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  • 7/23/2019 Revista Tcu 2

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    . . . .REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIO BRASIL ANO 41 NMERO 114 JANEIRO/ABRIL 2009

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    Misso

    Assegurar a efetiva e regular gesto dos recursos pblicos em benefcio da sociedade.

    Viso

    Ser instituio de excelncia no controle e contribuir para o aperfeioamento da administrao pblica.

    Negcio

    Controle externo da administrao pblica e da gesto dos recursos pblicos federais.

    Tribunal de Contas da Unio

    Ministros

    Benjamin Zymler, Vice-Presidente

    Valmir Campelo

    Walton Rodrigues

    Augusto Nardes

    Aroldo Cedraz

    Raimundo Carreiro

    Jos Jorge

    Jos Mcio

    Auditores

    Augusto Sherman Cavalcanti

    Marcos Bemquerer Costa

    Andr Lus de Carvalho

    Weder de Oliveira

    Ministrio Pblico

    Lucas Rocha Furtado, Procurador-Geral

    Paulo Soares Bugarin, Subprocurador-Geral

    Maria Alzira Ferreira, Subprocuradora-Geral

    Marinus Eduardo de Vries Marsico, Procurador

    Cristina Machado da Costa e Silva, Procuradora

    Jlio Marcelo de Oliveira

    Srgio Ricardo Costa Carib, Procurador

    Ubiratan Aguiar, Presidente

    , Procurador

    Repblica Federativa do Brasil

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    ANO 38 . NMERO 114 . JAN/ABR 2009

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    Copyright 2009, Tribunal de Contas da Unio

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    Os conceitos e opinies emitidas em trabalhos doutrinrios

    assinados so de inteira responsabilidade de seus autores.

    Permite-se a reproduo desta publicao, em parte ou no todo, sem

    alterao do contedo, desde que citada a fonte e sem fins comerciais.

    www.tcu.gov.br

    Revista do Tribunal de Contas da Unio. - v.1, n.1 (1970) - . Braslia : TCU, 1970- .

    v.

    De 1970 a 1972, periodicidade anual; de 1973 a 1975, quadrimestral; de 1976 a 1988,

    semestral; 1989, quadrimestral; 1990 a 2005, trimestral; 2006, anual; a partir de 2007,

    quadrimestral.

    ISSN 0103-1090

    1. Controle de gastos pblicos Brasil. 2. Controle externo Brasil. I. Tribunal de

    Contas da Unio.

    Ficha catalogrfica elaborada pelaBiblioteca Ministro Ruben Rosa

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    EditorialEditorial

    Benjamin Zymler Ministro do Tribunal de Contas da Unio e Supervisor do Conselho Editorial da Revista do TCU.

    Benjamin Zymler com satisfao que apresentamos o nmero 114 de nossa revista,relativo ao primeiro quadrimestre de 2009.

    Seguindo com o objetivo de divulgar temas relacionados atuao do Tribunal e Administrao Pblica, este nmero tratatema central para a rea de controle externo, que so os contratos eas licitaes pblicas. Questes relativas norma e ao Princpio deReserva Legal so discutidos na distino entre a imputao de penade inidoneidade e suspenso legal, assim como na diferenciao dembito entre Administrao e Administrao Pblica na aplicao desanes, apresentando-se tambm a opinio de famosos juristas sobreo assunto.

    A questo da assimetria de informao entre agncias reguladorase empresas prestadoras de servio no setor eltrico tambmdiscutida em um de nossos artigos. Procura-se entender o mbito noqual a insuficincia de informao poder representar irregularidadecontratual.

    Seria possvel conciliar tica e poltica? O assunto, relevante emface crescente nmero de casos de corrupo divulgados pela mdia,tambm discutido aqui, seguido de uma anlise histrica, filosfica epoltica. Direito Tributrio e Auditoria de Performance so outros

    entre os vrios temas tratados.

    Apresentamos tambm as sees Jurisprudncia e Notcias,acompanhando a atividade do Tribunal no perodo.

    Esperamos que o leitor tire bom proveito e que possamos contribuir,assim, para o enriquecimento de seus conhecimentos sobre os temastratados.

    Boa leitura.

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    SumrioSumrio

    Doutrina 7

    Incidncia dos efeitos da suspenso temporria eda declarao de inidoneidade em licitaes pblicas 7Alex Pereira Menezes

    Assimetria de informao, competio e leiles de energia 15Alexandre Carlos Leite de Figueiredo

    A tica na poltica 25Ana Cristina Melo de Pontes Botelho

    Auditoria de Performance Value for Money(VFM) 35

    Andr Jacintho dos Santos

    Direito Tributrio e Controle Social 45Antonio Henrique Lindemberg Baltazar

    Fiscalizao contratual: Calcanhar de Aquilesda execuo dos contratos administrativos 53Carlos Wellington Leite de Almeida

    O papel do intrprete nas hipteses de

    contratao direta sem licitao da Lei n 8.666/1993 63Fernando Jos Gonalves Acunha

    Alteraes do Contrato Administrativo: Releitura das Normas de Regncia Luz do Gerenciamento de Riscos, em Gesto Pblica Comprometida comResultados 77Jess Torres Pereira Jnior,Marins Restelatto Dotti

    Recebimento de Obras e Servios de Engenharia 95Marcelo Neves

    O efeito carona no Registro de Preos: um crime legal? 103Toshio Mukai

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    Notcias 109

    TCU define participao de estados, municpios e DF na Cide-Combustveis 109Governo cria grupo de trabalho para melhorar ensino superior 109

    TCU determina licitao de transporte rodovirio 110

    Tempo de atividade rural: STF consolida entendimento do TCU 110

    Rede de Controle vai fortalecer combate corrupo 111

    TCU define regras para troca de informaes em aes de controle 111

    TCU constata falhas no ProUni e Fies 112

    TCU convidado a participar de projeto da Cmara para a Copa 2014 112

    TCU aponta falhas em benefcio para idosos e deficientes 113

    Manifestaes dos cidados gerameconomia de R$ 74 milhes aos cofres pblicos 114

    ANS deixa de cobrar R$ 3,8 bilhes de planos de sade 114

    Atuao do TCU gera benefcio de R$ 31,9 bi em 2008 115

    Jurisprudncia 116

    ndice de Assunto 120

    ndice de Autor 126

    Endereos do TCU 127

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    AA capa desta edio retrata detalhe do painel de azulejos de AthosBulco instalado no edifcio de trs pavimentos em que funciona orestaurante do TCU e que integra o complexo arquitetnico projetadopor Oscar Niemeyer, inaugurado em 1998, juntamente com os doisprdios anexos ao edifcio-sede.

    Cada um dos edifcios anexos conta com seis pavimentos e instalamdiversas assessorias, unidades tcnicas e secretarias.

    O edifcio-sede foi planejado por Renato C. Alvarenga e inauguradoem 1975, com projeto paisagstico de autoria de Roberto Burle Marx eabriga os gabinetes de ministros e demais autoridades da Casa, algumasassessorias e unidades tcnicas da Secretaria do Tribunal, o Museu doTCU, o Espao Cultural Marcantonio Vilaa, a Biblioteca Ministro RubenRosa e o Auditrio Ministro Pereira Lira.

    O Instituto Serzedello Corra situa-se na Asa Norte, em Braslia e asSecretarias Regionais de Controle Externo nas capitais dos estados.

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    DoutrinaDoutrinaDoutrina

    Incidncia dos efeitos da suspenso

    temporria e da declarao deinidoneidade em licitaes pblicas

    Alex Pereira Menezes servidor daControladoria-Geral da Unio no Estadode Sergipe. graduado em Tecnologiaem Processamento de Dados e emCincias Contbeis pela UniversidadeTiradentes (UNIT) e ps-graduado emEstatstica pela Universidade Federal de

    Sergipe (UFS)

    1 INTRODUO

    A Lei n 8.666/1993, instituidora das normas sobre licitaes econtratos da Administrao Pblica, autoriza a aplicao de sanesadministrativas, no caso de inexecuo total ou parcial do contrato,desde que garantida a prvia defesa. possvel imputar: advertncia;

    multa, na forma prevista no instrumento convocatrio ou no contrato(sendo esta possvel em concomitncia s demais sanes); suspensotemporria de participao em licitao e impedimento de contratarcom a Administrao, por prazo no superior a dois anos; e declaraode inidoneidade para licitar ou contratar com a Administrao Pblica,enquanto perdurarem os motivos determinantes da punio, ou atque seja promovida a reabilitao perante a prpria autoridade queaplicou a penalidade, que ser concedida sempre que o contratadoressarcir a Administrao pelos prejuzos resultantes e aps o prazoda sano de suspenso.

    A suspenso temporria e a declarao de inidoneidade poderoser impostas, tambm, s empresas e aos profissionais que, em razodos contratos regidos pela Lei, sofreram condenao definitiva porpraticarem, com meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento dequaisquer tributos; tenham praticado atos ilcitos visando a frustrar osobjetivos da licitao; ou demonstrem no possuir idoneidade paracontratar com a Administrao em virtude de atos ilcitos praticados.

    Clama por pacificidade, outrossim, a discusso sobre o mbito deincidncia da suspenso temporria e da declarao de inidoneidade,

    subsistindo controvrsias doutrinria e jurisprudencial. A suspensoincide sobre a Administrao, enquanto que a inidoneidade (cujacompetncia exclusiva do Ministro de Estado, do Secretrio Estadualou Municipal, conforme o caso) reflete na Administrao Pblica. Noentanto, com frequncia, esses termos so usados como sinnimos, oque, indubitavelmente, oculta a diferena entre eles.

    2 A LEI DAS LICITAES

    Para o legislador, os termos Administrao e Administrao Pblicapossuem conotaes diferentes, consoante se depreende da leitura do

    art. 6 da Lei n 8.666/93.

    Alex Pereira Menezes

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    10/1368 ]REVISTA DO TCU 114

    D O U T R I N A

    O inciso XI do supracitado artigo conceituaAdministrao Pblica como

    a administrao direta e indireta da

    Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos

    Municpios, abrangendo inclusive as entidades

    com personalidade jurdica de direito privado

    sob controle do poder pblico e das fundaespor ele institudas ou mantidas, [enquanto que

    o inciso seguinte define Administrao como]

    rgo, entidade ou unidade administrativa

    pela qual a Administrao Pblica opera e atua

    concretamente.

    Destarte, a expresso Administrao restringe-seao rgo ou entidade que realiza a licitao ouque celebra o contrato, e Administrao Pblica

    corresponde ao universo dos rgos ou entidadesintegrantes da Unio, dos Estados, do Distrito Federale dos Municpios. Em termos prticos, aquele que declarado inidneo no poder contratar com aadministrao direta e indireta da Unio, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municpios, enquanto queao suspenso temporariamente fica-se vedada a suacontratao pela entidade que imps esta sano, atque elididos os motivos determinantes.

    Convm registrar que a legislao federal

    das licitaes alarga os efeitos da declarao deinidoneidade aos Estados, do Distrito Federal edos Municpios por fora da competncia privativada Unio, encartada no inciso XXVII, art. 22, daConstituio Federal, em legislar sobre

    normas gerais de licitao e contratao, em

    todas as modalidades, para as administraes

    pblicas diretas, autrquicas e fundacionais da

    Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios,

    obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para asempresas pblicas e sociedades de economia

    mista, nos termos do art. 173, 1, III.

    Nesse esteio, torna-se obrigatrio assentar que, ao

    fazer aluso expresso Administrao Pblica, a Lei das

    Licitaes alcanar os Poderes Executivo, Legislativo e

    Judicirio e o Ministrio Pblico, quando do exerccio

    de suas funes administrativas de licitar e contratar. No

    restando, portanto, qualquer violao independncia

    e separao dos poderes, haja vista supracitada

    competncia constitucional privativa da Unio.

    2.1 A LEI DO PREGO

    Em 17 de julho de 2002, novamente se utilizandode sua competncia constitucional privativa, a Uniosancionou a Lei n 10.520, instituindo, no mbitoda Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, amodalidade de licitao denominada Prego.

    Consoante preceitua o seu art. 7

    quem, convocado dentro do prazo de validade

    da sua proposta, no celebrar o contrato, deixar

    de entregar ou apresentar documentao falsa

    exigida para o certame, ensejar o retardamento

    da execuo de seu objeto, no mantiver a

    proposta, falhar ou fraudar na execuo do

    contrato, comportar-se de modo inidneo

    ou cometer fraude fiscal, ficar impedido delicitar e contratar com a Unio, Estados, Distrito

    Federal ouMunicpios e, ser descredenciado

    no Sicaf, ounos sistemas de cadastramento de

    fornecedores a que se refere o inciso XIV do art.

    4 desta Lei, pelo prazo de at 5 (cinco) anos,

    sem prejuzo das multas previstas em edital e

    no contrato e das demais cominaes legais.

    [grifos do autor]

    Ao empregar a conjuno alternativa ou no teor

    do art. 7 seccionando as esferas governamentais e,ainda, o SICAF dos demais sistemas de cadastramentode fornecedores , o legislador no trouxe a clarezanecessria sua redao, permitindo inferir que asano administrativa do impedimento de licitar econtratar dever incidir no mbito de apenas umaesfera governamental (Unio, Estados, DistritoFederal ou Municpios). Com uma interpretaolgico-sistemtica, entende-se que a incidncia estarcondicionada esfera a qual se submete a entidade

    sancionadora.

    Ora, se o infrator for descredenciado do SICAFou nos sistemas semelhantes de cadastramento defornecedores mantidos por Estados, Distrito Federalou Municpios (inciso XIV do art. 4), os rgospblicos que se utilizam do respectivo sistema(federais ou estaduais ou distritais ou municipais),notadamente, no permitiro a participao dodescredenciado em seus certames licitatrios eimpediro a sua contratao pelo Poder Pblico

    local.

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    D O U T R I N A

    De outro modo ao disposto na Lei n 8.666/1993, a Lei doPrego remeteu a um mbito de incidncia distinto das expressesAdministrao e Administrao Pblica, pois, para esta, o impedimentode licitar e contratar est adstrito a todo o aparato administrativointegrante de uma nica esfera governamental.

    Caso o legislador fizesse proveito da conjuno aditiva e ao invs

    da alternativa ou no corpo do art. 7 da Lei n 10.520/2002, norestariam dvidas de que se estaria referindo ao conceito fixado na Leidas Licitaes para Administrao Pblica.

    3 CONTROVRSIAS

    No obstante a cr istalina diferenciao legal, o operador dodireito, em vista de controvrsias jurisprudencial e doutrinria, nodever sentir-se seguro em acatar, de maneira literal, os conceitospreconizados nos incisos XI e XII, art. 6, do Diploma Legal das

    Licitaes, quando da apreciao dos casos concretos de imposiode sanes administrativas.

    Com efeito, Maral Justen Filho entende que a pretenso dediferenciar Administrao Pblica e Administrao irrelevante e

    juridicamente risvel1.

    O ilustre autor esclarece:

    14) A Suspenso Temporria e a Declarao de inidoneidade

    As sanes dos incs. III e IV so extremamente graves e pressupema prtica de condutas igualmente srias.

    14.1) Distino entre as figuras dos incs. III e IV

    [...]No haveria sentido em circunscrever os efeitos da suspenso

    de participao em licitao a apenas um rgo especfico. Se um

    determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam

    para contratar com a Administrao Pblica, os efeitos dessa ilicitude

    se estendem a qualquer rgo. Nenhum rgo da Administrao

    Pblica pode contratar com aquele que teve seu direito de licitarsuspenso. A menos que lei posterior atribua contornos distintos

    figura do inc. III, essa a concluso que se extrai da atual disciplina

    legislativa 2.

    Com uma interpretao bastante inovadora, o mestre Hely LopesMeirelles assevera que

    a suspenso temporria pode restringir-se ao rgo que a

    decretou ou at mesmo a uma determinada licitao ou a um tipo

    de contrato, conforme a extenso da falta que a ensejou3.

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    D O U T R I N A

    ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANA - LICITAO - SUSPENSO

    TEMPORRIA - DISTINO ENTRE ADMINISTRAO E ADMINISTRAO

    PBLICA - INEXISTNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAO DE

    LICITAO PBLICA - LEGALIDADE LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.

    - irrelevante a distino entre os termos Administrao Pblica e

    Administrao, por isso que ambas as figuras (suspenso temporria de

    participar em licitao (inc. III) e declarao de inidoneidade (inc. IV) acarretamao licitante a no-participao em licitaes e contrataes futuras.

    - A Administrao Pblica una, sendo descentralizadas as suas funes,

    para melhor atender ao bem comum.

    - A limitao dos efeitos da suspenso de participao de licitao no

    pode ficar restrita a um rgo do poder pblico, pois os efeitos do desvio

    de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administrao se

    estendem a qualquer rgo da Administrao Pblica8.

    ADMINISTRATIVO. SUSPENSO DE PARTICIPAO EM LICITAES.

    MANDADO DE SEGURANA. ENTES OU RGOS DIVERSOS. EXTENSO

    DA PUNIO PARA TODA A ADMINISTRAO.

    1. A punio prevista no inciso III do artigo 87 da Lei n 8.666/93 no produz

    efeitos somente em relao ao rgo ou ente federado que determinou a

    punio, mas a toda a Administrao Pblica, pois, caso contrrio, permitir-se-ia

    que empresa suspensa contratasse novamente durante o perodo de suspenso,

    tirando desta a eficcia necessria.

    2. Recurso especial provido9.

    4 PRINCPIO DA RESERVA LEGAL

    A estrutura do Estado Democrtico de Direito tem sua origem na ConstituioFederal, norma fundamental para regulamentar as relaes sociais e embasartambm as disposies de ordem penal. Nesse aspecto, a Carta Magna de1988 protege as garantias fundamentais advindas com o Princpio da ReservaLegal em seu art. 5, inciso XXXIX (no haver crime sem lei anterior que odefina, nem pena sem prvia cominao legal.), ao exigir contedo normativo

    especfico para determinadas matrias.

    Por conseguinte, em matria de natureza penal, exige-se do operadordo direito a adoo da interpretao do comando normativo de forma maisrestritiva, atendo-se ao Princpio da Reserva Legal. Como a penalidade dasuspenso temporria representa uma ordem administrativa de cerceamentode direito (de licitar e de ser contratado), aplicada em carter punitivo a umainadimplncia, outro no poderia ser o entendimento de que se trata de umcomando penal em sentido lato. Nessa ncora, a Administrao deve ser

    vislumbrada como rgo ou entidade contratante que aplicou a penalidadesuspensiva, sob pena de, em se ampliando esse conceito, criar-se- hiptese

    sem previso legal.

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    D O U T R I N A

    Por similaridade nos argumentos, cabe lembrar amagistral aula de Carlos Maximiliano:

    Interpreta-se a lei penal, como outra

    qualquer, segundo os vrios processos de

    Hermenutica. S compreende, porm, os

    casos que especifica. No se permite estend-la,

    por analogia ou paridade, para qualificarfaltas reprimveis, ou lhes aplicar penas. [...]

    Estritamente se interpretam as disposies que

    restringem a liberdade humana, ou afetam a

    propriedade; consequentemente, com igual

    reserva se aplicam os preceitos tendentes a

    agravar qualquer penalidade. [...] Parecem

    intuitivas as razes pelas quais se reclama

    exegese rigorosa, estrita, de disposies

    cominadoras de penas. As deficincias da lei civil

    so supridas pelo intrprete; no existem, ou,pelo menos, no persistem, lacunas no Direito

    Privado; encontram-se, entretanto, entre as

    normas imperativas ou proibitivas de Direito

    Pblico. No primeiro caso, est o juiz sempre

    obrigado a resolver a controvrsia, apesar do

    silncio ou da linguagem equvoca dos textos; no

    segundo, no; por ser mais perigoso o arbtrio

    de castigar sem lei do que o mal resultante de

    absolver o mprobo no visado por um texto

    expresso. [...] Escritores de prestgio excluem

    a exegese extensiva das leis penais, por seremestas excepcionais, isto , derrogatrias do

    Direito comum10.

    Caso objetivasse que a suspenso temporria daparticipao de processos licitatrios fosse estendidaa toda Administrao Pblica, em verdade, olegislador teria expressamente a ela se referido notexto legal.

    Ademais, se coincidissem o mbito das duassanes, estas seriam idnticas, o que contrariaa regra de hermenutica, segundo a qual devemser afastadas as interpretaes desarrazoadas. ALei 8.666/1993 ao estabelecer uma diferena emrelao ao agente competente para aplicar a sanode declarao de inidoneidade, ocasiona que talsano repercute de forma mais ampla que a desuspenso temporria.

    4.1 EFEITOS EX-NUNC

    O art. 78 da Lei n 8.666/1993 relaciona, de maneiraexaustiva, os motivos determinantes para resciso decontratos firmados pelo Poder Pblico. Em nenhumdos seus dezoito incisos, o artigo em tela aduz que adeclarao de inidoneidade motiva resciso unilateral

    dos demais contratos vigentes, avenados com aqueles,posteriormente, declarados inidneos.

    Escorando-se, novamente, no Princpio da ReservaLegal, assenta-se que os efeitos da inidoneidade devemser imputados a partir da data do ato declaratrio, ouseja, suas consequncias no retroagem aos contratos

    j celebrados ou em execuo, excetuando-se,obviamente, o contrato gerador da inidoneidadeou quele resultante da licitao viciada por alguma

    infrao ocasionadora da declarao. Caso contrrio,a empresa, declarada inidnea, sairia impune dasinfraes cometidas na respectiva contratao.

    Este entendimento foi empregado pelo STJ,quando da apreciao, em 14 de maio de2008, doMandado de Segurana n 13.101-DF, cuja ementado Acrdo segue adiante:

    A D M I N I S T R AT I VO - L I C I TA O -

    I N I D O N E I D A D E D E C R E T A D A P E L A

    CONTROLADORIA G E RAL DA UNIO- ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DE

    SEGURANA.

    1. Empresa que, em processo administrativo

    regular, teve decretada a sua inidoneidade para

    licitar e contratar com o Poder Pblico, com base

    em fatos concretos.

    2. Constitucionalidade da sano aplicada

    com respaldo na Lei de Licitaes, Lei 8.666/93

    (arts. 87e 88).

    3. Legalidade do ato administrativosancionador que observou o devido processo

    legal , o contraditrio e o princpio da

    proporcionalidade.

    4. Inidoneidade que, como sano, s

    produz efeito para o futuro (efeito ex nunc),

    sem interferir nos contratos j existentes e em

    andamento.

    5. Segurana denegada11.

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    15/136jan/ abr 2009 [13

    D O U T R I N A

    Manifestao semelhante j havia sido proferidapelo Tribunal Regional Federal da 1 Regio, no

    julgamento, em 12 de agosto de1997, da Apelao emMandado de Segurana n 94.01.32238-4/DF, verbis:

    ADMINISTR AT IVO - L ICITA O -

    DECLARAO DE INIDONEIDADE - EFEITO

    SOBRE CONTRATO DECORRENTE DEPROCEDIMENTO LICITATRIO ANTERIOR -

    IMPOSSIBILIDADE - APELAO DENEGADA.

    1 - Inexistindo nas normas peculiares s

    licitaes a penalidade de sustao e resciso

    de contrato por declarao de inidoneidade em

    licitao posterior a sua celebrao, ilegtimo

    o ato da Administrao que rescinde avena

    decorrente de procedimento licitatrio anterior

    e em regular execuo. (Lei n 8.666/93, art. 78,

    I a XVII, e 79, I.).2 - Apelao e Remessa Oficial denegadas.

    3 - Sentena confirmada.

    4 - Segurana denegada em parte12.

    Nesse diapaso, verifica-se que a atribuioda condio ex-nunc ao ato declaratrio deinidoneidade no significa dizer que os contratosfirmados antes da data deste ato sejam imunes resciso ou suspenso em razo de vcios quelhes forem prprios. Os contratos j firmados

    quando da declarao de inidoneidade, que noforam objeto de anlise na aplicao da respectivapunio, permanecem em execuo, em virtudedo direito adquirido pelo contratado, porm, porfora da verificao de motivos legais determinantesde sanes administrativas, no esto isentos desuspenso ou resciso.

    5 CADASTRO GERAL UNIFICADO

    A ausncia de uma ampla e irrestrita publicidade dosatos declaratrios de inidoneidade expedidos pelosrgos pblicos de todo o pas, certamente, neutralizaos seus efeitos em outras localidades. Atualmente, oseditais licitatrios exigem dos licitantes a apresentaode declarao de que no foram sancionados comatos declaratrios de inidoneidade ou suspensivos,podendo, no caso de falsidade, responder penalmenteos declarantes. Como o Poder Pblico no possui ohbito de proceder averiguaes de rotina por nodispor das informaes necessrias, na prtica, no h

    consequncia para aqueles que prestam declarao

    falsa. Como condio essencial para que os efeitos dainidoneidade se faam presentes uniformemente, torna-senecessria a implementao de um cadastro acessvel atodos da situao de idoneidade de fornecedores.

    Nessa diretriz, a Controladoria-Geral da Unio(rgo Central do Sistema de Controle Interno do

    Poder Executivo Federal) criou o Cadastro Nacionalde Empresas Inidneas ou Suspensas(CEIS),acessvel desde 9 de dezembro de2008 por meio doPortal da Transparncia (). Esse banco reuni dados das instituiesfederais e de unidades da federao que mantmcadastro prprio sobre fornecedores responsveispor irregularidades.

    Concomitantemente a esse avano, urge

    aperfeioar as normas gerais sobre licitaes econtratos no sentido de tornarem obrigatrios oenvio de todos os atos de declarao de inidoneidadee de suspenso imputados e a consulta ao referidocadastro, para fins de habilitao em certameslicitatrios e de contratao. Diante disso, reduzir-se-a possibilidade de atuao de empresas inidneas na

    Administrao Pblica, evitando que um fornecedorque tenha sido declarado inidneo num determinadomunicpio ou estado possa apresentar-se em licitaesem outros distritos.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    As punies administrativas, incutidas na Lei dasLicitaes, repercutem sobre o poder discricionriodo particular em participar de certames licitatriose de ser contratado pelo Poder Pblico, preceitosinerentes ao Estado de Direito e aos ideais da ordemeconmica. Como enfeixam natureza penal, mistera preservao dos princpios inerentes ao Estado

    Democrtico de Direito, impondo-se a prevalnciada teoria da interpretao restritiva.

    Data venia,as opinies emanadas por conceituadosmestres careceriam de razoabilidade o fato de algumser inidneo para o governo federal e no o ser paraos governos estaduais, distritais ou municipais e

    vice-versa, como tambm a interpretao de maneiramais ampla ao mbito de incidncia da puniode suspenso temporria no direito de participarde processos licitatrios, com visvel descarte dos

    conceitos enraizados na prpria Lei n 8.666/1993.

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    Assimetria de informao, competio eleiles de energia

    1. INTRODUO

    A dcada de 90 no Brasil foi caracterizada por uma profundareestruturao do aparato administrativo do Estado, marcada por umareorientao poltico-administrativa, na qual os entes governamentaisintensificaram o uso de mecanismos de delegao de atividades at entoassumidas de maneira quase que exclusiva pelo aparelho estatal. Nessediapaso e especialmente aps a edio da Lei n 8.987/1995, instrumentoscomo a concesso, a permisso e a autorizao foram amplamenteutilizados como formas de delegao, iniciativa privada, da execuo de

    servios de titularidade estatal1

    . Nesse sentido, uma grande quantidadede agentes privados passou a explorar atividades cuja prestao, aindanaquele momento, era monopolizada pelo poder pblico.

    A partir das privatizaes das empresas estatais e das delegaes daexplorao de servios pblicos iniciativa privada, implantou-se umnovo modelo, em bases legais2, em que o Estado passou a regular3aprestao desses servios, em vez de ser o provedor direto deles.

    A criao das agncias reguladoras insere-se nesse contexto de mudanado papel do Estado, no qual a administrao pblica redefine sua gerncia,

    suas responsabilidades e sua relao com vrios setores da economia.As agncias so concebidas como entidades, ao menos teoricamente,menos suscetveis a interesses polticos ocasionais, capazes de promoveruma regulao contnua e coerente, que no incorra em problemas decontinuidade devido s mudanas de governo. O objetivo foi a criao deum ambiente estvel e seguro, que permitisse a atrao de investimentosprodutivos, a satisfao de necessidades de servios pblicos, o crescimentoeconmico, o desenvolvimento tecnolgico e a gerao de empregos.

    Em se tratando de servios pblicos, resta patente o dever do Estado

    de regulamentar as condies de delegao dessas atividades, disciplinaras condies que devem nortear a prestao desses servios essenciais efiscalizar a sua execuo. A Constituio de 1988 normatiza que a oferta deservios pblicos dar-se- tanto por empresas privadas como por empresaspblicas, sendo que o Estado detentor da titularidade jurdica dessesservios pode ser o provedor direto deles ou delegar sua execuoa outros, zelando, por intermdio de rgos reguladores, para que osservios prestados, em termos de quantidade, qualidade e tarifas, sejamsocialmente aceitveis. De toda sorte, em qualquer dos dois modos deprestao do servio, recai no Estado a obrigao jurdica de fornecimento,de modo que imprescindvel, para o bem-estar coletivo, que o Estado

    regulamente e fiscalize a prestao desses servios.

    Alexandre Carlos Leite de Figueiredo servidor do Tribunal de Contas da Unio. graduado em Relaes Internacionaise Especialista em Direito Regulatrioda Energia Eltrica pela Universidadede Braslia (UnB), e Especialista emComrcio Exterior pela Universidade

    Catlica de Braslia.

    Alexandre Carlos Leite

    de Figueiredo

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    No obstante essa obrigao decorrente datitularidade jurdica estatal sobre essas atividades,a regulao tambm se mostra fundamental pelofato de que grande parte dos bens e serviospblicos so monoplios ou monoplios naturais.

    Ademais, dada a relevncia da prestao dessesservios, as imperfeies porventura existentes no

    mercado concorrencial podem levar a resultados edesequilbrios indesejveis, de sorte que a regulaose faz necessria para tentar corrigir essas distorese proteger os usurios dos servios de eventuaisabusos de poder econmico por parte dos agentesprivados prestadores dos servios.

    A teoria econmica tradicionalmente justificaa existncia da regulao pela presena de falhasde mercado e pela consequente necessidade de

    corrig-las. So exemplos dessas falhas os monopliosnaturais, as externalidades, as assimetrias deinformao e os bens pblicos, entre outros.

    Os servios de energia eltrica so servios pblicosessenciais e so prestados sob um forte aparatoregulatrio do Estado, dado que algumas falhas demercado so fortemente detectadas na execuode tais atividades. Os servios de transmisso e dedistribuio so considerados monoplios naturaise so regulados de maneira bastante intensa pelo

    Estado. Adicionalmente, os setores de infra-estrutura,como o o setor de energia eltrica, demandamelevados volumes de investimentos, alm de seremfontes de fortes externalidades. Alm disso, sosetores cuja relao custo-benefcio privado tende aser inferior social, o que gera um volume e uma taxade investimento inferior ao que seria socialmentedesejvel.

    Restando explcita a obrigao do Estado em

    regular os servios de energia eltrica, pode-seafirmar que a assimetria de informao entre osagentes prestadores dos servios e o rgo reguladorrevela-se um empecilho considervel e um grandeobstculo a ser superado na busca da construode um aparato regulatrio eficiente. A assimetria deinformao est na origem de complexos problemasregulatrios e o regulador deve, continuamente,buscar formas de mitigar esse problema. Nosetor eltrico, as atividades de transmisso e dedistribuio so fortemente reguladas e o rgo

    regulador setorial, objetivando uma regulao

    eficiente, busca incessantemente reduzir ogapinformacional existente entre os regulados e eleprprio. Mas como deve ser analisado o problemada assimetria de informao na atividade de geraode energia eltrica, dado que o modelo atualmenteem vigor trata a gerao como uma atividadecompetitiva4e que deve ser regulada de forma

    menos intensa?

    2. REGULAO E ASSIMETRIA DE INFORMAO

    Pode-se dizer que uma das contribuies maisrelevantes das teorias econmicas de regulaodiz respeito anlise, descrio e discusso dascaractersticas do mercado, dentre elas a existncia derelevante assimetria de informaes entre os agenteseconmicos. Ademais, revela-se que esta assimetria

    informacional uma das principais responsveispelas demandas por regulao dos mercados.

    A teoria econmica apresenta vasta l iteraturae abordagens diversas sobre os pressupostos daregulao, suas formas e suas consequncias.Destarte, a descrio do arcabouo regulatrio est

    vinculada ao enfoque terico associado regulaoeconmica, seus motivos e objetivos.

    Assimetria de informao deve ser entendida no

    seguinte contexto: ela ocorre quando as informaesde conhecimento das firmas reguladas no soobservadas ou detectadas pelo rgo reguladorou esto disponveis em quantidade e qualidadeinsuficientes para uma regulao eficiente. O reguladotem um conhecimento consideravelmente maior doesforo empreendido na prestao do servio, desuas atividades, etapas de produo e estrutura decustos, que o rgo regulador. Outrossim, a obtenodessas informaes pelo regulador demonstra-se

    bastante onerosa, de sorte que as decises tomadaspelo regulador muitas vezes se subordinam aoconjunto de informaes fornecidas pelos prpriosregulados. Partindo-se da premissa de que tanto oregulador quanto a firma so agentes racionais ebuscam maximizar seus interesses , a firma podee, provavelmente, adotar comportamentosoportunistas visando obter vantagens na estipulaode metas regulatrias ou na reviso de contratos.Pode-se inferir que a firma tem incentivos para norevelar todas as informaes sobre seus esforos e

    sobre seus custos.

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    A agncia, consciente desses incentivos e tambmde que o custo de monitorao das informaespelo regulador extremamente elevado, buscarformas de alinhar os interesses da firma com osseus prprios. Na prtica, surgem instituies ouformas contratuais especializadas que, atravs deincentivos, tentaro alinhar os interesses, de modo

    que o regulador no necessite ter informaescompletas sobre a firma para saber que ela agirde modo compatvel com os objetivos e metasregulatrias estipuladas. O intuito, o ideal, acriao de um sistema que induza a firma a revelaras informaes de que o regulador necessita ou ainduza a ser eficiente e repartir ganhos de eficinciacom os consumidores.

    Na tica do principal agente, as instituies

    ou contratos peculiares observados na prticaso formas de mitigar o problema de informaoassimtrica, visando permitir que a relao entrea firma e o regulador possa ocorrer de forma maiseficiente do que ocorreria sem tais instrumentos.De toda sorte, so situaes sub-timas, j quea assimetria de informao quase sempre leva asolues regulatrias, nas quais a firma recebe maisdo que receberia se o regulador tivesse todas asinformaes necessrias. Esta diferena chamadade rentinformacional. A firma consegue extrair

    rendas na sua interao com o regulador, j que estetem de garantir as condies necessrias para que afirma opere no mercado, evitando que ela entre emdesequilbrio econmico-financeiro. Isto implicaque o regulador, caso no consiga determinar oscustos reais de uma determinada empresa, permitaque esta cobre tarifas que lhe proporcionem umlucro econmico no-negativo, mesmo quando ela ineficiente ou, caso seja eficiente, obtenha umarenda extraordinria (GLEIZER, 2005).

    A teoria aponta do is pr inc ipai s problemasoriundos da informao assimtrica: a seleoadversa e o risco moral. A seleo adversa (adverse

    selection) decorre do fato de que uma das partesdetm informao privada sobre suas caractersticas.Do ponto de vista contratual, a seleo adversa podeser encarada como oriunda de comportamentosoportunistas derivados de assimetria de informaespr-contratuais. Prejudicam a operao dastransaes antes mesmo do estabelecimento

    do contrato, pois uma das partes depende de

    informaes relativas natureza da outra e quenem sempre so fornecidas. Neste caso, algumasinformaes so omitidas no momento da definiodo contrato (PINTO JR, PIRES, 2000).

    O perigo moral (moral hazard) decorre do fatode que uma das partes detm informao privada

    sobre suas aes ou decises. Diferentemente daseleo adversa, em que o problema se encontrano diferencial de risco entre os diferentes agenteseconmicos, o caso do risco moral se baseia nasaes dos agentes, que podem acabar influenciandoesse risco. No nvel contratual, o risco moral frutode comportamentos oportunistas posteriores elaborao do contrato, podendo decorrer tambmde um comportamento imprevisto ao longo daexecuo do contrato. A informao assimtrica,

    neste particular, no relativa a caractersticasdesconhecidas dos agentes, mas a um comportamentooportunista, escondido e no conhecido pela outraparte do contrato, no momento de sua elaborao(PINTO JR, PIRES, 2000).

    Certo que a assimetria de informao coloca-secomo um ponto fulcral nos complexos problemasregulatrios, pois, para que o regulador exerauma regulao eficaz necessria a existncia deuma boa base de informaes. Todavia, a obteno

    e a formao de uma slida base de informaesocorrem mediante elevados custos: quanto maiorfor a assimetria de informaes entre os agentes maiscustoso ser o processo de acesso s informaesrelevantes e, consequentemente, mais custosa sera regulao para o agente regulador setorial.

    3. O SETOR ELTRICO E A INTRODUO DA COMPETIO

    NA ATIVIDADE DE GERAO DE ENERGIA ELTRICA

    Anteriormente a 1995, tinha-se um modelo demonoplio verticalizado do Estado no setor eltrico.Em 1995 e 1996, foi adotado um outro modelo,desverticalizado, em que os setores de gerao -aberto e competitivo -, transmisso, distribuio ecomercializao deveriam ser independentes. Estemodelo inspirado no livre mercado tinha comomotivos principais a introduo de um ambientecompetitivo no qual fosse possvel - na geraoe na comercializao - e a consequente mudanaregulatria nos segmentos considerados monoplios

    naturais: transmisso e distribuio.

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    A introduo da competio no setor s pde serviabilizada a partir da reestruturao da indstria,da desregulamentao e do estabelecimento do livreacesso s redes de transmisso. Segundo Tolmasquim(2002), a reestruturao tinha como principal objetivopromover a mudana de um modelo baseado nomonoplio verticalmente integrado para um modelo

    mais competitivo, calcado na desverticalizao daindstria. Com esse intuito, foi promulgada a Lein 9.074/1995, que, dentre outras coisas, criou afigura do Produtor Independente, estabeleceuo livre acesso s instalaes de transmisso epossibilitou a formao de consrcios de gerao.

    A desverticalizao de empresas integradas foiadotada com o objetivo de viabilizar cobranas no-discriminatrias da rede de distribuio, eliminarsubsdios cruzados e permitir a visualizao de custos

    especficos, objetivando sempre mitigar o problemada assimetria de informao.

    Pode-se dizer que foi introduzido um embrionrioambiente de competio no setor, mas o modelosofreu vrios ataques aps a crise do racionamentode energia eltrica, ocorrida em 2001. O adventodo novo modelo institucional do Setor Eltrico,apresentado em 2004 pelo Ministrio de Minas eEnergia (MME)6, buscou a implementao de novasregras de mercado para estimular a livre concorrncia

    e a competitividade dentro do setor eltrico. Acomercializao de energia dentro desse sistema delivre concorrncia e competitividade gerenciadapela Cmara de Comercializao de EnergiaEltrica (CCEE) e se d perante dois ambientes decontratao: um regulado, do qual participam agentesde gerao e de distribuio de energia eltrica7e ascontrataes so geralmente precedidas por leiles8,e outro livre do qual participam agentes de gerao,comercializao, importadores e exportadores

    de energia e consumidores livres que negociamlivremente a partir de contratos bilaterais.

    A regulao da ANEEL recai primordialmentesobre o Ambiente de Contratao Regulada (ACR),que congrega todos os consumidores cativos e osdistribuidores, no qual as compras de energia sorealizadas sempre por licitao e pelo critrio demenor tarifa. O artigo 11 do Decreto n 5.163/2004e o artigo 2 da Lei n 10.848/2004 determinam queas concessionrias, permissionrias e autorizadas de

    servio pblico de distribuio de energia eltrica do

    Sistema Interligado Nacional (SIN) devem garantiro atendimento totalidade de seu mercado no

    Ambiente de Contratao Regulada, por meio decompra de energia via licitao, na modalidade leilo.O critrio de menor tarifa, utilizado para definir os

    vencedores de um leilo, est previsto no inciso VIIdo art. 20 do Decreto n 5.163/2004. Aps os leiles,

    so assinados os Contratos de Comercializao deEnergia Eltrica em Ambiente Regulado (CCEAR),celebrados entre os vencedores e as distribuidorasque declararam necessidade de compra para o ano deincio de suprimento da energia contratada no leilo.O estabelecimento da contratao conjunta por todosos distribuidores, na forma de umpool, permite, emtese, a apropriao na tarifa de economias de escalana compra de energia.

    Resumidamente, os agentes de geraocandidatos construo de novos parques geradoresdevem participar de leiles apresentando propostasde venda de sua energia eltrica, competindo porcontratos de compra de energia pelas concessionriasdistribuidoras. Nesses leiles, denominados leilesde energia nova, destinados precipuamente aoatendimento do mercado regulado, sagram-se

    vencedores os empreendedores que ofertarem omenor preo por Mega-Watt hora para atendimentoda demanda prevista pelas distribuidoras. Ademais, os

    geradores podem ainda contratar direta e livrementecom consumidores livres. Neste particular, oscontratos so livremente negociados, restando aoscontratantes a liberdade de definies de preos,prazos e quantidades.

    Pois bem, aps essas breves consideraes acercadas bases competitivas na gerao de energia eltrica,mostra-se relevante discorrer sobre como se d a(pouca) regulao da atividade, analisando as atuais

    normas de produo de estudos de viabilidadeeconmica dos empreendimentos, o estabelecimentodo preo teto e a competio nos leiles, de maneiraa situar o problema da informao assimtrica nesseprocesso e suas consequncias.

    4. ESTUDOS NECESSRIOS PARA A

    IMPLANTAO DE UM EMPREENDIMENTO

    HIDRELTRICO E INFORMAO ASSIMTRICA

    Os estudos necessrios para que um aproveitamento

    hidreltrico esteja apto a ir a leilo iniciam-se com

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    D O U T R I N A

    a estimao do Potencial Hidreltrico9. Estimadoo potencial, segue-se o Inventrio Hidreltrico10.

    A prxima etapa a realizao dos estudos deViabilidade11.

    Ressalta-se que todos os estudos de Viabilidadesubmetidos apreciao da Aneel so avaliados

    quanto a sua conformidade em relao aos estudosde Inventrio utilizados como referncia. O art. 28,da Lei n 9.427/1996, aliado s normas explicitadasna Resoluo Aneel n 395/1998, indica que noh previso de exclusividade quanto realizaode estudos de Viabilidade de aproveitamentoshidreltricos. O empreendedor, privado e/oupblico, pode realizar os estudos, por sua conta erisco, e solicitar o registro destes junto Aneel. Osestudos devem ater-se a vrios critrios tcnicos e

    o rgo regulador, aps a verificao da adequaodos estudos aos critrios e condies estabelecidas,promover o registro destes. Nos moldes do modelosetorial em vigor, no h nenhum impedimento paraque mais de um interessado realize esses estudos.

    Aps o registro na Aneel, cabe Empresa dePesquisa Energtica (EPE) cadastrar e habilitartecnicamente os empreendimentos, para fins departicipao nos leiles de energia proveniente denovos empreendimentos. Para tanto, a EPE tambm

    analisa os estudos de Viabilidade, acompanhadosdos documentos de aceite emitidos pela Aneel. Apartir da habilitao tcnica, a EPE formaliza umalista de referncia a ser encaminhada ao MME,contendo os empreendimentos habilitados paraparticipar dos leiles de energia. EPE tambmcompete o clculo do Preo de Referncia de cadaempreendimento hidreltrico, a ser homologadopelo Poder Concedente. Este Preo de Refernciaconstitui um preo teto para cada empreendimento,

    um preo mximo inicial para arremate por parte dosagentes interessados.

    na etapa dos estudos de Viabilidade que oempreendedor tem acesso aos dados mais relevantesquanto s possveis configuraes tcnicas doempreendimento. O autor dos estudos de Viabilidadedespende tempo e recursos considerveis estudandoe analisando profundamente projetos de engenharia,solues tcnicas, questes socioambientais e atmesmo arranjos financeiros que possam tornar

    o empreendimento vivel tcnica, econmica e

    ambientalmente. inegvel que esse empreendedor,caso venha a participar do processo licitatrio, temuma vantagem comparativa, na forma de informaoassimtrica. A despeito de os estudos apresentados Aneel deverem ater-se a vrios critrios tcnicose ainda passar por minuciosa anlise pelo rgoregulador, seria ingenuidade acreditar que, no caso

    de o empreendedor vir a participar do leilo, eledisponibilize todas as informaes de que dispeou as apresente com o mesmo nvel qualitativo.Deve restar claro que isto no significa que osestudos apresentados sejam, necessariamente,de baixa qualidade, apenas que o empreendedortem incentivos para guardar para si informaesrelevantes que possam oferecer-lhe certa vantagemcompetitiva no processo licitatrio vindouro.

    A partir dos dados constantes dos estudos deViabilidade, o empreendedor consegue formular,considerando sua estratgia empresarial, um preocondizente com o retorno econmico por eleesperado. Nesse ponto reside uma considervelinformao assimtrica entre os agentes interessadosem participar do certame. O empreendedor autor dosestudos de Viabilidade tem uma vantagem temporale qualitativa acerca das informaes explicitadas nosestudos. Os estudos de Viabilidade so liberados paraconsulta somente aps a deciso do Poder Concedente

    em licitar o empreendimento, enquanto o autor jos conhece, em detalhes, h algum tempo. No hcomo negar que esse fato, por si s, lhe confere certa

    vantagem competitiva e serve, at certo ponto, comobarreira de entrada a outros concorrentes. Potenciaisconcorrentes podem sentir-se desestimulados aparticipar de um certame se um dos concorrentes foro autor dos estudos de Viabilidade, pois este podeter omitido detalhes tcnicos e de custo que podemrevelar-se fundamentais para a formao de uma

    proposta competitiva.

    A ttulo de analogia, nos termos da Lei n 8.666/1993(Lei de Licitaes), o empreendedor que realiza o

    projeto bsico de algum empreendimento fica,automaticamente, impedido de participar doprocesso licitatrio. Bem certo que o projeto bsicode um empreendimento hidreltrico realizado, pelo

    vencedor do certame, somente aps a adjudicaodo objeto da licitao, contudo, a analogia mostra-se

    vlida tendo em mente o conflito de interesses que

    pode estar presente nos dois casos.

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    Para a Lei de Licitaes, o projeto bsico propicia Administrao conhecimento pleno do objeto que sequer licitar, de forma detalhada, clara e precisa. Devefornecer aos licitantes as informaes necessrias boa elaborao de sua proposta e possibilitar aavaliao do custo da obra e a definio dos mtodose do prazo de execuo. Pois bem, os estudos de

    Viabilidade de um empreendimento hidreltricodevem, em suma, servir a estes mesmos propsitos:caracterizar o empreendimento, avaliar os seuscustos e ainda explicitar elementos fundamentaispara a elaborao de propostas por parte dos agentesinteressados.

    A Lei n 8.666/1993, julgando ser inconvenientepara os objetivos do certame (escolha da melhorproposta para a Administrao) e buscando mitigar

    o problema da informao assimtrica e do conflitode interesses, veda a participao do autor do projetobsico no certame licitatrio. No seria o caso de sepensar em algo semelhante a ser aplicado aos leilesde energia do setor eltrico? Ao se permitir que osautores dos estudos de Viabilidade participem doleilo, no estaria a Administrao Pblica aceitando,para os leiles de energia, condies combatidas naslicitaes em geral?

    Repise-se que, se o autor dos estudos de

    Viabilidade tem inteno de concorrer no futuroleilo do empreendimento, ele tem enormesincentivos para guardar para si informaes quelhe garantam vantagem competitiva na elaboraode sua proposta. Essa informao assimtrica lheconfere vantagens na licitao tambm quanto formao do preo teto de leilo. interessantepara o empreendedor que o preo teto seja fixadoem um patamar superior quele que seria maisaderente realidade do empreendimento, de

    sorte que, na ausncia de verdadeira competio,a proposta vencedora possa aproximar-se muitodo preo teto estipulado. Nesse cenrio, somenteganha o empreendedor, perdendo a sociedade quearcar com um custo superior ao razovel e restandoseriamente prejudicada a modicidade tarifria, umdos pilares do atual modelo do setor eltrico.

    5. PREO TETO DE LEILO, COMPETIO

    E INFORMAO ASSIMTRICA

    Buscando minimizar a assimetria de informaoexistente entre o autor dos estudos e os outrospotenciais concorrentes, a EPE promove um estudoalternativo, no qual, a partir dos dados estruturantes

    constantes dos estudos de Viabilidade, sugere, quandocabveis, otimizaes nos arranjos de engenharia,nas solues tcnicas e nos custos apresentados.Esses estudos podem ser considerados uma tentativade mitigar os efeitos da informao assimtrica,tanto entre os empreendedores que participarodo certame, quanto entre o autor dos estudos de

    Viabilidade e o prprio Poder Concedente.

    Em ateno aos comandos constitucionais12e

    luz da legislao vigente13

    , o Tribunal de Contasda Unio (TCU), rgo de controle externo,fiscaliza as concesses de servios pblicos. Esteacompanhamento incide sobre o processo de outorgae na posterior execuo contratual.

    Referido acompanhamento regido pelaInstruo Normativa/TCU n 27/1998, a qual defineque a fiscalizao dos processos de outorga deconcesso ou de permisso de servios pblicos deveser concomitante, sendo o seu acompanhamento

    realizado em estgios, mediante a anlise dedocumentao remetida pelo Poder Concedente oulicitante, sendo que no 1 estgio so analisados,entre outros, o relatrio sinttico sobre os estudos de

    Viabilidade tcnica e econmica do empreendimentoe os estudos de impactos ambientais. Percebe-se que,inicialmente, o foco do controle recai exatamentesobre os estudos de Viabilidade que embasam aconcesso do servio, objetivando a verificao daconsistncia e razoabilidade das metodologias e

    premissas empregadas nesses estudos.

    Nesse contexto, pode-se considerar que o TCUtambm atua no sentido de mitigar o problema dainformao assimtrica, na medida em que mais umator a analisar e apresentar uma avaliao objetivasobre os estudos de Viabilidade. No se trata deuma instncia revisora, mas sim de controle, quetem a prerrogativa de exarar determinaes ourecomendaes para a correo de impropriedadeseventualmente detectadas no processo de

    quantificao do preo teto de leilo.

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    Tanto o Poder Concedente quanto a Corte deContas objetivam quantificar14o preo teto de formaa aproxim-lo o quanto possvel da realidade objetivado mercado, de forma que, em um cenrio de baixacompetio, o consumidor final no seja prejudicadopelo provvel resultado desfavorvel de um leilode energia. Desfavorvel porque, se o preo teto for

    descolado da realidade, a falta de efetiva competioincentivar o empreendedor a ser mais conservadorem suas ofertas de lances, tendendo a haver desgiosmnimos. Nesse caso, a energia ser vendida por umpreo superior quele razovel e apto proporcionara justa remunerao do capital do empreendedor.Se o preo teto for bem equilibrado, a eventual faltade competio tender a no ser to prejudicial consecuo dos objetivos do certame.

    Tendo em mente que a fal ta de energiaeltrica um gargalo extremamente custoso aodesenvolvimento de um pas e que a expanso daoferta um tema bastante sensvel ao governo e sociedade em geral, pode-se inferir que o problemada informao assimtrica entre o autor dos estudosde Viabilidade e o Poder Concedente tende a permitirque o preo teto de leilo seja fixado em um patamarsuperior quele aderente realidade da exploraodo empreendimento. O Poder Concedente e o rgoregulador, alm de no terem a mesma quantidade

    e a mesma qualidade das informaes acerca doempreendimento, no tm conhecimento precisosobre a eficincia das firmas que competiro nocertame, de sorte que h um fundado temor em sefixar o preo teto em um patamar muito baixo, irreal,levando fatalmente ao fracasso do leilo.

    O f r a c a s s o d e u m l e i l o d e e n e r g i a ,principalmente de um empreendimento prioritriopara a segurana energtica do pas, um cenrio a

    ser evitado e a informao assimtrica constitui-seem um empecilho considervel na corretaprecificao do preo teto. Nesse sentido, deixa-sea cargo da competio a incumbncia de fazercom que o resultado final do leilo seja benficono s ao empreendedor, mas sociedade emgeral. O problema que essa mesma informaoassimtrica pode prejudicar a competio, servindocomo barreira de entrada a novos concorrentes nocertame. Ante todo o exposto, temeroso que osucesso do atual modelo de leiles de energia reste

    to dependente da competio.

    6. PROPOSTA

    A Empresa de Pesquisa Energtica, por mandatoconferido pela Lei n 10.847/2004, deve prestarservios na rea de estudos e pesquisas destinadasa subsidiar o planejamento do setor energtico,tais como energia eltrica, petrleo e gs natural e

    seus derivados, carvo mineral, fontes energticasrenovveis e eficincia energtica, dentre outras.

    Ademais, o mesmo dipl oma legal conferiu EPE competncia para realizar estudos paradeterminao dos aproveitamentos timos dospotenciais hidrulicos e efetuar o acompanhamentoda execuo de projetos e estudos de viabilidaderealizados por agentes interessados e devidamenteautorizados15.

    Tendo em vista as competncias atribudas EPEe dentro de uma viso estratgica da empresa parao planejamento governamental na rea energtica,uma possibilidade que se vislumbra poderia serque, em projetos considerados prioritrios peloPoder Concedente, restasse EPE a prerrogativa darealizao dos estudos de Inventrio e de Viabilidade.Nesse sentido j se manifestou a Corte de Contasao recomendar ao MME que elabore e submetaprojeto de lei Casa Civil prevendo, na hiptesede empreendimentos de gerao hidreltrica

    considerados prioritrios, a exclusividade da EPEpara realizar estudos de viabilidade [....]16.

    No se eliminaria a importante participaoprivada na expanso da carteira de projetosaptos a serem leiloados e ao mesmo tempo, paraaproveitamentos estratgicos, o Poder Concedentemitigaria, ao menos parcialmente, os problemasdecorrentes da informao assimtrica.

    O Poder Concedente deveria elencar osprojetos estruturantes previamente, de formaque os empreendedores particulares saibam, comantecedncia, quais so os rios e bacias consideradosestratgicos, de forma a evitar o dispndio de esforose recursos em duplicidade.

    Relativamente aos recursos necessrios, salienta-seque a Lei n 10.848/2004 reservou ao MME 3% daReserva Global de Reverso (RGR) para custearestudos e pesquisas do setor energtico, dentre

    estes, os estudos de Inventrio e de Viabilidade.

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    D O U T R I N A

    7. CONCLUSO

    No h vedao para que os empreendedores querealizem os estudos de Inventrio e de Viabilidadeparticipem dos leiles de energia. Cria-se dessa formauma possibilidade danosa de conflito de interesses, jque o empreendedor tem incentivos para reservar para

    si informaes que lhe permitam auferir vantagens naformao de uma proposta competitiva.

    Essa assimetria de informao tambm age emdesfavor do Poder Concedente, j que, alm de noter a mesma qualidade e quantidade de informaessobre a viabilidade do empreendimento, no temconhecimento adequado sobre a eficincia das firmasque competiro no certame, de maneira que restaum fundado temor em se fixar o preo teto em um

    patamar muito baixo, irreal, que definitivamentelevar o leilo ao fracasso.

    A competio entre os concorrentes fundamentalpara a busca da modicidade tarifria e, em umcenrio de baixa competio, a fixao do preo tetogarante um limite acima do qual o Poder Concedenteentende ser onerosa a aquisio da energia. Todavia,a assimetria de informao constitui-se em umrelevante obstculo no processo de precificao desselimite e tambm age como uma barreira de entrada

    a novos competidores, reduzindo-se potencialmentea competio.

    Uma forma de mitigar esse problema poderiaser que, em projetos estruturantes e consideradosprioritrios pelo Poder Concedente, fosse atribuda Empresa de Pesquisa Energtica a prerrogativada realizao dos estudos. No se eliminaria arelevante participao de empreendedores privadosna expanso da carteira de projetos aptos a serem

    licitados e mitigar-se-ia, ao menos parcialmente, asconsequncias danosas oriundas da presena deinformao assimtrica.

    Pode-se concluir que a informao assimtricapresente na atividade de gerao de energia eltricatem o condo de prejudicar seriamente todo osistema regulatrio a que est sujeito o setor eltrico.Um dos pilares do modelo atual a modicidadetarifria, sendo a informao assimtrica nos leiles

    de energia um elemento nocivo e prejudicial consecuo desse intento. A busca da modicidadetarifria origina-se na atividade de gerao e as tarifaspraticadas pelos geradores impactaro diretamentena formao da tarifa paga pelos consumidores finais,de sorte que a intensa regulao imposta aos setoresde transmisso e distribuio no so capazes de

    diluir as consequncias danosas de um resultadodesfavorvel de um leilo de energia, materializadaspor uma tarifa superior quela que seria razovelpela energia gerada.

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    26/13624 ]REVISTA DO TCU 114

    D O U T R I N A

    NOTAS

    1 No o intuito do autor discutir se todos os servios detitularidade estatal devem ser considerados como serviospblicos, bastando, para os propsitos deste artigo, oentendimento de que servios de titularidade estatal e serviospblicos so sinnimos.

    2 Ainda que a base para a delegao de servios pblicos

    aos agentes privados esteja normatizada no artigo 175 daConstituio Federal, a edio da Lei n 8.987/1995 quepermitiu um processo mais sistemtico de delegao dessesservios.

    3 A regulao, enquanto espcie de interveno estatal,manifesta-se tanto por poderes e aes com objetivosdeclaradamente econmicos (o controle de concentraesempresariais, a represso de infraes ordem econmica,o controle de preos e tarifas, a admisso de novos agentesno mercado) como por outros com justificativas diversas,mas efeitos econmicos inevitveis (medidas ambientais,urbansticas, de disciplina das profisses, etc.). Fazem regulaoautoridades cuja misso seja cuidar de um especfico campo de

    atividades considerado em seu conjunto (o mercado de aes, astelecomunicaes, a energia, os seguros de sade, o petrleo),mas tambm aquelas com poderes sobre a generalidadedos agentes da economia (exemplo: rgos ambientais). Aregulao atinge tanto os agentes atuantes em setores ditosprivados (o comrcio, a indstria, os servios comuns enfim,as atividades econmicas em sentido estrito) como os que,estando especialmente habilitados, operam em reas de reservaestatal (prestao de servios pblicos, a explorao de benspblicos e de monoplios estatais). NUSDEO, Ana Maria deOliveira. Agncias Reguladoras e Concorrncia. In: SUNDFELD,Carlos (Coord.). Direito Administrativo Econmico. So Paulo:Malheiros, 2002.

    4 Paralelamente atribuio de regulao, ou pode-se dizer,como parte da competncia para a regulao, s agncias foramatribudas funes amplas relacionadas implementao eproteo da concorrncia, limitadas, porm, pelas competnciasprprias do CADE e dos outros rgos do sistema nacional dedefesa da ordem econmica.

    5 A firma busca o maior lucro possvel, que seria o lucro deum monoplio. J o regulador, considerando que ele noesteja capturado por nenhum grupo de interesse, objetiva amaximizao do bem estar social, definido como a soma doexcedente do consumidor e o lucro das firmas.

    6 As bases do novo modelo institucional do Setor Eltrico estoconsubstanciadas na Lei n 10.848/2004.

    7 Nos leiles de energia do Ambiente de Contratao Regulada,o Governo assume papel monopsnico, pois compra toda aenergia eltrica demandada pelas concessionrias distribuidorasde energia eltrica. Excepcionalmente, em casos de necessidadede ajustes e em percentuais a serem definidos pelo poderconcedente, as distribuidoras podero comprar diretamente,por meio de licitao, energia eltrica fora do Ambiente deContratao Regulada. Os empreendimentos so habilitados,dependendo do prazo de execuo das obras, para participarde leiles de energia usualmente denominados A-5, A-3 e A-1,cujos produtos sero entregues, respectivamente, a partir doquinto, terceiro ou primeiro ano aps o leilo.

    8 O modelo promove uma dicotomia entre energia nova eenergia velha, definindo dois tipos de leiles: Leiles de EnergiaNova so aqueles para venda de energia provenientes denovas plantas geradoras, enquanto Leiles de Energia Velhaso destinados para venda de energia de empreendimentosexistentes.

    9 Equivale ao potencial a ser aproveitado, tanto seja em termostcnicos, econmicos ou socioambientais, levando-se emconta um cenrio de utilizao mltipla da gua na bacia em

    estudo.

    10 Etapa caracterizada pela concepo e anlise de vriasalternativas de diviso de queda para a bacia hidrogrfica,visando selecionar aquela que apresente melhor relao entre oscustos de implantao, impactos socioambientais e benefciosenergticos. O estudo de Inventrio resulta em um conjunto deaproveitamentos, suas principais caractersticas, ndices custo/benefcio e ndices socioambientais.

    11 Etapa na qual so efetuados estudos mais detalhados,para a anlise da viabilidade tcnica, energtica, econmicae socioambiental que leva definio do aproveitamentotimo que ir ao leilo de energia. Os estudos contemplam

    investigaes de campo no local e compreendem odimensionamento do aproveitamento, do reservatrio e dasua rea de influncia e das obras de infra-estrutura locais eregionais necessrias para sua implantao. Incorporam anlisesdos usos mltiplos da gua e das interferncias socioambientais.Com base nesses estudos, so preparados o Estudo de ImpactoAmbiental (EIA) e o Relatrio de Impacto Ambiental (RIMA) deum empreendimento especfico, tendo em vista a obteno daLicena Prvia (LP), junto aos rgos ambientais.

    12 Artigos 70 e 71 da Constituio Federal de 1988.

    13 As licitaes para contratao de energia e a outorga deconcesso de novos empreendimentos de gerao so regidaspela legislao setorial especfica, especialmente pela Lei n.

    10.848, de 15 de maro de 2004, pela Lei n. 8.987, de 13 defevereiro de 1995, pela Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995,pela Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. No mbito do TCU,a matria est regulada pela Instruo Normativa do TCU n.27, de 2 de dezembro de 1998.

    14 Importante reafirmar que o TCU no calcula ou define preo tetode leilo, somente acompanha e controla concomitantemente oprocesso de outorga, exarando determinaes e recomendaespara o saneamento de impropriedades e irregularidadeseventualmente detectadas.

    15 Lei n 10.847, artigo 4, incisos V e XI.

    16 Acrdo TCU n 2164/2008 Plenrio, item 9.2.8.

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    D O U T R I N A

    1. INTRODUO

    Os escndalos sobre corrupo praticada nos altos escales dogoverno so cada vez mais frequentes, reinando, com raras excees, aimpunidade, a despeito da existncia no ordenamento jurdico ptriode normas legais tidas como modernas, a exemplo da Lei n 8.429/1992,que dispe sobre as sanes aplicveis aos agentes pblicos nos casosde enriquecimento ilcito no exerccio de mandato, cargo, emprego oufuno na Administrao Pblica Direta, Indireta ou Fundacional.

    Nesse sentido, o presente artigo tem por escopo central discutirsobre a existncia ou no de um tipo de tica que mais se adque

    prxis da atividade poltica. Questionaremos, outrossim, se a polticapode ser exercida de forma dissociada da tica. Na busca de respostaspara as nossas indagaes e inquietaes, empreendemos estudossobre as principais correntes de filosofia moral.

    Como forma de melhor estruturar a nossa explanao, dividiremoso trabalho em cinco partes. Na primeira, faremos consideraes sobre apoltica contra a tica. Na segunda, veremos questes sobre a tica poltica.Na terceira, abordaremos, de forma resumida, aquelas que so, a nosso ver,as principais teorias ticas, quais sejam: ticas do ser; ticas da conscinciae ticas da linguagem. Na quarta, buscaremos respostas para as nossas

    indagaes. Na quinta e ltima, concluiremos nosso trabalho.

    2. A POLTICA CONTRA A TICA

    Pensamos que o que d um grande impulso para a disseminao dacorrupo instalada, em larga escala, no mbito poltico, justamentea imprpria e descabida dissociao que se faz entre a tica e a poltica.Hodiernamente, mesmo que de forma sorrateira, muitos ocupantesdo Poder querem dissociar a tica da poltica. Assim o fazem para queos fins polticos desejados possam ser alcanados, razo pela qual as

    questes ticas so relegadas, postas numa espcie de segundo plano.Essa vertente separatista encontra respaldo em Maquiavel, que enfocouem sua teoria que h um campo da poltica que distinto do da tica.

    Interessante mencionar que o herdeiro poltico da RevoluoFrancesa, Imperador Napoleo I, em conversa mantida com Goethe,traou uma analogia entre a tragdia antiga e a poltica moderna, tendoapontado a poltica como o lugar onde ocorre o confronto entre ohomem moderno e o destino. De fato, a poltica, historicamente,tem definido as condies para que o controle da sociedade se faamediante o poder. Nessa linha, Henrique Cludio de Lima Vaz1, em sua

    obra intitulada tica e Direito, coloca que:

    Ana Cristina Melo de Pontes Botelho servidora do Tribunal de Contas daUnio. graduada em EngenhariaEltrica pela Escola Politcnica daUniversidade de Pernambuco, emDireito pela Universidade Federal dePernambuco e mestre em DireitoConstitucional pelo Instituto Brasiliense

    de Direito Pblico (IDP).

    A tica na poltica

    Ana Cristina Melo de

    Pontes Botelho

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    D O U T R I N A

    Dessa sorte, na sua significao mais genuna e tal como a

    interpretou o gnio de Napoleo, a poltica no mundo moderno

    um fazer na ordem da causalidade eficiente que, como o antigo

    destino, age sobre a liberdade do alto de um cu misterioso: l o

    capricho dos Deuses, aqui as razes do Poder.

    Pensava o Imperador naquela poca sobre as Razes do Poder, e

    modernamente, no Estado Brasileiro, temos visto que essas mesmasRazes do Poder so tomadas como parmetro para justificar aesque permitam o exerccio do poder. Destarte, para que este possa serconcretizado em sua plenitude, atingindo os fins colimados, a tica e odireito so marginalizados e desconsiderados, estabelecendo-se a umconstante clima de tenso entre o Direito, a tica e o poder.

    A racionalidade poltica deveria permear o exerccio do poder, noentanto, o que vemos uma completa irracionalidade e um jogo polticoque leva implantao em nosso Pas de uma perversa corrupo, de

    difcil controle, medida que a permissividade do sistema polticoenseja que as prticas corruptas sejam tidas como normais, nodevendo ensejar qualquer tipo de punio, vez que so justificadascomo necessrias ao exerccio do poder poltico.

    Sob essa perspectiva, o problema vai se tornando cada vez maisgrave e de difcil soluo, vez que tende generalizao, atingindo asbases fundamentais do Estado Democrtico de Direito. Destarte, naprtica, a poltica dominante tem conseguido fazer valer a impunidade,em contraposio aos normativos jurdico-tico-legais. A teoria, ento,muito difere daprxisprocedimental, o que faz com que os desvios

    sejam cada vez mais acentuados. Em outras palavras, as Razes doPoder justificam os meios para que sejam atingidos os fins.

    3. A TICA NA POLTICA

    Diante dos cada vez mais frequentes escndalos na poltica, semprenos perguntamos sobre se haveria um tipo de tica que mais se adequariaprxisda atividade poltica? Ou ser que o exerccio da poltica no compatvel com a tica?

    As questes morais esto sempre presentes em nosso cotidiano eguiam as aes dos indivduos, sejam elas direcionadas para o bem oupara o mal. Mas o que buscamos entender se o exerccio da polticatem de afastar, necessariamente, valores morais. No podemos perderde vista o fato de que o comportamento tico dos polticos no pode ser

    vislumbrado sob o prisma de um moralismo abstrato, que est restrito esfera privada, mas relacionado com um moralismo real mais amplo,

    vez que est sempre a afetar a coletividade.

    Importa esclarecer,ab initio, que o estudo da tica comporta distinesem relao ao estudo da moral, posto que esta diz respeito a um conjunto

    de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento

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    D O U T R I N A

    individual dos homens, ou seja, os princpios morais pressupem regrasde aes individuais materializadas em realidades histricas concretas. J oestudo da tica mais abrangente, pois busca entender o comportamentomoral dos homens quando inseridos em sociedade, relacionando-se,portanto, intimamente, com a filosofia, vez que procura encontrar afundamentao das questes que lhe so colocadas.

    Mesmo diante dessas distines, no presente artigo, empregaremosos termos moral e tica indistintamente. Explicamos o porqu: apalavra tica, procedente do grego, significa morada, lugar emque vivemos, s posteriormente passou a ter como significado ocarter, o modo de ser; a palavra moral, por sua vez, procedentedo latim mos ou moris, que a princpio significava costume,passou a ter tambm o significado de carter ou modo de ser.Nesse sentido, tica e moral tm significados etimolgicos semelhantes,reportando-se a tudo aquilo que se refere ao modo de ser ou carterresultantes da prtica de hbitos bons. Por conseguinte, considerando

    que, cotidianamente, fala-se em atitude tica para designar atitudesmoralmente corretas, no vale pena, no presente contexto, diferenciarou tentar impugnar um uso que j se faz to difundido.

    Em continuidade, a busca do entendimento sobre se a tica deveestar ou no presente na poltica leva a que nos reportemos de logo aMaquiavel, que inovou ao observar atentamente a poltica como umcampo de estudo independente. Veremos que em sua obra O Prncipea poltica no mais pensada em termos de tica e de religio, o queprovocou uma ruptura tanto com o pensamento dos clssicos greco-romanos, quanto com os valores cristos da Idade Mdia. A poltica

    passou a ser vista com mais realismo e ceticismo em sua clssica obra,vez que o autor buscava demonstrar, em cada captulo, para o MagnficoLoureno de Mdici como a poltica deveria ser exercida e como tirarproveito da fortuna, da virt, da fora militar no exerccio do poder.

    A partir de ento, passou a poltica a ser vista como uma realidadetotalmente objetiva, e que, portanto, teria que ter leis prprias consentneascom o cotidiano dos indivduos. Destarte, para se conseguir poder pleno,legtimo e duradouro, as situaes prticas faziam com que os meios

    justificassem os fins, mesmo que desconsiderando por completo questes

    ticas concernentes ao exerccio da poltica. A partir da, Maquiavel tornapblica e memorvel sua clebre e polmica frase: Os fins justificam osmeios. Aes, as mais antiticas possveis, eram justificadas, contanto queo objetivo de manter-se no poder fosse alcanado.

    A despeito das crticas a ele direcionadas, o que proporcionou que seunome se tornasse adjetivo de coisa m (maquiavlico, maquiavelismo),o autor, a nosso ver, simplesmente retratou a realidade na poltica desua poca, buscando em todo momento orientar o seu prncipe sobre oque era bom ou mal para o exerccio da poltica e para a manuteno nopoder. Para ele, a ao humana vinculada poltica segue um caminho

    e as normas morais seguem outro.

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    D O U T R I N A

    Mas importante que sediga que, j na antiguidadegrega, havia preocupaes comquestes concernentes moral e honestidade. Ccero, por exemplo,em sua obraDe officiis, afirmavaque havia uma honestidade

    intrnseca, sustentando que aquiloque se contradiz com a honestidadeno poderia ser til ao homemque busca viver em conformidadecom a norma natural do bem.Maquiavel, contrariamente aoque afirmara Ccero, colocou, maisrealisticamente, que a honestidade,em si, um mito e que, muitas

    vezes, faz-se necessrio se libertar

    dela para exercer aes que a moralordinria reprova, com o fim decriar e manter condies de vidahumana autntica, fundamentadana liberdade e na certeza que sleis equitativas podem buscar2.

    Afastada da moral e reduzida tcnica de exerccio de poderlegtimo, a teoria maquiavlica

    vem sendo, ao longo dos anos,

    veementemente cr i t icada etida como um modelo imoralde prtica do poder. Tomandocomo exemplo o caso do Brasil,infelizmente, a prtica poltica

    vem desde os tempos do Imprioseguindo risca esse modeloimoral teorizado por Maquiavel,to crit icado, mas seguido,mesmo que camufladamente. O

    que vemos hoje so escndalose mais escndalos sem soluesjurdicas ticas e que do margem,ante a impunidade reinante, aocometimento de outras atrocidadesticas, tudo com a justificativada manuteno e exerccio dopoder.

    E m t e r m o s p r t i c o s , oescndalo do Mensalo coloca-nos

    a refletir sobre uns problemas

    desmandos e falta de tica numaatividade essencial para o Estado,e, por conseguinte, para toda acoletividade, que a poltica.

    A anlise da poltica semprenos leva, na realidade, a um

    debate entre fins e meios. Sendolegtimos os fins, pode-se fazeruso de quaisquer meios, mesmoque moralmente repreensveis?Partindo do pressuposto de quea poltica julgada pelos seusresultados, poder-se-ia, ento,fugir de julgamentos morais?

    Norberto Bobbio3, em sua

    obra Elogio da serenidadee outros escritos morais aofalar sobre a soluo dualsticaproposta , mesmo que noliteralmente, por Maquiavel,segundo a qual O fim justifica osmeios, colocou que o dualismoest baseado tanto nas aesfinais, que tm valor intrnseco,quanto nas aes instrumentais,que tm valor enquanto servem

    para o atingimento de um fimdeterminado. Para ele no hteoria moral que no reconheaesse dualismo, referindo-se distino weberiana segundo aqual h aes racionais referidasa valor (wert-rational) e aesracionais referidas ao fim (zweck-rational).

    O mesmo Bobbio, numaperspect iva do r igor moralkan t i ano , co l o ca que emgeral numa moral do dever, aconsiderao de um fim externo ao no s imprpria, mastambm impossvel, porque aao, para ser moral, no deve teroutro fim que o cumprimento dodever, que precisamente o fimintrnseco prpria ao Nessa

    linha de entendimento, v-se que

    que as afirmaes maquiavelianasencerram em si, quais sejam: oque se pode e o que no se podefazer para atingir determinadofim? Se se pensa que o fim justo,tudo se justifica? No caso emcomento, a finalidade buscada era

    a aprovao de projetos de leise medidas provisrias do poderexecutivo federal, sem maioresquestionamentos. O meio utilizadofoi o pagamento de mensalidades(mensalo) para congressistas, a fimde conseguir a adeso necessria.

    A tica e o decoro parlamentarforam novamente relegados,como em tantas outras vezes.Isso

    demonstra que a realidade polticaem que estamos inseridos bemmais complicada e antitica do quepodemos imaginar.

    Vivemo s dis tantes daque lasituao imaginada por Ccerode uma ordem natural do beme da honestidade intrnseca doser humano. Estamos, mesmo,mais prximos da realidade cruel

    retratada por Maquiavel, na qual oparaso, o bem e a honestidade estocada vez mais distantes de ns.

    A fa lt a de ti ca na polti catem gerado uma corrupodesenfreada, o que incrementa amisria, as mazelas e desigualdadessociais, contrariando a visoevo luc ion is ta de Marx , no

    sentido de que a humanidademarcharia sempre numa direoprogressista. s vezes pensamosque estamos regredindo, poisdiante de tantas lies obtidascom a histria da humanidade,uma vez que a questo da relaoentre a moral e a poltica umantigo problema colocado reflexo moral (to antigo quantoa origem das sociedades polticas),

    ainda nos deparamos com tantos

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    em Kant as aes ditas instrumentais tm de ser praticadas sob umaperspectiva do cumprimento do dever moral, mesmo que o fim desejadono seja alcanado.

    No vemos, no entanto, como dissociar fins e meios em termos deprxis poltica, vez que as aes meio, no mais das vezes, so praticadassem o intuito de cumprimento do dever moral, mas sempre com o fito de

    consecuo de um fim desejado no meio poltico, que pode ser escusoou no. Numa pior situao, nem os meios nem os fins justificam-se.

    Maquiavel enfatizou, numa passagem de Discursos: Comentrios sobrea primeira dcada de Tito Lvio4, que Quando necessrio deliberarsobre a sade da ptria, no se deve deixar de agir por consideraesde justia ou injustia, humanidade ou crueldade, glria ou ignomnia.Deve-se seguir o caminho que leva salvao do Estado e manutenode sua liberdade, rejeitando-se tudo o mais. Quis ele dizer com isso queA salvao do estado a lei suprema (salus rei publicae suprema lex).

    Dessa maneira, a ao poltica deve ser vista, na tica maquiavlica,em relao necessidade de salvao da ptria, ou seja, objetiva umbem especfico, e no sob o ponto de vista de critrios de julgamentopertencentes moral comum. Kant, por sua vez, mesmo que em detrimentoda coletividade, sustentou o cumprimento do dever com base em umaao que possa ser considerada moral. Quem estaria com a razo?

    Pensamos que, a despeito de a ao poltica demandar a prontaatuao no que diz respeito salvao da ptria em perigo, manutenoda grandeza da nao, enfim, sade da sociedade tal como preconizado

    por Maquiavel, ela no pode ficar afastada de uma ordem tica austera,tal qual a defendida por Kant. Mas, o problema que se pe o de comoconciliar o atingimento de fins essenciais Nao com as prticas ticasdesejveis no exerccio da poltica.

    Cremos, firmemente, que mesmo com essas dificuldades, a polticano pode ser autnoma com relao tica, pois isso provoca umaconstante instabilidade social e uma perverso dos valores morais,de forma que tudo pode ser feito e at os mais escabrosos casos decorrupo passam a serem vistos com certo ar de normalidade no

    s no meio poltico, como tambm pela prpria coletividade que, emltima anlise, a maior prejudicada pela corrupo poltica. Da o dizerpopular Rouba, mas faz.

    Para ratificar o entendimento de que no h como desvincular a ticada poltica, Aristteles deixou humanidade uma lio no sentido deque o maior bem individual, que em sua opinio era a felicidade, sseria passvel de ser alcanado em umapolisdotada de leis que fossemconsideradas justas, e para que isso acontecesse os polticos, no exercciodas atividades que lhes eram prprias, teriam de ser pessoas virtuosas, nosentido moral, agindo sempre com prudncia na tomada de decises5.

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    Diante dessas consideraes, acreditamos que o exerccio dapoltica no pode estar dissociado da tica. A nos reportamos mesma indagao inicialmente colocada: haveria uma tica ideal quepudesse servir de parmetro para a atuao poltica?

    4. H RESPOSTAS S NOSSAS INDAGAES?

    Os estudos sobre as principais teorias ticas desenvolvidas aolongo dos sculos, quais sejam: ticas do ser (teorias do bem e daperfeio), analisadas desde a antiguidade at o final do sculo XVIII;ticas da conscincia (Teorias do sentimento moral, dos valores,do utilitarismo, do socialismo), que abrangem os sculos XVI, XVIIe XVIII; ticas da linguagem (Mtodo genealgico dos conceitosmorais, ticas procedimentais, tica do discurso), dos sculos XIX,

    XX e XXI, do-nos uma dimenso global daquilo que vem sendocompreendido como tica, dentro de uma concepo de filosofiamoral, todavia no nos permitem dar respostas finais e acabadas sobre

    nossas indagaes, muito embora nos faam ter maior discernimentona tentativa de dirimir indagaes que cotidianamente nos so postasacerca do tema tica na poltica.

    Na poca atual, ainda procuramos, constantemente, aquele bem-viver, proposto por Aristteles na antiguidade clssica, em que ohomem, como animal poltico, busca viver num meio comunitrio

    justo e igualitrio para a consecuo de uma vida boa e feliz, comautorrealizao (tica eudemonista). Mas, na prtica, para muitos,diferentemente do que se pensava na antiguidade, a busca dafelicidade no precisa estar associada com a moralidade. a que

    nasce o problema da corrupo poltica, medida que, em geral,todos querem tirar o mximo de proveito pessoal enquanto estono exerccio da atividade poltica, mesmo que em detrimento doprximo, o que nos distancia cada vez mais daquele meio justo eigualitrio idealizado por esse memorvel filsofo grego.

    Assim, a comear pelas primeiras teorias ticas, antes de tentarmosresponder s perguntas colocadas ao longo do texto, surge a seguinteindagao, a partir da teoria poltica de Aristteles: ser que podemosconfiar que os agentes polticos so pessoas que possuem uma

    virtude intrnseca, por serem representantes legais do povo e por issosempre agem com prudncia e honestidade na tomada de decises,no sendo necessrios controles a eles direcionados?

    Dos ensinamentos do Estagirita, vemos que, j naquela poca, ofilsofo expunha preocupaes sobre a rotatividade dos cargos deagentes carcereiros, a convenincia da no acumulao de cargose da renovao de mandatos, a no ser aps longos intervalos, emesmo assim s em alguns cargos. Depreende-se, ento, que osinconvenientes da corrupo em geral, e mais especificamenteda corrupo poltica, j eram vislumbrados de forma admirvel

    naquela poca.

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    Destarte, no sentido aristotlico, fica cada vezmais claro que no trazemos em ns, desde o nossonascimento, a caracterstica intrnseca da virtude, ouseja, esta no nos um produto natural ou i