rha - ediÇÃo 30-a

32
30 N. 30 • JAN/FEV 2015 O Conde de Bobadela Entrevista com Valdecir Freire Lopes Resenhas: “Por um dia de carnaval (Bloco Piranhas da Serra)’’ e ‘‘Santo Agostinho” A crise política em Teresópolis e seus desdobramentos Alfabetização e escolarização: A instituição do letramento escolar Centros e Periferias no Mundo Luso-Brasileiro, 1500-1808 "Iracema", de Antônio Parreiras (detalhe) A imagem plástica do Brasil Imperial: construção de uma nação romântica no Segundo Reinado

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Sendo a História uma construção de um dado tempo, espaço e sociedade, almejando a preservação e exaltação de determinadas identidade e memória, onde fatos, documentos, objetos, imagens e pessoas são selecionados dentre outros para compor uma narrativa, é no mínimo instigante pensar que a história que tradicionalmente aprendemos a ler, ouvir, ver e transmitir pode ser apenas uma versão de outras histórias que são maiores e alheias ao sendo comum, à espera de um olhar analítico, como o olhar de um historiador.

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  • 30

    N. 3

    0 J

    AN

    /FE

    V 2

    01

    5

    O Conde de Bobadela

    Entrevista com Valdecir Freire Lopes

    Resenhas: Por um dia de

    carnaval (Bloco Piranhas da

    Serra) e Santo Agostinho

    A crise poltica em Terespolis e

    seus desdobramentos

    Alfabetizao e escolarizao: A

    instituio do letramento escolar

    Centros e Periferias no Mundo

    Luso-Brasileiro, 1500-1808

    "Iracema", de Antnio Parreiras (detalhe)

    A imagem

    plstica do

    Brasil Imperial:

    construo de

    uma nao

    romntica no

    Segundo

    Reinado

  • A Revista de Histria Amnsia

    uma publicao bimenstral. Os

    artigos enviados podero ser

    publicados caso sejam aprovados

    pela Revista. As opinies expressas

    nos artigos assinados so de

    responsabilidade exclusiva de seus

    autores.

    REVISTA DE HISTRIA AMNSIA

    LUIZ ALBERTOFUNDADOR E EDITOR-CHEFE

    ARTUR ESTEVESEDITOR E REVISOR

    MARCELO CAMPOSEDITOR E REVISOR

    RODRIGO MELODIAGRAMAO

    Correio eletrnico: [email protected]

    Quer publicar um artigo? Entre em contato conosco:

    Acesse o nosso blog:

    revistaamnesia.wordpress.com

    "o erro, humano, lastimvel;

    a correo, exigvel, aceitvel;

    a perfeio, desejvel, inatingvel"

    Do livro "Canto Mudo", de Manoel Pereira

    Errata da edio 29

    1- A graa do nome do autor do texto As principais

    inuncias religiosas na passagem da Medievalidade para

    a Modernidade pp. 21-29 Alessandro Lopes Silva e no

    Alessandro Lopes da Silva.

  • 30 janeiro & fevereiro/2015

    Editorial

    O Conde de Bobadela

    Paulo Paranhos

    Entrevista com Valdecir Freire Lopes

    Artur Esteves, Alessandro Lopes Silva, Marcelo Campos e Rodrigo Melo

    5

    6

    Resenhas: Por um dia de carnaval (Bloco Piranhas da Serra) e

    Santo Agostinho

    Artur Esteves

    A crise poltica em Terespolis e seus desdobramentos

    Artur Esteves

    Alfabetizao e escolarizao: A instituio do letramento escolar

    Jorge Barbosa

    21

    16

    A imagem plstica do Brasil Imperial: construo de uma nao

    romntica no Segundo Reinado

    Maria Gabriela da Silva

    Centros e periferias no mundo Luso-Brasileiro, 1500-1808

    Alessandro Lopes Silva

    25

    23

    17

    26

  • Editorial

    REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 P. 05 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Sendo a Histria uma construo de um dado tempo, espao e sociedade, almejando a

    preservao e exaltao de determinadas identidade e memria, onde fatos, documentos, objetos,

    imagens e pessoas so selecionados dentre outros para compor uma narrativa, no mnimo instigante

    pensar que a histria que tradicionalmente aprendemos a ler, ouvir, ver e transmitir pode ser apenas

    uma verso de outras histrias que so maiores e alheias ao sendo comum, espera de um olhar

    analtico, como o olhar de um historiador.

    No tocante Histria do Brasil, nosso por que est voltado para o Segundo Reinado, poca em

    que foi criado um projeto de construo da histria nacional para um pas recm liberto de sua

    metrpole, enaltecido pelo carter poltico que gozava ento por ser um estado Nacional autnomo e

    "civilizado", apesar da disposio geogrca - que por sua vez, fazia grande diferena nas Amricas,

    anal, tratava-se do nico baluarte monrquico ps-independncias locais.

    Assim, diante do Projeto do governo Imperial de Dom Pedro II de construo de uma

    "Histria e Cultura Nacionais Brasileiras", tendo sido o indgena considerado pela elite intelectual o

    smbolo que mais representava a identidade nativa do pas, foi objetivo desta pesquisa estudar a

    estruturao ideolgica e efetiva do citado projeto, o porqu da esttica romntica ter contribudo

    adequadamente aos seus interesses e, como a arte foi importante para a implementao de tal aspirao

    poltica no imaginrio popular, sobretudo, atravs das pinturas realizadas na Academia Imperial de

    Belas-Artes e de sua ressonncia pelas paredes do Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro (IHGB).

    Conra isso no artigo de Maria Gabriela.

    Artur Esteves faz uma avaliao da crise poltica em Terespolis sob a luz de pensadores

    como Maquiavel, Montesquieu e Plato, alm de resenhas sobre o livro "Por um dia de carnaval" de

    Delmo Ferreira e Mrio Aranha (que aborda o Bloco Piranhas da Serra) e sobre o lme "Santo

    Agostinho", cuja direo de Christian Duguay.

    Rio de Janeiro: uma das mais belas cidades do mundo completa, no ano de 2015, 450 anos de

    existncia, e, para marcar esta importante efemride, Paulo Paranhos elaborou um rpido esboo da

    biograa de Gomes Freire de Andrada, sem dvida nenhuma um dos principais governantes daquela

    cidade. Diplomata, economista, administrador, soldado, enm, um homem de viso larga e tino

    indiscutvel, destacado para armar a presena da Coroa Portuguesa em sua colnia, principalmente no

    que dizia respeito conduo dos negcios ligados extrao do ouro nas Minas Gerais.

    Alessandro Lopes Silva discorre sobre a chegada da Corte portuguesa ao Brasil em 1808, fato

    que tido como marco inicial do processo de emancipao poltica desta colnia pelas diversas

    mudanas que ocasionou.

    Jorge Barbosa resenha para ns o captulo "Alfabetizao e escolarizao: a instituio do

    letramento escolar" do livro "Alfabetizao e Letramento: Conceitos e Relaes", de autoria de Carmi

    Ferraz e Mrcia Mendona, que trata do estudo dirigido aos fenmenos da leitura e da escrita atravs do

    tempo. Faz uma proposta de discutir as relaes que se estabelecem entre a alfabetizao e o processo

    de escolarizao, de forma que analise o carter assumido na interveno na construo da

    alfabetizao na sociedade ocidental.

    Em Pernambuco, morou no pelo vilarejo de So Benedito, na cidade de Quipap e na capital

    Recife. Viveu tambm nas capitais federais, na antiga e na atual: Rio de Janeiro e Braslia. Extrapolou

    para o contexto latino-americano residindo tambm em Santiago do Chile e San Jos da Costa Rica e h

    tempos est em Terespolis, na serra uminense. O entrevistado Valdecir Freire Lopes, que deniu sua

    vida itinerante como "simples e exitosa", nos contou muito dela e ainda muito cou por contar.

    Revista de Histria Amnsia

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 P. 06 - 15 JANEIRO & FEVEREIRO 20156

    A imagem

    plstica do

    Brasil

    Imperial:

    construo

    de uma

    nao

    romntica no

    Segundo

    Reinado

    Maria Gabriela da Silva

    A nao eminentemente uma entidade histrica em que uma interpretao de seu passado

    e de suas origens torna-se elemento imprescindvel para sua compreenso ao mesmo tempo em que

    um elemento de sua prpria constituio Ricardo Salles, em Nostalgia Imperial

    Qualquer histria permite, por certo, vrias narrativas e inmeras leituras. (1)

    O homem um ser histrico e, assim o por pertencer a uma realidade dinmica fundada no

    devir de acontecimentos de um dado tempo e espao mas, sobretudo, por ser o principal agente

    construtor desta condio: o homem faz sua prpria Histria.

    Inerente ao homem, sua percepo e ao sobre o real tambm se constituem enquanto

    histrica, mnemnica. certo que o homem nunca viu da mesma forma a realidade como a concebe

    agora. Ele aprendeu a ver, criou modos para isso, os desconstruiu e criou sobre estes outros novos,

    instaurando uma relao entre passado, presente e futuro a qual ir reger os passos e as produes

    humanas desde a Pr Histria at a contemporaneidade

    Acreditando ou no nas convenes que regiam sua realidade, o homem sempre buscou

    meios para entender o seu tempo e espao. Ao longo de sua histria acreditou que se desenhasse de

    forma naturalista nas paredes de uma caverna o mamute de sua caa, este seria facilmente alcanado.

    No Egito sups uma continuao da vida terrena aps a morte, e para este novo real se mumicou,

    levando consigo seus bens mais valiosos. O Fara era deus. Na Grcia politesta o homem aprendeu a

    Textos

    Jos Maria de Medeiros Iracema, 1884 leo sobre tela.

    Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes.

    Maria

    Gabriela da

    Silva

    Graduada em

    Histria da

    Arte pela

    UERJ.

    Ps-graduada

    com

    Especializao

    em Histria

    do Brasil pela

    UCAM-RJ.

    Professora de

    Artes da rede

    municipal de

    Terespolis

    [email protected]

  • 7Textos

    REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06 -15 JANEIRO E FEVEREIRO 2015

    viver com deuses e deusas dotados de qualidades e

    sentimentos humanos e, em Roma viu nascer de uma

    catacumba o Cristianismo, que o faz crer at hoje na

    ressureio e na volta do Cristo.

    A Idade Mdia o apresentou um mundo

    hierrquico e imvel regido por leis celestiais os

    nobres eram escolhidos do Deus cristo e o homem

    comum era um pecador nato. Com a Renascena o

    homem acreditou no homem, no gnio, na razo.

    Aventurou-se nos mares e descobriu a Amrica, o

    Capital, o Brasil. No sculo XVII viu o Catolicismo

    ser ameaado pela doutrina protestante a f foi

    usado pelo homem para persuadir o homem. As

    monarquias de nacionais absolutistas e atingem seu

    auge.

    O homem setecentista se tornou se tornou

    industrial e estabeleceu uma nova e difusora ordem

    social no mundo: o ideal capitalista j permeava

    absoluto nas relaes humanas e o Iluminismo

    difundia a racionalizao como novo caminho para

    perceber e entender o mundo. A Frana clama por

    Igualdade, Liberdade e Fraternidade; na Amrica, os

    Estados Unidos se libertam da Inglaterra. No sculo

    XIX homens se libertam e colonizam outros homens.

    O Brasil conhece o Rei, o Imprio e a Repblica. O

    velho e o novo mundo j tm Estados Nacionais...

    momento histrico propulsor desta pesquisa.

    Sendo a Histria uma construo de um

    dado tempo, espao e sociedade, almejando a

    preservao e exaltao de determinadas identidade

    e memria, onde fatos, documentos, objetos,

    imagens e pessoas so selecionados dentre outros

    para compor uma narrativa, no mnimo instigante

    pensar que a histria que tradicionalmente

    aprendemos a ler, ouvir, ver e transmitir pode ser

    apensas uma verso de outras histrias que so

    maiores e alheias ao sendo comum, espera de um

    olhar analtico, como o olhar de um historiador.

    No tocante Histria do Brasil, nosso por

    que est voltado para o Segundo Reinado, poca em

    que foi criado um projeto de construo da histria

    nacional para um pas recm liberto de sua

    metrpole, enaltecido pelo carter poltico que

    gozava ento por ser um estado Nacional autnomo e

    "civilizado", apesar da disposio geogrca - que

    por sua vez, fazia grande diferena nas Amricas,

    anal, tratava-se do nico baluarte monrquico ps-

    independncias locais.

    Assim, diante do Projeto do governo

    Imperial de D. Pedro II de construo de uma

    "Histria e Cultura Nacionais Brasileiras", tendo

    sido o indgena considerado pela elite intelectual o

    smbolo que mais representava a identidade nativa

    do pas, objetivo desta pesquisa estudar a

    estruturao ideolgica e efetiva do citado projeto, o

    porqu da esttica romntica ter contribudo

    adequadamente

    aos seus interesses e, como a arte foi importante

    para a implementao de tal aspirao poltica

    no imaginrio popular, sobretudo, atravs das

    pinturas realizadas na Academia Imperial de

    Belas-Artes.

    O SEGUNDO REINADO NO

    BRASIL

    Para compreendemos o que representou

    historicamente o Segundo Reinado no Brasil

    temos que retroceder um pouco no tempo,

    voltando nossa ateno principalmente para o

    sculo XIX, no somente em relao ao

    panorama nacional mas tambm no tocante a

    Europa e restante da Amrica.

    Enquanto no continente europeu as

    consequncias da revoluo Industrial

    colocaram em cena as bases do capitalismo

    industrial, a Amrica de 1830 ensaiava passos

    incertos no sentido de obter uma estabilidade

    poltica e econmica, que se mostraria quase

    sempre bastante vulnervel. Se em Londres os

    operrios j saam s ruas empunhando

    bandeiras na luta pela liberdade sindical e pelas

    primeiras conquistas sociais, na Amrica Latina

    recm-sada da era colonial, as elites dominantes

    (2) continuavam a exercer um controle quase

    absoluto sobre a grande massa da populao que

    no Brasil era composta por ndios, negros,

    brancos e mestios.

    C o m s u a s f r o n t e i r a s a i n d a

    precariamente denidas, as jovens naes

    americanas estavam apenas no incio do

    conturbado per odo que se seguiu ao

    rompimento dos vnculos polticos com as

    metrpoles europeias. Excetuando Canad e as

    ilhas de Cuba e Porto Rico, quase todas as demais

    regies americanas eram constitudas, em 1830,

    por Estados Nacionais independentes: Estados

    Unidos (1776), Paraguai (1810), Argentina

    (1817), Chile (1818), Peru e Mxico (1821),

    Brasil (1822), Bolvia (1825), Uruguai (1828),

    Venezuela (1829), Colmbia e Equador (1830).

    No entanto, um fator diferenciaria a situao

    brasileira dos demais pases americanos - o

    Brasil era o nico pas na Amrica que aps a

    independncia poltica mantivera o sistema

    monrquico(3) em detrimento do republicano,

    alm de perdurar at 1888 a s i tuao

    escravocrata, que caracterizaria um dos pontos

    polmicos do projeto de construo escravocrata

    da histria nacional do Brasil - juntamente com

    as questes indgena e mestia, como j

    antecipava Jos Bonifcio em 1813:

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06-15 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    8

    ...amalgamao muito difcil ser a liga de tanto

    metal heterogneo, com brancos, mulatos, pretos

    livres e escravos, ndios etc. etc. etc. em um corpo

    slido e poltico (4)

    Como vimos, o sculo XIX na Amrica

    Latina foi notoriamente marcado por conquistas de

    independncia poltica e implementaes de

    Estados Nacionais, resultantes das inuncias

    advindas, em se tratando de Europa, do Iluminismo,

    da Revoluo Francesa e das mudanas geopolticas

    ocorridas pela expanso napolenica(5). No

    panorama americano, a independncia dos Estados

    Unidos em 1776 seria o acontecimento que

    impulsionaria as demais colnias a lutar por

    equivalente destino (6).

    Proclamada a independncia poltica do

    Brasil em 7 de setembro de 1822 por Dom Pedro I, e

    sendo este titulado o primeiro imperador da liberta

    nao, no cenrio social nada de representativo

    parece ter mudado: o sistema de governo adotado foi

    a Monarquia Consti tucional, os escravos

    continuaram escravos, os ndios permaneceram na

    simbologia do primitivismo e o branco como o

    detentor do conhecimento, da civilizao.

    Conforme Renato Ortiz (7), o negro e o ndio se

    apresentavam como entraves ao processo

    civilizatrio brasileiro. Como seria ento este

    projeto de construo da Histria Nacional

    Brasileira considerando tamanha disparidade social

    e, sobretudo, racial?

    Com a abdicao de Dom Pedro I a

    continuidade da monarquia cava assegurada e

    Dom Pedro II, ainda criana, passou a ser aclamado

    nos jornais como o consolidador de nossa

    independncia, como o monarca que, nascido em

    solo brasileiro, iria se voltar para os interesses da

    ptria.

    Concidados! J temos ptria; temos um

    Monarca smbolo de vossa unio, e da integridade

    do Imprio, que educado entre ns, recebera quase

    no bero as primeiras lies da Liberdade

    Americana, e aprendera a amar o Brasil que o viu

    nascer (...).(8)

    O s n o v e a n o s d a s R e g n c i a s s e

    desenvolveram em clima conturbado, com uma

    srie de rebelies estourando em diversos pontos do

    pas, dividindo-se os pasquins da poca segundo as

    tendncias de seus proprietrios e do prprio

    momento poltico, que se debatia entre movimento

    centralizadores e descentralizadores, como os

    pretendidos pela Balaiada no Maranho, a Sabinada

    na Bahia, Carneiradas em Pernambuco e a

    Cabanagem no Par.

    Com o golpe da maioridade Dom Pedro II

    encarnava seu Imprio aos 15 anos incompletos, e

    garantia-se a unidade e a continuidade do sistema

    monrquico. Desenlace do perodo da reao

    conservadora, arcado pelo retraimento dos liberais

    e das medidas de descentralizao, o golpe da

    maioridade selou a sorte da monarquia no Brasil e o

    destino da histria do pas na segunda metade do

    sculo XIX, em busca da criao de sua nova

    identidade. Tarefa nada fcil diante do quadro

    scio-poltico que se encontrava o Brasil,

    principalmente por ser um pas caracteristicamente

    mestio e cercado geogracamente por naes

    republicanas.

    Segundo Manoel Lus Salgado Guimares

    (9) as repblicas latino-americanas congurariam

    os grandes inimigos externos do Brasil, por terem

    corporicado diferente sistema poltico, o qual

    seria a representao da barbrie. Para justicar

    ento a permanncia da monarquia no pas, o Brasil

    necessitava de uma imagem, uma identidade

    contrria a que seria de um pas tomado por

    "brbaros". A sua conduta de nao civilizada,

    detentora de uma ordem interna precisava ser

    armada e divulgada em territrio estrangeiro e

    nacional. Valendo-se de duas importantes

    instituies produtoras de conhecimento cientco,

    o Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro e a

    Academia Imperial de Belas-Artes, o Brasil lana-

    se no difcil projeto de construo de sua prpria

    identidade nacional, quela que o faria ser peculiar

    ante os demais Estados Nacionais.

    Carte de visite do Imperador D.Pedro II,

    Philadelphia - EUA, 1876.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06-15 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    9

    O pensar a histria uma das marcas

    caractersticas do sculo XIX. (...) No palco

    europeu percebe-se claramente que o pensar a

    histria articula-se num quadro mais amplo, no

    qual a discusso da questo nacional ocupa uma

    posio de destaque. (...) O caso brasileiro no

    escapar, neste sentido, ao modelo europeu. (10)

    At 1822 a histria do Brasil sempre

    esteve atrelada histria de Portugal, seja na

    condio de colnia ou de Reino Unido. Como

    possesso da metrpole portuguesa, o Brasil

    ainda no gozava de uma identidade autnoma, e

    seus caminhos continuavam a ser outorgados por

    representantes portugueses, no caso a gura

    principal era d. Pedro I. Ideologicamente, o Brasil

    no era ainda um pas, no era uma nao.

    Com a proclamao da independncia

    poltica brasileira, cada vez mais a conscincia do

    conceito de nao ganhava espao e adeptos no

    pas, sobretudo no Rio de Janeiro, capital do

    Imprio. Entretanto, foi no Segundo Reinado que

    a discusso acerca da nacionalidade brasileira

    tornar-se-ia uma das preocupaes principais do

    governo imperial de D. Pedro II, sendo criado

    inclusive um projeto ocial de construo da

    Histria Nacional para o pas, onde determinados

    elementos foram enaltecidos e/ou esquecidos em

    prol da criao desta histria e, portanto, da

    memria e identidade nacionais.

    P a r a e s t e m e x e r c e u g r a n d e

    importncia o espao do Instituto Histrico e

    Geogrco Brasileiro (IHGB), fundado em 1838,

    por iniciativa da Sociedade Auxiliadora da

    Indstria Nacional, reformulado e transferido em

    1845 para uma das salas do Pao Imperial, a

    convite do prprio imperador Pedro II,

    representante mor do poder poltico do pas, e que

    viria a ser posteriormente protetor e patrocinador

    da instituio.

    Considerando a premissa de que h

    sempre algo oculto nos acontecimentos histricos

    ociais aguardando o olhar analtico de um

    historiador (onde as respostas anseiam pela

    inquietao de um simples mas essencial por

    que), o intuito desta pesquisa no - por mais

    contraditrio que possa ser, achar verdades para

    os fatos cujas explicaes encontram-se em

    aberto. No se pretende pesquisar o outro lado da

    histria ocial para depois, j com as "verdades"

    mostra, torn-la tambm ocial fonte de uma s

    memria, posio tambm adotada por Silvia

    Hunold Lara (11):

    (...) falar em vrias memrias ao invs de uma s

    no resolve a questo. No podemos continuar a

    operar como pressuposto da unicidade da

    memria social mesmo quando esta memria

    social quer se pr ao lado dos esquecidos e

    oprimidos. No basta simplesmente colocar a

    gura dos dominados no centro da histria,

    invertendo os valores da chamada histria ocial.

    Isso redunda simplesmente na constituio de um

    contra discurso que opera com os mesmos

    parmetros dos d iscursos dominantes ,

    construindo apenas uma outra fala: uma outra

    verdade que tambm se institui.

    Assim, se a Histria Nacional do Brasil

    comeou ser ideologicamente construda (com o

    aval do imperador do Segundo Reinado), no cerne

    do Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro,

    algumas questes se fazem relevantes para o

    entendimento do processo de criao e efetivao

    de tal histria: Quem participou das reunies no

    IHGB? Que funo exerceu d. Pedro II nesta

    situao? O que foi enaltecido e o que foi ocultado

    neste projeto? Quem foi o porta-voz dessa histria,

    no deixando mais ao gnio especulador dos

    estrangeiros a tarefa de escrev-la, segundo

    palavras de Janurio da Cunha Barbosa.

    A ideia de criao de um instituto

    histrico veiculada no interior da Sociedade

    Auxiliadora da Indstria Nacional (SAIN), criada

    em 1827 com a marca do esprito iluminista,

    presente em instituies semelhantes que

    brotaram no continente europeu durante os

    sculos XVII e XVIII, e que se propunha a

    incentivar o progresso e desenvolvimento

    brasileiros.

    Herdeiro da t radio ideolgica

    esclarecida de sua matriz criadora, e vivenciada

    como tal pelos seus membros - representantes da

    elite letrada imperial, funcionrio do Estado,

    magistrados, militares e burocratas - o IHGB se

    props a levar a cabo um projeto cuja marca a

    soberania do princpio nacional enquanto critrio

    fundamental denidor de uma identidade social.

    A princpio, o Instituto Histrico e

    Geogrco do Brasil fez de suas diretrizes a coleta

    e publicao de documentos relevantes para a

    histria do pas e o incentivo, ao ensino pblico, de

    estudos de natureza histrica. Se uma inter-relao

    e n t r e E s t a d o e p r o d u o d o d i s c u r s o

    historiogrco nacional j se fazia sentir desde a

    sua fundao em 1838, tal proximidade assumir

    vnculos mais estreitos e diretos a partir de 1849-

    1850, coincidindo a estabilizao do poder central

    monrquico e de seu projeto poltico centralizador

    - do qual o IHGB seria o plo a reunir e processar

    as informaes advindas de suas liais regionais.

    O BRASIL QUER SUA HISTRIA

    NACIONAL: O IHGB

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06-15 JANEIRO E FEVEREIRO 2015

    Textos

    10

    Aps a sua transferncia para as instalaes

    do Pao Imperial em 15 de dezembro de 1849,

    efetivando a relao entre Histria e Poltica, o

    IHGB ter nova funo alm da j existente:

    denir a identidade da nao brasileira enquanto

    representante da ideia de civilizao no Novo

    Mundo. Ora, se esta identidade primava acima

    de tudo a noo de homem civilizado e,

    portanto, branco, logo estariam excludos desta

    Histria nacional ndios e negros, por suas

    respectivas condies nesta sociedade. Ricardo

    S a l l e s c o m e n t a s o b r e a m i s s o

    institucionalizada do branco em ser o agente

    capaz de "iluminar", difundir o saber ao restante

    da sociedade:

    (...) o papel da elite como elemento

    civilizador e, eventualmente, protetor dos

    incapazes para levar a vida por conta prpria

    era enfatizada. Por sua vez, na gurao deste

    natural, a exaltao ou a averso ao meio, como

    fator de riqueza ou obstculo ao progresso da

    civilizao nos trpicos, funcionava como

    elemento moldador do carter do homem

    brasileiro. (12)

    Composto, em sua maior parte, da "boa

    elite" da corte e de alguns literatos selecionados,

    que se encontravam sempre aos domingos e

    debatiam temas previamente escolhidos, o

    IHGB pretendia fundar a histria do Brasil

    tomando como modelo uma histria de vultos e

    grandes personagens sempre exaltados tal qual

    o s he r i s nac iona i s . E po r me io do

    nanciamento direto, do incentivo ou do auxlio

    a poetas, msicos, pintores e cientistas, D. Pedro

    II tomava parte de um grande projeto que

    implicava, alm do fortalecimento da

    monarquia e do Estado, a prpria unicao

    nacional, que tambm seria obrigatoriamente

    cultural.

    Segundo Lilian Moritz Schwarcz, o

    monarca formava a sua corte ao mesmo tempo

    que elegia historiadores para cuidar da

    memria, pintores para guardar e enaltecer a

    nacionalidade, literatos para imprimir tipos que

    a s imbol izasse . Em uma s i tuao de

    consolidao do projeto monrquico, a criao

    de uma determinada memria passou a ser uma

    questo quase estratgica.

    Com o Instituto Histrico e Geogrco

    Brasileiro, a pesquisa histrica adquirida no

    Brasil status de cincia e incentivos nanceiros,

    equiparando-se em importncia ao espao

    obtido pelas Cincias Humanas na Europa

    oitocentista. Sobre o apoio e iniciativas

    nanceiras por vezes endereadas pelo Estado a

    espaos construtores e legitimadores de ideias a

    serem "absorvidos" pela sociedade, como algo a

    ser celebrado e lembrado em carter singular,

    Silvia Hunold Lara comenta:

    O simples fato da necessidade deste

    movimento justicador e sacralizador, da

    ostentao gloriosa de uma nica memria, por si

    s, j indica que no se trata de uma armao

    tranquila. Instituies so criadas, recursos

    nanceiros investidos, prdios restaurados e

    acervos so reunidos: o esforo que a noo de

    memorial envolve evidencia que este no um

    movimento pacco, natural... (13)

    Retomemos questo da identidade

    nacional, a qual permeou a pauta da elaborao da

    histria brasileira no sculo XIX. Ao passo que o

    Brasil representava a civilizao no Novo Mundo,

    o caos era o smbolo das naes vizinhas, ou seja, a

    monarquia era ordem, a Repblica a desordem. Era

    pertinente que uma imagem pacca e patritica

    veiculasse em solo nacional e que fosse, sobretudo,

    acreditada, sentida e exercida pelo povo. D. Pedro

    II e a elite poltica da corte se preocupavam, dessa

    maneira, com o registro e a perpetuao de uma

    certa memria, mas tambm com a consolidao de

    um projeto romntico, para a conformao de uma

    cultura "genuinamente nacional".

    Se no plano da poltica externa uma

    monarquia encravada bem dentro do continente

    americano gerava desconanas, mesmo

    internamente era tambm preciso criar uma

    identidade. (...) Em 1838, forma-se o IHGB,

    congregando a elite econmica e literria carioca.

    justamente esse recinto que abrigar, a partir da

    dcada de 40, os romnticos brasileiros, quando o

    jovem monarca d. Pedro II se tornar assduo

    frequentador e incentivador, com a maioridade, dos

    trabalhos dessa instituio. (14)

    Foi s mais tarde - se comparando as obras

    de Ferdinand Denis e Almeida Garret em 1826 -

    porm, que o romantismo se associou a um projeto

    de cunho nacionalista. Nesse processo foi decisiva

    a converso de um grupo jovens brasileiros

    residentes em Paris, mais ou menos entre 1832 e

    1838, e que l foram acolhidos por intelectuais

    franceses que tinham vivido no Brasil e faziam

    parte do Institut Historique. Esses mesmos literatos

    publicaram em 1836 os dois nicos nmeros da

    revista Niteri, considerada um marco do

    romantismo brasileiro. Seguindo o lema "tudo pelo

    Brasil e para o Brasil", os organizadores da

    publicao previam a busca e exaltao das

    originalidades locais.

    Como lembra Manoel Lus Salgado

    Guimares ao denir a Nao brasileira enquanto

    representante da ideia de civilizao no Novo

    Mundo, a historiograa produzida pelo IHGB

    estar denindo aqueles que internamente caro

    excludos deste projeto por no serem portadores

    da noo de civilizao: ndios e negros.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06-15 JANEIRO E FEVEREIRO 2015

    Textos

    11

    E se em sua bricolage" de uma identidade

    pretendida nacional o romantismo ignorou

    completamente a presena do negro (15),

    equivalente destino no teve a gura do indgena,

    recuperada metaforicamente para ser alegoria dos

    tempos pr imit ivos do Brasi l e heri da

    nacionalidade, esquivando-se da prpria vida em

    prol da continuao do processo histrico.

    Contudo, adverte Salgado Guimares ao

    dizer que se a representao do indgena enquanto

    portador da "brasilidade" a ser exaltada foi

    veiculada amplamente pelo movimento romntico

    atravs dos folhetins literrios e das pinturas

    histricas, o espao ocupado pelo autctone nas

    pesquisas etnogrcas empreendidas pelo IHGB e

    publicada em sua respectiva revista tinha

    conotao mais cientca e menos "imaginativa", o

    que acarretou ampla discusso entre os membros

    do Instituto Histrico, encarregados de construir a

    Histria Nacional do Brasil:

    Ser portanto, em torno da temtica

    indgena que, no interior do IHGB, e tambm fora

    dele, travar-se- um acirrado debate em que

    literatura, de um lado, e histria, de outro,

    a rg u m e n t a r o s o b re a v i a b i l i d a d e d a

    nacionalidade brasileira estar representada pelo

    indgena. (16)

    Sabia-se muito pouco a respeito dos

    indgenas, mas na literatura ferviam os romances

    picos que traziam chefes e indgenas heroicos,

    amores silvestres com a oresta virgem como

    paisagem. Os antigos dicionrios de nossas lnguas

    nativas feitos pelos indgenas que poderiam ser

    entremeados s estrofes dos novos poemas. Se

    cabia historiograa formar um panteo de heris

    nacionais, criar um passado e buscar continuidade

    temporais, foi na rea da literatura que a atuao de

    D. Pedro II ganhou maior visibilidade. Debaixo da

    proteo direta do monarca tomou fora o

    m o v i m e n t o q u e p r e t e n d i a p r o m o v e r a

    autonomizao da literatura brasileira e novo

    caminho para a pintura ocial, sob os moldes do

    romantismo e da conveno do indianismo.

    Neste panorama, as artes plsticas e a

    literatura, atravs do movimento romntico-

    indianista, idealizaram a gura do nativo brasileiro,

    equivalente ideia do bom selvagem de Jean

    Jacques Rousseau. O indgena adquiria signicado

    mtico; o negro permanecia na obscuridade

    histrica; o branco europeu era esclarecido, detinha

    o conhecimento cientco e, logo, o poder de

    seleo dos fatos, dos objetos, das imagens e

    pessoal a se tornarem memorveis, histricas.

    Assim, a literatura cede espao ao discurso

    ocial e o indgena transformado em um modelo

    nobre tomou parte, mesmo que como perdedor, da

    grande Gnese do Imprio, agora nas mos de d.

    Pedro II e nos pincis dos pintores da Academia

    Imperial de Bela -Artes.

    Tudo pelo Brasil e para o Brasil (17)

    No Brasil, o Romantismo encontrou um

    p r o c e s s o r e v o l u c i o n r i o e m c u r s o : a

    independncia de 1822, que lanou ao pas um

    novo desao - arma-se como nao. Isto queria

    dizer construir uma identidade prpria. Esta foi a

    principal tarefa dos nossos romnticos.

    Uma arte que expresse com imagens a

    particularidade social e nacional ir acontecer

    como projeto poltico a partir do sculo XIX. Com

    a hora emergencial das naes surge a

    representao dos anseios de liberdade poltica e

    social que tornavam os parmetros estticos do

    barroco ultrapassados. No Brasil oitocentista, a

    complexidade da vida civil desponta com a

    fabulao da natureza romntica que se ergue

    como modelo da identidade nacional, atravs da

    linguagem acadmica, ou seja, ocial.

    No Brasil, como sabemos, a independncia

    excluiu a ampliao dos direitos civis e de

    cidadania ao conservar o trabalho escravo e o

    antigo regime monrquico. A elite escravocrata

    brasileira adotou a cautela com poltica buscando

    evitar rupturas para esquivar-se dos dois grandes

    fantasmas da poca: a radicalidade da abolio

    dos escravos no Haiti (1791-1804) de Toussaint

    LOverture e Dessalines cujo sangrento

    confronto com a elite colonial francesa resultou

    na esmagadora vitria que ocorria em vrios

    pases latino-americanos, como consequncia das

    lutas de libertao nacional.

    A arte acadmica deu ao pas uma imagem

    ocial a partir do processo de modernizao da

    colnia e a vinda da famlia real para o Rio de

    Janeiro no incio dos oitocentos. A abertura dos

    Portos (1808) e o Reino Unido de Portugal, Brasil

    e Algarves (1820) estreitavam as relaes

    comerciais com o mundo, colocando o Brasil na

    rota do comrcio internacional. Novos ares

    reluziam nas ruas da cidade, onde se mesclavam

    nobres, militares, comerciantes e aventureiros.

    Artistas e cientistas atrados pela possibilidade de

    desenvolverem pesquisas iniciam a valorosssima

    produo cientca e artstica dos viajantes que

    popularizou costumes nativos e populares,

    caractersticas da sociedade civil e da paisagem

    urbana atravs de uma grande profuso de

    iconograas e relatos.

    Durante o reinado de D. Pedro I a arte esteve

    sob forte inuncia dos artistas da Misso

    Francesa e dos artistas viajantes, onde o ndio era

    tema constante na linguagem dos leques

    comemorativos, aparecendo com alegoria da

    monarquia e do pas.

    O IDERIO ROMNTICO:

    MOLDURA DAS ARTES

    PLSTICAS NO BRASIL

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06 -15 JANEIRO E FEVEREIRO 2015

    Textos

    12

    Com o incremento da industrializao e do

    comrcio, notadamente a partir da Revoluo

    Industrial do sculo XVIII, a burguesia, na Europa,

    vai ocupando um ideolgico maior. As ideias do

    emergente Liberalismo incentivam a busca da

    realizao individual por parte do cidado comum.

    Nas ltimas dcadas do sculo, esse processo levou

    ao surgimento, na Inglaterra e na Alemanha, de

    autores que caminhavam num sentido contrrio ao

    da racionalidade clssica e da valorizao do

    campo, conforme normas da arte vigente at ento.

    Esses autores tendiam a enfatizar o nacionalismo e

    identicavam-se com a sentimentalidade popular.

    Essas ideias foram o germe do que se denominou

    "Romantismo".

    Tais atitudes e outras consequncias delas

    foram se consolidando e, ao chegarem Frana,

    receberam um vigoroso impulso graas revoluo

    Francesa de 1789. Anal, essas tendncias

    literrias individualistas identicavam-se

    amplamente com os princpios revolucionrios

    franceses de derrubada do Absolutismo e ascenso

    da burguesia ao poder, atravs de uma aliana com

    camadas populares. A partir da, o iderio

    romntico espalhou-se por todo o mundo ocidental,

    inclusive para o Brasil, levando consigo o carter

    de agitao e transgresso que acompanhava os

    i d e i a i s r e v o l u c i o n r i o s f r a n c e s e s q u e

    atemorizavam as aristocracias europeias. A

    desiluso com esses ideiais lanaria muitos

    romnticos em uma situao de marginalidade em

    relao prpria burguesia. Mesmo assim,

    devemos associar a ascenso burguesa ascenso

    do Romantismo na Europa.

    O romantismo aparecia como o caminho

    favorvel expresso prpria da nao recm-

    fundada, pois fornecia concepes que permitiam

    armar a universal idade mas tambm o

    particularismo, e portanto a identidade, em

    contraste com a metrpole, mais associada nesse

    contexto tradio clssica. O gnero vinha ao

    encontro, dessa maneira, do desejo de manifestar

    na literatura e na pintura uma especicidade do

    jovem pas, em oposio aos cnones legados pela

    me-ptria, sem deixar de lado a feio ocial e

    palaciana do movimento.

    Alm de escritores, pintores tambm

    manifestaram seus anseios nacionalistas em suas

    obras, uma tentativa de recuperar o tempo perdido

    enquan to co ln ia , po r vezes r ec r i ando

    idealisticamente nas produes do presente os mais

    de dois sculos de um passado de co-dependncia

    que no se queria lembrar, tampouco retornar em

    sua ntegra. O Brasil livre reescreve a histria de

    seu passado, escolhe heris e funda mitos, tendo no

    Segundo Reinado, agora com D. Pedro II no poder,

    a ocializao e apoio totalitrios na construo

    deste presente que se pretende armar e consolidar

    no seu prprio tempo, e assim se resguardar

    historicamente para o futuro, atravs da

    transposio de sua identidade e memria

    materializadas em produes literrias e plsticas.

    Os laos que uniro a arte aos interesses do

    Estado estavam ainda, no Primeiro Reinado, em

    fase de consolidao. Tambm em termos estticos,

    h um processo de adaptao, na medida que os

    cdigos do neoclssico tornavam-se anacrnicos

    quando aplicados realidade brasileira. no

    Segundo Reinado que a expresso alegrica ir

    partilhar com o Romantismo do encontro com o

    sentimento patritico. No imaginrio conservador

    a ideia de Nao amadurece a cooptao do bom

    selvagem rousseaniano, tornando frequente a

    identicao entre ndio e monarquia nas

    linguagens alegricas. As relaes do regime com a

    classe artstica se estreitam atravs da Academia

    Imperial de Belas-Artes cuja criao acontecer

    nalmente em 1826. O mecenato do imperador

    promove o plo artstico burgus, amplia as

    atividades artsticas dos sales e os prmios para

    fora do pas, obtendo como resultado, obras que

    funcionaro como espelho do Brasil. Assim, a

    AIBA tonar-se- o celeiro das imagens da

    identidade monrquica e nacional.

    A Academia Imperial de Belas-Artes a grande

    responsvel por uma transformao que vai se

    evidenciando a partir das exigncias do novo

    cenrio sociocultural. O barroco relegado a

    segundo plano e o neoclassicismo passa a imperar,

    sobretudo na corte e em algumas capitais. Mas ser

    o movimento Romntico que assumir a

    incumbncia de registrar nas telas o imaginrio

    pretendido pelo Governo Imperial para a nao

    brasileira. Ser o romantismo e suas respectivas

    obras de arte que faro o papel - juntamente com as

    produes literrias e com a prpria sistematizao

    do ensino de Histria no pas - de porta voz da

    Histria Nacional.

    O romantismo no Brasil no foi apenas um

    projeto esttico, mas tambm um movimento

    cultural e poltico, profundamente ligado ao

    nacionalismo. O nacionalismo brasileiro, pintado

    com as cores do lugar, partiu sobretudo das elites

    cariocas, associadas monarquia, e esforavam-

    se em chegar a uma emancipao em termos

    UM BRASIL CIVILIZADO E ROMNTICO:

    A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS-

    ARTES

    A independncia poltica em 1822 aorou no

    Brasil um sentimento comum entre seus habitantes,

    o nacionalismo, responsvel por discusses

    entusiasmadas em diferentes espaos ociais de

    produo de conhecimento, como a Academia

    Imperial de Belas-Artes no Rio de Janeiro, palco do

    movimento Romntico-Indianista nas Artes

    Plsticas.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06-15 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    13

    culturais. Os temas eram nacionais, mas a cultura,

    em vez de popular, era cada vez mais palaciana e

    voltada para uma mera estetizao da natureza

    local. (18)

    A AIBA representava o resultado imediato da

    Misso Francesa que chegara ao Brasil em 26 de

    maro de 1816 com o intuito de aqui fundar uma

    academia de artes. No entanto, a escola s passaria

    a funcionar dez anos depois, e mesmo assim

    enfrentando muitas diculdades de ordem

    econmica. Foi apenas no Segundo Reinado que a

    Academia viveu uma situao mais estvel,

    sobretudo graas aos auxlios pblicos e privados

    do monarca, seu principal mecenas.

    Empreendendo uma poltica semelhante do

    IHGB, o imperador passou a distribuir prmios,

    medalhas, bolsas para o exterior e nanciamentos,

    assim como participou com assiduidade das

    Exposies Gerais de Belas-Artes, promovidas

    anualmente, ou entregou insgnias das Ordens de

    Cristo e da Rosa aos artistas de maior destaque. Em

    1845, d. Pedro passou a custear o Prmio Viagem,

    aberto anualmente, e que nanciava um pensionato

    no exterior durante o perodo de trs anos.

    Produtora, a partir de ento, todas as imagens

    ociais do Imprio, a Academia ditar no s

    estilos como temas: o motivo nobre, o retrato, a

    paisagem e a pintura histrica estaro em voga,

    trazendo para as telas representaes do Imprio

    prxima da produo literria do IHGB.

    Foi, portanto, nas dcadas de 50 e 60 que o

    Brasil conheceu a consagrao do romantismo,

    c u j a m a n i f e s t a o c o n s i d e r a d a a m a i s

    "genuinamente nacional", o indianismo, teve nele o

    momento de maior prestgio, alcanando reas

    como poesia, romance, msica e pintura.

    Na literatura e na pintura os ndios idealizados

    nunca foram to brancos; assim como o monarca e a

    cultura brasileira tornavam-se mais e mais

    tropicais. Anal, essa era a melhor resposta para

    uma elite que se perguntava incessantemente sobre

    sua identidade, sobre sua verdadeira singularidade.

    Diante da rejeio ao negro escravo e mesmo ao

    branco colonizador, o indgena restava como uma

    espcie de representante digno e legtimo.

    Transformado em coadjuvante histrico apesar

    de estar em primeiro plano nas representaes

    literrias e plsticas romnticas, o ndio traria em si

    a simbologia da gnese nacional e do herosmo

    ptrio. Era o esprito da identidade anticolonial,

    anal, lutou contra a colonizao, contra a

    escravizao e era passvel de ser catequizado,

    civilizado.

    O ndio despontava assim como um exemplo

    de pureza, um modelo de honra a ser seguido.

    Diante de perdas to fundamentais - o sacrifcio em

    nome da nao e o sacrifcio entre os seus -, surgia a

    representao idealizada, cujas qualidades

    eram destacadas na construo de um grande pas.

    Entre a literatura e a realidade, a verdadeira histria

    nacional e a co, os limites pareciam tnues. No

    caso, a histria estava a servio de uma literatura

    mtica que, junto com ela, "selecionava origens"

    para a nova nao.

    A valorizao do pitoresco da paisagem e das

    gentes, do tpico em vez do genrico, encontrava no

    indgena encarnava no s o mais autntico como o

    mais "nobre", no sentido de se construir um

    passado honroso. Por oposio ao negro, que

    lembrava a escravido, o indgena permitia indicar

    uma origem mtica e unicadora.

    Sobre as obras pictricas romntico-indianistas

    produzidas via Academia Imperial, Lilian

    Schwarcz salienta que boa parte era realizada no

    exterior, em razo da poltica de nanciamento, e

    apresentavam uma idealizao da paisagem e da

    populao, coerente com o olhar de quem descreve

    de longe sem contato com a realidade em questo,

    caso de Moema, pintada por Vctor Meirelles e,

    Iracema, de autoria de Jos Maria de Medeiros. O

    resultado, segundo a mesma autora seria: "mais

    uma vez distantes do Brasil do sculo XIX, to

    marcado pela escravido negra, heris brancos e

    indgenas convivem em um ambiente inspito."

    Mas nem tudo eram ores no processo de

    construo da Histria e imaginrio nacionais;

    crticas contrrias ao indigenismo tambm faziam

    parte dessa mesma historiograa. Atacados de

    frente por historiadores como Varnhargen, que

    chamava os adeptos de tal movimento de "patriotas

    caboclos", os indianistas brasileiros ganharam,

    porm, popularidade e tiveram sucesso nesse

    contexto na imposio da representao romntica

    do indgena como smbolo nacional.

    No prprio crculo das Artes Plsticas a

    vertente indianista no agradava a todos, devido

    aos excessos romnticos. Apesar das crticas do

    grupo realista e do grupo bomio, que entenderam

    o gnero como excessivamente imaginoso,

    subjetivo e muito vinculado e dependente do

    Imprio, a representao romntica criou razes no

    pas. Sua popularidade talvez advenha menos do

    que contm de articial e exterior e mais de seu

    processo de inveno, reelaborao e adaptao

    realidade dos trpicos.

    Como um bom selvagem tropical, indgena

    miticado permitiu jovem nao fazer as pazes

    com um passado honroso, anncio de um futuro

    promissor. Se dissenses existiam, o projeto ocial

    tratava de apag-las. E em meio a um momento de

    grande estabilidade nacional, assegurada a

    monarquia, o projeto cultural ganhou fora na

    poltica imperial e qui, eternidade, anal,

    materializado atravs de pinturas resguardadas em

    Museus, espaos por excelncia de preservao da

    histria e da memria, o projeto de construo da

    Histria Nacional do Brasil alou mais do que

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06-15 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    14

    identicar-se enquanto Nao e legitimar uma certa

    ideologia poltica. O segundo Reinado, com a

    pompa digna de um Imprio, conseguiu atravs da

    memria coletiva social sua transcendncia no

    tempo.

    CONCLUSO

    Considerando ser tambm a Histria um

    patrimnio cultural, independentemente de estar

    simbolicamente representada em objetos, imagens,

    documentos e pessoas, este trabalho se props a ser

    uma das possibilidades de abordagem sobre um

    mesmo fato histrico.

    Desde o incio deste estudo a certeza de no

    haver uma nica histria e historiograa era

    permanente e, por esta razo, fez parte tambm

    dessa breve pesquisa os acontecimentos deixados

    de lado pelo discurso historiogrco ocial, anal,

    h sempre mo e contramo na histria.

    Assim, estudar no somente a Histria nacional

    Ocial do Brasil, mas tambm a sua contramo,

    enriquecedor e vlido para a prpria Histria do

    pas, alis, se caracteriza sobretudo por ser

    dinmica e, portanto, aberta a outras interpretaes,

    espera dos novos dados proveniente das

    perguntas feitas a partir das respostas j concedidas

    e conhecidas por ns. Respostas, estas, instveis

    por excelncia.

    Conhecer a histria do projeto de construo da

    identidade nacional brasileira no Segundo

    Reinado, ou seja, a criao ideolgica da histria

    nacional do pas, elaborada nas salas do Instituto

    Histrico e Geogrco Brasileiro, foi mais do que

    desvelar informaes que constituem nossa

    memria coletiva. Representou no delegarmos

    sempre a terceiros a nossa importncia na

    elaborao - em cada uma das pginas - da prpria

    histria de nosso pas.

    E como um dia o Brasil do sculo XIX reiterou

    a histria de seu "passado", hoje, somos ns os

    agentes capazes de conferir novas pesquisas e

    leituras deste novo passado, o nosso passado, que

    abarca inclusive o sculo XIX, continuando no

    somente a construir algumas linhas desta mesma

    histria mas, sobretudo, forticar e propagar a

    conscincia de que pesquisar algo histrico

    sempre uma busca por outras verses e, no

    verdades, onde sua preservao s possvel

    mediante sua permanente reconstruo.

    Assim, eis alguns dos resultados observados

    atravs das manifestaes concretas empreendidas

    em virtude do projeto da "pretendida" Histria

    Nacional Brasileira, cuja inteno era construir a

    identidade de uma nao em suas particularidades

    mas, se tornou sinnimo de elitismo, hierarquia

    social e centralizao poltica, concordando com

    Manoel Luiz Salgado Guimares.

    No tendo participado do grupo responsvel

    pelas decises tomadas sobre o vis que a Histria e

    a Identidade Nacionais deveriam reetir, tampouco

    das reunies que permitiriam a culminncia destas,

    nem no Instituto Histrico Nacional nem na

    Academia Imperial de Belas-Artes, ndios, negros,

    mestios e brancos pobres estavam margem da

    sociedade representada pelo projeto imperial de

    construo de uma Histria para o pas. Analisando

    as representaes plsticas e literrias romnticas

    do turbilho nacionalista, como se a escravido e

    os mestios no existissem e, num lapso de

    memria acreditaramos, inclusive, que o ndio de

    fato foi o heri da civilizao e no uma mera

    utilizao alegrica sinnima do que seria a tal

    "brasilidade" e a servio de um propsito bem

    maior.

    Idealizando de forma elitista e excludente o

    projeto de construo da Histria Nacional acabou

    por representar na prtica sua verossimilhana com

    a estrutura da sociedade em questo, onde o

    princpio de civilizao regia e norteava as relaes

    entre os homens, relaes estas nem um pouco

    igualitrias. Nitidamente hierrquica, aristocrtica

    e racista a sociedade imperial fazia questo de se

    portar como a nica detentora de levar a "luz" e o

    progresso aos impossibilitados cienticamente de

    det-la por conta prpria.

    Por estas razes, curiosamente, o projeto da

    criao de uma Histria Nacional para o Brasil

    acabou por ter concretizado seu propsito: atravs

    esttica romntica difundiu por meio das artes

    literria e plstica a concepo da identidade

    brasileira que se pretendia. Se deveria abarcar a

    totalidade, construindo a Nao em sua diversidade

    e multiplicidade de aspectos, a historiograa

    produzida foi a marca do sistema social vigente

    onde as classes e os indivduos sem bero, laos

    consanguneos, de parentesco ou at mesmo

    econmicos no poderiam mesmo ter voz nem vez,

    a no ser enquanto iluso romntica.

    Prdio do IHGB - Rio de Janeiro

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 06 -15 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    15

    O fato de ter sido poltico o projeto de

    construo da Histria e identidade nacionais, por

    sua vez estruturado e efetivado em duas instituies

    nanciadas e protegidas pelo Estado Monrquico,

    nos remete a uma interpretao cuidadosa, pois a

    presena do corpo imperial no rumo das pesquisas

    histricas desenvolvidas em tais espaos de

    produo de conhecimento cientco no se

    c o n g u r a p o r s e r i s e n t a d e q u a i s q u e r

    responsabilidade e decises quanto aos seus

    respectivos resultados.

    Entretanto, este no foi o primeiro caso

    onde as artes foram utilizadas como meio de difuso

    de uma determinada mensagem, no importa de

    qual teor. As produes artsticas acima de qualquer

    nalidade so fontes importantes e ricas em

    informaes, como so os documentos histricos e

    os livros. Portanto, a participao poltica

    empreendida pelas pinturas romnticas no Segundo

    Reinado no Brasil no as condena a ter menor valor

    histrico, artstico ou esttico. A arte fruto da

    capacidade humana de criao e pesquis-la assim

    como a Histria uma forma de produzir

    conhecimento.

    Referncias

    1.Cunha, M.C. Antropologia do Brasil. So Paulo:

    Brasiliense, 1986.

    2.A aristocracia aucareira e posteriormente a cafeeira.

    3.O Brasil adotou o sistema da Monarquia Constitucional

    aps a independncia.

    4.In: Guimares, M.L.S. Nao e Civilizao nos

    Trpicos. N.1. In: Estudos Histricos, 1988. p.2

    5.Em virtude da tomada Napolenica da Pennsula

    Ibrica, a Familia Real Portuguesa fugiu em 1808 para o

    Brasil - sua colnia, provocando mudanas signicativas

    no cotidiano brasileiro.

    6.No caso brasileiroa luta foi pacca, caracterizando-se

    sobretudo por manobras polticas.

    7.Ortiz, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional.

    2 ed. SP Brasiliense, 1986. p.20.

    8. Aurora Fluminense, 11/4/1831

    9.Guimares, M.L.S. Nao e Civilizao nos Trpicos.

    N.1. In: Estudos Histricos, 1988. p. 3

    10.Guimares, M.L.S. Nao e Civilizao nos Trpicos.

    N.1. In: Estudos Histricos, 1988. p. 11

    11.LARA, Slvia Hunold. Histria, Memria e Museu.

    So Paulo: DPH, 1991. p. 105

    12.Salles, Ricardo. Nostalgia Imperial. RJ: Topbooks,

    1996. p. 92

    13.Lara, Silvia Hunold. Histria, Memria e Museu. So

    Paulo: DPH, 1991. p. 105

    14.Schwarcz, Liliam Moritz. As Barbas do Imperador. 2

    ed. SP: Companhia da Letras, 1999. p. 126

    15.Ortiz, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional.

    2 ed. SP: Brasiliense, 1986. p. 19

    16.Guimares, Manoel L. S. Nao e civililizao nos

    trpicos. Estudos Histricos, N. 1. RJ, 1988. p. 8

    17.Lema do nacionalismo insurgente nas pginas da

    revista Niteri

    18.Schwarcz, Liliam Moritz. As Barbas do Imperador.

    2ed. SP: Companhia da Letras, 1999.

    BIBLIOGRAFIA

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    Record, 1988.

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    Brasil: Imprio. So Paulo: Companhia das Letras.

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    Bottmann e Federico Carotti. So Paulo: Companhia

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    Presena da Literatura Brasileira. Das Origens ao

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    CANDIDO, Antonio; CASTELO, Jos Aderaldo.

    Fomao da Literatura brasileira: Momentos decisivos.

    Vol. 2, 5 ed. So Paulo: Edusp, 1975.

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    CUNHA, M.C. Antropologia do Brasil. So Paulo:

    Brasiliense, 1986.

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    psicologia da representao pictrica. So Paulo:

    Martins Fontes, 1980.

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    civilizao nos trpicos: o IHGB e o projeto de uma

    histria nacional. In: Estudos Histricos. N.1. Rio de

    Janeiro, 1988.

    LARA, Silvia Hunold. Histria, Memria e Museu. So

    Paulo: DPH, 1991.

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    GINSBURG, J. (org). O Romantismo. So Paulo:

    Perspectiva, 1978.

    O ROMANTISMO NO BRASIL. Literatura, Artes

    Plsticas e Msica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1988.

    ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade

    nacional. 2ed. So Paulo: Brasiliense, 1986.

    PADILHA, Solange. O Imaginrio da nao nas

    alegoria e indianismo romntico no Brasil do sculo

    XIX. Mimeo.

    SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial. A formao da

    identidade nacional no Brasil no Segundo Reinado. Rio

    de Janeiro: Topbooks, 1996

    SCHWARCZ, Lilian Moritz. As Barbas do Imperador:

    D. Pedro II, um monarca nos trpicos. 2ed. So Paulo:

    Companhia das Letras, 1999.

    WEHLING, Arno (coord). Origens do Instituto

    Histrico e Geogrco Brasileiro. Ideias loscas e

    sociais estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de

    Janeiro, 1989.

    SITE PESQUISADO:

    MULTRIO

    Empresa Municipal de Multimeios Ltda.

    Secrataria Municipal de Educao

    Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

    Site: , acessado em 12/02/2006 www.multirio.rj.gov.br

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 P. 16 JANEIRO & FEVEREIRO 201516

    Nos ltimos anos temos assistido episdios

    nos quais Terespolis aparece na grande mdia,

    infelizmente de forma negativa. Com a catstrofe

    natural de 2011 cou evidente esta crise poltica e

    tambm uma crise de autoridade que j existia, em

    menor escala e se tornou bem profunda. Disse

    certo pensador que quando o lder no segue bons

    exemplos, pautados pela tica e honestidade,

    desviando-se do caminho reto, ele perde seu poder

    de autoridade e liderana sobre seus comandados,

    assim como o respeito destes. E foi justamente o

    que ocorreu com o prefeito daquela poca.

    Acabou deposto por seus pares. Seu vice assumiu,

    mas faleceu dias depois. O abismo poltico est

    aberto e como um buraco negro das teorias da

    fsica, s tende a aumentar e a sugar para dentro do

    mar de lama quem se encontra perto.

    O entrelaamento entre o poder Legislativo

    e Executivo comea a tomar forma, uma aliana

    para defender interesses escusos. Essa espcie de

    aliana vai totalmente contra as teorias do poltico

    e pensador francs Montesquieu, o qual

    apregoava que cada um dos 3 poderes (legislativo,

    executivo e judicirio) deveriam ser autnomos

    de forma a que um scalize as aes do outro. A

    mescla entre estes poderes, ainda de acordo com o

    referido pensador poderia gerar casos de

    corrupo, ferindo o Esprito das leis e

    prejudicando a populao.

    E foi justamente o que ocorreu e est ocorrendo em

    Terespolis, levando o Executivo e o Legislativo a

    carem no descrdito do povo e a virar algo de

    chacotas por parte do mesmo.

    A orgia poltica, que antes acontecia somente

    nos bastidores, na calada da madrugada fria, agora

    veio luz do dia e junto com seus agentes, sem

    temor de nada. Como disse o cientista poltico e

    lsofo Nicolau Maquiavel em sua obra O

    Prncipe, "os ns justicam os meios". E para

    impedir a revolta popular alguns mecanismos de

    coero e sobremodo outros para iludirem as

    pessoas. Na Roma antiga era o po e circo, agora

    estes mtodos seriam: cerveja, futebol, bunda e

    carnaval e com direito a apoio da mdia vendida. O

    gigante at havia se levantado em 2013, porm foi

    apenas para ir ao banheiro fazer suas necessidades

    siolgicas e voltou a dormir em bero

    esplndido, para em seguida voltar sua cova

    ftida.

    Plato (lsofo grego dos sculos V e IV A.C)

    disse "quando os bons se omitem os maus

    prevalecem". justamente o que vem ocorrendo

    na poltica nas 3 esferas (Unio, Estados e

    Municpios). Se faz de suma importncia a unio

    de todos para lutar contra esse estado de coisas.

    Meu amigo e poeta Vidocq Casas costuma dizer

    que "se no resistirmos morreremos". Resista, no

    desista!

    Que venham os prximos captulos dessa

    novela trgica...

    A crise poltica em

    Terespolis e seus

    desdobramentos

    Foto: Marcelo Campos

    [email protected]

    Cmara de Vereadores e Prefeitura Municipal.

  • Textos

    17REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 P. 17 - 20 JANEIRO E FEVEREIRO 2015

    Completando 450 anos de existncia, a cidade do Rio de Janeiro teve em Gomes

    Freire de Andrada um dos seus principais governantes, homem de viso larga e tino

    indiscutvel para marcar a presena da Coroa Portuguesa na administrao do ouro,

    mesmo porque foi governador da Capitania das Minas Gerais e um dos principais

    mentores da transferncia da capital de Salvador para o Rio de Janeiro.

    Antnio Gomes Freire de Andrada nasceu em 1685, em Portugal, lho do

    mestre-de-campo Bernardino Freire de Andrada, heri militar, e de Joana Vicncia de

    Meneses; neto de Manoel Freyre de Andrada e bisneto de Jacyntho Freyre de Andrada,

    este nascido em Beja e descendente da Casa de Bobadela e dos Andrada, da Galiza.

    No se deve confundi-lo com o irmo de seu pai Gomes Freyre de Andrada seu

    homnimo, um pouco menos clebre verdade e que, como governador do Maranho,

    reprimiu a revolta de Manoel Beckman, em 1685, contra as Companhias de Comrcio

    portuguesas naquela regio.

    O Gomes Freire do Rio de Janeiro foi moo-dalgo e dalgo-escudeiro,

    membro dos conselhos de D. Joo V e de D. Jos I. Estudou no Colgio das Artes da

    Universidade de Coimbra, ocasio em que, tambm, assentou praa, progredindo na

    carreira militar durante a Guerra de Sucesso espanhola. Em 1733 foi enviado para o

    Brasil como Capito-general da Capitania do Rio de Janeiro, cargo que ocupou por

    quase 30 anos.

    Paulo

    Paranhos,

    Historiador

    e membro

    do IHGMG,

    Instituto

    Histrico e

    Geogrco

    de Minas

    Gerais

    [email protected]

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 17 -20 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    18

    O que mais chamou a ateno de Gomes

    Freire no incio de seu governo foi o contrabando

    do quinto do ouro. Diversos historiadores anotam

    que no dia de sua posse a guarnio do Registro de

    Paraibuna conseguiu apreender um contrabando

    de 1.700 oitavas de ouro, sendo presos, na

    ocasio, Domingos Affonso, Antonio Pereira

    Silvestre e Pedro Gomes, alm do mais clebre

    contrabandista do Brasil, Antonio Pereira de

    Souza, este que era provedor dos quintos em

    Minas, atuando como falsicador da liga do ouro

    e da moeda portuguesa em curso. A partir desse

    episdio, Gomes Freire designou Garcia

    Rodrigues Paes e seu lho Igncio Dias Velho

    para reprimirem o contrabando, com isto

    conseguiu, em pouco tempo, a apreenso de

    10.374 oitavas de ouro.

    No dia 16 de fevereiro de 1734, em carta

    ao rei de Portugal, mostrou sua preocupao com

    relao cobrana do quinto, alertando contra os

    descaminhos do ouro e as possveis rebelies que

    poderiam ocorrer contra a cobrana daquele

    tributo. Assim que, em 2 de janeiro de 1735, por

    sua atuao contra o contrabando e como forma de

    por em prtica as suas ideias para conter o desvio

    do ouro, tambm foi nomeado como governador

    da Capitania de Minas Gerais: a partir da fez

    aumentar consideravelmente a arrecadao do

    quinto no Brasil.

    Teve participao decisiva nas minas do

    distrito de Paracatu, quando de sua descoberta em

    1743 , ag indo p ron tamente pa ra o seu

    aproveitamento, envidando grandes esforos para

    acabar com a falta de controle da circulao

    daquele metal precioso e a desorganizao da

    coleta dos quintos reais. De igual sorte, reprimiu o

    contrabando articulado a partir do Rio de Janeiro,

    estabelecendo um sistema de taxas sobre o ouro

    das Minas Gerais, determinando a imposio de

    um contrato sobre os diamantes no Tijuco e

    supervisionando a renovao urbana de Ribeiro

    do Carmo (atual Mariana).

    De acordo com Varnhagen, como

    administrador dos quintos da Coroa portuguesa,

    Gomes Freire conseguiu que fossem arrematados

    os contratos reais, montando o valor dos dzimos a

    160:000$000; a dzima da alfndega, a

    122:000$000; sal, 55:300$000; passagem do

    Paraibuna, 44:430$000; sisa dos escravos

    (compreendendo Bahia e Pernambuco),

    30:296$000; tabaco e fumo, 25:820$000,

    subsdio grande dos vinhos, 14:000$000;

    aguardente do Reino 5:560$000, azeite doce,

    4:290$000.

    Atuao no Rio de Janeiro

    Gomes Freire teve atuao inigualvel na

    cidade do Rio de Janeiro. Construiu o palcio do

    governo, concludo em 1743; o aqueduto da

    Carioca e a fonte pblica da Praa do Carmo (atual

    Praa XV). Procurou dar um impulso vida do Rio

    de J ane i ro , t r azendo novos bene f c io s

    administrativos, culturais e militares. de seu

    tempo a construo dos Arcos da Carioca, para

    conduo de gua do Morro do Desterro (atual

    Santa Teresa) para a cidade. A obra fora iniciada em

    1673, na administrao de Joo da Silva e Sousa,

    mas efetivamente realizada entre 1744 e 1750, com

    12 km de extenso, tendo 42 arcos e 17 metros de

    altura.

    Gomes Freire e o ouro do Brasil

    A administrao pblica prosperou sobremodo

    com o estabelecimento de contratos vantajosos

    relativos a vinhos, tabaco, aguardente, azeite doce

    e outros produtos. Alexandre Max Kitzinger, em

    sua Resenha Histrica da Cidade de S. Sebastio

    do Rio de Janeiro, nos d a seguinte informao:

    Este governador mereceu do povo o nome de "Pai

    da Ptria" e o heri do poema pico Uraguai.

    Edicou o Convento de Santa Teresa, chafariz de

    pedra-mrmore no largo do Palcio; reconstruiu o

    aqueduto da Carioca; fez a dupla ordem de arcaria

    de volta inteira; recolheu os lzaros em 2 prdios,

    em So Cristvo, e lanou a primeira pedra da

    Catedral do Rio de Janeiro; em 1743 construiu na

    Praa do Carmo (depois Largo do Pao), o novo

    edifcio para residncia dos Governadores e junto

    fonte da Carioca um tanque de lavar para

    serventia da populao (Revista do IHGB,

    LXXVI).

    Edicou a Fortaleza da Conceio, concluiu

    as obras da Fortaleza da Ilha das Cobras,

    principiadas pelo governador anterior. Deu incio

    s aulas de artilharia e construo dos seminrios

    de So Jos e de So Pedro. Estimulou a fundao

    da primeira imprensa no Rio de Janeiro, em 1747,

    atravs de Antnio Isidoro da Fonseca, iniciativa

    que, no entanto, desagradou a Coroa que, alm de

    proibir a imprensa na colnia, andava temerosa da

    demasiada ilustrao dos brasileiros. Foi o

    governador censurado e obrigado a fechar a

    tipograa.

    A construo da catedral do Rio de Janeiro

    a nova S - seria levada a efeito em terreno onde

    hoje se encontra a Faculdade de Filosoa da UFRJ,

    anteriormente Escola Politcnica, no Largo de So

    Francisco. Esse projeto no foi levado adiante.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 17-20 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    19

    Localizou em apenas uma rua - Rua dos

    Ourives, hoje parte Rodrigo Silva e parte Miguel

    Couto (atravessando a Av. Rio Branco) - os

    ourives do Rio de Janeiro para coibir o

    contrabando de diamantes e ouro.

    Foi no governo de Gomes Freire que a

    Cmara do Rio de Janeiro recebeu, por proviso

    real, de 1757, o ttulo e as prerrogativas de Senado

    da Cmara que conservou at a proclamao da

    independncia, quando, pela Constituio do

    Imprio, passou a ser "Ilustrssima Cmara

    Municipal". Em agosto de 1760, o Senado da

    Cmara do Rio de Janeiro determinou que o

    retrato de Gomes Freire fosse axado na sala de

    sesses, como prova de reconhecimento pelos

    servios prestados ao rei.

    Na qualidade de governador da cidade

    do Rio de Janeiro foi o primeiro presidente da

    Relao, tribunal criado por ato de D. Jos I, em

    13 de outubro de 1751 e instalado efetivamente

    em 15 de julho do ano seguinte. Rezava o artigo

    1o, do Alvar Rgio, que desta Relao ser

    Governador o mesmo que pelo tempo o for da

    cidade e Capitania do Rio de Janeiro e o seu

    artigo 26: no sendo o Governador presente em

    Relao, ou sendo ausente da cidade de So

    Sebastio, servir em seu lugar o Chanceler, ou a

    quem por este servir. Ainda com relao Justia

    do Rio de Janeiro, o Governador tinha como

    funes, dentre elas, ordenar o pagamento dos

    desembargadores da Relao, scalizar o

    cumprimento das obrigaes por parte dos

    desembargadores, reunir extraordinariamente a

    Mesa do Desembargo do Pao, quando julgasse

    conveniente.

    O gosto pela cultura

    Atuou intensamente em favor da cultura

    e da instruo na colnia. Deu ele grande

    incentivo s belas-artes, estimulando a fundao

    da "Academia dos Felizes e dos Seletos", no Rio

    de Janeiro. Essa Academia, criada em 1752,

    homenageou o prprio governador, resultando

    dela diversos volumes de versos em portugus,

    latim e espanhol, publicados em Lisboa. Custeou

    a educao de muitos jovens de talento no

    seminrio de So Jos, entre os quais Baslio da

    Gama, autor do poema O Uraguai (1769), um

    poema pico narrando a luta conta os ndios

    aldeados pelos jesutas na regio dos Sete Povos

    das Misses. primeira vista trata-se de um

    poema encomistico, comum na poca, elogiando

    a poltica do marqus de Pombal e das colnias.

    Ali, as tropas portuguesas comandadas pelo

    general Gomes Freire de Andrada, aparecem

    numa luta herica contra os indgenas, que

    resistem no menos heroicamente, o que reala

    inclusive o valor dos comandados de Gomes

    Freire. So os jesutas os viles da histria

    ("negros bandos de noturnas aves"), acusados de

    organizar militarmente os indgenas para lutar

    contra os portugueses. Alis, os jesutas foram

    alvo de constante perseguio por parte da

    administrao metropolitana, expressada na sua

    forma mais signicativa pelo marqus de Pombal,

    1o ministro de D. Jos I.

    As campanhas no sul do Brasil

    Em 1752, Gomes Freire embarcou para o

    sul como plenipotencirio do rei de Portugal para

    dar execuo ao Tratado de Madri, tendo deixado

    no governo de Minas Gerais seu irmo Jos

    Antonio Freire de Andrada, que ali cou at o

    falecimento de Gomes Freire em 1763. No Rio de

    Janeiro, substituiu-o, temporariamente, uma

    Junta Governativa composta pelo Chanceler Joo

    Alberto de Castelo Branco, o frei Antnio do

    Desterro e Jos Fernandes Pinto Alpoim.

    Exmio diplomata e estrategista militar,

    Gomes Freire destacou-se como ministro

    plenipotencirio nas conferncias sobre os limites

    da fronteira meridional do Brasil. Militar de

    grandes qualidades, comandou a sangrenta

    campanha dos exrcitos auxiliares portugueses e

    espanhis no Rio Grande do Sul, Uruguai, Buenos

    Aires e Colnia do Sacramento para debelar a

    rebelio dos ndios de 1750, conhecida como a

    Guerra Guarantica ou a Guerra das Misses.

    Foi condecorado com o ttulo de Conde

    de Bobadela por decreto de 8 de outubro de 1758.

    Em 5 dezembro de 1762, recebeu a

    notcia de que D. Pedro de Ceballos tinha tomado

    Sacramento, considerada uma "colnia carioca",

    o que abalou sua j frgil sade. Sucumbiu em

    consequncia do choque recebido com a

    informao da perda de uma frota que enviara,

    com duas fragatas inglesas - a Lord Clive e a

    Ambuscade -, em socorro da Colnia do

    Sacramento, e que ali chegando foi em parte

    destroada.

    Dono de invejvel capacidade de

    administrao e de acendrado cosmopolitismo,

    dele diria Varnhagen: embora nascido na Europa,

    Bobadela era todo do Brasil, onde governara

    quase trinta anos, com tanto zelo, brio e

    patriotismo.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 17-20 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    Assim que, poca de sua morte, o Rio de Janeiro j estava quase todo estruturado,

    apto a comportar a sede do governo colonial, o que efetivamente se consolidaria em 27 de junho

    de 1763.

    Segundo a Noticia dos ttulos do Estado do Brasil, em 1765, de Jacintho Rodrigues da

    Cunha, Bobadela era garboso, franco e de extraordinria vivacidade; nas falas parecia veemente,

    porm era apenas ativo. Sua piedade, juzo, circunspeco e honradez, deixou-os estereotipadas

    nas Instrues que, em 1752, deu a seu irmo ao entregar-lhe o governo de Minas Gerais.

    O j mencionado historiador ptrio Francisco Adolfo de Varnhagen, em sua obra-

    prima, Histria Geral do Brasil, props que o povo carioca, movido da gratido nacional,

    erigisse a Bobadela uma esttua no aqueduto da Carioca, em seu tempo ultimado, ou desse o seu

    nome a alguma das povoaes ou praas do Rio de Janeiro, medida que a Cmara de Vereadores

    do Rio de Janeiro se incumbiu de executar, denominando a Rua e depois Avenida Gomes Freire,

    aberta no ano de 1917, entre as ruas Visconde do Rio Branco e Riachuelo.

    Segundo Max Fleiuss, eminente historiador e que fora presidente do Instituto Histrico

    e Geogrco Brasileiro, de todos os nossos governadores, Bobadela foi o que maior soma de

    poderes exerceu, com a superintendncia de todas as capitanias do sul do Brasil, por carta

    patente de 8 de maio de 1733 a 1o de janeiro de 1763, data de seu falecimento. No deixou

    descendentes: morreu pouco depois de ser nomeado Vice-Rei do Brasil, sendo sepultado na

    capela do Convento da Ajuda (Santa Teresa), no Rio de Janeiro.

    20

    ARCOS DA LAPA - RJ

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 21-22 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Textos

    Alessandro Lopes Silva

    Portugal - uma das naes mais atrasadas

    da Europa em incios do sculo XIX encontrava-

    se frequentemente diante da possibilidade concreta,

    estimulada e aconselhada por muitos a ter a sede de

    seu governo transferida para o Brasil, colnia da

    qual se tornara totalmente dependente. A cada crise

    no Continente Europeu a ideia se renova, mas

    somente a partir dos ecos da Revoluo Francesa,

    mais particularmente em seu perodo Napolenico,

    a ideia ganhou fora e premncia. Com maior vigor

    a partir de 1801 a ideia frequentemente era

    cogitada. No entanto o Prncipe Regente D. Joo

    era fraco demais, inclusive, temeroso demais e

    indeciso demais para adotar medida de to graves

    monta e repercusso.

    Somente quando pressionado pelo avano

    das tropas napolenicas do General Junot, em ns

    de 1807 e pressionado pela Inglaterra, a deciso foi

    tomada de maneira to apressada e atabalhoada que

    muitos bens dos fugitivos para o Brasil caram

    empilhados no cais: bagagem, livros da Real

    Biblioteca, prataria saqueada de igrejas, etc. Alm

    disso, as embarcaes vieram todas apinhadas de

    gente, sem os cuidados tcnicos necessrios a uma

    to longa travessia (levaria cerca de 3 meses para

    atravessar o Atlntico nas rsticas naus da poca):

    pelo menos dois navios sequer conseguiram zarpar

    e o suprimento dos que zarparam no dia 29 de

    novembro de 1807 mal eram sucientes para 2 ou 3

    semanas. Foi sem dvida uma fuga apressada e

    decidida s pressas e, sem a escolta britnica a

    prover quase tudo o que faltava, a viagem estaria

    fadada a uma tragdia.

    Enfrentando as saunas em que os navios selados

    da poca se transformavam nos Trpicos, com

    gua e refeies racionadas, condies

    sanitrias precarssimas, a Corte e seus

    inmeros lacaios e bajuladores, de ministros a

    clrigos e oportunistas com suas numerosas

    famlias, penou trs meses de cu e mar. O

    escorbuto (falta de vitamina C) e outras

    molstias ceifaram vidas, uma infestao de

    piolhos obrigou a todos a raspar a cabea, uma

    tormenta provocou um desvio de rota que a

    muito custo foi reticada, sempre com o apoio

    logstico da Marinha Britnica, e nalmente, a

    22 de janeiro de 1808 os navios aportaram em

    Salvador.

    Um fato curioso que a princesa Carlota

    Joaquina, suas lhas e damas da corte

    desembarcaram com uns turbantes rsticos

    enrolados na cabea para disfarar a calva a que

    foram reduzidas pela infestao de piolhos. As

    d a m a s d a s o c i e d a d e s o t e r o p o l i t a n a

    consideraram ser aquela uma moda europeia e

    aderiram com tal entusiasmo que at hoje as

    Baianas usam a indumentria.

    A escala em Salvador proporcionou

    momentos de repouso aps viagem to longa e

    penosa e, aconselhado pelos seus ministros, D.

    Joo decidiu receber autoridades do Norte-

    Nordeste Brasileiro para as esquisitas

    cerimnias de "beijo-mo": las de dalgos

    Alessandro

    Lopes Silva,

    graduando

    em Histria,

    Unopar

    [email protected]

    21

    Jean Baptist Debret, Pao Imperial. 1830.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 21-22 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Com todas as fraquezas, todo o medo e

    covardia, alm de toda a corrupo que cercou a

    fuga da Famlia Real para o Brasil, devemos o

    princpio de nossa emancipao poltica

    ( v u l g a r m e n t e c o n h e c i d a c o m o

    "Independncia") a este episdio, a esta

    travessia de 1808.Atravs de brutais represses

    e da concentrao autocrtica o Brasil, ex-

    colnia portuguesa, manteve sua integridade

    territorial, lingustica e, em alguns aspectos

    "cultural", ao contrrio do Imprio Colonial

    Espanhol que se fragmentou em dezenas de

    Naes distintas.

    Os nicos problemas armados

    envolvendo o episdio conhecido como

    "Independncia", o 7 de setembro de 1822,

    quando D. Pedro rompeu com as cortes

    portuguesas, foram de alguns portugueses e

    brasileiros nativos que se rebelaram contra a

    autonomia desejosos de continuar mamando

    nas tetas de Portugal. Estes foram repelidos,

    novamente, com a ajuda de mercenrios

    ingleses contratados pois nossa Marinha estava

    ainda em projeto.

    De mais a mais, como Portugal devia

    2 milhes de libras esterlinas Inglaterra, para

    reconhecer a autoridade de D. Pedro I sobre o

    Brasil a ex-metrpole exigiu o repasse da

    dvida para a nova Nao Brasileira, dando o

    pontap inicial em nossa interminvel dvida

    externa.

    Textos

    esperando a vez para oscular as extremidades dos

    braos do Prncipe Regente, uma constante na vida

    de D. Joo, que exigia estas demonstraes de

    delidade e submisso com regularidade enquanto

    governou. Era preciso fortalecer os vnculos entre

    as provncias do Brasil colnia que, aos poucos,

    viria a se transformar numa nao, sede do

    governo portugus no exlio.

    No dia 7 de maro de 1808 a esquadra de D.

    Joo chega Baa de Guanabara, mas o

    desembarque ocorre somente no dia seguinte. Os

    puxa-sacos que sempre cercam esse tipo de

    acontecimento no Brasil prepararam uma

    recepo retumbante, com muitos tiros de canho,

    fogos de artifcio e festas populares para saudar "a

    chegada do primeiro monarca Europeu a terras

    americanas".

    Portugal foi saqueada pelos fugitivos de

    Napoleo antes de embarcar para o Brasil, mas

    mesmo assim os recursos eram insucientes para

    sustentar uma das maiores cortes que qualquer

    monarca da poca ousava manter em torno de si.

    Todos dependentes dos cofres governamentais e

    sequiosos de um enriquecimento rpido por aqui

    para uma volta a Portugal primeira oportunidade.

    Casas foram requisitadas pela coroa

    portuguesa que nelas colava cartazes com as

    iniciais P.R. (casa requisitada pelo Prncipe

    Regente) que a irreverncia carioca rapidamente

    entendeu como "Ponha-se na Rua!" Os impostos

    foram aumentados a nveis at ento inusitados.

    Uma vez que a sede do governo

    portugus situava-se no Rio de Janeiro, foram

    necessrias algumas medidas, muitas das quais

    expressamente acertadas com a Inglaterra pela

    "cortesia" da escolta, progressistas para a poca,

    como a Abertura dos Portos s Naes Amigas,

    pelo acordo acertado com antecedncia, o Brasil

    seria o principal escoadouro do excedente

    comercial britnico e a Inglaterra contava com

    benefcios alfandegrios ainda superiores aos dos

    portugueses.

    Foi necessrio ainda criar um rgo para

    evidenciar a moeda que circularia por aqui, o

    Banco do Brasil. Como foi criado na base do

    compadrio e muita corrupo, teve vida efmera.

    Em 1820 teve seus cofres saqueados pela Famlia

    Real de volta para Portugal, faliu e acabou sendo

    liquidado em 1829. Somente em 1835, j no

    governo de D. Pedro II o Banco do Brasil foi

    recriado.

    Como a oposio ao governo era um

    crime gravssimo, o nico jornal com alguma

    postura crticas que, mais tarde, contudo, precisou

    ceder ao governo portugus, era o Correio

    Braziliense, que Hiplito da Costa editava em

    Londres.

    22

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    RUSSEL-WOOD, A. J. R.. Centros e periferias

    no mundo luso-brasileiro,1500-1808. Rev.

    bras. Hist. [online]. 1998, vol.18, n.36, pp. 187-

    2 5 0 . I S S N 1 8 0 6 - 9 3 4 7 .

    h t t p : / / d x . d o i . o r g / 1 0 . 1 5 9 0 / S 0 1 0 2 -

    01881998000200010.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 PP. 23-24 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Resenha

    Autor: Carmi Ferraz Santos, graduada em

    Histria e Pedagogia pela Universidade Federal

    de Pernambuco, mestrado em Educao pela

    Universidade Federal de Pernambuco (1999) e

    doutorado em Lingustica Aplicada pela

    Universidade Estadual de Campinas (2004).

    Atualmente professora da Universidade Federal

    Rural de Pernambuco no curso de Licenciatura em

    Pedagogia. Tem experincia nas reas de

    Educao e Lingustica, com nfase em Formao

    de professor e Lingustica Aplicada, atuando

    principalmente nos seguintes temas: escrita,

    ensino, professores, leitura e representao social.

    R e s u m o : C a p i t u l o A l f a b e t i z a o e

    escolarizao: a instituio do letramento

    escolar, desenvolvido pela Carmi Ferraz Santos

    do livro: Alfabetizao e Letramento: Conceitos

    e Relaes, organizado por Carmi Ferraz e

    Marcia Mendona, trata do estudo dirigido aos

    fenmenos da leitura e da escrita atravs do

    tempo. Fazendo uma proposta em discutir as

    relaes que se estabelece entre a alfabetizao e o

    processo de escolarizao, de forma que analise o

    carter assumido na interveno na construo da

    alfabetizao na sociedade ocidental.

    23

    Jorge

    Barbosa,

    graduando

    em

    pedagogia

    pela FMU -

    SP

    Jorge Barbosa

    [email protected]

    Alfabetizao e escolarizao: a instituio do

    letramento escolar

    A ideia de uma escola para todos

    subsidiada pelo Estado, j vem desde Plato na

    Grcia, prevendo o desenvolvimento do

    conhecimento humano. O processo de

    alfabetizao vem muito antes de se instaurar

    uma escola, prevista por Plato, agindo de modo

    informal, ensinado por grupos ou familiares a

    aprendizagem da leitura e escrito, "A maioria das

    crianas aprendia a ler e, talvez, a escrever com

    seus pais ou vizinhos, sem licena e sem

    treinamento [...]" (Cook-Grumper, 1991).

    O processo de alfabetizao proporciona

    ao homem, mais um meio de comunicao, pois,

    agora ele pode se comunicar com outras pessoas

    alfabetizadas, sendo cartaz, folhetos, registro em

    livros e entre outros. Neste mesmo perodo, sc.

    XVIII, a sociedade estava em desenvolvimento,

    a chamada Revoluo Industrial, tomando lugar

    ao ant igo s is tema de economia rura l ,

    estabelecendo uma nova ordem socioeconmica.

    A industrializao necessita de mo de obra

    qualicada; as fbricas, precisavam de pessoas

    a l f abe t i zadas pa ra t r aba lha r em seus

    maquinrios.

  • REVISTA DE HISTRIA AMNSIA TERESPOLIS N. 30 P. 23 - 24 JANEIRO & FEVEREIRO 2015

    Com o desenvolvimento das tecnologias

    nas fbricas, a educao, principalmente aquela

    que atende s classes mais baixas, tiveram que

    fazer alteraes no ensino. A populao precisa ser

    alfabetizada para colocar as indstrias em

    funcionamento, para atender as demandas da

    burguesia que cada vez mais e principalmente a

    partir da Revoluo Industrial, ganhou mais fora.

    Segundo Manacorda (1989) "Este duplo,

    processo, de morte da antiga produo artesanal e

    do renascimento da nova produo da fbrica,

    gera o espao para o surgimento da moderna

    instituio escolar pblica"

    Nesta primeira discusso, o processo de

    alfabetizao j existia antes mesmo de ela ser

    formal regulamentada pelo Estado, para atender a

    sua demanda. O problema consiste em, se

    realmente toda a sociedade precisava ser

    alfabetizada, mas como o desenvolvimento da

    economia, e o advento da Revoluo Industrial, o

    governo viu que era necessrio mudar sua

    educao popular, para manter o crescimento

    socioeconmico.

    Embora esta no seja a nica fora motriz

    social, a religio j empregava este modelo, ento

    como o Estado se viu cercado pelo clericato, que j

    vinha adotando o seu modelo educacional em

    alfabetizar a populao, atravs das palavras da

    bblia, institua-se o comeo desta escola

    moderna. Segundo Chartier (2002) "[...] as ordens

    missionrias encarregavam-se da pregao da

    doutrina crist. [...] As crianas deveriam ir

    escola para aprender a ler as oraes que

    constituam o ritual da missa e aprender o