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A esquerda debate sua estratégia O proletariado não nos faltará Das efemérides, fazer uma revolução ESQUERDA PETISTA revista #11 2020 SETEMBRO ISSN 2358-2413 REVISTA ESQUERDA PETISTA 1822 PÁGs. 64 A 73 PÁGs. 31 a 39 PÁGs. 88 a 129 1922 2022 QUE BRASIL TERÁ?

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Page 1: revista QUE ESQUERDA BRASIL TERÁ? PETISTA 2022 · com Obama, que aliás é o maior serial killer a ganhar um Prê-mio Nobel da Paz de que se tem notícia. Suas ordens executivas

A esquerda debate sua estratégia

O proletariado não nos faltará

Das efemérides, fazer uma revolução

ESQUERDAPETISTA

revista

#11 2020 SETEMBROISSN 2358-2413

REVISTA ESQUERDA PETISTA

1822

PÁGs. 64 A 73 PÁGs. 31 a 39 PÁGs. 88 a 129

1922

2022

QUE BRASIL TERÁ?

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ANOS DO GOLPE

20162020

Dilma Rousseff

“Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de

estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para

continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é

soberano.”

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EDITORIAL

Muito o que debater,muito pelo que lutar p. 2

INTERNACIONAL

A pandemia e a crisesistêmica do capital | Daniel Valença p. 6

Balanço geral: pandemia,neoliberalismo e classetrabalhadora | Eliane Cabral da Silva & Roni Mayer Lomba p. 8

NACIONAL

Um panorama geral do Brasil pós-golpe | Natália Bonavides & Natália Sena p. 13

Por detrás dos mapas | Ana Lídia Aguiar p. 18

A pandemia: dois vírus euma tragédia humanitária | Eleonora Menicucci p. 26

ENTREVISTAGALO BOM DE BRIGA | Paulo Galo, fundador do Movimento Entregadores Antifascistas p. 31

MEMÓRIA

Celso & Florestan p. 40

Raça e Pensamento Social Brasileiro | Suelen Aires Gonçalves p. 42

DOM PEDRO CASALDÁLIGA:fazedor de lutas e poemas | Paulo Maldos p. 48

Engels, vida e obra | Wladimir Pomar p. 54

PARTIDO

Questões para a reta final | Múcio Magalhães p. 57

Questões para o partido pós eleições | Patrick Araújo p. 60

EDITORA

EXPEDIENTE

ESQUERDA PETISTA é uma publicação da Editora Página 13, sob responsabilidade da direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência do Partido dos Trabalhadores.

Direção Nacional da AE:

Mucio Magalhães (PE), Valter Pomar (SP), Damarci Olivi (MS), Daniela Matos (DF), Natália Sena (RN), Jandyra Uehara (SP), Patrick Araújo (PE), Júlio Quadros (RS).

Comissão de ética nacional:

Jonatas Moreth(DF), titular; Sophia Mata (RN), titular; Rosana Ramos (SP), suplente; Pere Petit (PA), suplente Conselho Editorial da Editora Página 13:

Elisa Guaraná, Francisco Xarão, Giovane Zuanazzi, Jandyra Uehara, Luiz Momes-so, Marcos Piccin, Pamela Kenne, Paulo Denisar, Pedro Pomar, Pere Petit, Rodrigo César, Rosana Ramos, Rosângela Alves de Oliveira, Sonia Fardin, Suelen Aires Gonçalves

Editor: Valter Pomar

Diagramação: Cláudio Gonzalez (MTb 28961-SP)Colaborou: Lucas Reihner

Secretaria Gráfica e Assinaturas: Edma Walker ([email protected])

Endereço para correspondência: R. Silveira Martins, 147 conj. 11 - Centro - São Paulo - SP - CEP 01019-000

ESQUERDAPETISTA

revista SUMÁRIO

BICENTENÁRIO 1 8 2 22 0 2 2

ESQUERDA PETISTA #11 - 2020

SÓ A LUTA IMPEDIRÁA CATÁSTROFEBreno Altman, José Genoíno, Rui Falcão e Valter Pomar p. 64

ESPECIAL

O horizonte de expectativase as tarefas da esquerda | Maria Caramez Carlotto p. 88

Entre cultura e civilização: um nacional de arcaísmos e autoritarismos | Mateus Santos p. 92

Alguns desafios dos comunistas em 2022 | Marcos Jakoby p. 99

A criação do Partido Comunista em 1922 | Yuri Soares p. 104

As revoltas tenentistas no Brasil | Leandro Eliel P. Moraes p. 109

O sujeito confuso da luta de classes | Lucas Reinehr p. 116

Fora! Fu! Fora o bom burguês!… que assim seja a Semana de 2022 | Sônia Fardin p. 122

Verdade, a primeira vítima:meningite e Covid-19 | Sílvia Fernandes & Flávia Fernandes p. 130

Cartas sobre Belford Roxo p. 74

LIVROS

Dossiê Pandemia | Queren Rodrigues p. 76

Armadilha da identidade: raça e classe nos dias atuais | Giovane D. Zuanazzi e Laurem J. P. Aguiar p. 84

RESUMO DA ÓPERAUm panorama descritivo das dez primeirasedições da revista Esquerda Petista | Damarci Olivi p. 136

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2 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

EDITORIAL

A edição número 11 da Esquerda Petista começa a circu-lar num ambiente de crise sistêmica mundial. Ou seja, em meio a conjugação orgânica de inúmeras crises (am-

biental, sanitária, social, econômica, política, nacional, geopolí-tica & cultural).

De conjunto, trata-se de uma crise do capitalismo, por dois motivos. O primeiro motivo é que no centro da crise estão as dificuldades do processo de acumulação, dificuldades que fica-ram muito claras em 2008. O segundo motivo é que a sociedade que está em crise, a sociedade em que vivemos, é organizada em torno da acumulação de capital e, portanto, a crise sistêmica desta sociedade é uma crise sistêmica do capitalismo, fato difícil de ser compreendido por quem enxerga o capitalismo apenas como “economia”, no sentido estrito da palavra.

A última crise sistêmica teve seu epicentro entre 1914 e 1945. Foram trinta anos de caos global. Duas guerras mundiais, uma crise econômica geral, o nazifascismo, várias revoluções so-cialistas, duas delas vitoriosas e decisivas para compreender os dias de hoje: a de 1917, na Rússia e a de 1949, na China.

Foi no contexto daquela crise sistêmica que ocorreram, na América Latina e Caribe, a grande revolução mexicana inicia-da em 1910, o movimento tenentista no Brasil nos anos 1920 e a chamada Revolução de 1930, a guerra contra os invasores ianques na Nicarágua (1927-1933), o levante dirigido pelos co-munistas em El Salvador (1932), o governo de Lazaro Cardenas no México (1934-1940), a primeira participação de Peron no governo argentino (1943) etc.

Aquela crise sistêmica abriu a janela, também, para que alguns importantes países da América Latina (México, Argen-tina, Brasil) dessem início a um ciclo de industrialização, de urbanização e de modernização, abrindo a perspectiva de um desenvolvimento capitalista autônomo na região.

Concluída a Segunda Guerra, em 1945, os Estados Unidos se jogaram à tarefa de “fechar a janela”. Na prática, isso colocou os defensores do desenvolvimento capitalista autônomo na re-gião diante de um imenso dilema. Pois a luta consequente por um capitalismo autônomo lhes colocava em potencial choque, maior ou menor, mais explícito ou menos explícito, com os

EUA. E, portanto, podia colocá-los diante da situação de serem convertidos, ou pelo menos a serem tratados, como se fossem aliados objetivos do principal oponente da potência hegemôni-ca do mundo capitalista. O que, evidentemente, gerava contradi-ções para um projeto que se queria capitalista, mas não queria se limitar a condição dependente e associado.

É este um dos problemas de fundo que marca o período que se abre em 1945, durante o qual a América Latina e Caribe seguiu sacudida por profundos conflitos econômicos, sociais e políticos, que tiveram duas fontes principais: a pressão dos Es-tados Unidos sobre seu quintal e as contradições do capitalismo dependente.

O Bogotazo (1948), o governo Jacobo Arbenz na Guate-mala (1951), a revolução boliviana (1952) e a revolução cuba-na (1959) foram marcos deste período. Sendo que a revolução cubana marcou um ponto de inflexão, para os dois lados em disputa. Logo depois, em 1964, começa o ciclo de ditaduras mi-litares; vinte anos depois, começam as democracias neoliberais; e na segunda metade dos anos 1990, começa o ciclo geralmente denominado como de governos progressistas e de esquerda.

Infelizmente, a maioria dos governos progressistas e de es-querda que tivemos, na América Latina, a partir de 1998, não entendeu adequadamente a situação aberta pela crise de 2008. Por conta disto, parte destes governos reagiram como se esti-véssemos em Woodstock, quando estávamos na Chicago de Al Capone.

A ofensiva dos Estados Unidos sobre a região, a partir de 2008, combinada com as movimentações feitas no plano inter-nacional, não conseguiu superar os problemas de fundo pre-sentes na situação mundial, seja no plano da acumulação de capital, seja no plano geopolítico. E a pandemia agravou vários desses problemas.

É neste quadro, portanto, que devemos inserir a queda do PIB de grandes potências e as notícias de uma segunda onda da pandemia. Pandemia que é mais forte exatamente nas Améri-cas: temos aproximadamente 13% da população mundial e 64% das mortes, como se destaca em um dos artigos desta edição de Esquerda Petista.

Muito o que debater, muito pelo que lutar

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Os Estados Unidos da América e o Brasil são recordistas em número de óbitos e casos de Covid-19 no interior do con-tinente. Contudo, outros países da região, como Chile, Peru, Equador, México também se destacam pelo avança da doença e pelos altos números de óbitos em seus territórios. Aqui temos os negacionistas, a turma do isolamento parcial sem medidas adequadas e, minoritariamente, os países que adotaram políti-cas adequadas de combate ao Covid19.

Nesta situação mundial, destaca-se a proatividade da Chi-na, em aliança com a Rússia. Um exemplo recente é o da coo-peração destes países com o Irã. Os EUA já ameaçaram impor medidas punitivas contra empresas chinesas, mas não há sinais de que isso vá fazer a China recuar. Visto globalmente, o mais provável é que, para fazer frente a estas dificuldades geopolíti-cas, no prazo de tempo necessário, os Estados Unidos ampliem o investimento em “revoluções coloridas”, em guerras por pro-curação e em conflitos militares abertos. Motivo pelo qual nós, que vivemos no que eles consideram seu pateo trasero, devemos esperar mais e não menos pressão. Por exemplo, nas operações abertas e encobertas para impedir uma vitória eleitoral da es-querda na Bolívia e no Equador.

Uma incógnita relacionada com isto é o desfecho das elei-ções presidenciais nos Estados Unidos. Trump, antes da pande-mia, caminhava para uma vitória. Depois da pandemia e do le-vante da população negra, as pesquisas indicam uma vantagem Democrata. Acontece que as características do sistema eleitoral nos EUA, somadas às fortalezas da candidatura Trump e as de-bilidades da candidatura Biden, não eliminam a possibilidade de uma vitória republicana.

Quais são estas fortalezas? Trump disputa a reeleição, o que lhe dá algumas vantagens. Ademais, ele provavelmente se sairá melhor que Biden, nos debates que são tão importantes nas eleições daquele país. Além disso, Biden precisa atrair o voto conservador dissidente e o voto de esquerda, ligado a Ber-nie Sander. O que é uma operação difícil de fazer, ao mesmo tempo.

Do ponto de vista político, certamente uma derrota de Trump afetaria negativamente Bolsonaro. Mas é preciso com-

bater as ilusões sobre os efeitos de uma possível vitória Demo-crata: não alteraria, no fundamental, a política imperialista dos EUA. Não custa lembrar, aliás, que a operação contra os gover-nos progressistas e de esquerda na América Latina começou com Obama, que aliás é o maior serial killer a ganhar um Prê-mio Nobel da Paz de que se tem notícia. Suas ordens executivas causaram a morte de milhares de pessoas, assassinadas em atos de terrorismo de Estado. Mortos sem julgamento.

Por estes e por outros motivos, ansiamos por que a esquer-da dos EUA construa uma alternativa independente. Por duas eleições seguintes, o melhor candidato – Bernie Sanders—foi bloqueado pela mesma máquina a qual ele agora apoia no pro-cesso eleitoral, em nome de evitar o mal maior.

Enfim, visto de conjunto o quadro não é propriamente alentador e, ao menos na América do Sul, não vai sofrer uma mudança sistêmica enquanto não mudar a situação política no Brasil, onde o quadro também é de instabilidade econômica, social e política. Mas desde a prisão de Queiroz – paradoxal-mente – o governo Bolsonaro vem conseguindo recuperar certa margem de manobra.

O número de mortes devido a pandemia ultrapassou os 120 mil; 40 milhões de trabalhadores não conseguem trabalho; as políticas sociais vêm sendo destruídas e a economia segue decaindo, mas apesar disso a popularidade de Bolsonaro segue resiliente.

Por qual motivo isto ocorre? Não há uma causa única, sen-do importante dar atenção para pelo menos quatro variáveis.

Primeiro, Bolsonaro conseguiu capitalizar a seu favor a ajuda emergencial. Segundo, há aspectos do discurso de Bolso-naro que estão em sintonia com medos, preconceitos e crenças de camadas importantes da população. Terceiro, prevalece nas elites a postura de buscar um acordo com Bolsonaro, seja para evitar o aprofundamento da crise política, seja para proteger a política econômica, e também para tentar evitar o fortaleci-mento da esquerda e do PT. Como parte desta “preocupação” conosco, existe um movimento articulado para evitar punições aos criminosos da Lava Jato. E também para impedir o aprofun-damento das investigações sobre os crimes do clã. Sintomati-

EDITORIAL

É preciso perceber que existe uma operação nacional que busca isolar e enfraquecer o PT. É neste sentido que o PT tem que nacionalizar o debate político eleitoral. O que, por outro lado, é uma atitude coerente com a situação política, econômica, social e sanitária: mais do que nunca, a margem de manobra das prefeituras está diretamente relacionada a políticas nacionais

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camente, algumas decisões judiciais tem beneficiado vários dirigentes petistas, mas Lula segue condenado e sem os di-reitos políticos.

Uma quarta variável: a oposição de esquerda vem deixando a desejar, sob vá-rios aspectos. Desde a demora em assu-mir a palavra de ordem do Fora Bolsona-ro – a história poderia ter seguido outro caminho, se tivéssemos posto pressão na hora certa, passando pelas já comentadas dificuldades de mobilização, incluindo uma pegada inadequada para enfrentar as eleições de 2020, sem falar no mais grave de tudo: a divisão entre os que de-fendem um caminho pela esquerda, de oposição ao conjunto do governo e de suas políticas, e os que defendem uma aliança com uma parte do lado de lá.

Não está claro, ainda, que repercus-sões terá esta relativa melhoria da popu-laridade de Bolsonaro, sobre a política econômica do governo. Nem está claro, por outro lado, que impacto a resiliência de Bolsonaro terá sobre a eleição muni-cipal de 2020.

Embora existam – em maior ou menor grau -- candidaturas bolsonaris-tas, isso não se traduz na existência de uma coalizão ou de um partido específi-co cuja vitória ou cuja derrota possa ser atribuída ao presidente da República.

Além disso, embora haja articula-ções nacionais entre blocos de partidos, o grande número de municípios, a diver-sidade de situações locais, uma eleição realizada em condições de pandemia, a novidade (com efeitos ainda controver-sos) da proibição de coligações propor-cionais, tudo isto conduz a concluir que não necessariamente a eleição deste ano terá nítidos vencedores e perdedores.

Mas é preciso perceber que existe uma operação nacional que busca isolar e enfraquecer o PT. É também por isto que o PT tem que nacionalizar o debate político eleitoral. O que, por outro lado, é uma atitude coerente com a situação política, econômica, social e sanitária: mais do que nunca, a margem de mano-

bra das prefeituras está diretamente rela-cionada a políticas nacionais.

Isso exigirá campanhas politizadas, que saibam vincular adequadamente os temas locais, com as grandes questões políticas nacionais, o que inclui apre-sentar nossas posições (Fora, anula STF etc.) e também inclui a denúncia firme das opções políticas do governo federal: a política genocida que levou mais de 120 mil brasileiros a morrerem de Covid 19 (havendo risco de uma nova onda, devido ao relaxamento geral do isola-mento, agravado onde houver volta às aulas presenciais); dois anos sem política de salário mínimo, ataques ao funciona-lismo público e pressão para estender por mais 60 dias autorização para cortes de salários e jornadas, agravando ainda mais a situação do mercado de trabalho; as ameaças contra importantes políticas públicas (caso do Fundeb) e direitos so-ciais (risco de perda de vários direitos sociais, embutida na proposta de Renda Brasil); privatizações de empresas públi-cas brasileiras (caso dos Correios); e uma queda do PIB que é a maior desde 1980 (o que não impede que alguns setores do empresariado estejam lucrando muito).

Neste contexto, é um dado em si mesmo positivo que o PT, além de or-ganizado em 3.931 municípios (91% do

eleitorado), tenha conseguido lançar candidaturas em 1.566 municípios (60% do eleitorado). Números superiores aos de 2016 (tínhamos 993 candidaturas, 42% do eleitorado) e também superiores a 2012 em termos de eleitorado (tínha-mos 1.801 candidaturas, que cobriam 54% do eleitorado). Vale destacar que, das 96 cidades capitais e/ou cidades com mais de 200 mil eleitores, teremos em 2020 candidaturas majoritárias petistas em 83 (38% do eleitorado).

Entretanto, apesar de os números indicarem algo de positivo, uma boa quantidade de candidaturas, faltam da-dos para uma análise política mais pre-cisa, qualitativa, do quadro de candida-turas majoritárias e proporcionais; e, ao menos nas grandes cidades, as pesquisas neste final de agosto de 2020 não são positivas para as candidaturas petistas (lembrando que o PT tem histórico de crescer ao longo das campanhas, mas de campanhas normais; não sabemos como será a dinâmica nesta eleição em situa-ção pandêmica).

Além disto, existem alianças con-troversas que, apesar de não serem a maioria dos casos, causam um estrago político imenso. Por exemplo no caso de Belford Roxo. Os dados disponíveis até agora indicam que o PT fará 118 alianças

É preciso que o Partido inclua com força, nas campanhas, o tema do Fora Bolsonaro

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5ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

com o MDB, 65 com PP, 60 com PSD, 36 com PL, 25 com Republicanos, 21 com PSDB, 17 com Solidariedade, 14 com o DEM...

Quanto às candidaturas a vereador, temos hoje mapeados 17.829 candidatos e candidatas. Em 2012, tivemos 40.960 candidaturas a vereador, em 2016 tive-mos 21.629. Então, a permanecer como está, estamos em queda, embora os nú-meros acima devam crescer, a medida que renda efeito a busca ativa que vem sendo feita pela secretaria nacional de organização do PT.

Independente dos números, a ques-tão política é o fundamental, e a direção nacional do Partido não tem consegui-do, até o momento, analisar a situação e fazer os movimentos necessários para potencializar nosso resultado. O fato é que a atitude adotada no caso de Recife foi a exceção; a regra tem sido a atitude adotada no caso de São Paulo e de Bel-ford Roxo.

E o que devemos fazer diante disso, é o que já temos falado aqui há muitas semanas: devemos pressionar para que o Partido enfrente estas questões, e eleve o nível político ideológico das campanhas e para que a eleição de 2020 cumpra de fato algum papel na luta contra o gover-no Bolsonaro.

Isso inclui muita iniciativa na defe-sa dos direitos humanos, das mulheres, da juventude e das crianças, especial-mente negras.

O caso da criança estuprada por um tio, que teve que fazer uma inter-rupção legal da gravidez, é emblemáti-co e horripilante, mas não constitui em si uma novidade ou fato isolado; o que constitui uma novidade é participação pessoal do presidente da República, de ministros e parlamentares bolsonaristas, na tentativa de desrespeitar a lei e inter-ferir na decisão da menina, da família e dos médicos.

O grupo bolsonarista foi derrotado e a vida da criança foi respeitada. Mas é preciso perceber que a direita tornou o

tema uma questão de Estado, além de mobilizar o submundo a seu favor. Con-firmando que a violência contra a crian-ça é um elemento permanente deste go-verno, vide o que está ocorrendo na edu-cação, no trabalho infantil e na prostitui-ção infantil. É preciso lembrar, também, que durante a pandemia e o isolamento social, a violência contra as mulheres e as crianças tem aumentado, tendo como um dos motores o patriarcado, que deve ser duramente combatido. O referido episódio da criança, portanto, não é um caso isolado, não é um tema setorial: é a ponta de um iceberg, uma manifestação mais do machismo, do patriarcado, da violência institucionalizada, da tortura. É preciso reagir: todo rigor da lei contra o tio criminoso; todo rigor da lei contra quem divulgou publicamente dados so-bre a criança, protegidos por segredo de justiça; defender a legislação que garante a interrupção legal da gravidez, nos casos previstos; garantir que haja atendimento médico (dezenas de hospitais já avisaram que não cumprirão o procedimento pre-visto em lei); impedir retrocessos no Par-lamento e no STF .

Ao mesmo tempo, é preciso que o Partido inclua com força, nas campa-nhas, o tema do Fora Bolsonaro, fora Mourão, fora este governo e suas políti-cas, Anula STF e devolução dos direitos políticos de Lula.

É nesse espírito que a tendência petista Articulação de Esquerda – res-ponsável por editar esta revista Esquerda Petista – segue atuando.

Grande parte deste esforço tem sido feito pelos nossos militantes, pelas direções municipais e estaduais, pelas coordenações setoriais, cada qual no seu âmbito específico.

Outra parte deste esforço tem sido feito pela direção nacional, tanto no ter-reno organizativo, quanto no terreno político ideológico. Esse esforço inclui a manutenção do site Página 13; as duas edições semanais do poadcast A esperan-ça é vermelha; a edição semanal do Anti-

vírus; a edição quinzenal do Contramola; a a edição mensal do jornal Página 13; e, agora a retomada da revista Esquerda Petista.

Além disso, temos contribuindo para realizar importantes atividades, como é o caso do ciclo de debates do tex-to “Só a luta impedirá a catástrofe”, em atividades virtuais voltadas aos estados de Sergipe, Rio Grande do Norte, Ala-goas, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Piauí. Destas atividades, parti-ciparam diferentes setores do Partido dos Trabalhadores e também amigos do Partido, da Campanha Lula Livre, da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo. O ciclo foi encerrado com uma atividade com a companheira Dil-ma Rousseff, que contou com cerca de 5 mil pessoas online.

No mesmo espírito, está sendo or-ganizado outro ciclo, sobre os “40 anos do PT: balanço e perspectivas”. Também nos envolvemos ativamente na mobili-zação contra o apoio ao bolsonarista na cidade de Belford Roxo. O ápice deste es-forço foi o abaixo assinado que contou com quase 2,3 mil assinaturas, entre as quais de 6 ex-presidentes nacionais do PT e de 3 ex-presidentes da Câmara dos Deputados.

Outra frente em que atuamos foi o debate sobre o “Programa de reconstru-ção e transformação”. Embora o texto aprovado tenha aspectos positivos mui-to importantes, segue prevalecendo uma postura recuada em temas como as for-ças armadas, as policias, o capital finan-ceiro e, no geral, acerca da embocadura geral do programa, que nós defendemos fosse democrático-popular e socialista.

O debate programático é um dos motivos pelos quais iniciamos desde já a discussão sobre o bicentenário da in-dependência e o centenário dos sucessos de 1922. Como se verá no sumário desta edição número 11, há muito o que deba-ter. E há muita luta por travar.

A editora e os editores

EDITORIAL

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6 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

A pandemia e a crise sistêmica do capital

Se o sistema não responde às necessidades humanas mais básicas, como a vida, não resta outra alternativa senão sepultá-lo

INTERNACIONAL

A Pandemia ex-

pôs as contradições, debilidades e inca-pacidade do capitalismo em satisfazer as necessidades humanas mais básicas. Temos condições tecnológicas e mate-riais para lidar com uma crise dessa na-tureza, com um número mínimo de ví-timas, mas a alocação da riqueza social-mente produzida para a acumulação e reprodução do capital impediu que isto acontecesse. O exemplo máximo disto são os Estados Unidos, mas a Europa Ocidental tampouco fugiu dessa regra.

Se os Estados Unidos já passam das 174 mil vítimas, o Reino Unido amar-ga mais de 41 mil, a Itália 35 mil, a França 30 mil, e a Alemanha mais de 9 mil vítimas (dados do início de agosto de 2020).

Nossa luta imediata é por forta-lecer sistemas públicos de saúde e ga-rantir que o Estado intervenha no sen-tido de salvar as pessoas, atribuindo aos ricos, bancos e grandes empresas

o papel de arcar com a crise. A médio prazo, porém, o socialismo é o nosso horizonte, pois só por meio do fim da sociabilidade capitalista é que os recur-sos disponíveis à humanidade poderão ser utilizados efetivamente para servi--la de acordo como suas necessidades, carências e desejos. Não foi por acaso que foram os países de orientação so-cialista, como China, Vietnã e Cuba, que melhor apresentaram as respostas à pandemia.

A China, surpreendida pelo novo Coronavírus, teve menos de cinco mil vítimas; Cuba, a Ilha socialista sob embargo e que sobrevive do turismo de mais de 3 milhões de visitantes por ano, teve 88 vítimas e Vietnã, país de 95 milhões de habitantes, apenas 25 vítimas.

A corrida pela vacina também se revela como um exemplo emblemá-tico da lógica do capital. Enquanto Cuba começa a desenvolver a sua pró-

pria vacina, e China e Rússia já afirma-ram que não patentearão as suas, la-boratórios privados, dos EUA e países da Europa Ocidental, veem na vacina uma nova oportunidade para acumu-lar. Trata-se, tão somente, de uma ex-pressão da tendência metabólica do capital em dar a tudo valor de troca, mercantilizando direitos fundamen-tais e inegociáveis como é a saúde.

Mas a crise não é apenas sanitária; ao contrário, a crise cíclica do capital que estava em curso aprofundou-se com a pandemia e tornou-se a mais profunda crise econômica, política e sanitária do último século. E, como crise sistêmica, é fundamental que a resposta a ela também seja sistêmica. A tendência é que as contradições, os conflitos que estavam em curso antes da pandemia se intensifiquem cada vez mais.

O lento, porém, progressivo de-senvolvimento das forças produtivas

por Daniel Valença

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7ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

chinesas levará à alteração da geopo-lítica internacional, estabilizada desde a queda da União Soviética. A derrota dos Estados Unidos no campo econô-mico deverá ter consequências ainda mais profundas no campo político-mi-litar – a ação de Trump no acordo en-tre Israel e Emirados Árabes e a proi-bição de voos privados dos Estados Unidos para Cuba na mesma semana, demonstram que o país jogará todas as suas cartas para manter o domínio mundial a fogo e ferro.

Nós, latino-americanos, nesse ce-nário, não podemos ter dúvidas de que a luta de classes na região irá se agudizar. E, nesse sentido, tanto En-gels como Lenin nos orientam a tran-sitar pela institucionalidade de forma estrategicamente revolucionária. Isso significa que não devemos encará-las como um fim em si mesmo, confor-me a apologia democrática-liberal, mas sim como um meio de explorar as contradições sistêmicas do modo de produção capitalista inclusive em suas formas políticas e institucionais.

Dessa maneira, é fundamental que a esquerda defenda as condições básicas de reprodução social das clas-ses trabalhadoras – salários, empregos, renda básica; as conquiste para uma posição de luta em plena pandemia. Por outro lado, é necessário que ela aponte para a classe trabalhadora como os ricos colocaram as vidas de quem vive do seu trabalho em risco, para manter a acumulação e repro-dução do capital. A esquerda tem de apontar que as vítimas de Covid-19

INTERNACIONAL

A corrida pela vacina se revela como um exemplo emblemático da lógica do capital

É fundamental que a esquerda defenda as condições básicas de reprodução social das classes trabalhadoras – salários, empregos, renda básica; as conquiste para uma posição de luta em plena pandemia

Governo SP/Fotos Públicas

não atendiam a um princípio demo-crático (“vírus democrático, que a to-dos afeta), mas que trabalhadoras, tra-balhadores, negros, indígenas, enfim, quem produz realmente a riqueza no mundo foi quem foi exposto à morte.

E aí, se este sistema não responde às necessidades humanas mais básicas, como a vida, não resta outra alternati-va senão sepultá-lo.

DANIEL VALENÇA é professor da gra-duação e mestrado em Direito da UFER-SA, Vice-Presidente do PT/RN.

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8 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

INTERNACIONAL

No mês de agos-to de 2020 atingimos a triste marca de mais 800 mil vítimas da Covid-19 no

mundo. O vírus Sars-Cov-2, identifica-do na China no final de 2019, de uma forma nunca observada pelas gerações mais recentes, se espalhou rapidamen-te para inúmeras regiões do planeta. Informações da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam o continente americano como o que mais concentra casos da doença e óbitos pelo Coronaví-rus no mundo. Dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) apon-

tam que as Américas, que têm aproxi-madamente 13% da população mun-dial, concentram 64% das mortes em decorrência da Covid-19 notificadas até a data de 18 de agosto de 2020.

Os Estados Unidos da América e o Brasil aparecem (até a data mencio-nada) como recordistas em número de óbitos e casos de Covid-19 no interior do continente. Contudo, outros países da região, como Chile, Peru, Equador, México também se destacam pelo avan-ça da doença e pelos altos números de óbitos em seus territórios. Os Gráficos das Figuras 1, 2, divulgados pela OMS dão um panorama da evolução da pan-demia nas principais regiões do mun-do até 20 de agosto de 2020.

Balanço geral: pandemia, neoliberalismo e classe trabalhadora

Este ensaio trata do contexto recente da vida humana sob a pandemia

provocado pelo Coronavírus. Problematiza a relação existente entre o avanço

da doença e o modelo societário hegemônico, expondo suas características

classistas e racializadas; e defende que a superação da crise de saúde e

econômica mundial, que se aprofundam nesse cenário de pandemia, não será

possível a partir da lógica da sociedade capitalista neoliberal.

por Eliane Cabral da Silva & Roni Mayer Lomba

Fotomovimiento/Fotos Públicas

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INTERNACIONAL

A atual situação pandêmica trata-se de um colapso anunciado num mundo de economia globalizada. Alertas so-bre a possibilidade de que um evento dessa natureza pudesse acontecer não são recentes. Epidemiologistas e pes-quisadores de áreas das ciências bioló-gicas, física, entre outras, já levantavam há algum tempo essa possibilidade, ao estudarem os impactos da exploração predatória da natureza e o comércio de animais vivos em regiões tropicais úmi-das com grande densidade demográfica. Asseguravam que a alteração da biodi-versidade e a desarmonia do equilíbrio

ecológico nesse de tipo região climática, associada a intensa ocupação humana, poderia potencializar a contaminação de populações com mutações de vírus presentes nas outras espécies.

Uma leitura mais geográfica das transformações que ocorreram no mun-do, nas últimas quatro décadas, com atenção para as mudanças nas forma de reprodução/ acumulação do capital, que passaram a ser hegemonizadas por uma economia rentista que intensifi-cou a internacionalização da produção e dos mercados e promoveu a redução do investimentos pelos governos nas

áreas de saneamento, saúde e proteção ambiental, também demonstra as faci-lidades que um vírus, altamente conta-gioso como é o Sars-Covid-2, teria de se espalhar diante desse cenário de econo-mia globalizada. De acordo com Harvey (2020), experiências passadas já haviam demonstrado que um dos inconvenien-tes da globalização crescente é a impos-sibilidade de parar de forma rápida a difusão internacional de novas doenças, afinal, vive-se num mundo intensamen-te conectado, em que muitas pessoas viajam. Assim as redes humanas para a difusão potencial são vastas e abertas.

O aprofundamento da internacio-nalização do capital sob a perspecti-va rentista, que se iniciou no segunda metade do século do XX e faz-se domi-nante no mundo no final desse mesmo século, se deu associada ao avanço da conectividade, circulação entre lugares e da ampliação da produção de mer-cadorias, com impactos relevantes so-bre a natureza. Os avanços nas técnicas permitiram o que Harvey (2005) clas-sifica de compressão tempo/espaço da produção, fazendo com que as pessoas (não todas), as mercadorias e as infor-mações circulassem com mais rapidez e fluidez pelo mundo. Essa aceleração no tempo da circulação (pessoas e mer-cadorias) também possibilitou rapidez na propagação do vírus, que registrado em Wuhan na China em dezembro de 2019, em menos de dois meses se espa-lhou por boa parte do mundo.

O fato é que, nas últimas décadas, sob a hegemonia econômica norte-a-mericana, muitos países, sobretudo na América Latina, adotaram um modelo societário pautado no capitalismo ne-oliberal e aderiram ao rentismo como

Figura 2: Evolução Semanal de Mortes por região da OMS

Figura 1: Evolução Semanal de Casos por região da OMS

Fonte: Organização Mundial da Saúde. Dados contabilizados até 20/08/2020

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motor de suas economias. Em decor-rência, foram submetidos a ambientes comerciais muito mais hostis e com-petitivos, o que destruiu boa parte de sua capacidade produtiva. Com isso a soberania nacional também se enfra-queceu e suas economias tomaram-se extremamente dependentes das impor-tações e vulneráveis às oscilações do mercado internacional. A dificuldade que muitos países, inclusive o Brasil, enfrentaram para comprar equipamen-tos de proteção para os profissionais de saúde que atuam no combate a pande-mia, é um exemplo dessa destruição da capacidade produtiva nacional e da de-pendência das importações (nesse caso do mercado chinês), que muitos países passaram a ter para suprir a demanda interna por produtos essenciais.

A forma neoliberal de Estado adotada promoveu uma diminuição substancial dos investimentos em polí-ticas sociais pelos governos, sobretudo aquelas que envolvem moradia, mobi-lidade, saneamento, educação e saúde. Isso fragilizou os sistemas nacionais de assistência social, precarizando os serviços ofertados as suas populações. Destaca-se nesse contexto, os desinves-timentos em saúde como marcantes. LAMBERT e RIMBERT (2020) em ensaio publicado no Jornal Le Monde Diplomatique, relatam que a França dis-punha, em 1980, onze leitos hospitala-res (todos os serviços combinados) por mil habitantes. Hoje há apenas seis. Nos Estados Unidos, os 7,9 leitos por mil habitantes existentes em 1970 fo-ram reduzidos para 2,8 em 2016. A Itá-lia tinha 9,22 leitos dedicados a “casos graves” por mil habitantes em 1980, contra 2,75 em 2010.

LAMBERT e RIMBERT (2020) mencionam ainda que a palavra de or-dem com relação a saúde nos últimos tempos, em todos os lugares, tem sido “reduzir custos” e que há uma defesa explicita de que hospitais funcionem como “fábrica de automóveis, no modo just in time”. Entregar a oferta e gestão de serviços essenciais a vida para a iniciati-va privada, em função de uma alegada “ineficiência” do Estado, parece ser ou-tra máxima desses tempos. No Brasil, a aprovação da PEC 241 que congelou os gastos e reduziu drasticamente os inves-timentos do Estado brasileiro, provocan-do um desinvestimento do governo no Sistema Único de Saúde (SUS), é outro exemplo de como tem operado raciona-lidade do Estado neoliberal em muitos países do mundo, inclusive nos países europeus, que em um passado recente eram hegemonizados pelo welfare state.

As autoridades públicas e os sis-temas de saúde foram apanhados em quase todos os países com graves de-ficiências para enfrentar a pandemia. Essas quatro décadas de neoliberalis-mo deixaram a população de muitos países totalmente exposta e mal prepa-rada para enfrentar uma crise de saúde pública deste tipo e, segundo Harvey (2020) mesmo em lugares do mundo supostamente “civilizado”, os gover-nos e autoridades regionais, que são invariavelmente a linha da frente da defesa da saúde pública e da seguran-ça em emergências deste tipo, estavam subfinanciadas, graças a uma política de austeridade destinada a cortar im-postos e a financiar subsídios para as empresas e para os ricos.

O modelo societário sob hegemo-nia do capitalismo neoliberal aprofun-

dou no mundo o desenvolvimento desigual dos territórios e reduziu consi-deravelmente a capacidade dos Estados nacionais darem respostas a situações graves como essa crise mundial de saú-de que vivemos. Tal condição tem se revelado especialmente danosa para a classe trabalhadora, que observou o subemprego, o desemprego e a pobre-za aumentar em seu meio nos últimos tempos e está nesse contexto pandê-mico, em muitos países, abandonada a própria sorte.

A classe trabalhadora no contexto pandêmico

É da gênese do capitalismo promo-ver a exploração da classe trabalhadora (que se intensifica na fase neoliberal), para garantir a acumulação e aumen-tar suas margens de lucros. Contudo, a pandemia colocou em evidência as de-sigualdades socioespaciais, geradas por esse modelo, de uma forma nunca de-mostrada, à medida que os territórios da pobreza e da miséria se consolidam como os terrenos mais férteis para o avanço da covid-19. A inexistência de saneamento básico e a precariedade da moradias daqueles que moram nesses espaços não permite a realização das medidas de proteção na integralidade, tornando-os muito mais vulneráveis à doença.

Rodrigues (2020) explica que o isolamento social (home office/fique em casa) foi a principal orientação dos or-ganismos de saúde para evitar a doença e, embora, uma medida eficaz, não foi possível ser realizada por todos/todas. A permanência na morada como refú-gio do vírus é uma condição permitida

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somente para parte dos trabalhadores. A outra parte, que é a maioria, seja pela ausência da morada adequada ou pela necessidade de sair para trabalhar e poder sobreviver, não consegue fazer isolamento, tornando-se mais vulnerá-veis a contaminação. O isolamento não é permitido para os despossuídos do capitalismo neoliberal, ou seja, aqueles que vivem nas favelas, cortiços, ocupa-ções e bairros periféricos.

Estudos recentes têm confirman-do o caráter classista e racializado da pandemia. Pesquisadores da UNIFESP e do Observatório de Luta Urbana ZL do município de São Paulo produzi-ram uma cartografia dos óbitos por Co-vid-19 nessa metrópole. Reproduzimos o mapa na Figura 3. Nessa cartografia é

possível observar que, embora mortes sejam registradas em todo o espaço da cidade, nos bairros periféricos os óbitos ocorreram em número muito superior.

Levantamentos da Rede de Pesqui-sa Solidária (USP) demonstram que os moradores negros e as moradoras negras dos bairros mais pobres da ci-dade de São Paulo, além de serem os mais vulneráveis a contaminação pelo vírus, são também os mais impactados pela crise econômica resultante da pan-demia. Os estudos da Rede apontam ainda que a situação do desemprego no Brasil está oculta nos indicadores oficiais e que sem a renda emergencial a pobreza atingiria 30% da população. Nas análises que fizeram, verificou-se que o número de desempregados ofi-

cialmente contabilizados pela PNAD/Covid /IBGE é de cerca de 10% da popu-lação ativa. Contudo, não estão contabi-lizados nesses números as pessoas que deixaram de buscar emprego devido a pandemia. Considerando esses dois totais, tem-se um número de 17,7 mi-lhões de pessoas que estariam disponí-veis para trabalhar, ou seja, cerca de 25% da população economicamente ativa.

Essa realidade verificada na classe trabalhadora brasileira não é muito di-ferente do observado em outros países que sofrem com o avanço da Covid-19. De acordo com Goularti (2020) é certo que a população urbana de São Paulo, Quito, Lima, Caracas, Cidade do Méxi-co e Washington estará mais desnutri-da e miserável nos próximos anos. Se hoje existem mais de 200 mil favelas es-palhadas pelo mundo, cuja população varia de algumas centenas a mais de 1 milhão de pessoas, esse número será bem maior pós-pandemia.

Superação da pandemia e do modelo societário neoliberal

Em momentos de crise, abrem-se possibilidades dificilmente existentes em condições de alguma normalidade na relação capital-trabalho. Diversos países do mundo, desde a derrocada do comunismo soviético, passaram a expe-rimentar modelos neoliberais de polí-tica socioeconômica, sob hegemonia norte-americana.

Passaram a serem adotadas medi-das de ajustes fiscais para alimentar o rentismo financeiro, assim como a es-pecialização produtiva fizera com que países mais pobres voltassem retomar a condição de exportadores de comodities

Fonte: Boletim da Frente Popular Pela Vida /Observatório de Lutas Urbanas ZL, agosto de 2020.

Figura 3: Óbitos por covid-19 por Distrito Administrativo de residência do Município de São de Paulo - UNIFESP e Observatório de Luta Urbana ZL

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baratas e importadores de tecnologias. Tampouco as experiencias de governos progressistas tiveram capacidade de re-verter esse quadro.

A crise sanitária expôs um quadro perverso enquanto produto desse mo-delo: as dificuldades encontradas para combater a pandemia. Medidas de ajus-tes fiscais, controle de gastos e outros, tiveram que ser suprimidas (mesmo temporariamente), maiores investi-mentos públicos foram inevitáveis para conter uma expansão muito maior da miséria mesmos em países governados pela ideologia neoliberal.

A crise, portanto, tem a possibili-dade de fazer refletir na sociedade e no campo político da esquerda as bandeiras e discursos para agregar a classe traba-lhadora, essa, cada vez mais vulnerável e sem direitos. Medidas como a trans-ferência de renda, projeto amadurecido nos governos Lula e Dilma, rechaçado pela extrema direita, teve que ser reto-mado e amplamente expandido para amparar uma massa de trabalhadores expulsa do mercado de trabalho. Essa situação, colocou em xeque o projeto neoliberal; Bolsonaro vem conquistan-do simpatia dos mais pobres, não por causa de uma política eficaz para o com-bate da pandemia, mas porque em seu governo (mesmo no início a contragos-to) efetivou o auxílio emergencial de R$600,00 aprovado pelo Congresso e as-sim evitou-se a extrema miséria a uma boa parte dos mais vulneráveis.

A esquerda precisa dialogar e pro-por uma retórica que agregue os no-vos trabalhadores informais, como os vinculados aos sistemas de transporte, entregas, tecnologias entre outros, des-protegidos pelo sistema de proteção

trabalhista e mais ainda de representa-tividade (sindicatos). Os partidos preci-sam assumir a bandeira de reestruturar o Estado, transferindo rendas dos mais ricos para os mais pobres, para isso é urgente uma reforma tributária que subtraia o superlucro do grande capital e transforme tais recursos em investi-mentos sociais. Isso inegavelmente é a contradição do neoliberalismo.

Os países precisam ter autonomia na produção de tecnologia, expandir o parque industrial e tornarem-se me-nos dependentes das importações, pois, além da possibilidade de gerar empre-gos, evita-se que que a sociedade fique menos exposta aos problemas externos. Além disso, faz-se necessário romper com regimes fiscais pautados pela aus-teridade, como a lei do teto de gastos, imposto pelo menos até 2026 ao Brasil, pois trata-se de ferramentas jurídicas perversas que privilegiam o rentismo em detrimentos dos investimentos so-ciais (renda, educação, saúde etc.)

Por fim, a superação da crise, apro-fundada com a pandemia, e dos males que a envolvem só se dará mediante a construção de uma nova ordem social, do repensar e o agir da classe traba-lhadora, redefinindo a relação capital--trabalho, superando o neoliberalismo e impondo uma nova relação social. Resta saber se estamos à altura desses novos desafios.

ELIANE CABRAL DA SILVA é profes-sora do curso de Geografia da Univer-sidade Federal do Amapá – UNIFAP

RONI MAYER LOMBA é professor do curso de Geografia da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP

REFERÊNCIAS

BOLETIM DA FRENTE POPULAR PELA VIDA. A Zona Leste Pede Socorro !!!. São Paulo: Obser-vatório de Lutas Urbanas ZL, agosto de 2020.

GOULARTI, Juliano Giassi. A escalada da desi-gualdade em meio à “coronacrise”. Le Monde Diplomatique Brasil:1 de junho de 2020. ht-tps://diplomatique.org.br/a-escalada-da-desi-gualdade-em-meio-a-coronacrise/. Acesso em: 20 ago. 2020.

HARVEY, David. A produção capitalista do es-paço. São Paulo: Annablume, 2005.

____. A política anticapitalista na era do Co-vid-19. Lisboa (Portugal): Site Esquerda, 2020. Disponível em: https://www.esquerda.net/arti-go/david-harvey-politica-anticapitalista-na-era--do-covid-19/66747. Acesso em: 20 ago. 2020.

LAMBERT, Renaud; RIMBERT. Pierre. Até o pró-ximo fim do mundo. Le Monde Diplomatique Brasil: 31 de março de 2020. Disponível em: ht-tps://diplomatique.org.br/ate-o-proximo-fim--do-mundo/. Acesso em: 20 ago. 2020.

OMS. Organização Mundial da Saúde. Painel da OMS Coronavirus Disease (COVID-19). Disponí-vel em: https://covid19.who.int/. Acesso em: 20 ago. 2020.

OPAS. Organização Pan-americana de Saúde. Folha informativa COVID-19.Disponível em: ht-tps://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 20 ago. 2020.

REDE DE PESQUISA SOLIDÁRIA. Crise causada pela pandemia faz surgir novos grupos vulne-ráveis no mercado de trabalho. São Paulo: USP, agosto de 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/crise-causada-pela-pandemia--faz-surgir-novos-grupos-vulneraveis-no-mer-cado-de-trabalho/. Acesso em: 20 ago. 2020.

_____. Nota Técnica No. 14 Situação dramá-tica do desemprego está oculta nos indica-dores oficiais. Sem renda emergencial de R$ 600,00 a pobreza atingiria 30% da população. São Paulo: USP, julho de 2020. https://jornal.usp.br/wp-content/uploads/2020/07/Boletim-PPS_14_3julho.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Geografia. Bra-sil e Projeto Nacional. Mesa Redonda Virtual. ANPEGE: 29 de maio de 2020. Disponível em: https://www.facebook.com/anpege/videos/563483417935929/?v=563483417935929. Aces-so em: 20 ago. 2020.

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O pandêmico ano de 2020 é neces-sariamente um ano de muito enfrentamento político para a es-querda brasileira, que está lidando ao mesmo tempo com o vírus da Covid-19 e com a luta contra o bol-sonarismo, com muitos percalços e

limitações de diversas ordens. Mas acreditamos que a atual situação, de crise estrutural, sistêmica, mundial e nacional, deve ser entendida também como um momento para uma análise aprofundada sobre o Brasil, seu lugar no mundo e na região, características de nossa formação social, além de limitações, desafios e perspectivas de médio e longo prazo em âmbito econômico, social, político e cultural. Com Bol-sonaro na presidência e a esquerda em uma brutal defensi-

va estratégica (e tática), torna-se quase que inescapável nos dedicarmos também às necessárias reflexões sobre a nossa atuação na luta de classes; e por isso esta edição da revista Esquerda Petista vem em muito boa hora.

Neste texto, escolhemos fazer uma análise do Brasil a par-tir de 2014, que é quando consideramos que ficou mais evi-dente o movimento da classe dominante para impedir que os setores populares prosseguissem no comando do governo federal e, de forma geral, se intensificou uma operação de ani-quilação da esquerda enquanto polo da disputa política na-cional. Apesar de a crise internacional de 2008 ser um marco mais preciso acerca dessa “indisposição”, os fatos ocorridos no Brasil após a vitória da presidenta Dilma na eleição presiden-cial de 2014 explicitam de forma mais evidente a existência do que podemos chamar de um novo ciclo político no país.

NACIONAL

Um panorama geral do Brasil pós-golpe por Natália Bonavides & Natália Sena

Uma análise acerca da luta de

classes no Brasil hoje precisa

levar em conta que o golpe

começou em 2014, quando

teve início a Operação Lava

Jato, convertida em um dos

principais instrumentos

jurídico-políticos para

materializar o que veio em

seguida ao impeachment: a

interdição de Lula da disputa

presidencial de 2018Foto: Mídia Ninja

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14 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

No Brasil, as liberdades democráticas, os direitos sociais e a soberania

nacional estão sob forte ataque e a dificuldade da esquerda para impor um

contraponto à altura do que a classe dominante está operando é uma das principais características da luta de

classes atualmente

De início, é importante afirmar que vivemos, desde a redemocratização, um período de hegemonia neoliberal no Brasil. Obviamente, a presença da esquerda no governo federal, através do PT entre 2003 e 2016, foi um momento em que foi possível aos setores popula-res obter maiores e mais significativas vitórias eleitorais e isso efetivamente provocou melhorias concretas nas con-dições de vida da classe trabalhadora. Mas de uma forma geral, estrutural-mente, não houve alteração no caráter neoliberal do capitalismo brasileiro. E isto ficou muito nítido com a ascensão do golpismo, a partir do final de 2014 e especialmente com o início do gover-no ilegítimo de Michel Temer, quando se iniciou o desmonte quase total das políticas públicas implementadas pelos governos petistas e do que existia em termos de legislação progressista (CLT, por exemplo). Essa constatação é funda-mental em qualquer análise mais apro-fundada sobre o Brasil, que tem caracte-rísticas específicas como a dependência externa, a imensa desigualdade social e o desenvolvimento limitado, que criam enormes dificuldades para a materiali-zação de algum tipo de processo revo-lucionário ou de transformação mais profunda e substancial.

Dito isto, pensamos que uma aná-lise acerca da luta de classes no Brasil hoje precisa levar em conta que o gol-pe começou em 2014, especialmente após a última eleição presidencial na qual fomos vitoriosos. Ou seja, apesar de o afastamento de Dilma da presi-dência em razão do recebimento do pedido de impeachment ter se mate-rializado apenas em abril de 2016, é em 2014 que o golpismo se instala de forma mais explícita - não apenas no âmbito da disputa eleitoral, é bom di-zer, pois é em março de 2014 que tem início a Operação Lava Jato, converti-da em um dos principais instrumentos jurídico-políticos para materializar o que veio em seguida ao impeachment: a interdição de Lula da disputa presi-dencial de 2018.

A questão é que a classe dominan-te achava que Lula perderia a eleição em 2006, após o desgaste decorrente do chamado “mensalão”, em 2005; de-pois, achou que a esquerda não elege-ria Dilma como sucessora de Lula, em 2010; em 2014, foram para a eleição decididos a ganhar de um jeito ou de outro. Ou seja, estavam confiantes so-bre a chance de vitória eleitoral com Aécio Neves (que de fato perdeu por pouco), mas também já estavam deci-

didos que, caso a vitória eleitoral não se materializasse nas urnas, partiriam para outras formas de viabilizar a reto-mada do controle do governo federal. E foi o que aconteceu: comemoração antecipada de vitória, declarações no alto escalão da direita sobre a ilegi ti-midade do voto recebido por Dilma, solicitações de recontagem dos votos à justiça eleitoral, mobilizações de rua capitaneadas pela direita e, finalmen-te, a deflagração de um movimento parlamentar de dissolução da “base de sustentação” (entre aspas, pois se tra-tava a bem da verdade do malfadado “centrão”, fisiológico e de direita, que hoje sustenta o governo Bolsonaro e sua política) do governo Dilma no Congresso Nacional, o que culminou no impeachment. Além disso, a polí-tica econômica adotada pelo governo Dilma, de ajuste fiscal e restrição de di-reitos, certamente contribuiu para um cenário geral desfavorável na luta pela manutenção do governo. Não acha-mos possível afirmar que “apenas” com outra política econômica teríamos tido condições de impedir o golpe, mas é provável que tivéssemos encontrado um melhor ambiente para resistir com maior potência e coerência à ofensiva brutal que se instalou contra nós.

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Foi desse jeito que saímos das elei-ções de 2014 e entramos no ano de 2015, marcado pelas lutas pela altera-ção da política do governo junto com as lutas pela defesa do próprio governo. Era um país mais polarizado e a dispu-ta em torno do impeachment elevou para patamares ainda mais elevados esse ambiente de conflito e de polari-zação política. Em abril de 2016, como sabemos, foi efetivado o afastamento temporário da presidenta Dilma do cargo para o julgamento do mérito do impeachment, que em agosto de 2016 foi finalizado e confirmada a ocorrên-cia de um golpe parlamentar no Brasil. Revisitar esse período histórico e refle-tir sobre ele é importante para traçar um panorama geral do Brasil em 2020: não teríamos chegado em Bolsonaro sem antes sofrermos o golpe contra a presidenta Dilma. Tanto o impeach-ment quanto a condenação e prisão ilegais de Lula foram degraus necessá-rios de serem percorridos pela classe dominante para a retomada do con-trole do governo federal, e entender isso significa também compreender o peso do Partido dos Trabalhadores na disputa de rumos do país que está em curso hoje.

Após o impeachment e com o início da aplicação do programa “Pon-te para o futuro” do MDB, em 2016 e 2017, ficou ainda mais evidente quais eram as razões pelas quais não era mais possível tolerar nem mesmo uma esquerda moderada no comando do Brasil. A reforma trabalhista e o con-gelamento dos investimentos públi-cos (conhecida como PEC do “teto de gastos”) foram medidas estruturantes tomadas pelo governo ilegítimo de Te-

mer com importantes efeitos de curto e longo prazo sobre o trabalho e sobre os lucros dos capitalistas. Apenas para exemplificar, a reforma trabalhista, além de possibilitar uma redução ime-diata no valor dos salários da classe tra-balhadora (o que significa aumento de lucros), pavimentou o terreno para a reforma da previdência de Bolsonaro em 2019, com a desregulamentação do emprego e o sub-financiamento da previdência. Outro exemplo, bastante atual, é a disputa em torno do patamar dos investimentos públicos, que está em curso no governo Bolsonaro e que ficou em evidência em razão da pande-mia como uma solução para “reativar a economia”, “propiciar crescimento” e, de quebra, viabilizar a reeleição de um neofascista em 2022. Estes dois exem-plos demonstram de forma bastante nítida como, em tão pouco tempo, foi possível um governo ilegítimo fazer um estrago de proporções tão signifi-

cativas e com efeitos que persistem de forma muito potente na luta de classes.

A prisão ilegal de Lula veio em 2018, quando ficou evidente que a disputa eleitoral para presidência da república tinha como favorito, mais uma vez, um candidato do PT, que era o próprio Lula. Ou seja, a prisão foi na verdade uma interdição do candidato a presidente favorito do povo brasilei-ro, e obviamente teve um grande im-pacto no resultado eleitoral e, conse-quentemente, no rumo que o país está percorrendo desde então. Mais uma vez, é preciso afirmar que, sem o im-pedimento ilegal para que Lula parti-cipasse das eleições, é muito provável que não estivéssemos sob comando de Bolsonaro. A prisão e a negativa do registro de candidatura pelo judiciário são parte do movimento, iniciado ain-da em 2014, de retomada do governo federal pelos representantes da classe dominante brasileira.

NACIONAL

A reforma trabalhista e o congelamento dos investimentos públicos (conhecida como PEC do “teto de gastos”) foram medidas estruturantes tomadas pelo governo ilegítimo de Temer

Foto: Lula Marques/Agência PT

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e revela também que estamos em um momento diferente da luta de classes. Essa diferença consiste justamente no fato de estarmos atravessando um perí-odo em que a classe dominante opera para, cada vez mais, restringir a presen-ça, a potência e até mesmo a existên-cia dos setores populares e da esquer-da na disputa política, seja no âmbito institucional, seja também através do sufocamento e perseguição das orga-nizações populares, como sindicatos, movimentos sociais e partidos políti-cos de esquerda, sem falar na imensa guerra cultural e ideológica que está sendo travada no campo cultural e nas tentativas de criminalização e desmo-ralização das ideias de esquerda, pro-gressistas e libertárias.

No Brasil, as liberdades democrá-ticas, os direitos sociais e a soberania nacional estão sob forte ataque e a di-ficuldade da esquerda para impor um contraponto à altura do que a classe dominante está operando é uma das principais características da luta de classes atualmente. Isso tem como con-sequência prática uma baixa capacida-de de mobilização social por parte dos setores populares, que se agravou com a pandemia, mas já era uma realidade anterior a 2020. A reforma trabalhista, seja pelas restrições ao financiamento dos sindicatos, seja pelo esvaziamento que impôs ao dessas organizações na regulação das relações de emprego, teve um explícito “duplo efeito”: ao mesmo tempo em que reduziu salários e proporcionou aumento dos lucros dos capitalistas, dificultou as condições para que as organizações de trabalha-dores pudessem resistir aos desmontes por ela implementados.

Soma-se a isso um cenário de ex-cessiva institucionalização da esquer-da, característica presente não apenas no PT, mas no conjunto de partidos e também nos movimentos sociais e nas entidades sindicais. É aparentemente majoritário um certo modo de pensar a disputa política que praticamente só enxerga vias de luta através das insti-tuições do Estado burguês e que só consegue propor medidas práticas cuja implementação depende da retomada do governo federal. Isso fica evidente quando nos deparamos com uma opo-sição a Bolsonaro que é muito focada na luta institucional e também quan-do percebemos uma certa incapaci-dade de materializar outras formas de luta política, mais especificamente formas que nos reconectem com as ne-cessidades concretas do povo, através do trabalho de base, da luta social, da mobilização popular.

Com certeza, as eleições seguem tendo uma importância considerável no atual estágio da luta de classes e ainda estamos num momento em que a disputa política se organiza predo-minantemente a partir do calendário eleitoral. Mas há muitos sinais de que essa disputa mudou de patamar, de que os nossos inimigos estão bem dispos-tos e em certa medida já estão fazen-do muito fora das vias institucionais, o que requer da esquerda, no mínimo, que comece a se preparar para atuar em condições diversas (e adversas) das que tivemos nos últimos 30 anos. A dificuldade que parcelas da esquerda tiveram em aderir ao “Fora Bolsona-ro”, em abril de 2020, e o tempo que foi desperdiçado, por esses mesmos se-tores, em tentativas frustradas de cons-

Um outro elemento desse “am-biente golpista”, que foi fundamental na campanha de Bolsonaro em 2018 é o que chamamos de máquina de “fake news”, que a cada dia que passa é des-mascarada de forma mais contundente, seja pela CPMI das Fake News, pelo ju-diciário ou pelas investigações indepen-dentes. Não dá para dizer que disputar eleições disseminando mentiras é exata-mente uma novidade do bolsonarismo, mas a produção em massa, o uso das re-des sociais e de ferramentas tecnológi-cas para disseminação e o volumoso fi-nanciamento empresarial e ilegal dessa prática formaram um combo que pode-mos dizer que, no Brasil, foi introduzi-do pela eleição de Bolsonaro. Esse é ou-tro fator que decisivamente contribuiu para a vitória da extrema-direita em 2018, contra as previsões de muitos ana-listas, inclusive dos idealizadores do gol-pe, que planejaram a ascensão de uma direita mais “limpinha” ao governo fe-deral e foram massacrados pela força demonstrada pela extrema-direita, de um lado, e pela resiliência e capacidade de disputa da esquerda, especificamente do petismo, de outro.

Todo esse panorama, que vai desde a segunda eleição de Dilma em 2014, passa pelo golpe de 2016, pelo governo ilegítimo de Michel Temer, pela prisão e restrição ilegal dos direitos políticos de Lula e pela eleição fraudulenta de Bolsonaro em 2018, é fundamental para compreender em que patamar da disputa política nós estamos e quais são as características fundamentais da luta de classes, hoje, no Brasil. Tudo que aconteceu desde 2014 até hoje re-vela que há uma mudança no tipo de disputa política que é travada no país

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truir uma “frente ampla” com setores da direita que supostamente estariam dispostos a enfrentar a extrema-direita são consequências do excesso de priori-zação da luta institucional.

Além disso, o atual momento da luta de classes também exige que a es-querda seja capaz de articular as lutas antirracistas, antimachistas e antilgb-tfóbicas com a luta geral da classe tra-balhadora, por direitos, liberdades e pelo fim de toda forma de exploração. Qualquer ideia que considere que essas lutas não seriam necessárias, ou teriam menor importância, deve ser deixada de lado; e elas devem ser travadas de forma integrada com a luta anticapita-lista e por uma outra sociedade, socia-lista. Um dos desafios que temos para dar conta, no atual momento histórico, é justamente o de compreender que são lutas que devem caminhar juntas e materializar essa compreensão na nossa ação política prática. A luta de classes, por óbvio, jamais poderá pres-cindir justamente da maioria da classe trabalhadora, como são as populações que sofrem essas opressões cotidianas.

Por fim, o fato é que a crise sistê-mica do capitalismo, que tem os seus aspectos particulares no Brasil, soma-da a uma pandemia que agravou ainda mais os problemas sociais e econômi-cos do país e que poderia estar sendo menos danosa se não fosse o (des)go-verno de Bolsonaro, tudo isso junto forma um ambiente de baixíssima es-tabilidade, muita tensão política e que pode ter como consequência algum tipo de explosão social. Mesmo o acor-do por cima que hoje, agosto/setembro de 2020, está se viabilizando - entre Bolsonaro, o centrão, a direita tradi-

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O atual momento da luta de classes também exige que a esquerda seja capaz de articular as lutas antirracistas, antimachistas e antilgbtfóbicas com a luta geral da classe trabalhadora, por direitos, liberdades e pelo fim de toda forma de exploração.

cional, os militares, “com o Supremo e com tudo” - não tem sustentabilidade garantida, pelo menos não enquanto existir uma esquerda capaz de polari-zar a disputa política no Brasil. Essa é a grande tarefa que temos, a síntese de todas as outras, pois a classe trabalha-dora brasileira, cedo ou tarde, vai dar uma resposta à brutalidade à qual está sendo submetida nesse atual ciclo da luta de classes, e a esquerda, especifi-camente o Partido dos Trabalhadores,

precisa se preparar para, neste momen-to, ser capaz de organizar a revolta e ser instrumento de uma transforma-ção profunda, de caráter democrático e popular e que viabilize, em nosso país, um caminho socialista.

NATÁLIA BONAVIDES, advogada e deputada federal (PT/RN)

NATÁLIA SENA, advogada e inte-grante da Executiva Nacional do PT

Foto: Mídia Ninja

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Por detrás dos mapasNACIONAL

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primeiro caso de contamina-

ção pela Covid-19 no Brasil veio a pú-blico na quarta-feira de cinzas, dia 26 de fevereiro de 2020 e menos de um mês depois, em 12 de março, foi confirmada a primeira morte pela infecção do ví-rus. De lá pra cá, o número de contami-nados e mortos pela pandemia tem se alastrado país afora. No dia em que este artigo está sendo escrito, 26 de agosto de 2020, Ha exatos 6 meses da primei-ra confirmação, registram-se 116.964 mil óbitos e 3.683.224 milhões de diag-nósticos; uma média de 1.215 mortes a cada 24 horas. É bom que se diga: esse número pode ser muito maior, pois a pandemia tem escancarado a agenda ul-traliberal de devastação social, onde os principais impactados pelo novo coro-navírus são majoritariamente a popula-ção mais pobre do país.

Os mapas são instrumentos políticos fruto de escolhas do que se mostra e do que se esconde, ou melhor, invisibiliza

por Ana Lídia Aguiar

Sepultamentos no Cemitério Nossa Senhora Aparecida (Manaus/AM)

Foto: Alex Pazuello/Semcom

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Desde o início da pandemia, Jair Bolsonaro, além de adotar discursos ne-gacionistas, minimizando a gravidade da situação e na contramão das orienta-ções das agências mundiais de saúde e de seus próprios ministros da saúde, foi contra as medidas de isolamento social (com exceção de idosos e portadores de doenças crônicas) a pretexto de tratar-se de “apenas uma gripezinha”. Para o pre-sidente cavernícola, basta a cloroquina para tratamento de pacientes infecta-dos, mesmo sem comprovação de seus efeitos.

Transcorrido todos esses meses de pandemia, o Governo Federal impôs uma série de barreiras para a criação e funcionamento de fundos emergenciais de auxílio à população, e o Brasil segue sem um Plano de Emergência Nacio-nal. O resultado disso foi a rápida as-censão do país na liderança do ranking de mortos e contaminados na América Latina e a conquista do segundo lugar em nível mundial, ficando apenas atrás dos Estados Unidos.

A região Sudeste do país é a que possui maior número de mortos e con-taminados desde o início da pandemia, seguida pela região Nordeste. Em segui-da estão as regiões Norte, Centro-Oes-te e Sul. O estado de São Paulo está no topo dos mais afetados pela Covid-19 (776.136 contaminados e 29.194 óbi-tos). Atrás estão os estados do Rio de Ja-neiro (216.675 contaminados e 15.700 óbitos), Ceará (209.363 contaminados e 8.362 óbitos), Pará (195.297 contamina-dos e 6.102 óbitos) e Bahia (5.116 mor-tes e 245.021 contaminados) .

Mesmo com os altos registros de disseminação da covid-19, os estados têm adotado medidas de flexibilização

do isolamento social, que nada mais é do que a retomada da economia. Daí decorrem duas questões importantes: a primeira diz respeito ao fato de que apesar dos crescentes dados de contami-nação, o mercado não pode parar, ainda que o custo disso seja pago com vidas; a segunda é que, durante todo o perío-do da crise provocada pelo coronavírus, houve uma seletividade em quem pode e tem o direito de manter-se em isola-mento e quem não pode e não tem o direito de cumprir as medidas de pro-teção. Trata-se, especialmente, da po-pulação mais pobre, que possui acesso precário à saúde, à moradia digna, sane-amento básico e educação.

Estudos recentes realizados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostram que os mais vul-neráveis ao contágio por Covid-19 são trabalhadores autônomos (onde se en-quadram as diaristas e os camelôs), se-guidos pelas donas de casa. De forma geral, os mais vulneráveis são também os usuários de transporte público, isto é, a população que continuou a vida la-boral ativa.

Cabe ainda ressaltar a continuidade da política de negligência e ataque aos povos indígenas brasileiros que, segun-do a Articulação Nacional dos Povos Indígenas no Brasil (APIB) são 27 mil indígenas contaminados e 2500 mortos.

Mapas da contaminação

Para além de um mapeamento do número de mortos e infectados, é neces-sário olhar o que está por trás dos nú-meros. Os mapas oficiais da covid-19 es-condem uma subnotificação de dados, uma vez que os nebulosos critérios de contabilidade do número de mortos e infectados são questionáveis. ROLNIK et al (2020) lembra-nos bem que os ma-pas são instrumentos políticos fruto de escolhas do que se mostra e do que se esconde, ou melhor, invisibiliza. Os ma-pas institucionais produzidos tendem a mostrar uma visão geral do número de infectados, mas escondem as realida-des específicas de cada localidade, isto é, grandes cidades, como é o caso da capi-tal paulista e outras regiões metropoli-tanas, onde o monitoramento passou a ser feito a partir de grandes distritos.

Logo no início de junho deste ano, o Ministério da Saúde retirou de seu portal de dados abertos (DATASUS) as informações dos casos de hospitali-zação a partir do CEP de cada pessoa contaminada. O que “dificulta ainda mais a compreensão sobre a dissemi-nação da pandemia no território brasi-leiro, limitando inclusive a formulação de estratégias adequadas para seu en-frentamento” (LabCidade, 9 de junho de 2020). É ainda importante ressaltar

Os mapas oficiais da covid-19 escondem uma subnotificação de dados, uma vez que os nebulosos critérios de contabilidade do número de mortos e infectados são questionáveis

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que foram “retirados de todos os ban-cos de dados a variável ‘CEP’, inclusi-ve das planilhas anteriores, ocultando não somente o presente, mas apagan-do a história” (idem). Isso pode sugerir mais um mecanismo do Estado brasi-leiro em esconder tanto o número de mortos e contaminados, mas também a promoção de uma leitura nebulosa do real quadro de contaminação por localidade. A importância do moni-toramento via CEP está centrada na possibilidade de identificação de “pos-síveis fatores sociais, territoriais ou de ineficiência de políticas públicas para a maior letalidade em um território es-pecífico e a partir desta identificação a construção das políticas emergenciais adequadas a cada lugar” (Rolnik et al. 2020), como, por exemplo, a disponibi-lidade de leitos hospitalares.

De forma a dificultar e invisibi-lizar ainda mais o mapa de contami-nação da Covid-19, na mesma modifi-cação da DATASUS de junho, a nova contagem, sobretudo do número de óbitos, passa a ser feita a partir da data da morte e não mais a partir da data da notificação do contágio. Dessa forma, se antes os mapas de contaminados já eram imprecisos e questionáveis, com essas alterações busca-se esconder e minimizar a gravidade da crise sanitá-ria e de saúde no Brasil, o que limita a compreensão da territorialidade da pandemia e da elaboração de políticas públicas eficazes no combate ao vírus.

Nesse sentido, o que está por trás dos mapas e dos números é uma vas-ta agenda de morte e devastação social promovida, principalmente, pelo go-verno federal, mas que ganhou adesão de diversos prefeitos e governadores.

Agenda celebrada pela famosa respos-ta de Bolsonaro aos jornalistas sobre o recorde de mortes de brasileiros por Covid-19: “E daí? Lamento. Quer que faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” (O Globo, 30/04/2020). Mais do que naturalizar a morte, Bol-sonaro busca ainda eximir o governo das culpas e responsabilidades no com-bate ao coronavírus e promove em lar-ga escala o que tem sido chamado de necropolítica (Mbembe, 2016). Apesar dos diversos usos do conceito por dis-tintos estudiosos, o que está no núcleo do debate é que há poderes políticos e sociais ditando a escolha de quem deve morrer e quem deve viver e suas maneiras de vida. Dessa forma, impor-tante aqui é compreender não apenas as escolhas, mas os mecanismos utiliza-dos pelo Estado para fazer dessas esco-lhas, as únicas possíveis.

A dimensão territorial da conta-minação, do modo como é feita, igno-ra as diferenças e desigualdades territo-riais das cidades e a análise dos dados

por distrito. Além disso, através desse tipo de coleta de dados, que engloba dentro de um mesmo distrito zonas de favelas, moradias, ocupações populares e bairros abastados onde vivem a clas-se média, tem-se criminalizado e res-ponsabilizado a população mais pobre pela contaminação e disseminação da Covid-19. Isso tudo alimenta não ape-nas discursos, mas políticas de guerra contra determinadas populações con-sideradas problemáticas, há tempos, em relação ao desenvolvimento e he-gemonia do capital, tanto nas zonas urbanas quanto na disputa pela terra, como as áreas de ocupações populares nas cidades, consideradas um entrave para a especulação imobiliária e como áreas de demarcação de terras indíge-nas, vistas como um obstáculo aos in-teresses do agronegócio.

O argumento de que a Covid-19 tem as áreas pobres como ponto de alastramento do vírus e a falta da va-riável CEP na identificação dos terri-tórios comprometidos pelo vírus, tra-

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Foto: Ministério da Saúde

Ministério da Saúde vem omitindo informações sobrea real situação da pandemia

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zem à tona justificativas para o uso da violência estatal contra os residentes dessas localidades, bem como “refor-çar preconceitos de parte da sociedade, que enxergam as favelas como lugar de marginal, de bandido, de sujeira, e que, portanto, precisam ser eliminadas” (Rolnik et al. 2020).

Contra os processos de invisibili-zação do número de mortos e conta-minados, desde o início da pandemia consolidaram-se uma série de iniciati-vas populares a fim de promover re-gistros alternativos aos dados oficiais e monitorar o impacto da pandemia, bem como promover uma série de outras ações de combate ao vírus e de subsídio à população menos assistida pelo Estado (Telles et al., 2020), que também passam a ser mapeadas.

Articulações populares e sociais, ancoradas em coletivos territoriais, grupos de trabalho, movimentos so-ciais, sindicatos etc., com a iminente proliferação do vírus e o regime de isolamento e distanciamento social, se

viram obrigados a desdobrar suas ativi-dades para o novo contexto. Parte im-portante dessas iniciativas consolida-se na construção de mapas e plataformas digitais, articulando diversos operado-res sociais como pesquisadores, mili-tantes de diversas organizações sociais e profissionais de diversas categorias. “Nas suas diferentes conformações e modos de atuação, essas plataformas e redes de apoio parecem se configu-rar como verdadeiros operadores de escala, dando ressonância aos agencia-mentos locais e transterritoriais para lidar com os efeitos devastadores da pandemia. E também para contornar os efeitos nefastos da desinformação sistemática promovida pelos poderes públicos (idem)”.

Violências na pandemia

Desde o início da Pandemia o que se percebe é um aumento significati-vo no controle e vigilância dos espa-ços, atuando contra os trabalhadores a “pretexto de combater a contaminação do vírus por meio de fortes políticas re-pressoras e através dos já mencionados processos de invisibilização. No entan-to, na prática o que se observa é que o poder público tem sido o promotor e protagonista dos processos de violên-cia” (Aguiar, Barbosa, 2020).

As diversas formas de violência têm afetado de diferentes maneiras a popu-lação, como a negação dos serviços bási-cos e a letalidade policial como meio de controle ostensivo dos territórios.

Durante a pandemia, a letalidade policial cresceu exponencialmente em diversos estados brasileiros. No Rio de Janeiro as mortes por ação policial

atingiram o maior índice desde 1998, quase 5 mortes por dia, contabilizan-do 741 vítimas nos cinco primeiros meses do ano (Rodrigues, 2020), 75% delas sendo de pessoas negras. Segun-do a plataforma digital Fogo Cruzado, apesar de a diminuição do número de tiroteios na região metropolitana do Rio de Janeiro, o número de crianças mortas nos 4 primeiros meses de iso-lamento social, teve um aumento de 150% com 5 mortes registradas, foram 2 em 2019.

Na região metropolitana de Reci-fe, houve um aumento de 50% no nú-mero de tiroteios em relação ao ano anterior e só no mês de julho foi con-tabilizada uma crescente de 117% em feridos por arma de fogo. No estado de São Paulo, a letalidade policial cresceu 22% em comparação ao mesmo perío-do correspondente, de janeiro a maio em 2019, o que significa uma morte a cada seis horas. E, em maio de 2020, o número de mortos pela polícia militar em serviço representou um aumento de 43,6% em relação ao mesmo perí-odo de 2019 e os mortos por PMs de folga em abril agora correspondem a um aumento de 180% em comparação com abril passado (2019).

Os dados variam de um estado ao outro, mas o que tem de semelhante é a continuidade de uma prática racista e alvos comuns: a maioria das vítimas (68%) é negra e residente de áreas peri-féricas. Ao longo da pandemia, inúme-ras denúncias públicas, acompanhadas de imagens, retrataram o cotidiano violento dos moradores de periferias e ocupações urbanas, dos trabalhadores dos comércios populares das grandes cidades, do campo etc.

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Trabalhadores autônomos, dentre eles camelôs e empregadas domésticas, continuam circulando pela cidade em busca de sobrevivência financeira e que, além de ficarem sujeitos à contaminação do vírus por não terem o direito ao cumprimento do isolamento social, ainda estão sujeitos às violências estatais, tão utilizadas para fazer o controle das vidas e dos corpos

Somando-se a esses dados, regis-tra-se o aumento da violência de gê-nero, sobretudo da violência domés-tica contra as mulheres. No contexto geral do Brasil, os feminicídio aumen-taram 22% em relação ao ano passado, segundo o Fórum Brasileiro de Segu-rança Pública. No entanto, há menos denúncias. Esses dois dados sugerem, por um lado, que há subnotificação dos casos de violência contra a mu-lher; e por outro, que o confinamento durante a quarentena, em que as mu-lheres ficam em casa junto aos seus agressores, dificulta a efetivação das denúncias, além da falta de acesso aos equipamentos públicos de violência contra a mulher, como as delegacias e hospitais especializados. Um dado alarmante é o do Rio de Janeiro, onde até o mês de maio, houve um aumen-to de 50% de denúncias feita pelas mulheres. “Casa que não tem pão, ninguém tem razão”, é com essa frase que Bolsonaro justifica e legitima vio-lências contra as mulheres.

Esse breve quadro da violência du-rante a pandemia é relevador da natu-ralização das mortes, e no tratamento delas como “inevitável” aos olhos dos poderes públicos. A violência estatal é mais uma das facetas da gestão da vida e da morte praticada pelo Estado brasi-leiro, é o escancaro das desigualdades políticas e econômicas. Não há inte-resse em proteger o conjunto da classe trabalhadora, como também se incen-tiva e se armam dispositivos de con-trole dos territórios com uso ostensivo das forças policiais; legitimação e ins-titucionalização dos abusos por parte dos discursos e práticas da presidência da República. Considerando ainda que

o governo revogou as portarias do Co-mando Logístico do Exército, que nada mais é do que o menor controle sobre a produção e comercialização de armas, o que beneficia os traficantes de armas e as milícias e dificulta ainda mais a investigação de crimes e, consequente-mente, a busca por justiça. É mais uma cena da guerra vivida pelos brasileiros, em que os “cidadãos de bem” tem per-missão para matar.

A pandemia como pretexto

De acordo com os dados da Agên-cia Brasil, de abril a junho 107 milhões de pessoas solicitaram o auxílio emer-gencial do Governo Federal. No entan-to, até junho os beneficiários eram 59 milhões de pessoas. Ficaram de fora 42,2 milhões que foram considerados inelegíveis, e mais uma quantidade incontável da população que nem se-

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quer conseguiu concluir o cadastro no site da Caixa Econômica Federal.

É bom que se diga que os nebulo-sos critérios estabelecidos pelo Estado brasileiro para selecionar quem tem ou não direito ao auxílio emergencial, também fazem parte das escolhas de quem tem mais ou menos chance de viver em meio a pandemia. A saber, são milhares de trabalhadores, dentre eles uma massa de imigrantes, a po-pulação de rua e mulheres chefes de família que ficaram de fora do acesso ao medíocre auxílio emergencial ou ti-veram as parcelas bloqueadas. A conse-quência disso é um enorme contingen-te de trabalhadores que todos os dias precisa se lançar na disputa contra o Estado para defender suas vidas e seus modos de sobrevivência. Isso tudo faz parte dos dispositivos operantes nos desmontes dos serviços públicos, e da agenda ultraliberal.

Como parte desse mesmo proces-so, o Estado acelera uma agenda de desmontes já em curso, principalmen-te desde o golpe contra a presidenta Dilma e o povo trabalhador brasileiro. Nas palavras do ministro do Meio Am-biente Ricardo Salles, o governo preci-sa aproveitar o momento em que o país está com a atenção voltada à pandemia para “passar a boiada”. Isso, nada mais significa que acelerar a agenda de guer-ra e destruição contra o povo trabalha-dor brasileiro: desmonte dos serviços públicos, da assistência social básica, além das inúmeras barreiras criadas para dificultar o acesso aos poucos re-cursos de auxílios emergenciais. Em outras palavras, o Estado não promo-ve políticas de assistência social, não fornece auxílio emergencial amplo e

justo, criminaliza a população pobre, a persegue, nega direitos, e ainda escon-de vergonhosamente a violência poli-cial que pratica cotidianamente.

É o caso dos trabalhadores autôno-mos, dentre eles camelôs e empregadas domésticas que continuam circulando pela cidade em busca de sobrevivência financeira e que, além de ficarem sujei-tos à contaminação do vírus por não terem o direito ao cumprimento do isolamento social, ainda estão sujeitos às violências estatais, tão utilizadas para fazer o controle das vidas e dos corpos.

Logo no mês de março já se via ao que se referia Salles com o anúncio fei-to pelo governo federal de suspensão dos contratos de trabalho sem salários por até quatro meses, além da aprova-ção da MP 936 (agora lei 14.020), uma variante da antirreforma trabalhista de Michel Temer, que flexibiliza ainda mais os contratos de trabalho no Brasil e ataca mais uma vez os sindicatos.

Isso significa que os trabalhadores no Brasil avançam mais uma fase na história da precarização do trabalho. Os processos mais recentes de desregulação do Estado brasileiro, com a diminuição de direitos, de privatização e terceiriza-ção dos serviços públicos, isto é, toda agenda do ultraneoliberalismo em cur-so, é levada às últimas consequências pelo governo Bolsonaro como parte de um processo de institucionalização da instabilidade. Medidas como essas, so-madas a crise política e econômica que o país passa, agrava ainda mais o qua-dro do desemprego e precariedade do trabalho. Reflexo disso é a explosão do trabalho intermitente, da superexplora-ção da força de trabalho e o aumento do exército industrial de reserva, que

tem sido amplamente utilizado e pro-movido por grandes corporações res-ponsáveis por fornecimento de serviços através de aplicativos digitais.

Em meio à pandemia, em julho passado, os trabalhadores de apps evi-denciaram sua capacidade de mobiliza-ção, construindo uma paralisação de 24 horas e realizando grandes atos nas prin-cipais cidades brasileiras. Atravessando a cidade, muitas vezes ultrapassando 12 horas diárias de trabalho e sem direito a qualquer benefício (incluindo equipa-mento de segurança para enfrentar o ca-ótico e perigoso trânsito nas grandes ci-dades e materiais como máscara e álcool em gel, imprescindíveis para a proteção pessoal contra a infecção pelo coronaví-rus), estes trabalhadores, que muitas ve-zes “carregam comida com fome”, ilus-tram bem o que o ultraneoliberalismo reserva em termos de trabalho e ocupa-ção para os trabalhadores brasileiros, so-bretudo a juventude trabalhadora. Em contrapartida, as empresas de apps, de-sobrigadas do cumprimento de direitos trabalhistas tem ganhado cada vez mais o território brasileiro, aumentando os seus lucros.

A taxa de desemprego na pande-mia, segundo a última PNAD no IBGE, continua crescendo, alcançando 13,7% da população brasileira; quase 9 mi-lhões de pessoas perderam o emprego desde o início da pandemia. Doze esta-dos da federação tiveram aumento no número de desempregados.

Desde maio, o Sudeste e o Nordes-te foram as regiões mais impactadas com 31% e 20%, respectivamente, com o aumento do desemprego, coinciden-temente são também as regiões com maior incidência de casos de Covid-19,

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seguidos do Centro-Oeste (25%), Sul (17%) e Norte (14%). Em relação à sema-na anterior, a maior alta foi registrada na Região Norte (27%), seguida do Su-deste (6%), Nordeste e Sul empatadas, com 3%, e Centro-Oeste, com 1%” (CUT, 17/07/2020). Segundo o IBGE ainda, o desemprego entre os trabalhadores que se declararam pretos e pardos, a taxa é de 15,2% e 14%, enquanto para os decla-rantes brancos a taxa subiu de 8,7% para 9,8% em relação ao ano de 2019.

O número de trabalhadores com carteira assinada caiu 8,9% em compa-ração ao ano de 2019. Já os trabalha-dores informais também tiveram uma queda de 24,9% em relação ao ano passado e os trabalhadores por conta própria tiveram uma queda de 10,3%, um total de 21,7 milhões de pessoas em comparação a 2019. O setor de comér-cio foi um dos mais impactados pela pandemia, tendo dispensado 2,137 mi-lhões. Entre jovens entre 18 e 24 anos a taxa de desemprego ficou 27,1% no primeiro trimestre de 2020.

A juventude trabalhadora ocupa os postos de trabalho mais precarizados e informais. 53% dos trabalhadores de call center tem entre 23 e 25 anos de idade, destacando-se a grande quanti-dade de mulheres e jovens LGBTQIA+ nessa categoria profissional, que a cada dia se depara com mais precarização e exploração, tendo como exemplo o fato de cada vez mais os contratos de traba-lho serem caracterizados pela nova ca-tegoria de “trabalho intermitente”, com jornada reduzida e remuneração mui-tas vezes menor que o salário mínimo. Considerada atividade essencial duran-te a pandemia, os trabalhadores de call center são obrigados a se deslocar e a

compartilhar espaço com dezenas ou centenas de outros colegas, arriscando suas vidas diariamente.

Quando não desempregada, supe-rexplorada e/ou precarizada, o direito à própria vida é negado para essa juven-tude, especialmente a juventude negra das periferias. Somente em São Paulo, até abril, a Polícia Militar havia matado 255 pessoas, um aumento de 23,2% em relação à 2019. Dos que tinham registro de idade, 68 tinham entre 18 e 29 anos. Um deles foi David Nascimento dos Santos, 23, vendedor ambulante, assas-sinado após ser sequestrado pela Polícia Militar enquanto aguardava uma entre-ga do Ifood.

A consequência desse cenário é his-tórica para o Brasil, uma vez que atingi-mos o menor número de trabalhadores com carteira assinada, consequente-mente com o mínimo de direitos garan-tidos. O impacto disso na vida das mu-lheres também é profundo, elevando a graus máximos a já existente divisão sexual do trabalho. A necessidade de mais de uma ocupação devido aos con-tratos intermitentes, por exemplo, adi-ciona uma terceira jornada de trabalho

na vida da mulher trabalhadora, muitas vezes única responsável pelo trabalho doméstico.

Além disso, o Governo Federal ace-nou diversas políticas favoráveis à base bolsonarista, dentre as quais estão as igrejas evangélicas, que tiveram o per-dão de suas dívidas. A área ambiental foi uma das mais afetadas. O ministro Salles anunciou desmates de áreas menores a 150 hectares sem precisar de autorização do Ibama, atendendo aos interesses rura-listas. Além da prática já em curso neste governo da exploração de terras indíge-nas por garimpeiros e mineradores.

A educação também foi alvo du-rante a pandemia, como se não bas-tasse a exclusão de 25 mil bolsas de pesquisa destinadas às ciências hu-manas, houve também uma tentativa da base do governo em inviabilizar a aprovação do novo Fundeb. A imple-mentação do ensino remoto, sem as condições de acesso à internet e meios adequados ao ensino e aprendizagem marcam parte da enorme luta dos tra-balhadores da educação ao longo des-ses meses, luta essa que não cessa. Hoje, a batalha é em torno ao impedimento

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NACIONAL

do retorno das aulas presenciais, que se for efetivada pode significar novos picos de contágio pela covid-19.

Conclusão

Hoje, a pandemia escancara as de-sigualdades e a política genocida dos atuais governos, inclusive estaduais e municipais. É justamente toda a agenda de desmonte e destruição promovida pelo governo Bolsonaro em consonân-cia com os interesses ultraneo liberais que operam o atual cenário de guerra. É essa agenda que também conforma os mapas oficiais de contaminação da Covid-19, que escondem e obscurecem os dados reais de mortos e contamina-dos, as condições sociais e econômicas dos territórios, os dados da violência policial. Longe desses mapas estão mi-lhares de famílias despejadas em plena pandemia, os mortos e contaminados nas prisões, os trabalhadores que so-frem diariamente as violências estatais etc. E, a partir das escolhas feitas do que pode e não pode ser mostrado e com-preendido nos mapas, também ajudam na conformação das escolhas de quem vive e morre e quais os modos de vida são tolerados e quais são combatidos a duras violências estatais.

Do outro lado da moeda estão os inúmeros trabalhadores brasileiros, coletivos, movimentos sociais, que

longe de serem meros receptores das políticas destrutivas, lutam cotidiana-mente contra e na disputa do Estado em defesa de suas vidas. Suas formas de articulação, reorganizadas e poten-cializadas a partir das necessidades e urgências impostas pela pandemia, reagem e se inserem em um campo de disputa em torno da produção e conformação dos mapas e de seus cri-térios, consequentemente, um campo de disputa em torno da agenda polí-tica e social. Nesse sentido, faz-se fun-damental, sobretudo aos sindicatos e partidos de esquerda, que persistam na luta contrária a normalização da morte, da necropolítica. Ao contrário do que afirma Jair Bolsonaro, ao dizer “...todo mundo vai morrer um dia”, a luta é para defender a sobrevivência, a dignidade das trabalhadoras e dos trabalhadores. Não é nem um pouco razoável aceitar que alguns precisarão morrer para que a ideia de economia desse estado genocida resista. Não é minimamente aceitável que os traba-lhadores sejam forçados a se arrisca-rem no trabalho, para gerar riquezas para muitos que sequer vivem no país, nem vivem o caos conduzido pelo go-verno, sob a justificativa de que há lei-tos de UTI e respiradores em porcen-tagens seguras, porque supostamente entramos em um platô, com números elevadíssimos mortes.

ANA LÍDIA AGUIAR é professora da rede estadual de ensino em São Paulo, militante do PT e doutoranda em sociologia

BIBLIOGRAFIA

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MBEMBE, Achile. “Necropolítica”. Arte & Ensaios, no 32, 2016.

RODRIGUES, Matheus. RJ tem maior número de mortes por policiais em 22 anos; e o 2º menor índice de homicídios já registrado pelo ISP. Disponíve em: ht-tps://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/no-ticia/2020/06/22/rj-tem-maior-numero--de-mortes-por-policiais-em-22-anos-e--o-2o-menor-indice-de-homicidios-ja-re-gistrado-pelo-isp.ghtml

RONILK et al (2020). Mapas do Corona-vírus escondem informações. Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/ma-pas-do-coronavirus-escondem-informa-coes

TELLES et al (2020) (Micro)políticas da vida em tempos de urgência. DILEMAS. Rio de Janeiro. Reflexões na Pandemia 2020 – pp. 1-13

Hoje, a pandemia escancara as desigualdades e a política genocida dos atuais governos, inclusive estaduais e municipais. É justamente toda a agenda de desmonte e destruição promovida pelo governo Bolsonaro em consonância com os interesses ultraneo liberais que operam o atual cenário de guerra

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O combate ao coronavírus exige isolamento social

e o fortalecimento do sistema

público de saúde. Já o vírus do

neoliberalismo/bolsonarista e da direita privatista que se apresenta como alternativa

“democrática” exige de nós do campo da

esquerda uma luta incansável e cotidiana para a

retomada da real democracia com

direitos

A pandemia: dois vírus e uma tragédia humanitária

por Eleonora Menicucci

Desde o golpe de 2016 que derrubou a de-mocracia brasileira retirando do poder, sem crime algum de responsabilidade, a

primeira mulher eleita e reeleita presi-denta do Brasil, Dilma Rousseff, as polí-ticas neoliberais foram implementadas de forma avassaladora no nosso país, promovendo o desmonte de todos os di-reitos econômicos, sociais, humanos, de gênero e raça conquistados pelos movi-mentos sociais.

O impacto desses desmontes caiu fortemente sobre a vida de brasileiras e brasileiros. A contra reforma traba-lhista retirou direitos dos e das traba-lhadoras, direitos conquistados na CLT,

assim como a tragédia da Reforma da Previdência.

É nesse cenário que a pandemia do coronavírus se abate sobre o Brasil, de forma cruel sobre pobres, mulheres, populações negra e indígena.

Primeiro e mais cruel foi a PEC do Teto dos Gastos, que desidratou todo o sistema público de Educação e Saúde, cujas consequências estão expostas no número de mortes e contaminados/as pelo coronavírus. Mais de 115 mil vidas perdidas pela crueldade das políticas de ajuste fiscal, impostas pelo neoliberalis-mo e sobretudo pelo fanatismo e nega-cionismo de um presidente da Repúbli-ca genocida que só conhece a necropolí-tica como política pública social.

NACIONAL

Guiles Art

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Como o coronavírus não é demo-crático, a elite se salva nos melhores hospitais privados do país, enquanto a maioria da população pobre está morrendo.

No entanto, ainda é o nosso SUS que, com seus profissionais de saúde na linha de frente, está diuturnamente salvando milhares de vidas.

A conjuntura imposta por estes dois vírus, neoliberalismo e o corona-vírus, desvelou a imensa e intolerável desigualdade social brasileira, escanca-rando que ambos os vírus não são de-mocráticos: atingem de forma absolu-tamente desigual as classes altas, a elite e as classes mais desfavorecidas.

A fotografia em preto e branco da pobreza e de quem está morrendo fala por si só.

Quem tem seguro saúde é atendi-do nos melhores e mais qualificados hospitais do país, e aqueles e aquelas que não podem pagar por um seguro saúde, ou morrem em casa, ou enfren-tam filas desumanas para serem aten-didos no SUS. A face da pobreza é pre-ta, mulher e pobre.

Aqui outra fotografia cruel é onde estão os leitos de UTI que foram habili-tados durante a pandemia? Para onde irão esses leitos pós pandemia?

Um dado assustador que corrobo-ra com essa fotografia da desigualdade social no atendimento de saúde são os dados que a AMIB divulgou: de 45.848 mil leitos de UTI no Brasil, 22.844 mil estão no SUS, enquanto 23.004 no sis-tema privado de saúde.

Destruíram a atenção básica do SUS, como os Mais Médicos, o Progra-ma de Saúde da Família, as Unidades Básicas, responsáveis por atender nos

rincões do Brasil a população pobre de nosso país, sendo as mulheres 80% das usuários e dos usuários.

Então, quem foram e estão sendo mais prejudicadas? As mulheres, po-bres e negras.

A pandemia do coronavírus no mundo inteiro colocou na pauta no-vamente a importância de um Sistema Público e Gratuito de Saúde e a dis-cussão sobre desigualdades sociais, de gênero e de raça. Essas pautas estão de-tonando o neoliberalismo no planeta, exigindo que os países façam dívidas e coloquem dinheiro para manter os informais, pequenas e microempresas.

No Brasil, o SUS e as desigualda-des são as maiores discussões: o des-mantelamento do SUS e das políticas de igualdade, como Bolsa Família, be-nefícios de prestação continuada, po-líticas para as mulheres, de igualdade racial e direitos humanos.

Defendemos o isolamento social como a mais eficaz estratégia de pre-venção contra a transmissão do vírus, e também reconhecemos que existe um grande contingente de brasileiros e brasileiras para quem essa medida é difícil de ser realizada, para não dizer impossível, acentuando a necessidade da ação do Estado.

É importante ressaltar que são as mulheres as mais vulneráveis à con-taminação e à pobreza; e que por ou-tro lado são elas que estão na linha de frente na batalha deste vírus. A Federa-ção das Trabalhadoras Domésticas de-terminou que os patrões e as patroas dispensem suas trabalhadoras domés-ticas, sejam mensalistas ou diaristas, e continuem pagando seus salários, sem que sejam descontadas no futuro, e

sem a realização de banco de horas. É claro que grande parte da classe média e da elite não estão fazendo isto, ao contrário, exigem que as trabalhadoras vão ao trabalho sem nenhum cuidado com o transporte público delas, que continuam usando ônibus e não Uber ou taxi. Ou exigem que permaneçam na casa da patroa, sem direito a ver os filhos. Isto é um crime, uma violação dos direitos humanos dessas mulheres.

Outro impacto sobre as mulheres é a violência doméstica e a sexual. As mulheres sabem que a casa nem sem-pre é o lugar mais seguro para elas.

A fotografia da cultura do patriar-cado, da violência e do estupro em nossa sociedade. Os maridos que estão trabalhando home office, ou não estão indo ao trabalho, permanecendo em casa o dia todo, tornam-se ultra vio-lentos, bebem mais e com isto temos

NACIONAL

Defendemos o isolamento social como estratégia de prevenção contra a transmissão do vírus, e também reconhecemos que existe um grande contingente de brasileiros e brasileiras para quem essa medida é difícil de ser realizada

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um aumento de quase 15% de queixas nas Varas Especiais do Judiciário e em alguns estados chega a 50% o aumento da violência, como no Rio de Janeiro. Ressalto também o aumento de mais de 20% de estupros de crianças por pa-rentes que convivem nas casas.

As medidas protetivas ficam mais difíceis de chegar até as mulheres e só tende a aumentar.

Outra violência que tem aumenta-do é a pedofilia, como vários estudos já demonstraram, mais de 80% dos agres-sores/abusadores e estupradores são pessoas da família e em sua maioria pais e avós, com mais de 50 anos.

Os estupros de crianças por paren-tes próximos aumentaram e fotografou uma das maiores e cruéis violações de direitos humanos: a criança ser subme-tida anos à tortura do estupro sem po-der reclamar por medo do criminoso.

O crime cometido contra a criança do Espirito Santo de 10 anos, que há 4 anos vinha sendo torturada com estu-pro pelo seu tio, revelou a crueldade do crime e a urgência de ações públi-cas que interrompam esses crimes.

No Brasil, é permitido legalmente interromper a gravidez decorrente de estupro. No entanto convivemos como se tudo isso fosse normal, pois a cultu-ra do estupro é alicerçada no patriar-cado e no fundamentalismo religioso.

Dados recentes mostraram que só entre janeiro e junho de 2020 o SUS realizou 80.948 procedimentos de curetagem e aspiração intrauterina decorrentes de abortos mal sucedidos, ou seja, aqueles em que as mulheres se submetem da pior forma possível, com medo do julgamento que podem ser submetidas no Sistema Único de

Saúde. Outro dado alarmante é que no mesmo período foram realizados no SUS 1024 abortos. São os impactos perversos da pandemia sobre as mu-lheres agravados pelo machismo da so-ciedade brasileira.

É urgente, para radicalizar a demo-cracia no país, que nosso Partido lute para qualificar os Serviços de Aborto Legais existentes e, principalmente, ampliá-los como uma necessidade imediata para salvar a vida de mulhe-res, crianças, adolescentes e adultas.

Não é possível e aceitável que numa democracia as mulheres sejam torturadas pelo estupro ou por não terem seus direitos sexuais e reprodu-tivos garantidos legalmente.

Essa hipocrisia é responsável pela total falta de divulgação de informação preventiva frente a uma gravidez inde-sejada. Sequer divulgam a obrigatorie-dade da contracepção de emergência em todos os níveis do Sistema Único de Saúde, sancionada pela Presidenta Dilma.

Fortalecer o SUS e o Programa de Saúde Integral da Mulher; ampliação dos permissivos legais para interrup-ção da gravidez indesejada - legalização do aborto; ampliação e fortalecimento dos Serviços de Atendimento à Violên-cia Sexual, com realização da profila-xia de DST/AIDS, gravidez indesejada e abortamento legal; especial atenção à saúde mental. Manutenção e amplia-ção das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e CAPs (Centros de Apoio Psíquico Social).

Quero terminar essas reflexões lançando mão de um conceito funda-mental que sustenta uma sociedade democrática voltada para o bem co-

mum: a solidariedade, na concepção de Laval em seu texto recente Saúde Comum Global.

Segundo Laval, o “balanço do combate à pandemia é desastroso. Es-tados agiram sós, apelaram ao interesse egoístico e não à solidariedade e sofre-ram com desmonte dos sistemas públi-cos. Agora, é preciso construir a lógica oposta e instituições que a realizem”.

O que Laval está dizendo é que a globalização foi um dos fatores que possibilitaram a rapidez do fluxo do ví-rus pelo planeta, ultrapassando os Es-tados, assim como as organizações de saúde completamente subfinanciadas e que não estavam, como disse acima nesse texto, estruturadas para enfren-tar tamanha crise sanitária.

A solidariedade foi e é fundamen-tal na construção da saúde pública e saúde coletiva que atuam diretamente com a população e todas as suas desi-gualdades e inequidades.

Henri Monod (1843-1911), diretor da Assistência Pública e de Higiene da França, em livro publicado em 1904, assume o argumento solidarista para encorajar a solidariedade financeira en-tre distritos ricos e pobres, entre cidades ricas e pobres. Diz ele, citado por Laval, no mesmo texto mencionado acima:

“A saúde pública é, talvez, o domí-nio no qual o fato social de nossa de-pendência mútua, da solidariedade hu-mana, se manifesta com mais evidência. A todo momento, cada um de nós, sem perceber, influencia a saúde e a vida de outros humanos que não conhecemos, que jamais conheceremos. Seres que nunca encontramos, ou que já desapa-receram há muito tempo, influenciam nossa saúde em todos os momentos, a

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saúde daqueles que amamos, e as condi-ções essenciais de nossa felicidade”

Concordo com ele, pois a solida-riedade sanitária não conhece frontei-ras. A pandemia também escancarou o caráter internacional da saúde pública, com todas as suas dificuldades e falta de recursos, agravadas pela insuportá-vel desigualdade social também escan-carada pelo egoísmo social e, sem dúvi-da alguma, a forma desastrosa que os Estados Nação enfrentaram e enfren-tam a pandemia.

Desvelou e reforçou o que há mui-to feministas e movimento de mulhe-res vinham apontando: que as tarefas cotidianas ligadas ao sustento da vida e da sua reprodução são desconsideradas e não valorizadas no capitalismo, pa-triarcal e racista, embora sejam centrais no cotidiano, na sobrevivência, na ma-nutenção da humanidade, muito além de cada família, de cada indivíduo espe-cífico, mas da sociedade como um todo.

As mulheres estão na linha de fren-te deste furacão que é o enfrentamento ao Covid-19. São a maioria entre enfer-meiras, atendentes, psicólogas, assisten-tes sociais, faxineiras. Na área de ser-viços, são elas também: nos caixas dos mercados, nas farmácias, nos asilos, ou nas casas, como cuidadoras de idosos, sem contar o drama de milhares de tra-balhadoras domésticas que estão sendo submetidas ao trabalho e ao contágio ou estão em quarentena e sem receber salário. Nas escolas, são a maioria das professoras, que nas suas casas acumu-lam o trabalho docente e o cuidado. Na total ausência de uma resposta efe-tiva e coordenada por parte do gover-no brasileiro no enfrentamento a essa doença, são as mulheres que estão nas comunidades, nas favelas, prestando solidariedade, realizando trabalhos de apoio às famílias, aos jovens, às crianças e contribuindo de modo decisivo para que estes alarmantes números de mor-

tes, na maioria das vezes evitáveis, não são sejam maiores ainda.

A injusta divisão sexual do traba-lho emerge e mostra explicitamente sua face cruel.

Nas pandemias os serviços de saú-de para a garantia dos direitos reprodu-tivos e sexuais das mulheres têm que ser garantidos, para que não gere con-sequências importantes para a vida das mulheres, como aumento de gravidez indesejada, aborto e infecções sexual-mente transmissíveis. A saúde mental das mulheres, que já são usualmente mais diagnosticadas como ansiosas ou deprimidas, fica ainda mais abalada pelo excesso de tarefas de cuidado e as dificuldades econômicas da pandemia.

No Brasil, as múltiplas dimensões da desigualdade se expressam de ma-neira ainda mais cruel para as mulhe-res negras e indígenas. O racismo estru-tural ficou evidente quando a primeira pessoa a morrer de Covid-19 foi uma

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As mulheres estão na linha de frente deste furacão

que é o enfrentamento ao Covid-19. São a maioria

entre enfermeiras, atendentes, psicólogas,

assistentes sociais, faxineiras. Na área de

serviços, são elas também: nos caixas dos mercados,

nas farmácias, nos asilos...

Foto: Acervo Depositphotos

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NACIONAL

Não queremos voltar à “normalidade”, porque esta normalidade já é demasiadamente injusta e desigual, racista e patriarcal

trabalhadora doméstica negra, que pe-gou a doença de seus patrões e não foi dispensada do seu trabalho. Ainda, na atual crise da pandemia de Covid-19, a violência doméstica é intensificada pelo maior convívio familiar imposto pelo isolamento domiciliar. Escancara o que já sabemos e denunciamos: a casa é, para muitas mulheres, um lugar ameaçador!

Com dimensões sanitárias, eco-nômicas e políticas, a crise manifesta o que há muitos anos o movimento feminista e os movimentos sociais de-nunciam sobre as políticas de austeri-dade, de destruição da proteção social e destruição da proteção ambiental: são incompatíveis com um bem viver.

O trabalho de cuidado, o trabalho de reprodução social deve ser central na nossa sociedade, uma vez que de-fine como nossas relações familiares e sociais se organizam e indica como a solidariedade é possível de se tornar motor da organização social.

Precisamos de uma outra maneira de organização da vida com igualdade de gênero, de raça e classe, que possibi-lite o livre exercício dos direitos e uma

vida com sustentabilidade, com ga-rantia de trabalho igual, salário igual; rompa com a perversa divisão sexual do trabalho; garanta o direito de uma vida sem violência, que assuma que o nosso corpo nos pertence; que garan-ta saúde integral das mulheres e au-tonomia efetiva nos direitos sexuais e reprodutivos.

Tarefa esta que somente é possível com um Estado forte, democrático e participativo, com políticas públicas universais e articuladas em todos os âmbitos da vida.

Não queremos voltar à “norma-lidade”, porque esta normalidade já é demasiadamente injusta e desigual, ra-cista e patriarcal.

Expostos os dois vírus, fica a per-gunta: como enfrentá-los?

Sabemos que o isolamento social e o uso das máscaras são fundamentais quando se aponta uma enorme longevi-dade da permanência do vírus no Brasil, enquanto não contarmos com uma va-cina eficaz. Além de ausência dos testes, vivemos sem nenhuma coordenação institucional da crise sanitária. Cada um e cada uma cuide de si própria.

Já o vírus do neoliberalismo/bol-sonarista e da direita privatista que se apresenta como alternativa “democrá-tica” exige de nós do campo da esquer-da uma luta incansável e cotidiana para a retomada da real democracia com direitos.

Para isto já passamos do momen-to de radicalizar a luta pela esquerda e não pela centro esquerda, para que tenhamos uma sociedade justa, iguali-tária e equânime tanto social, como de gênero e raça.

ELEONORA MENICUCCI é professora Titular Sênior de Saúde Coletiva da UNIFESP e ex-Ministra de Políticas para as Mulheres do Governo Dilma Rousseff

Maringá, Brasil, junho 2020

Acervo Depositphotos

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ENTREVISTA

GALO BOM DE BRIGA por Paulo Fontes

Paulo Galo, 31, fundador do Movimento Entregadores Antifascistas, rapper e morador da periferia paulistana, rapidamente destacou-se como liderança articulada e engajada que desafiou o poder das empresas de delivery, o

governo, e os disseminados discursos de empreendedorismo. Nessa entrevista ele conta como os entregadores que trabalham com aplicativos resistem à precarização e geram novas formas de luta e repertórios de ação coletiva.

pandemia da COVID 19 teve o efeito inesperado de dar visibilidade para tipos e formas de traba-lho historicamente invisibilizadas. O isolamento social e a reclusão nas casas trouxeram para o centro do debate públi-co os trabalhadores que fazem serviços de entrega e trans-porte através de aplicativos de plataformas digitais, um tipo de trabalho já bastante difundido há alguns anos, em parti-cular nas grandes cidades brasileiras.

I-Food, Uber-eats e Rappi, entre outras, tornaram-se mar-cas enormemente difundidas; mesmo em meio à crise econô-mica, têm estado entre os setores de maior lucratividade. Se-gundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRA-SEL), o chamado mercado de delivery no Brasil movimentou cerca de dois bilhões de dólares somente no ano de 2018.

O cenário da pandemia impulsionou ainda mais esse setor econômico. Os serviços de entrega foram oficialmente declarados como essenciais e disseminaram-se em progres-são geométrica. Mas, a ampliação dos serviços esteve longe de significar melhores condições de trabalho e salários para os entregadores. Ao contrário, de fato. A combinação de cri-se sanitária e econômica e o aumento da demanda permitiu às empresas recrutar ainda mais entregadores rebaixando a remuneração e as já precárias condições do trabalho. Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas

e pela Universidade Federal do Paraná demonstrou não ape-nas queda da remuneração durante a pandemia, mas também deterioração expressiva das condições de trabalho. Quase 57% dos entregadores disseram que trabalhavam mais de 9 horas diárias em jornadas de 6 a 7 dias por semana. A maioria ainda afirmava que as empresas não os apoiaram em nada para que diminuísse os riscos de contaminação durante a pandemia.1

Esse quadro, no entanto, não é surpreendente. Nos últi-mos anos os entregadores tornaram-se um dos símbolos da precarização do trabalho no país. Circulando em suas mo-tocicletas e bicicletas de aluguel, milhares de jovens, em sua maioria homens afrodescendentes moradores das periferias urbanas, passaram a marcar o cenário das grandes cidades. O aprofundamento da crise econômica desde 2015, o crescente desemprego combinados com as reformas neoliberais na legis-lação trabalhista tornaram essa opção de trabalho a única pos-sível para milhares de pessoas. Recentemente o próprio perfil dos entregadores vem mudando, com a crescente participação de mulheres e homens mais velhos. Para muitos sociólogos e estudiosos do trabalho, os entregadores representariam um suposto novo tipo de relações de trabalho no país e têm arti-

1 ABÍLIO, Ludmila Costhek; ALMEIDA, Paulo Freitas; AMORIM, Henrique; CARDOSO, Ana Claudia Moreira; FONSECA, Vanessa Patriota da; KALIL, Renan Bernardi; MACHADO, Sidnei. “Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a Covid-19.” Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, Edição Especial: Dossiê COVID-19, 2020.

Foto: Felipe Larozza

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ENTREVISTA

culado conceitos, por vezes polêmicos, como “uberização” e “precariado” para procurar compreender esse fenômeno.

Por outro lado, empresas, o gover-no e grande parte da mídia procuram negar a própria condição de “trabalha-dores” (e portanto de portadores de direitos trabalhistas) para essas pessoas. Nessa retórica eles seriam “empreende-dores”, donos de seus próprios micro--negócios que, em parceria com em-presas maiores, poderiam prosperar e crescer. As ideias de “liberdade” e “auto-nomia” (associadas inclusive à própria mobilidade do uso de automóveis, mo-tocicletas e bicicletas) são amplamente associadas a uma cultura de “empreen-dedorismo” que marcaria as relações sociais nessa nova era digital. Apesar do encobrimento das precárias condições de trabalho e das evidentes relações de dependência com as empresas, esse é um discurso sedutor que dialoga com os anseios e ambições de muitos.

No entanto, a situação gerada pela pandemia desnudou de forma brutal a precariedade e a exploração a que os entregadores são expostos. Um associa-tivismo criado nos últimos anos pelos chamados motoboys articulou-se às redes informais de sociabilidades, mui-tas delas ancoradas em uma linguagem identificada com o hip-hop e a valori-zação da cultura negra, muito comuns entre os jovens periféricos em várias cidades do país e, no contexto da pande-mia, gerou uma surpreendente onda de mobilização dos entregadores. Os mes-mos celulares e aplicativos utilizados pelas empresas para seu controle foram usados para a organização e combate à dispersão e isolamento característicos dessas relações de trabalho.

Foi assim que, no dia 1 de julho, uma greve de grandes proporções, o chamado “breque dos apps”, parali-sou grande parte dos entregadores em todo o país. Eles exigiam melhores re-munerações e condições de trabalho A dimensão e força do movimento sur-preendeu a quase todos. Imagens de milhares de entregadores em suas ca-racterísticas motos e bicicletas tomando as ruas de diversas cidades e protestan-do em um misto de raiva e festa foram estampadas nos sites de jornais e rapi-damente disseminadas por Whatsapp e outros aplicativos, quase que anun-ciando o nascimento de um novo ator coletivo. As empresas de aplicativos de entregas, percebendo a simpatia que o movimento provocava em amplas parcelas da população e o estrago à sua imagem, iniciaram imediata campanha de anúncios na televisão, mostrando-se como companhias “humanas” e “solidá-rias” a seus “colaboradores”, excelentes “empreendedores”

O discurso articulado e politizado das lideranças dos entregadores tam-bém chamou a atenção. Reconheciam a força do discurso do “empreendedo-rismo” entre suas bases, mas afirma-vam combatê-lo e reivindicavam para sua categoria o estatuto de trabalhado-res, demandando sua inclusão na CLT, exigindo assim o conjunto de direitos trabalhistas ainda existentes. Ao mes-mo tempo, articulam a formação de cooperativas que utilizem os mesmos instrumentos tecnológicos das grandes empresas, disputando assim o mercado de entregas.

Foram essas as questões discuti-das na entrevista que Paulo Galo, o emergente líder dos entregadores em

São Paulo, concedeu a Paulo Fontes (Professor do Instituto de História da UFRJ e diretor da Universidade da Ci-dadania) e Dulce Pandolfi (membro da equipe da Universidade da Cidada-nia) para o podcast Rádio Cidadania da Universidade da Cidadania da UFRJ (http://cidadania.forum.ufrj.br/), um espaço de articulação e diálogo entre a universidade e os movimentos sociais. Uma versão editada da entrevista é re-produzida aqui. Paulo Galo, fundador do Movimento Entregadores Antifas-cistas, de 31 anos, rapper e morador da periferia de São Paulo, rapidamente destacou-se como uma liderança arti-culada e engajada que desafiou o poder das empresas de delivery, o governo, e os disseminados discursos de empreen-dedorismo. Nessa entrevista ele conta como os entregadores que trabalham com aplicativos resistem à precarização e geram novas formas de luta e reper-tórios de ação coletiva. Supreendente-mente para muitos, no entanto, esses discursos e práticas de lutas voltados para o futuro não são feitos de forma desconectada do passado. Ao contrario, reiteradamente Galo reivindica o per-tencimento a uma linhagem histórica de resistência de negros, mulheres e trabalhadores, articulada no campo da tradição de esquerda e da luta contra o fascismo e liberalismo. Num momen-to de invisibilidade e ataque à própria concepção de trabalho, a história dos trabalhadores é acionada como um ele-mento fundante de identidades, ação coletiva e projeto de porvir.

PAULO FONTES é professor do Instituto de História da UFRJ e diretor da Universidade da Cidadania da UFRJ

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Paulo Fontes: Bem vindos à Rádio Ci-dadania, o Podcast da Universidade da Cidadania da UFRJ, um espaço de debate entre o mundo universitário e os movimentos sociais. Eu sou Paulo Fontes, professor do Instituto de His-tória da UFRJ e atual diretor da Uni-versidade da Cidadania. Hoje temos a honra de receber Paulo Roberto da Sil-va Lima, mais conhecido como “Galo de Rua”, uma das principais lideranças do movimento dos entregadores anti-fascistas. Paulo Galo, como se tornou mais conhecido, será entrevistado por mim, e por Dulce Pandolfi, historiado-ra e membro da Universidade da Cida-dania. Dulce, a palavra está contigo!

Dulce Pandolfi: Olá Galo, meu nome é Dulce Pandolfi. Eu queria começar a nossa entrevista falando um pouqui-nho sobre a sua trajetória. Eu sei que você é paulistano, é compositor e can-tor de hip hop, e com 31 anos de idade você emergiu como uma das maiores lideranças do movimento de entre-gadores de aplicativo. Então, antes da

gente entrar na história do movimento propriamente dito, eu queria que você falasse um pouco dessa sua trajetória e das suas experiências com o hip hop, que me parece ter uma importância grande na sua vida.

Paulo Galo: Bom, muito novinho, eu já tive uma percepção de mundo política já né mano. Eu lembro que meu pai, minha mãe e um amigo do meu pai, agente foi numa churrascaria e o (gar-çom) não queria servir carne pra gente, aí meu pai acabou dançando em cima da mesa e dando um show na churras-caria pra poder ser atendido. Aquilo me chamou a atenção. Uns dias mais pra frente a polícia parou o carro da mi-nha família, tirou meu pai de dentro e queria colocar o braço do meu pai pra trás, meu pai não aceitou porque acha-va que era um tratamento que era para bandido e não pra um trabalhador. E aí meu pai se negou a colocar o braço pra trás e a polícia tentou quebrar o braço do meu pai e tal, aquele problema... E ali de dentro do carro já pequenininho

eu já tive uma percepção de mundo política já. Eu analisei o mundo da se-guinte forma: o mundo tem um pro-blema com nós por problema nenhum. Quando eu fiz ali meus 10, 11 anos, eu percebi que ali eu queria ser respeitado já, já queria me impor, já queria ser res-peitado, queria que ninguém mexesse comigo, queria, sabe... e aí eu percebi que quem tinha isso na comunidade onde eu morava era os bandidos, os cri-minoso e tal. E aí só que eu não tinha noção do que o bandido fazia, eu tinha noção do que o bandido recebia. Rece-bia amor, recebia carinho da comunida-de, recebia respeito, e eu queria aquilo pra mim também. E aí comecei a ficar perto ali. A única coisa que o bandido tinha medo era a polícia. O bandido tinha medo da polícia. A polícia dava tapa na cabeça do bandido e o bandi-do não fazia nada... e aí eu escutei na rádio uma música que xingava a polí-cia, os cara falava o endereço deles e o nome deles. Aí eu falei: “ah, esses caras aí devem ser os maiores bandidos da história do mundo, se um dia eu for

ENTREVISTA

ENTREVISTA CONCEDIDA À Rádio Cidadania

Episódio 11 – Paulo Galo (Entregadores Antifascistas)

Rádio Cidadania é um podcast da Universidade

da Cidadania da UFRJ, vinculada ao Fórum de

Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Transcrição: Adriano Bueno

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Paulo Galo (Entregadores Antifascistas)

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bandido, eu tenho que ser bandido igual esses caras da rádio”. E aí, andando por aí, andando, andando, andando, eu acabei descobrindo pessoas que faziam rap, encontrei um companheiro cha-mado Du Gueto Shabbaz, foi meu pro-fessor a vida toda. E aí eu cheguei nele, eu achava muito louca as letras de rap dele. Eu escutava as musicas dele, ele ti-nha uma musica chamada “Epidemia”, e essa musica falava que a burguesia so-fria de “guetofobia” e eu achava incrível essa letra. Eu queria escrever daquele jeito. E aí eu cheguei eu cheguei nele e falei: “como é que eu faço pra escrever um rap igual ao seu, irmão”. Ele falou assim: “oh, moleque, pro cê escrever cê tem que ler”. Eu falei: “ler?”. Ele falou: “É! Quer? Quer cantar rap igual eu? Eu tenho um livro aqui!”. Eu falei: “então tá bom, daí o livro”. Ele me deu o “Ne-gras Raízes”, do Alex Haley. Eu fui pra casa, li o livro, me impressionei com tudo que eu tinha aprendido ali. Escre-vi meu rap, ficou bom. Cheguei nele e mostrei e ele falou: “quer escrever ou-

tro? Toma aqui o Malcolm X, do Alex Haley, o mesmo autor que escreveu o Negras Raízes”. Eu li de novo, e aí ele foi me dando livros: As Veias Abertas da América Latina; O Príncipe de Ma-quiavel; O Admirável Mundo Novo; 1984; A Revolução dos Bichos... eu já fui ganhando uma série de livros e len-do. E por incrível que pareça eu achava que eu já estava lendo pra me trans-formar no bandido da rádio. E aí aqui em São Paulo tem um sarau de poesia que chama Cooperifa. E aí uma vez eu fui levado lá pelo Du Gueto, pelo Gato Preto, por outros companheiros do rap. E aí eu vi o pessoal ir no microfone e recitar a letra de rap deles no sarau. E aí eu vi que tinha um pessoal acadêmi-co, um pouco mais diferente do círculo de amizades que a gente tinha batendo palmas pra eles. E aí eu descobri que os cara não era bandido, que os cara era inteligente. Eles era respeitado não era porque eles era bandido, e sim porque eles era inteligente. E rap e crime não tinha nada a ver. Então eu descobri ali

que eu não queria ser bandido, que eu queria ser inteligente. O movimento hip hop foi minha escola política, tudo que eu aprendi em política, foi através do movimento hip hop, né. Hoje eu te-nho 31 anos de idade, eu sou uma das crianças do movimento hip hop que amadureceu.

Dulce Pandolfi: Ultimamente, a ube-rização é um sistema (onde) você não tem relação de emprego formalizada. Tem atingido vários países do mundo, inclusive o Brasil. De acordo com esta lógica, as pessoas que prestam serviço pras empresas, elas por não terem o vínculo formal de trabalho, elas são chamadas empreendedoras. Qual a sua visão sobre esse fenômeno da uberiza-ção? E nessa situação de uberização, como se dá a relação dos trabalhadores com as empresas?

Paulo Galo: Como é que a gente faz pra um povo não se unir? A gente primei-ro faz ele não se enxergar como um povo. A gente primeiro faz ele não se enxergar como povo pra que ele não possa se unir, não possa discutir as coisas e não venha pra cima do algoz. Certo? É igual a questão dos preto no Brasil, sabe mano? Pra muitos eu não sou preto. Eu me considero preto. Me considero parte do povo preto, meu pai é preto, minha família é preta, o bairro que eu nasci é preto, a comida que eu comi é de preto, a vida que eu vivi é de preto, eu sou o que? Só que tem muita gente querendo dizer: “não, sua pele é clara, seu cabelo é mais ma-leável, então você não é preto, mano”. Ou seja, mano, você joga a auto estima

ENTREVISTA

Então, essa tática deles de dizer assim, “ah, você

não é trabalhador, você é empreendedor, você é

quase igual nois” acabou funcionando, mano. Os

cara acabou se enxergando como empreendedor.

Só que não tem nada de empreendedorismo. Subir numa

moto e entregar uma comida? Num valor que cê não

estabeleceu? Ganhar menos do que 50 centavos por

quilômetro? Isso é empreendedorismo? Carregar comida

nas costas com fome? Correr o risco de ser infectado?

Machucar e ser abandonado pelo aplicativo? Ser

bloqueado? Acordar bloqueado? Na onde, mano? Isso não é

empreendedorismo! Isso é exploração.

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desse povo lá embaixo, certo? Desarti-cula esse povo pra que ele não se en-xergue como povo, pra que ele não se enxergue parte daquilo, e aí depois cê deixa essas pessoas espalhada aí, cada um por si. O capitalismo gosta disso, cada um por si. Meritocracia. Você faz o seu. Não é você mais os seus amigos vai se juntar pra fazer alguma coisa, não. Você faz o seu, seu amigo faz o dele e o dele faz o dele. Então isso fun-ciona da (mesma) forma que os traba-lhadores também, mano. Então fazer a gente não se ver como trabalhador é uma forma da gente ficar espalhado por aí. Entendeu? Você não é trabalha-dor... você é “empreendedor”, mano. “Cê é quase igual nois”. “Se você tra-balhar bastante cê pode ser rico igual eu”. As pessoa acredita, mano. As pes-soa não tá “bem da cabeça”, as pessoa acredita. Cê entendeu? E o brasileiro no geral não tá bem, mano. O psicoló-gico do brasileiro no geral não tá bem. O brasileiro é um povo que nesse exa-to momento está negando a política. Por isso que o fascismo tá tão forte no Brasil. Porque o povo tá negando a po-lítica. Quanto mais você nega a políti-ca, mais porta você abre pro fascismo. Então, essa tática deles de dizer assim, “ah, você não é trabalhador, você é em-preendedor, você é quase igual nois” acabou funcionando, mano. Os cara acabou se enxergando como empre-endedor. Só que não tem nada de em-preendedorismo. Subir numa moto e entregar uma comida? Num valor que cê não estabeleceu? Ganhar menos do que 50 centavos por quilômetro? Isso é empreendedorismo? Carregar comida nas costas com fome? Correr o risco de ser infectado? Machucar e ser abando-

nado pelo aplicativo? Ser bloqueado? Acordar bloqueado? Na onde, mano? Isso não é empreendedorismo! Isso é exploração. No trabalho como a gente sempre conheceu, com carteira assina-da, a gente tinha um negócio chamado RH né. Você precisa conversar alguma coisa com o patrão, você vai no RH. O RH já era uma fronteira ali, né, tipo “oh, mano, não vem encher meu saco não, peão”. O patrão colocou o RH ali pra falar pro trabalhador, “ó, o peão, não passa daí não, enche o saco de ou-tros funcionário”. E aí você coloca ou-tros trabalhadores pra brigar, pra resol-ver os problemas da fábrica. E deixa o patrão lá, no canto dele, sossegado. O patrão, ele não quer ter problema com a fábrica. Ele só quer contar dinheiro, certo? Então, o aplicativo, tem essa coi-sa também, certo? Só que o aplicativo, ninguém vê a cara do patrão. Ninguém sabe quem é o patrão. E no lugar do RH tem um robô. E quando o robô não dá conta de resolver o problema do em-pregador, ele passa pra uma atendente de telemarketing. Tem uma cartilha. E essa atendente de telemarketing pode tá lá no Acre. Ela vai ter que resolver um problema de um entregador que tá aqui em São Paulo, e se acidentou, e precisa resolver o problema dele aqui. E ela tem uma cartilha. Se o problema desse entregador não estiver dentro dessa cartilha, a atendente de tele-marketing não vai conseguir resolver, aí o que acontece? O trabalhador fica brigando com o trabalhador. Enten-deu? O entregador fica brigando com a atendente de telemarketing. Dois precarizados se matando. Por exem-plo: se você pedir um remédio de 300 reais e eu for na farmácia comprar

esse remédio pra você e depois que eu comprei esse remédio, você cancelar o pedido porque você não quer mais o remédio, automaticamente entra uma dívida de 300 reais pra mim. Eu vou tentar resolver essa dívida com o robô; o robô não vai dar conta de resolver; vai me colocar pra esse atendente de telemarketing; e eu vou ficar brigando com ele. A mesma cosia acontece com a comida. A gente trabalha o dia intei-ro com fome, e aí vamo lá, 11 horas da noite, morrendo de fome, um cliente cancela uma comida, uma pizza, certo? Aí essa dívida dessa pizza, se essa pizza era 60 reais, essa dívida entra pro en-tregador. Como que o entregador vai tirar essa dívida? Indo no outro dia no Hub do aplicativo, e ficar numa fila lá, todo mundo com comida podre na mão, tendo que esperar a sua vez de entregar a comida podre na bancada do atendente de telemarketing lá, pra poder falar assim, ó: “tá aqui a comida, eu não comi a comida. Eu não roubei a comida, nem comi a comida. Cês po-dem tirar a dívida pra mim agora?” Aí depois de 3, 4 horas, dessa fila, dessa es-pera, você consegue entregar a comida podre lá e eles retiram a dívida. Dívi-das entram por nada. E você tem que provar que a culpa não foi sua da dívi-da. Nem sempre você consegue provar que a culpa não foi sua.

Dulce Pandolfi: Passo a palavra agora pra Paulo Fontes, que tem outras ques-tões. Muito Obrigada!

Paulo Fontes: Olá Galo! Aqui é o Pau-lo. Bem, vocês criaram o Movimento dos Entregadores Anti-Fascistas e con-seguiram uma mobilização e uma visi-

ENTREVISTA

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bilidade que tem surpreendido a mui-tos. Cê poderia contar um pouco como que esse movimento foi criado, quais as principais reivindicações, quais os desafios pra organizar uma categoria tão dispersa, como você falou, tão es-palhada, e tão precarizada. E como que você avalia a recente greve que vocês fizeram no dia 1º de julho?

Paulo Galo: Bom, eu sou um anti-fas-cista desde criança, mano. Desde essa história aí de quando meu pai subiu na mesa e começou a sapatear na mesa pra pedir carne. Pra poder ser atendido. Eu sou um anti-fascista desde essa épo-ca. Você não sabe o que significa, mas você já tem um sentimento que você é contra aquilo. O hip hop me ensinou o que eu era contra. O hip hop acabou me ensinando o que que eu era contra, o que que eu não gostava, o que que eu odiava, o que que eu amava, o hip hop me ensinou. Mas eu sou um antifascis-ta desde aquela época. Num país onde a onda do fascismo tá alta, tá grande e tá forte essa onda do fascismo, eu acho que eu não teria criado um outro mo-vimento que não fosse um movimento antifascista, no caso. Entendeu? Então, os Entregadores Antifascistas eles já nascem num primeiro momento que eu entendo que o aplicativo é fascista. O aplicativo, ele não tem rosto, ele não tem cara, ele não tem patrão, ele é um robô... ele coloca trabalhador contra trabalhador. Ele impede o diálogo do trabalhador de negociar. Ele estabelece uma taxa que ele acha justa, menos de 50 centavos por quilômetro, pra mim isso é fascismo. Então, a ideia de serem entregadores antifascistas, é ir direto no problema, mano. Faria mais senti-

do se fosse Entregadores Anticapitalis-tas. Eu concordo. Mas, nós entregado-res, se a gente for perder tempo, indo atrás da empresa que tá acabando com a gente, a gente vai ter que ir lá na play store e vai descobrir que todo dia surge uma empresa nova. Todo dia surge um aplicativo novo de delivery. Certo? Eles não tão no ramo do delivery. Eles tão no ramo da exploração. O grande negó-cio lucrativo nisso, é a exploração. Não é a entrega de comida. Então eu não vou perder meu tempo, “ó, veja bem ó, se eu falar mal da Adidas, é a Nike que ganha... se eu falar mal da Nike, é a Adidas que ganha”. Eu não vou ficar perdendo meu tempo falando mal de um, de outro. Ou do aplicativo “X”, ou do aplicativo outro... não, mano... por-que pra mim é assim, ó: a raiz, ela é egoísta; o tronco é capitalista; os galhos é racismo, machismo, homofobia... os frutos é isso aí, aplicativo; Bolsonaro; Luciano Huck; pa-pá-pá... Certo? Os fruto é isso aí. Eu respeito quem bate

nos fruto, eu respeito quem bate no galho. Mas pra mim, é machadada no tronco e depois (ar)rancar o mal pela raiz. Pra mim é isso. Então a ideia de serem entregadores antifascistas é ir di-reto no tronco. É ir direto no tronco. É ir diretamente no tronco. Entendeu? Mostrar que nois não concorda com isso, tá errado, mano. Qual que é a luta dos Entregadores Antifascistas? É a luta pela CLT, a luta pelo conjunto de lutas dos trabalhadores. Eu não abro mão da luta dos trabalhadores. Come-çando pela liberdade, que foi nois que conquistou. O Salário mínimo foi nois que conquistou. FGTS, Férias, Seguro Desemprego, Insalubridade, Adicional Noturno, certo? Foi tudo os trabalha-dores que conquistaram, mano. Vários e vários direitos, eu não abro mão de um. Eu não abro mão de um. Não é um aplicativo que vai chegar e vai falar assim, “ah, você agora não é trabalha-dor, você é empreendedor”. Não, não, não, não não... sai daqui, mentirosão.

ENTREVISTA

Fote: Rovena Rosa/Agência Brasil

#Brequedosapps

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Falsário. Sou trabalhador, tenho muito orgulho do que eu sou. Eu tenho uma história linda. Uma história que vocês nunca vão ter. E vocês não vai vim aqui rasgar a minha história. Jogar a minha história no lixo. A história de ser En-tregador Antifascista é isso. É essa. O dia 1º de julho foi uma greve geral que aconteceu aqui no Brasil, aconteceu na Argentina, no Chile, no Peru, no Mé-xico, no Equador, e qual que é a pau-ta? A pauta da greve aqui no Brasil é: maiores taxas; maiores taxas mínimas; fim dos bloqueios injustos. Certo? Os Entregadores Antifascistas tão dentro da greve, apoiam a greve, mas são mo-vimentos diferentes. Os Entregadores Antifascistas tem uma pauta, a greve tem outra pauta, essas pautas elas se conectam, porque a gente acredita que essas são necessidades dos trabalha-dores. E se os trabalhadores no geral definiram essa pauta, então essa pau-ta ela tem que ser respeitada. Nós, os Entregadores Antifascistas somos um movimento pra além das greves. Não significa que nois é melhor que a greve. A greve é muito mais importante pros Entregadores Antifascistas. Mas depois que a greve acaba, os Entregadores An-tifascistas continuam a luta. E agora vai ter a greve do dia 25 de julho. Vai ser uma repetição dessa do dia 1º de julho. Porque o pessoal tá empolgado. O pessoal tá se sentindo isso mesmo: trabalhador, orgulhoso de ser trabalha-dor, e que quer lutar pelos seus direi-tos. Bacana mano, é isso mesmo. Tem que ampliar. Pra mim tem que am-pliar até pra outras categorias. Porque eu acredito numa classe trabalhadora unida. Quanto mais a classe trabalha-dora tiver unida, mais a gente tem que

ganhar. Porque os cara não tem um problema só com entregador. Os cara tem um problema com o trabalhador, com a força de trabalho no geral. Eles não valoriza a força de trabalho. Sen-do que, a força de trabalho levantou o mundo. O mundo como as pessoas en-tendem foi a força de trabalho que fez. Nada mais justo a gente ser valorizado por eles.

Paulo Fontes: Você mencionou tam-bém, aí nessa sua resposta, essa cone-xão da luta dos entregadores com a luta dos trabalhadores em geral, que é uma luta que tem uma história já mui-to antiga, muito longa. Como é que você vê o movimento de vocês nessa trajetória mais longa, o que que vocês são: uma novidade? O que que vocês são: uma continuidade? O que que di-ferenciaria vocês do movimento sindi-cal, digamos, mais tradicional?

Paulo Galo: Se a uberização é um des-dobramento da Revolução Industrial, os Entregadores Antifascistas é um des-dobramento dos operários. Nós somos um desdobramento da história dos operários. Somos os operários do nos-so tempo. Fazemos conforme enten-demos o nosso tempo, o nosso espaço, então pra gente a luta se conecta. Se co-necta lá com a conquista da liberdade. A partir da conquista da liberdade. E aí, é outra sequência de conquistas né: sa-lário, salário mínimo, direitos que não deveriam ser conquistados, né. Direito já é direito por si só. Deveria ser cedido a quem merece esses direitos, a quem tem esses direitos. Mas é uma coisa que a gente tem que conquistar. E não só conquistar... o Brasil é tão difícil que a

gente não precisa nem só conquistar o direito. No nosso caso, a gente precisa reconquistar. Porque a gente já con-quistou, perdeu, e agora a gente preci-sa reconquistar. É igual a democracia: queria que a luta dos Entregadores An-tifascistas fosse pra melhorar a Cartei-ra de Trabalho, e não pra recuperá-la. Queria que a luta dos Entregadores An-tifascistas fosse uma luta pra ampliar a democracia, fazer a democracia chegar pra todos. Não pra lutar pra não perder ela, porque ela tá quase morrendo, ali, agonizando na UTI.

Paulo Fontes: Galo, vocês têm conexões com outros movimentos sociais? Como que é essa articulação mais ampla?

Paulo Galo: A gente tem contato com o pessoal do MST, contato com as cen-trais sindicais, contato com os sindica-tos, contato com partido político, con-tato com o movimento negro, a gente tem contato com todo o pessoal, mano. O discurso dos Entregadores Antifas-cistas é um discurso de incluir e não de separar, a gente quer se unir. Todas as políticas que querem empoderar o tra-balhador, tem que se unir pra empo-derar o trabalhador. Eu (es)tava numa reunião com o pessoal da Argentina agora, pra gente criar uma organiza-ção latino-americana nossa. Certo? Começando com Brasil e Argentina, ampliando pro Chile, Uruguai... e a gente poder unir os trabalhadores da América Latina inteira. Entendeu? A minha caminhada é essa, mano, classe trabalhadora unida. Pra mim não é só sobre os Entregadores também, mano. Pra mim é sobre a classe trabalhado-ra unida. Cês lembra das Tia da Avon?

ENTREVISTA

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Das Tia do Yakult? Elas se ferrou mui-to mais que nois! Já eram uberizadas sem existir o termo “uberização”. Elas já eram uberizadas sem existir o termo “uberização”. Elas já (es)tava sofrendo com isso, entendeu? Então, pra mim mano, eu cato uma Tia da Avon e co-loco na minha moto, eu cato uma Tia da Yakult e coloco na outra moto, eu cato um metalúrgico e coloco na ou-tra, eu coloco um petroleiro na outra, um marceneiro na outra, a classe tra-balhadora fica unida. E vamo pra luta, mano. Pra mim é isso.

Paulo Fontes: A pandemia da Covid-19 colocou à luz as profundas desigual-dades sociais que o Brasil vive, né? E essas desigualdades vão acentuar-se ainda mais no pós-pandemia, né? Ao mesmo tempo, ela mostrou, isso que a gente estava falando, ela deu visibilida-de pra categoria dos entregadores, pros problemas dos entregadores, inclusive em relação à saúde, né, muito risco de contaminação, e a necessidade de pro-

teção. Como que você vê os trabalha-dores de aplicativos nesse contexto da pandemia, e o que que você acha que vai acontecer no pós-pandemia? Como que você vê o mundo pós-pandemia?

Paulo Galo: Essa coisa de que a pande-mia mudou as pessoas, eu não sei bem, mano, se isso é realidade. Eu não sei bem se isso é realidade. Porque calcula comigo, ó: antes da pandemia a gente já vivia um pandemônio. Ninguém se preocupava com o pandemônio. Nin-guém se unia pra cuidar do pandemô-nio. As pessoas tão se unindo pra cuidar da pandemia, porquê? Porque a pan-demia não é classista, a pandemia não é racista, entendeu? A pandemia não vai só na favela. A pandemia pega todo mundo, e começou pelos ricos. Come-çou pelos ricos essa coisa da pandemia. Certo? Então agora existe essa ideia de que a gente tem que se unir pela pan-demia. Bacana. Tem que se unir pela pandemia memo. Então qual que é a situação, nois tem que se unir pela

pandemia memo. Porque a pandemia pega nois também. Mas e o pandemô-nio? Depois que isso acabar, o pessoal vai se unir contra o pandemônio? O pandemônio que o capitalismo fabri-ca? Porque o vírus mesmo pra mim é essa coisa aí de capitalismo aí. Egoísmo, capitalismo. Isso é que era o vírus que as pessoas deviam pensar em terminar, acabar com ele. Entendeu? Que até esse vírus do capitalismo que fabricou esse vírus aí, da Covid-19. Ou não? Ou a pandemia não tem nada a ver com o capitalismo? Bom, se a gente parar pra pensar todas as doenças que surgiram, surgiram de uma necessidade do ser humano se sobressaírem sobre outros seres, né mano. Entendeu? Todos esses vírus vêm de origem animal. Todos es-ses vírus vêm de origem animal. Então, se a gente parar pra pensar, o grande problema mesmo é o capitalismo. É ele que acelera a gente e coloca a gente pra ontem, sabe? O capitalismo coloca você pra ontem. Cê tem que viver pra ontem. Nois tem que viver o agora. Aí você fica reclamando, falando assim: “ah, meu filho tá crescendo rápido de-mais”. Isso é capitalismo, amigão. Tá crescendo rápido demais porque é o capitalismo. O capitalismo coloca pra ontem. Entendeu? Faz você trabalhar exaustivamente. Faz você colocar o seu filho na perua da escola, e chegar em casa e colocar o seu filho pra dormir. É assim que cê cria seu filho... colocando ele na perua da escola, chegando em casa e colocando ele pra dormir. Cê acha que ele não vai crescer rápido de-mais? É lógico que ele vai crescer rápi-do demais. Cê não acompanhou os pri-meiros passos dele; as primeiras falas dele; você não acompanhou nada dele,

ENTREVISTA

Eles não tão no ramo do delivery. Eles tão no ramo

da exploração. O grande negócio lucrativo nisso,

é a exploração. Não é a entrega de comida. (...)

Eu não vou ficar perdendo meu tempo falando

mal de um, de outro. Ou do aplicativo “X”, ou do aplicativo

outro... não, mano... porque pra mim é assim, ó: a raiz,

ela é egoísta; o tronco é capitalista; os galhos é racismo,

machismo, homofobia... os frutos é isso aí, aplicativo;

Bolsonaro; Luciano Huck; pa-pá-pá... Certo? Os fruto é isso

aí. Eu respeito quem bate nos fruto, eu respeito quem bate

no galho. Mas pra mim, é machadada no tronco e depois

(ar)rancar o mal pela raiz. Pra mim é isso. Então a ideia de

serem entregadores antifascistas é ir direto no tronco.

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cara. Você ficava trancado numa fábri-ca. Trancado numa moto. Como é que você vai ver o seu filho crescer? É ló-gico que o seu filho vai crescer rápido demais. Entendeu? É lógico que você vai ficar velho mais cedo. Capitalismo faz a gente ter um problema com os idosos, mano. Como se ser idoso fos-se um problema, mano. Esse povo tá aposentando cedo demais, o idoso é um peso. E a natureza é assim, ó: se a gente mostrar pra natureza que existe um problema em a gente ficar idoso, a natureza vai fazer a gente morrer mais cedo. A natureza vai fazer a gente mor-rer mais cedo, porque a gente evoluiu até aqui através do ritmo da natureza, dizendo o que a gente precisava. Se co-nectando, sabe? Com a natureza e di-zendo o que a gente precisava. A gente quer sobreviver? Então a gente precisa do quê? De mais inteligência? De mais articulação? Tá bom, a natureza fez isso pela gente, mano. Então a gente não quer ficar velho? Porque a gente tá tratando os idosos mal... Então a na-tureza vai fazer a gente morrer mais cedo. O grande problema é o capitalis-mo, mano. As pessoas tão no ritmo do céu na pandemia. O céu de São Paulo tá muito bonito quando amanhece, e muito bonito quando chega o entar-decer, mano. E as pessoas tão bonita também. Só que quando o céu voltar a se acinzentar, as pessoas vai voltar a se acinzentar também. Eu acho que a pandemia, ela não teve esse efeito tão positivo assim. Possa ser que (es)teja num ou em outro, mas no geral eu acho assim que não teve esse efeito não tão positivo. Eu acho que pelo menos abriu os olhos, assim, né, pra enxergar que o capitalismo não é uma coisa tão

segura assim, que as pessoas fala assim: “ah, o capitalismo é o sistema que mais tirou as pessoas da pobreza, o capita-lismo tem liberdade, o liberalismo não sei o quê não sei o que lá e tal, tal, tal”. Só que aí, se a gente for pôr na caneta, o capitalismo não consegue proteger a gente. O capitalismo não consegue dei-xar a gente 3 mês de lockdown, mano. Porque se a gente ficar 3 meses de lo-ckdown o capitalismo quebra. Então é melhor que a gente morra, do que o capitalismo morra. O celular da gente é feito pra quebrar em 3 anos. Porque se o celular da gente não quebra em 3 anos e a gente não comprar outro, se as nossas coisa não quebrar, o que quebra é o capitalismo. Então se as pessoas quiserem enxergar isso, elas vão enxergar isso. Entendeu? O capita-lismo é um sistema autodestrutivo. O capitalismo prioriza o capital, não as pessoas mano. O capitalismo prioriza o capital, ele não prioriza as pessoas. Então o mais importante é o capital. Proteger o capital. Não as pessoas. Isso que as pessoas tem que questionar!

Paulo Fontes: Galo, muito obrigado pela sua entrevista, foi uma honra po-der ter te entrevistado. Muito obriga-do, mesmo.

Paulo Galo: Valeu, Paulo, (es)tamos junto. Uma honra estar aqui também, batendo um papo.

Paulo Fontes: Este foi a Rádio Cidada-nia, um podcast de diálogo entre a uni-versidade e os movimentos sociais. Até breve, com um novo episódio, e não deixe de acompanhar a Universidade da Cidadania nas redes sociais!

ENTREVISTA

Pra mim não

é só sobre os

Entregadores

também, mano. Pra mim é

sobre a classe trabalhadora

unida. Cês lembra das Tia

da Avon? Das Tia do Yakult?

Elas se ferrou muito mais

que nois! Já eram uberizadas

sem existir o termo

“uberização”. Elas já (es)tava

sofrendo com isso, entendeu?

Então, pra mim mano, eu

cato uma Tia da Avon e

coloco na minha moto, eu

cato uma Tia da Yakult

e coloco na outra moto,

eu cato um metalúrgico e

coloco na outra, eu coloco

um petroleiro na outra,

um marceneiro na outra,

a classe trabalhadora fica

unida. E vamo pra luta,

mano. Pra mim é isso.

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MEMÓRIA

Ciclo de debates e estudos sobre desenvolvimento e socia-lismo, uma atividade organizada pela Escola Latinoamericana de História e Política, para marcar o centenário de nascimento de dois gigantes do povo brasileiro: Florestan Fernandes e Celso Furtado, teve sua avant premiere no dia

23 de julho de 2020, com uma entrevis-ta com a jornalista Rosa Freire D’Aguiar, acerca da vida e obra de Celso Furtado.

No dia 25 de julho, ocorreu a aber-tura oficial do ciclo, com um debate so-bre desenvolvimento e socialismo, com a participação de Breno Altman, jorna-lista e editor do Opera Mundi; Natalia

Bonavides, advogada e deputada federal (PT/RN); e Nilma Gomes, professora emérita da UFMG e Ministra das Mu-lheres, Igualdade Racial e Direitos Hu-manos no governo da presidenta Dilma Rousseff. A moderação foi feita por Val-ter Pomar, professor de relações interna-cionais da Universidade Federal do ABC.

Celso & Florestan2020 marca o centenário de dois grandes nomes do pensamento social, político e econômico brasileiro: Celso Furtado e Florestan Fernandes. Nesta e nas próximas edições da Esquerda Petista, publicaremos textos tratando das diversas temáticas envolvidas no debate de suas obras e trajetórias, mas principalmente sobre as conexões existentes entre DESENVOLVIMENTO e SOCIALISMO.O

CELSO FURTADO 26/07/1920 - 20/11/2004

FLORESTAN FERNANDES22/07/1920 - 10/08/1995

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No dia 27 de julho, o tema foi a Vida e obra de Florestan Fernandes, com a participação de Rui Falcão, de-putado federal PT-SP e integrante da direção nacional do PT, de Florestan Fernandes Jr. e de Bernardo Ricupero, professor da USP. A moderação foi de Natalia Sena, advogada e integrante da executiva nacional do PT.

No dia 28 de julho, voltamos a debater a vida e obra de Celso Fur-tado, desta vez com a participação de Fernanda Cardoso, professora da UFA-BC e Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da USP, sob a moderação de Breno Altman.

No dia 29 de julho, o tema foi Re-forma, revolução, democracia e po-lítica, com a participação de José Ge-noíno e de José Dirceu, ambos ex-pre-sidentes nacionais do PT; e também com a participação de André Singer, professor da USP. A moderação desta vez foi de Natalia Sena.

No dia 30 de julho, quinta-feira, tratamos de Planejamento, mercado, propriedade, produção e finanças, com a participação de José Sergio Ga-brielli, professor da UFBA e ex-presi-dente da Petrobrás; de Esther Dweck, professora de economia da UFRJ; e Es-ther Bemerguy, da Associação Brasilei-ra de Economistas pela Democracia. A moderação foi de Valter Pomar.

No dia 31 de julho, com o mes-mo moderador, debatemos A nação e o mundo, com as contribuições de Breno Altman, da professora Cristina Reis da UFABC e com a companheira presidenta Dilma Rousseff.

No sábado, 1 de agosto, foi a vez de debater Igualdade, bem estar, classe,

raça, gênero e geração, com a partici-pação de Regimeire Maciel, professora da UFABC; de Laura Tavares, professo-ra aposentada da UFRJ e pesquisadora do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ; e de Elisa Guaraná, profes-sora da UFRural do RJ. A moderação, neste caso, foi de Valter Pomar.

No domingo, 2 de agosto, o deba-te versou sobre Crise sistêmica capi-talista, alternativa sistêmica socia-lista. Neste caso, o debate contou com Tarso Genro, ministro da Justiça do governo Lula e ex-presidente do PT; Victor Marques e Valter Pomar, am-bos professores da UFABC. A modera-dora deste debate foi de Natalia Sena.

Nos dias 3, 4, 5 e 6 de agosto, qua-tro sessões foram dedicadas a leitura comentada de obras de Furtado e Florestan. No dia 3, Introdução ao desenvolvimento – enfoque histórico-es-trutural, comentada por Vitor Schin-cariol, professor da UFABC. No dia 4, A revolução burguesa no Brasil, comen-tada por Maria Carlotto, professora da UFABC. No dia 5, Brasil, a construção interrompida, comentado por Valéria Lopes Ribeiro, professora da UFABC. No dia 6, A integração do negro na socie-dade de classes, comentada por Rama-tis Jacino, professor da UFABC.

Nesses 4 dias, a moderação foi fei-ta, alternadamente, por Natalia Sena e por Patrick Araújo, do Diretório Na-cional do PT.

No dia 7 de agosto, encerramos o ciclo, com uma mesa intitulada Flo-restan Fernandes e Celso Furtado, dois gigantes do povo brasileiro. Nesta mesa contamos com as contri-buições de Haroldo Ceravolo Sereza,

editor do Opera Mundi; de Ricardo Bielschowsky, professor da UFRJ; e de Gleisi Hoffman, presidenta nacio-nal do PT. A moderação desta última mesa foi feita por Valter Pomar.

Ao todo, 33 palestrantes e mode-radores dedicaram 28 horas, não ape-nas para tratar da vida e a obra de Flo-restan e de Celso, mas principalmente sobre as conexões existentes entre DE-SENVOLVIMENTO e SOCIALISMO, no contexto do Brasil de 2020 e nos anos e décadas que virão.

Ao longo do século XX, especial-mente no Brasil, a palavra desenvolvi-mento tornou-se quase um jargão, um termo utilizado por pessoas das mais diversas classes e setores políticos.

Ficando muitas vezes oculta a imensa diferença entre as diferentes concepções de desenvolvimento.

E ficando geralmente na penum-bra quais vínculos existem, ou deve-riam existir, entre desenvolvimento e socialismo.

Atitude esta que constitui um imenso absurdo e problema, ao me-nos para os que, como nós, defende-mos um Brasil realmente democrático e popular. E que temos todo o interes-se, portanto, em diferenciar as coisas e deixar claro o que são as diferentes modalidades de desenvolvimento de tipo capitalista e, também, o que po-deria ser um desenvolvimento de tipo socialista.

Dando prosseguimento a este de-bate, nesta e nas próximas edições da Esquerda Petista, publicaremos textos tratando das diversas temáticas en-volvidas. A seguir, o primeiro destes textos.

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MEMÓRIA

questão racial apre-senta-se na contemporaneidade em dimensões que são necessárias para a reflexão e a produção de conhecimento no Brasil. O processo histórico e a ne-cessidade de superação das desigualda-des estruturais raciais e sociais no Brasil perpassam a construção do enfrenta-mento e da desconstrução das desigual-dades nas relações étnico-raciais, como uma estrutura dinâmica que é parte da sociedade brasileira.

Neste debate, vamos ter um pa-norama sobre a construção de raça na modernidade e seus desdobramentos, como por exemplo, o racismo e sua construção histórica e social, o racismo científico, as distintas formas de apre-sentação das desigualdades raciais desde a estrutural até a institucional. Ainda na primeira seção do texto, vamos co-nhecer a produção do que é ser branco em uma sociedade marcadamente desi-gual racialmente. A “branquitude”, que será desenvolvida através de leituras como Maria Aparecida Bento, Louren-ço Cardoso e Lia Vainer.

Em um segundo momento, vamos conhecer um pouco da teoria social so-bre raça no Brasil. Vamos ter um giro histórico por quatro escolas de pensa-mento. Desde o pós-abolição e as pro-duções na perspectiva do desenvolvi-

mento nacional; passando pela Escola de São Paulo e projetos voltados a ques-tão racial no Brasil realizados e conduzi-dos pelo Prof. Florestam Fernandes; até a perspectiva dos intelectuais negros so-bre as questões étnico-raciais e os auto-res(as) contemporâneos que elaboram cientificamente sobre o tema no Brasil. Considero esse momento do texto uma reflexão sobre o Brasil na perspectiva racial como um processo de aprendiza-gem, mas também, de encontro com a própria história Brasileira. Importantes reflexões são despertadas em contato com leituras como Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Bicudo, Abdias do Nascimento, Sueli Carneiro, Lélia Gonzales, Silvio Almeida e Djami-la Ribeiro, dentre outras(os).

A raça na história moderna

A perspectiva de raça e o conceito que temos nos dias de hoje não são fixos, eles são uma construção ao longo do período histórico. A noção de raça, na perspectiva de distinção entre seres hu-manos em suas diferentes experiências, é uma produção do estado moderno, que segundo pesquisadores é datado do século XVI. O conceito mostra-se com-plexo e faz parte de inúmeros estudos em diversas áreas do conhecimento. Va-

Raça e Pensamento Social Brasileiro

por Suelen Aires Gonçalves

Neste debate, vamos ter um panorama sobre a construção de raça na modernidade e seus desdobramentos, como por exemplo, o racismo e sua construção histórica e social, o racismo científico, as distintas formas de apresentação das desigualdades raciais desde a estrutural até a institucional.

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O racismo estrutural é um conceito utilizado para apresentar que existem sociedades estruturadas nas desigualdades raciais, como exemplo, podemos citar o caso brasileiro e sua construção histórica. Nossa estrutura social é fruto de quase quatro séculos de um processo de escravidão

mos verificar, nas próximas sessões do texto, como o conceito é construído e está em constante movimento. Confor-me falamos anteriormente, o conceito de raça é datado do século XVI e as teo-rias sobre raça começam a ser esboçadas em um período posterior. Temos neste processo, autores como Joseph Arthur de Gobineau, filósofo nascido na Fran-ça em 1816, como um dos pioneiros a apresentar a ideia de superioridade ra-cial da sua raça, a branca. Neste senti-do, desde então, inúmeros trabalhos e pesquisadores(as) foram apresentando ideias de raça de maneiras distintas. Neste contexto, as “teorias raciais” são apresentadas como uma maneira de explicar o processo histórico do avanço imperialista de países europeus em ou-tros territórios e nações na perspectiva de seu domínio em várias facetas, desde o econômico, o político e o social.

A ciência apresenta-se em muitos momentos da história como um cam-po de premissas ou verdades, sem que as quais possam ser inclusive questiona-das. Um dos fatores importantes para a criação do racismo foi uma base cien-tífica apresentada na ideia de justificar as desigualdades raciais e o avanço do processo de colonização em países para além do continente europeu. Tivemos em nossa história o “determinismo bio-lógico”, uma doutrina que buscava aferir se as características físicas e intelectuais eram passíveis a transmissão hereditária, ou seja, passadas de geração em geração. Com base nesta construção de ciência, a antropometria, buscavam embasar suas teorias e pesquisas em cálculos de tama-nho de crânio, por exemplo, como base de apoio para afirmar que diferentes ra-ças tinham diferentes assimetrias.

Racismo e suas diferentes concepções: estrutural e

institucional

Compreendemos, até aqui, as desi-gualdades como sínteses de processos históricos na qual a desigualdade entre as raças foi produção científica e políti-ca por parte de países e governos ao lon-go da história mundial no pós-processo de colonização. Por racismo estrutural e institucional, vamos ter como base teórica a produção de Silvio Almeida em sua obra O que é racismo estrutural? de 2018. Como base de nossa discussão, podemos apresentar que o racismo es-trutural é um conceito utilizado para apresentar que existem sociedades es-truturadas nas desigualdades raciais, como exemplo, podemos citar o caso brasileiro e sua construção histórica. Nossa estrutura social é fruto de quase

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Escravidão - Bahia, 1860, Acervo Instituto Moreira Salles

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quatro séculos de um processo de escra-vidão, sendo que homens e mulheres negras foram capturados e vendidos como mercadoria para o território bra-sileiro e neste contexto formaram mão de obra da economia brasileira colonial. Desde o processo econômico da cana de açúcar, no litoral brasileiro, o ciclo do café no que hoje seria o Sudeste, o ciclo do ouro nas Minas Gerais e o ciclo do charque na região sul, mais especifica-mente no estado do Rio Grande do Sul.

Uma das sínteses do nosso racismo estrutural é o fato de sermos o último país das Américas a abolir a escravidão com a Lei Áurea de 1888, e mesmo nes-te contexto, não realizamos um proces-so de inclusão da grande parcela da po-pulação, sem direitos garantidos, sem cidadania plena. Além do que, produ-ções legislativas anteriores à abolição foram construídas na perspectiva da não inclusão da população negra na sociedade brasileira. Vide os casos da constituição de 1824 e o acesso ao es-tudo, que em tese, todos tinham direi-to a educação, porém excluía os povos escravizados. A “lei de terras”, que re-gulamentava possibilidade de compra e propriedade, não estava destinada às pessoas escravizadas. A lei de terras abriu a possibilidade de uma política pública importante na teoria racialista, a imigração de povos europeus para o Brasil na perspectiva de branqueamen-to da população. No que chamamos de “teoria do branqueamento”, onde o Estado investiu na possibilidade de uniões entre as raças na ideia de que com as relações inter-raciais a cada ge-ração a população seria mais branca, mais próxima da humanidade com di-ria Franz Fanon.

Já o racismo institucional é a forma nítida, nas instituições, de tratamento diferenciado baseado nas desigualda-des raciais no interior das organizações, grupos sociais, no mundo do trabalho e nas instituições como um todo. Em síntese, seria a demonstração das desi-gualdades estruturais raciais no interior das instituições. Como exemplo, pode-mos utilizar o espaço do mundo do tra-balho e a reprodução das desigualdades no quadro dos colaboradores. Se não houver uma equipe atenta para a pro-moção da diversidade na organização, é muito provável que as discriminações e preconceitos sejam os parâmetros desde a contratação de pessoal até a promo-ção e carreira dos mesmos.

A construção social do branco: branquitude

Neste tópico do texto, vamos co-nhecer uma produção pouco explora-da, mas de fundamental importância para conhecermos as dinâmicas raciais no Brasil. A produção social do bran-co, que conceitualmente chamamos de branquitude, é um processo estudado por inúmeros pensadores. Neste mó-dulo, vamos conhecê-los e vamos des-bravar o tema pouco pesquisado. Nosso conterrâneo, o pesquisador brasileiro Lourenço Cardoso, apresenta marcos no pensamento sobre branquitude im-portantes para nossa reflexão. Ele nos alerta que o pioneirismo é datado de 1935, com o pesquisador W.B. Du Bois, seguido de Franz Fanon em 1952 com a publicação de sua obra Pele negra, máscaras brancas. A obra de Fanon é um marco nas teorias contemporâneas sobre raça e propõe uma reflexão sobre

a relação entre o negro(a) e o branco(a), apresentando a faceta de como o outro é visto. Além de evidenciar que ao lon-go do período histórico houve uma construção de humanidade diretamen-te ligada aos brancos e uma linha da não-humanidade para os demais.

Em pesquisas como as de Edith Piza no Brasil, com Branco no Brasil? Ninguém sabe, ninguém viu e Porta de Vidro: entrada para branquitude, o conceito de branquitude apresenta-se no cenário brasileiro. Neste processo de pesquisas, Lourenço Cardoso, em seu trabalho, apresenta que aprimoramen-tos conceituais como as manifestações de privilégio com os conceitos “bran-quitude crítica”, ou seja, aquela que reconhece seus privilégios e busca con-tribuir na luta antirracista, e a “branqui-tude acrítica” que seria um seguimento consciente dos seus privilégios e busca sua manutenção. Para encerrar esse tó-pico, vamos conhecer a produção de Lia Vainer Schucman, professora doutora em psicologia da UFSC, autora da obra: Entre o ‘encardido’, o ‘branco’ e o ‘branquís-simo’: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo. Nesta e outras pesquisas ela apresenta a ideia de raça e seus signos/significados apropriados pelos sujeitos brancos na cidade de São Paulo, cidade da sua pesquisa de dou-toramento, simbólicos e materiais em relação aos não brancos.

Neste momento, vamos apresentar a produção das quatro ondas de pes-quisadores(as) sobre as questões raciais, sendo a Escola de São Paulo, na condu-ção do prof. Dr. Florestan Fernandes, um marco importante de inflexão e maior nitidez das questões nacionais a serem enfrentadas pelas demais escolas/

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A Escola de São Paulo, da qual Florestan Fernandes

(de pé,na foto) foi um percurssores, é um marco na fundação das ciências

sociais como campo do saber no Brasil

pensadores até o período recente. Eis as quatro escolas bases na nossa reflexão:

a) Pensadores sociais e perspectiva de desenvolvimento nacional no pós--abolição

Importantes reflexões sobre as questões raciais estão sendo levantadas pelo conjunto da classe política, dos in-telectuais e da sociedade brasileira no início do século XX. A política de bran-queamento implementada pelo estado brasileiro é um dos traços da constru-ção racial no pensamento social. Um importante pensador da geração foi Gilberto Freyre, sua obra Casa Grande e Senzala (1933) é um marco do período pois apresenta a importância da “casa--grande” e da “senzala” na formação so-cial e cultural da sociedade brasileira.

Neste momento histórico, havia um debate sobre as teorias racialistas do século XIX muito presente no imaginá-rio e na intelectualidade internacional e nacional. Tal produção apresentava distinção e classificação dos seres huma-nos em sua condição biológica de um processo colonizador. Neste período, o processo de miscigenação que consistia em um processo de “mistura das raças” presentes no país (negra, branca e in-dígena) estava em voga e tal processo histórico apresenta uma síntese sobre a identidade nacional. Neste contexto, inúmeros autores buscaram apresentar o Brasil para o mundo na perspectiva de síntese sobre identidade nacional, que foi fortemente influenciada pelo contexto internacional de teorias so-bre raça. Cito os autores que tiveram um destaque em suas produções e até hoje são referência: Sergio Buarque de Holanda, com a obra Raízes do Brasil de 1936, que aponta as heranças negativas

da cultura colonial (portuguesa) em território nacional e Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala, acima citado como representante da escola de pensamento.

b) Pensadores sociais e perspectiva de raça da Escola de São Paulo

A Escola de São Paulo é um marco na fundação das ciências sociais como campo do saber no Brasil. Neste espaço foram institucionalizadas e promovidas inúmeras pesquisas, que se tornaram referência no país e no mundo. A pes-quisa que vamos analisar neste tópico foi o Projeto UNESCO, sobre as rela-ções étnico-raciais no Brasil, realizada na década de 50 do século XX. Estudos dos professores Florestan Fernandes e Oracy Nogueira, lotados nos centros da Escola Livre de Sociologia e Políti-ca (ELSP) e da Faculdade de Filosofia, Ciên cias e Letras (FFCL/USP) e seus orientandos são a base de pesquisas so-bre as relações raciais que foram patro-cinadas pela agência internacional da

UNESCO, pois apresentam inúmeras perspectivas entre as relações raciais no Brasil que são bases de pesquisa até a contemporaneidade.

O Projeto UNESCO teve caráter nacional e trouxe elementos sobre vi-sões distintas do racismo no Brasil. Sua contribuição, neste ciclo de pesquisas, é um marco da história das ciências so-ciais brasileiras. A produção da “Escola de São Paulo” apresenta a síntese de que os resquícios de uma sociedade escravo-crata recente produziram desigualdades raciais e regionais importantes para a pesquisa sociológica. Tiveram inúme-ras interpretações. Florestan Fernandes, por exemplo, apresentou que o precon-ceito de ordem racial é fruto de uma sociedade escravocrata, logo assim, com surgimento e avanço da sociedade capi-talista, tal preconceito iria sofrer altera-ções ao longo da história até sua dimi-nuição. Já o sociólogo Carlos Hasenbalg tem um olhar diferenciado sobre o mesmo fenômeno. Ele afirmou que o

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preconceito e a discriminação racial po-dem ter sofrido alterações no período pós-abolição, mas assume novas formas e significados no contexto da sociedade capitalista que estava em processo no período. Ou seja, existe uma relação en-tre racismo e modernidade.

c) A temática racial e os intelectu-ais negros

Durante o período da “Escola de São Paulo” tivemos a produção de inte-lectuais negros como Guerreiro Ramos, que em 1957, apresentou o conceito de “patologia branca no Brasil”, ressal-tando a utilização de negras e negros como temas de pesquisa realizada por pesquisadores brancos. Neste sentido, tal procedimento é apresentado como uma forma de assegurar sua brancura e os privilégios advindos do fato de pos-suir a pele clara. Tais pesquisas apresen-tam formas de evidenciar as experiên-cias europeias, seus traços culturais e a manutenção do seu status de superio-ridade racial construída pelas desigual-dades raciais. Nosso autor em questão, mesmo com uma produção riquíssima sobre a problematização do branco na sociedade brasileira, teve sua produção invisível por décadas.

Nesta esteira de intelectuais negros temos inúmeras experiências. Vamos apresentar algumas para nossa seção. Co-meçamos com Abdias do Nascimento, com a obra O genocídio do negro brasilei-ro, de 1968, sendo considerada uma obra referência no debate étnico-racial e no debate sobre a violência contra a popu-lação negra no Brasil. O autor enfrentou os dilemas das desigualdades raciais na literatura, na escultura, nas artes como ator e fundador do Teatro Experimental do Negro (TEM) e na política. Foi sena-

dor na República, deputado e viveu exi-lado de 1968 a 1981, durante o período da ditadura civil militar.

Lélia Gonzalez, graduada em His-tória, Geografia e Filosofia é uma im-portante mulher negra na instituciona-lização das pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. Sua vida e obra con-tribuíram no processo de debate sobre as mulheres negras. Realizou pesquisas e escritas com outros pesquisadores, como por exemplo em 1982 a obra Lu-gar de Negro, escrita em parceria com Carlos Hasenbald. Sua preocupação teó rica também reflete sua vida polí-tica. Como Abdias do Nascimento, ela foi política e concorreu para cargos de deputada federal em 1982 e de deputa-

da estadual em 1986. Na vida militan-te, nossa intelectual participou de inú-meras iniciativas, como por exemplo a criação de instituto de pesquisa; do Mo-vimento Negro Unificado (MNU); do Nzinga Coletivo de Mulheres Negras no estado do Rio de Janeiro e do Olo-dum em Salvador, na Bahia.

Apresento neste final de seção a obra e vida da nossa intelectual negra, Sueli Carneiro. Ela é uma das princi-pais autoras sobre a vivência e constru-ção histórica das mulheres negras e do feminismo negro no Brasil. Ela é reco-nhecida pela sua produção intelectual e militância no campo de raça e gênero. Sua formação é em Filosofia, doutora em Educação pela Universidade de São

Antigas e novas obras dãosua contribuição para a formação do pensamento social brasileiro

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Paulo. Sua produção acadêmica está na perspectiva de gênero, raça e direitos humanos em inúmeras publicações na-cionais e internacionais.

d) O tema racial entre pensado-res(as) contemporâneos

Nesta seção, vamos revisitar os pes-quisadores e pesquisadoras que avan-çam na produção teórica da terceira escola. Vamos conhecê-las em sua di-versidade regional e de produção do conhecimento. A primeira a ser apre-sentada neste módulo é a Dra. Ana Fla-via Magalhães, jornalista e historiadora. Atualmente professora de História da UNB. É autora do livro Escrito de liber-dade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista, escrito em 2019, que apresenta as estratégias de resistên-cia e de visibilidade do movimento abo-licionista, como por exemplo na atua-ção de José do Patrocínio e Luiz Gama. Nossa intelectual apresenta o passado e as possibilidades de novas formas de resistência.

Nossa próxima intelectual tem uma contribuição importante para com o debate sobre as intersecciona-lidades. Carla Akotirene é autora da obra O que é Interseccionalidade?, pu-blicada em 2018 na coleção Femininos Plurais, idealizada pela filósofa Dja-mila Ribeiro. Carla tem a produção acadêmica potente e uma experiência profissional como assistente social em diálogo com sua produção acadêmica, atuando no enfrentamento à violência contra as mulheres e seu acolhimento. É mestra e doutoranda em estudos fe-ministas pela UFBA, tendo como tema de pesquisa a interseccionalidade e o sistema prisional.

Para encerrar a seção, vamos co-nhecer a produção de Silvio Almeida. Autor do livro O que é racismo estru-tural? em 2018, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculda-de de Direito da Universidade de São Paulo. Sua obra tornou-se um marco do debate racial contemporâneo. O debate sobre as complexidades das re-lações raciais no Brasil como produto de um processo histórico e produções de desigualdades. Nesta obra, encon-tramos autores importantes no con-texto do direito e da teoria econômica, como um importante debate com os pensadores e pensadoras sobre as rela-ções raciais como alguns dos citados: Achille Mbembe, Stuart Hall, Angela Davis, Paul Gilroy, Guerreiro Ramos e Michelle Alexander.

Considerações finais

A raça e o pensamento social do Brasil são tópicos necessários para que possamos compreender as desigualda-

des e de que forma são reproduzidas. As dinâmicas raciais com a educação e a linguagem são fruto de inquietações de inúmeras pesquisadoras em diálogo com a nossa realidade local. A produção da Escola de São Paulo, com o “Projeto Unesco” conduzido por Florestam Fer-nandes teve um papel importante para trazer o tema das questões raciais para um espaço de debate e produção inte-lectual e política importante da metade do século XX. E para encerrar, o com-bate às desigualdades raciais e a neces-sidade de desracializar as organizações/instituições finalizam a discussão do artigo. As formas como se manifesta o racismo no Brasil possuem suas facetas, com uma diversidade regional, de gê-nero e sexual; e precisam ser analisadas com atenção, para que possamos avan-çar na perspectiva da superação de desi-gualdades estruturais em nosso país.

SUELEN AIRES GONÇALVES é socióloga e militante feminista negra. E-mail: [email protected]

Lélia Gonzalez, graduada em História, Geografia e Filosofia, é uma importante mulher negra na institucionalização das pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. Sua preocupação teó rica também reflete sua vida política e ambas, vida e obra, contribuíram no processo de debate sobre as mulheres negras

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urante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o menino Pere Casaldàliga i Pla, nascido em 16 de fe-vereiro de 1928, na pequena cidade de Balsareny, na Catalunha, perdeu seu tio, o padre católico Lluís, fuzilado por um grupo de militantes republicanos que o acusou de colaboração com as forças franquistas. Diante do sofrimen-to de sua mãe, pela perda do irmão religioso, o menino se comprometeu a assumir o lugar do tio morto. Assim tem início a inserção histórica da vida religiosa de Pedro Casaldáliga.

Em 1968, aos 40 anos de idade, chega ao Brasil o padre claretiano Pedro Casaldáliga, para atuar numa das regiões mais isoladas e esquecidas pelo Estado brasileiro, São Felix do Araguaia, no norte do estado do Mato Grosso. Aos poucos, o religioso dá ini-cio ao trabalho junto às comunidades ribeirinhas e indígenas e vai tomando consciência da brutalidade que sofrem,

principalmente por parte dos grandes fazendeiros, grileiros de enormes ex-tensões de terra, que desmatavam sem limites para colocar o gado e usavam do trabalho escravo impunemente.

No final dos anos 60 e princípio dos anos 70 a Amazônia, vista oficial-mente como “terra sem homens”, se torna a nova fronteira a ser explorada, com o estímulo governamental à sua ocupação por “homens sem terra”, ge-ralmente pequenos proprietários da região Sul, e por grandes empreen-dimentos com subsídios da SUDAM (Superintendência do Desenvolvi-mento da Amazônia). Essa ocupação, desordenada e violenta, era baseada

DOM PEDRO CASALDÁLIGA: fazedor de lutas e poemas

por Paulo Maldos

D

“Saber esperar, sabendoao mesmo tempo, forçaras horas daquela urgênciaque não permite esperar”

Saber eSperar, poema de dom pedro CaSaldáliga

Foto: JOAN GUERRERO

O padre claretiano catalão Pedro Casaldáliga chegou ao Brasil em 1968, aos

40 anos de idade, para atuar numa das regiões mais isoladas e esquecidas pelo

Estado brasileiro, São Felix do Araguaia, no norte do estado do Mato Grosso

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na expulsão sumária dos posseiros que lá viviam há décadas, com o recurso à pistolagem e ao assassinato dos traba-lhadores e na obtenção fraudulenta de títulos de terra e de recursos públicos.

Neste contexto tem início o con-flito do padre Casaldáliga com o lati-fúndio da Amazônia, na forma de tra-balho missionário, que vai se transfor-mando também em denúncias junto às instâncias da Igreja Católica e junto aos órgãos de imprensa nacional e in-ternacional. Com o passar do tempo e com a sua atuação contundente na região, padre Casaldáliga passa a se tor-nar objeto de ódio dos fazendeiros e de autoridades governamentais, mas isso só torna suas atitudes cada vez mais claras e posicionadas, sempre em favor da população explorada e identifican-do publicamente os criminosos.

Em 1971, o padre Pedro Casaldáli-ga é nomeado Bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia pelo Papa Paulo VI, o que significou um reconhecimento da importância de sua atuação e um apoio maior da hierarquia da Igreja Católica ao seu trabalho junto às comunidades. Neste momento, lança a Carta Pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização so-cial”, descrevendo a situação da terra na Amazônia, a violência que ali imperava e os desafios para o trabalho pastoral.

Nos anos seguintes, bispos do Centro-oeste lançaram o documento “Marginalização de um povo, o Grito das Igrejas” e bispos do Nordeste tam-bém lançam um documento com as mesmas características, chamado “Ouvi os clamores do meu Povo”, o que fez a repressão na época suspeitar de “uma ação subversiva planejada”, chegando a

torturar presos políticos na época para que revelassem tal “plano subversivo”.

“No tener nada.No llevar nada.No poder nada.No pedir nada.Y, de pasada,no matar nada;no callar nada.”

pobreza evangéliCa, poema de dom pedro CaSaldáliga

A atuação cada vez mais articulada dos bispos comprometidos com os se-tores populares, do campo e da cidade, passa a ser fortalecida com a criação de pastorais específicas, entre estas o Con-selho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. O enfrentamen-to ao genocídio dos povos indígenas, promovido pela ditadura militar, e a luta contra a violência que se abatia sobre os povos do campo crescem, com o protagonismo de Dom Pedro Casal-dáliga que, para tanto, se manifestava através do trabalho pastoral, através da denúncia nas mídias nacional e inter-nacional, como através da poesia.

O fato da região do Araguaia, no sul do Pará, se tornar palco do mais prolongado processo de conflito e re-pressão por parte das Forças Armadas, ocorrido durante a ditadura militar, episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia (1972-1974), levou a vio-lência policial-militar para a Prelazia, atingindo todos os agentes de pastoral, presos e torturados, e o próprio bispo Dom Pedro Casaldáliga, detido em sua

casa por vários dias e interrogado por oficiais militares, que desejavam com-provar a colaboração da Igreja de São Felix do Araguaia com os guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil.

Durante a conflagrada década de 70, Dom Pedro Casaldáliga ainda viu um padre da Prelazia, o francês Fran-çois Jentel, que atuava junto aos pos-seiros, ser preso e expulso do país, e tes-temunhou o assassinato do padre João Bosco Penido Burnier, que estava ao seu lado quando um policial disparou a arma, num momento em que ambos se dirigiam à delegacia de polícia do município de Ribeirão Cascalheira, de-vido a denúncias de que ali havia mu-lheres presas sendo torturadas.

“Poesia e Igreja andam juntas?A Bíblia é sumamente poética. Isaías é um dos maiores poetas da história. Deus é o grande poeta. Você sabe que poeta significa �fazedor, aquele que faz�. E na história da Igreja há grandes figuras que foram poetas. Muitos santos. São João de la Cruz, por exemplo. Na Cata-lunha, há padres e religiosos reconheci-dos até pela (contribuição na) restaura-ção do catalão. Poetas, escritores. E eu sou também mais ou menos poeta.�

EntrEvista inédita ao jornalista Camilo vannuChi, no dia dE natal dE 1998

Os anos 80 encontram uma Amé-rica Latina que buscava derrotar as dita-duras militares, que se espalharam pelo continente nas décadas anteriores, por um lado, e, por outro, povos centro-a-mericanos que empreendiam processos revolucionários, de caráter socialista e antiimperialista, na Nicarágua, El Salva-dor e Guatemala. A Igreja Católica esta-

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MEMÓRIA

va muito dedicada à defesa dos direitos humanos e dos direitos à autodetermi-nação destes povos e Dom Pedro Ca-saldáliga se torna uma referência nesta defesa, com viagens freqüentes à região centroamericana e visitas, inclusive, à re-gião nicaraguense, onde os Estados Uni-dos apoiavam os contrarrevolucionários, os “contras”, que realizavam ataques bru-tais às comunidades camponesas.

Foi neste contexto que Dom Pedro Casaldáliga perdeu um grande amigo, Dom Oscar Arnulfo Romero, Arcebis-po de San Salvador, El Salvador, de-fensor dos direitos humanos num país em guerra, que denunciava a repressão do regime e foi assassinado, em 24 de março de 1980, por forças da extrema--direita quando rezava a missa numa comunidade religiosa.

“Menina precoce,irmã primogênitada Libertação que se conquista.Menina noiva do Dia prometido,batizada no sangue,grávida de Esperança e violada!Quero abraçar-te, América,por tua cintura ardente,Centro-América nossa!�”

poema do livro na proCura do reino, de dom pedro CaSaldáliga

Suas viagens pela América Cen-tral incluíram uma visita a Cuba, onde foi recebido por Fidel Castro e quan-do pode conhecer e dialogar a respeito dos valores cristãos, sobre a Teologia da Libertação e suas relações com os valores e práticas dos revolucionários que ousaram construir o socialismo

no país num contexto de agressão e ameaça constantes do império norte--americano e com um histórico de re-lações complexas e conflituosas com a Igreja Católica. Em seu encontro com Fidel Castro, este lhe pediu que deixas-se na Ilha, para o Museu da Revolução, suas sandálias, em troca de um par de botas militares cubanas. Após esta vi-sita, declarou: “Também sou testemu-nha das conquistas que o povo cubano alcançou na saúde, na educação, na produção. Temos que abrir o coração e o Evangelho a essa ilha admirável.”

Junto com sua prática pastoral, tanto na sua São Felix do Araguaia como no Brasil e na América Lati-na, Dom Pedro Casaldáliga nunca deixou de produzir literatura e poe-sia, tendo criado com o poeta Pedro Tierra a Missa da Terra Sem Males e a Missa dos Quilombos, a primei-ra dedicada à memória e à luta dos povos indígenas, a segunda dedicada

aos povos escravizados e sua luta pela emancipação. Outra trincheira cultu-ral para ele era a elaboração anual da Agenda Latinoamericana, uma cole-tânea de textos sobre a conjuntura do continente, sempre com um tema central sendo abordado em cada edi-ção, e com referências de datas e epi-sódios significativos para história da América Latina, do ponto de vista dos setores populares.

Dom Pedro Casaldáliga nunca fi-cou distante de seu lugar fundamental, São Felix do Araguaia, nem se afastou das causas populares desta região, ten-do participado de todas elas, fortale-cendo-as e solidarizando-se com os movimentos populares, protagonistas centrais na sua atuação política. Em Ribeirão Cascalheira criou o Santuá-rio dos Mártires da Caminhada, local de celebração das lutas populares e de memória e reverência aos que nelas tombaram.

Dom Pedro com Irmã Irene e Irmã Genoveva, que fizeram parte da Equipe da Prelazia

Foto: Paulo Maldos

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MEMÓRIA

“Por onde passeisempre planteia cerca.Por onde passeisempre planteia morte matada.Por onde passeiSempre mateia tribo calada,a colheita suada,a terra esperada.Por onde passeisempre planteio nada, o nada, o nada.”

ConfiSSão do latifúndio poema de dom pedro CaSaldáliga

Devido ao seu compromisso ra-dical e fraterno com os setores popu-lares, Dom Pedro Casaldáliga teve o reconhecimento e o respeito dos movi-mentos populares de todo o país e da América Latina, assim como a suspeita e a perseguição por parte de diversos

governos e oligarquias e, por vezes, questionamentos disciplinares por parte da hierarquia da própria Igreja Católica, em seus últimos períodos de conservadorismo papal e de cercea-mento aos defensores de uma institui-ção claramente comprometida com as lutas populares.

Ao mesmo tempo em que foi radi-cal e intransigente nas suas opções de vida e de prática pastoral, Dom Pedro Casaldáliga nunca se fechou ao diálo-go e à cooperação com o poder públi-co, sempre em busca de pontos de con-vergência que resultassem em benefí-cio, em termos de avanços nas políticas sociais, para os setores populares mais vulneráveis do campo e da cidade.

Isso ocorreu durante os governos Lula e Dilma, quando Dom Pedro Casaldáliga, já fragilizado pelo Mal de Parkinson e pela idade, já retirado como Bispo Emérito de São Felix do Araguaia, morando em sua casa hu-

milde na cidade e região que escolheu para viver e atuar, mantinha as portas abertas para visitas e diálogos em defe-sa dos direitos da população.

“Plantei um jardim. Cultivo floresem vasos e em latas.Pratico a beleza inutilmente.Rego as folhas verdes e seus gritos efêmeros.Protejo-as da ventania,do sol calcinador. Dou, cada dia,três ou quatro olhares protetores,e surpreendo a criação fazendo-se...Elas nunca me disseram como sentemeste humano desvelo sem cobiças;mas vivem, florescem, me acompanham;atendem as visitas, gratamente,como falando por mim, como dizendo-me;circundam de paz o Araguaia, e balizam de esperas, de perguntas,de respostas, de cantos florescidos,o horizonte longamente opaco.”PlantEi um jardim

PoEma dE dom PEdro Casaldáliga

Essa postura de desprendimento ainda lhe custou mais uma ameaça de morte, quase no final da vida, em 2012, quando o governo Dilma, obedecendo a decisão judicial, promoveu a retirada de grandes, médios e pequenos invaso-res da terra indígena Xavante de Ma-rãiwatsédé, localizada naquela região do Araguaia. Este crime de invasão organizada, que teve suas origens du-rante a ditadura militar, em 1966, com a expulsão da comunidade indígena de seu próprio território para formar o maior latifúndio do país na época, a fazenda Suiá-Missu, havia sido far-tamente denunciado por Dom Pedro Casaldáliga, em entrevistas, documen-tos e poesias.

Dom Pedro (d.) com Pedro Tierra, nas Missões Jesuíticas, escrevendo a Missa da Terra Sem Males

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Quando o governo federal finalizava o processo de reparação à comunidade indíge-na, devolvendo a terra aos Xavante, o Bispo Emérito foi acusado de ser o mentor inte-lectual daquela ação de governo e um plano para assassiná-lo foi descoberto, tendo que ser retirado de sua casa por alguns meses.

Dom Pedro Casaldáliga viveu e morreu sob o signo da revolução permanente. Sua vida foi uma caminhada incessante em bus-ca de uma Terra Sem Males, sempre muito consciente dos males desta terra que o aco-lheu e onde inscreveu sua prática pastoral e sua incidência política. Sempre buscou a emergência e o protagonismo dos posseiros, dos trabalhadores, dos povos indígenas, dos camponeses, dos condenados dos campos e das cidades, na história brasileira e latinoa-mericana.

Peregrino e conhecedor de tantas terras, seu território preferido sempre foi a Utopia, desde sua Catalunha milenar até as aldeias e comunidades camponesas de sua Amazônia adotada, onde escolheu viver e morrer.

Dom Pedro Casaldáliga faleceu no dia 8 de agosto último, na Santa Casa de Batatais, São Paulo, e hoje está plantado à sombra de um pequizeiro em frente ao rio Araguaia, num cemitério de indígenas e posseiros, num último compromisso cumprido de unidade com aqueles que, em seu combate de toda uma vida, herdarão a Terra.

PAULO MALDOS é psicólogo.

Este artigo foi escrito em agosto de 2020

“ Ao final do caminho me dirão:- E tu, viveste? Amaste? E eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes.”

o Coração Cheio de nomeSpoema de dom pedro CaSaldáliga

MEMÓRIA

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Fotos: Paulo Maldos

MEMÓRIA

E assim Dom Pedro Casaldáliga foi enterrado, onde e como queria: no cemitério dos mise-ráveis de São Félix, o “cemitério Karajá”, onde estão enterrados ancestrais dos Karajá, peões fugidos do trabbalho escravo das fazendas nos anos 60 e 70; o cemitério que na história de São Félix sempre foi o dos mais pobres. Uma cova de sete palmos, sem cimento, só a terra, uma cruz simples de madeira levada pelos Xavante de Marãiwatsédé. E embaixo do pequizeiro grande que tem no cemitério, de frente para as águas do Rio Araguaia

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riedrich Engels, ou simples-mente Engels, nasceu em Wuppertal, na Renânia alemã. Sua família era pro-prietária de fábricas de tecidos, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra (Man-chester), onde ele se viu obrigado a tra-balhar na gerência por cerca de vinte anos (1849 a 1869). Ou seja, por meta-de do tempo em que trabalhou junto a Karl Marx, e a inúmeros outros ati-vistas, na elaboração dos fundamentos teó ricos do que denominaram socialis-mo científico e comunismo científico.

Essa elaboração incluiu tanto uma revolução filosófica, ao construírem o método de análise dialético materialis-ta e a dialética materialista da história, quanto uma revolução na economia política, ao elaborarem a análise do desenvolvimento contraditório da so-ciedade capitalista e as linhas gerais do processo de organização do nascente proletariado, ou classe operária ou tra-balhadora.

Embora Engels considerasse Marx um gênio, e chamasse a si próprio de “segundo violino”, isso não o impediu de garantir que os tomos II e III, de O Capital, cuja finalização Marx não con-seguira realizar por ter falecido, fossem publicados após sua criteriosa revisão. Aliás, antes desse feito histórico, Engels também pode ser responsabilizado por haver aguçado, de várias maneiras, o in-teresse de Marx pela economia política, através de seus comentários a respeito das experiências práticas na gerência da indústria de sua família.

Por outro lado, antes de empreen-der a obra de análise do capital, Marx também se aproveitou da contribui-ção de Engels na revolução filosófica do materialismo contemplativo e da dialética idealista, que começaram a concretizar no primeiro capítulo de A Ideologia Alemã. Logo a seguir, Engels publica Princípios do Comunismo, dife-renciando-se dos comunistas utópicos,

Engels, vida e obra

Nos 40 anos seguintes à

elaboração do Manifesto Comunista, Engels não só realiza

uma atividade prática centrada

na organização da I Internacional dos

Trabalhadores, como continua trabalhando

na concretização da revolução teórica

necessária para dar sustentação

à teoria científica do socialismo e do

comunismo

por Wladimir Pomar

F

MEMÓRIA

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e juntamente com Marx elabora O Manifesto do Partido Comunista, no qual ambos examinam as novas classes so-ciais presentes com a revolução cien-tífica e o desenvolvimento industrial (burgueses e proletários) do século 19.

Nos 40 anos seguintes à elaboração do Manifesto Comunista, Engels não só realiza uma atividade prática centrada na organização da I Internacional dos Trabalhadores, como continua traba-lhando na concretização da revolução teórica necessária para dar sustentação à teoria científica do socialismo e do comunismo. Situação da Classe Operária na Inglaterra, Revolução e Contrarrevolu-ção na Alemanha, O Problema Camponês na França e na Alemanha, Contribuição ao Problema da Moradia, Introdução à Dialética da Natureza, Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, Anti-Duhring, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, A Origem da Famí-lia, da Propriedade Privada e do Estado, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica, Papel da Violência na História, assim como inúmeros artigos e rese-nhas, fazem parte da contribuição le-gada por ele e indispensáveis para com-preender a dialética da história que, na atualidade, leva o capitalismo a desen-volver seus próprios limites e as condi-ções para sua superação.

Apesar desse esforço monumental, as contradições atuais do capitalismo, assim como do socialismo, têm levado pensadores, que se proclamam “mar-xistas”, a escreverem sobre O Capital, e sobre o capitalismo e o socialismo, sem se referirem e/ou examinarem o método científico utilizado por Marx e Engels para realizarem tal análise.

Pior, alguns tentam fazer a crítica da Economia Política da atualidade sem discutir e/ou dominar os instrumentos ou ferramentas científicas indispensá-veis para efetivar tal crítica. E chegam a considerar que o funcionamento do capital pode ser representado pelo mo-vimento cíclico da água, ou do H2O.

Isto é, o capital, como esse líquido, se evaporaria e de deslocaria, como va-por, até se condensar em nuvens. Estas se cristalizariam como partículas de gelo e, num determinado momento, se fundiriam e despencariam das nu-vens por força da gravidade. A partir

MEMÓRIA

Engels e Marx retratados em pintura encomendada pelo Partido Comunista da China

Embora Engels considerasse Marx um gênio, e chamasse a si próprio de “segundo violino”, isso não o impediu de garantir que os tomos II e III, de O Capital, cuja finalização Marx não conseguira realizar por ter falecido, fossem publicados após sua criteriosa revisão

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daí assumiriam várias formas (rios, lençóis freáticos, etc), sendo então usadas por plantas e animais. Ou seja, a molécula de água, sob diferentes formas e estados, e em diferentes ve-locidades, assumiria diferentes formas antes de retornar aos oceanos para reiniciar o ciclo. O que também seria feito pelo capital em seu movimento: assumiria as formas de capital-dinhei-ro, produção, e novas mercadorias, como salários, juros, aluguéis, impos-tos e lucros, antes de retornar à forma de capital dinheiro.

Ou seja, esses “marxistas” não se dão conta de que há diferenças signi-ficativas entre o ciclo hidrológico e a circulação do capital. No caso do ciclo da água, seu volume e sua força mo-triz, o Sol, são relativamente constan-tes, enquanto no ciclo do capital, as fontes de energia são mais variáveis e o volume de capital em movimento se expande em ritmo exponencial, como uma espiral em constante expansão. Em outras palavras, o ciclo hidrológi-co tem muito pouco a ver com o ciclo do capital, porque o hidrológico é um ciclo de extensão histórica geológica, enquanto o do capital, incluindo suas transformação quantitativas e qualita-tivas, indica que deve ser até mais cur-to do que foram os ciclos históricos de outras formações econômicas e sociais.

Não por acaso, tanto Marx quan-to Engels desenvolveram um esforço especialmente trabalhoso para virar a dialética hegeliana de cabeça para cima, colocando-a sobre uma sólida base material, de modo a poder utilizá--la como ferramenta científica de análi-se, para entender não apenas o funcio-namento do capital, mas também seu

processo de crescimento quantitativo e desenvolvimento qualitativo, que o levariam a criar as condições e exigên-cias de sua própria transformação e su-peração histórica.

Nessas condições, entender o uso da lógica dialética como ferramen-ta científica de análise do capital, e o uso da dialética da história como fer-ramenta de estudo do processo de de-senvolvimento histórico desigual, tan-to das formações históricas anteriores, quando do capitalismo, são essenciais para entender e explicar o processo desigual, descombinado e crítico do desenvolvimento desse modo de pro-dução e, em consequência, dos modos de produção que tendem a substituí-lo historicamente.

Nesse sentido, a companhia de En-gels, principalmente através da leitura e estudo de algumas de suas obras, a exemplo de Introdução à Dialética da Na-tureza, Papel do Trabalho na Transforma-ção do Macaco em Homem, Anti-Duhring, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cien-tífico, A Origem da Família, da Proprieda-de Privada e do Estado, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica, e Papel da Violência na História, pode contribuir decisivamente para entender melhor “O Capital”, de Marx, assim como os problemas do capitalismo em países pouco desenvolvidos e subordinados ao capital monopolista ou imperialista, e suas complexas transições para algum tipo de socialismo, antes que o capitalis-mo tenha se desenvolvido plenamente, mas colocado na ordem do dia algum avanço civilizatório.

WLADIMIR POMAR é escritor e jornalista

MEMÓRIA

Algumas obras de Engels podem contribuir decisivamente para entender melhor O Capital, de Marx, assim como os problemas do capitalismo

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Nas eleições 2020 o PT vai enfrentar a segunda dis-puta municipal após o golpe de 2016.

Quatro anos atrás, o partido pagou o preço do profundo desgaste causado pela campanha de criminalização orquestrada por uma frente entre todas as frações burgue-sas. O PT sofreu uma derrota política e eleitoral, descendo ao patamar de não governar nenhuma capital.

A nova conjuntura do país e a si-tuação do partido deveria ter provoca-do um profundo balanço da aplicação da linha política que orienta o grupo majoritário na direção nacional do PT, particularmente a partir da eleição de Lula em 2002, materializada em go-vernos de coalizão e de colaboração de

classes e na correspondente adaptação da estrutura e do funcionamento do PT ao jogo eleitoral.

Infelizmente, nem o golpe e os resultados eleitorais de 2016 foram suficientes para desencadear movi-mentos que provocassem debates ca-pazes de construir novas sínteses, mo-dificar a correlação de forças interna e deslocar o centro tático do partido, de modo a reequilibrar a atuação do partido nos três pilares fundamentais da sua construção: voltar a participar organizadamente enquanto partido dos movimentos e lutas sociais; man-ter a presença e atuação institucional; organizar a militância para funcionar permanentemente e não apenas nas eleições, o que aumentaria a capacida-de de mobilização, de resistência e in-tervenção numa conjuntura marcada pela crescente radicalização das classes dominantes, avançando na destruição de direitos, fortalecendo a Operação Lava Jato, destruindo conquistas histó-ricas da classe trabalhadora.

Não admitir a necessidade de mu-danças e manter o partido no mesmo rumo, além de revelar a qualidade do grupo que é majoritário na dire-ção nacional do PT, levou o partido a uma situação crítica, com baixa capa-cidade de mobilização de rua, tendo no Congresso Nacional sua principal arena de luta e apostando as fichas na

Questões para a reta final por Múcio Magalhães

PARTIDO

O que se discute é se o PT deve recuar e se

colocar numa posição subalterna, delegando

a outros partidos as principais tarefas, ou

permanece na linha de frente da resistência,

sem confiar a defesa dos interesses históricos da

classe trabalhadora e do povo a nenhum “setor

progressista”

Marília Arraes, pré-candidata do PT à prefeitura do Recife

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58 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

eleição de 2018, com a candidatura de Lula a presidente como o carro chefe que recolocaria o PT no governo fe-deral e viabilizaria o crescimento das bancadas na Câmara e no Senado. Po-sições que partiram de premissas que subestimaram a disposição das classes dominantes de elevar o grau de radica-lização e aprofundar o golpe. A prisão de Lula provou o erro destas avalia-ções, mas um fato desta gravidade não foi suficiente para que mudanças ocor-ressem no PT.

A lógica institucional levou a maio-ria a focar a defesa de Lula via meios jurídicos e intensificar a busca por alia-dos, institucionalizar a prática de troca de apoios entre partidos, e construir um nome para substituir Lula. O que abriu espaço inclusive para propostas eleitoreiras, tais como a dos cinco gover-nadores do PT, que articularam o apoio à candidatura de Ciro Gomes, proposta que felizmente não progrediu.

Os resultados da eleição de 2018 comprovam mais uma vez o desacerto das posições hegemônicas no PT, que não conseguiu reagir e combater poli-ticamente a fraude que elegeu Bolsona-ro. Perdemos os governos de Minas Ge-rais e do Acre, diminuímos as bancadas de deputados e senadores. Uma derrota política e eleitoral amenizada pela ree-leição dos governadores da Bahia, Cea-rá e Piauí, e a vitória de Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte.

Bolsonaro representa uma aposta das elites econômicas em um governo de extrema direita que assuma a tarefa de refundar o Brasil, destruindo os fun-damentos sociais e políticos firmados na constituição de 1988, aniquilando as organizações da classe trabalhadora e demonizando as lutas pela igualdade de gênero, contra o racismo, contra os preconceitos e as opressões. Uma decla-ração de guerra contra a classe traba-lhadora e o povo.

Desde a posse do facistóide na pre-sidência da república, sofremos derro-tas significativas, com a aprovação de contra reformas e projetos antipopula-res no Congresso Nacional. E também ocorreram fatos favoráveis. As denún-cias contra a Lava Jato e o juiz Sergio Moro, a liberdade de Lula, algumas vitórias parciais no Congresso, a prisão de Queiroz, e outros acontecimentos, causaram algumas mudanças de pos-tura do Bolsonaro, mas a agenda ultra-neoliberal continua na ordem do dia e contando com o apoio de todas as fra-ções burguesas.

O presidente mantém bons índices de apoio popular, que cresceram com a distribuição do auxilio emergencial. E

Bolsonaro representa uma aposta das elites

em um governo de extrema direita que

assuma a tarefa de destruir os

fundamentos sociais e políticos firmados

na Constituição, aniquilando as

organizações da classe trabalhadora e

demonizando as lutas pela igualdade, contra

os preconceitos e as opressões

PARTIDO

Foto: Mídia Ninja

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59ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

ao contrário do previsto por vários di-rigentes, vai encarar o primeiro grande teste de força nas eleições municipais de 2020 com significativa capacidade de defender seu governo e eleger alia-dos, o que confere a estas eleições um papel diferenciado no cenário geral da luta política no país.

A direita e a extrema direita têm acordo na eliminação da principal organização política da classe traba-lhadora e obstáculo à implementação da agenda ultraneoliberal, que é o PT. O que vai se desdobrar em previsíveis esforços para construir uma fragorosa derrota do PT e da esquerda nos planos político, ético e eleitoral, afinal no Bra-sil que as elites querem destruir existe um grande legado positivo, construído pelo PT nas lutas operárias e populares e nos governos dirigidos por petistas.

As discussões sobre como o PT enfrentará esta situação evidenciaram graves divergências sobre o lugar que o partido deve ocupar nesta batalha.

Para certos quadros, o PT não ape-nas deve ampliar suas alianças para atingir a centro direita, mas “abando-nar a postura hegemonista”, se abrir e fazer gestos de grandeza apoiando candidaturas de outros partidos. Estas falas foram potencializadas na mídia, formaram opinião e provocaram rea-ções, porque o debate de fundo não se limita as arrumações eleitorais. Não se trata apenas de ser ou não ser cabeça de chapa.

Na verdade, o que se discute é se o PT deve recuar e se colocar numa po-sição subalterna, delegando a outros partidos as principais tarefas, ou per-manece na linha de frente da resistên-

cia, sem confiar a defesa dos interesses históricos da classe trabalhadora e do povo a nenhum “setor progressista”.

Este debate influenciou na formu-lação da tática eleitoral para as eleições deste ano. A inflexão mais importante e positiva foi decidir que o PT vai dis-putar com seus quadros as eleições ma-joritárias nas capitais, médias e gran-des cidades e municípios onde exista condição do partido intervir no pleito eleitoral.

Apostar nas candidaturas próprias posiciona o partido corretamente para combater Bolsonaro e suas políticas, defender o legado do PT, batalhar pela plena liberdade de Lula e a reconquis-ta dos seus direitos políticos, e afirmar o partido como alternativa de governo nas cidades.

Uma opção que estimulou a cons-trução de mais de mil e seiscentas can-didaturas majoritárias e cerca de dezoi-to mil candidaturas proporcionais em todo país.

Um resultado que demonstra a força que tem o PT e do quanto se po-deria avançar com um giro à esquerda no conjunto da linha política, sem o qual a retomada do protagonismo do PT com as candidaturas petistas não vem acompanhada com uma forte de-marcação de campo com o inimigo e a preparação do partido com eixos polí-ticos nacionais, que o coloquem à altu-ra dos desafios que temos pela frente.

A aprovação de apoio a candidatos bolsonaristas, como o de Belford Roxo, e de várias alianças com partidos de di-reita em diversas cidades exemplificam as limitações de uma tática que lança o partido à batalha, mas armado com uma concepção que não rompe as fronteiras do institucionalismo e da lógica eleitoral na disputa da sociedade. O efeito práti-co é, mais uma vez, conduzir o partido numa eleição para se preparar para a próxima, como atestam as falas de diri-gentes afirmando que é preciso acumu-lar força nas eleições de 2020 para ter condições mais favoráveis nas eleições de 2022. Posturas equivocadas de quem despreza as lições das derrotas recentes.

O PT vai atravessar fortes turbulên-cias. As dificuldades são grandes e de toda ordem. Seja na pequena estrutura material, seja nas limitações da tática eleitoral, seja porque muitos candidatos e candidatas não são quadros com for-te peso eleitoral. Não tem eleição fácil em nenhum lugar, o que não diminui o valor e a importância da disputa que precisa ser feita, com politização para nacionalizar a campanha; ousadia para defender um avançado programa demo-crático e popular; não fazer concessões ao eleitoralismo e fazer uma radicaliza-da defesa da nossa classe, da nossa histó-ria e do nosso partido. Vamos à luta!

MÚCIO MAGALHÃES é integrante do Grupo de Trabalho Eleitoral nacional

Não tem eleição fácil em nenhum lugar, o que não diminui o valor e a importância da disputa que precisa ser feita

PARTIDO

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60 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

PARTIDO

Questões para o partido pós eleições

O que aconteceu após as eleições de 2018 não pode se repetir.

Ou seja, o PT não pode sair de um processo como esse realizando

um balanço unicamente eleitoral, mas sim analisando todo o

período e incluindo nessa análise o impacto das decisões do

partido e o papel que elas desempenharam

uando terminou o segundo turno da eleição de 2018, com a vitória de Jair Bolsonaro para a

presidência da República, uma das principais imagens divulgadas foi a do mapa do Brasil

em duas partes: um Nordeste vermelho, região do país junto a parte da região Norte em que a maioria dos votos foi para o can-didato petista Fernando Haddad, e o restante das regiões do país sendo identificadas como responsáveis pela maioria dos votos para Bolsonaro. Era a imagem de um país dividido.

Além da votação majoritária para o candidato petista no Nordeste, também foi nessa região do país que tanto o PT quan-to outros partidos de esquerda conseguiram vitórias eleitorais expressivas, principalmente com a eleição de governadores em estados como Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, no caso do PT.

Esses elementos compõem parte daquela imagem e do qua-dro que levou o diretório nacional do PT a considerar na sua resolução de balanço eleitoral, publicada no dia 1º de dezembro de 2018, que era preciso “destacar o resultado eleitoral positivo obtido na região Nordeste em função do legado de Lula, da vi-gorosa ação política da militância do PT e do empenho político dos governadores petistas e aliados no Nordeste”.

Entre os elementos abordados nesse fragmento da resolução está a atribuição de parte do resultado aos “aliados no Nordeste”.

por Patrick Araújo

Q

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PARTIDO

A resolução foi o primeiro documento de fôlego divulgado pelo partido após o resultado daquelas eleições e, portanto, não é algo menos importante. A indica-ção de que parte do resultado obtido no Nordeste foi em razão dos aliados, viria a se desdobrar numa interpretação dos fatos e numa tática que entre os mem-bros da direção partidária seria identifi-cada como “a tática Nordeste”.

Para os defensores dessa tática, o partido deveria replicar no restante do país aquilo que foi feito naquela re-gião, ou seja, dobrar a aposta na políti-ca de amplas alianças que tinha guiado a atuação eleitoral do partido nas dis-putas anteriores. Ao longo de todo o ano de 2019, inclusive no 7º Congresso do PT realizado em novembro daquele ano, seguiu pairando sobre o partido o espectro dessa política.

Ainda no ano de 2020, quando o governo de Jair Bolsonaro promoveu uma intensa escalada autoritária duran-te os primeiros meses da pandemia de covid-19, prevaleceu em setores impor-tantes do PT a defesa da chamada “fren-te ampla” contra o bolsonarismo, que talvez tenha tido um dos seus momen-tos mais “simbólicos” no 1º de maio com a participação do ex-presidente tu-cano Fernando Henrique Cardoso.

Estas primeiras observações, que retomam o período pós eleições de 2018 e o que lhe seguiu, são necessárias para evidenciar que os setores majori-tários da direção do PT não tiraram as devidas consequências do resultado da-quela eleição, em que o partido sofreu uma derrota política e eleitoral que, por sua vez, extravasaram a derrota da estratégia que conduziu o partido até aquele momento.

Pelo contrário, a própria resolução de balanço eleitoral daquele 1º de de-zembro de 2018 credita a responsabili-dade da derrota a ação dos inimigos, a sua radicalidade, as opções das classes dominantes e a ação criminosa de se-tores do aparato de Estado, sem dedicar uma única linha para analisar os possí-veis erros cometidos pelo próprio par-tido ou a insuficiência da estratégia que conduziu as ações naquele momento.

Quase dois anos depois, ao nos aproximarmos das eleições munici-pais de 2020, num cenário de crise sistêmica potencializada pela pande-mia de covid-19 e com o governo neo-fascista avançando com o programa ultraliberal, a política e o método da maioria do partido não foi alterada e uma série de questões se colocam diante do PT desde já e para depois das eleições.

Quase dois anos depois, ao nos aproximarmos

das eleições municipais de 2020, num cenário de

crise sistêmica potencializada pela pandemia de

covid-19 e com o governo neofascista avançando

com o programa ultraliberal, a política e o

método da maioria do partido não foi alterada e

uma série de questões se colocam diante do PT

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A tática na luta contra o governo Bolsonaro

Uma dessas primeiras questões diz respeito a tática na luta contra o gover-no Bolsonaro e suas políticas. Desde o fim das eleições de 2018 e do início do governo, ocupou um espaço menor do que o necessário a luta pela cassação da chapa Bolsonaro/Mourão e pela anula-ção das eleições fraudadas. Da mesma forma, foram insuficientes as mobiliza-ções para enfrentar as políticas ultrali-berais, como mostrou a derrota com a aprovação da reforma da previdência.

Apesar do “Fora Bolsonaro” já ser uma luta existente desde o final da elei-ção de 2018, principalmente a partir da defesa da cassação da chapa Bolso-naro/Mourão e a anulação das eleições fraudadas, somente em abril de 2020 o diretório nacional do PT aprovou uma resolução tratando especificamente do

Mudar a forma de agir no

enfrentamento ao governo

Bolsonaro e suas políticas

é uma das principais

questões que estão

colocadas para o PT desde

já e que deve conduzir

a tática do partido nas

eleições municipais. O

Fora Bolsonaro precisa

ser um dos elementos

centrais das candidaturas

petistas

assunto, sendo que o Fora Bolsonaro já tinha sido derrotado no 7º Congresso e nas primeiras reuniões do novo diretó-rio nacional do partido.

Durante a maior parte dos meses que marcaram o início da pandemia, inclusive nos momentos em que ocor-reram manifestações de setores da po-pulação pelo Fora Bolsonaro, a tática adotada pelo partido foi de “não poli-tizar” a pandemia, tendo o foco da sua atuação na oposição parlamentar e nas redes, em torno de temas como a defe-sa da vida, da saúde e da democracia.

Mesmo quando o partido aderiu ao Fora Bolsonaro isso não foi acom-panhado de uma mudança na tática, de forma que nem os pedidos de im-peachment nem as medidas para que o TSE julgasse as ações relativas a cassa-ção da chapa Bolsonaro/Mourão, não impulsionaram uma campanha nacio-nal em torno do Fora Bolsonaro.

PARTIDO

Enquanto o enfrentamento par-lamentar e nas redes foi se mostrando absolutamente insuficiente para pro-mover algum tipo de mudança, prin-cipalmente por ser dissociada de um processo de mobilização mais ampla e mais próxima aos setores populares, esses setores foram sendo disputados pela centro direita e pela ultradireita, a ponto de que no mês de agosto, entre eles cresceu o grau de aprovação para o governo Bolsonaro em algumas regiões do país.

Promover uma mudança nessa for-ma de agir no enfrentamento ao gover-no Bolsonaro e suas políticas é, portanto, uma das principais questões que estão colocadas para o PT desde já e que deve conduzir a tática do partido nas eleições municipais. O Fora Bolsonaro precisa ser um dos elementos centrais das can-didaturas petistas, que devem cumprir o duplo papel de nacionalizar a disputa e

Foto: FLICKR do Jilmar Tatto

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PARTIDO

polarizar com os representantes do pro-grama ultraliberal para que o partido, além de buscar vitórias eleitorais, possa obter vitórias políticas que acumulem na luta contra o bolsonarismo.

Um balanço necessário

A partir disso, outra questão que estará colocada para o PT será um pro-fundo balanço político acerca da atua-ção do partido no período que marca o fim das eleições de 2018 e as eleições 2020. Evidente que o balanço do perío-do como um todo será mais ou menos influenciado pelo resultado eleitoral, mas não deve se tratar de um balanço unicamente das eleições municipais desse ano.

O que aconteceu após as eleições de 2018 não pode se repetir. Ou seja, o PT não pode sair de um processo como esse realizando um balanço unicamen-te eleitoral, mas sim analisando todo o período e incluindo nessa análise o im-pacto das decisões do partido e o papel que elas desempenharam.

Neste balanço uma questão funda-mental diz respeito ao funcionamento do partido e de suas instâncias. Desde o início da pandemia da covid-19 e da adoção do funcionamento virtual das instâncias do partido, ocorreu um aprofundamento de algumas tendên-cias negativas que já se apresentavam desde antes da pandemia, como o ultra-centralismo das decisões e um método de condução que reduz, e muitas vezes bloqueia, o espaço para as opiniões e posições dos setores minoritários.

Como a forma com que o partido é dirigido não está desconectado da polí-tica que ele constrói, o balanço que de-

verá ser feito precisa ser do conjunto da obra, ou seja, da política e não apenas do resultado das eleições. Esse balanço, no entanto, não ocorrerá espontanea-mente, uma vez que, mesmo diante de vitórias eleitorais, ele poderá revelar o conjunto dos equívocos políticos que hoje já estão diagnosticados.

Entre esses, a expectativa em torno da frente ampla, que não passou de uma imensa perda de tempo; a ideia de que bastaria o partido ficar “em ponto mor-to”, fazendo mais do mesmo, que Bol-sonaro tropeçaria nas próprias pernas; ou ainda, a vacilação diante das mobi-lizações espontâneas que poderiam ter sido um importante ponto de inflexão em favor da luta pelo Fora Bolsonaro.

Estas e outras questões, como a luta pela liberdade plena e a recuperação dos direitos políticos de Lula, estão e continuaram colocadas para o partido no período pós eleições. De tal forma que além de necessário, o balanço do período será fundamental para que o PT siga adiante com uma política mais acertada e que permita que o partido reocupe ao menos parte do território perdido.

Certamente tudo isso não precisa esperar o final das eleições municipais, mas deveria ser feito antes e durante o processo eleitoral. Mas considerando que até agora ainda não foram tiradas as devidas conclusões da eleição de 2018, o mínimo que devemos é nos pre-parar para não fazer o mesmo em 2020, em que não seja a imagem de um mapa que poderá estar ainda mais dividido que balize os rumos do partido.

PATRICK ARAÚJO é membro do Diretório Nacional do PT

Além de necessário,

o balanço do período

será fundamental para

que o PT siga adiante

com uma política mais

acertada e que permita

que o partido reocupe

ao menos parte do

território perdido

Foto: Lula Marques/Agência PT

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PARTIDO

SÓ A LUTA IMPEDIRÁ A CATÁSTROFE

Breno Altman, José Genoíno, Rui Falcão e Valter Pomar

O

O texto a seguir é uma declaração pública

de militantes de esquerda, petistas ou não,

comprometidos com a luta em defesa da vida, da

democracia e da soberania nacional. É, também,

um chamamento à ação contra o fascismo e o

ultraliberalismo do governo Bolsonaro-Mourão

texto a seguir é uma declaração pública de militantes de esquerda, petistas ou não, comprome-tidos com a luta em defesa da vida, da democracia e da soberania nacional. É, também, um chamamento à ação con-tra o fascismo e o ultraliberalismo do governo Bolsonaro-Mourão, cujo afas-tamento é urgente para livrar o Brasil das crises – sanitária, econômica, social, política, ambiental, cultural – que sa-crificam nosso povo. Para reacender a esperança de que é possível um novo mundo sem exploração, opressão e pre-conceitos, sua assinatura e participação são decisivas.

A versão original deste texto foi redigida por José Genoíno, Rui Falcão, Breno Altman e por Valter Pomar. Pos-teriormente, em um debate intitulado “Frente ampla ou frente de esquerda”, foram discutidas ideias do texto e uma versão posterior foi divulgada, no dia 2 de junho de 2020 Posteriormente, mais de 800 militantes tornaram-se signatários (a lista incluída ao final é uma mostra).

O texto foi debatido em atividades virtuais, voltadas aos estados de Sergi-pe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Cea-rá, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Piauí. Destas atividades, participa-

ram diferentes setores do Partido dos Trabalhadores e também amigos do Partido, da Campanha Lula Livre, da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo.

O objetivo destas atividades foi “apenas” debater ideias. Não se tratava, portanto, de uma articulação de uma chapa, de uma tese ou de uma tendên-cia. Mas o fato de se tratar “apenas” de um debate de ideias, não desmerece: hoje isso é uma das atividades mais im-portantes para a classe trabalhadora: debater em que situação estamos, quais são as nossas tarefas, de que forças dis-pomos e onde queremos chegar.

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1.O Brasil vive uma crise sem prece-dentes na história. Esta crise – sanitária, social, econômica, política, ambiental, cultural – está entrelaçada a uma crise mundial. O País está, portanto, envol-to em uma crise sistêmica mundial do capitalismo, frente à qual o Partido dos Trabalhadores, como partido socialista e de esquerda, deve apresentar uma al-ternativa também sistêmica.

2.A situação mundial de crise e insta-bilidade precede a pandemia, mas foi aprofundada por ela. Trata-se de uma crise do capitalismo, advinda de contra-dições estruturais, agravadas pelas se-quelas da crise de 2008, pela queda no comércio e do PIB mundial, que deve despencar até cerca de 5% na Europa, arrastando milhões ao desemprego e condenando mais de 60 milhões à mi-séria e à fome.

3.Diante da crise, para tentar manter e ampliar seus lucros, os capitalistas ata-cam violentamente os direitos e con-quistas das classes trabalhadoras. Com a mesma intensidade, os países impe-rialistas promovem toda sorte de agres-sões contra os povos de todo o mundo, sobretudo na América Latina: golpes, sabotagens, bloqueios criminosos, de-sestabilizações políticas e ameaças de intervenções militares, externas e inter-nas, contra governos não alinhados. 4.Nesse contexto, há um acirramento da competição econômica, política e militar entre potências, com destaque para a disputa geopolítica entre Estados Unidos e República Popular da China. Eclodem

conflitos militares, que vêm reacenden-do a corrida armamentista, e sucedem--se provocações localizadas típicas da “guerra fria”, que podem escalar devido aos interesses dos Estados Unidos. 5.Ondas migratórias despertam mani-festações represadas de xenofobia, ra-cismo e fundamentalismo religioso em diversas partes do mundo, levando go-vernos de diferentes países a culparem migrantes pelo desemprego crescente, sobretudo entre os jovens.

6.Não menos grave, associada a estes fenômenos, é a catastrófica crise sócio--ambiental, cujas proporções crescem geometricamente em função da dinâ-mica destrutiva do capital e da maioria das grandes potências. A crise envolve desde o aquecimento global, o esgota-mento de matrizes energéticas não-re-nováveis, as perdas de biodiversidade, até guerras por água, terras e minérios. Alastra-se impunemente – e o Brasil é um triste exemplo – o uso indiscrimina-do de transgênicos, defensivos quími-cos e venenos, além dos efeitos cumu-lativos da industrialização e urbanização desordenadas, que favorecem o surgi-mento e propagação de pragas, bem como de doenças virais respiratórias, a exemplo da Covid-19. 7.Vista de conjunto, embora distinta, é uma crise tão devastadora quanto aquela que assolou mundo entre 1914 e 1945. Se, naquela época, o “dia seguin-te” foi um mundo com mais bem-estar, com ampla descolonização e relativa democratização, isso só ocorreu porque ao final de muita luta prevaleceram os

setores socialistas e democráticos. Já o desfecho imediato das crises de 1929, de 1970 e de 2008 foi outro. Daí ser um equívoco imaginar, guiados por uma vi-são idílica, que no pós-pandemia “nada será como antes”, ou que na esteira da crise atual surgirá necessariamente um mundo melhor.

8.Até porque a presente crise mundial teve e segue tendo impactos profun-dos sobre a classe trabalhadora mun-dial que, com raras exceções, acumula perdas há décadas. Estas decorrem de mudanças no capitalismo mundial tais como a mundialização da produção; a concentração do capital; a precariza-ção e terceirização; o desemprego em massa. As perdas sofridas pela classe trabalhadora afetaram negativamen-te as condições de vida e trabalho de centenas de milhões de pessoas, sendo acompanhadas de uma ofensiva ideo-lógica reacionária e da restrição das li-berdades democráticas, com destaque para a desorganização e enfraqueci-mento relativo do sindicalismo.

9.O ataque é cerrado, mas há resistên-cia das classes trabalhadoras que não renunciam a seus direitos, sua dignida-de e suas vidas; e dos povos que defen-dem suas riquezas, sua independência e soberania, contra um processo que destrói suas perspectivas de desenvol-vimento, suas políticas públicas de in-dustrialização e capacitação científico--tecnológica, condenando-os a um lu-gar totalmente subordinado na divisão internacional do trabalho.

PARTIDO

SÓ A LUTA IMPEDIRÁ A CATÁSTROFE

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10.Por isso, para construir um novo fu-turo para a humanidade é fundamental reviver a esperança e conquistar vitó-rias nas lutas travadas neste momento. Sem o otimismo da vontade, da ação e da luta de classes, o “novo normal” pode acirrar as piores características do “normal de ontem”. Ou seja, com mais desigualdade, mais exploração, mais Estado de exceção, mais neoliberalis-mo, mais guerras.

11.É fato que vivemos num mundo de problemas globais, para os quais o capi-talismo não tem solução, sendo na mais das vezes a causa. Mas, para derrotar o capitalismo, será forçoso um duro con-fronto entre classes e entre Estados, em escala nacional, regional e mundial. Mesmo moribundo, o capitalismo não morrerá de morte natural, incruenta, indolor. Inclusive por isso, frente à crise sistêmica do capitalismo é que o Partido dos Trabalhadores, desde o seu nasci-mento, defende uma alternativa ao sis-tema capitalista: o socialismo.

12.A construção de uma saída demo-crática, popular e socialista para os problemas do Brasil está vinculada ao curso que siga a crise mundial do capi-talismo. E se liga à constituição de uma nova ordem mundial, profundamente distinta da que existe atualmente. Para tanto, será determinante a ação das classes trabalhadoras e do povo brasi-leiro, da esquerda política e social. Por isso, para liquidar e enterrar o “capi-talismo moribundo”, é essencial uma orientação política adequada, organi-zação firme, democracia interna, disci-plina, unidade de ação e fôlego para lutar até vencer.

13.O Partido dos Trabalhadores deu um passo importante ao assumir a defesa do “Fora Bolsonaro”. Afinal, o presidente da República é uma amea-ça permanente contra a vida da demo-cracia e contra vida do povo brasilei-ro. Por isso mesmo o PT, em conjunto com outros partidos e algumas cente-nas de entidades e movimentos, pro-tocolou um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, para que, ao final do processo previsto no artigo 86 da Constituição Federal, Jair Bolso-naro possa ser afastado e condenado à perda do mandato. Com o mesmo objetivo, o PT e outros partidos ajuiza-ram queixas-crime junto ao Supremo Tribunal Federal, a fim de destituír Bol-sonaro do cargo. E reafirmamos a im-pugnação processada, ainda em 2018, contra a eleição manipulada e ilegítima da chapa Bolsonaro-Mourão.

14.Vale lembrar que os crimes, comuns e de responsabilidade, cometidos pelo presidente, são do conhecimento, têm o respaldo e a cumplicidade do vice--presidente da República, bem como de todos os integrantes de seu gover-no. Portanto, para eliminar as causas da crise que se abate sobre a Nação e o povo brasileiros, é fundamental afastar Bolsonaro e Mourão, seu governo e suas políticas, convocando o povo para eleger, através do voto universal, direto e secreto, quem ocupará a Presidência da República, em eleições nas quais o companheiro Lula, com suas condena-ções injustas anuladas e seus direitos políticos restituídos, possa, querendo, participar.

15.É em torno dessa luta política cen-

tral, mas também em torno das lutas em defesa da vida, dos direitos sociais, das liberdades democráticas e da soberania nacional, dos trabalhadores do campo e da cidade, das mulheres, negros e ne-gras, da juventude e dos povos indíge-nas, que se constituirá a Frente – de es-querda, democrática e popular – capaz de retomar o fio das mudanças estrutu-rais indispensáveis para salvar o presen-te e o futuro do Brasil.

16.Não se trata de uma tarefa fácil. En-tre outros motivos, porque corremos contra o tempo. Insensível e debocha-do diante das milhares de mortes pro-vocadas pela sua política genocida, Bolsonaro promove o caos econômico e social, a destruição das liberdades, o afrontamento aos poderes Legislativo e Judiciário e a militarização do país.

17. O presidente, o vice e grande parte dos ministros são militares, inclusive os

PARTIDOFoto: Eduardo Manfré/Mídia Ninja

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que têm seus gabinetes e despacham cotidianamente no Palácio do Planalto, assim como um ministério-chave em tempos de pandemia: o da Saúde. Nos demais escalões do governo, há cerca de 2 mil militares. Ao mesmo tempo, é notório o vínculo entre o clã Bolsonaro, as milícias tradicionais e as milícias digi-tais. O para-militarismo vem sendo es-timulado publicamente. A faceta bélica do governo se orienta contra os povos indígenas, os trabalhadores do campo, os negros, as mulheres, os homossexu-ais e contra a esquerda em geral. Frente a um governo com este comportamen-to violento, autoritário, ditatorial, de tendência neofascista não há contem-porização possível: cabe apenas o en-frentamento firme e resoluto.

18. Se não forem detidos, Bolsonaro, Mourão, seu governo e suas políticas prosseguirão na ofensiva contra a de-mocracia, a sociedade, a economia

nacional – sobretudo as pequenas em-presas e os trabalhadores – e ameaçan-do a sobrevivência da população. Este mesmo povo, que chora as mortes de milhares de parentes e amigos, ceifa-dos pelo coronavirus, enquanto assiste avultarem os milhões já desemprega-dos e o retorno da legião de famintos e desassistidos.

19. Antes da pandemia, o Brasil já so-fria os efeitos da ofensiva golpista, com destaque para a Emenda Constitucional 95 (que congelou os gastos do Orça-mento); a reforma trabalhista; a reforma da Previdência Social e desmonte do INSS; a extinção do Ministério do Tra-balho e da Cultura; o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS). A suces-são de ataques desfechada pelo pró-prio governo atingiu a Funai, o Ibama, as universidades públicas e instituições públicas de pesquisa (INPE, Fiocruz e outras).

20.Mas não ocorreu só este desmonte, houve ampliação do desemprego, re-dução do salário e da renda das clas-ses trabalhadoras, desmantelamento das redes legais de proteção social — e uma brutal investida do capital predatório (latifúndio, madeireiras, mineradoras) contra as lideranças so-ciais, sobretudo assassinatos em série de indígenas e camponeses das regi-ões remotas e de fronteira agrícola. Os povos originários, indígenas e quilom-bolas têm sido intensamente atingidos pelos efeitos da crise ambiental e tam-bém pela ofensiva do capital neofas-cista ultraliberal. No campo, o avanço do modelo de latifúndio mecanizado exportador do agronegócio segue su-focando sistematicamente a produção da agricultura familiar.

21.A implementação do plano golpis-ta e ultraliberal não produziu uma re-tomada da atividade econômica como fora prometido. Ao contrário, assisti-mos a uma deterioração crescente de todos os indicadores, exceto os lucros do setor financeiro e bancário.

22.Os desdobramentos da pandemia agravaram tudo o que já vinha suce-dendo antes no país: desemprego (com taxas crescentes para a juventu-de, negros e negras, mulheres); piora nas condições de trabalho (exposição a agentes biológicos sem medidas de proteção, jornadas exaustivas, princi-palmente para as mulheres, que acu-mulam de forma desigual as tarefas domésticas e do cuidado); corte de sa-lários; deterioração da situação social (afetando, de maneira particular, indí-genas e quilombolas); miséria; redução

PARTIDO

Frente a um

governo com este

comportamento

violento, autoritário,

ditatorial,

de tendência

neofascista não há

contemporização

possível:

cabe apenas o

enfrentamento firme

e resoluto

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das políticas públicas e sociais; depres-são da atividade econômica; ampliação da violência doméstica contra mulheres e crianças, e até mesmo (como em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo) escalada dos assassinatos cometidos pela Polícia Militar, tendo como alvo principal jovens e negros da periferia. Se não bastasse, a dramática situação de saúde pública, acirrou a crise social, que vitima principalmente os setores populares, a população negra e as mu-lheres; e atinge com maior violência proporcional algumas regiões como é o caso do Norte do País.

23.Por incrível que pareça, há método nesta aparente loucura. Como deixou claro o ministro Paulo Guedes – secun-dado, entre outros e não por acaso, pelo ministro do Meio Ambiente – a ideia é aproveitar a pandemia (que concentra a atenção de quem defende a vida em primeiro lugar) para manter e, de preferência, acelerar as privatiza-ções, a desregulamentação generali-zada, a desnacionalização, a subtração de direitos, a concentração de renda, redução dos investimentos públicos e sociais, a ofensiva contra o meio-am-biente, a regressão da economia nacio-nal à condição da produção primário--exportadora. Ao passo que, em outros países, a própria classe dominante pla-neja a saída da crise mesmo que tem-porariamente, por uma ampliação do papel do Estado, no Brasil o governo Bolsonaro pretende que a “retomada” se dê entregando o país na bacia das almas e oferecendo, para uma popula-ção exposta ao desemprego em massa e à pobreza extrema, salários de fome e regimes de trabalho semiescravos.

24.É importante frisar: diante da crise mundial e geopolítica, a opção de Bol-sonaro/Guedes é subordinação com-pleta do Brasil, relegando o País a mero fornecedor de matéria-prima na divisão internacional do trabalho e de peão geo-político dos Estados Unidos. Nesse con-texto, o Estado brasileiro deve se com-portar, essencialmente, como um poder repressivo. De tal sorte que as classes trabalhadoras são encaradas, em grande medida, como obsoletas e descartáveis. Por isso, são condenadas ao desempre-go estrutural, à informalidade, ao encar-ceramento em massa ou até mesmo à morte, motivo pelo qual a mortandade causada pela pandemia é funcional ao projeto do governo Bolsonaro.

25.Esse é o projeto ultraliberal que está na base da articulação golpista que ti-rou o PT do governo em 2016, conde-nou e prendeu Lula em 2018 e apoiou a eleição de Bolsonaro. Eis por que, a despeito do incômodo em relação a seu estilo, o governo Bolsonaro segue tendo apoio do grande empresariado, especialmente do setor financeiro e do agronegócio – desde que continue fiel à pauta e os interesses destes grupos. Também pela mesma razão, setores do oligopólio da mídia que criticam o presidente calam-se diante dos desca-labros da sua política econômica. Além disso, o governo conta com respaldo nas Forças Armadas, polícias militares, milícias e, por último, mas não menos importante, goza do apoio em setores e em cúpulas de igrejas conservadoras, de grande influência popular.

26.Entretanto, apesar de unificada em torno do programa neoliberal, a classe

dominante e a coalizão golpista exibem diversas fissuras políticas. A extrema-di-reita é favorável a concentrar poderes no “poder executivo” federal, inclusive para poder tratar com mais facilidade a questão social como caso de polícia. Outros setores do golpismo buscam preservar seus espaços de poder, nos Executivos municipais e estaduais, no Legislativo, no Judiciário, e também nos meios de comunicação.

27.O conflito no interior do golpismo pode ter três desenlaces: um acordo, a vitória do clã de Bolsonaro ou sua der-rota. O cenário mais provável segue sendo o acordo por cima, baseado na unidade em torno do programa neoli-beral e na tutela militar. Por isso, aliás, a derrota do clã, se efetivada por setores da direita -- mediante golpe explícito, a tutela militar, o afastamento temporário para julgamento por crime, ou um im-peachment com a substituição pelo vice -- não deve causar mudança na políti-ca ultraliberal. Inclusive, a depender de como ocorra, a derrota do clã pode ser acompanhada de medidas ainda mais restritivas às liberdades democráticas. Por outro lado, tanto o cenário de acor-do quanto o de vitória do clã supõem um aprofundamento da tutela militar, com elementos cada vez mais autoritá-rios. Nos três cenários, pesam imensas ameaças contra a esquerda e o Partido dos Trabalhadores.

28.A chamada Operação Lava Jato – na qual teve papel central o ex-ministro e ex-juiz Sérgio Morto -- é a principal, mas não a única expressão do esforço de destruir ou pelo menos debilitar de maneira profunda o Partido dos Traba-

PARTIDO

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lhadores. Tal esforço abrange as mais variadas operações da classe dominan-te, no plano judiciário, legislativo, exe-cutivo, midiático, paramilitar e interna-cional. Apesar de o alvo principal ser o PT, o objetivo é destruir as condições de atuação independente do conjunto da esquerda e das classes trabalhadoras.

29.Por todos estes motivos, torna-se de-cisivo que o PT contribua – com firme-za, habilidade e sem arrogância – para coesionar o campo democrático e po-pular em uma frente de esquerda, que apresente uma saída de conjunto para a situação, uma alternativa política que crie as melhores condições não apenas para a aplicação de um plano de emer-gência em defesa da vida, do emprego e da renda, mas também um programa de reformas estruturais e de defesa do meio-ambiente. Um programa de na-tureza democrática, antiimperialista, antimonopolista, antilatifundiária, anti-patriarcal e antirracista, que aponte ao País um novo rumo político, econômico e social; um programa de desenvolvi-mento e democratização cujo paradig-ma não seria o retorno à Nova Repúbli-ca, mas uma nova ordem constitucional. Um programa que tenha como um de seus eixos a integração regional latino--americana e caribenha, convertendo nossa região em um dos polos, inclusive industrial e tecnológico, de uma nova ordem mundial.

30.A construção de uma frente popular de esquerda, a julgar pela experiência histórica, é um processo que será tecido por muitas mãos e passará por muitas etapas. Até porque vivemos, hoje, um momento de defensiva estratégica, onde

têm destaque bandeiras defensivas, de resistência das classes trabalhadoras e de outros setores do povo brasileiro, por exemplo: defesa da vida e da saú-de pública; defesa da democracia, dos direitos civis; do ensino público e da uni-versidade democrática; contra a reforma da Previdência; pela anulação da conde-nação injusta do presidente Lula e pela restituição de seus direitos políticos. Um momento em que a luta política contra o ultraliberalismo e contra o neofascismo ainda se trava, em grande medida, nas instituições e nas eleições. É um momento em que a classe traba-lhadora vai reaprendendo como se or-ganizar e lutar, nas difíceis condições da pandemia, que acentuaram problemas anteriores, inclusive as divisões no meio da própria esquerda.

31.No contexto da pandemia, ganha lu-gar central a defesa da vida. Para o ultra-liberalismo, grandes parcelas do povo brasileiro simplesmente não importam. Daí porque defender a vida é, em si, uma bandeira fundamental da luta po-lítica. É preciso radicalizar na defesa do lockdown imediato; da fila única para leitos dos hospitais públicos e privados; da estatização de serviços privados de saúde; do financiamento do SUS; e da continuidade da política de transferên-cia de renda.

Mais que nunca, urge sermos radicais também nas propostas para a retoma-da da economia em novas bases, o que exigirá golpear pesadamente o capital financeiro, rentista, especulador.

32. É nas trincheiras dessas batalhas que vai se gerando, por baixo e por cima, a unidade popular. Caso consiga-mos impulsionar um ciclo permanente e ampliado de mobilizações, que coloque em movimento milhões de brasileiros e brasileiras, poderemos passar da resis-tência à ofensiva, ampliando as divisões do bloco conservador e abrindo cami-nho para alternativas mais avançadas.

33.A base política de uma frente popu-lar deve ser a unidade de toda a esquer-da brasileira, em aliança com setores democráticos da sociedade e, também, com setores de partidos da centro-es-querda como PSB e PDT. É fundamen-tal, nesse sentido, criar uma dinâmica de convergência com os movimentos sociais, lideranças culturais, intelectuais e religiosas da resistência.

34.O papel do Partido dos Trabalhado-res é indispensável nesse processo de criação de uma frente popular, de es-querda, ampla porque radical. O prota-gonismo do PT é determinado pela sua inserção social, pelo fato de contar com

PARTIDO

A experiência histórica e internacional tem demonstrado que a única maneira de deter a ascensão do fascismo é pela esquerda. Na conjuntura que vivemos, para ser amplo, é preciso ser radical

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a maior bancada no Congresso e por ter conquistado governos estaduais com grande apoio popular que devem estar integrados ao mesmo projeto nacional. Porém, o fundamental é a linha política e a capacidade do PT em demonstrar para a maioria do povo, que sua vida só vai melhorar se derrotarmos o neofas-cismo e o ultraliberalismo. O que só se efetivará através de uma ampla frente popular de esquerda.

35. Ao longo dessa caminhada, não po-demos, em nenhum momento, sucum-bir aos apelos de nos tornarmos força auxiliar de eventuais soluções funcio-nais aos defensores da agenda ultra-liberal, que estejam em busca de um ambiente político menos arriscado para implementar seu programa. É ilusão associar-se a qualquer frente que não deixe claro seus compromissos com as condições de vida da maioria do povo brasileiro, com a reconstrução de nos-sa soberania nacional, com a defesa de liberdades democráticas reais, com a derrota da extrema-direita e do fascis-mo. Como já dissemos, a experiência histórica e internacional tem demons-trado que a única maneira de deter a ascensão do fascismo é pela esquerda. Na conjuntura que vivemos, para ser amplo, é preciso ser radical.

36.Acordos, movimentos e ações pon-tuais podem ser realizados com frações burguesas que colidam com o bolso-narismo e defendam, mesmo que par-cialmente, as liberdades democráticas. Sem, contudo, alimentar a ilusão de for-mar uma coalizão orgânica, permanen-te e estável que incorra em concessões programáticas de qualquer tipo.

37.Tampouco podemos atuar como se estivéssemos em uma situação normal, fazendo cálculos e centralizando nossa intervenção exclusivamente com vis-tas às eleições de 2020 e 2022. Nossa perspectiva tática deve ser a campanha “Nem Bolsonaro nem Mourão! Diretas Já!”. Devemos repelir como ilegitima e antidemocrática qualquer saída que não passe pelo voto popular. E, como já foi dito, eleições realmente livres são eleições de que Lula possa participar.

38.É essencial frisar que a democracia que defendemos só pode ser uma de-mocracia sem a tutela dos setores po-pulares e da classe trabalhadora. Isto é, uma democracia sem vetos ao PT, nem a Lula, pois isto significaria aceitar o veto à auto-organização partidária de ampla parcela dos setores populares do País. Frentes amplas que não pro-ponham o afastamento de Bolsonaro, que não defendam o impeachment, que não defendam a soberania popular como a premissa básica da democracia,

que não defendam novas eleições, que compactuem com a tutela militar -- fren-tes com tais características não nos inte-ressam. Ao contrário, elas nos enfraque-cem, porque, além de confundirem nos-sas bases populares, nosso limite será o de atuar segundo regras pré-definidas pelos setores dominantes do País.

39.A retomada dos vínculos e do apoio dos setores populares e da maioria das classe trabalhadoras -- em particular dos setores submetidos à terceirização, à uberização e à informalidade, das maiorias exploradas, abandonadas e oprimidas -- passa necessariamente por esse caminho da polarização programá-tica. Sem o que persistirão o desânimo, a desorientação e a fragmentação em amplos setores.

40.Mas é fundamental reconhecer que não basta uma orientação política ge-ral. É preciso um trabalho de organi-zação e mobilização que passe pela compreensão, pela solidariedade e

PARTIDOF

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tuckert/Instituto Lula

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pela luta por melhorar imediatamen-te as condições concretas de vida das classes trabalhadoras. Nesse terreno das condições concretas, cumprem um papel essencial as dimensões de raça e gênero. Elas têm um peso estruturan-te, na medida em que condicionam a experiência social dos trabalhadores e trabalhadoras. O caráter genocida do governo Bolsonaro, do neofascismo e do ultraliberalismo recai com mais for-ça sobre a população negra e as mu-lheres. Não por acaso, o assassinato de Marielle Franco tornou-se um símbolo. Igualmente importante é atentar para as dimensões regional e geracional, que não por acaso têm operado como variáveis destacadas da luta de classes no país pelo menos desde 2010.

41.Se tivermos êxito nas tarefas a que nos propomos, se forjarmos uma fren-te popular com estes atributos, abrire-mos caminho não apenas para retornar ao governo federal, mas também para travar a disputa pelo poder, no bojo da luta pela aplicação efetiva das reformas estruturais acima mencionadas, que ine-vitavelmente suscitarão resistências. O rechaço às transformações imporá um enfrentamento que combine ação insti-tucional com luta social, e amplas mobi-lizações das classes trabalhadoras, bem como de outras camadas sociais.

42.Com a linha correta, ainda que não haja sucesso imediato, as batalhas tra-vadas possibilitarão a retomada futura. No entanto, sem uma orientação polí-tica adequada, se renunciarmos a ser uma força independente e portadora de uma alternativa de conjunto, o PT e toda a esquerda podem se converter

em linha auxiliar de setores da classe dominante e do golpismo. Nessa hipó-tese, a derrota, além de arrastar o PT, comprometerá a rica experiência de autoorganização dos setores populares que ele representa.

43.O que está em jogo é o destino do Brasil, mas também o significado estra-tégico do Partido dos Trabalhadores. Desde 1989 até 2016, o PT polarizou a luta política no Brasil. Desde 2005, e particularmente a partir de 2016, a classe dominante se esforça para des-truir o PT ou, pelo menos, impedir que protagonize a disputa de rumos na so-ciedade brasileira.

44.Há divergências, dentro do PT e den-tro da esquerda brasileira, acerca das políticas adotadas neste período pas-sado, mas nossa preocupação aqui não é com o balanço do passado, mas sim com a formulação de uma política para o presente e para o futuro, em que não caibam a conciliação de classes, a crença ingênua na conduta “republicana” e de-mocrática das elites, a exclusividade ou principalidade das vias institucionais e eleitorais. Mais que nunca, é papel do PT imprimir prioridade à luta social; à orga-nização de base; à formação de quadros; à comunicação social independente; à

autossustentação financeira militante; a construção de uma cultura de massas democrática, popular e socialista.

45.Para isso, precisamos de uma linha política que combine uma estratégia e uma tática adequadas para o período histórico atual e que não alimentem ilusões na conciliação com frações das classes dominantes. Podemos e deve-mos fazer alianças pontuais, toda vez que isso for útil na defesa das liberda-des, dos direitos e da soberania. Contu-do, é bom ter em conta que a burguesia brasileira tem unidade em seu programa e em seus objetivos estratégicos, que incluem interditar ou mesmo destruir a esquerda. Nenhuma fração das classes dominantes tem disposição em compor uma frente conosco: no máximo, que-rem nos usar como uma linha auxiliar em suas disputas internas. Diante disso, seria um grave equívoco abdicarmos de nossa identidade política para nos asso-ciarmos com forças cujo horizonte máxi-mo é a defesa do oligopólio da mídia e de instituições que, à exceção de uma minoria de seus integrantes, foram artífi-ces e executoras do golpe de 2016, que culminou com a deposição da presiden-ta Dilma, com a condenação e prisão de Lula, abrindo caminho para a vitória do bolsonarismo.

PARTIDO

É bom ter em conta que a burguesia brasileira tem unidade em seu programa e em seus objetivos estratégicos, que incluem interditar ou mesmo destruir a esquerda. Nenhuma fração das classes dominantes tem disposição em compor uma frente conosco: no máximo, querem nos usar como uma linha auxiliar em suas disputas internas

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46.A independência política deve se materializar também no terreno organi-zativo: é preciso impedir a anulação das instâncias dirigentes do PT, convertidas algumas vezes em cartórios homologa-dores de decisões tomadas em outros espaços; que convertem o PT num “par-tido de retaguarda”; e que nos desvin-culam progressivamente dos setores mais jovens, mais oprimidos e explora-dos das classes trabalhadoras. A esse respeito, nossa tarefa central, política e organizativamente, segue sendo recu-perar maioria nas classes trabalhadoras, no conjunto da população explorada, abandonada e oprimida.

47.Inclusive por isso, o PT deve lutar com todas as suas energias para de-fender a vida, o emprego e a renda da população. Isso inclui propor soluções concretas e imediatas à crise sanitária, na linha das medidas defendidas pelo Partido, por nossas bancadas parlamen-tares e implementadas por nossos go-vernos estaduais e municipais. Abarca, também, impedir demissões, redução de salários, cortes nas políticas públicas e, ademais, garantir renda e moradia

emergencial para os que estão em situ-ação vulnerável, inclusive a população em situação de rua. Isso requer, ainda, a solidariedade de classe, através de re-des de ajuda mútua e acolhimento que fortaleçam a coesão comunitária para re-sistência e sobrevivência em momentos de crises e dificuldades. Não uma con-cepção paternalista da ação caridosa, mas solidariedade de classe, politizada, que saiba demonstrar, para o povo, que as soluções verdadeiras dependem de uma alternativa política. Supõe incorpo-rar em nossa política todos os elementos constitutivos da classe trabalhadora, tais como as questões regionais, de gênero, geracionais e étnicas. Por fim, exige as-sociar a defesa da democracia, da vida, do emprego e da renda da população com a luta pelo fora Bolsonaro, Mourão, seu governo e suas políticas.

48.No Brasil, a única maneira de deter e superar a catástrofe em curso é atra-vés do protagonismo da esquerda bra-sileira, de seus partidos, organizações e movimentos, onde se destacam, en-tre muitos, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, a Central Única

dos Trabalhadores, o Movimento Sem Terra e a União Nacional dos Estudan-tes. Este protagonismo depende, em boa medida, do que faça ou deixe de fazer o Partido dos Trabalhadores. Se o PT não estiver à altura dessa missão his-tórica, viveremos uma dupla catástrofe: a catástrofe nacional e a catástrofe do próprio PT.

49.É neste quadro que, ao invés de uma atitude de defesa passiva ou ba-luartista, afirmamos a necessidade de o PT formular uma nova estratégia, adotar de maneira consequente uma tática de confronto total com a agenda ultraliberal e o governo Bolsonaro. É assim convictos que trabalhamos e ba-talhamos em todos os terrenos, inclusi-ve nas eleições de 2020, que a direita quer adiar, e nas eleições presidenciais, que defendemos antecipar. Com muita nitidez, somos favoráveis a um progra-ma simultaneamente emergencial e es-trutural, um programa de reconstrução nacional em novas bases, que imponha derrotas ao agronegócio, aos monopó-lios privados, ao capital financeiro e ao imperialismo.

50.É nessa perspectiva, inclusive, que o PT decidiu, no 6º. Congresso, empunhar como uma de nossas bandeiras “a luta pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, democráti-ca e soberana, destinada a reorganizar estruturalmente o Estado brasileiro e aprovar reformas que remodelem suas bases socio-econômicas e institucionais dilaceradas pelo governo usurpador. A democratização das instituições bra-sileiras é preâmbulo indispensável para as demais reformas estruturais”.

PARTIDO

A única maneira

de deter e superar

a catástrofe em

curso é através do

protagonismo da

esquerda brasileira,

de seus partidos,

organizações e

movimentos

Foto: Arquivo PT

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PARTIDO

51.Orientados por tais diretrizes, segui-mos lutando para ampliar a influência do PT nas classes trabalhadoras, para o que se faz necessário revolucionar nossa cultura de atuação e organização parti-dária, confrontando abertamente com os diferentes projetos de mundo de outras classes sociais. Urge, para tan-to, empenho prioritário na organização partidária, na formação ideológica e po-lítica da militância, a fim de que possa, vinculada às lutas das classes trabalha-doras, impulsionar sua ação consciente e independente. Coerente com este pensamento, é vital modificar comple-tamente os métodos de direção do PT, para priorizar uma ligação profunda à vida, às lutas e à organização das gran-des camadas populares da sociedade brasileira. E atuar, também, para a inte-gração do Brasil na América Latina e Ca-ribe, bandeira que vem sendo levanta-da pelo Foro de São Paulo desde 1990.52.Os signatários desta DECLARAÇÃO seguimos lutando para manter o PT como polo da disputa nacional e, assim, cooperar para que a solução da crise favoreça a imensa maioria do povo bra-sileiro, matando e enterrando o capita-lismo e todas as formas de opressão e exploração.

53.Como bem disse o companheiro Lula, no histórico discurso do 1º. de Maio de 2020, “o capitalismo está com os dias contados”, e está “nas mãos dos trabalhadores” a tarefa de cons-truir um novo mundo, em que “nin-guém explore o trabalho de ninguém, um mundo em que se respeitem as di-ferenças entre um e outro, um mundo em que todos, absolutamente todos, disponham de ferramentas para se

emancipar de qualquer tipo de domi-nação ou de controle“.

54.Concluímos a elaboração deste tex-to no mesmo momento (02/06/2020) em que as ruas dos Estados Unidos são tomadas por manifestações que, para além do repúdio ao racismo e à violência policial, são protestos contra a injustiça, a opressão e a exploração que caracte-rizam o capitalismo. Aqui no Brasil, ao mesmo tempo em que Bolsonaro desfi-la a cavalo e manifestantes reproduzem rituais da Ku Klux Klan, as ruas voltam a ser ocupadas por manifestações po-pulares em defesa da democracia. O fu-turo dependerá de batalhas que serão travadas nos próximos dias, semanas e meses. Só a luta deterá a catástrofe.

Viva o socialismo, viva a classe trabalhadora, viva o PT!!!

ALGUNS DOS SIGNATÁRIOS

Adriano Diogo, ex-deputado estadual PT/SP

Ana Affonso vereadora e vice presidenta do PT/RS

Afonso Florence, deputado federal PT/BA

Aluízio Palmar, jornalista e presidente do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu/PR

Ana Rita Esgario, militante PT

Arlindo Chinaglia, deputado federal PT/SP

Beto Aguiar Dirigente Nacional do MNLM

Breno Altman, suplente do DN do PT

Carlos Neder, médico e sanitarista

Célio Moura, advogado popular e deputado federal PT/TO

Celso Marcondes, jornalista

Claudio Vereza, ex-deputado estadual ES

Damarci Olivi, jornalista

Daniela Mattos, advogada

Djalma Bom, metalúrgico aposentado

Eleonora Menicucci, ex-ministra S.P. Mulheres (governo Dilma)

Eliane Bandeira e Silva, Presidente da CUT/RN

Herval Pina Ribeiro, médico Saúde do Trabalhador

Iriny Lopes, ex-ministra S.P.Mulheres (governo Dilma)

Ismael Cesar, direção executiva da CUT

Jandyra Uehara, direção executiva da CUT

José Genoíno, ex-presidente nacional do PT

José Luís del Roio, militante internacionalista

Júlio Quadros, diretório nacional do PT

Laura Tavares, professora aposentada da UFRJ

Luizianne Lins, jornalista e deputada federal PT/CE

Margarida Salomão, deputada federal PT/MG

Maria Carlotto, professora da UFABC

Max Swell Veras Ribeiro, presidente do IBDC

Misiara Oliveira, executiva nacional do PT

Múcio Magalhães, GTE nacional

Nair Benedicto, fotógrafa e Fotógrafos pela Democracia.

Natália Bonavides, deputada federal PT/RN

Natalia Sena, executiva nacional do PT

Patrick Araújo, diretório nacional do PT

Paulo Pimenta, presidente do PT/RS e deputado federal PT/RS

Pedro Serrano , advogado e professor da PUC/SP

Ricardo Ferro Silva, membro do Diretório Nacional do PT

Roberto Tykanori Kinoshita, médico e professor Unifesp

Rogério Correia, deputado federal PT/ MG

Rui Falcão, executiva nacional do PT e deputado federal PT/SP

Tiago Soares, diretório nacional do PT

Valdeci Oliveira, deputado estadual PT/RS

Valter Pomar, diretório nacional do PT

Wadih Damous, advogado e ex-deputado federal PT/RJ

Wladimir Pomar, jornalista

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PARTIDO

Companheira Gleisi HoffmannPresidenta Nacional do Partido dos Trabalhadores

Na condição de ex-presidentes de nosso partido, preocupados com a grave situação do país, gos-taríamos de solicitar ao Diretório Nacional que imediatamente retifique deliberação anterior e desautorize apoio do PT à reeleição do atual pre-feito de Belford Roxo (RJ), do MDB, notório por sua cumplicidade com o bolsonarismo.

As resoluções de nosso VII Congresso e da dire-ção partidária são inequívocas: nenhuma aliança pode ser estabelecida com o neofascismo, com os partidos e candidatos que o representam em qual-quer espaço do território nacional.

O PT deve ser exemplo de coerência e firmeza, por todo o país, refutando qualquer concessão na bata-lha que trava nosso povo contra o autoritarismo.

Atenciosamente,• Olívio Dutra

• José Dirceu de Oliveira e Silva

• José Genoíno

• Tarso Genro

• Ricardo Berzoini

• Rui Falcão

Ao Diretório Nacional do PT

Lamentamos profundamente que, por 40 votos a 36, a máxima instân-cia dirigente de nosso partido tenha se recusado a reconsiderar decisão de apoio à reeleição do prefeito de Belford Roxo (RJ), notório aliado do bolsonarismo.

Tal medida, a nosso juízo, viola a democracia interna e a tradição petis-ta, além de ratificar uma decisão que desorienta, confunde e desanima nossa militância.

Não é aceitável qualquer composição com representantes formais ou informais do neofascismo, como claramente estabelecem resoluções de nosso 7º Congresso e do próprio Diretório Nacional.

Atenciosamente

• Acrisio Sena – Deputado Estadual (PT-CE)

• Ademário Costa – Presidente do PT de Salvador

• Adriano Diogo – Ex-deputado e militante dos Direitos Humanos

• Afonso Florence – Deputado Federal (PT-BA)

• Amanda Oliveira UEE

• Ana Rita Esgario – ex senadora PT/ES

• André do Nascimento – Presidente do PT Municipal de Rio Grande da Serra SP e Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

• Antonio Donato – Vereador (PT-SP, Capital)

• Arlindo Chinaglia – Deputado Federal (PT-SP) e Ex-presidente da Câmara dos Deputados

• Ary Vanazzi – Prefeito de São Leopoldo (PT-RS)

• Beatriz Cerqueira – Deputada Estadual / PT- MG

• Camila Moreno – Comissão Executiva Nacional do PT

• Carla Orlandina Sanfelici, Coordenadora do núcleo do PT de Paris

Cartas sobre Belford RoxoEsquerda Petista publica, abaixo, duas cartas enviadas ao Diretório

Nacional do PT, criticando a decisão de homologar uma aliança com um

candidato bolsonarista a prefeito da cidade de Belford Roxo (RJ). Ao final

da segunda carta, incluímos uma mostra de quem assinou a respectiva

missiva, até as 13h00 do dia 24 de agosto de 2020.

a

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75ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

PARTIDO

• Carlos Neder – Médico e Ex-deputado Estadual (PT-SP)

• Carlos Zarattini – Deputado Federal (PT-SP)

• Célia Regina Carvalho Arouca – Vice presiden-ta estadual do PT na Bahia

• Célio Moura – Deputado Federal (PT TO)

• Cida de Jesus – Diretório Nacional do PT

• Clarice Coppetti – Comitato Italiano Lula Libero

• Claudio Vereza – Ex-deputado Estadual (PT--ES)

• Diego Pandullo, Vice Presidente PT-SP, Diretor da UNE

• Dionilso Marcon – Deputado Federal (PT-RS)

• Dr. Rosinha – Ex-deputado Federal (PT-PR)

• Edegar Pretto – Deputado Estadual (PT RS)

• Elen Coutinho, Membro do Diretorio Nacional do PT, Bahia

• Eleonora Menicucci – Militante do PT-SP e Ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres

• Eliane Aquino – Vice Governadora de Sergipe

• Elvino Bohn Gass – Deputado Federal (PT-RS)

• Eric Moura – Diretório Nacional do PT

• Esther Bemerguy de Albuquerque – militante do PT – PA

• Fatima Lima Coordenadora da Secretaria Esta-dual de Educação do PTRJ

• Fernando Ferro – Ex-deputado Federal (PT-PE)

• Flávio Wolf de Aguiar escritor jornalista Berlim

• Francisco Campos Tito – Diretório Estadual do PT-SP e Ex-deputado Estadual (PT-SP)

• Frei Anastácio – Deputado Federal (PT-PB)

• Gilney Viana – Professor aposentado e Ex-de-putado Federal (PT-MT)

• Girlene Ramos – Ex-presidente do PT-MT

• Giucelia Figueiredo – Presidente do PT de João Pessoa-PB

• Guilherme Estrella – Ex-presidente do PT de Nova Friburgo-RJ e Ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras

• Hamilton Pereira (Pedro Tierra) – Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo

• Helder Salomão – Deputado Federal (PT-ES)

• Hélio Rodrigues – Prefeito de Hugo Napoleão--PI e Presidente do PT-PI

• Henrique Fontana – Deputado Federal (PT-RS)

• Inês Pandeló – Ex-deputada Estadual (PT-RJ) e Ex-prefeita de Barra Mansa-RJ

• Iole Ilíada – Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo (PT-SP)

• Iran Barbosa – Deputado Estadual (PT-SE)

• Iriny Lopes – Deputada Estadual (PT-ES)

• Izalene Tiene – Ex-prefeita de Campinas-SP e Militante do PT

• Jandyra Uehara – Diretório Nacional do PT

• João Paulo Cunha – Ex-deputado Federal (PT-SP) e Ex-presidente da Câmara dos Depu-tados

• Joaquim Soriano – Membro da Comissão Exe-cutiva Nacional do PT

• Jorge Bittar – Ex-deputado Federal (PT-RJ)

• Jorge Sola – Deputado Federal (PT-BA)

• José Américo – Deputado Estadual (PT-SP)

• José Dirceu de Oliveira e Silva, ex-presidente nacional do PT

• José Genoíno, ex-presidente nacional do PT

• Joseildo Ramos – Deputado Federal (PT-BA)

• Josete Dubiaski da Silva (Profª Josete) – Verea-dora do PT de Curitiba-PR

• Júlio Quadros – Diretório Nacional do PT

• Junéia Batista – Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT

• Lindberg Farias – Ex-senador (PT-RJ)

• Luiz Eduardo Greenhalgh – Diretório Nacional do PT

• Luiz Sérgio – Ex-deputado Federal (PT-RJ)

• Luna Brandão – Diretório Nacional do PT

• Maneco Hassen – Prefeito de Taquari (RS) e Presidente da FAMURS (Federação das Asso-ciações de Municípios do Rio Grande do Sul)

• Marcia Tiburi – Filósofa e Militante do PT-RJ

• Marco Aurélio de Carvalho – Advogado e Fun-dador da ABJD (Associação Brasileira de Juris-tas pela Democracia)

• Marco Maia – Ex-deputado Federal (PT-RS) e Ex-presidente da Câmara dos Deputados

• Margarida Salomão – Deputada Federal (PT--MG)

• Maria Del Carmem – Deputada Estadual (PT--BA)

• Maria do Rosário – Deputada Federal (PT-RS) e Membro da Comissão Executiva Nacional do PT

• Marta Rodrigues – Vereadora do PT de Salva-dor-BA

• Misiara Oliveira – Membro da CEN

• Moara Saboia – Direção Nacional do PT

• Moema Gramacho – Prefeita de Lauro de Frei-tas (PT-BA)

• Múcio Magalhães – GTE do PT

• Natália Bonavides – Deputada Federal (PT-RN)

• Natália Sena – Executiva Nacional do PT

• Nelson Pelegrino – Deputado Federal (PT-BA)

• Olavo Carneiro – Executiva Diretorio Regional RJ

• Olga Estefania – Coordenação Nacional do Setorial Saúde do PT e Núcleo de Saúde do PT-PR

• Olívio Dutra, ex-presidente nacional do PT

• Osni Cardoso – Deputado Estadual (PT-BA)

• Pablo Valente – Coordenador do Nucleo do PT de Boston/EUA

• Patrick Araújo – Diretório Nacional do PT

• Paulo Pimenta – Deputado federal (PT-RS)

• Paulo Reis – Vereador do PT em São Paulo-SP

• Paulo Teixeira – Deputado Federal (PT-SP) e Secretário Geral do Diretório Nacional do PT

• Pedro Uczai – Deputado Federal (PT-SC)

• Penha Lopes – Diretório Nacional do PT

• Professor Luizinho – Ex-deputado Federal e Ex-líder do governo Lula na Câmara dos De-putados

• Regina Brunet – Vice Presidenta da UNE, Mili-tante do PT-RS

• Renato Simões – Diretório Nacional do PT

• Ricardo Berzoini, ex-presidente nacional do PT

• Robson Leite – Ex-deputado Estadual (PT-RJ)

• Rogério Correa – Deputado Federal (PT-MG)

• Rosana Ramos – Ex-diretora da Fundação Perseu Abramo

• Rosane Silva – Dirigente Nacional PT-RS

• Rose Mendes, ex-vice prefeita PT São Carlos SP

• Rose Rodrigues – Diretório Nacional do PT

• Rui Falcão, ex-presidente nacional do PT

• Selma Rocha – Educacao – Sao Paulo

• Sérgio PT – Diretório Nacional do PT

• Sheila Oliveira (PT/PE) – Diretório Nacional do PT

• Sílvia Andreia Klein Faltz – Pré-candidata a Prefeita do PT de Nova Friburgo-RJ

• Sofia Cavedon – Deputada Estadual (PT-RS)

• Sônia Hypolito – Militante do (PT-DF)

• Tadeu Veneri – Deputado Estadual Líder de Bancada (PT-PR)

• Tarcisio Zimmermann – Executiva Estadual do (PT-RS)

• Tarso Genro, ex-presidente nacional do PT

• Tassia Rabelo – Diretório Nacional do PT

• Tiago Soares – Membro do Diretório Nacional do PT

• Titta Ferreira – Diretório Nacional

• Valdeci Oliveira – Deputado Estadual (PT-RS)

• Valmir Assunção – Deputado Federal (PT-BA)

• Valter Pomar – Diretório Nacional do PT

• Vilson Oliveira – Membro do Diretório Nacional e Diretor da Escola Nacional de Formação do PT

• Wadih Damous – Ex-deputado Federal (PT-RJ)

• Waldeck Carneiro – Deputado Estadual (PT--RJ)

• Waldenor Pereira – Deputado Federal (PT-BA)

• Wladimir Pomar – Ex-membro do Diretório Nacional do PT

a

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76 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

LIVROS

DOSSIÊ PANDEMIA

Quando comecei a fazer esse dossiê dos livros que foram publicados sobre a pandemia,

eu não imaginava que encontraria tan-tas publicações. Acreditava que a difi-culdade estaria em reunir um material minimamente denso com o qual tra-balhar, mas foi justamente o contrário: a dificuldade foi conseguir filtrar e dar um recorte para o volume de obras. É impressionante como todos os seg-mentos tradicionais foram contem-plados em um curto espaço de tempo: logo no primeiro mês da pandemia foram publicados diversos títulos. Evi-dentemente, esse tempo talvez tenha sido relativamente maior (e livre) para quem conseguiu fazer o isolamento social, preservando sua fonte de renda. Ficar em casa nos últimos tempos nos proporcionou muitas lives e livros.

A maioria são livros curtos e pu-blicados em formato apenas digital. Alguns também podem ser obtidos em formato físico. Os resultados da pesquisa foram: uma diversidade de livros técnicos em diversas áreas como direito, bioética, arquitetura, orienta-ções para restaurantes na covid, con-tratos imobiliários na pandemia etc; livros infantis, contos de ficção distópi-ca, poesias, autoajuda, relatos pessoais da quarentena, livros de colorir, livros religiosos; e uma parcela de livros que se propuseram a analisar as questões políticas e econômicas, nacionais e mundiais, para entender as consequên-cias do fenômeno e, por vezes, delinear algumas “previsões”.

A ideia aqui é me deter nas obras publicadas em português, mas não apenas de brasileiros, que tratam da

por Queren Rodrigues

A ideia aqui é me deter nas obras publicadas

em português, mas não apenas de

brasileiros, que tratam da pandemia de um

ponto de vista da economia política, ou seja, da relação

entre a crise e o capitalismo. Portanto,

entraram nesse dossiê 13 obras. Só

incluí nesse resultado livros diretamente

relacionados e originais e não

apenas inspirados ou relançados nesse

contexto.

Divulgação Boitempo

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A crise suscitou muitas reflexões sobre a vida, sobre o mundo e sobre a humanidade. Para além dos enfoques mais específicos de cada autor, pode-se perceber os contornos de suas visões de mundo e de um possível futuro melhor. Uma das questões que assolou a pandemia em seus primórdios foi: o vírus atinge a todos igualmente ou não?

pandemia de um ponto de vista da economia política, ou seja, da relação entre a crise e o capitalismo. Portanto, entraram nesse dossiê 13 obras. Só in-cluí nesse resultado livros diretamente relacionados e originais e não apenas inspirados ou relançados nesse contex-to. Ficaram de fora também os livros que tratam da crise pandêmica apenas do ponto de vista da economia e po-lítica nacionais. Como eu disse, algu-mas obras foram escritas no começo da pandemia e outras mais recentemente, mas não existe um padrão de validade ou não das ideias contidas nesses textos que esteja correlacionado à essas datas.

Após esse prólogo metodológico, vamos ao que interessa: o que foi escri-to nessa pandemia?

A crise suscitou muitas reflexões sobre a vida, sobre o mundo e sobre a humanidade. Para além dos enfoques mais específicos de cada autor, pode-se perceber os contornos de suas visões de mundo e de um possível futuro me-lhor. Uma das questões que assolou a pandemia em seus primórdios foi: o ví-rus atinge a todos igualmente ou não?

Outra reflexão que aparece bastante é a necessidade de alguma espécie de co-operação e coordenação internacional, tanto agora como no pós-pandemia. Tendo em vista o enfoque sistêmico, a maioria dos textos encontrados figura dentro do espectro da esquerda, divi-dida entre progressistas e socialistas. As exceções são alguns poucos textos, ge-ralmente parte de coletâneas, como é o caso do livro “O mundo pós pandemia” que conta com uma lista extensa de autores, entre eles o ministro Barroso do STF, Gustavo Franco, Merval Perei-ra e Eduardo Eugênio Gouveia Vieira (presidente da Firjan há 25 anos). De modo geral, a partir dos textos desses autores, é possível extrair as seguintes visões:

a) pandemia revelou a solidarieda-de entre as pessoas e os povos:

Em uma ou duas gerações, os valo-

res mudaram – valores cruciais para

que a opção de proteger os mais

debilitados fosse tomada hoje. [...]

A revolução tecnológica, que nos

permitiu saber o que acontece no

planeta em tempo real, criou essa

grande aldeia. Será esta a razão do

incremento do sentimento de soli-

dariedade? (Introdução)

b) a crise possibilita mudanças po-sitivas, profundas e permanentes nos indivíduos: “parece inevitável que to-dos ficaremos, ao menos temporaria-mente, mais pobres do ponto de vista material [mas] sou convencido de que podemos sair do desastre humanitário da pandemia da Covid-19 mais ricos como cidadãos e, talvez, também espi-ritualmente” (Barroso, que entre suas receitas recomenda caridade e filantro-pia por parte de quem pode fazer). Ou-tra declaração que aparece, no mesmo sentido: “o mundo mudará pela mu-dança individual de seus habitantes, atingidos pela peste, e com ele mudará a política” (Merval);

c) as leis econômicas são imutáveis e correspondem à lógica de mercado: “havia e continua a haver um certo e um errado nos assuntos de economia, não vamos nos enganar com essa con-versa de ‘narrativa’ [...] as leis econômi-

LIVROS

Acervo Depositphotos

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LIVROS

cas funcionam igual” (Gustavo Franco, que também refuta diretamente a es-querda pela crítica ao capitalismo, ci-tando inclusive Zizek);

d) a solução é assistencialismo de Estado e cooperação internacional

É possível conjecturar que

[pós-covid] os governos se vejam

compelidos por seus cidadãos a

cooperar entre si a fim de desen-

volver respostas conjuntas a temas

como aquecimento global, combate

a pandemias, fluxos migratórios e

refugiados. [...] O Estado nacional

está condenado a solidariedade. Os

programas de assistencialismo não

serão mais objeto de questionamen-

to. (Eduardo Eugênio)

À parte o Capital como solução, as questões de aperfeiçoamento pessoal e cooperação internacional também são soluções encontradas no cam-po progressista. um exemplo é Lilian Schwarcz que afirma: “Sou pessimis-ta no atacado e otimista no varejo. Se cada um exercer sua cidadania, sua vi-gilância cidadã, quem sabe damos sor-te no azar. [...] O fato é que a sociedade civil está comparecendo. A população acordou para a importância do SUS e da ciência”. E enquanto a maioria dos autores destacou a dificuldade em se fazer qualquer predição sobre o assun-to, em seu livro, a historiadora anuncia o fim do século XX:

Hobsbawn tem razão: os sécu-

los não terminam com o virar da

folhinha do calendário, mas quando

grandes crises colocam em questão

verdades que pareciam consolidadas.

A grande marca do século XX foi a

tecnologia e a ideia de que ela nos

emanciparia e libertaria. Discordo

da afirmação de que não estávamos

globalizados no século XIX, mas foi

apenas no século XX que a tecno-

logia ganhou escala mundial e ace-

lerou o nosso tempo. Graças a ela,

acreditávamos estar nos livrando das

amarras geográficas, corpóreas, tem-

porais. Não estávamos! Ao deixar

mais evidente o nosso lado humano

e vulnerável, a pandemia da covid-19

marca o final do século XX

A historiadora aponta ainda que há tempos recebíamos alertas de cien-tistas, ambientalistas e lideranças indí-genas sobre nossa marcha desenfreada pelo progresso e a crescente exploração da natureza. E também sobre nosso rit-

mo acelerado, que não permite tempo livre e de qualidade para a esmagadora maioria.

Essa ideia é uma parte do que Ail-ton Krenak discute em seu livro “O amanhã não está à venda”. O título sinte-tiza uma crítica ao capitalismo de dois pontos de vista: o primeiro é uma crí-tica do modo de vida que privilegia o dinheiro e, com isso, promove uma su-per exploração da natureza, tendo o an-tropocentrismo como motor ao separar a ‘humanidade’ e a ‘civilização’ “desse organismo que é a Terra; e o segundo é justamente a ideologia ‘futurista’ do ca-pitalismo que “vende” o amanhã como algo a ser alcançado em detrimento do hoje. O progressismo que impulsiona todos a ‘chegar lá’ ao mesmo tempo que afasta a linha do horizonte, sempre que dela nos aproximamos.

Ele nos conta uma conversa que teve com engenheiros por ocasião do uso de tecnologia para recuperar o rio Doce (depois do desastre da Vale) em que perguntaram a opinião dele – “Eu respondi: A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois terí-amos de parar todas as atividades hu-manas que incidem sobre o corpo do rio [...] até que ele voltasse a ter vida. Então um deles me disse: Mas isso é impossível. O mundo não pode parar. E o mundo parou”.

Krenak faz uma crítica profunda-mente anticapitalista, que tenta “com-partilhar a mensagem de um outro mundo possível”, mas não de forma in-gênua, inclusive cita uma frase de Ca-mus, usada por Domenico de Masi em artigo recente, que diz: “a peste pode vir e ir embora sem que o coração do homem seja modificado” e que:

“o bacilo da peste não

morre nem desaparece

nunca, que pode

permanecer adormecido

por décadas nos móveis

e nas roupas, que espera

pacientemente nos

quartos, nas adegas,

nas malas, nos lenços e

nos papéis, que talvez

chegue o dia em que,

infortúnio ou lição

aos homens, a peste

acordará seus ratos para

mandá-los morrer numa

cidade feliz”.Albert Camus

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LIVROS

“o bacilo da peste não morre

nem desaparece nunca, que pode

permanecer adormecido por déca-

das nos móveis e nas roupas, que

espera pacientemente nos quartos,

nas adegas, nas malas, nos lenços e

nos papéis, que talvez chegue o dia

em que, infortúnio ou lição aos ho-

mens, a peste acordará seus ratos

para mandá-los morrer numa cida-

de feliz”.

Essa metáfora evidencia que a per-petuação do nosso modo de vida sem-pre trará novas crises sistêmicas. A ideia de crise sistêmica não significa apenas que uma ‘crise sanitária’ provocou uma ‘crise social’, revelando e aprofundan-do os problemas de sociabilidade que já existiam. Significa, sobretudo, que a crise da Covid-19 é, em si mesma, uma crise, eminentemente, social. O profes-sor Alysson Mascaro em “Crise e Pan-demia” é quem melhor desenvolve essa ideia:

No fundamental, [a crise] é do

modelo de relação social, baseado

na apreensão dos meios de produ-

ção pelas mãos de alguns e pela ex-

clusão automática da maioria dos

seres humanos das condições de

sustentar materialmente sua exis-

tência, sustento que as classes des-

providas de capital são coagidas a

obter mediante estratégias de venda

de sua força de trabalho. O modo de

produção capitalista é a crise.

É importante ressaltar que a críti-ca do capitalismo nos discursos e deba-tes atuais, por vezes, tem se limitado à crítica da lógica e ao modelo neolibe-ral. Diante disso, o professor Mascaro

reforça, em um dos capítulos de seu livro, que “não se trata apenas de uma crise do neoliberalismo: a crise é do ca-pitalismo”.

A crise tal qual ela ocorre, não to-maria essa proporção se tivéssemos as condições de atender às medidas de enfrentamento, que são basicamente: o isolamento, medidas de higiene, in-formação, acesso ao sistema de saúde e desenvolvimento de vacinas e outras tecnologias médicas. “O flagelo do de-semprego, as habitações precárias para suportar quarentenas, as contamina-ções em transportes lotados, a fragili-dade do sistema de saúde são, exata e necessariamente, condições históricas de um modo de produção específico, o capitalismo”, diz. É a estrutura social e a lógica de mercado que impedem que as pessoas possam se proteger e evitar o contágio e a disseminação, e que impe-dem o desenvolvimento e o acesso aos bens necessários para a prevenção e a cura.

Noam Chomsky escreve o seguin-te em seu texto, dentro da coletânea “Quarentena”: “os cientistas alertam para uma pandemia há anos, insisten-temente desde a epidemia de SARS de 2003, também causada por um corona-vírus, para o qual as vacinas foram de-senvolvidas, mas não avançaram além do nível pré-clínico”. Segundo ele, “essa opção foi barrada pela patologia da or-dem socioeconômica contemporânea. Os sinais do mercado eram claros: não há lucro em evitar uma catástrofe futu-ra. O governo poderia ter entrado em cena, mas isso é impedido pela doutrina reinante: ‘o governo é o problema’”. Ele cita ainda a interrupção, no passado re-cente, da produção de ventiladores ba-

ratos e fáceis de usar, porque as empre-sas não consideravam suficientemente lucrativa. Ironicamente comenta: “o foco da maximização dos lucros ‘nem sempre é consistente’ com a esperança de sobrevivência da humanidade”.

Segundo Ricardo Antunes: “A esta simultaneidade e imbricação trágica entre sistema de metabolismo antisso-cial do capital, crise estrutural e explosão do coronavírus podemos denominar, se quisermos usar uma síntese forte, capital pandêmico. [...] Sua dinâmica é muito mais brutal e intensa para a humanidade que depende do próprio trabalho para sobreviver” (grifos do próprio autor). Seu livro “Coronavirus: o trabalho sob fogo cruzado” trata justa-mente da crise do ponto de vista da classe trabalhadora. O fogo cruzado sob o qual esta se encontra é a “esco-lha” disponível entre morrer de vírus ou morrer de fome. Segundo o autor, como o trabalho (que é visto pelo ca-pital como um mero custo) não pode ser eliminado pois é essencial à valori-zação do capital, ele é atacado, em suas condições, através de terceirização, in-formalidade, intermitência, superex-ploração, uberização, formas análogas à escravidão etc. O foco dele nesse livro é a faceta neoliberal do Capital e suas novas formas de exploração e como o discurso da modernização das condi-ções de trabalho, do ‘empreendedoris-mo’ etc é desmascarado frente à crise.

Em pleno século XXI, com al-

goritmos, inteligência artificial, in-

ternet das coisas, big data, Indústria

4.0, 5G e tudo mais que temos deste

arsenal informacional [...] há cente-

nas de milhões que exercem moda-

lidades de trabalho típicas de uma

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era de servidão. E isso se tiverem

sorte, se forem contemplados com

o privilégio de encontrar trabalho

[...] padecendo das vicissitudes e vi-

lipendias do que denominei escravi-

dão digital. (grifos do autor)

Nesse mesmo sentido, Zizek tece uma crítica às ideias predominantes no capitalismo contemporâneo onde prepondera a ideia de que cada vez mais as mudanças tecnológicas no modo de produção levam a uma redu-ção da exploração dos trabalhadores. Afirma que:

muito se tem escrito a respeito

de como o velho modo de trabalho

na linha de produção fordista teria

sido substituído por uma nova mo-

dalidade de trabalho cooperativo de

criação que deixa muito mais espa-

ço para a inventividade individual.

No entanto, o que está efetivamente

ocorrendo não é tanto uma substi-

tuição, mas uma terceirização [...]

para fora do país. Assim ficamos

com uma nova divisão do traba-

lho: trabalhadores autoemprega-

dos e autoexplorados no Ocidente

desenvolvido, trabalho debilitante

na linha de produção do Terceiro

Mundo, além da esfera crescente de

trabalhadores de cuidado humano

em todas as suas formas (cuidado-

res, garçons etc.), em que também

abunda a exploração.

Boaventura de Sousa Santos tam-bém analisa a crise da perspectiva dos grupos mais afetados, o que ele chama de “sul”. O sul não é um espaço geo-gráfico, “designa um espaço-tempo político, social e cultural. É a metáfora do sofrimento humano injusto cau-

sado pela exploração capitalista, pela discriminação racial e pela discrimi-nação sexual”. Boaventura fala de três “unicórnios”, três principais modos de dominação, desde o século XVII: capi-talismo, colonialismo e patriarcado. A analogia do unicórnio eu vou deixar como curiosidade para quem preten-de ler o livro, mas o importante é que apesar desses três elementos “serem onipresentes na vida dos humanos e das sociedades, são invisíveis em sua essência e na articulação entre si”, em outras palavras, essas formas de domi-nação não se sustentam apenas pela força bruta, mas também possuem a astúcia de parecerem que desaparece-ram ou foram minimizados enquanto permanecem ativos e atuantes e de pa-recerem entidades separadas quando funcionam em profunda articulação.

Nesse ponto é interessante citar o livro de Angela Davis e Naomi Klein, que na verdade é a transcrição (e tradu-ção) de um debate. disponível nas pla-taformas digitais, no qual elas eviden-ciam o “capitalismo racial”, em que os interesses de executivos, acionistas e al-guns ricos (homens, brancos etc) valem mais do que a vida de bilhões. A discus-são do feminismo e do racismo tem ga-nhado, nos últimos tempos, atores que procuram cada vez mais mostrar como essas pautas são estruturais e comple-tamente relacionadas à luta de classes, em oposição à um enfoque liberal que há tempos tem dominado essas pautas. Aqui no Brasil, Silvio Almeida recente-mente ganhou destaque nesse debate. Em um artigo, escrito em parceria com um professor da Unicamp, mostra que o racismo em sua dimensão estrutural precisa ser tratado como um dos temas

fundamentais da economia: “os ajustes fiscais, especialmente aqueles baseados nos cortes de gastos, tendem a aumen-tar a desigualdade e o desemprego, que afeta proporcionalmente mais a popu-lação negra” e, acrescento, ainda mais as mulheres negras. E essa é justamente parte das lições de “A cruel pedagogia do vírus” de Boaventura Santos, a de que “as pandemias não matam tão indiscri-minadamente quanto se julga” e que “o colonialismo e o patriarcado estão vivos e reforçam-se nos momentos de crise”.

Diante de tudo isso, que fazer? O ‘receituário’ do Capital, das corpora-ções, para a saída da crise, nas palavras Ricardo Antunes, representa um ver-dadeiro ‘obituário’ para a classe traba-lhadora:

mais flexibilização, mais infor-

malidade, mais intermitência, mais

terceirização, mais home office, mais

teletrabalho, mais EAD, mais algo-

ritmos “comandando” as atividades

humanas, visando convertê-las (em

todos os setores e ramos em que for

possível) em um novo apêndice autô-

nomo de uma nova máquina digital

que, embora possa parecer neutral,

serve aos desígnios inconfessáveis

da autocracia do capital.

Alguns autores incluíram em seus livros uma parte significativa de refle-xões sobre qual seria a solução para a crise. O próprio título do livro de Zi-zek, Pandemia covid-19 e a reinvenção do comunismo, chama bastante a atenção nesse sentido, no entanto, o autor de-cepciona um pouco pelo enfoque que decide adotar: “Precisamos de solida-riedade incondicional e de uma res-

LIVROS

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posta globalmente coordenada, uma forma daquilo que certa vez se chamou de comunismo”. E define seu conceito: “Não me refiro aqui ao comunismo à moda antiga, é claro, mas simplesmen-te a algum tipo de organização global capaz de controlar e regular a econo-mia, bem como de limitar a soberania de Estados-nação quando assim for necessário”. O rebaixamento do termo talvez se deva à escolha do público-alvo do autor que, em diversos trechos, pa-rece ser os próprios liberais. Por exem-plo: “Não estou sendo utópico, não recorro a uma solidariedade idealizada entre os povos. Pelo contrário: a atu-al crise demonstra claramente como a solidariedade e a cooperação globais interessam à sobrevivência de cada um de nós, como essa é a única coisa ego-ísta racional a se fazer”. Pode ser que

a escolha dele no livro seja ironizar a direita que frequentemente costuma taxar qualquer medida de cunho mais social de “comunismo”. No entanto isso não fica completamente claro no texto. Foi Christian Dunker que, ao es-crever um artigo sobre a vida de Zizek na revista Cult (disponível na internet), acabou por me suscitar uma chave de leitura para suas obras incluindo essa.

Já David Harvey no livro “Antica-pitalismo em tempos de pandemia” colo-ca para si mesmo a seguinte pergunta: “como um anticapitalista pensaria a respeito de circunstâncias desse tipo?” E responde que, conforme Marx, “de-vemos selecionar os aspectos da socie-dade burguesa em colapso que contri-buirão para a emancipação dos traba-lhadores”. Para tanto ele desenvolve o seguinte raciocínio: a concorrência

intercapitalista impulsiona o desen-volvimento de novas tecnologias; esse “dinamismo tecnológico [...] está in-corporado nas estruturas globais do capitalismo”. Dentre essas tecnologias desenvolvidas existem algumas que se tornam aplicáveis de forma generaliza-da, por exemplo, a tecnologia compu-tacional. A tecnologia como produto genérico comercializado por produ-tores e consumidores é bastante espe-cífica do capitalismo. Para que assim se desenvolva é preciso a separação e especialização do trabalho intelectual e braçal, de forma que o conhecimen-to que antes pertencia aos trabalha-dores passe agora a ser incorporado na máquina, tornando o trabalhador um mero apêndice desta. Esse é o fe-tiche da tecnologia que aparece como sendo dotada de inteligência própria, enquanto o trabalhador executa tare-fas apenas mecânicas. Mas o ponto é o seguinte: o capital – “de forma inteira-mente involuntária – reduz o trabalho humano [necessário] a um mínimo”. A “sua tendência é sempre, por um lado, de criar tempo disponível, por outro lado, de convertê-lo em trabalho exce-dente [de onde retira seus lucros]”.

Como romper com esse sistema? A resposta de Harvey é a luta coletiva, a organização dos trabalhadores, por mais difícil que isso seja, dadas as rela-ções de opressão de classe. E como não há movimento revolucionário sem te-oria revolucionária, destaca a necessi-dade de

construção de um novo pa-

radigma político para enfrentar a

questão da desigualdade, por meio

de uma crítica aguda e profunda de

LIVROS

David Harvey: “Devemos selecionar os aspectos da sociedade burguesa em colapso que contribuirão para a emancipação dos trabalhadores”

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nosso sistema econômico e social.

Precisamos mobilizar coletivamen-

te nossos poderes de pensamento,

a fim de formular conceitos e cate-

gorias, teorias e argumentos, que

possamos aplicar à tarefa de levar a

cabo uma transformação social hu-

manizadora. [...] Esses conceitos e ca-

tegorias não podem ser formulados

de maneira abstrata: precisam ser

forjados realisticamente em função

dos acontecimentos e ações à medi-

da que se desdobram a nossa volta.

Do ponto de vista do trabalho, Ricardo Antunes argumenta que as transformações seriam no sentido de “reinventar o trabalho humano e so-cial, concebendo-o como atividade vital, livre, autodeterminada, fundada no tempo disponível, contrariamen-te ao trabalho assalariado alienado [o que] “fere e confronta diretamente o sistema de metabolismo social do ca-pital”.

Mas será que é a exceção ou a re-gularidade que ensina mais em termos de crítica do capitalismo? Afinal, tudo que se argumenta em um momento de crise pode ser questionado do ponto de vista de uma situação excepcional. Boaventura nos explica que a crise na nossa sociedade é uma crise permanen-te, o que é uma coisa bem contraditó-ria, visto que crise é um conceito per si de natureza excepcional. E o objetivo da crise permanente é justamente o de ser justificativa para os problemas próprios do capitalismo, que são de na-tureza estrutural. A visão de excepcio-nalidade da crise funciona, portanto, como uma ideologia para a manuten-ção de um sistema que não funciona.

Nas palavras de Dunker (que prefacia o livro de Zizek e também lançou um livro com enfoque psicanalítico da crise), é necessário “identificarmo-nos com nosso sintoma, e não apenas o atribuirmos a alguma disfunção social cosmológica ou cerebral. Identificar-mo-nos com nosso sintoma implica que outros vírus virão, e para eles de-vemos estar mais bem preparados”.

O professor Ricardo Antunes afir-ma que “a ideia de que o socialismo acabou é uma ficção que, infelizmente, encontra muitos adeptos. Se o capitalis-mo levou pelo menos três séculos para se constituir [...] por que o socialismo

teria que ter se constituído e acertado, em sua plenitude, em um único sécu-lo? Compartilhemos da mesma utopia e disposição que o professor Alysson Mascaro demonstra no encerramento de seu livro: “Quando as massas traba-lhadoras não mais pleitear o pão aos ricos, tomarão os moinhos. Por hoje parecem ser quixotescos moinhos ima-ginários, em breve tempo podem ser moinhos em sua materialidade. Com-panheiros são os que compartilham o pão, estrutural e materialmente assim seja. Tenho esperança na luta”.

QUEREN RODRIGUES é economista

LIVROS

Coleção PANDEMIA, e-books da editora Boitempo

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83ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

LIVROS:

1. AGAMBEN, Giorgio. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. E-Book: Boitempo, 2020

2. ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. E-Book: Boitempo, 2020

3. DAVIS, Angela; KLEIN, Naomi. Construindo movimentos: uma conversa em tempos de pandemia. E-Book: Boitempo, 2020

4. DAVIS, Mike. A peste do capitalismo: coronavírus e a luta de classes. E-Book: Boitempo, 2020

5. HARARI, Yuval N. Na batalha contra o coronavírus, faltam liderem à humanidade. E-Book: Companhia das Letras, 2020

6. HARVEY, David. Anticapitalismo em tempos de pandemia: marxismo e ação coletiva. E-Book: Boitempo, 2020

7. KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. E-book: Companhia das Letras, 2020

8. MASCARO, Alysson L. Crise e pandemia. E-Book: Boitempo, 2020

9. NEVES, José R. C. O mundo pós pandemia: reflexões sobre uma nova vida. E-book: Nova Fronteira, 2020

10. SANTOS, Boaventura S. A cruel pedagogia do vírus. E-Book: Boitempo, 2020

11. SCHWARCZ, Lilia M. Quando acaba o século XX. E-book: Companhia das Letras, 2020

12. TOSTES, Anjuli; MELO, Hugo (org). Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois. E-Book: Praxis, 2020

13. ŽIŽEK, Slavoj. Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do comunismo. E-Book: Boitempo, 2020

LIVROS

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84 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

e pudéssemos definir Armadilha da Identida-de: raça e classe nos dias de hoje em apenas duas palavras, diríamos que

se trata de um livro rigorosamente crí-tico. Asad Haider, doutor em História e editor da ViewPoint Magazine, produziu uma instigante síntese entre a história da luta anticapitalista e antirracista nos Estados Unidos, recuperando trajetórias e debates esquecidos ou deturpados. Com base neste legado, constrói uma narrativa que interlaça sua experiência pessoal enquanto estadunidense des-cendente de imigrantes paquistaneses, a história do racismo, do colonialismo e

do capitalismo, ao lado de uma análise da conjuntura atual.

O livro, intitulado originalmente Mistaken Identity: Race and Class in the Age of Trump, foi publicado no Brasil, em 2019, pela editora Veneta, um ano após o original. Além da adaptação do título, a versão brasileira conta uma ótima tra-dução, indispensáveis notas de rodapé e com um excelente prefácio assinado por Silvio Luiz de Almeida. Dividido em introdução e mais seis capítulos, o livro perfaz um caminho que, ao recu-perar a história de conceitos muito em voga hoje, tais como política identitária e interseccionalidade, ao mesmo tem-po em que estabelece uma perspectiva

materialista histórica, trava um duro combate tanto contra o que no Brasil comumente se denomina como iden-titarismo, quanto contra aqueles que defendem uma predominância abstrata da categoria de classe.

Haider demonstra como as duas perspectivas se retroalimentam ao con-traporem artificial e superficialmente raça e classe, abordando-as como cate-gorias sem história. Ambas as visões, intencionalmente ou não, acabam comprometidas com a manutenção da ordem capitalista: os identitários por re-duzirem a política à afirmação de deter-minadas identidades, buscando uma in-clusão dentro da ordem, minimizando

LIVROS

ARMADILHA DA IDENTIDADE: RAÇA E CLASSE NOS DIAS ATUAIS

por Giovane Dutra Zuanazzi e Laurem Janine Pereira de Aguiar

O livro perfaz um caminho que, ao recuperar a

história de conceitos muito em voga hoje, tais

como política identitária e interseccionalidade,

ao mesmo tempo em que estabelece uma

perspectiva materialista histórica, trava um

duro combate tanto contra o que no Brasil

comumente se denomina como identitarismo,

quanto contra aqueles que defendem uma

predominância abstrata da categoria de classe

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ou ignorando o fato de que é esta pró-pria ordem a geradora do racismo e das desigualdades; os defensores de uma classe trabalhadora abstrata por descon-siderarem a centralidade da raça como mecanismo de manutenção do sistema e como determinante da experiência da própria classe que dizem defender.

Armadilha, armadilhas

‘Identidade’ é um fenômeno real:

ela corresponde ao modo como o

Estado nos divide em indivíduos,

e ao modo como formamos nossa

individualidade em resposta a uma

ampla gama de relações sociais. Ela

é, no entanto, uma abstração. Uma

abstração que não nos diz nada

sobre as relações sociais específicas

que a constituíram” (HAIDER, 2019,

p. 38).

Os argumentos de Haider, ancora-dos em situações vivenciadas pelo mes-mo e/ou em debates travados no passa-do, trazem à luz diferentes armadilhas construídas ao abordar a identidade sem considerar suas relações sociais constituintes. Uma das armadilhas é ignorar o fato de que todas as pessoas possuem identidade. Mesmo a bran-quidade, tida como padrão em nossa sociedade, é também é uma forma de identidade particular, que só existe de maneira relacional, interagindo com outras identidades. Ou seja, a identida-de é um fenômeno social: tanto a bran-quidade quanto a negritude nasceram e se reproduzem com base no racismo, não sendo simples nomes para diferen-ças “biológicas”. De certa forma, jus-tamente pela identidade não ser uma

característica exclusiva de determinado grupo, o identitarismo também mani-festa-se de distintas maneiras e em defe-sa de identidades diferentes – inclusive, e destacadamente, em defesa de uma “raça branca”.

O próprio conceito moderno de raça, como demonstra Haider, está vin-culado à expansão do capitalismo e do colonialismo. Ignorar esta história é cair em outra das armadilhas possíveis. Por isso, baseado nos trabalhos de his-toriadoras como Barbara Fields e Nell Painter, o autor sustenta a hipótese de que o grande negócio da escravidão e da associação da mesma à raça negra não foi a produção da supremacia branca, mas a produção de algodão, açúcar, ar-roz e tabaco. Dito de outra maneira, a supremacia branca foi uma das formas de dominação encontradas pelas elites coloniais para tentar bloquear questio-namentos à ordem.

É este o movimento feito pelo au-tor ao retomar estudos sobre a história da raça branca, demonstrando que a própria ideia de uma raça branca, nos Estados Unidos, forma-se apenas no fi-nal do século XVII. Isso não significa, de acordo com Haider, a inexistência anterior do racismo. Significa, sim, que o racismo gerou a “raça branca” e a “raça negra” – e não o contrário. E, no caso estadunidense, esta divisão conformou poderosas ferramentas para evitar a união entre trabalhadores euro-ameri-canos e afro-americanos – ambos, até este momento, submetidos, em maior medida, à servidão por dívida do que à escravidão. A Revolta de Bacon, de 1676, é tida como um ponto de virada na estratégia de dominação e explora-ção da classe dos fazendeiros. A revol-

ta, que resultou em uma aliança entre trabalhadores afro-americanos e euro--americanos, constituiu “um momento decisivo no longo e complexo processo de invenção da raça branca como for-ma de controle social” (HAIDER, 2019, p. 86).

É com base nas possíveis conse-quências desta revolta que se fortalece a opção pelo uso da mão de obra de africanos escravizados, visto que ela possibilitava uma negociação entre os fazendeiros e as classes trabalhadoras euro-americanas, concentrando a su-perexploração no trabalho forçado de africanos. Como afirma Haider: “essa aliança racial euro-americana foi a me-lhor defesa da classe dominante contra a possibilidade de uma aliança entre a classe trabalhadora euro-americana e afro-americana” (HAIDER, 2019, p. 86). Para sustentar este movimento, a clas-se dominante euro-americana passou a desenvolver uma ideologia que pregava a inferioridade dos africanos, racionali-zando e justificando o trabalho forçado dos mesmos – o que acaba, por outro lado, incluindo o conjunto dos euro-peus à noção geral de “raça branca” (até então, a Europa era vista como consti-tuída por raças diferentes e, inclusive, como no caso dos irlandeses, por raças “inferiores”).

Haider demonstra que, ao longo dos séculos, essa distinção racista gerou diversos efeitos para a classe trabalha-dora. Dentre eles, pode-se destacar que, ao passo em que piorava as condições de vida dos trabalhadores negros e res-tringia sua liberdade, constituía uma espécie de compensação para os traba-lhadores brancos – o salário público ou psicológico, como aponta W. E. B. Du

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Bois e retoma Asad Haider. Os brancos, munidos deste salário, não estariam em situação tão ruim quanto a dos ne-gros. Isso, contudo, resultou também em uma piora geral das condições de vida do conjunto da classe trabalhado-ra, visto a tendência do capitalismo de “nivelar por baixo”. Limita-se, assim, as possibilidades de reivindicação dos trabalhadores brancos, ameaçados pela substituição de trabalhadores negros já submetidos mais intensamente à supe-rexploração e ao desemprego.

E este é um dos motivos funda-mentais, muito mais do um suposto “humanismo abstrato”, que torna a luta contra a supremacia branca e o racismo uma luta pela emancipação universal. Neste sentido, é com base nesse raciocínio que Haider defende a indissociabilidade da luta antirracista e anticapitalista, recuperando o que há de melhor na tradição revolucionária estadunidense.

Política identitária: antítese da luta antirracista

A perspectiva materialista histórica de Haider coloca o debate sobre iden-tidade em outros termos. Isso ocorre não só por conta da vivacidade de seu marxismo ou pela reconstituição das origens da concepção moderna de raça, mas porque recupera o legado da luta antirracista e anticapitalista nos EUA. Retomando o fio da história, reconstrói o caminho de luta que inevitavelmen-te separa os atuais identitaristas dos re-volucionários de ontem e hoje. Separa nacionalistas revolucionários, sempre internacionalistas, e nacionalistas rea-cionários. Separa o joio do trigo. Separa aqueles que enxergam na formação de uma burguesia negra ou na eleição de Barack Obama uma vitória da luta an-tirracista e aqueles que percebem, neste tipo de política, a própria neutralização da luta antirracista.

O resgate da história das lutas po-pulares nos Estados Unidos, confron-tando fortalezas e debilidades das tra-jetórias do movimento comunista esta-dunidense, de Malcolm X, do Coletivo Combahee River, do Partido dos Pante-ras Negras e de tantos outros, é um pas-so inicial indispensável para compreen-der que há uma ruptura entre posições expressas no passado, pelos revolucio-nários, e as defendidas hoje pelos iden-titaristas. Afinal, foi justamente no seio da luta anticapitalista que diversos dos conceitos e categorias, hoje utilizados incessantemente pelos identitaristas, fo-ram forjados.

O que ocorreu, contudo, foi um processo de “desidratação”, retirando todo o seu conteúdo revolucionário. O objetivo foi o de tornar estes con-ceitos, e as próprias lutas que os en-gendraram, palatáveis e úteis ao capi-talismo. Esse é o caso do próprio ter-mo “política identitária”: o Combahee

LIVROS

Os argumentos de Haider, ancorados

em situações vivenciadas pelo mesmo

e/ou em debates travados no passado,

trazem à luz diferentes armadilhas

construídas ao abordar a identidade

sem considerar suas relações sociais

constituintes. Ou seja, a identidade

é um fenômeno social: tanto a

branquidade quanto a negritude

nasceram e se reproduzem com base

no racismo, não sendo simples nomes

para diferenças “biológicas”.

Autor norte-americano com

descendência paquistanesa, Asad Haider é doutor em História e editor da

ViewPoint Magazine

Foto: The Intercept/Divulgação

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LIVROS

River, primeira organização a utilizar o termo em seu formato contemporâ-neo, buscou afirmar identidades “par-ticulares” para demonstrar a indisso-ciabilidade de diferentes lutas e a ne-cessária aliança entre a diversidade da classe trabalhadora. A intenção seguia sendo construir o socialismo, mas destacando que a revolução socialis-ta deveria ser feminista e antirracista ao mesmo tempo – o que implicava, diretamente, na crítica às concepções que pressupunham uma classe traba-lhadora homogênea.

Assim, é preciso ter nitidez acerca do contexto de surgimento e de de-clínio da política identitária enquan-to parte da luta revolucionária. Em síntese, podemos afirmar que o livro identifica nas próprias debilidades do movimento socialista (em especial dos militantes brancos) a origem da neces-sidade da crítica à ideia de uma classe trabalhadora fantasmagórica e abstrata (via de regra generalizada como mascu-lina e branca). Críticas estas que foram fortemente positivas e estavam vincu-ladas ao avanço da luta popular nos Estados Unidos. A progressiva coop-tação e distorção dos significados des-ta política, contudo, intensificaram-se após as derrotas do conjunto da classe trabalhadora e de suas organizações com o avanço do neoliberalismo e o fim da União Soviética, fenômenos que estimularam e fortaleceram tendências liberais que tomavam o capitalismo como fim da história.

Neste cenário, os atuais identitaris-tas encontraram uma terra fértil para o caminho da divisão e da fragmentação. No campo da esquerda, ocorreu um deslocamento da centralidade da luta

coletiva. Onde antes buscava-se a união para construir uma sociedade socialis-ta, agora busca-se o reconhecimento individual e a inclusão no capitalismo. No âmbito da direita, fez (re)surgir ou intensificar movimentos nacionalistas e defensores da supremacia branca. Em ambos os espectros, estimula-se dife-rentes tipos de moralismo e a fixação com as identidades individuais, como se as mesmas não fossem socialmente produzidas – não coincidentemente, uma perspectiva em total sintonia com o neoliberalismo.

O livro de Haider, desta forma, converte-se em uma importante ferra-menta de luta pela chamada “universa-lidade insurgente”, construída em con-traposição àqueles que buscam arvorar--se enquanto proprietários exclusivos de determinadas pautas e lutas. Com base no livro, é possível compreender a diferença entre a luta antirracista e a política identitária atual, apresenta-das por Haider como antíteses uma da outra. Essa diferenciação, possibilitará, entre outras coisas, entender o porquê da fixação dos identitaristas com deter-minados “debates”.

Armadilha da identidade no Brasil

O debate identitário tem ganho espaço no Brasil. Na grande mídia, nas empresas e em diversos think tanks. No mundo sindical, no movimento estu-dantil, nos partidos. Direta ou indire-tamente, nos mais diversos setores da sociedade, reproduz-se uma tendência global com relação à forma e ao conte-údo do debate público e do “tipo ide-al” de organização. O livro de Haider,

na atual conjuntura brasileira, torna-se uma leitura fundamental para aqueles que querem compreender as origens deste debate e pensar alternativas con-cretas.

O maior exemplo, todavia, encon-tra-se no esforço feito pelo autor em redefinir os termos do debate, resgatar a luta revolucionária estadunidense e sustentar uma crítica rigorosa ao iden-titarismo – sem cair no lugar-comum da centralidade abstrata da categoria de classe, demonstrando a possibilidade e a necessidade de a esquerda brasileira empreender um esforço neste sentido, com relação à própria história de nosso país e de nossas lutas. Apesar de seme-lhanças em nossa história e em nossa conjuntura atual, nem o Brasil e nem a questão racial brasileira pode ser com-preendida a partir da realidade dos Es-tados Unidos.

Cabe aos revolucionários e revolu-cionárias brasileiras recuperar a história e o legado da luta antirracista e antica-pitalista brasileira e latino-americana, a fim de perceber nossas particularida-des e produzir uma análise concreta de nossa situação concreta. Afinal, o Brasil, como o mundo todo, “está com extrema necessidade de uma nova universalida-de insurgente. Somos capazes de produ-zi-la, todos somos, por definição. O que nos falta é um programa, estratégia e táticas. Se deixarmos de lado o refúgio da identidade, essa discussão poderá co-meçar” (HAIDER, 2019, p. 150).

GIOVANE DUTRA ZUANAZZI, mestrando em História (UFRGS)

LAUREM JANINE PEREIRA DE AGUIAR, doutoranda em Serviço Social (PUCRS)

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BICENTENÁRIO

por Maria Caramez Carlotto

Em 2022, o Brasil completa duzentos anos como nação independente. A esquerda brasileira em geral, e o Partido dos Trabalhadores como seu maior representante, em particular, deveriam aproveitar este momento para sistematizar o seu balanço da história do país e (re)pensar, à luz desse diagnóstico, as suas tarefas históricas mais urgentes, no contexto do Bicentenário da Independência.

O horizonte de expectativas e as tarefas da esquerda

ESPECIAL

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pesar do tema (Bicentenário da Independência do Brasil) sugerir um olhar para o passado, nossa perspectiva deve priorizar o futuro, não só como realidade provável – o que pressupõe uma postura passiva sobre o devir do país – mas como realidade possível – o que nos obriga a pensar como devemos agir diante do atual contexto para cons-truir a sociedade que defendemos. Esta é a proposta deste texto e, para tanto, proponho chamar a atenção para um aspecto específico e, em geral, negligen-ciado, do contexto histórico: o horizonte de expectativa, ou, simplesmente, a pers-pectiva de futuro socialmente compar-tilhada em um determinado tempo his-tórico.

A noção “horizonte de expectati-va”, central na obra do historiador Rei-nhart Koselleck1 e recuperada por au-tores como o filósofo brasileiro Paulo Arantes2, se presta a pensar a “estrutura temporal” de um determinado tempo histórico. Em última instância, estamos falando da perspectiva de futuro que marca a experiência social em determi-nado tempo ou, como diz Paulo Aran-tes, em um determinado tempo do mun-do, referindo-se não só à percepção do tempo, mas ao tempo histórico em si.

1 Para quem tiver interesse, o historiador alemão Reinhart Koselleck, nascido em 1923 e falecido em 2006, trabalhou sobretudo com o tema da teoria da história e foi traduzido para o português em obras como “Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês”, publicado em 1999 pela editora Contraponto em parceria com a editora UERJ; “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos” e “Estratos do tempo: estudos sobre a história”, publicados em 2006 e 2014, respectivamente, também pela editora Contraponto em parceria com a PUC Rio.

2 Quem quiser saber mais, sugiro especialmente o livro O Novo tempo do mundo: estudos sobre a era da emergência, publicado pela Editora Boitempo em 2014, que foi uma das principais inspirações para este texto.

A

Não é exagero dizer que de todas as independências americanas, a brasileira foi a mais conservadora. Não só porque preservou mais do que em outros lugares os laços de dependência com a Europa, encarnados na monarquia, depois tornada império, dos Orleans e Bragança, mas porque conservou a essência da estrutura econômica e social colonial

Tela “A proclamação da Independência”, de François-René Moreaux, 1844

A Liberdade guiando o povo (em francês: La Liberté guidant le peuple) é uma pintura de Eugène Delacroix em comemora-ção à Revolução Francesa de 1830, com a queda de Carlos X

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BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

Parece abstrato, mas é fácil de en-tender quando pensamos que a Inde-pendência do Brasil ocorreu em um “tempo do mundo” marcado por um horizonte de expectativa orientado para o futuro e profundamente otimis-ta, que enterrava de vez a ordem feudal e abria caminho para a modernidade capitalista.

Essa grande transição entre o mun-do feudal – também chamado por al-guns de Idade Média – e o mundo capi-talista – que o pensamento burguês au-todenominou de modernidade – não foi um raio em céu azul. Na verdade, estendeu-se por alguns séculos, tendo nas grandes navegações e na “descober-ta” da América um marco essencial. Por contraste, o horizonte temporal da ex-periência social no contexto dos gran-des “descobrimentos” era orientado para o passado e marcado pelo medo. De fato, os dogmas da tradição cristã medieval definiam uma experiência so-cial pautada no medo: medo do fim dos tempos, do juízo final, da condenação divina, do inferno.

Nada ilustra melhor essa percepção do que a própria iconografia medieval. O predomínio de temas como o inferno e o juízo final na arte medieval mostra a força desse horizonte profundamen-te negativo de expectativas, para o qual “este mundo” era visto e vivido como um lugar de sofrimento e provação o paraíso estaria destinado para os pou-cos que chegassem ao “outro mundo”.

Nesse contexto, torna-se compreen-sível que a “descoberta” da América pe-los europeus, por volta de 1500, tenha tido um impacto tão profundo. Este processo, aprofundou a transição cultu-ral aberta pelo Renascimento, cujo sím-

bolo é a constatação empírica – cheia de consequências – de que a terra é redon-da. No fundo, não mais dogmas religio-sos incontestáveis, mas conhecimentos abertos à contestação embasada por fatos; no horizonte, não mais abismos, mas o sol de novos mundos.

É, em grande medida, a consolida-ção desse novo horizonte de expectati-vas – otimista e orientado para o futuro – que enquadra, historicamente, a “era das revoluções” a partir do final do sé-culo XVIII: revolução científica, revolu-ção industrial, revolução nacional, revo-lução democrático-burguesa, revolução socialista. Estava aberto um novo tem-po do mundo, não mais pautado no medo e na tradição, mas orientado, em última instância, pela certeza de que seria possível construir, neste mundo – único –, uma sociedade com menos dor e sofrimento para todos.

As independências da América vão ocorrer nesse contexto, já sob o marco das revoluções burguesas euro-peias, mas também sob a sombra da revolução popular e negra do Haiti de 1791. Não é exagero dizer que de todas as independências americanas, a brasileira foi a mais conservadora. Não só porque preservou mais do que em outros lugares os laços de depen-dência com a Europa, encarnados na monarquia, depois tornada império, dos Orleans e Bragança, mas porque conservou a essência da estrutura eco-nômica e social colonial, marcada pela grande propriedade, monocultora, ex-portadora e, sobretudo, escravocrata. Mesmo sob um horizonte de expecta-tivas aberto e inspirado por ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a oligarquia brasileira, depois trans-mutada em burguesia, foi incapaz de

Às esq., “Juízo Final”, quadro do pintor holandês Hieronymus Bosch datado de 1482; à dir., cartaz de “Westworld”, série estadunidense de ficção científica que tem um caráter futurista distópico e é inspirada em dois filmes da década de 1970, intitulados Westworld (1973) e Futureworld (1976)

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A marca das classes dominantes do país é a reafirmação do passado, a afirmação de mais do mesmo: dependência, dominação patriarcal, racial e de classe, violência, desigualdade, autoritarismo. Nesse contexto, cabe à esquerda, em particular à esquerda socialista, a tarefa de alimentar e realizar os ideais mais básicos de país, em particular, os ideais de soberania nacional, de democracia política e democracia social

imaginar uma comunidade nacional de iguais. Ao contrário, reafirmou a violência, o racismo, a dominação e a desigualdade do período anterior, inaugurando um longo ciclo – que vai completar em breve dois séculos – de modernização conservadora que, pela burguesia local, mais conserva do que moderniza.

Florestan Fernandes, em Revolução Burguesa no Brasil3, vai ser categórico ao afirmar que, a depender da burgue-sia brasileira, nosso destino nunca irá muito além desse horizonte tacanho, incapaz de realizar sequer o ideal bur-guês de uma nação soberana formada por uma comunidade de cidadãos for-malmente iguais, embora socialmente divididos em classes. É por isso, dirá Florestan, que nem sequer o ideal de-mocrático do povo a burguesia bra-sileira, marcada pelo racismo e pelo elitismo, é capaz de aceitar; não sendo por qualquer outra razão que o Brasil só vai instituir o voto universal em 1989, cem anos depois da Proclamação da República e quase dois séculos de-pois da declaração de Independência, ocorrida na esteira das primeiras revo-luções democrático-burguesas.

Esse caráter profundamente con-servador da burguesia brasileira não deve-se apenas à herança cultural da escravidão. Tem, como lembra Flo-restan Fernandes, raízes estruturais: o capitalismo dependente brasileiro – re-produzido é verdade, por escolhas des-

3 Florestan Fernandes, sociólogo brasileiro que com-pletaria 100 anos em 2020, foi professor da USP, cassa-do pela ditadura e filiado ao Partido dos Trabalhadores, tendo sido, inclusive, deputado constituinte. É autor de uma das mais importantes interpretações sobre a inde-pendência brasileira, intitulada Revolução Burguesa no Brasil, publicada originalmente em 1974.

sa mesma burguesia – restringe as pos-sibilidades de ação da burguesia local.

É por tudo isso que, desde a Inde-pendência, a marca das classes domi-nantes do país é a reafirmação do pas-sado, a afirmação de mais do mesmo: dependência, dominação patriarcal, ra-cial e de classe, violência, desigualdade, autoritarismo. Nesse contexto, cabe à esquerda, em particular à esquerda so-cialista, a tarefa de alimentar e realizar os ideais mais básicos de país, em par-ticular, os ideais de soberania nacional, de democracia política e democracia social.

Mas o ponto central, e que define o desafio particular da esquerda bra-sileira, é que, no atual contexto histó-rico, quando estamos às vésperas de comemorar o bicentenário de inde-pendência, o tempo do mundo – ou o horizonte de expectativas hegemônico – não é mais o otimismo da “primavera dos povos” na emergência do capitalis-mo. Ao contrário, desde os anos 1970, o capitalismo vive uma crise profunda, de caráter sistêmico, que tem revertido completamente a perspectiva de futuro socialmente compartilhada. Sob a égi-de da crise sistêmica – crise econômica,

BICENTENÁRIOESPECIAL

social, ambiental, democrática, cultu-ral – o horizonte se fecha e ressurgem, com força, dogmas e tabus já superados. Para muitos – em geral, socialmente fragilizados – faz sentido imaginar até mesmo o inimaginável: que a terra é plana. Sinal dramático de que em um horizonte de expectativas nublado pelo medo, crescem as distopias. Fala-se aber-tamente em apocalipse e o fim dos tem-pos parece logo ali. É aqui que a tare-fa da esquerda se mostra ainda maior. Cabe a nós reivindicar uma perspectiva de futuro aberta e otimista, mostrando como é possível construir uma socieda-de marcada pela igualdade real e pela liberdade plena. Um mundo em que ninguém precise morrer de fome ou de frio. Em que ninguém precise sofrer estigma pela cor da sua pele, pelo seu gênero, pela sua classe social, pela sua orientação sexual, pelas suas escolhas culturais. Um mundo onde o inferno seja apenas uma invenção cultural e o fim dos tempos tenha ficado definitiva-mente para trás.

MARIA CARAMEZ CARLOTTO é

cientista social, professora da UFABC e

militante do PT

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O objetivo deste texto é dialogar

o conjuntural com o estrutural,

buscando discutir as concepções

sobre cultura e identidade

nacional no interior dos projetos

formulados e empreendidos

pelos grupos dominantes do

país, reconhecendo traços de

continuidade entre Araújo(s) e

Bolsonaro(s) ao longo da nossa

trajetória enquanto Estado e Nação

Em 3 de janeiro de 2019, Ernesto Henrique Fraga de Araújo assumiu oficialmente o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Em seu discurso de posse, afirmou que um dos objetivos de Jair Bolsonaro seria o de “reconquistar o Brasil e devolver o Bra-sil aos brasileiros”. Marcas de valoriza-ção de uma cultura judaico-cristã, da tradição greco-romana, citações em la-tim foram algumas das características dessa comunicação. Fernando Pessoa, D. Sebastião, Dom Quixote, José de Anchieta estiveram na lista de figuras históricas, reais ou mitificadas, reuni-das e enaltecidas numa única interven-ção de abertura dos trabalhos.

O mesmo Araújo, em “Trump e o Ocidente”, defendeu que o conceito de Civilização Ocidental estaria relacio-nado com a existência de um passado simbólico, uma história e uma cultura enquanto pilares fundamentais. Em sua perspectiva, o Ocidente represen-taria uma construção de quase três milênios, sendo uma “enorme mas-sa de palavras e sentimentos, ideias e crenças”, da qual estaria o Brasil igado pela sua formação histórica a partir de Portugal.

O leitor que, por ventura, tomar tais escritos de maneira isolada, prova-velmente venha a se surpreender nega-tivamente com a construção argumen-tativa, os termos mobilizados e a exis-tência desse tipo de análise para a con-juntura brasileira. Contudo, enquanto uma matriz ideológica do bolsonaris-mo, esse tipo de pensamento, chama-do comumente de Anti-Globalista, ex-pressa um conjunto de concepções não necessariamente inéditas quando olha-das a partir de uma retrospectiva sobre o imaginário das elites brasileiras.

Diante disso, meu objetivo é dialo-ar o conjuntural com o estrutural. Bus-

carei discutir as concepções sobre cultu-ra e identidade nacional no interior dos projetos formulados e empreendidos pelos grupos dominantes do país, reco-nhecendo traços de continuidade entre Araújo(s) e Bolsonaro(s) ao longo da nossa trajetória enquanto Estado e Na-ção. A retomada das discussões sobre o pertencimento do país a entidades mais amplas sustenta também práticas e concepções arcaicas e de continuida-des com o período colonial, enraizadas em nossas estruturas políticas, sociais e culturais ao longo de quase dois séculos de independência, encontrando adep-tos inclusive entre os setores populares.

por Mateus Santos

Entre cultura e civilização: um nacional de arcaísmos e autoritarismos

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BICENTENÁRIOESPECIAL

Ao tentar investigar os arcaísmos socioculturais e a influência do neoco-lonialismo, passearei pelo campo dos costumes, da História, das relações so-ciais, da política internacional e tam-bém de concepções de nação. Afinal, se Cultura, segundo Fernand Braudel em Civilização Material, Economia e Ca-pitalismo, é “espírito, estilo de vida em todos os sentidos do termo, literatura, arte, ideologia”, composta por uma verdadeira “multidão de bens, mate-riais e espirituais”, um difícil esforço de caracterização sobre suas naturezas leva ao reconhecimento de suas inter-secções com as mais diferentes esferas da realidade.

Sociedade da escravidão e do privilégio

“Não se escapava da Escravidão”. Com essa afirmação, a antropóloga Li-lia Schwarcz no livro Sobre o Autorita-rismo Brasileiro salientou o aspecto da presença do sistema escravocrata em todas as esferas da sociedade brasileira. Suas implicações para a constituição do Estado e da Nação foram tamanhas. Nos idos do século XVII, Padre Antô-nio Vieira, citado pelo historiador Luiz Felipe de Alencastro em O Trato dos Vi-ventes, defendia a escravidão sob um ponto de vista regenerador. Por meio do tráfico, operava-se supostamente um processo de desenraizamento e “dessocialização”, retirando o sujeito de uma situação considerada “pagã”

e inserindo-o no autoproclamado “Novo Mundo”, uma extensão ideali-zada de um mundo europeu também idealizado.

Neste processo, de clara negação da História e da Memória dos sujei-tos escravizados, suas presenças quan-titativas e qualitativas foram desafios na construção do dito Brasil indepen-dente, a partir dos projetos das elites. Com olhares para trás (a experiência colonial) e para cima (o referencial europeu), as concepções de uma na-ção modernizada estavam enraizadas a partir da negação da própria expe-riência histórica do país. A escravidão, enquanto base político-formativa do Estado e da sociedade, encontrou-se numa situação contraditória, represen-tando, ao mesmo tempo, um perigo ao projeto de Brasil do século XIX, uma “extensão” europeia nos trópicos, mas um mal necessário, ao ser considerado por Bernardo Pereira Vasconcelos, en-quanto uma responsável pela civiliza-ção do país.

Sob essa perspectiva ambígua, a constituição de uma nação, de um Es-tado e de uma sociedade supostamen-te independente se deu nos marcos de uma permanência de uma depen-dência sociocultural e econômica, das tentativas de reproduções ou adapta-ções de hierarquias oriundas da colo-nização e de uma concepção de mun-do eurocêntrica. Exemplos não faltam para validar tal constatação. Um deles, durante o século XIX, desde ao menos o período Joanino e com maior força durante o Segundo Reinado, foi o cres-cimento no número de concessões de títulos de nobreza e ordens, evidentes marcadores de distinção social e atri-

Vendedor de flores e de fatias de coco. Aquarela sobre papel de Jean-Baptiste Debret

Domínio público, Museus Castro Maya

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buição de prestígio. Ainda que diante de um modus operandi diverso daquele existente nas sociedades europeias, du-ques, marqueses, condes, viscondes e demais títulos, comuns ao universo do Velho Mundo, foram transpostos para esta parte das terras ameríndias, sendo mais um elemento de fomento das de-sigualdades e constituidor de lugares sociais específicos.

Mesmo em 2020, este distante pas-sado se torna paradoxalmente vivo quando nos deparamos com as posi-ções de prestígio e marcas de suposta autoridade em nossa sociedade. Ter-mos como “doutor” e “doutora”, mes-mo não sendo categorias nobiliárqui-cas, fizeram e ainda fazem parte de um imaginário popular cristalizado, nor-malmente estando relacionado a um tipo de tratamento destinado àque-les e aquelas que, num determinado meio, são considerados os notáveis in-telectual ou politicamente. Entre uma nobreza forjada e as permanências de posições de proeminência na atualida-de, observamos formas de produção e reprodução de hierarquias, sustentadas a partir de uma sociedade que tem a desigualdade como um aspecto estru-tural e estruturante desde os seus pri-mórdios.

Ainda nos paralelos entre um on-tem e um hoje, o desenvolvimento de uma civilização tropical nos revela outra face dessa mesma tendência de negação da nossa trajetória e perma-nência da segregação como um proje-to político de coesão das elites. A pro-dução de uma Paris no Rio de Janeiro das Cortes Imperiais era apenas uma peça de um xadrez que convergia uma forte tentativa de apagamento da afri-

canidade no Brasil, da influência dos povos indígenas e da própria experiên-cia colonial enquanto forjadora de um país. No processo de escrita de uma História do Brasil nos marcos do Ins-tituto Histórico e Geográfico (IHGB), o mito das três raças representou não somente uma forma de olhar o passa-do, mas uma verdadeira maneira de fazer o presente e aspirar a um tipo de futuro, ao negar a condição de sujeito histórico dos explorados.

A produção de uma Paris no Rio de Janeiro das Cortes Imperiais era apenas uma peça de um xadrez que convergia uma forte tentativa de apagamento da africanidade no Brasil, da influência dos povos indígenas e da própria experiência colonial enquanto forjadora de um país

Essa mesma maneira de olhar o passado ainda predomina, tornan-do-se uma verdadeira amarra episte-mológica. No imaginário popular, ao falarmos de uma trajetória do Brasil, narrativas paradoxalmente impopula-res, isto é, individualizadas ou elitiza-das ainda predominam. Mesmo com a lei 10.639, a valorização do ensino de História enquanto objeto de pesqui-sa e reflexão, a ampliação no acesso à educação e tantas outras medidas que

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

A Rua Direita, principal artéria do Rio de Janeiro do período colonial. Gravura a lápis aquarelado de Thomas Ender, 1817-1818

Domínio público, Academia de Artes de Viena

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poderiam acarretar uma caminhada de desconstrução daquilo que parecia incontestável ou chancelado enquanto verdade absoluta, não trouxeram os resultados esperados. Entre Borba Ga-to[s], Getúlio[s] Vargas, Dom Pedro[s], Marechai[s] Deodoro[s] e Dom Sebas-tião, ainda lutamos para a promoção do devido reconhecimento a Abdias do Nascimento, Zumbi dos Palmares, André Rebouças, Luiz Gama, Teresa de Benguela e tantas outras figuras que merecem ser chamadas e consideradas como parte de uma História do Brasil.

O mito da cultura nacional

Desafiando-se em conceituar o termo “nação”, Hélio Jaguaribe, em O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, apontou para a existência de condições objetivas e subjetivas em sua confor-mação. Dentre os elementos encarados como “objetivos”, a cultura foi encara-do como um complexo somatório en-tre a “cosmovisão básica de um povo, a

língua e demais meios de significação e comunicação”, sendo um dos elemen-tos mais essenciais numa formação nacional. Neste sentido, seu lugar na constituição dos projetos de poder não pode ser menosprezado.

Até agora, a produção da História do Brasil e a construção de elementos de distinção social e cultural foram verdadeiras janelas que dão acesso a um problema ainda mais profundo. Os projetos de modernização e cons-trução de uma coletividade chamada Brasil estiveram sob as bases arcaicas e referências exteriores durante o século XIX. Contudo, a emergência de uma República que não rompeu estrutural-mente com tais características formati-vas deu segmento a um processo de ex-clusão sociocultural e reforço dos laços de dependência, com implicações em diferentes ramos da sociedade.

Essa breve fase de nossa reflexão se inicia nos portos. Foram neles que, diante da maior onda migratória da História Contemporânea, europeus

deixaram seu continente, recebemos não apenas braços de mão-de-obra, mas a materialização de um projeto de nação. Não foram apenas as inserções na agricultura e na indústria nascen-te que motivou o empreendimento importador de pessoas, mas a crença na alteração do quadro racial e social. À luz do racismo científico, negros e mestiços foram condenados ao desapa-recimento social, cultural, econômico e até potencialmente físico. Nas dico-tomias entre uma sociedade idealiza-da a partir de padrões eurocêntricos e uma realidade africanizada, forjada na escravidão, atabaques, capoeira e tantas outras manifestações foram con-sideradas casos de polícia, num amplo esforço de negação das origens e do protagonismo do continente negro na formação social brasileira.

Na pouco democrática República Brasileira, autoritarismo e cultura na-cional continuaram a andar de mãos dadas. Em nome da defesa de um tipo de fé, de um modo de vida e de um

Na pouco democrática República Brasileira, autoritarismo e cultura nacional

continuaram a andar de mãos dadas. Em nome da defesa de um tipo de fé, de um

modo de vida e de um tipo de organização social, massacres como a Guerra de Canudos marcaram negativamente

esta trajetória. Naquela ocasião, o forte sertanejo narrado por Euclides da Cunha foi

também condenado pela sua cultura, isto é, por desenvolver uma forma de inserção

social bastante própria

Flávio de Barros / Acervo Museu da República

400 prisioneiros em Canudos, 1897

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tipo de organização social, massacres como a Guerra de Canudos marcaram negativamente esta trajetória. Naque-la ocasião, o forte sertanejo narrado por Euclides da Cunha foi também condenado pela sua cultura, isto é, por desenvolver uma forma de inserção social bastante própria. O “fanatismo” atribuído aos homens e mulheres de Belo-Monte, liderados por Antônio

Conselheiro, não seria uma maneira de negar-lhes o direito ao exercício da religião a partir de sua experiência de vida? Em nome de uma espécie de enquadramento religioso, além de in-teresses outros, fez de uma parte do Sertão da Bahia virar pó, alvo de exal-tação por determinados segmentos in-teressados em negar-lhe a sua natureza de resistência.

Nos encontros e desencontros da História, a atualidade brasileira pro-duz novos Canudos e novos projetos de construção nacional a partir de princípios excludentes. Os novos serta-nejos hoje são representados por aque-les e aquelas que são alvo da intole-rância religiosa, como os movimentos de invasão aos terreiros e negação da religiosidade afro-brasileira ou mesmo manifestações islamofóbicas, ambas fruto de estereótipos cristalizados no imaginário de uma parcela significati-va da sociedade, aprofundados em con-textos políticos como o atual.

Na relação entre imigração e cul-tura, houve um retrocesso significativo nas políticas migratórias brasileiras, além da continuidade nas discrimina-ções contra venezuelanos, haitianos e outras nacionalidades presentes nos últimos anos. Em contrapartida, uma desproporcional política de portas abertas aos estadunidenses, represen-tando uma contradição frente à ten-dência restritiva daquele país em rela-ção aos demais povos americanos ao sul do Rio Bravo.

A luta por uma cultura nacional avançou ao longo de nossa História. Considerando o contexto político a partir dos anos 30, em meio a uma efervescência política e social, novos contornos nessa trajetória produziram marcas ainda visíveis na atualidade. Em Casa Grande & Senzala, publicado em 1933, Gilberto Freyre começou a desenhar um Brasil da harmonia ra-cial, da singularidade da experiência histórica e do louvor à miscigenação. Sem abandonar os determinismos ra-cistas, o autoproclamado “menino de engenho” pensou uma narrativa de

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Em Casa Grande & Senzala, publicado em 1933,

Gilberto Freyre começou a desenhar um Brasil da

harmonia racial, da singularidade da experiência

histórica e do louvor à miscigenação

Ilustrações do livro “Casa Grande&Senzala em quadrinhos” (Editora Global)

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Brasil a partir do encontro entre cultu-ras hierarquizadas, cujos lugares políti-cos e sociais também estariam relacio-nados com tal condição.

Mais do que uma interpretação de país, o pensamento freyreano reforçou os laços entre Brasil e Portugal. A idea-lização da experiência colonial brasilei-ra contribuiu tanto para uma concep-ção benigna da escravidão como tam-bém para uma defesa da singularidade do empreendimento lusitano. Este apego a um passado completamente deturpado levou ao Brasil defender abertamente o moribundo Império Português até seus últimos momentos de vida nos anos 70. Apesar da derro-cada de tal concepção enquanto motor da inserção internacional brasileira, a crença de uma sociedade democrática racialmente ainda move algumas con-cepções exteriores sobre o Brasil, como bem alertou Kabengele Munanga em História da África e relações com o Brasil.

As sobrevivências da democracia racial, do ponto de vista cultural, estão refletidas das mais diferenças manei-ras. O apelo ao “brasileiro” enquanto uma categoria homogeneizante é re-corrente nos discursos de Jair Bolso-naro, ao se referir a negros, indígenas ou mesmo divisões regionais. A crença de uma unicidade transvestida de na-

cionalidade reforça a chamada ofensi-va cultural, negando a diversidade de identidades existentes no país, em luta, mais do que nunca, por suas afirma-ções e conquistas de direitos.

Culturas e Políticas

Ao não reconhecer a existência de fronteiras delimitadas ao político e, como René Remónd apontou, a sua possibilidade de diálogo com diferen-tes setores da atividade humana, nosso último passeio se dará no encontro en-tre Culturas e Políticas. Aqui a relação também é vasta. Em tempos de apro-fundamento neoliberal, o papel do Es-tado e as reações sociais frente a ele me parece um elemento interessante.

Dos anos 1930 pra cá, ao menos, a palavra “desenvolvimento” foi rela-cionada ao suposto interesse nacional, em muitos casos sem necessariamente dizer o que significa isso e como se che-gar a tal situação. Nesse caminhar no escuro, crescimento econômico, distri-buição de renda, reformas estruturais e tantas outras ações foram elencadas por diferentes atores políticos e inte-lectuais como parte dessa incessante busca. O papel do Estado foi um dos elementos mais polêmicos no interior dos múltiplos receituários. Seja como

um manipulador de incentivos, um organizador do processo ou outras po-sições, o lugar do público e do privado foi e a ainda continua a ser elemento de bastante divergência.

A corrupção foi mobilizada nes-se jogo. Esta que, como demonstrou Jessé Souza, vira e mexe é eleita como um dos principais problemas do país, acompanha a trajetória política brasi-leira há muitas décadas, tornando-se um problema real, mas de mobiliza-ções completamente antagônicas. Em uma das maneiras de lidar com a situ-ação, uma delas, que se tornou hege-mônica entre as elites e em boa parte dos setores populares, reside na relação entre patrimonialismo, corrupção e di-minuição do Estado. A inexistência de nítidas fronteiras entre o público e o privado, expressa na gestão da máquina pública a partir de interesses pessoais, é comumente relacionada ao chamado tamanho do Estado e suas atribuições na atividade social. Nessa perspectiva, o aparelho estatal é considerado como espaço privilegiado de uma corrupção também vista como endêmica, num problema que supostamente não teria outra solução senão cortar o mal (O Es-tado) pela sua raiz (suas atribuições).

Nessa narrativa, o combate à cor-rupção se transveste na defesa das pri-

A inexistência de nítidas fronteiras entre o público e o privado, expressa

na gestão da máquina pública a partir de interesses pessoais, é comumente

relacionada ao chamado tamanho do Estado (...) Nessa perspectiva, o aparelho

estatal é considerado como espaço privilegiado de uma corrupção também

vista como endêmica, num problema que supostamente não teria outra

solução senão cortar o mal (O Estado) pela sua raiz (suas atribuições)

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vatizações e na entrega das riquezas naturais como uma forma de equivo-cadamente salvar-lhes deste mal. Sob outra face, mas no interior do mesmo problema, a eficiência do Estado tam-bém é motor pra esse mesmo movi-mento. Em tempos de auxílio emer-gencial e no caos da distribuição do recurso, não é incomum ouvir de al-guns beneficiários estabelecerem rela-ção entre as debilidades desse processo e os bancos públicos.

“Roubalheira” ou funcionalidade, as duas faces de acusação do público pertencem frequentemente a mesma moeda da defesa da predação do se-tor privado. De forma consciente ou inconsciente, a possibilidade de con-quista e fortalecimento do Estado con-tra os mesmos corruptos é deixada de lado em favor de uma gradual entre-ga aos mesmos sujeitos, responsáveis pelo empreendimento de políticas an-tipopulares e do fosso social existente no país. Por essa via hegemônica, o combate à corrupção leva ao forta-lecimento do poder dos verdadeiros corruptores, sendo um dos principais desafios nossos a denúncia desse pro-cesso perverso.

Breves considerações finais e longos problemas

Entre um passado distante e ide-alizado, a negação da experiência re-cente e a crença de um presente em rupturas, o bolsonarismo constrói sua própria narrativa de Estado, sociedade e nação. Apesar das especificidades, muitas das questões colocadas, quando situadas sob um ponto de vista histó-rico mais profundo, não são novidades

e nem exceções, mas uma regra entre as perspectivas de projetos nacionais empreendidas pelas elites dominan-tes. Entre o ontem e hoje, formas de discriminação e negação dos agentes sociais e históricos que construíram este país foram manipuladas em prol de reflexões sobre uma cultura nacio-nal ou uma civilização de origem.

No Brasil no caminho do aprofun-damento neoliberal, da intolerância, do falseamento de seus conflitos, do apego ao passado colonial, da negação da escravidão e do racismo, da xenofo-bia dirigida a determinados povos, em contrapartida da submissão à outros, uma política de resistência passa tam-bém por uma forte inserção nos deba-tes culturais, em defesa da pluralidade das identidades brasileiras e de denún-cia ao reacionarismo representado pe-los discursos e ações do atual governo e de seus apoiadores.

Se falar de culturas implica reco-nhecer seu diálogo com diferentes as-pectos da vida social, pensar a sua capa-cidade de intersecção com o político, o econômico e outras esferas implica em refletirmos profundamente sobre quem somos e o que queremos. Pro-blematizar uma série de arcaísmos en-raizados em nossa sociedade significa iniciar a construção de um projeto de transformação social que tenha tam-bém no horizonte a transformação humana, pois, como bem demonstrou Edward Said, imperialismo e cultura andam de mãos dadas, sendo um desa-fio às forças progressistas enfrentarem as amarras ideológicas, discursivas e simbólicas que ainda jogam forte peso contra uma política de emancipação dos povos.

MATEUS SANTOS é historiador e militante do PT Bahia

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Foto: Rafael Kennedy/Mídia Ninja

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por Marcos Jakoby

Em 1922 completa-se o centenário da fundação do primeiro partido comunista no Brasil. A efeméride certamente ensejará muitos debates e balanços das lutas dos comunistas no Brasil. Aqui nos referiremos a comunistas num sentido ainda mais amplo, para além daqueles que pertencem a organizações denominadas formalmente de comunistas, mas no sentido de todos aqueles que lutam por uma sociedade sem classes e sem Estado

E m 1922 completa-se o cen-

tenário da fundação do primeiro par-tido comunista no brasil, o PCB. Par-tido que continua presente na vida política do país, assim como o PC do B, que também reivindica sua origem e história, até que em 1962 ocorreu a cisão formando dois partidos distin-tos. Outras organizações vieram e se foram. Ocorreram muitas idas e vin-das. Derrotas e vitórias. A efeméride certamente ensejará muitos debates e balanços das lutas dos comunistas no Brasil. Mas aqui nos referiremos a comunistas num sentido ainda mais amplo, para além daqueles que per-tencem a organizações denominadas formalmente de comunistas, mas no sentido de todos aqueles que lutam por uma sociedade sem classes e sem Estado. Aquilo que muitos também denominam de socialismo avançado.

Nesse sentido, há diversas orga-nizações políticas, correntes, grupos, coletivos, intelectuais, movimentos sociais que lutam por construir uma sociedade comunista, uma sociedade emancipada de toda forma de explo-ração e de opressão. Mas no alvorecer desse centenário, quais são os dilemas e desafios postos? Arriscamo-nos aqui a pontuar alguns deles.

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Alguns desafios dos comunistas em 2022

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No contexto histórico de funda-ção do PCB, o movimento comunis-ta no país e no mundo tinham uma convicção de que o futuro pertenceria aos trabalhadores, que a revolução e a transição socialista eram uma questão de tempo, que mais cedo ou mais tarde viriam ao encontro da classe trabalha-dora. Havia muito de otimismo nesse aspecto. Muita confiança na capacida-de transformadora do proletariado e das camadas populares. As contradi-ções do capitalismo criariam as condi-ções objetivas para que, em determi-nado momento, quando as janelas da história se abrissem, dar-se-ia início a edificação de uma nova sociedade.

Hoje, embora as contradições te-nham se desenvolvido a um ponto muito maior, a desconfiança da mili-tância de esquerda sobre a capacidade da classe trabalhadora, de suas van-guardas e sobre suas organizações polí-ticas são muito grandes. São conscien-tes das crises econômicas geradas pelo capitalismo, das enormes desigualda-des sociais que engendram, das guerras que criam, dos constantes ataques às liberdades democráticas e à soberania dos povos, da destruição ambiental ge-rada por um sistema econômico orien-tado pela taxa de lucro, da utilização do racismo, do machismo, LGTBfobia, da xenofobia e outras opressões para manter a dominação capitalista. São conscientes de que uma ruptura com esse sistema, uma transição socialista e a sociedade comunista é o caminho para superar esses problemas, mas, paradoxalmente, têm muitas dúvidas de que seja possível. O lado de lá tem muita força, a dominação ideológica e a hegemonia cultural seriam quase intransponíveis, a fragmentação e a desorganização do lado de cá seria um obstáculo quase intransponível a um projeto global de ruptura com o siste-ma capitalista.

A que se deve a essa crença de que é quase impossível a construção de

uma sociedade comunista? Julgamos ser uma conjunção de vários fatores. Um deles foi o desmoronamento da URSS e do socialismo de tipo soviético no leste europeu que teve um impacto colossal sobre o movimento comunis-ta no mundo todo. A tal ponto de ide-ólogos burgueses falarem em “fim da história”, isto é, fim da luta de classes e do socialismo como uma alternati-va de ordem social. Viveríamos então uma “época de prosperidade, liberda-de e paz”. Muitos sucumbiram a essa ofensiva ideológica e política, que se operou por meio da implantação do neoliberalismo. Ademais, para muitos, abria-se um caminho para um mundo unipolar, em que o imperialismo esta-dunidense governaria o mundo com a força das armas, da dominação cultu-ral e ideológica e do seu capital, sem resistências à altura.

A situação, contudo, alterou-se sig-nificativamente desde então. Em 2008, presenciamos uma grave crise econô-mica/fianceira, uma brutal e crescente desigualdade social, uma concentração e centralização do capital nunca vista antes, inúmeras guerras e conflitos mi-litares, golpes e ataques às liberdades democráticas, ressurgimento da extre-ma-direita, crise ambiental e sanitária, surgimento de novas potências que ri-valizam com os EUA e um cenário de profunda instabilidade política.

Contudo, essa alteração e a situa-ção de profunda de crise não foi acom-panhada de um correspondente ascen-so do movimento socialista, enquanto uma alternativa política de saída para a crise. Isso deve-se há várias razões, mas entre elas está a vitória ideológica e po-lítica imposta pelo capital no período

No contexto histórico de fundação do PCB, o movimento comunista tinha uma convicção de que o futuro pertenceria aos trabalhadores, que a revolução e a transição socialista eram uma questão de tempo, que mais cedo ou mais tarde viriam ao encontro da classe trabalhadora

Movimento Comunista, órgão do partido, 1923

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anterior. Portanto, uma das grandes tarefas dos comunistas é reconstruir as condições subjetivas, entre elas uma disputa ideológica e cultural de massas.

Disputa essa que os partidos socia-listas e comunistas investiam pesada-mente nas primeiras décadas do século XX. A agitação e a propaganda do co-munismo – ou do socialismo avançado - era feito por uma miríade de jornais, escolas, teatros, círculos de estudos, música e atividades culturais engaja-das, literatura socialista, valorização do debate teórico e uma formação de uma cultura militante e combativa, ancorada numa perspectiva de que o capitalismo produz as condições obje-tivas e materiais para a sua superação.

Cem anos depois, essas condições objetivas estão muito mais evoluídas. O desenvolvimento científico e tecno-lógico, da produtividade do trabalho, da centralização do capital e a sociali-zação da produção chegaram a níveis elevados. Por seu turno, as contradições também ganham uma dimensão enor-me. Enquanto a capacidade produtiva atinge patamares altíssimos, uma imen-sa parcela da humanidade é empurrada para o desemprego estrutural e para a pobreza. Ou seja, assistimos à produção da miséria em meio abundância. Nun-ca se produziu tantas riquezas como no século atual, mas o que vemos é cada vez mais a ampliação de parcelas das so-ciedades capitalistas excluída do diretos mais elementares, enquanto de outro lado um punhado de transnacionais ca-pitalistas concentrarem quase a metade da riqueza mundial.

Se o desenvolvimentos das forças produtivas hoje oferece melhores con-dições para que se produza riqueza su-

ficiente para satisfazer as necessidades básicas dos membros da sociedade, o mesmo não se pode dizer do movi-mento socialista e comunista não vem construindo as condições subjetivas ne-cessárias para que na existência de situ-ações extraordinárias as aproveite para colocar esse desenvolvimento a serviço de amplas parcelas da sociedade e dar início a construção do socialismo.

As dificuldades não se restringem à dimensão cultural e ideológica já mencionada. A classe trabalhadora, como principal sujeito e portador de um projeto histórico anticapitalista, modificou-se e adquiriu uma nova morfologia, e foi fortemente impacta-da pelo capitalismo de tipo neoliberal. Ela é hoje muito mais fragmentada e heterogênea, até mesmo porque existe uma proletarização de setores médios, enquanto que o setor fabril perdeu peso relativo. Nas últimas décadas, a classe que vive do trabalho assalariado tornou-se muito maior numericamen-te. Mas isso não significa necessaria-mente um aumento de sua força po-lítica. Até porque os setores que mais cresceram foram aqueles mais precari-zados, com poucos direitos, com me-nor tradição organizativa e, por conta de suas condições objetivas, com mais dificuldades de desenvolver a luta so-cial e política. Além do mais, laços de solidariedade e identidade de classe fo-ram muito fragilizados.

Nesse contexto, os comunistas tem outro desafio gigantesco: fazer aquilo que as gerações anteriores denomina-vam de “ligar-se às massas”, reconstruir os laços com a classe trabalhadora, com suas lutas cotidianas, com seus anseios, preocupações, reivindicações e a orga-

nização por local de trabalho, moradia e estudo. Compartilhar experiências, mas também conectar-se com suas no-vas formas de se organizar e de lutar. Organizações e partidos políticos im-portantes da esquerda têm em certa medida terceirizado isso a sindicatos e movimentos sociais. O resultado, de um lado, são lutas que carecem de um sentido político estratégico, fragmen-tadas e por vezes economicistas. De outro lado, partidos e organizações políticas que perdem contato com a realidade da classe trabalhadora, buro-cratizam-se e perdem a sua capacidade dirigente e hegemônica.

Portanto, uma das tarefas centrais dos comunistas é ser uma força políti-ca que seja protagonista, com a capa-cidade de influência sobre as massas trabalhadoras, na construção de um bloco histórico anticapitalista e socia-lista, com capacidade de disputar o po-der político. O que nos remete a outro grande desafio: a maioria da esquerda brasileira abriu mão de construir efeti-vamente uma estratégia que dispute o poder político. Ela se debruça, a bem da verdade, em elaborar táticas para se chegar ao governo, mas pouco formula de como isso será um ponto de apoio para a conquista do poder.

Mesmo uma estratégia que tenha a via institucional como aproximação da disputa do poder de Estado, numa perspectiva de “ser governo para ser po-der”, precisa também estar preparada para um enfrentamento revolucioná-rio. A classe dominante não irá abrir mão de seu poder político e econômico sem resistência e de uma contrarrevo-lução. Isso é ainda mais verdadeiro na realidade brasileira, marcada pela pro-

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funda desigualdade social, de golpes e intensos ataques às liberdades democrá-ticas, de uma histórica dependência ao capital estrangeiro e de uma burguesia que sempre abraçou o reacionarismo. País onde qualquer mudança social, por mais moderada que seja, sempre é tradada pelas classes dominantes, na prática, como revolução e comunismo.

Portanto, aqui temos uma batalha teórica e ideológica de grande enverga-dura a ser realizada, não somente na sociedade, mas nas fileiras da esquerda. Demonstrar o caráter de classe do Es-tado e de todos os seus aparatos, dissi-pando ilusões acerca da neutralidade e da possibilidade de um republicanis-mo efetivo nos marcos do atual Estado. Uma esquerda que pretenda construir transformações e reformas estruturais democráticas, populares e socialistas precisa estar preparada e disposta a mudar aparatos como o judiciário, o parlamento, o midiático e as forças ar-madas. São instrumento de poder das classes dominantes. A simples presen-ça da esquerda e um trato “republica-no” com os mesmos não muda o seu caráter de classe, forjado historicamen-te. Portanto, cabe à esquerda e as forças populares e democráticas disporem de uma política que altere sua estrutura, que exerça influência sobre elas e que dispute sua hegemonia.

Essa leitura do caráter de classe de Estado se assenta, como todos bem sa-bem, numa interpretação baseada em pressupostos teóricos marxistas. Resi-de aqui, a meu entender, uma outra grande tarefa aos socialistas e comunis-tas: recuperar o marxismo como méto-do de compreensão da realidade e de orientação para a ação política.

O final dos anos 1980 e o decorrer dos anos de 1990 são caracterizados, en-tre outras coisas, pela defensiva estraté-gica do socialismo, acompanhada por um contundente movimento teórico e ideológico no sentido de encurralar o marxismo enquanto alternativa de in-terpretação da realidade social. Por ou-tro lado, foi um período marcado pela hegemonia neoliberal, que coincidiu com ascenso e grande influência do pensamento, inclusive sobre a esquer-da, do que comumente denominava-se de pós-modernismo.

Disseminou-se a reprodução acrí-tica de teses que buscavam caracterizar esse novo período histórico: fim das grandes narrativas, das ideologias, das alternativas sistêmicas e de qualquer herança do iluminismo. Para os pós--modernos, a ênfase se dá, sobretudo,

nos discursos, nas linguagens e na cul-tura, que dariam forma a sociedade. Desprezam noções como o conheci-mento totalizante, valores universa-listas como a igualdade e a ideia de emancipação humana geral; buscam se pautar pela ideia da “diferença” e de identidades particulares: como raça, gênero, etnia, sexualidade e suas res-pectivas lutas particulares e distintas contra as opressões, opondo essa pers-pectiva à uma visão de luta que arti-cules todas essas demais lutas sob uma ótica de classe e anticapitalista.

O pensamento teórico “pós-mo-derno” construiu uma crítica e uma desconstituição da noção de totalida-de, substituída pela noção de múltiplas realidades sociais, isto é, pela natureza fragmentada do mundo e do conheci-mento humano. As relações de classes

Uma esquerda que pretenda construir transformações e reformas estruturais democráticas, populares e socialistas precisa estar preparada e disposta a mudar aparatos como o judiciário, o parlamento, o midiático e as forças armadas.

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

Ilustração: Mazé Leite

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representariam apenas mais uma iden-tidade entre tantas outras. Desta manei-ra, as relações de classes no capitalismo já não teriam mais centralidade histó-rica. Para outros, não seria mais possí-vel nem se falar em classes sociais. Para estes, a existência de outros modos de dominação que não as relações de clas-se, outras desigualdades e lutas que não são de classe, seria uma demonstração prática de que o capitalismo, o qual possui as relações de classe como ele-mento constitutivo, não é um sistema totalizante. As lutas contra o racismo e a opressão de gênero transcenderiam as classes sociais e por isso não faria sen-tido adotar uma perspectiva classista para essas lutas.

Entretanto, para esses comprova-rem suas teses seria necessário demons-trarem convincentemente que não existe aspecto da vida social que não seja determinado pela lógica e pelos imperativos do capitalismo. É possível afirmar que essas lutas possuem pou-cas chances de saírem vitoriosas, se não assumirem também uma dimensão de classe e um caráter anticapitalista.

Isso se deve ao fato de que o capita-lismo tem uma enorme capacidade de absorver, se apropriar e reforçar desi-gualdades e opressões que ele não criou, mas que se utiliza delas para assegurar sua dominação e exploração. Vejamos a opressão de gênero: ela existe muito an-tes do capitalismo surgir, ele é capaz de se utilizar dessa desigualdade para tirar tanto benefícios econômicos como po-lítico-ideológicos. Econômico quando, por exemplo, paga às mulheres um sa-lário menor num determinado empre-go equivalente ao do homem. Político e ideológico, quando se aproveita dessa

desigualdade e dessa opressão para re-forçar cisões e divisões na sociedade, di-ficultando a construção da unidade e da solidariedade entre os trabalhadores/as e ainda ser capaz de oferecer cobertura ideológica para razões estruturais dos problemas sociais e econômicos.

Portanto, embora, especialmente a partir da crise de 2008, tenha havido um ressurgimento e crescente interesse pelo marxismo, é fundamental que os comunistas e socialistas e suas respecti-vas organizações realizem um trabalho sistemático e organizado de balanço das experiências de construção do socialis-mo, de análise do capitalismo contem-porâneo, das classes sociais e suas lutas, de formulação política-estratégica e de investigação de todas as dimensões da sociedade à luz do marxismo.

Como vimos, os desafios e tarefas dos comunistas são muitas e de grande envergadura. E certamente ainda há várias que nem mesmo foram men-cionadas aqui. Mas se pensarmos nos comunistas brasileiros de um século atrás, esses desafios eram tão ou mais difíceis: uma república oligárquica, uma classe trabalhadora assalariada ainda nascente e relativamente pouco numerosa, a falta de liberdades demo-cráticas, uma economia ainda predo-minante agrário-exportadora, a ausên-cia de direitos sociais e trabalhistas, en-tre outras características. Mas essa rea-lidade não impediu que trabalhadores se organizassem, lutassem e sonhassem com a superação do capitalismo e com a emancipação da classe trabalhadora e de toda a humanidade.

MARCOS JAKOBY é professor e militante do PT

os comunistas tem outro desafio gigantesco: fazer

aquilo que as gerações anteriores denominavam

de “ligar-se às massas”, reconstruir os laços com

a classe trabalhadora, com suas lutas

cotidianas, com seus anseios, preocupações,

reivindicações e a organização por local

de trabalho, moradia e estudo. Compartilhar

experiências, mas também conectar-se com suas novas formas de se

organizar e de lutar

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por Yuri Soares

ntes de chegar a 1922 é pre-ciso registrar que as lutas populares em nosso território começaram bem antes. Desde 1500 indígenas resistem das mais diversas formas, assim como os negros escravizados trazidos à força em muitas ocasiões se rebelaram e se aquilomba-ram. Rebeliões de todo tipo ocorreram no período colonial assim como no pe-ríodo imperial.

No início do século XX o Brasil vi-via sob o regime de uma jovem repú-blica, cuja estrutura já nascera velha em

1889, chamada de Primeira República, República Velha ou República das Oli-garquias. O país era comandado e admi-nistrado por uma elite latifundiária que dividia o poder entre si de forma oligár-quica. Uma incipiente burguesia urba-na comercial e industrial começava a despontar, sem ameaçar a hegemonia dos latifundiários. Setores médios se res-sentiam com o sistema político e eram representados por oficiais militares de baixas e médias patentes, movimento que ficou conhecido como tenentismo

no início da década de 1920. Campo-neses, que nesta época representavam a maior parte da população, assim como a nascente classe trabalhadora urbana, estavam completamente alijados da construção da macropolítica.

A concentração do poder nas mãos das elites não significa que isso se desse de forma pacífica e amigável. Havia dis-putas entre suas frações, com interesses diversos, sobre os rumos dos estados e do país. Estas disputas por vezes ocor-riam de forma violenta. Influenciados

A criação do Partido Comunista em 1922

A

Fundadores do PCB em 1922: Manoel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres e José Elias da Silva (de pé, da esq. p/ dir.); Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro (sentados, da esq. p/ dir.).

Foto: João da Costa Pimenta

Carimbo da foice e martelo usado nas publicações do período

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Um elemento importante no período foi a vinda de trabalhadores estrangeiros para o Brasil desde o período do Império. Muitos desses imigrantes saíram do script previsto para eles pelos poderosos de então. Trazendo conhecimentos e experiências de lutas de seus países, passaram a se organizar em defesa dos seus direitos. Muitos eram socialistas e anarquistas, e organizam uma Greve Geral em 1917 em São Paulo

por um positivismo autoritário e tecno-crata, os republicanos haviam inserido na bandeira do Brasil o lema “Ordem e Progresso”, que é, em suma, a defesa de um desenvolvimento conservador.

Voltando ao povo, o crescimento das cidades criava as bases para abalar essas velhas estruturas políticas. Segun-do a prefeitura de São Paulo

O último censo do século XIX

registrou um período de crescimen-

to vertiginoso para São Paulo, que

então se transformara numa cidade

de 240.000 habitantes. Antigas cháca-

ras ao redor do núcleo histórico da

cidade eram loteadas e a área urbana

se expandia continuamente. Ferro-

vias faziam a ligação com o interior,

onde se produzia o café, e com o

porto de Santos, por onde ele era ex-

portado. São Paulo se firmava como

o mais dinâmico centro comercial e

financeiro da Província.1

Outras cidades também passavam por diferentes estágios de crescimento urbano. Nesta época os trabalhadores buscavam sobreviver exercendo os mais diversos ofícios: nos comércios, nas fá-bricas, nas ruas realizando todo tipo de trabalho informal e “bicos”.

Um elemento importante no pe-ríodo foi a vinda de trabalhadores es-trangeiros para o Brasil desde o período do Império. Fruto da soma do plano de uma elite governante que buscava atrair a mão de obra de imigrantes para embranquecer a população, e da difícil e empobrecida situação que estes traba-lhadores viviam na Europa, muitos des-ses imigrantes saíram do script previsto para eles pelos poderosos de então. Tra-

1 Censo de 1900. Disponível em: < http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php>

zendo conhecimentos e experiências de lutas de seus países, passaram a se orga-nizar em defesa dos seus direitos.

Muitos desses militantes eram so-cialistas e anarquistas, corrente política que possuía muita relevância no final do século XIX e início do século XX. Eles organizam uma Greve Geral em 1917 em São Paulo, tendo ocorrido também em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Não somente os estrangeiros se engaja-vam nestas lutas. Em 1918 é realizada a Insurreição Anarquista de 1918 no Rio de Janeiro. Seus líderes José Oiticica, As-trojildo Pereira, João da Costa Pimenta e Agripino José eram todos brasileiros.

Em 1917 a Revolução Russa in-fluencia lutadores por todo o mundo, incluindo o Brasil. Sodré afirma que “com o proletariado no poder, num país das dimensões da Rússia, rasgava-se horizonte muito mais amplo, por toda

Trabalhadores paralisados em SP, 1917

1 Censo de 1900. Disponível em: < http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php>

Wik

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parte, nas lutas operárias”2. Astrojildo Pereira e João da Costa Pimenta, junto com outros militantes anarquistas, fun-dam em 1919 no Rio de Janeiro o “Par-tido Comunista do Brasil”, ainda sob inspiração anarquista, apesar do nome.

Tratava-se, na realidade, de uma

organização tipicamente anarquis-

ta, e a sua denominação de ‘Partido

Comunista’ era um puro reflexo, nos

meios operários brasileiros, da pode-

rosa influência exercida pela revolu-

ção proletária triunfante na Rússia,

que se sabia dirigida pelos comunis-

tas daquele país. O que não se sabia

ao certo é que os comunistas que se

achavam à frente da Revolução Rus-

sa eram marxistas e não anarquistas.3

Santos analisa o avanço da organi-zação desta organização:

Em abril de 1919 os organizado-

res do partido convocaram represen-

tantes de outros grupos anarquistas,

que se intitulavam comunistas, para

participarem da Conferência Comu-

nista que ocorreria em fins de junho

no Distrito Federal. Foi realizada en-

tre os dias 21 e 23 de junho e compa-

receram 22 delegados dos estados do

Rio de Janeiro, Alagoas, Pernambu-

co, Minas Gerais, Paraíba, São Paulo

e Rio Grande do Sul. Entre os dele-

gados eram 17 brasileiros natos, três

mulheres e o restante eram estran-

geiros que viviam há muito tempo

no Brasil. Essa conferência também

foi considerada como congresso de

fundação da organização libertária.

Segundo Edgard Leuenroth foi uma

2 SODRÉ, 1984, p. 38.

3 PEREIRA, 2012, p. 72.

“assembleia de todo o movimento

anarquista do Brasil”. A primeira

reunião ocorreu no Centro Cosmo-

polita e foi acompanhada por cente-

nas de operários. Foi aprovado um

programa do partido, redigido por

José Oiticica, intitulado Princípios e

fins do comunismo. Um longo docu-

mento, muito bem organizado, divi-

dido em itens em que a organização

defendia a necessidade da extinção

do Estado, de toda autoridade reli-

giosa, da propriedade privada e das

leis. Os meios de produção, como as

fábricas, pertenceriam aos operários.

As necessidades gerais é que ditariam

o tempo de trabalho. A produção se-

ria armazenada e distribuída a cada

indivíduo de acordo com suas neces-

sidades. As decisões políticas seriam

decididas em assembleias públicas.

Com base nesse documento, José Oi-

ticica publicou seu Catecismo Anar-

quista.4

Entre 25 e 27 de março de 1922, na cidade de Niterói (RJ), se reúnem dele-gados representantes de grupos comu-nistas de São Paulo, Rio de Janeiro, Por-to Alegre e Recife. Os delegados eram: Astrojildo Pereira (jornalista), João da Costa Pimenta (gráfico), José Elias da Silva (sapateiro), Cristiano Cordeiro (contador), Joaquim Barbosa (alfaiate), Luís Peres (vassoureiro), Hermogênio Silva (eletricista e ferroviário), Manuel Cendon (alfaiate espanhol) e Abílio Ne-quete (barbeiro libanês). Estes fundam o Partido Comunista do Brasil (PCB).

A transição política para o comu-nismo marxista-leninista não ocorreu de forma rápida, inclusive com perma-

4 SANTOS, Hamilton Moraes Theodoro dos. 2020, p. 158-159.

nências do período anterior. Segundo Toledo “O sindicalismo revolucionário abandonou a cena histórica, mas não sem deixar marcas, influenciando a his-tória posterior do movimento socialis-ta, anarquista e comunista”5.

Registrado o partido em março de 1922, ele gozou de pouco tempo na le-galidade, sendo cassado já em julho do mesmo ano. Só retornaria à legalidade novamente na década de 20, também por um curto período, de janeiro a agosto de 1927.

O Partido Comunista nasce com um marcado internacionalismo, o que o diferenciava dos demais agrupamen-tos políticos. Isto seria uma marca cri-ticada, denunciada e utilizada como ar-gumento para a perseguição ao partido em diversos momentos de sua história.

Ao se debruçar sobre a história do internacionalismo comunista e socialis-ta, Michael Löwy aponta duas questões para explicar os motivos pelos quais ele é estratégico, uma de ordem filosó-fica: “O comunismo é um movimento internacionalista em razão do caráter universalista e humanista de seus ob-jetivos” e outra de ordem materialista: “ele tira sua força política de condições objetivas, concretas e materiais (...): a unificação econômica do mundo pelo sistema capitalista”6. Löwy avança dialo-gando com Lukács sobre a análise dialé-tica da totalidade não permitir uma separação do “nacional” e do “interna-cional” como parâmetro de pesquisa e de ação.

O Partido Comunista estabelece contatos com a Internacional Comu-nista. Envia um delegado, Antônio Ber-

5 TOLEDO, Edilene, 2004, p. 123.

6 Löwy, 1998, p. 2.

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A classe trabalhadora passou a ter um partido político estruturado, organizado nacionalmente, com capacidade não somente de formular sobre a realidade nacional, utilizando o materialismo histórico, mas passava a ter um instrumento concreto para agir e transformar a realidade

nardo Canelas, ao IV Congresso da IC no final de 1922, realizado em Moscou. Sua participação não obteve muitos resultados, sendo o PCB aceito apenas como simpatizante da IC. Sobre a parti-cipação de Canelas, Pacheco aponta que

Em Moscou, na reunião da IC,

defende a ideia de que nosso gênero

de socialismo é neutro em moral, po-

dendo o partido brasileiro ter como

membros elementos maçons, protes-

tantes, católicos. Defendeu as teses re-

formistas franceses e dos anarquistas.

Esta posição de Canelas se contrapu-

nha radicalmente aos princípios do

PCB, pois este fundara suas bases no

grupo de vanguarda marxista que ha-

via se distanciado do anarquismo.7

Tendo expulso Canelas em 1923, o PCB completará sua integração à Inter-nacional Comunista em 1924, ano da criação do Secretariado Sul-Americano da IC. O processo de bolchevização do PCB ainda levaria algum tempo, um processo acompanhado pelos comunis-tas argentinos. Segundo Lima:

Mesmo timidamente, e estando

a América Latina fora do centro de

preocupações de Moscou, a partir de

1922 a IC, por meio da representação

dos argentinos, procurava construir

informações acerca da América Lati-

na e do Brasil. O repertório de dados

que a IC construiu sobre a região

seria útil em 1928, quando ocorreu

uma inflexão no interesse soviético

na região.8

7 PACHECO, 1984, p. 93.

8 LIMA, 2019, p. 76.

Muito se falou a respeito dos erros cometidos neste processo de bolchevi-zação: diminuição da democracia inter-na, burocratização, análises equivoca-das a respeito da formação econômica e das classes sociais do Brasil9 e uma subordinação cada vez maior às diretri-zes oriundas de Moscou. Estes erros em muitas situações levavam a estratégias e táticas equivocadas e, consequentemen-te, derrotas do partido e da classe.

No entanto, pouco se fala que mes-mo esses erros traziam consigo, de for-ma dialética, alguns pontos positivos que representaram avanços. A classe

9 Como a teoria de um suposto caráter semifeudal do país, que pressuporia alianças com setores da burguesia para realizar primeiro a etapa democrático-burguesa da revolução brasileira.

trabalhadora passou a ter um partido político estruturado, organizado na-cionalmente, com capacidade não so-mente de formular sobre a realidade nacional, utilizando o materialismo histórico, mas passava a ter um instru-mento concreto para agir e transformar a realidade. É preciso tomar o cuidado, como diz o ditado, de não jogar fora o bebê junto com a água suja do banho.

Se não totalmente superados, pelo menos alguns desvios, fraquezas e in-suficiências do período anterior foram minimizados com a fundação do PCB: o ecletismo e a indefinição ideológica, o taticismo, o regionalismo e a incapa-cidade de atuação em longo prazo. As lutas até então se davam de forma re-

BICENTENÁRIOESPECIAL

As bandeiras vermelhas, tela de Helena Vieira da Silva, 1939

Reprodução

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gional, com sindicatos e organizações políticas conseguindo se articular de forma municipal ou estadual. As tenta-tivas de articulação nacional das lutas até então haviam sido frágeis e pouco duradouras. Internacionais então, mais frágeis ainda.

Criado o PCB, a adesão dos setores mais avançados politicamente da classe trabalhadora não se deu de forma auto-mática e instantânea. Não bastava ser o representante no país da Internacional Comunista e tampouco a chancela so-viética. Durante muitos anos o partido disputou os corações e mentes da classe trabalhadora com os anarquistas, socia-listas e posteriormente com os traba-lhistas e mesmo com os setores conser-vadores. Não foram poucos os méritos do partido para que este conseguisse ocupar um lugar destacado nas lutas da classe trabalhadora e na história do Brasil.

Após as várias divisões que o co-munismo brasileiro sofreu ao longo do século XX, há longo debate a respeito de qual partido seria “o verdadeiro Par-tido Comunista herdeiro de 1922”. Os espólios políticos, assim como as he-ranças materiais deixadas por parentes abastados, são motivadores de disputas. Tal qual Salomão, creio ser sábio dizer que toda a esquerda socialista de hoje é herdeira daquele partido, mesmo os que tentam renegar seus antepassados.

Todos e todas que seguem hoje le-vantando as bandeiras do socialismo e do comunismo, devem muito aos erros e acertos daqueles que, no início do sé-culo XX, ousaram fazer um importan-te giro político, do anarquismo para o comunismo. Ousaram constituir um partido político próprio para organizar,

conscientizar e lutar com e pela classe trabalhadora.

Além de uma análise criteriosa dos erros e acertos cometidos pelos comu-nistas de 1922 até os dias atuais, cabe dizer que muitos dos desafios colocados à época são ainda mais relevantes atual-mente. Analisando as lutas contempo-râneas do Brasil e do mundo, fica cada vez mais nítida a necessidade de um partido político para pensar e propor soluções e caminhos para a classe traba-lhadora. Não como mero ajuntamento de propostas setoriais, mas a partir de uma correta análise da formação eco-nômica e social do país, do continente e da divisão internacional do trabalho. Pensar a política em sua totalidade.

Em um mundo cada vez mais glo-balizado o internacionalismo, já pre-sente em 1922, se mostra cada vez mais necessário. Um movimento ou partido que esteja alijado das discussões e pro-blemas fora das fronteiras nacionais estará irremediavelmente isolado e não conseguirá sequer pensar e agir correta-mente em seu próprio país.

A formação política de seus filia-dos, a partir das mais diversas esferas que dizem respeito a estes, foi e segue sendo uma importante ferramenta para que o partido possa combater des-vios e ter uma atuação coerente junto à sociedade.

Assim como em 1922, a grande li-ção é a de que somente nós poderemos fazer por nós. Somente os trabalhado-res organizados em seu próprio partido estarão à altura de se transformar e de transformar o mundo.

YURI SOARES é professor de História da SEEDF

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REFERÊNCIAS

LIMA, Aruã Silva. A Internacional Comu-nista entre Argentina e México: exemplos de descompassos entre a Revolução Mun-dial e a classe trabalhadora (1917-1924). Revista Escrita da História, Ano VI, v. 6, n. 12, 2019.

LÖWY, Michael. O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais. São Paulo: Fundação Perseu Abra-mo, 1999.

PACHECO, Eliezer. O partido comunista brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa Omega, 1984.

PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB. 3ª Ed., São Paulo: Anita Garibaldi, 2012.

SANTOS, Hamilton Moraes Theodoro dos. A Insurreição Anarquista de 1918. Revista Crítica Histórica, v. 11, n. 21. 2020, p. 127-162.

SODRÉ, Nelson Werneck. Contribuição à história do PCB. São Paulo, Global, 1984.

TOLEDO, Edilene. Anarquismo e sindica-lismo revolucionário: trabalhadores e mi-litantes em São Paulo na Primeira Repú-blica. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

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surgimento da Primeira República, em 1889, este-ve relacionado com as transformações econômicas do fim do escravismo e com a instituição de uma nova forma de exploração do trabalho assalariado, que seria hegemônica somente tempos depois. É possível dizer que esse período foi uma transição entre a velha sociedade agrária e escravista e a nova sociedade urbana, industrial e assalariada. É nesse momento que

[..] que o capitalismo, nos países avançados, ingressou

em sua fase monopolista e se expandiu como imperialismo.

Tal expansão levou a burguesia daqueles países a investir ca-

pitais na construção de meios de transporte e de comunica-

ção em regiões como o Brasil, de modo a garantir o supri-

mento de matérias primas minerais e agrícolas necessárias às

suas indústrias e populações. Estradas de ferro, construídas

por capitais ingleses, cortaram o interior do Brasil. Os portos

do Rio, de Santos e de outras capitais provinciais, foram mo-

dernizados. As cidades que constituíam praças de transbordo

de mercadorias receberam benefícios da moderna civiliza-

ção, como avenidas e ruas mais largas, iluminação pública,

bondes, e algum tipo de saneamento básico. (POMAR, 2009,

p. 71).

As oligarquias agrárias, com o advento da República, um golpe militar, transformaram seu poder econômico em poder político, tendo os militares, com os governos Deodoro da Fon-

seca e Floriano Peixoto, como instrumento fundamental nes-se período inicial, para consolidação do regime republicano, ainda que as relações entre as oligarquias e as forças armadas não fossem em nada tranquilas, conforme intenção dos lati-fundiários de dissolverem o Exército para formarem milícias agrárias (conf. João Quartim de Moraes, 2005) e também pela disputa entre as chapas Prudente de Morais/Floriano Peixoto e Deodoro/Eduardo Wandenkolk, em que Deodoro e Floria-no foram os mais votados na eleição realizada pelo colégio eleitoral do Congresso.

Neste momento inicial da República, duas revoltas explo-diram, a Revolução Federalista, no Sul do país, cujas lideran-ças saudosas do escravismo reivindicavam maior autonomia da região, num sistema parlamentarista e federalista, e a Re-volta da Armada, por setores da Marinha que reivindicavam a restauração da monarquia e igualdade de condições dentro das forças armadas. A ação de Floriano Peixoto12 nesses epi-sódios consolidou a República, mas não foi suficiente para se sobrepor à classe economicamente dominante.

1 Para uma compreensão mais detalhada sobre o papel das forças armadas no cenário político brasileiro, ver A esquerda militar no Brasil, de João Quartim de Moraes (2005).

2 Floriano Peixoto expressou o denominado movimento “jacobino” no Brasil, republicanos radicais, positivistas, que defendiam um governo centralizado, a soberania nacional, um Estado laico, a proteção industrial e um nacionalismo popular, conf. Morais (2005). Esse movimento teve uma relativa importância no início da Primeira República, mas perdeu relevância após o governo de Floriano Peixoto.

por Leandro Eliel P. Moraes

As revoltas tenentistas no Brasil

O

As revoltas tenentistas no Brasil devem ser compreendidas no contexto de crise da República Velha (1894-1930) e, retrospectivamente, como mais um episódio da participação militar no cenário político nacional1. O próprio tenentismo tornou-se um dos principais fatores explicativos da crise da Primeira República

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A partir de 1894, com a eleição de Prudente de Morais, as oligarquias agrá-rias assumiram diretamente o controle político do país, inaugurando a deno-minada “política do café com leite”, em que as oligarquias paulistas e mineiras (e também as gaúchas) indicavam os candidatos às eleições presidenciais marcadas pelas fraudes, pelo controle político dos votos - o coronelismo e o “voto de cabresto”, em que os interesses regionais e particularistas predomina-vam sobre as perspectivas mais amplas de desenvolvimento nacional. A Consti-tuição de 1891 já expressava exatamen-te isso, um federalismo marcado pela política dos governadores. Além disso, a inexistência de um partido nacional e a predominância de partidos republica-nos regionais eram outros indicadores desse provincianismo das elites brasi-leiras, em que seus interesses econômi-cos imediatos se sobrepunham. Moraes

(2005) advoga que as tensões entre os militares e as oligarquias também se expressavam pela dicotomia entre as perspectivas de coesão nacionalistas e as agrárias e provincianas, ou, dito de ou-tra forma, entre um federalismo radical e um poder centralizado.

O tenentismo, como movimento político da jovem oficialidade do Exér-cito, está circunscrito a um curto perío-do do tempo, entre os anos iniciais de 1920 e 1930, das revoltas militares con-tra a institucionalidade até ao controle governamental pela Aliança Liberal de Vargas. O tenentismo pode ser dividido em dois momentos: sua fase heróica, entre 1922 a 1927, e sua fase de coopta-ção pelos setores políticos que fizeram parte da Revolução de 1930, conforme Lanna Júnior (2013).

Nessa fase heróica, [...] o tenen-

tismo, como movimento de conspi-

ração, pegou em armas para lutar

contra as oligarquias dominantes.

Nesse período, surgiu como única al-

ternativa aos anseios das classes mé-

dias populares. As mudanças tinham

de ser feitas pelas armas, o que teria

transformado os militares rebeldes

em vanguarda política da luta contra

o domínio oligárquico da burguesia

cafeeira e seus aliados. Entretanto,

esse foi um liberalismo de fachada.

Fundamentalmente, o tenentismo

se manteve fiel à defesa da ordem

e das instituições. Não tinha uma

proposta militarista no sentido do

governo militar, mas era elitista; pro-

punha a moralização política contra

as oligarquias cafeeiras. Os jovens ofi-

ciais seriam os responsáveis por essa

moralização, através da Revolução e

da entrega do poder para os políticos

considerados por eles como “hones-

tos”. Nesse sentido, destaca-se seu ca-

ráter elitista, que pregava a mudança

a partir de cima, sem a participação

das classes populares. (LANNA JÚ-

NIOR, 2013, p. 213).

Nessa fase heroica, três aconteci-mentos se destacaram: a Marcha dos De-zoito do Forte (1922), o levante de São Paulo (1924) e a Coluna Prestes (1925).

A Marcha dos Dezoito do Forte

A Marcha dos Dezoito do Forte ocorreu no Rio de Janeiro, em 1922, no Forte de Copacabana, local inicial de uma revolta que se estendeu por outras guarnições militares na capital, em Ni-terói e em Mato Grosso. Após atacarem alvos militares, os revoltosos sofreram uma reação do Exército e exigiram o fim das hostilidades e que receberiam apenas ordens do marechal Hermes como condição de rendição, o que não lhes foi atendido. Com a liderança de Si-queira Campos, os rebeldes que perma-neceram no Forte de Copacabana ten-taram resistir aos ataques e marcharam pela avenida Atlântica sob fogo cruza-do. Siqueira Campos e Eduardo Gomes foram os únicos sobreviventes, o que lhes conferiu, aos olhos do movimen-to, um destaque heróico. Nas demais guarnições rebeldes, as ações ficaram restritas a ameaças, movimentos ime-diatamente reprimidos ou sufocados e rendidos, como foi em Mato Grosso.

Sob governo de Epitácio Pessoa, as oligarquias se reagruparam diante da ameaça de rebelião militar, o que faci-litou a rápida repressão aos focos rebel-des e ao julgamento dos revoltosos.

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

O tenentismo, como movimento político da jovem oficialidade do Exército, está circunscrito a um curto período do tempo, entre os anos iniciais de 1920 e 1930, das revoltas militares contra a institucionalidade até ao controle governamental pela Aliança Liberal de Vargas

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111ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

O levante de São Paulo.

O Levante de São Paulo, ocorrido na capital, entre os dias 5 e 28 de ju-lho de 1924, foi parte do movimento tenentista contra as oligarquias que dominavam o poder político da Repú-blica Velha. O estopim desse levante foi a nomeação de Carlos de Campos para a presidência do Estado de São Paulo pelo governo federal de Artur Bernardes.

O movimento teria sido discu-

tido anteriormente entre os oficiais,

com a escolha de um chefe, o general

Isidoro Dias Lopes, e a definição das

bases regionais, que foram expressi-

vas em São Paulo e no Rio Grande

do Sul. Contou com a adesão de no-

vos aliados, como o major Miguel

Costa, da Força Pública paulista [...].

Iniciou-se na madrugada de 5 de

julho, nos quartéis militares de São

Paulo, em Pinheiros e em Quitaú-

na. A estratégia era reunir as tropas

rebeldes no Campo de Marte para

atacar e ocupar os principais prédios

públicos da cidade. No fim do pri-

meiro dia de combate, eles haviam

ocupado as estações da Luz, Soroca-

bana, do Brás e da Cantareira; O Ho-

tel Terminus, o 4º Batalhão de Caça-

dores, a estação transformadora da

Light, o Corpo-Escola e os quartéis

do 1º e do 2º batalhões de polícia, no

bairro da Luz. (LANNA JÚNIOR,

2013, p. 320).

Foram dias de intenso bombardeio sobre a cidade de São Paulo, especial-mente sobre o Palácio governamental Campos Elíseos e o centro da cidade, com um desfecho de centenas de mor-tos e milhares de feridos, num ambien-te de completa dispersão e confusão nos dois lados do combate.

Os rebeldes se viram em um

ambiente desordenado e agitado

pelas próprias ações. A liderança do

movimento oscilava entre o major

da Força Pública Miguel Costa e o

general reformado do Exército Isido-

ro Dias Lopes. A falta de informação

entre os comandantes criava situa-

ções inusitadas, como a rendição de

Miguel Costa por acreditar ter sido

abandonado pelo general Isidoro. A

carta de rendição não chegou à mão

do presidente do estado, Carlos de

Campos, pois este havia fugido de

São Paulo e nem mesmo os revolto-

sos sabiam da retirada do governo.

Surpresos. Eles tinham o controle

da cidade. Entretanto não estavam

preparados para isso. O movimento

objetivava uma revolução nacional.

(LANNA JÚNIOR, 2013, p.320).

O movimento aguardava um de-sencadeamento de inúmeras revoltas regionais para derrubar o governo fede-ral, o que não ocorreu. Em São Paulo, sem controle da cidade, foram inúme-ras as ocorrências de saques em arma-zéns pela população empobrecida. Inú-meras foram as tentativas de acordos de rendição das tropas rebeldes, sempre frustradas.

Apesar de ser um movimen-

to com características militaristas,

no tenentismo predominou um

caráter político. Tratava-se de um

movimento político que objetivava

tomar o poder na capital, inclusive

com articulações com setores ci-

vis. O movimento na cidade de São

Paulo possibilitou o envolvimento

com a população civil, que viu sua

rotina mudada. Assim, em 1924, to-

dos passaram a conhecer a situação

e tomar partido. O movimento teve

BICENTENÁRIOESPECIAL

A Marcha dos Dezoito do Forte ocorreu no Rio de Janeiro, em 1922, no Forte de Copacabana

Reprodução

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112 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

o efeito de dividir a classe dominan-

te, que não se mostrou homogênea.

[...] Para as classes produtoras, repre-

sentava a desordem, uma ameaça de

destruição material, como demons-

trou a Associação Comercial, inter-

mediadora do conflito e que desde o

início posicionou-se em favor do go-

verno. Para a Liga Nacionalista, for-

mada pela alta classe, o tenentismo

representava a “rebeldia de alguns

soldados brasileiros [...]”. (LANNA

JÚNIOR, 2013, pp. 322-323).

O movimento rebelde paulistano também contou com apoios em setores estudantis, operários e populares, com a organização de vários agrupamentos de apoio político e material. Em outras localidades do país, as tentativas de re-belião foram rapidamente sufocadas, com exceção de Manaus que, com ca-racterística mais popular, foi controla-da pelos rebeldes durante um mês na conhecida Comuna de Manaus. Mas, o apoio de setores da elite política não ocorreu como esperado. A revolução que pretendiam não era popular, seria uma revolução pelo alto.

Após discutirem sobre as alternati-

vas possíveis, entre elas a permanência na cidade e a reorganização do movi-mento em Campinas, os rebeldes, le-vando em consideração suas pretensões nacionais, resolveram fugir, partindo de trem na madrugada de 28 de julho, passando por Campinas, em direção a Bauru, constituindo a Coluna Paulista, que abrigou também a denominada Coluna da Morte, que era a retaguarda da coluna principal. Em seguida, com a liderança de Isidoro Dias Lopes e Jua-rez Távora decidiram atacar a cidade de Três Lagoas (MS), onde se localizavam as tropas legalistas. Os rebeldes foram derrotados e partiram para Foz do Igua-çu (PR), encontrando as tropas gaúchas lideradas por Luís Carlos Prestes, epi-sódio que marcaria o início da Coluna Miguel Costa- Prestes.

A Coluna Prestes

Se não houve uma coordenação si-multânea entre as diversas sublevações em variadas localidades do Brasil, no Rio Grande do Sul havia uma conexão, ain-

da que não simultânea, com o levante paulista. No dia 29 de julho, os rebeldes gaúchos ocuparam várias cidades, tendo o tenente Antônio de Siqueira Campos, sobrevivente da Marcha dos Dezoito do Forte, e capitão Luís Carlos Prestes liderando essas ações. Com as batalhas ocorridas nessa região, a necessidade de fuga para Foz do Iguaçu marca o início da denominada Coluna Prestes, que “[...] consistia em uma maioria de civis comandados por uma minoria de mili-tares”. (LANNA JÚNIOR, 2013, p. 329).

Com as experiências de derrotas an-teriores, a guerra aberta seria substituí-da pela guerrilha, o que permitiu que a coluna gaúcha marchasse em direção aos paulistas, em março de 1925. Na-quele momento, com a junção das tro-pas, havia duas alternativas: encerrar as batalhas militares ou iniciar uma nova fase. Para o general Isidoro Dias Lopes não havia possibilidades de avanço no campo militar, enquanto para Prestes, Juarez Távora, Miguel Costa, Djalma Dutra e Oswaldo Cordeiro de Farias o confronto militar continuaria. Esta úl-

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

LEVANTE DE SÃO PAULO

O movimento rebelde paulistano também contou com apoios

em setores estudantis, operários e populares, com a organização de vários agrupamentos

de apoio político e material

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113ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

tima foi a posição vencedora. Com a decisão tomada, a busca por apoios fi-nanceiros e militares permitiu o surgi-mento de novos focos de combate no Rio Grande do Sul, as “colunas relâm-pagos”, também impulsionadas pelas disputas locais, que coexistiram com a marcha principal.

“A Coluna Miguel Costa-Prestes, ou Coluna Prestes, era formada por um es-tado-maior e duas brigadas – a de São Paulo, com dois batalhões de caçado-res, e a do Rio Grande do Sul, com dois regimentos de cavalaria independen-tes” (LANNA JÚNIOR, 2013, p. 333), contando com cerca de 1.200 homens. Após cerco das tropas governamentais, os insurgentes passaram pelo Paraguai, adentraram o estado de Mato Grosso em 3 de maio de 1925, travando várias batalhas, seguiram por Goiás, em dire-ção ao Norte do país, sendo combatidos também por tropas locais arregimenta-das pelos latifundiários locais. Foi em Goiás que a Coluna encontrou sua ba-talha mais difícil, com muitas baixas e viu-se obrigada a se retirar.

O que se configurava como uma longa marcha de fuga, com ações guer-rilheiras, estava marcada pela dubiedade estratégica. Miguel Costa pretendia to-mar o poder político no Rio de Janeiro, enquanto Luís Carlos Prestes defendia a propagação da revolução pelo país. As condições de luta fizeram os rebeldes op-tarem pela segunda alternativa e, como consequência, Prestes assumiu a chefia do estado-maior. A Coluna foi dividida em quatro destacamentos, percorrendo as margens do rio São Francisco, Bahia, Goiás, Maranhão, Piauí, ainda em 1925, vivenciando conspirações internas, avan-ços e apoios importantes, acordos de tré-guas frustrados, insucesso no objetivo de abalar o poder político oligárquico, mas permanecia invicta. O governo não con-seguia desbaratar a Coluna.

No início de 1926, saindo do Piauí, a Coluna se deslocou pelo Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernam-buco. Neste período, entre o final de 1925 e início de 1926, os insurgentes encontraram seus melhores momen-tos, pois encontraram apoio políticos

localizados. A partir daí, com a chegada na Paraíba, encontrariam suas piores condições de batalhas e de manutenção das tropas. O governo federal, contando com apoio das oligarquias nordestinas e das policiais militares dos estados, possuía um contingente armado muito maior e mais preparado.

Na Bahia, entre março e abril de 1926, a Coluna enfrentou batalhas san-grentas e Prestes organizou uma enge-nhosa movimentação de suas tropas, que, marchando em direção a Minas Gerais, retorna a Bahia enganando as tropas governamentais que seguiram pelo estado mineiro. Sem conquistar seus objetivos, com o final do governo de Artur Bernardes, a Coluna Prestes, esgotada, com pouca capacidade béli-ca de resistência, organiza sua retirada atravessando os estados de Pernambu-co, Piauí, Goiás e, em outubro de 1926, Mato Grosso, dirigindo-se para a fron-teira com a Bolívia, permanecendo por lá até fevereiro de 1927, quando se re-fugiaram no país vizinho. A Coluna In-victa percorreu cerca de 25.000 km pelo país sem que as tropas governamentais pudessem derrotá-la.

BICENTENÁRIOESPECIAL

COLUNA MIGUEL-COSTA PRESTES. GUAÍRA, PR, 1924

A coluna estava marcada pela dubiedade estratégica. Miguel Costa pretendia tomar o poder político no Rio de Janeiro, enquanto Luís Carlos Prestes defendia a propagação da revolução pelo país

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114 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

As lideranças dos movimentos tenentistas, após a Coluna Prestes, se-guiram diferenciados caminhos. Uma grande parte se juntaria ao movimento da Revolução de 1930. Prestes, no exílio na Bolívia, Argentina e União Soviética, tornou-se um comunista e se transfor-mou na principal liderança comunista brasileira nas décadas seguintes. No iní-cio dessa trajetória, a recusa do convite a Prestes em liderar a Revolução de 1930 “consistiu evidente reconhecimento de que a causa ‘tenentista’ era portadora das melhores esperanças de regeneração po-lítica do país.” (MORAIS, 2005, p. 238).

As interpretações sobre o movimento tenentista

Sem a pretensão de esgotar as diver-sas interpretações sobre o tema, apoia-do em Lanna Júnior (2013), podemos classificar algumas interpretações sobre o movimento tenentista da seguinte forma: como expressão de um movi-mento de vanguarda dos setores mé-dios da sociedade, desembocando no caráter burguês da Revolução de 1930. Os representantes dessa tese são Nelson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe, Guer-reiro Ramos, Wanderley Guilherme e Edgard Carone; como movimento mi-litar, na lógica interna das forças arma-das, a partir de Vavy Pacheco Borges; a perspectiva de Boris Fausto, que defen-dia que “os oficiais rebeldes saíram das classes médias menos favorecidas, mas o Exército falava mais alto como insti-tuição que guardava certa autonomia” (p. 342) em relação à sociedade, não se tratando de uma relação direta entre os setores médios e o tenentismo. Para Bo-ris Fausto o tenentismo era defensor de

reformas pequeno-burguesas, mas não possuía uma base social.

Entre outras interpretações, desta-ca-se também a de José Murilo de Car-valho (1985), que, apoiando-se na teo-ria das “instituições totais”, de Goffman, aponta para a autonomia das forças ar-madas diante dos demais órgãos do Es-tado e, consequentemente, da autono-mia do próprio movimento tenentista, que expressava um processo de institu-cionalização do Exército na República Velha. Além disso,

[...] o tenentismo seria um fe-

nômeno de transição, dentro de

um processo político mais amplo,

de constituição do intervencionis-

mo militar. As bases desse processo

teriam surgido durante a Primeira

República, auge da intervenção con-

testatória e da gestão da intervenção

controladora. O tenentismo seria

um tipo de intervenção contesta-

tória, com fundamentos institucio-

nais, que teria contribuído para o

desenvolvimento de um outro tipo

de intervenção, a controladora. Esta

última explicaria a ação dos militares

em 1930, 1937, 1945 e 1964, quando,

ao ugar da política no Exército, ins-

titui-se a política do Exército. (LAN-

NA JÚNIOR, 2013, p. 343).

Edmundo Campos Coelho (1985), dialogando com Carvalho, aponta o movimento tenentista numa outra tran-sição, aquela que, diante da crise do Esta-do, alinhou o Exército aos interesses de frações das elites civis. As crises militares eram manifestações das crises do Estado.

Nas reflexões de José Maria Bello, na década de 1940, e com Maria Cecília Spi-na Forjaz, surgiram interpretações mais

mediadas, havia uma diferenciação de interesses entre os militares e civis, que se uniram no movimento tenentista. Os militares moveram-se muito mais pelas suas condições militares do que sociais, mas assumiram um papel de represen-tantes dos setores médios urbanos.

“[...] o tenentismo é liberal-de-

mocrata, mas manifesta tendências

autoritárias; busca apoio popular,

mas é incapaz de organizar o povo:

pretende ampliar a representativi-

dade do Estado, mas mantém uma

perspectiva elitista; representa os

interesses imediatos das acamadas

médias urbanas, mas se vê como re-

presentante gerais da nacionalidade

brasileira. (FORJAZ Apud LANNA

JÙNIOR, 2013, pp. 344-345).

Para Anita Prestes: “Os militares refletem em seu comportamento – ain-da que de forma peculiar e modificada, pelo fato de pertencerem à corporação armada – os conflitos e problemas que se desenvolveram na vida social e políti-ca da Nação.” (PRESTES Apud LANNA JÚNIOR, 2013, p. 345). Nesse sentido, os militares, considerados como uma camada social, expressavam interesses de uma camada urbana que não encon-trava no aparato político partidário for-mas de expressão próprias.

João Quartim de Morais compre-endia que os tenentes “eram militares de esquerda, convencidos de que só pela força podiam livrar o país das gar-ras da oligarquia, de seus políticos e de seus ‘coronéis’” (MORAIS, 2005, p. 214), criticando aquelas interpretações que concebiam o movimento como elitista. Quartim de Morais apontou o recruta-mento de voluntários em São Paulo du-

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rante as batalhas de 1924 como exem-plo dos equívocos dessa interpretação. Além disso, cita a manifestação de mi-litares anarquistas, no Jornal A Plebe: “não podemos, sem transgredir com nossos princípios, deixar de olhar o movimento revolucionário triunfante com a devida simpatia porque, vigoran-do os fins que o determinaram, muito aproveitamos na propaganda de nossos ideais de emancipação humana”. (Apud MORAIS, 2005, p. 220).

O autor também reconhecia os li-mites do movimento, como foi, depois de uma polêmica interna entre as lide-ranças, a recusa em armar a população durante o levante paulista. “Radical quanto às suas formas de luta, burguês quanto o seu horizonte ideológico, o ‘te-nentismo’ foi, sobretudo, extremamente consequente em seu combate antioligar-quico.” (MORAIS, 2005, p. 224).

Com todas as ambiguidades do mo-vimento tenentista, não há dúvida de sua relevância histórica. Com a Coluna Prestes adquiriu uma relativa expressão popular, ao mesmo tempo, expressava um sentimento de reforma moral típi-co dos setores médios, almejando cons-cientizar a população brasileira, mas, foi por ela conscientizada, conforme depoimento de Luiz Carlos Prestes (O Velho, Dir. Toni Venturi, 1997).

Wladimir Pomar, em Os Latifun-diários (2009), afirma que a oligarquia

dominante da República Velha admi-nistrou o Brasil como se fosse sua fa-zenda, não percebendo que o avanço mercantil e industrial alterava política e socialmente as estruturas da socieda-de brasileira, ainda tratando de maneira autoritária, como no escravismo, as ma-nifestações sociais.

Assim, quando o proletariado e

as camadas médias, que começaram

a desenvolver-se com maior intensi-

dade ainda no período da República

Velha, passaram a reivindicar direi-

tos econômicos, sociais e políticos, a

resposta das oligarquias dominan-

tes foi tipicamente a dos senhores

de engenho. Tratou-os como antes

tratavam aos escravos. A placidez

dos campos lhes dava tranquilida-

de e força. Apesar de Canudos e do

Contestado, a maior parte dos agre-

gados dos latifúndios ainda estavam

convencidos de viver pelo favor de

Deus e do senhor das terras em que

trabalhavam. E pouco ou nada fa-

ziam para mudar essa situação. Des-

se modo, as populações urbanas em

revolta viram-se quase sozinhas na

luta contra o domínio dos proprie-

tários territoriais. E quando, com a

Coluna Prestes, serpentearam pelas

áreas rurais, foram incapazes de in-

corporar seus moradores à luta e en-

grossar o movimento nacional por

mudanças. (POMAR, 2009, p. 72).

Se na República Velha as lutas po-pulares foram tratadas como caso de polícia e os setores médios e proletários não tiveram força diante da oligarquia rural dominante, a crise econômica do capitalismo, em 1929, potencializou a crise política e social existente no Brasil. As oligarquias se dividiram, e a Aliança Liberal se constituiu como um novo campo de dominação política, que pro-moveria alterações profundas no desen-volvimento econômico brasileiro, mas, mantendo suas estruturas políticas e sociais profundamente autoritárias, ou seja, a denominada “modernização con-servadora”.

LEANDRO ELIEL P. MORAES é historiador e militante do PT Campinas

REFERÊNCIAS:

LANNA JÚNIOR, M. C. M. Tenentismo e crises políticas na Primeira República. In: DELGADO, L. A. N. E FERREIRA, J. (org). O Brasil republicano: o tempo do libe-ralismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

MORAIS, J. Q. A esquerda militar no Brasil. 2ª ed. rev. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

O VELHO: a história de Luiz Carlos Pres-tes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Roteiro: Di Moretti. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997.

Pomar. W. Os latifundiários. São Paulo: Página 13, 2009.

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As oligarquias se dividiram, e a Aliança Liberal se constituiu como um novo campo de dominação política, que promoveria alterações profundas no desenvolvimento econômico brasileiro, mas, mantendo suas estruturas políticas e sociais profundamente autoritárias, ou seja, a denominada “modernização conservadora”

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Na luta de classes, algumas tarefas são extremamente complexas e exigem esforço de compreensão e organização. Talvez, uma das mais complexas delas seja a disputa dos setores médios, camada permeada de contradições, aspirações individuais e, ao mesmo tempo, um peso político que interfere na correlação de forças

O SUJEITO CONFUSO DA LUTA DE CLASSES: os setores médios ontem e hoje

Por Lucas Reinehr

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Manifestantes ocupam o lado externo do Congresso Nacional em Brasília durante as Jornadas de Junho de 2013

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117ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

ompreendo os “setores mé-dios” como as diversas fra-ções de classe e categorias compostas por pequeno-

-burgueses, profissionais liberais e as-salariados médios - trabalhadores não manuais cuja profissão carrega um sta-tus superior ao dos operários. A ação política destes setores é um fenômeno circunstancial, que resulta justamente da diversidade e das contradições pre-sentes nesta classe. Em determinados momentos da história, pendem para o lado de cá, e em outros momentos, para o lado de lá. Apesar da ambiguidade, um fato é inegável: historicamente os setores médios tiveram importância na luta política, independente de onde es-tejam.

Há quem diga que a classe média é “essencialmente fascista”. De Lorde Melbourne a Marilena Chauí, diver-sas foram as figuras que se debruçaram em análises culturais sobre as camadas médias, que de fato, carregam certa moralidade e valores de si próprios. Os setores médios, muitas vezes, são responsáveis pela ação política subser-viente à burguesia. No entanto, seria um equívoco afirmar que ideologica-mente as camadas médias convergem com a classe dominante. Objetivamen-te, na estrutura de classes, estes setores se situam apenas um degrau acima do proletariado, enquanto a burguesia se encontra no topo da escada. Ideologi-camente, não pensam igual a burgue-sia pelo simples motivo: enquanto a classe dominante sabe muito bem de que forma se dá a exploração, e justa-mente por isso garante a dominação, uma grande parcela dos setores médios acredita ingenuamente nos ideais me-

ritocratas difundidos, enquanto sonha em virar burguês. Mas isto não é re-gra: uma parcela mais intelectualiza-da e solidária dos setores médios sabe com o que coexiste, e justamente por isso estes setores também estiveram presentes no polo oposto. Seja no mo-vimento estudantil, no tenentismo,a fundação do Partido Comunista, ou em outros episódios da luta política, o fato é que as camadas médias tam-bém estiveram, ao longo da história, na construção da esquerda.

Nossa tarefa central, neste mo-mento da história, após termos sofrido derrotas estratégicas, é compreender o novo papel dos setores médios na luta política da esquerda. Mas esta ta-refa se torna ainda mais complexa: de 100 anos pra cá, não mudaram apenas a correlação de forças e as nossas rei-vindicações. Mudou também a própria configuração dos setores médios, que hoje são mais amplos, espalhados em mais regiões e reprodutores de uma subjetividade neoliberal. Além disso, as camadas médias de hoje são resul-tado das contradições dos processos políticos nos quais estiveram presentes nessa linha do tempo - seja para o an-

ticomunismo, seja na luta pelo socia-lismo.

Apesar de hoje, na recente conjun-tura, os setores médios, em sua maio-ria, estarem distantes da nossa luta, a batalha não está concluida. É nosso de-ver fazer com que esses sujeitos com-preendam o que está em jogo e quem é o verdadeiro inimigo: a burguesia. Ter os setores médios democráticos e po-pulares ao nosso lado é fundamental para o acúmulo de forças que vislum-bramos para a ruptura com o sistema capitalista e a construção do socialis-mo, protagonizados pela classe traba-lhadora.

Uma visita ao passado

Cem anos atrás, o Brasil passava por um importante período histórico, marcado por rupturas políticas que mais tarde resultariam em organiza-ção e reivindicações. A década de 20 do século XX pode ser descrita como um trajeto temporal demarcado por episódios importantes: a fundação do Partido Comunista, a Semana de Arte Moderna, as revoltas tenentistas e uma maior integração e participação dos se-

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Ideologicamente, os setores médios não pensam igual à burguesia pelo simples motivo: enquanto a classe dominante sabe muito bem de que forma se dá a exploração, e justamente por isso garante a dominação, uma grande parcela dos setores médios acredita ingenuamente nos ideias meritocratas difundidos, enquanto sonha em virar burguês

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tores médios não apenas nos assuntos da política, mas também no dia a dia da cidade. O tenentismo, por exemplo, se tornou símbolo dos anseios e reivin-dicações das camadas médias urbanas, que haviam se desenvolvido durante a República Velha e estavam desconten-tes com os oligopólios e a centralização política em pequenos grupos. Embora não houvesse uma relação tão orgâni-ca entre o movimento e os setores mé-dios representados por ele, foi através do tenentismo que estes setores encon-traram lideranças para levar adiante suas reivindicações.

Entre os principais anseios dos se-tores médios à época estavam a neces-sidade de maior participação política e a democratização do acesso a direitos básicos, como a educação. A expansão das escolas e democratização do ensino era vista por este segmento como um ponto essencial à adequação frente à expansão econômica, além de uma ga-rantia para ampliar a participação do povo através do voto. As oligarquias re-presentadas pela Política do Café com Leite também eram alvo de indigna-ção, pois impediam que esta parcela da população dividisse cargos e coman-dos. Neste sentido, devemos compre-ender que o apoio dos setores médios às revoltas tenentistas não possuía um caráter homogêneo e revolucionário - embora uma fração do movimento te-nha se juntado, mais tarde, ao Partido Comunista do Brasil. Num geral, tanto as revoltas tenentistas quanto o apoio das camadas médias urbanas vislum-bravam transformações imediatistas e reformas pequeno-burguesas. Concen-trava-se, portanto, na ruptura dos oli-gopólios e na revolta contra a centrali-

zação do poder. Nesse sentido, é possí-vel afirmar que apesar das limitações e do movimento tenentista não ter sido de fato vitorioso, foi importante para despertar a indignação que se manteve acesa em revoltas e reivindicações pos-teriores - principalmente para as cama-das médias e alguns setores populares.

Todo este cenário, que culminou em diferentes lutas e organizações, nos comprovam a veracidade de uma das características mais intrínsecas dos se-tores médios: sua ambiguidade. Luís Carlos Prestes, oriundo do movimento tenentista, percorreu importantes regi-ões do Brasil através da Coluna Pres-tes e tornou-se uma das maiores refe-rências comunistas da nossa história. Por outro lado, a maioria oriunda do tenentismo se juntou à Aliança Libe-ral, fazendo com que muitos dos ex-te-nentes se tornassem, posteriormente, interventores de Getúlio Vargas.

Assim como os tenentes, as cama-das médias urbanas seguiram o mes-mo ritmo das rupturas e contradições: boa parte tornou-se base de Getúlio Vargas, contentes com o fim da Políti-ca do Café com Leite e com algumas de suas reivindicações atendidas. Ou-tra parte, menor, seguiu os passos de

Luís Carlos Prestes e juntou-se ao PCB, que na época se consolidava como o primeiro partido de esquerda no Bra-sil. Sobre isto, vale ressaltar que algum tempo depois, nos anos 1930, impul-sionada especialmente pela União da Juventude Comunista, acontece a fun-dação da União Nacional dos Estudan-tes (UNE). A UNE, em seu cerne, assim como as demais organizações do mo-vimento estudantil brasileiro, foi uma expressão política à esquerda protago-nizada especialmente pelas camadas médias. Afinal, o acesso à universidade - e mesmo aos liceus e ginásios - naque-le período se restringia às elites e aos setores médios. Foi importante o papel cumprido pela Juventude Comunista, bem como de outras juventudes, na consolidação do movimento estudan-til como um agente de lutas que pauta-va mas ao mesmo tempo transgredia a temática da educação.

Mas se por um lado, os anos 1920 foram um período em que as cama-das médias urbanas obtiveram maior participação política e estiveram, em alguns momentos, ao lado da esquer-da, a década posterior, com oscilações, foi diferente. O ano de 1932 marcou a fundação formal da Ação Integralista

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É nosso dever fazer com que esses sujeitos compreendam o que está em jogo e quem é o verdadeiro inimigo: a burguesia. Ter os setores médios democráticos e populares ao nosso lado é fundamental para o acúmulo de forças que vislumbramos para a ruptura com o sistema capitalista e a construção do socialismo, protagonizados pela classe trabalhadora

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119ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Brasileira, partido político fundado em nosso país com base no fascismo italiano. Com grande participação de intelectuais e das camadas médias, a AIB, com seus “camisas verdes” foi uma breve expressão fascista em nosso país, combatida principalmente pelos comunistas e outros segmentos em uma Frente Única Antifascista.

A AIB teve como principal lide-rança Plínio Salgado - que 10 anos antes havia participado da Semana de Arte Moderna, sendo crítico ao moder-nismo em ascensão. Plínio, ao lado de outros intelectuais, jornalistas e pro-fessores de universidades brasileiras, impulsionou a ascensão destas ideias em nossa sociedade. Importante no-tarmos a participação de intelectuais da época nesse movimento, o que nos deixa uma certeza: fazer parte dos se-tores médios e ser intelectual não é sal-vo-conduta para ser de esquerda. Não é à toa que hoje, novamente, embora tenhamos uma parcela de professores universitários progressistas, há aqueles que servem como capachos e inclusi-ve interventores de Bolsonaro. Assim como, algumas décadas após o surgi-mento da AIB, na ditadura militar, a intelectualidade subserviente também cumpriu seu papel na modernização conservadora.

Embora o primeiro partido na-cional fascista tenha sido formalmen-te fundado em 1932, já havia iniciati-vas regionais e ensaios desta ideologia anteriormente. Um exemplo disso foi o ano de 1922, época de proeminên-cia das revoltas tenentistas, em que já ocorria a fundação da Legião Cruzei-ro do Sul - uma espécie de imitação do fascismo italiano. Outras iniciati-

vas regionais ocorreram em anos pos-teriores, porém, a criação e massifica-ção da AIB ocorreu na década de 30.

A adesão dos setores médios à ide-ologia integralista brasileira expressa a maleabilidade ideológica destes se-tores, que não custam a ser conquista-dos e convertidos de forma massiva a determinada crença. Historicamente, este envolvimento com ideologias na-zistas e fascistas - não apenas para as camadas médias, mas especialmente para estes, possui um caminho pare-cido. São reforçadas supostas amea-

ças aos valores cristãos, familiares e à ordem - normalmente representadas através do comunismo. Junto com isso, mobiliza-se um dos sentimentos mais viscerais destes grupos: o medo de empobrecer, e a crença de que o empobrecimento e a miséria, além da violência, virão dos comunistas e socialistas. Poderia ser ironia do desti-no pensar que uma mesma classe está suscetível a mudanças tão bruscas, se não fosse ironia de sua própria ambi-guidade, falta de consciência e contra-dições.

BICENTENÁRIOESPECIAL

Se por um lado, os anos 1920 foram um período em que as camadas médias urbanas obtiveram maior participação política e estiveram, em alguns momentos, ao lado da esquerda, a década posterior, com oscilações, foi diferente. O ano de 1932 marcou a fundação formal da Ação Integralista Brasileira, partido político fundado em nosso país com base no fascismo italiano

À esquerda, cartaz de divulgação da Coluna Prestes; à direita, cartaz do Movimento Integralista

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De lá pra cá

Das revoltas tenentistas ao inte-gralismo, do integralismo ao golpe militar, e do golpe militar à redemo-cratização, diversos foram os papéis políticos desempenhados pelos setores médios. Independente do lado em que estivessem e quais fossem suas reivin-dicações, fato é que as camadas médias protagonizaram importantes lutas ao longo da história do Brasil. Algumas, em conjunto com a classe trabalha-dora brasileira, contribuíram para a ampliação de direitos, das liberdades democráticas e da soberania nacional. Outras auxiliaram a burguesia no pro-cesso de modernização conservadora e legitimaram ofensivas autoritárias, an-tidemocráticas e entreguistas.

Nos anos 80, o PT é fundado como um instrumento da classe trabalhado-ra, criado na esteira da luta por mais direitos, melhores salários, condições dignas de trabalho e por mais demo-cracia. Junto do operariado urbano e dos trabalhadores rurais, estiveram na construção do partido intelectuais e outros profissionais liberais que per-tenciam aos setores médios. Parcelas das camadas médias, portanto, foram parte importante da fundação e conso-lidação do Partido dos Trabalhadores, especialmente em sua primeira fase mais “metropolitana”, quando o PT era presente em centros maiores. Com o passar do tempo, o partido se interio-riza, se populariza ainda mais e recebe cada vez mais apoio da sociedade bra-sileira, tanto das massas trabalhadoras quanto de amplas parcelas das cama-das médias. Apesar disso, essa adesão dos setores médios ao petismo não foi

unânime e homogênea, afinal, fazen-do jus à sua história, outras parcelas es-tiveram ao lado do neoliberalismo, re-presentados especialmente por Collor e FHC.

Como já afirmara Mercedes Sosa na década de 80, “todo cambia”; e com o passar do tempo mudou também a relação dos setores médios com o PT. Se em 2002, uma parte significativa do nos-so eleitorado e das nossas bases sociais pertencia aos setores médios urbanos progressistas, parece que os episódios mais recentes da política nos mostram que esse carnaval teve fim. Para com-

preendermos de que forma se portam os setores médios em relação à política hoje, devemos compreender também a reconfiguração pela qual esta camada passou nos últimos anos. O que alguns chamam de “nova classe média”, na ver-dade não passa de uma parcela da classe trabalhadora que emergiu, teve acesso a bens materiais e simbólicos e a um padrão melhor de vida. Este setor, que ascendeu socialmente através de nossas políticas, parece ser um dos setores que mais antipatiza com o PT hoje, e uma das principais bases de sustentação do bolsonarismo.

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

Nos anos 80, o PT é fundado como um instrumento da classe trabalhadora, criado na esteira da luta por mais direitos, melhores salários, condições dignas de trabalho e por mais democracia. Junto do operariado urbano e dos trabalhadores rurais, estiveram na construção do partido intelectuais e outros profissionais liberais que pertenciam aos setores médios

Fundação do Partido dos Trabalhadores

Foto: Juca Martins

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121ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

BICENTENÁRIOESPECIAL

Por outro lado, os setores médios tradicionais e intelectualizados que nos apoiaram e participaram de episódios da luta política décadas atrás expressam hoje uma espécie de frustração em re-lação ao PT. A não execução de refor-mas mais contundentes, como uma re-forma tributária, a reforma agrária, e o envolvimento de filiados ao partido em casos de corrupção, maximizados pela operação midiática e judicial, dividem este setor em alguns grupos: os apáticos que desistiram da política, os que aderi-ram ao Cirismo - e consequentemente ao antipetismo - e os que orbitam em partidos como PSOL, PSTU e outros. Além das camadas médias tradicionais progressistas, uma parcela conservadora também aderiu sem hesitação ao bolso-narismo e hoje tem sido base de susten-tação do governo.

Ainda alguns anos antes, quando Bolsonaro sequer era uma preocupa-ção, já era possível observar alguns sintomas dessa crise do PT com os se-tores médios. As mobilizações de 2013, impulsionadas e protagonizadas prin-cipalmente pelas camadas médias, ex-pressaram uma luta contraditória, de certa forma esvaziada e uma demons-tração de uma espécie de crise de legi-timidade pelo qual não apenas nosso partido passava, mas as instituições como um todo. A ofensiva da direita ao petismo, à esquerda e às nossas li-deranças, causaram nos setores médios uma descrença generalizada na polí-tica, dando lugar ao fatalismo de que “o Brasil é assim mesmo”. Faz parte da nossa lista de erros não ter investido em ações concretas e efetivas de po-litização das massas, com atenção às contradições dos setores médios e com

foco na importância da classe trabalha-dora como único sujeito capaz de revo-lucionar o Brasil.

Todos estes acontecimentos - que são apenas um esboço do que aconte-ceu desde a criação do PT até hoje - de-monstram algo recorrente: os setores médios são uma equação a ser resolvi-da. E sem a fórmula correta, voltam ao passado e fazem coro a novas formas de autoritarismo e ofensiva das elites.

Considerações sobre um setor em disputa

Diferente da compreensão pós-mo-derna que parece influenciar tanta gen-te nos dias de hoje, os setores médios não são um sinônimo da burguesia, se-quer são essencialmente fascistas ou es-sencialmente revolucionários. As cama-das médias são, com sua ambiguidade e de suas contradições, uma espécie de sujeito confuso na luta de classes, cuja moralidade e ignorância muitas vezes levam para o reacionarismo. Mas como a história nos mostra, esta não é uma re-gra. A ação política dos setores médios é fruto das circunstâncias do momento e, especialmente, da disputa de consciên-cia travada com estes setores. Apesar de possuir muitas aspirações individuais e de contribuir na difusão da ideologia

meritocrática, basta este setor cair do cavalo e a situação se altera.

O papel do PT hoje, e da esquerda como um todo, é retomar a confiança dos setores médios. E isso pode levar tempo, visto que o limbo mental em que muitos se encontram hoje foi construído há anos, e se intensifica ainda mais com a disseminação de fake news e outros pâ-nicos morais da era em que vivemos. O que não podemos, entretanto, é colocar os setores médios no mesmo balaio da burguesia, pois além de ser um erro do ponto de vista sociológico, acaba sendo também um erro político.

É nossa tarefa fazer com que as camadas médias enxerguem onde se situam e com o que coexistem. O agra-vamento da crise capitalista desenha a seguinte cena: os setores médios estão à beira de um penhasco, porém, quem os empurra para baixo não são os “co-munistas”, como a classe dominante quer que acreditem. Quem está prestes a dar o empurrão é a própria burguesia. Somente quando compreenderem isto e se juntarem à luta da classe trabalha-dora por outra sociedade, será possível se redimir com o passado e vislumbrar outro futuro.

LUCAS REINEHR é estudante de comunicação e diretor da UNE

As mobilizações de 2013, impulsionadas e protagonizadas principalmente pelas camadas médias, expressaram uma luta contraditória, de certa forma esvaziada e uma demonstração de uma espécie de crise de legitimidade pela qual não apenas nosso partido passava, mas as instituições como um todo

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Fora! Fu! Fora o bom burguês!…que assim seja a Semana de 2022

Semana de Arte Moderna de 1922, é necessário olhar para os vários tempos que compõem sua significação como marco histórico da cultura nacional. Como constructo cultural de múltiplas interpretações, o significado da Semana advém de um conjunto de determinantes presentes em seus antecedentes, em sua temporalidade histórica como evento e em seus vários e complexos momentos de revisitação como “fato histórico”

por Sônia Fardin

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

Pagu, Elsie, Tarsila, Anita, Eugenia, 1922. Revista Perspectiva, São Paulo, 1975

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A semana de Arte Moderna de 1922, na realidade, teve três dias de ativi-dades no Teatro Municipal de São Pau-lo: em 3 de fevereiro (segunda-feira), houve mostras de pinturas e esculturas e uma conferência de Graça Aranha, in-titulada “A emoção estética da Arte Mo-derna”; em 15 de fevereiro (quarta-fei-ra) participou Guiomar Novaes, figura que destoava dos artistas modernistas, executando clássicos e foi aplaudida. Na sequência, palestra de Menotti del Picchia sobre os novos escritores, rece-bendo muitas vaias, aplausos e ruídos diversos como miados, latidos, grunhi-dos, relincho (parte da encenação?). Em seguida Ronald de Carvalho declama Os Sapos, poema de Manuel Bandeira, efusiva crítica ao parnasianismo. No último dia, 17 de fevereiro (sexta-feira) foi a vez de apresentações musicais de Villa-Lobos, com público reduzido, o músico entrou de casaca, mas com um pé calçado com um sapato, e outro com chinelo; o que foi entendido como ges-to futurista que provocou enorme vaia. Depois o músico informou que estava com um calo inflamado e não se tratou de ato político.

Olhando somente para essa progra-mação, a mostra foi apenas um evento. Para falar sobre a icônica Semana de Arte Moderna de 1922, é necessário olhar para os vários tempos que com-põem sua significação como marco histórico da cultura nacional. Como constructo cultural de múltiplas inter-pretações, o significado da Semana ad-vém de um conjunto de determinantes presentes em seus antecedentes, em sua temporalidade histórica como evento e em seus vários e complexos momentos de revisitação como “fato histórico”.

Sem dúvida o evento ocorrido en-tre 13 e 17 de fevereiro de 1922 foi, na origem, organizado para amplificar um desejado logro publicista para nomes, obras e princípios políticos que se anun-ciavam como vocalizações da ruptura com um determinado passado descrito por: atraso técnico, subordinação cultu-ral aos cânones coloniais e ausência de uma subjetivação local. As causas estru-turais desses condicionantes do “atraso” não fizeram parte do roteiro da ruptura que, entre aplausos e vaias, subiu ao pal-co do Teatro Municipal de São Paulo.

Os méritos do evento como ato inaugural se devem mais aos vários mo-vimentos e publicações que se deram nas décadas seguintes, e que qualificam esses três dias como um dos aconteci-mentos que espelham as contradições de seu tempo.

Assim, a Semana foi sendo trans-mutada em uma verdadeira instituição nacional, um dos “fatos” constitutivos da consolidação cultural de uma nação (moderna ou não) e de um povo bra-sileiro, termos que abrigam múltiplos enfoques e debates.

Nestes quase cem anos de existên-cia, nos meios institucionais, midiáti-cos e editoriais, a Semana segue sendo aplaudida e vaiada. Sua significância oscila de acordo com a forma como suas contradições internas se afinavam ou não com as sutis utilidades das cele-brações culturais oficiais; ou seja, sob os efeitos de como cada novo tempo reedi-ta velhos embates políticos.

Nos estudos acadêmicos também tem recebido análises diversas, cada vez mais como um fenômeno cultural obri-gatório no estudo do campo cultural,

BICENTENÁRIOESPECIAL

Grupo organizador da Semana de Arte Moderna de 1922, com Oswald de Andrade à frente (sentado no chão)

Foto: Arquivo Brasil

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124 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Tarsila do Amaral soma-se ao grupo pouco mais tarde

e, com Mário de Andrade, Oswald

de Andrade, Anita Malfatti e Menotti del Picchia, forma

um grupo mais constante que ficou

conhecido como o “Grupo dos Cinco”

em especial nos meandros das relações entre a atuação e o papel do intelectual artista na vida política brasileira. Tema bem atual. O propósito deste artigo é dialogar com Semana sob essa temática.

Vamos aos antecedentes, as imbri-cadas tensões dualistas dos temas que marcaram o período: o nacional e o es-trangeiro, o novo e o atraso, o clássico e o popular, as urgências e as debilidades das dinâmicas culturais que adensavam o cenário urbano em industrialização crescente.

Uma breve descrição das trajetórias de alguns de seus protagonistas dá a ver o quão mesclada em origens e fusões ét-nicas e sociais a Semana foi forjada.

Em 1912, Oswald de Andrade, de família classe média alta paulista, retor-na da Europa com uma companheira francesa, mãe de seu primeiro filho. Na temporada europeia tomou conheci-

Tarsila do Amaral, ao fundo uma de suas obras mais icônicas: Operários (1933)

Foto: Reprodução (biografias.inf.br)

mento do Manifesto Futurista de Mari-netti, de 1909 que entre outras ousadias propunha “Não há mais beleza, a não ser na luta”. Em São Paulo Oswald estuda direito e organiza O Pirralho, jornal crí-tico à pintura nacional, marcadamente acadêmica.

Em 1913, o judeu lituano Lasar Se-gall chega a São Paulo e exibe seu tra-balho, que flerta com o expressionismo. Leva seus quadros também para Cam-pinas, um dos centros econômicos do estado.

Em 1914, Anita Malfatti, filha de pai italiano e mãe de origem alemã e nacionalidade americana, após retor-nar da Europa, faz uma primeira expo-sição em São Paulo; no ano seguinte viaja novamente para estudar nos Esta-dos Unidos; em 1917 retorna ao Brasil e realizada a segunda mostra, declara-damente moderna, que foi considerada

um dos marcos do movimento. Como tudo do núcleo modernista, a mostra se deu entre aplausos e execrações, sendo a mais destrutiva a de Monteiro Lobato.

No mesmo ano de 1917, Mário de Andrade, filho de família proletária paulista, e que já era bacharel em ci-ências e letras, forma-se como pianista no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e publica sob o nome de Mário Sobral o livro sobre a guerra, Há uma gota de sangue em cada poema, em que questiona: “Porque? Si o mundo é bom, a vida boa: si a luz é para todos, se as campinas dão para todos: porque viver, lutando atoa?...”

Em 1918 os dois Andrade se co-nhecem e tornam-se amigos. Em 1921 Oswald, que sempre soube o papel cru-cial da imprensa na disputa por ideias, escreve artigo que proclama Mário como “Meu poeta futurista”; assim for-

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jou sobre Mário, e todo o grupo, um es-tigma que renderá muitas laudas entre afirmar e negar o rótulo que os vincu-lava a um movimento novo, de caráter radical e combativo, mas feito no velho mundo do qual os novos daqui dese-javam distinguir-se. Mas essa não foi a principal contradição originária do mo-vimento.

A Semana de 22, embora tenha sido realizada no ano do centenário do Grito do Ipiranga, foi sem dúvida orga-nizada para causar ruídos dissonantes aos que entoavam o hino da celebração de independência. Ou seja, não preten-dia ser mais um gesto laudatório do po-der, pelo contrário. Porém, sua imedia-ta captura pelo novo poder econômico da aristocracia paulista é sua principal contradição de origem.

Em seus primeiros anseios, como observa Lúcia Lippi Oliveira, para o movimento

“Era preciso inventar a autenti-

cidade (...) o mito da pureza cultural

se acopla ao espírito do povo, popu-

lar passa a ser o lócus da autenticida-

de (...) se caracteriza pelo combate

ao passado, pela elaboração de uma

estética adequada à vida moderna

e pela captação da realidade atual

entendida como a vida urbana e in-

dustrial que tinha São Paulo como

exemplo máximo” (OLIVEIRA, p.

189-190, 1997).

Afirmar o nacional autêntico tam-bém era desejo da elite econômica pau-lista, que não era mais predominante-mente agrária, e acelerava a multiplica-ção de atuações capitalistas. Na esfera política, o desenho democrático da jo-vem república já dava sinais de defici-

ência para gerenciar interesses diversos e por vezes conflitantes de capitalistas, rentistas, tenentistas e artistas. Muito mais ainda para a classe trabalhadora.

Por decorrência da expansão ca-pitalista, milhares de trabalhadores de origens étnicas e culturais diversas também organizaram publicações, as-sociações, partidos, teatros, festas, mobi-lizações e greves. Estes, fisicamente, não faziam parte das redações, salões, cafés e galerias onde circulava a intelectuali-dade modernista, mas estavam cada vez mais retratados nesses espaços como objetos de debates e temáticas de edito-riais e mostras pictóricos.

No cenário internacional, avanços no campo das comunicações e transpor-tes faziam chegar cada vez mais rápido os novos rumos trilhados por outros povos, nas artes, na técnica e na políti-ca. Nos anos finais da década de 1910, da Europa chegavam perguntas deixa-das sem respostas pela guerra, assim como também a inquietante afirmação com que o povo russo introduziu a re-volução comunista no vocabulário das possibilidades políticas, que no Brasil ganha sigla e face pública com a funda-ção do Partido Comunista do Brasil, em 1922.

Em meio a isso, o embate concei-tual sobre a defesa de uma produção cultural nacional, em contraposição a submissão aos cânones estrangeiros, se deu atravessado pela realidade de uma população culturalmente diversifica-da, não apenas entre o operariado e os trabalhadores do campo. Também nos setores médios, que trabalhavam na es-fera intelectual stricto sensu, alguns pró-ximos da alta burguesia, atuando como escritores, jornalistas, fotógrafos, profes-

sores, pintores, arquitetos e engenhei-ros. Ou seja, o estrato social que suava para produzir os produtos concretos do modernismo, mas não se percebiam como parte do proletariado, ou seja como classe trabalhadora.

Os nomes mais presentes são: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Al-meida, Agenor Barbosa, Plínio Salgado, Cândido Motta Filho e Sérgio Milliet (escritores e poetas); Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz (pintores); Victor Breche-ret e W. Haeberg (escultores); Antonio Moya e George Przirembel (arquitetos). Do Rio de Janeiro se aproximaram Ma-nuel Bandeira, Renato Almeida, Villa--Lobos, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreyra e Sérgio Buarque de Holanda.

Tarsila do Amaral soma-se ao gru-po pouco mais tarde e, com Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Menotti del Picchia, forma um grupo mais constante que ficou conhecido como o “Grupo dos Cinco”. Diversos grupos modernistas, revistas e manifestos foram criados no intento de estruturar um campo de atuação profissional para produção de conhe-cimento e práxis cultural: Movimento Pau-Brasil, Movimento Antropofágico, Grupo modernista-regionalista de Reci-fe, Movimento Verde-Amarelo e Escola da Anta. Também variadas publicações: Klaxon (1922), Estética (1924), A Revista (1925), Terra Roxa e Outras Terras (1926) e Revista de Antropofagia (1928).

Idealizada para ser um evento, a Semana realmente se multiplicou em ações catalisadoras de energias e inte-resses distintos, em grande parte sob o guarda-chuva do nacional popular.

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126 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Porém, o evento de 22 só ocorreu com as dimensões que teve, porque contou com recursos financeiros obtidos de e por Paulo Prado; grande parte de seu próprio bolso e de outros que ele capi-taneou. Quem sustentou as condições financeiras para realização retumban-te da semana foi um membro de tradi-cional família de cafeicultores paulista. Sem esse financiamento, a Semana não teria as mesmas condições de pro-gramação, produção e inserção na im-prensa como evento relevante, mesmo que sob contestação e críticas.

A adesão desse membro do capital agrário-industrial tem seu peso na ava-liação do caráter disruptivo real com o passado colonial, embora não tenha comprometido os desdobramentos fu-turos que desembocam na vinculação política ao campo progressista e mes-mo à esquerda de alguns de seus pro-tagonistas. Há certo consenso na clas-sificação da cronologia do movimento iniciado em 1922, tendo 1930 como divisor de água para a escolha de cami-nhos políticos.

Nesse aspecto, é significativo que, em 1928, três de seus próceres publi-quem obras em que expressam os mo-dos de entender e os projetos para o Brasil e o “povo brasileiro”. Mário de Andrade publicou seu mais emble-mático romance, Macunaíma, em que transborda a vocação arguta do popu-lar ao construir narrativas como: “A máquina não era deus não, nem pos-suía os distintivos femininos de que o herói gostava tanto. Era feita pelos homens.”

No mesmo ano, Oswald lançou o Manifesto Antropofágico no número inaugural da revista Antropofagia, de-

clarando “Queremos a revolução Ca-rayba, maior que a revolução francesa. A unificação de todas as revoltas efica-zes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua declara-ção dos direitos do homem (...)”

Sem dúvidas, dois ápices da trilha de um modernismo em direção ao povo, cada um a seu modo, ocupado em desvendar e retratar a realidade na-cional buscando estar na porção insub-missa aos esquemas do capital.

Em sentido totalmente oposto, no mesmo período desses mergulhos mo-dernistas nas contradições na história brasileira, Paulo Prado, o financiador da semana, escreveu entre os anos de 1926 e 1928, Retrato do Brasil: Ensaio sobre a Tristeza Brasileira. Trata-se de um compêndio rebuscado de concei-tos elitistas, machistas e racistas, em-polando um linguajar pretensamente vanguardista, que não deixa esconder seu lugar de herdeiro de fortuna escra-vagista, para quem, mesmo sob a égi-de do republicanismo que se almejava inovador, o negro seguia sendo não somente um problema, mas quase um culpado pela sua sorte e pela desgraça dos destinos nacionais. Prado pensava que:

“O mal porém, roía mais fundo.

Os escravos eram terríveis elmento de

corrupção no seio das famílias. As ne-

gras e mulatas viviam na prática de

todos os vícios. (…) começavam a cor-

romper os senhores moços e meninas

dando-lhes as primeiras lições de liber-

tinagem. Os mulatinhos e crias eram

perniciosíssimos. Transformavam as

casas, segundo a expressão consagrada

e justa, em verdadeiros antros de de-

pravação.” (PRADO, 1981. p. 103)

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

De cima pra baixo: capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, autoria de Di Cavalcanti; Manifesto Antropofágico e capa do catálogo da exposição

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É desse lugar de classe que Prado conclui em seu livro que a urgência para o Brasil era a “renovação total”, diante da possibilidade de ascensão de um “frequentador de cafés, como Le-nin”. Aflições e desejos que antecede-ram o que o Estado Novo lhe deu ao assegurar a continuidade da lógica da acumulação para ricos, baseada na ló-gica da exploração da maioria pobre, e a cadeia para quem questionasse tal ordem.

As três produções citadas são con-temporâneas, gestadas no bojo do pri-meiro período do modernismo, realiza-das por intelectuais orgânicos presentes dentre os que ajudaram a agregar as condições objetivas e subjetivas para o evento cultural de 22, mas em 1928, cada qual em sua condição de classe se via face a face com realidade concreta da vida material que cindia seus mun-dos: os donos do poder e os trabalhado-res, da fábrica, da lavoura e da cultura.

Sobre o papel do intelectual nesse período Lahuerta afirma,

“Uma intelectualidade que, mes-

mo marcada pelo industrialismo e pelo

maquinismo (...) não é capaz de reco-

nhecer plenamente a importância da

classe trabalhadora emergente. No es-

sencial, a intelectualidade modernista,

mesmo suas figuras mais radicais, pre-

sa a uma visão de cultura tradicional

e preocupada em construir a cultura

nacional, quando “foi ao povo”, o fez

esperando encontrar nas manifestações

populares uma matéria-prima pura e

dotada de autenticidade, à qual caberia

dar forma final mediante um trabalho

de síntese eminentemente intelectual. A

política, essa atividade, quando a exer-

ceram, continuaria a se dar nos marcos

dos partidos oligárquicos. Basta notar

que, pelo menos até 30, os próceres do

modernismo se mantêm na órbita desses

partidos (Oswald no PRP; Mário de An-

drade e Sérgio Millet no PD). Depois de

30, há uma “politização” das questões

culturais e o tema da modernização fica

integralmente subsumido ao da constru-

ção de um projeto nacional.” (LAHUER-

TA, p. 97, 1997)

Num primeiro momento de balan-ço na década de 1940, quando a Semana completou vinte anos, Mário e Oswald, manifestaram total ciência dessa condi-ção. Mário em 1942, afirmou

“E tempo houve, até o momento

em que o Estado se preocupou de exigir

do intelectual a sua integração no corpo

o regime, tempo houve em que, ao lado

de movimentos mais sérios e honestos,

o intelectual viveu de namorar com as

novas ideologias do telégrafo (...) na

verdade, os homens de pouca vergonha

aparecem em qualquer época, muito

embora as condições sociais do intelec-

tual contemporâneo e o adubo dos impe-

rativos econômicos estejam se demons-

trando muito favoráveis à proliferação

de semelhantes cogumelos (ANDRADE,

M., p. 187, 1974)

Em 1944, em evento em Belo Ho-rizonte, a convite de Juscelino Kubits-chek, Oswald declara;

“É preciso compreender o moder-

nismo com suas causas materiais e fe-

cundas, hauridas no parque industrial

de São Paulo, com seus compromissos de

classe, no período áureo burguês do pri-

meiro café valorizado, enfim com o seu

lancinante divisor das águas que foi a

Antropofagia, nos prenúncios do abalo

mundial de Wall Street. O modernis-

mo é um diagrama, da alta do café, da

quebra e da Revolução Brasileira” (AN-

DRADE, O. p. 83, 2003)

As análises de Mário e Oswald, nos anos 1940, dão a ver questões que atra-vessam toda a história da produção cul-tural brasileira. Assim como no século XIX os imperadores destinavam bolsas de estudos na Europa, a exemplo da que recebeu Carlos Gomes, os republicanos no início do século XX patrocinavam eventos modernistas, bolsas de estudos, viagens, revistas e coleções de arte.

Nos anos 1930 de forma mais acen-tuada, o aparato do Estado passou a organizar mecanismos para capturar criadores culturais, tanto sob a forma de aliciamento, silenciamento e encar-ceramento. Mas, sempre encontrou re-sistências.

O financiamento do trabalho cul-tural pela elite econômica é uma das mais antigas permanências na história, a cada tempo recolocando suas nuances e contradições. Contudo, esse exercício de poder nunca foi garantia de total su-bordinação por parte dos trabalhadores criadores, embora sempre tenha sido exercido pelas classes dominantes como uma prática explícita para demarcar li-mites e colocar sob condição de tutela os trabalhadores da cultura.

Como todo constructo social, o mo-dernismo --enquanto ação disruptiva de uma forma cultural ultrapassada-- não se deu fora da ordem sistêmica, portan-to não pode ser analisado apenas em sua face mais aparente, de movimento artístico, mas como resultante das fric-ções entre as múltiplas determinações da infraestrutura e a superestrutura.

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128 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Muito menos, a Semana de 22 ser mitificada como seu máximo advento. Podemos afirmar que houve uma úni-ca Semana de 22, mas nunca um único modernismo, nem mesmo entre os que subiram juntos no palco daqueles dias de fevereiro de 1922. Segundo Almeida (2015), tampouco é possível pensar o modernismo no Brasil a partir somente dos movimentos sulistas, marcadamen-te paulistas, nem apenas a partir do evento de 1922. Como questiona Foot Hardman:

“Modernismo, qual? Dos artis-

tas de 1922 ou do 1900? Da geração

de 1930 ou de 1870? Dos comunistas

de 1922 ou do movimento operário

socialista e libertário das décadas pre-

cedentes? Dos arquitetos acadêmicos

ou dos engenheiros de obras públi-

cas? Dos “tenentes” dos anos 1920 ou

dos abolicionistas e republicanos de

meio século antes? Dos poetas me-

tropolitanos ou dos seringueiros do

Acre? Dos fios telegráficos da Comis-

são Rondon ou dos índios rebeldes?

De Mário e Oswald de Andrade ou

de Mário Pedrosa e Lívio Xavier? Da

revolução “técnica” ou da revolução

“social”? Dos nacional-integralistas

ou dos bolchevistas? Do Manifes-

to Antropófago ou do Primeiro de

Maio? (FOOT HARDMAN, p. 186,

2009)

É possível destacar alguns momen-tos em que a Semana foi revisitada de forma a evocar algumas facetas míticas, a exemplo do já citado discurso de Oswald em 1944, em Belo Horizonte a convite de Juscelino Kubitschek, situado num campo de enfrentamento aos contornos políticos finais do Estado Novo.

Nas décadas de 1950 e 1960, acer-vos modernistas adentraram aos mu-seus, em 1952 e 1962 recebeu a ho-menagem em exposição no Museu de Arte Moderna, este um museu criado pela elite paulista em 1948 ainda sob os impactos da Semana e seus flertes com os donos do capital.

Já em 1972, como apresentado pela pesquisa de Roselis de Napoli (1980), as comemorações do sesquicen-tenário da independência foram pró-digas em associar o ideário da ditadu-ra militar com o heroico patriotismo dos modernos de 1922, inclusive com um selo postal oficial. Os gestores das festividades do sesquicentenário es-vaziaram toda e qualquer perspectiva historiográfica analítica, fazendo uso da memória cultural descolada de seu processo histórico, para servir a um projeto civil-militar de subordinação da indústria nacional ao imperialismo americano.

A cada década a Semana vem sen-do reapresentada sob novo formato; além de incontáveis exposições, livros, artigos e teses, já foi tema de peças, fil-mes e minissérie de tevê. Em 2003 foi editada A Caixa Modernista, organizada por Jorge Schwartz, uma espécie de museu portátil com trinta reprodu-ções de itens eleitos pelo autor como ícones do modernismo brasileiro. Um produto caro, que tornou-se um item raro, para colecionadores.

Em 2012, o Museu Afro Brasil rea-firmou o caminho de Mário como pes-quisador, com a exposição Mário: Eu sou um Tupi Tangendo um Alaúde. 90 anos da Semana de Arte Moderna; tempos recen-tes, de museus plurais e comprometidos com diversidade de nossa gente.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Emiliano César de. Retatro paulista do Brasil: Paulo Prado, o modernismo e a Se-mana de Arte de 1922. Macapá, v. 5. n. 2., 2015. http://periodicos.unifap.br/index.php/letras

ANDRADE, Mário. Há uma gota de sangue em cada poema. São Paulo, 1917.

ANDRADE, Mário. Macunaíma, o herói sem ne-nhum caráter. São Paulo: Editora Nova Fron-teira. 2013

ANDRADE, Mário. “Elegia de Abril”. In: Aspec-tos da Literatura Brasileira, 1974.

ANDRADE, Oswald. Obras completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

ANDRADE, Oswald. “O caminho Percorrido” in: Maria Antonieta d’Alkmin e Oswald de Andra-de. São Paulo, 2003.

BOAVENTURA, Maria Eugênia. Semana de Arte Moderna, o que comemorar?, 2013. Campinas.

HARDMAN, F. Foot. “Antigos modernista”. In: A vingança da Hileia. São Paulo: Unesp, 2009. São Paulo.

LAHUERTA, Milton. “Os intelectuais e os anos 20: moderno, modernista, modernização”. In: A década de 1920 e as origens do Brasil moder-no. Lorenzo, Helena de Carvalho e Costa, Wilma Peres da (org). Unesp editora, São Paulo. 1997.

NAPOLI, Roselis de. 1922/1972: a semana per-manece. São Paulo: EDUSP, 1980. 3 vols.

OLIVEIRA, Lúcia LIPPI. “Questão nacional na Primeira República”. In: A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. Lorenzo, Helena de Carvalho e Costa, Wilma Peres da (org). Unesp editora, São Paulo. 1997.

PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo. INL. Ibrasa, 1981.

O que será celebrado em 2022? Que seja um Fora! Fu! Fora o bom burguês!… e que os trabalhadores, incluindo os da cultura, estejam organizados como clas-se para tomar os meios de produção, inclusive os da cultura.

SONIA FARDIN é historiadora

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129ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Eu insulto o burguês! O burguês-níquelo burguês-burguês!A digestão bem-feita de São Paulo!O homem-curva! O homem-nádegas!O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!Eu insulto as aristocracias cautelosas!Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!Que vivem dentro de muros sem pulos,e gemem sangue de alguns mil-réis fracospara dizerem que as filhas da senhora falam o francêse tocam os “Printemps” com as unhas!Eu insulto o burguês-funesto!O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!Fora os que algarismam os amanhãs!Olha a vida dos nossos setembros!Fará Sol? Choverá? Arlequinal!Mas à chuva dos rosaiso êxtase fará sempre Sol!Morte à gordura!Morte às adiposidades cerebrais!Morte ao burguês-mensal!

Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!“— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?— Um colar… — Conto e quinhentos!!!Más nós morremos de fome!”Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!Oh! purée de batatas morais!Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!Ódio aos temperamentos regulares!Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!Ódio à soma! Ódio aos secos e molhadosÓdio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,sempiternamente as mesmices convencionais!De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!Dois a dois! Primeira posição! Marcha!Todos para a Central do meu rancor inebriante!Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!Morte ao burguês de giolhos,cheirando religião e que não crê em Deus!Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!Ódio fundamento, sem perdão!Fora! Fu! Fora o bom burguês!…

Lá vem o lança-chamasPega a garrafa de gasolina

AtiraEles querem matar todo amor

Corromper o poloEstancar a sede que eu tenho doutro ser

Vem do flanco, de ladoPor cima, por trás

AtiraAtira

ResisteDefende

De péDe péDe pé

O futuro será de toda a humanidade

ODE AO BURGUÊS - Mário de Andrade

Alerta - Oswald de Andrade

BICENTENÁRIOESPECIAL

Oswald de Andrade retratado por Tarsila do Amaral

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130 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Verdade, a primeira vítima: meningite e Covid-19

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A reflexão sobre os erros do passado nos faz repensar o presente, permite reconectar a ciência em torno das experiências e não replicar equívocos

por Sílvia Fernandes & Flávia Fernandes

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

primeira vítima de uma ditadura é a verdade. As ditaduras barram nosso acesso à informação e ao conhecimento, elas amarram nossas mãos e nos jogam no escuro, sem saber o que pode nos atingir. Não raro, é assim que as ditaduras deixam as pessoas para morrer, vendadas pela ignorância, sem ter ideia do que está acon-tecendo. Uma emergência de saúde pública durante uma ditadura é um método especialmente letal de extermínio, e bem recentemente, o presidente do Turcomenistão deu um exemplo nítido disso. No meio da crise atual da pan-demia de Covid19, ele proibiu que os jornais usassem o nome do vírus. Afinal, uma crise não existe se você proi-bir que se fale sobre ela. Assim, sem a informação precisa, sem a dimensão real do problema, a população fica mais vulnerável, e uma população vulnerável fica mais doente, e uma população que fica mais doente também tem mais chance de morrer. Não faz muito tempo que o Brasil tam-bém encarou uma epidemia no meio de uma ditadura, e parece ter seguido a mesma cartilha de censura, ignorân-cia e extermínio velado.

Vítimas da epidemia de meningite (anos 70, foto acima) e da Covid-19 (2020, foto abaixo) recebem atendimento emergencial

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O Brasil passou por três epidemias de meningite bacteriana. A primeira nos anos 20, a segunda em 1945, a ter-ceira e mais letal de todas, aconteceu no início dos anos 70, que foi também o mais sangrento período da ditadura militar brasileira. Nesta época aconte-ciam diversas perseguições, censuras e intimidações em vários setores, inclusi-ve com profissionais da saúde. Pesqui-sadores, médicos, professores, sanitaris-tas e muitos outros profissionais foram silenciados, perseguidos e exonerados. Como não recordar o Massacre de Manguinhos em abril de 1970, quando dez cientistas renomados foram expul-sos do Instituto Oswaldo Cruz e impe-didos de atuar em qualquer instituição federal, causando um prejuízo no de-senvolvimento científico incalculável para o país.

A meningite bacteriana é uma infecção que causa inflamação das meninges, que são as membranas que envolvem e protegem o cérebro e a medula espinhal. Os sintomas são: fraqueza, febre alta, dor de cabeça, vô-mito, rigidez na nuca e manchas no corpo. Alguns não são sintomas mui-to específicos e podem facilmente ser confundidos no início com de outras doenças mais simples como viroses. No entanto, a meningite bacteriana é uma doença rápida e agressiva, tem preferência por crianças e pode matar em 24 horas depois do aparecimento dos primeiros sintomas. A taxa de le-talidade alcança facilmente 20% dos doentes. Mesmo para quem sobrevive, a meningite bacteriana pode deixar se-quelas graves como surdez, cegueira e amputações.

A epidemia teve início em 1971 em Santo Amaro, bairro pobre no sul da cidade de São Paulo e acabou se espa-lhando por todo país. O Brasil vivia “os anos de chumbo”, um milagre econô-mico promovido pela ditadura às custas do endividamento externo, e escondia a censura, a repressão, a naturalização do trabalho escravo, o aumento da de-sigualdade, o alastramento da miséria. O presidente era Emílio Médici um general do exército com uma notória política de tortura e assassinato. Médici censurou a divulgação de dados sobre a doença e proibiu a adoção de medidas de prevenção, com o pretexto de não causar pânico na população.

Documentos do Arquivo Nacional mostram como o regime militar atuou, não só para censurar os veículos de co-municação, como também espionou, perseguiu e até deu ordens para que pessoas que estavam informando a po-pulação sobre a doença fossem investi-gadas. Segundo os papéis confidenciais, o regime aparentava ter dois objeti-vos: não causar alarme à população e, principalmente, não ferir a imagem do governo em plena época do “milagre econômico”. Para a ditadura brasileira a epidemia era alarmista, tendenciosa, ia contra a segurança nacional (onde já ouvimos essa conversa antes?). Médi-cos foram proibidos de dar entrevistas, alguns tentavam driblar a estupidez da norma e por baixo dos panos passavam informações para jornalistas. As poucas reportagens que furaram o cerco eram imediatamente desmentidas pelo go-verno. “Assim que surgiu, foi tratada como uma questão de segurança nacio-nal, e os meios de comunicação proibi-

dos de falar sobre a doença”, afirma a jornalista Catarina Schneider, autora da tese: A Construção Discursiva dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo sobre a Epi-demia de Meningite na Ditadura Militar Brasileira (1971-1975). “Essa tentativa de silenciamento impediu que ações rá-pidas e adequadas fossem tomadas”.

Nos bairros pobres as pessoas co-meçaram a morrer sem diagnóstico ou tratamento e o SUS ainda não existia. Neste período a assistência em saúde era operacionalizada em sua maioria pela iniciativa privada, a chamada me-dicina previdenciária funcionava de forma que os trabalhadores formais que possuíam CLT utilizavam as clíni-cas particulares que prestavam serviços ao INAMPS. Esse sistema, além de cau-sar prejuízos altíssimos por ser regula-do pelo empresariado, era suscetível à corrupção, e deixava milhares de pes-soas destituídas de atendimento que só lhes restavam buscar a filantropia.

O Brasil passou por três epidemias de meningite bacteriana. A primeira nos anos 20, a segunda em 1945, a terceira e mais letal de todas, aconteceu no início dos anos 70, que foi também o mais sangrento período da ditadura militar brasileira

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As ações de vigilância em saúde eram extremamente centralizadas, sem integração com a medicina curativa e com as demais políticas no território, como saneamento básico e educação. Isso, somado à crescente industrializa-ção, provocou intensa migração para as metrópoles brasileiras, onde os traba-lhadores mais pobres se instalaram em habitações inadequadas com pouca ou nenhuma infra-estrutura e em grande densidade demográfica. Esses determi-nantes sociais geraram risco iminentes à saúde, em um cenário de transição epidemiológica com maior prevalên-cia de doenças cardiovasculares, ainda acumulando as velhas problemáticas: a mortalidade infantil elevada, a des-nutrição, a alta incidência de vetores e doenças evitáveis.

O epidemiologista José Cássio de Moraes integrava, na época da epide-mia, um grupo técnico da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e em 2009 ele deu uma en-trevista sobre este período para o blog Viomundo. O blog pergunta: “Em que ano as autoridades foram informadas de que havia uma epidemia de menin-gite no país?”, José Cássio responde: “Em 1971 mesmo. Nós fizemos vários levantamentos e demonstramos cien-tificamente. As autoridades de saúde negaram a sua existência.” Mais à fren-te na mesma entrevista ele diz: “O me-ningococo é analfabeto, não sabe ler, muito menos decreto. O meningococo também não precisa de apresentação para conhecer outras pessoas, nem de passaporte para viajar. Resultado: foi se espalhando. Na cidade de São Paulo, por exemplo, saiu das áreas pobres e in-vadiu as regiões mais ricas, assim a epi-

demia, inicialmente restrita à cidade de São Paulo, avançou para outras regiões do estado. Daí para o restante do Bra-sil. Aqui, ocorreram as taxas mais altas, mas a doença se espalhou pelo Brasil inteiro.”

Em 7 de setembro de 1972, a dita-dura militar tomou conta das comemo-rações do Sesquicentenário da Indepen-dência do Brasil e um grande evento nacional estava marcado. Foram feitas várias medidas de censura, com notas proibindo a divulgação de qualquer in-formação e implementação de medidas sanitárias necessárias para combater a epidemia de meningite. Tudo isso para não prejudicar o grande evento militar programado para o sesquicentenário da Independência. Evento este, largamen-te utilizado pelo governo autoritário para demarcar práticas culturais com o propósito de justificar a ditadura, para promover o desenvolvimentismo e em nome da recuperação de princípios di-tos “democráticos e cristãos”. A configu-ração deste processo histórico envolve o investimento maciço dos militares na construção de “heróis nacionais” e “sal-vadores da pátria”.

Lembramos claramente da impor-tância de se evitar aglomerações du-rante uma epidemia, pois este perigo nunca ficou tão evidente quanto no surto de gripe espanhola, em 1918 nos Estados Unidos. Naquele ano, um úni-co evento público provocou a morte de mais de 4.500 pessoas, expostas à con-taminação durante um desfile militar pelas ruas da Filadélfia. Estes desfiles tinham o objetivo de incentivar a po-pulação a comprar títulos públicos emi-tidos pelo governo para financiar os es-forços de guerra, colocando em evidên-

cia quais eram realmente as prioridades do governo da época. No Brasil, vimos um descaso semelhante ocorrendo em 1972, nas comemorações militares do Sesquicentenário da Independência do Brasil. Neste mesmo ano existem re-latos do Hospital Emílio Ribas de São Paulo recebendo dezenas de pacientes chegando em kombis e caminhões, se amontoando nas salas, e as equipes médicas trabalhando sem condições minimamente satisfatórias e sem equi-pamentos de proteção adequados.

A tentativa das autoridades de ta-par o sol com a peneira, escondendo a epidemia por decreto, durou anos. O professor e doutor em educação his-tórica, Daniel Medeiros, publicou re-centemente um artigo sobre o tema no jornal Plural, lá ele afirma: “Entre 1971 e 1973, a meningite matou 14% das pessoas que a contraíram, parti-cularmente crianças.” Ele ainda com-pleta: “Há indícios de que muitos dos cadáveres das vítimas da meningite te-nham sido enterrados na vala clandes-tina de Perus, buscando assim burlar as notificações oficiais de óbitos.” Em 1974, o Instituto de Infectologia Emí-

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Em 1974, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas

de São Paulo tinha 300 leitos disponíveis, mas

chegou a internar 1200 pessoas com meningite

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lio Ribas de São Paulo tinha 300 lei-tos disponíveis, mas chegou a internar 1200 pessoas com meningite. Nessa época a epidemia chegou ao seu auge, e até hoje os números não são claros, a política da ditadura não permitiu que eles fossem esclarecidos. O que se sabe é que em 1974, pelo menos 67 mil pessoas tinham sido contaminadas em sete estados brasileiros, sendo 40 mil somente no estado de São Paulo, uma proporção de 200 casos para cada 100 mil habitantes. Em 1974, quando a ver-dade veio à tona, a população entrou em pânico. Com medo da propagação da doença, as pessoas evitavam passar na frente dos hospitais. De dentro de carros e ônibus, fechavam suas janelas. Na falta de remédios e de vacinas, re-corriam a panaceias milagrosas, como a cânfora. Naquela época, não havia rede social, mas já existiam “fake news” e como sempre os boatos atrapalham bastante a propagação das informa-ções corretas.

Em 1974, um outro general, Ernes-to Geisel, assumiu a presidência. Três anos depois do início da epidemia, a di-tadura finalmente começou a se mexer

e tomar medidas de controle sanitário. Suspendeu aulas, mandou estudantes para casa, e em algumas cidades foram instalados hospitais de campanha. Ain-da assim, o controle de censura sobre o tema se manteve por algum tempo. Em julho de 74, o jornalista Clóvis Rossi foi censurado, e no lugar do texto “Epidemia de silêncio” previsto para a capa do jornal, o Estadão precisou pu-blicar trechos do poema “Os Lusíadas” de Camões. Se o texto tivesse saído ele diria: “Desde que, há dois anos aproxi-madamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de me-ningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar infor-mações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade – ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido por fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de es-clarecer ampla e totalmente.”

Também em 1974, a jornalista Eliane Cantanhêde, da revista Veja, con-

seguiu uma entrevista exclusiva com o novo ministro da saúde, o médico sa-nitarista Paulo de Almeida Machado. Pela primeira vez alguém do governo admitia publicamente a existência de uma epidemia no Brasil, mas este texto também foi censurado. Pouco depois os militares importaram 80 milhões de doses de vacina contra a meningi-te da França. Para fazer a população ir aos postos de saúde o governo, enfim, começou-se a falar sobre a epidemia. O real tamanho da epidemia de meningi-te dos anos 70 até hoje é um mistério, é impossível saber quantos morreram, porque a ditadura achou mais conve-niente esconder os números e deixar a população sem assistência e sem in-formação. Sabemos que a epidemia foi grande sem poder mensurar pre-cisamente, e ainda a quem diga que a meningite foi a verdadeira responsável pelos Jogos Pan-Americanos de 1975 terem acontecido no México, pois ini-cialmente estavam previstos para se-rem realizados no Brasil, mas evidente-mente alguém fora do país tinha mais informações sobre a nossa situação do que nós mesmos.

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O real tamanho da epidemia de meningite dos anos 70 até hoje é um mistério, é impossível saber quantos morreram, porque a ditadura achou mais conveniente esconder os números e deixar a população sem assistência e sem informação

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A pandemia de Covid-19 no bolsonarismo

A Organização Mundial da Saú-de (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causa-da pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organiza-ção, conforme previsto no Regulamen-to Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracte-rizada pela OMS como uma pandemia.

Os sintomas mais comuns da CO-VID-19 são febre, cansaço e tosse seca. Alguns pacientes podem apresentar dores, congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia e perda de paladar ou olfato. Esses sin-tomas geralmente são leves e come-çam gradualmente. O vírus Sars-Cov-2 provoca Síndrome Respiratória Severa principalmente em pessoas maiores de 60 anos com doenças cardiovasculares, mulheres grávidas ou puérperas, pesso-as com deficiência ou imunodeprimi-das. Essa população de risco pode ser contaminada por qualquer pessoa que transmita o vírus, ainda que de forma assintomática.

Falando sobre parcelas da popula-ção mais afetadas pela pandemia, temos evidências de que a população negra e pobre sofre de maneira mais cruel em crises sanitárias. Além de sentir os efeitos mais duros de desemprego e diminuição de renda, também são os que estão mais expostos aos patógenos. Segundo IBGE, entre os 4,2 milhões que manifestaram sintomas de Covid-19 em maio, 70% era de cor preta e parda. Um estudo epide-miológico no Reino Unido evidencia

que a pessoas negras têm quatro vezes mais chance de morrer do que brancas, sendo que esta é uma questão motivada por fatores de desigualdade de acesso aos serviços e assistência básica.

Para fins comparativos, um levan-tamento da Secretaria Especial de Saú-de Indígena, mostra que 279 indígenas que vivem em territórios homologados morreram de Covid-19 até dia 30 de ju-lho de 2020. Esse número é equivalente a todos os mortos pela doença na re-gião da Sicília, na Itália, que registrou 283 mortes até então. Em apenas 42 dias, a Covid-19 matou o dobro que a lama da tragédia de Brumadinho, onde morreram 259 pessoas. Em 101 dias, a Covid-19 matou mais do que um ano de acidentes de trânsito no Brasil (em média 32.655 mortes).

A pandemia da Covid-19 nos re-mete à experiência da epidemia de meningite durante a ditadura militar. Assim como naquela época, a ciência e a informação nos são negadas e cen-suradas, os investimentos em pesquisas são interrompidos e o falseamento da realidade é a narrativa institucional, o que resulta em inúmeras injustiças sem visibilidade social e abandono à própria sorte da parcela da população mais marginalizada. Mudam os agen-tes infecciosos, mas prevalece a políti-ca de morte. Já foram mais de 100 mil mortos de Covid-19 em apenas cinco meses de pandemia e as respostas das autoridades ainda são insuficientes, amargando ao Brasil, em agosto de 2020, o segundo país com maior nú-mero de óbitos do mundo.

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O negacionismo e o ativismo con-tra as medidas sanitárias colocaram o governo Bolsonaro na condição de execução de uma necropolítica, o que o filósofo Achille Mbembe concei-tuou como “o poder social para definir quem morre e quem vive”. Ao relati-vizar a gravidade de que muitos irão falecer, o racismo do Estado produz “mundos de morte” que estabelecem que alguns corpos há permanente pre-cariedade de vida.

Os governos autoritários se revelam como estratégias políticas da própria elite dominante para ampliar seu po-der buscando intensificar a exploração do trabalho em determinados perío-dos históricos. Socorrer vidas precisa se ajustar à demanda de viabilizar o acú-mulo de capital a todo momento inde-pendente das necessidades sociais colo-cadas. Para isso, as pressões que buscam narrativas de responsabilização do cui-dado em saúde para indivíduo - com as desobrigações patronais - e a continui-dade do desmonte das políticas sociais permanecem a todo vapor. O desfinan-ciamento das políticas sociais acontece junto a criminalização do pensamento crítico para manter a ordem de natura-lização das injustiças.

O historiador Charles Rosemberg analisa que o medo do outro, o descon-trole de acesso às informações necessá-

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rias de prevenção e controle, a censura, a descrença da gravidade da doença são roteiros repetidos de outras experiências pandêmicas. O autor também compara a mobilização social que essas emergên-cias sanitárias causam, em um primeiro momento, a situação de normalidade que é seguida a posteriori quando esta evolui para o patamar de concentração nos setores mais vulneráveis.

A censura é essencial para o au-mento da letalidade, ela empobrece o debate público, fragiliza a coesão social e atrasa significamente as ações essen-ciais do Estado. O governo Bolsonaro interrompeu a divulgação dos dados da epidemia em tempo real no site do Ministério da Saúde, assim como deli-beradamente foca na divulgação do nú-mero de casos curados para falsear uma imagem exitosa.

As atividades públicas do presiden-te junto aos seus apoiadores são tam-bém alvo de polêmica, os rompimentos com o isolamento social e defesa de medicações sem comprovação científi-ca fazem uma verdadeira deseducação em saúde. A inoperância estatal signifi-ca a opção da imunidade de rebanho de forma velada, no final das contas, toda a operação do regime, que na pandemia fica mais cruel e evidente, é a condução da classe dominante sem compromisso com a saúde coletiva.

Estamos em outro momento polí-tico em relação à década de 1970, con-tudo, as políticas sociais continuam rebaixadas a patamares residuais. A vi-gilância em saúde ativa demanda bar-reiras sanitárias com testes em massa de diagnóstico para impulsionar medidas de precaução. A proteção social para atenção em saúde, assistência social e da segurança do trabalho tornam-se necessidades urgentes para garantia da dignidade humana. Idealidade estas que ainda estamos longe de alcançar. Como enfrentar essa epidemia garan-tindo condições dignas de sobrevivên-cia com a vigência da Emenda Consti-tucional 95 limitando os gastos sociais no meio de uma crise social?

A reflexão sobre os erros do passado nos faz repensar o presente, permite re-conectar a ciência em torno das experi-ências e não replicar equívocos. Existem diferenças e semelhanças que podem trazer estratégias de futuro. Sabemos que o desenvolvimento das resistências é um fenômeno conhecido em tempos autoritários. A luta política sempre foi a arma dos alijados do poder, da luta clandestina ao precariado moderno, a saída é anti-sistêmica e popular.

SÍLVIA FERNANDES é assistente social sanitarista, pós-graduanda no Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia

FLÁVIA FERNANDES é bióloga entomologista, doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo

O negacionismo e o ativismo contra as medidas sanitárias colocaram o governo Bolsonaro na condição de execução de uma necropolítica, o que o filósofo Achille Mbembe conceituou como “o poder social para definir quem morre e quem vive”

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136 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Articulação de Esquerda e sua Editora, Página 13, tem feito um esforço em produzir e divulgar diferen-tes tipos de publicações, para disseminar nossos princípios, ideias e causas políti-cas, refletindo e debatendo os assuntos para que possamos entender e incidir na realidade brasileira e do mundo de hoje.

Desde 1998 edita o jornal Página 13, que busca levar aos leitores/as os temas conjunturais.

Posteriormente começou a editar livros de interesse das esquerdas e que vão para além das resoluções dos con-gressos da tendência.

A partir de três de fevereiro de 2014, começou a produzir o Orientação

Militante, um boletim interno dedicado aos temas organizativos de interesse da militância da tendência.

E, antes de falarmos sobre o que nos interessa aqui, vale registrar outras formas de comunicação, debate e refle-xão que a tendência tem produzido re-centemente:

a) em oito de julho de 2019, es-treou o podcast Em tempos de guerra a esperança é vermelha, comandado por Patrick Araújo e com a participação de militantes do país inteiro;

b) em vinte e três de março de 2020, estreou o programa semanal Antivírus que é feito ao vivo por Valter Pomar e Natália Sena e que, como o próprio

nome diz, é a forma de mantermos as análises conjunturais atualizadas nesses tempos de pandemia;

c) a distância física causada pelo dis-tanciamento social também demons-trou a necessidade de um programa que pudesse debater os temas estraté-gicos e em dezoito de junho de 2020 estreou o programa Contramola. Esse é transmitido quinzenalmente, ao vivo, pelo canal do mesmo nome via YouTu-be (em onze de junho de 2020 foi feita uma pré-estreia do mesmo).

Voltando ao tema das publicações da Editora Página 13, em maio de 2014 foi lançada a primeira edição da Revista Esquerda Petista.

MEMÓRIA

RESUMO DA ÓPERAUm panorama descritivo das dez primeiras edições da revista Esquerda Petista

por Damarci Olivi

A

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137ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Conforme consta em seu editorial, a revista foi concebida para o debate de maior fôlego ideológico, teórico, pro-gramático e estratégico.

Embora seja editada sob a respon-sabilidade da Articulação de Esquer-da, ela não é porta-voz da tendência; como em outras publicações, cada au-tor/a é responsável pelo que escreve, e suas posições não precisam coincidir necessariamente com nossas posições. Até porque a revista é aberta a mili-tantes que, sendo de esquerda, não são integrantes da AE; por isso, ela busca circular na intelectualidade de esquer-da em geral, especialmente –mas não somente– aquela vinculada ao PT.

Editorialmente, a revista se esfor-ça para cobrir um temário amplo e necessário para o momento em que vivemos, como o capitalismo do sécu-lo 21, a crise internacional, a integra-ção regional e nossa política externa; a análise do capitalismo e a luta pelo

socialismo no Brasil, a luz das tentati-vas feitas ao longo do século 20; a dis-cussão sobre programa e estratégia, in-cluindo rumos do desenvolvimento e meio-ambiente, políticas públicas uni-versais e reformas estruturais; educa-ção, cultura e comunicação na luta por hegemonia; os debates de fundo acerca da conjuntura e tática; o balanço dos governos encabeçados pelo PT, em âm-bito nacional, estadual e municipal; as diferentes manifestações da luta de classes, incluindo eleições, movimen-tos e lutas sociais; as questões de gêne-ro, raça e orientação sexual; a análise crítica do conteúdo da mídia (tv, rádio, internet, revistas teóricas e políticas, li-vros); resenhas de livros e outras pu-blicações; e um acompanhamento do debate acerca do PT e do conjunto da esquerda brasileira.

E com isso, chegamos à décima primeira edição nesse mês de setem-bro de 2020.

A revista varia em número de pá-ginas e em periodicidade. Originalmen-te a ideia era que tentaríamos manter uma publicação a cada quatro meses; conseguimos fazer isso apenas no pri-meiro (2014) e no quarto ano (2017).

No momento, o objetivo é produ-zir duas por ano.

Outro ponto que consideramos ne-gativo é o fato das duas últimas edições só terem saído de forma eletrônica. A décima foi em decorrência dos altos custos para a impressão o que enca-receu o preço final. E essa que você lê nesse momento está saindo em forma digital, antes de tudo, devido à impos-sibilidade, causada pelo Coronavírus, de encontros presenciais para a venda.

E, sim, nossa revista é vendida! O valor varia a cada número, pois ele tem que cobrir os custos com a produção (diagramação, impressão, distribuição), e os preços de impressão na gráfica, as-sim como os números de páginas, fo-ram alterando ao longo de cada edição, como vocês verão.

Entre os vários pontos positivos en-contrados ao longo das quase mil pági-nas dessas dez primeiras edições está a predominante participação de militan-tes de esquerda engajados/as em organi-zações partidárias e movimentos sociais, preocupados/as em produzir conteúdos que nos levam à reflexão para que pos-samos intervir e nos comprometer com e nas transformações estruturais tão ne-cessárias à classe trabalhadora.

Por fim, para que você não perca nenhuma ediç ão da Esquerda Petista, se-gue o link para baixar as revistas edita-das até agora, assim como as vindouras: www.pagina13.org.br/revista-esquerda-petista

MEMÓRIA

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138 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

#1 MAIO|2014

A primeira edição da Revista Esquerda Petista é de maio de 2014.

Em um contexto de início da campanha eleitoral para a reeleição da presiden-ta Dilma Roussef, a revista traz um tex-to aprovado pela direção nacional da AE, que diz que “a batalha em torno de quem ocupará a presidência da República no período 2015-2018 está no centro das preocupações e movimentações de todas as classes sociais e frações de classe, de todos os movimentos sociais e populares, de todos os meios de comunicação, go-vernantes, parlamentares e partidos polí-ticos. Como vem ocorrendo desde 1989, a eleição presidencial cristaliza o estado da arte da luta de classes no Brasil.”

Ao longo de cinco páginas, o texto reafir-ma a importância da reeleição de Dilma e de um segundo mandato superior ao pri-meiro, no sentido de que tenha uma con-tinuação nas mudanças que vinham ocor-rendo com a “tarefa de superar a herança maldita proveniente da crise da ditadura, do desenvolvimentismo conservador e da devastação neoliberal.”

O texto destaca as ações necessárias para a superação dessa herança e afirma que “o povo brasileiro sabe que nosso gover-

no não é perfeito, mas repetirá seu voto em nós, se estiver convencido não apenas de que a oposição é o retrocesso, mas principalmente se estiver confiante no que faremos em direção a um país real-mente democrático e popular.”

A primeira edição teve oitenta páginas e a tiragem foi de mil exemplares.

A capa destaca um provável segundo mandato da presidenta, com os dizeres: Dilma 2015-2018. Nem todos os cami-nhos levam a um segundo mandato su-perior ao atual.

A contracapa presta uma homenagem ao grande escritor Gabriel Garcia Marquez, que faleceu em abril daquele ano aos 87 anos de idade, com fotos das capas de vá-rios de seus livros e com a frase: “Yo creo que todavia no es demasiado tarde para construir uma utopia que nos permita compartir la tierra”.

Nas duas capas interiores vemos propa-gandas de algumas publicações da Edi-tora Página 13, incluindo a HQ Tome Par-tido que foi utilizada como instrumento de agitação e propaganda para ampliar a mobilização, a organização e a conscien-tização da juventude.

Desde seu primeiro número, a EP prima por uma identidade visual de alta quali-dade com boa distribuição de texto e com imagens importantes. Nessa edição, temos várias ilustrações do desenhista Sérgio Bastos; algumas de Latuff; além de fotos e outros desenhos que vão for-mando com os textos um visual leve, mas pertinente aos assuntos tratados.

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIALBoa leitura, boa luta

CONJUNTURASobre o axioma das alianças inevitáveis | Breno Altman

Baixa política, altos interesses | Eduardo Nunes Loureiro / Flávio Batista do Nas-cimento

Retomar a luta constituinte | Bruno Elias

PROGRAMA

Além do documento da Dnae, Diretrizes em debate, a revista trouxe os seguintes artigos:

Renegociar a dívida interna | Carlos Octá-vio Ocké-Reis

Ainda à espera das mídias contra-hegemô-nicas | Pedro Estevam da Rocha Pomar

Pingos nos i’s | Kjeld Jakobsen

Democratização do Poder Judiciário | An-dré Vieira

Violência juvenil é expressão de uma so-ciedade violenta | Jonatas Moreth

“O futuro que queremos” | Geraldo Abreu / Rafael Tomyama

Cultura e mercado | Sônia Fardin

MOVIMENTOS

Luta feminista e luta de classes | Ariely de Castro / Tábata Silveira / Karen Lose

PARTIDO

Debates em torno de um enigma | Rodri-go Cesar

Dialogando com a DS: que “revolução de-mocrática”? | Lício Lobo

Cartografia da esquerda no Brasil | Lean-dro Eliel

HISTÓRIA

O golpe contra os trabalhadores | Paulo Fontes

PUBLICAÇÕES

Geografia, Estados nacionais e Habermas | Iole Ilíada Lopes

Periódicos marxistas e de esquerda no Brasil | Paulo Denisar Fraga

MEMÓRIA

RESUMO DE CADA UMA DAS DEZ ÚLTIMAS EDIÇÕES DA REVISTA ESQUERDA PETISTA

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139ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

#2 AGOSTO|2014

A segunda edição tem oitenta e oito pá-ginas, circulou com dois mil exemplares e foi lançada em agosto de 2014.

É o momento da plenária estatutária da Central Única dos Trabalhadores e a re-vista centra a maior parte de seus artigos no debate sobre a classe trabalhadora, com a capa que traz imagens e dizeres alusivos ao tema: A hora da classe – con-tra o ódio da burguesia, menos média e mais mudanças.

O editorial, inclusive, lembra que esse é um “assunto urgente, pois há na esquerda quem insista no erro, chamando de ‘classe média’ os setores da classe trabalhadora que, desde 2003, vem ampliando sua ca-pacidade de consumo.

Aliás, entre os desafios imediatos da clas-se trabalhadora brasileira, está a reeleição de Dilma Rousseff presidenta da Repúbli-ca”, lembra a revista justamente quando faziam quase dois meses que o partido tinha lançado oficialmente a presidenta Dilma para a reeleição e que era impor-tante que nossa militância jogasse todos os seus esforços na campanha.

O documento da Dnae que a revista pu-blica falava que as eleições aconteciam em um contexto marcado por três gran-des variáveis: um aprofundamento da cri-

se internacional e a crescente pressão dos imperialistas sobre a América Latina e o Brasil; um “acirramento da disputa entre as duas vias de desenvolvimento do Bra-sil, com o grande empresariado e parcela dos ‘setores médios’, a oposição de direi-ta e o oligopólio da mídia deixando cla-ro sua aversão radical a toda e qualquer medida vinculada a soberania nacional, a integração latino-americana e caribenha, a ampliação das liberdades democráticas, ao bem estar social e igualdade”; e, a re-serva ou mesmo desconfiança que uma parcela da população oriunda da classe trabalhadora fazia frente ao petismo e ao lulismo.

A contracapa trouxe imagens feitas por João Zinclair, complementando uma ma-téria do interior da revista. João foi um fotógrafo que entendia a importância da preservação da memória e registros das ações e lutas políticas da classe trabalha-dora.

Registramos também que no editorial da revista há um parágrafo final dizendo que “o fechamento desta edição coincidiu com o falecimento de Plínio de Arruda Sampaio (1930-2014).

Esquerda Petista se incorpora às home-nagens feitas pelos familiares, amigos, companheiros de luta e adversários ho-nestos.”

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

Observai os VIPs

CONJUNTURA

A direita não nos faltará | Rodrigo Viana

Os trabalhadores e a Constituinte | Bruno Elias

Entrevista: Olívio Dutra | A batalha do Rio Grande

Venezuela: o protagonismo dos trabalha-dores | Max Altman

Documento da DNAE | O segundo semes-tre de 2014

PROGRAMA

“Neodesenvolvimentismo” em debate | Queren Rodrigues

Polícia para quem? | Ana Lídia

CLASSE TRABALHADORA

O proletariado moderno | Wladimir Po-mar

Em busca do paraíso | Marcelo dos Anjos Mascarenha

Avanços e “desigualdades persistentes” | Elisa Guaraná de Castro

Juventude no centro da “engrenagem” | Eleandra Koch

A cor da classe | Fausto Antônio

Desafios da CUT | Jandyra Uehara

Cartografia das centrais sindicais brasilei-ras | Leandro Eliel

Contra a globalização neoliberal | João Antônio Felício

Discutindo a relação | Iole Ilíada

PUBLICAÇÕES

Editando ideias | Flamarion Maués

IMAGENS

Getúlio 2014 | Rodrigo Cesar

Acervo João Zinclar | Sônia Fardin

MEMÓRIA

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140 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

#3 JANEIRO | FEVEREIRO | 2015

Esse terceiro número completou o primei-ro ano da Esquerda Petista e trouxe no-vidades na circulação e no conteúdo da revista.

Em janeiro, lançamos uma versão eletrô-nica com oitenta e duas páginas. E em fevereiro, foram impressos dois mil exem-plares, agora com cento e quatro páginas.

O momento político exigia isso. Era o iní-cio do segundo mandato da companheira Dilma Rousseff na presidência do país.

Vamos lembrar que desde os últimos me-ses de 2014, após a vitória eleitoral das esquerdas brasileiras na eleição presiden-cial, o lado de lá seguiu sabotando e ame-açando a normalidade institucional ao questionar o resultado eleitoral, manter a divisão de um país polarizado, e chanta-gear o governo eleito para que adotasse o seu programa – o derrotado nas urnas!

Nas duas versões, a revista aborda as-suntos da conjuntura: um balanço do que ocorreu em 2014; e, o que fazer em 2015 e depois. Para isso, convidamos petistas, di-rigentes de outros partidos de esquerda, sindicalistas e outros/as colaboradores para que opinassem sobre o momento e apontassem as perspectivas. É muito in-teressante reler esses textos.

Da AE, foram publicados dois documentos da direção nacional da tendência, sendo um na versão eletrônica que foi escrito ainda no período pós-vitória eleitoral: Co-memoração e luta; e, na revista impressa, a versão atualizada desse documento: A luta por um mandato superior. Neste segundo, há uns apontamentos críticos aos primei-ros atos da presidência como a escolha dos ministérios e a edição das MPs 664 e 665. Entretanto, é feita uma reafirmação sobre a necessidade de comemorar o re-sultado eleitoral; uma avaliação de como chegamos a ele, de onde vieram os votos e o significado disso para o PT e para o nos-so governo; e, um chamado ao conjunto da esquerda política e social para que além de comemorar a vitória, fossem tomadas as “medidas para que a presidenta cumprisse o programa vitorioso nas urnas e realizas-se um segundo mandato superior” como apontado, inclusive nos textos de outros/as colaboradores/as da revista, no sentido de não apenas “administrar bem, fazendo mais e melhores políticas públicas. É pre-ciso construir hegemonia cultural e fazer reformas estruturais...”.

O documento da revista impressa desta-ca também que para criar as condições desse mandato superior seria necessário “um triplo movimento: apoiar o governo contra a oposição de direita, reverter as concessões que o governo faz à direita, mobilizar os setores populares em defesa de reformas estruturais”.

O terceiro número traz em sua capa uma figura representando uma disputa do tipo cabo de guerra com a chamada Não bas-ta ganhar. Tem que levar.

A contracapa traz uma relação com no-mes de torturadores e cúmplices identifi-cados pela CNV.

No interior a revista tem duas ilustrações de Latuff: uma ele fez em 2011 e mostra uma caricatura de Bolsonaro com uma camiseta com o símbolo do nazismo e, destacado, um carimbo escrito Fora Bol-sonaro; e a outra retrata a violência con-

tra a revista Charlie Hebdo, cujo massa-cre tinha ocorrido em janeiro daquele ano (apenas na versão impressa).

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

O que falta fazer

INTERNACIONAL

Dilemas do progressismo em um só país | Gustavo Codas

NACIONAL

Encruzilhada petista | Breno Altman

Reforma política: prioridade em 2015 | Bruno Elias

PRESIDENTA (apenas na versão impressa)

Discurso feito pela presidenta Dilma Rou-sseff, no dia 1º de janeiro de 2015 | Dilma Rousseff

BALANÇO

Comemoração e luta | Resolução aprova-da pela direção nacional da Articulação de Esquerda (texto de 27 de outubro; apenas na versão eletrônica)

Hora de Avançar (apenas na versão im-pressa) | Rui Falcão

Eleita Dilma Rousseff, a prioridade, ago-ra, são as reformas estruturais (apenas na versão impressa) | Renato Rabelo

Vencemos as eleições. Falta ganhar a po-lítica. | Roberto Amaral

Da representatividade à participativa | Vagner Freitas

Notas das Centrais Sindicais (apenas na versão impressa)

Desafios da luta de classe no próximo pe-ríodo | Miguel Enrique Stédile (apenas na versão impressa)

O voto da juventude: um passado pela frente? | Rodrigo Cesar

MEMÓRIA

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141ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

As mulheres e o voto | Rosana Ramos e Ane Cruz (apenas na versão impressa)

As razões do Nordeste | Múcio Magalhães e Antônio Pessoa (Zico)

2015 E DEPOIS

A luta por um mandato superior | Reso-lução aprovada pela direção nacional da Articulação de Esquerda (versão atuali-zada da resolução de 27 de outubro; ver-são para ser aprovada no 2º Congresso Nacional; apenas na versão impressa)

A hora da estratégia | Iole Ilíada

Qual economia? | Wladimir Pomar

O nó está na indústria | Jandyra Uehara

Qual reforma urbana? | Marcel Frisson

Qual agricultura? | Entrevista com Irene Maria Cardoso

SUS Brasil | Ricardo Menezes

Qual governabilidade? | Rubens Alves e Wanderson Mansur

Radicalizar na luta por direitos | Iriny Lo-pes

O ódio no horizonte | Lena Azevedo

PARTIDO

PT 35 anos | Carlos Henrique Menegozzo

O que falta? | Projeto de resolução apre-sentado pelo Coletivo Nacional de For-mação (apenas na versão eletrônica)

AGENDA

2015: Debate e Luta | Adriele Manjabosco

#4 SETEMBRO|2015

A quarta edição da revista teve noventa e seis páginas e uma tiragem de mil exem-plares.

O ano de 2015 continuava tenso.

O país, dizia o editorial da revista, vinha de alguns anos de “crescimento econômi-co, geração de empregos, elevação dos salários e progresso nas políticas sociais. Nos últimos meses, entretanto, entramos num ambiente de recessão, desemprego, contenção salarial e corte nas políticas so-ciais.

A oposição de direita, o oligopólio da comunicação e o grande capital apro-veitam-se deste ambiente para atacar a democracia, as classes trabalhadoras, as esquerdas e o governo”.

A direita atuava em diferentes campos e usava do aparato de Estado para realizar seus ataques contra a democracia.

As esquerdas e os movimentos sociais se mobilizavam e tinham realizado, com diferentes graus de adesão, três manifes-tações de massa: em 15 de março, em 12 de abril e em 16 de agosto; fora outras ati-vidades, com diferentes pautas em outros momentos.

Nós afirmávamos que o lado de cá não podia vacilar, sendo necessário defender

nosso governo do golpismo e proteger as liberdades democráticas; mas era crucial um reatamento dos compromissos com os setores democrático-populares, sen-do que para isso era necessário reagir às agendas Renan e Cunha. O governo deve-ria realizar mudanças no rumo que toma-ra e, em “resumo: realizar investimentos, deter e reverter a recessão, gerar empre-gos e recompor salários”.

Por isso, a capa da revista tem o título De-fender a democracia é mudar a política econômica. Nem Levy, nem Renan, nem Cunha. Qual é a agenda do povo brasi-leiro?

E a contracapa uma fotografia de uma manifestação repleta de pessoas no Lar-go da Batata em SP de uma manifestação de vinte de agosto, terminando com as palavras de ordem que se complemen-tam: Defender as liberdades democráti-cas. Mudar a política econômica.

O interior da revista tem as diferentes edi-torias na linha do que se propõe, com des-taque para os temas já comentados acima; um mini-dossiê da Frente Brasil Popular; além de um leque de balanços sobre 5º Congresso Nacional do PT, realizado em junho daquele ano em Salvador/BA.

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

Defender a democracia é mudar a política econômica

INTERNACIONAL

Da Gringolândia ao novo Império do Mal | Igor Fuser

NACIONAL

O Brasil em transe histórico | Lindbergh Farias e Jaldes Meneses

O lugar do “Nacional” na luta política atu-al | Ricardo Gebrim

MEMÓRIA

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142 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

CUT

Operação piracema | Jandyra Uehara

DOSSIÊ

Frente Brasil Popular | MANIFESTO| CON-VOCATÓRIA DA CONFERÊNCIA

SAÚDE

Direito ou privilégio? | Ana Maria Costa

JUVENTUDE

Agenda regressiva | Bruno Elias

ESTADOS

Entrevista com o deputado Rogério Cor-reia | Breno de Araújo e Luna Pontone

ELEIÇÕES 2016

Com que política? | Adriano de Oliveira

PARTIDO

BALANÇOS DO 5º CONGRESSO DO PT | Salvador/BA

À militância petista, sobre o 5o Congresso | Articulação de Esquerda

Resposta vigorosa, firme e participativa aos imensos desafios que enfrentamos! | Monica Valente

Congresso de crise, que não terminou | Misa Boito

Avaliação do V Congresso: antes, durante e depois | Maristella Victor de Matos

O melhor partido do Brasil | Romênio Pe-reira

“Ao Que Vai Nascer” | Militantes do Movi-mento PT e do Socialismo XXI

Carta de Porto Alegre | PT-RS

COMUNICAÇÃO

Casa Brasil: inclusão digital e software li-vre | João Augusto Neves

Especialistas em nada | Regina Helena

LIVROS

Capital século XXI: sem alternativas? | Francisco Xarão

AGENDA

Debater, mobilizar e lutar | Rodrigo Cesar

#5 MAIO | JUNHO|2016

O quinto número da Esquerda Petista saiu em duas versões.

A versão eletrônica, que foi concluída no dia dez de maio de 2016, na véspera da vo-tação da admissibilidade do impeachment pelo Senado, teve cento e quatro páginas.

Já a versão impressa, que incorporou os debates e resoluções posteriores à vota-ção da admissibilidade, circulou em junho com cem páginas e duas mil impressões.

O editorial da revista eletrônica explica que o conjunto de publicações da Editora Página 13 obedece a um plano de comu-nicação e uma linha editorial definida pela tendência, e apresenta as ideias gerais so-bre a revista.

Já o editorial da impressa diz que a edi-ção é parte da contribuição da tendência à ‘batalha de ideias’ que está em curso na sociedade e na esquerda brasileira.

Na sequencia, apresenta um trecho de um documento assinado pela AE e outras tendências do campo da esquerda parti-dária petista que saúda a decisão da exe-cutiva nacional em realizar um Encontro Nacional extraordinário em novembro e dezembro com eleição de novas direções. O documento fala que o Encontro “deve concluir balanço autocrítico do partido” sobre diversos temas e termina com o se-guinte parágrafo:

“Precisamos mudar o PT para que este reafirme seu projeto socialista, seu com-promisso com a classe trabalhadora e um programa de mudanças democráticas e populares para o Brasil. Dedicaremos nossos esforços para que este Encontro Extraordinário contribua para mudar os rumos do nosso partido e para que este esteja à altura do difícil momento político que vive o país”.

A posição da Articulação de Esquerda sobre o momento político fica claramen-te expressa em duas resoluções: uma de vinte e dois de abril de 2016, publicada na versão eletrônica; e, outra de vinte e sete de maio de 2016, que está na revista im-pressa.

A quinta edição tem, entre tantos, artigos que abordam a contraofensiva imperial na América Latina; outros que debatem a questão econômica; e uns sobre o golpe em curso; sobre isso também versam as ilustrações de Lattuf e Vítor Teixeira.

Para suavizar nossa expressão triste, le-mos um artigo sobre John Lennon e ve-mos as imagens compartilhadas por Ane Cruz que faz da “fotografia o relato das atividades”.

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

O lado em que estamos (apenas na ver-são eletrônica)

Fora Temer! (apenas na versão impressa)

MEMÓRIA

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143ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

TENDÊNCIA

Contra o golpe e pela democracia: a luta continua (apenas na versão eletrônica)

Greve geral contra o governo golpista | Resolução da AE (apenas na versão im-pressa)

ECONOMIA

Entrevista com a professora Leda Maria Paulani

Teorias econômicas e políticas econômi-cas | Theotônio dos Santos

A proposta da direção | Documento da direção nacional do PT (apenas na versão eletrônica)

INTERNACIONAL

Roberto Regalado: que ciclo chegou ao fim?

Katu Arkonada: mirada desde a Bolívia

A integração tem futuro | Opinião de Sa-muel Pinheiro Guimarães

Notas sobre o 13º Plano Quinquenal | Ar-tigo de Wladimir Pomar

O retorno da Rússia sob Putin | Artigo de Diego Pautasso

NACIONAL

Estado Democrático da Direita? | Artigo de José Geraldo de Sousa Junior

As encruzilhadas dos movimentos de mo-radia: Minha Casa Minha Vida e (ou) Re-forma Urbana? | Artigo de Lício Lobo

ENSAIO

A esquerda e o socialismo: um reencon-tro necessário | Artigo de Paulo Fagundes Visentini

SAÚDE

O discurso da negatividade contra o SUS | Artigo de Cláudia Malinverni

CULTURA

John Lennon: um legado de simbologia crítica | Artigo de Paulo Denisar Fraga

HISTÓRIA

Luis Carlos Prestes | Uma biografia admi-rável | Artigo de Max Altman

1947 e 2016: cassações contra a democra-cia | Artigo de Augusto César Buonicore

FOTOS

O gosto da fotografia | Galeria com fotos de Ane Cruz

AGENDA

Efemérides socialistas

#6 FEVEREIRO|2017

A sexta edição tem cento e vinte páginas na versão impressa com uma tiragem de dois mil exemplares; a versão eletrônica tem cento e vinte duas páginas.

Ela foi publicada em fevereiro de 2017 quando o PT completava trinta e sete anos.

Sobre o partido foi publicada a síntese da tese que a tendência apresentou para os

debates preparatórios ao Sexto Congres-so do Partido.

A pauta de um congresso partidário, por óbvio, é enorme. Para esse, nossa tese lembrava os pontos: “o cenário interna-cional e nacional, o balanço dos governos nacionais petistas, a estratégia política e o programa, o funcionamento do PT e a organização partidária, nossa tática fren-te ao governo golpista e em defesa dos direitos do povo brasileiro, nossa relação com os diferentes setores democráticos, populares e de esquerda”.

Lembrava sobre as responsabilidades do conjunto do partido com a pauta em questão:

“Assim como fomos depositários de imensas esperanças, hoje somos objeto de imensas frustrações. Cabe ao debate congressual separar o joio do trigo, com-binar crítica e autocrítica, reconhecer nos-sos erros e reafirmar nossos acertos. Cer-tamente haverá, entre nossos inimigos e adversários, quem se aproveitará desta ou daquela frase para atacar nosso Partido. Não importa: quem está seguro da justeza de sua luta, não teme a autocrítica.

Ademais, reconhecer os erros e ajustar contas com práticas e concepções er-rôneas é, para um partido de esquerda, um processo de aprendizagem coletiva, algo que devemos à classe trabalhado-ra, ao povo brasileiro, às gerações que lutaram antes de nós e especialmente às que virão.

Precisamos de um PT engajado na luta contra o golpismo e contra a retirada de direitos; um PT mobilizado pelo Fora Te-mer, Diretas Já e que acumule forças na luta por uma Constituinte; um PT defen-sor de reformas estruturais e defensor do programa democrático-popular e socialis-ta; um partido que dispute eleições, exer-ça mandatos parlamentares e governa-mentais, participe da luta social e cultural como parte da construção e conquista do poder para a classe trabalhadora.”

MEMÓRIA

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144 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

A sexta edição da revista traz algumas efemérides centenárias que estão no es-paço de dez anos, entre 2014 e 2024: “o começo e o fim da Primeira Guerra; a Re-volução de Fevereiro e a Revolução de Outubro de 1917; a Revolução Alemã de 1918; a criação da Internacional Comunis-ta, a fundação do Partido Comunista da China e do Partido Comunista do Brasil; o assassinato de Rosa Luxemburgo e o fale-cimento de Lenin.

Além dos duzentos anos de nascimento de Karl Marx e a publicação de livros clás-sicos como Imperialismo, etapa superior e O Estado e a Revolução, ambos de Lê-nin”.

Dessas, a mais importante é a comemo-ração dos cem anos da tomada do poder pelos sovietes.

A revista tem um texto sobre a Revolução Russa de Outubro de 1917 com uma boa contextualização do período.

A homenagem ao oito de março e às mu-lheres é marcada por textos no interior da revista e na contracapa. Essa nos brinda com alguns cartazes soviéticos alusivos à luta e aos direitos das mulheres com a frase: “8 de março – 1917-2017; Revolução: substantivo gênero feminino”. Numa cla-ra referência àquele movimento iniciado pelas mulheres de Petrogrado em março de 1917 (fevereiro no calendário da Rússia czarista), que foi o gatilho para a Revolu-ção de Fevereiro.

Destacamos também nessa edição a ho-menagem à companheira Marisa Letícia que partiu em três de fevereiro; assim como ao camarada Max Altman que, en-tre outras coisas, foi colaborador de nossa revista, cujo falecimento ocorreu em de-zembro do ano anterior.

No tema educação há um texto sobre a reforma do ensino médio e outro que tra-ta da ocupação das escolas: “Somando--se ao movimento de luta contra o golpe e contra a ofensiva neoliberal no Brasil, a experiências das ocupações, que ressur-

giu com força em 2016, mostrou capaci-dade de gerar acúmulo organizativo e po-lítico para esquerda como um todo”.

Por fim, há um P.S. no editorial que nos lembra da árdua tarefa de produzir e edi-tar publicações que explica que esta re-vista não seria possível sem a contribui-ção dos autores, e de novos colaborado-res e editores.

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

Entre fevereiro e outubro

HOMENAGEM

Marisa Letícia

INTERNACIONAL

O que dizem sobre a vitória do Trump | Rafael Pops

Sob fogo cerrado, América Latina resiste | Breno Altman

NACIONAL

Um horizonte mortiço | Wladimir Pomar

A ação do movimento sindical | Jandyra Uehara

Evangélicos na política | Regina Novaes

EDUCAÇÃO

As ocupações de escolas | João Luís Le-mos e Pamela Kenne

A reforma do Ensino Médio e o proje-to conservador | Clarice Aparecida dos Santos

ESQUERDA

Frente Brasil Popular: passado, presente e futuro | Rodrigo Cesar

Defender os direitos e derrotar o golpis-mo, em luta por um Brasil democrático--popular e socialista |Resumo da tese da tendência petista Articulação de Esquer-

da ao 6º Congresso do Partido dos Tra-balhadores

A QUESTÃO AGRÁRIA E O GOLPE

Entrevista com Patrus Ananias

Três décadas depois | Elisa Guaraná

Um longo retrocesso | João Marcelo Intini

Os ruralistas em tempos de golpe | Olavo Brandão Carneiro

A criminalização dos movimentos | Giane A. Alvares e Patrick Mariano

MULHERES

Entrevista com a vereadora Natália Bona-vides

Feminismo e esquerda: uma relação es-tratégica | Nalu Faria

Tempos difíceis, tempos de luta | Rosana Ramos

MUDA PT | Manifesto aprovado pelo en-contro nacional do Muda PT

MEMÓRIA

Discurso em homenagem a Max Altman | Fábio Altman

CENTENÁRIO

A agenda da revolução RUSSA

CINEMA

Nunca antes nas telas desse país | Sônia Fardin

GALERIA DE FOTOS

Fora Temer! Golpe nunca mais (Renam Brandão)

INTERNET (apenas na versão eletrônica)

Lista de sites que valem a pena conferir

MEMÓRIA

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145ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

#7 MAIO | JULHO | 2017

A sétima edição circulou na versão di-gital em maio de 2017 com cinquenta e seis páginas; e na versão impressa com setenta e seis páginas e tiragem de dois mil exemplares.

Entre as duas versões, diz o editorial da impressa, “a conjuntura internacional e nacional experimentou várias mudanças, entre as quais a condenação – em pri-meira instância – do presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro. Havia quem acreditasse que Lula não seria condenado. Há quem acredite que haverá justiça na segunda instância. Há quem acredite que os de-mais processos não serão julgados em tempo de impedir a participação de Lula nas eleições. E há quem acredite que a perseguição judicial-midiática não será capaz de produzir tal desmoralização e rejeição que impeça nossa vitória elei-toral. Para quem acredita em tudo isto, a correta afirmação de que ‘eleição sem Lula é fraude’ é apenas um artifício retó-rico para pressionar os golpistas”.

E o editorial segue analisando a conjun-tura; os posicionamentos de petistas e da esquerda brasileira; as ações de go-vernadores petistas que se reuniram com Temer; a proposta de voto distrital mis-to respaldada por um deputado petista!; levantando questões sobre o que fazer

caso Lula seja impedido de participar das eleições; se houver interdição legal do PT; mas, também e principalmente, sobre “como imaginamos os próximos anos e décadas, no cenário regional e mundial? Qual será nossa política internacional, es-tando no governo ou fora dele?”.

A revista dedica alguns textos a esse as-sunto também em função da realização do 6º Congresso Nacional do PT, realiza-do entre os dias 1 e 3 de junho.

E isso foi feito em dois momentos:

A versão digital circulou antes do con-gresso e nela há textos sobre se o partido seria “capaz de reconhecer e debater as implicações estratégicas, programáticas e organizativas da situação que o Brasil está vivendo”, conforme editorial dessa versão; entretanto o próprio texto inicial aponta que as chances seriam baixas, a julgar pelos encontros estaduais e ao analisar a tese da principal corrente par-tidária ao Congresso, em um artigo pre-sente na edição eletrônica.

E na versão impressa há uma crônica do 6º congresso e uma análise das resolu-ções aprovadas.

Há ainda, um extrato do texto-base do 4º congresso de nossa tendência, que se dedicou a debater a estratégia da luta pelo socialismo no Brasil. Esse congresso ocorreu em novembro daquele ano.

A sétima edição da revista apresentou ainda textos sobre o golpe; um artigo de balanço da Revolução Russa de 1917; e uma longa e interessante entrevista com a presidenta Dilma Rousseff. Trouxe tam-bém belas imagens de atos pedindo Di-retas Já e Fora temer.

Por fim, na revista impressa há vários tex-tos que homenageiam os companheiros Marco Aurélio Garcia e Pereirinha que partiram em julho daquele ano.

O sumário apresenta o conteúdo dividi-do em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

O Partido precisa mudar (apenas na ver-são eletrônica)

O PT precisa de uma nova estratégia (apenas na versão impressa)

IMAGEM

Diretas já! (apenas na versão eletrônica)

NACIONAL

Ruptura popular ou golpe dentro do golpe | Texto elaborado pelo secretariado nacio-nal da tendência petista Articulação de Esquerda, como subsídio aos debates de conjuntura prévios ao 6º Congresso Na-cional do PT (apenas na versão eletrônica)

Sobre a Constituição de 1988 | Patrick Campos Araújo (apenas na versão im-pressa)

Nelson Jobim, um nome perfeito para o golpe dentro do golpe | Pedro Pomar

QUESTÃO INDÍGENA

Comissão parlamentar de inquisição: a face ruralista do golpe | Maria Augusta Assirati

CONGRESSO DO PARTIDO

Programa para tempos de guerra ou de conciliação? | Lício Lobo (apenas na ver-são eletrônica)

Quando o menchevismo é majoritário | Natália Sena (apenas na versão eletrôni-ca)

Crônica de um congresso petista | Natália Sena (apenas na versão impressa)

As resoluções resolvem | Rodrigo Cesar (apenas na versão impressa)

TENDÊNCIA

Um roteiro para o debate | Documento da AE (apenas na versão impressa)

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Dilma Rousseff sem censura, ou quase

MEMÓRIA

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146 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

OPINIÃO | Altivez — e algumas contradi-ções

CENTENÁRIO

Voltar aos 17 | Valter Pomar

HOMENAGEM (apenas na versão impres-sa)

Marco Aurélio Garcia | Vários autores (apenas na versão impressa)

#8 NOVEMBRO|2017

Essa oitava edição circulou em novem-bro de 2017 com cento e quatro páginas e uma tiragem de mil e seiscentos exem-plares.

O editorial comenta o fato de termos che-gado à oitava edição, faz um breve balan-ço e aponta os próximos desafios.

A contracapa traz imagens sobre os cem anos da Revolução Russa; e, o editorial lembra que ela “é inseparável da conjun-tura internacional da época, dominada pela guerra. Agora como então, a situação do mundo é tensa. Buscamos dar conta disto em vários textos: de Monica Valen-te sobre a Colômbia; de Wladimir Pomar sobre a China; do presidente da Autorida-

de Palestina e da OLP, Mahmoud Abbas, sobre a Declaração Balfour; e o de Daniel Valença sobre as ideias de Alvaro Garcia Linera, vice-presidente da Bolívia”.

Como tensa é também a situação no Bra-sil, a revista publicou textos com “temas conjunturais numa perspectiva de médio e longo prazo” o que incluiu uma extensa e interessante entrevista com o presiden-te do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana. Além de outra “notável entrevista desta edição, por mesclar políti-ca, arte, sexualidade e questões de gênero, é com a cartunista Laerte. E mais: o poeta e militante Pedro Tierra comenta um filme que trata do jazz em Cuba”, diz o editorial.

Tem um interessante texto que faz um breve panorama, a partir das resoluções de encontros e congressos, sobre como o PT foi mudando consideravelmente suas formulações sobre o caráter do Estado no período de fins de 1979 até 2001, antes de assumirmos a presidência do país.

Para celebrar os 200 anos de nascimen-to de Marx, a revista anunciou que estava abrindo uma chamada de artigos para o dossiê Karl Marx que seria publicado na edição de 2018. Antecipando esse dossiê, publicou uma resenha da mais recente edição em português dos Manuscritos Econômico-Filosóficos.

Há ainda uma homenagem ao recente-mente falecido pensador marxista István Mészáros.

O editorial explica que não foi possível “incluir as conclusões do Congresso que a Articulação de Esquerda realizou nos dias 24 a 26 de novembro de 2017. Este Congresso foi convocado para debater ‘a estratégia da luta pelo socialismo no Bra-sil’, título da resolução que está disponível para leitura e cópia no endereço www.pa-gina13.org.br”.

Lembra que esse congresso prestou uma homenagem às companheiras Sonia Hypólito e Wanda Conti e ao companhei-ro Clóves Castro.

E concluiu:

“Encerramos este editorial como come-çamos: se chegamos até aqui, é porque dezenas de milhões lutaram antes de nós. Entre eles, os homens e as mulheres que tomaram o poder na Revolução Soviética de 1917. A cada um e a cada uma, nossa mais profunda homenagem, nosso maior agradecimento e, principalmente, nossa militância para que chegue rápido o dia anunciado por Engels, no livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado: ‘a sociedade, reorganizando de uma forma nova a produção, na base de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe há de corresponder: o mu-seu de antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze’.”

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

A que viemos

INTERNACIONAL

Colômbia: o desafio da construção da paz | Monica Valente

Socialismo com características chinesas | Wladimir Pomar

Grã-Bretanha deve reparar (ao povo pa-lestino) pela Declaração Balfour e os 100 anos de sofrimento | Mahmoud Abbas

Álvaro García Linera e a esperança de uma nova oleada | Daniel Valença

Catalunya: O longo caminho para a Repú-blica | Pere Petit

EDUCAÇÃO

Reforma do Ensino Médio: o nome é re-trocesso | Waldeck Carneiro

JUVENTUDE

A disputa se acirra | Ana Lídia e Patrick Campos

MEMÓRIA

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147ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

PARTIDO

As raízes do republicanismo | Jonatas Mo-reth

KARL MARX

Dossiê 200 anos

Nova tradução brasileira dos Manuscritos econômico-filosóficos | Francisco Xarão

ENTREVISTAS

Opinião: Novos tempos, imensos desafios | Jandyra Uehara

WAGNER SANTANA: “Esse foi o grande erro: não aproveitar o primeiro ano de go-verno Lula para fazer as reformas!”

A LAERTE

TERRA

Capitalismo financeiro e o agronegócio | Olavo Carneiro

O que vem depois? | Arilson Favareto

CULTURA

Jazz como metáfora da liberdade | Pedro Tierra

HOMENAGEM

István Mészáros e a necessidade da ofen-siva socialista no século XXI | Adriano Santos

ESQUERDA

MAIS, do PSTU ao PSol | Daniela Matos

#9 2018-1

O nono número teve noventa e duas pá-ginas e uma tiragem de mil exemplares.

Circulou em setembro de 2018 em um contexto de grave quadro político, eco-nômico e social, com aumento de desem-prego e diminuição de investimentos so-ciais em políticas públicas.

Havia também muitos ataques às liberda-des democráticas; Lula estava arbitraria-mente preso desde sete de abril; em Curi-tiba as pessoas se mobilizavam e manti-nham firme a Vigília Lula Livre.

Em seu 4º Congresso, realizado em maio de 2018, a tendência tinha reafirmado a defesa da candidatura Lula à presidência. Quando a revista circulou a candidatura de Lula havia sido negada pelo TSE e o PT já tinha oficializado a de Haddad.

A revista abordou a situação internacional em “uma entrevista com o ex-presiden-te e atual senador do Paraguai, Fernan-do Lugo, e no artigo do argentino Pablo Vommaro, que traz uma reflexão sobre as lutas da juventude no continente no momento em que se celebra o centenário da reforma universitária de Córdoba, em 1918”.

E trouxe quatro textos para o dossiê dos 200 anos de nascimento de Karl Marx.

A segunda parte do editorial traz uma análise de todas as edições da Revis-ta Esquerda Petista lançadas até aquele momento. São dados interessantes – que essa que vos escreve não está fazendo agora, e que analisam os números de arti-gos, entrevistas, documentos, fotografias, cartuns; que tratam do projeto gráfico, da importante produção intelectual presente nas oito edições, com a participação de mais de duzentos colaboradores/as. Ob-servam que, apesar da defesa da paridade de gênero nas instâncias, isso não refletia nas produções, visto que a maior parte das colaborações veio de homens.

A análise segue com o perfil das partici-pações apontando de onde vêm as pes-soas que escreveram e sobre o tipo de assuntos que foram escritos.

“Isso indica o quanto a Esquerda Petista tem sido um instrumento importante na disputa de rumos do partido: sua estraté-gia, sua tática, seu programa e sua organi-zação e funcionamento.

Contudo, uma observação é necessária: embora debates sobre feminismo e a participação de mulheres sejam signifi-cativos no conjunto das edições, o tema da liberdade sexual e a explicitação da orientação sexual não binária se registra uma única vez, na oitava edição. Além de debates sobre homossexualidade e liber-dade sexual, também os movimentos ne-gro e indígena estão presentes ainda de forma desproporcional em relação à sua relevância no debate de ideias e disputas postas hoje no cenário político. Isso indica a necessidade de fomentar uma participa-ção mais ampla do conjunto de colabora-dores e colaboradoras, assim como maior diversidade nas pautas, mas sempre sob a centralidade da luta pelo socialismo como fundamento emancipatório crítico na teo-ria e na prática”, diz o editorial.

Há agradecimentos aos que ajudaram a produzir a revista naqueles quatro anos:

“Devemos um agradecimento especial a Claúdio Gonzalez, cujo trabalho, mui-

MEMÓRIA

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to além da diagramação, tem garantido a qualidade do projeto gráfico da revista, e a Edma Walker, responsável pela sua distri-buição, tornando-a acessível aos que pre-ferem um material no formato impresso”.

Por fim, registram “agradecimento ao companheiro Valter Pomar, idealizador da revista, que realizou com o máximo em-penho e competência a tarefa de editor da revista até seu oitavo número”.

A revista também rende homenagens ao companheiro Wagner Lino que partiu em dois de julho.

Destacamos, por fim, que essa edição apresenta na primeira capa interna uma bonita imagem em homenagem aos vinte e cinco anos de nossa tendência (1993-2018); e, na segunda capa interna foto-grafias de alguns combatentes que parti-ram naquele ano: Ana Maria Fonseca, An-derson Gomes, Hélio Bombardi, Marielle Franco, Paul Singer, Theotônio dos Santos e Wagner Lino.

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

As armas da crítica em tempos de guerra

INTERNACIONAL

Entrevista a Fernando Lugo, ex-Presiden-te y actual Senador del Paraguay | María Lilia Macedo e Carlos Francisco Bauer

Políticas y procesos generacionales en la América Latina actual: la persistencia del protagonismo juvenil a 100 años de la Reforma Universitaria de 1918 | Pablo Vommaro

NACIONAL

A estrela de Lula | Lício Lobo

SAÚDE

Reservas internacionais e programa míni-mo | Carlos Octávio Ocké-Reis

EDUCAÇÃO

Um olhar sobre a evolução do financia-mento da educação nos últimos anos | José Marcelino de Rezende Pinto

QUESTÃO AGRÁRIA

A agricultura familiar na berlinda | Catia Grisa

ESQUERDA

PCdoB - Socialismo ou nacionalismo? | Pedro Estevam da Rocha Pomar

Por uma superação conservadora: as re-soluções do VI Congresso do PSOL | Edu-ardo Nunes Loureiro

Redobrando a aposta no republicanismo e na revolução democrática: análise das resoluções da XII Conferência Nacional da Democracia Socialista | Adriano de Oli-veira

DOSSIÊ | MARX 200 anos

Estratégia e lutas de classes no Manifesto do Partido Comunista | Bruno Elias

Sobre a teoria marxiana do Estado bur-guês | Francisco Pereira de Farias

O nosso Gramsci | Luiza Dulci

O marxismo no Brasil: Caio Prado Júnior e a economia política | Rodrigo Cesar

FOTOGRAFIA

Nair Benedicto: “É tempo de ir além!” | Sônia Fardin, com colaboração de Ana Lídia Aguiar

HOMENAGEM

Wagner Lino, presente!

# 10 AGO-SET | 2019

A décima revista tem cento e dezoito pá-ginas e circulou apenas de forma eletrôni-ca em agosto de 2019.

A capa mostra uma moldura com a foto da posse da presidenta Dilma em seu primeiro mandato em que aparecem Te-mer, Dilma, Lula e Marisa e destaca uma verdade (“O PT na crise dos 40”) e uma pergunta: “Golpe contra Dilma, prisão de Lula, eleição de Bolsonaro: frente a derro-tas tão profundas, o que deve mudar no PT?”

A primeira capa interna publica o poema Quem é o Partido?, de Bertold Brecht. E a última capa tem uma imagem de Lula e as frases “Lula Livre” e “Em tempos de guerra, a esperança é vermelha”.

E no interior da revista, unindo todas es-sas referências, alguns textos individuais que analisam o nosso partido.

Isso ocorre não só pelo momento nacio-nal, de um novo ciclo político -- iniciado com o golpe contra a presidenta Dilma, seguido pela condenação, prisão e inter-dição de Lula, e carimbado com a eleição de Bolsonaro--, mas também porque es-távamos em processo de realização do 7º Congresso do partido, onde refletir e apontar as mudanças e os novos cami-nhos que deveríamos seguir nessa situ-

MEMÓRIA

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ação de derrotas, constituía algo crucial para o protagonismo partidário.

Porque se o petismo é uma das mais im-portantes experiências organizativas de classe no país, necessitamos de uma es-tratégia que reconquiste o apoio da maior parte dessa classe, para que possamos ru-mar ao poder e ao socialismo.

Também foi publicada a tese de nossa chapa - Em tempos de guerra, a espe-rança é vermelha - que entre importantes análises e proposições diz que “o PT pre-cisa adotar uma nova estratégia, adequa-da para esta nova situação. Ou seja, arti-cular de uma nova maneira a luta cultural, a luta social, a luta eleitoral-institucional, a auto-organização da classe, as relações internacionais, a política de alianças, o programa e a questão do poder.”

O primeiro parágrafo da tese é um primor que não tem como não relembrar aqui: “Vivemos tempos de guerra. Guerra de ri-cos contra pobres. Guerra de empresários contra trabalhadores. Guerra do agrone-gócio contra os camponeses, indígenas e quilombolas. Guerra de latifundiários urbanos contra o povo sem teto. Guerra de especuladores contra aposentados. Guerra de machistas contra as mulheres. Guerra de racistas contra negros e negras. Guerra dos intolerantes contra os LGBT. Guerra de conservadores contra a juven-tude. Guerra de fascistas contra as liber-dades democráticas. Guerra da ignorância contra a educação libertadora. Guerra dos imperialistas contra as nações periféricas. Guerra do capitalismo contra a humanida-de. Guerra da morte contra a vida.”

E outro trecho de nossa tese é citado no editorial da revista no contexto das mudanças de rumos que o momento impunha: “Se quisermos vencer, deve-mos começar nos libertando de todas as ilusões que predominaram, nos últimos anos, no PT.

A ilusão dos que acreditavam que se a es-querda desistisse da revolução e do po-der, a direita desistiria dos golpes e das di-

taduras militares. Que se desistíssemos da expropriação dos capitalistas, estes acei-tariam a distribuição de renda e poder.

Que se deixássemos de lado o anti-im-perialismo, os EUA e seus amigos aceita-riam a integração regional e respeitariam nossa soberania. Que se a esquerda fosse a campeã do republicanismo e do ‘esta-do de direito’, o outro lado abriria mão do ‘estado da direita’. (...) A cada derro-ta, a cada desmentido, os semeadores de ilusões buscam novas. Não conseguem perceber que na luta de classes vale a máxima: se queres a paz, prepara-te para a guerra. Lula pode ser libertado, Bolso-naro pode ser derrotado, nossos inimigos podem ser divididos, podemos derrotar a direita nas eleições de 2020 e 2022, podemos voltar a governar o país. Mas para isso, só há um caminho: lutar, lutar e lutar. E os que vivem no mundo das ilusões, não conseguem lutar adequada-mente. E a luta será mais ou menos lon-ga, a depender do que ocorra no mun-do, a depender das divisões na coalizão golpista e, principalmente, a depender de nossa capacidade de conscientizar, organizar e mobilizar a classe trabalha-dora. O 7º Congresso do PT será palco de muitas batalhas: da democracia contra a fraude; do debate contra a mera vota-ção; do partido de luta, contra a legenda eleitoral; do partido antissistema, contra a politicagem tradicional e fisiológica; da oposição radical, contra a frouxidão; das reformas estruturais e do socialismo, contra a social-democracia e o social-li-beralismo. Além disso, o congresso do PT será uma batalha entre quem cultiva ilusões e quem semeia esperanças”.

Na editoria internacional, a revista faz um panorama da questão, com textos sobre a Rússia, a China, a Coreia do Norte e o México.

E traz também importantes textos em homenagem aos que se foram: Francis-co Oliveira, Gustavo Codas, Lúcio Bel-lentani, Paulo Henrique Amorim e Wal-ter Barelli.

O sumário apresenta o conteúdo dividido em editorias, conforme segue:

EDITORIAL

Lutar sempre, não importa o tempo que dure

INTERNACIONAL

Faltou combinar com os russos | Pepe Es-cobar

China: 70 anos de socialismo | Wladimir Pomar

Coreia Popular: revolução e socialismo apoiados nas próprias forças | José Reinal-do Carvalho

10 claves para entender el México de López Obrador (texto em espanhol) | Katu Arko-nada

BRASIL

Os intelectuais na história: por uma pers-pectiva materialista da função do conheci-mento | Maria Caramez Carlotto

Os limites da oposição parlamentar | Nata-lia Bonavides

OLJ: fora, no limite ou dentro da lei? | Na-talia Sena

EDUCAÇÃO

A educação em tempos de Bolsonaro | Iza-bel Costa

Desmontando a formação dos educadores brasileiros | Celi Taffarel

SAÚDE

O SUS em tempos sombrios | Aparecida Linhares Pimenta

ESQUERDACartografia da esquerda no Brasil | Lean-dro Eliel P. Moraes

SINDICAL

Novo Sindicalismo, 40 anos depois | Mar-cos Jakoby

MEMÓRIA

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150 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

Cartografia das Centrais Sindicais brasilei-ras | Leandro Eliel P. Moraes

CULTURA

Sobre transe, vertigem e ilusões: o golpe no cinema | Sônia Fardin

RESENHA

De Costas para o Império, de Daniel Araú-jo Valença | Ilana Lemos Paiva

7o CONGRESSO

PT 40 anos: mudança ou crise | Valter Po-mar

“Nem Bolsonaro nem Mourão! Lula Livre! Diretas Já!” | Rui Falcão

Defender a democracia e construir um projeto de esquerda | Paulo Pimenta

Em tempos de guerra, a esperança é ver-melha | Tese da AE

HOMENAGENS

Francisco de Oliveira, um intelectual radi-cal (1933-2019) | Leonardo Mello e Silva

Morte matada! – Homenagem a PHA | Je-suína Previdente

Walter Barelli, o economista dos trabalha-dores | Paulo Fontes

Lúcio Bellentani: a trajetória de um operá-rio militante. Uma visão crítica | Sebastião Neto

DAMARCI OLIVI é militante do PT de Mato Grosso do Sul e membro da direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

MEMÓRIA

https://www.pagina13.org.br

Para ter acesso à revista Esquerda Petista, ao jornal Página 13, aos podcasts Em Tempo de Guerra, a Esperança é Vermelha e muitos outros conteúdos, visite o site PÁGINA 13: https://www.pagina13.org.br

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www.elahp.com.br

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A nova etapa da Campanha Lula Livre tem como foco a anulação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos processos contra Lula e, assim, a restituição de seus direitos políticos.

A suspeição de Moro na condução dos processos políticos da Lava Jato, que incriminaram Lula sem provas, é alvo de um Habeas Corpus, que está em analise no Supremo.