rios urbanos como patrimônio: levantamento da história

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1047 Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-31-8 EIXO TEMÁTICO: ( ) Cidades inteligentes e sustentáveis ( ) Conforto Ambiental e Ambiência Urbana ( ) Engenharia de tráfego, acessibilidade e mobilidade urbana ( ) Habitação: questões fundiárias, imobiliárias e sociais (X ) Patrimônio histórico, arquitetônico e paisagístico ( ) Projetos e intervenções na cidade contemporânea ( ) Saneamento básico na cidade contemporânea ( ) Tecnologia e Sustentabilidade na Construção Civil Rios Urbanos Como Patrimônio: Levantamento da História, Traçado e Toponímias dos Cursos D’Água da Bacia do Rio Icaraí, Niterói – RJ Urban Rivers as Heritage: Survey of History, Layout and Toponymy of the Water Courses of the Icaraí River Basin, Niterói - RJ Los Ríos Urbanos Como Patrimonio: Relevamiento del Histórico, Trazado y Toponimia De Los Cursos de Agua de la Cuenca del Río Icaraí, Niterói Rainer Holzer Mestrando Engenharia Urbana POLI, UFRJ, Brasil [email protected] Gisele Silva Barbosa Professora Doutora, UFRJ, Brasil [email protected]

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Page 1: Rios Urbanos Como Patrimônio: Levantamento da História

1047

Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

ISBN 978-65-86753-31-8

EIXO TEMÁTICO: ( ) Cidades inteligentes e sustentáveis ( ) Conforto Ambiental e Ambiência Urbana ( ) Engenharia de tráfego, acessibilidade e mobilidade urbana ( ) Habitação: questões fundiárias, imobiliárias e sociais (X ) Patrimônio histórico, arquitetônico e paisagístico ( ) Projetos e intervenções na cidade contemporânea ( ) Saneamento básico na cidade contemporânea ( ) Tecnologia e Sustentabilidade na Construção Civil

Rios Urbanos Como Patrimônio: Levantamento da História, Traçado e Toponímias dos Cursos D’Água da Bacia do Rio Icaraí, Niterói – RJ

Urban Rivers as Heritage: Survey of History, Layout and Toponymy of the Water Courses

of the Icaraí River Basin, Niterói - RJ

Los Ríos Urbanos Como Patrimonio: Relevamiento del Histórico, Trazado y Toponimia De Los Cursos de Agua de la Cuenca del Río Icaraí, Niterói

Rainer Holzer Mestrando Engenharia Urbana POLI, UFRJ, Brasil

[email protected]

Gisele Silva Barbosa

Professora Doutora, UFRJ, Brasil [email protected]

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RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar um levantamento histórico dos rios da Bacia do Rio Icaraí no Município de Niterói – RJ, levantando seu traçado antes da urbanização e suas toponímias tradicionais. Para dar suporte a pesquisa recorre-se a aporte teórico sobre patrimônio urbano, percepção ambiental e sobre rios urbanos considerando que os mesmos são um patrimônio da cidade. Como resultado da pesquisa, primeiramente é apresentado um levantamento histórico a respeito dos rios, com base em cartografia, do século XIX e da primeira metade do século XX, e bibliografia que aborda a história do município, que foi comparada com base cartográfica atual. Por fim, com base no resultado anterior, é apresentado um mapa que reconstitui o traçado e resgata nomenclaturas dos rios da bacia estudada. Na conclusão são apresentadas propostas que visam sensibilizar a população a respeito da existência dos rios urbanos e de sua história, visando a futura recuperação dos mesmos. PALAVRAS-CHAVE: Rios Urbanos; Patrimônio; Niterói – RJ

ABSTRACT This article aims to present a historical survey of the rives at the Icaraí River Basin in the municipality of Niterói - RJ, surveying its layout before the urbanization and traditional toponymy. In order to support the research, it resorts to theoretical contribution about urban patrimony, environmental perception and about urban rivers, considering that those are the city's patrimony. As a first result of the research, it's presented a historical survey about the rivers, based in a cartography from the XIX century and first half of the XX century, and a bibliography that approaches the city's history, which was compared with current cartographic base. Finally, based on previous result, it's presented a map that reconstitutes the trace and rescues the nomenclature of the rivers of the researched basin. In conclusion, it's presented ideas that aim to sensitize the population about the existence of urban rivers and its history, aiming at a future recovery of those. KEYWORDS: Urban Rivers; Patrimony; Niterói - RJ

RESUMEN Este artículo tiene como objetivo presentar un relevamiento histórico de los ríos de la Cuenca del Río Icaraí en la cildad de Niterói - RJ, relevándose su trazado antes de la urbanización y su toponimia tradicional. Para sustentar la investigación se utiliza el soporte teórico sobre patrimonio urbano, percepción ambiental y ríos urbanos, considerando que son patrimonio de la ciudad. Como resultado de la investigación, se presenta un relevamiento histórico de los ríos, basado en cartografía, del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX, y una bibliografía que aborda la historia del municipio, la cual fue comparada con la actual. base cartográfica. Finalmente, en base al resultado anterior, se presenta un mapa que reconstruye el recorrido y recupera las nomenclaturas de los ríos de la cuenca estudiada. En conclusión, se presentan propuestas que tienen como objetivo sensibilizar a la población sobre la existencia de los ríos urbanos y su historia, con miras a su futura recuperación. PALABRAS CLAVE: Ríos Urbanos; Patrimonio; Niterói - RJ

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I

1 INTRODUÇÃO

“Entre os elementos naturais que há mais tempo participam do espaço humanizado

estão os rios. Vinculam-se à própria formação dos territórios e à fundação da maior

parte das cidades em todo o mundo, fato que o caso brasileiro vem confirmar.”

(BARTALINI, 2006)

A história das cidades está intimamente ligada aos rios, as primeiras que se tem

registros surgem onde hoje é o Iraque, na região conhecida como Mesopotâmia, entre o Tigre e

o Eufrates. Estes forneciam água para abastecimento e irrigação possibilitando a agricultura e a

permanência naquela terra árida. Ao longo dos séculos importantes cidades se desenvolveram

as margens de rios. Como exemplo podemos citar: Roma as margens do Tibre; Paris as margens

do Sena, Londres as margens do Tâmisa ou São Paulo as margens do Tietê. Esses casos tem em

comum que ao longo da história a urbanização se conformou a estes rios, mesmo que os tenha

alterado e degradado, permaneceram fazendo parte da cidade, são um elemento que persistiu

aos passar do tempo. Tal qual o patrimônio histórico, estabelecem uma conexão com o passado,

mas nesse caso anterior até mesmo a ocupação humana.

Há casos, distintos dos exemplos anteriores, onde o rio foi sobrepujado pela

urbanização, ora visível, ora invisível, se perdendo na paisagem urbana por não apresentar uma

continuidade, sendo confundido com um canal artificial, muitas vezes deixando de ser um

elemento da paisagem que remonta o passado. Essa invisibilidade reforça a degradação desses

cursos d’água que só são notados em eventos de chuvas intensas quando suas águas invadem a

cidade, gerando transtornos e prejuízos.

Para romper esse ciclo de invisibilidade, nesse artigo os rios são considerados um

patrimônio, propiciando que sejam lembrados, ao resgatar o seu passado, levantando seu

traçado original, suas toponímias e construindo cartografia que destaque sua presença na

cidade.

A área do caso de estudo é a Bacia do Rio Icaraí que está inserida na Bacia Hidrográfica

da Baía de Guanabara. Seu território se encontra inteiramente dentro da área urbana do

município de Niterói-RJ, com 7,16 km², abrangendo toda a extensão dos bairros Pé Pequeno,

Santa Rosa, Viradouro e Vital Brasil e parcialmente os bairros Cubango, Icaraí, Largo da Batalha

e Viçoso Jardim. Seu curso d’água principal tem 5,47 km de extensão, em sua parte baixa é

chamado Rio Icaraí e na parte alta Rio Cubango, sua foz se localiza na praia Icaraí.

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Fonte: Feito Pelo Autor com dados SIGeo Niterói

Hoje todos os cursos d’água da bacia hidrográfica se encontram canalizados e suas

águas são visivelmente poluídas, apesar da região ter excelentes índices de coleta e tratamento

de esgoto. Muitos trechos foram tamponados ou manilhados, colocados fora das vistas dos

habitantes, tendo sido reduzidos a meros canais de drenagem. Esses fatores corroboram com a

invisibilidade destes rios.

2 OBJETIVOS

O objetivo geral deste trabalho é identificar o traçado original dos cursos d’água da Bacia do Rio

Icaraí, assim como as toponímias tradicionalmente associadas aos mesmos, corroborando com

o resgate da imagem desses rios enquanto patrimônio ambiental, em contraponto ao estigma

de “vala negra” decorrente de sua degradação. O objetivo específico é criar material para

embasar futuras ações que promovam mudança da percepção a cerca desses rios. Afim de que

em médio prazo ações de recuperação desses cursos d’água sejam possíveis com aceitação e

apoio da sociedade civil.

3 APORTE TEÓRICO

“É impossível cuidar do que não vemos. Quem vê cuida. Quem vê protege. Quem vê desperta.” (Manifesto Rios e Ruas, José Bueno e Luiz de Campos Jr.)

A epigrafe é um trecho do Manifesto Rios e Ruas, idealizada pelo arquiteto José Bueno

e pelo geógrafo Luiz de Campos Jr. a iniciativa tem o propósito de sensibilizar as pessoas a

respeito dos rios esquecidos da cidade de São Paulo. Ao longo de mais de 10 anos de trabalho,

Figura 1 – Área de Estudo, Bacia do Rio Icaraí.

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1051

promoveram diversas palestras, oficinas e expedições com o objetivo de “desinvisibilizar’ esses

cursos d’água.

Esse artigo apresenta resultados de pesquisa, que compartilha dos mesmos objetivos:

tornar visíveis rios urbanos canalizados e tamponados.

O caráter invisível dos rios nas cidades é consequência dos processos de urbanização

que segundo GARCIAS e AFONSO (2013) historicamente degradaram os rios utilizando-os para

o abastecimento, mas também para o lançamento de águas servidas. Quando os mesmos

perdiam sua vitalidade ou impediam o avanço da cidade eram eliminados da percepção pública,

através de obras como as canalizações, transferindo os problemas como enchentes e poluição

para outras partes da cidade.

BARTALINI (2004) aborda o tema dos córregos ocultos que, segundo o autor, fazem

parte da rede hidrográfica capilar, afluentes dos rios principais, que devido aos processos de

urbanização foram canalizados e enterrados, restando poucos vestígios de sua existência,

quando muito restando visíveis em algumas vielas e becos. Deste modo tornam-se invisíveis,

mesmo para quem vive em suas margens. Apesar da dificuldade para a sua recuperação é

importante ao menos revelar sua existência e resgatar sua memória.

3.1 O Rio Como Patrimônio

“É preciso eleger e mudar o passado, fazê-lo presente. A seleção do passado nos ajuda a construir o futuro” (LYNCH, 1975, p. 74, tradução nossa).

Nesse artigo propõe-se considerar o rio como um patrimônio, mas diversamente de

um edifício, um móvel ou qualquer tipo de artefato, que ao ser herdado e eventualmente se

tornar um fardo, um passivo, pode ser vendido, demolido ou descartado, os cursos d’água são

difíceis de serem absolutamente eliminados, pois seguem as linhas naturais de drenagem

superficiais e também subterrâneas. Domar as águas de forma satisfatória, ocupando seu

espaço sem ter transtornos, requer grandes investimentos, tornando em geral essas obras

inviáveis. Portanto os rios são um patrimônio compulsório das cidades, podendo ser um passivo,

que traz riscos e prejuízos, ou um ativo, que traz benefícios para a população.

LYNCH (1975) discorre sobre patrimônio histórico nas cidades. Para o autor, a

obsolescência e degradação acabam por determinar a renovação tanto das edificações como

das obras de arte da engenharia. Como consequência há uma sobreposição de elementos no

ambiente urbano, sendo fundamental escolher o que preservar e recuperar, planejando como

isso será feito.

Considerando que esse patrimônio histórico tem um valor presente e que as escolhas

de hoje acarretam em impactos no futuro, o mesmo pode ser afirmado para os rios urbanos,

hoje não são reconhecidos ou são desvalorizados enquanto patrimônio devido a sua

degradação. O investimento em sua valorização no presente, tem o potencial de propiciar sua

recuperação no futuro.

Para contribuir no sentido da sua recuperação pode se recorrer à percepção ambiental

urbana.

Como os indivíduos ou grupos percebem o meio ambiente? De que maneira esse meio ambiente era e é visto pela sociedade? Lembrar à própria sociedade que a

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implantação de uma cidade está sobre um relevo, sobre um solo, constituído de rochas e sedimentos; que antes havia uma cobertura vegetal natural, que abrigava pássaros e animais, insetos e répteis; que as águas drenadas eram limpas e potáveis. Especialmente em cidades grandes, de proporções metropolitanas, essas lembranças são esquecidas. Só são lembradas quando, após as chuvas torrenciais de verão, os córregos estouram as tubulações e os rios provocam enchentes, cobrando seus espaços para espraiarem suas águas atingindo as várzeas, que sempre foram seus domínios." (Oliveira, 2009, p. 132)

Segundo Oliveira (2009) a conduta de um indivíduo ou de um grupo é resultado de

como estes apreendem a realidade, sendo que esta é interpretada através das sensações, das

percepções e da cognição, que passam, respectivamente, por filtros individuais, significativos e

elaborativos antes de se tornarem uma opinião, uma atitude ou uma ação.

A hipótese que se coloca neste texto é de que não se pode alterar a forma como um

indivíduo sente a realidade, mas é possível através de um processo de “sensibilização” alterar

sua cognição e, consequentemente, sua percepção e conduta.

4 METODOLOGIA

O presente trabalho resulta de duas etapas de pesquisa dividido. A primeira um

levantamento histórico com base na cartografia antiga e nos relatos presentes em Wehrs (1984),

autor de uma das poucas obras que se aprofundam na história da Cidade de Niterói. A segunda

etapa a elaboração de um mapa que reconstitui aproximadamente o traçado dos rios da bacia

anteriores ao processo de urbanização.

Na primeira etapa, inicialmente foi realizada uma pesquisa na internet da cartografia

histórica, foram encontrados três mapas que apresentam bom detalhamento da área de estudo.

São estes: a Planta Topográfica da Cidade de Niterói levantada por oficiais engenheiros

(Portugal, 1833); a Planta da Cidade de Nictheroy (Nictheroy, 1844); e o Mapa de Niterói,

encartado no Atlas do Estado do Rio de Janeiro de 1933, levantado pelo Serviço Geográfico do

Exército (Nictheroy, 1933). Os dois primeiros foram encontrados na Biblioteca Digital Luso-

Brasileira e o último no perfil oficial do Arquivo Nacional do Brasil no site flickr.com. O material

foi analisado do mais antigo para o mais novo, afim de identificar a traçado dos cursos d’água

assim como seus nomes.

Posteriormente foi realizada a leitura do livro Niterói Cidade Sorriso: A História de um

Lugar (Wehrs, 1984), buscando e anotando as descrições dos cursos d’água, suas toponímias e

também do terreno na área da Bacia Hidrográfica do Rio Icaraí. Por fim o texto foi comparado à

cartografia histórica levantada e a cartografia atual (Google Earth) e feito o Levantamento

Histórico da Bacia do Rio Icaraí.

Na segunda etapa da pesquisa, com base na cartografia levanta na etapa anterior, foi

feito um mapa com a reconstituição do provável traçado da hidrografia antes da urbanização.

Para tal foi usado o Software ArcMap, primeiramente foram adicionadas as camadas, no

formato Shapefile, de arruamento, sub-bacias hidrográficas, hidrografia e abairramento do

município de estudo. Todos os arquivos estavam georreferenciados e no sistema de

coordenadas geográficas WGS84, sendo adquiridos no Sistema de Gestão da Geoinformação da

Prefeitura de Niterói (http://sigeo.niteroi.rj.gov.br/).

Posteriormente foram adicionados, como imagens raster, os mapas históricos

Nictheroy (1844) e Nictheroy (1933). Estes foram escolhidos por terem o arruamento à época

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bem representado, o qual nos bairros de Icaraí e Santa Rosa se mantém com traçado sem

grandes modificações até o presente. Por este motivo, ambas as imagens foram

georreferenciadas, usando como pontos notáveis esquinas, confluências e mudanças de direção

das ruas, de modo que o arruamento das imagens raster coincidisse o melhor possível com a

camada do arruamento atual em shapefile. Mesmo que haja a discrepância de alguns metros, é

possível determinar onde era o leito dos rios no passado, sobretudo na parte baixa da bacia

hidrográfica, onde é mais difícil determinar as linhas de drenagem naturais por conta da baixa

declividade.

Por fim foram criados arquivos shapefile em branco no Software ArcCatalog, com o

sistema de coordenadas geográficas WGS84. Estes foram adicionados ao ArcMap e

posteriormente editados com a ferramenta de edição do programa. No Arquivo “Rio Icaraí

1933”, foi traçada uma polilinha sobre o curso deste rio representado no mapa Nictheroy (1933).

No arquivo “Córrego Viradouro 1933-Atual“ e “Rio Cubango 1933-Atual” foram traçadas

polilinhas sobre estes cursos d’água representados no mapa Nictheroy (1933) e sobre o

shapefile da hidrografia atual para os seus afluentes e em partes não representadas dos rios. O

Arquivo “Rio Calimba 1844” foi traçado sobre a representação desse curso d’água na planta

Nictheroy (1844), apenas nas partes próximas ao arruamento. Já o arquivo “Rio Calimba Atual”,

foi traçado sobre a hidrografia atual, tendo em vista que devido a topografia o rio apesar de

modificado se encontra próximo ao curso original.

Por fim as camadas com os arquivos do traçado dos rios antigos, foram colocadas sobre as

camadas do arruamento atual, delimitação dos bairros e da sub-bacia hidrográfica para formar

um mapa de como seria o traçado dos rios antes de serem modificados.

5 LEVANTAMENTO HISTÓRICO DA BACIA DO RIO ICARAÍ

A Urbanização da bacia do Rio Icaraí remonta o século XIX, em 1834 a Cidade do Rio

de Janeiro se torna Capital do Império, consequentemente território neutro, no ano seguinte a

Vila real da Praia Grande é elevada a Cidade, com nome de Nyctheroy, passando a ser a capital

da Província do Rio de Janeiro. Com a necessidade de expansão urbana, em 1841 é proposto o

Plano de Arruamento da Cidade Nova de Icaraí, concluído em 1844. Foram previstas quadras em

tabuleiro de xadrez e a canalização do curso d’água que cortava o bairro, praticamente todas as

ruas foram abertas e o traçado geral se mantém até os dias de hoje com pequenas alterações,

entretanto a canalização do Rio Icaraí se deu de forma diferente da proposta inicialmente.

Para fazer um recorte anterior a urbanização recorre-se a Wehrs (1984), segundo o

autor, com base em um relato de 1808, onde hoje é o bairro de Icaraí existia um grande areal,

que se estendia da praia até as proximidades da atual Rua Santa Rosa, que era coberto por

pitangueiras, cactos e vegetação rasteira. Haviam dois caminhos que percorriam o território da

então Fazenda de Icaraí, que em um dado ponto se juntavam. Estes cruzavam terreno ora

alagadiço, ora arenoso, ao se encontrarem, atravessavam o rio que tinha o mesmo nome da

fazenda. A descrição, condizente com um bioma de restinga, fornece boas pistas do tipo de

terreno no qual o bairro foi edificado. Na da Planta Topográfica da Cidade de Niterói levantada

por oficiais engenheiros, de 1833, que serviu de base para a execução do plano de arruamento

da área, podem ser observadas as feições relatadas anteriormente.

Segundo Wehrs (1984) no campo de São Bento, havia um “grande lodaçal”, área de

charcos, por onde passava o Rio Calimba, que vinha da Fazenda da Boa Vista, paralelo a Rua do

Cubango, hoje Rua Noronha Torrezão, mais a jusante o curso d’água recebia no nome de Rio

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Icaraí. Nessa área alagadiça um córrego menor vindo de Santa Rosa se encontrava com o

principal. A área do Campo de São Bento foi aterrada entre 1882 e 1883, com intuito de sanear

a região, posteriormente no início do século XX, foi implantado o Parque Prefeito Ferraz, sendo

hoje tombado como patrimônio histórico. Ainda segundo Wehrs (1984), onde atualmente fica o

bairro de Santa Rosa, era uma área de plantações, chácaras e fazendas, cortadas por um riacho

que descia do Viradouro.

Nos relatos históricos e na própria cartografia podem haver divergências, portanto

sempre que possível deve se consultar mais de uma fonte. No caso do relato do paragrafo

anterior, temos a Planta da Cidade de Nictheroy de 1841, para estabelecer uma comparação.

Nesta é representado o Rio Calimba, vindo da área da antiga Fazenda da Boa Vista, entretanto

diferente do relato este encontra com o Rio Icaraí, que corria paralelo ao Morro da Viração, a

confluência ocorre próximo a esquina da Rua Brasília, atua Geraldo Martins, com a Rua Manuel

de Frias, atual Rua Dr. Paulo César (Figura 2). O encontro desses rios ainda pode ser observado

nesse mesmo ponto tendo vista aérea do local (Figura 3).

Figura 2 – Recorte Nictheroy (1841), Encontro dos Rios

Cubango e Calimba.

Fonte: Biblioteca Digital Luso-Brasileira

Figura 3 – Recorte Google Earth, Encontro dos Rios Cubango e Calimba (2018).

Fonte: Google Earth

Já no Mapa de Niterói do Atlas do Estado do Rio de Janeiro de 1933, levantada pelo

Serviço Geográfico do Exército, é possível identificar o córrego vindo do Viradouro, descrito por

Wehrs (1984) que se encontra com o rio Icaraí próximo da atual Av. Sete de Setembro.

Entretanto o Rio Calimbá não é representado na mesma. Essa carta possui boa precisão e tem

representado o arruamento, bem próximo do atual, enquanto o traçado tortuoso dos rios

representados indica que os mesmos ainda não haviam recebido grandes intervenções de

retificações até este período, portanto essa é uma indicação do seu curso natural (figura 4).

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Fonte: Arquivo Nacional do Brasil

6 MAPA DE RECONSTITUIÇÃO DA HIDROGRAFIA ANTERIOR A URBANIZAÇÃO

Com base no mapa de Niterói de 1922, na Planta da Cidade de Nictheroy de 1841, na

hidrografia atual fornecida pela Prefeitura Municipal de Niterói e pelas linhas de drenagem

naturais, foi feito um mapa com uma reconstituição com o provável traçado dos cursos d’água

da Bacia do Rio Icaraí, anterior a urbanização.

Nas partes altas da bacia os cursos d’água seguem um trajeto melhor definido pela

topografia acidentada. Entretanto na parte baixa onde a declividade é baixa o traçado dos rios

foi bastante modificado em relação ao original.

Figura 4 – Recorte Mapa Nictheroy (1933), Parte da Bacia do Rio Icaraí.

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Fonte: Feito Pelo Autor

7 CONCLUSÃO

O levantamento histórico dos cursos d’água da Bacia do Rio Icaraí revela que existia

uma rica rede hídrica que hoje está invisibilizada em meio a cidade. Entretanto não há como

eliminar completamente a presença dos rios do tecido urbano, na área de estudos estes se

revelam no dia a dia na forma de desagradáveis “valas negras” ou tomando as ruas nos dias de

ruas fortes. Canalizar e esconder os rios tornaram-nos em um passivo, entretanto solucionar de

fato os impactos negativos decorrentes dessa opção de planejamento requer considerar os rios

como um patrimônio ambiental e cultural assim propiciando sua preservação e recuperação.

Os resultados apresentados nesse artigo são um primeiro passo no sentido de

considerar os rios um patrimônio da cidade, rompendo com o ciclo de degradação e

invisibilidade que existe hoje. Entretanto este trabalho deve ser divulgado para que chegue ao

público em geral e assim contribua de fato para uma mudança de percepção e atitude frente a

estes corpos hídricos.

Tendo em vista que devemos lembrar à sociedade que a cidade está implantada sobre

um terreno natural e que as águas um dia foram limpas, Oliveira (2009), e que “a seleção do

passado ajuda a construir o futuro”, Lynch (1972) propõe-se algumas ações com intuito de

sensibilizar a população em relação aos rios urbanos da Bacia do Rio Icaraí com base no material

apresentado neste artigo.

A primeira ação consiste num trabalho de divulgação por meio virtual da existência

dos rios, com uso de imagens, mapas e textos, apresentando o traçado antigo e atual dos cursos

d’água e atribuindo suas toponímias históricas. Será criada uma linha editorial de postagens,

com auxílio de um profissional de marketing digital, a serem feitas em redes sociais, através de

Figura 5 – Mapa da Reconstituição dos Cursos D’água da Bacia do Rio Icaraí

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perfis próprios e em parceria com perfis conhecidos com conteúdo sobre o município de Niterói-

RJ e em grupos da cidade. Também será criado um site, com informações e a respeito dos rios

da cidade, incluindo mapas, imagens, textos descritivos e uma galeria de trabalhos científicos

sobre o tema, que estejam disponíveis em plataformas digitais.

A segunda ação consiste na realização de passeios, guiados por voluntários, pelas ruas

da parte baixa da bacia apresentando os rios urbanos e contando um pouco de sua história. A

ação segue os moldes das “expedições por riachos esquecidos” realizadas pelo “Rios e Ruas” na

Cidade de São Paulo.

A terceira ação é um programa de sinalização e intervenções artísticas afim de atrair o

olhar dos transeuntes para os rios urbanos. Fazendo com que sua presença seja notada mesmo

nas áreas onde estão mais modificados.

A última ação é o levantamento dos córregos do alto curso da bacia hidrográfica. A ser

feito junto aos moradores da região, atribuindo toponímias que gerem identificação por parte

da população. Deve se levar em conta que uma parcela desses córregos encontram-se em áreas

de ocupação subnormal.

8 BIBLIOGRAFIA

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2017.

Page 12: Rios Urbanos Como Patrimônio: Levantamento da História

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