

Quando o dia foi clareando, os que estavam fazendo festa começaram

a imitar os animais. Conforme foi clareando, as almas foram sumindo, o dia

amanheceu totalmente e Maragarewm saiu do esconderijo, foi ver os rastros na

casa de Conselho. Não viu nada, só tinham os rastros de raposas e outros

animais que andam à noite.

Ele foi embora para aldeia dele, chegou ao cair da tarde. No outro dia

ele contou para seu pessoal, o que viu na aldeia do seu compadre. Assim o

povo de Maragarewm começou realizar a festa da tatuagem.

3.2.2 – Plantas utilizadas no ritual da tatuagem

Quadro 1 – Plantas utilizadas no ritual da tatuagem

Nome em Ikpeng

Nome em Português

Parte Utilizada Finalidade

Yepkuy - Látex Fixar tiras de bambu no rosto

Page 48: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

47

Yemï - Látex Mistura no urucum para dar consistência

Yego - Tronco Fazer espetos para furar as orelhas dos meninos

Powuk Bambu Usado para fazer flautas

Txintat Embira Casca Usado para amarrar várias coisas durante o ritual

Engnet Buriti Broto e palha

Fazer enfeite para os braços e flauta

Onon Urucum Semente Passar no cabelo e no corpo

Ototo Tucum Broto Armação de cocar

Munuki - Galhos Para fazer tochas

3.2.3 – Animais utilizados no ritual da tatuagem

Quadro 2 – Animais utilizados no ritual da tatuagem

Nome em Ikpeng

Nome em Português

Parte Utilizada

Finalidade

Anpiru Irara Carne e couro

Couro na confecção de objetos

Txeruka Quati Carne e couro

Couro para fazer enfeite

Kuremat Veado Carne e couro

Alimentação durante o ritual

Pow Caititu Carne e couro

Só os mais velhos comem a carne

Awyana Queixada Carne e couro

Carne consumida pelos mais velhos e couro feito enfeites

Akari Jaguatirica Carne e ossos

Carne para dar coragem e os ossos para perfurar a orelha durante o ritual

Tunan Capivara Carne e dente

Consumo da carne e dente para fazer colar

Wakala Cegonha Penas e penugens

Fazer cocar para o ritual

Page 49: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

48

Pakupa Garça Carne e penas

Comem a carne e fazem enfeites com as penas

Tugu Tuiuiú Penas e penugens

Fazer artesanatos e enfeitar o corpo para o ritual

Yakwa Tucano Carne e pena

Comem a carne e as penas do ramo são utilizadas nos enfeites

Rowinto Pato Carne,

penas e penugens

Comem a carne e usam as penas e penugem para enfeitar a cabeça

Diante do acima exposto, o Ritual da Tatuagem envolve uma série de

plantas e animais, sem os quais a festa não seria possível, há necessidade de

ensinar os jovens a não matarem os animais e aves sem ter utilidade. O mais

importante é preservar o meio ambiente para quando precisar dele para fazer a

festa, porque sem ela os Ikpeng não podem fazer nada. É do meio ambiente

que os Ikpeng tiram a sustentabilidade e os materiais para a confecção de

artefatos que utilizam em seus rituais tradicionais.

3.2.4 As etapas da Festa da Tatuagem

Conforme a entrevista feita com o senhor Karane, a festa tem quatro

momentos ou seja quatro etapas:

Na primeira etapa, os dançarinos se reúnem num trabalho de corrida

com a lenha para anunciar que estão programando a realização da festa, à

noite realizam uma reunião com os anciões, cacique e pajés na casa de

Conselho da aldeia para informar que vão realizar a festa. Os anciões só

concordam que isso é muito importante para deixar a comunidade em alegria e

assim as atividades da aldeia serem trabalhadas coletivamente. Após isso o

chefe dos dançarinos e caçadores juntos com outras pessoas falam com os

pais dos meninos que tenham completado 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 anos de idade.

Nem sempre os pais aceitam o pedido de seu filho para ser tatuado. Enquanto

isso outro grupo de dançarinos anuncia e convida as pessoas para a festa do

dia seguinte. Como os padrinhos que cuidam do menino ou menina são muito

caros, os pais têm que presentear os padrinhos na última noite. Por isso alguns

Page 50: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

49

pais recusam quando o filho ou filha pede para fazer tatuagem. Eles vão de

casa em casa falar com todos os pais se aceitam fazer tatuagem no seu filho

ou na sua filha, até dar a volta na aldeia. Na madrugada, por volta das cinco

horas, começa a primeira festa e são cantadas estas músicas:

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE. As

mulheres repetiram a música cantada pelo Eptxum.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE

NIMAKARO, NIMAKARO, NIMAKARO,

NIMAKAROYEEEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEEEE, NIMAKARO YEEEEE.

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

Outra música.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

Page 51: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

50

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

KRUYE, KRUYE

KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE, KRUYE, KRUYEYE KRUYE KRUYEYE.

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

Outra música:

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE,

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

Page 52: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

51

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

ÏRÏMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

OKUMÏNAYGE NANAYGEEEE OYOE,

NANAYGE NANAYGEEEEEEEE

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

YETKO YETKO RU YENGRÏ

Page 53: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

52

YETKO YETKO

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

NENPARANTU YENGRÏT,

OKE WARANTU YENGRÏT,

YETKO YETKO,

YETKO YETKO RU YENGRÏ

YETKO YETKO

MEMEMEMEME!!!!!!!!!

Quando o dia clareia o chefe de festa chamado de Wokyoro, passa nas

casas convidando as mulheres para irem buscar mandioca de caldo doce na

roça. Enquanto os jovens começam a ter aulas de orientação de manejo dos

recursos naturais, um dos velhos orienta os jovens como se tira yetkuy.

Não pode ser derrubada a árvore yetkuy, para tirar látex, não é

necessário tirar a casca toda da árvore, só se tira uma parte, com muito

cuidado, para que a árvore não corra perigo de morrer. Assim o sábio ensina

para os jovens o manejo de todos os recursos que serão utilizados durante a

festa.

Este é um momento importante de transmissão de conhecimentos

tradicionais do povo Ikpeng, particularmente no que se refere à Educação

Ambiental e Manejo Sustentável.

Page 54: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

53

Tudo isso é feito na prática, no aprender fazendo com os mais velhos

durante os rituais. Não existem cartilhas, livros didáticos ou manuais que

ensinam essas técnicas aos jovens Ikpeng, tudo é aprendido no dia-a-dia da

atividade do ritual de passagem. Por isso a grande importância da manutenção

dos rituais e da presença dos jovens nessas manifestações culturais

tradicionais.

Algumas horas depois as mulheres chegam com mandioca. Perto da

casa do conselho o cantor é chamado para cantar as músicas da mandioca

que são:

IWAKMUNÏ IWAK TARÏWE,

IWAK MUNÏ IWAK ANARÏ,

OPTXINKOM EMPEWA, OWETKOM EMPEWA,

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAKMUNÏ IWAK TARÏWE,

IWAK MUNÏ IWAK ANARÏ,

OPTXINKOM EMPEWA, OWETKOM EMPEWA,

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

Page 55: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

54

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAAAGÏ, IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAKMUNÏ IWAK TARÏWE,

IWAK MUNÏ IWAK ANARÏ,

OPTXINKOM EMPEWA, OWETKOM EMPEWA,

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

IWAGÏ, IWAGÏ OHO OOOOO.

MEMEMEMEMEME!!!!!!!!!!!!

Depois das mulheres tomarem banho, recomeça a música da

mandioca de caldo doce, com o pajé que canta as músicas dos espíritos que

só ele sabe. A cantiga dura enquanto as mulheres descascam e ralam

mandioca para preparar mingau de mandioca doce para ser tomado durante a

festa à noite, pelos dançarinos e os pais dos dançarinos, para não passarem

fome. São mais de cinqüenta músicas de mandioca:

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

Page 56: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

55

OHU OHU UUUUUUU

O HU O HU O HO HUOOOOOO

O HU O HU O HO HUOOOOOO

O HU O HU O HO HUOOOOOO

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

OHU OHU UUUUUUU

O HU O HU O HO HUOOOOOO

O HU O HU O HO HUOOOOOO

O HU O HU O HO HUOOOOOO

3.2.5 – Orientações de manejo entre os Ikpeng

Passado essa etapa do ritual da tatuagem, começam os preparativos

de manejo dos recursos naturais e as buscas dos materiais. Os mais velhos

começam a ensinar para os jovens o manejo, ou seja, como tirar, quando tirar,

quem tira, porque não pode tirar. Por exemplo: powuk (bambu), quem tem filho

com menos de seis meses não pode tirar, senão faz mal para criança, quem

Page 57: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

56

tem filho com menos de três meses não pode usar látex e bambu no rosto,

senão pode fazer mal para a criança.

Não pode cortar as raízes do bambu para tirar brotos para tirar

pelinho, também não precisa derrubar o buriti para tirar o ramo da palha para

fazer flauta (Figura 08).

Figura 8 - Cortando yego para furar a orelha dos meninos Foto: Awyara Ikpeng, 2008.

Esse manejo não é só com as plantas, isso acontece também com as

aves e outros animais. Por exemplo: não pode matar a garça quando esta

chocando e nem animais quando estão em cria.

Aqui percebemos mais uma vez a preocupação do povo Ikpeng na

transmissão do conhecimento sobre o meio ambiente que os cercam para os

jovens, principalmente na forma e nas restrições que devem ser tomadas para

a exploração da natureza.

A natureza para ele é um espaço-tempo sagrado, marcado por

questões cosmológicas que transcendem a própria vida terrena.

Page 58: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

57

Segundo Brandão (1994), ao discorrer sobre a relação dos povos

indígenas com a natureza afirma que

“(...) as aldeias são o lugar de um povo e não se separam do mundo à volta delas. Assim como o meu quarto se confirma na casa e a minha casa, nas outras e todas, na aldeia, a aldeia e os seus caminhos são parte das terras de batatas e milho, dos pastos de gado, dos bosques. E tudo existe dentro dos mesmos círculos de vida em que estão os rios e se prolongam pelos montes e pelas cordilheiras” (Brandão, 1994, p. 6).

Essa música fala sobre o ramo de palha do buriti, que é usado para

fazer flauta. A música conta então como se deve fazer para cortar o ramo e

fazer a flauta:

GEGÏ EWÏEPROGRU,

OGOEWÏ EPROGRU,

GEGÏ YETPOTANTXI MOPAERE

AYE MOPAERE, MOPAERE

AYE

GEGÏ EWÏEPROGRU,

OGOEWÏ EPROGRU,

GEGÏ YETPOTANTXI MOPAERE

AYE MOPAERE, MOPAERE

AYE

GEGÏ EWÏEPROGRU,

OGOEWÏ EPROGRU,

GEGÏ YETPOTANTXI MOPAERE

AYE MOPAERE, MOPAERE

AYE

AYE MOPAERE, MOPAERE

OYOE MOPAERE, MOPAERE

Page 59: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

58

AYE

AYE MOPAERE, MOPAERE

OYOE MOPAERE, MOPAERE

AYE

AYE MOPAERE, MOPAERE

OYOE MOPAERE, MOPAERE

AYE

MEMEMEME.

Essa parte da música fala da importância do ramo de buriti para os

Ikpeng, sendo cantada para alegrar o espírito dono do buriti, para que ele não

faça mal as pessoas durante a festa:

ENGNETXI WÏRA, WÏRA YEGONPO

OGOMOWÏRA WÏRA YEGONPO

ENGNETXI WÏRA GONPO

ANKETKANG MANO

ENGNE, ENGNE, ENGNE RIYO

ENGNE EHE

ENGNETXI WÏRA, WÏRA YEGONPO

OGOMOWÏRA WÏRA YEGONPO

ENGNETXI WÏRA GONPO

ANKETKANG MANO

ENGNE, ENGNE, ENGNE RIYO

ENGNE EHE

ENGNETXI WÏRA, WÏRA YEGONPO

OGOMOWÏRA WÏRA YEGONPO

ENGNETXI WÏRA GONPO

Page 60: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

59

ANKETKANG MANO

ENGNE, ENGNE, ENGNE RIYO

ENGNE EHE

ENGNE, ENGNE, ENGNE RIYO

ENGNE EHE

ENGNE, ENGNE, ENGNE RIYO

ENGNE EHE

ENGNE, ENGNE, ENGNE RIYO

ENGNE EHE

A preparação dura de dois a três dias mobilizando a comunidade da

aldeia na participação dessa grande festa para despedir dos falecidos.

Nessa festa são usados três tipos de cocares e uma máscara: kunma

(cocar de rabo de rei-congo), orok (cocares branco de pena da garça, tuiuiú,

urubu-rei, cegonha, pato e de gavião-real), tïla (cocar de pena de garça com

rabo de mutum) e kantxigong (máscaras).

A festa começa por volta das 15h00min num acampamento próximo da

aldeia e depois segue para o pátio da aldeia, se tiver um falecido ou falecida os

parentes são pintados de preto com carvão (viúvo, viúva ou filhos). A festa dura

a noite inteira até o dia clarear, às 07h00min da manhã pára a festa.

A partir disso começa a festa da flauta com a música, que dura cerca

de quatro meses, após isso os caçadores começam fazer levantamento e

avaliação de lugares para caçada e a procurar cera de jatobá para fabricar

fuligem para fazer tatuagem nos meninos e orientação para tirar os recursos

naturais, porque não podem derrubar a árvore, como por exemplo o jatobá.

Começa também a tirada de wew (varas) para fazer tocha, para esquentar os

meninos que vão fazer a tatuagem, isso é usado a noite inteira.

Wew (varas) são tiradas três vezes, porque não é usada somente para

esquentar os iniciados, são usadas em vários outros momentos, como por

Page 61: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

60

exemplo, quando os caçadores chegam ao acampamento eles usam para

iluminar a caça que será ofertada de presente aos padrinhos (Figura 09).

Figura 9 - Distribuição de alimentos aos padrinhos durante o ritual Foto: Kavisgo Ikpeng, 2008.

As varas também têm músicas, para que elas não acabem e não

enfraqueçam no futuro, para que esse recurso continue existindo para sempre,

que não falte quando for realizar a festa de tatuagem.

Dessa forma, a música a seguir fala da importância do fogo para

aquecer os meninos durante a noite:

EREPI EREPI YA AHA

EREPI YA AHA

EREPI EREPI YA AHA

REPI YA AHA

A A AAAHA

Page 62: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

61

EREPI EREPI YA AHA

EREPI YA AHA

EREPI EREPI YA AHA

EREPI YA AHA

A A AAAHA

EREPI EREPI YA AHA

EREPI YA AHA

EREPI EREPI YA AHA

EREPI YA AHA

A A AAAHA

3.2.6 Preparação e planejamento para a caçada

Durante três meses a comunidade se prepara para a caçada, as

mulheres começam a secar polvilho, a massa de mandioca e a debulha o milho

para servir de mantimento aos caçadores.

Por um mês os homens começam a procurar cera de jatobá para

fabricar fuligem que é usado com sumo de folhas de uma árvore, conhecido

popularmente como madeira de cupim para fazer tatuagem nos iniciados.

Nesses momentos, todo final da semana é realizada a festa. Em quatro delas

acontece a furação de orelha e a fabricação de fuligem (Figuras 10 a 17).

Durante o segundo mês a comunidade faz uma reunião para

posicionamentos dos caçadores e fazer levantamento dos lugares de caça e

escolher um lugar aonde vai caçar para essa festa. É que tem de ter mais de

seis anos sem caçar no lugar. O dono da festa chamado de wokyoro (dono da

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62

festa) faz pergunta para cada caçador, se ele pode ir ou tem um trabalho a

fazer no mês que vai ter a caçada.

Figura 10 – Mulheres preparando polvilho Foto: Awarengku Ikpeng, 2009.

Figura 11 – Preparando o buraco para colocar a cera de jatobá e acender o fogo

Foto: Kavisgo Ikpeng, 2008.

Page 64: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

63

Figura 12 – Colocando a cera no buraco Foto: Kurepa Ikpeng, 2008.

Figura 13 – Colocando fogo no buraco Foto: Kurepa Ikpeng – 2008.

Page 65: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

64

Figura 14 - Fogo sendo colocado no buraco Foto: Kurepa Ikpeng – 2008.

Figura 15 – O buraco é tampado para que a fuligem se fixe nas costas dos tachos

Foto: Kurepa Ikpeng, 2008.

Page 66: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

65

Figura 16 - No dia seguinte o Txiwo (fuligem) é tirado pelas mães ou avós dos meninos que serão tatuados - Foto: Kurepa Ikpeng, 2008.

Figura 17 - Furação de orelha Foto: Kavisgo Ikpeng, 2008.

Page 67: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

66

Essa reunião é realizada à noite no mïngye (na casa do conselho da

aldeia) onde apenas os homens participam. Ela também é para ver quantas

pessoas vão e quanto de comida precisa preparar para levar.

Sendo assim os mantimentos são preparados na quantidade da família

que vai à caçada. Além de mercadorias comunitárias, cada família leva alguns

mantimentos particulares, para que não falte comida para seus filhos.

Durante o ultimo mês os jovens que irão na caçada são treinados e

orientados como caçar e não cortar os recursos só por cortar, ter respeito aos

diferentes materiais.

Recursos naturais, recursos materiais e recursos espirituais,

principalmente os animais e também as aves, sobre isso eles são orientados

profundamente.

Os jovens, também são treinados para reconhecimento das frutas

silvestres para se sustentar durante os dias que estiver caçando; que é proibido

derrubar as árvores frutíferas da mata.

Eles também aprendem os tipos de cipós que têm a água que servem

para tomar e os cipós que têm veneno que não pode tomar a água deles, são

ensinados também para não comerem qualquer fruta silvestre que pode fazer

mal para a saúde.

Assim também eles aprendem os nomes das árvores e passam a

serem chamados de “guardião da natureza”, porque sem elas não há vida para

ninguém, por isso é extremamente importante preservar a mata, se acabar com

ela, não vão mais realizar os rituais, usufruem para sua sobrevivência.

A mata é a sua “farmácia” de onde tiram vários tipos de remédios, o

verdadeiro “supermercado” de onde tiram os alimentos, a “loja de construção”

de onde tiram materiais para construção das casas, além de outros materiais

(Figuras 18 e 19).

Page 68: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

67

Figura 18 - Armação de caibro da casa de festa de Rito de Passagem Foto: Artema, 2009.

Figura 19 – Casa da Festa da Tatuagem. Capacidade para cerca de duzentas pessoas - Foto: Iokore Kawakum Ikpeng, 2008

Page 69: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

68

Não são somente os rapazes que têm o direito de aprenderem como

respeitar a natureza, as moças também recebem as orientações de como viver

na mata por meio de seus pais e como podem ajudar durante a caçada, por

exemplo, cuidando dos irmãos.

Os meninos também recebem orientações de que eles não podem

quebrar as árvores dos acampamentos e não fiquem subindo nas árvores

frutíferas, muito menos derrubando os frutos ainda verdes.

Dessa forma a comunidade inteira recebe uma formação simultânea

sobre o meio ambiente. Esse processo educativo se manifesta em espaço não-

escolarizado, qual seja, no pátio da aldeia.

A caçada para a festa do Rito de Passagem é também o momento de

buscar os recursos para os artesanatos, então ela não é somente para caçar.

Na oportunidade são caçados tucanos para tirar pena vermelha e amarela do

rabo, são tirados purumutxi (ponta para flecha), pïlu (imbé para amarrar flecha),

piengï (embira de embaúba para corda de arco), ototo (broto de tucum para

fazer cesta), engnet (broto de buriti para fazer rede para usar na festa e

remédios).

Atualmente as sementes são coletadas para fazerem mudas e serem

plantadas na mata mais próxima da aldeia. O woyoro faz a última reunião com

os caçadores, se tem alguém que mudou de idéia de ficar ou um compromisso

a fazer no mês, ele planeja o dia que vai sair para caçar.

3.2.7 – Saída para caçar

Desse modo chega a semana esperada pelos caçadores. É feita uma

festa a noite inteira e, no dia seguinte, às 17h00min os homens da comunidade

vão no mato para desenharem, ou melhor, fazerem bonecos de qualquer caça,

animais, aves, entre outros e até de objetos que querem ganhar no final da

festa, os meninos de oito anos de idades participam (Figuras 20, 21 e 22).

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69

Figura 20 – Homens fazendo objetos Foto: Karane Txicão, 2008.

Figura 21 - Boneco de um macaco prego Foto: Karane Txicão , 2008.

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70

Figura 22 - Um menino de seis anos de idade com seus bonecos Foto: Karane Txicão, 2008.

Figura 23 - Os homens guardam os bonecos na casa da festa Foto: Karane Txicão, 2008.

Page 72: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

71

Quando começa a escurecer os bonecos são levados para dentro da

casa ou para dentro do mïngye (Figura 23). É oferecido um mingau para os

bonecos para dar sorte para cada um dos caçadores. Os bonecos são

chamados de ukgwankanin (nossa caça).

É obrigatório todos os homens participarem desse momento, porque se

uma pessoa não participar ela nunca vai ter sorte nas caçadas ou ganhar um

presente, por isso é importante participar.

Os pais incentivam seus filhos a participarem. Somente os homens

participam da festa da caça, as mulheres não participam, somente os

caçadores participam, os que não vão à caçada também não participam.

No meio da noite os homens começam chamar um a um para começar

a festa da caçada, denominada de ungwo eremrï (música de caça). Dançam a

madrugada inteira e só os homens cantores entoam as músicas. Às 03h00min

da madrugada as mulheres se juntam para fazer beijus e fiar calendário

chamado de weru, são mais ou menos 60 músicas, como a descrita a seguir:

YAROKPEPRIKTE O HU, O HU

YAROKPEPRIKTE O HU, O HU

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

YAROKPEPRIKTE O HU, O HU

YAROKPEPRIKTE O HU, O HU

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

YAROKPEPRIKTE O HU, O HU

YAROKPEPRIKTE O HU, O HU

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

Page 73: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

72

Refrão.

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

TOKULO KULO OOO

Todas as vezes que pára uma música, a pessoa faz um pedido de

qualquer coisa que deseja ganhar ou realizar um sonho tão esperado. Outros

podem escutar o pedido, não é secreto.

Bem cedinho o chefe dos caçadores chama o pessoal da aldeia para

apresentar, o calendário marcando os lugares de descanso e acampamentos

da caçada. Ele repete várias vezes para que ninguém fique com dúvida da data

do retorno, assim as pessoas da aldeia podem ir se preparando para recebê-

los.

Por volta das 09h00min os caçadores começam embarcar em suas

canoas. Após dois dias o woyoro trás weru umi (a caça do calendário), depois

disso o pessoal da aldeia começar se preparar para receber os caçadores e

abrem caminho, quando terminam de abrir o caminho, fazem o acampamento

próximo da aldeia para os caçadores. Depois começam a confeccionar as

máscaras para dançarem e recebê-los, enquanto outros tiram bambu. Tudo

isso é um aprendizado para os jovens da aldeia, principalmente para os jovens

caçadores que irão retornar um mês depois.

3.2.8 A volta dos caçadores

Passado um mês chega o wokyoro (o dono da festa) com sua

esposa trazendo um pouco de caça defumada para a comunidade, avisando

Page 74: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

73

que estão de volta, que no dia seguinte ele estará chegando com sua equipe

(Figura 24, 25 e 26).

Figura 24 - Wokyoro com sua esposa e neto chegando na aldeia Foto: Rosana Gasparini, 2008.

Figura 25 - Wokyoro contando como foi a caçada para as pessoas da aldeia Foto: Rosana Gasparini, 2008.

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74

Figura 26 - Mulher do Wokyoro contando quem foi o melhor caçador Foto: Rosana Gasparini, 2008.

Uma hora depois o Wokyoro volta para acampamento levando comida

para o seu pessoal.

À noite os pais orientam seus filhos a respeito do ritual de resistência,

onde eles estarão sob a responsabilidade dos padrinhos, informando que

quando precisarem de uma alguma coisa devem falar com seus padrinhos.

Ensinam que eles devem passar a maior parte da noite andando, só

devem pedir para serem carregados quando estiverem com sono. Não podem

chorar quando começarem a ser tatuados, pois isso é feio, senão os outros vão

falar de suas famílias, que são fracos.

A partir desse momento o jovem a ser tatuado fica recluso e não pode

comer comidas gordurosas e doces. Devem se alimentar apenas do que é

permitido para os meninos que fizeram a tatuagem, pelo período de um mês.

No dia seguinte as mulheres da aldeia vão buscar mandioca de caldo

doce para a festa que é preparada para esperar os caçadores (Figura 27 e 28).

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Figura 27 - As mulheres preparando PÏTXA (mingau) para a festa Foto: Yalau Waura Ikpeng, 2009.

Figura 28 - WOKPO (mingau de caldo doce da mandioca) cozinhando Foto: Yalau Waura Ikpeng, 2009.

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Os padrinhos e os jovens dançam a noite inteira e parte do dia (Figura

29).

Figura 29 – Jovens se preparando para a dança Foto: Rosana Gasparini-2008

Por volta das 14h00min os caçadores chegam próximo da aldeia e

trazem o MAYAKU (um cesto grande para guardar caça e pescado defumados)

carregando na costa até chegarem ao acampamento (Figura 30).

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Figura 30 – Homens carregando cesto com caça e peixe defumado Foto: Kurepa Txicão, 2008.

As mulheres campeãs ou as mães, para retribuir força, conhecimento e

resistência para os meninos a serem tatuados, também carregam um MAYAKU

com couros de caças (Figuras 31).

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Figura 31 – Mulheres carregando cesto Foto: Kavisgo Ikpeng, 2008.

Figura 32 – Mulheres recebendo caça e peixe defumado dos caçadores Foto: Komoru Ikpeng, 2008.

Page 80: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

79

Por volta das 17h00min WOKYORO vai até a casa chamar as

mulheres para buscar a caça defumada (Figura 32).

Por volta das 20h00min o chefe dos trabalhadores chama os caçadores

no acampamento para virem tomar Pïtxa (mingau).

Após os caçadores tomarem mingau o chefe dos caçadores convida os

pais e a comunidade para irem ao acampamento ver as caças que serão

entregues como presentes aos padrinhos. Ele abre o cesto de presente, as

mães ficam sentadas em volta do cesto, ele põe as caçar no colo delas (Figura

33).

Figura 33 – Padrinhos recebendo a caça Foto: Rosana Gasparini, 2008.

Após colocar toda a caça no colo das mães, o chefe dos caçadores faz

um breve relato de como foi a caçada. Depois dele um ancião que já foi grande

caçador faz uso da palavra agradecendo os jovens caçadores e faz uma

pergunta para o chefe: se os jovens têm preparo físico para caçar.

Fala também que está muito orgulhoso pelos seus caçadores

profissionais que um dia foi seus alunos, que agora estão ensinando para

outros jovens, que esse conhecimento tem que ser repassado para novas

Page 81: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

80

gerações e continuar para sempre. Quando o ancião termina sua fala os alunos

colocam barbantes em algumas caças e depois são guardadas de volta no

cesto e as pessoas são liberadas.

Às cinco horas da madrugada os caçadores competem em agilidade

com os dançarinos, até o dia clarear. Após isso os caçadores trocam os

enfeites com dançarinos e vão ao acampamento carregando o cesto de caça

para trazer para dentro da casa de festa e as mulheres carregam cesto de

couro. Os caçadores voltam para suas casas (Figura 34).

Figura 34– Mulher carregando cesto com couro de caça. Foto: Rosana Gasparini, 2008.

Page 82: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

81

3.2.9 Parte mais importante da festa

Após levarem o cesto para dentro de casa, as mulheres vão buscar

mandioca de caldo doce para preparar pïtxa (mingau). Quando as mulheres

voltam da roça o cesto grande é aberto pelo chefe dos caçadores e as caças

são distribuídas entre os caçadores, que posteriormente dividem a caça com os

seus parentes. Os pais continuam orientando seus filhos como se comportarem

com seus padrinhos.

Por volta das 16h00min os padrinhos se juntam no centro da casa de

festa e os meninos recebem as últimas orientações dos seus pais.

A partir daí eles passam a ser dos padrinhos, são oficialmente entregue

para seus padrinhos que levam eles para MÏNGYE para tomarem banho de

purificação e cortarem os cabelos deles (Figura 35, 36 e 37).

Figura 35 - Padrinho dando banho de purificação no seu afilhado Foto: Awarengku Ikpeng, 2009.

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82

Figura 36 – Menino sendo preparado para corte de cabelo Foto: Kavisgo Ikpeng, 2008.

Figura 37 - Padrinho cortando cabelo do seu afilhado Foto: Awarengku Ikpeng, 2009.

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83

As redes são amarradas no centro da casa da festa e eles são levados

para as redes onde são orientados a ficarem com os olhos fechados e quietos.

Os guardiões ficam sentados perto (Figura 38).

Figura 38 – Guardiã sentada cuidado dos meninos Foto: Kavisgo Ikpeng, 2008.

Após as 18h00min os padrinhos chegam na casa e começam a festa

de resistência com seus afilhados. São necessários seis padrinhos para que

eles possam tomar conta dos meninos (Figura 39).

Dessa forma eles passam a noite inteira cuidando dos meninos, sem

parar até o dia clarear e os meninos serem devolvidos aos seus pais e as suas

mães, que lavam os rostos dos filhos para serem tatuados.

Enquanto isso outras mães tiram fuligem. Um dos pais vai buscar

ANKUWINGO, umas folhas para fazer o sumo e misturar com fuligem para

fazer a tatuagem nos meninos. Tanto a mulher como o homem podem tirar

sumo.

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Figura 39 - Os padrinhos prontos para irem dançar com seus a filhados Foto: Kurepa Txicão, 2008.

Figura 40 - Menino sendo tatuado Foto: Araver Txicão, 2008.

Page 86: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

85

Mais uma vez os pais orientam seus filhos para não chorar perante o

público, que isso seria uma decepção para sua família e seus padrinhos,

porque o primeiro dia da tatuagem é feito na presença da comunidade para ver

quem será corajoso na turma e que irá ganhar respeito na comunidade, assim

sua família também será respeitada e seus padrinhos se orgulharão.

A tatuagem é refeita durante 15 dias (Figuras 40 e 41).

Figura 41 - Menino tatuado Foto: Araver Txicão, 2008.

Os pais dos meninos começam a dançar para dar firmeza e coragem a

seus filhos. Dançam o dia inteiro. Às 16h00min os outros se juntam a eles para

mostrar sua resistência.

Page 87: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

86

Na verdade a festa yumpuno é o encerramento da festa, feita com

muito respeito, no final todos participantes correm em qualquer direção. Às

18h00min termina a festa.

A partir do primeiro dia da tatuagem os meninos são proibidos de

participarem de qualquer cerimônia na comunidade, mas das atividades eles

participam, juntos com seus pais ou padrinhos.

Durante o tempo que eles ficam aprendem muitas coisas, como lidar

com as pessoas, como manejar os recursos, como caçar e pescar e se

responsabilizar pela busca de alimentos para sua família na ausência do seu

pai, representar sua família na ausência e começa orientar seus irmãos

pequenos para não desrespeitar as pessoas mais velhas da aldeia, aprender

oferecer comidas para os próximos ou parentes de longe, saber cumprimentar

as pessoas que chegam a sua casa.

Sendo assim, durante 6 ou 8 meses, um que é mais esperto assumi a

chefia do grupo e começar praticar o que ele tem aprendido com seu pai ou

seus padrinhos, começa a sair com seu grupo para pescar de timbó, caçar

pássaros com o intento de começar a acompanhar as atividades da sua família

e da comunidade.

3.2.10 – Final da reclusão dos meninos

Encerrado o período da tatuagem, tem inicio a reclusa de 6 a 8 meses.

Logo em seguida é realizada a última festa deles para cortar os cabelos, o

wokyoro anuncia a lua de cortar os cabelos dos meninos. O ideal é na lua

nova, mas, muitas vezes precisam caçar para cortar os cabelos, enquanto isso

os pais preparam os presentes dos padrinhos e confeccionam polepa (cesto)

para abanar seu filho quando ele for dançar.

Quando chega o dia as mulheres vão buscar mandioca de caldo doce.

Por volta das 16h00min os meninos são chamados no mïngye e são

preparados pelos seus padrinhos para corta seus cabelos.

Eles são lavados pelos seus padrinhos que em seguida cortar seus

cabelos e serem enfeitados. Um dos padrinhos acompanha o jovem na dança,

ensinando como se dança (Figura 42).

Page 88: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

87

Uma das madrinhas abana espantando o mal que pode ter nele, assim

os meninos são apresentados para a comunidade e passam a ser cidadãos do

povo Ikpeng.

Figura 42 - Os padrinhos passam a noite dançando aos lados dos seus afilhados, os pais também cuidam a noite.

Foto: Awyara Ikpeng, 2009.

Atualmente alguns pais não querem que os filhos façam a tatuagem,

devido as regras rígidas, acham que o filho não precisa fazer os teste de

resistência, pois já não têm mais guerra com outros povos.

Essa atitude esquece que a tatuagem é uma identidade do povo

Ikpeng. Há alguns anos atrás até as meninas faziam tatuagem, mas agora

somente os meninos é que fazem.

Com esse trabalho pretendemos conscientizar os pais sobre a

importância da tatuagem, que se trata de um traço identitário dos Ikpeng, que

precisa ser valorizado.

Esse Rito de Passagem é o momento do menino aprender a se

cuidar e começar a se preparar para formar sua família. É o momento em que

Page 89: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

88

ele ganha conhecimento sobre seu povo e o meio ambiente. Após isso ele vai

aprofundando o conhecimento no dia-a-dia por meio das histórias e dos rituais.

Figura 43- Momento de preparação para a tatuagem. Foto: Kawiago Txicão, 2008.

Page 90: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

89

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ritual da Tatuagem e a Prática Cultural de Educação Ambiental

entre os Ikpeng, ainda não tinham sido estudados no médio Xingu, no

Município de Feliz Natal-MT.

Esse estudo é pioneiro, abrindo caminho para novos pesquisadores

complementarem com outros estudos, levando em consideração a diversidade

étnica, cultural e ambiental presente entre o povo Ikpeng, decorrente dos

casamentos com diferentes povos.

Nesse trabalho procuramos descrever o Ritual da Tatuagem,

mostrando a história cotidiana e a relação dos Ikpeng com meio o ambiente em

que estão inseridos.

Mesmo sendo a escola o espaço de aprendizado das várias disciplinas,

entre elas sobre o meio ambiente, o que é forte tradicionalmente entre os

Ikpeng é o ensino na prática, aquele passado pelos pais, padrinhos e pajés.

São nas atividades coletivas que se aprende com detalhe sobre o meio

ambiente e as práticas tradicionais de educação ambiental.

A prática de manejo com a natureza é reforçada durante o período do

Ritual da Tatuagem, por isso consideramos esse momento importante para a

comunidade, é o momento de aprendizagem e formação do ser humano na

cultura Ikpeng.

Este estudo mostra um pouco do universo da comunidade Ikpeng, que

ocupa atualmente a região conhecida como Médio Xingu, na expectativa de

conduzir o leitor a conhecer os sujeitos da pesquisa e a sua relação com o

meio ambiente em que vivem.

Apesar desse Rito de Passagem ser considerado obrigatório para a

confirmação da identidade entre o povo Ikpeng, as novas gerações estão

evitando fazer a tatuagem nos seus filhos. Desse modo, com este estudo,

procurei mostrar a importância de tatuagem no processo de aprendizagem

pessoal da criança e no seu conhecimento sobre as concepções cosmológicas

dos Ikpeng.

Page 91: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

90

Este estudo possibilitou a relação com os anciãos, os adultos, os

jovens e as crianças, mostrando a participação de cada um no contexto do

Ritual da Tatuagem, no sentido de entender melhor a relação do ser humano

com o meio ambiente e o seu cotidiano.

A pesquisa revela uma forma de ensino não-formal, sendo passada

oralmente na comunidade indígena. Ressalta a importância das tradições,

mesmo diante da influência da cultura não-índia com a introdução da escola na

comunidade indígena. Ressalta a importância de valorizar o ensinamento

tradicional de cada povo indígena na sua forma tradicional de educar e formar

o cidadão.

Uma situação preocupante é a região onde moram os Ikpeng e onde

realizam os seus rituais, uma vez que os recursos utilizados podem começar a

desaparecer, devido à devastação exagerada das terras próximas ao Parque

Indígena do Xingu por fazendeiros, madeireiros e pecuaristas. Isso pode levar

a escassez dos recursos naturais da região como um todo.

Durante a pesquisa percebemos um dado importante, que é o fato do

ensino tradicional se integram com outros conhecimentos, como a coleta de

sementes para fazer mudas e reflorestar as áreas desmatadas pela própria

comunidade, feito através de parecerias com instituições não-governamentais

como o Instituto Sócio-Ambiental – ISA.

Dessa forma, a escola formal está contribuindo para reforçar a

importância da manutenção das tradições e da relação homem-natureza.

Também tem apresentado um papel importante na consolidação dos preceitos

da Educação Ambiental e da Sustentabilidade por meio de atividades,

seminários, aulas de campo, entre outras ações.

Enfim, o foco desta pesquisa foi retratar a relação dos Ikpeng com o

meio ambiente durante a realização do Ritual de Tatuagem, mostrando o

processo de ensino e aprendizagem que ocorre no período do ritual, cujos

ensinamentos são fundamentais para a formação do cidadão Ikpeng e a

formação e consolidação dos conceitos que estabelecem a relação homem-

natureza.

Page 92: ritual da tatuagem: educação ambiental e prática cultural entre os

91

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93

ANEXOS

Anexo A- Plantas utilizadas no ritual da tatuagem........................................96 Anexo B- Animais utilizados no ritual da tatuagem.......................................97

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Anexo A - Plantas utilizadas no ritual da tatuagem

Pé de Buriti (engnet)

Pé de Tucum (ototo)

Sementes de Urucum (onon)

Pé de Urucum (onon)

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Anexo B - Animais utilizadas no ritual da tatuagem

Irara (anpiru)

Veado (kuremat)

Capivara (tunan)

Tucano (yakwa)

Garça (pakupa)

Pato (rowinto)

Tuiuiu (tugu)

Jaguatirica (akari)