distanciamento e reaproximação de rios urbanos

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Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB Distanciamento e reaproximação de rios urbanos Rio de Janeiro - 2015 Francisco Emiliano Sampaio Ivete Mello Calil Farah • Orientadora

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Dissertação de mestrado em urbanismo (PROURB/FAU - UFRJ). Defesa 2015 Distanciamento e reaproximação de rios urbanos: Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

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Page 1: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB

Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Rio de Janeiro - 2015

Francisco Emiliano SampaioIvete Mello Calil Farah • Orientadora

Page 2: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Page 3: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Universidade Federal do rio de Janeiro

Programa de Pós-graduação em Urbanismo

rio de Janeiro - 2015

Distanciamento e reaproximação de rios urbanosPlanejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

dissertação de mestrado em urbanismoPós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do rio de Janeiro (ProUrB-UFrJ)

Francisco emiliano sampaio

Page 4: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Francisco emiliano sampaio

rio de Janeiro - 2015

Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Planejamento ecológico para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe

orientadora: ivete Mello Calil Farah

dissertação de Mestrado apresentada

ao Programa de Pós-graduação em

Urbanismo/ProUrB, Universidade

Federal do rio do Janeiro, como parte

dos requisitos necessários à obtenção

de título de mestre em urbanismo.

Page 5: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
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Page 7: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

sampaio, Francisco emiliano.s192 distanciamento e reaproximação de rios urbanos: planejamento ecológico

para restauro de rio urbano na bacia hidrográfica do Camarajipe / Francisco emiliano sampaio. rio de Janeiro: UFrJ / FaU, 2015.

XXii, 245 f.: il.; 30 cm.

orientador: ivete Mello Calil Farah.

dissertação (mestrado) – UFrJ / ProUrB / Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2015.

referências bibliográficas: f. 238-245.

1. Planejamento urbano – aspectos ambientais. 2. Paisagem urbana. 3. rios urbanos – salvador (Ba). 4. rio Camarajipe - salvador (Ba). 5. recursos hídricos - aspectos ambientais. 6. Cursos de água - restauração. i. Farah, ivete Mello Calil. ii. Universidade Federal do rio de Janeiro, Faculdade de arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. iii. Título

Cdd 711.42

Page 8: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Page 9: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

o rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era

a imagem de um vidro mole que fazia uma volta

atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: essa volta

que o rio faz por trás da sua casa se chama

enseada.

não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás da casa.

era uma enseada.

acho que o nome empobreceu a imagem.

Manoel de Barros

Page 10: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Agradecimento

inicialmente agradeço ao Programa de Pós Graduação em Urbanismo –

ProUrB- da UFrJ pela oportunidade que me foi concedida e pela importância

de estar presente nesse ambiente de intercâmbio de ideias e construção do

pensamento sobre a cidade.

agradeço ao CnPQ pela bolsa concedida durante parte do curso.

Um agradecimento especial à orientadora, professora ivete Farah, pela enorme

paciência, pelas sugestões e sutileza na condução pelos meandros da

pesquisa.

a todos os professores do ProUrB com quem tive oportunidade de assistir

aulas e que, de alguma forma, trouxeram novas ideias e questionamentos es-

senciais para o desenvolvimento desse estudo, entre esses destaco ana lucia e

Barki pelos direcionamentos que forneceram a essa pesquisa, tanto na qualifi-

cação como nas disciplinas que ministraram.

agradeço aos funcionários do ProUrB, aqueles que também são responsáveis

pela excelência do programa, em especial a Keila por facilitar a vida dos

discentes.

aos órgãos governamentais que facilitaram o acesso aos documentos essen-

ciais para essa pesquisa entre eles: a Conder, em especial ao setor inForMs,

nas pessoas de Fernando Cabussú e anderson oliveira, que disponibilizaram as

imagens aéreas históricas da bacia, (sem esquecer de itamar Kalil que fez a

“ponte” com o referido órgão); também as funcionárias da biblioteca da

Fundação Mario leal Ferreira, pelo empenho e atenção; como também a equipe

da Codesal, por conceder dados importantes sobre áreas de risco; à Fundação

Gregório de Mattos por ceder para uso as fotografias históricas, verdadeiras

‘relíquias’ que contam um pouco da evolução de salvador ao longo do tempo.

À turma do mestrado, pelas intensas e divertidas discussões. as amizades feitas

que irão perdurar pela vida inteira. sem vocês esse percurso seria menos colo-

rido, intenso e interessante.

registro aqui uma gratidão especial àqueles que me acolheram quando che-

guei ao rio de Janeiro: a minha tia Mônica pelo sentimento de estar perto da

família e me sentir em casa. ao Marcos (piá) e seus pais, rogério e ana lúcia,

pela amizade e suporte no delicado início da adaptação a essa nova realidade.

ao escritório Paulo Baruki arquitetura, pela oportunidade profissional e a todos

aqueles desse escritório que deixaram esse período inicial mais leve e tranquilo.

Page 11: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

ao Horacio González (em memória), pela disponibilidade a qualquer momento

para conselhos, sugestões e uma boa conversa sobre arquitetura, pela oportuni-

dade ímpar que foi trabalhar na Tensotech, em salvador, e, prontamente, me

indicar vários escritórios de arquitetura onde poderia trabalhar quando chegas-

se nessa cidade.

aos amigos soteropolitanos, pela camaradagem, em especial a Paulo, pela dis-

posição, coragem e parceria nas visitas à área de estudo.

aos novos amigos cariocas, pela ajuda na adaptação e por entenderem a maio-

ria das recusas aos convites dos fins de semana. realmente eu estava estudan-

do, - a prova está aqui.

a toda minha família, tios e tias, primos e primas por fazerem parte da minha

vida.

a minha avó Maria, pelo carinho e ser responsável pelas minhas poucas, mas

valiosas conquistas.

ao meu pai vicente, por me ensinar a importância de estar em contato com a

natureza, fornecendo desde a minha primeira infância acesso ao mar, rios e mon-

tanhas. Como também, pela coragem de conhecer a cidade sem qualquer tipo

de preconceito, incentivando sempre o novo, deixando de lado os percursos

feitos na rotina do dia-a-dia e se aventurar pelos caminhos desconhecidos.

a Flavia, com sua personalidade carinhosa e seu apoio irrestrito, conduzindo as

nossas vidas por esses anos da pesquisa de maneira surpreendente, sempre me

ensinando a ser uma pessoa melhor, me presenteando todos os dias com seu

sorriso, tornando-os mais alegres.

Um enorme agradecimento às minhas irmãs, por servirem sempre de farol que

ilumina os caminhos da obtenção do saber e por revelar, com o seus exemplos,

a importância de sermos generosos ao dividir o conhecimento adquirido com

todos através das instâncias acadêmicas. e, também, ao meu sobrinho/irmão

luca, por me dar o prazer de acompanhar o seu desenvolvimento.

Um especial agradecimento à minha mãe, Maria, por todo esforço desprendido

em todas as etapas da minha vida, sempre com uma disponibilidade inclassificá-

vel para resolver qualquer tipo de problema. Pela parceria na elaboração desse

estudo, se aprofundando no tema para estabelecer saudáveis diálogos sobre os

assuntos tratados nessa pesquisa. agradeço-lhe também por apresentar a cida-

de real, fora dos “muros” que fornecem a ilusão de que tudo vai bem, instigando

desde sempre a pensar a cidade, principalmente os problemas sociais e ambien-

tais que tanto afligem as cidades brasileiras.

Page 12: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Resumo

a presente dissertação trata da relação entre a cidade e seus

rios e a possibilidade de reestruturação de uma paisagem fluvial, atra-

vés da restauração de valores ambientais com o propósito de reaproxi-

mar a cidade de suas águas. através da reflexão crítica acerca do

método ecológico proposto por ian McHarg aplicado em uma bacia

hidrográfica urbana, com base na restauração do seu principal rio,

busca-se compreender os cursos d’água como processos interativos do

ecossistema com a cidade. nesse sentido, o estudo encaminha-se para

a aplicação do método na bacia hidrográfica, tendo por base um recor-

te com vistas à restauração de um rio urbano. Com o propósito de

analisar a relação dos rios com a ocupação urbana buscou-se entender

as práticas que retificaram, canalizaram e ocultaram os rios urbanos e,

nesse sentido, identificar as possibilidades de aproximar de forma

saudável os rios com a cidade. o contexto onde se desenvolve a pes-

quisa é a cidade de salvador, tendo como recorte a bacia hidrográfica

do rio Camarajipe e o rio de mesmo nome. esse curso d’água represen-

ta um marco na expansão recente da cidade, convergência dos atuais

eixos viários da cidade, tais como: estação de transbordo, metrô, rodo-

viária e estrada que liga ao sul e norte do país. o rio também foi um

dos principais mananciais de abastecimento de água da cidade, no final

do século XiX até meados do século XX. nesse período, até os dias

atuais, a bacia, assim como o rio Camarajipe, vem sofrendo com a

deterioração dos processos naturais em detrimento da expansão e

desenvolvimento da estrutura urbana. em síntese, com base na pesqui-

sa e análise realizadas foi possível propor alternativas para o planeja-

mento da bacia hidrográfica com enfoque conceitual na restauração

dos processos naturais inerentes ao ambiente fluvial com o objetivo de

valorizar e reestruturar a paisagem urbana.

Palavras-chave: rios urbanos. rio Camarajipe/salvador.

Método ecológico. ian McHarg. Paisagem urbana. restauração de

rios urbanos.

Page 13: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Abstract

The present dissertation assess the relationship between the

city and its rivers and the possibility of restructuring river landscapes

through the restoration of environmental values in order to bring the

city closer to its waters. Through a critical reflection about the ecologi-

cal method proposed by ian McHarg, applied to an urban watershed

and based on the restoration of its main river, we aim to understand the

water courses as ecosystem processes that are interactive with the city.

Thus, the study implements the method in the catchment area based

on a clipping with the goal to restore one urban river. With the purpose

of analyzing the relationship between rivers and urban occupation we

sought to understand the practices that rectified, channeled, and

concealed urban rivers, and, accordingly, identify the possibilities to

approach rivers and city in a healthy way. The research context is

located in the city of salvador encompassing the hydrographic

Camarajipe river basin and the river of the same name. This body of

water represents a milestone in the city’s recent expansion with the

convergence of existing road axes in the city such as: transshipment

station, subway, bus station, and the highway that links the south and

north of the country. The river was also one of the main water sources

for water supply in the city between the end of the 19th century and

the mid-twentieth century. during this period and up to the current

time, the basin and Camarajipe river have been suffering from the

deterioration of natural processes over the expansion and development

of the urban structure. in summary, based on the research and analysis

performed, it was possible to propose alternatives for planning the

hydrographic basin with the conceptual focus on the restoration of

natural processes that are inherent to the river environment with the

goal of valuing and restructuring the urban landscape.

Keywords: Urban rivers. Camarajipe river/salvador.

ecological method. ian McHarg. Urban landscape. restoration of

urban rivers

Page 14: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Lista de Siglas

AI - ForMaTo naTivo de arQUivos de dados do soFTWare adoBe illUsTraTor

APAS - Áreas de ProTeção aMBienTal

BR-324 - rodovia Federal Brasileira 324

CAB - CenTro adMinisTraTivo da BaHia

CBS - ColUMBia BroadCasTinG sysTeM

CIAGS - CenTro inTerdisCiPlinar de desenvolviMenTo e GesTão soCial

CMC - CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe

CODESAL - CoMissão de deFesa Civil do salvador

CONDER - CoMPanHia de desenvolviMenTo UrBano do esTado da BaHia

CRA - CenTro de reCUrsos aMBienTais

DDT - diClorodiFenilTriCloroeTano, TiPo de PesTiCida

DNOS - deParTaMenTo naCional de oBras de saneaMenTo

DWG - ForMaTo naTivo de arQUivos de dados do soFTWare aUToCad

EPUCS - esCriTório do Plano de UrBanisMo da Cidade do salvador

FGM - FUndação GreGório de MaTTos

FMLF - FUndação MÁrio leal Ferreira

GIS - GeoGraPHiC inForMaTion sysTeM

IBGE - insTiTUTo Brasileiro de GeoGraFia e esTaTísTiCa

INFORMS - sisTeMa de inForMações GeoGrÁFiCas UrBanas do esTado da BaHia

IQA - índiCe de QUalidade das ÁGUas

JPEG - JoinT PHoToGraPHiC eXPerTs GroUP, ForMaTo de arQUivo rasTer Para iMaGens diGiTais

MIT- MassaCHUseTTs insTiTUTe oF TeCHnoloGy

PDDU - Plano direTor de desenvolviMenTo UrBano do MUniCíPio do salvador

PDE - Plano direTor de enCosTas

PDF - PorTaBle doCUMenT ForMaT, ForMaTo de arQUivo, desenvolvido Pela adoBe sysTeMs

PGSESCS - PlaneJaMenTo Geral do sisTeMa de esGoTo saniTÁrio da Cidade de salvador

PLANDURB - Plano de desenvolviMenTo UrBano de salvador

PSD - ForMaTo naTivo de arQUivos de dados do soFTWare adoBe PHoTosHoP

SAD - sUrvey / analysis / desiGn

SICAR/RMS - sisTeMa CarToGrÁFiCo da reGião MeTroPoliTana de salvador

SSA - salvador

SUDENE - sUPerinTendênCia do desenvolviMenTo do nordesTe

TIFF - TaGGed iMaGe File ForMaT, ForMaTo de arQUivo rasTer Para iMaGens diGiTais

TRANSCON - TransFerênCia do direiTo de ConsTrUir

UFBA - Universidade Federal da BaHia

USA - UniTed sTaTes oF aMeriCa

WWRT - WallaCe MCHarG roBerTs & Todd

Page 15: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Lista de Figuras

26 FIG. 01 ConsTrUção da via eXPressa Baía de Todos os sanTos, “aBrindo esPaço Para ModerniZação”. (FoTo: ManU dias, seCoM-Gov. BaHia, HTTPs://WWW.FliCKr.CoM/PHoTos/aGeCoMBaHia/7061060935/in/seT-72157629777101749)

27 FIG. 02 enConTro do rio PinHeiros CoM o TieTê, na Zona oesTe da CaPiTal. (FoTo: ayrTon viGnola/aGênCia esTado, 20/09/2010. HTTP://BloGs.esTadao.CoM.Br/olHar-soBre-o-MUndo/rio-TieTe)

28 FIG. 03  Baía de Todos os sanTos, siTUação PeninsUlar do síTio da Cidade, PorTo ProTeGido na “enTrada” da Baía (aCervo da BiBlioTeCa naCional Brasil eM HTTP://WWW.Wdl.orG/PT/iTeM/786/)

29 FIG. 04 arQUiTeTo ian MCHarG.

29 FIG. 05 CaPa da PriMeira edição do livro desiGn WiTH naTUre

38 FIG. 06 CoMPonenTes FísiCos de UM CórreGo (FonTe: riley, 1998, P.29, ilUsTração do aUTor)

38 FIG. 07 dinâMiCa da vÁrZea. eXTravasaMenTo dos rios nas PlaníCies de inUndação CoM FreQUênCias Previsíveis, as esTrUTUras UrBanas ConsTrUídas denTro Área do leiTo Maior são sUsCeTíveis a risCos de desTrUição. (sPirn, 1984, P. 132, TradUção livre do aUTor)

52 FIG. 08 eXeMPlo de oBra realiZada Pelo iMPério roMano Para aBasTeCiMenTo e eXPansão (Benevolo 2011, P. 190)

58 FIG. 11 FonTe de QUeiMados eXisTenTe anTes da insTalação da CoMPanHia, resisTe aTé os dias aTUais. (FonTe: FalCão eM saMPaio, C., 50 anos de UrBaniZação)

58 FIG. 12 visTa Geral da Cia. de QUeiMados (FonTe: GUilHerMe Gaensly eM saMPaio, C., 50 anos de UrBaniZação)

58 FIG. 09 iMediações da Cia. de QUeiMados, 1959 (FonTe: Conder/inForMes)

58 FIG. 10 evolUção UrBana no enTorno da Cia. QUeiMados, aTUalMenTe MUseU arQUeolóGiCo e ParQUe HisTóriCo, aMBos adMinisTrados Pela eMBasa (FonTe: 2014, GooGle earTH)

61 FIG. 13 enTorno da rePresa de MaTa esCUra 1959 (FonTe: Conder/siCar)

61 FIG. 14 evolUção UrBana do enTorno da rePresa de MaTa esCUra 1976 (FonTe: Conder/siCar)

61 FIG. 15 evolUção UrBana do enTorno da rePresa de MaTa esCUra 2014 (FonTe: GooGle earTH)

68 FIG. 16 diQUe do Tororó desProvido de Grande inTervenções UrBanas, Mais PróXiMo ao seU esTado oriGinal. (FoTo: adolPHo Moreira de oliveira, diQUe do Tororó - 1928. FonTe: HTTP://Maisdesalvador.BloGsPoT.CoM.Br/2011/08/diQUe-do-Tororo.HTMl)

71 FIG. 17 ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 1959 (FonTe: Conder/siCar)

71 FIG. 18 evolUção UrBana da ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 1976 (FonTe: Conder/siCar)

Pág. descrição

Page 16: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

72 FIG. 19 evolUção UrBana da ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 1992 (FonTe: Conder/siCar)

72 FIG. 20 evolUção UrBana da ConFlUênCia enTre o rios das TriPas e o CaMaraJiPe, loCal desTinado a reCeBer UMa esTação de TraTaMenTo de ÁGUas servidas no Plano elaBorado Pelo enG. THeodoro saMPaio, iMaGeM de 2014 (FonTe: GooGle earTH)

77 FIG. 21 eXeMPlo de oCUPação do solo eM salvador na BaCia do CaMaraJiPe, os Menos FavoreCidos oCUPando as enCosTas (aUTor, 2014)

80 FIG. 22 Plano elaBorado Pelo enGenHeiro saTUrnino de BriTo Para MelHoraMenTos do TieTê, 1925 (FonTe: HTTP://UsP.Br/FaU/doCenTes/dePProJeTo/C_deaK/Cd/5Bd/1rMsP/Plans/H1saTUrn/indeX.HTMl)

83 FIG. 23 avenida anTonio Carlos MaGalHães, reGião da TerMinal rodoviÁrio e CenTro CoMerCial iGUaTeMi(sHoPPinG iGUaTeMi). iMPlanTação das avenidas de vales eM salvador, ProPosTas Pelo ePUCs. PriMeiro Plano(TraCeJado) o loCal de desvio do do rio CaMaraJiPe, PossívelMenTe déCada de 1960 ( FonTe: aCervo FGM/PMs, seM daTa)

83 FIG. 24 evolUção UrBana da reGião da avenida anTonio Carlos MaGalHães, sUPressão das vÁrZeas MaJoriTariaMenTe oCorrida Pela iMPlanTação do sisTeMa viÁrio de alTa CaPaCidade ( FonTe: GooGle earTH, 2012)

85 FIG. 25 eXeMPlo de oCUPação inForMal no FUndo dos vales, Bairro de BoM JUÁ. ( FonTe: aCervo FGM/PMs, 1981)

86 FIG. 26  eXeMPlo de sUPressão de vÁrZea eM salvador, reTiFiCação do rio CaMaraJiPe na avenida anTônio Carlos MaGalHães (FonTe: aCervo FGM/PMs)

90 FIG. 27 doCUMenTo elaBorado Pela odeBreCHT Para a PreFeiTUra de salvador ConTendo esTUdo de UrBaniZação de TreCHo no enTorno do CaMaraJiPe, reGião do CMC (FonTe: FMlF, 1978)

93 FIG. 28 Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 1959, reGião do aTUal CMC - CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe. a iMaGeM deMonsTra QUe, aPesar do alTo GraU de Conservação dos ProCessos naTUrais e a não oCUPação Pela esTrUTUra UrBana, alGUMas inTervenções UrBanísTiCas JÁ esTão eM CUrso inTerFerindo nos ProCessos naTUrais, eM esPeCial os asPeCTos HídriCos. o rio nesse MoMenTo JÁ enConTrava-se reTiFiCado e redireCionado (FonTe: inForMes/Conder, 1959)

93 FIG. 29 evolUção UrBana: Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 1976, reGião do aTUal CMC - CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe. inTensa inTervenção eM CUrso, Para adeQUar a Área CoM o oBJeTivo de ForMar novo CenTro de aTividades de CoMerCio, serviço e eMPresarial. TerMinal rodoviÁrio e CenTro CoMerCial iGUaTeMi (sHoPPinG iGUaTeMi) insTalados. (FonTe: inForMes/Conder, 1976)

94 FIG. 30 evolUção UrBana: Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 1992, reGião do CenTro CoMerCial iGUaTeMi(sHoPPinG iGUaTeMi). Área CoM alTo GraU de Consolidação da esTrUTUra UrBana, Canal CoM sUas CalHas reverTidas de arGaMassa arMada. (FonTe: inForMes/Conder, 1992)

94 FIG. 31 evolUção UrBana: Área do desvio do rio CaMaraJiPe eM 2014, reGião do CenTro CoMerCial iGUaTeMi(sHoPPinG iGUaTeMi).Consolidação da oCUPação e inTervenções viarias. (FonTe: GooGle earTH, 2014)

96 FIG. 32 reCorTes do PeriódiCo Correio da ManHã de 13 de oUTUBro de 1948 CoMUniCando a liBeração dos serviços Para draGaGeM do rio CaMaraJiPe (FonTe: aCervo da FUndação BiBlioTeCa naCional eM BiBlioTeCa naCional diGiTal Brasil, HeMeroTeCa diGiTal Brasileira HTTP://MeMoria.Bn.Br/doCreader/doCreader.asPX?BiB=089842_05&PaGFis=43822)

100 FIG. 33 linHa do TeMPo deliMiTando os MoMenTos QUe ForMaraM o PanoraMa aTUal da BaCia HidroGrÁFiCa e o rio CaMaraJiPe

Page 17: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

101 FIG. 34 TiPoloGia de oCUPação no leiTo do CaMaraJiPe, Bairro do reTiro (FonTe: aCervo do aUTor, 2013)

105 FIG. 35 reTiFiCação do rio CaMPinas, UM dos PrinCiPais aFlUenTes do rio CaMaraJiPe. oBras de ConsTrUção da av. Mario leal Ferreira e MelHorias saniTÁrias Para sanar ProBleMas CoMo enCHenTes (FonTe: aCervo PMs/FGM)

106 FIG. 36 enCaPsUlaMenTo do rio CaMPinas Para Corredor eXPresso de ôniBUs eM 1988 (FonTe: FoTóGraFo lÁZaro Torres, aCervo PMs/FGM)

106 FIG. 37 esTado aTUal do rio CaMPinas, enCaPsUlado e soBre a CoBerTUra QUe CoBre o leiTo Área desTinada a laZer. esTrUTUras de sUPorTe da linHa do MeTrô aCoMPanHa Todo o seU CUrso.(FonTe: PorTal da CoPa. siTe do Governo Brasileiro Para CoPa do MUndo FiFa de 2014.)

108 FIG. 38 TíPiCa solUção de enGenHaria Para ConTer inUndações, CoMo TaMBéM ProPiCiar “eQUilíBrio” Para a oCUPação UrBana sUBseQUenTe. inTervenção no rio CaMararaJiPe Para reTiFiCação e ConsTrUção de PonTes. (FonTe: aCervo dn/FGM, av. anTônio Carlos MaGalHães - PonTe do deTran. 24/04/1975)

114 FIG. 39 alTo índiCe de UrBaniZação na BaCia HidroGrÁFiCa e nas MarGens do rio CaMaraJiPe(FonTe: esTa FoToGraFia Foi ProdUZida Pelo PorTal da CoPa. siTe do Governo Brasileiro Para CoPa do MUndo FiFa de 2014)

129 FIG. 40 eXeMPlo de siTUação de FraGilidade, resPosTa das Tensões ProvoCadas Pela eXPansão UrBana (FonTe: aCervo do aUTor, 2014)

131 FIG. 41 eXeMPlo da soBrePosição de CaMadas resUlTando no MaPa sínTese, as CaMadas deMonsTradas nesse diaGraMa são reFerenTes À aPliCação do MéTodo no PresenTe esTUdo (elaBorado Pelo aUTor)

133 FIG. 42 ConJUnTo de CaMadas rePresenTando valores das CaTeGorias de FaTores naTUrais e soCiais. (FonTe: MCHarG, 2000, P.111)

140 FIG. 43 PersPeCTiva da seção do Grande vale no esTUdo Para a BaCia do rio PoToMaC (FonTe: MCHarG, 2000, P.148)

140 FIG. 44 seção de UMa reGião de vale na eUroPa, Para eXPosição CiTies and ToWn-PlanninG 1911. (FonTe: Geddes, 1994, P.198-199

143 FIG. 45 eXeMPliFiCação do MéTodo de PlaneJaMenTo (s.a.d) sUrvey-analysis-desiGn [levanTaMenTo/anÁlise/ConCePção] (FonTe: TUrner, 1996, P.146)

145 FIG. 46 ConJUnTo de MaPas daaPliCação do MéTodo eColóGiCo Para o desenvolviMenTo do Plano Para PaisaGeM UrBana de são lUís, Ma (FonTe: Kliass, 2006, P.48-49)

151 FIG. 47  Lantana camara, seGUndo sanTos et aL. é a PlanTa QUe dÁ oriGeM ao noMe do rio CaMaraJiPe (FonTe: HTTP://Goo.Gl/17d4Xy)

152 FIG. 48 o aTUal(2014) esTado deGradação aMBienTal do rio CaMaraJiPe, Perda de QUalidade da ÁGUa e CoMProMeTiMenTo da esTrUTUra FísiCa (FonTe: aCervo do aUTor, 2014)

156 FIG. 49 a oBra da via eXPressa inTerFeriU direTaMenTe na ToPoGraFia de UMa eXTensa reGião na BaCia HidroGrÁFiCa do CaMaraJiPe, ConseQUenTeMenTe, TaMBéM inTerFeriU na dinâMiCa de esCoaMenTo das ÁGUa PlUviais. assiM CoMo, a inTervenção na esTrUTUra no leiTo do rio das TriPas, PrinCiPal aFlUenTe do CaMaraJiPe. a ConsTrUção da via eXPressa, CoMo Toda Grande inTervenção viÁria, inTerFere na esTrUTUra HídriCa adJaCenTe, resUlTando no aCrésCiMo do FlUXo eM dias de CHUva eM resPosTa a Maior Área de iMPerMeaBiliZação. assiM CoMo ModiFiCações no deseMPenHo do esCoaMenTo devido ao aMPlo ConJUnTo das 10 FaiXas da via esTÁ iMPlanTado, eM ParTe, nos FUndos de vales. MosaiCo de iMaGens da via eXPressa Baía de Todos os sanTos. Peças PUBliCiTÁrias de divUlGação da oBra (FiG. 01 e 02), iMaGens da seCreTaria de CoMUniCação do Governo do esTado (FiG. 03, 05 e 06) e FiGUra 04 aCervo Pessoal do aUTor.

Page 18: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

160 FIG. 50 rio dos seiXos na av. CenTenÁrio iMaGens (01 e 02) anTes de ser TaMPonado e (03, 04 e 05) iMPlanTação de ParQUe linear soBre a laJe QUe o reCoBre. (FonTe: iMaGeM 01: HTTP://s45.PHoToBUCKeT.CoM/User/GaBviana2/Media/dsC04293.JPG.HTMl. iMaGeM 02: HTTP://avenidaCenTenario.BloGsPoT.CoM.Br/2010_06_01_arCHive.HTMl. iMaGeM 03, 01 e 05: HTTP://WWW.BraZao.arQ.Br/174318/1800600/ProJeTos/ProJeTo-av-CenTenario )

161 FIG. 51 ConsTrUção de novos (2013/2014) eMPreendiMenTos iMPlanTados eM esPaços livres na BaCia do rio CaMraJiPe (FonTe: aCervo do aUTor, 2014)

162 FIG. 52 ConsTrUção de novos (2013/2014) eMPreendiMenTos iMPlanTados eM esPaços livres na BaCia do rio CaMaraJiPe (FonTe: ÁlBUM de FoTos do Governo da BaHia, HTTP://Goo.Gl/QoUXGi, 2011)

172 FIG. 53 TreCHo do rio CaMaraJiPe CoM alTa valoração reFerenTe a esTrUTUra FísiCa (FonTe: aCervo Pessoal do aUTor, 2014)

183 FIG. 54 Área CoM valor elevado de CoBerTUra veGeTal (seMinaTUral e naTUral) nas iMediações da anTiGa rePresa de MaTa esCUra e PraTa (FonTe: GooGle earTH, 2014)

184 FIG. 55 ConJUnTo de veGeTação Preservada ConsiderÁvel, Área do 19º BC, av. lUís edUardo MaGalHães adJaCenTe a UM aFlUenTe do rio CaMaraJiPe (FonTe: PorTal da CoPa. siTe do Governo Brasileiro Para CoPa do MUndo FiFa de 2014.)

185 FIG. 56 ConJUnTo de veGeTação Preservada na CaBeCeira do rio CaMaraJiPe. Possível oBservar inTervenção viÁria, eXPressando o CarÁTer de FraGilidade (GooGle earTH, 2014)

190 FIG. 57 Padrão de Uso oCUPação no Bairro do reTiro, PredoMinanTeMenTe, GalPões e arMaZéns [eM verMelHo]. (FonTe: inTervenção do aUTor soBre GooGle earTH, 2014)

191 FIG. 58 Padrão de Uso oCUPação no Bairro do reTiro, CoTa de elevação dos loTes PróXiMa À linHa d’ÁGUa (FoTo do aUTor, 2013)

198 FIG. 59 eXeMPlo de oCUPação “esPonTânea”, ForMação de aGloMeração HaBiTaCional sUBnorMal, TraCeJado verde. (FonTe: GooGle earTH, 2005, 2007, 2008, 2012 e 2014)

203 FIG. 60 MaPeaMenTo dos PonTos de inUndações. reGisTros da Codesal enTre os anos de 2005 a 2013. (FonTe: MaPeaMenTo Pelo aUTor das oCorrênCias disPoniBiliZada Pela Codesal GooGle earTH, 2014)

217 FIG. 61 MosaiCo eXeMPliFiCando FraGilidade das Zonas de sUPorTe devido oCUPação inForMal e evolUção da inFraesTrUTUra viÁria, Área adJaCenTe ao rio CaMaraJiPe(aZUl/BranCo), PeríMeTro TraCeJado eM verMelHo são Perdas de CoBerTUra veGeTal (FonTes: 1959, inForMes/Conder. 2008, 2005 e 2014 inTervenção do aUTor soBre iMaGens do GooGle earTH)

217 FIG. 62 oCUPação “leGal e ForMal” desConFiGUrando Áreas CoM CoBerTUra veGeTal relevanTe e Zonas úMidas (PeQUeno BreJo). CoMProMeTiMenTo de UMa das nasCenTe do CaMaraJiPe, inTerFerênCia na dinâMiCa HidriCa. (FonTe: aCervo do aUTor, 2014

218 FIG. 63 aGloMerados sUBnorMais adJaCenTes as Zonas de sUPorTe, reGiões vUlnerÁveis aMBienTalMenTe, PoréM CoM PoTenCial Para ConJUnção enTre reCreação e Preservação.(FoTo do aUTor, 2013)

222 FIG. 64 PanoraMa da oCUPação UrBana, PriMeiro Plano GalPões no Bairro do reTiro, seGUndo Plano reGião do Bairro do PaU Miúdo (aCervo do aUTor, 2014)

223 FIG. 65 núMero de reGisTros de desasTres. (FonTe: CoMo ConsTrUir Cidades Mais resilienTes. UM GUia Para GesTores PúBliCos loCais,

Page 19: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

THe UniTed naTions oFFiCe For a disasTer risK redUCTion eMdaT-Cred, BrUXelas. noveMBre de 2012.)

225 FIG. 66 MosaiCo de FoTos soBre a siTUação de vUlneraBilidade de eQUiPaMenTo UrBano de Grande FlUXo: ProXiMidade enTre o leiTo do rio CaMaraJiPe e a esTação inTerModal aCesso norTe de MeTrô e ôniBUs (FonTes: 01 aCervo do aUTor, 02 a 04 ÁlBUM de FoTos do Governo da BaHia, HTTP://Goo.Gl/QoUXGi, 2011)

226 FIG. 67 TreCHo de resTaUro (T04), PoTenCial Para aTividades reCreaTivas e de laZer ConJUnTaMenTe a ações de resTaUro. (aCervo do aUTor, 2014)

231 FIG. 68  diaGraMa de ConeXão enTre valoriZação e resTaUro

Page 20: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Lista de Mapas

34 MAPA 01. esQUeMa de loCaliZação da BaCia HidroGrÁFiCa do rio CaMaraJiPe, seM esCala (FonTe: o CaMinHo das ÁGUas eM salvador, 2010, elaBorado Pelo aUTor)

36 MAPA 02. loCaliZação do rio CaMaraJiPe e da MalHa HidroGrÁFiCa, esCala GrÁFiCa (FonTe: siCar/rMs 1992, GooGle earTH. elaBorado Pelo aUTor)

42 MAPA 03. divisão da BaCia HidroGrÁFiCa do rio CaMaraJiPe eM dois seTores: “a” e “B” (esCala GrÁFiCa)

43 MAPA 04. aCiMa esQUeMa siMPliFiCado da BaCia HidroGrÁFiCa e seUs PrinCiPais eleMenTos. ao lado redUção Padrão Para ser aPliCada JUnTo CoM a iConoGraFia.

55 MAPA 05. MaPa elaBorado Por JoHn snoW. CadasTraMenTo da loCaliZação dos Casos de Cólera e a assoCiação desses Casos CoM UM deTerMinado PonTo de aBasTeCiMenTo de ÁGUa (Benevolo 2011, P. 563)

69 MAPA 06. PlanTa idenTiFiCando a rede de esGoTo eXisTenTe na déCada de 1960, no ToTal de 30 QUilôMeTros dos QUais 27 ForaM ConsTrUídos Pelo enG. THeodoro saMPaio, QUe Teria ProJeTado Mais de UMa CenTena de QUilôMeTros. (FonTe: sUdene, 1968)

74 MAPA 07. síTio de salvador aTenção Para o relevo CoMPleXo PresenTe na Cidade, Morros e Colinas seParados Por esTreiTos vales. inTervenção eM Cores FeiTa Pelo aUTor dessa disserTação Para deMonsTrar o Traçado oriGinal (eM verMelHo) do rio CaMaraJiPe e seUs PrinCiPais aFlUenTes e reservaTórios de ConTriBUição (eM aZUl). (FonTe: sanTos, M. 1959 P.59)

88 MAPA 08. loCaliZação na Cidade do CMC (CenTro MUniCiPal CaMaraJiPe ) sisTeMa viÁrio eXisTenTe, loCal do desvio no CaMaraJiPe e o novo Canal e o anTiGo leiTo (FonTe: PddU 2012. elaBorado Pelo aUTor)

92 MAPA 09. CarToGraFia de 1952, o TraJeTo do rio CaMaraJiPe é rePresenTado anTerior ao redireCionaMenTo, PoréM nesse ano o rio ProvavelMenTe JÁ TinHa soFrido o desvio.(FonTe: HTTP://WWW.Cidade-salvador.CoM/seCUlo20/MaPa-1952.HTM, CirCUlo aMarelo inTervenção do aUTor idenTiFiCando o loCal do desvio)

92 MAPA 10. rePresenTação da CoMPosição das BaCias HidroGrÁFiCas anTes do redireCionaMenTo do rio CaMaraJiPe (elaBorado Pelo aUTor)

92 MAPA 11. rePresenTação da CoMPosição das BaCias HidroGrÁFiCas aPós ao redireCionaMenTo do rio CaMaraJiPe (elaBorado Pelo aUTor)

141 MAPA 12.  avaliação dos FlUXos e ConTaMinação na BaCia HidroGrÁFiCa do rio PoToMaC, UM dos MUiTos MaPas do eXaUsTivo invenTÁrio CiTado Por sPirn (FonTe: MCHarG, 2000, P.136)

164 MAPA 13. divisão dos Bairros da BaCia do CaMaraJiPe - seTor a

165 MAPA 14. divisão dos Bairros da BaCia do CaMaraJiPe - seTor B

166 MAPA 15. relevo da BaCia do CaMaraJiPe - seTor a

167 MAPA 16. relevo da BaCia do CaMaraJiPe - seTor B

170 MAPA 17. valoração asPeCTos HídriCos - seTor a

171 MAPA 18. valoração asPeCTos HídriCos - seTor B

174 MAPA 19. valoração da esTrUTUra dos rios - seTor a

Pág. descrição

Page 21: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

175 MAPA 20. valoração da esTrUTUra dos rios - seTor B

177 MAPA 21. PoTenCioMeTria e FlUXo da ÁGUa sUBTerrânea no alTo CrisTalino eM salvador -Ba (FonTe: Tese de doUTorado: diaGnósTiCo HidroGeolóGiCo, HidroQUíMiCo e da QUalidade da ÁGUa do aQUíFero FreÁTiCo do alTo CrisTalino de salvador - BaHia, sérGio aUGUsTo de Morais nasCiMenTo, 2008, P. 62) (linHa verde, inTerFerênCia soBre o MaPa indiCando a BaCia do rio CaMaraJiPe, Área Mais Clara CirCUnsCriTa)

180 MAPA 22. valoração da aCerCa da loCaliZação e FlUXo da ÁGUa sUBTerrânea na BaCia - seTor a

181 MAPA 23. valoração da aCerCa da loCaliZação e FlUXo da ÁGUa sUBTerrânea na BaCia - seTor B

188 MAPA 24. valoração da Flora e FaUna - seTor a

189 MAPA 25. valoração da Flora e FaUna - seTor B

194 MAPA 26. valoração reFerenTe ao Uso e oCUPação do solo - seTor a

195 MAPA 27. valoração reFerenTe ao Uso e oCUPação do solo - seTor B

200 MAPA 28. valoração das oPorTUnidades reCreaTivas e CêniCas - seTor a

201 MAPA 29. valoração das oPorTUnidades reCreaTivas e CêniCas - seTor B

204 MAPA 30. risCos GeolóGiCos relaCionados a enCosTas, inTerFerênCia do aUTor soBre o MaPa indiCando a BaCia do rio CaMaraJiPe, Área Mais Clara CirCUnsCriTa (FonTe: Plano direTor de esnCosTas, seCreTaria MUniCiPal do saneaMenTo e inFra-esTrUTUra UrBana 2004, P.45)

206 MAPA 31. valoração dos risCos e vUlneraBilidades - seTor a

207 MAPA 32. valoração dos risCos e vUlneraBilidades - seTor a

210 MAPA 33. MaPa sínTese - seTor a

211 MAPA 34. MaPa sínTese - seTor B

215 MAPA 35. resUMo de avaliação

219 MAPA 36. Zonas de sUPorTe

221 MAPA 37.  oCUPação UrBana e Condição de HaBiTaBilidade eM salvador(FonTe: GordilHo-soUZa, anGela, liMiTes do HaBiTar, 2008. eM relaTório do diaGnósTiCo dos serviços de drenaGeM PlUvial UrBana de salvador, 2010)

227 MAPA 38. TreCHos de resTaUro

Page 22: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Page 23: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Sumário

23 INTRODUÇÃO

31 referenciais teóricos

33 o rio Camarajipe

39 objetivo geral

39 objetivos específicos

40 Metodologia

45 estrutura da dissertação

CAPÍTULO 01

47 RIOS URBANOS:

DISTANCIAMENTO E REAPROxIMAÇÃO

48 ParTe 1 [TransForMações]

48 relação dos rios com a cidade

50 da aproximação com rios ao distanciamento na paisagem

54 Breve revisão teórica sobre as intervenções eM rios urbanos e as propostas sanitaristas

75 avenidas, bulevares, a cidade na velocidade do automóvel

81 semana de 35, epucs e os planos fusionais

87 o desvio do rio e o surgimento do canal

97 entre a encosta e o riacho: a aplicação tardia de ideias urbanas superadas

101 ParTe 2 [liMiTe]

101 “Como as cidades habitam os rios?” - Conceitos e processos de restauração de um rio urbano

109 situações e motivações para restauração de um rio urbano

112 a bacia hidrografica urbana na perspectiva da restauração de um rio

Page 24: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

CAPÍTULO 02

117 MÉTODO ECOLÓGICO

119 Contexto histórico e conceito teórico

125 a escolha do método

130 a necessidade de uma abordagem ecológica para a análise da bacia hidrogáfica urbana

135 legado e crítica

CAPÍTULO 03

149 BACIA HIDROGRÁFICA DO

RIO CAMARAJIPE

153 Modernidade: cidade x rios

158 o “ desaPareCiMenTo” dos rios soteropolitanos

159 Panorama atual do rio Camarajipe

168 MéTodo eColóGiCo na BaCia HidroGÁFiCa do CaMaraJiPe

168 valores hídricos

172 valores acerca da estrutura física dos rios

176 valores referentes à água subterrânea

182 valores de flora e fauna

190 valores uso e ocupação do solo

196 valores recreativos e cênicos

202 valores de risco e vulnerabilidades

209 a resPosTa do MéTodo eColóGiCo Para a BaCia e o CaMaraJiPe

209 Mapa síntese

212 sobre a sínTese

216 Zonas de suporte

220 Trechos de restauro

228 conexão entre valoração e restauro

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

Page 25: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

INTRODUÇÃO

Foz original do rio Camarajipe, bairro do Rio Vermelho (Fonte: acervo FGM/PMS, década de 1940, fotográfo: Voltaire Fraga)

Page 26: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

24

esta pesquisa constitui um estudo da relação entre a cidade e

seus rios, demonstrando no caso do rio Camarajipe, na cidade de

salvador, Bahia, a possibilidade de reestruturação de uma paisagem

fluvial, por meio da restauração de valores ambientais, com o propó-

sito de reaproximar a cidade de suas águas.

a história das cidades e dos seres humanos está diretamente

ligada aos cursos d’água, por serem um elemento vital como fonte

de nutrientes e hidratação. a proximidade com rios permitiu uma

mudança de extrema importância no desenvolvimento humano, por

intermédio da agricultura irrigada pelas cheias, como no vale do

nilo, do eufrates, do indo, do yang-Tsé, entre outros, permitindo

também a expansão territorial pela navegação.

no Brasil, em consonância com a tradição urbanística portu-

guesa, os primeiros núcleos urbanos, desde a época colonial, foram

assentados ao longo do mar ou próximos dos rios, onde o traçado

das ruas, muitas vezes, acompanha ou é perpendicular ao traçado

dos cursos d’água, independentemente do tamanho das vilas e

cidades. Mesmo aquelas que são banhadas pelo oceano cresceram

nas proximidades dos rios com a finalidade de abastecimento de

água potável.

o crescimento urbano e o incremento demográfico decorren-

tes do processo de industrialização, evidenciado no século XiX,

resultaram em mudanças na paisagem das principais cidades euro-

peias e, consequentemente, também das cidades brasileiras, trans-

formando-as num ambiente caótico e desordenado, além de apre-

sentar um cenário de epidemias e de revoltas.

nesse sentido, a busca por melhorias de habitação e sanea-

mento passou também pela implantação dos novos meios de trans-

porte, instalação de tubulações para o abastecimento de água, de

Page 27: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

25

gás, bem como pela solução de problemas advindos do escoamento

dos dejetos domésticos e industriais.

alinhar ruas, retificar rios, sanear espaços públicos, regular a

ocupação do solo, modernizar a cidade, remediar as questões de

higiene e saúde pública são alguns dos paradigmas do final do

século XiX e primeira metade do século XX.

esses problemas registrados nas principais cidades europeias

também se apresentavam nas cidades brasileiras, intensificados

pelos movimentos migratórios. Modelos de intervenção eram trazi-

dos para as cidades do rio de Janeiro, são Paulo, salvador e recife.

no entanto, a forma como o modelo de desenvolvimento foi

intensificado no Brasil a partir de 1950 refletiu no processo de urba-

nização com marcada predominância da matriz rodoviarista01 (figura

01), desassistindo a população de menor renda de condições básicas

de urbanidade e de inserção efetiva à cidade, restando a ela sempre

a ocupação de áreas mais frágeis, ou quando era de interesse eco-

nômico desalojava-se para abrir espaço para a modernização.

(rolniK, 2008; MariCaTo, 2000).

esse quadro, ao longo dos anos, acelerou o processo de

degradação ambiental das cidades, apoiada pelo desacerto dos

poderes públicos, que, unidos ao aspecto de não conscientização da

sociedade urbana brasileira com relação à natureza, foi intensificada

nas últimas duas décadas do século XX. (CavallaZZi e CosTa, 2001).

dessa forma, entender a atual situação dos cursos d’água em

áreas urbanas é também constatar o grau de distanciamento físico,

ecológico e social das cidades e seus rios. Contudo, a emergência de

[01] o termo matriz rodoviarista define o modelo de mobilidade urbana baseado no automóvel particular. Tal modelo provê incentivo e isenções por parte dos poderes públicos, além de investimen-tos em iniciativas de cunho rodoviário, a exemplo das avenidas de fundo de vale, viadutos, vias expressas, entre outras, presentes nas grandes cidades brasileiras.

Page 28: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

26

se compreender tal distanciamento passa pela constatação da

degradação ambiental dos rios urbanos e como esse afastamento

resultou na ruptura do convívio entre os habitantes e a paisagem

fluvial como elemento integrador do ambiente urbano. Como assina-

la Gorski:

Ao verificarem-se as situações de ruptura nas rela-

ções entre a cidade e os cursos d’água ou, mais ampla-

mente, entre sociedade e natureza, percebe-se nitida-

mente que o desligamento físico do rio das funções

urbanas acarreta num desligamento afetivo dos siste-

mas fluviais e fundos de vale, e a eles se atribuem carac-

terísticas de entrave e de elemento de depreciação do

ambiente urbano (GORSKI, 2010, p. 68)

vale salientar que essa situação é uma constante na realida-

de das cidades brasileiras, até mesmo naquelas em que os rios são,

essencialmente, a única representatividade hídrica. Um bom exemplo

é a cidade de são Paulo, com seus inúmeros rios encapsulados e os

Fig. 01 CONsTRUÇÃO DA ViA EXPREssA BAÍA DE TODOs Os sANTOs, “ABRiNDO EsPAÇO PARA MODERNiZAÇÃO”. (FOTO: MANU DiAs, sECOM-gOV. BAHiA, HTTPs://www.FliCkR.COM/PHOTOs/AgECOMBAHiA/7061060935/iN/sET-72157629777101749)

Page 29: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

27

dois principais, Tietê e Pinheiros (figura 02), retificados e estrangula-

dos pelo sistema viário, que ocupa suas várzeas, assim como o

comprometimento severo da qualidade de suas águas.

Fig. 02 ENCONTRO DO RiO PiNHEiROs COM O TiETÊ, NA ZONA OEsTE DA CAPiTAl. (FOTO: AYRTON VigNOlA/AgÊNCiA EsTADO, 20/09/2010. HTTP://BlOgs.EsTADAO.COM.BR/OlHAR-sOBRE-O-MUNDO/RiO-TiETE)

no caso de cidades como rio de Janeiro e salvador, essa

representatividade hídrica dos rios é diluída pela presença do ocea-

no, no que diz respeito aos aspectos históricos, econômicos, cultu-

rais e sociais. a importância do porto na formação e consolidação

das cidades litorâneas define, desde sua origem, a importância do

mar para a urbis.

salvador possui no cerne da sua formação o oceano, mais

precisamente a Baía de Todos os santos (figura 03), porto seguro

para o estabelecimento da primeira centralidade da colônia da coroa

portuguesa, definida de forma estratégica para controlar o litoral,

como também parada obrigatória aos navios vindos de Portugal

para outras localidades, ou em direção às colônias africanas e

asiáticas.

Page 30: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

28

o propósito desse estudo é examinar as possibilidades de

uma abordagem diferenciada no planejamento urbano para regiões

em que o rio é parte da estrutura da paisagem urbana. Busca-se

compreender como os modelos de desenvolvimento que não consi-

deram os processos naturais tendem a afetar ecologicamente os rios

em sua estrutura física, ambiental e hídrica.

não obstante as dificuldades encontradas, a relevância das

questões ambientais na disciplina do planejamento urbano, a partir

da metade do século XX, foi impulsionada pelos movimentos conser-

vacionistas e ambientais, sendo que alguns conceitos serviram de

farol para o pensamento sobre ecologia, degradação e conservação

do meio ambiente. essas discussões direcionaram trabalhos e pes-

quisas para o âmbito ecológico em diferentes partes do mundo.

Uma dessas referências que refletiram a preocupação com o

meio ambiente é, sem dúvida, o livro silente spring (1962), de rachel

Carson, que alertava sobre o impacto ambiental causado pelo uso

indiscriminado de defensivos agrícolas. outro marco foi a conferên-

cia de 1965, The Conservation Foundation - Future environments of

Fig. 03  BAÍA DE TODOs Os sANTOs, siTUAÇÃO PENiNsUlAR DO sÍTiO DA CiDADE, PORTO PROTEgiDO NA “ENTRADA” DA BAÍA (ACERVO DA BiBliOTECA NACiONAl BRAsil EM HTTP://www.wDl.ORg/PT/iTEM/786/)

Page 31: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

29

north america02, com o objetivo de discutir problemas e soluções

futuras para a crise ecológica que se desenhava em todo o continen-

te americano.

no campo do planejamento urbano e regional, a publicação

design With nature, em 1969 (figura 05), do arquiteto e planejador

da paisagem o escocês ian McHarg (figura 04), surgiu como um guia

para a abordagem ambiental. a disseminação das ideias do autor

influenciou gerações que utilizaram os aspectos práticos e teóricos,

considerando a pertinência dos fatores naturais na elaboração de

diretrizes projetuais. o livro evidenciava a problemática relação entre

sociedade e natureza com vistas ao planejamento da paisagem

segundo os atributos ecológicos e socioculturais.

as considerações sobre conceitos desenvolvidos por McHarg

tornaram-se essenciais para o entendimento da bacia hidrográfica03

e dos rios enquanto agentes estruturadores do desenvolvimento da

paisagem, além de fornecer um suporte metodológico para a análise

ambiental e entendimento dos processos naturais a partir desse

elemento geográfico. Como afirma Hough, aluno e discípulo de

McHarg (1998, p.29), “o princípio da melhoria do meio ambiente é

também a base para a restauração ecológica: levar os sistemas

naturais a um estado de saúde ecológica, de restabelecimento da

biodiversidade e da capacidade de adaptação”.

[02] simpósio Future environments of north america, organizado pela Conservation Foundation of Washington no ano de 1965, para discutir o cenário ambiental futuro, concatenando os conceitos e ideias sobre esse novo campo, a ecologia. Conferências como essa que, segundo lewis Mumford (1969) na introdução do livro design With nature, influenciaram trabalhos como o silent spring seminal livro de rachel Carson. ainda segundo Mumford, ian McHarg, assim como Carson, participa-ram do referido simpósio.

[03] em seu livro design With nature, um dos exemplos mais detalhados de aplicação do método ecológico é justamente numa bacia hidrográfica, a do rio Potomac.

Fig. 04 ARqUiTETO iAN MCHARg.

Fig. 05 CAPA DA PRiMEiRA EDiÇÃO DO liVRO DEsigN wiTH NATURE

Page 32: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

30

o entendimento da bacia hidrográfica como unidade de planejamen-

to, dos rios como elementos estruturadores da paisagem urbana e a

realidade ambiental das cidades brasileiras, com o suporte conceitu-

al e a utilização do método ecológico desenvolvido por ian McHarg,

foram os meandros navegados nessa dissertação. Percorrendo esse

caminho alguns questionamentos referentes à reaproximação da

cidade com os seus cursos d’água foram sendo formulados e estru-

turam este estudo, tais como:

• Como reestruturar a paisagem urbana através da restaura-

ção do rio?

• Como proceder metodologicamente na abordagem do pla-

nejamento com bacias hidrográficas e seus rios?

• Como aplicar o método ecológico na estrutura urbana (bacia

hidrográfica do rio Camarajipe)?

• o método ecológico utilizado é uma ferramenta válida para

restruturar uma paisagem urbana?

o presente trabalho foi estruturado para encontrar respostas

para esses questionamentos, com o auxílio de um referencial teórico

que permitiu salientar discussões e algumas controvérsias sobre a

utilização do método ecológico.

o objeto teórico é uma reflexão crítica acerca do método

ecológico desenvolvido por ian McHarg aplicado em uma bacia

hidrográfica urbana, com base na reestruturação da paisagem pela

restauração do seu principal rio, compreendendo os cursos d’água

como processos interativos dos ecossistemas naturais com a cidade.

Page 33: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

31

REFERENCiAis TEóRiCOs

os rios têm sido estudados segundo vários aspectos e vêm

assumindo grande relevância em diversos âmbitos: seja na proposi-

ção de políticas públicas, leis, ações de organizações não governa-

mentais, financiamentos de projetos, discutidos em eventos científi-

cos, publicações etc., cuja finalidade precípua tem sido a

aproximação e convívio no espaço urbano.

estudos nesse campo perpassam por toda a diversidade da

relação entre o ambiente urbano e os cursos d’água, assim como

intervenções nas bacias hidrográficas e a dinâmica da expansão da

estrutura das cidade sobre as margens dos rios, e os reflexos dessas

transformações sobre o equilíbrio dos processos fluviais. Tais conheci-

mentos teriam dimensão eminentemente prática, já que seriam resul-

tantes da reflexão sobre a “convivência” da cidade com seus rios,

traduzida em enchentes, riscos à saúde, contaminação dos lençóis

freáticos, esgotos a céu aberto e também a negligência quanto a sua

inserção na paisagem urbana.

vários autores (sPirn, 1987; HoUGH, 1995; riley, 1998)

salientam que desde o século Xviii as estratégias voltadas para resol-

ver os problemas de rios urbanos, propunham soluções de retificação

e canalização para escoar o fluxo no período das enchentes e disponi-

bilizar as várzeas para habitação e construção de vias de transporte.

essa maneira de tratar a questão tem sido reavaliada em várias cida-

des do mundo assim como no Brasil (CosTa, 2006; GorsKi, 2010).

a leitura ambientalista, colocada em foco a partir dos estu-

dos de eugene odun, em seu livro, Fundamentos da ecologia, publi-

cado originalmente em 1953, impulsionou o desenvolvimento de uma

relação com a arquitetura da paisagem em ambientes urbanos, a

partir da consideração dos processos naturais.

Page 34: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

32

Costa et al (2010) destacam e complementam:

Em geral, a ideia de restauração ambiental está rela-

cionada com a ideia de processo. Esse entendimento é

resultado do trabalho inovador de Ian McHarg (1969),

que desenvolveu uma metodologia de análise e inter-

venção na paisagem que se destinava a diferentes esca-

las do ambiente e se baseava no estudo da dinâmica dos

processos naturais e suas repercussões na paisagem.

(COSTA et al, 2010, p.a-15)

a utilização da abordagem teórica e prática desenvolvida por

ian McHarg, seu método ecológico, apresentado na publicação design

With nature (1969), que considera os processos naturais com vistas

ao planejamento ambiental, foi o suporte principal para construção do

caminho percorrido neste estudo.

Já spirn (1987) e Hough (1995), ambos alunos e seguidores

das ideias de McHarg, avaliam que os conhecimentos dos processos

naturais passam a adquirir importância e reconhecimento após terem

sido apropriados e validados pela sociedade, onde se pretende um

projeto de restauração ambiental de um curso d’água, além do enten-

dimento de que os problemas urbanos que afetam os rios resultam da

interdependência do meio ambiente com a forma construída.

Com relação aos cursos d’água no ambiente urbano, riley

(1998), Costa (2006) e Gorski (2010) contribuíram para uma visão

geral, enquanto Pellegrino (2006) apresenta estudos teóricos com

desdobramentos em projetos, assim como Kliass (2006) em seu

extenso trabalho como arquiteta da paisagem.

entre os autores citados destacam-se os estudos de McHarg e

riley. nesse sentido, é importante mencionar que foram utilizados

dois enfoques: o primeiro se refere à aplicação do método ecológico,

supondo que por meio da inserção do viés ambiental seria possível

reconhecer e aproveitar as potencialidades naturais ainda existentes;

o segundo diz respeito à restauração de um rio, respaldado pelas

Page 35: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

33

ideias que buscam valorizar a importância ambiental e social dos

sistemas fluviais no ambiente urbano.

os conceitos apresentados por riley (1998) serviram de

suporte para definir de que modo os elementos fluviais poderiam ser

recuperados, diante de uma paisagem urbana consolidada por meio

de intervenções de engenharia convencional. Para entendimento das

possibilidades de reaproximação do rio Camarajipe com a cidade de

salvador, a ideia de restauro de rios urbanos foi relevante, pois, se-

gundo autora, a restauração consiste na possibilidade de recuperação

dos atributos físicos que foram alterados, devolvendo seus meandros,

sua vegetação e, consequentemente, a qualidade de suas águas.

autores já citados, como spirn, Hough, Pellegrino, Kliass, entre

outros, empregaram as ideias de McHarg em seus trabalhos, dando

continuidade e acrescendo outras variáveis que contribuíram para o

desenvolvimento dos conceitos elaborados pelo autor.

Contudo, críticas, ressalvas e atualizações acerca do modelo

de planejamento ambiental elaborado por McHarg serviram de funda-

mento para visualizar imperfeições na sua aplicabilidade, entre as

quais se destacam Tunner (1996), riley (1998), Conner (2006),

Herrington (2010).

O RiO CAMARAjiPE

o rio Camarajipe e sua bacia hidrográfica04, objeto de estudo,

localiza-se na cidade de salvador no estado da Bahia (mapa 01). esta

bacia possui a maior densidade habitacional entre as bacias do

município, com aproximadamente 27,3% da população soteropolitana

(iBGe, 2010).

[04] Foi adotada nesse estudo a definição de bacia hidrográfica delineada na publicação o Caminho das águas em salvador (santos et al, 2010,p.13) que determina como “a unidade territorial delimitada por divisores de água, na qual as águas superficiais originárias de qualquer ponto da área delimitada pelos divisores escoam pela ação da gravidade para as partes mais baixas, originando córregos, riachos e rios, os quais alimentam o rio principal da bacia, que passa, forçosamente, pelos pontos mais baixos dos divisores, e desemboca por um único exutório. Pode-se considerar exceção a esta definição a ocorrência de bacias hidrográficas distintas, que por intervenção de infraestrutura urbana, tiveram seus rios principais interligados próximos à foz e passaram a contar com o mesmo exutório.”

Page 36: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

34

BRABA

oceanoatlântico

baía de todos os santos

07

18

0103

02

06

04

05

08

0913

12

14

15

17

16

sitío inicial(centro hist.)

11

10

SSA

AMÉRICALATINA

(BRA) BRASIL (BA) BAHIA

01 • Seixos-Barra/Centenário02 • Vitória/Contorno* 03 • Ondina04 • Lucaia05 • Comércio*06 • Amaralina/Pituba* 07 • Camarajipe08 • Itapagipe*09 • Pedras/Pituaçu

10 • Armação/Corsário*11 • Plataforma*12 • Cobre13 • Passa Vaca14 • Paraguari15 • Jaguaribe16 • Stella Maris*17 • Ipitanga18 • São Tomé de Paripe*

bacias hidrográficas do município (* Bacias de drenagem pluvial)(SSA) Salvador - Ba

MAPA 01. EsqUEMA DE lOCAliZAÇÃO DA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO CAMARAjiPE, sEM EsCAlA (FONTE: O CAMiNHO DAs ÁgUAs EM sAlVADOR, 2010, ElABORADO PElO AUTOR)

Por Bacia de Drenagem Natural compreende-se a região de to-

pografia que não caracteriza uma bacia hidrográfica, podendo

ocorrer veios d’água, os quais não convergem para um único exutó-

rio. No caso de Salvador, correspondem às regiões costeiras da Baía

de Todos os Santos, como a Península de Itapagipe, o Comércio, a

Avenida Contorno e a Vitória; e, da Orla Atlântica, compreendida

entre a Praia de Jaguaribe até o limite entre este município e Lauro

de Freitas. Portanto, a ausência de cursos d’água perenes foi um

dos critérios para a definição das bacias de drenagem natural.

(SANTOS et al, 2010 p. 13)

Page 37: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

35

o rio Camarajipe possui cerca de 14 quilômetros de extensão,

entrecortando zonas heterogêneas, no que diz respeito ao aspecto físico e

social. a nascente do rio encontra-se na região de Pirajá, nos bairros

Marechal rondon, Boa vista de são Caetano, Calabetão, Mata escura e

alto do Cabrito. neste último, foi construída uma represa na década de

1950, conhecida como dique do Cabrito, que servia de abastecimento para

indústrias locais, porém foi desativada nos anos 1980 por comprometimen-

to de suas águas (sanTos, 2010).

vale ressaltar a situação ímpar relacionada ao seu traçado que,

devido à obras de engenharia, abordando tão somente problemas de cons-

tantes inundações, alteraram seu curso a montante dessas zonas, resultando

na singularidade de duas desembocaduras. no largo da Mariquita, no bairro

do rio vermelho, encontra-se a foz original, que em razão do desvio do seu

leito nas imediações do terminal rodoviário de salvador, atualmente deságua

na praia do Costa azul.

a escolha da bacia do rio Camarajipe e do seu principal curso

d’água (mapa 02) foi impulsionada por sua representatividade como o

elemento estruturador da paisagem urbana e a oportunidade de análise

acerca do convívio da cidade salvador com seus rios. nesse sentido, são

pertinentes as seguintes considerações quanto ao protagonismo do rio

Camarajipe:

• Marco espacial do crescimento moderno da cidade de salvador, o

rio teve suas margens ocupadas por vias que articulavam o novo

crescimento, sentido vetor norte de expansão, impulsionado pela

implantação do novo Centro administrativo da Bahia (CaB) e por

equipamentos de grande importância, como a estação rodoviária, o

shopping center iguatemi, detran, entre outros.

• a relevância do rio Camarajipe como elemento hídrico

estruturador da paisagem soteropolitana é evidenciada no

Page 38: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 02. lOCAliZAÇÃO DO RiO CAMARAjiPE E DA MAlHA HiDROgRÁFiCA, EsCAlA gRÁFiCA (FONTE: siCAR/RMs 1992, gOOglE EARTH. ElABORADO PElO AUTOR)

Page 39: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

37

documento Planejamento Geral do sistema de esgotos sanitários

da Cidade do salvador (sUdene, 1968), no qual a hidrografia da

cidade é apresentada por uma malha constituída de pequenos

cursos d’água na qual se destacam alguns mais significativos, tais

como, o Camarajipe, o lucaia, os rios das Tripas e são Pedro. vale

acrescentar que, no processo de expansão da cidade, os rios que

estavam localizados em zona rural, nos dias atuais passaram a ter

importância na estrutura urbana, como os rios Jaguaribe e das

Pedras.

• a atual situação do rio, em 2014 apresenta um elevado grau de

embate entre os processos fluviais e os de urbanização,

acrescente-se a isso o aumento das intervenções nos rios da

cidade05 com encapsulamento e tamponamento dos

mesmos,portanto, pode-se concluir que o rio Camarajipe poderá

vir, em pouco tempo, a sofrer a intervenção segundo o padrão

comentado. Modelo esse que, segundo Costa (2006), culmina na

desestruturação ambiental, ocasionando o total ocultamento do

curso d’ água na paisagem urbana.

• a vulnerabilidade decorrente da ocupação do leito maior06 (figura

06 e 07) por alguns equipamentos urbanos importantes,

acentuada por dois processos: o natural, no que se refere ao

extravasamento das águas do rio decorrente de intensas e

duradouras precipitações pluviométricas, coincidindo com marés

altas que formam uma barreira física para escoamento do

excedente; e o de urbanização, resultado principalmente da

expansão imobiliária, impermeabilizando áreas que anteriormente

eram zonas de recarga e amortecimento das águas pluviais.

[05] intervenções entre os anos de 2002 e 2012 nos rios dos seixos (canal da avenida Centenário), das Pedras (canal do imbuí) e lucaia (canal da avenida vasco da Gama), importantes cursos d’água presentes em salvador que foram tamponados ou encapsulados no curto período de 10 anos.

[06] a definição de leito maior aqui adotada é a mesma para planície de inundação, várzea e zona riparia. segundo spirn (1984,p.131), “planície de inundação é uma área relativamente plana, na qual o rio se move e regularmente o fluxo transborda. a calha natural do rio não é estática, ela se move pela área da várzea e, ao longo do tempo, ela ocupa todos diversos pontos da planície de inundação. além de servir como depósito de sedimentos trazidos pelas enchentes, tornando essas áreas extremamente férteis.” (tradução livre do autor)

Page 40: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

38

Fig. 07 DiNâMiCA DA VÁRZEA. EXTRAVAsAMENTO DOs RiOs NAs PlANÍCiEs DE iNUNDAÇÃO COM FREqUÊNCiAs PREVisÍVEis, As EsTRUTURAs URBANAs CONsTRUÍDAs DENTRO ÁREA DO lEiTO MAiOR sÃO sUsCETÍVEis A RisCOs DE DEsTRUiÇÃO. (sPiRN, 1984, P. 132, TRADUÇÃO liVRE DO AUTOR)

leito maior

leito menor

canal de estiagemplanície de inundação

Fig. 06 COMPONENTEs FÍsiCOs DE UM CóRREgO (FONTE: RilEY, 1998, P.29, ilUsTRAÇÃO DO AUTOR)

a delimitação espacial deste estudo é a bacia hidrográfica do

Camarajipe, definida de acordo com a publicação O Caminho das águas

em Salvador (santos et al, 2010). entretanto, o cerne do trabalho é o rio

Camarajipe, entendendo que é necessário abordar toda a bacia para

compreender os processos hídricos que influenciam e delineiam o rio.

Page 41: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

39

OBjETiVO gERAl

validar e verificar a aplicabilidade do método ecológico07 em

uma estrutura urbana consolidada para a restauração de um rio

urbano.

OBjETiVOs EsPECÍFiCOs

• Compreender o rio como elemento estruturador da paisagem

urbana, identificando as características dos modelos de

intervenções associadas aos elementos hídricos na cidade de

salvador, contextualizando com as fases do planejamento

urbano;

• verificar os elementos fisiográficos na estrutura urbana que

influenciam diretamente na singularidade do rio Camarajipe;

• discutir a adequação do método ecológico desenvolvido por

ian McHarg na aplicação em projetos urbanos que visem

valorizar os processos ambientais com referência à bacia

hidrográfica urbana, por meio da aplicação do método numa

bacia específica – rio Camarajipe.

• analisar as diferentes situações da estrutura urbana ao longo

do rio Camarajipe, com a finalidade de restauração de um rio

urbano e seu entorno, a partir da aplicação do método

ecológico na bacia hidrográfica.

[07] Para esse estudo, o termo “método ecológico” se refere aos conceitos e práticas desenvolvidas por ian McHarg expostas no livro design With nature (1969)

Page 42: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

40

METODOlOgiA

Para alcançar uma alternativa de análise e planejamento para

restauração do rio Camarajipe e valorização ambiental da bacia

hidrográfica em que está inserido, optou-se pela investigação e

aplicação do método ecológico desenvolvido por ian McHarg no seu

livro design With nature (1969). é pertinente pontuar que ao aplicar

um determinado método o desenvolvimento metodológico necessa-

riamente será similar.

Cabe expor os aspectos básicos do método que serviram de

balizamento para a metodologia do presente estudo: pesquisa e

levantamento dos tópicos fisiográficos e particularidades ambien-

tais; inventário ecológico apresentado em mapas temáticos que

representam a valoração dos fatores e processos naturais a partir do

cotejamento dos dados pesquisados; sistematização dos mesmos

para a sobreposição (overlay) das camadas cartográficas, resultando

em mapas-sínteses; e diagnóstico que foi entendido nessa pesquisa

como, interpretação dos mapas sínteses, levando em consideração

as zonas propícias ou restritivas para a finalidade do planejamento.

Foram realizadas pesquisas para o levantamento das carac-

terísticas fisiográficas, tais como: relevo, hidrografia, vegetação,

entre outras; entendidas como processos naturais, assim como a

identificação dos aspectos históricos, físicos, biológicos e culturais.

os dados serviram como subsídio para a elaboração de um panora-

ma geral da região em análise e para produção cartográfica.

os dados coletados e as informações foram pesquisados em

planos, artigos, dissertações, teses e publicações que tratam, direta

e indiretamente, do rio e/ou sua bacia. o cruzamento desses dados

com a iconografia e imagens aéreas possibilitou uma maior precisão

na representação gráfica da atual situação em relação aos processos

Page 43: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

41

naturais e, sobretudo, na compreensão da interferência antrópica

nesses processos ao longo do tempo.

as imagens que serviram de suporte para a análise da evolu-

ção da estrutura urbana foram cedidas pela Companhia de

desenvolvimento Urbano do estado da Bahia (Conder). os regis-

tros aero-fotográficos foram realizados nos anos 1959, 1976 e 1992,

portanto abrangendo intervalos de aproximadamente duas décadas.

Para a representação cartográfica da área de estudo, que

compreende 35.877 quilômetros quadrados, a escala de análise foi

de 1:10.000 a 1:1.000, em diferentes formatos (.dWG, .Psd, .ai, .TiFF,

.JPeG, .PdF). a variação da escala se deve à pertinência das análi-

ses, a escala mais abrangente trata da bacia hidrográfica e as suces-

síveis aproximações são referentes ao rio e seu entorno.

Por questões técnicas, optou-se na aplicação do método ecoló-

gico representar a bacia do Camarajipe dividida em dois setores: setor

“a” e setor “B” (mapa 03). o primeiro se estende da cabeceira do rio na

região de Pirajá até as imediações do bairro do retiro, mais precisamen-

te na interseção da Br-324 com a avenida luis eduardo Magalhães.

o segundo se estende desse ponto até a foz no bairro do Costa azul.

Foi utilizado levantamento cartográfico de 1992 (siCar/

rMs)08. Contudo serviram de suporte para a atualização da base

defasada quanto à estrutura urbana atual, as imagens de satélite,

compreendendo os períodos de 2003 a 2013, disponibilizadas no

software Google Earth.

o levantamento fotográfico a partir de visitas de campo,

durante o período de 2008 a 2014, objetivou registrar as principais

vias, espaços públicos, diferentes tipos de ocupação do solo, vegeta-

ção, interferências na estrutura do rio, entre outros elementos e

fatores para melhor entendimento da diversa composição urbana ao

[08] siCar/rMs - sistema Cartográfico da região Metropolitana de salvador, elaborado e desenvolvi-do pela Conder, setor inForMes.

Page 44: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

42

longo do curso do rio. o levantamento contribuiu para complemen-

tar as lacunas cartográficas e verificar os aspectos relacionados ao

gabarito das edificações, bem como a relação da volumetria do

ambiente construído com a topografia, além de registrar a interferên-

cia da estrutura urbana sobre os elementos fisiográficos em especial os

hídricos.

a consulta iconográfica realizada nos arquivos históricos e

órgãos de planejamento, municipal e estadual teve os seguintes propósi-

tos: compreender os aspectos físicos originais do rio e ilustrar cronologi-

camente as intervenções no seu traçado, bem como sua relação com a

km21.50

setor A

setor B

MAPA 03. DiVisÃO DA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO CAMARAjiPE EM DOis sETOREs: “A” E “B” (EsCAlA gRÁFiCA)

Page 45: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

43

Rio Camarajipe

Principais afluentes

Malha hídrica

Antigo leito do rio Camarajipe

Vias expressas

Metrô

Terminal rodoviário

Arena fonte nova

Poligonal centro histórico

Bacia hidrográfica

Localização da imagem

baía detodos ossantos

oceanoatlântico

N

MAPA 04. ACiMA EsqUEMA siMPliFiCADO DA BACiA HiDROgRÁFiCA E sEUs PRiNCiPAis ElEMENTOs. AO lADO REDUÇÃO PADRÃO PARA sER APliCADA jUNTO COM A iCONOgRAFiA.

cidade durante o século XX. as imagens foram cedidas pela Fundação

Gregório de Matos.

Para facilitar a localização e a identificação espacial dessas

imagens, assim como a maioria apresentadas nesse trabalho passíveis de

localização, foi elaborado uma redução esquemática do mapa da bacia/

salvador e seus elementos hídricos (mapa 04), com o objetivo de sanar

uma lacuna comum nos trabalhos na área de urbanismo, que ao apre-

sentar uma fotografia do local não identifica a região e a relação com o

recorte do estudo,dificultando assim a contextualização da imagem com

a área descrita. essa representação tem o propósito de promover o

entendimento do contexto urbano com a iconografia utilizada.

as fontes bibliográficas locais perpassam dois âmbitos: o

primeiro relacionado com as características fisiográficas e ambien-

tais, sua relação com a cidade e suas singularidades geográficas e

morfológicas; o segundo diz respeito ao planejamento e teorias

relacionadas ao urbanismo de salvador, sendo fundamentais para

Page 46: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

44

assimilar as ações de cunho sanitaristas e rodoviaristas, que tanto

influenciam na estrutura dos cursos d’água.

Para compreensão do processo metodológico presente nessa

dissertação, vale esclarecer que o método ecológico foi aplicado

não apenas no curso do rio Camarajipe e seu entorno. a atenção foi

para toda extensão da bacia hidrográfica com o intuito de identificar

as zonas com maior valor ambiental com vistas à restauração da

paisagem fluvial e os valorização dos elementos hídricos pertinentes

a esse tipo de paisagem.

Como a metodologia foi organizada segundo os conceitos do

método ecológico, elaborou-se uma metodologia específica para

análise e validação, com o propósito de examinar a aplicabilidade do

método no objeto empírico desta dissertação. esse segmento da

metodologia serviu como suporte para adequação às condições

atuais da bacia do Camarajipe. os critérios adotados foram:

analisar os aspectos conceituais e técnicos do método e

antecedentes a partir da visão de outros autores. avaliação e crítica

do método, percebendo como pode ser aplicado ou as possíveis

lacunas a serem complementadas, além de identificar imperfeições no

objetivo pretendido. optou-se por analisar previamente os principais

pontos de inflexão do método para aplicá-lo, verificando diversos

autores que usaram e questionaram o método quanto aos aspectos

práticos e teóricos.

adeQUar e complementar com outras metodologias e

conceitos para sanar as lacunas descritas no eixo anterior e para

melhor direcionamento na sua aplicação. Por meio da análise elabora-

da anteriormente foi possível perceber quais críticas e formulações

eram procedentes para o presente estudo e, consequentemente, a

adequação mais favorável ao objeto empírico.

Page 47: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

45

validar o método após sua aplicação por intermédio da

análise do diagnóstico, conclusões e direcionamentos relacionados ao

planejamento ecológico da paisagem urbana e ribeirinha. a verifica-

ção e a avaliação permitiram algumas considerações, acréscimos e

ressalvas só identificados após a aplicação.

vale destacar que os dois primeiros critérios serviram para

aplicar o método, ou seja, foram utilizados anteriormente ao desen-

volvimento, enquanto o último critério foi empregado na etapa final,

posterior à aplicação do método. ou seja, a validação será tratada

na conclusão do presente estudo.

EsTRUTURA DA DissERTAÇÃO

esta dissertação foi estruturada em quatro capítulos além da

introdução e conclusão. o capítulo 1 discorre sobre o convívio da

cidade com seus cursos d’água e de que forma e por quais motivos

essa relação se encontra, na maioria dos casos, desequilibrada nas

metrópoles brasileiras. Foram discutidos conceitos de autores que

abordam o tema de rios, como elemento estruturador da paisagem

urbana. Tais ideias auxiliaram na conexão entre os processos naturais e

a urbe, aceitando a possibilidade do equilíbrio ambiental no contexto

urbano. dando seguimento ao capítulo, foram apresentadas alternati-

vas de reaproximação da cidade com os rios por meio dos conceitos de

restauração de rios urbanos formulados pela autora ann l. riley (1998).

o capítulo 2 introduz os conceitos e o método ecológico desen-

volvido por ian McHarg, iniciando com a consideração dos processos

naturais e sociais, além do entendimento desses como valores.

apresenta-se também a importância da compreensão entre os proces-

sos e valores, ou seja, como definir e representar a valoração no méto-

do de camadas. Foram examinados e confrontados autores que

Page 48: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

46

abordaram os conceitos de McHarg e categorizados segundo um

padrão de abordagem: da crítica às limitações do método, legado e

evolução e utilização em planejamento e projetos. a partir das discus-

sões apresentadas foi possível verificar as lacunas, imperfeições e

limites acerca do método ecológico, com a finalidade de adaptá-lo ao

contexto do objeto de estudo.

o capítulo 3 trata da aplicação do método ecológico na bacia

hidrográfica do Camarajipe. entretanto, foi fundamental o entendimen-

to da fisiografia e fatores geográficos locais, assim como foi necessário

apresentar um panorama básico da relação da bacia com o desenvolvi-

mento da cidade. o ponto de partida foram alterações da morfologia

urbana presentes na bacia, tais como a ocupação do território e as

intervenções diretas na paisagem e, em especial, os seus rios. os fato-

res e processos foram definidos e analisados para identificar valores

para as camadas, assim como a sistematização da sobreposição.

o resultado ou camada síntese serviu de suporte para a elabo-

ração do diagnóstico ambiental da bacia com foco na aproximação da

cidade aos elementos hídricos contribuindo para o desenvolvimento do

capítulo 4. a partir das sínteses, foram verificadas as potencialidades

para restauração do rio dentro bacia, apontando a zona com maior

abrangência espacial e valores naturais e sociais propícios.

e, finalmente, a conclusão do presente estudo aborda nova-

mente o método e sua pertinência técnica e conceitual, como estraté-

gia de planejamento ecológico da bacia e ferramenta para o projeto de

restauração de rios urbanos.

Page 49: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

CaPíTUlo 01

RIOS URBANOS: distanciamento e reaproximação

Obras na avenida San Martin (Fonte: acervo FGM/DN, data 10/09/1979)

Page 50: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

48

PARTE 1 [TRANSFORMAÇÕES]

RElAÇÃO DOs RiOs COM A CiDADE

o presente capítulo trata dos conceitos e das ideias que

nortearam as intervenções no traçado natural dos rios urbanos. vale

salientar, nesse momento, que o objetivo desse capítulo não é inves-

tigar profundamente detalhes da evolução urbana no que se refere a

formação dos aspectos estruturais dos cursos d’água de salvador,

mas sim, destacar as principais etapas que moldaram fluvialmente a

bacia hidrográfica do Camarajipe. Compreendendo que as interven-

ções nas estruturas dos rios passam por diversos procedimentos

utilizados ao longo dos anos de expansão da ocupação urbana, a

tarefa de descrever os principais pontos do convívio entre as cida-

des e seus cursos d’água seria insuficiente e superficial em apenas

um capítulo.

Pretende também relacionar as abordagens conceituais que

resultaram das noções sanitaristas do final do século XiX e início do

XX com justificativas para ações de saneamento urbano, a partir das

quais se “impunham” normas e regras de ocupação e edificação

para eliminar as situações de insalubridade em que vivia a maior

parte da população. esse período considerado a “fase higienista” vai

imprimir a cultura das canalizações nos rios urbanos, que, apesar das

melhorias, apresentava outros problemas, tais como a supressão das

várzeas, impermeabilização das áreas verdes e intensificação das

enchentes (CosTa,2006).

a ideia subjacente era também remodelar, reformar, moder-

nizar as cidades que estavam atraindo um grande contingente da

Page 51: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

49

população vinda do mundo rural para o trabalho nas vagas de em-

pregos que a cidade proporcionava, tanto na industria como no

comércio e serviços. essa ocupação “desordenada” implicava tam-

bém no aumento do lixo e entulho lançados nos rios e nas encostas.

Com a ocupação e consolidação do ambiente urbano houve

a necessidade de modernização da estrutura urbana defasada que

se verificava nas grandes cidades da europa e também nas jovens

cidades brasileiras. essas transformações traziam no seu bojo a

necessidade crescente de dar espaço aos deslocamentos, ou seja,

diminuir o tempo perdido nessa atividade. nesse sentido, a alternati-

va foi a ocupação das várzeas dos rios com a implantação das aveni-

das de fundo de vale. a aplicação desse modelo foi e ainda é quase

unânime nos grandes centros brasileiros.

dessa forma, os rios como elementos da paisagem urbana

vão gradativamente perdendo sua identidade e relação de proximi-

dade com a vida das pessoas. o processos de distaciamento entre

as cidades e seus rios só será interrompido e revertido quando a

sociedade envolvida alcançar um grau de comprometimento e

responsabilidade com os recursos hídricos, preocupando-se com a

degradação ambiental e a deterioração dos elementos fluviais. a

exemplo da relação do rio Tâmisa em londres, rio sena em Paris, do

rio Tibre com roma, essas cidades já interromperam o processos de

distanciamento do seus rios e atualmente estão em processo de

reaproximação.

o que antes era um convívio necessário e útil, da cidade com

seu rio, passou a ser o retrato do desequilíbrio ambiental, ou seja, o

“distanciamento” da paisagem urbana se intensificou ao longo do

século XX. ainda neste capítulo, apresentam-se as possibilidades de

reaproximações dos rios com as cidades, além das ideias e proposi-

ções para restauração de um rio urbano.

Page 52: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

50

DA APROXiMAÇÃO COM RiOs AO DisTANCiAMENTO NA PAisAgEM

[...] as principais cidades do mundo existem com os

rios: na foz, na confluência ou limite de águas navegáveis.

Alguns são sinônimos de civilização: o Crescente Fértil -

formado pelo Tigre e Eufrates, o Nilo, o Tiber, o Yangtzé.

Os rios são fronteiras, e podem ser barreiras; pontes e

balsas permitem atravessar e marcar a passagem, real e

mítica. (SPIRN, 1998, p.140)

a citação que abre este primeiro item evidencia a importân-

cia dos rios no desenvolvimento das sociedades no extremo oriente:

a China e a índia, e nas mais ocidentais: Mesopotâmia e egito. essas

civilizações, estruturadas nas culturas agrícolas, tais como o milho, a

cevada, a ervilha, o sorgo e, predominantemente, vinculadas à irriga-

ção e ao solo fértil, permitiram o aumento da população, resultando

nas primeiras organizações sociais e econômicas - as cidades. esses

lugares sulcados por grandes rios que, além de propiciar a produção

de alimentos nas suas margens, demarcavam territórios e serviam

como vias de circulação de pessoas e mercadorias.

Como assinala Mumford (1961), os primeiros assentamentos

humanos não podiam expandir além dos limites do abastecimento

de água e das fontes de alimento. o traçado desses núcleos era

estabelecido pelas mudanças no clima, pela agricultura e, principal-

mente, pelo fornecimento de água. sobre a consolidação da socie-

dade urbana pelo acesso à água, Benevolo afirma:

O cultivo dos cereais e das árvores frutíferas nos ricos

terrenos úmidos proporciona colheitas excepcionais e

pode ser ampliado melhorando e irrigando terrenos cada

vez maiores. Parte dos víveres pode ser acumulada para

as trocas comerciais e os grandes trabalhos coletivos.

Começa, assim, a espiral da nova economia: o aumento

da produção agrícola, a concentração do excedente nas

cidades e ainda o aumento de população e de produção

garantido pelo domínio técnico e militar da cidade sobre

o campo (BENEVOLO, 2011, p.26).

Page 53: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

51

a valorização dos rios na construção da paisagem urbana

passou por períodos que poderiam ser caracterizados como proximi-

dade, quando “os rios tinham muito a oferecer além da água: controle

do território, alimentos, possibilidade de circulação de pessoas e bens,

energia hidráulica, lazer, entre tantos outros” (CosTa, 2006, p.10).

Mas também passou por períodos de afastamento quando rios se

tornaram verdadeiros receptores de dejetos, com o objetivo de trans-

portar o que era descartado para fora dos limites das cidades.

sobre o processo de contaminação das águas, spirn (1984)

afirma que a eliminação de resíduos no ciclo hidrológico interfere

diretamente no acesso à água potável, tornando a obtenção cada vez

mais complexa. o escoamento de excrementos nas águas próximas

transformaram biologicamente os rios urbanos e interferiram no seu

equilíbrio ambiental.

Para compreender a dinâmica das relações de proximidade do

ser humano com os corpos fluviais é preciso articular duas ações

fundamentais para a sobrevivência dos centros urbanos: abastecer e

sanear.

a primeira ação sanitária no sentido de um sistema de esgoto

foi, segundo Hough (1995), a construção da Cloaca Máxima em roma,

que se esvaziava no rio Tibre, marco do processo de utilização dos

rios no saneamento das cidades. o autor também associa ao império

romano os registros iniciais no tocante às grandes obras relacionadas

ao abastecimento (imagem 08), que datam de 312 a.C., quando foi

construído o primeiro aqueduto, trazendo a água limpa das monta-

nhas e não mais do rio Tibre.

na idade Média e na renascença não houve um desenvolvi-

mento significativo quanto às questões de abastecimento e esgoto

se comparado aos avanços praticados em roma, pois as cidades

possuíam ínfimos dispositivos sanitários.

os primeiros sistemas sanitários nos moldes dos atuais surgi-

ram no século XiX, bem como os sistemas mais elaborados de dre-

nagem que eram despejados nos rios (HoUGH, 1995).

Page 54: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

52

o acesso à água nos núcleos urbanos provinha, em grande

parte, das fontes públicas, locais de importância nas cidades como

ponto de encontro e onde, muitas vezes, se instalavam as feiras

itinerantes. além da forte representatividade, as fontes eram os

pontos de trocas e interação da vida social da comunidade.

as primeiras intervenções nos rios se restringiam aos canais

de irrigação e navegação, assim como a construção de represas para

abastecimento de água dos aglomerados habitacionais. Contudo, o

aumento da população nos núcleos urbanos e a mudança na escala

de produção de bens de consumo, assim como as inovações na

manufatura, foram, sem dúvida, o ponto de inflexão da convivência

entre o ser humano e a natureza. e como um processo dinâmico, as

necessidades aumentaram na medida em que as cidades cresciam,

intensificando o desequilíbrio ambiental.

a desarmonia entre a cidade e os processos naturais foi se

tornando cada vez mais expressiva, seja na contaminação do solo,

na qualidade do ar, no quase desaparecimento das espécies vegetais

e da fauna, na água, porém, especificamente nos rios urbanos, esse

desequilíbrio é facilmente perceptível e o processo de degradação

pode ser considerado proporcional ao crescimento das cidades.

Fig. 08 EXEMPlO DE OBRA REAliZADA PElO iMPéRiO ROMANO PARA ABAsTECiMENTO E EXPANsÃO (BENEVOlO 2011, P. 190)

Page 55: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

53

essa fragilidade dos ecossistemas no ambiente urbano ocorre tam-

bém devido às necessidades de abastecimento, descarte e escoa-

mento dos dejetos domésticos, comerciais e industriais nos cursos

d’água mais próximos.

Considerando os rios como elementos estruturadores da

paisagem, onde a sua forma influi, em muitos casos, diretamente no

desenho e na ocupação do solo urbano, determinando de certa

forma o volume edificado, pode se verificar que originalmente eles

influenciavam e até determinavam os elementos da paisagem da

cidade. no entanto, essa ocupação tão próxima passa a interferir e

alterar os processos naturais e a estrutura hídrica desses rios.

o entendimento das transformações nos cursos d’água

torna-se relevante para a compreensão da dinâmica da cidade. a

influência mútua entre os elementos da paisagem fluvial e o tecido

urbano pode direcionar para situações opostas e, muitas vezes,

conflituosas no que se refere à conservação dos processos naturais

pertinentes aos rios. a visão de que eles são ou podem ser estrutu-

ras de saneamento e drenagem urbana tem atingido situações extre-

mas, nas quais o rio desaparece completamente da paisagem.

Conforme comentado no início do capítulo, sobre a insufici-

ência e superficialidade em descrever os principais pontos de conví-

vio entre as cidades e seus cursos d’água em apenas um capítulo,

optou-se em descrever os momentos históricos que moldaram a

relação entre as cidades e os rios, e que tiveram rebatimento na

bacia hidrográfica do rio Camarajipe.

é preciso salientar, porém, que independente das especifici-

dades locais para o planejamento urbano, existe um eixo conceitual

similar para a abordagem projetual em ambientes ribeirinhos na

cidade. essas teorias vigentes no final do século XiX e as ideias e

Page 56: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

54

modelos que permearam durante o século XX, trazendo experiências

cujo foco era a inserção paisagística, a partir das dimensões cultu-

rais e ambientais dos processos fluviais e de urbanização.

BREVE REVisÃO TEóRiCA sOBRE As iNTERVENÇÕEs EM RiOs URBANOs E As PROPOsTAs sANiTARisTAs

algumas questões foram determinantes para a consolidação

do ambiente urbano atual. o êxodo rural decorrente do processo de

industrialização e a crescente oferta de serviços e empregos in-

fluenciaram a ocupação das cidades de forma desordenada e inten-

sa. Consequentemente, o número de moradias insalubres e o acú-

mulo de lixo nas cidades elevaram-se, deixando o ambiente nocivo à

saúde.

a pressão ocasionada pelo aumento da população sobre os

insuficientes dispositivos sanitários acelerou o processo de degra-

dação dos cursos d’água, transformando-os em verdadeiros esgo-

tos a céu aberto, ocasionando os surtos epidêmicos frequentes no

século XiX. de fato, a ligação da água como vetor de transmissão

de doenças foi estabelecida pela investigação do médico John

snow, no ano de 1854, em londres. ele cadastrou os casos de um

surto violento de cólera em uma determinada região da cidade

(mapa 05). Tal levantamento indicou que os casos epidêmicos

estavam associados à utilização de uma bomba d´água, uma vez

que as residências não possuíam abastecimento domiciliar (sPirn,

1984).

sobre a importante investigação de snow, Tufte reitera:

Page 57: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

55

Por que antigo mistério sobre o contagio do cólera foi

solucionado? Mais importante, Snow teve uma grande

ideia - uma teoria informal sobre como a doença se pro-

pagava - que orientou a coleta e avaliação das provas.

esta teoria desenvolvida a partir das análises médicas e

observações empíricas; mapeando epidemias anteriores,

Snow detectou uma ligação entre as diferentes fontes de

água e as taxas de casos de cólera (para a consternação

das empresas privadas de água que anonimamente fa-

ziam denuncias para impedir o trabalho de Snow). Junto

com uma boa idéia e um problema pontual, houve um

ótimo método. O trabalho de investigação cientifica de

Snow exibe uma compreensão perspicaz sobre as evi-

dências, uma lógica clara de visualização e análise de da-

dos (TUFTE, 1997, p.29).

MAPA 05. MAPA ElABORADO POR jOHN sNOw. CADAsTRAMENTO DA lOCAliZAÇÃO DOs CAsOs DE CólERA E A AssOCiAÇÃO DEssEs CAsOs COM UM DETERMiNADO PONTO DE ABAsTECiMENTO DE ÁgUA (BENEVOlO 2011, P. 563)

Page 58: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

56

spirn (1984) destaca ainda que, durante aquele período,

sucessivas epidemias de cólera atingiram grandes cidades da europa

e das américas. Para demonstrar a gravidade do flagelo, a autora

cita o fato ocorrido no período de junho a outubro de 1832, na cida-

de de nova york, quando 3.500 habitantes perderam suas vidas

vítimas da cólera, enquanto que outros 100 mil habitantes, metade

da população nova-iorquina da época, sairam da cidade.

o espectro das epidemias transmitidas pela água assombrou

muitas cidades e só foi reduzido no restante do século passado pelo

tratamento dos esgotos e drenagem urbana. a cólera e a febre

tifoide se alastraram pelas populações vizinhas dos rios e habitantes

das várzeas. (sPirn, 1984)

no Brasil, o primeiro caso de cólera foi registrado na cidade

de Belém do Pará, em maio de 1855 e, rapidamente, o flagelo se

espalhou pelos principais portos do país. em salvador, o registro

inicial foi em julho do mesmo ano. (sanTos, 1994) além da cólera,

outras epidemias assolavam a capital baiana, tais como febre amare-

la, peste oriental e varíola. a constatação da relação entre as péssi-

mas condições de higiene e esses males, principalmente a febre

amarela que dizimou fração considerável da população soteropolita-

na em 1850, é descrita pela historiadora Consuelo novais sampaio

(2005) como o grande impulso para ações sanitaristas na cidade da

Bahia.

em salvador, as fontes eram, até a metade do século XiX, a

principal forma de acesso à água. Porém, o abastecimento até as

edificações, ou seja, a ligação entre as fontes e o consumidor final

era tarefa realizada quase que exclusivamente pelos escravos, que

ficavam encarregados pelo transporte d’água, entre outras inúmeras

funções que exerciam para o funcionamento da cidade (PinHeiro,

2011). essa afirmação auxilia na compreensão do papel imprescindí-

vel da mão de obra escrava no saneamento da cidade, pois além de

Page 59: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

57

prover o abastecimento, também encarregava-se do descarte

dos dejetos.

vale ressaltar ainda que as fontes eram também importantes

para a atividade portuária, sendo salvador um dos portos mais

movimentados do país até meados do século XiX, abastecendo,

dessa forma, as embarcações que iriam atravessar o oceano e sa-

ciando as sedentas tripulações que chegavam após desgastante

navegação transatlântica.

no entanto, com o crescimento da cidade, o abastecimento

baseado nas fontes se tornou insuficiente para suprir a nova deman-

da. as críticas da população eram constantes quanto à salubridade

das águas e ao difícil acesso às fontes estruturalmente mais adequa-

das, que em maioria localizava-se na base da falha geológica. o

péssimo estado físico e estrutural dessas fontes também colaborava

para a depreciação do sistema. os reservatórios eram mal construí-

dos, com infiltrações, uso inadequado por parte dos donos de ani-

mais, enfim, todos esses problemas acirravam os ânimos dos que as

utilizavam, ocorrendo, frequentemente desentendimentos por vezes

fatais. (saMPaio, C. 2005)

a criação, em 1852, da Companhia de Águas do Queimado

foi importante reverberação dessa crescente preocupação com

higiene em salvador (figuras 09, 10, 11 e 12). a companhia tinha o

objetivo de elaborar estudos, implantar e distribuir água potável em

um sistema de tubulações, ligando o reservatório, situado na nascen-

te do rio Queimados (afluente do rio Camarajipe), a 22 chafarizes

distribuídos pela cidade. entretanto, esse sistema já nasceu defasado

e, rapidamente, alcançou seu limite (saMPaio, C. 2005).

Page 60: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Fig. 09 iMEDiAÇÕEs DA CiA. DE qUEiMADOs, 1959 (FONTE: CONDER/iNFORMEs)

Fig. 10 EVOlUÇÃO URBANA NO ENTORNO DA CiA. qUEiMADOs, ATUAlMENTE MUsEU ARqUEOlógiCO E PARqUE HisTóRiCO, AMBOs ADMiNisTRADOs PElA EMBAsA (FONTE: 2014, gOOglE EARTH)

Fig. 11 FONTE DE qUEiMADOs EXisTENTE ANTEs DA iNsTAlAÇÃO DA COMPANHiA, REsisTE ATé Os DiAs ATUAis. (FONTE: FAlCÃO EM sAMPAiO, C., 50 ANOs DE URBANiZAÇÃO)

Fig. 12 VisTA gERAl DA CiA. DE qUEiMADOs (FONTE: gUilHERME gAENslY EM sAMPAiO, C., 50 ANOs DE URBANiZAÇÃO)

11 12

Page 61: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

59

algo semelhante ocorreu com a cidade de Boston, nos

estados Unidos, que na primeira metade do século XiX já sofria com

a saturação dos seus poços, tendo que recorrer a um lago fora dos

limites da cidade para obtenção de água. essa obra foi inaugurada

com grande entusiasmo que, ironicamente, argumenta spirn (1984),

20 anos depois, se apresentava obsoleta para a demanda da cidade.

em salvador, a situação era similar a outras cidades do mun-

do, pois as intervenções apenas minimizavam o problema de abaste-

cimento, que há algum tempo dificultava a vida dos soteropolitanos,

inclusive os mais abastados. o reservatório da Cruz do Cosme09,

construído alguns anos após o início da operação da Companhia do

Queimado, vinha substituir o sistema, já insuficiente, de captação e

tratamento. essa intervenção na época da sua conclusão era orgulho

dos dirigentes da companhia, por ser considerado o primeiro reser-

vatório de alvenaria do país. Todavia, se tornaria obsoleto e insufi-

ciente em poucas décadas, necessitando a construção, no início do

século XX, da barragem de Mata escura, represando o rio

Camarajipe. no entanto, a cidade continuou com deficiências no

tocante ao abastecimento de água até a metade do século XX.

(saMPaio, 2005)

Com relação ao rio Camarajipe, as intervenções nos seus

afluentes contribuíram para a alteração no processo hidrológico da

bacia. assim, é correto afirmar que o reservatório da Companhia de

Queimados, em 1852, pode ser considerado a primeira mudança

significativa na estrutura hídrica da bacia do Camarajipe, pois ali há

uma interferência direta em uma das suas nascentes, com o propósi-

to de suprir o abastecimento da cidade. Porém, a primeira alteração

[09] “o primeiro reservatório de água em alvenaria do país foi construído no início do século passado em Cruz do Cosme, atual bairro da Caixa d’Água. sob a responsabilidade da Companhia do Queimado, criada em 1852, o reservatório de Cruz do Cosme fornecia a melhor água de salvador...” (PMs-FGM, 2014)

Page 62: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

60

estrutural no leito do rio Camarajipe foi a construção da barragem

da Mata escura (figura 13, 14 e 15), em 1880, que tinha sua água

direcionada para o reservatório do retiro e, finalmente, bombeada

até a estação de Queimados.

o aumento da população em salvador, assim como nas

principais cidades do mundo no século XiX, resultou em um novo

panorama para a demanda por recursos hídricos, com a finalidade

de suprir as necessidades crescentes por abastecimento.

Consequentemente, a crescente urbanização instalou um novo meio

ambiente hidrológico, e sobre essas transformações causadas pela

aceleração e consolidação dos processos de urbanização e a de-

manda pelo abastecimento de água domiciliar nas cidades do século

XiX, Tundisi afirma:

A urbanização avançou sobre os mananciais e dete-

riorou as fontes de suprimentos superficiais e subterrâ-

neas. Os custos do tratamento de água para a produ-

ção de água potável atingem altos valores,

especialmente se os mananciais estão desprotegidos

de florestas ripárias e cobertura vegetal suficiente nas

bacias hidrográficas e se as águas subterrâneas estão

contaminadas (TUNDISI, 2003, p.11).

Transtornos com a higiene se intensificaram com crescimento

da população nas grandes cidades do século XiX, decorrentes das

mudanças na estrutura agrária e industrial, que, além de aumentar

os problemas sanitários urbanos, acelerou o processo de degrada-

ção ambiental, tanto nas cidades como no campo.

sublinhar esse aspecto é relevante no caso da temática

abordada neste capítulo, visto que, ao justapor os problemas de

abastecimento e saneamento, tem-se um panorama das interven-

ções no traçado urbano e das questões sociais decorrentes de tais

cenários.

Page 63: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

61

Fig. 13 ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 1959 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 14 EVOlUÇÃO URBANA DO ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 1976 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 15 EVOlUÇÃO URBANA DO ENTORNO DA REPREsA DE MATA EsCURA 2014 (FONTE: gOOglE EARTH)

Page 64: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

62

sampaio, C. (2005) afirma que a cidade de salvador até o

século XiX dependia do trabalho escravo para o descarte de águas

usadas, bem como para o abastecimento de água. Como as edifica-

ções não possuíam fossas, a coleta era realizada por meio de barris

transportados à noite por escravos, despejados nos rios, terrenos

baldios e no mar, prática também recorrente nos outros núcleos

urbanos da colônia. a autora ressalta ainda que, além de realizar

essa atividade sanitária, os escravos eram duramente castigados

pelo descarte dos dejetos em locais inapropriados e, constantemen-

te, responsabilizados injustamente pelas péssimas condições de

higiene da cidade.

o acúmulo de lixo nas ruas era mais um fator que se somava

aos problemas de abastecimento. Para tentar remediar essa situa-

ção, a Câmara Municipal, em 1831, mandou publicar nos jornais um

código de “posturas”, ou seja, normas de conduta para o cidadão no

que se referia ao descarte de lixo. no entanto, elas tinham pouca

reverberação na sociedade baiana, pois a grande maioria dos habi-

tantes era constituída de analfabetos. nesse código são relevantes

as questões de higiene pessoal e doméstica, conforme descreve

simas Filho (1977 apud Pinheiro, 2011):

Todos são obrigados a ter sempre varrida a testada

de sua casa, limpa, derramada a sua roça; Ninguém lan-

çará de suas casas para as ruas águas de serviços delas

ou quaisquer corpos que possam enxovalhar os vian-

dantes; Todo despejo imundo das casas que não tiverem

cloacas será levado ao mar, em vasilhas cobertas, so-

mente depois das 9 horas da noite. Todos são obrigados

a vacinar seus filhos ou dar remédios antes da idade de

2 meses (Simas Filho, 1977, p. 190-110 apud PINHEIRO,

2011, p.203).

Page 65: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

63

é relevante mencionar que o Plano de asseio de 1864, que

determinava diretrizes para a coleta de lixo, foi um dos reflexos

desse período de insalubridade na cidade. esse plano, que ordenou

o trabalho de recolhimento do lixo, determinava também que o

mesmo deveria ser realizado por carroceiros contratados pela

Câmara Municipal. Contudo, os conflitos de interesses entre a popu-

lação, carroceiros e poder público eram intensificados por: dificulda-

de de coleta pelo relevo acidentado da cidade, ruas com calçamento

irregular ou até mesmo sem nenhum calçamento, descarte do lixo

em locais inapropriados pelos moradores e pelos carroceiros, mas,

sobretudo, a ingerência do poder público (saMPaio, 2005).

essas normas, condutas e leis que surgiam nas cidades

brasileiras do século XiX eram tentativas de solucionar os problemas

de insalubridade do ambiente urbano. Tais iniciativas seguiam o

modelo das leis que estavam sendo criadas na europa para comba-

ter problemas similares. no entanto, a interferência do estado criou

um paradoxo entre a livre iniciativa capitaneada pelas ideias liberais

de adam smith10 e as medidas sanitárias adotadas pelo setor

público.

as primeiras leis sanitárias no mundo foram aprovadas,

primeiro na inglaterra, em 1848, e posteriormente na França em

1850, segundo Benevolo (2011), esses instrumentos legais podem ser

entendidos como as respostas do estado às epidemias que afligiam

as cidades europeias daquele tempo. Contudo, leis dessa natureza

provocaram alterações que foram além da busca por um ambiente

mais salubre. o grande embate, na realidade, era também a maneira

como esse “ambiente” era concebido. sobre esse conflito,

o autor acrescenta:

[10] as ideias de adam smith (1723-1790), economista escocês, influenciaram e são as bases para o desenvolvimento do capitalismo nos séculos XiX e XX, afirmando em seu livro “a riqueza das nações”, publicado em 1776, que o liberalismo econômico era a emancipação da economia das forças regulado-ras do estado. segundo ele, a prosperidade econômica e a acumulação de riquezas não são concebi-das através da atividade rural ou comercial, mas sim através do trabalho livre como valor de mercado-ria, sem nenhum agente regulador ou interventor.

Page 66: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

64

[...] nas grandes cidades se desenvolvem as epide-

mias, que obrigam os governantes a corrigir pelo menos

os defeitos higiênicos, isto é, a se chocar com o princípio

de liberdade de iniciativa, proclamado na teoria e defen-

dido obstinadamente na prática, na primeira metade do

século (BENEVOLO, 2011, p. 567).

Questões gerais sobre as iniciativas legais higiênistas empre-

endidas pelo estado no século XiX, como à exposta por Benevolo,

exemplifica a condição conflituosa entre a construção de um novo

modelo de cidade, mais salubre, e os ideias de livre iniciativa/pro-

priedade privada.

no contexto de salvador, na segunda metade do século XiX,

as insuficientes obras para abastecimento, não alcançavam tal nível

de conflito, no que se refere à interferência da esfera pública no

cotidiano e na propriedade dos habitantes. assim, o abastecimento

continuou com graves deficiências na capital baiana e se prolongou

até meados do século seguinte. vale salientar, que conflitos como o

apresentado, gerados pelas iniciativas higienistas capitaneadas pelo

estado, era mais evidente em salvador na área da limpeza pública,

com desacordos entre a sociedade, as empresas e a Câmara

Municipal.

as ações para suprir as necessidades quanto ao consumo de

água continuaram buscando alternativas nos manaciais existentes na

cidade, ainda que de maneira insuficiente.

Para esclarecer a contínua busca por novos mananciais

Hough (1998) explica que a implantação dos sistemas de abasteci-

mento canalizado somada à “standartização” do banheiro unifami-

liar, fez o consumo de água per capita aumentar mais de 10 vezes.

Cabe salientar que as mudanças nos hábitos de higiene tinham a

finalidade de prevenir doenças e epidemias, mas também de exercer

Page 67: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

65

um controle social sobre a população. nesse sentido, é importante

considerar a busca de soluções técnicas com vistas a solucionar os

problemas existentes, mas também que pudessem “remodelar e

modernizar” a cidade. Como afirma Pinheiro:

Uma cidade civilizada e moderna tem de ser limpa e

higiênica. Os engenheiros e os médicos estão à frente

das transformações que se produzem na área urbana,

para mudar as condições de salubridade de Salvador,

incompatíveis com os ideais de uma sociedade civiliza-

da. Mudar o aspecto de higiene da capital é um dos pas-

sos para atingir a modernidade (PINHEIRO, 2011, p.204).

nesse período, outras cidades do mundo evoluíram seus

sistemas de captação de águas usadas nas edificações. nas primei-

ras décadas do século XX, algumas cidades já se preocupavam com

a poluição dos rios. destino final do esgoto captado pelo sistema,

essa rede aumentava acompanhando o crescimento da cidade,

intensificando, dessa forma, o processo de poluição no destino final.

o tratamento da água antes da sua reinserção no ciclo hidrológico

natural era uma preocupação recorrente no início do século XX nos

grandes centros urbanos.

os problemas que acometiam os soteropolitanos, acerca da

falta de saneamento e tratamento das águas usadas, também ocor-

riam em outros centros urbanos, até em maior intensidade.

entretanto, esse obstáculo entre o crescimento urbano e a deteriora-

ção dos cursos d’água continuou a ser enfrentado em diversas

cidades.

Um exemplo marcante do processo de degradação de um rio

e posterior reabilitação ocorreu com o rio Tâmisa, na cidade de

londres(HoUGH, 1995). segundo o autor em 1900 foi possível

restaurar certa qualidade da água, mas que gradativamente foi se

Page 68: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

66

deteriorando durante a primeira metade do século, devido ao au-

mento de descargas dos afluentes, tanto pelos dejetos domésticos

como, principalmente, pelos industriais. essa degradação começou a

chamar a atenção da população, principalmente pelo odor incômo-

do, tão comum aos cursos d`água poluídos, ou seja, o elevado esta-

do de deterioração culminava em condições anaeróbicas, formando

o sulfeto de hidrogênio que tem o odor similar ao de ovos podres.

novas iniciativas e diretrizes foram propostas para o trabalho de

reabilitação do rio, que foi concluído em 1974.

o desafio de mitigar a degradação dos corpos d’água em

outras cidades segue, em linhas gerais, a dinâmica sofrida pela

cidade de londres. no entanto, no caso de salvador, não foi um rio

que despertou a sociedade para a poluição das águas, mas uma

lagoa - o dique do Tororó11 (figura 16). a morfologia natural da

cidade, constituída de vales estreitos e de uma grande rede de

riachos e córregos que desembocam em pequenos charcos, brejos e

lagoas de retenção temporária, colaborou para a aceleração da

deterioração desses corpos d’água. a avaliação da qualidade das

águas do dique, realizada em 1899, constatou a sua contaminação,

causando a proibição da utilização das suas águas pela população

(noGUeira, 1997).

vale ressaltar a grande representatividade do dique do

Tororó e das lagoas no imaginário social, religioso e cultural da

cidade. ligação entre bairros do Tororó, engenho velho de Brotas e

[11] de acordo com a publicação o Caminho das águas em salvador (2010): “...dique do Tororó, outrora um lago natural que recebia as águas de pequenos rios e contribuía para originar o rio lucaia. alguns historiadores afirmam que o lago original ocupava uma área muito maior, sendo, porém, aterrado em vários trechos. durante muitos anos, o dique do Tororó recebeu esgotos sanitários “in natura”, provenientes dos bairros circunvizinhos.” [...]“atualmente o lago ocupa uma área de 110.000m2 e suas margens e seu entorno foram objeto de reforma urbanística e de intervenções de esgotamento sanitário, eliminando todos os pontos de lançamento de esgotos domésticos. o dique do Tororó é um lugar de culto do candomblé, morada de oxum, o orixá da água doce.” [...]“o bairro do Tororó tem um nome de origem tupi que, para Mauro Carreira, autor do livro Bahia de Todos os nomes, significa “rumor de água corrente, rio rumoroso”. Consuelo Pondé de sena, presiden-te do instituto Geográfico e Histórico da Bahia, afirma tratar-se de um “vocábulo onomatopaico que refere-se ao barulho produzido pela água”. segundo Frederico edelweiss, este bairro “tem sua história marcada por uma lagoa natural e secular que chegou a ter seis quilômetros de extensão: o dique do Tororó”. diz-se que o primeiro grande aterro do dique foi em 1810, quando foi construída a ligação – chamada de Galés – do bairro de nazaré com o bairro de Brotas. (santos et al, 2010,p.41 e 48)

Page 69: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

67

Centro da cidade, o dique sempre foi local dos cultos da religião de

matriz africana. nesse sentido, o dique do Tororó, abastecia de água

e lendas os soteropolitanos. Foi tombado em 1986 pelo Patrimônio

Histórico e artístico nacional e reformado em 1998, com áreas de

lazer e instalação das esculturas que representam os 12 orixás do

candomblé, obra escultórica do artista plático Tati Moreno. segundo

oliveira (1997 apud dourado, 2009), originalmente as águas do

dique corriam até o rios das Tripas, um dos afluentes do rio

Camarajipe. no entanto, a expansão urbana reduziu sua extensão

nas décadas de 1950 e 60, pois grande parte foi aterrada para dar

lugar ao estádio da Fonte nova (antigo estádio octávio Mangabeira

atual arena itaipava12 Fonte nova) e as vias de acesso no seu

entorno.

o contexto da modernização urbana, as melhorias sanitárias

e início da sistematização do abastecimento de água imprimiram

intervenções drásticas nas margens dos rios, assim como na sua

composição física e biológica. no início do século XX, essas mudan-

ças intensificaram-se em salvador, tanto no abastecimento como no

descarte de águas usadas.

Protagonista dessas mudanças, o engenheiro Theodoro

sampaio ficou responsável por iniciar esse novo ciclo no saneamen-

to da cidade e foi encarregado de elaborar o projeto e executar as

obras, no prazo de quatro anos, para ampliação da rede de abasteci-

mento e implantação do sistema de esgoto, depois de ganhar a

concorrência pública no ano de 1904 (noGUeira, 1997).

os trabalhos elaborados pelo engenheiro Theodoro sampaio

em salvador, de certa forma, previam o crescimento que a cidade

iria sofrer nos anos 1940, e influenciaram de maneira direta a atual

[12] Concessão do uso do nome do estádio cedido à marca de bebida do Grupo Petrópolis (cervejas itaipava)

Page 70: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

68

estrutura urbana e, principalmente, “moldaram a face” do saneamen-

to moderno de salvador. apesar dos embates que o engenheiro teve

com o poder público local, por conta da pouca abrangência do

plano, que atingia apenas 20% dos 250 mil habitantes em 1905, os

avanços foram notáveis e colaboraram para a modernização da

cidade. (saMPaio, T. 1919 apud noGUeira,1997)

sob o legado de Theodoro sampaio no que diz respeito ao

tratamento sanitário de salvador, o relatório Preliminar para o

Planejamento do sistema de esgoto sanitário da Cidade de salvador,

elaborado pela sudene no ano de 1968, descreve que a cidade

possuía no início dessa mesma década uma rede de 30 quilômetros

de tubulações de esgoto (mapa 06), sendo que 27 quilômetros

foram executados por Theodoro sampaio. dessa maneira, dá para

expressar a dimensão e importância do trabalho do engenheiro no

saneamento da cidade de salvador (sUdene, 1968).

Fig. 16 DiqUE DO TORORó DEsPROViDO DE gRANDE iNTERVENÇÕEs URBANAs, MAis PRóXiMO AO sEU EsTADO ORigiNAl. (FOTO: ADOlPHO MOREiRA DE OliVEiRA, DiqUE DO TORORó - 1928. FONTE: HTTP://MAisDEsAlVADOR.BlOgsPOT.COM.BR/2011/08/DiqUE-DO-TORORO.HTMl)

Page 71: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

69

o plano inicial proposto por Theodoro sampaio era a cons-

trução de uma estação de tratamento na confluência do rio das

Tripas (escoamento natural da drenagem e esgoto do bairro Centro

Histórico de salvador) e o rio Camarajipe (figura 17, 18, 19 e 20) , que

serviria de vazamento até o oceano. vale ressaltar que as águas do

rio das Tripas já estavam comprometidas no início do século XX,

com alto grau de degradação. Como explica Milton santos:

É a cidade média na designação de Aroldo Azevedo

(1952), por posição à Cidade Alta e à Cidade Baixa.

Zona de concentração de drenagem é isso que explica

as suas sucessivas utilizações:

1. Defesa da cidade contra ataques eventuais do in-

terior, nos primeiros séculos (XVI e XVII) quando toda a

cidade se limitava à primeira linha de colinas, rodeadas

de muros: era o fosso.

MAPA 06. PlANTA iDENTiFiCANDO A REDE DE EsgOTO EXisTENTE NA DéCADA DE 1960, NO TOTAl DE 30 qUilôMETROs DOs qUAis 27 FORAM CONsTRUÍDOs PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, qUE TERiA PROjETADO MAis DE UMA CENTENA DE qUilôMETROs. (FONTE: sUDENE, 1968)

Page 72: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

70

2. Esgoto de águas usadas, como o atesta o nome

que recebeu depois o riacho que corre nesse vale: o rio

das Tripas. Servia para escoar, com auxílio da corrente,

os restos do gado que era abatido mais em cima no

antigo matadouro do bairro de São Bento.

3. A denominação de “rua das Hortas”, dada ao seu

trecho inicial, é por si mesma eloquente: era aí que a

cidade em grande parte se abastecia de frutas e legu-

mes. Essa função, presente sobre quase toda a exten-

são da rua durante vários séculos, há somente dez anos

que desapareceu completamente.

4. O sítio, periodicamente inundável, mesmo depois

do desaparecimento das preocupações de defesa, con-

tinua a impedir uma utilização residencial, até que os

trabalhos de drenagem fossem realizados. Daí o nome

que teve a rua, a partir dessas obras: rua da Vala. (SAN-

TOS, 1952, p.175-176)

em 1906, Theodoro sampaio descreve em relatório que

salvador possuía sim um sistema de esgoto, porém precário, diminu-

to e que utilizava para escoamento os drenos destinados às águas

da chuva ou pequenos cursos d’ água. ainda em seu relatório, o

engenheiro comentava sobre a situação do rio das Tripas, afluente

do Camarajipe, que recebia dejetos de quatro freguesias da cidade,

sendo essas as mais “populares”. (saMPaio, T. 1910 apud

noGUeira, 1997).

no momento em que as obras projetadas pelo engenheiro

Theodoro sampaio estavam ganhando forma, outras importantes

intervenções urbanas estavam sendo planejadas pelo governador

J.J. seabra13, com o objetivo de “modernizar” a cidade, intensifican-

[13] “ao tomar posse do Governo do estado da Bahia, em 1912, José Joaquim seabra reúne o desejo de mudança da cidade à sua força política, às condições econômicas favoráveis e aos seus conhecimen-tos sobre intervenção em estruturas urbanas já consolidadas [..]as obras realizam-se em todas as partes. renova-se o distrito da sé, orienta-se o crescimento da cidade em direção sul, com a abertura de uma grande avenida. remodela-se e amplia-se o porto e alargam-se ruas da Cidade Baixa, uma nova avenida liga essa parte da cidade à península de itapagipe. Conquista-se o litoral, constroem-se novos edifícios e incentiva-se a construção de casas para os operários. são tempos de mudança, tempos de novidades.” (PinHeiro, 2011, p. 216 - 218)

Page 73: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

71

Fig. 17 CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1959 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 18 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1976 (FONTE: CONDER/siCAR)

Page 74: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

72

Fig. 19 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 1992 (FONTE: CONDER/siCAR)

Fig. 20 EVOlUÇÃO URBANA DA CONFlUÊNCiA ENTRE O RiOs DAs TRiPAs E O CAMARAjiPE, lOCAl DEsTiNADO A RECEBER UMA EsTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁgUAs sERViDAs NO PlANO ElABORADO PElO ENg. THEODORO sAMPAiO, iMAgEM DE 2014 (FONTE: gOOglE EARTH)

Page 75: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

73

do a construção de obras públicas justificadas pelo estandarte sanita-

rista, seguindo, assim como outros gestores do Brasil e também do

mundo, a reorganização da cidade de cunho formal e informal.

Como a maioria das cidades do mundo ocidental, a reforma

Passos14 no rio de Janeiro seguiu o modelo haussmanniano de inter-

venção na estrutura urbana, adaptado à realidade brasileira da época.

Por sua vez, as iniciativas de “melhoramento” da cidade de salvador no

início do século, capitaneadas pelo governador seabra, eram direta-

mente influenciadas pelas transformações na capital federal

(PinHeiro, 2011).

Com o propósito de contextualizar de maneira geral as transfor-

mações que ocorreram nas cidades brasileiras no início do século XX,

assim como tornar compreensível a solução para o embate descrito

anteriormente, no qual o espírito da livre iniciativa entrava em conflito

com as leis e normas que partiam da esfera pública em busca de um

ambiente urbano mais salubre, é pertinente esclarecer que esse para-

doxo não durou muito, pois os interessados em maior flexibilidade das

decisões urbanas direcionaram suas atenções para o setor imobiliário e

a propriedade privada, criando mecanismos de desenvolvimento que

aliavam o ímpeto modernizador dos gestores públicos com as ativida-

des imobiliárias lucrativas do setor privado.(Benevolo, 2011)

ainda segundo Benevolo (2011), apesar desse modelo de gran-

des intervenções nas cidades não estar enclausurado em um período

determinado da história, ele pode ser vinculado à escala demográfica,

ocorrendo até os dias atuais nos países em desenvolvimento. as refor-

mas urbanas nas capitais brasileiras no final do século XiX e início do

XX, que interferiam em paisagens fluviais, foram e ainda são obras

quase que exclusivamente associadas ao saneamento básico e ao

embelezamento paisagístico.

[14] denomina-se reforma Passos o conjunto de intervenções urbanas na cidade do rio de Janeiro, capitaneada pelo prefeito Francisco Pereira Passos, que segundo Mauricio de a. abreu(1987), no breve período de quatro anos, entre 1904 a 1908, liderou a maior transformação do ambiente urbano carioca até então. é indiscutível a inspiração de Passos no modelo das grandes reformas parisienses planejadas e executadas por Haussmann. em relação ao tema dessa dissertação, vale ressaltar que é nesse período a canalização dos rios mais representativos da cidade, como rio Carioca, Maracanã, entre outros, com a finalidade de promover o saneamento da cidade.

Page 76: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

74

nesse sentido, é importante assinalar um aspecto relevan-

te com relação à temática desta pesquisa no que diz respeito à

morfologia da cidade (mapa 07) e ao panorama dos problemas

sanitários. Como argumenta o geógrafo baiano Milton santos

(1958), a escolha de implantar o sítio inicial na parte superior da

encosta, tendo a falha geográfica como fortificação natural,

cumpria os objetivos iniciais de proteção, mas se apresentava

hostil quando novas funções se agregavam a essa primeira.

Como em salvador, em outras cidades brasileiras, até a

década de 1930, a proteção dos recursos hídricos tinha um caráter

de preservação dos mananciais. Porém, com a expansão da área

urbana e o esvaziamento de investimentos em infraestrutura, os

rios passaram a ser o local de descarga dos esgotos, contribuindo

para a degradação do ambiente natural e prejuízo para a cidade,

com constantes enchentes e desvalorização do seu entorno

(BriTTo, 2006).

MAPA 07. sÍTiO DE sAlVADOR ATENÇÃO PARA O RElEVO COMPlEXO PREsENTE NA CiDADE, MORROs E COliNAs sEPARADOs POR EsTREiTOs VAlEs. iNTERVENÇÃO EM COREs FEiTA PElO AUTOR DEssA DissERTAÇÃO PARA DEMONsTRAR O TRAÇADO ORigiNAl (EM VERMElHO) DO RiO CAMARAjiPE E sEUs PRiNCiPAis AFlUENTEs E REsERVATóRiOs DE CONTRiBUiÇÃO (EM AZUl). (FONTE: sANTOs, M. 1959 P.59)

Page 77: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

75

AVENiDAs, BUlEVAREs, A CiDADE NA VElOCiDADE DO AUTOMóVEl

Com relação à bacia do Camarajipe, a intervenção na rua da vala15,

ainda no século XiX, foi, de alguma forma, uma alteração na estrutura

hídrica da bacia, atingindo a jusante o rio Camarajipe e colaborando para

o aumento da vazão. a rua da vala foi construída sobre parte do leito do

rio das Tripas, principal afluente do Camarajipe. Portanto, a interferência

estrutural naquele rio teve reflexo direto sobre a vazão na bacia e, conse-

quentemente, nos processos naturais do Camarajipe. Para melhor entendi-

mento dessa intervenção descrita acima, Pinheiro comenta que:

Dentre as mudanças realizadas na estrutura viária, a cana-

lização do Rio das Tripas, com a abertura da Rua da Vala, e a

construção da Ladeira da Montanha são as duas obras urba-

nísticas mais importantes do século XIX. A Rua da Vala repre-

senta não só a canalização de um dos rios mais infectos que

cruzam a cidade, como a utilização, pela primeira vez, de um

vale como forma de união entre os distintos núcleos existentes

sobre as colinas que formam o espaço construído. Ao utilizar

o macadame para a sua pavimentação, a Rua da Vala transfor-

ma-se numa das principais artérias, por onde transitam pesa-

dos veículos sobre rodas, como os de carga, que não conse-

guem passar pelas estreitas ruas da capital, e os bondes com

tração animal, depois a vapor e, mais tarde, elétricos. [...] a Rua

da Vala é um dos vetores mais importantes, responsável pela

expansão da cidade e pela conquista de novos espaços. (PI-

NHEIRO, 2011, p.208)

a canalização do rio das Tripas e surgimento da rua da vala (av.

J.J. seabra), foi de extrema importância na época, no que se refere as

melhorias sanitárias e a expansão urbana. seu caráter essencial era

proporcional aos desafios impostos para a sua execução, tal dificuldade

causada pelo terreno pantanoso, consequentemente insalubre, causando

elevado número de trabalhadores mortos por febre amarela e cólera,

tornando-se uma obra custosa e lenta (saMPaio, 2005). no seu livro, 50

anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX, a autora relata

que a obra só foi concluída na década de 1870, aproximadamente 20

anos após o início dos trabalhos.

[15] atual avenida J.J. seabra, popularmente chamada por Baixa dos sapateiros.

Page 78: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

76

Contudo, por questões geoclimáticas, problemas decorrentes

das enchentes são comuns em algumas cidades brasileiras, inclusive

em salvador. e até os dias atuais, continuam acometendo perdas

materiais, causando também danos à saúde da população atingida.

de certa forma, as enchentes são, em muitos casos, potencializadas

pela ocupação do leito maior, processo bastante comum na proximi-

dade de pequenos riachos e córregos, na cidade de salvador.

em grande parte, essas regiões são vulneráveis socialmente,

desprovidas dos serviços básicos de infraestrutura. essa ausência

agrava a nocividade das inundações, pois o esgoto e dejetos que são

lançados diretamente nesses cursos d’água contribuem para a de-

gradação dos processos naturais.

diversos fatores colaboram para o aumento da recorrência

das enchentes nas cidades em períodos cada vez mais curtos. a

ocupação habitacional próximas aos leitos dos rios podem ser consi-

deradas preponderantes nesse quadro, ou seja, o volume das águas

que anteriormente era absorvido e retido pelas várzeas, precisa ser

rapidamente escoado. isso se deve, em muitas circunstâncias, ao

processo de ocupação desordenada nas grandes metrópoles brasi-

leira, onde as áreas desabitadas ou vazias disponíveis mais perto do

centro da cidade são ocupadas, independentemente de vulnerabili-

dades morfológica, como ambiental.

em salvador, essas condições ficam mais evidenciadas nas

áreas próximas aos fundos dos vales, que a princípio são “despreza-

das”, mas que acabam sendo ocupadas pela população menos

favorecida, enquanto nas partes altas, portanto livres das enchentes,

os terrenos passam a ter seu preço cada vez mais elevado no merca-

do de habitação (imagem 21). a respeito desse aspecto da ocupação

na cidade, Moura(1997) acrescenta:

Page 79: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

77

A própria topografia forneceu as bases de um projeto

de ocupação e administração social do espaço. Os mais

ricos ocupavam a cumeeira das colinas e o centro eleva-

do; os mais pobres, o fundo dos vales e as encostas da

falha geológica.

[...] O que se verifica nos últimos 30 anos é um proces-

so perverso de disposição da população soteropolitana

entre extremos de vales, colinas e buracos, “áreas de pre-

servação” e charcos, avenidas com todas as condições

infra-estruturais e aglomerações imundas (MOURA,1997,

p. 227-228-229).

as frequentes inundações que atingiam os soteropolitanos

no início do século XX acompanhavam o processo cada vez mais

intenso de ocupação das várzeas e terrenos próximos aos fundos do

vale. Contudo, alguns planos foram elaborados na tentativa de

minimizar o problema. Conforme discutido anteriormente, as pro-

postas do engenheiro Theodoro sampaio já contemplavam diretrizes

para o sistema de drenagem, mas por questões financeiras foi

Fig. 21 EXEMPlO DE OCUPAÇÃO DO sOlO EM sAlVADOR NA BACiA DO CAMARAjiPE, Os MENOs FAVORECiDOs OCUPANDO As ENCOsTAs (AUTOR, 2014)

Page 80: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

78

apenas iniciado e pouco tempo depois interrompido. Colaborando

com esse raciocínio, Fernandes afirma:

Já em 1905, Theodoro Sampaio, em um relatório ela-

borado sobre a necessidade de infraestrutura da cidade,

no capítulo que intitula “As Ruas”, desenvolve o esque-

ma de uma proposta de plano para Salvador, onde res-

salta que as três características essenciais da cidade

moderna são o saneamento, o embelezamento e a co-

municação, deixando entrever claramente a necessida-

de de um plano (FERNANDES et al., 1995, p.756).

em 1926, o engenheiro sanitarista saturnino de Brito propõe

um novo projeto para aumentar a rede, acrescentando novos dire-

cionamentos ao projeto de Theodoro sampaio para o sistema de

abastecimento e rede de esgoto de salvador. segundo Pinheiro

(2011), saturnino de Brito recusou os dois primeiros convites para

elaborar planos de desenvolvimento do saneamento, porque discor-

dava que tais obras ficassem ao encargo de empresas privadas e por

estar envolvido no projeto para recife. Finalmente, em 1925,

saturnino de Brito aceita o convite das autoridades baianas para

elaborar um plano para a capital.

diversos estudos elaborados por saturnino de Brito com

vistas a resolver o problema das enchentes indicavam o enxugamen-

to de águas superficiais estagnadas, drenagem de valas e condutos

subterrâneos, retificação dos cursos d’ água, dessecamento de

pântanos, esgotos pluviais e sanitários, calçamento, iluminação

artificial, incineração de lixo, habitações salubres, jardins e arboriza-

ção de solos, suprimento de água potável (BriTo, 1928).

apesar do detalhado esforço de saturnino para o

abastecimento e a ampliação da rede de esgoto e sistema de drena-

gem superficial e subterrânea, o plano não chegou a ser executado.

Page 81: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

79

Contudo, o maior legado do seu trabalho para salvador foi subsidiar

conceitualmente o planejamento da cidade na perspectiva do seu

crescimento.

os planos de saturnino de Brito vão influenciar as discussões

da “i semana de Urbanismo de 1935”16 e, consequentemente, as ações

de planejamentos delineadas pelo ePUCs17. sem dúvida, a minuciosa

análise do meio físico, das características particulares do sítio e a

relação do relevo com o sistema de drenagem foram uma importante

contribuição para o entendimento da forma urbana e a relação com o

processo de desenvolvimento.

segundo o arquiteto e urbanista antônio Heliodório sampaio

(1999), saturnino de Brito de certa forma anteviu as chamadas “aveni-

das de vale”, quando propôs um sistema de drenagem e captação das

águas articulado em canais de fundos de vales, agregando o sistema

de circulação de veículos e um tratamento paisagístico para essas

zonas de vales. esse modelo viário foi posteriormente divulgado e

enaltecido na semana de 1935 e, em seguida, planejado de fato pelo

ePUCs. as avenidas foram sendo executadas ao longo da segunda

metade do século XX, vindo a formar a maior parte da malha viária

atual, ligando os bairros da cidade.

Para efeito de esclarecimento, os conceitos sobre as avenidas

drenantes formulados pelo engenheiro saturnino de Brito, tornaram-se

referência nos estudos de saneamento de cidades, incorporando solu-

ções urbanísticas que articulavam circulação viária com saneamento e

[16] a semana de urbanismo de 35, que aconteceu de 20 a 27 de outubro de 1935, foi organizada pela Comissão do plano da cidade de salvador. Foi uma série de fóruns e palestras sobre a cidade, seus problemas e possíveis soluções. antônio Heliodoro l. sampaio(1999) afirma sobre esse período: “o certo é que a i semana de Urbanismo, de 1935, fecha e abre um novo ciclo, demarcando a passagem para um outro ideário, não mais centrado naquela visão parcelar ou setorial da cidade, aqui nominado de “urbanis-mo tópico”, de viés sanitarista e estético-viário, introduzindo outras questões, que vão provocar uma crítica às práticas de então.”(saMPaio, H. 1999, p.174)

[17] o escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do salvador (ePUCs), iniciou suas atividades na primeira metade da década de 1940, exercendo protagonismo no planejamento urbano da cidade e a ajudou a solidificar as bases da arquitetura moderna na Bahia.

Page 82: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

80

drenagem. as aplicações postas em prática na cidade de salvador,

como em outras cidades brasileiras, dos conceitos das avenidas de

fundo de vale, não se alinhavam com as ideias de saturnino, pois as

questões acerca do saneamento e drenagem eram colocadas em

segundo plano, em detrimento dos aspectos viários.

Um exemplo nacionalmente conhecido desse desequilíbrio

conceitual foram as obras de retificação do rio Tiête, que estavam

incorporadas aos Planos das avenidas, elaborado por Francisco

Prestes Maia. entretanto, é importante salientar a diferença entre o

modelo executado por Prestes Maia e os conceitos de saturnino de

Brito (figura 22). expondo de forma simplificada, o plano proposto

por saturnino se aprofundava nas questões hídricas, respeitando as

planícies de inundação e, de alguma maneira, os meandros tão

característicos dos rios paulistas.

Fig. 22 PlANO ElABORADO PElO ENgENHEiRO sATURNiNO DE BRiTO PARA MElHORAMENTOs DO TiETÊ, 1925 (FONTE: HTTP://UsP.BR/FAU/DOCENTEs/DEPPROjETO/C_DEAk/CD/5BD/1RMsP/PlANs/H1sATURN/iNDEX.HTMl)

Page 83: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

81

sEMANA DE 35, EPUCs E Os PlANOs FUsiONAis

Como visto nos tópicos precedentes, uma série de medidas

foram tomadas na tentativa de solucionar os problemas urbanos de

salvador, como intervenções urbanas tópicas e a criação de meca-

nismos de controle higiênico. segundo Fernandes et al (1995), a

constituição do urbanismo na cidade é configurada por duas verten-

tes: técnica, essencialmente na busca por salubridade, e estética, na

perspectiva de uma nova cidade.

esse era também o cenário que marcava os planos e projetos

para as cidades europeias e americanas. no Brasil, em algumas

cidades, a atuação do urbanismo como disciplina iniciava-se como

protagonista no planejamento das cidades, materializando-se em

ações concretas. sobre esse novo momento na abordagem do

estudo e desenvolvimento das cidades, secchi comenta:

[...] Nunca, como no século vinte, o fenômeno urbano

foi tão extensamente estudado. Como um desvio sensí-

vel em relação ao século dezoito e dezenove , quando

quem se ocupava das cidades eram principalmente os

médicos, higienistas, engenheiros ou estudiosos das de-

nominadas ciências de polícia, novas disciplinas, desta-

cando-se de um tronco principal, com uma divisão e es-

pecialização do trabalho, o assumem como próprio e

específico objeto de pesquisa, cada uma se subdividin-

do em áreas mais específicas como, por exemplo, a ge-

ografia urbana, a história urbana, a sociologia urbana, a

economia urbana e as ciências regionais (SECCHI, 2009,

p.41).

Pode-se dizer que a primeira “experiência” urbanística moder-

na em salvador tem seu foco em três grandes intervenções: a moder-

nização do Porto (1906-1921), a remodelação e ampliação do centro

de negócios (Cidade Baixa)e a abertura da avenida sete de setembro

(Cidade alta). Todas essas obras são da primeira gestão do

Page 84: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

82

governador J.J. seabra (1912-1916). o projeto de remodelação da

cidade ficou a cargo do engenheiro alencar lima, e “implicou a

destruição (total ou parcial) de inúmeros prédios antigos, incluindo a

demolição da igreja Matriz de são Pedro” (Fernandes, 1995).

a derrubada da sé Primacial do Brasil, em 1933, significou um

ponto de inflexão preponderante nos conceitos que visavam a mo-

dernização da cidade. no bojo das discussões sobre o acontecimen-

to, como apresentado anteriormente, instala-se a semana de

Urbanismo, em 1935, com a finalidade de “elaborar o plano de remo-

delação, embelezamento e expansão da cidade do salvador”. a

realização tinha à frente a Comissão do Plano da Cidade do salvador.

Três pontos fundamentais se identificam nas propostas da

semana: 1º) um plano para regular o crescimento da cidade; 2º) a

definição de um zoneamento como instrumento do urbanismo; 3º) a

preocupação com o patrimônio histórico e com as suas instituições,

este último o reflexo direto das preocupações oriundas da demolição

da catedral da sé (Fernandes et al,1995).

Para o plano urbanístico, a proposta credenciada é a apresen-

tada pelo engenheiro Mario leal Ferreira, em 1944, dando início à

constituição do ePUCs, em 1946. segundo Fernandes (1995), a

atuação pode ser sintetizada por: intervenção urbanística com co-

nhecimento prévio global da cidade, de acordo com os fatores cons-

tituintes (físicos, sociais e econômicos); uma metodologia interdisci-

plinar e multidisciplinar – com influência do “comprehensive

planning” (americano) e “town planning” (inglês) –, trazendo as

marcas das zonas concêntricas de Burgess, radiocêntrica de Hénard,

articuladas às teorias de Patrick Geddes.

nesse sentido, como já comentado, as vias de fundo de vale

(figuras 23 e 24) e de cumeadas tinham suas articulações ligadas aos

fluxos de movimento centro-bairro e bairro-bairro. as experiências

Page 85: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

83

av. bonôco

rot. abacaxi

shop. iguatemi

t. rodoviário

novo canal

rio camarajipe

antigo leito

shop. iguatemi

t. rodoviário

av. bonôco

rot. abacaxi

novo canal

rio camarajipe

antigo leito

Fig. 23 AVENiDA ANTONiO CARlOs MAgAlHÃEs, REgiÃO DA TERMiNAl RODOViÁRiO E CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi). iMPlANTAÇÃO DAs AVENiDAs DE VAlEs EM sAlVADOR, PROPOsTAs PElO EPUCs. PRiMEiRO PlANO(TRACEjADO) O lOCAl DE DEsViO DO DO RiO CAMARAjiPE, POssÍVElMENTE DéCADA DE 1960 ( FONTE: ACERVO FgM/PMs, sEM DATA)

Fig. 24 EVOlUÇÃO URBANA DA REgiÃO DA AVENiDA ANTONiO CARlOs MAgAlHÃEs, sUPREssÃO DAs VÁRZEAs MAjORiTARiAMENTE OCORRiDA PElA iMPlANTAÇÃO DO sisTEMA ViÁRiO DE AlTA CAPACiDADE ( FONTE: gOOglE EARTH, 2012)

Page 86: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

84

levadas a cabo pelo ePUCs não foram concluídas em todas as eta-

pas propostas, entretanto marcaram as bases e as linhas norteado-

ras para as pesquisas, planos e futuras intervenções na cidade.

apesar do empenho de Mario leal Ferreira e, posteriormente,

do arquiteto diógenes rebouças na direção do ePUCs, no sentido

de uma iniciativa de planejamento inédita na cidade, isso não foi

suficiente para dar respostas imediatas ou acompanhar o inchaço

populacional em salvador no período de atividade do escritório.

sobre a pressão migratória e a relação com a habitação na cidade, a

arquiteta angela Gordilho souza afirma:

Em relação aos movimentos sociais por moradia em

Salvador, no ínicio da década de 1940, com forte crise

habitacional que se estabeleceu na cidade, surgiram as

primeiras invasões, promovidas por movimentos de ocu-

pação coletiva das massas migratórias, observando-se

que, apesar de intervenções repressivas do Estado, des-

de o surgimento do fenômeno até os dias atuais, na sua

maioria se consolidaram, fortalecendo os chamados

movimentos sociais urbanos (GORDILHO,1990 apud

GORDILHO,1997).

enquanto as ideias e planos eram elaborados pelo ePUCs a

industrialização no país ganhava forma em escala nacional, soman-

do-se à desmobilização da antiga estrutura agrária, culminando

numa pressão migratória sobre as cidades, pois as indústrias eram

implantadas também próximas aos grandes portos que invariavel-

mente estavam no núcleo central das grandes cidades costeiras. o

processo de industrialização vai se firmar a partir de 1930, saindo do

foco a agricultura cafeeira e se preparando para a industrialização

em uma nova etapa, com a instalação da indústria automobilística,

entre as décadas de 1950 e 60 (MariCaTo, 2000).

salvador sofreu o impacto da industrialização com a instala-

ção na região metropolitana do Centro industrial de aratu, Petrobrás

e principalmente o Polo Petroquímico de Camaçari em 1978, que

Page 87: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

85

provocaram fluxos migratórios vindos do interior e que passaram a

ocupar regiões carentes de infraestrutura para atender a essa nova

demanda. nesse sentido, a ocupação territorial em áreas menos

nobres e, principalmente, nas margens dos rios (figura 25) e fundos

dos vales ou, como se diz popularmente, perto do valão, acarretou

grandes problemas sociais e ambientais.

Fig. 25 EXEMPlO DE OCUPAÇÃO iNFORMAl NO FUNDO DOs VAlEs, BAiRRO DE BOM jUÁ. ( FONTE: ACERVO FgM/PMs, 1981)

de acordo com a citação de Gordilho (1997) sobre o cresci-

mento da cidade entre 1940 e 1950, sampaio H. (1999) relata que

nesse período a cidade teve um incremento de 127 mil pessoas,

saltando de 290 mil habitantes em 1940 para 417 mil no final da

década (saMPaio, H. 1999).

entre as décadas de 1940 e 1980, o exôdo rural definiu o

perfil da sociedade brasileira de rural para urbana. Para rolnik

(2008), tal movimento socioterritorial resultava de um modelo de

desenvolvimento urbano no qual as faixas de menor renda eram

desassistidas de condições básicas de urbanidade e de inserção

efetiva na cidade.

Page 88: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

86

as avenidas de vale passaram a ser importantes referências de

espaço para a implantação do sistema viário urbano. segundo oseki e

estevam (2006):

A implantação das avenidas de fundo de vale representa-va importante mudança nas referências espaciais da cidade, unindo loteamentos antes separados por córregos e trazen-do uma grande quantidade de pessoas e mercadorias circu-lando por estas modernas vias.[...] Posteriormente, isto ainda foi associado a programas de relocação habitacional de po-pulações invasoras das margens de rios, o que possibilitava à administração pública marcar presença, “saneando”, am-bientalmente e socialmente, vários setores da cidade com

consequente dividendos políticos” (OSEKI et al, 2006, p.83).

esse amplo programa de ampliação da rede viária que teve início

na década de 50, e se estende os dias de hoje (2014), representa o gran-

de marco das ações de engenharia para canalização e retificação dos

cursos de água (figura 26), da abertura das avenidas de vale, mas tam-

bém do encapsulamento dos córregos, da supressão das várzeas, do

Fig. 26  EXEMPlO DE sUPREssÃO DE VÁRZEA EM sAlVADOR, RETiFiCAÇÃO DO RiO CAMARAjiPE NA AVENiDA ANTôNiO CARlOs MAgAlHÃEs (FONTE: ACERVO FgM/PMs)

Page 89: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

87

aumento das enchentes, do comprometimento da relação entre a socieda-

de e a natureza e, consequentemente, da quase ausência ou até distancia-

mento do rio na paisagem urbana.

O DEsViO DO RiO E O sURgiMENTO DO CANAl

em relação ao objeto de estudo, sem dúvida o estabelecimento de

uma nova foz para o Camarajipe foi a mais drástica interferência da estru-

tura urbana em cursos d’água em salvador, marcando profundamente e

definindo a atual composição hídrica da cidade. durante o desenvolvi-

mento desse trabalho, algumas intervenções já foram descritas e contex-

tualizadas em relação à cidade, como também no que diz respeito aos

conceitos urbanísticos vigentes que influenciaram essas ações. Porém, a

relevância das transformações na estrutura urbana, impostas pelo desen-

volvimento da região onde rio sofreu o desvio, merece maiores

esclarecimentos.

a área em questão compreende o epicentro do vetor norte de

expansão, mais especificamente a região do iguatemi. no PddU18 de 2012

é descrita como CMC19(mapa 08), contudo anteriormente era considerado

como o sub-centro do Camarajipe (PlandUrB, 1978). essa região já

estava sob posse das empresas do setor da construção civil, que se

“adiantaram” em antever o futuro vetor de crescimento da cidade, cap-

tando assim grande porcentagem do direito de uso do solo dessa nova

área a ser desbravada, defendendo, com os mais diversos argumentos e

instrumentos, a rentabilidade do investimento e o crescimento no sentido

vetor norte. dessa forma, delineando o futuro da estrutura urbana de

acordo com os interesses econômicos dessas corporações.

esse empenho em salvaguardar a área pode ser identificado em

alguns documentos institucionais, como o relatório de Planejamento Geral

[18] Plano diretor de desenvolvimento Urbano de salvador.

[19] CMC - Centro Municipal Camaragibe, no plano diretor considera-se que a cidade possui três centros urbanos. (PddU, 2004)

Page 90: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

88

OCEANOATLÂNTICO

LAURODE FREITAS

BAÍA DETODOS OSSANTOS

1.400m0

PARQUE DEPITUAÇU

PARIPE

SÃO TOMÉDE PARIPE

PERIPERIVALÉRIA

PARQUE DEPIRAJÁ

PARQUESÃO BARTOLOMEU

PLATAFORMA PIRAJÁ

RIBEIRA

BONFIM

URUGUAI

CALÇADA LIBERDADE

CX. D'ÁGUA

IAPI

PAUMIÚDO

CIDADE NOVA

COMÉRCIO BARBALHO

SÉNAZARÉ

CAMPOGRANDE

BARRIS

GARCIAVITÓRIA

GRAÇA

BARRA

ONDINA

FEDERAÇÃO ENGENHO VELHODA FEDERAÇÃO

RIOVERMELHO

AMARALINA

NORDESTE

ALTO DASANTA CRUZ

ITAIGARA

PARQUEDA CIDADE PITUBA

COSTAAZUL

STIEP

BOCADO RIO

IMBUÍ

PATAMARESCABULA VI

SABOEIRO

BEIRU /TANCREDO NEVES

ENGOMADEIRA

CONJ. ACM

RESGATE

PERNAMBUÉS

IGUATEMICOSME DEFARIAS

BROTASENG. VELHODE BROTAS

MATAESCURA

NOVASUSSUARANA

PAU DALIMA

SÃOMARCOS

VILACANÁRIA

CAJAZEIRA

JD DASMARGARIDAS

PARQUE SÃOCRISTOVÃO

MUSSURUNGA

SÃOCRISTOVÃO AEROPORTO

FLAMENGO

STELLAMARIS

PARQUEDO ABAETÉ

ITAPUÃPIATÃ

CANABRAVA

CASTELOBRANCO

ÁGUASCLARAS

CEASA

IPITANGA I

REPRESAIPITANGA II

PARQUEDE EXPOSIÇÕES

CAB

FAZENDAGRANDE

SÃOCAETANO

MASSARANDUBAMONTESERRAT

CAPELINHA

LOBATO

MARECHALRONDON

SETEDE ABRIL

ITACARANHA

COUTOS

PALESTINA

PARQUESÃO PAULO

PRAIAGRANDE

BOCADA MATA

PLACAFORD

COSTAVERDE

CALABETÃO

ÁGUA DEMENINOS

BOA VIAGEM

ESCADA

DIQUE DOTORORÓ

REPRESADO COBRE

LAGOADA PAIXÃO

FAZENDACOUTOS

DOMAVELAR

ALTO DASTA.TEREZINHA

ITAPAGIPE

MARES

SANTAMÔNICA

SÃOPEDRO

CAMINHODAS ÁRVORES

ARMAÇÃO

NOVABRASÍLIA

PITUAÇU

NOVABRASÍLIA

JARDIMNOVA ESPERANÇA

SUSSUARANA

VILALAURA

IPITANGA

BICODOCE

LEGENDA

Centro Municipal Tradicional - CMT

Centro Municipal Camaragibe - CMC

Vias a serem construídas

Vias existentes

Vias Expressas existentes

Vias a serem duplicadas

REDE VIÁRIA ESTRUTURAL

CENTROS MUNICIPAIS

Metrô

Rio Camarajipe

Antigo leito

HIDROGRÁFIA

Novo canal

Malha hídrica

Zonas de inundaçãoque foram sanadascom o desvio

Ponto da Intervençãocurso do rio

PRAIAARMAÇÃO

PRAIA DAPACIÊNCIA

ALTO DA

SÉSÉ

SÃOSÃOPEDRO

SÉSÉSÉ

PEDRO

BARRIS

PEDROSÃOSÃOPEDROSÃOPEDRO

SÃO

CAPELINHA

LOBATO

MARECHALRONDON

CONJ. ACM

MATAESCURA

CALABETÃO

FAZENDAGRANDE

CAETANOSÃOCAETANO

GRANDE

LIBERDADE

CX. D'ÁGUA

IAPI

PAUMIÚDO

CIDADE NOVA

COSME DECOSME DEFARIAS

SANTAMÔNICA

VILALAURA

CONJ. ACM

RESGATE

PERNAMBUÉS

RESGATE

PERNAMBUÉS

BARBALHO

PERNAMBUÉS

BROTAS

GRANDE

CX. D'ÁGUACX. D'ÁGUA

IAPI

CX. D'ÁGUACX. D'ÁGUACX. D'ÁGUA

PAU

BARBALHO

NAZARÉ

BARBALHO

BROTAS

NAZARÉSÉ

NAZARÉSÉSÉ

NAZARÉ

PEDROPEDRO IGUATEMIIGUATEMICAMINHODAS ÁRVORES

IGUATEMICAMINHO

IGUATEMI

PITUBA

CAMINHODAS ÁRVORES

ITAIGARA

PITUBAPITUBA

COSTACOSTAAZULAZUL

STIEP

ARMAÇÃO

DAS ÁRVORES

IGUATEMIIGUATEMIIGUATEMICAMINHODAS ÁRVORESDAS ÁRVORES

IGUATEMIIGUATEMIIGUATEMICAMINHO

MAPA 08. lOCAliZAÇÃO NA CiDADE DO CMC (CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE ) sisTEMA ViÁRiO EXisTENTE, lOCAl DO DEsViO NO CAMARAjiPE E O NOVO CANAl E O ANTigO lEiTO (FONTE: PDDU 2012. ElABORADO PElO AUTOR)

Page 91: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

89

do sistema de esgoto sanitário da Cidade de salvador(PGsesCs) de

1968, contratado pela sUdene, que registra a suposta e inesperada

valorização imobiliária dessa região, relatando os problemas da implanta-

ção de um emissário submarino e, consequentemente, a construção de

uma estação de tratamento na região em questão. descreve-se assim no

relatório:

Há que considerar, também, a valorização dos terrenos vizi-

nhos à foz do rio, no Chega Negro. A construção do Colégio

Militar na Pituba e a implantação do Jóquei Clube, próximo ao

povoado de Pernambués, trouxe uma súbita e forte valorização

de toda a área. Hoje, desde o ponto da bifurcação do rio até o

Chega Negro, os terrenos custam, em média NCr$ 30,00 por

metro quadrado, tornando quase que proibitiva a reserva da

área requerida para uma estação de tratamento completo.

Além disso, a presença de tal estação, nas imediações de uma

zona residencial, traria prejuízos consideraveis aos proprietá-

rios atuais, pela desvalorização de seus terrenos (SUDENE,

1968, PGSESCS, Volume 02).

observando a indicação do relatório, pode-se afirmar que, invaria-

velmente, muitas decisões de cunho urbanístico foram direcionadas por

questões econômicas/especulativas, sobrepondo-se aos argumentos

técnicos. a exemplo de como as grandes corporações influenciaram a

forma urbana, temos o documento da empresa odebrecht, que, de forma

“gentil”, disponibiliza para a Prefeitura de salvador o estudo para a urba-

nização desse trecho do novo centro. Tal documento exemplifica as inten-

ções sobre esse novo centro em consolidação, em detrimento do centro

tradicional, visto nesse momento como local “ultrapassado” e inadequado

às novas demandas. seguem fragmentos do documento original (figura

27), pesquisado na FMlF.

a criação e ocupação desse novo centro foram determinantes no

retrato atual da metrópole, mas, para que houvesse viabilidade econômica

e urbanística dessa área, alguns entraves precisaram ser solucionados.

os principais obstáculos a serem superados na conquista desse

território foram os problemas relacionados ao saneamento e à vulnerabili-

dade a enchentes. esse último impedimento era causado pelo vetor de

circulação e expansão e muitas glebas ocuparem a planície de inundação

Page 92: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Fig. 27 DOCUMENTO ElABORADO PElA ODEBRECHT PARA A PREFEiTURA DE sAlVADOR CONTENDO EsTUDO DE URBANiZAÇÃO DE TRECHO NO ENTORNO DO CAMARAjiPE, REgiÃO DO CMC (FONTE: FMlF, 1978)

Page 93: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

91

do rio Camarajipe, sendo necessário sanear a região para prevenir

futuros transtornos que o rio poderia causar com as enchentes. vale

ressaltar que essa situação não atinge o ponto de calamidade se os

ciclos hidrológicos forem respeitados, compreendendo, assim, as

zonas suscetíveis às inundações naturais e fazendo uso compatível

com essa pré-condição. além disso, outras áreas, como o bairro do

rio vermelho, a jusante pré-desvio, já vinham sofrendo com os efeitos

danosos da ocupação das várzeas.

Para vencer esse entrave sanitário e hídrico, foi proposta e

executada uma das mais drásticas mudanças na estrutura do rio

Camarajipe, alterando profundamente a composição das bacias

hidrográficas do município. Pode-se afirmar que essa intervenção teve

um alto grau de desestruturação do rio Camarajipe, pois, além de

transferir o local da sua desembocadura, inverteu-se a direção de um

afluente, via dragagem, com o objetivo de re-direcionar o seu fluxo

para uma outra direção, utilizando o leito desse afluente conjugando-

-o ao rio Chega negro, pertencente a outra bacia hidrográfica.

o rio passou a ter dois pontos de desague: o natural, repre-

sentado no mapa 09, cartografia do ano de 1952, que confirma o

curso original e desague próximo ao largo da Mariquita (Praia de

Paciência) no bairro do rio vermelho e o novo, na praia homônima ao

rio Chega negro20. atualmente, o desague é feito exclusivamente

através desse último. Compreendendo que a partir do ponto de

desvio (figuras 28 a 31) as águas seguem pelo canal do Camarajipe e

o antigo leito do rio, por possuir fluxo proveniente de afluentes a

jusante do desvio, ainda é chamado de Camarajipe e ainda desagua

na antiga foz. o resultado dessa intervenção, isto é, a estrutura urbana

em desenvolvimento prevalecendo sobre o ambiente natural, acarre-

tando uma nova composição das bacias hidrográficas do

município(mapas 10 e 11): a do rio Camarajipe, que se conjugou à

bacia do Chega-negro, e o surgimento da bacia do rio lucaia, inter-

venção que influiu diretamente na estrutura hídrica da cidade.

[20] Praia do Chega-negro no bairro Costa azul, conhecida atualmente como praia de armação

Page 94: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

92MAPA 09. CARTOgRAFiA DE 1952, O

TRAjETO DO RiO CAMARAjiPE é REPREsENTADO ANTERiOR AO REDiRECiONAMENTO, PORéM NEssE ANO O RiO PROVAVElMENTE jÁ TiNHA sOFRiDO O DEsViO.(FONTE: HTTP://www.CiDADE-sAlVADOR.COM/sECUlO20/MAPA-1952.HTM, CiRCUlO AMARElO iNTERVENÇÃO DO AUTOR iDENTiFiCANDO O lOCAl DO DEsViO)

MAPA 10. REPREsENTAÇÃO DA COMPOsiÇÃO DAs BACiAs HiDROgRÁFiCAs ANTEs DO REDiRECiONAMENTO DO RiO CAMARAjiPE (ElABORADO PElO AUTOR)

MAPA 11. REPREsENTAÇÃO DA COMPOsiÇÃO DAs BACiAs HiDROgRÁFiCAs APós AO REDiRECiONAMENTO DO RiO CAMARAjiPE (ElABORADO PElO AUTOR)

4km2

4km2

Centro histórico

trecho redirecionadosentido do fluxo d’água

Local do redirecionamentoBacia hid. Camarajipe

Bacia hid. do rio Chega Negro

Atual bacia hid. rio Lucaia

Page 95: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

93

t. rodoviário

shop. iguatemi

novo canal rio camarajipe

anti

go

leit

o

t. rodoviário

shop. iguatemi

novo canal

rio camarajipe

antig

o le

ito

Fig. 28 ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1959, REgiÃO DO ATUAl CMC - CENTRO MU-NiCiPAl CAMARAjiPE. A iMAgEM DEMONsTRA qUE, APEsAR DO AlTO gRAU DE CON-sERVAÇÃO DOs PROCEssOs NATURAis E A NÃO OCUPAÇÃO PElA EsTRUTURA URBANA, AlgUMAs iNTERVENÇÕEs URBANÍsTiCAs jÁ EsTÃO EM CURsO iNTERFERiNDO NOs PRO-CEssOs NATURAis, EM EsPECiAl Os AsPECTOs HÍDRiCOs. O RiO NEssE MOMENTO jÁ ENCONTRAVA-sE RETiFiCADO E REDiRECiONADO (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1959)

Fig. 29 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1976, REgiÃO DO ATUAl CMC - CENTRO MUNiCiPAl CAMARAjiPE. iNTENsA iNTERVENÇÃO EM CURsO, PARA ADEqUAR A ÁREA COM O OBjETiVO DE FORMAR NOVO CENTRO DE ATiViDADEs DE COMERCiO, sERViÇO E EMPREsARiAl. TERMiNAl RODOViÁRiO E CENTRO COMERCiAl igUATEMi (sHOPPiNg igUATEMi) iNsTAlADOs. (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1976)

Page 96: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

94

t. rodoviário

shop. iguatemi

novo canal rio camarajipe

antig

o le

ito

t. rodoviário

shop. iguatemi

novo canal rio camarajipe

antig

o le

ito

Fig. 30 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 1992, REgiÃO DO CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi). ÁREA COM AlTO gRAU DE CONsOliDAÇÃO DA EsTRUTURA URBANA, CANAl COM sUAs CAlHAs REVERTiDAs DE ARgAMAssA ARMADA. (FONTE: iNFORMEs/CONDER, 1992)

Fig. 31 EVOlUÇÃO URBANA: ÁREA DO DEsViO DO RiO CAMARAjiPE EM 2014, REgiÃO DO CENTRO COMERCiAl igUATEMi(sHOPPiNg igUATEMi).CONsOliDAÇÃO DA OCUPAÇÃO E iNTERVENÇÕEs ViARiAs. (FONTE: gOOglE EARTH, 2014)

Page 97: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

95

não se sabe ao certo a data dessa intervenção, a publicação

O Caminho das Águas de Salvador (sanTos, H, et al,2010) considera que

essa obra foi feita na década de 1970 pelo extinto dnos. entretanto, e de

acordo com a aerofotografia do ano de 1959 cedidas pelo inForMs/

Conder (figura 28), é correto afirmar que essa intervenção foi anterior a

essa data, pois é possível identificar nessa imagem o redirecionamento do

seu curso. além disso, o Plano de saneamento de 1968 informa que:

Mais para jusante, na altura do povoado de Pernambués, o

Camorogibe foi dragado e desviado para o vale do riacho

Chega Negro, ficando assim, com duas desembocaduras.

Esse desvio processou-se inicialmente pelo vale do riacho

Pernambués e venceu, com pequena escavação, o divisor de

águas desse riacho com o Chega Negro. É por ai que escoa

hoje a maior parte da descarga do Camorogibe (SUDENE,

1968, PGSESCS, Volume 02).

ao longo dessa pesquisa o questionamento sobre a época dessa

intervenção ficou sem uma resposta aceitável, o que dificultou a elabora-

ção do panorama das ações de planejamento sobre o rio e sua bacia,

principalmente por se tratar de uma intervenção de grande magnitude,

não só no processo natural do rio Camarajipe como em boa parte da

estrutura hídrica da cidade. Por bem, no decorrer da elaboração deste

trabalho, em meio a inúmeras pesquisas sobre o rio e a bacia hidrográfi-

ca, ficou claro que algumas informações deveriam conter a forma da

grafia antiga ou diferente da adotada nesse estudo. numa pesquisa com

a grafia utilizada no Plano de saneamento citado acima, foi encontrada

uma reportagem do jornal carioca o Correio da Manhã do ano de 1948,

contendo uma pequena nota sobre a contratação de máquinas para a

dragagem do leito do rio Camarajipe (figuras 32).

esse fragmento ajudou a suscitar a questão sobre a data da obra

de transferência de desembocadura sofrida no curso do Camarajipe.

Portanto, para este estudo, aceita-se que a intervenção urbanística que

alterou o curso natural do rio foi executada entre o final da década de

Page 98: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

96

1940 e os primeiros anos da década de 1950. Já que a manchete da

reportagem é bem direta: “Um novo canal substituirá o leito do rio.”

afirma-se na nota que: “…sua dragagem tem a dupla finalida-

de de urbanizar e sanear um dos mais aprazíveis bairros da cidade

do salvador. virá depois a expansão, a valorização e loteamento de

suas terras.” este trecho vem reiterar a afirmação colocada anterior-

mente sobre direcionamento dos interesses econômicos nas priori-

dades urbanísticas com finalidade de valorizar o patrimônio dos

interessados, reiterando que, as questões econômicas sobrepõem-se

Fig. 32 RECORTEs DO PERióDiCO CORREiO DA MANHÃ DE 13 DE OUTUBRO DE 1948 COMUNiCANDO A liBERAÇÃO DOs sERViÇOs PARA DRAgAgEM DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: ACERVO DA FUNDAÇÃO BiBliOTECA NACiONAl EM BiBliOTECA NACiONAl DigiTAl BRAsil, HEMEROTECA DigiTAl BRAsilEiRA HTTP://MEMORiA.BN.BR/DOCREADER/DOCREADER.AsPX?BiB=089842_05&PAgFis=43822)

Page 99: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

97

em detrimento de argumentos técnicos. observando grafia do nome

do rio, é possível compreender essa confusão quando, nesta nota da

edição de 13 de outubro de 1948, o Correio da Manhã apresenta três

formas diferentes o nome do rio, “Camorejipe”, “Camorogibe” e

“Camorogipe”.

Para efeito de esclarecimento, o trecho do antigo leito do

Camarajipe ainda permanece com fluxo, porém não recebe contri-

buição de volume a montante do ponto de desvio, mas de afluentes

ativos a jusante desse ponto. dessa forma, esse trecho não pode ser

considerado como um “braço morto” do Camarajipe, mas deve ser

tratado como um outro rio, como demonstrado nos mapas 10 e 11,

que ilustram as transformações na composição das bacias hidrográ-

ficas, assim como nos rios e córregos.

a partir da década de 1990, esse quadro tem outro revés

com a instalação da estação de captação em tempo seco no local do

desvio. essa captação teve o proposito de direcionar o volume de

estiagem para a estação de condicionamento prévio Parque Paulo

Jackson no lucaia, bairro do rio vermelho. refazendo o caminho

natural do rio por meio de tubulações.

ENTRE A ENCOsTA E O RiACHO: A APliCAÇÃO TARDiA DE iDEiAs URBANAs sUPERADAs

as grandes concentrações urbanas, e o impacto da industriali-

zação provocaram mudanças no perfil da sociedade da área rural

para urbana. em decorrência do desenvolvimento tecnológico, ocor-

reu uma grande concentração de problemas: aglomerados urbanos,

pobreza, violência, criminalidade, situações de riscos e degradação

ambiental, deficiência de serviços e infraestrutura, de saneamento e

de habitação. a história das cidades nada mais é que uma sucessão

Page 100: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

98

de “camadas temporais”, resultado do acúmulo de percepções, senti-

dos sociais, econômicos e ambientais construídos.

ainda segundo Maricato (2000), as assim chamadas “décadas

perdidas”, os anos 1980 e 90, são definidas pela marcante concentra-

ção da pobreza na área urbana. a autora declara ainda que é justa-

mente nesse período que estão as origens da tragédia urbana brasi-

leira: enchentes, desmoronamentos, poluição dos recursos hídricos,

poluição do ar, impermeabilização da superfície do solo, desmata-

mento, congestionamento habitacional, retorno de epidemias, violên-

cia etc.

o Brasil também, ainda nos dias atuais, não difere do cenário

observado no que tange aos rios urbanos. a explosão demográfica,

os processos migratórios internos e externos, transformaram as pe-

quenas vilas em núcleos urbanos intensamente adensados devido ao

incremento dos pólos industriais. essas considerações podem ser

vistas como uma amostra dos debates e controvérsias que, de forma

reincidente, evocam as preocupações quanto ao processo de urbani-

zação, com cidades “tentaculares”, “difusas”, megacidades onde

emergem temas-problemas que merecem atenção no contexto

urbano.

acerca do processo de intensificação das grandes interven-

ções na cidade de salvador na segunda metade do século XX, for-

mando o aspecto da cidade “moderna”, Muñoz comenta:

O processo de modernização e expansão urbana que se

inicia nos anos 60 em Salvador, caracteriza-se pela emer-

gência de novos bairros, adaptação de infra-estrutura exis-

tente, substituição de volume edilício e implementação de

um novo sistema viário.

[...] as grandes transformações urbanas da década de

’60. A construção do sistema de avenidas proposto pelo

EPUCS (Escritório do Plano Urbano da Cidade do Salva-

dor), implementação tardia do Plano Urbano dos anos 40,

determinou alterações no tecido existente, modificações

nos padrões de uso do solo, reformulação das linhas de

transporte e, a partir destas, a criação de novos valores lo-

cacionais. (HERNÁNDEZ MUÑOZ,1999)

Page 101: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

99

esse processo de transfromação urbana seguindo modelos ultra-

passados, não é exclusivo de salvador. de forma geral, é possível obser-

var que se a cidade altera dinamicamente a sua forma, sua ocupação é

resultado de constantes mudanças induzidas por condições econômicas,

sociais, políticas e demográficas - a decadência dos bairros centrais, a

ocupação difusa pelos arredores invadindo a antiga área rural e velhos

edifícios substituindo os novos (HoUGH, 1998, sarGolini, 2013).

embora a questão da ocupação do solo urbano contenha os

debates já conhecidos, na medida em que articula com superfícies im-

permeáveis, o sistema de drenagem que leva os excessos de água da

chuva para fora da superfície urbana, e principalmente a evidência de

que o ciclo hidrológico natural foi interrompido, resulta frequentemente

em inundações instantâneas e erosões. desse modo, Hough afirma que:

As inundações são causadas por grandes áreas de pavi-

mentação impermeáveis e pela concentração de correntes de

água em pontos específicos. Quanto maior a corrente que

provoca a tormenta, maior é o crescimento dos rios e a mag-

nitude da inundação. Ao contrário, quanto maior é o volume

de água que corre, menos passa para as águas subterrâneas

e para os riachos (HOUGH, 1998, p.39-41,).

Como bem assinala Mumford (1961), “o que caracteriza a cidade é

a sua complexidade social de propósitos”. o ambiente urbano tem se

reconfigurado e as mudanças surgem não só na paisagem física, mas

também na percepção das pessoas que ali habitam. o distanciamento

dos aspectos ambientais, a imersão na tecnologia cujos fins são econô-

micos desnaturalizam a relação do ser humano com o meio ambiente. o

ocultamento da paisagem natural afasta o habitante das cidades dos

processos naturais.

é essencial, portanto, entender a cidade como uma forma deriva-

da em primeiro lugar, da evolução geológica e biológica, que existe como

uma soma de processos naturais e que tem sido adaptada pelo homem, e

em segundo lugar, também é necessário perceber o desenvolvimento

histórico da cidade como uma sucessão de adaptações culturais, que se

Page 102: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

100

refletem no plano da cidade e nos edifícios. nesse sentido, algumas adapta-

ções são boas e permanecem, outras não. aquelas que perduram fazem

parte do inventário de valores, outras vão sucumbir como adaptações

desafortunadas (MCHarG, 2000).

Para finalizar a primeira parte, no que se refere as transformações,

optou-se por expor uma linha do tempo (figura 33), localizando os momen-

tos principais tratados, que de maneira direta ou indireta influenciaram o

panorama atual da bacia hidrográfica e, consequentemente, o rio

Camarajipe (itens em vermelho).

1800

1810

1820

1830

1840

1850

1900

1950

2000

1860

1870

1880

1890

1910

1920

1930

1940

1960

1970

1980

1990

1852 • IMPLANTAÇÃO DA CIA. DE QUEIMADOS

1852 • INÍCIO DA CONSTRUÇÃO DO

RESERVATÓRIO DA CRUZ DO COSME,

REPRESANDO O RIO QUEIMADOS AFLUENTE

DO CAMARAJIPE

1853 • CRIAÇÃO DA JUNTA DE HIGIENE

1855 • INÍCIO DO SURTO CÓLERA

1864 • PLANO DE ASSEIO DA CIDADE,

DIRETRIZES PARA DESCARTE E COLETA

DE RESÍDUOS

1899 • PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO D’ÁGUA

DO DIQUE DO TORORÓ, CONSTATAÇÃO

ATRAVÉS DE EXAMES E PESQUISA

1905 • CONTRATAÇÃO DO ENG.

THEODORO SAMPAIO PARA AMPLIAÇÃO

DE REDE DE ABASTECIMENTO E

IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE ESGOTO

1943 • INSTALAÇÃO DO EPUCS

1992 • IMPLANTAÇÃO DA ESTAÇÃO DE

CAPTAÇÃO EM TEMPO SECO

DÉCADA 1980 • REPRESA DE MATA ESCURA

DESATIVADA PARA ABASTECIMENTO

PÚBLICO DE ÁGUA, COMPROMETIMENTO DA

QUALIDADE DE SUA ÁGUA

* INÍCIO DA DÉCADA

**FINAL DA DÉCADA DE 1940 E INÍCIO DA DÉCADA 1950

1831 • PUBLICAÇÃO DO CÓDIGO DE POSTURAS,

TRANSMITIR CONCEITOS DE HIGIENIZAÇÃO

1850*/1870* • INTERVENÇÃO NA RUA DA

VALA, CANALIZAÇÃO DO RIO DAS TRIPAS

PRINCIPAL AFLUENTE DO RIO CAMARAJIPE

1880* • LIGAÇÃO DA REPRESA DE MATA

ESCURA AO SISTEMA DE

ABASTECIMENTO. REPRESAMENTO DO

RIO CAMARAJIPE. AMPLIAÇÕES ATÉ 1900*

1933 • DEMOLIÇÃO DA IGREJA DA SÉ

1935 • SEMANA DE URBANISMO

1950** • INÍCIO DAS OBRAS DE

REDIRECIONAMENTO DO RIO CAMARAJIPE,

INVERSÃO DE UM AFLUENTE E SURGIMENTO

DO CANAL CAMARAJIPE SOBRE ANTIGO

LEITO DO CÓRREGO CHEGA NEGRO

1925 • ENG. SATURNINO DE BRITO PROJETA A

EXPANSÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO

DE ÁGUA E REDE DE ESGOTO

Fig. 33 liNHA DO TEMPO DEliMiTANDO Os MOMENTOs qUE FORMARAM O PANORAMA ATUAl DA BACiA HiDROgRÁFiCA E O RiO CAMARAjiPE

Page 103: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

101

PARTE 2 [LIMITE]

“COMO As CiDADEs HABiTAM Os RiOs?” - CONCEiTOs E PROCEssOs DE REsTAURAÇÃO DE UM RiO URBANO

a questão colocada no primeiro capítulo da publicação Rios e paisa-

gens urbanas, organizada por lucia Costa (2006, p. 10), acerca dos conflitos

entre os processos fluviais e os de urbanização, é o eixo conceitual utilizado

nesta parte do presente capítulo. abordando como a cidade de salvador tem

habitado o seu rio mais significativo - o rio Camarajipe, que delimita os espa-

ços entre a antiga ocupação urbana e os novos tecidos. Para entender as

alterações no seu traçado, foi necessário compreender como as ideias que

vinham de outras experiências de rios urbanos influenciaram essas interven-

ções e qual a relação dessas com o crescimento da ocupação urbana. o

descompasso entre as ações de planejamento e o acelerado processo de

urbanização das cidades resultaram, em muitos casos, em um elevado com-

prometimento ambiental dos territórios ocupados, como demonstrado na

imagem 34.

Fig. 34 TiPOlOgiA DE OCUPAÇÃO NO lEiTO DO CAMARAjiPE, BAiRRO DO RETiRO (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2013)

Page 104: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

102

o rio que desagua no mar, na praia de armação, que a popu-

lação já nem sabe mais se é mesmo um rio ou um canal de esgoto,

tal o seu nível de degradação, - cheiro fétido, inexpressividade como

elemento estruturador da paisagem, - só é protagonista nas man-

chetes dos jornais na estação chuvosa, quando suas águas transbor-

dam e inundam as vias públicas, por vezes impedindo a circulação

de veículos e pedestres.

Contudo essa situação não é exclusividade de salvador, pode

ser considerada como regra nas metrópoles brasileiras. Como pon-

dera Costa (2006), “ a relação de intimidade entre rios e cidades

brasileiras, entretanto, não tem se dado sem conflitos”, pois o que se

vê são suas margens tomadas por habitações informais, transforma-

das em recipientes de lixo e esgoto doméstico e industrial. as en-

chentes periódicas têm sido a reação ao descaso, ao aprisionamen-

to, ocultamento e, principalmente, a ocupação das várzeas.

esse cenário transcende fronteiras e nacionalidade, estando

vinculado ao padrão de desenvolvimento urbano conjuntamente ao

nível de desenvolvimento social. em todo mundo modelos e projetos

para reaproximação dos rios com as cidades, nas quais representam

elementos estruturadores da paisagem, têm sido propostos e alguns

são efetivamente realizados. no entanto, nas cidade brasileiras, em

sua maioria, persiste o descaso.

se o rio Camarajipe foi relegado a um curso d´água inexpres-

sivo e sem identidade na paisagem próximo da sua foz, esse cenário

é diverso se o considerarmos em toda a sua extensão, pois próximo

à nascente, ainda é possível observar meandros, densa vegetação

riparia, edificações unifamiliar margeando o estreito córrego e, em

algumas áreas, conjuntos significativos de vegetação de grande

porte que servem de sombra para pessoas que se utilizam para o

ócio ou lazer.

Page 105: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

103

Talvez nesses lugares seja possível pensar em restauração de

um rio urbano e permitir que a cidade possa habitá-lo!

Para alcançar um dos objetivos específicos, que é direcionar

o planejamento para a restauração de um rio urbano, é preciso

considerar as noções e ideias que permeiam o conceito ou termo

“restauração”.

alguns termos têm sido adotados para designar as ações em

rios urbanos. Cabe ressaltar que, na literatura sobre o assunto en-

contram-se vários termos para designar o processo de tornar os

cursos d´água mais saudáveis, promovendo quase sempre, ainda

que de forma parcial, sua integração à paisagem urbana.

os termos reabilitação, recuperação, revitalização e

restauração, advindos seja do próprio urbanismo, ou de outras

áreas do conhecimento, são unânimes em identificar a inclusão

do tempo no espaço. isto é, tentar recuperar ou reaver o esta-

do original, recuperando, por meio de documentos e registros

fotográficos, o traçado primevo e de tecnologias à despoluição

de suas águas.

essas terminologias oriundas das diversas cartas (de atenas,

de veneza, de lisboa, do rio) orientavam as ações para intervir no

espaço construído, combinando-se aos conceitos que ”foram trans-

portados de um campo de conhecimento para outro”

(vasConCellos e Mello, 2006).

Quando as intervenções nos rios urbanos surgem, também

há essa mistura de conceitos, mas o que está sendo considerado é a

restauração com o objetivo de tornar o ambiente alterado próximo

das condições originais.

Page 106: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

104

Portanto, a apropriação do termo e do conceito aqui utiliza-

dos está sendo o definido por a. riley, na publicação “restoring

streams in cities: a guide for planners, policymakers, and citizens”

(1998). Para a autora, o uso da palavra restauração, no que tange aos

rios urbanos, é de forma simplificada : “a alteração de sua largura,

profundidade ou meandro para ajudar a restaurar o equilíbrio entre a

carga de sedimentos que o rio carrega e a velocidade que seu fluxo

precisa para transportar através do sistema” (riley, 1998, p.29).

a autora afirma que a restauração tambem é “a construção

de pequenas estruturas para escoadouro na parte superior da bacia

hidrográfica para controlar a erosão instável a montante. além de

continuar declarando o que é e o que não é restauração”(idem),

riley indica alguns “ganchos” ou motivos que podem ser usados

para envolver as comunidades nos projetos de restauração de um

rio, tais como: revegetação, construção de trilhas ou projetos de uso

do solo, ou parques de recreação.

Como visto no início do presente capítulo, os projetos de

engenharia ou buscavam alternativas para “corrigir” o traçado dos

rios com a finalidade de proteger a população do entorno das cons-

tantes inundações, ou eram projetos que, por meio de intervenções,

ganhavam espaço às margens dos rios para o alargamento de vias

para dar vazão ao fluxo de tráfego de veículos.

desse modo, as antigas concepções de planejamento que

viam nos rios apenas corredores de saneamento foram paulatina-

mente sendo substituídas por projetos com vistas a uma maior

valorização ambiental e social dos rios urbanos (BriTTo;

CosTa,2006).

os planos ordenadores que buscavam minimizar os danos

sofridos pela população com as enchentes e epidemias com obras

Page 107: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

105

de engenharia, cuja finalidade era retificar e canalizar, faziam com que

o “desaparecimento” de alguns desses rios se transformasse em

sistema de drenagem subterrâneo (BriTTo, 2006, riley, 1998).

spirn (1984) revela que a existência dos riachos, ribeirões e

rios que foram “banidos do mapa das cidades contemporâneas,

sepultados e esquecidos, velhos rios” ainda percorrem a cidade nos

canais subterrâneos, mas que “seu murmúrio abafado” vem à tona nos

dias chuvosos. “eles são invisíveis, mas seu poder se manifesta em

plena tempestade”, quando transbordam em intensidade e afloram à

superfície. essa descrição feita por spirn ocorre em inúmeras cidades

pelo mundo, podendo ser verificada na bacia hidrográfica em estudo,

no caso do rio Campinas um dos afluentes do Camarajipe (figuras 35,

36 e 37).

os autores são unânimes em apontar os seguintes fatores que

causam danos aos rios: o desaparecimento de espécies da flora e da

Fig. 35 RETiFiCAÇÃO DO RiO CAMPiNAs, UM DOs PRiNCiPAis AFlUENTEs DO RiO CAMARAjiPE. OBRAs DE CONsTRUÇÃO DA AV. MARiO lEAl FERREiRA E MElHORiAs sANiTÁRiAs PARA sANAR PROBlEMAs COMO ENCHENTEs (FONTE: ACERVO PMs/FgM)

Page 108: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

106

Fig. 36 ENCAPsUlAMENTO DO RiO CAMPiNAs PARA CORREDOR EXPREssO DE ôNiBUs EM 1988 (FONTE: FOTógRAFO lÁZARO TORREs, ACERVO PMs/FgM)

Fig. 37 EsTADO ATUAl DO RiO CAMPiNAs, ENCAPsUlADO E sOBRE A COBERTURA qUE COBRE O lEiTO ÁREA DEsTiNADA A lAZER. EsTRUTURAs DE sUPORTE DA liNHA DO METRô ACOMPANHA TODO O sEU CURsO.(FONTE: PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014.)

Page 109: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

107

fauna, a contaminação, o ocultamento da paisagem natural, a altera-

ção do canal original que o danifica ecologicamente, a drenagem de

áreas alagadas, que elimina o componente chave dos ecossistemas

aquáticos, o desmatamento do solo que inibe a recarga natural dos

aquíferos, a introdução de espécies exóticas, que elimina as nativas e

altera os ciclos de nutrientes e os ciclos biológicos com a perda da

biodiversidade natural e estoques genéticos (HoUGH, 1998;

TUndisi, 2003).

no entanto, é preciso lembrar ainda que, dentre esses danos,

o que precariza a vitalidade dos cursos d’água e dos ecossistemas

fluviais urbanos são as condições da ocupação desordenada, muitas

vezes rápida e intensa. a falta de abastecimento de água, de servi-

ços sanitários e de limpeza pública que ocorreu nas cidades, ocasio-

nou várias epidemias, como febre tifoide, cólera, febre amarela,

varíola, entre outras.

as obras e soluções de engenharia para controlar os riscos

de inundações e erosões, aplicadas desde 1930, consistiam basica-

mente em retificar o rio, abolindo os meandros, canalizando e colo-

cando-o em galerias, desobstruindo a vegetação das margens. esse

conjunto de ações direcionadas aos rios foi objeto de protestos na

década de 1960, no entanto, esses conflitos ainda permanecem

(riley, 1998).

a partir da década de 1960, começou a surgir, em cidades da

europa e dos estados Unidos, uma preocupação crescente com a

poluição dos rios. a degradação dos cursos d’água no meio urbano

ocasionou impactos ambientais, tais como enchentes, epidemias,

comprometimento dos mananciais adequados para prover a popula-

ção nas cidades, acrescentando a todos esses elementos de risco, o

empobrecimento da paisagem fluvial (GorsKi, 2010).

Page 110: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

108

o modelo de ocupação urbana, o crescimento das metrópo-

les, a visão dos rios como “corredores de saneamento”, vias de

drenagem (figura 38), ações de caráter imediatista para conter as

enchentes, eliminação dos meandros e comprometimento da quali-

dade das águas, têm ocasionado um cenário conflituoso entre a

cidade e os rios. Como argumenta Hough (1998) sobre o projeto de

recuperação do rio don, no Canadá:

[...] a água de chuva está acompanhada por extremos

de inundação e baixo fluxo. As velocidades de descarga

são também mais altas que em condições normais. [...]

As soluções tomadas rio abaixo, para problemas causa-

dos rio acima, são cada vez mais difíceis e custosas

(grandes esgotos/alvenarias, proteção das planícies ur-

banizadas de inundação, e o alisamento e estabilização

das margens da corrente) (HOUGH, 1998, p.39-41).

a recuperação de rios como o sena, o Tâmisa e o don são

casos de estudos nos quais se revela a importância dessa reaproxi-

mação. esses rios eram vistos antes como natureza enclausurada,

Fig. 38 TÍPiCA sOlUÇÃO DE ENgENHARiA PARA CONTER iNUNDAÇÕEs, COMO TAMBéM PROPiCiAR “EqUilÍBRiO” PARA A OCUPAÇÃO URBANA sUBsEqUENTE. iNTERVENÇÃO NO RiO CAMARARAjiPE PARA RETiFiCAÇÃO E CONsTRUÇÃO DE PONTEs. (FONTE: ACERVO DN/FgM, AV. ANTôNiO CARlOs MAgAlHÃEs - PONTE DO DETRAN. 24/04/1975)

Page 111: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

109

retificada, canalizada, desprovida de seu habitat natural, de sua

dinâmica, dos meandros, das plantas que margeiam e retem sedi-

mentos, rios quase mortos.

siTUAÇÕEs E MOTiVAÇÕEs PARA REsTAURAÇÃO DE UM RiO URBANO

as práticas de restauração para com os rios urbanos são

apresentadas a partir de determinados motivos e situações específi-

cas, tais como controle de enchentes não debeladas pelas interven-

ções de retificação e canalização, recuperação de várzeas, enquanto

áreas de descarga das cheias pluviométricas; qualidade das águas;

restauração do ecossistema; recomposição paisagística e

recreacional.

Como comentado na introdução, os conceitos de ann l. riley

sobre restauro de cursos d’água em cidades serviram como referên-

cia para esse estudo, no que se refere, ao procedimento adequado

para resgate de uma paisagem fluvial em meio urbano.

Compreendendo o posicionamento extremo de riley sobre o que é

restauro de um rio, conforme o estudo e publicação: restoring

streams in Cities (1998), esse conceito peremptório refere-se ao

restabelecimento integral das características físicas originais do

curso d’água sujeito ao restauro. a utilização do seu guia (21), tornou

nítida a impossibilidade de desassociar o rio de sua bacia hidrográfi-

ca, seja como objeto de planejamento, bem como para estudo e

pesquisa.

riley (1998) aponta três situações que podem tornar um rio

“saudável” do ponto de vista ambiental: regulação do uso do solo

para prevenir erosão, conciliando o rio com a estrutura existente; uso

Page 112: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

110

de tecnologias apropriadas para proteger o rio; remover os revesti-

mentos que comprometem o fluxo das águas e despoluição. Para tal,

a autora reitera que é importante a interação com profissionais de

diversas áreas, com diferentes perspectivas e práticas: planejadores,

engenheiros hidraulicos, biólogos, geólogos, entre outros.

Contudo, riley afirma que o conceito de restauração de

cursos d’água, diferente do que muitos pensam, não está relaciona-

do com a despoluição das águas. apesar da qualidade da água ser

de extrema importância na vitalidade do rio, ela relaciona a restaura-

ção de rios com “trazer de volta” os atributos físicos para um estado

original do curso d`água, ou mais próximo disso. ela sustenta que, se

os atributos forem restaurados, ou seja, desenterrar os que se en-

contram encapsulados no subsolo, remover as retificações, calhas de

concreto, devolver seus meandros, restituir sua vegetação de borda,

é provável que a qualidade das águas melhorem.

o Manual de Técnicas de restauração de rios (2012), publi-

cado pelo Centro de recuperação de rios, da inglaterra, aponta os

seguintes benefícios ambientais e sociais para o espaço urbano,

entre eles: espaços verdes, parques, promover a capacidade de

escoamento das cheias nas várzeas para reduzir os riscos de en-

chentes, recomposição da biodiversidade; locais de transporte

alternativo nas margens: ciclovia e passeios para pedestres; melhoria

da qualidade da água; revigorar a área para atrair investimentos etc.

Para riley (1998), é necessário conhecer a dinâmica do rio a

ser restaurado e só então aplicar as informações da melhor forma.

ela acrescenta ainda que o princípio básico usado inicialmente é :

Page 113: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

111

Determinar a margem ideal do canal com relação à lar-gura e profundidade;

Determinar o declive da várzea e o grau de declividade do canal do rio;

Determinar se o rio está no início, médio ou fim do ciclo de maior ajustamento da urbanização;

Selecionar os trechos de aferição (realizado no trabalho de campo);

Recolher os dados do rio nas áreas urbanizadas e que aparentam ser possível restabelecer condições de equi-

líbrio (RILEY,1998,p.154).

Com base nas indicações da autora, a prática da restauração

requer considerações que indiquem o processo “histórico” das

intervenções no rio, a formação natural, a ocupação humana e,

fundamentalmente, antes de propor um projeto de restauração de

um rio, é fundamental “familiarizar-se” com os problemas físicos da

bacia hidrográfica. sobre esse levantamento “histórico” da bacia e

do rio, ela aconselha:

Mapas topográficos e fotografias aéreas são ferra-

mentas essenciais para projetos de restauração de cur-

sos d’água urbanos. Mapas históricos de topografias as-

sim como fotografias históricas, desenhos de mapas

antigos, podem fornecer informações importantes de

como a bacia hidrográfica e os cursos d’água eram antes

dos impactos da urbanização. Estes mapas históricos

podem mostrar, por exemplo, que o que agora é um leito

era na verdade uma baixada com um brejo alagado, pos-

suindo ao mesmo tempo um fluxo. […] Apesar desses

mapas representarem momentos passados cujos fluxos

geralmente não podem ser reproduzidos em áreas urba-

nas do presente, eles podem nos fornecer um caminho

para os objetivos da restauração (RILEY,1998,p.119).

Page 114: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

112

A BACiA HiDROgRAFiCA URBANA NA PERsPECTiVA DA REsTAURAÇÃO DE UM RiO

[...] não podemos diagnosticar o curso d’ água para pres-

crever um antídoto, sem compreender quais partes da bacia

hidrográfica estão contribuindo para o problema

(RILEY,1998,p.117).

riley (1998) destaca que a bacia hidrográfica deve ser definida

como uma unidade de planejamento que inclui rio acima e abaixo, várzea,

terrenos altos e baixos, platôs, vales, pântanos, rios, afluentes, meio am-

biente ripário, entre outros. a relação entre as características ecológicas e

geomorfológicas que permitirá uma avaliação para o desenvolvimento de

um plano de gestão desses recursos naturais.

a instabilidade do traçado urbano em expansão e a heterogenei-

dade das características dos rios urbanos necessitam de rearranjos cons-

tantes para estabelecer os processos urbanos e naturais. nessa direção,

uma base ecológica para a estrutura urbana deve reafirmar a importância

da bacia hidrográfica mediante o conhecimento da função do ciclo hidro-

lógico para a alcançar resposta para os problemas de restauração dos

cursos d’água, além revelar a paisagem cultural da cidade.

as bacias apresentam diferentes problemas e soluções, tais como

poluição, redução de riscos de inundação, erosão, restauração ecológica,

recuperação e proteção da flora e da fauna. Conjuntamente, um plano

abrangente para a bacia hidrográfica deve responder às necessidades

econômicas e socias da comunidade associadas a uma abordagem ecoló-

gica, principalmente quando se trata de bacias em áreas urbanas.

segundo riley (1998), os projetos de restauração de rios estão

diretamente associados com a gestão das bacias hidrográficas (proteção,

controle de erosão, plantio de árvores, controle hídrico, monitoramento de

todos cursos d’água entre outros). isto é, deve haver um conhecimento

prévio da história da bacia, como proceder na preservação do seus recur-

sos naturais, o entendimento da ocupação urbana, assim como a compre-

ensão da rede de drenagem e do sistema de esgotamento sanitário.

Conhecendo, interagindo e propondo ações para mitigar os danos, é

possível integrar o rio na paisagem urbana.

Page 115: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

113

os impactos sobre os ciclos hidrológicos acarretam a elevação dos

investimento a cada ano, ocasionado principalmente pelo incremento do

consumo, e consequentemente, o aumento da distância dos mananciais de

água “limpa” capaz de suprir o acréscimo na demanda.

outra questão é sobre o comprometimento da qualidade das águas.

se a bacia hidrográfica está quase completamente urbanizada, como é o

caso da bacia hidrográfica do Camarajipe, o principal rio e seus afluentes

estão sujeitos a diversas fontes de contaminação. vale ressaltar que na

bacia em questão encontram-se 27% dos domícilios da cidade de salvador

(sanTos et al, 2010) (figura 39).

Com base nesses aspectos, McHarg foi pioneiro na aplicação do

conceito de planejamento ambiental com vistas à bacia hidrográfica.

Utilizando o método de planejamento ecológico na bacia hidrográfica do rio

Potomac, em Maryland, estados Unidos, ele formulou um amplo exemplo

com princípios e objetivos. seguindo as etapas básicas, ele inventariou:

geologia; fisiografia; hidrologia; solo; flora e fauna; recursos culturais, mine-

rais, hídricos e uso do solo. o escopo do seu método permitiu analisar quais

recursos poderiam ajudar a determinar ou eliminar diferentes usos do solo,

a incompatibilidade de diferentes terrenos e usos de recursos e suas

consequências.

somente a partir da década de 1960 é que os urbanistas vão intensi-

ficar soluções abordando a bacia hidrográfica como unidade de planeja-

mento, considerando a relação dos processos naturais com a dinâmica

urbana. sobre as enchentes que ocorrem nas cidades brasileiras, o que se

observa é:

As enchentes ampliadas pela urbanização, em geral, ocorrem

em bacias de pequeno porte, de alguns quilômetros quadrados.

Nas grandes bacias, existe o efeito da combinação da drenagem

dos vários canais de macrodrenagem, que são influenciados pela

distribuição temporal e espacial das precipitações máximas. A ten-

dência da urbanização é de ocorrer no sentido de jusante para

montante, na macrodrenagem urbana, devido às características de

relevo. Quando um loteamento é projetado, os municípios exigem

apenas que o projeto de esgotos pluviais seja eficiente no sentido

de drenar a água do loteamento. Quando o poder público não con-

trola essa urbanização ou não amplia a capacidade da macrodre-

nagem, a ocorrência das enchentes aumenta, com perdas sociais e

econômicas. Normalmente, o impacto do aumento da vazão máxi-

ma sobre o restante da bacia não é avaliado pelo projetista ou

Page 116: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

114

exigido pelo município. A combinação do impacto dos diferen-

tes loteamentos produz aumento da ocorrência de enchentes

a jusante. Esse processo ocorre através da sobrecarga da dre-

nagem secundária (condutos) sobre a macrodrenagem (ria-

chos e canais) que atravessa as cidades. As áreas mais afeta-

das, devido à construção das novas habitações a montante,

são as mais antigas, localizadas a jusante. As consequências

dessa falta de planejamento e regulamentação são sentidas

em, praticamente, todas as cidades de médio e grande porte

do país. Depois que o espaço está todo ocupado, as soluções

disponíveis são extremamente caras, tais como canalizações,

diques com bombeamentos, reversões e barragens, entre ou-

tras. (TUCCI,1995,p.16-36)

existe uma tendência evidente do desenvolvimento urbano de

contaminar a rede de escoamento superficial com despejos de esgo-

tos cloacais e pluviais, de forma a inviabilizar o manancial, exigindo

novos projetos de captação em áreas mais distantes, não contamina-

das, ou o uso de tratamento de água e esgoto mais intensivo, o que

envolve custos maiores (TUCCi, 1993).

no entanto, o processo crescente de urbanização nas cidades

levou a uma série de estratégias inovadoras para controlar os riscos e

danos causados pelas inundações.

Fig. 39 AlTO ÍNDiCE DE URBANiZAÇÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA E NAs MARgENs DO RiO CAMARAjiPE(FONTE: EsTA FOTOgRAFiA FOi PRODUZiDA PElO PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014)

Page 117: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

115

a proposta de criar parques nas margens dos rios tem servido a

múltiplos propósitos e estratégias endereçadas à restauração ambiental,

à recuperação dos valores sociais dos rios e ao fornecimento da infraes-

trutura urbana considerando os recursos sociais e ambientais

(CosTa,2010).

a ideia é manter sempre as várzeas livres para possíveis inunda-

ções sazonais, onde o solo poderia absorver a água sem causar maiores

danos. Considerando que o rio e as várzeas são uma unidade, as áreas

baixas a serem alagadas permitirão ao rio mover-se, adaptando-se aos

meandros e depositando os sedimentos (sPirn,1984).

em uma abordagem convergente entre projetos de restauração

de rios, o conhecimento e gestão da bacia hidrográfica impulsiona uma

aproximação estratégica para o desenvolvimento de uma proposta de

planejamento com o propósito de reestruturar os processos e valores

ambientais na paisagem urbana.

o conceito de bacia hidrográfica como unidade de planejamento

teve mais reverberação entre os envolvidos nas questões urbanas no

Brasil a partir de década de 1990 (Cunha e Coelho,2003 apud

Costa,2010) a lei federal 9433/97 que dispõe sobre o gerenciamento de

recursos Hidrícos elege, entre outros itens, a bacia hidrográfica como

unidade de gestão e institui os comitês de bacias hidrográficas.

as dificuldades de reconciliação da cidades com seus rios encon-

tra obstáculos na múltipla gama de interesses presentes na complexida-

de do sistema de bacias hidrográficas urbanas. esses interesses não

envolvem apenas as questões relativas à restauração das características

físicas rios, mas também dos sistemas de drenagem, conservação das

nascentes, períodicidade e volume das enchentes, nível de poluição das

águas, uso do solo nas proximidades dos cursos d’água, recuperação da

Page 118: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

116

vegetação e, essencialmente, reaproximação dos processos naturais aos

habitantes com a finalidade de melhorar a qualidade de vida nas

cidades.

Muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje são de tal complexidade que exige a máxima dedicação e esfor-ço para reunir os dados necessários, analisarmos para então fornecer soluções. Felizmente, existem outros problemas nos quais um mínimo de percepção pode produzir resulta-dos surpreendentes. Se aceitarmos a máxima de que a natu-reza é o cenário das nossas vidas sendo indispensável o mí-nimo conhecimento dos seus processos para sobreviver, ou até mais, para existir, gozar de boa saúde e desfrutar disso, ficaríamos surpreso ao descobrir que muitos problemas apa-rentemente complicados têm soluções simples (McHARG, 2000, p.07).

a carência de um ambiente fluvial adequado nas metrópoles

brasileiras nesse início do século XXi é um fato observável. entretanto,

também é perceptível, nesse aspecto de escassez, uma situação de

limite, no que concerne a fragilidade da condição urbana, tanto nos

aspectos climáticos, como os relacionados a saúde física e mental de

parcela considerável dos habitantes. nesse panorama a adequação da

estrutura urbana, no sentido de equalizar, a relação entre processos

naturais e urbanos se faz necessária. a valorização dos aspectos hídri-

cos nos grandes centros, além de acrescer mais amenidades ambientais,

também é capaz de favorecer o fortalecimento de características resi-

lientes em meio urbano.

Page 119: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

117

CaPíTUlo 02

MÉTODO ECOLÓGICO

Tamponamento do rio Campinas na Av. Mario Leal Ferreira, Bonocô (Fonte: acervo FGM/PMS, data 09/09/1988, fotógrafo: Lázaro Torres)

Page 120: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

118

Em Design With Nature, McHarg escreveu um dos

manifestos mais sutis sobre como a cultura e natureza

poderiam coexistir (Rem Koolhaas, 2014, p. 62).

o presente capítulo busca delinear as bases do método

aplicado ao planejamento ecológico desenvolvido pelo arquiteto

escocês ian McHarg, professor do departamento de arquitetura da

Paisagem, na Universidade da Pensilvânia, estados unidos. na déca-

da de 1960, os conceitos adotados pelo autor de design With

nature, publicado em 1969, foram temas das aulas e, portanto,

formataram as bases teóricas do seu método, bem como os projetos

desenvolvidos pelo seu escritório de arquitetura Wallace, McHarg,

roberts e Todd (WMrT) 21 que era onde ele aplicava suas ideias no

âmbito do planejamento ecológico regional.

inicialmente, apresentam-se os conceitos que resultaram na

articulação entre ecologia e urbanismo, possibilitando a noção de

um planejamento ecológico de determinado território. e na sequên-

cia, uma justificativa para a escolha do método a ser aplicado em

uma bacia hidrográfica urbana, buscando o entendimento dos con-

ceitos e categorias de análise do lugar: processos e valores sociais e

ambientais considerados pelo autor. além disso, foram confrontados

outros autores que utilizaram o método proposto por McHarg em

projetos, bem como o legado, as críticas e limitações.

a partir das considerações, com ressalvas e esclarecimentos,

foram destacadas as possibilidades de se usar o método em uma

bacia hidrográfica urbana. Também foram eleitas algumas ações

[21] escritório formado no ano de 1963 por quatro membros do corpo docente da Universidade da Pensilvânia, foram incentivados a usar parte do tempo com consultoria afim de ensinar os estudantes a partir de experiências praticas. (roberts, W et al, The founding four and our multidisciplinary roots. em: http://www.wrtdesign.com/offsite/117, acessado em 07/08/2014)

Page 121: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

119

apropriadas para a sua aplicação e que perpassam a metodologia

desta dissertação. dito de outro modo, pretendeu-se considerar o

que na introdução é explicitado como requisitos metodológicos, a

fim de analisar, adequar e validar o método ecológico aplicado ao

objeto dessa pesquisa.

CONTEXTO HisTóRiCO E CONCEiTO TEóRiCO

as ideias que nortearam o delineamento do método ecológi-

co abordado neste capítulo resultaram de estudos que evidenciavam

a convergência dos pontos de vista de especialistas de todas as

ciências e humanidades para a integração do homem com a nature-

za. Um conjunto de publicações da década de sessenta apresentava

conceitos e definições sobre os desequilíbrios e transtornos causa-

dos pelo ser humano na paisagem, e muitos desses trabalhos investi-

gativos buscavam a aplicabilidade para a resolução de problemas

ambientais. a confluência dessas visões sobre o ambiente natural

mostrava as múltiplas compreensões e interpretações sobre a bioge-

ografia, com ênfase no estudo da sociedade humana.

Cabe sublinhar que as emergentes das críticas ambientalistas

eram direcionadas ao modelo capitalista de desenvolvimento, o qual

se assentava no paradigma do crescimento econômico ilimitado e no

progresso tecnológico.

o título desse capitulo considera o termo método ecológico

como sendo a metodologia de análise aplicada ao planejamento,

definida e conceitualizada pelo arquiteto ian McHarg no seu livro

Design With Nature, publicado em 1969. nesse livro, o autor buscava

evidenciar a conflituosa relação entre o homem e a natureza, e como

a paisagem natural poderia indicar as diretrizes para o planejamento

no qual os valores sociais e ambientais estivessem integrados.

Page 122: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

120

o reconhecimento de que os recursos naturais e o espaço

vital do ambiente são questões interrelacionadas representou uma

“postura revolucionária” histórica na primeira metade do século XX,

no qual o dilema população e poluição não poderia ser solucionado

somente pela tecnologia. acrescente-se o impacto causado pela

industrialização no século XiX, pela crise econômica de 2922, pelo

uso da tecnologia para fins bélicos e as modificações geopolíticas

que ocorreram depois da segunda Guerra Mundial.

a emergência dessas preocupações, além do uso indiscrimi-

nado dos recursos naturais, a aplicação das tecnologias com pouco

conhecimento dos prejuízos futuros e a ameaça de destruição do

ambiente natural provocada pelo ser humano, resultaram em estu-

dos e publicações. dentre elas: Silent Spring(1962), de rachel

Carson que denunciou o uso do ddT como responsável pela extin-

ção dos pássaros em Cape Cod/Usa, a publicação do a Sand

County Almanac, de aldo leopold(1949), considerado pioneiro das

ideias conservacionistas, entre outras, e, vale ressaltar ainda, o

Appalachian Trail: a Project in Regional Planning, de Benton Mackey,

em 1925 (lUCCarelli,1997).

nesse sentido, a abordagem ecológica passou a ser um

modelo para entender o impacto do homem na paisagem e uma

proposição de possíveis diretrizes para os efeitos problemáticos da

industrialização, do esvaziamento do mundo rural e da expansão das

cidades. vale salientar que a denominação método ecológico já

estava sendo adotada por eugene odum, na sua publicação

Fundamentos da Ecologia (1953), para abordar as disciplinas que

buscavam entender a ecologia humana aplicada.

[22] Quebra da bolsa de nova york em 1929, primeira grande crise do sistema capitalista. início do período chamado pelos americanos de a “grande depressão”.

Page 123: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

121

Tais publicações e estudos refletiam e representavam o

ideário dos novos movimentos sociais no final das décadas de 60 e

70, que culminaram com o surgimento de uma consciência ecológica

e ambiental, cujo foco era a proteção e conservação dos espaços e

recursos naturais. esses movimentos não deixam de ser relacionados

e por trás deles existiam certas ideias em comum, como o cresci-

mento das metrópoles, a migração do campo, o estudo social das

regiões, as mudanças sociais e políticas ocasionadas pela economia

de mercado, a degradação do meio ambiente, a necessidade de

restabelecer o equilíbrio entre a natureza e o ser humano.

a heterogeneidade desses questionamentos e possíveis

interpretações apontam particularmente para o esgotamento de um

modelo social vigente que trazia questões múltiplas, mas também

buscavam respostas pragmáticas para as condições da modernida-

de. a contribuição efetiva da escola de sociologia urbana de Chicago

e as teorias de lewis Mumford, ambas influenciadas pelas ideias de

Patrick Geddes, vão se constituir no arcabouço do movimento para

repensar a complexidade tanto do ambiente urbano quanto rural.

segundo Turner(1996), l. Mumford era influenciado e seguia

os conceitos tratados por Patrick Geddes e identificava no livro de

McHarg, desdobramentos das ideias de Geddes expostas na publica-

ção Cities in Evolution(1915). Mumford como autor do prefácio do

livro de McHarg elogia os “fundamentos empíricos do método ecoló-

gico” presente em Design With Nature(1969).

assim, nos estudos do sociólogo e jornalista lewis Mumford

estão as bases dos conceitos de regionalismo ecológico que tam-

bém vão influenciar McHarg sobre o entendimento da paisagem

enquanto sistema ecológico, no qual geologia, topografia, aquíferos,

uso do solo, vegetação, vida selvagem e clima são decisivos para o

planejamento. Mumford introduz uma nova maneira de olhar o

Page 124: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

122

ambiente, integrando conceitos de conservação ambiental, sociolo-

gia, paisagismo, urbanização e economia. Para o autor, o regionalis-

mo é um princípio que une três ideias: a adaptação das novas tecno-

logias para a proposta de restaurar o ambiente natural; o

organicismo, que seria restaurar a influência da natureza na cultura,

através da literatura, arquitetura e ambiente construído; e a comuni-

dade - isto é, a recuperação em escala humana disposta em uma

ordem social (lUCCarelli,1977).

influenciado pela visão do planejamento regional de Patrick

Geddes, Mumford define o conceito de regionalismo ecológico como

a estrutura social e política atrelada aos fatores ambientais e cultu-

rais de uma determinada região, como forma de preservar os valores

sociais com a aplicação de novas tecnologias-neotécnicas para

recuperar o ambiente natural. essas foram as diretrizes específicas

que nortearam o projeto de McHarg para a Bacia Hidrográfica do rio

Potomac, em Maryland, nos estados Unidos (lUCarelli,1977).

no âmbito científico, os conceitos tratados pelo biólogo e

geógrafo escocês Patrick Geddes, no seu livro Cidades em evolução

(Cities in Evolution), publicado em 1915, foram fundamentais para

ampliar e conceber a unidade da cidade e da região como princípio

básico para o planejamento. Precursor do planejamento regional, ele

propunha uma maior integração das pessoas, comércio e uso da

terra com base no equilíbrio ecológico. Para ele, a expansão desor-

denada das áreas urbanas – conurbação (termo criado por Geddes)

poderia desequilibrar a vida nas áreas rurais. apesar da diversidade

das ideias em seu aspecto inovador para a época, a noção de regio-

nalismo de Geddes vai influenciar as ideias de lewis Mumford e,

consequentemente, de ian McHarg.

Page 125: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

123

Geddes propõe um “levantamento das Cidades”, isto é, a

identificação de diversos aspectos: geográfico, econômico, antropo-

lógico, histórico, demográfico e eugênico - “a cidade como um todo”.

seus conceitos foram apresentados na Mostra de Planejamento

Urbano de 1911 -que incluía a Mostra de edimburgo de 1910- Cities and

Town-Planning exhibition (Geddes, 1994, Hall, 2011).

serão essas abordagens “ecológicas” que irão caracterizar o

inventário ecológico proposto por McHarg para o planejamento regio-

nal. o que se buscava, como propõe Mumford (1961) no que concerne

ao regionalismo ecológico, era uma visão orgânica que pudesse avivar

a cultura contra “as soluções tecnológicas que abafam a complexidade

tanto do espaço urbano quanto rural” (MUMFord, 1961).

em 1923, Mumford com um grupo de arquitetos americanos,

entre os quais se destacam stein e Benton MacKaye, criaram a rPaa

(Regional Planning Association of America) com a finalidade de

propor um plano nacional com vistas ao desenvolvimento de regiões

delimitadas com base em entidades geográficas naturais. essas

regiões apresentavam problemas com a fixação da população e as

propostas apresentadas consideravam estratégias para o desenvol-

vimento de estratégias econômicas que minimizassem o êxodo rural.

além disso, Mumford declarava que só o planejamento regional

poderia evitar o crescimento desordenado das metrópoles que as

transformava em “cidades dinossauros” (Hall, 2011).

em 1938, Mumford publica The Culture of Cities, no qual

expõe suas ideias sobre o adensamento das cidades e o esvaziamen-

to das zonas rurais como tópicos a serem repensados no contexto

do planejamento regional. a publicação editada no período entre as

duas grandes guerras mundiais apresenta a preocupação com as

“forças destruidoras da civilização” e a crescente possibilidade de

ganharem espaço e força onde certamente a cultura urbana seria

Page 126: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

124

atingida. sua proposição aponta para o planejamento regional no

sentido de integrar o campo e a cidade, adensada pela recente

industrialização e pelo esvaziamento das zonas rurais, a partir de um

cenário contínuo, respeitando a infinita variedade da natureza e dos

valores humanos, preservando ao máximo possível de recursos

naturais colocados à disposição com escalas de distinções e utilida-

de com vistas ao equilíbrio humano em tais regiões

(MUMFord,1961).

Foram, portanto, diversas críticas feitas ao modelo de de-

senvolvimento da sociedade ocidental vigente, como também emer-

giram estudos e proposições para um futuro viável integrando cres-

cimento econômico e proteção do ambiente. secchi (2009)

argumenta que, na década de 1950 e 1960, emerge uma postura

mais reflexiva em relação ao futuro, e que a ideia de uma separação

entre natureza e arquitetura e urbanismo, vigente no movimento

moderno, preocupado apenas com problemas de habitação e equi-

pamentos públicos, não procede, pois o século XX buscou uma

reaproximação entre a natureza e a cidade ainda que de forma

diversa e até construindo “uma rede ecológica capaz de dar forma e

estrutura a uma cidade que se dilatava cada vez mais” (seCCHi,

2009, p.194-195).

a partir das décadas de 1960 e 1970, são realizados diversos

encontros mundiais com o propósito de discutir a problemática

ecológica-ambiental. dentre elas, Mumford, no prefácio do livro de

McHarg cita a Conference The Conservation Foundation - Future

environments of north america, em 1965, da qual participou ian

McHarg, entre ecólogos, planejadores regionais, economistas, juris-

tas e conservacionistas. Todos esses encontros, posteriormente

culminaram com a i Conferência sobre o Meio ambiente Humano,

Page 127: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

125

em estocolmo, em 1972, influenciando no Brasil a constituição de

uma Política nacional de Meio ambiente, em 1981.

Cabe salientar que no campo dos estudos em paisagismo e

ecológicos no Brasil, o livro Design With Nature, de ian McHarg

representa as bases para uma postura projetual a partir da conside-

ração dos processos naturais (FaraH et al, 2010).

Com base nesses apontamentos iniciais, o presente capítulo

concentra-se na decisão de aplicar o método (ou metodologia ado-

tada para o planejamento ecológico por McHarg) numa bacia hidro-

gráfica urbana com possibilidade de indicar direcionamentos para

um planejamento ecológico. nesse sentido, cabe destacar as motiva-

ções que levaram à escolha do método e suas características essen-

ciais, evidenciando a relação entre a cidade e o rio, a partir da apli-

cação na bacia hidrográfica.

A EsCOlHA DO MéTODO

a escolha do método ecológico desenvolvido por McHarg

nesta pesquisa reside não apenas quanto ao aspecto técnico, mas

principalmente pelos conceitos ecológicos e a abordagem no tocan-

te à adoção dos valores ambientais de uma bacia hidrográfica.

a base conceitual que suscitou a escolha do método foi, sem

dúvida, a possibilidade de visualizar um cenário no campo do plane-

jamento capaz de minimizar o conflito existente entre os processos

fluviais e a urbanização que, por meio das estruturas da cidade,

interferem na dinamica hídrica e na estrutura ambiental do rio

Camarajipe. Mas, fundamentalmente, a possibilidade da consolida-

ção do aspecto ecológico com vistas a uma melhoria da condição

ambiental na bacia hidrográfica e consequentemente no seu

Page 128: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

126

principal rio, enlaçando a elevação qualitativa de uma paisagem

urbana e a vida dos habitantes.

ainda que os aspectos técnicos sejam relevantes para a

compreensão do método e para aplicação no presente estudo (ela-

boração e sobreposição dos mapas/camadas temáticas) é necessá-

rio o entendimento dos elementos que representam valores sociais

que vão influenciar diretamente no direcionamento do planejamento

ecológico para a bacia do Camarajipe.

em relação ao contexto do planejamento da paisagem, uma

abordagem diferente das convencionais utilizadas em diversos

planos é fundamental para a análise e eleboração dos planos regio-

nais de intervenção e direcionamento com ênfase nas questões

ecológicas. acerca desses aspectos, as teorias desenvolvidas por

McHarg apresentavam as seguintes inovações: uma nova relação

entre a natureza, a ciência e o planejamento da paisagem, um méto-

do cartográfico, uma abordagem diversa e distante do zoneamento

convencional e diretrizes específicas para operacionalizar o processo

de planejamento. no seu tempo, essas ideias inovadoras atraíram

cientistas de diferentes áreas do conhecimento com o objetivo de

pensar a interação do ser humano com a natureza, com foco especí-

fico no planejamento ecológico da paisagem a partir da valoração

dos processos ambientais e socioculturais (sPirn,2000;

HerrinGTon,2010).

a importância dos conceitos tratados na obra Design

With Nature, como ressalta lewis Munford na introdução da primeira

edição, se apresenta não só como uma chamada para ação, mas

oferece um redirecionamento para cooperação entre o homem e os

elementos biológicos. ao incorporar a natureza em sua totalidade,

indica para formação do planejamento e renovação de um mundo

“dominado pelas máquinas, desumanizado, ameaçado por

Page 129: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

127

explosões.[...] que está desintegrando e desaparecendo diante de

nossos olhos” (MCHarG, 1969).

reiterando o aspecto referencial do método desenvolvido

pelo arquiteto ian McHarg, Pellegrino et al (2006, p. 62) declaram

que:

[...]infelizmente, ainda muitas vezes desconsiderado

[o método ecológico] pelos planejadores, urbanistas e

arquitetos que acabam por utilizar apenas critérios só-

cioeconomicos, desconsiderando a base natural e as re-

lações ecológicas que as novas estruturas projetadas

passam a definir com ela.

nesse sentido, o método proposto objetiva a interação entre

a natureza e a ocupação territorial, considerando a complexidade

dos fatores naturais, tais como o clima, água, a vegetação, os ani-

mais e etc, os quais vão se constituir em valores determinantes para

as ações humanas integradas à natureza.

Como se pode compreender a partir da citação acima de

Pellegrino e das considerações de McHarg (1969), se um determina-

do lugar ou território é a soma de processos naturais e se os proces-

sos são constituídos por valores sociais, pode-se concluir que o uso

que se pretende dar ao lugar, tem a finalidade de assegurar a integri-

dade dos valores sociais positivos.

os princípios tomados da ciência ecológica e aplicados em

processos e projetos da arquitetura da paisagem, como as ideias de

processos e valores, fisiográficos, sociais e ambientais, presentes no

método de McHarg, são considerados radicais por alguns planejado-

res. entretanto, a utilização desses princípios são práticas contempo-

râneas, ainda que essas concepções, por outro lado, também encon-

trem resistência daqueles que vêem a arquitetura da paisagem como

poética e expressão estática (sPirn, 1998).

Page 130: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

128

através do enfoque ecológico, que permitia a combinação e

sobreposição de camadas para identificar os lugares mais adequa-

dos a um objetivo especifico para o planejamento, criando transpa-

rências, nas quais as zonas mais escuras seriam mais propícias e as

mais claras mais restritivas. assim, é possível afirmar que o método

depende da indentificação correta e precisa dos processos e fatores

para responder adequadamente e fornecer alternativas para o plane-

jamento ambientais. Herrington(2010) auxilia a compreensão acerca

dos nuances técnicos do método quando explica:

O método de sobreposição de mapas era a chave do

método ecológico de McHarg. Este processo espacial-

mente referenciado inventariava os dados que sistemati-

zados tinham uma importância proporcional para a aná-

lise. Originalmente, o sistema de sobreposição de mapas

envolvia camadas de películas transparentes sobre o

mapa base. Outros tipos de materiais transparentes, e

eventualmente o computador, recolocou as películas em

camadas. Cada uma delas era dedicada a um fator in-

ventariado, tais como a topografia ou lugares históricos,

nos quais eram avaliados os valores segundo altos ou

baixos. Os tons com gradação mais escuras representa-

vam as área com alto valor e os tons mais claros indica-

vam as áreas com mínimo valor significativo. Todos os

mapas das camadas eram então sobrepostos para criar

um mapa síntese o que nas palavras de McHarg poderia

ser visto como um “complexo raio X fotográfico com

tons escuros e claros” (HERRINGTON, 2010, p.5).

diversos trabalhos realizados por planejadores e pes-

quisadores que utilizaram o método, revisaram e adaptaram para

situações diversas. o avanço da tecnologia no campo da computa-

ção gráfica reduziu o tempo despendido no processo de aplicação

do método, minimizando ou até corrigindo possíveis incoerências.

Conforme comenta o autor:

Page 131: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

129

Existem certos problemas técnicos inerentes ao método.

O primeiro é a garantia da igualdade dos fatores. Os resulta-

dos se misturam se os fatores têm muita importância. Tam-

bém existem limites na resolução fotográfica de muitos fato-

res [...] O problema de transformar os tons cinzas em uma cor

do do mesmo valor é difícil, o mesmo acontece com a combi-

nação de tons. Pode ser que os computadores resolvam este

problema ainda que nesse momento não se atingiu o nível de

perfeição (McHARG,2000 p.115).

o uso e aplicação do método ecológico na Bacia Hidrográfica do

Camaragipe justifica-se pela possibilidade de decomposição do território

em camadas, compreendendo os processos naturais e sociais como um

processo interativo e dinâmico, de forma a interpretar como um sistema

de valores, combinando com o uso mais ou menos adequado do uso do

solo e com indicações e direcionamentos para a qualidade ambiental da

Bacia e possível restauração do rio. a utilização método como uma

ferramenta que conecta a bacia e o rio permite detectar tanto as tensões

entre a expansão urbana e fragilidades ambientais (figura 40).

Fig. 40 EXEMPlO DE siTUAÇÃO DE FRAgiliDADE, REsPOsTA DAs TENsÕEs PROVOCADAs PElA EXPANsÃO URBANA (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)

Page 132: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

130

A NECEssiDADE DE UMA ABORDAgEM ECOlógiCA PARA A ANÁlisE DA BACiA HiDROgÁFiCA URBANA

os fatores: físicos, biológicos e culturais fazem parte de um

mesmo sistema, segundo McHarg, as intervenções sem considerar as

questões ecológicas são fragmentadas e tendem a sofrer alterações

que vão se sobrepor às outras intervenções, uma vez que não se inven-

tariou os processos, os valores, os benefícios e os custos econômicos e

sociais.

[...] o processo natural, cujo caráter é unitário, deve ser

considerado como tal no processo de planejamento; isto

é, as mudanças realizadas em partes do sistema afetam

necessariamente o sistema inteiro, pois os processos na-

turais representam valores e esses valores deverão ser

considerados mediante um sistema único (MCHARG,

2000, p.65).

a intenção, portanto, de se escolher essa abordagem é obser-

var o rio Camarajipe e a bacia hidrográfica como um processo interati-

vo, interpretando seus aspectos a partir de um sistema de valores de

forma a indicar um uso mais adequado para sua restauração e reinser-

ção na paisagem. a adoção do método ecológico tem como ponto

central e objetivo inicial colocar em evidência o rio como elemento

estruturador da ocupação urbana, com respectivos destaques para os

processos naturais e valores onde a natureza estaria a serviço do

homem (McHarg, 2000).

Para alcançar os objetivos propostos, a abordagem gráfica

introduzida pelo método orienta no sentido de organizar as informa-

ções e apresentá-las segundo uma distribuição espacial, utilizando o

método que o autor denominava “adequação da análise” (suitability

analysis), que se estruturava em mapas sobrepostos (layer cake ou

overlay mapping) (figura 41) para representar a área de estudo. desse

modo, a representação em camadas (relevo, hidrologia, vegetação, uso

do solo entre outras) resulta no modelo ou síntese descritiva dos as-

pectos biofísicos, para identificação das áreas mais propícias ou restri-

tivas para uma determinada intenção (McHarg, 2000).

Page 133: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

131

o método ecológico pode ser caracterizado como o entendi-

mento dos processos e valores que configuram as paisagens e a

utilização desses como fundamento das análises e premissas concei-

tuais para o planejamento. nesse sentido, o planejamento ecológico

analisa os sistemas biofísicos e socioculturais do lugar para apresen-

tar onde e como devem se estabelecer os usos específicos.

Fig. 41 EXEMPlO DA sOBREPOsiÇÃO DE CAMADAs REsUlTANDO NO MAPA sÍNTEsE, As CAMADAs DEMONsTRADAs NEssE DiAgRAMA sÃO REFERENTEs à APliCAÇÃO DO MéTODO NO PREsENTE EsTUDO (ElABORADO PElO AUTOR)

camada 01

camada 02

camada 03

camada 04

camada 05

camada 06

camada 07

mapa síntese

Page 134: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

132

assim, a aplicação do método tem como foco fornecer

um conjunto de alternativas para um planejamento rural ou

urbano. Considera, desde sua utilização até sua conclusão, os

processos naturais como um sistema dinâmico e mutável, inter-

conectado aos processos físicos e vitais da terra - clima, água,

as plantas, a fauna como valores determinantes para a vida,

além de representar valores cênicos e sociais dos elementos da

paisagem (HoUGH, 2004).

no método a avaliação dos processos naturais não fica

restrito à representação de um guia para a gestão dos recursos

naturais; também tem influência nos direcionamento envolven-

do questões econômicas, culturais e principalmente sociais.

os processos naturais: relevo e geologia do subsolo;

águas superficiais e subterrâneas; planícies de inundação; solos

(impermeabilidade e permeabilidade); zonas arborizadas são

mapeados em escala de valores, com camadas justapostas que

resultam em um mapa síntese, revelando as áreas de maior e

menor valor social .

após um inventário do ecossistema e seus processos

naturais - geologia, hidrologia, edafologia, ecologia vegetal e

fauna, uso do solo, serviços, acessibilidade -, se estabelece um

elenco de valores de cada recurso intrínseco (figura 42). vale

ressaltar que as zonas ou lugares, edifícios ou espaços aprecia-

dos pela comunidade podem ser incorporados ao sistema de

valores (McHarg, 2000).

ainda segundo o autor, o método ecológico para plane-

jar a paisagem necessita de uma normativa para que a própria

sociedade aprenda a proteger os valores da natureza e, conse-

quentemente, a si própria. desse modo, os espaços, lugares ou

Page 135: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

133133

territórios caracterizados pelos valores e/ou restrições indicam os

melhores lugares que a cidade precisa para promover o encontro

do ser humano com a natureza.

o reconhecimento da atual situação de fragilidade dos

ecossistemas em diversas cidades brasileiras mostra o quão atuais

são as ideias de McHarg e a pertinência da aplicação do método.

Contudo, é importante a atenção nas características do local no

qual ele será adaptado, e em especial com que finalidade ele será

aplicado. é relevante observar que o uso estendido do inventário

da paisagem acontece no processo de mapeamento, sendo que o

mapa em camadas é a chave para o entendimento do método

ecológico.

as etapas básicas para o desenvolvimento do plano ou

modelo ecológico são constituídas de um inventário das

Fig. 42 CONjUNTO DE CAMADAs REPREsENTANDO VAlOREs DAs CATEgORiAs DE FATOREs NATURAis E sOCiAis. (FONTE: MCHARg, 2000, P.111)

Page 136: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

134

características e recursos naturais. essa etapa permite distin-

guir as áreas sujeitas a riscos naturais, tais como: desmorona-

mento, erosão, inundação entre outros. o sistema foi posterior-

mente aprimorado e popularizado através do desenvolvimento

do programa de computador Gis - Geographic Information

Systems. entretanto, é válido afirmar novamente que, apesar

da relevância das questões práticas, isto é, a sistematização

das camadas, a grande virtude das ideias de McHarg é a consi-

deração dos processos naturais e fatores fisiográficos no

planejamento.

é significativo, para não dizer emblemático para esse

estudo, como o uso do método ecológico foi fundamental no

planejamento de uma bacia hidrográfica, a do rio Potomac, em

Maryland, Usa. seguindo as etapas básicas, McHarg inventa-

riou a geologia, fisiografia, hidrologia, solo, flora e fauna, re-

cursos culturais, minerais, hídricos e uso do solo. o escopo do

seu método permitiu analisar quais recursos poderiam ajudar a

determinar ou eliminar diferentes usos do solo, a incompatibili-

dade de diferentes terrenos e usos de recursos e suas conse-

quências. em relação às questões ligadas ao curso d’água,

riley(1998) comenta que, no caso do projeto para a bacia do

rio Potomac, a gestão das águas competia e até conflituava

com outros recursos que não eram o ponto focal do projeto.

os processos reorganizados como valores indicam as

zonas aptas para cada um dos fatores escolhidos como funda-

mentais ao projeto. os valores utilizados colocam em evidência

as zonas mais adequadas para proteção ao meio ambiente e

podem ser um exemplo de aplicação do método.

Page 137: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

135

lEgADO E CRÍTiCA

Há quase quarenta anos, Ian McHarg propôs uma teo-

ria ousada e um conjunto de métodos de planejamento

ecologicamente conexos em Design With Nature (1969).

Embora a dimensão prática proposta por ele tenha sido

incluída em projetos e práticas de planejamento subse-

quentes, as implicações teóricas ainda não foram com-

pletamente realizadas. Formas atualizadas do modelo

incluem o almálgama “urbanismo paisagístico”, com seu

foco em infraestrutura e ecologia urbana, uma disciplina

híbrida que se deve indiscutivelmente a McHarg, embora

dele se distinga pela maneira como evita os efeitos mais

ousados de sua proposta”. (Fredrick R. Steiner, “The

Ghost of Ian McHarg”, Log, 2009 apud Rem Koolhaas,

2014, p.62)

as ideias que representavam o arcabouço do método ecoló-

gico de McHarg se reproduziram até, pode-se dizer, de forma extra-

ordinária através de seus alunos da Penn University-Usa e de outros

arquitetos e urbanistas. é surpreendente que a relação de suas

teorias, que tentavam articular planejamento e ecologia, tenham sido

criticadas e, muitas vezes, rejeitadas, ainda que seu método tenha

sido o esboço teórico inicial para que o projeto da paisagem possa

se constituir a partir dos processos naturais.

no entanto, algumas críticas solicitavam um aprofundamento

e uma abertura para possíveis questões não resolvidas tanto por

suas ideias quanto em seus projetos, tais como: como reconciliar

valores ambientais e necessidades humanas; como materializar

processos e valores ecológicos; como conceber as ações locais no

contexto regional (Franklin,1997;olin,1995 apud sPirn, 2000).

a teoria de Mcharg começou a ser utilizada a partir do final

da década de 1960 e início dos anos setenta. desde então, podemos

observar duas principais vertentes: como conceito e como prática.

Page 138: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

136

a técnica de sobreposição de mapas, a qual McHarg reivindicava

como sua criação (sPirn,2010) motivou os estudos de steinitz et al

(1976), que culminaram no artigo Hand-Drawn Overlays: Their

History and Prospective Uses. neste, demonstram que essa técnica,

havia sido usada inicialmente em 1912 por W. Manning e F. olmsted,

como também por J.Tyrwhitt, em 1950, na publicação Town and

Country Planning Textbook - a primeira descrição do processo de

sobreposição de mapas no planejamento; seguido por P. lewis, que,

em 1962, usou mapas compostos com os diferentes elementos para

avaliar os recursos naturais no estado de Wisconsin-Usa.

steinitz et al (1976), no entanto, consideram que o processo

de combinar o conjunto de camadas e “fotografias”(as transparên-

cias em claro e escuro dos valores), desenvolvido por McHarg, repre-

senta o mais bem elaborado exemplo de análise de sobreposição de

mapas- suitabily maps - que servem a uma ampla gama de classifica-

ção, seja para áreas de conservação, urbanização ou recreação.

Quanto aos conceitos de planejamento ecológico, o autor

tem sido questionado por alguns críticos do método que alegam

uma concepção positivista para elaboração dos planos ou até “uma

tirania”, como assinala Corner( apud Herrington, 2010), pois o méto-

do implica um determinismo ecológico, ou seja, para o autor de

Recovering Landscape e do artigo The Agency Mapping, Terra

Fluxus, os processos naturais são dinâmicos.

seguidores de McHarg, como ex-alunos e colaboradores, ann

spirn e Michael Hough, foram expressivos representantes do legado

de McHarg, ainda que tenham introduzido novos modos de aplicar

os conceitos do método ecológico. escapando da esteira do mestre

em ecologia da paisagem e do seu determinismo ecológico, de visão

idílica da sociedade pré-industrial, esses seus discípulos trouxeram

Page 139: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

137

contribuições significativas para a interação entre ecologia e o

urbanismo.

Michael Hough, arquiteto, urbanista e paisagista canadense

foi um dos que utilizaram a teoria de McHarg em suas pesquisas e

em atividades profissionais, avançando em relação aos conceitos,

principalmente na relação entre cidade e natureza. ele destaca o

livro Design With Nature como um uma obra essencial de influência

determinante no planejamento ambiental moderno (HoUGH, 1998)

segundo Gorski(2010), Hough é um dos principais seguidores que

vêm fortalecendo a relação do método de análise do lugar com o

projeto.

no prefácio do livro de Michel Hough, Cities and Natural

Process(1995), Grady Clay declara que o autor vem seguindo os

passos de seu mestre, aprofundando assim suas ideias e contribuin-

do para “reinventar as formas vernaculares e práticas rurais” que

passam a definir um novo modo de ver e pensar a cidade. seguindo

a tradição de Geddes(1915), Hough observa que a interdependência

entre a paisagem e a forma construída como elementos dão identi-

dade ao tecido urbano.

nesse sentido, para Hough (1998), uma nova visão ecológica

deve abranger tanto a paisagem urbana como também as pessoas

que nela habitam. essa nova perspectiva deve incluir os espaços

sociais desestruturados, assentamentos irregulares. Quanto aos

cursos d´água, declara ainda que “temos que tirar a máscara atual

da paisagem alterada do rio - as mudanças estruturais que foram

impostas sobre sua forma original - para revelar seus processos e

padrões originais.” a dependência de um sistema de vida com outro,

o desenvolvimento interconectado dos processos físicos e vitais da

terra, o clima, a água, as plantas e os animais, a contínua transforma-

ção e reciclagem dos materiais vivos e não vivos, são os elementos

Page 140: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

138

da auto suficiência da biosfera que permitem a vida na terra e que

dão lugar à paisagem física (HoUGH, p. 5, 1998).

Tendo como foco de seu trabalho a cidade, Hough (1998,

p.31) declara que “ nossa primeira preocupação é como conseguir

que a cidade seja, tanto ambientalmente como socialmente, mais

saudável; como transformá-la em um lugar para viver.”

o autor canadense propõe alguns princípios baseados na

ecologia urbana como uma linguagem alternativa de projetos, entre

eles destacam-se: os conceitos de processo e mudança; a economia

dos meios através do mínimo esforço e energia; a diversidade am-

biental; as conexões que permitem e reconhecem a interdependên-

cia entre a vida humana e não humana; a visibilidade dos processos

que mantêm a vida; a educação ambiental do local para o global; e a

integração do ser humano com os processos naturais - e, essencial-

mente, uma:

linguagem que restabeleça o conceito de paisagens

multifuncionais, produtivas e operativas que integrem a

ecologia, as pessoas e a economia (HOUGH,1998, p.31).

vale salientar ainda os estudos e projetos de Hough para o

rio don, no Canadá, seguindo e acrescentando contribuições advin-

das das teorias de McHarg.

anne W. spirn aluna e posteriormente indicada por McHarg

para substituí-lo no departamento de planejamento e arquitetura da

paisagem na Universidade da Pennsylvania-Usa, no período de 1986

a 2000, deu continuidade às suas ideias acrescidas de uma visão da

cidade enquanto elemento da paisagem. na década de 70 trabalhou

no escritório de arquitetura Wallace,McHarg roberts and Todd

(WMrT) em diversos projetos para a região e parques urbanos, e

desde 2000 está no MiT-Massachusetts institute of Technology.

Page 141: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

139

spirn (2000) comenta que, por 18 anos, o conflito existente

entre as teorias desenvolvidas no departamento de arquitetura da

Penn University, o qual McHarg criou o departamento de arquitetura

da Paisagem e a atividade prática do escritório de arquitetura de

McHarg (WMrT), induziu inovações no método e o que parecia ser

um caminho inovador atualmente tornou-se uma prática usual. no

seu ensaio Ian McHarg, Landscape Architeture, and Enviromentalism:

ideas and Methods in Context, spirn (2000, p. 97) argumenta que o

conflito remanescente dos conceitos de McHarg são de alguma

forma inerente à atividade profissional, ou seja, “as tensões entre

preservação e gestão, natureza e cultura, tradição e invenção, teoria

e prática.”

ainda segundo spirn (2000), a posição de McHarg no depar-

tamento da Penn Univ. permitiu desenvolver suas ideias sobre o

ambientalismo e arquitetura da paisagem, além de convidar pales-

trantes sobre diversos temas, tais como: Jack Fogg, botânico;

Gordon Cullen, l.Mumford, aldo van eick, Margaret Mead, rené

dubos, entre outros. além das contribuições interdisciplinares,

McHarg foi convidado pela rede televisiva CBs, da Philadelphia para

a série (baseada no seu curso) “The House We Live In”, no período

de 60-61.

dois grandes projetos são emblemáticos para o método

ecológico de McHarg, o primeiro deles, proposto em 1962, era o

“Plan for the Valleys”, que abrangia uma área de 70 milhas quadra-

das do vale no norte de Baltimore, em Maryland. Com base na análi-

se dos recursos naturais da região, e organizando os aspectos fisio-

gráficos, segundo o termo mcharguiano “determinismo fisiográfico”,

recomendava um novo desenvolvimento no planalto aberto e encos-

tas arborizadas, onde os vales seriam preservados. segundo McHarg,

“ a área é bonita e vulnerável, o desenvolvimento é inevitável e deve

ser planejado” (McHarG,1969 apud sPirn,2010).

Page 142: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

140

o outro projeto de grandes dimensões no qual ele utilizou seu

método com aperfeiçoamento das camadas foi para o Potomac River

Basin Study, sendo o primeiro projeto no qual integram a região fisiográ-

fica e a bacia hidrográfica, sumarizando modelos de topografia, geologia,

solo, hidrologia, vegetação, uso do solo e uso potencial para futuras

instalações. Tal projeto possui algumas perspectivas (figura 43) que

auxiliam no entendimento da vocação das diferentes áreas e que se

assemelha muito à seção do vale de Geddes (1915) (figura 44), conforme

assinalado no início do capítulo.

esse projeto, desenvolvido no período de 1965-66, apresentava

“500 mapas e quilos de relatório” (mapa 12), segundo um exaustivo

inventário que, para o autor, representava o pré- requisito para uma

intervenção e adaptação para a área do projeto (sPirn,2010).

Fig. 43 PERsPECTiVA DA sEÇÃO DO gRANDE VAlE NO EsTUDO PARA A BACiA DO RiO POTOMAC (FONTE: MCHARg, 2000, P.148)

Fig. 44 sEÇÃO DE UMA REgiÃO DE VAlE NA EUROPA, PARA EXPOsiÇÃO CiTiEs AND TOwN-PlANNiNg 1911. (FONTE: gEDDEs, 1994, P.198-199

Page 143: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

141

spirn e Hough trouxeram para suas atividades profissionais

as ideias de McHarg, sem contudo pactuar com seu pessimismo com

relação às cidades, incorporando a dimensão social, pois para am-

bos na cidade residem os maiores desafios para o estabelecimento

do equilíbrio entre o construído e o natural. spirn apresenta suas

ideias no livro The Granite Garden: Urban Nature and Human Design

(1984) - para a autora, os edifícios e toda a cidade constituem a

paisagem. enfatizando os conceitos de saúde, segurança e bem-

-estar, a publicação causou polêmica por afastar a visão estética, ou

seja, o embate entre aqueles que viam paisagem enquanto arte e

aqueles cuja enfase estava na importância do método ecológico.

(entrevista spirn, 2001 para o architeture Boston review).

MAPA 12.  AVAliAÇÃO DOs FlUXOs E CONTAMiNAÇÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA DO RiO POTOMAC, UM DOs MUiTOs MAPAs DO EXAUsTiVO iNVENTÁRiO CiTADO POR sPiRN (FONTE: MCHARg, 2000, P.136)

Page 144: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

142

vale salientar o caráter referêncial para a presente disserta-

ção da proposta para o córrego Mill ( Restoring Mill Creek:

Landscape Literacy, Environmental Justice and City Planning and

Design, 2005), conduzida por a. W. spirn junto com seus alunos da

Penn Univ. e a vizinhança do West Philadelphia23. segundo a autora

uma área adensada e com constantes problemas de enchentes.

No entanto, algumas divergências ou até polêmicas

como relação ao método ecológico aplicado ao planeja-

mento mostraram-se positivas e outras não, entre elas o

argumento de que a arquitetura da paisagem pode ser

uma forma de arte,outros consideram que os mapas, exi-

bindo ou ocultando aspectos, servem para legitimar o po-

der; ou que os dados utilizados para elaboração de mapas

podem ter sido inexatos (WELLER, 2006, HARELEY, 1989,

MONMONIER, 1996 apud HERRINGTON, 2010).

Um dos aspectos críticos do método é apontado por Turner

(1996), que observa existir uma contradição no método mcharguia-

no quanto ao significado de “natureza”. Pois, se o ser humano é

parte dessa natureza, é uma contrasenso declarar que esse ser é

capaz de danificá-la em seu próprio interesse. então “suas teorias

estão em oposição à vida humana”, sendo difícil esperar que esse ser

seja capaz de construir um lugar para habitar equilibrado com essa

mesma natureza.

outro enfoque proposto por Turner (1996) é digno de consi-

deração. referente à técnica do inventário/análise/planejamento

(survey-analysis/design-sad) (figura 45) – esse método tem carac-

terísticas funcionalistas, utilizado no planejamento proposto no

método ecológico mcharguiano. o resultado desse processo é

denominado pelo próprio McHarg como “determinismo ecológico”.

isto é, se o método tem como base a natureza e seus processos, por

dedução, qualquer profissional que inventariar todos os fatores

[23] Mais detalhes sobre as proposições dos estudantes para restoring Mill Creek em: http://www.wplp.net/courses/waterdesign.php

Page 145: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

143

propositivos e restritivos deve alcançar

sempre as mesmas conclusões e resulta-

dos (MCHarG, 1971 apud TUrner, 1996).

Portanto, o aspecto dedutivo do método

é reconsiderado por alguns planejadores,

que afirmam que, se o planejamento da

paisagem é uma arte, então não é reco-

mendável usar uma metodologia determi-

nista (TUrner, 1996).

ao abandonar o método sad, por

conta da sua abordagem determinista,

alguns planejadores optam pelo método

metafórico, ainda que esse tenha um

aspecto subjetivo quanto ao seu uso.

nesse método, aspectos como, a dinâmi-

ca da paisagem e, principalmente, a

singularidade do lugar são

imprescindíveis.

Considerando a importância das

reflexões sobre o determinismo e a rigi-

dez que esse fato acarreta aos resultados alcançados e, portanto,

com base nessa constatação, é possível, através da seleção das

camadas a serem inventariadas, elaborar uma pré-triagem, levando

em consideração os aspectos particulares de cada região e a dinâ-

mica da paisagem.

segundo lyall (1998), o trabalho de McHarg sobre a paisa-

gem em larga escala e planejamento ambiental trouxe o conceito de

que o paisagismo é bem mais que uma coleção de plantas arranja-

das e topografia. o que ele realmente introduziu foi a noção de ética

ambiental. Como toda a ciência social que emergia naquele período

Fig. 45 EXEMPliFiCAÇÃO DO MéTODO DE PlANEjAMENTO (s.A.D) sURVEY-ANAlYsis-DEsigN [lEVANTAMENTO/ANÁli-sE/CONCEPÇÃO] (FONTE: TURNER, 1996, P.146)

Page 146: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

144

havia a necessidade de estabelecer credibilidade. desse modo, os

conceitos de McHarg buscavam algo análogo à ciência, suscetível de

estabelecer objetivos, análise e síntese como as disciplinas acadêmi-

cas. isto naturalmente implicava uma visão utilitária (e modernista),

portanto se a paisagem trabalha com um sistema ecológico ela neces-

sariamente trabalha com um sistema estético. igualmente questionável

era a posição da Penn school que considerava a própria natureza o

único possível modelo de design de paisagem. numa era de pluralismo,

essa posição se apresentava, um tanto quanto, incoerente com o

contexto daquela época.

no Brasil, a vertente ambientalista, no sentido da preservação

do meio ambiente, tem como principal expoente roberto Burle Marx.

em conferências proferidas entre 1976 e 1983, ele chamava a atenção

para a busca de soluções de intervenção no espaço sem agredir o

meio ambiente. nesse período, surgem diversos projetos com foco na

questão ambiental, envolvendo arquitetos paisagistas. Também ocor-

rem nesse período as primeiras iniciativas no sentido de criação das

aPas (áreas de proteção ambiental) (FaraH, 2010).

Um dos projetos no qual foi aplicada a metodologia de

Ian McHarg foi da paisagista Rosa Kliass, em 1977, para a

cidade de Salvador que tinha como foco um estudo dos

sistemas de espaços livres, além de “levantar o potencial

paisagístico do município e indicar os critérios a serem

adotados na ocupação do sítio e uso do solo.” (Fiaschi,

1986, apud FARAH,2010).

em outro projeto de paisagismo com relação à aplicabilidade

técnica do método de planejamento ecológico, a proposta do Plano da

Paisagem Urbana para a cidade de são luis do Maranhão (figura 46), a

arquiteta e paisagista brasileira rosa G. Kliass utiliza o método de

sobreposição de camadas cartográficas predominantes para elabora-

ção do mapa síntese, resultado da sobreposição. o ponto de partida

Page 147: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

145

do projeto paisagístico foi a “montagem de um quadro de situação/

inventário, seguida de análise e diagnóstico da problemática e do

potencial paisagístico”. no caso de são luis, a autora propõe o

desenvolvimento do projeto em cinco etapas: i. inventário; ii. análise,

iii. diagnóstico, iv. propostas e v.diretrizes para planos e projetos

específicos (Kliass, 2006).

Também Fernando Chacel, utilizou da metodologia de análise

de ian McHarg, “realizando inventários de solo, de vegetação e do

restante da parte biótica, numa primeira experiência que viria a

repetir-se em outros projetos similares”, (FaraH,2010, p.109). Por

Fig. 46 CONjUNTO DE MAPAs DAAPliCAÇÃO DO MéTODO ECOlógiCO PARA O DEsENVOlViMENTO DO PlANO PARA PAisAgEM URBANA DE sÃO lUÍs, MA (FONTE: kliAss, 2006, P.48-49)

Page 148: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

146

exemplo, o método, foi aplicado no loteamento veleiros de

ibiúna, em são Paulo, buscando manter as características topo-

gráficas e cobertura vegetal de valor ecológico.

Para a aplicação do método ecológico, ian McHarg

considera necessário três etapas fundamentais: o inventário, a

análise e o diagnóstico. Considerando a aplicação do método

no presente estudo, buscou-se sobrepor o método e metodo-

logia, isto é, a consideração das etapas do metodo, como o

convencional e divisão do inventário em levantamento e inven-

tário. essa etapa acrescentada foi relativa ao recolhimento e

organização de dados da bacia hidrográfica, para posterior se

constituir o inventário (como proposto pelo no método ecoló-

gico) para a restauração do rio Camarajipe.

levanTaMenTo - observando as etapas do método,

verifica-se a importância da pesquisa e levantamento dos

dados na identificação dos processos e suas respectivas valo-

rações na representação dos mapas. Possíveis equívocos ou

até mesmo omissões ocasionais vão refletir diretamente no

etapa final do processo, ou seja os mapas sínteses vão conter

distorções, prejudicando interpretação e aplicação no desen-

volvimento do projeto. no prefácio, o autor reitera que é fun-

damental um processo inter e multidisciplinar para o levanta-

mento de dados.

invenTÁrio - após a etapa do levantamento, a cata-

logação dos processos naturais relevantes ao local ou região

deverão ser classificados segundo uma escala de valores.

segundo McHarg(2000), a capacidade de constituir um inven-

tário ecológico consiste em avaliar e colocar em hierarquia a

Page 149: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

147

importância dos valores naturais, estéticos e sociais. desse

modo, serão elaborados os mapas temáticos que sobrepostos

resultam nos mapas sínteses - produto final do inventário.

anÁlise - essa etapa não necessariamente é posterior

ao inventário. em certo sentido, elas são complementares e

justapostas, pois, quando na etapa anterior há uma valoração,

pressume-se que está sendo feita uma análise. Contudo, a

finalidade é desenvolver o diagnóstico.

diaGnósTiCo - outro ponto fundamental na teoria

presente em Design With Nature é o papel do diagnóstico

prévio à intervenção projetual. isso não significa que essas

etapas não façam parte do planejamento, pois são etapas

iniciais do planejamento que precede o projeto especifico.

o diagnóstico no campo do urbanismo foi difundido

por Patrick Geddes na sua obra City in evolution de 1915, na

qual ele descreve um paralelo ao diagnóstico realizado na

medicina para demonstrar a sua importância, afirmando que o

direcionamento do tratamento e posologia só acontecerá após

um diagnóstico prévio.

salientando a importância do diagnóstico defendida por

Geddes, spirn(2000) afirma, sobre a teoria de McHarg, “que o

inventário ecológico é a sistemática compreensão e a relação

de diferentes aspectos do ambiente, que aplicado corretamente

é como uso do diagnóstico em medicina […] o inventário é

também uma ferramenta e uma lista de sistemas

interrelacionados.”

Page 150: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

148

nas etapas iniciais dessa pesquisa, constatou-se que a

relevância das teorias de Mcharg e a difusão dos conceitos e dos

critérios de análise regional poderiam servir de parâmetro para o

presente estudo. a ênfase ecológica apresentada no livro Design

With Nature mostra um embasamento teórico-prático do planeja-

mento e projeto da paisagem, considerando os processos e recur-

sos naturais, elementos capazes de indicar uma opção para análise

da bacia hidrográfica e do rio Camarajipe.

nesse sentido, a escolha por aplicar o método ecológico,

adaptando aos aspectos fisiograficos, sociaisculturais, estéticos da

bacia hidrográfica e do rio apresenta-se como um caminho para

compreender, diagnosticar e direcionar ações de planejamento

com a finalidade de restaurar valores já perdidos, reforçando seu

potencial como elemento estruturador da ocupação no seu entor-

no, além de valorizar seu traçado na paisagem soteropolitana.

Page 151: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

CaPíTUlo 03

BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAMARAJIPE(aplicando o método ecológico na bacia do Camarajipe)

Avenida Antônio Carlos Magalhães, ACM. Rio Camarajipe canalizado (Fonte: acervo FGM/PMS, data 10/06/1988, fotógrafo: Agilberto Lima)

Page 152: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

150

em relação ao contexto hídrico, salvador está inserida na região

hidrográfica do atlântico leste, mais especificamente na região

de Planejamento e Gestão das Águas do recôncavo norte e

inhambupe. a água que abastece a capital vem da Barragem de

Pedra do Cavalo, no rio Paraguaçu, e dos rios Joanes e ipitanga,

esses dois últimos localizados na região Metropolitana de

salvador. ou seja, a cidade não consome nenhuma gota de água

dos rios do próprio município.

a cidade de salvador é constituída por diversas bacias de

drenagem pluvial e bacias hidrográfica. essas últimas são: seixos-

Barra/Centenário, Camaragipe, Cobre, ipitanga, Jaguaribe, lucaia,

ondina, Paraguari, Passa vaca, Pedras/Pituaçu, ilha de Maré e ilha

dos Frades (sanTos, 2010).

localizada no miolo da cidade de salvador, a Bacia do rio

Camarajipe possui uma área de 35,877km2 (o que corresponde a

11,62%do território municipal de salvador), sendo a terceira maior

bacia em extensão do Município. encontra-se limitada ao norte

pela Bacia do Cobre, a leste pela Bacia Pedras/Pituaçu, a oeste

pela Península de itapagipe e ao sul pela Bacia do lucaia. Com

uma população de 668.871 habitantes, que corresponde a 27,3%

da população de salvador e densidade populacional de

18.643,37hab./km2 (iBGe, 2010), é a mais populosa bacia do

Município, embora apresente um ritmo de crescimento relativa-

mente pequeno, em virtude da consolidação do seu processo de

ocupação. Possui 180.074 unidades habitacionais, que correspon-

dem a 27,3% dos domicílios de salvador (sanTos, 2010).

o principal curso d’água da bacia, o rio Camarajipe, nasce

no bairro alto do Cabrito. em relação ao contexto metropolitano,

Page 153: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

151

a região da nascente está localizada entre a enseada dos

Tanheiro, a rodovia Br-324 e o parque são Bartolomeu no subúr-

bio Ferroviário de salvador. as águas da bacia do Camarajipe

foram os principais mananciais de abastecimento da cidade, do

final do século XiX até meados do século século XX.

o rio Camarajipe tem o seu nome associado à existência,

em suas margens, de uma planta chamada Camará, Lantana ca-

mara, Lantana aculeata ou ainda Lantana brasiliensis, (figura 47)

arbusto de folhas aromáticas e frutos vermelhos, que eram abun-

dantes nas imediações desse rio (sanTos, 2010).

o “caminho natu-

ral” do Camarajipe de-

sembocava no largo da

Mariquita, no bairro do

rio vermelho, tendo como

seu último afluente o rio

lucaia, proveniente do

dique do Tororó, pela av.

vasco da Gama, que o

margeia (sanTos, 2010).

Porém como visto nesse estudo, o Camarajipe foi redire-

cionado nas imediações do shopping iguatemi, desaguando

atualmente no bairro do Costa azul.

ao longo do seu trajeto, fica evidente o grande comprome-

timento da qualidade das suas águas provocado por décadas de

lançamento de esgotos sanitários in natura, além da presença de

diversos outros processos antrópicos, da ausência de controle e

Fig. 47  Lantana camara, sEgUNDO sANTOs et aL. é A PlANTA qUE DÁ ORigEM AO NOME DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: HTTP://gOO.gl/17D4XY)

Page 154: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

152

gestão dos recursos hídricos em grande parte da bacia, tanto em

seu leito, quanto em suas margens.

na década de 1980, foram desativadas para fins de abasteci-

mento público de água, as represas do Prata e da Mata escura, em

virtude da degradação da qualidade de suas águas devido ao rece-

bimento de esgotos sanitários e efluentes provindos de pequenas

indústrias. vale ressaltar que, nas imediações da represa do Prata,

ainda existe uma mancha quase contínua de remanescentes de

florestas em estágio médio e avançado de regeneração, com área

de, aproximadamente, 84ha.

segundo relatos de residentes mais antigos da região e da

cidade, nas águas do rio Camarajipe havia peixes e crustáceos

(pitús) até o início do século XX. Hoje, em péssimo estado de con-

servação (figura 48), seu ecossistema encontra-se totalmente degra-

dado, sobretudo em seu trecho final. observa-se a olho nu que a

qualidade de suas águas é ruim, com baixa transparência, odores

desagradáveis, presença de lodo escuro e resíduos sólidos

flutuantes.

Fig. 48 O ATUAl(2014) EsTADO DEgRADAÇÃO AMBiENTAl DO RiO CAMARAjiPE, PERDA DE qUAliDADE DA ÁgUA E COMPROMETiMENTO DA EsTRUTURA FÍsiCA (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)

Page 155: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

153

MODERNiDADE: CiDADE X RiOs

a situação dos rios urbanos é extremamente delicada, sendo

que a maior parte das bacias hidrográficas urbanas sofrem severas

interferências no tocante aos seus processos naturais pela contìnua

evolução da estrutura urbanização. a ausência ou ineficiência do

saneamento básico, carências e inadequação das infraestruturas,

intensa especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte

e periferização da parcela da população socialmente vulnerável,a

soma desses fatores, acarretam a degradação dos processos sociais,

e consequentemente dos fatores ambientais pertinentes aos rios e às

bacias hidrográficas.

essa situação é exemplificada na análise da situação da

qualidade das águas dos rios soteropolitanos que são, em sua maio-

ria, condutores de esgoto. Conforme monitoramento em estudo da

UFBa (CiaGs, 2010), nenhum dos 12 principais rios da cidade apre-

sentou índice de Qualidade ambiental (iQa) ótimo. somente os rios

Cobre e o ipitanga atingiram o índice regular e bom.

a sobrecarga populacional na infraestrutura existente no

meio do século na capital baiana contribuiu para desgaste e degra-

dação do meio ambiente na cidade. exemplo dessa degradação são

assentamentos irregulares ou aglomerados subnormais (invasões ou

favelas) em áreas de encostas e fundos de vales. o crescimento da

cidade ao longo da segunda metade do século XX não foi acompa-

nhado de melhorias na infraestrutura urbana e, menos ainda, na

diminuição do déficit habitacional, colaborando assim para degene-

ração do meio ambiente e de seus processos.

ainda mais significativa para a rápida transformação da

forma urbana é a construção de inúmeros edifícios residenciais,

organizados muitas vezes em condomínios ou conjuntos de lotes

Page 156: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

154

que acompanham características dos diversos núcleos residenciais

das classes alta/média que surgem todos os dias nas grandes cida-

des brasileiras.

esses novos empreendimentos estão ocupando de forma

arbitrária as poucas áreas verdes da cidade de salvador, sendo a

maior concentração ao longo do vetor de crescimento sentido norte

da cidade (Mendes, 2006).

essas modificações urbanas são claramente potencializadas

por alterações “obscuras” nas leis do uso do solo24 e o confuso

comércio de títulos, conhecido como TransCon25 (transferência

do direito de construir), saciando a curto prazo o apetite interminá-

vel por novos empreendimentos por parte das grandes corporações

imobiliárias. Portanto, a pressão imobiliária sobre o solo soteropoli-

tano atualmente é quem define, em grande parte, a forma urbana e a

[24] lei n. 8.167/2012 dispõe sobre a lei de ordenamento do uso e da ocupação do solo do município de salvador e dá outras providências. Câmara - Para dar seu voto em favor da concessão da medida cautelar, o desembargador-relator do processo,José edivaldo rocha rotondano, evocou principalmen-te a ausência de participação da sociedade civil na discussão da loUos, antes de ser votada pela Câmara de vereadores de salvador, o que se configura inconstitucionalidade. Também “os danos irreversíveis (ambientais,urbanísticos, financeiros) que ainda podem ocorrer com a lei em vigência”. a louos foi aprovada em 29/11/2011 sem ter passado por audiências públicas ou comissões técnicas da Casa legislativa. rotondano citou, ainda, que a associação de dirigentes de empresas do Mercado imobiliário (ademi) o procurou como “amigo da corte” – denominação jurídica que se dá a quem quer contribuir com informações e ou documentos para processos. reportagem do jornal atarde, TJ sUsPende eFeiTo da loUos eM CarÁTer liMinar regina Bochicchio, quarta , 27/06/2012

[25] TransCon significa Transferência do direito de Construir e foi instituída em Chicago em 1973 com o nome de “espaço flutuante” (space adrift). era um instrumento de planejamento urbano que se destinava a transferir o potencial de construção de áreas com perspectiva de grave adensamento para zonas onde havia infraestrutura subutilizada. servia também para transformar baldios em praças e parques urbanos sem desembolso municipal e compensar proprietários de edifícios tombados situados em meio a zonas verticalizadas podendo usá-los ou vende-los para aumentar o potencial de construção em zonas que se queria desenvolver, tudo regulado pelo Plano diretor local. Quando se tratava de baldios ou áreas verdes estas passavam automaticamente para o patrimônio municipal.este instrumento foi introduzido no país, no inicio da década de 80, em Curitiba, cidade totalmente planejada, e “macaqueada em salvador”, comunidade como se diz hoje, sem planejamento nem infraestrutura ociosa pela lei 3885/87, con_rmada pela lei orgânica do Município, de 1990.o estatuto da Cidade, lei 10.257 de 2001, regulamentou a questão nos artigos 28, que trata da “outorga onerosa”, já descrita em artigo anterior neste jornal, e 35 que trata do TransCon. os nossos TransCons se devem a compensações milionárias pagas pela Prefeitura a proprietários que supostamente tiveram suas terras invadidas. (aZevedo, Paulo ormindo, iaB, 2013) – Boletim iaB e Jornal a Tarde-seção: opinião. 20/01/2013. os prédios que utilizaram Transferência do direito de Construir (Transcon) na orla marítima de salvador correm risco de demolição, caso o Plano diretor de desenvolvimento Urbano (PddU) seja aplicado com rigor. essa é a avaliação do diretor da Faculdade de direito da Ufba e doutor em direito público, Celso Castro.reportagem do jornal a tarde,UTiliZação de TransCon na orla é ileGal, aFirMa JUrisTa vítor rocha, seg , 23/08/2010

Page 157: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

155

estrutura da cidade do amanhã, distanciando cada vez mais o letár-

gico poder público e os órgãos relacionados da fiscalização do uso

do solo, relegados ao papel de coadjuvantes a esse modelo de

crescimento urbano.

em paralelo a essas transformações de caráter privado,

houve uma intensificação de obras públicas, mesmo que em ritmo

mais lento ao da iniciativa privada, porém extremamente decisivas

para consolidação da estrutura urbana futura.

no entanto, esses esforços das diferentes esferas governa-

mentais qualitativamente são questionáveis. entre eles destacam-se,

primordialmente, empreendimentos viários, protagonizado pelo

complexo viário Bahia de Todos os santos (via Portuária, figura 49),

o qual o governo estadual, através da secretaria de Comunicação,

intitula: “a maior obra viária dos últimos 30 anos em salvador”.

na contramão de algumas cidades do mundo que estão

retirando suas estruturas viárias elevadas, salvador no período de

2002 a 2012 viu ser materializada a maioria das presentes estruturas

elevadas existentes no tecido urbano. exemplos disso são a já citada

via expressa, que em parte é elevada, possuindo 14 viadutos e,

principalmente, o metrô, que em seu maior trecho é elevado, entre-

cortando um tecido urbano com alta densidade habitacional, em sua

grande maioria socialmente vulnerável, contribuindo assim para a

degradação do ambiente urbano.

essa intervenção, assim como outras, é a comprovação que

as ações de planejamento ainda estão impregnadas da matriz rodo-

viárista para resolver os problemas de mobilidade presente na cida-

de. é possível afirmar que esse paradigma está distante de ser

superado, tanto nos setores governamentais que determinam o

planejamento da cidade, como na base conceitual e nos métodos

utilizados por esses atores responsáveis pelo futuro das cidades

brasileiras.

Page 158: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

156

Fig. 49 A OBRA DA ViA EXPREssA iNTERFERiU DiRETAMENTE NA TOPOgRAFiA DE UMA EXTENsA REgiÃO NA BACiA HiDROgRÁFiCA DO CAMARAjiPE, CONsEqUENTEMENTE, TAMBéM iNTERFERiU NA DiNâMiCA DE EsCOAMENTO DAs ÁgUA PlUViAis. AssiM COMO, A iNTERVENÇÃO NA EsTRUTURA NO lEiTO DO RiO DAs TRiPAs, PRiNCiPAl AFlUENTE DO CAMARAjiPE. A CONsTRUÇÃO DA ViA EXPREssA, COMO TODA gRANDE iNTERVENÇÃO ViÁRiA, iNTERFERE NA EsTRUTURA HÍDRiCA ADjACENTE, REsUlTANDO NO ACRésCiMO DO FlUXO EM DiAs DE CHUVA EM REsPOsTA A MAiOR ÁREA DE iMPERMEABiliZAÇÃO. AssiM COMO MODiFiCAÇÕEs NO DEsEMPENHO DO EsCOAMENTO DEViDO AO AMPlO CONjUNTO DAs 10 FAiXAs DA ViA EsTÁ iMPlANTADO, EM PARTE, NOs FUNDOs DE VAlEs. MOsAiCO DE iMAgENs DA ViA EXPREssA BAÍA DE TODOs Os sANTOs. PEÇAs PUBliCiTÁRiAs DE DiVUlgAÇÃO DA OBRA (Fig. 01 E 02), iMAgENs DA sECRETARiA DE COMUNiCAÇÃO DO gOVERNO DO EsTADO (Fig. 03, 05 E 06) E FigURA 04 ACERVO PEssOAl DO AUTOR.

Page 159: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

157

esse cenário de grandes transformações na estrutura urbana é

o pano de fundo para situar e contextualizar esse trabalho, pois, tal

como o sistema viário, também os rios, elementos da estrutura urbana,

foram objeto de transformações agudas no período de 2002 a 2012.

exemplo nítido dessa mudança é o estabelecimento de uma

nova relação com o tecido urbano adjacente que está se delineando, e

uma grande parcela dessa relação tende a ser desequilibrada e, em

alguns casos, culminam com a “morte” e o “sepultamento” (tampona-

mento) de seus rios, córregos, riachos dentro da paisagem urbana.

o resultado dessas transformações é a formação de um novo

ambiente que tem como características a falta de variação topográfica,

tornando as antigas margens um local essencialmente plano, com um

repertório paisagístico limitado, rarefeito e, por vezes, inadequado ao

tipo de solo presente. a descaracterização é de tal forma que restam

poucos indícios de que naqueles locais já existiu um curso d’água.

Tais ações entram em conflito com o conceito de visibilidade

defendido por Hough(1995), onde os processos naturais e humanos

que sustentam a vida devem estar visíveis por questões de ordem

econômica, educacional e ambiental, enriquecendo sensorialmente a

paisagem.

observa-se que a lógica da aplicação de grandes esforços

priorizando o sistema viário, em particular o veículo individual, com o

objetivo de minimizar os problemas de mobilidade que os grandes

centros urbanos enfrentam, ainda é imperativo na concepção do

planejamento urbano. assim, é possível compreender, como já foi dito,

que o paradigma rodoviarista está arraigado nas ações de planejamen-

to envolvendo os vales da cidade, e consequentemente, os cursos

d’água, estando longe de ser superado na realidade das principais

cidades brasileiras, no que se refere às intervenções urbanas próximas

aos cursos d’água.

Page 160: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

158

O “ DEsAPARECiMENTO” DOs RiOs sOTEROPOliTANOs

levando em consideração a “intensidade” das intervenções em rios e

canais na cidade de salvador e o modelo em que essas se conjugam, e estão

sendo concebidas e executadas, o principal ponto para o aprofundamento do

estudo se constituiu na relação entre a cidade e seus rios. esse modelo de

intervenção envolvendo cursos d’água intensificou-se a partir da primeira

década do século XXi e se estende até o momento em que este estudo está

sendo elaborado, período de 2012 a 2014.

no que concerne ao enfoque adotado pelos projetos, é pertinente

salientar que os mesmos têm provocado significativo grau de alteração físico-

-ambiental dos rios, modificações que priorizam a drenagem urbana, melhora-

mento paisagístico e aproveitamento da projeção horizontal do leito para,

sobre novas estruturas, servirem para diferentes usos. Porém, em nenhum

desses projetos foi priorizado o resgate de valores pertinentes aos processos

naturais dos rios.

esses rios apresentam importância histórica e cultural relevante para a

identidade da Cidade do salvador, como é o caso do rio dos seixos, mais

conhecido como Canal da avenida Centenário, que foi totalmente encapsulado

para sobre suas lajes de concreto para abrigar um parque urbano. Como

comentado sobre o não suplantar do paradigma rodoviarista, nesse caso do rio

do seixos é legítimo concluir que intervenções com viés sanitarista, após quase

2 séculos da expansão do modelo Haussmanniano26, ainda permanece como

matriz conceitual na elaboração dos planos e projetos envolvendo rios

urbanos.

Para esse estudo, foi imprescindível a reflexão crítica sobre as ideias

que influenciaram conceitualmente estas intervenções nos rios soteropolitanos.

Compreendendo de que maneira, obras de tamponamentos/encapsulamento

contribuiram para a reconfiguração ou, até mesmo, ruptura entre a cidade e

seus rios. Tais intervenções transformaram os antigos leitos em galerias fecha-

das de águas fluviais, esgoto e escoamento pluvial, criando sobre a área veda-

da de seu leito, parques lineares, área de esporte, área de lazer e, até mesmo,

alargamento de vias existentes.

[26] Pinheiro, eloísa Petti. “europa, Francia and Bahía: diffusion and adaptation of urban european models.”

Page 161: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

159

o presente estudo baseia-se na afirmação de que, através de uma

abordagem do planejamento urbano, em consonância com valores ambien-

tais e respeito aos processos naturais dos rios, é possível direcionar o plane-

jamento urbano com vistas ao restauro de uma paisagem fluvial que possa

reconciliar o rio e a cidade.

PANORAMA ATUAl DO RiO CAMARAjiPE

desde análises feitas em 1986, o Cra já afirmava que o rio

Camarajipe não possuía condições nem vazão suficiente para a autodepura-

ção da carga orgânica lançada sem prejuízo ou comprometimento da quali-

dade de suas águas. essa situação foi, e ainda é, agravada pelo crescimento

urbano desordenado na área da sua bacia de drenagem. as obras do

Programa de saneamento ambiental Bahia azul foram insuficientes para a

redução da carga orgânica. o Camarajipe na década de 1990, sofreu inter-

venção, como comentado anteriormente foi instalado uma estação de inter-

ceptação em tempo seco nas imediações de onde houve o redirecionamento

na década de 1950. assim, o seu fluxo, em tempo seco, é encaminhado para

a estação de Condicionamento Prévio, localizada no rio lucaia, operada pela

embasa. após esse ponto o rio segue para o mar pelo emissário submarino

do rio vermelho (rossi et al, 2012). em outras palavras, o rio, no periodo de

estiagem voltou a percorrer no sentido original, entretanto com uma peque-

na elevação do seu nível o fluxo volta para o canal Camarajipe.

o rio Camarajipe está estrategicamente posicionado, entrecortando

os principais bairros que possuem alta densidade habitacional e margeia

equipamentos de interesse público e privados. a região em questão repre-

senta a principal nova centralidade da cidade como indica Mendes:

[...] Salvador é apresentada como uma cidade polinucleada,

descentralizando em alguns subcentros mais dinâmicos, so-

bretudo o de Camurugipe (Região do Iguatemi), as suas ativi-

dades econômicas distribuindo-as pelo porte e pelos tipos de

comércios e serviços. (MENDES, 2006, 172).

no vetor que se estende da avenida aCM, na altura do deTran,

passando pela avenida Tancredo neves e vai até a avenida Magalhães

Page 162: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

160

neto, é possível inferir que o rio Camarajipe, devido a sua posição

geográfica estratégica na cidade, estará na pauta das futuras inter-

venções, seguindo o modelo já adotado no rio do seixos (2008)

(figura 50), rios das Pedras(2010) e rio lucaia (2012): tamponamen-

to devido ao seu elevado estado de eutrofização e pela localização

ao longo de vias já saturadas pelo tráfego de veículos particulares e

de transporte coletivo.

Fig. 50 RiO DOs sEiXOs NA AV. CENTENÁRiO iMAgENs (01 E 02) ANTEs DE sER TAMPONADO E (03, 04 E 05) iMPlANTAÇÃO DE PARqUE liNEAR sOBRE A lAjE qUE O RECOBRE. (FONTE: iMAgEM 01: HTTP://s45.PHOTOBUCkET.COM/UsER/gABViANA2/MEDiA/DsC04293.jPg.HTMl. iMAgEM 02: HTTP://AVENiDACENTENARiO.BlOgsPOT.COM.BR/2010_06_01_ARCHiVE.HTMl. iMAgEM 03, 01 E 05: HTTP://www.BRAZAO.ARq.BR/174318/1800600/PROjETOs/PROjETO-AV-CENTENARiO )

Page 163: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

161

Um dos pontos relevantes que justificou o presente estudo é,

sem dúvida, a vulnerabilidade de equipamentos urbanos importantes

para cidade que margeiam o rio. destaca-se a estação acesso norte,

principal estação do metrô de salvador. outros equipamentos urba-

nos relevantes e também vulneráveis são a estação de transbordo do

iguatemi, juntamente com a estação de ônibus intermunicipal, assim

como as avenidas que recebem o maior fluxo de veículos da cidade

(av. Tancredo neves e av. aCM), além de centros comerciais de

grande fluxo de pessoas presentes na área adjacente ao rio.

a vulnerabilidade acima citada é decorrente de dois fatores: o

natural, no que se refere ao extravasamento das águas do rio decor-

rente de intensas e duradoras precipitações coincidindo com marés

altas que formam uma barreira física para escoamento do excedente.

e o fator humano, promovido pela crescente ocupação de espaços

livres que possuíam cobertura vegetal, a exemplo de dois grandes

loteamentos de edifícios(Horto Bela vista e vila Privillege) somados a

um grande centro comercial (shopping Bela vista) (figuras 51 e 52). o

Fig. 51 CONsTRUÇÃO DE NOVOs (2013/2014) EMPREENDiMENTOs iMPlANTADOs EM EsPAÇOs liVREs NA BACiA DO RiO CAMRAjiPE (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014)

Page 164: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

162

aspecto negativo desse fator não é relativo ao uso do espaço livre

urbano, mas sim ao modelo de implantação desses projetos que

visam o máximo aproveitamento da superfície do terreno, transfor-

mando a área que outrora apresentava cobertura vegetal significativa,

em locais com quase nenhuma permeabilidade e com baixo valor

paisagístico. os empreendimentos citados estão situados na bacia

hidrográfica em questão.

o corolário da substituição da superfície de absorção da água

da chuva e da vegetação, que exerce o papel de elemento mitigador

dos efeitos das chuvas pelas superfícies impermeabilizadas desses

novos loteamentos, certamente, atuará na elevação do volume a ser

escoado pelo rio no período de intensa precipitação, acentuando,

desse modo, situações de desastres ao longo da bacia hidrográfica,

transformando cada vez mais o rio numa ameaça à cidade.

Portanto, a necessidade de revisão na abordagem projetual

para com os rios urbanos e bacias hidrográficas apresenta-se relevan-

te, buscando restaurar a paisagem, qualidade de vida e a interação

entre ambientes urbanos e natureza.

162

Fig. 52 CONsTRUÇÃO DE NOVOs (2013/2014) EMPREENDiMENTOs iMPlANTADOs EM EsPAÇOs liVREs NA BACiA DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: ÁlBUM DE FOTOs DO gOVERNO DA BAHiA, HTTP://gOO.gl/qOUXgi, 2011)

Page 165: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

é importante esclarecer que antes da aplicação do método

dois aspectos devem ser considerados. o primeiro se refere à delimi-

tação dos bairros que compõem a bacia para dar suporte ao entendi-

mento da localização dos mesmos para a explicitação das camadas

de valoração. Quanto a esse aspecto se adotou a tipologia do estudo

O Caminho das Águas de Salvador ( sanTos et al, 2010). o outro a

ser considerado foi a situação topográfica da bacia, que serviu de

base para esclarecimento de toda ordem, tais como: escoamento,

inclinação da declividade, várzeas, localização dos cursos d’ água,

entre outros, demonstrados no mapa de relevo.

Page 166: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 13. DiVisÃO DOs BAiRROs DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR A

Page 167: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 14. DiVisÃO DOs BAiRROs DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR B

Page 168: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 15. RElEVO DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR A

Page 169: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 16. RElEVO DA BACiA DO CAMARAjiPE - sETOR B

Page 170: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

168

MÉTODO ECOLÓGICO NA BACIA HIDROGÁFICA DO CAMARAJIPE

VAlOREs HÍDRiCOs

a definição dos valores dos elementos fluviais tem como

objetivo fundamental destacar os principais cursos d’água e suas

nascentes, independente do seu aspecto estrutural. ou seja, não foi

levado em conta se o rio ou córrego está tamponado, canalizado

ou ainda possui suas margens preservadas, mas apontar os compo-

nentes essenciais da malha hídrica. esse procedimento é justificado

por entender que o rio Camarajipe compõe e delimita a bacia

hidrográfica, com o conjunto dos afluentes e seus diversos elemen-

tos, como por exemplo, os brejos, lagoas e áreas úmidas. assim,

fica evidente a compreensão da natureza como um sistema único e

interativo, que a ação em um dos componentes se reflete em todo

o conjunto (MCHarG, 2000; HoUGH, 1995; sPirn, 1994).

o desafio na definição dos elementos de maior e menor

valor foi, sem dúvida, a identificação dos leitos dos pequenos

córregos e os locais próximos as suas nascentes, principalmente

onde existe elevado grau de ocupação e interferência da estrutura

urbana. esse processo de definição foi descrito no final do capítulo

02.

após a etapa de reconhecimento da malha hidrográfica

básica, definindo essa como o maior valor dentre todos na camada

dos processos hídricos, foram determinados os dois outros critérios

de valor.

Page 171: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

169

a importância da planície de inundação, como já foi visto

nesse trabalho, foi a diretriz para a definição da segunda escala de

valor. a atenção para essas áreas é justificada pelo papel que

exercem no equilíbrio da dinâmica fluvial, além de estarem direta-

mente conectadas com o sistema de drenagem urbano.

o terceiro valor, inferior aos dois primeiros, se refere especi-

ficamente às zonas de escoamento de drenagem, “o caminho” que

as águas das chuvas percorrem entre as cumeadas e os vales,

alimentando os cursos d’água.

Portanto, os critérios de valoração foram:

• alTo - grau alto de influência hídrica.

• Médio/alTo - influência hídrica de grau médio para alto.

• reGUlar - influência hídrica de grau regular para irrelevante

Page 172: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 17. VAlORAÇÃO AsPECTOs HÍDRiCOs - sETOR A

Page 173: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 18. VAlORAÇÃO AsPECTOs HÍDRiCOs - sETOR B

Page 174: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

172

VAlOREs ACERCA DA EsTRUTURA FÍsiCA DOs RiOs

Como já verificado nesse estudo, uma das definições de

riley(1998) para restauração de um rio urbano é promover o resta-

belecimento de um estado anterior próximo ou igual ao original, no

que se refere às características físicas do rio. Com base nessa defini-

ção, foi ajustado o critério de valoração dos aspectos físicos dos

cursos d´água, compreendendo que a situação mais próxima a um

estado original ou que não foi descaracterizado por ações de toda a

sorte, representaria o caminho para salvaguardar a integridade

ambiental do elemento fluvial e ponto de partida para iniciativas de

restauro.

os córregos, riachos, rios, brejos e as zonas alagáveis que

não sofreram intervenções ou que sofreram alguma, mas resguar-

dam ainda algum traço de um estado nativo(original), foram classifi-

cadas como trechos mais aptos ao restauro, sendo considerados de

alto valor (figura 53). Também é relevante a proximidade das

Fig. 53 TRECHO DO RiO CAMARAjiPE COM AlTA VAlORAÇÃO REFERENTE A EsTRUTURA FÍsiCA (FONTE: ACERVO PEssOAl DO AUTOR, 2014)

Page 175: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

173

nascentes, em especial os afluentes adjacentes ao trecho inicial do

rio Camarajipe.

aqueles cursos d’água ou elementos fluviais que estão retifi-

cados e canalizados, contudo visíveis, ou seja, interagem de alguma

maneira com a estrutura urbana, foram classificados como de valor

Médio/alTo. essa escala de valor teve por base o princìpio de

visibilidade definido por Hough (1998), que afirma a sua importância

diante dos processos naturais em detrimento dos que permanecem

ocultos.

o critério com valoração inferior (regular) foi definido para

aqueles cursos d’água ou trechos deles que estão com extensões

consideráveis de canalizações ou encapsulados. esses últimos se

encontram “invisíveis” em períodos de estiagem, porém podem

“despertar” e emergir de forma dramática, se fazendo visíveis em

ocasião de índices pluviométricos acima das médias históricas.

Contudo, nem todos foram classificados nesse critério, mas sim os

que possuem algum tipo de representatividade, devido a sua impor-

tância hídrica na bacia quanto ao aspecto geofísico. a exemplo

daqueles presentes nos grandes vales ou os que estão adjacentes, a

montante e a jusante, de trechos de valoração mais elevada.

assim, os níveis de valores acerca da estrutura física dos rios

foram legendados como:

• alTo - estrutura do curso d’água próxima ao original.

• Médio/alTo - interferências urbanísticas relevantes na

estrutura do curso.

• reGUlar - rio com representatividade, porém com alto grau

de desestruturação (em grande parte oculto em galerias).

Page 176: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 19. VAlORAÇÃO DA EsTRUTURA DOs RiOs - sETOR A

Page 177: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 20. VAlORAÇÃO DA EsTRUTURA DOs RiOs - sETOR B

Page 178: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

176

VAlOREs REFERENTEs à ÁgUA sUBTERRâNEA

o propósito da camada de valoração da água subterrânea foi

a representação do potencial de recarga e vazão nos diferentes

locais da bacia. sobre essa questão, relacionada à capacidade de

fluxo do aquífero em salvador, o geólogo sérgio a. de Morais (2010)

comenta:

O Sistema Aquífero da parte alta da cidade de Salva-

dor não é homogêneo, visto que apresenta característi-

cas hidrogeológicas diferentes entre as coberturas in-

tergranulares e o embasamento cristalino embora esteja

intrinsecamente interligado do ponto de vista hidráulico.

Geomorfologicamente é constituído por quatro blocos

topográficos bem distintos que formam o planalto cos-

teiro dissecado e a região de mares de morros, limitados

pelas falhas geológicas de Salvador, do Iguatemi e do

Jardim de Allah, respectivamente, com direções varian-

do de N15° a N30° e pelo fraturamento transversal leste-

-oeste que passa pelo vale do Terminal Rodoviário de

Salvador. O bloco situado à NW apresenta a maior alti-

tude, sendo responsável pelas nascentes dos maiores

rios que drenam Salvador, destacando-se o Camarujipe,

o Pituaçu e o Jaguaripe. Nesse bloco encontram-se os

mais altos valores potenciométricos da água subterrâ-

nea cujo fluxo segue para leste e sul em direção ao Oce-

ano Atlântico e para norte, em direção à bacia do rio

Ipitanga (MORAIS, 2010, p. 145).

a região próxima à nascente do rio Camarajipe possui o mais

alto valor no que se refere às águas subterrâneas, uma vez que o local é

como um “divisor de águas” (mapa 21), onde se encontram as cabecei-

ras dos principais rios do município. Portanto, a região com maior

capacidade de fluxo será a com maior valoração.

os demais critérios acompanharam a lógica de ser mais apto

ou não para a recarga e vazão do aquífero. os elevados índices de

pluviosidade conjugados aos altos volumes de contribuição dos

Page 179: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

177

dejetos domésticos e as perdas nas redes de abastecimento são

fatores que corroboram para a condição de constante recarga do

aquífero (Morais, 2010).

sobre o embasamento cristalino, local onde se encontra a

nascente do rio Camarujipe, o pesquisador afirma:

[...] o alto do embasamento cristalino com menor

magnitude é verificado no trecho que vai do bairro da

Graça ao Centro Histórico da cidade. Nesse alto, nascem

alguns rios de pequeno porte, destacando-se entre eles

o Lucaia, cuja nascente está localizada na região do vale

dos Barris próximo à Estação da Lapa. Alguns afluentes

da margem direita do rio Camarujipe, como é o caso dos

riachos Campinas e das Tripas também nascem a partir

desse alto do embasamento cristalino (MORAIS, 2008,

p.61).

MAPA 21. POTENCiOMETRiA E FlUXO DA ÁgUA sUBTERRâNEA NO AlTO CRisTAliNO EM sAlVADOR -BA (FONTE: TEsE DE DOUTORADO: DiAgNósTiCO HiDROgEOlógiCO, HiDROqUÍMiCO E DA qUAliDADE DA ÁgUA DO AqUÍFERO FREÁTiCO DO AlTO CRisTAliNO DE sAlVADOR - BAHiA, séRgiO AUgUsTO DE MORAis NAsCiMENTO, 2008, P. 62) (liNHA VERDE, iNTERFERÊNCiA sOBRE O MAPA iNDiCANDO A BACiA DO RiO CAMARAjiPE, ÁREA MAis ClARA CiRCUNsCRiTA)

Page 180: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

178

na legenda do mapa as escalas de valoração foram assim

definidas:

• alTo - valor elevado para a recarga e vazão do aquífero.

• Médio/alTo - valor de alto para regular, para a recarga e

vazão do aquífero.

• reGUlar - valor de regular para baixo, para a recarga e

vazão do aquífero.

é imperativo o monitoramento e proteção das regiões com

mais potencial de recarga e vazão portanto, mais sensíveis no que se

referem às águas subterrâneas, uma vez que a:

[...] reserva reguladora ou renovável é o volume hídri-

co acumulado no aqüífero em decorrência da porosida-

de efetiva e do coeficiente de armazenamento, que varia

anualmente em decorrência de aportes sazonais de chu-

vas (MORAIS, 2008, p. 96)

sobre a relação da urbanização com a degradação das água

McHarg acrescenta:

A contaminação das águas subterrâneas pode afetar

as águas superficiais e inversamente; a urbanização afeta a

taxa de escoamento, de erosão e sedimentação, torna tur-

va a água, diminui os organismo aquáticos reduzindo as-

sim a depuração natural. Tudo isso resultara em custos

para dragagem do canal, como também na potabilização

das águas e, possivelmente, terá rebatimento no regime de

secas e inundações. (MCHARG, 2000, p.56)

Page 181: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Page 182: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 22. VAlORAÇÃO DA ACERCA DA lOCAliZAÇÃO E FlUXO DA ÁgUA sUBTERRâNEA NA BACiA - sETOR A

Page 183: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 23. VAlORAÇÃO DA ACERCA DA lOCAliZAÇÃO E FlUXO DA ÁgUA sUBTERRâNEA NA BACiA - sETOR B

Page 184: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

182

VAlOREs DE FlORA E FAUNA

a camada que representa os valores de flora e fauna teve

como principal suporte para sua elaboração os espaços livres sem

ação antrópica ou com intervenção reduzida. as ferramentas

utilizadas para identificação desses espaços foram visitas ao local

e a utilização das imagens de satélite atualizadas (2013/2014).

o critério para a valoração mais elevada considerou aque-

les espaços livres sequenciais que possuíssem vegetação forman-

do um conjunto considerável entre ambientes aquáticos e flora e,

consequentemente, a fauna. assim, os locais contíguos ao leito

dos rios que apresentam cobertura vegetal menos alterada, con-

tribuindo para os atributos positivos do processo hídrico, foram

aqueles melhor valorados.

a região denominada como “miolo de salvador”27 apresen-

ta importante extensão de cobertura vegetal preservada. dentre

esses vales se destacam aqueles que integram parte da bacia

hidrográfica do rio Camarajipe. Certamente, entre os conjuntos de

vegetação nessa área, que atendem aos requisitos de maior valo-

ração dentro da bacia, destacam-se três grandes conjuntos.

o primeiro é a área das antigas represas do Prata e Mata

escura (figura 54), localizada entre os bairros homônimos a essa

[27] o Miolo de salvador é assim denominado desde os estudos do Plano diretor de desenvolvimento Urbano para a Cidade de salvador (PlandUrB) da década de 1970. este nome se deve ao fato da região situar-se, em termos geográficos, na parte central do município de salvador, ou seja, no miolo da cidade. Possuindo cerca de 115 km, ele está entre a Br 324 e a avenida luiz viana Filho, mais conhecida como avenida Paralela, estendendo-se desde o bairro da saramandaia até o limite norte do Município.

a região vem sendo aceleradamente ocupada por população de baixa renda, tanto através de programas governamentais como pela ocupação espontânea. é também objeto de grandes investi-mentos dos setores secundário e terciário da economia. Contudo, apesar de sua expressividade e importância, não é muito conhecido pela maioria da população soteropolitana (Fernandes, r.,2004).

Page 185: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

183

Fig. 54 ÁREA COM VAlOR ElEVADO DE COBERTURA VEgETAl (sEMiNATURAl E NATURAl) NAs iMEDiAÇÕEs DA ANTigA REPREsA DE MATA EsCURA E PRATA (FONTE: gOOglE EARTH, 2014)

segunda, e o Cabula, local de importantes nascentes de afluentes do

lado direito do rio Camarajipe. esse conjunto é intrínseco estoque

biológico e essencial para o equilíbrio de um futuro corredor biológi-

co formado pela restauração do Camarajipe. sobre essa região, o

PddU de 2002 destaca:

Os conjuntos vegetais, nos seus diferentes estágios de

regeneração, bem como a vegetação antropizada, contri-

buem para a qualidade urbano-ambiental, na medida em

que aumentam a permeabilidade do solo com reflexos

para a recarga de aqüíferos e para a redução das inunda-

ções. Propiciam a contenção das encostas, amenizam as

condições mesoclimáticas, filtram o ar, reduzindo o monó-

xido de carbono e proporcionam conforto visual em áreas

ocupadas. A vegetação modifica as características dos

ventos, intercepta a radiação solar, reduz a incidência da

precipitação sobre o solo e altera a concentração da umi-

dade na atmosfera e nas superfícies adjacentes (PDDU,

2002, apud MORAIS, 2008, p. 56).

Page 186: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

184

o segundo (figura 55) e não menos importante, é o conjunto

de vegetação que margeia a avenida luís eduardo Magalhães e

avenida luiz vianna Filho (avenida Paralela). esse está em área de

domínio do 19º Batalhão de Caçadores(exército). apesar da maior

parte dessa região não estar inserida na bacia ela é de extrema im-

portância pelo alto grau de conservação (porém já antropizado) e

extensão como conjunto de vegetação significante. é um excelente

repositório biológico e fundamental para formação de corredor bioló-

gico, além de ser nascente de cursos d’água tributários da bacia. a

flora e fauna têm alta valoração nessa região, como relata a reporta-

gem do jornal a Tarde, de julho de 2012:

Militares já testemunharam na área pertencente ao

19º BC: tamanduás, tatus, antas, araras-azuis pequenas,

gaviões e muitos outros. Além disso, é possível avistar

palmeiras, begônias, jacarandás, figueiras e uma série

de espécies nativas da mata atlântica. “Um patrimônio

genético que pode, posteriormente, ser usado em pes-

quisas diversas”,alertou o professor de ecologia e

184

Fig. 55 CONjUNTO DE VEgETAÇÃO PREsERVADA CONsiDERÁVEl, ÁREA DO 19º BC, AV. lUÍs EDUARDO MAgAlHÃEs ADjACENTE A UM AFlUENTE DO RiO CAMARAjiPE (FONTE: PORTAl DA COPA. siTE DO gOVERNO BRAsilEiRO PARA COPA DO MUNDO FiFA DE 2014.)

Page 187: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

185185

Fig. 56 CONjUNTO DE VEgETAÇÃO PREsERVADA NA CABECEiRA DO RiO CAMARAjiPE. POssÍVEl OBsERVAR iNTERVENÇÃO ViÁRiA, EXPREssANDO O CARÁTER DE FRAgiliDADE (gOOglE EARTH, 2014)

pesquisador da Unijorge, Edinaldo Luz das Nevez. (COR-

REIA, 2012)

o último conjunto e o mais sensível é a região próxima a

nascente do rio Camarajipe (figura 56). essa fragilidade é decorrente

de pressão habitacional e vulnerabilidade física e social da ocupa-

ção. esse espaço é potencialmente relevante para iniciar o processo

de restauro do rio Camarajipe.

a respeito da interrelação entre flora e fauna e a importância

das zonas ripárias nos processos hídricos riley(1998) declara:

[...]Zonas ripárias com água corrente, solos úmidos,

ricos em nutrientes possuem produtividade relativa-

mente elevada de vegetação, sendo verdadeiros corre-

dores para migração e transporte ecológico, tal comple-

xidade estrutural contribui para a diversidade

paisagística dessas regiões.[...] As características dos

diversos habitat mudam drasticamente com apenas pe-

quenas variações topográficas, como o gradiente do

Page 188: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

186

canal de água corrente no curso d’água com densa flo-

resta no leito; a duração e época das enchentes pode ser

fundamental para os tipos de espécies e densidades.

Tais mudanças nessa dinâmicas devem ser permitidas

afetar essas comunidades vegetais e animais, ou vamos

perdê-las. Importante para a produtividade biológica

dos rios e planícies de inundação essa dinâmica foi de-

nominado o pulso de inundação. As planícies aluviais

não são apenas uma características físicas do rio, é Im-

prescindível para a diversidade biológica, mas também

tem relação com o calendário e a frequência sazonais da

cheias ao longo das margens, aonde os fluxos e inunda-

ções das várzeas podem afetar profundamente o siste-

ma ecológico. Quando tais pulsos naturais de água são

alterados por canalização, drenagem, barragens ou ou-

tras influências, foram encontradas mudanças nas co-

munidades de plantas e diferentes composições de es-

pécies (RILEY,1998,p.96-97).

o segundo critério de valoração se refere às áreas de cober-

tura vegetal reduzida e com vegetação não uniforme, abrangendo as

“bordas” ou contornos das zonas com maior valoração.

Compreende-se que essa “borda” é fundamental para formar uma

espécie de gradiente com as zonas de baixo e alto valor.

o critério subsequente é relativo às áreas com potencial para

beneficiar os processos hídricos. nelas foram incorporadas regiões

de conexão entre as zonas com maior valoração. Áreas das cumea-

das também se destacam nesse critério, pois nesses espaços a

vegetação tem o potencial de maior permeabilidade e penetração

das águas no solo, retardando, desse modo, o escoamento das

partes mais altas para as baixas. além disso os talvegues nas proxi-

midades dos cursos d’água fazem o escoamento das partes mais

Page 189: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

187

altas. é importante enfatizar que essa última escala de valoração é

referência enquanto potencialidade e não uma condição existente.

descrição da escala de valores na legenda:

• alTo - área de flora/fauna em extensão considerável próxima

a cursos d’água.

• Médio/alTo - área de flora/fauna de menor extensão, com

valor médio para os processos hídricos.

• reGUlar - área com potencial para flora/fauna com vistas a

melhoria dos processos fluviais.

Page 190: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 24. VAlORAÇÃO DA FlORA E FAUNA - sETOR A

Page 191: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 25. VAlORAÇÃO DA FlORA E FAUNA - sETOR B

Page 192: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

190

VAlOREs UsO E OCUPAÇÃO DO sOlO

Quase em toda a extensão, o rio Camarajipe possui sua

planície de inundação ocupada e o uso solo apresenta variações de

três principais tipos: sistema viário, ocupação de grandes lotes para

fins comerciais e serviços e institucional. na cabeceira do rio é

possível verificar um padrão habitacional de regu-

lar para baixo no que se refere à vulnerabilidade

social e ausência de infra-estrutura urbana.

entre esses tipos, podemos destacar uma

zona pela nocividade que causa ao rio Camarajipe,

sendo, consequentemente, um local imprescindível

para uma abordagem no que tange à restauração.

na região do bairro retiro, o uso do solo é predo-

minantemente de serviço e comércio (figura 57). a

especificidade do tipo de uso não é compatível

com os processos hídricos, principalmente por

intensificar a degradação das águas do Camarajipe.

a deterioração ambiental ocorre por esta-

rem instaladas naquele local as empresas de ôni-

bus do transporte coletivo da cidade, além de

outras relacionadas às atividades do setor automo-

tivo. esse uso é caracterizado como nocivo pela

proximidade do leito do rio. assim, a drenagem

desses pátios, bem como as áreas de oficinas de

manutenção e locais para lavagem, escoam para

rio, além de algumas empresas não terem implan-

tado um sistema de ligação à rede de esgoto

urbana, desaguando os dejetos diretamente no

curso d’água.

no entanto, nesse espaço onde se apresen-

ta uma situação ambientalmente desfavorável

pode-se perceber áreas com excelentes Fig. 57 PADRÃO DE UsO OCUPAÇÃO

NO BAiRRO DO RETiRO, PREDOMiNANTEMENTE, gAlPÕEs E ARMAZéNs [EM VERMElHO]. (FONTE: iNTERVENÇÃO DO AUTOR sOBRE gOOglE EARTH, 2014)

Page 193: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

191191

Fig. 58 PADRÃO DE UsO OCUPAÇÃO NO BAiRRO DO RETiRO, COTA DE ElEVAÇÃO DOs lOTEs PRóXiMA à liNHA D’ÁgUA (FOTO DO AUTOR, 2013)

oportunidades no que se refere à requalificação do tipo de uso do

solo ao longo do rio, com vistas ao restauro da paisagem fluvial. o

potencial dessa área é justificado pela cota de elevação dos lotes que

está próxima à linha d’água com pouca variação topográfica (figura

58) e, principalmente, por extensão de aproximadamente 700.000m2.

a maior parte é ocupada por edificações de comércio e serviço, com

grandes galpões e armazéns, com lotes e edificações de grande

volume e baixa densidade construída, sendo potencialmente relevante

no caso de relocação e remodelação do terreno visando à restaura-

ção da planície de inundação e do próprio leito do rio.

além da ocupação dessa área que, de certa forma, potenciali-

za a degradação das águas, outros espaços possuem valoração alta

do uso do solo em relação ao potencial para restauração de rio urba-

no. essas zonas acompanham o critério de valoração que exprime

possibilidades de restauro da paisagem fluvial, ou aquelas que depen-

deriam de menor esforço para a visíbilidade dos processos fluviais,

beneficiando assim os processos hídricos na estrutura urbana.

Page 194: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

192

os critérios de médio, alto e regular seguem essa lógica.

Portanto, essas escalas são gradações de uso do solo referentes à

potencialidade para o restauro do rio Camarajipe e revitalização

hídrica da bacia. o exemplo de critério adotado para definição das

zonas médio/alta foi a identificação dos espaços livres e menos ocu-

pados que, apesar de não serem tão extensos se comparados com os

de maior valoração, possuem relação indireta com a dinâmica fluvial.

é possível reconhecer nesses espaços de médio/alto valor a possibili-

dade de requalificação do uso do solo, porém não como os de maior

valoração, outra característica de algumas das áreas médias/altas é a

proximidade, isto é, áreas no contorno das zonas de maior valoração.

a escala de menor valoração, ou com potencial menos eleva-

do em comparação com as outras áreas aqui comentadas, são as

identificadas como regular. esses espaços foram valorados dessa

maneira pela interferência regular na dinâmica fluvial dos cursos

d’água na bacia hidrográfica, a exemplo das áreas com habitações

que margeiam o rio, com construções ou os “fundos”, isto é as

paredes externas descem até o leito do curso d’água ou até mesmo

sobre o leito, obstruindo-o. os espaços entendidos como conexão

entre os de valoração superior também foram incorporado nessa

escala.

a legenda das pranchas de uso e ocupação do solo foi assim

definida:

• alTo - espaços livres ou com potencial elevado para

desapropriação, próximos aos cursos d’água e propícios para

o restauro e valorização dos elementos hídricos.

• Médio/alTo - pequenos espaços livres ou com potencial

mediano para desapropriação, próximos aos cursos d’água e

propícios para o restauro e valorização dos elementos

hídricos.

Page 195: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

• reGUlar - zonas de conexão entre as de valores alto e

médio-alto e com interferência regular na dinâmica fluvial.

observando todo o prisma no qual se insere o uso e ocupa-

ção, é pertinente como consideração final sobre esse tema, a requa-

lificação do uso do solo em alguns pontos chave na bacia se apre-

senta como instrumento imprescindível para as potencialidades de

restauro do rio Camarajipe.

Page 196: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 26. VAlORAÇÃO REFERENTE AO UsO E OCUPAÇÃO DO sOlO - sETOR A

Page 197: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 27. VAlORAÇÃO REFERENTE AO UsO E OCUPAÇÃO DO sOlO - sETOR B

Page 198: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

196

VAlOREs RECREATiVOs E CÊNiCOs

é inegável que a cidade de salvador tem no oceano o cerne

da sua identidade simbólica hídrica. dessa forma, a influência das

duas frentes marítimas, a orla atlântica, “desbravada” com mais

intensidade a partir do século XiX e, principalmente, a Baía de Todos

os santos, mais antiga, sítio inicial e âmago do crescimento mononu-

cleado que perdurou até meados do século XX. essa frente, em

particular, detém proeminente valor histórico nacional. assim, ques-

tões relacionadas à recreação, lazer, esportes, ócio contemplativo,

fundos cênicos, entre outros, estão diretamente ligadas às regiões à

beira mar ou locais de atrativo visual de paisagem com elementos

marítimos ou o próprio mar.

Porém, outros elementos hídricos possuem representativida-

de para a população soteropolitana, a exemplo das lagoas e as

diversas fontes d’água. esse destaque imagético dos outros elemen-

tos hídricos advém em grande parte dos cultos religiosos da matriz

africana e da forte ligação que se estabelece com a natureza. não

seria prudente descrever a relação entre os cultos religiosos afro-

-brasileiros e os elementos da natureza, em especial as águas, por

ser esse um tema bastante complexo e que exigiria um maior apro-

fundamento. Compartilha-se da opinião de Hough (1995) acerca da

simbologia do elemento água sobre o qual ele afirma:

[...] que a água, talvez mais do que qualquer outro

elemento da paisagem, tem um significado espiritual e

simbólico profundamente enraizado, ao qual o planeja-

mento deve responder. Como um elemento de grande

poder sensorial, a água tem sido historicamente maneja-

da e moldada para criar lugares agradáveis e belos; tam-

bém tem sido reflexos das atitudes culturais em relação

à natureza (HOUGH, 1995, p.81).

Page 199: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

197

a utilização dos elementos hídricos como lagoas, brejos,

cursos d’água e as áreas adjacentes a esses, para lazer, recreação,

atividades esportivas diversas, afirmação cultural através de cultos e

rituais religiosos e valorização do potencial cênico na cidade foi o

objetivo principal na elaboração dessa camada.

os potenciais descritos acima possuem uma dupla função.

além de favorecerem a qualidade de vida dos habitantes e valoriza-

ção de zonas socialmente vulneráveis, esses atrativos e atributos

foram considerados fundamentais para a restauração do rio, compre-

endendo que essa dupla função pode ser harmoniosa e complemen-

tar ao objetivo de melhoria ambiental e restauração dos rios urbanos.

Compreendendo o protagonismo das frentes marítimas em

relação ao tema da camada em questão e o potencial para o lazer,

recreação e oportunidades cênicas dos espaços próximos aos cursos

d’água, é importante esclarecer dois pontos sobre esses espaços e

essa valoração na bacia:

• o primeiro é sobre o aspecto da ocupação da região do “miolo”

de salvador como áreas adjacentes, no que se refere à localização

geográfica na cidade desse conjunto de ocupação. são áreas

densamente habitadas, distantes das frentes marítimas o que

caracteriza a carência de espaços aprazíveis, atributos cênicos

positivos, assim como há escassez de áreas destinadas ao lazer e

recreação.

• o outro é relativo às mesmas localidades citadas acima, porém

referente ao padrão de ocupação, pois essa zonas possuem um

elevado grau de vulnerabilidade social e desestruturação dos

elementos urbanos e dispositivos sanitários. a fragilidade social,

urbana e ambiental dessas localidades guarda também em si um

potencial contido no que se refere à insuficiência de atributos de

lazer e recreação.

Page 200: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

198

não obstante, existem locais livres próxi-

mos a essa área com vulnerabilidade social e

carência de espaços para lazer, fundos cênicos e

recreação, que poderiam agregar tanto atividades

relacionadas a essas necessidades, como a possibi-

lidade de incrementar atributos visuais já existen-

tes. o direcionamento do planejamento teria reba-

timento imediato nos cursos d’água presentes

nesses espaços, estabelecendo um conjunto de

novos atributos relacionados ao lazer e a recrea-

ção, potencializando, desta forma, a restauração

dos rios que integram a bacia.

a valoração desses espaços livres tem

como finalidade o incremento desses atributos

comentados, assim como o fim da ociosidade

dessas regiões, estabelecendo usos e salvaguar-

dando os valores ambientais dessas áreas.

Compreendendo a instabilidade com relação às

pressões habitacionais (figura 59), em decorrência

do déficit nesse setor em salvador, essa insuficiên-

cia, no que diz respeito à moradia, tem reflexo

direto nos espaços livres com atributos ambientais

positivos, transformando rapidamente áreas “ver-

des” em assentamentos consolidados pelas “

invasões” (aglomerados habitacionais subnormais).

os critérios estabelecidos para os valores

mais elevados das camadas foram determinados

pelos espaços que apresentam atributos positivos

para as atividades recreativas e de lazer, como

também para afirmar uma composição cênica Fig. 59 EXEMPlO DE OCUPAÇÃO

“EsPONTâNEA”, FORMAÇÃO DE AglOMERAÇÃO HABiTACiONAl sUBNORMAl, TRACEjADO VERDE. (FONTE: gOOglE EARTH, 2005, 2007, 2008, 2012 E 2014)

Page 201: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

199

capaz de valorizar aspectos da natureza presentes nessas áreas, refor-

çando a identidade e consolidando valores culturais, ambientais e

sociais da cidade.

o critério médio/alto identificou os espaços que estão conjuga-

dos aos territórios com maior valoração e que detêm alguma possibili-

dade de reforçar a aproximação dos habitantes com zonas destinadas

ao lazer, recreação e/ou fortalecendo também os espaços com atribu-

tos cênicos positivos, bem como os locais possíveis de estabelecer

conexão entre os de maior valoração, de modo a servir como “ponte”

entre as zonas com a escala mais alta.

o último parâmetro estabelecido foi das zonas que não pos-

suem atributos favoráveis, contudo apresentam potencial para valori-

zação dos processos hídricos.

a escala de valores referente à camada de recreação e atribu-

tos cênicos foi assim descrita na legenda:

• alTo - área com grau elevado para recreação e lazer conjugado

aos cursos d’água. alto valor cênico intrínseco.

• Médio/alTo - área com valor passível para recreação e lazer.

valor cênico mediano, espaços estritamente de conexão entre

as zonas com alto potencial.

• reGUlar - área com potencial cênico e/ou para recreação/

lazer com vistas à valorização dos processos fluviais.

Page 202: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 28. VAlORAÇÃO DAs OPORTUNiDADEs RECREATiVAs E CÊNiCAs - sETOR A

Page 203: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 29. VAlORAÇÃO DAs OPORTUNiDADEs RECREATiVAs E CÊNiCAs - sETOR B

Page 204: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

202

VAlOREs DE RisCO E VUlNERABiliDADEs

indubitavelmente, a inserção dessa camada se fez necessária

logo nos primeiros momentos ao definir e aplicar o método ecológi-

co na bacia, por estar diretamente ligada às tragédias ocasionadas

pelas enchentes recorrentes no período chuvoso, com grandes

repercussões nas áreas do entorno ao rio e, por rebatimento, em

outras áreas da cidade.

a interação da natureza com os habitantes, na maioria das

vezes, ocorre de forma não harmoniosa no ambiente urbano.

segundo Forman (2010), existem quatro formas de descrever essa

interação, sendo as duas primeiras as pessoas interferindo na natu-

reza de forma positiva e negativa e as outras duas, a natureza inter-

ferindo na vida das pessoas de forma negativa e positiva. ainda

segundo o autor, o impacto humano sobre a natureza tem poucas

consequências positivas, que podem se mostrar úteis, sobretudo,

quando a natureza foi ou está aviltada. o resultado da interação da

natureza sobre as pessoas tem uma importância geral intermediaria,

tanto para efeitos positivos quanto negativos. Contudo, algumas

dessas consequências são bastante consideráveis, tais como as

catástrofes naturais (ForMan, 2010)

a gravidade das interações negativas da natureza com a vida

humana, que resultam muitas vezes em perdas materiais, apontam

para a importância dessa camada ao se aplicar o método ecológico.

sobre os efeitos negativos das enchentes na bacia hidrográfica do

Camarajipe, dias (2003) afirma:

A maior incidência de inundações encontrou-se na

área de Baixa do Camarajipe onde 26,3% dos domicílios

eram inundados no período de fortes chuvas. Vale res-

saltar que esta área possui na sua parte mais baixa uma

considerável extensão do rio Camarajipe que sofreu as-

soreamento e alterações na sua configuração natural,

Page 205: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

203

Fig. 60 MAPEAMENTO DOs PONTOs DE iNUNDAÇÕEs. REgisTROs DA CODEsAl ENTRE Os ANOs DE 2005 A 2013. (FONTE: MAPEAMENTO PElO AUTOR DAs OCORRÊNCiAs DisPONiBiliZADA PElA CODEsAl gOOglE EARTH, 2014)

além de ser indevidamente utilizado como local de des-

carte dos resíduos sólidos gerados pela população local

(DIAS, 2003).

na elaboração da presente camada foram definidos como

valores mais altos, aqueles locais em situação de vulnerabilidade e

risco mais elevado no que se refere às enchentes. Para determinar as

zonas mais vulneráveis foi considerado o arranjo entre os pontos de

ocorrência das enchentes sobrepostos às zonas de influencia fluvial,

isto é, locais com elevação adjacente às margens dos cursos d’água.

os pontos de ocorrência foram disponibilizados pela Codesal, com

o registro das inundações ocorridas no período de 2005 a 2013,

esses locais foram mapeados (figura 60) e sobrepostos às zonas de

influência dos cursos d’água.

o critério de valoração relativo às áreas vulneráveis conside-

rou a elevação do nível dos cursos d’água, diferente da valoração

Page 206: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

204

mais elevada que considera os pontos que já foram atingidos por

enchentes. nesse sentido, o critério atual é determinado por aquelas

regiões que podem sofrer com possíveis aumento do nível d’água,

tanto pelas enchentes históricas como por ocasião da elevação das

águas pelo ritmo das marés. as regiões que foram acolhidas nessa

escala de valoração são, principalmente, aquelas que estão próximas

às elevações topográficas nas margens dos cursos d’água, em outras

palavras, ocupação das planícies de inundação.

o último critério da escala de risco e vulnerabilidade refere-

-se à suscetibilidade ao deslizamento de encostas, uma vez que

salvador apresenta um histórico considerável de tragédias decorren-

tes da vulnerabilidade da ocupação desordenada nas encostas.

Para a elaboração desse critério, tomou-se como base o

mapa de riscos geológicos relacionados a encostas do Pde (2004)

(mapa 30), reconhecendo e acolhendo os locais suscetíveis a

MAPA 30. RisCOs gEOlógiCOs RElACiONADOs A ENCOsTAs, iNTERFERÊNCiA DO AUTOR sOBRE O MAPA iNDiCANDO A BACiA DO RiO CAMARAjiPE, ÁREA MAis ClARA CiRCUNsCRiTA (FONTE: PlANO DiRETOR DE EsNCOsTAs, sECRETARiA MUNiCiPAl DO sANEAMENTO E iNFRA-EsTRUTURA URBANA 2004, P.45)

Page 207: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

escorregamento de encostas. essas áreas apresentam relação direta

com os processos hídricos no que concerne à vulnerabilidade em

momentos de alta precipitação, afetando os cursos d’água com o

transporte de sedimentos, com reflexo no assoreamento dos leitos

devido ao acúmulo de sedimentos provindos dos deslizamentos das

encostas.

a legenda do mapa representando a valoração das áreas de

vulnerabilidade e risco foi assim definida:

• alTo - pontos de ocorrências de enchentes próximos aos

cursos d’água. alta vulnerabilidade

• Médio/alTo - cotas próximas aos rios (planícies de

inundação) vulneráveis às cheias históricas e zonas suscetíveis

aos deslizamentos das encostas próximas aos talvegues.

• reGUlar - áreas com risco de deslizamento de encostas.

Page 208: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 31. VAlORAÇÃO DOs RisCOs E VUlNERABiliDADEs - sETOR A

Page 209: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 32. VAlORAÇÃO DOs RisCOs E VUlNERABiliDADEs - sETOR A

Page 210: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos
Page 211: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

A RESPOSTA DO MÉTODO ECOLÓGICO PARA A BACIA E O CAMARAJIPE

MAPA sÍNTEsE

Page 212: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 33. MAPA sÍNTEsE - sETOR A

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Page 213: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

MAPA 34. MAPA sÍNTEsE - sETOR B

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Page 214: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

212

sOBRE A sÍNTEsE

após a definição das escalas de valoração das 07 camadas, o

passo seguinte foi a sobreposição com a finalidade de estabelecer

um mapa síntese, ou seja, a imagem que emerge das vantagens

ecológicas e sociais. segundo a aplicação do método ecológico de

McHarg, para essa etapa foi estabelecido que as camadas apresen-

tassem um mesmo tom (em escala de cinza) e a opacidade relativa

ao resultado da soma das camadas, ou seja, os valores mais altos

quando sobrepostos alcançariam a tonalidade mais escura. assim,

quando valores mais elevados coincidem em todas as camadas

numa mesma área, o resultado seria o mais escuro.

inicialmente, tal representação da síntese pode parecer

confusa e sem um sentido definido, uma vez que se diferencia das

representações convencionais de zonas bem delimitadas. sobre essa

questão, McHarg(1969) argumenta:

A aparência anárquica se deve por estarmos acostu-

mados a monótona regularidade do zoneamento, pois

não estamos habituados a perceber a verdadeira diver-

sidade do meio natural, nem a responder com os nossos

planos a esta diversidade (MCHARG, 2000, p.115).

Para a análise do mapa síntese, foram consideradas as

manchas mais escuras que possuem dimensão considerável. desse

modo, mesmo que uma área seja identificada com o tom mais escu-

ro na escala de tons de cinza, isto é, as zonas mais propícias, não

necessariamente vão ser avalizadas, pois a extensão da área tam-

bém foi considerada como critério para as zonas mais bem

avaliadas.

Page 215: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

213

o resultado da sobreposição ou mapa síntese forneceu duas

condições fundamentais para o direcionamento acerca do planeja-

mento da bacia hidrográfica do rio Camarajipe:

• o primeiro se refere à bacia hidrográfica e à capacidade de valori-

zação ambiental, indicando áreas propícias para a revitalização,

valorização e preservação dos processos hídricos, a fim de cola-

borar com o restauro do principal curso d’água da bacia, o rio

Camarajipe. Zonas de sUPorTe definem as áreas identificadas

na síntese com a capacidade de fornecer o amparo ecológico e

hídrico estando aptas a estabelecer conexão entre o rio e as di-

versas zonas de suporte.

• o outro sentido se refere ao rio, em particular sua várzea e os ele-

mentos da paisagem fluvial do Camarajipe, identificando áreas

mais propicias ou idôneas para o restauro, compreendendo o res-

tauro como a ação de retornar a um estado anterior ou a re-natu-

ralização do rio. TreCHos de resTaUro são aqueles mais favo-

ráveis ao restauro, com vocação para deixar de ser um local

degradado, com baixo valor ambiental, nocivo no que se refere à

insalubridade sanitária. Como também foco de desastres devido

às enchentes, para se tornar um cenário onde o rio se integra a

paisagem, no que concerne a visibilidade, catalisador e semeador

educacional para uma reformulada abordagem para com os cur-

sos d’água. reaproximando o rio Camarajipe ao ambiente urbano,

com o intuito de fomentar melhorias ambientais em salvador.

assim, as respostas que o mapa síntese apresenta nesse

estudo correspondem à valorização ambiental na bacia, identifican-

do as possíveis zonas de suporte hídrico e biológico para o rio

Camarajipe, buscando a formação de um corredor gênico interligan-

do as zonas de maior valor ambiental. Para viabilizar esse corredor

ecológico, é necessário que o percurso (rio) ofereça condições

Page 216: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

214

ambientais favoráveis para esse objetivo. dessa maneira, o restauro

do curso d’água e suas margens é imperativo. Consequentemente, a

utilização da síntese auxiliou na identificação dos trechos do rio com

requisitos positivos para o restauro.

o mapa (resumo de avaliação) exposto a seguir é tão somen-

te a interpretação e simplificação da síntese, porém representado

sem a distinção entre as zonas de suporte e os trechos de restauro.

a definição de apresentar o mapa sem divisão teve como propósito

a exposição do panorama geral, isto é, a composição resultante

desses dois tipos de vertentes, entendendo essas como um conjunto

interdependente, representando o mais elevado potencial ambiental

na bacia hidrográfica do rio Camarajipe.

Page 217: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

215

MAPA 35. REsUMO DE AVAliAÇÃO

Page 218: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

216

ZONAs DE sUPORTE

as zonas de suporte identificadas no mapa com o mesmo

nome foram destacadas para definir as áreas com potencial de

valorização ambiental para estruturar e melhorar biologicamente os

processos fluviais que envolvem o rio Camarajipe. o mapa síntese

revelou regiões mais relevantes. o critério para o destaque dessas

zonas é a concentração das manchas mais escuras, ou seja, peque-

nas manchas isoladas não foram consideradas nessas etapa.

Contudo é notória a importância ambiental dessas pequenas ilhas.

nessa análise foram consideradas as manchas conectadas e de

grandes proporções com relação à escala urbana.

Com vistas ao “reequilíbrio” ambiental e hídrico da bacia, as

zonas de suporte estão diretamente ligadas à capacidade do rio

Camarajipe responder às ações de restauro, acelerando, intensifi-

cando e garantindo o reequilíbrio enunciado, visando a recuperação

da dinâmica biológica e hídrica de outrora.

outros aspectos pertinentes a maior parcela dessas zonas de

suporte, dizem respeito à fragilidade ambiental frente às mudanças

impostas pelos constantes avanços e transformações da estrutura

urbana sobre essas áreas. a emergência do planejamento ecológico

direcionando a aplicabilidade do uso dessas zonas de suporte,

compreendendo o potencial ambiental pertinentes a elas, se faz

categórica. a urgência é justificada quando a intensidade da fruição

urbana compromete a integridade dessas zonas, já tão rarefeitas, na

bacia hidrográfica. a instabilidade das áreas de suporte, exemplifica-

das nas (figuras 61 a 62), confirma a fragilidade sob constante pres-

são da estrutura urbana sobre os locais seminaturais. esse processo

se apresenta como uma constante nas cidades brasileiras. a

Page 219: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Fig. 61 MOsAiCO EXEMPliFiCANDO FRAgiliDADE DAs ZONAs DE sUPORTE DEViDO OCUPAÇÃO iNFORMAl E EVOlUÇÃO DA iNFRAEsTRUTURA ViÁRiA, ÁREA ADjACENTE AO RiO CAMARAjiPE(AZUl/BRANCO), PERÍMETRO TRACEjADO EM VERMElHO sÃO PERDAs DE COBERTURA VEgETAl (FONTEs: 1959, iNFORMEs/CONDER. 2008, 2005 E 2014 iNTERVENÇÃO DO AUTOR sOBRE iMAgENs DO gOOglE EARTH)

2008

2005

1959

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Fig. 62 OCUPAÇÃO “lEgAl E FORMAl” DEsCONFigURANDO ÁREAs COM COBERTURA VEgETAl RElEVANTE E ZONAs úMiDAs (PEqUENO BREjO). COMPROMETiMENTO DE UMA DAs NAsCENTE DO CAMARAjiPE, iNTERFERÊNCiA NA DiNâMiCA HiDRiCA. (FONTE: ACERVO DO AUTOR, 2014

Page 220: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

218

descrição de Pellegrino(2006) é pertinente para se entender o

modelo vigente:

Sabe-se que os processos de desmatamento com a re-

tirada de vegetação original, o reafeiçoamento topográfi-

co para implantação de vias e edificações, a impermeabili-

zação do solo e a implantação de obras de drenagem

convencionais modificam hidrologicamente uma bacia hi-

drográfica aumentando a velocidade de escoamento das

águas para o seu curso principal, contribuindo para o

agravamento das inundações e a poluição difusa das

águas. Contudo, reduções significativas da cobertura ve-

getal são intrínsecas ao estabelecimento das áreas urba-

nas, proporcionalmente à ampliação dos processos de im-

permeabilização do solo (PELLEGRINO et al, 2006 p.58).

essas zonas, em sua maioria, estão localizadas na adjacêcia das

regiões da cidade com médio a baixo padrão habitacional e de estrutura,

formada principalmente por aglomerados habitacionais sub normais com

nítida vulnerabilidade social (figura 63). nesses locais é inegável o poten-

cial que as zonas de suporte resguardam, pois nelas observam-se duas

necessidades: a urgência para preservação das poucas áreas semi natu-

rais e naturais que ainda restam na bacia e a escassez das áreas de ame-

nidade, para as atividades recreativas, lazer e reaproximação dos habitan-

tes com a natureza.

Fig. 63 AglOMERADOs sUBNORMAis ADjACENTEs As ZONAs DE sUPORTE, REgiÕEs VUlNERÁVEis AMBiENTAlMENTE, PORéM COM POTENCiAl PARA CONjUNÇÃO ENTRE RECREAÇÃO E PREsERVAÇÃO.(FOTO DO AUTOR, 2013)

Page 221: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

219

MAPA 36. ZONAs DE sUPORTE

Page 222: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

220

TRECHOs DE REsTAURO

Como mencionado no capitulo 01, o distanciamento entre as

cidades e seus rios não é exclusividade de salvador, e sim uma

constante nas grandes cidades brasileiras. após aceitar essa realida-

de, é necessária a compreensão do grau de distanciamento que as

diversas regiões da cidade ao longo do Camarajipe se encontram.

assim, o entendimento do fato que, mesmo estando a bacia hidro-

gráfica ambientalmente fragilizada e seu principal rio deteriorado,

quase ocultos, sem qualquer valor simbólico, ambiental ou mesmo

paisagístico, é pertinente a investigação com objetivo propositivo

para o direcionamento do planejamento considerando os valores

ecológicos.

o procedimento para identificar os trechos mais propícios

para o restauro foi conduzido de maneira similar aos das zonas de

suporte. desta forma, é possível afirmar que, mesmo tendo alcança-

do valorações elevadas, graficamente evidenciadas pelos tons mais

escuros, ao longo de todo o seu curso, optou-se aqui por destacar as

áreas com extensão significativas no contexto da bacia. essa rele-

vância é relativa às áreas com tonalidades mais escuras adjacente às

margens, compreendendo assim que os trechos de restauro se

apresentariam mais relevantes próximos ou conjugados às zonas de

suporte.

o “diálogo” entre os trechos de restauro e as zonas de supor-

te é categórico no que se refere ao possível êxito de qualquer ação

advinda de plano e diretrizes especificas objetivando o restauro do

rio. a união dessas duas condições conceituais (trechos de restauro

e zonas de suporte), aqui determinadas como linha condutora da

análise e direcionamento da síntese, fortaleceria ambas. isso porque

Page 223: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

221

MAPA 37.  OCUPAÇÃO URBANA E CONDiÇÃO DE HABiTABiliDADE EM sAlVADOR(FONTE: gORDilHO-sOUZA, ANgElA, liMiTEs DO HABiTAR, 2008. EM RElATóRiO DO DiAgNósTiCO DOs sERViÇOs DE DRENAgEM PlUViAl URBANA DE sAlVADOR, 2010)

a natureza, seus processos e suas interações, podem ser considera-

dos como um sistema único. assim, intervenções para a valorização

ambiental e de restauro de curso d’água influenciariam positivamen-

te de maneira mútua (MCHarG, 2000; HoUGH, 1995; sPirn, 1994).

outro aspecto que se apresenta similar ao encontrado nas

áreas de suporte é a emergência, no que tange à fragilidade estrutu-

ral, ambiental e, principalmente, hídrica. apenas dois dos seis tre-

chos de restauro destacados não estão localizados próximos a

regiões de maior concentração habitacional subnormal (mapa 37),

ou seja, socialmente vulneráveis. são áreas com pouca ou até des-

providas de infraestrutura básica, além de diminutos espaços ou

equipamentos para lazer e recreação. Portanto, a vulnerabilidade

relativa aos espaços ao longo do rio que alcançaram as maiores

valorações torna eminente uma abordagem ecológica para o plane-

jamento dessas.

Page 224: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

222

a suscetibilidade à degradação, pertinente a tre-

chos de margens e algumas áreas da planície de inunda-

ção, é decorrente do fato que esses lugares conservam

ainda características próximas ao do seu estado original.

entretanto, a qualidade da suas águas e o potencial de

auto-depuração não acompanha esse quadro, estando

excessivamente comprometido, independente dos estado

das margens.

essa situação é análoga às zonas de suporte:

degradação social e ambiental, escassez de área destinada

à recreação e pouca relação do ambiente urbano com

elementos da natureza (figura 64).

outra preocupação enfrentada desde o início

desse estudo foi a compreensão da bacia do rio

Camarajipe e qual seria o procedimento adequado para

minimizar impactos de enchentes, tanto nas regiões aden-

sadas com baixo padrão habitacional e nos equipamentos

da infra-estrutura vitais para o funcionamento da cidade.

vale salientar que próximo ao leito do Camarajipe mar-

geiam as avenidas com maiores fluxos da metrópole, além

do principal acesso rodoviário a salvador e de importantes

instalações de mobilidade intra e interurbana, a exemplo

do terminal rodoviário. devido a esses fatores foi verifica-

da a possibilidade de confrontar a restauração do rio e

compreender como essa poderia ter efeito na mitigação

dos impactos das enchentes.

apropriando-se dessas variáveis provindas dos

impactos negativos da interação da natureza sobre a

cidade, lembrando que esses impactos também são uma

espécie de resposta para as ações agressivas e contínuas

222

Fig. 64 PANORAMA DA OCUPAÇÃO URBANA, PRiMEiRO PlANO gAlPÕEs NO BAiRRO DO RETiRO, sEgUNDO PlANO REgiÃO DO BAiRRO DO PAU MiúDO (ACERVO DO AUTOR, 2014)

Page 225: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

223

da estrutura urbana sobre a natureza, foi estabelecido que, além do

restauro questões acerca da capacidade da cidade resistir a esses

impactos deveriam ser consideras nas ações de planejamento. a

figura 65 ajuda a visualizar a real possibilidade de elevação no núme-

ros de inundações, representando assim um risco real para as regiões

contíguas aos cursos d’água.

Para responder essas considerações, foi verificada na síntese

a possibilidade de conjugar o restauro a outras soluções, tais como,

o uso de espaços de armazenamento temporário do volumes pluvio-

métricos acima da capacidade de escoamento do rio Camarajipe. ao

longo da aplicação do método e de visitas in loco foi verificado que

algumas zonas já exerciam, de certo modo, a atribuição de espaços

inundáveis, funcionando como uma espécie de reservatório regula-

dor de fluxo. nesse sentido, a apropriação desses espaços, adequan-

do e potencializando sua capacidade, se apresenta como uma possi-

bilidade de articulação para o restauro.

após a aplicação do método e a interpretação do mapa

síntese, a expressão “determinismo fisiográfico”, descrita por

McHarg, se tornou mais inteligível, pois as mesmas áreas que apre-

sentaram as características descritas anteriormente coincidiram com

as manchas de valoração mais elevada na síntese, em particular o

Fig. 65 NúMERO DE REgisTROs DE DEsAsTREs. (FONTE: COMO CONsTRUiR CiDADEs MAis REsiliENTEs. UM gUiA PARA gEsTOREs PúBliCOs lOCAis, THE UNiTED NATiONs OFFiCE FOR A DisAsTER Risk REDUCTiON EMDAT-CRED, BRUXElAs. NOVEMBRE DE 2012.)

Page 226: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

224

conjunto entre T02(trecho de restauro) + Z08(zonas de suporte),

além da T01+(Z02+Z04+Z05+Z06) e a Z09. estes conjuntos seriam

positivos para redução de danos nas regiões predominantemente

habitacionais.

Já o conjunto do T04+T03, imediações do bairro do retiro,

foi compreendido como a região com o maior potencial para mitigar

inundações prevenindo danos para a infraestrutura e equipamentos

urbanos. entretanto, diferentente daquelas zonas acima citadas, não

exerce a função de armazenamento temporário, apesar de possuir

predicados para essa função. Por apresentar uso do solo incompatí-

vel para essa atribuição, isto é, atualmente as inundações nessa

localidades são danosas aos que ali estão estabelecidos, é necessá-

ria uma requalificação fundiária através de relocações.

o mosaico da figura 64 ratifica a situação de vulnerabilidade

no que diz respeito à suscetibilidade a danos causados por enchen-

tes aos equipamento urbanos, como mostram os registros fotográfi-

cos, onde se vê a perigosa aproximação entre a estação intermodal

acesso norte (metrô e ônibus) e o leito do rio Camarajipe. nas

imagens também é possível visualizar o já referido T04(trecho de

restauro 04).

nesse trecho fica evidente que a junção das caracteristicas

relativas aos lotes, isto é, lotes de grandes proporções com a presen-

ça de tipologias de edificações exclusivamente compostas por

galpões, somando-se ao padrão de uso do solo, predominantemen-

te, comercial e de serviços, indica a intenção defendida nesse estudo

para com a requalificação fundiária urbana com vista o restauro do

rio Camarajipe. doravante a valorização e aproveitamento paisagís-

tico do local propiciará um reencontro da cidade com seus rios, no

caso, o Camarajipe.

Page 227: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

Fig. 66 MOsAiCO DE FOTOs sOBRE A siTUAÇÃO DE VUlNERABiliDADE DE EqUiPAMENTO URBANO DE gRANDE FlUXO: PROXiMiDADE ENTRE O lEiTO DO RiO CAMARAjiPE E A EsTAÇÃO iNTERMODAl ACEssO NORTE DE METRô E ôNiBUs (FONTEs: 01 ACERVO DO AUTOR, 02 A 04 ÁlBUM DE FOTOs DO gOVERNO DA BAHiA, HTTP://gOO.gl/qOUXgi, 2011)

Page 228: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

226

o potencial de utilização desse trecho para atividades recreativas

e de lazer(figura 64), restaurando valores ambientais das paisagens

fluviais, vem se somar à importância da utilização desse local como

exemplo, ou passo inicial, para acrescentar a salvador características de

uma cidade resiliente.

sobre o restauro do rio Camarajipe e a relevância de se estabele-

cer um diálogo com os atores diretamente envolvidos, riley(1998) pro-

põe alguns ganchos para o imprescindível envolvimento da comunidade

no processo de elaboração das estratégias para o restauro. Por exemplo:

o controle da erosão e redução dos danos causados por inundações,

melhoria dos bairros envolvidos e recriação do senso de comunidade,

preservação e valorização histórica e cultural, surgimento e acréscimo

das atividades esportivas e recreativas envolvendo as imediações de

cursos d’ água, oportunidades educacionais, implantação de trilhas e

“greenways” (corredores verdes urbanos), mudanças no uso do solo para

mitigar, recuperar, restaurar valores ecológicos no tocante a qualidade

das águas.

Fig. 67 TRECHO DE REsTAURO (T04), POTENCiAl PARA ATiViDADEs RECREATiVAs E DE lAZER CONjUNTAMENTE A AÇÕEs DE REsTAURO. (ACERVO DO AUTOR, 2014)

Page 229: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

227

MAPA 38. TRECHOs DE REsTAURO

Page 230: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

228

CONEXÃO ENTRE VAlORAÇÃO E REsTAURO

as ações de planejamento tendem a enfrentar os fatores

ambientais e as questões ecológicas como obstáculos para o desen-

volvimento da cidade e estabelecimento da estrutura urbana sobre o

ambiente natural. Com o objetivo de mensurar esses “obstáculos” os

atores envolvidos nas ações de planejamento tendem a utilizar parâ-

metros oriundos do monitoramento de séries históricas, tais como;

recorrências periódicas, médias anuais e valores máximos e mínimos.

Como por exemplos: as médias pluviométricas dos meses, divisão

entre períodos de estiagem e chuvas, como também a relação da

frequência de inundações, que descrevem a recorrência dos maiores

índices, e elevações de “X” em “X” anos.

esses dados não devem ser desconsiderados ou menospreza-

dos nas ações de planejamento, porém, é imprescindível uma reflexão

sobre a utilização desses parâmetros e até que momento eles serão

eficazes e confiáveis. Questões referentes aos ciclos de medições que,

de qualquer modo, representam uma parcela pequena de tempo

consideram a dinâmica dos ecossistemas e as respostas que esses

dão após a interferência humana.  

é fundamental uma transformação dos fundamentos básicos

do planejamento para a utilização da ecologia como veículo conceitu-

al nos planos, ações e intervenções nas cidades.(HoUGH, 1995) nesse

sentido, é necessário considerar possíveis oscilações no panorama

urbano influenciados pelas mudanças climáticas, pela elevação dos

níveis dos oceanos, alterações no regime das chuvas, elasticidade dos

períodos de recorrências de inundações, assim como também altera-

ções dos limites máximos e mínimos que mensuram os diversos fato-

res naturais.

a transformação dos fundamentos citados acima perpassa um

novo olhar sobre o ambiente urbano e a compreensão de que a

Page 231: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

229

natureza não existe ou “desapareceu” da cidade. na visão do autor

deste estudo, a abordagem mais adequada para com os processos

naturais, no contexto da bacia do Camarajipe, é a compreensão de um

estado de latência da natureza em detrimento da supremacia do

ambiente edificado ou artificial.

a evolução da estrutura urbana na bacia hidrográfica objeto

do presente estudo acarretou no isolamento de áreas naturais ou

seminaturais, essa dinâmica foi influenciada por diversos motivos.

desses destacam-se uma  característica que, até certo ponto, salva-

guarda essas áreas é a suscetibilidade a risco de desastres naturais

que essas regiões representam, ou seja,  essas “ilhas” de ecossistema

preservados, ainda que isoladas dos aglomerados  são importantes

ecologicamente.

no entanto, Pellegrino(2006) chama a atenção para esses

espaços fragmentados, pois a quebra de continuidade dos ecossiste-

mas naturais podem resultar em pequenas áreas sem conectividade.

os fluxos biológicos entre os aglomerados de zonas de supor-

te (d.06)29 podem sugerir que os sistemas de espaços livres – infra

estrutura verde – indiquem funções mais apropriadas, tais como

circulação e acessibilidade, locais de recreação ou mera contempla-

ção da paisagem.

a conexão entre os aglomerados por intermédio do rio (d.05 e

d.06) permite a proximidade (percolação) entre as manchas ou frag-

mentos de ecossistemas naturais. (Pellegrino et al, 2006). os corredo-

res ou rede de vias lineares conectando ainda diferente dos espaços

próximos podem conectar fragmentos e zonas anteriormente unidas.

nas áreas urbanas adensadas as áreas naturais e seminaturais

conectadas pelos corredores verdes, além de via de acesso para

[29] o prefixo “d.” refere-se a etapa do diagrama (d.), representado na figura 68

Page 232: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

230

moradores, e recomposição da fauna e flora(espécies de animais e

plantas) e da água (córregos, canais ou rios), melhorando as condições

inerentes à dinâmica hídrica(d.07 e d.08), potencializam o restauro e a

qualidade das águas próximas.

interessa também ressaltar o conceito da rede esmeralda (ou

emerald necklace-colar de esmeradas), as nascentes (pérolas) ou zonas

de suporte (d.02) isoladas, mesmo não formando aglomerados (d.03)

elas potencializam o ecossistema. segundo Forman(2014), “os corredo-

res incluem faixas verde-azuis (rios e córregos), faixas verdes e fios

verdes(trilhas), os quais se tornam ainda mais profícuos quando conec-

tam pequenas áreas verdes (perolas)”

ainda segundo Forman(2014) três componentes da rede esme-

ralda possibilitam resistir a ação humana nos sistemas naturais, pela

urbanização contínua:

(1) grandes áreas naturais (por seu tamanho e integrida-

de); (2) corredores fluviais (a maior parte dos rios é forte

demais para ser coberto ou desviado permanentemente, e

as grandes infraestruturas geralmente são paralelas aos

rios); e (3) um cordão de pérolas (um trajeto bem utilizado,

conectando parques locais, e que recebe apoio político).

(FORMAN, 2014, p.317)

Cabe então salientar que as ações de planejamento urbano

voltadas para uma economia verde, ou aplicação de um método ecoló-

gico com vistas à mitigação de impactos ambientais, na perspectiva do

estudo em questão, indica que as zonas de suporte e os trechos de

restauro devem compor uma rede multifuncional de fragmentos perme-

áveis e vegetados para restabelecer a dinâmica hídrica, a interligação

de parques- corredores verdes, recomposição das matas ciliares para

deter as águas de chuvas, com objetivo de restaurar o rio e sua

paisagem.

Page 233: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

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Fig. 68  DiAgRAMA DE CONEXÃO ENTRE VAlORiZAÇÃO E REsTAURO

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Considerações Finais

foto Vicente Sampaio

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234

ao longo da realização das análises empreendidas no pre-

sente estudo, alguns elementos precisam ser retomados com o

propósito de expor considerações sobre o uso do método ecológico

em uma bacia hidrográfica urbana bastante adensada, com o propó-

sito de indicar possibilidades de restauração de um rio urbano.

a intenção dos planos e projetos que alteraram o curso do

rio Camarajipe tiveram quase sempre como pano de fundo objetivos

que estavam distantes de considerar o rio um sistema vivo, ou se-

quer pensar o rio como parte de algo maior, a bacia hidrográfica.

nesse sentido, a busca por constituir uma visão, ainda que provisó-

ria, dos aspectos ambientais para indicar o restauro de um rio urba-

no, cujo traçado percorre uma zona adensada e com estratos sociais

diversos, apresentou-se como um desafio, mas que continha a possi-

bilidade de inaugurar uma percepção diferente do rio Camarajipe.

a pretensão inicial desse estudo, ao considerar o rio uma

artéria viva apontou para a abordagem do planejamento com vistas

à natureza desenvolvida por ian McHarg, no seu livro design With

nature (1969).

Para McHarg, o modelo da natureza não era uma sugestão,

mas um imperativo, uma ordem a seguir. essa proposta determinista

deve ser entendida no contexto dos anos 1960, quando a ciência era

entendida como a panacéia global. sua interpretação de “oportuni-

dade” ecológica para um bom planejamento significava que a leitura

correta da paisagem deveria necessariamente estabelecer um dese-

nho apropriado, onde forma e função são indissociáveis.

(lisTer,2006)(tradução livre do autor)

dessa forma, é preciso demarcar a importância do método

mcharguiano como ferramenta de trabalho no sentido de aprender e

compreender os processos físicos e biológicos como etapas

Page 237: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

235

indispensáveis para uma proposição de mudanças no planejamento

urbano com viés ecológico. no entanto, a aplicabilidade do método

ao “urbanismo contemporâneo exige uma perspectiva multifocal,

que abarque as noções de forma, função espaço e fluxos através de

camadas dinâmicas” (lisTer, 2014,p.538).

entretanto, conforme o delineamento da pesquisa que tinha

sido empreendido, algumas questões emergiram, tais com o impasse

entre a visão do método de McHarg(1969) e as situações apontadas

por riley(1998) para restauração de um rio urbano. segundo riley,

as mutipropostas constitutivas do planejamento ecológico de

McHarg perpassam outros objetivos e articulam diferentes aborda-

gens, e diferentes agentes que requisitam e financiam o

planejamento.

especificamente no que diz respeito à restauração de um

curso d´água, a autora enfatiza a importância do envolvimento da

comunidade adjacente ao rio a ser restaurado e de se estabelecer

junto com as pessoas qual o objetivo e a finalidade da ação.

segundo riley(1998), é importante inventariar, mapear, mas, mais

ainda, “capturar a imaginação das pessoas”, no sentido de que a

restauração de um rio é também um resgate da identidade cultural

da comunidade do entorno.

então, a questão colocada a partir da visão macro e determi-

nista de McHarg e a visão micro de restauração de rios e córregos

de riley, o que esse estudo permitiu concluir ou considerar?

no capítulo que trata dos rios urbanos pretendeu-se recolher

ou inventariar o “processo histórico” das intervenções no rio

Camarajipe, conforme riley aponta como etapa fundamental para

compreender a dinâmica do rio a ser restaurado com a finalidade de

Page 238: Distanciamento e reaproximação de rios urbanos

236

indicar as condições de equilíbrio que antecediam as mudanças no

seu percurso.

a solução conciliatória para articular a abordagem teórica de

McHarg e as ações operativas de restauro de riley, a partir das

análises e da revisão bibliográfica, tornou evidente a necessidade de

aplicar o método ecológico na bacia hidrográfica. no sistemático

trabalho de mapeamento dos processos naturais é possível indicar

nas manchas ações de restauro do rio. Portanto, o estudo aqui

desenvolvido buscou analisar e adequar a compreensão do método

ecológico de McHarg com vistas a constituir uma escala passível de

valoração ambiental da bacia hidrográfica para possibilitar ações

futuras de restauro do rio Camarajipe, considerando o rio como

elemento estruturador do seu entorno e garantir a sua sobrevivência,

a partir de sua importância e sua relação com a cidade.

Há, no entanto, uma questão eminente que é o estado de

degradação atual do rio, mesmo nos trechos ambientalmente sensí-

veis, o que indica o estado de negligenciamento e comprometimen-

to ambiental e visual, em detrimento da ocupação urbana e da

expansão do sistema viário.

se, ao longo dos anos, seu curso foi alterado, reconduzido

para uma nova foz, sua sobrevivência atual como sistema vivo en-

contra-se comprometida frente ao modelo de intervenção que vem

se sucedendo nos últimos anos na cidade do salvador, como por

exemplo, retificações, canalizações e principalmente encapsulamen-

to, ou seja, o desaparecimento total dos rios e córregos da paisagem

urbana.

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237

a proposição do presente estudo é que as considerações

possam abrir novas perspectivas, colaborando nesse momento

(2015), em que a crise hídrica ganha contornos preocupantes, para

as reflexões sobre o convívio das cidades com suas águas. Bem

como, as questões aqui discutidas e analisadas, mesmo aquelas que

não foram respondidas, possam demarcar a intenção e sentido no

tocante à importância da visibilidade do rio nas paisagens urbanas

brasileiras. abordando o restauro como possibilidade de reequilíbrio

ambiental, com o propósito central de intensificar a reaproximação

entre as cidades e seus rios.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMOPrograma de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB