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Edição n.4. Tema: Sensibilidades

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Page 1: Revista Vide História n.4
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Pedindo perdão pelo atraso deste número, é com grande satisfação que lançamos a Revista Vide História nº 4. Trazendo o tema Sensibilidades buscamos instigar algumas reflexões sobre a complexidade de pensar as relações entre as subjetividades e a história. Sem nenhuma pretensão de esgotarmos o tema, nos esforçamos, principalmente, em destacar que diferentes processos históricos podem e são vividos de formas múltiplas, e muitas vezes imprevisíveis. A partir de algumas temáticas desenvolvidas aqui, buscamos propor algumas discussões e imaginações sobre como o tempo, o espaço, e as nossas diversas vivências e relações sociais constroem e reconstroem continuamente nossas sensibilidades, e em consequência, nossas formas de interação com o mundo.

É exercitando esse campo múltiplo de interpretações que este número foi pensado. Materializado em diferentes formas de escrita, o objetivo é trazer uma edição agradável, diversa em temas, cores e formatos, e que chegue às leitoras e leitores como um convite à imaginação, à interpretação e à reflexão.

Desejamos a tod@s uma deleitosa leitura.

Esperamos que você goste e aguardamos seus comentários.

Equipe Vide História

Editorial

Conselho Editorial: Gleidiane de Sousa Ferreira, Leandro Maciel Silva, Marcos Luã A. de Freitas e Tuan Roque Fernandes.Capa e Projeto Gráfico: Marcos Luã

Contato: [email protected]

O conteúdo da revista é de responsabilidade da equipe Vide História ou como indicado.

ExpedienteImagens: Todas as ima-gens foram retiradas da in-ternet, ou como indicado. Os direitos são reservados @s suas/seus respectiv@s proprietári@s.

A Revista Vide História foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0

Nos textos da Vide História utilizaremos o símbolo “@” para subs-tituir as indicações de masculino e feminino quando fizermos gene-ralizações de grupos humanos. Um exem-plo: “todos” será escri-to “tod@s”. Isso tem o objetivo de contemplar aos diversos gêneros ao mesmo tempo ao invés de considerar o gênero masculino como aque-le que generaliza a hu-manidade.

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Índice

5

9

8

16

15

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De quê rimos nós?

O vento

“Mulher só é completa quando é mãe”

Ópio

Sentidos e razõesem Wisława Szymborska

Os limites do aceitável

23Célia

Será?

4Célia

24Retravestir-se

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Vide História

4Nº 4 – Ano 3 – Maio de 2013

Célia

Célia

sempre desejou uma vida diferente.

Sempre desejou ter estudado, trabalhado fora,

viajado mais e engravidado menos.

Amava os filhos e aprendeu a amar o marido com o tempo.

Não se arrependia de tudo, mas queria ter sido outra

pelo menos por um instante.

Aos 45 anos, sentiu pela primeira vez o impulso de ir embora.

Planejou mudar-se para uma capital e estudar.

Sem os filhos, sem o marido e sem os pais.

Na hora, sentiu saudades de tudo.

Receou. Repensou. Desistiu.

Mudou.

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5Nº 4 – Ano 3 – Maio de 2013

Vide História

De quê rimos nós?

O artigo publicado em 1967, pelo antropólogo francês Pierre Clastres intitulado “De que riem os índios”

e que compõe o livro “A Sociedade contra o Estado” de 1974, trata de examinar a relação entre o mito e o riso indígenas. Neste artigo, Clastres expõe as diversas facetas dos mitos contados para o riso d@s ouvintes. “No riso provocado aparece uma in-tenção pedagógica: enquanto diver-tem aqueles que os ouvem, os mitos veiculam e transmitem ao mesmo tempo a cultura da tribo.” Clastres destaca que as figuras escolhidas para a caçoada geral, são aquelas que despertam o medo, o respeito ou a ira dos índios: xamãs e jaguares. Como na realidade não podem caçoar des-sas figuras, o fazem através de mitos em que elas aparecem como bobas e idiotas: “libera em sua narrativa uma paixão dos índios, a obsessão secreta de rir daquilo que se teme”, porém esses mitos que provocam o riso não desfazem a ideia que @s índi@s tem do jaguar e do xamã. O medo man-tém-se, e na realidade do cotidiano, se for preciso, matam-se jaguares ou xamãs muito perigosos.

A partir dessas observações

de Clastres, vem-me a pergunta: De quê rimos nós? Dentre as muitas coisas que despertam o nosso riso, compartilhamos com @s indígenas a paixão por rir daquilo que tememos, mas penso que nosso “senso de hu-mor” está mais ligado com @ dife-rente/oprimid@, com aquilo que não se parece conosco ou que gostaría-mos que não se assemelhasse.

Casos polêmicos envolvendo humoristas tornaram-se comuns. Discussões acaloradas sobre piadas “politicamente corretas” ou não, também são cada vez mais comuns e demonstram que o nosso humor pode, e deve, ser debatido e questio-nado. Não é de hoje que as apresenta-ções de humor utilizam estereótipos para produzir o riso. O caso do humor “blackface” é exemplar. “Blackface” foi um tipo de humor muito comum nos Estados Unidos e na Inglaterra no século XIX e que era feito por homens brancos que pintavam o rosto de pre-to (por isso “blackface”). Eram, gros-seiramente falando, apresentações de “stand up comedy” que tinham esquetes musicais e monólogos. Dito isso, então, de quê rimos?

Numa sociedade em que o “senso de humor” está ligado princi-

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palmente ao desejo de rir d@ dife-rente, d@ oprimid@, e que ao mesmo tempo, tenta caminhar no sentido da eliminação das diferenças que subju-gam, excluem e muitas vezes matam, o humor passa por uma luta em que alguns insistem na fórmula tradicio-nal (rir d@ diferente/oprimid@) e in-titulam @s crític@s de politicamente corret@s, e outr@s que tentam pro-duzir o humor rindo d@s que produ-zem ou mantém a opressão.

Porque @ diferente é tão en-graçad@? De uma forma geral, as situações que nos provocam o riso são aquelas em que as pessoas são mostradas como bobas, pouco in-teligentes, afeminadas, ou que estão em situações inusitadas, geralmente pouco abonadoras. Essas situações são engraçadas porque embaraço-sas. O medo do embaraço, de passar vergonha, causado por essas situa-ções, nos faz rir delas quando vemos outr@s as vivenciando, ou quando as imaginamos. Porém, ao criarmos uma história para gerar riso, criamos um cenário e personagens que se adequem o máximo possível, e para aquel@s que riem d@ diferente, as personagens são geralmente base-adas em estereótipos que são vistos pelo preconceito e pelo senso-co-mum como burros, incapazes e/ou inferiores. Ou seja: mulheres, negros, gays, deficientes físicos, gordos, etc.

Assim como o humor Chulupi é construído e reforçado historica-mente através da contação de mitos, nosso humor também se nutre dos mitos do fraco, do incapaz, do gro-tesco, do inferior, e se mostra cada vez mais parecido com o humor Chu-

lupi, estudado por Clastres, por tratar daquilo que nos amedronta, porém com uma grande diferença: temos medo daquilo que questiona nosso lugar no mundo, que põe em xeque

Reprodução: Cartaz do show de “blackface” do norte-americano Billy B. Van no início do século XX

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V

a nossa própria identidade e nossas próprias convicções, diferente do medo Chulupi que lida com a chacota à autoridade: pois jaguar e o xamã são a mesma entidade, já que para a cultura Chulupi um jaguar um dia foi um xamã.

Quando se ri d@ homosse-xual, se está rindo de alguém que é diferente e que deve ser mantid@ enquanto tal, visto como uma aber-ração, como inferior. Está-se refor-

çando a ideia de que nossa cultura é assim, não questionamos a condição daquel@ que é alvo da caçoada. Esse tipo de humor não ri do que é consi-derado forte, normal, ou ideal. Para isso, existe o humor questionador, que se contrapõe ao primeiro quando tem como alvo não @s estigmatizad@s ou oprimid@s, mas @s opressor@s, aquel@s que criam lugares e papéis hierarquizados em que ocupam os es-tratos mais altos. O humor que ques-tiona, ri e faz rir dos autoritarismos, dos preconceitos, dos estereótipos. Esse humor está cada vez mais liga-do aos movimentos por direitos civis. Nos Estados Unidos, por exemplo, o humor “blackface” teve cada vez me-nos aceitação na medida em que @s negr@s estadunidenses obtiveram seus direitos civis. Os gays passaram a reivindicar um melhor tratamento no humor, quando passaram a ter cada vez mais direitos reconheci-dos. Esse processo parece legitimar o humor como uma arma poderosís-sima como produtora e mantenedora de visões sobre o mundo e sobre @ outr@, e o controle dessa arma deve ser disputado.

O riso e o humor questio-nadores são como o riso dos Chu-lupi (fazem chacota com aquilo que temem) porém, temem aquilo que subjuga, exclui e mata!

Reprodução: Cartaz do show de “blackface” do norte-americano Billy B. Van no início do século XX

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O vento

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Em novembro de 2012 tive a oportunidade de ouvir uma das intelectuais feministas mais importantes do Bra-

sil atualmente, chamada Maria José Rosado Nunes. Essa mulher, militan-te do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, expressou como ninguém uma das maiores inquietações que existiam e ainda existem na minha cabeça de jovem feminista: O por quê de a maternidade ser considera-da uma missão e não uma escolha.

Ela inquietava o seu público dizendo: Quando uma mulher diz que está grávida, todas as pesso-as dizem: “Parabéns!”, “Estou mui-to feliz por você!”; “porém, quando uma mulher diz que está grávida e que pensa realizar um aborto, gran-de parte das pessoas diz: “Você tem certeza disso?” “Precisa pensar bas-tante para tomar essa decisão”, ou mesmo são mais diretos e dizem: “Não faça isso, você pode se arre-pender um dia”. Essas reações, que aqui se referem a uma generaliza-ção, mas que são, certamente, mais

frequentes do que as que apoiam as decisões das mulheres em rela-ção ao aborto, aportam-se em uma construção histórica chamada: ma-ternidade.

Não seria melhor, talvez, se perguntássemos: “Você tem certeza que quer por uma criança no mun-do?”, ou afirmarmos: “Precisas pen-sar bastante antes de decidir ter fi-lhos!”. E também, poderíamos dizer para uma mulher que buscasse por um aborto algo como: “Que bom que tomou essa decisão já que não estás certa sobre ter o filho”, “Você tomou a decisão correta!” O que nos impede de pensarmos desse modo? Muitas são as questões...

Do discurso proferido por muitas religiões que tendem a en-xergar as mulheres, especialmente, como figuras reprodutivas em que a maternidade se confunde com a própria importância da existência delas; aos discursos oficiais do Esta-do, que respaldados pela medicina e pela justiça vincularam a cidadania feminina e a autonomia sobre o pró-

“Mulher só é completa quando é mãe”

Será?

Por Gleidiane de Sousa Ferreira

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prio corpo à sua “funcionalidade” procriativa; o certo é que o signifi-cado de gerar filhos, assim como a ideia de maternidade, mais do que algo natural foram construções his-tóricas frutos de inúmeras disputas políticas.

A sociedade industrial, em moldes burgueses, consolidou-se na Europa principalmente a partir do fim do século XVIII. Preocupada com a legitimidade da descendên-cia e com a questão da herança – até então não tão disseminada como um modelo entre relações familia-res e Estado – estabeleceu uma no-ção de maternidade extremamente vinculada ao “papel” que as mulhe-res deveriam assumir na sociedade: a de mulher-mãe. Os modelos de família fomentados nessa morali-dade burguesa passaram a compre-ender a família como uma célula da sociedade, em que cada integran-te assumiria uma “função social”, e que enquanto esta fosse cumprida, o equilíbrio e a estabilidade de uma “ordem social” – política, econômica e social - estariam garantidos.

Para as mulheres, a função da maternidade honrada, ou seja, que garantiria a legitimidade dos fi-lhos e das filhas alterou, profunda-mente, as possibilidades de vida da sexualidade das mulheres nas socie-dades burguesas. A fidelidade con-jugal, e a garantia de exclusividade

marital por parte das mulheres pas-saram a ser, mais sistematicamente, uma preocupação de regulamenta-ção estatal, e não apenas uma con-denação moral. É nesse momento também, que emergiu uma dupla moral estruturante das relações afe-tivas e sexuais da sociedade, que ten-deu a qualificar as mulheres como “as boas para casar” e “as boas para fornicar”; garantindo a uma parcela destas a função de prover uma prole legítima, e à outra parte, a de saciar as vontades sexuais dos homens. Nesse sentido, a instituição do ca-samento fora se consolidando como um dos marcadores centrais das re-lações entre sexo, prazer, procriação e legitimidade social.

A imagem de mãe ideal foi sendo composta em um mosaico que unia as ideias de sexo vinculado ao casamento, à procriação, ao re-cato e à obediência, ou seja, a mu-lher honesta. Paralelamente, a sen-sualidade, o gosto pelo sexo para a busca de prazer, a não dedicação primeira, total e exclusiva para com o casamento e @s filh@s, assim como o comportamento insubmis-so diante da figura do “macho pro-vedor” foram se constituindo como definições de mulheres prostituídas, figuras de oponentes às figuras ma-ternas.

Concomitante a esses valo-res de organização familiar, a Ciên-

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cia, que nesse período se solidificava como um discurso cada vez mais for-te nas sociedades industriais, e era respaldada por sua pretensa neutra-lidade, também tratou de relacionar a vida e a existência das mulheres à função procriadora. Foi em meados do século XVIII, que o corpo e a psi-cologia das mulheres começaram a ser entendidos como essencialmen-te relacionados a esta função, e cada vez mais construído pelos saberes científicos como oposições ao corpo e à psicologia masculina. As ideias de fragilidade, passividade, delicadeza

e subserviência passaram a compor o dicionário científico sobre o corpo e o comportamento das mulheres, como características intrínsecas, na-turais e a-históricas.

Adequando essas caracte-rísticas ditas femininas a uma or-dem social que buscava afirmar uma naturalização dos sentimentos de amor e dedicação materna, como forma de criar um “universo femini-no” relacionado ao lar e ao ambien-te doméstico, o discurso científico – materializado especialmente nas práticas médicas do ocidente desde o século XVIII – assumiu um papel fundamental na valorização e na de-finição das mulheres principalmen-te na sua possibilidade genitora. As oposições que demarcaram as dife-renças sexuais, como as referências de que a mulher está para a nature-za, assim como o homem está para a cultura, acabaram por elevar a ma-ternidade – um conceito elaborado social, cultural e temporalmente – como algo que primeiramente defi-niria o que é ser mulher, e, portanto, a sua relação com o estático, com o pretensamente imutável.

É nesse momento que os infanticídios e os abortos pratica-dos secularmente e em diferentes sociedades, passaram a ser práticas fora da “ordem natural” das coisas, pois cada vez mais, a função repro-dutiva era relacionada a um valor

Pregnant woman - Alex Florschutz http://florschutz.com

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moral cujas mulheres “normais” te-riam “naturalmente” em suas vidas. A ausência de “amor materno” ou a priorização da própria vida, ao invés da vida da prole foi – e ainda é – uma forma de qualificar algumas mulhe-res como doentes e/ou criminosas. Ou seja, a naturalidade do amor ma-terno, e da ideia de que toda mulher só é completa quando é mãe cons-tituiu e constitui como desviadas as figuras femininas que escapam ao que seria essa “verdadeira natureza” das mulheres.

E é nesse discurso da “nature-za”, do “essencial” e do “intrínseco” que os vários feminismos de desde o século XIX vem questionando a ideia de maternidade como uma missão, como o apogeu da existência femi-nina, e vem ressaltando que as mu-lheres possuíam e possuem anseios e objetivos para além do casamento e da maternidade. Anseios e objeti-vos que, inclusive, se confrontaram e ainda se confrontam diretamente com o imaginário da dedicação ex-clusiva ao ambiente familiar. E é nes-ta perspectiva crítica que este texto visa alocar-se, pois, pensar histori-camente as relações entre mulher,

sexualidade, reprodução e família é entender que nunca existiu uma for-ma a-temporal de demarcar a rela-ção entre as mulheres e sua prole. É entender também, que a forma com que as leis, a ciência, as religiões e as moralidades concernentes a esse tema foram e são construções his-tóricas, frutos de disputas políticas que buscaram e buscam ter a partir de vários fundamentos diferentes, o controle sobre o corpo feminino.

Pensar desse modo é enten-der que as relações construídas en-

tre os seres humanos e humanas, sejam desqualificadas ou honorifica-das, são sempre frutos de relações de poder e de desejos de controle que mais tem a ver com história, do que com biologia. Para o caso da naturalização da maternidade, o controle se exerce sobre as mulhe-res e seus corpos. Objetos de tabus e lugar de controle demográfico, os corpos femininos, possuidores da prerrogativa geradora, são ainda hoje alvo de construções discursivas que visam limitar, desqualificar e/ou tornar anormal qualquer aspecto de soberania, autonomia e liberda-de de ação destas, sobre o próprio

“Ainda hoje, as mulheres são definidas e tem as suas soberanias corporais em de-

bate, pelo viés da procriação.”

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corpo. Ainda hoje, as mulheres são definidas e tem as suas soberanias corporais em debate, pelo viés da procriação.

Nesse sentido, entender que a maternidade é um conceito cons-truído socialmente, é pensar que as relações entre mulheres e sua prole são múltiplas e contextuais. É en-tender que não se é mãe a priori, e que ter filhos é algo muito mais com-plexo do que um possibilidade fisio-lógica, mas é um campo de dispu-tas políticas. Apesar de mais de um século de movimentos feministas que ressaltam esse caráter histórico do conceito de maternidade, ainda hoje, em diversos países do mundo, e especialmente no Brasil, essa ideia é vista como fator que fundamen-ta prévios comportamentos ideali-zados para as mulheres, e também para os homens. A mãe ideal e o pai ideal são recorrentemente explora-dos como modelos e não como cam-po de possibilidades.

É bastante recorrente nos depararmos com expressões como: “instintos maternos”, “amor mater-no”, “mãe é mãe”; ou afirmações como: “minha felicidade é a felici-dade d@s minhas/meus filh@s”. Essas expressões, aparentemente despretensiosas, carregam consigo aspectos que idealizam e naturali-zam comportamentos relacionados

à maternidade. Elas “biologizam” relações, comportamentos e senti-mentos que são históricos; como a dedicação absoluta da mãe para com um@ filh@, a ideia de amor incon-dicional, e muitas vezes a esperan-ça de que a figura da mulher como indivídua autônoma, com desejos, anseios e objetivos próprios, se con-funda com os objetivos, as vontades e a própria vida d@s filh@s.

É mediante essas recorren-tes reafirmações e tentativas de construção de uma maternidade concedente, doadora e contrapos-ta à ideia de mulher soberana, que entendemos o por quê de ainda hoje nos escandalizarmos quando uma mulher sai de casa e entrega @s fi-lh@s aos cuidados de outrem para viver um relacionamento amoro-so; ou quando uma mulher pratica infanticídio; ou quanto um mulher prefere gastar seu tempo e dinhei-ro consigo e não apenas para com @s filh@s, ou quando realiza um aborto. É nessa ideia de materni-dade a priori que olhamos para as mulheres e suas práticas amorosas, sexuais e procriativas. É nessa ideia de maternidade a priori que situa-mos as mulheres como indivíduas e corpos suscetíveis aos controles sociais. É no a priori que sentimos repulsas diferenciadas para um pai que abandona um@ filh@ e para

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uma mãe que faz o mesmo. E é ain-da na ideia do a priori que deixamos de entender inúmeras formas de vi-ver as relações entre mães e filh@s, e deixamos de perceber as diversas invenções e reinvenções de sentir a reprodução e suas afetividades.

Assim, é interessante pensar que os sentimentos entre mães e fi-lh@s não são algo dado biologica-mente, e que nem os corpos e nem a psicologias das mulheres são cons-truídas para culminarem no que seria esse momento “ápice” de suas exis-tências, mas que são como qualquer outra relação humana, construídos e desconstruídos contextualmente. Ser mãe não é, e nem poderia ser uma missão, uma obrigação ou um caminho inescapável de vida para aquelas que não pretendem viver

uma gestação. Ser mãe é uma op-ção, de muitas mulheres nascidas ou não fisiologicamente com apare-lho reprodutor feminino. É um con-ceito que implica disputas políticas e construções subjetivas. É uma rela-ção que se aloca primeiramente no plano do sensível, do histórico, do sentimental, e nunca no modelo, na norma e no estagnado.

Portanto, é preciso dizer que: É possível sim ser completa sem ser mãe. E mais ainda, é possí-vel reinventar o sentido e as vonta-des de procriação, porque essas são questões eminentemente históricas e estão no plano das sensibilidades e das possibilidades, e tem o biológico talvez como um meio, e nunca como início ou fim.

Sugestões de leitura:

- Gênero e contracepção. Uma perspectva sociológica. Luzinete Simões Minella. Editora UFSC. 2005.- O corpo feminino em debate. Organização: Maria Izilda Matos e Rachel Soihet. Editora UNESP. 2003.- Ordem médica e norma familiar. Jurandir Freire da Costa. Edições Graal. 1993.

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Vide História

Ópio após

Ópio para dor

Ópio para Sentir

Ópio para Pensar

Ópio para não Ser

Ópio para Sonhar

Ópio para Expressar

Ópio para Enganar

Ópio para

Ópio para

Ópio para

Ópio para a Razão.

Ópio

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Vide História

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Em pouco mais de cinco déca-das de produção literária, a polonesa Wisława Szymbo-rska (1923-2012) publicou

apenas 12 pequenos volumes de po-emas. Parece pouco, mas foi sufici-ente para conquistar o Nobel de lit-eratura em 1996. Sua consagração não se deu apenas entre os literatos, pois sua poesia chegou a muitas pes-soas por meio de uma linguagem ex-tremamente acessível. Fazendo uso de uma linguagem coloquial, tratou de temas cotidianos, mas o cotidi-ano explorado nos poemas dela não circulava entre assuntos óbvios da vida. Tocava em questões como a guerra, o passado, o supérfluo, a as-tronomia, a matemática, a ciência, etc.

Em 2011, a Editora Cia. das Letras lançou uma coletânea de poemas da autora, com seleção, tradução e prefácio de Regina Przy-bycien. Destacamos abaixo três desses poemas, que exploram mais diretamente a questão das sensibi-lidades.

Certamente não é incomum ver poetas se debruçarem sobre sensações e sentimentos, mas o que se percebe em certos poemas de Wisława é uma reflexão acerca de seu valor social em relação a razão. Essa é a chave de leitura dos po-emas selecionados. Estes poemas também podem ser compreendi-dos dentro de uma nova abordagem analítica que relativiza as consagra-das explicações racionalistas dos acontecimentos.

No poema “Retornos”, por exemplo, a dimensão racional de um indivíduo é sobrepujada pela sentimental. A personagem que o define socialmente (o intelectual) perde importância dentro da situa-ção colocada.

Retornos

Voltou. Não disse nada.Mas estava claro que teve algum desgosto.Deitou-se vestido.Cobriu a cabeça com o cobertor.Encolheu as pernas.Tem uns quarenta anos, mas não agora.Existe - mas só como na barriga da mãe

Sentidos e razõesem Wisława Szymborska

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Vide História

na escuridão protetora, debaixo de sete peles.Amanhã fará uma palestra sobre a homeostasena cosmonáutica metagaláctica.Por ora dorme, todo enroscado.

Em Certa Gente, as tradicio-nais explicações históricas, geográ-ficas, econômicas e políticas sobre a guerra parecem não ser impor-tantes. O que está em primeiro pla-no são as experiências emocionais das pessoas. Certa Gente

Certa gente fugindo de outra genteem certo país sob o sole algumas nuvens.

Deixam para trás certo tudo que é seu,campos semeados, umas galinhas, cães,espelhos nos quais agora se fita o fogo.

Trazem às costas trouxas e potesquanto mais vazios tanto mais pesados a cada dia.

No silêncio alguém cai de exaustão,na algazarra alguém rouba de alguém o pãoe o filho morto de alguém é sacodido.

À sua frente uma estrada sempre errada,uma ponte, mas não a que precisam,sobre um rio curiosamente rosado.Ao redor uns disparos, ora mais perto, ora mais [longe,no alto um avião rodopiante.

Viria calhar certa invisibilidade,uma parda rochosidadeou melhor ainda a inexistênciapor um tempo breve ou mesmo longo.

Algo ainda vai acontecer, mas onde e o quê.Alguém vai lhes barrar o caminho, mas quando,

[quem,em quantas formas e com que intenções.Se tiver escolha,talvez não queira ser inimigoe os deixe com alguma vida.

Seriam todas as mulheres curiosas? O que diria A Mulher de Lot sobre sua própria experiência, se ela ganhasse voz e alguma identi-dade? Paremos para ouvir suas mo-tivações.

A mulher de Lot

Dizem que olhei para trás curiosa.Mas quem sabe eu também tinha outras razões.Olhei para trás de pena pela tigela de prata.Por distração – amarrando a tira da sandália.Para não olhar mais para a nuca virtuosado meu marido Lot.Pela súbita certeza de que se eu morresseele nem diminuiria o passo.Pela desobediência dos mansos.Alerta à perseguição.Afetada pelo silêncio, na esperança de Deus ter [mudado de ideia.Nossas duas filhas já sumiam para lá do cimo [do morro.Senti em mim a velhice. O afastamento.A futilidade da errância. Sonolência.Olhei para trás enquanto punha a trouxa no [chão.Olhei para trás por receio de onde pisar.No meu caminho surgiram serpentes,aranhas, ratos silvestres e filhotes de abutres.Já não eram bons nem maus – simplesmente [tudo o que viviaserpenteava ou pulava em pânico consorte.Olhei para trás de solidão.De vergonha de fugir às escondidas.De vontade de gritar, de voltar.Ou foi só quando um vento me bateu,despenteou o meu cabelo e levantou meu [vestido.

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V

Tive a impressão de que me viam dos muros de [Sodomae caíam na risada, uma vez, outra vez.Olhei para trás de raiva.Para me saciar de sua enorme ruína.Olhei para trás por todas as razões [mencionadas acima.Olhei para trás sem querer.Foi somente uma rocha que virou, roncando sob [meus pés.Foi uma fenda que de súbito me podou o passo.Na beira trotava um hamster apoiado nas duas [patas.E foi então que ambos olhamos para trás.Não, não. Eu continuava correndo,me arrastava e levantava,enquanto a escuridão não caiu do céue com ela o cascalho ardente e as aves mortas.Sem poder respirar, rodopiei várias vezes.Se alguém me visse, por certo acharia que eu [dançava.É concebível que meus olhos estivessem [abertos.É possível que ao cair meu rosto fitasse a [cidade.

A mulher de Lot seria racio-nal ou sentimental? Caso a resposta seja a primeira, essa racionalidade seria a que dizem ser do masculino? Caso seja a segunda, trata-se de uma sensibilidade atribuída ao feminino? Ou será que esta divisão não faz sen-tido no poema? Ou será que faz?

Capa do livro - Wisława Szymborska [poemas]. Companhia das Letras, 2011.

Divulgação

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Comer carne de cachorro é algo inimaginável para quase todo ocidental. A ex-plicação que nos parece ser

mais aceitável, ou pelo menos a que mais circula entre nós, é a de que em um período de grande escassez de alimentos as pessoas tiveram que se sujeitar a comer “qualquer coisa que se mexesse”. Este pensamento co-loca parte da cultura alimentar chine-sa como uma anomalia. É como se houvesse uma forma universal de se alimentar e só uma situação extrema pudesse levar as pessoas a “encarar” coisas que “normalmente” não se come.

De fato, houveram períodos de grande escassez no oriente e nes-tas ocasiões a cultura alimentar so-freu algumas mudanças, mas muito desses alimentos, que para nós po-dem ser um tanto bizarros, fazem parte da alimentação chinesa há mui-tos séculos, seja pelo caráter religioso ou medicinal, ou puramente pelo sa-bor atrativo.

Um dos documentos mais an-tigos que indica a ingestão da carne de cachorro, por exemplo, é o “Li Ji” (Clássico dos Rituais), um dos cinco livros clássicos da filosofia confucio-

nista. De acordo com este registro, a carne de cachorro está presente na culinária chinesa pelo menos desde a dinastia Qin, que dominou a região entre 221 e 206 a.C. Em outros docu-mentos mais recentes, a “iguaria” é descrita como um alimento medici-nal, eficaz contra os problemas de cir-culação, e assim é utilizado até hoje por parte das pessoas que a comem.

É importante destacar que não é em todo oriente, e nem mesmo em toda China, que se come carne de cachorro. Neste país, a prática é muito comum no sul, mas em cidades como Hong Kong e Macau, por exem-plo, além de ser um tabu, a ingestão de carne de cachorro é proibida.

Para nós ocidentais, este comportamento é tão estranho que chegamos a ter repulsa quando vemos nas redes sociais imagens de cachorros sendo tratados em açou-gues ou sendo servidos em bandejas. Parte d@s indian@s devem sentir uma sensação parecida ao ver ima-gens de vacas sendo tratadas nos nossos açougues ou vendidas nas churrascarias. É difícil imaginar que alguém sinta nojo do nosso tão difun-dido bife assado, mas é exatamente isso que acontece em muitas partes

Os limites do aceitável

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da Índia. E se o bife for de carne de porco, a repulsa se dará pel@s judi-as/judeus e muçulman@s, que con-sideram este animal impuro, assim como sua carne.

Esses tabus alimentares são construídos, sobretudo, socialmente. Imaginemos, por exemplo, uma cri-ança que desconhece o ambiente natural onde os alimentos são pro-duzidos. Ela terá como referência apenas aqueles que chegam sele-cionados, higienizados e embalados do mercado. As suas preferências e

seus tabus serão construídos a par-tir dessa vivência. Por exemplo, ela poderá sentir aversão a um hambúr-guer vendido na rua, mas comer sem preocupação um hambúrguer em um fast-food. Esta diferença se deve em parte aos discursos de higiene que es-tão embutidos nos produtos industri-alizados.

As noções de higiene voltadas aos alimentos podem ser entendidas, como nos indica o pensador Norbert Elias, dentro de um “processo civiliza-tório” que impôs novos hábitos e cos-

Divulgação

Dona de restaurante e carne de cachorro antes do preparo

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tumes na vida social urbana do mun-do moderno. Esse processo histórico é marcado pelas transformações so-ciais e políticas que interferiram na organização social, tanto em termos da arquitetura quanto na forma como as pessoas deveriam se comportar no meio urbano. A cidade se tornou o ambiente social da higiene, colabo-rando para o ideal de saúde difundido sobre os diversos aspectos do urbano: disposição geográfica da cidade, hi-giene pessoal e alimentar, comporta-mento das pessoas nas ruas, etc. Esse parâmetro tem uma força tremenda sobre as nossas sensibilidades, inter-ferindo em como tocamos, olhamos, cheiramos e degustamos as nossas

comidas. Apesar da importância desse

processo, que tornou os hábitos de higiene um imperativo, esse aspecto deve ser compreendido nas suas limi-tações. Dito de outra forma, a higie-ne não é a única referência usada na construção das impressões contrárias ou favoráveis a um alimento. Há tam-bém fatores como a cultura familiar e o acesso ou a restrição a determinados alimento em decorrência de guerras, desigualdades sociais ou questões geográficas. As pessoas também po-dem adotar um novo paladar sob a pressão do fator biológico, entendido aqui, por exemplo, como um impulso que se impõe por causa de “carências

Div

ulga

ção

Buchada de boi

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V

nutricionais”. A despeito do fator hi-giene, portanto, podemos estabe-lecer relações negativas com alimen-tos que são amplamente aceitos em outros lugares. A construção de um paladar, ou seja, de um dicionário de gostos, cheiros e aparência alimentar é feita social, cultural e politicamente.

Assim, cada região do plane-ta possui características alimentares que são praticamente inconcebíveis em outros lugares. Em Portugal se come uma espécie de caracol; na Itália se come um queijo com vermes vivos (Casu Marzu); na Alemanha se come carne de cavalo, etc. Mas para perceber reações tão discrepantes em relação a um alimento, não é pre-ciso comparar pessoas geografica-mente distantes umas das outras.

No Ceará e em boa parte do Nordeste do Brasil, por exemplo, há uma comida que causa reações muito diferentes entre as pessoas: a bucha-da. Para quem não sabe, esse prato consiste em uma diversidade de miú-dos de boi, ou de bode, cozidos dentro de um estômago costurado (também conhecido como bucho). É uma comi-da pesada, gordurosa e bem tempe-rada. É apreciada por tanta gente, e a tal ponto, que se tornou um prato consolidado na culinária cearense e

hoje é apresentado aos turistas como um prato típico da terra.

Acontece que a relação de boa parte das pessoas com a buchada não é muito boa. Comer buchada ou carne de cachorro é tabu para parte significativa da população das regiões onde essas iguarias são consumidas. É evidente que este comportamento possui uma dimensão subjetiva, mas há uma dimensão coletiva difícil de ser ignorada.

Para além de simplesmente não gostar – como não se gosta, por exemplo, de chocolate amargo ou vinho seco –, as pessoas costumam ter nojo dessas comidas. E não im-porta as condições de higiene em que são preparadas, ou o aspecto vi-sual e o cheiro, a repulsa é a mesma. Para essas pessoas, cortar, mastigar e engolir carne de cachorro ou estô-mago e miúdos de animais ultrapassa os limites do aceitável em termos de alimentação. O interessante é justa-mente que este limite é incompatível com os limites de muitas outras pes-soas que vivem no mesmo período e no mesmo espaço. Quando falamos em sensibilidades, o “outro” pode ser um chinês que viveu no séc. II a.C, um mulçumano que vemos na televisão ou nossa própria mãe.

Referência das imagens:

http://blogs.estadao.com.br/bate-pronto/proibicao-a-carne-de-cachorro-fere-princ/http://adorocomer.com/2012/06/26/este-e-o-lugar-boteco-do-momon/

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Célia

A cidade grande era impessoal. Era como se tudo fosse escondido. Alimentava um gosto irrestrito pelo novo. Queria conhecer novos lugares, ter experiências diferentes, comer comidas diferentes, ir ao teatro, cinema, praia. Entrou na academia. Queria usar biquíni. Fez amizades com outras mulheres. Celinha, de agora em diante. Conheceu os bares e um novo mundo. Gostava de martini com cereja. As amigas flertavam. Ela ainda não tinha coragem para tanto. Falavam putaria com naturalidade. Ela só gostava de ouvir mesmo. Era novo. Numa das vezes, escutou atenta as meninas falarem sobre a descoberta do prazer. Lembrou que havia sido muito diferente com ela. Nunca havia se tocado assim. Em casa, pensou sobre isso em silêncio. Decidiu que aquele era o momento. Ligou o som, aumentou o volume e foi ao quarto. Trancou a porta, desligou a luz, deitou-se na cama e fechou os olhos. Tocou um corpo novo, nascido naquele momento e, pela primeira vez, gozou.

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Num entardecer nublado de Janeiro, o senhor Julio Bandeira se travestiu. Tateou-se todo, trêmulo, enquanto mirava maravilhado sua imagem no espelho. Cinco minutos depois, caminhava lentamente pelas ruas do bairro, retravestido com sua boina, seu cachimbo e a velha tristeza estampada nos olhos.

Retravestir-se

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“Uma hora não é uma hora, é um vaso cheio de perfumes, de sons, de projetos e de climas.”

Marcel Proust

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