revista raiz #11
DESCRIPTION
Jorge Amado 100 anosTRANSCRIPT
Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.
RANCHINHO Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.
A ARTE VISIONÁRIA DE
A SENSIBILIDADE FALA MAIS DO QUE UM MILHÃO DE PALAVRAS
Ele tem um talento artístico extraordinário.Agora, sua história e sua obra estão descritos nesse livro.
Ricamente ilustrado com dezenas de obras do artista Texto dos experts Antônio Fernando Franceschi, Oscar D´Ambrósio e Roberto Rugiero.
MINISTÉRIO DA CULTURA, ASSOCIAÇÃO RAIZ E GALERIA BRASILIANA APRESENTAM
RANCHINHO
Nas melhores livrarias ou no portal Raiz: www.revistaraiz.com.br
Realização
Amigos da RAIZ.
A edição 11 da RAIZ. apresenta muitas ideias e caminhos para se pensar a nossa cultura e a nossa identidade. São tantas as perspectivas abor-
dadas, que vamos descrevê-las acompanhando o sumário da revista, para que juntos possamos entender seus múltiplos desenvolvimentos.
Começamos com nossa religiosidade, misturada nas procissões católicas dos europeus, nas festas de matriz africanas e na fé em santos não-canô-
nicos, traduzidas em belos retratos cearenses e pernambucanos. Partindo daí vamos para o Fórum Internacional de Gestão Cultural na USP em São
Paulo, para discutir a cultura como um bem social, fora dos meandros mercantilizadores e achatadores de diferenças e possibilidades.
Continuando em São Paulo vamos o Instituto Tomie Otake acompanhar uma exposição ímpar que se inicia, trazendo para o mesmo local 10 artis-
tas da maior significância para nossa arte popular oriundos de 8 estados brasileiros. Eles vem para expor e dialogar diretamente com o público, sem
intermediários ou tradutores. E nós agraciados com o texto sempre elegante e profundo de Maria Lucia Montes.
Dos nosso artistas populares, vamos homenagear os 100 anos de Jorge Amado, com mais um texto marcante, este de Gustavo Rossi, que nos
apresenta o grande legado desse autor popular e erudito na definição do povo brasileiro. Nossa negritude aceita pelo endosso do autor.
Das letras vamos para os bits com a ocupação digital do espectro eletromagnético acima de nossas cabeças e que, as tecnologias digitais nos per-
mitem utilizar, assim como já fazemos no mundo da Internet. Seguimos com a potencialização das redes para o Fora do Eixo, que tem feito escola
e realizado um dos trabalhos mais sérios na geração de um economia colaborativa.
Daí mergulhamos em nossa identidade com a apresentação de uma das coleções mais belas da nossa arte popular, a coleção Gambarotto. Indo
direto para Iguape, em São Paulo, onde o carnaval é mais do que uma festa popular.
Em uma edição, focada na formulação de políticas para a cultura, abordamos dois casos de sucesso de metodologias inclusivas; através dos
trabalhos do Instituto Olga Kos e da Associação Cultural Cachuera! O primeiro, incluindo portadores de deficiência intelectual através da arte e
do esporte; o segundo, trazendo os folguedos para o entendimento e consumo ampliado dos centros urbanos. Continuando vamos para o novo
MinC, já mais rodado agora, que apresenta seus diferenciais no debate sobre a Economia Criativa e na análise das gestões de Gilberto Gil a Ana de
Hollanda, a dobrada da MPB, que mudou e pretende mudar a Cultura do país.
Para se divertir, rótulos de cachaças históricos e iconográficos para o deleite do olhar. Continuando nosso entretenimento nada como escutar a
música analógica do Acervo Origens, com os melhores LPs da música brasileira. Pegando a estrada vamos conhecer a rede de Turismo comunitário,
que com muito conforto oferece uma experiência diferenciada aos viajantes.
E para terminar, nada como um bom cafezinho. Ainda mais se misturado em uma receita tradicional com o caldo de cana.
Nunca experimentou? Não sabe o que está perdendo.
Boa leitura!
Edgard Steffen Junior
EXPEDIENTEEDITOR-CHEFE: Edgard Steffen Junior
EDITORA ASSISTENTE: Thereza Dantas
JORNALISTA: Cleber Erik da Silva
PROJETO GRÁFICO: Uirá Peixeiro
DIREÇÃO DE ARTE: Uirá Peixeiro e Igor Busquets
VÍDEOS: Célia Harumi Seki
VINHETA: Rodolfo Nakakubo
INTERNET: Leo Flauzino
ADMINISTRAÇÃO: Marcela Carvalho Campos
COLABORADORES: Jefferson Duarte, Marcelo Feitosa, Maria Lucia Montes,
Gustavo Rossi, Sérgio Amadeu, Ney Hugo, Tatiana Oliveira, Rafael Vilela, Cris
Albuquerque, Diego Dionísio, Katia Gomes, Yves Barros, Marcos Linhares,
Raquel Gonçalves
APOIO INSTITUCIONAL
Este é um projeto com o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91)
COLABORADORES
Jefferson Duarte apaixonado e disseminador da cultura
popular brasileira. Nasceu em Cascadura subúrbio do Rio de
Janeiro, mora atualmente em São Paulo. Cenógrafo autodi-
data por ofício, foi responsável pelas exposições: Na Terra de
Macunaima; 100 anos de Cordel - a história que o povo conta;
O Chão de Graciliano; Choro do Quintal ao Municipal; Estação
Cartola; Cariri Sertão Cultura; Sertão Brasil – uma viagem pelas
veredas do Rosa, Memorial da Inclusão – Mostra permanente
da Secretaria estadual da pessoa com deficiência; A Arte nos
tempos do café; entre outras. Hoje está à frente da Celophane
Cultural como produtor, cenógrafo e blogueiro.
Gustavo Rossi graduação em Ciência Sociais pela Unesp
(Araraquara) e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do livro
As cores da revolução: a literatura de Jorge Amado nos Anos 30.
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Thereza Dantas – MTB 22.194
RAIZ É UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO RAIZ. COM APOIO DA EDITORA CULTURA EM AÇÃO.
E-MAIL: [email protected]
PORTAL RAIZ.: www.revistaraiz.com.br
AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 11ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ:
Acervo Zélia Gattai, Fundação Casa de Jorge Amado, Acervo Origens,
Muda Cultural, Celophane Cultural, Egeus Laus, Museu Afro Brasil.
IMPRESSÃO E ACABAMENTO: RR Donnelley
Diego Dionísio jornalista e assessor de comunicação com
atuação há 10 anos na cultura popular brasileira, Pesquisador,
membro da Comissão e Paulista de Folclore com especialização
em inventário de Patrimônio Imaterial pela Crespial/Unesco.
Raquel Gonçalves é jornalista, formada pela Universidade
Federal do Ceará - UFC. Mestre em Comunicação e Semiótica
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC
SP. Membro fundador do extinto grupo Tr.e.m.a. (Território
de Expressão no Mundo Anônimo) que atuou na cidade de
Fortaleza com intervenções e produções alternativas de comu-
nicação. Trabalhou no caderno de cultura do jornal O POVO,
em Fortaleza. Desde 2009 mora em São Paulo. Possui um blog
jornalístico de viagem. www.estradadosventos.blogspot.com`
SUMÁRIO
O que rola de bom em nossa cultura
Esculturas de Isabel Mendes da Cunha
Espectro Commons e Pós Ocuppy
Livros, filmes, DVDs e CDs de RAIZ
Jorge Amado
Instituto Olga Kos, Cachuera, MinC e a nova economia criativa
A rede do Turismo comunitário
Tradição e teimosia
O engenheiro da arte popular e o Carnaval vivencial de Iguape
Vem tudo do vinil
Pipoca ali, aqui
Cachaça não é água
Café caiçara
Arte e transformação social em ação
ACONTECE......................6
RAIZ DA QUESTÃO...........32
BENS DE RAIZ....................74
VERSO...............................
12
68
POLÍTICAS.........................52
VIAGENS...........................88
PROSA..............................
20
PATRIMÔNIO....................40
MÚSICA............................82
CULTURA DIGITAL............28
ENSAIOS...........................
COMIDAS.........................98
PONTOS DE CULTURA.....102
FESTA SANTAO
povo brasileiro é um povo que tem fé, ele se apropria, se adapta, se transforma, transcende e
pronto. Um povo misturado que colocou no mesmo caldeirão as procissões católicas dos euro-
peus, as festas de matriz africanas e a fé em santos não-canônicos. Estes movimentos populares,
religiosos ou não, estão espalhados por todo o Brasil.
Mas é no Nordeste que esta fé se revela com mais força como por exemplo os seguidores de
Antônio Conselheiro em Canudos e o fenômeno Padre Cícero em Juazeiro. Um fantástico e ferrenho imagi-
nário de devoção e um relacionamento íntimo, corpo, suor, lágrimas e sangue com o sagrado. As regras são
criadas, as formas de expressão são próprias, mas a fé é única e inabalável.
O Fotógrafo, carioca de nascença e pernambucano de coração, Marcelo Feitosa, lançou-se em duas
romarias de regiões distintas do Nordeste – Juazeiro do Norte, sertão do Ceará, terra sagrada do líder político/
religioso Padre Cícero e o Morro da Conceição, uma procissão da “bandeira” no meio da região metropolitana
de Recife. Seu objetivo era conhecer de perto, juntinho enfronhado estas manifestações, trazendo um retrato
crítico e profano desta força que move essa gente, desta fé cega e impressionantemente verdadeira expressada
nos olhos, mãos e símbolos carregados por estes devotos.
A curadora da exposição Andrea Vizzotto destaca: “Tanto no ambiente rural quanto no urbano, observa-
mos práticas religiosas semelhantes, em que tradição e modernidade interagem em hibridismos que buscam
novos sentidos para as suas práticas.”
A “Festa Santa” de Feitosa fez parte da exposição do MAP “Caminhos do santo”, em 2010, no Recife. Se-
gundo Marcela Wanderlei, curadora e coordenadora do MAP “...a mostra compôs um mapa sobre a temática
no nordeste, evidenciando particularidades e expressando diálogos na representação de um universo religioso
(re)elaborado.”
No meio desta “Festa Santa” o fotógrafo nos empresta seu olhar crítico destacando outras manifestações
de fé contemporânea onde Xuxa e Michael Jackson desfilam lado a lado com Cícero e Conceição. A Curadora
reflete em seu texto de apresentação: “Afinal, é o seu olhar que dessacraliza o ritual de fé dos romeiros ou é o
conceito que não consegue explicar a vivência do sagrado e do profano entre esses romeiros?”
A Festa em Madureira:
Agora será a vez de Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, receber esta procissão de fotos, participar desta “Festa Santa”. Os
moradores da terra do Samba são pessoas que, de imediato, vão se identificar com o tema. O subúrbio carioca tem como grande
parte da população imigrantes nordestinos, desta forma, a identificação destas manifestações típicas das suas regiões, do seu
povo, elevam sua identidade a patrimônio cultural da humanidade.
Festas como a de Nossa Senhora da Penha, Iemanjá, São Sebastião e São Jorge, mesmo vindas de tradições europeias mistu-
radas às tradições dos povos afrodescendentes, mostram esta aproximação, este “(re)conhecimento” de uma fé que não é só do
homem do Nordeste e sim das “gentes” brasileiras.
Marcelo Feitosa nasceu no Rio de Janeiro (RJ), onde vive atualmente após um período morando em Recife (PE). Começou a
fotografar ainda jovem, nos anos 1980. Fotógrafo independente, trabalha com jornalismo e é repórter fotográfico associado à
FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas).
Entre os prêmios que recebeu, destacam-se o Prêmio SENAD de fotografia 2009, em Brasília, e o IV Prêmio Pernambuco Nação
Cultural 2010.
Participou de todas as edições da Mostra Recife de Fotografia e também de outras mostras de arte, tais como a I Mostra de Vi-
deoarte do Memorial Chico Science, dentro da programação do SPA das Artes 2009, e a Semana de Artes Visuais do SESC Santa
Rita (Recife). Ainda em 2009, participou da exposição “Caminhos do Santo”, realizada pelo Museu de Arte Popular da cidade do
Recife (MAP), em 2010, participou da exposição “Além da Imaginação”, realizada pelo Centro Europeu de Curitiba (PR), em 2011
foi finalista do concurso internacional Prix Photo Web, promovido pela Aliança Francesa e em 2012 realiza sua primeira exposição
individual, no SESC Madureira – RJ, com o projeto Festa Santa.
Possui imagens no acervo dos Museus Oscar Niemayer (MON), em Curitiba, e na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco (FUNDARPE). Atualmente trabalha na cobertura jornalística de eventos para diversas agências de notícia e é pro-
fessor da escola de fotografia Beco Limon Fotografia.
Serviço:
“Festa Santa” – Fotografias de Marcelo Feitosa
Curadoria - Andrea Vizzotto
SESC Madureira
Rua Ewbanck da Câmara, 90. Tel.: (21) 3350-7744.
www.sescrio.org.br
A partir do dia 06 de Março3a a 6a, 13h30 às 21h30. Sábados,
domingos e feriados, 9h30 às 17h30.
7
Por Jefferson Duarte
Fotos Marcelo Feitosa
acontece
acontece
A CULTURA ALÉM DO MERCADO
O Centro de Estudos Latino-
-Americanos sobre Cultura
e Comunicação (CELACC )
é um núcleo de pesquisa
interdepartamental criado
na Escola de Comunicação e Artes (ECA)
da Universidade de São Paulo em 1996 e
está vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa
da USP. Com linhas de pesquisa que tra-
tam da Construção Teórica em Cultura
e Comunicação, da Cultura e Comuni-
cação na Integração Latino-Americana
e do Turismo e Identidade Cultural, a
CELACC promoveu em São Paulo no
mês de março, um encontro internacio-
nal para discutir a cultura como um bem
social, saindo um pouco do discurso (e
prática) neoliberal de que a cultura é
uma mercadoria que obedece as regras
do Mercado.
A partir do princípio de que a cul-
tura é vista como um direito dos seres
humanos e a diversidade cultural como
um patrimônio a ser defendido pelos
Poderes Públicos, segundo a Convenção
Mundial de Proteção à Diversidade Cul-
tural da Unesco, a CELACC promove de
21 a 23 de março o Fórum Internacional
de Gestão Cultura no Teatro Eva Hertz,
no Conjunto Nacional, em São Paulo.
Para pensar a gestão cultural nesta di-
mensão social e política, necessária para
que ela não se torne meramente uma
prática heterônoma, subordinada aos
grandes monopólios da indústria cultural
e sim articulada com projetos políticos
de construção de espaços do efetivo
diálogo intercultural, foram convidados
diversos nomes da meio acadêmico, do
setor privado, gestores públicos e ativis-
tas da área cultural.
Programação
O evento iniciou-se no dia 21 de mar-
ço, ás 19h, com Cerimônia de Abertura
com as presenças do ex-ministro da
Cultura, Juca Ferreira e o ex-secretário
de Políticas Culturais do Ministério da
Cultura nas gestões de Gilberto Gil e
Juca Ferreira, Alfredo Manevy , mediados
pelo jornalista Juarez Xavier. O evento
contou com a performance de João Bá e
banda, no show “João Bá 80 Anos” no
Cine Livraria Cultura.
No dia 22 de março seguiram a
mesa “Geopolítica da cultura” com o
sociólogo Fábio Kobol e Ángel Mestres
(Espanha), um dos autores de “Con-
trole social da Administração Pública”,
mediada pelo jornalista Silas Nogueira
no Teatro Eva Herz. A tarde o antropó-
logo Frederico Brabosa e a engenheira
venezuelana especializada em Gestão
Cultural e Cooperação Internacional,
Maria Claudia Rossel, participaram da
mesa “O papel do gestor cultural na pro-
moção da diversidade cultural”, mediada
pela jornalista Bernadete Toneto. Ainda
no dia 22 de março, a mesa “O gestor
e as políticas públicas e privadas de
promoção à cultura” contou com a pre-
sença do historiador e ex-secretário de
Programas e Projetos Culturais do MinC
na gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira,
Célio Turino e o pesquisador musical e
músico Benjamim Taubkin, mediados por
Wilton Garcia.
No último dia, 23 de março, a mesa
sobre “Cultura e economias criativas”
sob a mediação Juliana Oliveira, teve a
presença da especialista em Economia
Criativa & Desenvolvimento Sustentável,
Lala Deheinzelin e da arquiteta argentina
Silvina Martinez, no Teatro Eva Hertz.
Duas mesas fecharam o Fórum Inter-
nacional de Gestão Cultural: “Cidades,
economias criativas - Agenda 21 da
cultura” com as presenças do historia-
dor espanhol Luís Pablo Milanez e da
coordenadora de Cultura e Educação do
Instituto Asas, Juliana Nolasco; e a mesa
“Culturas periféricas”, que tratou dos
fenômenos culturais que ocorrem nas
periferias da sociedade e contou com as
participações do Eleilson Leite, da Agen-
da da Periferia/ONG Ação Educativa, e
Leandro Hoehne, da Rede Livre Leste,
sob a mediação da Fabiana Amaral
no Teatro Eva Hertz. Os organizadores
anunciaram ainda uma mesa virtual.
O Aquecimento Fórum será uma mesa
redonda, composta por membros da or-
ganização e convidados, com o objetivo
de iniciar, no espaço virtual, algumas das
discussões que foram tratadas no encon-
tro. O Aquecimento Fórum foi transmiti-
do ao vivo pelo portal Terra.
Serviço:
Fórum Internacional de Gestão Cultural aconteceu de 21 a 23 de março
Programação: forumigc.com/forum/imprensa/apresentacao-imprensa.pdf
No Teatro Eva Hertz, Conjunto Nacional, Avenida Paulista, 2073 - São Paulo/SP
Site oficial: www.livrariacultura.com.br/teatro
9
Por Redação
Fotos Divulgação
acontece
BRINQUEDOS POPULARES DO NORDESTE BRASILEIRO
Foto
: Div
ulg
açã
o
Caminhando num dia enso-
larado e sem nuvens pelo
paisagismo de Burle Marx,
contornando as marquises
de Oscar Niemeyer no Parque
do Ibirapuera, chegamos ao Museu Afro
Brasil. O verde do parque pulsa aos olhos
e as exposições que encontramos lá nos
arrebatam o olhar.
O Museu Afro Brasil tem o seu encanto na
composição entre o entorno, a arquitetura e o
conteúdo, que apresenta ao público paulista-
no, de maneira consistente e bela.
Pelo comando de Emanoel Araújo o Museu
Afro Brasil tem impresso, desde 2004, diversi-
dade temática e conhecimento acumulados,
sempre numa apresentação esmerada. Soma-
-se a isso, a moldura do vistoso conjunto ar-
quitetônico da década de 50, o Pavilhão Padre
Manuel da Nóbrega. Um museu pulsante, que
traz para São Paulo renovados ares estéticos.
Passamos pela porta de entrada, vemos
uma lojinha com pegada étnica, daí temos
que escolher entre as exposições temporárias
e o acervo no último andar. Como nosso
destino eram os brinquedos populares
fomos pela esquerda. Foi então que mer-
gulhamos no sertão nordestino brasileiro,
apresentado com uma plasticidade nunca
vista para o tema, na exposição: “O sertão:
da caatinga, dos santos, dos beatos e dos
cabras da peste”. Deixando o cheiro de
couro e terra para trás seguimos para nosso
destino: “Brincar com Arte – O Brinquedo
Popular do Nordeste”.
Uma explosão lúdica de cores, formas,
materiais e maneiras de interagir, sintetizada
nas mil peças-brinquedos apresentadas. Sepa-
rada em painéis temáticos, que chamam nos-
sa atenção pelo volume de obras. Da atração
inicial somos impactados pela visão particular
de cada peça. Pião, pipa, pula-corda, empurra
aro, bolinha de gude, carrinho, caminhão,
barcos, foguetes, mamulengos, mulher gorila,
bichos, roda-gigante e muito mais.
Nas brincadeiras populares o dinheiro
não significa necessariamente a falta de
recursos. Que o digam os múltiplos objetos
apresentados para a felicidade de nossos
olhos e das crianças que querem brincar.
Aqui, uma sandália de tiras vira um singelo
barco e um pássaro carrega um coelho em
seu voo imaginário.
A exposição “Brincar com Arte” é
fruto da coleção de David Glat, curador
do Museu do Brinquedo Popular na Bahia.
Como ele mesmo nos conta: “Comecei
curiosamente comprando brinquedos em
feiras nas minhas viagens como fotógra-
fo profissional. Quando me dei conta, o
volume era grande”. Partindo daí para a
profissionalização de sua coleção, comple-
tou e catalogou seu acervo, que foi exposta
parcialmente, com sua face nordestina, no
Ibirapuera, em São Paulo.
Serviço:
Exposição: Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste
Aconteceu de janeiro a abril de 2012
Local: Museu Afro Brasil – Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque do Ibirapuera, portão 10, São Paulo
Fone: (11) 3320-8900 ramal 8921
Site: www.museuafrobrasil.org.br
Acervo David Glat
11
Por Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ
Foto
: Div
ulg
aç
ão
do que tradicionalmente ali se exibe: arte ”popular”. No
entanto, um crítico como Eduardo Subirats há muito nos fez
reconhecer que a classificação – ou desqualificação – de um
conjunto de obras de arte sob a designação de “popular”
não se baseia em categorias estéticas, mas na identificação
do meio social de proveniência de seus criadores. Um meio
politicamente colonizado, economicamente depauperado
e delimitado por barreiras étnicas quase intransponíveis.
“A arte popular não é branca. Tampouco cristã. Ou não é
suficientemente cristã”, ele nos alerta, chamando a atenção
para os seus vínculos com uma compreensão mística da
natureza, deuses perseguidos e comunidades espoliadas,
o que associa sua criação a um universo desdenhosamente
chamado de “superstição” e não “cultura”. Seu pouco valor
mercantil “é uma consequência de sua sub-valorização
artística e intelectual”, ele conclui.
TEIMOSIA DA IMAGINAÇÃOEXPOSIÇÃO, LIVRO E DOCUMENTÁRIO TRAZEM A OBRA E O PENSAMENTO DE
CADA UM DESTES MESTRES DA ARTE DE RAIZ
O Instituto Tomie Ohtake abriu seu espaço para
uma grande exposição da arte do povo brasi-
leiro. Teimosia da Imaginação reúne obras de
10 artistas de diferentes partes do Brasil com
linguagens plásticas diferenciadas, da cerâmi-
ca de dona Isabel Mendes e do falecido Mestre Galdino à
pintura de Nilson Pimenta e Aurelino dos Santos, passando
pela escultura em madeira de Antonio de Dedé, Francisco
Graciano, José Bezerra, Cícero Alves dos Santos – o “Véio”
– Jadir João Egídio e Getúlio Damado. De Minas Gerais a
Pernambuco, do Mato Grosso à Bahia, de Alagoas, Ceará e
Sergipe ao Rio de Janeiro, algumas das melhores criações da
arte popular brasileira estarão ali representadas.
Exposições como esta não são frequentes nos museus e
galerias de arte. Para a arte do povo, o direito de acesso a
esses espaços requer um insidioso adjetivo que a distingue
Jadir - escultura em madeira
13
Por Maria Lucia Montes
Fotos Divulgação
prosa
Foto
: Div
ulg
aç
ão
Assim, exilada do grande circuito artístico, conhecida apenas em um círculo restrito de colecionadores e galeristas – na Galeria
Estação ou na Brasiliana em São Paulo, na Karandash em Maceió, na Paulo Darzé em Salvador, na Pé de Boi ou, como uma
admirável exceção, no Museu do Pontal no Rio de Janeiro – raramente essa arte do povo pode ser apreciada em conjunto, como
ocorre nas tradicionais coletivas em torno de correntes estéticas ou períodos históricos. Às vezes ela pode figurar em grandes
mostras híbridas de “cultura popular” em algum evento de repercussão internacional – a Eco 92, a Mostra do Redescobrimento,
ou o ano do Brasil na França – quando então, curiosamente, é chamada a representar, para os outros, uma “verdadeira” identida-
de nacional... À parte isso, porém, raramente tais obras são vistas em conjunto como criação de artistas com identidade própria. A
exposição do Instituto Tomie Ohtake felizmente é exceção a essa regra.
Trata-se, além disso, de uma mostra inédita também por outra razão. Ela nos oferece não só obras a serem vistas, mas uma
oportunidade de apreciá-las da perspectiva de seus criadores. Uma série de vídeos produzidos pela TalTV resultou em entrevistas
editadas para o catálogo da mostra, contando com apresentação de Rodrigo Naves. Mas, por uma vez, será possível ver essas
obras não só pelo olhar do crítico, e sim tal como vistas e entendidas pelos próprios artistas. Uma exposição, portanto, para se ver
e ouvir, porque é aí que se desvenda o significado da “teimosia da imaginação” que, apesar de tudo, sustenta sua arte.
Mestre Gaudino - escultura
Cícero - escultura em miniatura
15
prosa
e trabalho árduo a serviço dessa dádiva
que é sua imaginação criadora.
A imaginação é uma referência
onipresente, quando falam de sua obra.
Seguindo uma trilha que o Instituto
do Imaginário do Povo Brasileiro vem
buscando explorar como via de acesso
a essa arte, foi preciso buscar outros
parâmetros estéticos para entender o
significado da imaginação que esses
artistas invocam e mapear o imaginário
que atravessa seus trabalhos, de lingua-
gens e formas de criação tão diferencia-
das. A obra de Gaston Bachelard sugeriu
a “ruptura epistemológica” necessária
para nos distanciar das categorias esté-
ticas tradicionais e reunir esses artistas
numa base comum. Seu conceito de
“imaginação da matéria” forneceu o
roteiro, ao focar o embate entre a mão
que trabalha e a matéria que lhe resiste
Quase todos esses artistas invo-
cam seu pouco ou nenhum estudo e a
experiência de um passado de trabalho
duro no meio rural ou em ocupações
urbanas humildes e mal remunera-
das, antes de se descobrirem – serem
descobertos! – como artistas. Louceiros,
roceiros, lidadores de gado, pedreiros,
carroceiros, seguranças, vendedores
de ferro velho – eis o que se encontra
nesse universo. Muitos aprenderam
nesses ofícios o domínio de seu material
e dos instrumentos de sua arte, que
manejam com admirável maestria. E,
como tradição de família, muitos trans-
mitem generosamente aos filhos, netos
e vizinhos o ensino de sua arte. Mas a
criação ela própria é, para eles, quase
sempre, um dom, quando não fruto de
uma revelação mística, ao que se acres-
centa, depois, uma vida de dedicação
Foto
: Div
ulg
aç
ão
se expressa não só a poética própria de
um artista, mas toda uma estética, uma
metafísica, uma ética, uma filosofia, uma
linguagem, ideias, valores e sentimentos
que conformam uma visão de mundo.
Isso é o que nos revela a palavra desses
artistas, sem a qual passaríamos ao largo
do significado mais profundo de suas
obras. E é também o que valida por si
mesma essa arte, para além da legitimida-
de que lhes conferem as categorias estéti-
cas de nosso próprio universo cultural.
Contudo, ao assim revelar esse imagi-
nário de formas arcaicas que permanecem
na longa duração da história, a palavra
desses artistas não nos permite esquecer
que eles estão firmemente ancorados na
realidade contemporânea em que vivem,
cujas agruras conhecem de perto e das
quais a arte em parte os redime. Sendo
a criação o trabalho que lhes garante o
ganha-pão, muitas vezes parece não ter
sentido para eles a distinção entre artesão
e artista que, para nós, deveria ser eviden-
te. Mas nem por isso deixam de perceber
o valor que a circulação no mercado de
arte agrega à sua obra. Muitos trafegam
com desembaraço nesse universo onde se
sabem valorizados por críticos e curadores
como Lélia Coelho Frota e Janete Costa,
que tanto os prestigiaram durante toda a
sua vida, e também colecionadores como
Paulo Vasconcelos, Roberto Rugiero,
ou, dócil, se amolda à ideia do artista,
fazendo brotar daí a sua criação. Terra,
água, fogo e ar, os quatro elementos aos
quais, na filosofia pré-socrática, se atri-
buía a origem, a forma e o movimento
do mundo, são a matéria imaginária de
que trata Bachelard, percorrendo terri-
tórios de poesia, devaneios e sonhos: A
poética do espaço, O ar e os sonhos, A
Terra e os devaneios do repouso, A água
e os sonhos, A psicanálise do fogo... As-
sim também se pode entender a matéria
com que trabalha a imaginação desses
artistas, nela encontrando as formas que
sugere ou às vezes impõe à sua arte.
Vindas da profundeza de um idioma
em que, desde tempos imemoriais, todas
as culturas construíram suas cosmolo-
gias e narraram seus mitos, são imagens
arcaicas que desenham os contornos da
imaginação da matéria. E nessas imagens
“Quem disse que artistas populares
são “ingênuos” ou “primitivos”
distantes de nós?”
Antônio de Dedé - esculturas Getúlio - escultura com reciclados
17
prosa
“O arcaísmo do imaginário que sustenta a sua criação não é, pois, o oposto da modernidade contemporânea em que vivem.”
Foto
: Div
ulg
aç
ão
João Maurício de Araújo Pinho e tantos
outros galeristas como Vilma Eid ou Maria
Amélia Vieira. E, mais ainda, embora
ignorem tudo sobre o funcionamento das
modernas tecnologias de informação e
comunicação, alguns conhecem até mes-
mo o valor de um site na internet para
a divulgação e reconhecimento de seu
trabalho, como José Bezerra e Francisco
Graciano. Todos têm também consciência
da circulação de suas obras no mercado
internacional e alguns até já participaram
de exposições no exterior... Quem disse
que artistas populares são “ingênuos” ou
“primitivos” distantes de nós?
O arcaísmo do imaginário que sustenta
a sua criação não é, pois, o oposto da
modernidade contemporânea em que
vivem. Ele representa o legado de uma
força criadora que seu talento soube
re-apropriar, permitindo-lhes escapar
da condição de miséria a que pareciam
condenados, e é também o que define o
significado profundo dessa teimosia da
imaginação que os distingue de modo
próprio como grandes artistas e admirá-
veis seres humanos.
Nilson Pimenta – pintura
Serviço:
Exposição “Teimosia da Imaginação, dez artistas brasileiros”
Curadoria: Germana Monte-Mór e Rodrigo Naves - de 30 de março a 13 de maio – de terça a domingo, das 11h às 20h
Instituto Tomie Ohtake - Av. Faria Lima, 201, Pinheiros - SP
Fone: (11) 2245-1900
Livro “Teimosia da imaginação – dez artistas brasileiros” (edição bilíngue)
Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro e Editora WMF Martins FontesPrefácio: Rodrigo Naves - Textos: Maria Lucia Montes - Fotos: Germana Monte-Mór
Quanto: 120 reais
Documentários “Teimosia da imaginação – dez artistas brasileiros” - Exibição na TV Cultura
De 04/04 a 02/05, às quartas-feiras, às 23h30, e reprise aos domingos, às 15h.
Estreia 04/04 - reprise 08/04
JOSÉ BEZERRA – Coisas Que Esses Olhos Me Mostram - VÉIO – Sertão Esculpido na Madeira
Estreia 11/04 - reprise 15/04
MANOEL GALDINO – Tudo é Folclore - FRANCISCO GRACIANO – Eu Olho e Eu Vejo
Estreia 18/04 - reprise 22/04
AURELINO - Sombra Viva - IZABEL MENDES – Mãos que Moldam um Mundo
Estreia 25/04 - reprise 29/04
ANTONIO DE DEDÉ – Dias Transparentes - NILSON PIMENTA – A Caminho de Tudo
Estreia 02/05 - reprise 06/05
JADIR JOÃO EGÍDIO – Caso Com a Madeira - GETÚLIO DAMADO – A Arte é Reciclagem
19
prosa
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
o
IMAGINAÇÃO NACIONAL E AS CORES DO BRASIL
“ASSINATURA DAS MAIS MARCANTES JÁ SURGIDAS NA HISTÓRIA CULTURAL E LITERÁRIA BRASILEIRAS, O NOME DE JORGE AMADO (1912-2001) LOGROU ACUMULAR UMA COMBINAÇÃO RARA DE FORÇA E RECONHECIMENTO SIMBÓLICOS...”
21
Por Gustavo Rossi
Fotos Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado
verso
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
o
A ssinatura das mais marcan-
tes já surgidas na história
cultural e literária brasilei-
ras, o nome de Jorge Ama-
do (1912-2001) logrou
acumular uma combinação rara de força
e reconhecimento simbólicos, a qual
contribuiu decisivamente para investi-lo
de poderes quase mágicos no que diz
respeito à sua capacidade de fazer coa-
gular, de pronto, imagens e sentimentos
caros a certa noção de brasilidade. Elo-
quente neste sentido, foram as homena-
gens prestadas ao escritor neste carnaval
de 2012, ano em que se comemora o
centenário de seu nascimento. Lem-
brada em algumas das principais festas
carnavalescas do país, como as do Rio de
Janeiro, de São Paulo e, evidentemente,
Salvador, a data serviu de mote para que
Jorge Amado e suas criaturas se (con)
fundissem nas ruas e nos sambódromos
como personagens de um único espe-
táculo lúdico das ficções sociais sobre o
Brasil, sua morenidade e seu legado afri-
cano. Amado e sua obra mimetizariam e
celebrariam a nação em suas dimensões
mais autênticas e profundas, como
tão bem explicitou o samba-enredo da
agremiação paulistana Mocidade Alegre:
“É magia... / Na mistura das raças surgiu
/ A pele morena, linda é a cor do Brasil
[...] Eternizado, é coroado Obá de Xangô
/ Jorge... Orgulho da nação / Amado...
Em cada coração / Feliz, o povo canta
em oração” .
Decerto, não há nada de aleatório
ou natural nesta magia evocatória que
faz surgir e “coroar” um Jorge Amado e
um Brasil “eternizados” pela “oração”
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
o
como um vetor representativo de cultura
e civilização para a formação do caráter
nacional. Um outro Brasil estava sendo
imaginado: só que agora, a partir de
chaves de leitura menos recalcadas
e mais desembaraçadas dos antigos
jargões deterministas e biologizantes,
hegemônicos no século XIX. De outra
parte, subjacente a este ambiente
efervescente de interesses (literários,
etnográficos, políticos etc.) que inci-
diam sobre a população negra, estava a
estruturação de um Estado igualmente
empenhado em incorporá-la ao corpus
de representações de sua
memória pública. Durante tanto
tempo um desterrado, um es-
trangeiro em sua própria terra,
o negro passava a ser amalga-
mado a um tipo de discurso
que, solenizado nas comemora-
ções cívicas e encampado pelas
políticas culturais promovidas
pelo Estado varguista, buscava
exaltar não apenas uma história
do congraçamento entre as raças
formadoras do país como também a
singularidade e a homogeneidade de
seu povo miscigenado.
redentora da “mistura das raças”. Gros-
so modo, pode-se dizer que a carreira
de Jorge Amado e a visão positiva da
mestiçagem são feitos que se embara-
lham. Ou melhor dizendo, constituem
fenômenos que ganharam
feição e substância em um solo
comum de transformações da
sociedade brasileira destravadas,
sobretudo, pela chamada Revo-
lução de 30: momento em que,
nas palavras do crítico Antonio
Candido, a cultura brasileira foi
disposta numa “configuração
nova” [...], projetando na escala
da Nação fatos que ocorriam
no âmbito das regiões” . Nessa “con-
figuração nova”, o negro, considerado
por séculos um dos principais obstáculos
para o progresso, começava a ser visto
“Nessa “configuração nova”, o negro, considerado por séculos um dos
principais obstáculos para o progresso, começava a ser visto como um vetor
representativo de cultura e civilização para a formação do caráter nacional.”
“… a nação nunca está no passado, ela se
constrói a partir das lembranças e dos
esquecimentos dos agentes do presente.”
23
verso
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
o
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
o
A carreira de Jorge Amado foi se
construindo em fina sintonia com este
movimento de “ida ao povo” que sin-
gularizou os intelectuais de sua geração,
cujos esforços de busca e pesquisa por
uma literatura e um Brasil autênticos
justificaram muitos dos romances do
período . Por uma conjunção de fatores
biográficos, sociais, políticos e regionais,
Amado esteve em condições de ofere-
cer um produto próprio e original num
momento em que, de um lado, a figura
Foi, deste modo, em meio aos dilemas políticos e estéticos associados às suas posições e aliado à apropriação destes
estoques simbólicos sobre o Brasil e a Bahia, que Amado iniciou a modelagem de um projeto literário que encontrou no negro e na cultura afro-brasileira um de seus repertórios
mais persistentes, expressivos e vigorosos.
do intelectual engajado se convertia no
modelo de excelência, e, de outro, a
demanda por retratos e diagnósticos da
realidade do Brasil, de seu cadinho étnico
e de seus regionalismos aumentava a
fim de suprir um mercado editorial em
expansão. Autor precoce, com pouco
mais de vinte de anos Amado já gozava
de prestígio como escritor de romances
proletários e membro combativo do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), se
destacando por um texto que aliava ro-
bustez de estilo e forte apelo ideológico.
Ao mesmo tempo, interessado em invo-
car o PCB como mandatário legítimo dos
interesses dos proletários e explorados, o
escritor plasmava na ficção uma repre-
sentação de povo nutrida de sua terra
natal, Bahia. E mais especificamente, a
“Roma Africana”, Salvador , um espaço
extremamente caro para o imaginário
nacional e que, já na década de 1930,
se transformava, mesmo internacional-
mente, num modelo paradigmático para
25
verso
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
o
Foto
: Ace
rvo
Zélia
Ga
ttai /
Fun
da
ção
Ca
sa d
e Jo
rge
Am
ad
opressivos e vigorosos. Uma modelagem
que certamente não foi homogênea no
decorrer de sua longa produção, mas
que, mesmo sob diferentes roupagens e
com distintas motivações, sempre flertou
com certa utopia nacional-popular –
populista diriam alguns –, chancelada
e sacralizada pelo código da mistura
racial: seja como quadro do PCB entre
as décadas de 1930 e 1950, quando o
povo emergia colado a uma narrativa de
nação em perigo, a qual precisava ser
protegida do imperialismo e dos inimigos
estrangeiros, seja a partir do momento
em que, ao abandonar a militância, sua
se divulgar a ideia de como o Brasil teria
encontrado soluções harmônicas nas
relações entre brancos e negros, sendo a
larga miscigenação que ali se processou
um dos elementos centrais para muitos
argumentassem em favor da suposta
ausência de preconceito racial entre nós.
Foi, deste modo, em meio aos dilemas
políticos e estéticos associados às suas
posições e aliado à apropriação destes
estoques simbólicos sobre o Brasil e a
Bahia, que Amado iniciou a modelagem
de um projeto literário que encontrou
no negro e na cultura afro-brasileira um
de seus repertórios mais persistentes, ex-
obra, perdendo a sisudez da lingua-
gem ideológica, se abriu à fabulação de
um Brasil da festa, mais carnavalizado,
sensual, feminino e picaresco. Não é
demais lembrar que, em 1945, quando se
candidatou a deputado federal pelo PCB,
foi sob o slogan de “romancista do povo”
e não dos proletários que ele se elegeu.
Assim como foi em nome do povo que
Amado buscou infundir coerência e
unidade tanto estética quanto programá-
tica a sua obra, evidentemente, cheia de
ranhuras, mudanças e descontinuidades.
Inútil perguntar, se, de fato, a nação
brasileira corresponde ou não à utopia
popular defendida por Amado, sacraliza-
da e “eternizada” por ele sob código da
mistura, da morenidade e da harmonia
racial. Até porque, a nação nunca está
no passado, ela se constrói a partir das
lembranças e dos esquecimentos dos
agentes do presente. Como observa
Benedict Anderson, não havendo um
“criador original da nação, sua biografia
nunca pode ser escrita de uma forma
evangélica, ‘avançando no tempo’ ao
longo de uma cadeia generacionista
de procriações. Essa modelagem [...] é
marcada por mortes que, numa curiosa
inversão da genealogia convencional,
começam num presente originário. A
segunda Guerra Mundial gera a Primeira
Guerra Mundial; de Sedan vem Auster-
litz; o antepassado no Levante de Var-
sóvia é o Estado de Israel” . Em síntese,
menos do que essências culturais inefá-
veis pertencentes a tempos longínquos,
são as experiências e as políticas identitá-
rias travadas contemporaneamente que
irão conformar quais as cores, as mortes,
os martírios, os passados e os esqueci-
mentos através dos quais a sociedade
brasileira imaginará seus destinos como
povo e nação.
27
verso
CULTURA DIGITAL: PIPOCA ALI, AQUI“PIPOCA ALI, AQUI, PIPOCA ALÉM / DESANOITECE A MANHÃ / TUDO MUDOU”
O Brasil passa por mudanças no mundo da Cultura
Digital. Se durante os mandatos do governo Luiz
Inácio Lula da Silva iniciou a ideia de Cultura
Digital partilhando a vida política do país com
programas de adesão ao Software Livre, a criação
de editais de fomento, discussões sobre Banda Larga, Direito
Autoral e projetos e programas que prevêem a criação de
redes e telecentros, o que acontece na gestão Dilma Rouceff é
a popularização dessa onda digital.
Antes era o analógico, agora somos cada vez mais digitais
Se a digitalização da matéria aconteceu de forma progressiva
ao longo da nossa história , os avanços da Cultura Digital no
tecido social brasileiro caminham cada vez mais rápido com a
adesão ora alegre, ora desconfiada dos brasileiros. A medida
que avançamos na relação com as máquinas estabelecemos
várias alterações no nosso modo de vida, com as novas tecnolo-
gias estas mudanças estão ocorrendo de forma violenta na área
da Informação e na foma de se obter Conhecimento. Segundo
o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião e Pública e Estatística) de
cada dez brasileiros, oito participam de alguma rede social. O
brasileiro já é o segundo país com mais usuários no Twitter supe-
rando o Japão, alcançando a marca de 33,3 milhões de usuários.
O processo começou no século 19 quando surgiram as
máquinas que iniciaram a escrita a distância: o telégrafo e
telefone. A fotografia, cinema e a televisão garantiram o
armazenamento, a reprodutibilidade e a distribuição das ima-
gens. Mas a partir do desenvolvimento dos computadores, a
produção da escrita, imagens e sons passam por um sofisticado
sistema de decodificação que transformam sua forma física e
a estética. Agora estamos diante de processos de desterri-
torialização e biopoder tecnológico, conceitos defendidos
por intelectuais do porte do espanhol Javier Bustamante, e
prática de diversas pessoas em bairros periféricos dos gran-
des centros, aldeias indígenas e quilombos do país. Hackers
não são bichos papões segundo o professor e comunicador
Messias Bandeira da UFBA (Universidade Federal da Bahia),
mas uma figura com importante papel social. Com direito ao
novo verbo “hackear “, que é a ação de apropriação social
da tecnologia, Bustamente e Bandeira defendem a figura e a
ética do hacker.
Pipoca ali, aqui, pipoca além
Essas mudanças estão provocando uma efervercência de
festivais, congressos e encontros pelo país. O tradicional
Campus Party em São Paulo, já na quinta edição, ganhou
29
Foto
: Th
ere
za D
an
tas
Textos e Fotos por Thereza Dantas
(trecho da música Pipoca Moderna)
cultura digital
status nos meios de Comunicação e
mantém espaços para a cobertura das
atividades “desse estranho mundo” nos
programas de TV e revistas da impren-
sa tradicional. Os nerds agora estã na
moda. O pragramador de linguagem
Java, Marcus Vinicius Bastos, exibia feliz
a camiseta “NERD sim, e daí?” pelo
Anhembi durante o encontro Cam-
pus Party desse ano. “Essa foi minha
primeira participação no evento, espero
participar novamente”, contou o estre-
ante no evento.
Já o Festival Internacional de Cultura
Digital, em sua terceira edição, mudou
de cidade. O coordenador Claudio
Prado não viu nenhum problema em
planejar em São Paulo, sede da Casa de
Cultura Digital que organiza o even-
to, e produzí-lo nas dependências do
MAM (Museu de Arte Moderna) e Cine
Odeon, no Rio de Janeiro. “As mudan-
ças ocorreram por questões financeiras
e políticas. Mas o Rio de Janeiro tem um
fator aglutinador que vai ampliar a par-
ticipação das pessoas da área da Cultura
Digital. Estamos crescendo na produ-
ção de conteúdos e vamos aumentar
essa produção na próxima edição que
também ocorrerá no Rio”, avisa Claudio
Prado. O Festival Internacional de Cultura
Digital tem uma programação voltada às
questões filosóficas e comportamentais
da Cultura Digital. Para o gerente de
tecnologia da MSYSTelecom, Eric Viana,
a Campus Party cumpre uma função de
apresentar as novidades do mercado
das novas tecnologias: “há uma entrada
maior de empresas privadas que, creio
eu, estão ali para buscar novos talentos
para seus quadros de colaboradores ou
para passar a imagem de inovadoras ao
estar num evento que trata de futuro.”
Mas não é só no eixo Rio/São Paulo
que se discute Cultura Digital. O Rio
Grande do Sul tem tradição e proprieda-
de sobre o assunto com a organização
do Fórum Internacional de Software
Livre que em 2012 produzirá sua décima
terceira edição no mês de setembro na
capital gaúcha. Milhares de pessoas par-
ticipam das discussões e desconferências
que contam com a participação de diver-
sos políticos. Aliás, a Cultura Digital não
é uma cultura desprovida de opiniões e
atividades políticas – e em alguns casos
partidários. Durante o Fórum Mundial
Social Temático que ocorreu no início de
2012 em Porto Alegre, aconteceu o Co-
nexões Globais 2.0, que reuniu militantes
e ativistas das redes sociais. Nas contas
dos organizadores mais de 10 mil pes-
soas participaram dos debates sobre “os
limites e rumos da democracia represen-
tativa na era da internet” e que contou
com a particpação de representantes dos
movimentos Occupy Wal Street e o M15
(movimento dos indignados espanhol).
Occupy internet
Os poderes do ativismo digital
invadem os diálogos das telenovelas e
instituições públicas e privadas que in-
vestem em encontros, editais e concur-
sos para conquistar um público (consu-
midor) crescente. Se cinco em cada dez
brasileiros já utilizam o e-commerce não
é de estranhar que dentro do ciberes-
paço também se movimentem grupos
promovendo todo o tipo de campanhas
humanitárias e políticas. Para Pablo
Capilé , um dos integrantes do Co-
letivo Fora de Eixo, o crescimento da
participação das pessoas é a consequ-
ência dessas mudanças. “Está surgindo
uma geração digital que quer discutir
música, audiovisual, literatura. Há uma
coalização de espaços – virtual e real
– onde a mobilização ecooa com mais
força.”, avalia.
O encontro Digitália – Congresso
Internacional de Música e Cultura
Digital , organizado pela Audiosfera,
que aconteceu em fevereiro de 2012
em Salvador (BA) sob os cuidados de
Yemanjá, discutiu de políticas públicas à
transumanização, de Direitos Autorais às
novas plataformas para divulgação gra-
vação, arquivo e divulgação da música.
Sob o guarda-chuva da Cultura Digital
novas posturas diante do sistema polí-
tico, econômico, artísticos, filosóficos
e estéticos estão mudando as relações
pessoais no mundo real. Para Capilé
“semânticamente é interessante manter
o nome Cultura Digital mas o ciberes-
paço é só uma extensão do mundo real,
um espaço para ativismo através dos
auto-mobilizadores.”
Serviço:
Campus Party: www.campus-party.com.br/2012/index.html
Festival de Cultura Digital: www.culturadigital.org.br
Fórum Internacional de Software Livre: www.softwarelivre.org/fisl12
Conexões Globais 2.0: www.conexoesglobais.com.br
Digitália – Congresso Internacional Música e Cultura Digital: www.digitalia.com.br
31
Foto
: Th
ere
za D
an
tas
Foto
: Th
ere
za D
an
tas
Foto
: Th
ere
za D
an
tas
Foto
: Th
ere
za D
an
tas
cultura digital
“Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”, escreveu Shakespeare em Hamlet. Ele nem imagi-
nava que uma delas seriam as ondas eletromagnéticas. O chamado espectro eletromagnético é um espaço de radiação
que contém desde as ondas de rádio, o infravermelho, a luz visível e até os raios gamas. Como era de se esperar, os
Estados e o Capital desde o princípio perceberam que era fundamental tomar conta deste espectro como um espaço que
deve ser controlado para fins políticos, militares e ideológicos, de um lado, e, principalmente econômicos, de outro.
Durante anos o espectro não interessou aos produtores de cultura e aos comunicadores populares, pois seu domínio parecia
muito técnico e distante da criação cultural. Foi com o movimento de rádios livres e comunitárias que muitos artistas e ativistas
das artes perceberam que seria importante ocupar um pedaço deste espaço não-visível, mas fundamental para transmitir ideias e
conteúdos pelas ondas de rádio.
Se consultarmos a Wikipedia veremos que as “ondas de rádio são um tipo de radiação eletromagnética com comprimento de
onda maior (e frequência menor) do que a radiação infravermelha. Como todas as outras ondas eletromagnéticas, viajam à veloci-
dade da luz no vácuo. Elas são geradas naturalmente por raios ou por objetos astronômicos.” O importante é notar que as ondas
de rádio podem ser produzidas artificialmente e servem para transportar nossas mensagens. Por que elas não podem ser usadas
livremente? Eis a questão?
No início do século XX, o uso deste espectro foi completamente estatizado. Interesses políticos e econômicos confluíram para
declarar o espectro um espaço estratégico e escasso. Isto quer dizer que somente o Estado deveria decidir quem poderia utilizá-lo.
Com o controle do espectro, buscava-se controlar a comunicação. O uso militar era evidente, mas as finalidades comerciais tam-
bém ficaram claras para a maioria da população. Depois do estupendo sucesso do rádio, a utilização do espectro para transmitir
imagens e sons gerou uma revolução na comunicação de massas.
Não vamos esquecer que as ondas eletromagnéticas são também denominadas ondas hertzianas e popularmente conheci-
das como ondas de radiofrequência ou simplesmente ondas de rádio. Ainda recorrendo a Wikipedia é importante ressaltar que “é
comum dividir as ondas hertzianas em faixas de frequência, que variam entre as frequências de 30 quilohertz (muito baixas) a 300 mil
mega-hertz (extremamente altas). Essas bandas de frequências são classificadas em grupos, e estes grupos são comumente chamados
por: onda curta, onda média e onda longa. Dentro destes segmentos, encontram-se as estações de radiodifusão, serviços de comuni-
cação aérea, marítima, telegrafia etc.”
Há 3 tipos básicos de apropriação do espectro eletromagnético no mundo atual. Todos eles são definidos dentro de um território
nacional pelo seu Estado. O primeiro é a concessão de uso exclusivo de determinadas frequências por um certo tempo, para um
UM ESPECTRO RONDA AS ONDAS DE RÁDIOE ATORMENTA O PODER ECONÔMICO ...
ESPECTROCOMMONS
33
Texto Sérgio Amadeu
Foto Divulgação
Foto
: Div
ulg
aç
ão
raiz da questão
A interferência é um problema maior
para o rádio receptor do que para o
transmissor. Pense em uma sala com 50
pessoas. Se todas falarem ao mesmo
tempo em voz alta, dificilmente conse-
guiremos ouvir o que cada pessoa está
dizendo. Existe um ruído que logo se ins-
tala em nossos ouvidos. Nossos aparelhos
receptores analógicos são incapazes de
separar exatamente as vozes que quere-
mos ouvir naquela sala. O aparelho digital
não tem este problema. Devido ao modo
como a transmissão digital é realizada,
podemos separar exatamente qual canal
de TV queremos assistir ou qual estação
de rádio queremos ouvir, se a transmissão
e a recepção forem digitalizadas e opera-
das por softwares de rádios transmissores
e receptores inteligentes.
determinado agente, em geral, uma
empresa. Este é o modelo empregado no
Brasil. A Globo, a Record, o SBT, entre
outras empresas de radiodifusão rece-
bem o direito de explorar determinado
pedaço do espectro. O segundo tipo é
o da privatização de faixas do espectro.
Desse modo, o Estado venderia, em
leilões, determinadas frequências em
todo território nacional ou em partes do
mesmo. Assim, uma empresa poderia
comprar e ser dona, por exemplo, da
faixa de 2 a 2,5 Ghz, tal como podemos
comprar um terreno em uma cidade. Por
ser proprietária privada e não conces-
sionária do Estado, este segundo tipo
representa a privatização efetiva do es-
pectro. Já o terceiro tipo denomina-se de
espectro aberto. Trata-se de transformar
o espectro em uma via pública, tal qual
uma avenida ou rodovia. É praticamente
o oposto da privatização das frequências
de radiodifusão.
Alguns argumentariam que seria
impossível permitir que todos utilizas-
sem o espectro livremente porque o
ruído destruiria nossas possibilidades de
comunicação. Isto seria verdade, com o
uso de tecnologias analógicas. Com as
possibilidades trazidas pelos aparelhos
digitais, não há mais sentido técnico em
controlar privadamente esse que deve
ser um bem público tão relevante quan-
to a água ou o ar. Rádios inteligentes,
operados por software, podem transmitir
suas programação em pacotes de bits.
Tal como ocorre na Internet, cada pa-
cote de bits é parte de uma mensagem
maior que é remontada no aparelho
destinatário da mesma. Para isto, os
pacotes possuem um cabeçalho que
permitem identificar sua origem, seu
destino e sua aplicação, no caso de um
programa de rádio ou TV, o cabeçalho
do pacote pode dizer qual é o nome
do evento, jornal, novela ou filme que
está sendo transmitido.
Já os aparelhos receptores digitais
são completamente diferentes dos
aparelhos analógicos. São máquinas
de processamento de bits, são peque-
nos computadores. Basta você ob-
servar seu aparelho celular. Ele é um
pequenino computador com um rádio
digital receptor e um rádio digital
transmissor. Quando alguém liga para
o seu celular, exceto por defeito da
Operadora de Telecomunicação ou do
aparelho, a comunicação é realizada,
mesmo que você esteja fora da sua
cidade. É possível alguém interferir na
sua comunicação e realizar escutas
na sua frequência, mas independente
disto, entre milhões de telefones celu-
lares, sua ligação é realizada, isto quer
dizer que seu aparelho é encontrado
entre milhões de opções existentes. O
aparelho ao lado não recebe a ligação
que é para o seu aparelho, pois a
comunicação digital é inteligente e
realizada por software e por máquinas
de processar informações.
Com isso, não precisamos definir que
a rádio X deva ocupar somente uma
determinada frequência. Ela deve trans-
mitir o programa com aparelhos digitais
homologados pelos órgãos fiscalizado-
res. Se uma dada frequência, tal como
em uma estrada, ficou congestionada, a
transmissão logo mudará de faixa, assim
como mudamos de pista. Os rádios
receptores que ficam o tempo todo esca-
neando o espectro também mudam de
frequência e encontram os pacotes de
bits daquele programa que nos interessa.
Isto ocorre quando nos locomovemos
com telefones celulares e mudamos de
antena de transmissão. Tecnicamente é
cada vez mais trivial.
Podemos utilizar o espectro, as ondas
de rádio, como uma grande via aberta e
democrática, como um espaço comum,
um commons. O impede disto acontecer?
Primeiro, os interesses econômicos que
pretendem manter a situação de “escas-
sez” do uso das ondas eletromagnéticas
típicas do mundo industrial. Os radiodifu-
sores acreditam que seus impérios ruiriam
com a abertura do espectro. Pensam que
sucumbiriam com a dispersão de verbas
publicitárias diante de tanta concorrência,
o que pode não ser verdade. Na Internet,
os grandes grupos de comunicação de
massa perderam espaço para outros gran-
des grupos de comunicação digital, basta
ver o Google e o Facebook. Isto ocorreu,
principalmente, pela incapacidade de
senhores como Murdock entenderem e
aceitarem a comunicação em rede e o
direito da cópia dada pelas novas tecnolo-
gias. Não foi resultado só da quantidade
de concorrentes.
Segundo, as burocracias especializa-
das do Estado estão comprometidas com
grandes grupos econômicos, pois con-
sideram que isto é o melhor para o seu
país. Terceiro, as autoridades políticas
nascidas no mundo pré-informacional
tem dificuldade de aceitar a liberdade
comunicacional distribuída. Isto não quer
dizer que o uso do espectro não seria
regulamentado. Ao contrário, tratar o
espectro como um espaço comum exigi-
rá uma grande fiscalização dos aparelhos
transmissores para que cumpram as
regras definidas. Mas isto também ocor-
re nas estradas com os carros. Ninguém
é impedido de dirigir, desde que tenha
condições de passar em um exame para
obter uma carteira de habilitação e que
cumpra as regras de trânsito. Falando
por analogia, acontece atualmente no
mundo do espectro eletromagnético que
temos estradas onde só podem passar
carros de uma determinada marca e
apenas em uma direção.
Temos oportunidade de começar a
mudar esta situação. Um passo inicial é
montarmos o movimento pelo espectro
aberto, pela liberdade das ondas de rá-
dio. O segundo passo é nos prepararmos
para transformar em espaço comum as
faixas de frequência que serão liberadas
quando o sinal da TV analógica não for
mais transmitido. Os radiodifusores e as
operadoras de telecomunicação estão
juntas na defesa do modelo atual de uso
do espectro, pois isto lhes dá um enorme
poder econômico e por conseguinte um
gigantesco poder político.
A luta pela democratização das
comunicações precisa chegar ao espec-
tro, do contrário ela será um trabalho
incompleto. Quando nossas lideranças
perceberem, a comunicação quase que
totalmente digitalizada estará sob o
controle de um reduzido oligopólio de
telecomunicação transnacional. A pior
censura é a do capital. A censura e a
manipulação políticas são combatidas
nas disputas públicas pelas mudanças de
governo. Não se muda a gestão e a dire-
ção de empresas sem termos suas ações,
sem termos capital. Por isso, não vamos
perder a oportunidade de democratizar
radicalmente nossas comunicações, a
fronteira é o espectro.
Sergio Amadeu da Silveira - Pro-
fessor da UFABC e membro do Comitê
Gestor da Internet no Brasil. É membro
do Conselho Científico da ABCiber (As-
sociação Brasileira de Pesquisadores de
Cibercultura). Foi presidente do Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação.
35
“Temos oportunidade de começar a mudar
esta situação. Um passo inicial é montarmos o movimento pelo espectro aberto,
pela liberdade das ondas de rádio.”
“Foi com o movimento de rádios livres e comunitárias que muitos artistas e ativistas das artes perceberam
que seria importante ocupar um pedaço deste espaço não-visível, mas fundamental para transmitir ideias e
conteúdos pelas ondas de rádio.”
raiz da questão
37
Por Ney Hugo e Tatiana Oliveira
Foto Rafael Vilela
PÓS OCUPPY:E AGORA?OS NOVOS TEMPOS DE MOBILIZAÇÃO ONLINE
CHEGAM ÀS RUAS E ABREM ESPAÇO PARA
UMA DEMOCRACIA RESSIGNIFICADA
Foto
: Ra
fae
l Vile
laraiz da questão
E a descentralização de informações
neste contexto tem feito com que se
levante uma sucessão de “Pós” mani-
festados espontânea e proativamente,
como o pós partido, pós rancor, pós
marca, entre muitas
outras pós-relações-
-sociais-obsoletas,
em uma formação de
conhecimento livre,
aliada a reflexões
históricas e ações
pragmáticas que
geram uma nova
consciência social,
mais autônoma e
propositiva, trazendo
muito mais resultados no campo das
transformações do que o velho modelo
de sabotagem-teórico-ideológica.
Serviço:
Para conhecer mais o Coletivo Fora do
Eixo acesse: foradoeixo.org.br
Como explicar a engrenagem
de uma rede que em cinco
anos alcançou centenas de
cidades brasileiras e outras
dezenas de localidades na
América Latina, usando como maior
ferramenta a arte, as trocas solidárias e
a cultura digital? São perguntas como
estas que (re)estruturam diariamente o
Fora do Eixo, uma rede elaborada a partir
de iniciativas autogestionárias no campo
da cultura e do compartilhamento de
tecnologias sociais.
A rede iniciou os trabalhos em quatro
cidades no final de 2005, tendo a música
como carro chefe, ao buscar relações de
mercado favoráveis às iniciativas solidárias
que desafiassem a indústria fonográfica.
Ao longo de sua trajetória, a conexão
entre agentes locais se expandiu e as
tecnologias alternativas geraram novas
possibilidades de cadeias produtivas
sustentáveis. Consequentemente, outras
temáticas artísticas e sócio-culturais
passaram a ser compreendidas como
pauta prioritária, como o meio-ambiente,
a homo-afetividade e o esporte.
Atualmente, os agentes integrados ao
Fora do Eixo têm forte presença no am-
biente virtual, onde sistematizam e ope-
racionalizam a rede, superando distâncias
e diferenças sócio-político-culturais. Cada
vez mais autônomos e auto gestores,
eles apontam para novas formas de
protagonismo e, para isso, sistematizam
suas ações através de quatro simulacros:
Banco, Partido, Universidade e Mídia,
que desafiam e desconstroem modelos e
cópias do sistema vigente.
Assim, o Banco FdE, por exemplo,
planeja, sistematiza e mapeia ações
da rede que gerem sua própria susten-
tabilidade, além de pautar a troca de
serviços e tecnologias sociais, como
o Card, moeda complementar criada
como alternativa à renda em espécie.
Já o Partido se apresenta como uma
mobilização diferenciada da política
partidária, passando a ser uma prática
cotidiana que expresse a ciência do re-
lacionamento, favorecendo o encontro
de pontos de convergência de ativistas
do Brasil e do mundo que lutam por
melhores políticas sociais.
Neste campo de diálogo, foras do
eixo de todo o país se encontram virtual
e presencialmente em Congressos, Fó-
runs, Festivais e mobilizações urbanas
que intentam uma espécie de “Occupy
permanente”. Como
exemplo há as Casas
Fora do Eixo, onde os
moradores, desafiados
por sua própria desterri-
torialidade e desapego,
se dedicam ao movi-
mento social em igual
acesso ao caixa coletivo
da sede onde vivem e
trabalham, laborato-
riando novos processos
de articulação e formação livre.
Também caminham favoráveis a este
movimento os avanços da internet e
sua interface multi-midiática que faz
com que as fronteiras entre emissor e
receptor se fundam e deixem o espaço
de “espectadores” desta produção.
Novos sujeitos de uma Democracia
2.0 surgem a todo momento e de
todo lugar, potencializando a difusão
e o surgimento de novos mediadores
de cultura, que descentralizam cada
vez mais as ferramentas e as técnicas
utilizadas, como é o caso da Mídia FdE,
outro simulacro da rede.
Para que se firmem tais pilares, a
UniFDE - Universidade Fora do Eixo -
prioriza a formação livre e empírica que
complementa os quatro simulacros base
da rede, colaborando com trocas de
informações, conhecimentos, tecno-
logias sociais e experiências, em busca
da autonomia do sujeito e de respostas
mais digitais na construção de sua pró-
pria história.
39
“Atualmente, os agentes integrados ao Fora do Eixo têm forte presença
no ambiente virtual, onde sistematizam e operacionalizam a rede, superando distâncias e
diferenças sócio-político-culturais.”
“A rede iniciou os trabalhosem quatro cidades no final de
2005, tendo a música como carro chefe, ao buscar relações de
mercado favoráveis às iniciativas solidárias que desafiassem
a indústria fonográfica.”
Foto
: Ra
fae
l Vile
la
raiz da questão
Foto
: Cris
Alb
uq
ue
rqu
e
Uma coleção construída no contato direto com os artistas e seus ateliers
RICCARDO GAMBAROTTO O ENGENHEIRO DA ARTE POPULAR BRASILEIRA
41
Da Redação
Fotos por Cris Albuquerque e Acervo Associação RAIZ.
patrimônio
Foto
: Ace
rvo
Ass
ocia
ção
RAIZ
.
Vista parcial da Coleção Gambarotto de arte popular brasileira
“Conheci vários trabalhos indígenasde todo o mundo, e nada se
compara em qualidade, variedade e acabamento artístico do que os realizados pelos índios brasileiros”.
(Riccardo Gambarotto)
Riccardo Gambarotto é enge-
nheiro de produção, formado
pela Poli USP, e consultor cor-
porativo dos mais qualificados
do mercado. Foi presidente de
empresas e ajudou outras grandes com-
panhias a obterem resultados positivos,
mesmo nas situações críticas em que mui-
tas delas se encontravam. A excelência
de sua ação pode ser medida na fusão de
sua consultoria, a MGDK, com a ame-
ricana Monitor, do papa do marketing
Michael Porter, no final dos anos 90.
Riccardo, além da paixão por carros,
tem uma das coleções de arte popular
brasileira das mais significativas em
número e qualidade das peças. Coleção
elogiada por muitos, entre os quais, a
saudosa Lélia Coelho Frota, que notou
o olhar estético do engenheiro na
composição geral de seu acervo. Foi a
sua coleção e o seu conhecimento da
nossa arte popular um dos inspiradores
da Revista RAIZ., projeto que participou
desde a sua criação e que ajudou, como
ninguém, a colocar de pé.
A coleção Gambarotto de arte
popular brasileira não foi construída na
compra à distância das peças, mas no
contato direto com os artistas populares,
que o colecionador visitou em inúmeras
viagens por todo país. Muitos deles,
Riccardo ajudou de maneira recorrente.
Caso de Joel Gaudino, filho do famoso
mestre Manuel Gaudino do Alto do
Moura em Pernambuco, que o olhar do
engenheiro já reconhecia e, que agora,
o mercado começa a comprar e qualifi-
país. Nos conta Riccardo: “Conheci vá-
rios trabalhos indígenas de todo mundo,
fui algumas vezes ao Museu Nacional
de Arte Indígena Americana (National
Museum of the
American Indian)
de Washington, nos
EUA; nada se com-
para em qualidade,
variedade e acaba-
mento artístico que
são realizados pelos
índios brasileiros”.
A riqueza encon-
trada nas múltiplas
estantes em que o
colecionador guarda suas aquisições; a
arte indígena armazenada com esmero,
envelopadas em mapotecas e estantes
car. Também João Borges de Timon do
Maranhão, que se considera piauiense,
uma vez que está a apenas uma ponte
do estado vizinho; são peças de bar-
ro que guardam as
expressões faciais e a
alma dos personagens
que representa em
técnica apurada. Com
predileção por escul-
turas em seus vários
materiais, excepcional-
mente encontramos
pinturas nas prateleiras
repletas de obras, que
por acaso ou não, vem
de ex-escultores, como o Mestre Zé do
Carmo de Goiana, Pernambuco. O acer-
vo colecionado por Riccardo só muda
de escopo quando falamos em arte indí-
gena. A sua coleção de arte plumária e
objetos é de tirar o fôlego. Mais uma vez
a curadoria revela a qualidade excepcio-
nal dos cocares, vestimentas, máscaras,
arcos, flechas, tacapes e bordunas,
utensílios; de muitas tribos e regiões do
Foto
: Cris
Alb
uq
ue
rqu
e
43
patrimônio
José Celestino - escultura em madeira
Mestre Gaudino - cerâmica
Índios Marubo - cerâmica
“O rico ou o novo rico temvergonha de colocar
‘coisa de pobre’ na parede. Temos em nossa arte popular amelhor relação custo-benefício
em se tratando de mercado,mas muitos ainda preferem
colocar coisas duvidosas nas suas casas por puro preconceito”.
(Riccardo Gambarotto)
Foto
: Cris
Alb
uq
ue
rqu
e
desumidificadas; nos revelam um mundo
de beleza e energia que empolga o olhar,
colocando a questão de como ainda
pouco nos conhecemos “gigantes pela
própria natureza”. O desconhecimento
sobre nossa arte popular não assusta o
colecionador. Como ele mesmo nos diz:
“O rico ou o novo rico tem vergonha
de colocar ‘coisa de pobre’ na parede.
Temos em nossa arte popular a melhor
relação custo-benefício em se tratando
de mercado, mas muitos ainda preferem
colocar coisas duvidosas nas suas casas
por puro preconceito”.
As obras em 3D que compõe o seu
acervo são um painel dinâmico da arte
brasileira atual e criativa, uma vez que
a coleção Gambarotto só adquire peças
de artistas vivos. Grande parte dos
estados brasileiros estão representados
nas dezenas de milhares de quilôme-
tros percorridos pelo colecionador, em
sua busca pela arte do povo. Do Alto
do Moura em Pernambuco ao Vale
do Jequitinhonha nas Minas Gerais,
encontramos o rosto de Riccardo Gam-
barotto em fotografias que decoram
muitos dos ateliers que frequentou,
mostrando a intimidade do engenheiro
com os autores e a cultura brasileira.
Construindo sua coleção o engenheiro
vai armazenando nossa memória. A
memória da uma arte que saindo da
pobreza expande sua estética por novos
patamares da imaginação. O cenário
que contemplamos nas paredes repletas
de obras na casa de Riccardo, de certa
forma se configura na casa de todos
nós brasileiros.
Foto
: Cris
Alb
uq
ue
rqu
e
Foto
: Cris
Alb
uq
ue
rqu
e
45
patrimônio
Foto
: Die
go
Dio
nísio
e K
atia
Gom
espatrimônio
COM BONECÕES DO ZÉ PEREIRA, BLOCOS DO BOITATÁ, LITRÃO,
GALO E BANHO DA DOROTHÉIA, AS RUAS TOMBADAS DO CENTRO
HISTÓRICO DO MUNICÍPIO GANHAM MOVIMENTO, CORES E
MUITA ANIMAÇÃO, LEVANDO FOLIÕES DE TODAS AS GERAÇÕES
NUM GRANDE FESTEJO POPULAR CULTURAL.
CARNAVAL NA TERRA DO BOM JESUS, PATRIMÔNIO VIVO DE IGUAPE
47
Por Diego Dionísio
Fotos Diego Dionísio e Katia Gomes
Praça central de Iguape, SP
Foto
: Die
go
Dio
nísio
e K
atia
Gom
es
Foto
: Die
go
Dio
nísio
e K
atia
Gom
es
Os blocos e cordões tem
ganho as ruas no carnaval
brasileiro. Já famoso no
Nordeste, explodiu este
ano no Rio de Janeiro e
em São Paulo ganhando até expressão
midiáticas. O carnaval de rua, com
bonecos, cabeções e marchinhas, foi
destaque em todo país.
Em muitas cidades do Estado de São
Paulo acontecem os cortejos carnavales-
cos e as saídas dos blocos de ruas que
mantêm traços dos antigos entrudos.
Na Estância Turística de Iguape,
localizada no Vale do Ribeira no Estado
de São Paulo, em frente às edificações
do século XVII, XVIII e XVIII acontece um
carnaval de rua singular, espontâneo
próprio da identidade regional expres-
sado nos blocos de tradição e bonecos
gigantes num pulsar intensivo para um
público circulante no cinco dias de folia,
mais de 100 mil pessoas de todas as
gerações e classe sociais.
A cidade, fundada em 1538, con-
templada pela beleza natural da Mata
carnavalescos: perucas, máscaras e as
camisas dos blocos. Como um torcedor
de time de futebol que veste sua camisa
para mostrar o amor e a dedicação ao seu
time, dias antes do carnaval os moradores
da terra do Bom Jesus desfilam a camisa
de seu bloco anunciando a hora de festar.
Para participar do carnaval a regra é sim-
ples: basta colocar a fantasia, ou a camisa
de seu bloco e entrar na folia.
Ao meio dia da sexta feira de carna-
val, de longe é possível ouvir os tambo-
res do Zé Pereira – bloco tradicional em
Atlântica, banhada pelo Rio Ribeira e o
mar do litoral sul, desde 2009 é tomba-
da como patrimônio cultural do Brasil
pelo Instituto do Patrimônio Histórico
Artístico Nacional – IPHAN. Além de suas
edificações, várias manifestações cultu-
rais, como a festa de São Benedito, Festa
de Bom Jesus de Iguape, Santíssima Trin-
dade e o carnaval tradicional remanes-
centes do passado, sobrevivem ao tempo
e são consagradas como referência da
memória do povo ribeirinho.
Neste período de carnaval, as ruas
pacatas do Centro Histórico, que abriga
quase 700 edificações tombadas como
patrimônio material ganham cores, movi-
mentos e música. De trás das paredes das
casas, o intangível ganha forma e o patri-
mônio imaterial da cidade se materializa
nos blocos nos quais, durante vários
meses, comunidades trabalharam para
preservar o festejo popular, a segunda
maior manifestação cultural da cidade.
O comércio central, que geralmente
vende lembranças do Santuário do Bom
Jesus de Iguape, dá foco aos artifícios
49
patrimônio
Mestre Zé Alfaiate, um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco.
Rio Ribeira
Foto
s: D
ieg
o D
ioní
sio e
Ka
tia G
omes
Corso da folia carnavalesca Bonecos gigantes
com seus barcos para a pesca do robalo.
O cenário é surpreendente. Os primeiros
raios de sol fazem do mar pequeno uma
aquarela de nuances azuis projetadas na
água e no céu, e um prateado nas ondas
provocadas pelos barcos.
Na quarta de cinzas, o dia acorda
com mais preguiça, mais quieto. Na
pequena rodoviária de Iguape, pessoas
de várias regiões do Estado, ainda com
purpurinas, dormem encostadas em suas
malas. Ligações para Presidente Pruden-
te, São Paulo, Santo, Sorocaba, Pinda-
monhangaba são feitas pelas pessoas
que esperam o ônibus chegar. É hora de
voltar para casa.
A pacata cidade volta a ter seu ritmo
natural, moradores nas praças, pescado-
res voltando do mar, reverberações sobre
o carnaval, a saída do Boi, o colorido
Galo e o quanto foi animado o festejo.
Os moradores de Iguape se despedem
dos amigos, familiares e visitas, os
convidando para Via Sacra. O sagrado
e o profano caminham juntos o tempo
todo na terra de Bom Jesus. E por trás
das janelas moradores descansam para o
próximo festejo.
Blocos:
“Litrão”, do bairro Guaricama,
onde tem um tradicional bar do senhor
“Belo” e que há 20 anos é homena-
geado com uma garrafa alegórica de
5 metros, que no meio do caminho vai
distribuindo a cachaça tradicional prepa-
rada pelos moradores e conhecida popu-
larmente como “paletó vermelho”.
“Chaleira”, um dos blocos mais anti-
gos que há 80 anos carrega a identidade
de vários carnavais da cidade é esperado
pelos foliões por trazer os carros e as
temáticas mais criativas do carnaval
“A corda”, formado pelos foliões com
todos os tipos de instrumentos, baldes e
panelas, que por volta das 5h da manhã
transitam pelas ruas segurando uma
corda, cantando e gritando “acorda”.
O processo dinâmico dos movimentos
culturais populares permite o surgimen-
to de novos blocos e alegorias, como o
“Kai e Sara”, que neste ano completou
10 anos levando um público com perfil
mais jovem.
várias regiões do Brasil – turistas, comer-
ciantes e moradores começam a embalar
na marchinha cantada há gerações:
“Viva o Zé Pereira, viva o Zé Pereira, viva
o Zé Pereira no meu carnaval”. O bloco
formado por um conjunto percussivo de
bumbos, caixas, taróis, pratos e instru-
mentos de sopro é acompanhado do
bonecão Zé Pereira e Dona Juritica, há
quase 40 anos.
Num processo contínuo de preserva-
ção e salvaguarda dos bens materiais e
imateriais da cidade, o Departamento
de Cultura e a Casa do Patrimônio da
cidade fomentam tradição do carnaval,
oferecendo uma oficina de produção de
Bonecões com todo o processo de em-
papelamento, pintura e costura para um
grupo de jovens da cidade. Resultante
desta ação, seis novos bonecos acompa-
nharam o Zé Pereira, nos quatro dias de
festa encantando crianças e adultos.
Anoitece e o Centro Histórico fica
lotado. Os 20 blocos começam a fazer
sua passagem pelas ruas em torno do
Santuário do Bom Jesus e o público
acompanha dançando, pulando e brin-
cando o carnaval. Uma lei municipal per-
mite a execução apenas de marchinhas
e canções produzidas pelos moradores
facilmente embalados pelos foliões.
Dentre os blocos há uma expectativa
para o Boitatá. Os bois no carnaval apa-
recem em várias regiões do Brasil e não
seria diferente em Iguape. Dias antes
de sua saída, a comunidade se reúne
diariamente numa esquina onde abriga
a grande estrutura do Boi de quase 10
metros de comprimento e dois de altura.
E neste local uma prévia do carnaval
acontece. Um aparelho de som instalado
na calçada toca repetidamente o hino
do boi que numa estrofe fala: “Vem me
abraçar, vem me beijar, vem de novo,
atrás do Boitatá vou te beijar de novo.”
No dia de sua saída para o cortejo, os
moradores mais antigos ficam pelas cal-
çadas, ansiosos para a passagem do Boi-
tatá. O berrante toca e a cada mugido,
gritos e aplausos são exaltados pelos foli-
ões. À medida que o grande boi passa, a
multidão se reveza para encostar no boi
pois, segundo a tradição, o contato trará
sorte no ano e este revezamento segue
até o final do seu cortejo.
O bloco seguinte, também muito
esperado, é o Banho da Dorothéia, que
tem origem em Santos e se espalhou
para todos os municípios do litoral
paulista. Trata-se de um grande cortejo
de homens e mulheres travestidos e
fantasiados, tendo como figura central
um homem de noiva grávida ao lado de
seu noivo.
Durante o cortejo, param num sobra-
do de uma família tradicional de Iguape
e na varanda diante da multidão é reali-
zado o casamento. O cortejo, de quase
quatro horas, termina com o banho da
Dorothéia no mar pequeno, onde os
foliões também se banham.
São muitas as manifestações popu-
lares que se mostram vivas nos quatro
dias de carnaval. Tem ainda os blocos do
“Litrão”, da “Chaleira” e do “A corda”.
O processo dinâmico dos movimentos
culturais populares permite o surgimen-
to de novos blocos e alegorias, como o
“Kai e Sara” e outros. O cenário para
encerramento é a varanda do sobrado
onde a Dorothéia casou. Os músicos
tocam as últimas canções, formando um
grande bloco diversificado de foliões.
Ao lado desta efervescência cultural,
das ruas cheias e dos blocos e marchi-
nhas, na rua paralela ao Centro Históri-
co, ainda no escuro, pescadores passam
51
patrimônio
A INCLUSÃO DE VERDADE DO INSTITUTO OLGA KOS
Por Edgard Steffen Junior
Fotos Divulgação
53
políticas
meio milhão de brasileiros. Amor que é
revelado nos resultados das atividades
do Instituto, que hoje é o que mais em-
prega no mercado de trabalho portado-
res de deficiência intelectual.
A Síndrome de Down é uma doença
genética, causada por uma alteração
cromossômica. Ocorre quando crianças
nascem dotadas de três cromossomos
21, e não dois, como é o padrão. Isso
leva à produção exagerada de pro-
teínas, que acaba por desregular a
química do organismo de seus porta-
dores. No Brasil, acredita-se que ocorra
um caso em cada 500 nascimentos, isso
quer dizer, que nascem quase 10 mil
bebês com a síndrome por ano, segun-
do a Associação dos Pais e Filhos com
Síndrome de Down.
As diferenças sempre nos
proporcionam fortes
emoções. Muitas vezes
provocam sentimentos de
inquietude, tantas vezes
nos afastam daquilo que não conside-
ramos semelhante. “Narciso acha feio o
que não é espelho”?
Não é o caso do Instituto Olga Kos.
Aqui as diferenças são a razão de existir
e são tratadas com muito amor. Amor
estruturado em metodologias inclusivas,
onde a arte e o esporte proporcionam
novos patamares de vida. Amor expres-
so pelo respeito e a consideração pelo
outro. Amor feito de puro carinho aos
portadores da Síndrome de Down. Amor
às eternas crianças dessa síndrome que
atinge, em número estimado, quase
Sem olhar as limitações geradas
pela síndrome, o Instituto Olga Kos
vai em busca da superação de seus
alunos. Ampliando os horizontes de
seus espíritos pela arte e de seus corpos
pelo esporte. Ou vice-versa, ou tudo
junto, num diálogo constantemente
avaliado pelos próprios impactados
nas atividades do Olga Kos. Esse é o
grande legado do Instituto: abolir as
fronteiras limitantes, reconhecer como
pares as diferenças, sem preconceitos
ou discriminações, com muito respeito
e crença na superação mútua, sempre
dispostos à mudar para se atingir o
melhor resultado.
Nas atividades que envolvem a arte
são dois projetos: “Pintou a Síndrome
do Respeito” e “Resgatando Cultura”.
Oficinas de arte do Instituto Olga Kos
Foto
s: D
ivul
ga
ção
Foto
s: D
ivul
ga
ção
55
Foto
s: J
ulio
Pe
reira
políticas
O primeiro com oficinas de arte e o
segundo pela publicação de livros de
artistas contemporâneos. No Esporte
são aulas de Karate-do e Taekwondo.
Ambos ativando as atividades motoras e
cognitivas das crianças, jovens e adultos
portadores atendidos pelo Olga Kos.
“Pessoas com deficiência intelectual
engordam, tem colesterol, cáries, não
terão sempre por perto pessoas que
adivinhem o que elas querem. Precisam
ter sentimento de posse e pertencimento,
como qualquer pessoa sem deficiência,
mesmo porque se relacionam com o
mundo e, como em uma via de mão du-
pla, é necessário que ao menos conheça-
mos as leis que regem esta via. Em outras
palavras, o mundo deve ser apresentado
à elas, bem como devemos ser apresen-
tados ao seu modo de interagir com o
mundo”, diz a psicóloga Paula Ayub, que
atua no Instituto.
Na busca pela autonomia de seus
alunos desenvolveu-se uma metodologia
própria, realizada por equipe multidiscipli-
nar formada por psicólogos, pedagogos,
artistas plásticos, produtores de mídia,
mestres em artes marciais, professores de
educação física e médicos, que medem
as evoluções e corrigem rotas, sempre em
busca da segurança e da autoconfiança
dos alunos portadores do Down. Como
nos diz, Wolf Kos, presidente do Instituto:
“Construímos, desconstruímos, recons-
truímos o todo. E ai, a imaginação voa
livre e solta, liberando frustrações e amar-
ras dos meninos, a alma viaja com ela”.
A metodologia é única e vem sendo
reconhecida com o Prêmio Cultura e
Saúde Nota 100 e a Ordem do Mérito
Cultural, do Ministério da Cultura; como
também o 2° Prêmio Brasil de Esporte
e Lazer de Inclusão Social, promovido
pelo Ministério do Esporte. Tudo começa
com o chamado ‘Aquecimento’, onde
trabalha-se a interação e a socializa-
ção dos alunos. Depois vem a fase da
‘Produção’, copiar aqui é proibido e os
sentimentos são expressos em cores e
formas livres. Para fechar o ‘Encerra-
mento’ com a releitura de tudo que foi
feito. Pinturas são rasgadas e coladas em
novos suportes, tudo feito coletivamente
por todos participantes. A cada aula é
rememorada a atividade anterior, no en-
cerramento todo trabalho é relembrado
e avaliado. Por isso, os saltos são rápidos
e visíveis em períodos tão curtos como o
ciclo de oficinas artísticas com dois meses
de duração.
Em mais um diferencial, que mostra o
respeito e a consideração que o Instituto
Olga Kos tem por seus alunos, muitas
atividades de arte são ministradas por
artistas renomados como Gustavo Rosa,
Inácio Rodrigues, Sara Bellz, Marysia
Portinari, Eduardo Iglesias e Isabelle Tuch-
band. “Uma experiência libertadora, uma
forma de soltar as próprias amarras!”,
diz Gustavo Rosa sobre a sua experiência
nas oficinas. O testemunho de uma das
mães atendidas pelo Instituto é revelador:
“Nunca tinha visto o Cadu dar risada an-
tes”. O riso foi uma conquista do menino
antes irritadiço, que só fazia resmungar,
ficava de canto e não se enturmava. A
participação nas oficinas, transformou a
personalidade do Cadu. Revelou-se como
artista e hoje, de bem consigo mesmo,
“Construímos, desconstruímos, reconstruímos o todo. E ai, a imaginação voa livre e solta, liberando frustrações e
amarras dos meninos, a alma viaja com ela”. (Wolf Kos)
“Na busca pela autonomia de
seus alunos desenvolveu-se
uma metodologia própria”.
Trabalhos dos alunos das oficinas de arte
Foto
s: D
ivul
ga
ção
57
políticas
orienta até os colegas menos habilidosos.
Esses artistas anônimos do Down e seus
mestres reconhecidos no mundo das artes
são publicados em livros, que são promo-
vidos em exposições ao término de cada
módulo das artes da colagem, aquarela,
fotografia e reciclagem.
No esporte não é diferente. Os alunos
passam por uma bateria de exames,
mudam de faixa ao final de cada período
e fazem apresentações em vários locais
como federações de artes marciais,
festivais, eventos internacionais, feiras de
esporte e faculdades de educação física.
Dos muitos exemplos, citamos o do me-
nino Denis, um aluno que quando entrou
nas oficinas do Olga Kos só falava duas
palavras: vô e mãe. Hoje, Denis conta até
dez em japonês e não perde uma aula
que o mestre Sérgio ministra semanal-
mente. O caratê é a sua paixão.
Nascido em 2007, hoje o Instituto
Olga Kos conta em seu quadro 42 pesso-
as trabalhando regularmente. O inves-
timento inicial foi originado da coleção
de arte contemporânea brasileira doada
à causa pelo casal Wolf e Olga Kos, sim
ela dá o nome ao Instituto. Foram os
leilões de obras de Aldemir Martins, Volpi,
Antonio Peticov, Djanira, Di Cavalcanti,
Emanoel Araújo, Mario Gruber, Lasar
Segall, Tunga, Atos Bulcão e tantos outros
grandes artistas, que geraram o capital
que viabilizou as atividades do Instituto.
Hoje, o trabalho já disseminado conta
com inúmeros patrocinadores: Bancos
Bradesco e Daycoval, Eternit, Volkswa-
gen, Siemens, Tecnisa, entre outras
empresas. Mas, Wolf Kos quer mais. Quer
que o incremento de patrocínios permita
à dispersão do Instituto e de suas ações
para todo país. “Nossos projetos pode-
riam estar em todos os estados do Brasil.
Só não estão por falta de mais recursos”,
explica Wolf.
A atuação do Instituto Olga Kos na
capital São Paulo e nos municípios de
Guarulhos e Diadema, no ABC paulista, já
contemplou milhares de alunos. Gerou a
felicidade dos portadores da síndrome e
o conforto de suas famílias. O Instituto é
um exemplo de uma ação inclusiva com
resultados efetivos. Seus participantes
saem fortalecidos, as famílias satisfeitas,
uma produção artística gerada com qua-
lidade e beleza, portadores da síndrome
de Down empregados e a construção de
uma tecnologia que permite replicação.
Pois como questiona o casal Wolf e Olga:
“Se não o fizermos, quem o fará? Que
herança pretendemos deixar”? E pedem
com o mesmo entusiasmo que promo-
vem em sua atuação e presença constan-
tes no dia-a-dia do Instituto: “Abracem
essa causa”.
Hoje, Denis conta até dez em japonês e não perde uma aula que o mestre Sérgio ministra
semanalmente. O karatê é a sua paixão.
Aulas de taekwondo e karatê e do Instituto Olga Kos
Foto
s: D
ivul
ga
ção
59
políticas
O DIÁLOGO DO CACHUERA
Da Redação
Fotos Yves Barros
A Associação Cultural Cachuera!, comandada por Paulo Dias, tem realizado um mergulho profundo na discussão e
entendimento da identidade brasileira e de suas culturas tradicionais. Com pesquisa notadamente musical, realizada
desde o início dos anos 90, o Cachuera busca a formação de público para um incentivo ao consumo e, a decorrente,
perpetuação dessas culturas. A metodologia desenvolvida respeita sobremaneira o artista e suas manifestações indivi-
duais ou coletivas, procurando revelar as idiossincrasias inerentes às obras apresentadas, sempre num diálogo constan-
te com os ouvintes.
A pesquisa do Cachuera se transmuta em shows, oficinas e workshops promovidos em seu privilegiado espaço no bairro das
Perdizes, em São Paulo. O respeito pela nossa cultura e sua gente começa na sede do Cachuera, com estúdio de gravação, salas de
aula, biblioteca, computadores e palco caprichados para bem receber os folguedos e seus protagonistas. Nesse processo, revela a
formação histórica e cultural dos grupos e artistas, através da exposição e debate dos contextos e características próprias das ativi-
dades apresentadas. O diálogo revela, sem medos ou rodeios, aquilo que o público desconhece ou não tem o entendimento devido.
No Cachuera você pode assistir um show de jongo, aprender a dançar, ouvir suas histórias e tudo termina na comida coletiva dos
terreiros do batuque. Não folcloriza o jongo, ao contrário, revela seu valor e maneira de ser, dando voz aos jongueiros. O legal é que
o público pode interagir e se inserir nesse processo, degustando e participando das atrações do palco e das oficinas do Cachuera.
“1.800 horas transcritas e indexadas de som digital, 10.000 fotografias e 900 horas de vídeo, mantidos em reserva
técnica climatizada. Soma-se a esse material, coletado em 140 localidades brasileiras, uma discoteca, uma videoteca
e uma biblioteca com cerca de 3.700 títulos”
61
Foto
s: Y
ves
Barro
spolíticas
Iniciando suas atividades decanas com
o jongo do sudeste do Brasil, em especial
no paulista Vale do Ribeira, o Cachuera
também promove encontros internacio-
nais e a música erudita, em sua busca
constante de empoderar a nossa cultura
e fomentar à sua disseminação, em uma
troca constante entre ideais e estéticas.
No Cachuera assistimos o jongo do
Tamandaré, o pianista cubano Harold
Lopez-Nussa, acordes de Bach entoando
as antigas catedrais, a Festa do Divino e
seus cortejos, ladainhas, música, dança e
o oferecimento de refeições, entre tantas
atrações. Tudo é feito para ser, além de
consumido, entendido. Mesmo que isso
possa demorar um pouco, pois para o
Cachuera o tempo sempre joga a seu
favor, que diga o extenso acervo musical
coletado e produzido nesses vinte anos.
O acervo da Associação conta com
1.800 horas transcritas e indexadas de
som digital, 10.000 fotografias e 900
horas de vídeo, mantidos em reserva
técnica climatizada. Soma-se a esse
material, coletado em 140 localidades
brasileiras, uma discoteca, uma vide-
oteca e uma biblioteca com cerca de
3.700 títulos, voltada para os estudos
afro-brasileiros e africanos, sociologia,
antropologia, folclore, música, religião,
arte popular e temas afins.
O Cachuera também possui significa-
tivo catálogo de produtos que compar-
tilha, da sua produção a comercializa-
ção, com as comunidades tradicionais
populares; objetos de sua pesquisa e
relacionamento. São 15 CDs, 4 DVDs e
4 livros versando sobre os mais varia-
dos temas: caixeiras do divino, velhas
guarda do samba paulista, capoeira,
quilombolas, congado mineiro e tantas
outras manifestações culturais e artís-
ticas. Mas, para a Associação Cultural
Cachuera! o mais importante é o
processo, onde o diálogo transparente
estabelecido se traduz no cuidado com
os produtos gerados e comercializa-
dos. Com consistência e dinamismo
o Cachuera promove agora o finan-
ciamento coletivo (www.movere.me )
da 13° edição da sua tradicional Festa
do Divino, com as caixeiras da família
Menezes do Maranhão.
Paulo Dias é a potência da Associação,
um militante ativo na defesa dos interes-
ses do Cachuera. Paulo é pianista erudito
de formação e percussionista de coração,
com destaque ao trabalho que realiza com
o grupo Anima, músicos que promovem
o diálogo entre o erudito e o popular.
Sempre presente no cotidiano da Associa-
ção, Paulo Dias é símbolo de uma luta de
muitas dificuldades pela falta de recursos,
fruto do desconhecimento e até do pre-
conceito sobre a temática popular aborda-
da. Mas isso motiva o guerreiro que nos
conta: “Dentro dessa visão positivista do
progresso, em que só o pensamento racio-
nal é que consegue enxergar e interpretar
a realidade, tudo o que é da religião, das
tradições orais populares é excluído”.
Lutando com esse (des) entendimento,
arremata: “Com o Cachuera, através da
assimilação de conteúdos informativos, a
pessoa vai, gradativamente, mergulhando
em uma determinada tradição popular, até
chegar a ter contato com a comunidade; a
gente prepara as pessoas para isso”.
Serviço:
site da Associação Cachuerawww.cachuera.org.br
Blog da Associação Cachuerawww.cachuera.org.br/cachuerablog
site do Grupo Animawww.animamusica.art.br
“Dentro dessa visão positivista do progresso, em que só o pensamento racional é que consegue enxergar e
interpretar a realidade, tudo o que é da religião, das tradições orais populares
é excluído”. (Paulo Dias)
63
Foto
s: Y
ves
Barro
s
políticas
Paulo Dias
O MINC DE GIL A ANADa Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ.
Américo José Córdula Teixeira é o atual Diretor de Estudos e Monitoramento, da Secretaria de Políticas Cultu-
rais do MinC (SPC) e, como o Secretário da pasta Sérgio Mamberti, remanescente da administração anterior
da era Lula/Gil nesse ministério. Ator de profissão tem se especializado na gestão pública, sendo um dos
membros mais atuantes e presentes nos grandes debates e eventos culturais por todo país. Nascido em
Pernambuco, filho de artistas, desde criança dialoga com nossas manifestações de raiz, fruto da sua criação
nesse estado pródigo pela riqueza de expressões da nossa cultura popular.
Américo, em uma conversa com a RAIZ., debateu com a elegância de sempre, a trajetória que o MinC tem percorrido
entre as duas gestões do PT no governo do país. E defende que; embora os ministros Gilberto Gil, Juca Ferreira e Ana de
Hollanda, não serem filiados ao Partido dos Trabalhadores; são as bases lançadas pelo programa petista para a cultura
“A imaginação a serviço do Brasil” o direcionamento percorrido pelo MinC desde as eleições de 2002. Nele, defende
Américo, a questão da identidade do povo brasileiro já aparece como a nossa maior alavanca cultural. Portanto, conclui,
o que temos hoje é uma continuidade transparente da política cultural para o país de valorização simbólica e cidadã de
nossa cultura.
Na abertura do documento “A imaginação a serviço do Brasil” essa questão já é colocada. “A valorização da cultura
nacional é um elemento fundamental no resgate da identidade do país. É preciso, pois, abrir espaço para a expressão de
nossas peculiaridades culturais (inclusive de corte regional), sem que isso se confunda com um nacionalismo estreito, mas
sim articulado e aberto às culturas de todo o mundo”. Mais a frente expressa com contundência: “A lógica da homoge-
neização nos oprime”.
Detalhando o processo Américo relata: “Gil vem a ampliar esse Programa, como figura midiática e com uma inteligên-
cia privilegiada, carrega com doses de tropicalismo a universalização e ampliação dos conceitos apresentados no Progra-
ma Cultural do PT. Nesse movimento surgem o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, a Secretaria da Diversidade
Cultural, atendendo segmentos que ainda não estavam consolidados ou representados como os índios, o LGBT, os qui-
lombolas, os ciganos, o hip-hop, entre outros. Foi a apresentação e explosão de manifestações, artistas e conceitos, que
estavam calados, reprimidos. A Cultura ganhou status e voz e, junto com essa repercussão, mais verbas”. Foram deixadas
para o Congresso Nacional nove pautas para resolução e aprovação, com destaque para: o Vale Cultura (PL 5798/09), o
Sistema Nacional de Cultura (PEC 416/05), o Plano Nacional de Cultura (PL 6835/06), a cultura entre os direitos sociais
previstos na Constituição (PEC 49/07), o percentual mínimo de 2% de verbas para a cultura (PEC 150/03).
“Na gestão atual de Ana de Hollan-
da, o foco é estabelecer processos e
consolidar as conquistas”, diz Américo.
A pedido da Presidenta Dilma Roussef,
todos os programas e políticas foram
consolidados por pasta, para o melhor
gerenciamento dos vários Ministérios. Na
ocasião existiam mais de 300 projetos
para avaliação do Planalto. No Ministério
da Cultura as várias plataformas foram
agrupadas no Plano Nacional de Cultura
(PNC), que depois de múltiplos debates
online e presenciais foi consolidado pelo
Conselho Nacional de Política Cultural
(CNPC). O PNC formulou uma política
ousada em metas, com direcionamento
para o próximos 10 anos. Estruturados
em mecanismos de diálogo para muitos,
pois enumera Américo: “Somos atual-
mente 198 milhões de habitantes, temos
212 milhões de celulares, 75 milhões de
pessoas com acesso a internet, 1 milhão
de indígenas com 180 línguas diferentes,
50% de afrodescendentes, 3500 quilom-
bos , 600 mil ciganos...”.
“Com essas 53 metas, aprovadas na
reunião do CNPC de 29 de novembro
de 2011, pretende-se aumentar, entre
outras coisas, a quantidade de espaços
culturais, privilegiando municípios meno-
res ou territórios de cidadania, superar
em mais que o dobro o número de livros
lidos fora da escola e implementar proje-
tos de apoio à sustentabilidade econômi-
ca da produção cultural local”.
As metas propostas tem uma grande
amplitude e apontam o longo caminho
a percorrer. Citamos alguns exemplos
como: 100% de bibliotecas públicas e
70% de museus e arquivos disponibi-
lizando informações sobre seu acervo;
participação da produção audiovisual
independente brasileira na programação
dos canais de televisão, na seguinte pro-
porção: 25% nos canais da TV aberta,
20% nos canais da TV por assinatura;
4,5% de participação do setor cultural
brasileiro no Produto Interno Bruto (PIB);
15 mil Pontos de Cultura em funciona-
mento, compartilhados entre o governo
federal, as Unidades da Federação (UF)
e os municípios integrantes do Sistema
Nacional de Cultura (SNC). Como vemos
a perspectiva apresentada é da constru-
ção de uma política pública de Estado
para nossa cultura, que se perpetue
independente dos governantes.
Objeto de uma das 53 metas, o Siste-
ma Nacional de Cultura (SNC) está com
andamento acelerado, gerenciada com
dedicação pelo secretário José Roberto
Peixe da Secretaria de Articulação Institu-
cional (SAI). Conta atualmente com o
envolvimento de quase 900 municípios
de 18 estados da federação. A meta
para o Sistema Nacional de Cultura é de
100% de impacto em 10 anos. Pois, é
o SNC a plataforma de diálogo com os
vários setores e segmentos, a serem re-
presentados pela capilaridade municipal.
A Raiz. esteve em Osasco, São Paulo,
conversando com o Secretário de Cultura
Luciano Jurcovichi Costa, mais conhecido
como Luciano Lub, que recentemente
finalizou o processo de implantação do
Sistema Municipal de Política Cultural
(ComCultura), célula atuante do SNC.
Num processo que partiu de diálogos
setoriais, com às várias manifestações
culturais e artísticas da cidade debatendo
suas questões e seus anseios em assem-
bleias e reuniões, que culminaram num
diálogo com o poder legislativo local. O
processo normatizou o funcionamento
deliberativo desse Conselho representa-
tivo da cultura de Osasco. Foram eleitos
oito representantes da classe artística e
dois da sociedade civil, representando as
Centrais Sindicais e a Educação; todos
com seus suplentes. Num processo que
mobilizou as artes e a cultura local geran-
do uma pauta comum acordada.
Como posiciona Américo: “Um pro-
jeto indígena, cigano, é distinto de um
projeto de teatro, de música, de livro, de
audiovisual. Há especificidades e é pre-
ciso ter pessoas com essa noção, entre
elas os conselheiros da comissão, para
que se possa dar pareceres e entender
essas necessidades”.
Américo Córdula coloca, que uma
grande diferença entre as gestões do
Ministério da Cultura está no mundo
hoje conectado, onde o uso de celulares
e Internet está largamente disseminado.
Todas as discussões, projetos e levanta-
mentos estão disponíveis online. Finaliza:
“Mas temos muito que aprender ainda
na utilização desse ferramental tecno-
lógico e digital pra alavancagem das
atividades que hoje realizamos e, com
o Plano Nacional de Cultura, estarão
caminhando na direção do futuro”.
65
políticas
Américo Córdula, diretor MinC
Luciano Lub, Secretário de Cultura de Osasco, SP
A NOVA ECONOMIA CRIATIVADO MINC
Da Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ.
A maior novidade da gestão de Ana de Hollanda, no Ministério da Cultura da presidenta Dilma Roussef,
foi a criação da Secretaria da Economia Criativa (SEC) com Cláudia Leitão, socióloga especialista em po-
líticas públicas à frente da pasta. O Brasil, mundialmente reconhecido por sua cultura rica e diversa, não
conta até agora com a contrapartida econômica merecida; nem leis que regulem, à luz das dinâmicas
próprias da cultura, suas atividades. Assim, é grande a esperança depositada nessa nova Secretaria.
No site do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) a economia criativa é definida como
“um novo modelo de gestão e negócios baseado no bem intelectual, e não no industrial ou agrícola”. Ainda no mes-
mo site, alguns dados mundiais, retirados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
– UNCTAD apontam, que em 2008, apesar de queda de 12% no comércio global, os serviços e bens da economia
criativa cresceram até 14%”. Valério Benfica, diretor da Regional do MinC São Paulo, esclarece de maneira direta: “O
artesanato, uma economia que sustenta muitas famílias e regiões do país, se baseia na agregação do valor criativo a
materiais pouco nobres como: barro, conchas, sementes, casca de árvores, restos de madeira, etc.”. Ou nas palavras
de Cláudia Leitão: “A economia criativa é, portanto, a economia do intangível, do simbólico”.
O potencial dessa gestão é o tema da conversa travada com a Secretária da SEC, que fala com entusiasmo e co-
nhecimento de causa sobre o potencial criativo do país, da economia que gera e que pode ser incrementada geome-
tricamente. Cláudia Leitão é Doutora em Sociologia pela Université de Paris V e professora do Programa de Pós-Gra-
duação em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde lidera o Grupo de Pesquisa
sobre Políticas Públicas e Indústrias Criativas. Foi Secretária da Cultura do Estado do Ceará no período de 2003 a
2006, quando imprimiu grande dinâmica a rica cultura cearense através de um Plano Estadual, cujo lema era “Valori-
zando a diversidade e promovendo a cidadania cultural”. Nesse período, realizou diversas reformas na formulação e
avaliação das políticas para a cultura cearense. Destacou-se pela implementação do Sistema Estadual de Cultura, que
lhe rendeu o primeiro lugar do Prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura, na categoria Gestão Pública.
Duas palavras aparecem com constância no discurso de Cláudia, inspirada no seu guru de cabeceira, o economista
Celso Furtado: regionalização e transversalidade. A experiência como Secretária de Cultura do Ceará despertou o seu
olhar para as diferenças regionais, como fundamentais para não achatar o conhecimento, nem dizimar as diversi-
dades. “A infra-estrutura para o circo é
completamente diferente daquela para
se desenvolver softwares. Assim como, o
artista do sul do país confronta realida-
des bastante diferenciadas daqueles do
norte, por exemplo”, diz a Secretária do
SEC. Para se regionalizar as ações, grande
montante de informações precisam
ser levantadas, pois são múltiplos os
entendimentos necessários. E foi essa
a sua primeira ação, o mapeamento
e o levantamento de dados que eram
praticamente inexistentes e que, ainda
de forma embrionária, começam a tomar
consistência. Cláudia conta: “Pratica-
mente tínhamos somente dados sobre o
carnaval como perspectiva, tivemos que
iniciar do zero, da própria metodologia
para os levantamentos”.
Na transversalidade da economia
criativa está sendo realizado intenso in-
tercâmbio com os demais ministérios, em
particular os da Educação, Turismo, Desen-
volvimento Social, Ciência e Tecnologia,
Esportes, Relações Exteriores e Trabalho.
Pois, diz a Secretária: “Como dissociar nos-
so turismo das culturas que o abraçam, ou
a criação de softwares do nosso desenvol-
vimento tecnológico?”. A transversalidade
articulada pela SEC vai agora para as insti-
tuições de crédito, agências de fomento e
órgãos bilaterais, leia-se: BNDES, SEBRAE,
IBGE, UNESCO, entre outros.
Para o desenvolvimento das ações da
SEC foram definidos quatro eixos que de-
vem orientar as políticas públicas definidas:
diversidade cultural, inclusão social, sus-
tentabilidade e inovação. Cláudia pontua:
“A geração de princípios norteadores são
balizadores importantes para dar transpa-
rência e um norte claro para as múltiplas
ações desejadas, vamos entender que se
trata de uma atividade nova e inovadora,
sem referências anteriores para se orientar
as políticas”.
Esses princípios vão ser o guia dos
cinco desafios colocados como metas pela
SEC: o levantamento de informações e
a articulação ao fomento, anteriormente
citados. Como também, a educação para
competências criativas, com a forma-
ção e especialização de profissionais;
infra-estrutura para a criação, produção,
distribuição e consumo de bens e serviços
criativos; a criação de marcos legais, sejam
tributários, previdenciários, trabalhistas ou
da propriedade intelectual. Valério Benfica
cita o exemplo dos marcos regulatórios do
audiovisual na França, que na disputa com
a indústria Hollywoodiana mantém, ainda
que em menor proporção, sua reserva de
mercado significativa para sua economia e
perpetuação como cultura: “Lá o mercado
publicitário deixa um percentual para um
fundo de investimento, que retorna para os
próprios realizadores, sem falar nas cotas
de exibição de filmes franceses nos cine-
mas do país”. Aqui no Brasil basta lembrar
o lançamento do filme “Harry Potter e as
Relíquias da Morte: Parte 2 “, quando mais
de 70%, das nossas pouco mais de duas
mil e quinhentas salas de exibição, passa-
vam somente este filme.
Cláudia Leitão arremata: “O Ministério
da Cultura retoma a difícil tarefa de repen-
sar, de reconduzir, de liderar os debates e
a formulação de políticas sobre a cultura e
o desenvolvimento no Brasil, com a missão
de transformar a criatividade brasileira em
inovação e a inovação em riqueza: riqueza
cultural, riqueza econômica, riqueza
social”. Algumas iniciativas concretas no
apoio ao empreendedor cultural já come-
çam a sair do papel: o Criativa Birô, cujo
papel é se tornar uma casa do empreen-
dedor criativo brasileiro, oferecendo todos
os serviços para que ele possa se tornar
autônomo e pensar seu projeto de susten-
tabilidade de uma forma ampla: ambiental,
social e econômica.
Nós, artistas e arteiros, estamos torcen-
do para que a cultura não seja somente
um eterno potencial, mas efetivamente
uma atividade viva e rentável para os mi-
lhares de brasileiros, que embora criativos,
vivem com grandes dificuldades para gerar,
produzir e distribuir sua cultura. Cultura
brasileira que é nosso diferencial competi-
tivo mundial, tão admirada por todos que
se encantam com nossas múltiplas formas,
cores, sotaques, sabores e jeitos de se en-
xergar e dialogar com o mundo moderno.
Serviço:
Site da SEC MinCwww.cultura.gov.br/site/categoria/politi-
cas/economia-criativa-2/
Site da Regional São Paulo MinC www.cultura.gov.br/site/categoria/repre-
sentacoes-regionais/regional-sp/ -
Site do Sebrae – Cultura e Entreteni-mento/www.sebrae.com.br/setor/cultura-e-
-entretenimento
67
políticas
Cláudia Leitão, Secretaria de Economia Criativa do MinC
Valério Benfica, Diretor da Regional do MinC São Paulo
Marvada, pinga, parati ou ‘água que passarinho não bebe’ são alguns dos sinônimos conhecidos da cachaça, desti-
lado da cana de açúcar e tradicional bebida dos brasileiros desde os tempos coloniais. A comunicação visual cria-
da para as garrafas de cachaça traduzida em seus rótulos, também apresentam uma farta e divertida diversidade.
Os rótulos da nossa cachaça tem sido objeto de pesquisa nos últimos anos, por conta do vivo interesse desper-
tado pelos pesquisadores e historiadores da nova história material focada nos temas da vida cotidiana dentro do
contexto das histórias da vida privada. E se por um lado, os rótulos da cachaça contam a própria história do Brasil, já que não há
grande acontecimento que não tenha sido homenageado em alguma marca de cachaça (fundação de Brasília, Copa do Mundo,
etc.); por outro, o design contemporâneo tem aprofundado seu olhar para a nossa cultura material popular como reação à unifor-
midade das estéticas ocidentais transnacionais.
Alguns desses rótulos podem ser conhecidos na exposição Rótulos de Cachaça, que passou por São Paulo no Instituto Tomie
Ohtake, em fevereiro de 2011. Os rótulos contam fatos da nossa história, mostrando um Brasil profundo (e nem sempre visível),
mas inscrito e enraizado solidamente na cultura popular brasileira. Na exposição, o público pode ver exemplares de rótulos desde
de 1940 do acervo de Egeu Laus, gestor cultural, designer e pesquisador de Memória Gráfica Brasileira, curador da exposição que
acontece agora no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro.
CACHAÇANÃO É ÁGUA
“ Por um lado, os rótulos da cachaça contam a própria história do Brasil já que não há grande
acontecimento que não tenha sido homenageado em alguma marca de cachaça.”
69
Da Redação
Fotos Divulgação
ensaio
Estética da cachaça
Segundo Egeu Laus: “são cerca de
2 mil rótulos em arquivo digital e 600
originais em papel.”Onde podemos
conhecer a estética que trazem em seu
bojo todas as influências, ao mesmo
tempo: indo do barroco e o rococó
para a pop art e o psicodelismo. São
um excelente material para os estu-
dos de experimentação da colagem
moderna, iniciada nas artes plásticas
nas primeiras décadas do século 20 e
reforçada na música popular dos anos
60, e que, com o advento das ferra-
mentas digitais tem proporcionado uma
extrema facilidade nas apropriações,
citações, mashups, misturas e inclu-
sões utilizando formas e imagens
populares, construindo uma iconografia
pós-moderna de grande impacto visual
no design contemporâneo.
Não são poucos os rótulos desenha-
dos pelo próprio “alambiqueiro”, o pro-
dutor da cachaça. O rótulo da cachaça
manteve com características artesanais
até o final do século XX constituindo-se
num dos grandes exemplos do que co-
nhecemos como design vernacular. Se
o vernacular é aquilo que se construía
“O rótulo da cachaça manteve com características artesanais até o final do século 20 constituindo-se num dos
grandes exemplos do que conhecemos como design vernacular.”
“à margem” do conhecimento erudito
os rótulos de cachaça contribuem, no
mundo globalizado, para um olhar ao
local e ao regional, compreendendo
que o erudito e o popular são faces da
mesma cultura. Na entrevista concedi-
da a RAIZ., o curador Egeu Laus conta
um pouco sobre as dificuldades que os
colecionadores encontram para manter
e organizar seus acervos.
71
ensaio
RAIZ.: Quando iniciou seu interesse
pela coleção dos rótulos? E quantos
rótulos fazem parte do seu acervo?
Egeu Laus: Minha pesquisa sobre
rótulos começou há mais ou menos
10 anos. Tenho em formato digital
cerca de 2 mil rótulos e uns 600 origi-
nais em papel.
RAIZ.: Você afirma que os rótulos
mostram um Brasil profundo. Poderia
explicar isso?
Egeu Laus: Brasil profundo no sentido
de expressão do design vernacular ou
seja o design produzido popularmente
por artistas anônimos (o trabalho gráfico
de nenhum rótulo é assinado). É um dos
poucos trabalhos gráficos de expressão e
feitura popular inseridos na era da repro-
dutibilidade técnica (as capas dos livrinhos
de literatura de cordel é outra). Por outro
lado, os rótulos de cachaça costumam
homenagear todos os grandes momentos
da história do Brasil (Copa do Mundo,
inauguração de Brasília, etc) e são a visão
popular desses acontecimentos. Mostram
também uma enorme gama de paisagens
rurais e urbanas das cidades do interior
onde se fabricam as cachaças, além de
uma impressionante fauna e flora deste
Brasil profundo, distante dos grandes
centros urbanos.
RAIZ.: Quando as indústrias no Brasil
começaram a se preocupar com o design
de seus produtos?
Egeu Laus: Preocupação no sentido
do design estratégico aliado ao marketing
como abordado pelos grandes escritó-
rios de design contemporâneo somente
nos últimos 10, 20 anos, mas ainda em
pequena escala frente ao universo de
cerca de 40 mil produtores no Brasil hoje.
Embora a primeira cachaça engarrafada
tenha surgido possivelmente na virada do
século 19 para o século 20.
RAIZ.: Quais são as cachaças que não
mudaram seus rótulos?
Egeu Laus: Existem centenas de
cachaças com rótulos ainda próximos
aos originais principalmente as que tem
uma abordagem “all-type” (somente
texto). Mas o surgimento da impressão
offset em substituição a impressão tipo-
gráfica (e antes a litografia) ocasionou
mudanças mesmo que pequenas no
design dos rótulos.
RAIZ.: Quais as dificuldades de se man-
ter um acervo, ou uma coleção particular?
Egeu Laus: As coleções são mantidas
por seus colecionadores, de modo geral,
“É um dos poucos trabalhos gráficos de expressão e feitura popular inseridos na era da reprodutibilidade técnica.”
de forma bastante amadora. Faltam
abordagens sistematizadas, com acon-
dicionamento apropriado por técnicas
museológicas e um registros das infor-
mações mais profissionalizado. No caso
dos rótulos de cachaça, que eu saiba,
apenas o acervo da Fundação Joaquim
Nabuco, recebe um cuidado profissional,
e talvez, justamente, por estar numa
instituição com recursos e pessoal para
este fim. No entanto, sem esses abnega-
dos colecionadores amadores espalha-
dos por todo o Brasil (e são milhares!)
muito da nossa história visual já estaria
perdida. A recomendação que faço é
que instituições, entidades e centros
culturais de modo geral se interessem
mais pelo tema e realizem exposições
com curadorias apropriadas, trazendo
para o universo desses colecionadores
o conhecimento de abordagens mais
corretas para a manutenção e guarda de
suas coleções e por outro lado, trazendo
para a população esse riquíssimo legado
da nossa cultura.
Serviço:
Rótulos de Cachaça - exemplares de
rótulos desde de 1940 do acervo de
Egeu Laus.
De 2 de janeiro a 26 de fevereiro – de
terça a domingo das 10h as 19h.
No Centro Cultural Laurinda Santos Lobo - Rua Monte Alegre, 306 - Santa
Teresa, Rio de Janeiro.
Fone (21) 2242-9741
Para mais informações sobre a
exposição: [email protected]
73
ensaio
Lançado em março pela Secretaria Municipal de Cultura
da Prefeitura do Rio de Janeiro, o documentário
“Cacau do Pandeiro – O mundo na palma da mão”
apresenta a trajetória artística de Carlos Lázaro da
Cruz, nas artes conhecido como “Cacau do Pandeiro”,
percursionista baiano que dá nome ao projeto integrado pelo
filme, com direito a uma mostra fotográfica, oficina coordena-
da pelo artista e palestras.
Mestre de nomes importantes da MPB, como Carlinhos
Brown e Juliana Ribeiro, entre outros artistas, as turnês nacionais
e internacionais de Cacau do Pandeiro já o colocaram no mesmo
palco, com estrelas como J. Veloso, Dona Ivone Lara, Elza Soares,
entre outros “pesos pesados” das artes musicais, entre os quais
figura Frank Sinatra. Produzido pela produtora baiana de audio-
visual Cabeça Feita, o documentário sobre o artista, todo rodado
na Bahia, tem direção de Márcio Santos.
Como fazer um documentário?
Tudo começou em 2009, quando três professores - Ar-
mando Alexandre Castro, Marcus Leone Coelho e Peterson
Azevedo - que fazem parte da equipe pedagógica da TV
Anísio Teixeira , ligada à Secretaria da Educação do Estado da
Bahia, resolveram registrar, por meio do audiovisual, a vida do
excelente percussionista baiano que não tem o devido reco-
nhecimento. O que começou como uma brincadeira, no final
custou R$100 mil reais, pagos pelos próprios autores, e dois
anos e meio de produção.
Aos 83 anos, Cacau do Pandeiro é um virtuoso, cuja
versatilidade não encontra fronteiras: sua atuação e talento
profissionais podem ser comprovados, tanto em gêneros
musicais mais tradicionais, como em grupos que experi-
mentam novas propostas estéticas. Nascido e criado na lo-
calidade de Vila Matos, no boêmio bairro do Rio Vermelho,
em Salvador (BA), cidade onde reside. “O principal motivo
de eu aceitar o convite para dirigir este documentário foi a
chance de homenagear um profissional de tamanha com-
petência e relevância para música do Brasil. E a possibilida-
de de fazer isso enquanto o personagem ainda está vivo,
coisa muito difícil de acontecer em nosso país” afirma o
diretor Márcio Santos.
Serviço:
Documentário: Cacau do Pandeiro – O mundo na palma da mão
DVD: a venda em abril/2012
Mais informações: (71) 88138251
e-mail: [email protected]
RARA PERCUSSÃOCACAU DO PANDEIRO – UM DOS MAIS NOTÁVEIS PERCURSIONISTAS
BRASILEIROS - CHEGA AO RIO DE JANEIRO COMO DOCUMENTÁRIO,
MOSTRA FOTOGRÁFICA, PALESTRAS E OFICINAS.
Foto
s: Pe
ters
on A
zeve
do
Foto
s: Pe
ters
on A
zeve
do
Foto
s: Pe
ters
on A
zeve
do
75
Da Redação
Fotos: Peterson Azevedo
bens de raiz
Adélia Borges é uma jor-
nalista especializada em
arte popular brasileira.
Jornalista pela ECA-USP,
foi na direção editorial da
revista Design e Interiores, de 1987 a
1994, que passou a se especializar em
design. Professora de história do design
na Fundação Armando Álvares Penteado
(Faap) e na Escola São Paulo, é autora
ou co-autora de mais de 10 livros. Seus
artigos, textos para catálogos ou capí-
tulos de livros de sua autoria já foram
publicados – além de português – em
alemão, coreano, espanhol, francês,
inglês, italiano e japonês.
Desde o início dos anos 1990 Adélia
realiza exposições e projetos culturais,
em vários locais do Brasil e do exterior.
De 2003 a 2007 dirigiu o Museu da
Casa Brasileira, em São Paulo. Em 2008,
coordenou a equipe encarregada da
elaboração do projeto conceitual do Pa-
vilhão das Culturas Brasileiras, que ocupa
o edifício projetado no início dos anos
1950 por Oscar Niemeyer, no Parque do
Ibirapuera. Em 2010, foi curadora-chefe
da Bienal Brasileira de Design.
`No novo livro “Design + Artesana-
to: o caminho brasileiro” ela faz uma
radiografia da revitalização recente do
objeto artesanal brasileiro. Ela decorre
da aproximação dos campos do design e
do artesanato, atividades que até então
eram vistas como em oposição e que
hoje se complementam. Em comuni-
dades espalhadas pelo país, iniciativas
marcadas pelo empreendedorismo e pela
inovação social trazem um novo impulso
ao desenvolvimento sustentável local.
Esse fenômeno vem ocorrendo, sobre-
tudo, desde meados dos anos 1990, e a
autora acompanha suas manifestações
desde então, o que lhe permite anali-
sar acertos e equívocos dos caminhos
percorridos e fazer indagações para o fu-
turo. “Não há um procedimento padrão
ou receituário para as ações de revita-
lização do artesanato – e nem poderia
ser de outra forma, já que diferentes
situações exigem diferentes respostas”,
diz Adélia Borges no livro.
Cerâmicas com motivos de pinturas
rupestres no Piauí; cuias feitas de massa
de papelão reciclado e fibras de bana-
neira em Minas Gerais; sementes de
urucum utilizadas como corante de te-
cido no Amazonas; o avesso e o direito
com igual importância em um tapete de
nozinhos no Rio de Janeiro; flores feitas
de couro de peixe no Mato Grosso do
Sul; bolsas e cestos feitos de capim-
-dourado em Tocantins; a fauna local
transformando-se em peças originais
no Rio Grande do Sul. Esses e muitos
outros casos, seus alcances, potenciali-
dades e riscos, são o objeto da instigan-
te análise de Adélia Borges. O público
potencial da publicação é amplo, en-
globando as pessoas que se interessam
pelo design e pelo artesanato como
expressões culturais e também aqueles
que apostam no poder de transforma-
ção decorrente do empreendedorismo
social e da economia solidária.
DESIGN + ARTESANATO:O CAMINHO BRASILEIRO DE ADÉLIA BORGES
A CURADORA, ESCRITORA E PROFESSORA DA HISTÓRIA DO DESIGN,
ADÉLIA BORGES, LANÇOU NO DIA 2 DE FEVEREIRO O LIVRO DESIGN +
ARTESANATO: O CAMINHO BRASILEIRO PELA EDITORA TERCEIRO NOME.
Com quase três décadas de dedicação
ao estudo do design, Adélia Borges
faz uma análise meticulosa das ações
desenvolvidas em todo país e contribui
para enfraquecer o preconceito que
atribui conotação de inferioridade ao
que é feito à mão e de superioridade
ao que é projetado pelo intelecto.
Sobre o futuro do artesanato, Adélia
Borges é categórica ao discordar dos
que apregoam seu fim há décadas. “Os
prognósticos de desaparecimento não
se confirmaram. Há vários indícios, ao
contrário, de que o lugar do artesanato
na sociedade contemporânea está se
expandindo”, escreve a autora.
Fartamente ilustrado, o livro tem 240
páginas e edições em português e in-
glês. O patrocínio é do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e da agência de publicidade
Leo Burnett Taylor Made (LBTM), com
apoio do Ministério da Cultura por meio
da Lei Rouanet.
Livro: Design+artesanato: o caminho brasileiro – de Adélia Borges
Editora: Terceiro Nome
Formato: 240 páginas, 21 x 27 cm
Edições separadas em português e inglês
Quanto: R$ 80
Site oficial de Adélia Borges: www.adeliaborges.com
Site oficial da Editora Terceiro Nome: www.terceironome.com.br
Serviço:
Foto
s: D
ivul
ga
ção
Foto
s: D
ivul
ga
ção
77
Da Redação
Fotos: Divulgação
benz de raizbenz de raiz
OS 100 ANOS DA SANFONADO REI LUIZ GONZAGA O
grupo Falamansa, uma
banda conhecida dos
forrozeiros, lança mais um
novo trabalho, desta vez ao
lado de grandes nomes da
música brasileira. “As sanfonas do rei” -
Tributo aos 100 anos de Luiz Gonzaga”,
pela Deckdisc, será lançado no mês de
abril, para homenagear o centenário do
nosso eterno “Rei do baião.
O Falamansa completa 14 anos em
2012 e, para comemorar com chave de
ouro, buscou no fundo do baú gravações
de Luiz Gonzaga ainda muito pouco divul-
gadas, mas com enorme riqueza musical
e temática como: ”Indiferente” (Severino
Ramos-Luiz Guimarães), “Xote ecológico”
(Luiz Gonzaga-Agnaldo Batista), “O fole
roncou” (Nelson Valença-Luiz Gonzaga),
“Alegria pé de serra” (Dominguinhos-
-Anastácia); unidas aos grandes sucessos
já consagrados na voz do rei como “Sa-
biá” (Luiz Gonzaga-Zé Dantas), “Súplica
Cearense “(Gordurinha-Nelinho), “Pense
n’eu” (Gonzaga Júnior), “Qui nem giló”
(Humberto Teixeira-Luiz Gonzaga), essa
última com participação especial dos
“Meninos do Morumbi”, um projeto
social de crianças que tem, desde 2007,
ligação com o Falamansa.
O disco conta ainda com as parti-
cipações de grandes nomes da nossa
música como: Elba Ramalho numa
releitura de “Sanfoninha choradeira”
(Luiz Gonzaga-João Silva), que ela mesmo
havia gravado com o rei na década de
80; do inigualável Dominguinhos, um dos
grandes responsáveis pela continuidade
da história musical de Luiz Gonzaga, que
marca sua presença na animada “Nem se
despediu de mim” (Luiz Gonzaga-João
Silva) e Jorge du Peixe, vocalista do Nação
Zumbi, que solta a voz no “pout pourri”
de forró e maracatu” Erva Rasteira/A
Festa “(Gonzaga Júnior).
O lado tradicionalista do disco fica
por conta do Trio Nordestino cantando o
baião “Amei a toa” (João Silva-Joquinha
Gonzaga), e do carismático Trio Virgu-
lino no xote “Bom? Pra uns” (Onildo
Almeida-Juarez Santiago). Completam as
participações do disco, o grande com-
positor e músico Miltinho Edilberto e a
talentosíssima Janaína Pereira da banda
Bicho de pé, cantando “Serena no mar”
(Sivuca-Glorinha Gadelha). O CD tem até
o “dueto digital” entre o Falamansa e
o homenageado, que faleceu em 1989,
com a música “A hora do Adeus” (Luiz
Gonzaga), e a composição inédita “As
sanfonas do rei” (Tato), música tributo ao
eterno Rei do Baião.
Homenageado no carnaval carioca
pela vitoriosa Unidos da Tijuca, o nosso
rei do forró merece o CD “As sanfonas
do rei” - Tributo aos 100 anos de Luiz
Gonzaga” produzido pelo Falamansa. É
uma justa troca de energias dos alegres
forrós e a oportunidade dos jovens co-
nhecerem um dos maiores músicos brasi-
leiros de todos os tempos: Luiz Gonzaga!
CD: As sanfonas do rei - Tributo aos 100 anos de Luiz Gonzaga do grupo Falamansa.
Site oficial: www.falamansa.art.br
Teaser: http://migre.me/8tz2Q
Serviço:
79
Da Redação
Fotos Divulgação
benz de raiz
benz de raiz
OS CAMINHOS DO AÇÚCARMAIS UM LIVRO DO ANTROPÓLOGO RAUL LODY, INTÉRPRETE CONSAGRADO
DA OBRA DE GILBERTO FREYRE.
Serviço:
Livro: Caminhos do Açúcar de Raul Lody
Editora: Topbooks com o apoio da Fundação Gilberto Freyre
disponível nas melhores livrarias de todo país.
Oaçúcar sempre esteve
presente na economia bra-
sileira, desde os primórdios
tempos coloniais. As nossas
primeiras cidades, Olinda
de Duarte Coelho em Pernambuco e
São Vicente de Martim Afonso de Sousa,
em São Paulo, já nasceram ao redor dos
engenhos da cana de açúcar no início da
nossa construção civilizatória a partir de
1530. De uma economia cercada da mono
cultura da cana, muitas outras economias
derivam; os doces, a cachaça, a culinária,
as máquinas, os animais, os costumes e
tantos. Os olhares eruditos não poderiam
deixar de focar esse período e essa cons-
trução da nação brasileira, em especial,
Gilberto Freyre numa busca amplificada do
povo nordestino: afro, português, mouro,
índio e acima de tudo, brasileiro.
Prescrutando o trabalho de Gilberto
Freire, o antropólogo Raul Lody vem
acrescentando um fôlego único sobre
sua vasta obra, nos brindando com
novidades a cada novo olhar publicado.
Como diz o próprio Lody em texto publi-
cado para Associação dos Restaurantes
da Boa Lembrança: “Gilberto Freyre ofe-
rece em sua obra civilizatória inúmeras
opções para provar em textos consis-
tentemente bem temperados, gostosos,
como um diversificado e sedutor cardá-
pio das relações sociais, da formação da
cultura brasileira. Assim, profundamente
inspirado em Açúcar de Gilberto Freyre,
venho realizando sistemático trabalho de
antropologia do sabor desde a década
de 1970, vendo, vivendo e provando
pratos, inteirando-me dos cotidianos das
festas, da religiosidade, pois experimento
e gosto é o meu projeto brasileiro, com-
prometido com o povo brasileiro”.
“Caminhos do Açúcar. Ecologia, gas-
tronomia, moda, religiosidade e roteiros
turísticos a partir de Gilberto Freyre” é o
mais novo fruto desse percurso. O livro
dialoga sobre a multiculturalidade da
comida, da estética, das manifestações
religiosas e populares. Além de outros
temas da obra de Gilberto Freyre, como
o Regionalismo, a Tropicologia, e a
Ecologia do açúcar nos cenários sociais
do Nordeste. Destaca também a nossa
profunda relação com continente africa-
no, em especial, o legado deixado pelas
culturas do Magreb – norte da África.
Parece de grande ousadia uma
abordagem tão amplificada em assuntos
e temas. Mas, Raul Geovanni da Motta
Lody é um antropólogo, museólogo e
professor com rara formação e energia
para replicar de forma lúdica e científica
as coisas do povo brasileiro; da culinária
ao cabelo afro, do artesanato à arte
sacra, tudo é tema para seu desenvolvi-
mento. Formado em Etnografia e Etno-
logia pelo Instituto de Antropologia da
Universidade de Coimbra, especializado
no Laboratório Etnográfico desta Univer-
sidade e ainda no Instituto Fundamental
da África Negra, em Dakar; com douto-
rado em Etnologia pela Universidade de
Paris; é membro da Academia Brasileira
de História, da Academia Brasileira de
Belas Artes, do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, dentre outras atri-
buições e participações. Na Revista RAIZ
e suas atividades, Raul já esteve várias
vezes presente, nos brindando com sua
simpática sabedoria.
Foto
s: D
ivul
ga
ção
81
Da Redação
Fotos por Jorge Sabino
Foto
: Div
ulg
aç
ão
Ac
erv
o O
rige
ns
Foto
: Div
ulg
açã
o
VEM TUDO DO VINILPROJETO ACERVO ORIGENS, DE CACAI NUNES, RESGATA A FORÇA
MÚSICAS LIGADAS A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA
83
Por Marcos Linhares
Fotos Divulgação Acervo Origens
música
música do litoral do Paraná, do interior
do Rio, coco, maracatu, chorinho, enfim,
músicas que não costumam ter tanto
espaço e que, de comum, estão todas
gravadas em vinil e disponibilizadas no
portal Acervo Origens.com.
Por acaso
O DJ relembra que tudo começou
sem o menor planejamento: Em 1996,
ele começou a produzir uma festa cha-
mada “Origens”, em um bar de Brasília.
Ali, ele mesclava de tudo: uma banda de
pífanos brasiliense (Ventoinha de Canu-
do), uma de Samba de Coco (Raízes de
Arcoverde), uma de Samba Chula (Os
Filhos da Pitangueira, de São Francisco
Imagine a cena, uma ligação, e uma
voz trêmula e chorosa do outro lado
da linha: “Cacai, aqui é Carlos, falo
da Argélia, você não me conhece,
mas ouvi em seu programa Acervo
Origens, na internet, uma música que
meu pai tocava no interior do Nordeste
quando eu era pequeno. Foi uma emo-
ção única. Obrigado!”. Esse é apenas
um dos muitos casos que acontecem
regularmente com o DJ, pesquisador e
violeiro caipira pernambucano, radicado
em Brasília, Cacai Nunes. Filho de pianis-
ta, desde 2006, ele tem entrado na vida
das pessoas e compartilhado músicas,
vídeos e fotos, de artistas de música
regional brasileira, em grande maioria
forró, acrescido de samba de roda,
Os gramofones de Jacob do Bandolim
Em uma das apresentações que fez
pelo mundo como violeiro caipira - ele
já se apresentou por meio do Itamaraty,
entre outros países, na Suíça, na Áustria,
na Itália, na Alemanha-, Cacai Nunes
deparou-se com uma loja de gramofones
(foto). Impressionado, entrou na loja e
qual não foi a surpresa quando percebeu
que também vendiam vinis, usados de-
monstrar os produtos. Em meio a tantos,
encontrou e prontamente adquiriu dois
tesouros do Acervo Origens: Um disco
de 10 polegadas, de 1955, de Jacob
do Bandolim (Jacob Revive Músicas de
Ernesto Nazareth) e um LP clássico que
mesclou atabaques e afoxés, agogôs,
do Conde/BA), com mais outra brasi-
liense, de Tambor-de-Crioula (Boi de Seu
Teodoro). “O impressionante foi a recep-
tividade. Os grupos, tocando e dançando,
manifestações culturais brasileiras, em um
bar bem no coração da capital federal,
em pleno Setor Bancário Sul, e a alegria
era indescritível”, relembra o músico.
Nessa época, falece um grande coleciona-
dor de discos de Brasília, Oscar Henriques.
“Esse cara foi o fundador da União do
Vegetal, na cidade. E nunca imaginei que
eles gostassem tanto de forró, o que o
levou a ter uma bela coleção”, afirma Nu-
nes. Pronto, estava fisgado o jovem que
amava o rock e viola. Ele já tinha uma
mini-coleção de discos do pai - de Luiz
Gonzaga, Clara Nunes, Sivuca -, daí, virou
comprador, colecionador de vinis raros,
daqueles com tiragem pequena feita por
artistas sonhadores e obstinados, que
apesar das poucas posses, se arriscavam
a colocar a voz e a arte nos chamados
“LPs” e a ganhar o mundo, mesmo sem
saber ou ter tamanhas pretensões. “Co-
mecei a me relacionar com pessoas de
Salvador e Minas que também coleciona-
vam esse tipo de música, e criamos, sem
querer, uma rede informal, que acabou
até fazendo que eu fosse usar meu
acervo em grandes festas no Rio e em
Sampa”, recorda. Hoje, o Acervo Origens
conta com cerca de três mil unidades,
fruto da pesquisa criteriosa de Nunes, não
só em Brasília, mas pelo Rio, São Paulo,
Nordeste e até, Paris. Quem diria?
“Hoje, o Acervo Origens conta com cerca de três mil unidades, fruto da pesquisa criteriosa de Nunes, não só em Brasília, mas pelo Rio, São Paulo, Nordeste e até, Paris.”
85
música
Foto
: Div
ulg
aç
ão
Ac
erv
o O
rige
ns
sobre o tema. E com isso, o trabalho
segue firme, disseminando a diversidade
da boa música. “Muitos blogs, até com
boas propostas já abriram e fecharam.
Em nosso caso, não trabalhamos com
CDs e não compartilhamos trabalhos no-
vos e recém-lançados. Tudo vem do vinil,
somos fiéis a isso”, alega o produtor.
Rádio
O Acervo Origens cresceu, ganhou
adeptos e além do Blog, ganhou as
ondas do rádio e quem quiser pode
sintonizar o programa que vai ao ar aos
sábados, às 19h, na Rádio Nacional FM
Brasília 96,1mhz, e às 20h, na Nacional
AM Brasília 980khz, passando também
na Rádio Nacional da Amazônia. “Che-
gamos na rádio e tive que sistematizar
o trabalho. Agora, conto com ajuda
para digitalizar e escrever os textos do
programa. Mas, vale tudo para encontrar
e divulgar esses artista desconhecidos e
que merecem carinho. O Acervo Origens
está no coração assim como a viola está
no peito”, finaliza Cacai Nunes.
Serviço:
Site oficial do Acervo Origens:
www.acervoorigens.com
Acesse Acervo Origens no no Facebook,
no Twitter e no soundcloud.com:
soundcloud.com/acervo-origens
saxofones e pandeiros, o segundo LP da
dupla Baden Powell/Vinícius de Moraes,
de 1996, “Os Afro-sambas”. Apesar da
aquisição, o músico avisa logo: “Mas
também tenho raridades do forró, como
discos do Dorival Caymmi das praias de
Pernambuco, o Gilvan Chaves, da déca-
da de 1950. Em geral, esses discos estão
inflacionados nomercado, e giram em
torno de R$ 400 a R$ 500”, explica.
Reabertura de mercado
O fato é que mesmo sem pretender,
Cacai Nunes e o Acervo Origens, além
de outros diletantes defensores e disse-
minadores da música regional brasileira
têm feito com que artistas que já haviam
parado de se apresentar e outros que
estavam quase desconhecidos, tenham
voltado à ativa. “Percebi depois, que
cantores como o forrozeiro Edson Duarte
(AL), e o terceiro trio em atividade mais
antigo do Brasil (criado em 1967), o Trio
Nordeste (PB), estejam no mercado com
força e agenda.
Esses entre tantos outros, acabaram
voltando a tocar em festas e à alegria
de poder se apresentar”, comemora o
pesquisador.
Ecad
Cacai Nunes procurou o Ecad para ver
se haveria problema em disponibilizar as
músicas do Acervo Origens para down-
load, mas foi tranquilizado já que não há
ainda, segundo eles, legislação específica
Alguns exemplos da milhares de men-
sagens que o Acervo Origens recebe:
borgi disse...
“Os “blogs” são o exemplo de como
a iniciativa privada derruba a burocracia
insana que enterra a música brasileira.
Em 40 anos O MIS não reeditou este
Lp assim como muitos outros. Aí está
ele, facilmente em MP3. Parabéns é
pouco pra vocês”
Leonel Laterza disse...
“Sem palavras! Lindo mesmo. Vou
baixar já! Um recado pro Cacai: PARA-
BÉNS! A IMPORTÂNCIA DESSE SEU ACER-
VO E DO SEU TRABALHO É INFINITA!”
Querco disse...
“Cacai, parabéns pelo blog, pelo
trabalho no programa de rádio e pelo
carinho que você dispensa para com a
música caipira do nosso Brasil.
Se um dia o grande Raul Torres foi a
pedra fundamental dessa música que
Cacai Nunes em seu escritório
é parte do nosso DNA, você hoje é do
mesmo modo importante por querer e
trabalhar para que ela perdure.”
moodyxadi disse...
“Maravilhoso álbum que, junto com
“brincadeiras de roda...”, meu filho de
1 ano e 8 meses ouve e vibra sem parar!
Parabéns pelo resgate!”
luizinho disse...
“Sou Rosariense, hoje moro em Sao
paulo mais nao esqueço da minha raiz,
curti muito o bumba mee boi, e ainda cur-
to é pena que sempre nas festas juninas
não posso ir a minha cidade querida Rosa-
rio, a terra do bumba meu boi quem sabe
este ano irei curti-lo, abraços Luiz rocha”
giovanna disse...
“que coisa incrível é visitar este espa-
ço tão democrático...salve toda energia
que ronda este trabalho !! muito obriga-
do !! Giovanna Tamires - Rondônia”
Stenio disse...
“Pô, Cacai! Teu trabalho é de suma
importância para o descobrimento
culrural do país. Que Deus te ilumine
sempre mais.”
Amanda disse...
“Cacai, parabéns blog, pelos pro-
jetos, e principalmente, pelo teu som.
Você torna minhas andanças por SP
muito mais felizes! Não há metrô em
horário de pico que apague a alegria
da tua música! Obrigada”
Kleber disse...
“Parabéns, já baixei todos os pro-
gramas e minha vida se encheu de luz
e vida novamente...”
Fabricio disse...
“Acervo inacreditável, parabéns
mesmo de verdade... Os melhores dos
melhores estão aqui, ótimo trabalho.
Desde já mais um seguidor...
87
música
Foto
: Ra
qu
el G
on
ça
lve
s
A REDE DO TURISMO COMUNITÁRIO
Texto e Fotos por Raquel Gonçalves
PRAINHA DO CANTO VERDE E PONTA GROSSA.
DOIS PARAÍSOS CEARENSES REFERÊNCIAS NACIONAIS NO
DESENVOLVIMENTO DO TURISMO COMUNITÁRIO E SUSTENTÁVEL.
Duna em Ponta Grossa, município de Icapuí
89
viagens
Anoitecer em Porto Alegre
E ntre as dunas, os moradores
silenciam e se escondem em
suas casas quando o sol ain-
da queima. À medida que ele
baixa e a areia esfria, a vila se
movimenta. Quando os últimos raios
colorem a paisagem antes de apagar-
-se, quase todas as portas das casas se
abrem e a paisagem se transforma. O
pescador prepara a tarrafa no alpen-
dre de casa, a meninada joga bola
ameaçando os espetinhos do jovem
churrasqueiro, o padeiro aguarda os
clientes deitado na rede. De passagem
pela região, o circo Imperial já aciona
as caixas retumbantes que lhes garan-
tem o público do espetáculo noturno.
O vento forte do final da tarde atenua
o calor do dia e dá boas vindas a todos
que chegam à aconchegante Prainha
do Canto Verde, localizada a 120km
de Fortaleza, capital do Ceará.
O atrativo desse tipo de turismo são
lugares com tranquilidade, o sossego, a
natureza e, principalmente, o cotidiano
da vida local. Quem escolhe esta tímida
vila de 1.050 habitantes para descan-
sar e se deliciar com os frutos do mar,
certamente não procura os exageros e a
subserviência do turismo tradicional. Os
moradores da Prainha do Canto Verde
desenvolveram um modelo de turismo
coerente com os anseios da comunida-
de. Não se vende terreno para estrangei-
ros, o planejamento e a gestão dos servi-
ços prestados são de responsabilidade da
organização comunitária, o turismo não
representa a principal atividade econô-
mica da vila. Desta maneira, moradores
buscam a sustentabilidade sócio-ambien-
Foto
: Ra
qu
el G
on
ça
lve
s
“O atrativo desse
tipo de turismo são lugares com tranquilidade, o
sossego, a natureza e o cotidiano da
vida local.”
pousada com até 5 apartamentos paga
o valor máximo.
O Conselho fornece a capacitação
necessária para viabilizar a inclusão da-
quele morador interessado na atividade
desejada e auxilia na construção do esta-
belecimento. “Desenvolvemos atividades
em benefício de todos. Já tivemos parte
do nosso dinheiro arrecadado aplicado
na merenda escolar, no posto de saúde,
na organização da Festa dos Idosos, em
casas soterradas. Agimos de acordo com
a demanda da comunidade”, explica o
coordenador de Turismo, Antônio Aires.
A infra-estrutura da Prainha do Canto
Verde é simples, mas sempre supriu a
demanda turística anual de forma satis-
fatória. Com o crescimento gradual anu-
almente, a necessidade de investimentos
fala alto. “Seria interessante construirmos
Hospedagem, alimentação, serviço
de guia, passeios de Bugue possuem
percentuais diferenciados de contribuição
para o Conselho de Turismo. O recolhi-
mento varia de R$5 a R$50 por mês. Um
condutor de trilha, por exemplo, paga o
valor mínimo. Já aquele que possui uma
tal, garantindo a geração e distribuição
equitativa da renda, a valorização da
produção e da cultura local. O traba-
lho na comunidade, que começou em
1998, hoje é referência nacional quando
o assunto é o Turismo Comunitário. A
Prainha se destaca entre as experiências
nacionais pelo seu caráter pioneiro.
Desde os anos 80 os moradores desta
vila lutam em defesa de suas terras
contra a especulação imobiliária, com
um vasto histórico de conquistas. Atual-
mente, são centenas de pesquisadores,
estudantes e turistas de várias partes do
Brasil que visitam o local para conhecer a
maneira como essa comunidade encon-
trou de preservar a cultura e a natureza.
Qualquer morador pode construir seu
próprio estabelecimento ou se juntar
ao grupo de prestadores de serviço.
Praia de Redonda, município de Icapuí. Ao final da enseada, avista-se a Ponta Grossa, praia com dunas, falésias e sítios arqueológcos.
91
viagens
criando o Instituto Terramar, ONG atuante
em defesa dos povos do mar.
Todas as sugestões dos moradores
para a comunidade são analisadas em
assembleias e avaliadas. “Nós já come-
çamos a ter uma demanda de visitantes
maior que o número de pousadas que
possuímos. Quando isso acontece, nós
desocupamos algumas casas para rece-
ber os visitantes e apresentar nosso tra-
balho. Mas precisamos melhorar nossa
estrutura. Por exemplo, não possuímos
um restaurante noturno. Este serviço
ainda está nas mãos dos proprietários
das pousadas que acabam cozinhando
para os hóspedes”, avalia Antônio Aires.
Nem tudo são flores
Desde 2009, quando a comunidade
finalmente conseguiu a assinatura do
decreto de criação da Reserva Extrativista
um estacionamento na entrada da cidade
para diminuir o fluxo de carros na vila”,
sugere René Scharer. O suíço, que mora
na comunidade desde 1992, foi peça
fundamental na organização da comunida-
de, conseguindo financiamentos internacio-
nais para projetos, articulando encontros e
“Desenvolvemos atividades em
benefício de todos. Agimos de acordo com a demanda da comunidade.”
Antônio Aires, coordenador de
Turismo.
Foto
s: R
aq
ue
l Go
nç
alv
es
Falésias coloridas em Ponta Grossa.
Foto
s: D
iog
o A
raki
lian
Paredão de falésias em Ponta Grossa, município de Icapuí
para a comunidade. “Uma atividade não
elimina a outra. O turismo precisa da
atividade da pesca artesanal para o peixe
chegar até o turista fresquinho”, explica
Eliabe Crispyn, coordenador do Turis-
mo Comunitário de Ponta Grossa que,
atualmente, ocupa um cargo técnico na
Secretária de Turismo da Prefeitura de
Icapuí. “Nós hoje sabemos exatamente
o que queremos. Nós temos muitos
exemplos no entorno de comunidades
que deixaram de ser protagonistas de
seus negócios para serem funcionários
de grandes empreendedores”, desabafa.
Arqueologia de várias cores
Arqueologia, história, sossego, tran-
quilidade, turismo responsável e frutos
do mar. Se estes temas lhe interessam,
sua parada é em Ponta Grossa. Come-
çando pelo paladar, a dica é o desbunde
– RESEX (processo que se estendia desde
2001), algumas dissidências locais apare-
ceram. De acordo com René Scharer, as
desavenças internas surgiram princi-
palmente quando um empresário da
região que não possuía a documentação
regulamentada de seu terreno teve sua
propriedade ameaçada, depois de perder
uma ação de usucapião na justiça. Ele
tentou convencer alguns moradores de
que a RESEX seria prejudicial para os mo-
radores, alegando que a Associação teria
entregado as terras da comunidade para
o governo. “Estas brigas internas não
afetarão o desenvolvimento do Turismo
Comunitário da Prainha do Canto Verde.
Nossas conquistas vêm de anos de traba-
lho e já estão bem consolidadas.
A maioria dos moradores percebe que
este empresário está agindo por interes-
se próprio e não em nome da comunida-
de”, destaca otimista René Scharer.
Companheiros de luta
Em parceria com as lideranças da
Prainha do Canto Verde, a comunidade
de Ponta Grossa se espelhou no exemplo
pioneiro e, desde 1998, também desen-
volve o Turismo Comunitário e Susten-
tável. Localizada a 200 km da capital,
Ponta Grossa é uma das 13 comunida-
des litorâneas do município de Icapuí.
Possui 240 moradores e guarda um areal
colorido de histórias. Há quem diga que
naquelas terras Vicente Pinzón chegou
ao Brasil antes do marco oficial de Pedro
Álvares Cabral, em 1500.
Com uma infra-estrutura modesta, a
praia de Ponta Grossa oferece um servi-
ço de qualidade, com moradores extre-
mamente hospitaleiros. Com a defasa-
gem da pesca e o aumento da demanda
de visitantes, o Turismo Comunitário
apareceu como uma solução sustentável
93
viagens
entram no circuito com pratos requinta-
dos a preços jutos. Vale a pena conferir.
Para descansar o corpo no fundo da
rede, a pedida vai para a Pousada Refú-
gio Canaã (R$ 60, o casal). A proprietária
Dona Santana, 57 anos, recebe os turis-
tas com sorriso no rosto. Ela adora jogar
conversa fora, mas avisa logo àqueles
que querem tirar o sossego da comuni-
dade: “Se vier ligando som alto, fazendo
bagunça, pode parar. Se não arruma a
malinha e vai embora”, dispara Dona
Santana. Além dos quartos, a pousada
também disponibiliza chalés individuais
com camas de casal e solteiro, frigobar,
ventilador e varanda espaçosa.
Durante o dia, não deixe de fazer o
passeio de jangada (R$10 por pessoa),
com direito a demonstração da pesca
artesanal e mergulho com peixes e
corais. Aproveite o fim de tarde para
gastronômico que o Festival da Lagosta
proporciona aos amantes do crustáceo.
Em novembro de 2011, ele chegou a
sexta edição, atraindo turistas de vários
estados. Todos os restaurantes da Praia
Com a defasagem da pesca e o aumento da demanda de
visitantes, o Turismo Comunitário
apareceu como uma solução
sustentável para a comunidade.
Prainha do Canto Verde, município de Beberibe.
Jangada na praia de Ponta Grossa, município de Icapuí
Foto
s: R
aq
ue
l Go
nç
alv
es
Foto
s: D
iog
o A
raki
lian
pela construção de um museu em Ponta
Grossa. Arqueólogo por natureza, Josué
visita os sítios diariamente e afirma sem
medo: “Sou especialista na área, mas
acadêmico nunca. Eu não preciso disso.
Aprendi no campo!”, orgulha-se.
Parte do material coletado por
Josué já foi catalogado pelo IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional). Objetos como
cachimbos indígenas, fragmentos de
cerâmica, ponta de lança, pedras las-
cadas, moedas e até talheres marcam
a presença indígena e a passagem
holandesa pela região. “Eu encontrei
peças aqui que já estão catalogadas
no Museu Nacional. Mas meu sonho é
construir o museu de Ponta Grossa”,
partilha. Vale um dedo de prosa com
esse sábio homem Icapuiense.
tes dos sítios arqueológicos que existem
na região. O passeio pode ser feito pela
orla do município de Icapuí (64km), indo
até a divisa do estado do Rio Grande do
Norte ou em direção a praia de Canoa
Quebrada, passando por fontes naturais
de água doce, coqueirais, labirinto e
esculturas de falésias. O problema é que
muitos bugueiros de Canoa Quebrada
vendem os passeios até a Ponta Grossa
passando por cima das dunas, garantin-
do “emoção” aos turistas e degradando
a natureza. Apesar da mobilização da
comunidade, infrações como estas ainda
são comuns na região.
Visite a casa de Josué Pereira Crispim.
Este homem de 53 anos já soma 30 de
escavações arqueológicas e mais de 2 mil
objetos encontrados. Ele guarda a histó-
ria do município de Icapuí num quarti-
nho de sua humilde casa e segue na luta
fazer a trilha ecológica e admirar o pôr-
-do-sol do alto das falésias. Com guias
locais capacitados, a trilha ecológica (R$
30) tem 1km de extensão e dura cerca
de 1h20, passando pelas dunas e sítios
arqueológicos. O guia Ozéas Ferreira, 37
anos, explica que apesar de ter muitas
subidas e descidas, o caminho está todo
sinalizado. “Eu falo um pouco da cultura
local, fauna, flora, da luta pela preser-
vação. Adoro meu trabalho!”, conta. A
trilha termina na beira da praia, no pé da
duna. Sugiro uma pausa para o banho
nas piscinas naturais que se formam em
volta das pedras quando a maré está
baixa. Inesquecível!
Embora o passeio de Bugue esteja
entre os atrativos de Ponta Grossa, é
necessário cuidado na hora de contratar
o serviço. Assegure-se de que o bugueiro
é da Ponta Grossa e irá respeitar os limi-
Peças encontradas nos sítios arqueológicos de Ponta Grossa
por Josué Crispim, município de Icapuí.
Conhecido como Nem, apelido de infância, o pescador Júlio prepara a
rede na Prainha do Canto Verde, município de Beberibe.
Talheres de prata compõem os objetos do “mini-museu” do
colecionador arqueólogo Josué Crispim
Foto
s: R
aq
ue
l Go
nç
alv
es
Foto
s: R
aq
ue
l Go
nç
alv
es
Foto
s: R
aq
ue
l Go
nç
alv
es
95
viagens
Anoitecer em Porto Alegre
Cada vez mais o Turismo
Comunitário se fortalece
graças às redes de integra-
ção entre as experiências
espalhadas pelo Brasil e pelo
mundo. A Prainha do Canto Verde integra
a Rede Cearense de Turismo Comunitário
(TUCUM), que conta com mais 12 comu-
nidades em todo o estado. Os roteiros
paradisíacos são bastante econômicos.
Vale a pena conferir!
A pousada Sol e Mar, uma das pionei-
ras da Prainha, oferece seis apartamentos
confortáveis com frigobar, ventilador,
rede, camas de casal e solteiro (R$ 60,
casal). Mas o ponto forte do aconchego
da Aila e do João, os proprietários, são
as varandas no primeiro andar. O vento
constante dispensa qualquer ar condicio-
nado. Perfeito para embalar o descanso na
rede. O café da manhã é regado de sucos,
frutas, café, leite, pão, queijo e tapioca
com manteiga. Tudo de dar água na boca.
Durante o dia, a indicação é caminhar
na praia, tomar banho de mar e almoçar
no restaurante da Pousada Recanto da
Mãezinha, na beira da praia. O cardápio
variado oferece peixes, camarões e lagos-
tas frescas. O Peixe ao Molho de Manga
(R$ 40) é uma iguaria da casa e agrada
aos paladares mais exóticos. Serve bem 2
pessoas e acompanha salada, arroz e fa-
rofa. Outro prato suculento é a tradicional
Moqueca de Arraia, servida com leite de
coco. A arraia desfiada vem macia e bem
temperada, sem uma espinha sequer.
Vale a pena experimentar como tira gosto
(R$ 15) ou como prato principal para 2
pessoas (R$ 30), acompanhando arroz,
farofa e salada. A Pousada Recanto da
Mãezinha também tem boa estrutura e
é ótima pedida para quem quer usufruir
de apartamentos com ar condicionado e
piscina (R$100, casal).
No final da tarde, se ainda tiver dis-
posição para uma trilha sobre as dunas,
espere o sol baixar, contrate um guia (R$
25) e siga para a lagoa do Córrego do
Sal. A caminhada dura cerca de uma hora
e a recompensa é garantida. O oásis no
meio das dunas possibilita uma paisagem
deslumbrante. Se preferir, alugue um Bu-
gue (R$ 100, para 4 pessoas) e aproveite
o passeio com duração de 2 horas.
Para o jantar, encomende uma Peixada
a Aila (R$ 30, para 2 pessoas), acom-
panhado de pirão e arroz branco. O
peixe vem regado no delicioso caldo de
SOMBRA E ÁGUA FRESCA
Foto
: Ra
qu
el G
on
ça
lve
s
legumes cozidos. Ela fará com dedicação
e capricho, enquanto você toma uma cer-
vejinha (R$ 4, 600ml) na varanda da casa.
O local ainda é o único que oferece uma
cerveja gelada até perto de meia-noite, se
tiver movimento.
As redes consolidam as experiências
de Turismo Comunitário, legitimando
e divulgando as iniciativas por meio da
internet. Além da Rede Tucum, outras
organizações mapeiam as iniciativas. No
Brasil, a Rede Brasileira de Turismo Soli-
dário e Comunitário (TURISOL) consolida
experiências de várias partes do país,
promovendo a integração entre comu-
nidades ribeirinhas de Santarém – PA,
quilombolas de Itacaré – BA, assentamen-
to em Quixadá – CE, artesãs de Coqueiro
do Campo – MG, desde 2003.
No contexto sul-americano, a Bolí-
via possui o Plano Nacional de Turismo
integralmente dedicado ao fomento do
Turismo Comunitário desde 2006. Em
níveis continentais, merece destaque a
Rede de Turismo Comunitário da América
Latina (REDTURS) que congrega iniciativas
de 13 países.
Redes
www.tucum.org (Brasil)
www.turisol.org.br (Brasil)
www.redturs.org (América Latina)
www.tusoco.com (Bolívia)
www.turismocomunitario.ec (Equador)
Experiências brasileiras
www.prainhadocantoverde.org (Ceará)
www.acolhida.com.br (Santa Catarina)
www.aldeiadoslagos.com (Amazonas)
www.viverde.com.br (Amazonas)
www.fundacaocasagrande.org.br (Ceará)
www.mamiraua.org.br (Amazonas)
www.projetobagagem.org (São Paulo)
www.graosdeluzegrio.org.br (Bahia)
www.saudeealegria.org.br (Pará)
www.redecananeia.org.br (São Paulo)
Linha do horizonte em Icapuí.
Serviço:
97
viagens
Foto
s: Lu
is Sa
ntos
Foto
s: Th
erez
a D
ant
as
Beber chicaras de café durante
o dia é um hábito dos bra-
sileiros. Importante iguaria
da nossa culinária e principal
produto de exportação produ-
zida no país durante muitos anos, o café
dominou a paisagem da região Sudeste
e gerou um curioso casamento: o café
coado no caldo de cana.
O café caiçara como é conhecido o
café coado no caldo de cana, é muito
apreciado na região que abrange os
litorais sul carioca, paulista e paranaense.
Para o casal Marineli Mendonça Viana
e José Luiz Barros Gonçalves, o Kinho,
o café caiçara tem gosto de tradição
familiar. “O café caiçara é uma receita
da minha mãe, a Dona Patica”, explica Ki-
nho. De família caiçara de Paraty, o Kinho
é um comerciante que já trabalhou com
O DOCE CAFEZINHO CAIÇARA
verduras e hoje vende café caiçara na
barraca com seu nome na Feira Municipal
de Paraty, cidade do litoral sul fluminense.
Durante vinte anos o casal cuidou de
uma quitanda nesse endereço mas com
o crescimento da cidade e o surgimento
de supermercados, veio a necessidade
da mudança no perfil do ponto comer-
cial. Hoje a Barraca do Kinho é o lugar
onde se encontram os moradores de
99
Texto e Fotos Thereza Dantas
comidas
Paraty para tomar o café caiçara e provar
a poçoca de banana da terra com tou-
cinho e o cuscus. “São comidas típicas
da nossa gente e que são ótimas para
saborear no meio da manhã ou no final
da tarde”, explica Marineli.
Nessa sociedade quem raspa e moe
o caule da cana é o Kinho e quem coa,
é a Marineli. “Tem alguns cuidados para
se fazer o café caiçara. Primeiro ao ferver
o caldo da cana é importante retirar a
borra, senão você não consegue coar.
E é bom esquentar o pó de café numa
chapa antes de coar”, avisa a comercian-
te. Segundo Marineli, o ato de esquentar
o pó do café na chapa o deixa mais
gostoso e espalha um perfume pela Fei-
ra. Mas há um outro segredo: o uso de
pouco pó de café. “Se colocar muito pó,
a pessoa não percebe o sabor do caldo
da cana”, avisa Marineli.
E de onde veio a ideia de unir o
caldo da cana com o café? “Nos tem-
pos antigos muitos não tinham como
comprar o açúcar mas tinham canas
plantadas nas fazendas e sítios. Era só
moer, ferver e adicionar o café e já saia
assim: bem docinho”, explica Marineli.
Foto
s: Th
erez
a D
ant
as
Etapas do preparo do café caiçara
Receita do Café Caiçara
Ingredientes
2 caules médios de cana-de-açúcar
uma colher e meia de sopa de café
Modo de preparo
Raspar oa casca dos caules e moer num moedor de cana de açúcar. Ferver o caldo da cana numa panela e após a fervura retirar
a borra com uma escumadeira. Colocar o pó do café no coador de pano e jogar o caldo de cana fervente. Esperar coar e servir.
Serve quatro pessoas.
101
comidas
103
É ARTE PÚBLICA! Da Redação
Fotos: Divulgação
Foto
: Div
ulg
açã
o
E TÁ NA RUA
105
O grupo e ponto de cultura
Tá Na Rua há trinta e dois
anos reflete sobre a realida-
de política, social e cultural
da sua cidade e sobre o
papel do artista na sociedade. Sempre se
colocando como resistência aos modelos
capitalistas de produção – onde tudo
está a venda e tudo tem seu preço. Com
isso o grupo desenvolveu uma arte que
se faz e se produz para todos, sem dis-
tinção de classe e nenhuma outra forma
de discriminação, podendo assim ocupar
todo e qualquer espaço, e com plena
função social de organizar o mundo.
Chegamos ao que entendemos como
Arte Pública, que não é e nem pode ser
produção do Poder Público. Não é! Mas
cabe ao Poder Público reconhecer sua
existência e importância. E como faz
com as Artes Privadas, criar para elas Po-
liticas Públicas de estímulo e amparo. É
isso que a Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, através da Secretaria de Cultura,
em uma atitude extremamente moder-
na e contemporânea, está fazendo ao
apoiar projetos que vão ao encontro
direto da população carioca.
O projeto Arte na Praça é resultado
dessas reflexões. E com uma linguagem
profundamente ligada às raízes popu-
lares brasileiras, e mais especificamente
à cultura carioca, nos programamos
para acompanhar o calendário litúrgico
da cidade. Com muito teatro e muita
festa, ocuparemos as praças levando
um pouco das nossas crenças, da nossa
ancestralidade, dos nossos problemas e
principalmente do nosso enorme amor
pela nossa cidade maravilhosa. Nossas
trouxas já estão prontas! E até outubro
de 2012, estaremos circulando pelos
quatro cantos da cidade, com os espetá-
culos: “Auto de Carnaval”, “A Revolta
de São Jorge Contra os Invasores da
Lua”, “Antônio de Lisboa e a Sereia do
Fundo do Mar” e “Cosme e Damião”.
Serão ao todo vinte apresentações.
Gostaríamos de convidar a todos
para o grande lançamento do projeto
que será no dia 02 de março às 16hs na
Cinelândia, e contará com a presença
de representantes da Saúde Pública e o
grupo teatral Cia Brasileira de Mystérios
de Novidades. E para abrir os festejos,
o grupo irá apresentar o seu “Auto de
Carnaval”. Espetáculo de cordel que
conta a história das festas carnavalescas
desde suas origens remotas no homem
das cavernas, passando pelos rituais dio-
nisíacos, pelo carnaval venezianos, até o
carnaval em todo Brasil.
A arte pública se realiza no contato
direto do artista ou de sua obra com a
população, sem distinção de nenhuma
espécie. Neste sentido o teatro de rua é
a modalidade que mais se aproxima de
um conceito antigo e moderno do que
pode ser a Arte Pública. Venha conferir!!
“Não podemos vender o melhor que temos para dar” Amir Haddad.
Projeto Arte na Praça 2012
Confira a programação completa que acontece durante o ano nas ruas e praças do Rio de Janeiro no site: www.tanarua.art.br
Serviço:
Metodologia de uma cartografia
Em cada visita foi aplicado um
questionário para o coordenador ou o
responsável pelo grupo, e questioná-
rios para aqueles que participavam de
ao menos uma das atividades desses
grupos. Os contatos com os grupos
inicialmente se basearam em três tipos
de listas públicas:
- lista dos Pontos de Cultura do MinC,
- a lista de Entes e Agentes Culturais da
Secretaria de Cultura do Distrito Federal,
- as listas das Administrações Regionais
do Distrito Federal.
Para Raoni Machado, mudanças meto-
dológicas devem acontecer. “Sabemos que
não foram identificados todos os espaços,
tampouco todos os grupos atuantes nas
cidades do DF. A partir de 2012, o mape-
amento será feito de uma nova forma,
mais dinâmica e democrática. Buscaremos
aperfeiçoar esta ferramenta, já disponível
em nosso site www.redecandanga.com em
sua versão interativa, para que haja o auto-
-mapeamento desses grupos. Através do
preenchimento de um rápido formulário,
ou pelo envio de informações para o email
[email protected], os grupos serão
identificados no mapa virtual”, avisa.
desenvolvidas. Seja pelo aumento do
número de pessoas que visitarão os
espaços e participarão das atividades,
seja pelas possibilidades de novas opor-
tunidades no campo da economia da
cultura. Por fim, o Estado, que terá um
instrumento eficiente para subsidiar a
elaboração de políticas públicas e ações
pertinentes ao campo cultural da região.
Desenvolvida pelo Ponto de Cultura
“Artéria – Cultura e Cidadania”, a
Cartografia da Cultura Candanga
em sua primeira versão, em 2009,
mapeou e diagnosticou um objeto
amostral de 39 grupos e 75 equipa-
mentos culturais. Na segunda versão,
em 2011, chegou a 59 grupos e com
o mesmo número de equipamentos.
A Cartografia da Cultura
Candanga é um mapa
das entidades culturais
da capital federal do país
para orientar brasilienses,
turistas, governos e estudiosos sobre os
seus processos e atuação. Seu objetivo
fundamental é mapear os grupos e as
entidades ligadas ao fazer cultural em
Brasília e extrair diagnósticos do setor,
para o melhor entendimento de como
esse fazer cultural se organiza e se articu-
la, para uma visualização qualificada da
rede formada por esses atores e agentes.
Segundo Raoni Machado, coordena-
dor do mapa cultural; “o desenvolvimen-
to deste projeto permitirá o acesso às
informações detalhadas sobre o cenário
cultural da cidade e a cadeia produtiva,
com as possibilidades que se abrem no
campo das associações e empreendi-
mentos”. Com isso, ganham todos. O
grande público, composto por mora-
dores da região e turistas, que terão
oportunidade de conhecer os grupos,
as informações detalhadas e as ativida-
des culturais desenvolvidas na região;
assim como, os grupos e as associações,
que terão os seus trabalhos divulgados,
potencializando as atividades por eles
O MAPA DA CULTURA
CANDANGADa Redação
Fotos: Divulgação
107
RAIZ.: Os dados culturais incluem infor-
mações do DF e as cidades satélites, quais
são as áreas que merecem mais atenção?
Teatros, salas de cinema ou oficinas?
Raoni Machado: Na primeira edição
foram mapeados 39 grupos e associações
culturais e 75 equipamentos culturais, e na
segunda edição ampliamos o mapeamen-
to para 59 grupos e associações. Segundo
Frederico Soares, geógrafo que fez o
seu mestrado na Universidade de Brasília
sobre a Catografia da Cultura Candanga
e teve participação fundamental na sua
construção metodológica, entre os dados
que chamam atenção, na primeira edição,
observa-se que, do total de grupos mapea-
dos, mais da metade possuem atividades
de ensino voltadas para o teatro, mas ape-
nas 14% dos entrevistados indicaram uma
frequência mensal ou semanal ao teatro,
e o restante dos entrevistados indicou que
raramente vão ao teatro ou que nunca
foram ao teatro.
O padrão de resposta que indica que
a maior parte dos entrevistados nunca foi
ou raramente frequenta um equipamento
cultural se repete quando relacionado
a outras atividades de formação. Ou
seja, normalmente, os entrevistados que
participam de alguma atividade ligada ao
audiovisual nunca ou raramente foram ao
cinema, assim como pessoas ligadas ao
desenvolvimento de artesanato nunca ou
raramente foram a museus (incluindo aí
centros culturais). Assim, a pesquisa indica
que esses grupos mapeados possivelmen-
te são a única forma de contato que os
entrevistados possuem com algum tipo
de atividade cultural. É claro que toda in-
O coordenador Raoni Machado
respondeu algumas perguntas via e-mail
para a revista RAIZ.
RAIZ.: Como surgiu a necessidade
da impressão da Cartografia da Cultura
Candanga?
Raoni Machado: A publicação da
Cartografia, também disponível de forma
interativa e com registros audiovisuais dos
grupos culturais mapeados em nosso
portal (www.redecandanga.com), é
importante como veículo de informações
para turistas e para as pessoas do DF
e entorno que ainda não conhecem o
portal. Esta é uma estratégia para divul-
gação do nosso portal Rede Candanga,
além de ser um mapa cultural útil de
ter sempre em mãos para quem quiser
conhecer o universo cultural da região.
Esta nova metodologia, segundo o
coordenador, é mais econômica e pode
atingir um número maior de atores e
instituições culturais. “Frente à pesquisa de
campo e aplicação presencial de ques-
tionários, essa ação é mais econômica,
permite maior alcance em menos tempo e,
principalmente, é sustentável, no sentido
de permitir a atualização periódica dos
dados, uma vez que o setor cultural é
extremamente dinâmico: muitos grupos
nascem, outros fecham as portas, mudam
de endereço, alteram suas atividades,
passam a atuar em novos projetos, enfim,
é preciso utilizar uma metodologia que
dê conta de captar este dinamismo, assim
como criar indicadores, que apreendam
as especificidades de cada segmento ou
circuito cultural, muitas vezes sem um
respaldo metodológico”, avalia.
ainda não sabemos. Mas eu considero
uma tentativa válida.
Primeiramente em âmbito federal e,
hoje, em todos os âmbitos, o Programa
Cultura Viva, tendo os Pontos de Cultura
como carro-chefe, é um exemplo desta
mudança de paradigma de que faláva-
mos. A proposta de “desvendar o Brasil
Profundo”, “de massagear os pontos
vitais, adormecidos, do corpo cultural do
país”, idéias sempre reforçadas pelo ex-
-Ministro Gil e o então Secretário da Ci-
dadania Cultural, Célio Turino, idealiza-
dores do Programa, nunca tiveram tanta
força no universo político da cultura. O
modelo de gestão também é algo ino-
vador em diversos pontos, por exemplo,
na tentativa de aproximação da gestão
política e econômica entre Estado e
sociedade civil, que prevê a gestão de
dinheiro público ao longo de 3 anos pelo
Pontos; no forte papel desempenhado
pelo Conselho Nacional dos Pontos de
Cultura – CNdPC nas decisões políticas
tomadas com relação aos Pontos; na
utilização dos Pontos de Cultura para
implementação de outras ações gover-
namentais, inclusive advindas de áreas
outras que não a cultura; na utilização,
por parte da sociedade civil, dos Pontos
como canais de comunicação com o
Estado; entre outras.
Claro que existe uma grande distância
entre a poesia dos conceitos, a inovação
da proposta de gestão e a realidade.
Os aperfeiçoamentos são necessários,
e o próprio ministério vem reconhecen-
do isso, impulsionado pelas pesquisas
elaboradas pelo IPEA que, apesar de
formação relacionada a esse trabalho deve
levar em consideração que essa não é uma
pesquisa amostral e que esses dados refle-
tem apenas a realidade dos entrevistados
(363 no total, na sua maioria estudantes
entre 12 e 24 anos).
A baixa frequência nesses espaços está
associada a fatores sociais de maior den-
sidade, como a segregação socioespacial
que concentra equipamentos (principal-
mente museus, centros culturais e teatros)
no Plano Piloto, Região Administrativa
distante da residência de grande parte dos
entrevistados. A concentração de equipa-
mentos culturais no Plano Piloto é o inverso
da distribuição da população, já que a
maior parte da população encontra-se na
região que abrange Taguatinga, Ceilândia,
Samambaia, Riacho Fundo e Recanto das
Emas. É justamente na região de maior
população que estão localizados os agen-
tes mapeados com maior articulação, ou
seja, com maior comunicação com outros
grupos, o que, dentro da uma concepção
de rede, é fundamental para o dinamismo
do setor. Os de maior articulação desta
rede são os Pontos de Cultura.
RAIZ.: Vocês afirmam que há mudanças
na relação do Estado com a Cultura. Você
poderia citar alguns exemplos nas esferas
municipais, estaduais e federal?
Raoni Machado: Sabemos que desde
a gestão do Gil, iniciada em 2003, cresceu
o entendimento das dimensões simbólicas,
econômicas e cidadãs como parte das va-
riadas práticas culturais. Essa compreensão
ampliada do conceito de cultura, dentro do
âmbito político-governamental, demandou
novos modelos de gestão, onde os concei-
tos de participação social, gestão compar-
tilhada, formação de redes, mapeamento,
etc., ganharam mais força. A formulação
e implementação de políticas culturais
parece, enfim, que ganhou uma maior vin-
culação com a realidade, transformando a
forma de fazer política desde um escritório
na esplanada, distante e desinteressada das
dinâmicas e especificidades das realidades
culturais que compõem o universo das cul-
turas brasileiras. Esta proximidade com a
realidade obriga, também, à transversa-
lidade das políticas. Na prática, sabemos
que cultura não se desvincula de educa-
ção, de saúde, de cidadania, enfim, está
permeada e permeia todos os fatores da
vida das pessoas. Logo, uma política que
quer ser efetiva, deverá considerar isso.
Os PPAs, desde o ano passado passaram
a incorporar esta visão, permitindo que
um ministério aloque ações e recursos
em outros ministérios, aumentando a
integração entre eles e com suas res-
pectivas vinculadas. O resultado efetivo,
“Existe uma grande distância
entre a poesia dos conceitos,
a inovação da proposta
de gestão e a realidade”
109
processo lançando mais editais por ano;
de iniciar uma integração concreta entre
as esferas nacional e distrital do Estado
por meio da plataforma SALIC WEB, do
Ministério da Cultura; e preocupação
por ampliar e aumentar o fomento da
cadeia produtiva por meio da divisão
dos editais em ações da cadeia produ-
tiva (Apoio ao Registro e à Memória,
Apoio à Montagem de Espetáculos,
Apoio à Difusão e Circulação, Apoio
à Manutenção de Grupos e Espaços,
Apoio à Criação e Produção; e Indica-
dores, Informações e Qualificação); a
preocupação por escutar os segmentos
em avaliações coletivas do fundo, com a
participação da sociedade civil.
As perspectivas que se abrem com a
implementação do Sistema Nacional de
Cultura e das metas do Plano Nacional
de Cultura que permeiam os exemplos
acima, são animadoras. Os desafios são
enormes, mas, como vocês podem ver,
eu sou otimista. Acredito na construção
política feita nos últimos nove anos,
apesar de alguns câmbios de concep-
ção durante o caminho, que servem,
também, para amadurecer a crítica e
aumentar a definição dos objetivos a
serem alcançados.
RAIZ.: A criação de redes - virtuais e
presenciais - tem dado bons resultados
na relação com o Estado?
Raoni Machado: Acho que a palavra
rede tem sido uma das mais faladas no
universo cultural. A disseminação da
ideia, por vaga que pareça e por polêmi-
não incluir os aspectos intangíveis da
experiência de ser um ponto de cultura,
apontam para modificações necessárias.
A reivindicação por marcos legais
que facilitem a prestação de contas e
contratação de serviços é um dos temas
mais discutidos. Outra forte reivindicação,
mais ampla, mas ainda tocante ao marco
legal, se refere à legislação que rege o
funcionamento de organizações não-
-governamentais que, ao se basearem
em contextos externos, não se adequam
à realidade do setor cultural brasileiro, tal
como a determinação pela proibição da
remuneração dos membros da direção de
uma OnG. A articulação em rede, apesar
de ser um dos conceitos originários dos
Pontos e do Programa Cultura Viva,
é um outro ponto fraco. O MinC tem
tentado compartilhar responsabilidades
e aumentar a capilaridade do Programa,
passando para as secretarias estaduais a
responsabilidade pela implementação dos
pontos e de sua articulação em rede. Mas
existe muito por fazer. Vejo este proces-
so, apesar das críticas feitas, não sem em-
basamento, como um amadurecimento
para ambos os lados, Estado e sociedade
civil organizada. Todas estas propostas
são muito recentes. Acho fundamental
o momento de avaliação e a posterior
correção de distorções.
No nível distrital, universo que conhe-
ço mais de perto, a reestruturação do
Fundo de Apoio à Cultura – FAC – trou-
xe avanços, ao meu ver, para região do
Distrito Federal: a ideia de dinamizar o
do distorções de poder. Os conceitos
citados muitas vezes não são alcançados
plenamente, nem mesmo por grupos
anarquistas da sociedade civil, quanto
mais pelo Estado. Acho que a sociedade
civil tem mesmo que forçar as mudan-
ças, somando-se e organizando-se, mas
também precisa entender a dificuldade
que é incorporar estes conceitos na dinâ-
mica do Estado, que é mais rígida. Digo
isso para o caso brasileiro, onde, por in-
cipiente que seja, existe uma intenção da
inclusão social nos processos de decisão
política. Em outros contextos, como o
que levou à primavera árabe, o embate
mais radical foi necessário.
Acho que o diálogo entre socieda-
de civil e Estado é tímido e precisa ser
ampliado. O Estado precisa se apropriar
das discussões sobre rede, dos modelos
de redes para as suas ações e criar os
meios para escutar a sociedade orga-
nizada. A sociedade precisa qualificar
as críticas, compreendendo a dinâmica
do Estado. Acho que esse é o caminho
para o diálogo construtivo e para as
necessárias mudanças.
ca que seja, é interessante, mas eu acho
que precisa haver maior alinhamento
deste conceito por parte do Estado.
Muito vezes escutamos a palavra rede
sem saber do que trata: pode ser um
grupo de email, uma lista de contatos ou
um grande número de pessoas, grupos
e/ou instituições em comunicação cons-
tante. Outras vezes, o conceito é muito
bem construído e na prática aquilo não
acontece. O conceito ou a discussão
sobre, uma vez que existem uma grande
pluralidade de conceitos, ainda não está
bem apropriada pelo Estado.
No campo das redes, o Estado pre-
cisa aprender muito com a sociedade
civil, afinal foi em seu interior que elas
nasceram, muito antes, inclusive, de
terem este nome. As redes estão por aí,
crescendo em diversidade e em número
de pessoas. As redes estão cada vez
mais em rede. Essa foi uma relação entre
pessoas que os meios de comunicação,
principalmente na internet, onde é pos-
sível a contra-hegemonia, consolidaram.
Não tem volta. O Estado vai precisar lidar
com isso, inclusive apropriando concei-
tos para aumentar a efetividade de suas
ações. Quer dizer, executar as suas ações
em rede é fundamental para o Estado.
Por isso o Sistema Nacional de Cultura é
tão interessante e parece apontar para
resultados expressivos.
Diversos princípios da teoria e da
prática das redes podem eventualmente
ameaçar as gestões de governo pelo
poder político descentralizado que têm:
horizontalidade, gestão compartilhada,
transversalidade, livre adesão, autono-
mia, enfim, são conceitos revolucionários
que precisam mesmo ser estudados e
trabalhados cuidadosamente, evitan-
“No campo das redes o
Estado precisa aprender
muito com a sociedade civil, afinal foi nela que nasceram
as redes.”
Para ter acesso a Cartografia da Cultura Candanga entrar em contato com a Artéria – Cultura e Cidadania
Fone: (61) 3964-0661
Emails: [email protected] / [email protected] / [email protected]
Site: www redecandanga.com
Registro audiovisual dos grupos mapeados: www.redecandanga.com/cartografia.
Serviço:
111
Alguns projetos se destacam, inclusive
pela magnitude dos recursos que rece-
berão. O Programa Cultura Viva terá um
total de R$ 46 milhões, sendo R$ 35 mi-
lhões dedicados ao empenho da segun-
da e da terceira parcelas dos convênios
em andamento; outros R$ 11,6 milhões
se voltarão ao edital Pontões de Cultura.
Mas o fundo alavancará um leque
amplo de rubricas, que vão da economia
criativa ao patrimônio, passando pela
A primeira reunião da Co-
missão do Fundo Nacional
da Cultural (FNC), realizada
no dia 6 de março, possibi-
litou que a ministra Ana de
Hollanda anuncie os investimentos do fundo
neste 8 de março com mais de 50% dos
seus recursos já com destinação definida.
Assim, do orçamento de R$ 256 milhões
do FNC em 2012, nada menos que R$ 133
milhões (ou 51,95%) já têm rumo traçado.
Da Redação
Fotos: Divulgação
MINC DÁ INÍCIO AOS INVESTIMENTOS DO FUNDO NACIONAL DE CULTURA DE 2012
área do livro e leitura e financiamento de
microprojetos e outras (veja planilha com
áreas e valores).
Economia Criativa – No que se refere
ao Projeto Criativas Birô, que evidencia o
avanço da Economia Criativa como um
dos temas do MinC, o FNC reservou R$
16 milhões para as 12 unidades que se-
rão instaladas das cidades-sede da Copa
do Mundo de 2014. Os Criativas Birô são
voltados ao atendimento e suporte téc-
nico de profissionais e empreendedores
criativos. Chegam no momento em que o
Brasil dá um salto em função dos projetos
relacionados ao Plano de Aceleração do
Crescimento que impactam diretamente
o cenário do Mundial de futebol.
No âmbito da Funarte, os micro-proje-
tos culturais para a Bacia do São Francisco
receberão R$ 16,8 milhões. Serão 1.050
projetos contemplados com R$ 15 mil
cada para o desenvolvimento das suas
propostas. O programa engloba um total
de 500 municípios na região do rio.
Na área do livro e leitura, foram
reservados pelo FNC cerca de R$ 10,5
milhões. A maior parcela –R$ 5 mi-
lhões– ficará para o edital de incentivo a
feiras do livro de estados e municípios.
O programa Bolsas de Tradução, de in-
ternacionalização da literatura brasileira,
dedicará R$ 1,5 milhão; a promoção
do livro brasileiro na Feira de Bogotá
Foto
: Div
ulg
açã
o
Ministra da Cultura Ana de Hollanda
113
Suas decisões servem para subsidiar a
aprovação final pelo MinC.
A Comissão é presidida pela ministra
Ana de Hollanda. Dela também fazem
parte secretários e presidentes das
instituições vinculadas do Sistema MinC
(Funarte, Ibram, Iphan, Casa Rui Barbo-
sa, Fundação Cultural Palmares, Ancine
e Fundação Biblioteca Nacional).
(Colômbia), que homenageará o Brasil e
cuja abertura ao público será em 18 de
abril, terá R$ 1 milhão.
R$ 16 milhões para o Pelourinho – O
FNC destinou também recursos para a
recuperação de imóveis no Pelourinho,
no centro histórico de Salvador. Dos
111 casarões sob risco de desabamen-
to, 70 se inserem em área tombada
pelo Instituto Nacional do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para este ano já estão destinados R$
16,9 milhões para contratação das
obras de estabilização dos imóveis.
Adicionalmente, o MinC está rece-
bendo cerca de R$ 300 milhões para as
Praças dos Esportes e da Cultura, que
fazem parte do PAC. “Isso é importante
para que possamos entender que o re-
curso para esse programa não compete
com os recursos de nosso orçamento.
Pelo contrário, é um fator que agrega,
uma importante conquista, pois o valor
representa mais do que o orçamento
total do FNC”, afirma o secretário-execu-
tivo do MinC, Vitor Ortiz.
A Comissão do Fundo Nacional da
Cultura (CFNC) é responsável por apre-
ciar e orientar os processos públicos de
seleção de projetos, avaliar as progra-
mações específicas, políticas nacionais
e setoriais, entre outras atribuições.
Foto
: Div
ulg
açã
o
Foto
: Div
ulg
açã
o
Foto
: Div
ulg
açã
o
importante dentro da cultura afro-
-brasileira e da cena musical paulistana.
Participando múltiplos eventos como a
noite de premiação da Mostra Interna-
cional de Cinema Negro, ‘Colombia Y
Brasil a Una Solo Voz”, comemorações
dos Aniversários da cidade de São Paulo,
Parada GLBT, Congresso Internacional
de Psicoterapia Corporal, recepção da
Delegação de Mali em Diadema, exposi-
ção de Pierre Verger no Masp, encontro
Quilombos do Brasil e, principalmente,
do carnaval de rua paulistano.
Mulheres tocando tambo-
res e homens dançando
os orixás parece uma
inversão de valores, mas
não é.
O Ilú Obá De Min – Educação, Cultura
e Arte Negra é uma entidade feminina
atuante, Ponto de Cultura com vários
projetos em andamento como oficinas,
aulas, cineclubes, banda afro e outros.
Fruto de um trabalho desenvolvido ao
longo de vinte anos de pesquisa, tendo
como base as culturas de matriz africana
e afro-brasileira. O objetivo é preservar e
divulgar a cultura negra no Brasil, man-
tendo diálogo cultural constante com o
continente africano através dos instru-
mentos, dos cânticos, dos toques no
processo de fortalecimento das mulheres
na sociedade.
Criado por Beth Beli e Adriana
Aragão, esta, uma rara mulher que
tem a permissão de tocar os tambores
sagrados dos cultos afro-brasileiros dos
terreiros em São Paulo. O grupo Ilú Obá
De Min vem se firmando como nome
Da Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ.
ILÚ OBÁ DE MIN, A FORÇA DAS MULHERESPARA A CULTURA NEGRA
Os perna de pau do Ilu Obá De Min
O Ilú Obá De Min realiza hoje cinco projetos:
Bloco Afro Ilú Obá De Min: para divulgar as tradições percussivas, musicais e
coreográficas africanas e afro-brasileiras a partir de oficinas de rua para mulheres.
Banda Ilú Obá De Min: de pesquisa musical. Composta por 30 mulheres ritmistas
tocando djembês, alfaias, ilús, agogôs e xequerês.
Corpo de baile Ilú Oba De Min: com seu trabalho voltado para a dança.
Ilú na Mesa ciclo de palestras e debates: voltado à promoção do debate sobre temas
voltados para educação, cultura e arte negra.
Triunfo das Heranças Africanas: para divulgar e dialogar com os inúmeros grupos
culturais brasileiros com ações voltadas para as culturas de raiz africana.
O carnaval é o momento onde todas
as atividades do Ilu Obá De Min conver-
gem, em suas saídas para interação com
a cidade e o público. Torna assim possí-
vel, o envolvimento de muitos na alegria
genuína do carnaval nas ruas do centro
de São Paulo, sob um prisma diferente
de arquitetura, espaço, ocupação.
Realizando um trabalho sério e com-
prometido, o Ilu Obá De Min não para
de crescer seus participantes e suas
atividades. Este ano o grupo mal cabia
nas ruas centrais da cidade com seus
adereços, batuques e pernas de pau,
cercado pela multidão que se divertia
e conhecia um pouco mais de nos-
sa cultura afro, pela voz e mãos das
mulheres do Ilú, como a entidade é
carinhosamente chamada.
Ilú Obá De Min - Educação, Cultura e Arte NegraAlameda Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos
São Paulo/SP
Fone: (11) 3222-5566
Site: www.iluobademin.com.br
O Ilú Obá De Min recomenda: www.criola.org.br
www.palmares.gov.br
www.planalto.gov.br/seppir
www.cultura.gov.br
www.amulherada.org.br
www.casadeculturadamulhernegra.org.br
www.sec.rj.gov.br/atabaquevirtual
www.cedefes.org.br/new
Serviço:
Os orixás representados
A bateria de mulheres
O tambor de crioula, o maracatu, o carnaval de rua, o cordel.
A Arte e a Cultura de do nosso Brasil vem que cada canto, de cada gueto,
vem do sertão, vem do artesão mineiro, da escritora baiana, do
cordel pernambucano, da pintora catarinense, vem da Raiz do nosso país.
E da Raiz., vai pra todos os lugares. Onde existir alguém
conectado vai haver um artista brasileiro em destaque,
seja nas páginas impressas da Raiz., no Portal, no tablet ou nas redes sociais.
A #NovaRevistaRaiz vai trazer muito mais informação,
dicas e acesso a uma cultura genuinamente brasileira.
O QUE É DE RAIZ TAMBÉM ESTÁ NA REDE
www.revistaraiz.com.br
www.facebook.com/revistaraiz
youtube.com/revistaraiz
@revistaraiz