revista teologica salt-iaene - amin rodor

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A bíblia e a INERRÂNCIA U « ^ b í •X) N ? r / Amin A. Rociar* A controvérsia sobre a extensão da inerrância bíblica continua viva entre os evangélicos na arena do debate teológico atual e, como afirma Colerhan, : ''Õ . assunto "não quer morrer." 1 A questão, que é considerada por alguns tão importante quanto os debates cristológicos do terceiro e quarto séculos, ou como as disputas soteriológicas do século XVI, tornou-se uma fonte de crescente angústia e divisão na coalizão evangélica. Para os herdeiros da teoria de Warfield de uma Bíblia perfeita e inerrante, uma linha deve ser traçada entre aqueles que aceitam uma visão plena das Escrituras, e aqueles que não aceitam. 2 Assim, a inerrância se tornou uma insígnia evangélica, sob o conceito de que "é melhor estar dividido pela verdade do que unido pelo erro." 3 Ao identificar inspiração com inerrância, os proponentes desta doutrina interpretam a incerteza acerca desta com o declínio na crença sobre aquela e com o declínio do respeito pela própria Bíblia, então, uma ameaça sobre a autoridade bíblica e a certeza religiosa. Argumentando que "toda a Bíblia é, como Deus, sem qualquer defeito," 4 os inerrantistas reduzem tudo no registro bíblico a; um único nível de inerrância absoluta, e então alegam que sem uma sólida plataforma de inerrância, é impossível manter uma visão elevada da Escritura', e que para os cristãos só há uma alternativa, "nós cremos em Cristo e na inerrância bíblica, em ambas - ou em nenhuma.' 0 . •' Propósito deste estudo: Uma vez que os defensores da inerrância nos detalhes alegam que esta crença é a maneira exclusiva de honrar a Escritura com uma visão elevada de sua autoridade, este artigo tem o propósito básico de investigar a validade desta insistência e determinar se uma visão da inspiração pode ou não ser elevada sem o apelo à inerrância. Organização do artigo: Este estudo está dividido em três partes: (1) a primeira parte será uma breve pesquisa sobre as raízes históricas da doutrina da inerrância, uma vez que uma clara compreensão de seu pano de fundo é crucial para nossa avaliação. (2) A segunda e terceira partes serão uma investigação dos Amin A. Rodar, Th.D. Andrews University. EUA. Ex-Professor do SALT-IAENE, atualmente é . Pastor da Igreja Adventista Luso-Brasileira em Toronto, Canadá. ^ R- J- Coleman, "Biblical Inerrancy: Are We Going Anywhere?" Theology Today 31 (1975): 281. |;P. Sehãeffer, "Form and Freedom in the Church," Lei lhe Earlli Hear His Vaice 153 (1974), 364- J65. fe ^ Edward J. Carnell, et'., Chrixiiaiiiiy Today (February 24, 1978), 36. s C. C. Ryrie, Wliai Vou Slioitld Know aboui Inerrancy (Chicago: Moody Press, 1981), 41. R. L Harris, "The Basis for Our Belief in Inerrancy", Bulletin <f the Evangélica! Theolof-ical Socieiy 19 (Winter 1960). 17.

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Artigo do Pr. Amin Rodor sobre a autoridade das Escrituras em Revelação e Inspiração, revista teológica do Salt-IAENE

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  • A b b l i a e a I N E R R N C I A U ^ b X)N ? r /

    Amin A. Rociar*

    A controvrsia sobre a extenso da inerrncia bblica continua viva entre os evanglicos na arena do debate teolgico atual e, como afirma Colerhan,:'' . assunto "no quer morrer."1 A questo, que considerada por alguns to importante quanto os debates cristolgicos do terceiro e quarto sculos, ou como as disputas soteriolgicas do sculo XVI, tornou-se uma fonte de crescente angstia e diviso na coalizo evanglica. Para os herdeiros da teoria de Warfield de uma Bblia perfeita e inerrante, uma linha deve ser traada entre aqueles que aceitam uma viso plena das Escrituras, e aqueles que no aceitam.2 Assim, a inerrncia se tornou uma insgnia evanglica, sob o conceito de que " melhor estar dividido pela verdade do que unido pelo erro."3

    Ao identificar inspirao com inerrncia, os proponentes desta doutrina interpretam a incerteza acerca desta com o declnio na crena sobre aquela e com o declnio do respeito pela prpria Bblia, ento, uma ameaa sobre a autoridade bblica e a certeza religiosa.

    Argumentando que "toda a Bblia , como Deus, sem qualquer defeito,"4 os inerrantistas reduzem tudo no registro bblico a; um nico nvel de inerrncia absoluta, e ento alegam que sem uma slida plataforma de inerrncia, impossvel manter uma viso elevada da Escritura', e que para os cristos s h uma alternativa, "ns cremos em Cristo e na inerrncia bblica, em ambas - ou em nenhuma. ' 0 . '

    P rops i to deste estudo: Uma vez que os defensores da inerrncia nos detalhes alegam que esta crena a maneira exclusiva de honrar a Escritura com uma viso elevada de sua autoridade, este artigo tem o propsito bsico de investigar a validade desta insistncia e determinar se uma viso da inspirao pode ou no ser elevada sem o apelo inerrncia.

    Organ izao do art igo: Este estudo est dividido em trs partes: (1) a primeira parte ser uma breve pesquisa sobre as razes histricas da doutrina da inerrncia, uma vez que uma clara compreenso de seu pano de fundo crucial para nossa avaliao. (2) A segunda e terceira partes sero uma investigao dos

    Amin A. Rodar, Th.D. Andrews University. EUA. Ex-Professor do S A L T - I A E N E , a tua lmen te . Pastor da Igreja Adventis ta Luso-Brasileira em Toronto, Canad.

    ^ R- J- Coleman, "Biblical Inerrancy: Are We Going Anywhere?" Theology Today 31 (1975) : 281. | ; P . Sehef fe r , "Form and Freedom in the Church , " Lei lhe Earlli Hear His Vaice 153 (1974) , 364-

    J65. fe ^ Edward J. Carnel l , et'., Chrixiiaiiiiy Today (February 24, 1978), 36.

    s C. C. Ryrie, Wliai Vou Slioitld Know aboui Inerrancy (Chicago: M o o d y Press, 1981), 41 . R. L Harris, " T h e Basis for Our Belief in Inerrancy", Bulletin

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    quatro argumentos - bblico, histrico, epistemolgico e argumento domin - os quais, de acordo com os proponentes da inerrncia bblica, so os maiores obstculos para uma viso elevada das Escrituras fora da inerrncia. (3) A quarta parte tratar do conceito da viso elevada da Escritura luz dos fenmenos bblicos. (4) Finalmente, na quinta parte, o sumrio e a concluso. '

    Def in io de termos: ( 1 ) 0 termo inerrncia ser usado geralmente neste estudo em um sentido teolgico, segundo o qual a Bblia "no contm erro de qualquer tipo"6 em cada detalhe particular em todos os assuntos que ela toca. (2) A expresso viso elevada da Escr i tu ra ser usada intercambiavemente com expresses como viso elevada da Autor idade , viso elevada da Inspirao, viso p lena ... viso for te ..., no mesmo sentido, para descrever alta considerao pela Bblia como a confivel palavra de Deus.

    Pano de Fundo da Dou t r ina da Ine r r nc ia

    Por quase dezoito sculos de Histria do Cristianismo, a Bblia havia sido geralmente considerada como sendo, do comeo ao fim, a inspirada Palavra de Deus.

    Contudo, na metade do sculo dezessete, quando a "Idade da F" rpida e inesperadamente veio a ser substituda pela "Idade da Razo," o quadro logo comeou a mudar. A pesquisa nas razes histricas nos levaria a uma grande variedade de nomes, atitudes e abordagens,7 os quais progressivamente, atravs de diferentes dialticas "comearam a insistir que no havia nenhuma diferena essencial entre a Bblia e qualquer outra produo literria."8

    Uma abordagem racionalista das Escrituras estava se desenvolvendo, especialmente na Alemanha com uma grande suspeita quanto ao conceito da inspirao bblica. Tanto o Antigo como o Novo Testamento eram objeto de crtica baseada nas pressuposies e categorias do movimento filosfico contemporneo.9 O pinculo desta abordagem foi a publicao, por Julius Welhausen, de Prolegomena to The History of Israel (1878). Aplicando princpios evolucionistas apreendidos tanto de Charles Darwin como de G. W. F. Hegel, Welhausen "reestruturou radicalmente o Antigo Testamento ao tentar demonstrar o desenvolvimento naturalista da f de Israel."10

    h H. L i n d s e l , The Battlefor lhe Bihlc (Grand Rapids, MI: Zondervan, ) , 35. 7 H a v i a a n e g a o de Kant (1804) de que as realidades teolgicas podem ser apreendidas pela mente e q u e ta is d o u t r i n a s desf ru tam val idade universal . Havia a insis tncia de Sch le ie rmacher (1834) sobre a i m a n n c i a de Deus, quase cr iando u m a religio baseada nos sent imentos pessoais . Havia a n f a s e de K i e r k e g a a r d na d i s juno radical ent re o finito e o infini to, um virtual dua l i smo metaf s ico que to rnou imposs ve l a revelao d iv ina objet iva. x R. D e d e r e n , "Revelat ion, Inspirat ion, and. Hermeneut ics , " A Syniposiion on Bihlical Hermeneutics ( W a s h i n g t o n , D.C. : The Rev icw and Herald Publishing Assoeia t ion , 1974), 9 .

    A Bblia e a Iner rnc ia

    Progressivamente, por diferentes caminhos, a alta crtica alem comec ser introduzida na Amrica," desafiando a Ortodoxia Protestante a respeito sua atitude quanto inspirao e autoridade da Escritura. As novas idia respeito da Bblia se tornaram o tema dominante nas igrejas no final da dcade 1870.

    Diante de to formidveis incurses do liberalismo, as fileiras da ortode I ^

    comearam a ceder. ~ Compreensivelmente, ameaados por estes assaltos, evanglicos americanos buscaram conter a eroso da confiana na Bblia, definir, mais precisamente do que os Reformadores, a natureza da inspira autoridade."13 Como D. Hubbard assinala, como era de se esperar, eles voltaram, em busca de ajuda, para Turrentin,14 o qual havia desenvolvido u defesa da divindade da Escritura baseado nos argumentos racionais acerca natureza da inspirao e suas implicaes. E ningum fez isto com rr persistncia e eficcia do que os baluartes de Princeton, Charles Hodge e B Warfield.

    Deve ser notado que a obra lnstitutio theologiae elenticae, de Turren onde o conceito de inerrncia defendido com preciso sistemtica, fo

    Word Books , 1977). 155. " Theodore Parker introduziu a alta crt ica alem j em 1843 c o m sua t raduo de De Wet Criticai and Histrica! Introduclion lo ilie Old Testament, mas o movimento no inf luem realmente a teologia amer icana ate cerca de 1880 (ver Counts , A Stuely of Benjamim B. Warfie Vicw of llie Doctrin of Inspiration [Tese apresentada faculdade do Dallas Theo log ica l Semir 1959], 5). 12 O Congregac iona l i smo se rendeu primeiro. Henry Ward Beecher tornou-se o pr imeiro cli p roeminente a abraar a evoluo em 1880, e no poucos seguiram seu exemplo (ver Counts , op. < 5). Em 1881 c inco professores do Andover Theological Seminary foram subme t idos a ju lgame por heresia. U m a das acusaes era que a Bblia para eles era "falvel e no c o n f i v e l mesmo alguns de seus ens inos rel igiosos" (ver H. S. Coff in , Reli^ion Yesterckiy and Today [New Y( Books for Libraries Press. 1968], 68). Os presbiterianos sucumbi ram mais l en tamen te . Em 1881 erudi to C. A. Briggs publicou seu Bible Sludy, lis Principies. Methods, and History ( N e w York: Scribners Sons , 1894), que estabeleceu as posies liberais; a lguns anos mais t a r d e Briggs processado e suspenso da igreja por heresia. Em apoio a Briggs, O Union S e m i n a r y desassocioi da Igreja Presbi ter iana e se tornou uma cidadela para os liberais. 13 Hubbard . 155. 14 Francis Turrent in (1623-1687) no Escolast icismo Ps-Reforma, escreveu lnstitutio Theoloa Elencticae, com uma doutr ina da Escri tura baseada no mtodo Aris to t l ico-Tomis ta de pr a ra antes da f. Porque as provas racionais devem preceder a f, Turrent in sent iu s e r necess harmonizar cada aparente inconsistncia no texto bblico. Ele se recusou a admi t i r q u e os escritc sagrados poder iam escorregar na memria ou errar em questes mn imas . Ele espec i f icou ' profetas no cometeram erros nem mesmo nos mnimos particulares. Dizer isto ser ia tornar duvid> toda a Escr i tu ra . " Ele proclamou que "A Bblia inerrante em todas as ques tes . " S o b a influn de Tur ren t in , em 1675, foi publ icada a Frmula de Consenso Helvtica, e sobre a inspirao Antigo Tes tamento , ela declarou que esta inspirao era encontrada no "apenas em s u a s consoam mas em suas vogais - ou nos prprios pontos voclicos, ou pelo m e n o s no poder dos pontos. ' ' Bblia foi inspirada "no apenas em sua substncia m.-iv em une nnlnvmc " :i c n n f i s s o declaroi

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    principal livrq-texto de teologia sistemtica no Seminrio de Princeton por sessenta anos,15 e considerado como "um dos mais perspicazes livros jamais escrito."1 6 A maioria dos ministros, e atravs deles membros, da Igreja Presbiteriana haviam sido treinados por dcadas a igualar Turrentin com a G.onfisso Westminster e os Reformadores. Ento, a influncia da teologia escolstica de Turrentin sobre a vida do evangelicalismo americano, atravs de Princeton, estava alm de avaliao, e emergiu claramente na obra de Hodge-Warfield.

    Na forte reao contra o liberalismo, Hodge e Warfield refinaram e reinterpretaram a doutrina da inerrncia, mantendo suas razes em Turrentin. No clssico artigo "Inspirao" publicado no peridico Pre.sbite.rian Review em 1881, o qual proveu uma estratgia de combate contra o liberalismo e alta crtica, Hodge-Warfield afirmaram: (1) A Escritura Sagrada plenria e totalmente inspirada, (2) A Escritura Sagrada verbalmente inspirada, (3) a Escritura Sagrada inerrante em todos os assuntos nos quais ela toca e (4) nenhum erro pode ser atribudo ao texto original.

    Evidentemente, Hodge-Warfield no estavam simplesmente estabelecendo a viso bblica da inspirao; antes, sua obra era reacionria, isto , desenvolvida para refutar ataques contra a Bblia com o especial propsito de conter as correntes de infidelidade. Por conseguinte, eles assumiram uma posio radical, a qual encontrada em algumas declaraes do famoso artigo "Inspirao," a respeito da Escritura: "absolutamente infalvel" (226); "absolutamente inerrante" (227); "sem erro de fato ou doutrinas" (228); "expresso inerrante" (231); "um registro inerrante" (232); "infalvel em sua expresso verbal" (234); "infalibilidade inerrante das palavras" (240); e "absoluta liberdade de erro em suas declaraes" (234). Estas declaraes mostram como tentativas ortodoxas de reagir contra a heresia ou descrena, por necessrias que fossem, produziram ultra-reao.

    Nos longos sculos de histria da Igreja, um extremo freqentemente tem provocado outro, e a histria da teologia est repleta com exemplos de "supercrena," credos alm dos que foram estabelecidos pela Escritura. Ento, aqui, a histria se havia repetido. Com a inteno de proteger a Palavra de Deus, os telogos de Princeton. enquanto viam os perigos da esquerda, esqueceram os iguais ou maiores perigos da direita.

    As tenses sobre o assunto da inerrncia da Escritura cresceram durante as prximas dcadas, e o conceito de inerrncia Ibi submetido a um processo de endurecimento de um telogo para outro com a passagem dos anos. Alguns

    Em seu conf l i to com Warfield sobre a compreenso da Escritura. Briggs havia a legado q u e a hisriiiiiid de Francis Turrent in se lornara em livro texto de Princeton e q u e "a Westmins ter Divine e r a m i g n o r a d o s " (J. Rogers, Srripturc i ,/lc Westminster Cmifcssioii [Grand Rapids , Ml: Eerdmans 1967], 29 . ) .

    A Bblia e a Iner rnc ia 5

    argumentaram que a doutrina da inerrncia era essencial e necessria,17 e um crescente nmero de ministros igualava o postulado da inerrncia com a autoridade bblica, e considerava ambas como sendo inseparveis. Por conseguinte, eles interpretavam a incerteza a respeito da inerrncia com um declinante respeito para com a Bblia.

    Um sculo aps a publicao do famoso artigo por Hodge-Warfield, o debate sobre a inerrncia e as exatas implicaes da inspirao da Escritura tem continuado vivo entre os modernos telogos evanglicos. Como R.K. Johnston assinala, "a discusso dentro do evangelicalismo, concernente a inspirao da Escritura, tem costumeiramente focalizado neste ponto: se a Escritura ou no inerrante."18 De acordo com alguns eruditos, como j indicado anteriormente, a controvrsia "to importante quanto as controvrsias cristolgicas do quarto sculo e a controvrsia soteriolgica do sculo dezesseis,"19 ou de acordo com H. Lindsell, "o Cristianismo evanglico est engajado na maior batalha de sua histria."20

    A crescente lista de artigos, ensaios e livros com farta bibliografia em apndice, indica a tremenda nfase que tem sido posta no assunto. A palavra chave inerrncia apareceu em uma posio de grande proeminncia e tem sido usada como um instrumento de cisma e diviso no corpo evanglico, a ponto de desejar excluir das fileiras evanglicas aqueles que no se submetem a este conceito.

    Entre os evanglicos, o compromisso com a inspirao da Escritura, um corolrio de sua crena na autoridade bblica, tem levado arautos, tais como F. Schaeffer-, Lindsel, C.C. Ryrie a considerarem uma formulao particular da doutrina da inspirao - uma crena na inerrncia da Escritura nos detalhes -como sinnima de uma viso elevada da autoridade bblica. "Conflitando autoridade bblica, inspirao, e inerrncia, eles tm tornado a "inerrncia" a marca d'gua dogmtica do evangelicalismo."21 Segundo Schaeffer, o "evangelicalismo no ^consistentemente evanglico, a menos que seja traada uma linha entre os que tm uma viso plena da Escritura, e aqueles que no a possuem."22 C. C. Ryrie,23 na mesma linha, assinala que inspirao e inerrncia esto inseparavelmente vinculadas e ningum pode manter uma viso elevada da

    17 No final do sculo, quando o professor Henry P. Smith foi processado e acusado de heres ia , e le diz do comi t que instaurou o processo: "A mais perplexa declarao q u e eles f izeram foi de q u e apenas uma Escri tura inerrante pode ter poder para realizar na alma humana a obra para a qual a revelao foi dada , isto , a obra de converso e regenerao." H. S. Cof f in , Religitm Yesterday and Today (New York : Books for Libraries Press, 1968). 73. Ix R. K. Johnston, Evan^elicals al cm Impasse (Atlanta: John Knox Press, 1979). 15. I y Esta n fase a s sumida pelos eruditos evangl icos reunidos em Chicago , 1977, no ass im c h a m a d o Conc l io Internacional sobre Inerrncia Bblica; ver Eternity (November 1977), 10. 211 H. Lindsel l . The Ballle for tlie Bible, 141, 200. 2 l Johns ton , 5.

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    inspirao a menos que inclua a inerrncia. Nossa preocupao bsica a seguir investigar a validade da alegao dos

    defensores da inerrncia e verificar, como Pinnock24 diz, que direito tm os inerranlistas em argumentar que uma viso da inspirao no pode ser elevada e forte a menos que a inerrncia esteja implcita.

    Bblia, Or todoxia Cris t , e Ine r rnc ia

    Em quase cada delesa da inerrncia bblica, assumido que a noo escriturstica, isto , um conceito ensinado pela prpria Bblia. Os defensores da inerrncia, com freqncia, e abertamente alegam que "a Bblia ensina sua prpria inerrncia."2''^

    C. C. Ryrie, em sua forte nfase na importncia da inerrncia, refere-se a ela como uma doutrina bblica e conclui que "Cristo ensinou a inerrncia assim como tambm o apstolo Paulo."26 Na mesma linha, H. Lindsell afirma que o conceito de inerrncia aceito, no por fazer com que seus defensores se sintam confortveis, mas "porque ensinado na Escritura, exatamente como a divindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristo e a ressurreio corporal de nosso Senhor dentre os mortos so ensinados na Escritura."27

    De acordo com Ryrie, h trs classes de referncias bblicas que testificam da inerrncia. A p r ime i ra a classe de versculos que afirmam a confiabilidade de Deus. A segunda envolve versos que enfatizam o carter permanente das Escrituras completas. Em apoio a esta alegao, Ryrie usa textos tais como Mateus 5:17-18, e envida considervel esforo para provar que o iota e o til, embora os menores sinais do alfabeto hebraico, desempenham um grande papel nele. Ele ento conclui que as promessas do Antigo Testamento so "proferidas com preciso e assim com preciso cumpridas."28 Adicionalmente, citando Joo 10:33-36, onde Jesus afirma que a Escritura no pode ser quebrada, ele alega que "isto s possvel porque a Escritura verdadeira em cada particularidade e em todas as suas partes." A terceira parte de evidncia, segundo Ryrie, so aqueles versculos nos quais o argumento empregado fundamentado em uma palavra ou na forma de uma palavra. Por exemplo: Mateus 22:32 (tempo presente do verbo ser); Mateus 22:43-45 (a palavra Senhor); Glatas 3:15, 16 (a forma singular da palavra "semente" em contraste com o plural). Ento ele conclui: "naturalmente,

    C. C. P innock "Three Views of lhe Bible in Con lempora ry Theology ," Diblical Revehuion ( C h i c a g o : M o o d y Press), 66. " Cf . S. T. Davis , The Debate aboui ilie Bible (Phi ladelphia: The Westmins ter Press, 1977). 51.

    C. C. Ryrie . Wlial Yan Shoiild Know uboui hierrancy (Chicago: Moody Press. 1981), 25. Ver t a m b m seu art igo. "The Imporiance of Inerranee," Bibliothem Sacra. 120: 4 7 8 (April 1963), 139-144.

    27 L indse l l , The Batlle for lhe Bible, 162. n I I / , . . . / o , .

    A Bblia e a Iner rncia 7

    se a Bblia no inerrante tais argumentos deixam de ter qualquer peso."29

    Contudo, apesar destas alegaes, qual o testemunho da Escritura com referncia ao seu prprio carter? a inerrncia realmente um conceito escriturstico ou simplesmente uma inferncia traada por mentes piedosas? Ou, exige a inspirao o conceito da inerrncia? Em primeiro lugar, aqueles textos utilizados para sustentar a idia da inerrncia apenas testificam da confiabilidade e inspirao da Bblia, mas no h reivindicao de inerrncia ilimitada, como uma doutrina. Ademais, o argumento Ryrie baseado "em uma palavra ou na forma de uma palavra," no uma verdade universal, uma vez que no tem aplicao geral, e certamente pode ser usado para provar exatamente o oposto. Desta forma os evangelhos so o maior obstculo para a doutrina da inerrncia.30

    Podemos concordar inteiramente com S. T. Davis, de que algum procuraria em vo por um nico texto bblico que ensine que a Bblia inerrante, que ela no contm erro em nenhum lugar ou sobre qualquer assunto; ele diz, "A Bblia no ensina a inerrncia, nem a inerrncia parece estar pressuposta ou implcita pelo que ela faz."31

    Adicionalmente, A. F. Harrison, como muitos outros eruditos,32 observa que " preciso conceder que a prpria Bblia, ao desenvolver sua prpria reivindicao de inspirao, no diz nada preciso sobre sua inerrncia. Esta permanece como concluso a que mentes devotas chegaram por causa do carter divino da Escritura."33 L. Morris diz, "a Bblia no parece jamais reivindicar inerrncia para si mesma, pelo menos em termos estabelecidos."'

    De fato. a inerrncia no uma reivindicao formalmente declarada pelas Escrituras em benefcio delas prprias, ao contrrio uma inferncia do conceito Bblico de inspirao. Uma deduo lgica da afirmao bblica da perfeio de Deus , portanto, a concluso do silogismo:

    Premissa A - Tudo o que Deus faz perfeito. Premissa B - Deus inspirou as Escrituras.

    "J Ibid., 143. w Apenas um exemplo esclarecer o ponto: a ordem de Jesus para "bat izar" aparece a p e n a s em Mateus 28:19, mas no nas narrativas paralelas de Lucas 24:47 ou Marcos 16:15-16. A f o r m a verbal de Mateus no aparece de forma a lguma nos paralelos. 31 Davis, 61.

    A posio de muitos nomes da erudio evangl ica contempornea est em opos i o a reivindicao de que a inerrncia um concei to Bblico; H. Ridderbos, Studies in Scripture and lis Aiilhorily (Grand Rapids: Eerdmans , 1978), 21; R. H. Mounce , "Clues to Unders tanding Biblical Accuracy," Eleniiiy (June 1966), 16-18; R. K. Johnston, Evangelicals ai cm Impasse (At lan ta : John Knox Press, 1979). 5; D. M. Beegle, Scripture, Tradition anel Infallibilily (Grand Rap ids , MI:

    ; Eerdmans , 1973), 19. E. F. Harrison, "The Phenomena of Scr ip ture" in Revelation and lhe Bible (Grand Rap ids : Baker

    Book House. 19SX1 - m

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    Concluso - Portanto as Escrituras so perfeitas.3'1

    Para alguns defensores mais sofisticados da inerrncia, a idia tambm a concluso da analogia entre a no pecaminosidade de Cristo e os fenmenos da Escritura. C. Pinnock e C. C. Ryrie, quase nas mesmas palavras, argumentam que o erro no mais condio para a humanidade do que o pecado o para a natureza humana de Cristo. "Cristo foi verdadeiramente humano e livre de erro."" ' Evidentemente, a analogia do Cristo divino-humano, como D. M. Beegle a chama, uma "analogia remota,"37 especialmente porque em termos exatos os dois elementos nao so paralelos, e possvel manter uma crena na no pecaminosidade de Cristo e ainda aceitar a Escritura como sendo errante em detalhes perifricos.

    Quanto a questo exigir-se inerrncia da inspirao, os inerrantistas argumentam que impossvel separ-las e ainda sustentar a autoridade da Bblia. W. R. Cook observa que, "aquelas doutrinas (inspirao e inerrncia) ficam de p ou caem juntas."38 J. Warwick Montgomery declara: "notem cuidadosamente que eu no disse meramente que inspirao e inerrncia no deveriam ser separadas, mas de preferncia que a inspirao escriturstica e a inerrncia no existem separadas uma da outra (i.e. que separ-las resulta no apenas em erro, mas pura e simplesmente em falta de sentido)."39

    Este argumento seria razovel, se baseado numa teoria de inspirao de ditado mecnico, no qual os escritores bblicos passivamente copiaram exatamente o que Deus sussurrava aos seus ouvidos. Todavia, a Bblia no reivindica este modelo de inspirao, nem os fenmenos o apoiam. Alm disso, como afirma S. T. Davis,40 nenhum inerrantista hoje admitiria sustentar tal viso da inspirao.

    Aqueles que vinculam inspirao com inerrncia, e tornam a primeira dependente da segunda, do a impresso de que uma Bblia inerrante solucionaria todos os problemas da inspirao. Mas isto improvvel, uma vez que um documento inerrante no necessariamente um documento divinamente inspirado. E possvel escrever um texto de matemtica ou geometria que no contenha nenhum erro. Mas isto no torna estes livros divinamente inspirados.

    Mounce , ' 17. P innock , 94; ver t a m b m Ryrie. The Iniporiance of Inerrancy, 144. in teressante notar q u e da

    m e s m a analogia G. C. Be rkouwer tira d i ferentes concluses , Holy Scripture (Grand Rapids , MI: E e r d m a n s , 1975), 200. 37 D. M. Beegle, Scripture, Tradition and lifallibility, 290. A analogia pode ser usada cor re tamente se a h u m a n i d a d e da Bblia for paralela c o m as l imitaes humanas da encarnao de Jesus; ver Eilen Whi t e , Grande Conflito (Santo Andr: Casa Publ icadora Brasileira, 1981), vi. 3S Rober t Cook , "Bibl ical Inerrancy and Intelectual Honesty," Bibliolheca Sacra 125:498 (April 1968), 158. 1y J. W. Montgomery , "Inspirat ion and inerrancy," Bullelin of tlie Evanglica! Theolot-ical Society, 8 : 4 5 (1965) , 48. 411 Davis, fv?

    A Bblia e a Iner rncia 9

    Uma Escritura inerrante apenas diria que a Escritura no poderia ser acusada de erro, mas isto em si no prova que a Escritura Sagrada seja divinamente inspirada. Para isto outras categorias e outros tipos de evidncias so necessrias. Ento a concluso que a inerrncia no indispensvel para uma viso elevada das Escrituras uma vez que a mesma no implica automaticamente em crena na inspirao.

    Por outro lado, os inerrantistas tenazmente argumentam que a inerrncia total tem sido a posio normativa da igreja atravs de sua histria, assim, ela no uma nova teoria desenvolvida em tempos modernos. Lindsell afirma que da perspectiva histrica pode ser dito que por dois mil anos a igreja crist tem concordado que a Bblia completamente inerrante.41 R. Lovelace42 tambm vindica a inerrncia como viso histrica normativa da igreja. A mesma posio defendida por Francis Schaeffer4 3 e outros proponentes da inerrncia total. Para eles a posio Hodge-Warfield no uma inovao; sua essncia germinal encontrada nos grandes telogos da igreja crist, do segundo ao dcimo oitavo sculo. A lgica do argumento que aqueles que negam a teoria da inerrncia nos detalhes esto em coliso com a admitida viso plena da Bblia, assumida atravs de quase dois mil anos de histria da igreja.

    Contudo, pelo menos dois pontos permanecem em oposio a esta nfase: primeiro, de uma pesquisa histrica sobre a noo de inerrncia, pode-se tirar diferentes concluses. As Evidncias favorecem que a "moderna teologia herdou o problema da inerrncia bblica do escolasticismo ortodoxo do sculo dezessete, tanto luterano quanto reformado."44 Ademais, J. Rogers, de seu exaustivo estudo

    . sbre as razes histricas da doutrina da inerrncia, conclui que historicamente irresponsvel alegar que por dois mil anos os cristo tm crido que a autoridade da Bblia acarreta um moderno conceito de inerrncia em detalhes cientficos e histricos.4"1 A igreja corporativamente tem sido cautelosa e fazer a reivindicao de "inerrncia" normativa para a vida crist, usando em vez disto palavras como "autoridade," "suficincia" e "infalibilidade" ao pronunciar seus credos. Igualar estes termos com "inerrncia" novamente uma inferncia dedutiva dos inerrantistas.

    O segundo aspecto a ser notado que, contrariamente as alegaes dos inerrantistas, o pano de fundo histrico para a doutrina da inspirao

    Lindsell, 19; ver tambm o artigo de Lindsell , "Bibl ical Infallibility: The Reformat ion and Beyond Journal of the Evanglica! Tlieolo^ical Society 1-9 (Winter 1976), 25-37.

    Cf. Roger R. Nicole and J. Ramsey Machae l s (eds.), Inerrncy and Coinnwn Sense (Grand Rapids: Baker Book Housc, 1980), 20-25.

    F. Schaeffer , No Pinai Conflict: The Bible Without Error Is Ali That ll Affmvs (Downers Grove , IL: Inter-Varsity Press. 1975), 8. 45 -46 ; ver t a m b m P innock , Biblical Revelalion. lhe Foundation of Christian Theology (Chicago: Moody Press, 1971), 147-174.

    Otto W. Heick, "Biblical Inerrancy and the Hebrew M o d e of Speech," Tlie Luleran Quarlerly 20 (1968) . 7.

  • 1 0 Revista Teolgica do S A L T - I A E N E

    extremamente complexo. Um conceito moderno de inerrncia envolvendo linguagem cientificamente precisa era, naturalmente, desconhecido antes do surgimento da cincia moderna. Assim, mesmo quando os Pais da igreja reivindicam que a Bblia no tem erro, podemos estar quase certos de que "erro" no significa para eles o que significa para ns hoje. Como J. I. Packer diz, no podemos ler em Calvino nossas prprias preocupaes, e esperar que ele responda perguntas que so nossas, no dele.46

    Em suma: por acreditarem que tanto a Bblia como a.tradio ortodoxa da igreja sustentam a inerrncia, os defensores da inerrncia sentem-se justificados em negar o termo "evanglicos" queles que rejeitam esta doutrina. Nesta base eles concluem que uma viso elevada da Escritura impossvel sem a inerrncia. Contudo, como foi salientado, a Bblia no reivindica inerrncia para si prpria, nem o resultado'final da inspirao apoia isto. Portanto, no h uma viso "mais elevada" da Escritura do que aquela que a Bblia reivindica para si prpria, e no h maneira de aperfeioar o que Deus fez. Por outro lado. recorrer aos Pais da Igreja e aos Reformadores em apoio a uma teoria.moderna de inerrncia "dar pouco valor a preocupao deles de que a Bblia nossa nica autoridade sobre salvao e prtica para a vida crist."47

    Os Argumen tos Epistemolgico e Domin

    Para os que vindicam a teoria da inerrncia nos detalhes, o compromisso com esta crena sinnimo de uma viso elevada da autoridade bblica, e a nica maneira-.de honrar a Escritura. De fato, em muitos arraiais, a opinio popular assume que at mesmo a f crist impossvel sem a crena na inerrncia da Escritura, a qual, segundo seus defensores, um teste de autenticidade evanglica. De acordo com C. C. Ryrie, "uma viso plena e elevada da inspirao exige a inerrncia como seu elemento natural e necessrio."48 R. L. Harris, outro proponente' da inerrncia, mais enftico. Ele argumenta, "se temos alguma considerao por consistncia, ns cremos em Cristo e na inerrncia, em ambas ou em nenhuma. Para o cristo a escolha simples."49

    Deveria ser notado que, basicamente, por detrs deste dilema proposto pelos inerrantistas, h duas razes principais que levam seus proponentes concluso de que a crena na perfeita ausncia de erro da Bblia maneira

    4' J a m e s Packer, "Ca lv in ' s Vievv of Scr ip tu re" in John Warwiek Montgomery (ed.). Gad'.v Inerrant Word; an Syinpaxiiini on lhe Tnisiworilumess of Serip lure (Minneapol is : Bethany Fel lowship , 1974), 97.

    4 7 Rogers , 45 ; Bernard R a m m nota que "Deve ser sal ientado que his tor icamente a inerrncia da Escr i tura no o lipo de perfe io da Escr i tura que os Reformadores e os telogos or todoxos ps-r e f o r m a d o s ens inaram;" "Rela l ionship of Sc ience ...." JASA, 21-22 (1969): 97. 4X Ryrie, "The Importance of Incrrancy." Biblialheca Sacra 120:478 (April 1963). 141. 4

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    declnio. '0 4

    Ademais, certamente difcil compreender, porque Deus, se Ele considerava a ausncia de erro epistemologicamente to crucial, no tomou mais cuidado em preservar um texto sem erros, e como explicar a Bblia errante que os cristos sempre possuram para us-la to efetivamente por milnios. claro que Jesus, Paulo, e os escritores do Novo Testamento possuam manuscritos no inerrantes em suas mos, e foram capazes de us-los como confiveis e autoritativos, e parece improvvel que aqueles manuscritos imperfeitos tenham interferido em sua religio pessoal, teologia ou "viso elevada" do Antigo Testamento. Podemos dizer que o que era suficientemente bom para Jesus suficientemente bom para ns.

    Bernard Ramin sugere:

    Eu creio q u e menos do q u e 1 % do co rpo de crentes evanglicos renunciar ia sua f se isto fosse comprovado c o m o um erro (a respeito da discrepncia entre I Cornt ios 10:8 e Nmeros 25:24) ou se qua lque r outro erro desle tipo fosse most rado na Escr i tura Sagrada . A razo para m i m bas tante bvia. Os Crislos no se apegam f crist por causa da inerrncia da Escr i tura , mas por causa de sua experincia com Cris to e o Esp r i to San to e do con tedo espir i tual da Escri tura Sagrada que to e fe t ivamente tem fa lado aos seus coraes.'1"1

    Certamente que a Bblia pode "errar" em alguns lugares, e provavelmente falhar no teste rgido da inerrncia nos detalhes, mas ainda podemos confiar nela. Como Beegle salienta, "A soberania de Deus, a honra de Jesus Cristo, e a confiabilidade da doutrina bblica no esto em risco ao aceitar-se uma doutrina da inspirao que rejeita a qualificao da inerrncia."56 Ento, obviamente, o argumento baseado na epistemologia , por si prprio, muito duvidoso.

    Por outro lado, de acordo com a "teoria do domin, '0 7 tambm chamada de "argumento do escorregador,"5" quem quer que negue a inerrncia acabar negando outras doutrinas evanglicas. C. C. Ryrie argumenta que se todas as doutrinas da Bblia podem ser comparadas com domins enfileirados, ento a crena na total exatido da Bblia encabea a fila, "se o primeiro domin permanecer de p ou cair inevitavelmente afetar alguns, a maioria ou at mesmo todos os outros. '0 9

    A questo a ser formulada a seguinte: a rejeio da inerrncia perfeita

    5 4 P i n n o c k , 66. s s Bernard Ramin, " T h e Relal ionship of Sc ience . Factual Sta tements and lhe Doctr ine of Biblical Ine r rancy , " Journal of lhe American Scicnlifii: Affilialion 21-22 (1969-1970) : 103. 5 " Beeg l e . 290. ",7 Ver Ryrie, no cap tulo . "The D o m i n o e s are Fall ing." Wliai Yan SliouUI Know ahoul Inerrancy, 9-II.

    K Dav i s . 83-93.

    A Bblia e a Iner rncia 13

    um declive que leva inevitavelmente heresia, sendo assim incompatvel com uma viso elevada da Escritura? Naturalmente, se a inspirao houvesse sido identificada com a inerrncia, o argumento teria lido mais validade; contudo, igualar inerrncia nas mincias com o conceito de inspirao uma inverso equivocada e longe da verdade.

    Podemos questionar o conceito de Francis Schaeffer de que a rejeio da inerrncia bblica total o mais importante fator doutrinrio controlador por detrs do moderno declnio espiritual e teolgico/' Por ironia, Charles Hodge, embora um ardoroso defensor da doutrina da inerrncia, pode argumentar vagamente que mesmo que houvesse o que parecem ser erros tatuais na Escritura, eles so to insignificantes como as manchas no Partenon.' Podemos tambm dizer que mesmo uma doutrina gravemente inadequada da Escritura no invalida .a habilidade de um indivduo para apreender a ortodoxia bblica em muitos pontos, como no caso de Karl Bar th/'2 Estas simples evidncias so suficientes para levantar algumas reservas a respeito do teorema do ' domin."

    Em concluso a isto, assumimos que negar a opo de uma viso elevada das Escrituras queles que rejeitam a posio do inerrantismo radical com um apelo ao argumento epistemolgico ou "domin," no pode ser considerada uma objeo sria. Como diz Pinnock, "os evanglicos no rejeitaram um papado para aceitar outro."w

    A inerrncia no o teste real para uma viso plena da autoridade bblica. De fato, nos enganaremos se basearmos a autoridade e a verdade da Escritura na inerrncia dos registros bblicos e ento tentarmos demonstr-la segundo o racionalismo. Em uma perspicaz monografia intitulada "The Inerrancy Debate among the Evangelicals," C. Pinnock adverte que homens como Francis Schaeffer e Harold Lindsell tendem a confundir a viso elevada da Escritura com a interpretao que eles fazem dela, de modo que a menos que a pessoa concorde com a leitura que eles fazem do texto, ela poder ser chamada de evanglica imperfeita, ou absolutamente no evanglica/"1 Certamente, o abandono da inerrncia no fora algum a abraar o liberalismo e/ou a apostasia.

    " "Schae f f e r , Dealli in ilie City (Chicago: lnter-Varsity Press, 1969). C. Hodge. Systemaiic Tlieoloj-y (New York: Charles Scr ibner 's Sons, 1871), | .170; cf . Lovelace ,

    Inerrancy and Cominou Senxe, 28. h 2 Como Klass Runia indica, a viso de Barth da Escri tura est consideravelmente aba ixo da inerrncia l imitada, u m a vez que admite que a capac idade de erro da Bblia "tambm se e s t ende ao seu con tedo religioso e teolgico;" Karl Bartli's Doctrine of Holy Scripiure (Grand Rapids , MI : Eerdmans , 1962), 60 . 63 P innock, "The Inerrancy Debate among the Evangel ieal ," Tlieolany News and Notes (Pasadena , CA: Fuller Theolosrical Seminnrv 19761 13

  • 1 4 Revista Teolgica do S A L T - I A E N E

    Viso Elevada da Inspirao e os Fenmenos da Bblia

    Em seu clssico ensaio, The Phenornena of Scripture. F. Harrison observa que "nenhuma viso da Escritura pode ser indefinidamente sustentada se correr contra os fatos. Que a Bblia reivindica inspirao evidente. O problema definir a natureza da inspirao luz dos fenmenos."6""1 Evidentemente, podemos ter nossas idias prprias sobre como Deus deveria ter inspirad'o a Palavra, mas mais produtivo aprender como Ele de fato a inspi rou/ Is to significa que precisamos aprender a ouvir a Palavra de Deus, no insti;i-la, e aqui onde o conceito de inerrncia literal fracassa, porque em sua tentativa de

    proteger" a Escritura, a defesa baseada no racionalismo criou um modelo irreal de inspirao que abafa o prprio fenmeno.

    a suposio da inerrncia um componente essencial dos fenmenos da Escritura? Considervel esforo tem sido feito pelos inerrantistas para vindicar uma resposta positiva a esta questo. Para sustentar que a Bblia completamente inerrante em seus mnimos detalhes e preservada de "erro fatual, histrico, cientfico, ou outro,"66 eles estabeleceram uma srie de qualificaes, uma quantidade de obstculos que um suposto "erro" tem de transpor antes que seja qualificado como um "erro."

    S. T. Davis diz que " impossvel ver como algum suposto erro poderia passar todos os testes."67 Ele deve pertencer aos autgrafos inexistentes, algo que no pode ser realmente provado. Deve ser indubitavelmente falso. Deve ser provado alm de"qualquer dvida, etc. Todo este esforo gasto para provar que a Bblia "no contm erro de qualquer tipo,"68- basicamente o resultado de um enganoso conceito de inspirao. Ademais, agindo dentro de um processo de deduo, os inerrantistas, como vimos antes, argumentam que porque Deus perfeito e a Bblia a Palavra de Deus, a Bblia deve ser perfeita; ou porque Deus no pode "mentir" e porque a Bblia "inspirada por Deus" ela deve ser inerrante, no pode conter qualquer erro - nenhum, em histria, geografia, botnica, astronomia, sociologia, psiquiatria, economia, lgica, matemtica, ou qualquer rea que seja.

    Antes de considerarmos que a crena em uma Bblia perfeita e inerrante no condio necessria para uma viso elevada da Escritura, faamos uma

    f , s E. -F. Harr ison, "The Phenornena of Scr ipture" in Carl F. Henry (ed.) Revelation and the Bihle, (Grand Rapids , MI: Baker Book House, 1958), 239. M ' H. Lindsel l , The Batlle for llw Bihle (Grand Rapids, MI: Zondervan , 1976), 30-31.

    T. S. Davis menciona c inco condies usadas pelos inerrantistas que so uma fortaleza i n e x p u g n v e l e descar tam qualquer possvel discrepncia bblica. Ele diz. "... Erros histricos e g e o g r f i c o s podem ser excludos na condio 3; inconsistncias internas em dois ou mais textos b b l icos podem ser excludas na condio 4; e cer tamente , qua lquer pretenso erro imaginvel pode ser exc lu do nas condies 2 ou 5; The Debate abam lhe Bihle (Philadelphia: T h e Westmins ter Press , 1977), 28.

    A Bblia e a Ine r rnc ia 1 5

    reflexo sobre o conceito de "erro," o que certamente esclarecer nosso caso. C. C. Ryrie, como um bom representante dos defensores da inerrncia,

    assume que "a Bblia inerrante ao expressar a verdade, e ela o faz sem erro em todas as partes e com todas as suas palavras."69 Certamente, no h nada de errado com a proposio "sem erro" em si mesma, contudo o ponto crucial : o que significa "erro," e que padres podem ser usados para julgar o erro?

    Parece que a chave para uma viso apropriada dos fenmenos da Escritura, em relao ao debate moderno, repousa no significado da palavra "erro." E um falso conceito de erro, que impe a necessidade de um autgrafo perfeito, ou que requer harmonizao acrobtica das discrepncias bblicas tal como afirmar que o galo cantou seis vez para extrair sentido inerrante da histria da negao de Pedro,70 ou que a Bblia preserva o valor matemtico do "pi" nas dimenses do mar de fundio71 ( lRs 7:23), ou ainda para explicar a contradio entre 1 Corntios 10:8 (o relato de Paulo de que 23.000 caram em um nico dia), e Nmeros 25:9 (o Antigo Testamento registra 24.000), sugerindo que outras mil baixas ocorreram durante a noite,72 ou, de acordo com a explicao de Ryrie, "Paulo limita sua cifra de 23.000 queles mortos em um dia. O relato em Nmeros 25 ... inclui mortes adicionais que ocorreram nos dias seguintes."73

    Os inerrantistas confundem "erro" no sentido de preciso tcnica com a noo Bblica de erro como engano intencional, ento, para garantir a confiabilidade da Escritura eles acabam exigindo da Bblia estrita preciso cientfica.74 Os resultados so lamentveis, porque este processo finalmente exige algo mais objetivo do que o testemunho interior e pessoal do Esprito Santo atravs do prprio texto, e acaba aferindo a verdade da Bblia por um padro extrabblico.

    Como foi salientado antes, seremos induzidos ao erro se basearmos a autoridade da Escritura na total inerrncia dos escritos e ento tentarmos demonstrar isto de acordo com os cnones da racionalidade cientfica, e por outro lado o ensino da suficincia da Bblia rompido quando reivindicamos sua inerrncia na base de detalhes mnimos de cronologia, geografia, histria, ou cosmologia. "A inerrncia nas mincias pode ser um item central para o guia telefnico mas no para Salmos, Provrbios, literatura apocalptica e parbola." 3

    Como Johnston diz, "Aqui est a ironia: tentamos assegurar a autoridade da Bblia ao reivindicar que ela inerrante; mas para mostrar que ela inerrante ns aplicamos uma norma externa Bblia qual a Bblia deve se conformar se ela

    Ryrie, Wlial You S I K U I I I I Know cibout Inerrancy, 32. 7,1 Lindsell , 174-176. 71 Ibid., 165-167. 7" Mounce , 18. 7 3 Ryrie, 86. 14 Ver Lindsell . The Barile for the Bihle, 18, 19, 27, para tais alegaes.

  • 1 6 Revista Teolgica do S A L T - I A E N E

    deve ser considerada como verdadeira."76 Ao buscar manter uma viso elevada da inspirao, os proponentes da inerrncia tm se debatido com o fato de que revelao de Deus foi declarada nos termos da linguagem, lgica, e localizao das pessoas s quais ela foi escrita originalmente, ou como Harrison77 diz, embora a alma da Escritura seja universal e eterna, seu corpo permanece oriental, e certamente qualquer considerao verdadeira dos fenmenos no deveria esquecer isto.

    Parece que G. R. Osborne tem razo quando diz que "tanto liberais como evanglicos so culpados de uma aceitao fcil demais de certos fatos como erros."7 8 um falso conceito de erro que tem levado os defensores da inerrncia a denominar de "viso elevada" das Escrituras Sagradas, uma precipitada harmonizao mecnica de situaes bblicas, que no reivindicam nenhuma harmonizao. Esta atitude , de fato, uma desconsiderao do propsito real de nossas Escrituras, e um desafio noo de que os escritores bblicos eram homens do seu tempo com conhecimento limitado ou mesmo deficiente de tpicos seculares, e em nenhum momento Deus os removeu de seu ambiente, ou "os transformou em algum que eles no fossem - cidados de tempo e lugar antigos."7 9 Ento, se certos eventos bblicos exigem harmonizao, ela no deve ser buscada mecanicamente, de modo que obscurea os prprios fenmenos, e seu conceito de inspirao.

    Como L. Morris escreveu: "no devemos impor uma inerrncia ou nossa prpria construo sobre a Bblia, mas antes aceitar o tipo de inerrncia que ela oferece. E esta uma inerrncia compatvel com os variados relatos das palavras usadas em dada ocasio."811 O processo humano pelo qual Deus escolheu tornar Sua Palavra conhecida em lnguas terrenas to crucial para nosso conhecimento daquilo que Ele est dizendo na Escritura, quanto o nosso reconhecimento da plena inspirao da Escritura. O Deus que escolheu falar-nos atravs de escritores que viveram em contexto histrico, social, cultural e lingstico especf icos determinou, por esse mtodo de falar, como Sua palavra deve ser compreendida.

    H erros na Bblia? Mentira e falsidade o que a Escritura associa com erro, e a Escritura certamente no identificada com engano neste sentido. Assim, em relao a Deus e Sua verdade a Bblia nunca conduz a erro e neste sentido ela inerrante. Contudo, a honestidade exige que reconheamos que h discrepncias e dificuldades no texlo bblico. Neg-las seria ir contra os fatos e

    7

  • 18 Revista Teolgica do S A L T - I A E N E

    teolgicos por detrs das variaes, outros so dificuldades reais. luz destas dificuldades, emerge a questo: possvel considerar a Bblia como um livro imperfeito e limitado em muitos aspectos e ainda sustentar uma elevada viso de sua autoridade?

    Eilen White, em sua abordagem pessoal s Escrituras Sagradas, sugere uma resposta segura. Ela disse: "Tomo a Bblia tal como ela , como Palavra Inspirada. Creio nas declaraes de uma Bblia inteira."86 Para ter uma viso forte e plena da autoridade da Escritura, no necessitamos de engenhosos instrumentos para sustent-la. A viso singular que honra os fenmenos da Escritura a que aceita a Bblia como ela realmente : a Palavra de Deus em palavras humanas. Como pode ser isto? No h necessidade de solucionarmos este mistrio; nossa grande necessidade reconhec-lo e aceit-lo.

    A melhor maneira de reverenciar a Palavra Viva sustentar um conceito saudvel de sua revelao e inspirao, ento as dificuldades e variaes dos fenmenos no nos perturbaro porque concordamos que a inspirao age no homem em uma situao concreta. Deus inspirou pessoas, usando suas mentes, coraes, formao, vocabulrio, experincias, personalidades, treino educacional, cosmoviso, contextos culturais, e sensibilidades espirituais. Deve ser notado que este conceito de inspirao que permite considervel liberdade ao agente humano, no significa permisso descontrolada. Ebionismo e Docetismo ainda so extremos a serem evitados.

    A Bblia a Palavra de Deus, acomodada, revestida e transmitida em linguagem humana. Ento, como Pinnock87 observa, a Bblia pode conter "erros" mas no ensina nenhum. Isto significa que a Bblia infalvel em seus temas ao invs de nos seus termos, nos seus ensinos ao invs de nos componentes utilizados em sua formulao. Contudo, deve ser notado que errncia no a opo para inerrncia. A opo para inerrncia total infalibilidade da Bblia em assuntos pertencentes a sua inteno. Como B. Mickelsen salienta,

    Jesus na c idade, aps o que Eic saiu para passar a noi te em Betnia (21:10-12, 17). Marcos , con tudo , d iz-nos que a pur i f icao ocorreu no dia segu in te noite passada em Betnia (11 :11-12 , 15). De acordo com Marcos Jesus amaldioou a f igueira quando estava a caminho para a c idade, aps a noi te passada em Betnia e antes da pur i f icao (11:12-14, 10); de acordo com Mateus a maldio, o secamento , e as l ies da decorrentes ocor reram jun tos na manh aps a pur i f i cao (21:18ss) . Mui to mais mareawte a divergncia entre Joo e os Evangelhos Sint icos sobre a da ta da pur i f i cao do templo. Aqui toda a extenso do minis tr io de Jesus separa as duas datas . No Evange lho de Lucas o c h a m a d o dos discpulos (5:7-1 1); a cura do leproso (4:12-13); o Sermo do M o n t e (6:17-38); o episdio com os discpulos de Joo Batista (7:20); a festa na casa de S i m o (7 :36ss) : e a lguns milagres esto comple t amen te fora de ordem em relao aos out ros Evangelhos . Para u m a slida sugesto a respeito dos mot ivos teolgicos por detrs das d iscrepncias da c ronologia lucana. ver Robert B. S loan. Jr.. The Feiyorablc Yeitr of lhe Lure! (Aust in: Schola Press. 1997).

    x" Eilen G. White . Mensagens Escolhidas (Santo Andr, SP: Casa Publieadora Brasileira, 1985), 1:17.

    Pinnock "The hwmincv VI-I.-III rimmn l-x/mnir-lii-il " 77ii//."> Wu.i"' /III/ M . I I (1TA\ l i

    A Bblia e a Iner rnc ia 19

    Ao invs de discut i rmos o que a Bblia no faz (i.e. "ter a lgum erro") , nec i s i t amos nos concent rar na nota positiva. A Bblia ensina a verdade. Ela ens ina a verdade nos modos e manei ras de expressar a verdade nos tempos antigos. Porque Deus energ izou seus servos, a ve rdade ensinada de muitas formas diferentes magn i f i camen te e f i caz . Agradeamos a Deus pelas Escrituras assim como elas so. Sua forma e estilo an t igo es to ent re as grandes provas de sua autenticidade.*15

    Voltando a nossa questo bsica, nosso compromisso com uma viso elevada da Escritura exige inerrncia? Vamos responder a questo. Deve ser salientado tambm que a teoria da inerrncia tem pouca sensibilidade para com os fenmenos da Escritura, ou seja, a variedade, de palavras e declaraes, encontrada no prprio texto. Ademais, a doutrina da inerrncia no contribui para uma viso elevada da inspirao ou para uma posio slida quanto a autoridade da Escritura, e pensar que tudo est seguro apenas em "provar" que a Bblia perfeitamente inerrante um sonho ingnuo. Finalmente, deve ser afirmado tambm que uma viso elevada da Escritura no est de qualquer modo comprometida com a inerrncia bblica nos detalhes. Antes, seu compromisso com a Inspirao da Palavra Viva de Deus. Como Johnston diz, "de fato, pode-se defender uma viso elevada da Escritura sem recorrer ao termo inerrncia."

    Sumrio

    Evidentemente que o debate sobre a inerrncia da Bblia no permite uma soluo fcil uma vez que no um assunto em preto e branco. Contudo, observando a questo de uma perspectiva diferente, o ponto crucial no se a Escritura totalmente inerrante ou no, mas a natureza e a finalidade dos registros bblicos. Em outras palavras nossa necessidade bsica compreender a

    a * 90

    autoridade e confiabilidade das Escrituras em termos de inteno e proposito. O apstolo Paulo, no contexto da bem conhecida frase "toda a Escritura

    inspirada" (theopneustos), to significante para a doutrina da inspirao, apresenta o propsito essencial para o qual a Escritura foi dada: ela capaz de tornar "sbio para a salvao pela f em Cristo Jesus," e "til para o ensino, para a correo, para a educao na justia, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra" (ITm 3:15-17 ARA).

    A Escritura do Antigo e Novo Testamentos no um livro sem propsito. Seu propsito primrio, do incio ao fim, libertar o homem do pecado e finalmente lev-lo a comunho com Deus. Seu contedo a maior mina de verdade essencial, mesmo que no seja verdade absoluta. Ento, a Bblia foi dada por Deus com finalidade soteriolgica, e a mais elevada prova deste ptopsito

    ,SI Berkeley Mickelsen. " T h e Bible ' s Own Approach to Authori ly ," in Biblical Auiliority (Waco, Texas : 1967), 87.

    Johnston, Op. cil.. 22. , Wl , n ^ , ' i v . . , . 7 V . / / / I V Tl (1975). 295.

  • 20 Revista Teolgica do S A L T - I A E N E

    encontrada no fato de que Deus em pessoa fala nela. Onde a Bblia funciona como a espada do Esprito na vida de homens ali est o manejo da indisputvel autoridade divina em todas as reas pertencentes a sua finalidade bsica.

    Ao declarar o propsito da Bblia, Eilen White disse: "em Sua Palavra Deus conferiu aos homens o conhecimento necessrio salvao."91 De fato, algum que estuda a Bblia com o mais ardoroso desejo de obter salvao ser infalivelmente guiado a Jesus Cristo, e saber por si mesmo que a Palavra de Deus verdadeira e suficiente.

    Conseqentemente, uma viso correta da Bblia deve pr a nfase onde a prpria Bblia a pe - em sua mensagem de salvao e sua instruo para a vida, no em seus detalhes de geografia ou cincia, porque como temos visto e L. Morris observa, o propsito da Bblia no dar informao sobre assuntos cientficos. Tais verdades so suscetveis de descoberta por nossos prprios esforos e Deus as deixou para serem descobertas deste modo. Elas no so o objeto prprio da revelao.92 Assim, lutar por detalhes minuciosos em nome de uma "viso correta" da Bblia tem somente o efeito negativo de desviar a ateno da mensagem de salvao e da educao na justia que so os temas-chave da Bblia, e frequentemente dar a impresso de que no se pode crer e confiar em nenhuma parte da Escritura, a menos que se prove que todas as suas partes sejam in errantes.

    O propsito bsico de Deus no frustrado por existirem contradies e tenses no texto bblico em matrias tatuais, e aceitar estas dificuldades como parte dos fenmenos da Escritura no diminui uma alta considerao por ela. Contudo, em conteno contra a doutrina da inerrncia, ns no temos sido dominados pelo sdico desejo de encontrar discrepncias nos registros bblicos, nem almejamos provar sua errncia.

    Ademais, no podemos endossar qualquer teoria de distino entre matria revelacional e no revelacional nas Escrituras,93 e dizer que a revelao foi limitada apenas queles ensinos que so essenciais para nossa salvao. O Esprito de Deus engolfou a totalidade da Escritura de tal maneira que discusso sobre graus ou nveis de inspirao est completamente equivocada. A genealogia de Gnesis 5 no menos inspirada do que o Evangelho de Joo, mas provavelmente eles foram inspirados de modos diferentes, e talvez as diferentes formas pelas quais operou a inspirao seja a chave adequada para entendermos algumas dificuldades dos registros bblicos.

    Eilen G. Whi te . O Grande Cuiflilu. 8. 1,2 Leon Morris . / Believe in Revelalioii (Grand Rapids, Ml : Eerdmans . 1976), 133.

    Os defensores da inerrncia l imitada d iscr iminam entre a f i rmaes revolucionais e no revelaeionais na Escri tura na base de uma metodologia indutiva. Ento eles concluem que a Bblia

    A Bblia e a Inerrncia 2 1

    Concluses

    Ao final deste artigo, alguns pontos parecem emergir de nossas consideraes e exigem uma reflexo final.

    Em primeiro lugar, o conceito da inerrncia nos detalhes estranho a Bblia. E uma imposio humana; como diz Pinnock, "a lgica do caso pela inerrncia tem sido confundida com uma piedade equivocada, e a inerrncia da Bblia tem sido defendida no tanto por convico de que ela seja inerrante mas por uma crena de que ela deve ser."94 Ademais, a doutrina da inerrncia mostra desconsiderao para com os fenmenos da Escritura, exigindo o que Deus no intencionou: um superlivro, um registro perfeito e inerrante em cada detalhe particular. Evidentemente isto s pode ter efeitos perniciosos.

    Temos que dizer, tambm, que historicamente, inerrncia no qualificada da Bblia no c o tipo de perfeio da Escritura que a Ortodoxia Crist ensinou no transcurso da Histria do Cristianismo, at o sculo dezessete quando o Escolasticismo declarou que "nenhum erro, mesmo em assuntos insignificantes, nenhuma falha de memria, para no dizer inverdade, pode ter lugar em toda a Escri tura Sagrada."9:i

    Em segundo lugar, como defendido por alguns de seus proponentes, o conceito de inerrncia d a impresso de que no h meio termo entre inerrncia por um lado, c atitudes neo-ortodoxas, liberais ou mesmo atestas para com a Bblia por outro lado. Contudo, at onde podemos ver, a inerrncia no uma doutrina crucial para o cristianismo Evanglico, e o perigo de renunciar as pressuposies da inerrncia largamente imaginrio. De fato, o abandono da inerrncia no pe em risco a teologia e no fora ningum a abraar a apostasia ou o liberalismo. Ento, os argumentos espistemolgico e domin so uma crena exagerada.

    Em terceiro lugar, a Bblia a Palavra de Deus autoritativa e confivel, atravs da qual Ele fala e opera. A Inspirao assegura que a Bblia representa o ponto de vista de Deus e no do homem (2Tm 3:14-17; 2Pe 1:19-21); ento, "a Bblia representa o que Deus tinha em mente."96 No existe desvio do que Deus procurou comunicar para a salvao dos homens. Contudo, a inspirao no garante um registro inerrante em tudo o que a Escritura toca, e qualquer esforo para remover os traos da dimenso humana nas Escrituras resultar somente em "rebaixamento" da viso de inspirao.

    Pinnock. "Three Views of the Bible in Contemporary Theo logy , " Biblical Authority, 64 . Heinrich Schmid . The Doctrina! Theology of Evanglica! Lullieran Church (Phi ladelphia :

    Lutheran Publicalion Society, 1876). 49 ; Otto W. Heiek, "Biblical Inerrancy and Hebrew M o d e of

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    Certamente, as verdades essenciais da Bblia no so alteradas pelo reconhecimento de que algumas de suas declaraes so imprecisas, assim como uma viso elevada de sua autoridade no obliterada por este reconhecimento. O poder auto-autenticador da Palavra de Deus no depende da inerrncia. R. H. Mounce observa:

    quan to mais es tudamos a Bblia mais al ta se torna nossa viso de sua inspirao ... e m b o r a o homem tenha escrito as palavras, a mensagem de Deus. H uma qua l idade auto-autent icadora a respeito da Palavra de Deus. Ns saberamos que ela inspirada m e s m o que ela no ensinasse sua prpria inspirao. '"

    Certamente que dificuldades tcnicas e "erros" no destruiro a confiana das pessoas na Bblia se elas encontraram a Cristo em suas pginas e ouviram sua voz a lhes falar.

    Em quarto lugar, parece que a nica viso que honra a Palavra de Deus aquela que mostra elevada considerao pelos fenmenos da Escritura, e os aceita como Deus no-los deu. Essa viso, com igual fora, mantm a humanidade e a divindade da Palavra da Escritura. Ademais, a viso mais adequada da Escritura no pode ser mais elevada do que aquela sustentada pelo prprio .Tesus que, at onde sabemos, no apelou para autgrafos perfeitos para tornar o Antigo Testamento autorizado. Como perguntamos antes, est algum justificado em reivindicar mais do que a Escritura reivindica? Ou pode haver na verdade uma viso mais elevada da Escritura do que a viso bblica?

    Finalmente, fazer da inerrncia o sinal da autenticidade evanglica98 uma infeliz discriminao baseada na intolerncia. O resultado, como vimos, inevitvel desgosto e desiluso, que ameaa a unidade evanglica, forando uma desnecessria brecha entre os cristos em um tempo em que o testemunho unido para um mundo incrdulo dolorosamente necessrio. De fato, a controvrsia atual sobre a doutrina da inerrncia, para defender uma "viso elevada da autoridade Bblica" uma batalha que no necessita ser ferida porque, como B. Mickelsen observa, "a mais elevada viso de autoridade na Bblia a obedincia circundada por amor."99

    1)7 R. H. M o u n c e , "Clues to Understanding Biblical Accuracy," Elerniiy ( June 1966), 17. y x Harold Lindsell diz: "Eu no concedo sequer por um momento, contudo , que em um sentido tcnico algum possa reivindicar a insgnia de evanglico uma vez q u e tenha a b a n d o n a d o a iner rnc ia" (The Batlle for llie Bihle. 210). '''' B. Mickelsen , " T h e Bible ' s Own Approach lo Author i ty" in Biblical Aiilhority, 93.