revista sesctv - fevereiro de 2014

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Fevereiro/2014 - edição 83 sesctv.org.br CONTRAPLANO O OLHAR DO CINEMA SOBRE A VIDA NAS GRANDES METRÓPOLES HABITAR HABITAT O APARTAMENTO COMO MODELO DE MORADIA DAS CIDADES MÚSICA DOM SALVADOR & ABOLIÇÃO E TONY TORNADO

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Entrevista com Paulo Lins e artigo de Daniela Jakubaszko.

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Page 1: Revista SescTV - Fevereiro de 2014

Fevereiro/2014 - edição 83sesctv.org.br

ContraplanoO Olhar dO cinema sObre a vida nas grandes metrópOles

Habitar HabitatO apartamentO cOmO mOdelO de mOradia das cidades

MÚSiCadOm salvadOr & abOliçãO e tOny tOrnadO

Page 2: Revista SescTV - Fevereiro de 2014

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CAPA: Musical Dom Salvador & Abolição, com participação de Tony Tornado.

Foto: Alison Loubak.

destaques da programação 4

entrevista - Paulo Lins 8

artigo - Daniela Jakubaszko 10

A mistura e o intercâmbio de referências estão presentes nas mais diversas manifestações artísticas brasileiras. O diálogo permanente dos artistas com outros países e culturas, nos mais diferentes gêneros e linguagens, resulta em novas interpretações e releituras no processo de reinvenção da própria arte. Foi assim que, nos anos de 1970, expoentes da música brasileira descobriram, nos Estados Unidos, a soul music. Nomes como Dom Salvador e Tony Tornado assimilaram e deram novos significados para aquela proposta, incorporando-a à sonoridade da música brasileira.

Neste mês, o SescTV relembra essa trajetória musical com o programa Dom Salvador & Abolição, com participação de Tony Tornado. Além de trechos do show, gravado no Sesc Pompeia, o programa também traz entrevistas com os músicos, que falam sobre suas carreiras e celebram esse reencontro, após 40 anos.

Diferentes aspectos sobre a vida nas cidades, retratados pelo cinema, são apresentados no episódio Cidade Distópica, da série Contraplano, onde especialistas analisam e debatem o tema a partir de quatro filmes latino-americanos. O cenário urbano também é foco do episódio Apartamento, da série Habitar/Habitat. O programa mostra como esse modelo de moradia se tornou o símbolo da vida nas grandes metrópoles.

A Revista do SescTV deste mês entrevista o escritor e roteirista Paulo Lins, que fala sobre o processo de adaptação de obras literárias para o audiovisual. A relação entre a literatura, o cinema e a televisão também é tema do artigo da professora e pesquisadora Daniela Jakubaszko. Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do Sesc São Paulo

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Os pais do soul no Brasil

O cenário musical pulsante dos Estados Unidos, em meados da década de 1960, com as primeiras ex-perimentações da chamada black music, começava a extrapolar as fronteiras, influenciando músicos em outras partes do mundo. Em 1969, o produtor musical Hélcio Milito, da CBS, retornava ao Brasil, após dois anos pesquisando e convivendo com alguns dos pro-tagonistas da soul music, como James Brown e Kool & the Gang. Para partilhar toda essa bagagem, já no Brasil, ele convidou o músico Dom Salvador. “Ele me chamou em seu escritório e disse: ‘eu gostaria que você desse vida a esses discos aqui, tenho a impressão de que você é um dos caras que podem fazer algo nesse sentido’”. A identificação de Dom Salvador com o estilo foi imediata. “Mas eu não queria fazer exa-tamente como era no disco. Quis incorporar música brasileira nisso. E foi o que aconteceu: uma mistura do funk com a música brasileira”, lembra.

Naquele mesmo ano, ele lançava o disco Dom Salvador, que lhe rendeu um convite para participar do Festival Internacional da Canção, no ano seguinte. No processo de classificação de sua música para o festival, surgiu a ideia de caracterizar sua banda com as referências da música negra. “Foi aí que montei esse grupo, Abolição, para fazer o festival. Não tinha intenção de dar continuidade, mas, após a apresen-tação, começaram a me ligar, queriam saber quando seria o próximo show. E também, tivemos uma grande afinidade entre os músicos, desde o primeiro ensaio”, lembra Dom Salvador.

Foi nesse mesmo período que Dom Salvador teve contato com o trabalho de Tony Tornado. “Eu já conhecia o Tony na época em que ele tocava com o Ed Lincoln e o convidei para uma gravação. Foi a primeira vez que vi o Tony dar aqueles gritos como o James Brown”, conta. Para Tony, Dom Salvador era um referencial. “Além de músico maravilhoso, ele é um aventureiro”.

Tony Tornado e Dom Salvador voltaram a se reunir em 2012, quarenta anos após essa primeira expe-riência, no palco do Sesc Pompeia. O registro desse encontro será exibido neste mês, pelo SescTV. O programa exibe momentos do show, em que apresen-tam músicas do repertório de ambos, como: Number One; Manifesto; Podes Crer Amizade; e BR3. Os músicos lembram o início da black music no Brasil e contam histórias de suas carreiras, como o primeiro lugar de Tony Tornado pela interpretação de BR3, desbancan-do artistas consagrados como Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Caetano Veloso. “As 40 mil pessoas no Maracanã ficaram paradas e se perguntando: do que se trata? Quem é?”, conta. O prêmio ajudou a consoli-dar o estilo musical no País. “Na verdade, não inventei nada. Eu abrasileirei o que tinha aprendido lá fora. Trouxe esse tipo de música totalmente diferente do que se apresentava aqui, na época”.

música

MúSica

encontro histórico, após quarenta anos, reúne dom salvador & abolição e tony tornado

episódio inédito da série analisa Filmes que retratam a violência e as perspectivas de vida nas metrópoles

Lugar das desilusões

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Desde 2007, a população mundial que habita os centros urbanos supera a população rural. Para o cinema, nem sempre esse fato é mostrado como sinal de evolução e de representação de civilidade. Solidão, tristeza e violência contrastam com a pulsação da metrópole. “A cidade é o lugar do hiperestímulo”, afirma a ensaísta Ivana Bentes. “É uma vida aparen-temente homogênea, mas que camufla uma diversi-dade sensacional”, completa a historiadora Mary del Priore. Elas participam do episódio Cidade Distópica, da série Contraplano, que o SescTV exibe neste mês. O programa analisa como o cinema retrata a vida nas cidades a partir de quatro obras: Amores Brutos (2000), de Alejandro González Iñárritu; Os Doze Tra-balhos (2006), de Ricardo Elias; Não Por Acaso (2007), de Philippe Barcinski; e Abutres (2010), de Pablo Trapero.

Em comum, os filmes trazem uma abordagem car-regada de críticas e de descrédito sobre a metrópole, numa desconstrução da utopia de que a vida na cidade oferece mais oportunidades e encontros. A violência é tema recorrente das produções e aparece retrata-da no trânsito, na situação de pobreza, nas relações afetivas. A estética, a linguagem e os diálogos entre os personagens evidenciam essa escolha dos direto-res. Em Amores Brutos, filme que se passa na Cidade do México, a relação das pessoas com os cães é o ponto de partida para apresentar três histórias de amor e violência. Os Doze Trabalhos traz São Paulo como cenário para contar a história de Herácles, um ex-detento da Febem que tenta retomar sua rotina

como motoboy. O filme faz referência à mitologia dos doze trabalhos, do deus Hércules, e traz à tona o preconceito e a discriminação sofrida por esses profis-sionais em seu cotidiano.

Ambientado também na capital paulista, Não Por Acaso questiona o real controle que as pessoas têm sobre suas vidas, contrapondo destino e acaso. Me-lancolia e solidão estão presentes no roteiro dessa obra, que propõe uma possibilidade de ressignificar a própria cidade. Protagonizado pelo premiado ator argentino Ricardo Darín, Abutres apresenta uma Buenos Aires nervosa e em iminente falência, em que a corrupção pauta as relações. Enquanto correto-res de seguro aproveitam-se da tragédia e da morte em acidentes para ganhar dinheiro, o personagem de Darín busca a redenção, mas se dá conta de que deixar o submundo não é tarefa fácil. Contraplano tem direção de Luiz R. Cabral.

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conTRaPlano

Sextas-feiras, às 22h a imagem do poderDebatedores: Ugo Giorgetti e Tales Ab’ SaberDia 7/2 anti-heróisDebatedores: Hugo Possolo e Tadeu ChiarelliDia 14/2

cidade distópicaDebatedores: Ivana Bentes e Mary Del PrioreDia 21/2

o erudito e popularDebatedores: Celso Favaretto e Geraldo CarneiroDia 28/2

contraplano

dom salvador & aboliçãoparticipação de Tony TornadoDia 19/2, às 22h

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curtas abordam Falta de mobilidade social, conFlitos Familiares, lembranças e relações amorosas

Na tentativa de mudar

Faixa cuRTaS

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Curadoria: Luís Carlos SoaresSegundas-feiras, às 21h vida maria / longe de casaDia 3/2

a lente e a Janela / meu avô e euDia 10/2

a menina espantalho/ pracinhaDia 17/2

pobres diabos no paraísoDia 24/2

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Faixa curtas

Sina, destino ou força de vontade? Até que ponto é possível mudar uma história de vida? Recomeçar, apesar das adversidades, do meio, das oportunidades? A pessoa já nasce predestinada a um determinado fim? Para Maria José, personagem do curta-metragem de animação Vida Maria, a vida é mais do mesmo: de-bruçada na janela, no esforço de aprender a escrever o próprio nome num caderno, ela começa a construir sua história. Mas é interrompida por sua mãe, que a convoca para ajudá-la nos afazeres domésticos. Num terreiro, a vida inteira é retratada, da infância à velhice, na qual ela repete a história de sua mãe, sua avó e de tantas outras Marias que vieram antes dela. Nesse cenário, num vilarejo imaginário do Nordeste brasilei-ro, mobilidade é palavra desconhecida.

Lançado em 2006, com direção de Márcio Ramos, Vida Maria foi premiado em mais de 40 festivais, entre os quais melhor animação no Anima Mundi 2007; melhor filme no Cine Ceará; melhor curta Internacio-nal no Cleveland International Film Festival, em 2007; e melhor curta no Hispano-Brasileiro no Festival Premis Tirant, em 2008. O curta de ficção será exibido neste mês pelo SescTV, na série Faixa Curtas, com curadoria de Luís Carlos Soares. O mesmo episódio traz ainda o filme Longe de Casa, uma produção de 2009 com direção de Alexandre Guterres, que aborda a história de uma garota que vive com sua mãe e o padrasto, numa cidade do interior, e que tem de lidar com a ausência de seu irmão mais velho, com quem troca cartas. Os conflitos fa-miliares pautam o curta-metragem, que tem no elenco os atores Viviane Salvia, Patricia Soso e Charlie Severo.

Infância, juventude e velhice são abordados em outros dois curtas-metragens da série Faixa Curtas deste mês. Meu Avô e Eu, direção de Cauê Nunes, conta a história de um rapaz que, à espera de uma entrevis-ta de emprego, relembra momentos de sua vida com

o avô: jogando xadrez, observando seu trabalho na oficina, brincando e até mesmo doente. Nesse mesmo dia, a série traz Lente na Janela, de Marcus Barbieri, sobre uma garota que, de sua janela, com uma câmera filmadora nas mãos, passa a observar um grupo de crianças que vivem na rua. Ao notar os contrastes entre as duas situações, ela resolve agir. Ainda é destaque na programação do mês o curta-metragem Pobres Diabos no Paraíso, direção de Fernando Coimbra que tem, no elenco, Giulia Gam e Paulo Cesar Pereio, entre outros, e que retrata situações de desejo, desespero, descobertas e desilusão, num hotel decadente do centro de São Paulo.

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Casa verticalizada

Predominante no cenário dos grandes centros urbanos; facilitador do adensamento populacional; determinante de um modo de construção das relações sociais. Visto por alguns arquitetos como solução para a vida nas cidades, e criticado por outros, o apartamen-to é um modelo de moradia relativamente recente – do século 20 – e que se tornou símbolo da vida nas cidades. No processo de urbanização, a verticalização foi a solução encontrada para abrigar a população em torno dos locais de trabalho, do comércio e dos serviços, e que trouxe consigo mudanças no relacio-namento com vizinhos e com o próprio habitar. “A cidade é a grande invenção humana. A maior de todas. E com esse crescimento exacerbado, a verticalização ganhou essa dimensão de ser uma saída que, se bem feita, é muito válida”, avalia o arquiteto Ciro Pirondi.

Ele lembra que os primeiros apartamentos abriga-vam pessoas das classes operárias. “As pessoas mais ricas preferiam morar nas grandes casas. Um pouco da reminiscência das casas de fazenda. Depois, e até hoje, a situação se inverteu e morar em apartamen-to virou uma questão de status”, afirma Pirondi.

Para a geógrafa Maria Adélia, a verticalização das cidades prejudicou o relacionamento interpes-soal. “É um processo de enorme perversidade e de sugação de riquezas sociais e coletivas que esses espaços verticalizados exigem para sua instalação, em detrimento de outros espaços da cidade”. Ela acredita que um contraponto necessário é ampliar a destinação de espaços públicos de encontro, algo já previsto nos projetos arquitetônicos da década de 1950, como é o caso do Copan, de Oscar Niemeyer,

no centro da capital paulista. “As cidades brasi-leiras tem tido cada vez menos espaços para uso coletivo da população. Os primeiros prédios tinham um comércio na parte térrea, que permitia esse encontro”, lembra a arquiteta Simone Villa. Os projetos atuais retomam a ideia de espaços de múl-tiplos usos, integrados ao condomínio, mas sem esse acesso público. “Chegamos a extremos de se construir conjuntos onde há tudo dentro: moradia, shoppings, escolas. E com preço alto, mais caro do que um apar-tamento em Paris. É a negação da cidade. O edifício como fortaleza, que é a antítese da ideia do Copan, que era aberto, na calçada”, compara Ciro Pirondi.

Apartamento é título de episódio inédito da série Habitar/Habitat, com direção de Paulo Markun e Sérgio Roizenblit. O programa apresenta diferentes modelos de apartamento, como uma kitnet do edifício Copan, com 25 metros quadrados, e um tríplex, na região da avenida Paulista, com 600 metros. O episódio traz ainda entrevistas com arquitetos e moradores, que apresentam as peculiaridades desses locais de moradia.

HabiTaR/HabiTaTapartamento Dia 2/2, às 20h

apartamento é tema de episódio da série, com depoimentos de arquitetos e moradores

Habitar/Habitat

Page 5: Revista SescTV - Fevereiro de 2014

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Intercâmbio de linguagens

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paulo lins é escritor, poeta e roteirista de obras para

teatro, cinema e televisão. Graduado em Letras, escreveu

o livro Cidade de Deus, sobre a vida nas favelas do Rio

de Janeiro, que ganhou versão cinematográfica em 2002,

dirigida por Fernando Meirelles. Foi roteirista do projeto

Cidade dos Homens, na TV Globo, e da primeira versão do

longa-metragem Faroeste Caboclo, inspirado na música de

Renato Russo.

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Você é autor do livro Cidade de Deus, que ganhou uma versão cinematográfica, com direção de Fernando Meirelles. Que diferenças essenciais você aponta entre a obra literária e a história contada no filme?São duas linguagens totalmente distintas, cada qual com suas limitações. O cinema é limitado pela questão do tempo de duração de um filme. Coisa que um livro não tem. Eu posso escrever uma obra literária de mil páginas, mas dificilmente haverá um filme com cinco horas de duração. Há exceções, como uma adaptação de que eu gosto muito, Lavoura Arcaica, feita por Luiz Fernando Carvalho [lançado em 2001, baseado na obra homônima de Raduan Nassar], que tem quatro horas, mas não é comum. O mais importante nesse processo de adap-tação de um livro para um filme é conseguir manter o clima da obra original. E isso o Bráulio Mantova-ni [roteirista de Cidade de Deus] conseguiu fazer. A mensagem que eu queria passar com o livro ele transpôs para o filme. Isso é o fundamental em qualquer adaptação: você pode até mudar alguma coisa, mas deve manter o essencial.

No caso de Cidade de Deus, você teve participação direta

ou como consultor no processo de criação do roteiro?

Ficou nas mãos do Bráulio. Eu participei apenas como consultor. E foi aí que comecei a me interes-sar por roteiros. Eu ia à casa dele e via um monte de anotações, em papeis pendurados nas paredes, achava uma loucura. E ele fez um grande trabalho, porque o roteiro é uma das boas coisas desse filme.

Cidade de Deus gerou também uma série de TV,

Cidade dos Homens, com sua participação direta no

roteiro. Foi sua primeira experiência de texto para

televisão? Quais foram os desafios para realizar

esse projeto?Antes de fazer esse projeto, trabalhei com Cacá Diegues em Orfeu da Conceição e em Quase Dois Irmãos, dirigido por Lúcia Murat. Outro trabalho importante foi o clipe A Minha Alma, d’O Rappa. Fui aprendendo fazendo. A diretora Kátia Lund me orientou muito, entrei no cinema através dela. Ela gosta de ensinar. O desafio é entender essa lin-guagem, que é muito diferente da escrita literária. Escrevo o roteiro falando alto. Se não ficar bom na minha boca, também soará falso na voz do ator.

Como é feito o trabalho de transpor para um roteiro a linguagem coloquial, incluindo expressões e gírias, sem soar artificial e sem perder a comuni-cação com o público geral?Em Cidade de Deus, aconteceu algo interessante: os próprios atores criaram os diálogos. Eles inven-tavam as falas. O Bráulio até fez uma pesquisa de linguagem, dividida por décadas, desde 1960 até 1990, mas os meninos criaram em cima, usando as gírias dos anos 2000. Mesmo no livro, nunca me pre-ocupei muito com essa questão, até porque outros escritores já fizeram isso: José Lins do Rego, Graci-liano Ramos, Jorge Amado. Acho que um recurso para testar se o texto funciona é ler em voz alta.

Como sua experiência de vida pessoal aparece na criação literária e cinematográfica? De que forma as vivências pessoais ajudam a elaborar com mais verossimilhança as narrativas?As experiências ajudam o tempo todo, tanto as minhas quanto as de outras pessoas, dos amigos. Mas não no sentido de reproduzir fielmente essas histórias e sim das leituras que faço delas. Gosto, por exemplo, de anotar frases que me ajudam nos textos poéticos. E também realizo muito trabalho de pesquisa, outras leituras. Neste momento, estou en-volvido num trabalho de pesquisa de linguagem para uma novela de Alcides Nogueira e Mário Teixeira, em que dialogo e troco muitas experiências com a equipe. É meu primeiro trabalho em novelas, já que na televisão, até hoje, trabalhei apenas em série.

No cinema, você também trabalhou no roteiro

do longa-metragem Faroeste Caboclo, filme cuja

história se baseia na música de Renato Russo. Como

é a experiência de criar a partir da referência de

outra linguagem artística?Fiz a primeira versão do roteiro para Faroeste Caboclo. Depois, eu me afastei do projeto para terminar um livro e retomei no processo final, para fazer os diálogos. Na verdade, quando a gente parte para fazer o roteiro, a ideia do filme já está pronta. É o que chamamos de argumento. No caso de Faroeste Caboclo, o argumento era a própria música. Não foi difícil de desenvolver, primeiro porque eu já era grande fã dessa canção do Renato Russo. E depois, tudo foi profundamente discuti-do com a equipe de direção, para não se perder a intenção tratada na música.

De que forma a literatura pode contribuir para

projetos de audiovisual? Você acredita que um

filme ou uma série inspirados num livro podem

gerar novos leitores?Sem dúvida. Isso aconteceu comigo no mundo todo. A literatura brasileira é muito rica, repleta de histó-rias muito boas, que podem ser adaptadas para a TV, o cinema, o teatro. E o audiovisual ajuda a lite-ratura, porque a divulga. O cinema tem um amplo alcance, num País que ainda tem poucos leitores. Por isso, é uma mútua contribuição.

Na sua opinião, a televisão abre espaço para esse

intercâmbio entre a literatura e o audiovisual?Abre sim. Temos exemplos de inesquecíveis adapta-ções para obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto. É algo muito bom e que deve ser sempre ampliado.

“o desaFio é entender essa linguagem, que é muito diFerente

da escrita literária. escrevo o roteiro Falando alto”

“o mais importante nesse processo de adaptação de um livro para um

Filme é conseguir manter o clima da obra original”

entrevista

Page 6: Revista SescTV - Fevereiro de 2014

último bloco

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas.A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

A sonoridade musical brasileira inspira os trabalhos do grupo feminino Trio que Chora. Em seu repertório, estão presentes o choro, o samba, o baião, o forró, a valsa e a ciranda, em interpretações instrumentais de Marta Ozzetti (flauta), Rosana Bergamasco (violão sete cordas) e Cássia Maria (percussão). O grupo é destaque do Passagem de Som e do Instrumental Sesc Brasil, no dia 23/2, a partir das 21h. Ainda neste mês, apresentam-se no programa Mauro Senise, dia 2/2; Guilherme Ribeiro, dia 09/02; e Marco Pereira, dia 16/02. Direção artística de Max Alvim.

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Sincronize seu celular no QR Code e assista ao vídeo com os destaques

da programação.

brasil que chora

para sintonizar o sesctv: anápolis, Net 28; aracaju, Net 26; araguari, Imagem Telecom 111; belém, Net 30; belo horizonte, Oi TV 28; brasília, Net 3 (Digital); campo grande, JET 29; cuiabá, JET 92; curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; goiânia, Net 30; João pessoa, Big TV 8, Net 92; maceió, Big TV 8, Net 92; manaus, Net 92; natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; porto velho, Viacabo 7; recife, TV Cidade 27; rio de Janeiro, Net 137 (Digital); são luís, TVN 29; uberlândia, Imagem Telecom 111. nas cidades de são paulo e rio de Janeiro: NET, canal 59; Oi TV, canal 138. Assista também em sesctv.org.br/aovivo. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br.

Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini

coordenação de Programação: Juliano de Souza coordenação de comunicação: Marimar Chimenes Gil Divulgação: Jô Santina, Jucimara Serra e Glauco Gotardi

Envie sua opinião, crítica ou sugestão [email protected]

Leia as edições anteriores em sesctv.org.br Av. Álvaro Ramos, 776. Tel.: (11) 2076-3550

SERViÇo Social Do coMÉRcio – SEScAdministração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram SzajmanDiretor Regional: Danilo Santos de Miranda sescsp.org.br

A revista SescTv é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de

Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios.

coordenação Geral: Ivan Giannini

Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio MagalhãesRedação: Adriana Reis

Editoração: Rosa Thaina SantosRevisão: Marcelo Almada

O preconceito e a discriminação racial são abordados no filme Compasso de Espera, com direção de Antunes Filho, que o SescTV exibe no dia 21/2, às 23h. Zózimo Bulbul interpreta o poeta e publicitário Jorge de Oliveira, um negro apadrinhado pelo ex-patrão de sua mãe que vive uma vida confortável, e que mantém um relacionamento amoroso com sua chefe na agência de publicidade. Ao se envolver com Cristina, uma jovem branca, de família tradicional (Renée de Vielmond), ele enfrenta situações de preconceito e agressão física. A obra, realizada na década de 1970, é um dos primeiros filmes brasileiros a trazer um negro como protagonista, e recebeu inúmeros prêmios, como Prêmio Air France 1975, para melhor diretor.

compasso de espera

O SescTV exibe, neste mês, quatro episódios inéditos da série Coleções com o tema Ciclos da Terra, que mostram distintos modos de plantio e produção de alimentos e flores. Alguns deles ainda são feitos de forma artesanal, como o caso do tomate de mesa. A equipe viajou para Paty do Alferes, no Rio de Janeiro, para acompanhar o processo de produção, em pequenos terrenos de agricultura familiar. O episódio vai ao ar dia 06/02, às 21h30 (10 anos). Ainda neste mês, serão mostrados os meios de produção de rosas no interior paulista, dia 13/02 (livre); de laranja, dia 20/02 (livre); e do cacau, na Bahia, dia 27/02 (livre). Coleções tem direção de Belisario Franca.

cem anos de tomiedo plantio à colheita

Em novembro de 2013, a artista Tomie Ohtake completou cem anos de vida. Para celebrar, o instituto que leva seu nome, em São Paulo, programou três exposições que fazem uma retrospectiva de sua carreira. A primeira delas é mostrada no episódio inédito Tomie Ohtake – Correspondências, da série Artes Visuais, dia 26/2, às 21h30. O curador Paulo Miyada comenta sobre as primeiras obras abstratas de Tomie e observa o fato de não serem geométricas. Ela lidava com pedaços de papel rasgado, dando formas mais orgânicas à produção. A mostra estabelece ainda uma relação do trabalho de Tomie com outros artistas, como Mira Schendel, Hércules Barsotti, Lia Chaia e Camila Sposati. Direção de Cacá Vicalvi.

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artigo

As relações interdiscursivas que podem surgir entre literatura e audiovisual são diversas: adaptações, ins-pirações, alusões, paródias etc. São diálogos e emprés-timos de diferentes ordens: aspectos de gênero, adap-tações de diferentes tempos e espaços, personagens e conflitos. Assim como as mitologias são fonte inesgo-tável de inspiração para a literatura e o cinema, estes últimos são fontes para a ficção televisiva. Algumas obras são tão importantes que se tornaram referên-cias obrigatórias no trabalho de roteiristas, diretores e atores. Outro dia, lendo um desses clássicos, o Livro Das Mil e Uma Noites, me deparei com a seguinte história dentro da história:

“(...) Casei-me com minha prima, que tinha por mim um grande amor, tão grande que se eu me ausentas-se um dia inteiro que fosse, ela não comia nem bebia até me ver de novo ao seu lado. Estávamos casados havia cinco anos quando, certo dia, (...) me deitei para dormir (...). Ordenei a duas servas que me abanassem. (...) foi então que ouvi (...): ‘Ai, Masuda, tadinho do nosso senhor! (...) Que desperdício de juventude com essa nossa patroa, a maldita!’. A outra respondeu: ‘Ih, fica quieta! Que Deus amaldiçoe as traidoras, as va-gabundas! Ai ai, um homão que nem nosso senhor! (...) Casado com aquela safada que toda noite dorme fora’. Masuda disse: ‘E esse nosso senhor é besta? Por que ele não acorda de noite? Se acordar, vai ver que ela não está na cama!’ A outra respondeu: ‘Ai ai, que Deus acabe com essa nossa patroa! E ela por acaso deixa o coitadinho fazer alguma coisa? Ela coloca um calmante na taça de bebida que ele toma antes de dormir; ela dá pro coitado beber e ele fica que nem morto; aí ela sai e some até de manhãzinha. E quando volta ela aplica uns cheiros no nariz do coitado e aí ele acorda. Quanto esperdício, quanta perca!’” (22ª Noite, o rei das Ilhas Negras e sua Esposa, tradução de Mamede Mustafa Jarouche, 2005).

Quem assistiu à telenovela Caminho das Índias (Glória Perez, Globo, 2009) com certeza se lembrou da personagem Norminha (Dira Paes) que oferecia toda noite o “leitinho” do seu marido Abel (Anderson Müller). Assim que ele adormecia, Norminha saía para sua caça noturna. Os espectadores, e alguns persona-gens da trama, reagiam exatamente com a mesma curiosidade e indignação das servas do rei: quando esta traidora será descoberta? A antiga história fez tanto sucesso que a música da personagem emplacou

nas paradas de sucesso com o refrão: “você não vale nada, mas eu gosto de você”.

Os desfechos para o mesmo conflito foram diferen-tes: cada geração conserva e recria os clássicos, as his-tórias que não perdem seu poder de encantamento. É a necessidade humana de narrar. A curiosidade com a vida do outro, as fabulações e fofocas, na verdade, guardam a necessidade de compreender o mundo e as próprias experiências. Comparando-nos, encon-tramos referências para nos situar neste mundo em que vivemos, espécie de limiar entre ficção e realida-de. Precisamos narrar para organizar, compreender o mundo e a si próprio. Para registrar e lembrar, trans-portar e transformar. E para esquecer. Descansar no seio da ficção: puro deleite.

Iuri Lotman (autor de La Semiosfera 1: Semiótica de la Cultura y del Texto, de 1996) define a cultura como um espaço de memória comum em que se produzem, reproduzem e circulam os textos da cultura. A presença constante de alguns textos, sua conservação e recor-rente atualização são condições que asseguram a memória comum para uma dada cultura. Neste sentido vale observar, ao acaso, alguns programas exibidos pela TV brasileira neste início de 2014. Adaptações de obras literárias clássicas e contemporâneas para as mi-nisséries, bem como alguns filmes que trazem eviden-tes relações intertextuais: com a literatura nacional na adaptação de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado; Romance, de Guel Arraes, em diálogo com o clássico Tristão e Isolda; e O Homem do Futuro inspirado no tema clássico da viagem no tempo.

Sim, mas vale sempre lembrar e reconhecer: o co-tidiano é a inspiração por excelência. Como escreveu Jorge Luis Borges na obra Esse Ofício do Verso: “A vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia – a poesia está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante. (...) Os livros são somente ocasião para a poesia.”

Daniela Jakubaszko é doutora em Ciências da Comunicação

pela ECA-USP, professora da USCS – Universidade Municipal de

São Caetano do Sul - e pesquisadora da produção de sentidos

na ficção televisiva, com tese de doutorado sobre “A construção

de sentidos da masculinidade na telenovela A favorita”.

Diálogos entre literatura e ficção audiovisual

Page 7: Revista SescTV - Fevereiro de 2014