revista princípios, vol. 15, número 23, 2008

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    Princpios, Natal, v.15, n. 23, jan./jun. 2008.

    Revista de Filosofia

    Universidade Federal do Rio Grande do NorteCentro de Cincias Humanas, Letras e Artes

    Programa de Ps-Graduao em Filosofia

    ISSN 0104-8694

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    Princpios Revista de Filosofia ISSN 0104-8694

    Editor responsvelJaimir Conte

    Editor de resenhasGlenn Walter Erickson

    Conselho editorial

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    Revista Princpios:

    Departamento de Filosofia

    Campus Universitrio, UFRNCEP: 59078-970 Natal RN

    Tel: (84) 3215-3643 / Fax: (84) 3215-3641

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    Princpios, UFRN, CCHLA

    v. 15, n. 23, jan./jun. 2008, Natal (RN)

    EDUFRN Editora da UFRN, 2008.

    Revista semestral

    1. Filosofia. Peridicos

    ISSN 0104-8694RN/UF/BCZM CDU 1 (06)

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    Revista de Filosofia

    v.15 n.23 jan./jun. 2008

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes

    Programa de Ps-Graduao em Filosofia

    Princpios, Natal, v.15, n.23, jan./jun. 2008.

    SUMRIO

    ARTIGOSOs princpios de verdade no Livro IV daMetafsica deAristtelesNazareno Eduardo de Almeida

    05

    O leitmotiv arqueolgico de Foucault no Prefcio deHistria daLoucuraAugusto Bach

    65

    Da Virtude ao Terror: o itinerrio de um pensadorrevolucionrioMarcelo Alves

    89

    Da religio natural religio civil em RousseauThomaz Kawauche

    117

    Kripkes Near Miss and Some Other Considerations On RuleFollowingRodrigo Jungmann de Castro

    135

    Perspectivism and Intersubjective Criteria for PersonalIdentity: A Defense of Bernard Williams Criterion of Bodily

    ContinuityTristan Guillermo Torriani

    153

    A pessoa de Rudder Baker realmente incorporada?Jonas Gonalves Coelho

    191

    Bocio e o problema dos futuros contingentesWilliam de Siqueira Piau

    205

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    Princpios, Natal, v. 15, n. 23, jan./jun. 2008.

    A knsis entre o sagrado e o profano: a poltica e asecularizao em Kierkegaard e seu dialogo com algumas dasteses de VattimoMarcio Gimenes de Paula

    233

    Schopenhauer e a metafsica do pessimismoDeyve Redyson

    255

    TRADUESA Existncia de Deus, de Richard SwinburneTraduo de Edrisi Fernandes

    271

    Uma defesa do dualismo de substncias, de Richard SwinburneTraduo de Jaimir Conte

    291

    RESENHAStica, biotica: dilogos interdisciplinares, de Antnio Baslio N.Thomaz de Menezes (Org.).

    Glenn W. Erickson

    315

    Nietzsche e a dissoluo da moral, de Vnia Dutra AzeredoMaici Barboza dos Santos e Samuel Mendona

    317

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    primrio no captulo 3 do Livro IV da Metafsica, e, sobretudo,atravs de trs partes daquilo que Aristteles chama dedemonstrao refutativa do princpio primrio, realizada no captulo4 do mesmo escrito. Para tanto, porm, ser preciso (i) estabelecer osentido exato do princpio primrio e de sua negao, bem como (ii)esclarecer o sentido e o espao lgico em que se move o

    procedimento de demonstrao refutativa proposto pelo estagirita.Sem este trabalho prvio seria impossvel mostrar a equivalnciaentre os princpios de no-contradio e do terceiro excludo comoformulaes complementares do princpio primrio defendido porAristteles.

    Nesta interpretao usa-se a maquinaria da lgica moderna,no nvel do que se pode chamar de uma lgica modal de predicadosde ordem superior. No entanto, tal uso do simbolismo e dos sistemaslgicos modernos feito apenas para explicitar a estruturaargumentativa extremamente cerrada do texto analisado,procurando, com o mximo de fidelidade possvel, traduzir na

    linguagem formal moderna o que est expresso no texto, sem sepreocupar com as questes tcnicas e filosficas atuais sobre aslgicas modais de predicados de ordem superior, em especialquestes sobre sua incompletude, assim como sobre oscompromissos ontolgicos envolvidos na quantificao depredicados.5 Tal uso, portanto, se mantm atrelado ao nvel dainterpretao e coloca em jogo apenas teses e esquemas lgicosoperados ou diretamente supostos pelo prprio Aristteles, tanto notexto da Metafsica (em especial no Livro IV) quanto nos escritosque compem o Organon, os quais so evidentemente pressupostose usados na argumentao do estagirita.

    Alm da clareza, este uso do simbolismo mostra que aargumentao aristotlica tem ainda uma importncia filosfica apartir daquilo que Lukasiewicz chamou de interpretao desde o

    5 Para uma teoria lgico-filosfica atual (concebida em consonncia com aontologia aristotlica) que enfrenta persuasivamente estas questes do ponto devista da ontologia formal, veja-se, de Nino Cocchiarela, Conceptual realism as aformal ontology, in Formal ontology; (eds.) Roberto Poli & Peter Simons.Dordrecht/Boston/Londres: Kluwer, 1996, p. 27-60.

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    ponto de vista da lgica formal moderna, a qual tem nas obras deAristteles seu momento primeiro de instaurao. A partir desteponto de vista, o texto do Livro IV da Metafsica se revela comouma pea de argumentao de extrema atualidade, especialmente nocampo do que hoje chamado de ontologia formal, sobretudo porcolocar os princpios de verdade como estruturas simultaneamente

    lgicas, epistmicas e ontolgicas que tornam possvel qualquerrelao verdadeira ou falsa entre pensamento, discurso e mundo.Mostrar a ossatura lgica do texto de Aristteles, portanto, nosignifica querer atualiz-lo, mas mostrar justamente sua atualidadefilosfica como texto que deve ainda hoje ser tomado, ao menos,como uma pea de argumentao indispensvel para todos os que seinteressam pela relao entre epistemologia, lgica e ontologia.

    Procura-se, o quanto possvel, re-traduzir o sentido dasformalizaes, de modo que no preciso um conhecimentoaprofundado da lgica modal de predicados por parte do leitor,bastando apenas um conhecimento introdutrio de lgica moderna e

    um tanto de ateno para que possa acompanhar os principais passosargumentativos da interpretao.

    Uma ltima observao necessria. A aparente extenso doartigo se deve importncia do que est em jogo: propor uma novainterpretao do real sentido da fundamentao aristotlica daontologia, interpretao que exige uma reavaliao da perspectivatradicional de compreenso do Livro IV daMetafsica.

    2 As caractersticas do princpio primrio e sua explicitao

    Aps uma densa especulao defendendo os direitos do filsofo,diante dos fsicos e dos matemticos, de ser o responsvel peladiscusso dos princpios primeiros defesa que perfaz a maior partedo captulo 3 do Livro IV da Metafsica , o estagirita passaimediatamente enumerao das propriedades no dos princpios

    primeiros de todas as demonstraes, mas do princpio mais firmede todos, acerca do qual impossvel estar enganado.6 A partir de

    6Metafsica, IV, 3, 1005 b 11-12: bebaiotav th d! ajrch; pasw'n peri; h}n diayeu-sqh'nai ajduvnaton.

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    sua verdade incontestvel, tal princpio possui duas caractersticasdefinitrias necessrias: (1) o mais conhecido (gnwrimwtavthn),uma vez que sobre ele impossvel estar enganado, pois todas asvezes est-se errado acerca daquilo que no se conhece7; e, almdisso, (2) deve ser no-hipottico (ajnupovqeton), o qual, porm, necessariamente ser conhecido por aquele que pretenda vir a

    conhecer qualquer coisa.

    8

    Sua possesso deve ser, por isso, anteriora qualquer outro conhecimento, pois qualquer conhecimento dequalquer coisa j deve estar colocado sob a gide deste princpiofundamental.

    Assim, logo aps argumentar brevemente em favor dacincia do ser enquanto ser como responsvel tanto pelainvestigao da essncia (hJ oujsiva), quanto pela investigao dosprincpios primrios, Aristteles se pe a caminho de realizar estatarefa, postulando deste modo o princpio fundamental:

    impossvel que o mesmo subsista/pertena [uJpavrcein] e tambm no subsista/pertenasimultaneamente no/ao mesmo segundo o mesmo (e aquelas outras determinaes que poderamosacrescentar em vista das dificuldades lgicas). Este o mais firme detodos os princpios, pois possui da definio antesenunciada.

    impossvel que qualquer conceba que o mesmo e no ,conforme alguns afirmam ter dito Herclito; posto que nonecessariamente algum concebe aquilo mesmo que diz.

    Se (i) no possvel que os contrrios subsistam simultaneamente nomesmo (desde que determinemos os adendos costumeiros a estaproposio), e tambm (ii) a opinio contrria a esta [ao princpioprimrio] opinio da contradio, claro que impossvelalgum conceber que o mesmo e que no , pois teria simultaneamenteas opinies contrrias aquele que est enganado sobre este .

    Por isso, todas as demonstraes remontam a esta opinio, pois este ,por natureza, o princpio de todos os demais axiomas. 9

    7Metafsica, IV, 3, 1005 b 13-14:peri; ga;r a} mh; gnwrivzousin ajpatw'ntai pavn-te".

    8Metafsica, IV, 3, 1005 b 16-17: o} de; gnwrivzein ajnagkai'on tw'/ oJtiou'n gnwriv-zonti.9Metafsica, IV, 3, 1005 b 19-34: to; ga;r aujto; a{ma uJpavrcein te kai; mh;

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    O que se pode ler como:Necessariamente, para toda entidade x, para todo predicado F,

    no o caso que ((x seja F) e que (x no seja F)).Esta formulao de carter modal aponta para aquilo que

    Aristteles, em ltima instncia, pretende com seu princpio: que eleregule qualquer enunciao declarativa que se faz ou que se pode

    fazer sobre algo, de tal modo a determinar necessariamente suaverdade ou falsidade em estabelecendo a impossibilidade de que sejaao mesmo tempo verdadeiro afirmar e negar um mesmo predicadode um mesmo sujeito em um mesmo sentido. Muitas vezes deixa-sede levar em conta a formulao mesma do princpio apresentada porAristteles nesta e em outras passagens, sendo comum que osintrpretes desconsiderem o sentido modal do princpio primrio,desconsiderao bastante grave, dada a importncia dos conceitosmodais nos escritos do Organon e na prpria argumentaodesenvolvida ao longo do Livro IV daMetafsica.

    Esta formulao modalizada e exposta no nvel da lgica

    predicativa tem diretamente a ver com a posterior discusso sobre aessncia como referncia primria das predicaes, discussoelaborada no captulo seguinte e sobre a qual se falar adiante. Estaformulao ser importante tambm para entender o sentido exatodas possveis formas de negao do princpio primrio e assim, dasformas de refutao destas negaes desenvolvidas por Aristtelesao longo de seu escrito.

    Depois de formular lgica e ontologicamente o princpioprimrio e absolutamente verdadeiro, a passagem continuaestabelecendo outra formulao de carter epistmico do mesmoprincpio e defendendo-a daquilo que seria a tese heraclticacontrria ao princpio. Na realidade, todo este trecho at o final dacitao se concentra em mostrar a necessidade epistmica doprincpio primrio. Este artigo no se deter neste carter epistmicodo princpio, uma vez que o captulo 4, que segue esta passagem, dedicado sobremaneira a provar o sentido lgico e ontolgico do

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    tese heracltica j coloca implicitamente em jogo o princpio doterceiro excludo. Como bem intuiu Lukasiewicz, aqui Aristtelesprocura defender o sentido epistmico16 do princpio primrioatravs de seu sentido lgico e ontolgico. O princpio do terceiroexcludo est presente porque o estagirita invoca implicitamenteaqui a oposio por contradio do quadrado lgico, oposio

    explicitada no tratado Da interpretao e usada ao longo de toda aexposio sobre os silogismos nos Primeiros analticos, assim comonas formas possveis de prova e refutao nos Tpicos.

    Trata-se de um argumento extremamente concentrado quepode ser reconstitudo da seguinte maneira. Quem sustenta, comHerclito, que se pode conceber (com verdade) que propriedadescontrrias (designadas por predicados logicamente contrrios)podem subsistir e no subsistir no mesmo sujeito, sustenta umaopinio contrria quele que, com Aristteles, defende que isso no possvel, ou seja, uma opinio contrria quele que defende oprincpio de no-contradio. Assim, aquele que nega o princpio de

    no-contradio sustenta como verdadeira a opinio contraditriadeste princpio e pretende que esta opinio seja verdadeira e que,portanto, o princpio de no-contradio defendido por Aristtelesseja falso.

    Mas com isso, o adversrio do princpio de no-contradiocomete uma auto-contradio, pois supe e pretende que apenasuma das duas teses (a sua) seja verdadeira e a outra falsa, de modoque j supe como verdadeiro o princpio de no-contradio em suanegao deste mesmo princpio, e o faz justamente ao se submeterao princpio do terceiro excludo, pois pretendendo que sua tese sejaverdadeira e a outra falsa, ele necessariamente j supe que apenasuma das duas teses contrrias verdadeira. Portanto, contrariamenteao que afirma sua tese, o adversrio do princpio primrio no podeconceber como simultaneamente verdadeiras tanto a sua tese como atese contrria, ou seja, no aceita como simultaneamente verdadeiras

    16 Chamado por Lukasiewicz de sentido psicolgico do princpio de no-contradio.

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    Destarte, Aristteles prova a verdade do princpio de no-contradio em seu sentido epistmico justamente atravs doprincpio do terceiro excludo, na medida em que este est supostona pretenso de verdade que acompanha a tese do adversrio doprincpio de no-contradio em seu sentido epistmico. Trata-se, narealidade, de uma reduo ao absurdo, procedimento que opera

    justamente com a suposio dos dois princpios em sua mtuaimplicao. Isso uma primeira evidncia daquilo que o presenteartigo defende: a bi-implicao necessria dos princpios de no-contradio e do terceiro excludo como formas equivalentes doprincpio primrio da filosofia primeira elaborada por Aristteles.

    Outro ponto importante nesta reduo ao absurdo (e queestar presente nas demonstraes refutativas elaboradas a partir docaptulo 4) a idia de que todos os discursos declarativos sempretm, implicitamente, uma pretenso de verdade, quer quandoafirmam quer quando negam um mesmo predicado de um mesmosujeito. Tal pretenso de verdade justamente aquilo que exige e

    supe a verdade da bi-implicao necessria dos princpios de no-contradio e do terceiros excludo. Isto indicado justamente pelofato de que se impossvel conceber que um mesmo predicado pode(simultaneamente e com verdade) ser afirmado e negado de ummesmo sujeito, ento necessrio conceber que este mesmopredicado seja afirmado ou negado com verdade de um mesmosujeito. Sem esta pretenso de verdade os discursos declarativos(afirmativos ou negativos) deixariam de ser inteligveis, uma vezque perderiam seu sentido e sua referncia, ou seja, deixariam depoder ser verdadeiros ou falsos e nada diriam, pois destruiriam aintencionalidade necessria aos pensamentos que expressam. Masisso ficar mais claro a partir das anlises feitas nas prximas seesdeste artigo.18

    18 A idia de uma pretenso de verdade inerente forma dos enunciadosdeclarativos apresentada por Charles Kahn em seu instigante artigo Sobre ateoria do verbo ser, in Sobre o verbo grego ser e o conceito de ser; trad. MauraIglesias et alli, Cadernos de traduo 1, Rio de Janeiro: PUC, 1997, p. 33-62. Amesma idia proposta por Ernst Tugendhat em seu Lies introdutrias

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    Esta pequena reduo ao absurdo da tese heracltica nos dum indcio do teor extremamente concentrado da argumentaodesenvolvida no captulo 4 do Livro IV, objeto de muitacontrovrsia interpretativa e sobre o qual o restante do artigo sededica para mostrar a equivalncia necessria entre o princpio deno-contradio e o do terceiro excludo como formulaes

    alternativas do princpio primrio de verdade que fundamenta aproposta aristotlica de uma filosofia primeira.

    3 Os adversrios do princpio e a postulao da demonstrao

    refutativa

    Aristteles inicia o captulo 4 do Livro IV identificando osadversrios do princpio primrio:

    Contudo, h aqueles que, como j mencionamos, afirmam que possvelo mesmo ser e no ser e que conceber destemodo. Com efeito, muitos se valeram deste discurso, inclusive dentreaqueles acerca da natureza.19

    Assim comea a fundamentao do princpio primeiro:justamente apontando de modo geral para aqueles que negaram esteprincpio, apontando para os adversrios do princpio primrio naforma da no-contradio.

    Com efeito, o captulo 5 dedicado a enumerar os fisilogose sofistas que negaram (implcita e explicitamente) o princpio deno-contradio e as causas de terem adotado esta posio. Constituium aparente contra-senso o fato de Aristteles afirmar que oprincpio por ele proposto e defendido tenha sido negado desde osprimrdios do pensamento grego (at Homero citado!), uma vez

    que foi atribudo a este princpio o carter de ser o mais conhecidode todos e pressuposto para toda compreenso e conhecimento dosentes. Na realidade, Aristteles se vale aqui, implicitamente, da

    filosofia analtica da linguagem; trad. Mrio Fleig et alli. Iju: Uniju, 1992, esp.p. 70-71.

    19Metafsica, IV, 4, 1005 b 35-1006 a 3: aujtoiv te ejndev cesqai fasi to; aujto;ei\nai kai; mh; ei\nai, kai; uJpolambavnein ou{tw". crw'ntai de; tw'/ lovgw/' touvtw/ po-lloi; kai; tw'n peri; fuvsew".

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    distino epistemolgica freqentemente usada por ele entre o que mais conhecido por ns e o que mais conhecido por natureza oupor si.20 Assim, o princpio o mais conhecido por natureza, umavez que j est implcito em qualquer crena ou declarao compretenso de verdade, mas no o mais conhecido por ns,principalmente pelo fato de nos determos demasiadamente no

    aspecto mutvel dos entes sensveis (sub-lunares), conformediagnosticar o estagirita.21 Entretanto, como se ver, sem estesadversrios o princpio primrio seria apenas uma proposio geralsobre a qual bem pouco se poderia falar.22

    O captulo 4 continua justamente comentando a falta deeducao daqueles que pedem uma demonstrao para todas ascoisas. Segundo Aristteles, tal exigncia auto-contraditriadesde um ponto de vista pragmtico, pois tornaria impossvelqualquer demonstrao, dado que se cairia em um regresso aoinfinito.23 Apesar disso, no possvel satisfazer a vontade dos quepedem uma demonstrao para tudo e que pedem, por isso, uma

    demonstrao do princpio primrio para poderem assentir suaverdade necessria, pois em sendo princpio de todas asdemonstraes, torna-se indemonstrvel, ao menos no sentido estritodas demonstraes com real valor epistmico.

    No entanto, imediatamente aps enfatizar a evidnciaindemonstrvel do princpio primrio, Aristteles afirma:

    Contudo, h demonstrar por refutao, acerca disto [da pretensode negar o princpio], que impossvel, desde que o adversrio diga algo;porm, se nada , ridculo procurar um discurso em relao queleque no sustente nenhum discurso, enquanto ele no sustenta nenhum

    20 Esta tambm a interpretao de Robert Bolton em seu Aristotles conceptionof metaphysics as a science, in Unity, identity and explanation; (eds.) T, Scaltsas,D. Charles, M. L. Gill. Oxford: Clarendon, 1994, p. 325.

    21Metafsica, IV, 5, 1009 a 22-38; 1009 b 38-1010 a 2.22 Para um quadro sinptico e sistemtico dos adversrios e suas posies

    especficas, veja-se, de Barbara Cassin, Parle, si tu es un homme, inLa dcisondu sens, le livre Gamma de la Mtaphysique dAristote. Paris: Vrin, 1989, p. 56-57.

    23 No muito tempo depois esta falta de educao (ajpaideusiva) viria a serinstituda como um dos cinco tropos de Agripa.

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    4 As formas possveis de negao do princpio primrio e o

    alcance da demonstrao refutativa

    Neste ponto importante identificar, luz da formalizao doprincpio antes exposta, os dois tipos possveis de negao doprincpio de no-contradio, de modo a entender o que estar em

    jogo na demonstrao refutativa proposta por Aristteles para

    provar a verdade necessria do princpio primeiro. Apesar daaparente complexidade da anlise, ela nos permite mapearlogicamente a fora e o sentido exatos dos argumentos queAristteles desenvolve em sua demonstrao refutativa do princpioprimeiro atravs daqueles que o negam.

    H dois tipos lgicos possveis de negao do princpioprimrio, uma fraca e uma forte.27 Retomando a formulao doprincpio primrio na forma da no-contradio:

    (x) (F) ~ [(Fx) & (~ Fx)]A negao forte do mesmo pode ser simbolizada do seguinte

    modo:

    (A) (x) (F) [(Fx) & (~ Fx)]Esta forma lgica significa:Necessariamente, para toda entidadex, para todo predicado F,

    o caso que ((x seja F) e que (x no seja F)).J na apresentao e na primeira etapa da demonstrao

    refutativa, fica claro que esta formulao que Aristteles tem emvista como sendo a posio de seu adversrio, ou seja, esteadversrio do princpio fundamental28 afirma que toda entidadepossui sempre e simultaneamente propriedades contrrias, de modoque sempre verdadeiro afirmar e negar simultaneamente os

    mesmos predicados de um mesmo sujeito.

    27 Esta idia j insinuada por Lukasiewicz no artigo referido, mas explicitamenteapresentada por Russell Dancy em seu Sense and contradiction, opus cit., p. 59 ss.

    28 Aristteles no tem aqui especificamente nenhum personagem histrico em vista.Seu adversrio uma construo terica e hipottica. Se algum pode seraproximado da posio que representa a negao forte Herclito ou seusdiscpulos e epgonos. Para uma minuciosa discusso acerca deste ponto, veja-se,de Russell Dancy, Sense and contradiction, opus cit., cap. 3.

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    Apesar disso, o incio do captulo 4 (a saber: que h aquelesque, como j mencionamos, afirmam que possvel o mesmo ser eno ser.), nos indica outro tipo de negao do princpio primrio naforma da no-contradio. Ela pode ser chamada de negao fraca,e simbolizada deste modo:

    (B) (x) (F) [(Fx) & (~ Fx)]

    Esta frmula pode ser lida como: possvel que exista ao menos uma entidade x, e que exista ao

    menos um predicado F, tal que o caso que ((x seja F) e que (x noseja F).

    Com efeito, a demonstrao refutativa tem alcances diferentesdiante destas duas posies possveis, justamente porque aformulao do princpio defendida por Aristteles est colocada emrelaes lgicas distintas diante de cada uma destas possibilidadesde negao.29

    Aplicando a este contexto de posies e oposies as leis doquadrado lgico das modalidades e as relaes de equivalncia entreas modalidades, tais como elaborados pelo prprio Aristteles notratadoDa interpretao (caps. 12-1330), temos, inicialmente, que oprimeiro tipo de negao (A) est em uma relao de contrariedadecom a formulao do princpio defendida pelo estagirita. 31 No casode uma oposio de contrariedade, segundo as regras do quadradolgico das modalidades, ambas as partes da oposio no podem ser

    29 Bem entendido, relaes distintas dentro do espao lgico em que se move aargumentao de Aristteles.

    30 Para uma elaborao deste quadrado das modalidades aristotlicas, segundo asmesmas relaes lgico-semnticas do quadrado lgico, veja-se, de Martha e

    William Kneale, O desenvolvimento da lgica; trad. M. S. Loureno. Lisboa:Calouste Gulbenkian, 1991, p. 87-88. Para uma sucinta discusso sobre asequivalncias modais e um quadro sinptico das mesmas, veja-se, de RobertBlanch,A histria da lgica de Aristteles a Russell; trad. Antnio J. P. Ribeiro.Lisboa: Edies 70, p.68-73.

    31 Isto j apontado por Lukasiewicz em seu Sur le principe de contradiction chezAristote, art. cit., p. 24: ce qui reste faire pour le Stagirite, la fin de sesexplication, ce nest plus de dmontrer la principe de contradiction dans sagnralit, mais de trouver au moins une vrit absolue et exempte decontradiction, permettant dtablir la fausset de la thse oppose selon lacontraritau principe de contradiction.

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    simultaneamente verdadeiras, mas ambas podem ser falsas. Istosignifica que tanto a forma lgica do princpio defendida porAristteles quanto aquela que sua negao forte podem sersimultaneamente falsas. Por exemplo, a oposio entreNecessariamente, todos os seres humanos so justos eNecessariamente, nenhum ser humano justo pode ser

    simultaneamente falsa desde que haja algum ser humano justo oualgum ser humano injusto; assim, tambm a afirmao danecessidade e universalidade da no-contradio pode ser to falsaquanto a afirmao da necessidade e universalidade dacontradio, desde que haja ao menos um estado de coisas no-contraditrio ou que haja ao menos um estado de coisascontraditrio.

    Ainda de acordo com o quadrado modal, o segundo tipo denegao (B) do princpio de no-contradio constitui justamente acontraditria do princpio de no-contradio. Neste caso, uma eapenas uma das partes falsa e a outra, verdadeira. Note-se que este

    tipo de adversrio no est afirmando que todas as contradies sosempre verdadeiras ditas de todas as coisas em qualquer tempo. Oque este adversrio est dizendo que, ao menos, possvel quehaja contradies verdadeiras. Ele no afirma de modo universal enecessrio a contradio, bem antes, nega ou pe em dvida avalidade irrestrita do princpio de no-contradio.32

    Agora, diante deste mesmo quadrado lgico, mas colocadonas exigncias formais de prova e refutao desenvolvidas nosTpicos33, as teses universais afirmativas ou negativas so, de umlado, as mais difceis de serem provadas e as mais fceis de seremrefutadas; de outro lado, porm, as teses particulares afirmativas ou

    32 Tal a posio atualmente chamada de dialetesmo (fundada em umadeterminada interpretao da negao na lgica paraconsistente), segundo a qualh algumas contradies verdadeiras. Para uma defesa do dialetesmo contraargumentos que remetem defesa da no-contradio por Aristteles, veja-se, deGraham Priest, What is so bad about contradiction?, in The journal ofphilosophy, v. 45, n 8, 1998, p. 410-426.

    33 Cf. Tpicos, II, 1-3; III, 6. Para uma excelente anlise lgica e hermenuticadestas passagens no contexto do Organon, veja-se, de Vittorio Sainati, Storia dellOrganon aristotelico (v. I), opus cit., p. 41-51.

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    negativas so as mais fceis de serem provadas e as mais difceis deserem refutadas. No presente contexto, isto significa que tanto auniversalidade e necessidade do princpio de no-contradioafirmada por Aristteles, quanto a negao forte deste mesmoprincpio so muito mais vulnerveis refutao que aptas prova,bastando para tanto apenas que um dos oponentes da disputa admita

    a existncia de alguma instncia no-contraditria ou de algumainstncia contraditria, pois mesmo que apenas um deles venha aadmitir alguma instncia particular que refuta a necessidade euniversalidade de sua tese, isso ainda no prova a verdade danecessidade e universalidade da tese contrria. Por exemplo, se verdade que h algum homem justo, ento necessariamente falso(impossvel) que necessariamente, nenhum homem justo, mascom isso ainda no estamos logicamente justificados para assumircomo necessariamente verdadeiro que necessariamente, todos oshomens so justos.

    Deste modo, dado que o carter da demonstrao proposta

    por Aristteles o de uma refutao daquele que nega o princpioprimrio, ento, por assim dizer e em primeira instncia, mais fcilrefutar a negao forte deste princpio que sua negao fraca.

    Destarte, se o adversrio nega de modo forte o princpio deno-contradio atravs da seguinte asseverao geral, a qualpretende que seja verdadeira:

    (i) (x) (F) [(Fx) & (~ Fx)]Ento, para que Aristteles refute a tese (i), bastar que

    force este tipo de adversrio a admitir a verdade, ao menos, de umadas seguintes instncias do princpio de no-contradio:

    (1) (x) (F) ~ [((Fx) & (~ Fx)](2) (x) (F) ~ [(Fx) & (~ Fx)]

    (3) (x) (F) ~ [(Fx) & (~ Fx)](4) (x) (F) ~ [( Fx) & (~ Fx)]

    Em (1) estabelece-se que: possvel que exista ao menos uma entidade x, e que exista ao

    menos um predicado F, tal que no o caso que ((x seja F) e que (xno seja F)).

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    Em (2) estabelece-se que:Existe ao menos uma entidade x, e existe ao menos um

    predicado F, tal que no o caso que ((x seja F) e que (x no sejaF)).

    Em (3) estabelece-se que:Necessariamente, existe ao menos uma entidade x, e existe ao

    menos um predicado F, tal que no o caso que ((x seja F) e que (xno seja F)).Em (4) estabelece-se que:Existe ao menos uma entidade x, e existe ao menos um

    predicado F, tal que no o caso que ((x necessariamente seja F) eque (x no necessariamente seja F)).

    Entre estas possibilidades de refutao, contudo, Aristtelesescolher a terceira e a quarta pelas seguintes razes:

    Em primeiro lugar, de (3) pode-se derivar (1) e (2), postoque para Aristteles valem os axiomas de que (a) do necessriosegue-se o atual (o que o caso) e que (b) do atual segue-se o

    possvel,34 mas no o inverso, ou seja, no se pode inferir do que possvel o que atual e do que atual, o que necessrio, demaneira que se Aristteles obtivesse alguma instncia de (1) ou de(2), ento a validade do princpio de contradio no somente noseria provada em sua universalidade, mas inclusive em suanecessidade, de modo que dificilmente poderia ser consideradocomo princpio primrio de verdade um enunciado que valesse

    34 Nas lgicas modais atuais estes axiomas so chamados respectivamente T eT1. Uma vez que estes axiomas podem ser tomados como consecutivos (nosistema S5), podem ser expressos pela seguinte forma lgica:

    ( p p) (p p)Ou seja:Se (se necessariamente p, ento o caso que p) ento (se o caso que p,

    ento possvel que p).Para uma passagem em que Aristteles opera com estes axiomas cf.Metafsica, IX,

    4. Que o estagirita no admite o caminho inverso destas inferncias fcilperceber, por exemplo, atravs do quadrado das modalidades, o qual segue regrassemnticas anlogas s do quadrado lgico, de modo que se fosse permitido partirdo possvel ou do atual para o necessrio, seria permitido igualmente concluir daverdade de uma predicao particular (I ou O) a verdade da mesma predicaouniversalizada (A ou E), o que no o caso.

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    Com efeito, o estagirita s poderia refutar a negao fracado princpio primrio afirmando o mesmo, com o que no haveriarefutao, mas apenas uma repetio tautolgica do princpio,independentemente de instncias no-contraditrias admitidas peloadversrio. Curiosamente, portanto, aquela que a negao fraca doprincpio primrio tem mais fora refutativa do que a negao forte

    do mesmo princpio.Essas observaes mostram claramente os limites dapretenso inicial de Aristteles, a saber: ele s pode demonstrar porrefutao a falsidade necessria da negao forte do princpioprimrio de verdade (a impossibilidade da necessidade euniversalidade da contradio), mas isso aindano suficiente paraprovar a verdade necessria do princpio primrio (a necessidade euniversalidade da no-contradio), pois para tanto o estagirita teriade refutar tambm a negao fraca do princpio, ou seja, teria dedemonstrar a impossibilidade (falsidade necessria) da negaofraca do princpio primrio, o que, segundo as determinaes acima,

    se afigura impossvel, dado que h virtualmente infinitas instnciasde predicao no mundo.

    Este fato, quase sempre negligenciado pelos intrpretes,mostra claramente quais os limites da demonstrao refutativa, almde indicar que, lgica e epistemicamente, tal procedimento tem umsentido indutivo, posto que no possvel demonstrar o princpioprimrio por meio de nenhum outro, o que indica tambm que ademonstrao refutativa comete sim um tipo (especial) de petio deprincpio e opera com um tipo especfico de demonstrao circularcom validade apenas indutiva.39

    Estabelecido o espao lgico em que se move a disputaentre Aristteles e os adversrios do princpio primrio por eledefendido, pode-se retomar a interpretao do captulo 4 e mostrar a

    39 No possvel mostrar neste artigo em que sentido a demonstrao refutativa, emsua peculiar petio de princpio, um tipo especial de demonstrao circular comvalidade indutiva, pois isso demandaria a discusso de diversas passagens dosAnalticos e dasRefutaes sofsticas.

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    A correta interpretao deste trecho vital para aargumentao do presente artigo. O trecho foi separado empargrafos numerado para facilitar a exposio. Em (1), Aristtelesesclarece o sentido geral do peculiar procedimento. Em primeirolugar, (i) se Aristteles quisesse demonstrar o princpio primrioestaria claramente cometendo uma petio de princpio (no presente

    contexto, de fato, cometendo a petio de princpio por excelncia),mas como o adversrio que exige uma prova deste mesmoprincpio, dele a responsabilidade desta petio e a demonstraodo princpio exigida por ele ser, na realidade, uma refutao de suanegao do princpio primrio.

    Em (2), Aristteles estabelece duas teses importantes.Primeiramente, que o princpio de no-contradio equivale aoprincpio do terceiro excludo (que se diga que algo ou no ),apontando claramente para a hiptese defendida no presente artigo.Em segundo lugar, porm, Aristteles parece descartar o uso doprincpio do terceiro excludo para a refutao da negao (forte) do

    princpio, indicando que se deve iniciar a demonstrao refutativafazendo com que o adversrio signifique algo para si mesmo e paraoutros, caso em que pode haver uma demonstrao do princpio.

    Contudo, em (3) o sentido de (2) se esclarece de um modoinusitado. Na realidade, (2) e (3) so a repetio em outro nvel de(i) e (ii) de (1), ou seja, no se deve comear demonstrando oprincpio atravs de si mesmo (caso em que Aristteles seriaculpado pela petio de princpio), mas comear pedindo que oadversrio do princpio primrio signifique algo para si e para outrapessoa. Neste momento pode-se proceder a demonstrao de algumainstncia particular do princpio, enquanto se refuta a negao(forte) defendida pelo adversrio, o qual se torna responsvel pelapetio de princpio cometida na demonstrao. Esta interpretaotorna clara a frase ao destruir o argumento se submete aoargumento, frase de outro modo estranha ao contexto. Assim, oprincpio no diretamente posto em jogo no incio doprocedimento, mas ser posto em jogo, como se ver adiante,durante o procedimento de refutao da tese adversria.

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    Em suma, quando o adversrio que nega o princpioprimrio de modo forte significa algo determinado para si e paraoutro, ele admite, nas palavras de Aristteles, que algo verdadeirosem demonstrao, de modo que no sustentaria que tudo assim eno assim, ou seja, admite tanto a impossibilidade de sua exignciade uma demonstrao para todos os princpios quanto que no pode

    sustentar sua tese inicial, tendo de admitir alguma instncia doprincpio primrio, quer forma do terceiro excludo quer na forma dano-contradio, tal como ficar mais claro abaixo.

    6 Apresentao esquemtica das partes da demonstrao

    refutativa e de seus contedos argumentativos

    O conjunto complexo e condensado de argumentos que compem oque Aristteles chama de demonstrao refutativa se estende por umlongo trecho que compreende todo o restante do captulo 4. Narealidade, este trecho contm vrias demonstraes refutativas queno podero ser aqui analisadas uma a uma, pois isso demandaria

    um espao muitssimo maior que um artigo. De modo a situar osargumentos que sero analisados, divide-se este trecho em trspartes:

    (A) de 1006 a 26 at 1007 b 29.(B) de 1007 b 29 at 1008 b 2.(C) de 1008 b 2 at 1009 a 5.Cada uma dessas partes pode ser subdividida e resumida em

    sua argumentao do seguinte modo:(A) se subdivide em duas partes:(A1) de 1006 a 26 at 1007 a 20: onde se refuta o adversrio

    do princpio primrio demonstrando uma instncia do tipo (3) pormeio de sua aceitao do princpio do terceiro excludo e daindiscernibilidade dos idnticos.

    (A2) de 1007 a 20 at 1007 b 29: onde, supondo (A1) comoadmitido, refuta-se o adversrio do princpio por meio de umainstncia do tipo (4), obtida mostrando que a lgica das predicaesexige a diferenciao entre predicados essenciais (necessrios) epredicados acidentais (contingentes), sendo os primeiros indicativos

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    da existncia de essncias enquanto referncias primrias daspredicaes.

    (B) se subdivide em trs partes:(B1) de 1007 b 29 at 1008 a 2: onde se estabelece a

    equivalncia entre a negao forte do princpio de no-contradio ea negao (forte ou fraca) do princpio do terceiro excludo.

    (B2) de 1008 a 2 at 1008 a 34: onde se refuta o adversriodo princpio do terceiro excludo mostrando que: (i) se ele nega esseprincpio de modo forte, ento est tornando sua prpria tese falsa ecometendo uma auto-contradio, ou (ii) se ele nega o princpio doterceiro excludo de modo fraco, ento contradiz a tese de que tudo contraditrio.

    (B3) de 1008 a 34 at 1008 b 2: onde se refuta o adversriodo princpio primrio na forma do terceiro excludo atravs doprincpio de no-contradio pressuposto na definio de verdade efalsidade aplicada negao e afirmao, admitindoexplicitamente que esta refutao pode ser considerada uma petio

    de princpio.(C) se subdivide em duas partes:(C1) de 1008 b 2 at 1008 b 31: onde se refuta o adversrio

    do princpio primrio, tanto em sua forma da no-contradioquanto na forma do terceiro excludo, atravs das conseqnciasabsurdas da negao forte desde o ponto de vista pragmtico, tantotico quanto epistmico.

    (C2) de 1008 b 31 at 1009 a 5: onde se refuta a negaoforte do princpio primrio atravs da postulao da possibilidade dehaver algo verdadeiro e no-contraditrio em relao ao qual asopinies podem ser consideradas mais ou menos verdadeiras e noverdadeiras e falsas ao mesmo tempo.

    Apresentadas as partes e sub-partes que compem as vriasdemonstraes refutativas do captulo 4 do Livro IV daMetafsica, opresente artigo se deter apenas em (A1) e em (B1) e (B2), pois nelas que fica clara a equivalncia necessria entre os princpios deno-contradio e do terceiro excludo como formas alternativas doprincpio primrio de verdade.

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    Aquilo que Aristteles tem em vista neste texto ademonstrao do princpio primrio na forma da no-contradiopor meio da refutao de tipo (3) antes mencionada, a saber:

    (x) (F) ~ [(Fx) & (~ Fx)]A demonstrao disso feita, como ser analisado, atravs

    do princpio do terceiro excludo e pela lei da indiscernibilidade dos

    idnticos. Mas antes de expor esquematicamente a estrutura daargumentao construda atravs das passagens grifadas, cabe umbreve comentrio introdutrio.

    Aristteles comea sua primeira demonstrao refutativareivindicando a verdade inconteste justamente do princpio doterceiro excludo ao dizer que a designao significa o ser

    ou no ser isto, de modo queno o caso que todas sedo assim e no assim. O estagirita estabelece nesta frase inicialaquilo que deve ser demonstrado. No se trata de uma formulaodo princpio de no-contradio, mas justamente do princpio doterceiro excludo.

    O termo aqui vertido por designao corresponde ao gregoto; o[noma, geralmente traduzido por nome. Tal traduo enganadora, pois leva a pensar que Aristteles estaria falando deuma estrutura semntica anterior enunciao predicativa; com oque tambm estaria contrariando ou reformulando a idia, expostano tratadoDa interpretao (caps. 2-3), segundo a qual os nomes eos verbos, por si mesmos, ainda no so verdadeiros nem falsos.Aquilo que Aristteles indica aqui justamente o lovgo" enquantopredicao, enquanto conceito geral que deve ser aplicado a algumnmero de indivduos e que lhes atribui ou denega, de modoverdadeiro ou falso, um ser ou no ser determinados, um ser isto ouno ser isto. Aquilo que Aristteles exige que tomem comoverdadeiro por si mesmo justamente o fato de que a predicaodetermina o que algo ou no , o que tambm quer dizer, oestagirita est reivindicando como evidente que todas asdesignaes possveis para algo na forma da predicao afirmativaou negativa respeitam o princpio do terceiro excludo, de modo queno o caso que todas se do assim e no assim. Eis

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    o ponto de partida: se todas as predicaes respeitam o princpio doterceiro excludo, ento tem de valer o princpio de no-contradio.A partir desta equivalncia comea efetivamente a argumentao deAristteles para refutar a negao forte do princpio de no-contradio.

    Feita esta observao introdutria, possvel apresentar do

    seguinte modo os passos principais da demonstrao refutativalevada a cabo nas passagens grifadas em (1), (4) e (6) 42:(a) Pede-se ao adversrio do princpio que signifique algo uno parasi e para outro (para quem o questiona);(b) Este pedido vem na forma da pergunta dialtica:

    verdadeiroou falso que a homem?;(c) O adversrio responde (admite/significa) que a homem;(d) O adversrio admite que ser homem significa o mesmo queser animal bpede;(e) Se, necessariamente, ser homem significa o mesmo que seranimal bpede, ento, necessariamente, se a homem, ento a

    animal bpede;(f) Ento, se, necessariamente, a homem, e ser homem iguala ser animal bpede, ento no possvel que a no seja animalbpede e no possvel afirmar com verdade que a homem e no homem, pois, pela definio de significar algo uno (na qual estimplcito o princpio do terceiro excludo)oua homemoua no homem;Conseqncia: Logo, impossvel (necessariamente falso) que tudoseja assim e no-assim ao mesmo tempo, tal como afirma oadversrio do princpio primrio.Corolrio: indutivamente o princpio primrio est provado contraaquele que o nega de modo forte.

    Apresentada a estrutura geral da argumentao, pode-sepassar ao esclarecimento da mesma. O sentido de (b) foi

    42 Para uma excelente anlise de (2), (3) e (5) atravs de outras obras do estagirita ede outras passagens do captulo 4 no includas aqui, veja-se, de Lucas Angioni,Princpio de no-contradio e semntica da predicao em Aristteles, inAnalytica, v. 4, n.2, 1999, p. 121-158. A traduo do trecho citado, bem como suaanlise deve muito s sugestes e esclarecimentos deste artigo.

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    anteriormente esclarecido quando da anlise das caractersticas dademonstrao refutativa. primeira vista, (b) parece ser umapetio de princpio, e na realidade . Conforme foi explicitado,Aristteles admite a petio de princpio pelo fato de que no elequem responsvel pela mesma, mas o adversrio do princpioprimrio. Ele responsvel pela petio pelo fato de que afirma a

    falsidade do princpio primrio e, portanto, tem de provar a verdadede sua negao sem recorrer a este mesmo princpio.Que (b) o passo inicial da refutao operada por

    Aristteles fica claro pela seguinte passagem de (6):

    ao ser perguntado se verdade enunciar que isto homem ou no ,deve responder algo com significado nico e no acrescentar que tambm branco e grande.

    Ou seja, deve responder pergunta com um sim ou no. Oponto essencial que responda sim ou no, pois se noresponde nem sim nem no e enquanto no responde assemelha-se a

    uma planta, como j indicou Aristteles. Tambm no pode dizersim e no ou nem sim nem no, pois tambm nesses casos noestaria respondendo o que perguntado, nem estaria, comoAristteles mostrar adiante, dizendo nada.

    Supondo que, ante a alternativa da questo, o adversrioconceda na afirmao (como indica implicitamente o texto), chega-se ento ao passo (c). Entre (b) e (c) tem-se, na realidade, a estruturado que foi chamado a partir do medievo de silogismo disjuntivo.Simbolizando ser homem por H e no ser homem por ~ H, aestrutura lgica subjacente na passagem de (b) para (c) a seguinte:

    ((ou Ha ou ~ Ha) e ~ (~ Ha)), logo (Ha)43

    43 Sobre este tipo de inferncia como um dos tipos de procedimentos de prova ourefutao, veja-se Tpicos, II, 6, 112 a 24-31. Na realidade, tal esquema foiincorretamente chamado de silogismo disjuntivo a partir da fuso entre a lgicaestica e a peripattica realizada j na antiguidade, mas cujos registros maisantigos conservados remontam a Bocio. Trata-se, falando de modo aproximado,de uma forma predicativa do modus tollendo ponens (que usado na passagem de(b) para (c)) e do modus ponendo tollens. Sobre este ponto veja-se, de SusanneBobzien, The development of modus ponens in antiquity, in Phronesis, v. 47,2003, p. 359-394, sobre a passagem dos Tpicos mencionada p. 369-373. Para

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    Com isso, entretanto, a tese do adversrio ainda no estariarefutada, pois logo aps responder que a homem diria, seguindosua tese inicial, que a no homem, posto que tambm, porexemplo, branco e grande, e uma vez que ser branco e ser grandeso predicados que esto na extenso da designao no-homem,ento ainda estaria justificado em dizer que a homem e no

    homem. neste ponto que Aristteles recorre ao passo (d) paraimpugnar esta possibilidade.Em (d), o estagirita faz com que o adversrio aceite que,

    entre outras coisas, o predicado ser homem significa o mesmo queser animal bpede. O passo (d) fundamentado em (2) e (3), ouseja, na idia de que mesmo que uma designao contenha diversaspredicaes em sua extenso, desde que elas sejam limitadas emnmero, valer ento a noo de significar algo uno.

    Por conta disso, o predicado ser homem (designado pelotermo homem), pode ter diversas significaes que sejam co-extensivas a ele, como por exemplo, ser animal que ri ou ser

    animal que chora ou ser animal poltico ou ser animal que possuiarte ou ser animal que possui cincia ou ser animal que temdiscurso ou, como o caso usado aqui, ser animal bpede. Todosestes exemplos, colhidos na obra do prprio Aristteles, so co-extensivos ao predicado ser-homem e podem substituir(extensionalmente) este predicado em qualquer contexto, salvaveritate, de modo anlogo a como o nome Aristteles pode sersubstitudo (ao menos para ns) por o estagirita, o mestre doLiceu, o preceptor de Alexandre, o fundador da lgica etc.

    Portanto, o ponto em questo aqui sustentar a distinoentre aqueles predicados que, em sua funo semntica, (i) tantosignificam algo uno quanto de algo uno, e (ii) aqueles predicados

    uma judiciosa interpretao da mesma passagem e outras correlacionadas segundoa lgica de classes, veja-se, de Vittorio Sainati, Storia dell Organonaristotelico (v. I), opus cit., p. 51-56. importante lembrar ainda que Aristtelesinsinua que os problemas de que partem as inferncias e argumentos dialticos secolocam na forma de uma alternativa (cf. Tpicos, I, 4, esp. 101 b 30-34; VIII, 2,157 a 15-20) similar quela dirigida ao adversrio do princpio primrio napresente demonstrao refutativa.

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    que, em sua funo semntica, apenas significam de algo uno.Somente os primeiros so co-extensivos uns aos outros e podem sesubstiturem de modo necessrio, enquanto os outros no.

    Sem esta distino, como indica Aristteles, todos ospredicados seriam sinnimos e todas as designaes (nomes)seriam homnimas. Isto equivale a dizer, de acordo com a definio

    de sinnimos e homnimos das Categorias (cap. 1), que asdesignaes significariam predicados com extenses incompatveise que os predicados com extenses incompatveis significariam osmesmos estados de coisas.44 Em ambos os casos a conseqnciaimplcita a mesma apontada pelo estagirita no final de (2): aimpossibilidade do dilogo (consigo mesmo e com os outros) e, nolimite, do prprio pensamento. Da a insistncia de Aristteles emmanter a distino entre os dois tipos de predicados.

    Entretanto, a posio permissiva do adversrio suasentena de morte no argumento, pois se ele faz equivalerempredicados no so co-extensivos e predicados necessariamente co-

    extensivos, ento no tem razo para recusar a identificao entre ospredicados ser homem e ser animal bpede proposta inicialmentepor Aristteles, uma vez que para ele ser homem significa tanto omesmo que ser animal bpede quanto o mesmo que ser branco ouser msico. Assim, dada sua indistino entre tipos de predicados,no tem porque no aceitar que ser homem pode significar omesmo que ser animal bpede, ou seja, no tem razes para noaceitar (d).

    Neste ponto, Aristteles desfere o golpe mortal contra a teseda contradio universal e necessria sustentada pelo adversrio,

    justamente na passagem de (d) para (e). Esta passagem feitaatravs do princpio da indiscernibilidade dos idnticos, que podeser expresso de modo aproximado assim: necessariamente, seexistem duas coisas que so idnticas, ento qualquer predicado quese aplicar a uma tambm se aplicar a outra. De modo maisrigoroso, tal princpio pode ser expresso do seguinte modo:

    44 Sobre todo este ponto, veja-se, de Lucas Angioni, Princpio de no-contradioe semntica da predicao em Aristteles, art. cit.

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    A partir desta condio geral estabelecida pela admissode (d) pelo adversrio, juntamente com o princpio daindiscernibilidade dos idnticos, mais a admisso de (c), ou seja, queo predicado H (ser-homem) verdadeiro dito do indivduo a segue-se necessariamente ento que:

    (Ha Ba)

    Em termos da linguagem natural: necessariamente, (a Hse, e somente se, a B).Tal concluso, retirada em (4) j estava prefigurada em (1)

    justamente pelo estabelecimento do conceito de significar algo unode acordo com o princpio do terceiro excludo. Revocando: quero

    dizer com o significar algo uno o seguinte: se homem tal, e

    algo for homem, tal ser o ser homem para este algo.Em (2) e (3) Aristteles no faz seno fundamentar a evidncia dissopara realizar o passo decisivo do argumento em (4), que deve serrepetido para evidenciar a analogia com (1) e chegar ao passo (f):

    Por isso, necessrio que se enunciamos com verdade que algo homem, animal bpede (pois isto era o quesignificava a homem); portanto, se isto necessrio,ento no possvel que este mesmo no seja animal bpede(pois isso que significa o ser necessrio: o ser impossvel no ser[homem]).Portanto, no possvel enunciar com verdade que o mesmo simultaneamente homem e no homem.

    Tendo em vista a passagem, pode-se esclarecer o passo (f) ea conseqncia final do argumento. O passo (e) chegou at:

    (Ha Ba)O estagirita ento, apenas evoca a definio do operador

    modal ser necessrio enquanto no poder no ser, com o que opasso final de (e) se transforma em:

    ~ ~ (Ha Ba)Ou seja: no possvel que no seja o caso que ((a H) se,

    e somente se, (a B)).

    equivalncia entre ser necessrio e ser impossvel no ser, este ltimoequivalente a no poder no ser.

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    Posto que esta frmula significa o mesmo que:

    ~ ~ ((Ha Ba) & (Ba Ha))Passando a negao para dentro do parntese, obtm-se

    pelas leis de De Morgan:49

    ~ ((Ha & ~ Ba) (Ba & ~ Ha))Uma vez que se tem a identidade entre H e B, esta

    frmula se converte em:

    ~ ((Ba & ~ Ba) (Ha & ~ Ha))O que pode ser lido como: no possvel que ((a seja

    animal bpede e no seja animal bpede) ou que (a seja homem e noseja homem)). Formulao que corresponde ao que Aristtelesexpe em (4) e ao passo (f) do esquema argumentativo antesapresentado.

    Partindo desta concluso do argumento, chega-senecessariamente verdade da conseqncia enunciada naesquematizao do argumento, a qual representa a refutao de tipo

    (3) postulada como sendo aquela pretendida por Aristteles em(A1), a saber:

    (x) (F) ~ [(Fx) & (~ Fx)]Posto que nesta forma lgica F est no lugar de algum

    predicado qualquer, ele pode ser substitudo por B ou por H,obtidos na demonstrao refutativa. Dado que Aristteles reconheceexplicitamente em sua teoria da refutao que basta apenas umainstncia singular para falsificar uma proposio universal e que estainstncia singular verifica a proposio particular contraditriaquela universal, ento (x) pode substituir a instncia singular a

    usada na refutao acima.50

    Justificado, portanto, que a demonstrao refutativa de (A1)chega refutao de tipo (3) e dado que esta a contrria particular

    49 Como ficar claro na prxima seo, Aristteles tambm opera, ao menosimplicitamente, com estas leis ao fazer equivalerem a negao forte do princpiode no-contradio e a negao forte do princpio do terceiro excludo.

    50 Cf. Tpicos, VIII, 5, esp. 154 a 33-35, 154 b 3-4.

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    da negao forte do princpio de no-contradio, ou seja, que acontrria particular de:

    (x) (F) [(Fx) & (~ Fx)]Ento, esta formulao necessariamente falsa (impossvel),

    pois foi mostrado que a refutao de tipo (3) necessariamenteverdadeira em relao instncia singular a demonstrada em (A1).

    Com isso a conseqncia desta demonstrao est provada e pode-seretirar dela o corolrio de que o princpio primrio na forma da no-contradio se mantm, a fortiori, verdadeiro.

    No trecho final de (6), Aristteles arremata sua refutao danegao forte do princpio primrio atravs de uma reduo aoabsurdo usando justamente princpio do terceiro excludo. O trechodiz:

    impossvel enumerar os acidentes, uma vez que so infinitos: ou enumera todosou nenhum. De modo anlogo, se o mesmo milharesde vezes homem e no-homem, ao ser perguntado se homem, no deveresponder que tambm ao mesmo tempo no-homem, a no ser que

    responda aqueles outros que so acidentais, aquelas que ou no , mas se fizer isso no dialoga.

    Ou seja, Aristteles, aceitando hipoteticamente areivindicao do adversrio, utiliza novamente o princpio doterceiro excludo para mostrar a impossibilidade de que este mesmoadversrio possa enunciar todos os acidentes que pertencemou queno pertencem a uma mesma instncia, no caso aqui, a um serhumano em particular. Na realidade, esta compacta reduo aoabsurdo (cuja estrutura lgica no ser explicitada aqui), mostra quea reivindicao do adversrio, mesmo tomada hipoteticamente como

    legtima, leva-o a uma regresso ao infinito, impossibilitando odilogo entre ele e Aristteles, pois os predicados contidos naextenso da classe complementar no-homem so infinitos, demaneira que nunca poder dizer o que algo ou no ,impossibilitando no apenas o dilogo com Aristteles, mas todo equalquer dilogo consigo mesmo e com outros. Assim, esta reduoao absurdo parte de uma impossibilidade pragmtica para chegar auma impossibilidade semntica e sinttica, e o faz mantendo

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    justamente a necessidade do princpio do terceiro excludo comocorrelato do princpio de no-contradio.

    Na realidade, o trecho (6) de (A1) prepara o terreno para ademonstrao refutativa que ser levada a cabo em (A2), a qualcomea enunciando outra conseqncia da negao forte doprincpio primrio: a destruio da essncia (oujsiva) e da distino

    entre predicados essenciais (necessrios/ os to; tiv h\n ei\nai) epredicados acidentais (contingentes), pois necessariamente, estes declaram que todas soacidentais.51 Assim, em (A2), Aristteles no apenas repetir areduo ao absurdo com que termina (A1), mas argumentar emfavor da admisso de alguma instncia que preenche a refutao detipo (4) antes mencionada, a saber:

    (x) (F) ~ [( Fx) & (~ Fx)]Ou seja, Aristteles procura provar o princpio primrio na

    forma da no-contradio fazendo com que o adversrio admita,segundo os compromissos ontolgicos da lgica das predicaes,

    que existem essncias e que estas exigem a diferenciao entrepredicados acidentais (contingentes) e predicados essenciais(necessrios), de modo que no apenas seja impossvel que todas ascoisas possuam, simultaneamente, propriedades contrrias, mastambm que certas coisas (as essncias), durante todo o tempo emque existem, possuem necessariamente certas propriedades que asdefinem (identificam). O argumento do estagirita ir na direo deque se o adversrio no admitir esta diferenciao entre tipos depredicados, ento cair em um regresso ao infinito. Contudo, aanlise desta argumentao est fora do escopo do presente artigo.

    A partir da anlise da demonstrao refutativa desenvolvidaem (A1), foi visto que o princpio do terceiro excludo (juntamentecom o princpio da indiscernibilidade dos idnticos) usado paraprovar o princpio primrio na forma da no-contradio. Aristtelesconcebe tal prova como um tipo de petio de princpio, com o que,se o princpio primrio usado para provar a si mesmo ao refutar

    51Metafsica, IV, 4, 1007 a 21-22:pav nta ga;r ajnavgkh sumbebhkevnai favskeinaujtoi'".

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    aquele que pretende neg-lo de modo forte, ento o princpio doterceiro excludo necessariamente equivalente ao princpio de no-contradio.

    Contudo, poder-se-ia ainda objetar que o princpio doterceiro excludo seria tido por Aristteles como derivado emrelao ao de no-contradio, de modo que ele no estaria

    cometendo uma petio de princpio, mas usando um princpioderivado do de no-contradio para prov-lo indutivamente. Talobjeo, bastante duvidosa (mas ainda possvel), entretanto, serevelar impossvel luz da interpretao de (B1) e (B2), como sermostrado na prxima seo.

    8 A equivalncia entre os princpios de no-contradio e do

    terceiro excludo e uma nova demonstrao refutativa do

    princpio primrio

    A importncia de (B) como um todo para o presente artigo est nofato de que aqui Aristteles procura provar o princpio primrio

    explicitamente na forma do terceiro excludo, e o faz justamenteatravs de redues ao absurdo da negao forte do princpioprimrio, ou seja, usando o princpio de no-contradio, uma vezque este princpio (juntamente com o do terceiro excludo) fundamental para realizar as redues ao absurdo.

    Primeiramente, preciso citar o texto que perfaz (B1),enfatizando, como na citao de (A1), as passagens decisivas para ainterpretao, mas tambm interpondo algumas explicitaes paratornar o texto mais inteligvel em j em sua leitura:

    Entretanto, estes mesmos tm de

    acolher, ao menos, em relao a todos a afirmao ou a negao: pois seria absurdo se pertencesse a cada sua prpria negao e no pertencesse a ele a do que distinto e no pertence ;quero dizer com isso, por exemplo, que se verdade enunciar homem que no homem, evidentemente tambm ou que trirreme ou no trirreme. Com efeito, se a afirmao [que este homem no-homem trirreme],necessariamente tambm a negao [que no trirreme]; ese no pertence a afirmao [no se admite que o homem no-homem

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    Est ao mesmo tempo tomando como verdadeira ao menosuma das seguintes teses:

    (i) ~ (x) (F) [(Fx) (~ Fx)](i) (x) (F) ~ [(Fx) (~ Fx)]

    Em (i), o adversrio que nega de modo forte o princpio deno-contradio est negando de modo fraco o princpio do terceiro

    excludo, ou seja, est dizendo que:(i*) (x) (F) ~ [(Fx) (~ Fx)]

    Ou seja, est se comprometendo, ao menos, com apossibilidade de existir alguma instncia para a qual este princpiono tem validade.

    Mas Aristteles indica ainda que, para ser realmentecoerente com (i), o adversrio do princpio de no-contradio teriade se comprometer com (i), ou seja, teria de se comprometer com anegao forte do princpio do terceiro excludo, o que significa dizerque, necessariamente, para todas as instncias predicveis, paraqualquer predicado F, durante todo o tempo em que estasinstncias existem, nunca o caso que so F ou no so F, poisdefende que todas as coisas predicveis so, simultaneamente, F eno so F.

    Isso fica mais claro quando se reconstri os passosprincipais da complexa argumentao de (B1) do seguinte modo:

    (1) Se verdade dizer que: o indivduo a homem e no homem,

    (2) ento, necessariamente,(2.1)ou verdade dizer que: o indivduo a trirreme,(2.2)ou verdade dizer que: o individuo a no trirreme,

    (2.3) pois, de um lado, o predicado no ser homem inclui emsua extenso o predicado ser trirreme e, de outro lado, o predicadono ser trirreme inclui em sua extenso o predicado ser homem.

    De modo que:(3) Ou se afirma que:(I) a trirreme, ento (3.1) a trirreme e no trirreme, pois

    dado que se tomou como verdadeiro que a homem e no homem(passo 1), e o predicado ser homem inclui em sua extenso o

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    predicado no ser trirreme (passo 2.3), logo a trirreme e no-trirreme;

    Ou se afirma que:(II) a no trirreme, ento (3.2) a trirreme e no trirreme,

    pois dado que se tomou como verdadeiro que a homem e no homem (passo 1), e o predicado ser homem inclui em sua extenso

    o predicado no ser trirreme (passo 2.3), logo a trirreme e no-trirreme.Portanto:(4) quer se afirme que a trirreme, quer se afirme que a no

    trirreme, segue-se necessariamente (pela admisso de (1) e de(2.3)) que a trirreme e no-trirreme.

    V-se, portanto, que aquele que toma como verdadeiro dizerque algo homem e no homem ao mesmo tempo se comprometeem dizer que este mesmo algo simultaneamente trirreme e no-trirreme e, a fortiori, que um estado de coisas qualquer qualqueroutro e tambm no . Este argumento torna bastante compreensvel

    a concluso recorrente que Aristteles atribui ao adversrio doprincpio primrio: todos os estados de coisas so um s estado decoisas, ou seja, ao negar os princpios de no-contradio e doterceiro excludo, perde-se as condies necessrias para que sepossa identificar (individuar) cada estado de coisas,diferenciando-o de todos os demais.53 Assim, aquele que afirma quepredicados contrrios podem ser ditos com verdade e ao mesmotempo de um mesmo sujeito se compromete no mnimo com anegao fraca do princpio do terceiro excludo. Mas uma vez que oadversrio defende que todos os estados de coisas possuemsimultaneamente propriedades contrrias, ento ele se compromete,necessariamente, com a negao forte do princpio do terceiroexcludo.

    53 Neste sentido, como j foi indicado anteriormente, a defesa dos princpios deno-contradio e do terceiro excludo, em sua mtua implicao necessria,aponta para a defesa do lema de Quine: nenhuma entidade sem identidade. Comisso, o compromisso com estes princpios implica necessariamente o compromissocom o princpio de identidade, mesmo que somente em sua forma predicativa.

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    O trecho, portanto, no deixa qualquer dvida quanto equivalncia necessria entre os princpios de no-contradio e doterceiro excludo. Negar qualquer um deles (seja de modo forte oufraco) implica necessariamente negar o outro (seja de modo forte oufraco). Com isso, ao defender a necessidade e a universalidade doprincpio de no-contradio enquanto princpio primrio,

    Aristteles est ao mesmo tempo afirmando a necessidade euniversalidade do princpio do terceiro excludo, ou seja, o estagirita(de modo muito coerente) est defendendo que se necessariamentepara todos os estados de coisas e para todas as propriedades quepodem pertencer a eles nunca o caso que qualquer um destesestados de coisas simultaneamente tenha e no tenha uma mesmapropriedade (princpio de no-contradio) equivale (de modonecessrio) a defender que necessariamente para todos os estados decoisas e para todas as propriedades que podem pertencer a elessempre o caso que qualquer um destes estados de coisassimultaneamente temou no tem uma mesma propriedade (princpio

    do terceiro excludo).A partir disso, vale para Aristteles o seguinte:

    (x) (F) [~ ((Fx) & (~ Fx)) ((Fx) (~ Fx))]Ou seja:

    (PNC PTE)Portanto, ambos os princpios, em sua bi-implicao

    necessria, formam aquilo que se pode chamar de princpio primriode verdade, constitudo pelos dois princpios enquanto princpios deverdade mutuamente implicados. Tal princpio um princpiotranscendental no apenas por estar pressuposto em qualquerpredicao, mas tambm (e sobretudo) porque postulado comoprincpio necessariamente vlido para qualquer forma de relaoentre pensamento, linguagem e mundo.

    Para mostrar de modo definitivo esta equivalncia, serinterpretado a seguir o trecho (B2), onde Aristteles procede umaterceira demonstrao refutativa (que segue aquelas realizadas emA1 e A2), onde a defesa do princpio de no-contradio tantofeita atravs do princpio do terceiro excludo quanto acaba por

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    Em (1) Aristteles estabelece primeiramente que: (i) aquelesque negam o princpio de no-contradio assumem tambm anegao do princpio do terceiro excludo. Tal conseqncia provada mostrando-se que quem afirma ser verdadeiro afirmar tantoque a homem quanto afirmar que a no-homem est, narealidade, asseverando que tambm so simultaneamente

    verdadeiras as negaes destas afirmaes, ou seja, que verdadeiroque a no homem e que a homem, as quais, na realidade, sologicamente equivalentes s afirmaes, de modo que, para oadversrio, no h diferena entre as negaes e as afirmaes. Isso confirmado pela anlise de que, para esta posio, a afirmaocomposta a homem e no-homem seria negada por a no homem nem no-homem, com o que, na realidade, a afirmao e anegao se equivalem e, portanto, no necessrio para todos osestados de coisas ou afirmar ou negar, conforme a formulao doprincpio do terceiro excludo, expressa em (B1). Tambm por contadesta anlise, Aristteles depreender a concluso de que, ao falar

    assim, o adversrio nada diz, pois se no necessrio ou afirmarou negar, ento no necessrio nem afirmar nem negar, de modoque afirma e nega ao mesmo tempo e, assim, no afirma nem negacoisa alguma ao mesmo tempo, e, por isso, nada diz.

    A demonstrao refutativa comea efetivamente em (2),onde o estagirita procura mostrar, atravs do princpio do terceiroexcludo justamente que: ou (I) o adversrio nada diz, posto que suanegao forte do princpio de no-contradio resulta na indistinoentre afirmao e negao, e, portanto, na negao forte do princpiodo terceiro excludo; ou (II) admite dizer alguma coisa (afirmar ounegar), caso em que no pode mais sustentar de modo forte nem anegao da no-contradio, nem a do terceiro excludo. Estaalternativa repetida vrias vezes at refutar todas as possveisposies de defesa do adversrio.

    Em (2), coloca-se duas alternativas: ou [A] o adversriomantm que para qualquer instncia de predicao verdade afirmaros predicados contrrios, caso em que nada diz pelo fato de, como jindicado, tornar indistinguveis afirmao e negao; ou [A] admite

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    uma diviso das possveis instncias de predicao entre ascontraditrias (das quais predicados contrrios podem sersimultaneamente afirmados e negados) e as no-contraditrias (dasquais no possvel afirmar e negar simultaneamente predicadoscontrrios). Se mantm [A], destri seu discurso, pois nada diz. Seadmite [A], d-se a refutao da negao forte dos princpios de

    no-contradio e do terceiro excludo.Portanto, o estagirita no apenas fora o adversrio a recuarem sua negao forte do princpio de no-contradio, mas tambmo fora a recuar de sua negao forte do princpio do terceiroexcludo e o faz em dois nveis: (i) ao obrigar uma separao entreinstncias contraditrias ou no-contraditrias e (ii) ao mostrar quenas instncias no-contraditrias admitidas vale a necessidade deafirmarou de negar um mesmo predicado de um mesmo sujeito.

    Em (3), Aristteles repete o mesmo esquema argumentativo,chegando a uma concluso complementar quela retirada em (2).Com efeito, o estagirita comea colocando o argumento de (3) como

    uma alternativa em relao alternativa apresentada em (2), comoindica o uso de me;n ... de; (de um lado... de outro lado) entre[A], em (2), e [B], em (3). Mas em (3), na realidade, [B] se divideem uma nova alternativa entre [B] e [B], que so anlogos de [A]e [A].

    Em [B] o estagirita novamente chega concluso de que oadversrio nada diz, pois est reafirmando a negao forte doprincpio primrio ao manter a tese de que para todos os estados decoisas verdadeiro afirmar e negar ao mesmo tempo predicadoscontrrios. Mas se o adversrio pretende dizer algo com sentido parasi e para seu questionador, ento se chega [B], ou seja, ele tem deadmitir ao menos haver alguns estados de coisas sobre os quais sepode negar, mas no se pode afirmar. Com isso, Aristteles indicaque [A] e [B] so alternativas complementares e que o sentidoimplcito de [A] em (2) a admisso de estados de coisas no-contraditrios sobre os quais verdadeiro afirmar e falso negar,enquanto em [B] o adversrio admite estados de coisas no-

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    excludo ([A] e [B]), e ento nada diz, pois dissolve a diferenaentre negao e afirmao, de modo que no afirma nem nega;

    (ii) Ou: o adversrio admite que dentre as instncias possveisde predicao h aquelas que so contraditrias (das quais se podeafirmar e negar) e h aquelas que so no-contraditrias, quer estassejam aquelas de que se pode afirmar com verdade mas no se pode

    negar com verdade, quer sejam aquelas de que se pode negar comverdade mas no se pode afirmar com verdade.Em (i), o adversrio, como o estagirita demonstrar abaixo,

    tem de admitir que sua tese no faz sentido, pois torna a afirmaode sua tese equivalente a sua negao, uma vez que no s no necessrio afirmar ou negar, mas inclusive impossvel afirmar ounegar, pois necessrio afirmar e negar ao mesmo tempo. Em (ii), oadversrio se compromete com a contraditria de sua tese inicial eadmite que existem instncias no-contraditrias sobre as quais necessrio afirmar ou negar. Mas a argumentao de Aristtelesprossegue de tal modo a encurralar mais uma vez aquele que nega

    de modo forte o princpio primrio.Em (4) e (5), Aristteles refaz o esquema argumentativo de

    (3), mas agora invertendo-o, de modo a completar esta etapa dademonstrao refutativa. Novamente a tese do adversrio que nega oprincpio primrio analisada, mas agora do ponto de vista de outraalternativa. Em [C] a tese inicial retomada para ser dividida emduas possibilidades que se mostraro igualmente inviveis. Emprimeiro lugar [C], coloca-se o caso em que o adversrio defendeque as predicaes contraditrias so verdadeiras ditas do mesmosujeito, mas no enquanto ditas simultaneamente. Em segundo lugar[C], coloca-se o caso em que o adversrio defende que aspredicaes contraditrias so verdadeiras ditas conjuntamente domesmo sujeito.

    Aristteles, diferentemente de (2) e (3), analisaprimeiramente [C]. Neste caso, o adversrio pretende queenunciados do tipo a branco e no branco so verdadeiros.Contudo, o contedo de tais enunciados auto-destrutivo, pois nestetipo de enunciado afirma-se e nega-se ao mesmo tempo predicados

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    contraditrios do mesmo sujeito, de tal modo que efetivamente oadversrio nada diz, pois est simultaneamente declarando e nodeclarando o que declara, dizendo que est dizendo e que no estdizendo, ou seja, no est dizendo nada verdadeiro ou falso, nemmesmo algo verdadeiro e falso, mas algo que carece completamentede qualquer valor de verdade, posto que carece no s de uma

    referncia, mas inclusive de sentido.O nico sentido possvel para tal posio, desde o ponto devista de quem escuta tais enunciados, o de que quem os profereest, em ltima instncia, negando sua prpria existncia enquantoser capaz de discurso. Aristteles, aqui, retira a concluso radicalimplcita em [A] e em [B]. Se anteriormente Aristteles tirava datese do adversrio do princpio primrio a concluso de que ele como uma planta, agora chega ao limite de concluir sua inexistncia,pois ao pretender como verdadeira a tese de que tudo contraditrio, est em ltima instncia dizendo que ele mesmo eno , permitindo quele que o interroga retirar a concluso de que

    no coisa alguma. Contudo, isto absurdo, pois como coisaalguma pode falar e caminhar? Em suma, como o que no coisanenhuma pode ser uma pessoa? Este argumento antecipa aquelesargumentos de ordem pragmtica (com sentido tanto tico quantoepistmico) que sero desenvolvidos pelo estagirita na terceira partedo captulo 4 e que esto fora do escopo do presente artigo.

    Depois desta concluso paradoxal, Aristteles ainda aduzcomo conseqncia desta posio o argumento j usado na primeirademonstrao refutativa: que todos os estados de coisas seriam ums, de modo que as condies semnticas mnimas para qualquerdiscurso com pretenso de verdade estariam perdidas,acrescentando, no final de (4), que se o adversrio admitir que possvel de algum modo distinguir os estados de coisas, ento nopoder mais negar de modo forte o princpio primrio.

    Para encerrar sua demonstrao por refutao Aristtelesanalisa em (5) as conseqncias da primeira parte da alternativa, ouseja, [C]. Aqui o adversrio ainda est, por assim dizer, no territriode enunciados com sentido, pois diz que predicaes contraditrias

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    so verdadeiras ditas do mesmo sujeito, mas no simultaneamenteditas, ou seja, defende que os enunciados a branco e a no branco so simultaneamente verdadeiros ditos de um mesmosujeito, porm ditos em momentos ou por pessoas diferentes.

    A primeira conseqncia igual quela j retirada em [C]:todos os estados de coisas so indistinguveis, de modo que o

    adversrio, mesmo afirmando e negando o mesmo predicado de ummesmo sujeito separadamente, destri a prpria estrutura semnticado discurso em geral, tornando, em ltima instncia, seu discursofalso justamente ao minar a possibilidade de atribuir a ele um valorde verdade. Aqui o adversrio ainda diz algo, mas algo que se auto-destri ao ser universalizado, pois retira a possibilidade deidentificar a prpria referncia de qualquer discurso com sentido.Por conta disso, em [C], mesmo aparentemente dizendo algo deincio, o adversrio acaba por nada dizer, tal como aquele que, em[C] pretendia serem verdadeiros os enunciados em que se diziaconjuntamente predicados contraditrios de um mesmo sujeito.

    Moral do argumento: em [C] o discurso natimorto, em [C] suicida.

    Mas [C] permite ainda outra conseqncia que no erapossvel em [C], conseqncia marcada no trecho por [D]: se oadversrio pretende que enunciados afirmativos e negativos ditosseparadamente de um mesmo sujeito so verdadeiros, ento, a

    fortiori, todos os enunciados sero, simultaneamente, verdadeiros efalsos, sobremodo aquele enunciado que defende a tese de [C],posto que tem necessariamente de tomar como verdadeiro oenunciado que afirma a falsidade de [C], ou seja, o discursodefendido por Aristteles. Com isso o adversrio obrigado a negara pretenso de verdade de sua tese inicial, de modo que estrefutando a si mesmo. Tal conseqncia antecipa a defesa doprincpio primrio na forma do terceiro excludo que ser realizadanos captulos 7 e 8 do Livro IV.

    Este ponto importante para o presente artigo porque nainterpretao tradicional toma-se o princpio do terceiro excludocomo entrando em jogo apenas nestes captulos finais do Livro IV,

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    Esta concluso j toma as posies [C] e [C] comoequivalentes, indicando ainda, na passagem final, que se oadversrio abdicar de sua negao forte do princpio de no-contradio e do terceiro excludo, tal como o caso em [A] e[B], ento a demonstrao refutativa estar cumprida, posto queadmitir haver alguma instncia no-contraditria em que (i) ou se

    pode afirmar mas no negar, (ii) ou se pode negar mas no afirmar,de modo que no poder mais sustentar que tudo assim e no-assim.

    Deste modo encerra-se a demonstrao refutativa em queAristteles mostra a impossibilidade de defender que todos osestados de coisas podem ser e no-ser ao mesmo tempo atravs danecessidade do adversrio admitir ao menos que existem algunsestados de coisas no-contraditrios para os quais vale que soassim ou no so assim. Na realidade, o estagirita demonstra oprincpio primrio de modo anlogo a como o fez em (A1). Naquelecontexto, Aristteles refutou a negao forte do princpio primrio

    na forma da no-contradio ao provar, atravs de algumaspremissas admitidas pelo adversrio, uma instncia de tipo (3), asaber:

    (x) (F) ~ [(Fx) & (~ Fx)]Aqui, porm, Aristteles no est exatamente provando uma

    instncia deste tipo, mas est provando, atravs da necessidade doadversrio manter alguma distino entre afirmao e negao, algoque pode ser simbolizado do seguinte modo:

    (3) (x) (F) [(Fx) (~ Fx)]Ou seja:Necessariamente, existe alguma entidade x, existe algum

    predicado F, tal que (x F)ou (x no F).Na verdade, (3) e (3) dizem a mesma coisa de modos

    diferentes. Isto tambm indica que as formas possveis de refutaodo adversrio que nega de modo forte o princpio primrio soprovas de instncias onde vale tanto o princpio de no-contradioquanto o princpio do terceiro excludo, ou seja:

    (1*) (x) (F) [~ ((Fx) & (~ Fx)) ((Fx) (~ Fx))]

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    (2*) (x) (F) [~ ((Fx) & (~ Fx)) ((Fx) (~ Fx))](3*) (x) (F) [~ ((Fx) & (~ Fx)) ((Fx) (~ Fx))]

    (4*) (x) (F) [~ (( Fx) & (~ Fx)) (( Fx) (~ Fx))]Isto significa que todas as possibilidades de refutar a negao

    forte do princpio de no-contradio so tambm formas de refutara negao forte do princpio do terceiro excludo e vice-versa. Se

    isto est correto, ento a hiptese inicial deste artigo est plenamente justificada e necessrio doravante que o princpio primriodefendido por Aristteles no seja considerado como o princpio deno-contradio, mas como a bi-implicao necessria entre este e oprincpio do terceiro excludo.

    9 Consideraes finais

    Foi visto como Aristteles, mesmo apresentando inicialmente oprincpio primrio na forma da no-contradio, supe, ao mesmotempo, que este princpio pode ser apresentado alternativamente naforma do terceiro excludo. A escolha do princpio de no-

    contradio para apresentar o princpio primrio deve-se,provavelmente, ao fato de que o princpio do terceiro excludo foi

    justamente formulado pela primeira vez, como princpio primrio deverdade, pelo prprio Aristteles, enquanto o princpio de no-contradio possua j uma histria dentro da tradio filosficagrega anterior ao estagirita, em especial por seu uso e pressuposiona obra de Plato.59 Entretanto, a anlise feita acima mostra queambos so pensados no Livro IV da Metafsica como princpios co-originrios, o que, na realidade, faz com que este texto esteja deacordo com os demais contextos em que Aristteles apresenta ou

    discute ambos os princpios em p de igualdade, como, por exemplo,no famoso captulo 9 do tratado Da interpretao, onde se coloca o

    59 Vale lembrar a importncia do princpio de no-contradio em toda a obra dePlato, no apenas como critrio para as refutaes e argumentaes elaboradasem diversos dilogos das trs fases de seu pensamento, mas como princpioreconhecido como fundamental e operado na argumentao sobre as partes daalma naRepblica (Livro IV, 436 b-c; 436 e-437 a; 439 b).

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    lgicas paraconsistentes colocaram em dvida a validade irrestritado princpio de no-contradio.62 Em todo caso, tal exigncia decoerncia ou consistncia permanece sendo tomada como condionecessria em quase todos os contextos tericos, sendo descartadasomente em casos limite.

    Nesta tradio de retomadas crticas do texto aristotlico, a

    interpretao proposta neste artigo implica a reavaliao da leituratradicional no apenas dos captulos 3 e 4, mas de todo o Livro IVdaMetafsica. A novidade fundamental estabelecida neste escrito serevela no apenas no fato de ser a primeira fundamentao explcitada metafsica atravs do princpio de no-contradio, mas no fatode ser a primeira fundamentao da metafsica atravs de umprincpio primrio de verdade que pode tanto ser apresentado naforma do princpio de no-contradio quanto na forma do princpiodo terceiro excludo, o qual foi definitivamente estabelecido comoprincpio fundamental dos pontos de vista epistmico, lgico eontolgico justamente por Aristteles.

    Talvez do ponto de vista da filosofia, enquanto tcnicaargumentativa que se dirige diretamente s questes fundamentais,isto no seja uma contribuio decisiva, mas no campo da histriada filosofia isto indica que o real sentido do Livro IV da Metafsicanecessita ser completamente re-pensado.

    62 Para uma apresentao do sentido filosfico da lgica paraconsistente nocontexto das lgicas surgidas no sculo XX, veja-se, de Newton da Costa, Ensaiosobre os fundamentos da lgica. So Paulo: Hucitec, 1994.

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    Princpios, Natal, v.15, n.23, jan./jun. 2008, p. 65-87.

    O leitmotiv arqueolgico de Foucault no Prefcio de

    Histria da Loucura

    Augusto Bach*

    Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o estatuto filosfico da histriaarqueolgica empreendida por Michel Foucault no incio de seu pensamento. Suaobra, simultaneamente filosfica e de histria das cincias, tem o objetivo derealizar uma arqueologia da nossa cultura. Desde a Histria da Loucura Foucaultsempre esteve interessado em fazer aparecer o modo como nossa cultura procurouencerrar e significar o que era fundamentalmente outro no homem. Mediante aleitura do primeiro Prefcio Histria da Loucura, ns desejamos compreendercomo os conceitos de razo e loucura esto conectados neste primeiro passo de suaobra. acerca dos problemas filosficos que este artigo ir tratar na tentativa de

    compreender o posicionamento filosfico desta nova maneira de escrever a histria.Palavras-chave: Arqueologia, Foucault, Histria, Loucura, Razo

    Abstract: The main objective of this article is to analyze the philosophicalproblems of Michel Foucaults archeological history presented in the beginning ofhis thought. His work, at the same time philosophical and related to historicalscience, has as its main goal to accomplish an archeology of our culture. SinceMadness and Civilization, Foucault has been always interested in showing how ourculture sought to understand what was the fundamentally the other in man.Reading the first Preface to Madness and Civilization we desire in this article to

    understand how the concepts of reason and madness are linked together in this firststep of his work. It is about this philosophical problem that this article will deal inattempting to understand the philosophical position of this new way of writinghistory.Keywords: Archeology, Foucault, History, Madness, Reason

    Num momento histrico em que o Outro do ocidente era interrogado

    atravs da etnologia, iluminando as estruturas sombrias de nossacivilizao e retirando as sociedades primitivas do esquecimento emque um pensamento do Mesmo as detivera por longos anos, MichelFoucault abordava o problema do avesso da razo ocidental aoescrever a Histria da Loucura. Este livro iria se consagrarimediatamente no signo de uma ruptura com a linearidade da

    * Professor adjunto do Departamento de filosofia da UNICENTRO. E-mail:

    [email protected]. Artigo recebido em 28.08.2007, aprovado em30.06.2008.

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    histria do sujeito ocidental, tal qual estabelecida pela modernafenomenologia hegeliana, ao qual o autor inverteu a imagem de seuduplo especular, esquecido e recalcado, produto de uma excluso

    social, a loucura. Do mesmo modo que Lvi-Strauss nos concedera apossibilidade de interrogar as sociedades primitivas como diferentese, ao question-las, salvaguard-las de