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Primeiros Passos 1 Oitenta e Cinco Anos de Compromissos Sempre Renovados com a Educação. REVISTA PRIMEIROS PASSOS Ribeirão Preto, 2008

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Primeiros Passos 1

Oitenta e Cinco Anos de Compromissos Sempre Renovados com a Educao.

REVISTA PRIMEIROS

PASSOS

Ribeiro Preto, 2008

2 Centro Universitrio Moura Lacerda

2

CENTRO UNIVERSITRIO MOURA LACERDA REITOR

Glauco Eduardo Pereira Cortez

PR-REITOR DE ASSUNTOS ACADMICOS

Jos Luis Garcia Hermosilla

COORDENADORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

Julio Cesar Torres

COORDENADORIA DE EXTENSO E ASSUNTOS COMUNITRIOS

Tacia Sicchieri Lacerda dos Santos

COORDENADORIA DE GRADUAO

Lidia Tersa de Abreu Pires

COORDENADORIA DE CURSOS SEQENCIAIS

Sandra Mara Bernardi Ortolan

COORDENADORIA DE CURSOS DE TECNOLOGIA

Ericson Dias Mello

INSTITUIO MOURA LACERDA

DIRETOR EXECUTIVO

Luiz Eduardo Lacerda dos Santos

DIRETORA ADMINISTRATIVA

Fabiana Cristina de Lacerda Verna Prudente Amaral

DIRETORA FINANCEIRA

Ana Cristina Lacerda de Oliveira

Primeiros Passos 3

EDITORA Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta

COMISSO DE PUBLICAES

Fabiano Gonalves dos Santos Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta

Maria de Ftima S. C. G. de Mattos Nai Carla Marchi Lago

CONSELHO EDITORIAL Anderson Salvador Romanello

Chelsea Maria de Campos Martins Darclet Terezinha Malerbo Souza

Ericson Dias Mello Fernando Antonio de Mello

Luis Gonzaga Meziara Jnior Maria Antnia Fernandes Dantas

Paulo Alencar Lapini Paulo Csar Cedran Rodolfo Zamarioli

CONSELHO CONSULTIVO Eliane Terezinha Peres UFPe Pelotas RS

Elizete da Silva UEFS Feira de Santana BA. Marcos Daniel Longuini UNIFALAlfenas-MG

Maria Elena Pinheiro Maia FACITA Itpolis SP Regina Helena Lima Caldana USP Ribeiro Preto - SP

Renato Leite Marcondes - USP - Ribeiro Preto SP

EQUIPE DE PRODUO Amadeu Boldrin Neto

Fernanda Raquel Mendes Batista Glaciara de Faria Barreto Rodrigues

REVISO DE INGLS Roberta Nori Tahan

REVISO DE PORTUGUS Rita de Cssia do Carmo Garcia

AGRADECIMENTO ESPECIAL Amarlis Garbelini Vessi

4 Centro Universitrio Moura Lacerda

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Catalogao na fonte elaborada pela Bibliotecria

Gina Botta Corra de Souza CRB 8/7006.

Indexao

Revista Indexada em GeoDados e

BBE - Bibliografia Brasileira de Educao ( Braslia, INEP )

Capa Cultura e Identidades Ambientais

Concepo Gabriela Frizzo Trevisan Giovanna Bacci Brigato

Direo de Arte Gabriela Frizzo Trevisan

Orientao: Fernando Antonio de Mello Coordenador do Curso de Comunicao Social do Centro Universitrio Moura

Lacerda

PUBLICAO ANUAL / ANNUAL PUBLICATION Solicita-se Permuta/ Exchange Desired

ENDEREO/ADRESS

Rua Padre Euclides, 995 - Campos Elseos Ribeiro Preto - SP - Brasil - CEP 14.085-420

Tel.: (16) 2101 1010 Home page: www.mouralacerda.edu.br

Setor de Publicaes Tel.: (16) 2101 1086

E-mail: [email protected]

Primeiros Passos / Centro Universitrio Moura Lacerda. v.7, n.14 (2008) - Ribeiro Preto: Centro Universitrio Moura Lacerda, 2008. Anual ISSN 1519-6763 1. Conhecimentos gerais Peridicos. I. Centro Universitrio Moura Lacerda. CDD 000

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SUMRIO / CONTENTS

Editorial ........................................................................................................ 07 ARTIGOS / ARTICLES

EDUCAO E CULTURA O Processo de alfabetizao na abordagem construtivista The alphabetization process in the constructivist approach Aline Patrcia Campos TOLENTIN Anita ADAS ................................................................................................. 12

Construindo tradies: a Faculdade de Cincias Econmicas da Instituio Moura Lacerda Building traditions: the Economic University at Moura Lacerda Institution Natali Meireles ZILLI. Maria Aparecida Junqueira Veiga GAETA .................................................. 26

O Invisvel na obra de Mira Schendel The invisible in Mira Schendels production tala MENDONA Maria de Ftima da Silva Costa Garcia de MATTOS................................... 54

QUESTES AMBIENTAIS

Os Impactos das mudanas climticas contemporneas no Brasil: questes polticas, econmicas e sociais. The impacts of contemporaneous climate changes in Brazil: political, economic and social facts. Alexandre Hnig GONALVES Marrielle Maia Alves FERREIRA ............... 63

Anlise da distribuio de freqncia dos dados pluviomtricos obtidos na estao meteorolgica do Centro Universitrio Moura Lacerda. Frequency distribution analysis of the data pluviometric obtained at the station meteorological of Centro Universitrio Moura Lacerda. Amauri Ribeiro PUGA Alexandre Barcellos DALRI......................................................................... 80

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ESTUDOS DE MEDICINA VETERINRIA Prevalncia de mastite subclnica em vacas leiteiras de pequenas propriedades na regio de Ribeiro Preto SP. Prevalence of subclinical mastitis in dairy cows of the small farms in Ribeiro Preto region SP. Luana Aparecida Santos AMBRSIO Edivaldo Aparecido Nunes MARTINS........................................................ 91

Efeito da soluo hidroalcolica de prpolis e ivermectina sobre o oopg de eimeria spp em coelhos Nova Zelndia branco Hydro alcoholic propoli solution effects and the ivermectin on the oocists of eimeria spp in New Zealand white rabbits Gustavo Henrique Joazeiro de ALMEIDA Darclet Teresinha MALERBO-SOUZA..................................................... 101

A ESTATSTICA NA ADMINISTRAO Demanda de servio: estatstica do processamento de filmes fotogrficos na empresa Stereo Studio Foto tica LTDA Demand of service: statistics of the photographic films processing in the company Stereo Studio Foto tica LTDA Knia dos Santos FIGUEIREDO Ricardo Canella Andrade S Valquiria Pereira da SILVA Vanessa LANA Ins Regina SILVA .................................................................................... 110

EDUCAO FSICA E SADE A importncia da prtica de atividade fsica como auxlio no processo de tratamento para a dependncia qumica em pessoas de 18 a 35 anos The importance of the practical one of physical activity as aid in the process of treatment for the chemical dependence in people of 18 the 35 years Edilene Seabra MIALICK Laura FRACASSO Sandra Maria Pires Vieira SAHD ............................................................... 123 Orientao para colaboradores.....................................................................137

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Editorial

com satisfao que entregamos aos leitores o nmero 08 (oito) da

Revista Primeiros Passos, que dedicada aos trabalhos de concluso de cursos, projetos de pesquisas e de extenso comunidade, realizados no mbito dos cursos de Graduao, Sequenciais e Superiores de Tecnologia do Centro Universitrio Moura Lacerda.

Com natureza multidisciplinar, a Revista atende s diversidades epistemolgicas e metodolgicas presentes nas mltiplas perspectivas de formao profissional oferecidas institucionalmente. Os artigos que a compem espelham essa pluralidade.

A partir dessas interrogaes mltiplas e complexas que o conjunto de artigos foi tomando seu prprio caminho, esquadrinhando sua prpria feio, procurando reconhecer os contextos desenhados e oferecendo corporeidade aos dados coletados.

Ao propiciar discusses e entrecruzamentos tericos, a experincia dos atores/ autores adquire toda a sua significao. Os itinerrios percorridos revelaram as singularidades de experincias e evidenciaram as formas pelas quais elas se desdobram em mltiplas apropriaes, dando-lhes os mltiplos sentidos.

No artigo O processo de alfabetizao na abordagem construtivista, as autoras apontam para a eficcia da abordagem dessa linha pedaggica no processo de alfabetizao. Baseando-se em Jean Piaget, Emlia Ferreiro, Ana Teberosky e Telma Weis, o texto percorre os conceitos de alfabetizao e letramento.Afirmam as autoras que os dois conceitos devem caminhar juntos durante a escolarizao: alfabetizando e letrando, pois a escrita e a leitura so importantes na escola, porque so essenciais fora dela. As hipteses que surgem no decorrer do processo de alfabetizao tambm so discutidas.

O artigo prope que os docentes se aprofundem e reflitam sobre a importncia da abordagem construtivista, para que ocorra uma revisitao das prticas pedaggicas, afastando-se das formas tradicionais de alfabetizar, em que se formam leitores que apenas decifram os cdigos da escrita.

O texto Construindo tradies: a Faculdade de Cincias Econmicas da Instituio Moura Lacerda- Ribeiro Preto SP (1923 - 1950) estuda a trajetria do curso de Cincias Econmicas oferecido pelo Centro Universitrio Moura Lacerda, em Ribeiro Preto-SP, destacando seu pioneirismo na cidade e no interior paulista.

Situando o leitor no contexto histrico da formao de profissionais nessa rea, rastreia os momentos fundantes do ensino da Economia em

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Portugal, a partir do sculo XVIII at os primeiros ensaios que ocorreram no Brasil nos sculos XIX e XX.

Os estudos revelaram que a Faculdade de Scincias Econmicas da Instituio Moura Lacerda foi implementada em 1932 e teve suas origens no ensino de tcnicas comerciais desenvolvido pela Escola de Comrcio de Ribeiro Preto, criada em 1923. O texto preocupa-se com o desvelar do cotidiano escolar, analisando a legislao que perpassou o perodo estudado, apontando para o currculo prescrito e suas mudanas no decurso do tempo, bem como as rotinas escolares. Destaca o impacto educacional e cultural que esse Curso de Ensino Superior imprimiu no mbito citadino, em espaos regionais e estaduais, formando profissionais qualificados para atuar nos setores urbanos, em fase de consolidao.

O texto que enfoca as artes visuais, O invisvel na obra de Mira Schendel , apresenta faces da trajetria artstica da pintora. Retoma os percursos iniciais dessa caminhada quando, a partir de 1940, Mira retorna ao Brasil aps estudar Filosofia na Frana, onde recebeu grande influncia da Fenomenologia, tendo como mestres Herman Schmitz, Edmund Husserl e Maurice Merleau Ponty, referncias essas que perduraram em seus itinerrios artsticos. Destacam as autoras: Suas pinturas no so somente cores imanentes da luz em um vazio. So questes prprias de uma artista com o mpeto de buscar, de qualquer modo, ser o meio intersubjetivo de tornar visvel o que a viso prosaica torna invisvel.

O artigo Os impactos das mudanas climticas contemporneas no Brasil:questes polticas, econmicas e sociais analisa, sob uma tica, diferenciada, questes ambientais que perpassam pelo cotidiano contemporneo. Discute, de forma ampla, os impactos do Homem em relao ao meio num contexto mundial.

Destaca a visibilidade que as questes do aquecimento global e das mudanas climticas adquiriram na contemporaneidade, na esfera acadmica, na mdia e na sociedade civil, lugares em que, reiteradamente, so denunciados os problemas derivados da interveno humana que afetam a sustentabilidade ambiental.

Nesse cenrio, o texto enfatiza o papel do Protocolo de Kyoto-Japo assinado em 1997, que tratou sobre mudanas climticas e que se constituiu em resposta necessidade de mecanismos que se comprometessem em controlar as emisses de gases do efeito estufa na atmosfera. Tornou-se, na viso dos autores, um instrumento precursor na cruzada pelo desaquecimento global e na aplicao de mtodos de produo e consumo responsveis e limpos. Destaca que o Brasil, como um dos signatrios do Protocolo,

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comprometeu-se em diminuir as emisses a partir da adoo de fontes limpas de energia.

No olhar dos autores, o Brasil deixa a desejar, no tocante aos compromissos assumidos, pois se mostrou omisso em diferentes momentos. Em contrapartida, ONGs e Instituies de Pesquisa procuram conciliar prticas econmicas e sustentabilidade, indicando mtodos para o manejo adequado s especificidades de cada bioma e da cultura de cada lugar.

O artigo Anlise da distribuio de freqncia dos dados pluviomtricos, obtidos na Estao Meteorolgica do Centro Universitrio Moura Lacerda, destaca a importncia das informaes relacionadas ao tempo, ao clima e aos produtos agrometeorolgicos para a tomada de decises em relao s atividades agrcolas, pois as condies atmosfricas as afetam de modo contundente em todas as suas etapas, isto , desde o preparo da terra ao armazenamento do produto.

Os pesquisadores coletaram, na Estao Meteorolgica, durante o perodo de maro de 2001 a dezembro de 2007, dados que indicassem, estatisticamente, os eventos extremos e a freqncia da ocorrncia.

Os dados revelaram que 80% das chuvas registradas so menos que 5mm e que o ms com maior possibilidade de chuva de elevada intensidade o de novembro, enquanto o ms mais chuvoso o de janeiro, com 493,2mm.

Os resultados obtidos se revestem de relevncia para agricultores que podero utilizar-se de dados cientficos para a otimizao de suas atividades.

Na rea da Medicina Veterinria, o artigo Prevalncia de Mastite subclnica em vacas leiteiras de pequenas propriedades na regio de Ribeiro Preto-SP trata dos fatores que acarretam essa doena bovina e prejuzos econmicos pecuria leiteira, tanto pela reduo do volume, como na qualidade do leite. A investigao foi realizada durante quatro meses e com animais preponderantemente da raa Girolando, em quatro propriedades. Foi aplicado o teste Califrnia Mastites Test CMT, que um dos instrumentos mais utilizados para o diagnstico daquela doena.

A pesquisa considerou que o equipamento da ordenha uma fonte crucial na contaminao do leite e que os procedimentos de limpeza e higienizao, nesse componente, podem influenciar diretamente no ndice de contaminao microbiana do leite.

O estudo sobre a prevalncia da mastite subclnica por propriedade permitiu conhecer o perfil de cada uma delas, para posterior adoo de medidas preventivas da doena.

Ainda no campo da Medicina Veterinria, na rea de estudos sobre doenas em animais, o texto Efeito da soluo hidroalcolica de prpolis e ivermectina sobre o OOPG de eimeria SPP em coelhos Nova Zelndia branco aponta para a incidncia mundial da doena esmeriose, provocando

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doenas digestivas e afetando o desempenho de coelhos em fase de crescimento e terminao com potencialidade para taxas de mortalidade, sobretudo no perodo de desmame.

Os autores observaram que nos tratamentos convencionais eficazes os custos so elevados e, nesse caso, produzem um impacto nos custos da produo. Como alternativa para o combate doena, os pesquisadores apontam para a importncia de novos produtos, como a prpolis produzida pelas abelhas. Os resultados observados at ento, com esse produto, revelaram-se bastante positivos.

Os pesquisadores ressaltam que, a despeito da ao microbiana e dos efeitos anti-inflamatrios, antioxidantes e imunoestimulantes produzidos pela prpolis, seu uso na rea zootcnica e veterinria tem sido limitado, devido s diferentes fontes vegetais utilizadas pelas abelhas, provocando grande variabilidade de amostras.

A pesquisa concluiu que a soluo hidroalcolica de prpolis e da ivermectina pode ser utilizada na preveno e controle da eimeriose, em coelhos dos 30 aos 120 dias de idade.

Demonstrando os significados do uso da estatstica na gesto empresarial, o texto Demanda de Servio: Estatstica do processamento de filmes na empresa STEREO FOTO STUDIO TICA LTDA. trata de um instigante ensinamento sobre formas de administrar empresas, utilizando mtodos estatsticos. Aponta que a Estatstica constitui-se numa ferramenta de trabalho indispensvel para coleta e descrio de dados sobre uma empresa.

O estudo enfatiza que, para o sucesso empresarial, importante que o administrador adquira as competncias para o uso de conceitos e instrumentos estatsticos e, com esse referencial, efetuar coleta e anlise de dados, preparando-se para a tomada de decises que garantam bens e servios com qualidade.

O artigo A importncia da prtica de Atividade Fsica como auxlio no processo de tratamento para dependncia qumica em pessoas de 18 a 35 anos instiga o leitor a refletir sobre os benefcios que a prtica de atividades fsicas traz sade e ao impacto em sua qualidade de vida.

A pesquisa, realizada em uma comunidade teraputica, com um grupo de dependentes qumicos, constatou que a prtica de caminhadas, alongamentos, jogos e prticas de yoga contriburam para o desenvolvimento das capacidades psicolgicas de percepo dos participantes e, simultaneamente, o grupo interagiu de forma mais intensa com a sua comunidade de tratamento. Os resultados evidenciaram, portanto, valores que a atividade fsica pode agregar ao tratamento para a dependncia qumica.

A Revista traz aos leitores, como se denota, um leque de temas a serem

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discutidos e refletidos, evidenciando o lugar do campo investigativo em nvel de iniciao cientfica. Os artigos publicados ratificam o compromisso que emoldura a Revista Primeiros Passos, que o de contribuir para circulao e disseminao dos conhecimentos produzidos pelos estudantes no mbito do Centro Universitrio Moura Lacerda.

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O PROCESSO DE ALFABETIZAO NA ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA

Aline Patrcia Campos TOLENTIN*

Anita ADAS** Resumo

O objetivo desta pesquisa foi o de aprofundar os estudos sobre abordagem construtivista no processo de alfabetizao, que atualmente encontra-se fragmentado, principalmente nas escolas pblicas. Acreditamos que o processo de alfabetizao um dos principais fatores para tornar o educando um cidado ativo na sociedade e, assim, assumir suas responsabilidades ambientais, culturais, econmicas e sociais, entre outros fatores, que implicam uma conscincia crtica perante a realidade em que o nosso pas se encontra. A pesquisa est fundamentada na abordagem construtivista, uma vez que essa acredita no desenvolvimento do educando e na ampliao de seus conhecimentos por meio do respeito s suas experincias e sua capacidade de construo e reconstruo de hipteses diante de situaes problemas, possibilitando que este se torne cidado crtico e responsvel. Unitermos Alfabetizao; Hipteses; Construtivista; Educando; Cidado.

THE ALPHABETIZATION PROCESS IN THE

CONSTRUCTIVIST APPROACH Abstract The aim of this research is the epistemological studies about the alphabetic process on the constructivism approach, which is found shattered, mainly in public schools, because we believe that the alphabetic process is the most important factor to make pupil an active citizen in society therefore the pupil assumes his environmental, cultural, economical and social responsibilities as well as other factors which involves a critical conscience through reality which our country situates. The research is based on constructivism approach, which believes in the development of their pupils and the growth of their knowledge by respecting their experiences and the capacity of building and rebuilding the hypothetical ideas through troubled problems, allowing them to become critical and responsible citizens.

* Aluna do Curso de Pedagogia do Centro Universitrio Moura Lacerda E-mail: [email protected]

** Professora do Centro Universitr io Moura Lacerda e orientadora da pesquisa - E-mail: [email protected]

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Keywords: Alphabetic Process; Hypothesis; Constructivism; Pupil; Citizen.

Alfabetizao e Letramento A maioria das crianas chega ao primeiro ano do ensino fundamental

sem as noes necessrias para a aquisio da leitura e da escrita, pois muitas no freqentaram a educao infantil e no tm acesso leitura e escrita no ambiente em que vivem. fundamental que ns, educadores, estejamos preparados e sejamos possuidores de conhecimentos concretos sobre como ocorre o processo de alfabetizao para que possamos atender s necessidades de nossos alunos, que chegam com os mais diversos nveis de alfabetizao ao 1 ano do ensino fundamental. Para tanto, a presente pesquisa busca o aprofundamento dos conhecimentos pedaggicos do processo de alfabetizao na abordagem construtivista para que alcancemos uma prtica docente adequada e, conseqentemente, possamos contribuir efetivamente com a formao intelectual e social dos educandos.

Ao analisarmos a prtica pedaggica atual, ntido o fracasso escolar. Apesar de a escola estar oferecendo maior nmero de vagas - como nos apresenta o IBGE no censo de 1940, em que consta que havia 61% da populao sem escolarizao e em 2000 a mesma taxa apresentada com o percentual 16,7% -, se faz necessrio investigar a qualidade do processo de ensino e do processo de aprendizagem, pois o ndice de educandos que concluem o Ensino Mdio sem saber ler alto. Muitos alunos ou ex-alunos do ensino mdio so considerados analfabetos funcionais, pois sabem decifrar os cdigos da escrita, porm, no conseguem compreender o que lem, apenas decodificam o documento escrito.

Em meados do sculo XX , a maioria da populao era analfabeta, pois a escola com seu carter elitista, atendia fundamentalmente classe privilegiada. A classe desprivilegiada, por sua vez, estava ocupada no trabalho fabril e, posteriormente, no perodo da ditadura militar, no deveria ser reflexiva para que no contestasse o regime vigente.

No momento em que a escola abre as portas para a populao das classes baixas, a realidade dos alunos passa a ser outra: escola para todos. No entanto, a escola mantm sua cultura elitista e espera que o aluno seja adaptado a ela. A idia que vigora a de que o aluno quem deve modificar-se e no a escola buscar novos caminhos para que o aluno aprenda. Assim, a sociedade se transforma e se modifica. A maior parte das crianas em idade escolar ingressa na escola e a escola continua imutvel; a imutabilidade atinge tambm grande parte dos docentes que no buscam atualizar-se e continuam atuando como atuavam h 20, 30 anos. Vale ainda ressaltar os programas polticos que surgem para combater o alto ndice de analfabetos e que tratam a questo como uma doena, encarando a alfabetizao como uma

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vacina que curaria tal mal. Essa era a idia que as campanhas de alfabetizao transmitiam populao.

Logo, a instituio escolar e seus membros no acompanharam as transformaes sociais, muito menos as transformaes culturais e epistemolgicas da sociedade. Assim, hoje podemos constatar que cada vez mais os educandos no aprendem a ler de forma reflexiva e crtica.

Faz-se necessrio a conscientizao e a compreenso de que o fracasso escolar sempre existiu. Antes os alunos eram reprovados e ocorria a evaso escolar; atualmente, os alunos prosseguem sem obter aprendizagens slidas e significativas. H muito tempo o fracasso escolar vem sendo compreendido como uma patologia e essencial que se supere essa condio para que possamos atingir uma educao de qualidade para todos.

O perfil necessrio do educador que trabalha nas sries iniciais com alfabetizao para que se alcance a superao da condio supra citada a de um leitor das diversas literaturas - infantil e juvenil; investigador e pesquisador que saiba compartilhar seu trabalho com outros educadores, que planeja coletivamente, enfim, um profissional da educao aberto ao novo e coletividade; apesar de a realidade, muitas vezes, dificultar o trabalho dos professores com classes superlotadas, currculo extenso, carga horria excessiva, falta de recursos e de direcionamento pedaggico. Tal profissional da educao construir sua prtica durante seu caminhar no universo escolar e, certamente, ir esbarrar numa proposta construtivista de ensino e de aprendizagem. Por mais que conheamos crticas desqualificadoras a respeito desta proposta, acreditamos que esta possa contribuir para a construo de uma prtica educativa mais humanizada, uma vez que considera o aluno como sujeito de seu processo de aprendizagem. Nossa pesquisa visa, como j dito anteriormente, conhecer melhor a proposta construtivista de educao escolar especificadamente no momento da alfabetizao.

At a dcada de 1980, a nica preocupao, quanto ao processo de alfabetizao, era a decifrao do cdigo da escrita e da leitura, na qual no eram valorizados os conhecimentos prvios do educando. At ento eram utilizadas cartilhas que trabalhavam com mtodos silbicos e que apresentavam textos sem coerncia e relao com o contexto de vida dos alunos. As cartilhas utilizadas no processo de alfabetizao tradicional baseiam-se na memorizao, na codificao e decodificao, oferecendo um repertrio de letras restrito e textos sem relao com realidade dos alunos.

Durante muitos anos, a escrita foi compreendida como um

cdigo cujo funcionamento se explicava pela associao de fonemas e grafemas na formao de slabas, palavras e frases, o que tornava possvel a transposio da fala para o papel.

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Acreditava-se que, uma vez capaz de dominar a grafia das letras (pelo amadurecimento da coordenao motora fina), de associ-las aos seus respectivos sons (pela capacidade de ateno, concentrao e memria) e, ainda, de ajustar a combinao de letras e palavras s regras da ortografia e da gramtica (pelo exerccio respectivo das normas lingsticas), a escrita estaria definitivamente conquistada. (COLELLO & LUIZE, p. 17, 2005)

Acreditando que o processo de alfabetizao no um processo

mecnico e desvinculado do mundo cultural e social da criana, por volta de 1970, surgiram questionamentos sobre o mtodo silbico tradicional. Dessa reflexo, novas pesquisas se desenvolveram.

Emlia Ferreiro, psicloga argentina erradicada no Mxico e orientanda do estudioso suo Jean Piaget, na dcada supra citada, questionou o processo de alfabetizao na perspectiva tradicional, passando o foco de reflexo do como se ensina para como o aluno aprende, sugerindo novas abordagens do processo de ensino e de aprendizagem neste momento da escolarizao. A esta investigao e concepo do processo de alfabetizao chamamos de psicognese da lngua escrita.

A psicognese da lngua escrita uma descrio do

processo atravs do qual a escrita se constitui em objeto de conhecimento para a criana pode-se tornar observvel porque Emlia Ferreiro mudou radicalmente as perguntas que estavam na origem dos estudos sobre a aquisio da leitura e da escrita. Tradicionalmente, as investigaes sobre as questes da alfabetizao costumavam girar em torno de uma pergunta: como se deve ensinar a ler e a escrever? A crena implcita era a de que o processo de alfabetizao comeava e acabava entre as quatro paredes da sala de aula e que a aplicao correta do mtodo adequado garantiria ao professor o controle do processo de alfabetizao dos alunos. (WEISZ, p. 8, 2005)

Ao deslocar o foco de investigao do como se ensina para o como

se aprende, a pesquisadora argentina procura despertar o olhar reflexivo do educador sobre o educando no que diz respeito relao existente entre o contedo aprendido e a realidade vivida pelo educando, considerando que o aluno no uma tbua rasa e sim algum que tem uma bagagem de conhecimentos, chamados hoje de conhecimentos prvios, que contribui com o processo de aprendizagem escolar. Assim, nesta perspectiva, a escrita passa a ser considerada objeto sociocultural de conhecimento e o aluno, por sua vez, passa a ser considerado sujeito ativo no processo de alfabetizao,

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ou seja, sujeito que pensa e repensa a respeito da escrita; sujeito que elabora e reformula hipteses sobre o modo de funcionamento da escrita porque ela est presente no mundo onde vive (WEISZ, p.8, 2005). Enfim, o aluno deixa de ser objeto e passa a ser sujeito do processo de aprendizagem.

A proposta construtivista de alfabetizao no oferece apostilas ou atividades mecnicas que a criana se aproprie da lngua escrita, pois uma proposta que enfatiza o aspecto cognitivo do aluno, fundamentado no conceito piagetiano de sujeito cognitivo, em que o professor o mediador dos saberes construdos coletivamente com o educando, respeitando os conhecimentos prvios deste ltimo e proporcionando aprendizagens significativas. Talvez essa seja a maior dificuldade dos professores que esto acostumados a aceitar e utilizar livros e apostilas com atividades repletas de contedos desvinculados da realidade, sem significado para os educandos permeadas por atividades alfabetizadoras mecnicas. Assim sendo, a abordagem construtivista exige dos educadores dedicao e preocupao com os contedos e procedimentos que esto sendo trabalhados em sala de aula, para que se estabelea profunda relao entre eles e o contexto de vida do educando, tornando assim o aprendizado significativo.

Nesta vertente de pensamento, compreendemos que a proposta tradicional de alfabetizao apenas fornece instrumentos para a simples decodificao da lngua escrita, sem inseri-lo no mundo da cultura e no mundo social, no contribuindo, assim, para a construo e sua conscincia crtica e de sua autonomia enquanto sujeito do mundo.

O que nos interessa aqui refletir sobre como a prtica docente pode superar a condio tcnica do processo de alfabetizao tradicional, fazendo, assim, parte de um processo de educao formativo alm de informativo. Para isso, necessrio analisar num primeiro momento a concepo que se tem dos conceitos de letramento e de alfabetizao que permeiam todo o iderio construtivista neste momento da escolarizao.

Entendemos a alfabetizao como o momento em que se trabalha especificamente com o cdigo da escrita, compreendendo a lngua, a linguagem, o conhecimento do alfabeto e a diferenciao de numerais e letras. J o letramento tem como finalidade proporcionar ao aluno sua insero no mundo da leitura e da escrita de forma crtica e reflexiva. O letramento abarca a compreenso e a valorizao da cultura escrita e oral. Para ser letrada, a criana tem que aprender a ler com autonomia e compreender qual a mensagem o texto quer transmitir ao leitor, apropriar-se dessa leitura e ser capaz de formar opinio prpria sobre o texto, ou seja, refletir sobre a leitura e compreend-la como produo cultural.

Alfabetizao e letramento so dois processos que devem caminhar juntos no processo de escolarizao do educando. Essa reflexo nos remete

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compreenso da importncia de alfabetizar letrando, pois a escrita e leitura so importantes na escola porque so essenciais fora da escola; uma vez que para a construo de uma sociedade mais justa e decente fundamental que os sujeitos que a constituem sejam reflexivos, capazes de observar, analisar e transformar o que for necessrio. Nesta perspectiva, urgente compreender que o grande desafio dos processos de alfabetizao e de letramento diminuir a abordagem mecnica de atividades desvinculadas da realidade, mudar a rotina escolar, inventar algo novo, transformar a ao pedaggica com criatividade e na coletividade.

Para finalizar a questo de alfabetizar letrando, devemos compreender o papel da escola como espao propcio para acesso ao bem cultural, essencial para a vida de qualquer cidado. Os professores, ao invs de responsabilizarem os alunos pelos problemas da educao escolar, devem buscar e desenvolver alternativas de prticas pedaggicas mais eficazes, devem motivar o educando para a aprendizagem significativa. Para isso imprescindvel que os educadores se compreendam como seres inacabados - lembrando Paulo Freire , posicionem- se pesquisadores permanentes e busquem diminuir a distncia que existe entre o professor e o aluno.

Para que se efetive um trabalho educativo que articule os processos de alfabetizao e de letramento, precisamos entender, de acordo com a abordagem da psicognese da lngua escrita, que Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, elucidaram, objeto de pesquisa deste trabalho, quais so os processos de desenvolvimento pelos quais a criana passa ao construir suas hipteses de escrita e de leitura, at chegarem ao nvel alfabtico, dominando de forma autnoma a leitura e a escrita.

As hipteses que surgem no decorrer do processo de alfabetizao

O processo de alfabetizao precisa ser compreendido desde o incio como o processo pelo qual a criana se apropria da leitura e da escrita de modo significativo. Para tanto, faz se necessrio considerar os saberes prvios das crianas para que elas possam pensar a respeito das novas informaes a ela apresentadas. Com o intuito de melhor esclarecer tais consideraes, faamos o seguinte exerccio: se pegarmos um livro em um idioma que desconhecemos, num primeiro momento nada compreenderemos. No entanto, se mobilizarmos nossos conhecimentos anteriores e refletirmos a respeito das palavras e frases ali escritas, com algum esforo, elaboraremos algumas hipteses algumas pertinentes e outras no. As hipteses pertinentes se consolidam; aquelas no pertinentes vo sendo reconstrudas diante de novos desafios cognitivos colocados pelo professor. As hipteses, respeito de novos objetos de conhecimento, surgem de acordo com o contexto do educando e diante de novas propostas de trabalho sugeridas pelo

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docente. Assim sendo, quanto maior for o acesso do educando ao mundo da leitura e da escrita, mais rapidamente ele conseguir compreender o processo de leitura e de escrita.

Para melhor elucidar o processo anteriormente citado, vale refletir a respeito de algumas hipteses descritas por Emlia Ferreiro em seu livro Alfabetizao em processo, observadas tambm em nossa prtica docente.

A construo do conhecimento processa-se em vrias fases. Para compreender como se passa de um estado de menor conhecimento a um estado de maior conhecimento, precisamos elucidar o processo de construo de hipteses do educando. Emlia Ferreiro assim resume:

primeiro vrios modos de representao alheios a qualquer busca de correspondncia entre a pauta sonora de uma emisso e a escrita; depois modos de representao silbicos (com ou sem valor sonoro convencional) e modos de representao silbico-alfabticos que precedem regularmente a apario da escrita regida pelos princpios alfabticos. (2001, p.10)

As principais fases descritas por Emlia Ferreiro so: nvel pr-silbico,

nvel silbico e nvel alfabtico, sendo que todas elas podem apresentar subdivises.

Num primeiro nvel, o nvel pr-silbico, a criana constri hipteses sem relao entre a grafia e os sons das letras. A primeira hiptese se d quando a criana sabe escrever seu nome, porque memorizou as letras, e quando solicitada a escrever outras palavras e utiliza as mesmas letras do seu nome, mudando apenas a ordem ou utilizando maior nmero de letras. Essa hiptese pode surgir pelo fato de a criana conhecer apenas as letras de seu nome ou por acreditar que somente as letras de seu nome podem ser utilizadas para escrever outras palavras.

OJNAT MA ( Jonatan, 5 anos) A segunda hiptese que pode ocorrer, nesta fase, a de a criana partir

de um nome de outra pessoa, por exemplo: o B de Beatriz, como se a letra representasse a palavra inteira, pois foi incorporado sua convivncia social. como se a letra fosse propriedade de algum ou de algum objeto. A criana tambm acredita na hiptese de que para se escrever uma palavra no pode escrev-la com a mesma letra apenas repetindo-a. Quando a criana tem um repertrio restrito de letras, conhece apenas quatro letras, por exemplo, ao escrever vrias palavras encontra dificuldade: no pode utilizar a mesma

Primeiros Passos 19

seqncia para todas as palavras nem repetir as letras, por isso apenas aleatoriamente altera a seqncia das letras cada vez que solicitada.

Por exemplo, o aluno Felipe, 6 anos, que estuda em uma escola pblica em Ribeiro Preto (SP), quando lhe foi solicitado que escrevesse dois nomes de animais, assim escreveu:

E P F I G PATO A F P E L GATO Ao analisarmos a escrita de Felipe (6 anos), ntido que utilizou apenas

letras de seu nome, alterando apenas a seqncia das letras. Ele altera as letras por acreditar que no pode utilizar a mesma seqncia para escrever palavras diferentes; enfim, sabe que a forma de escrever as duas palavras diferente e seus significados tambm.

Na terceira hiptese possvel, a criana relaciona a escrita com o tamanho ou dimenso do objeto, por exemplo: se pedirmos para que escreva elefante, utilizar vrias letras em funo do tamanho do animal; j, se lhe pedir para que escreva formiga, utilizar poucas letras por ser um inseto pequeno.

OMLAVCIU ELEFANTE AB FORMIGA

Outra hiptese observada quando a criana coloca a quantidade de

letras de acordo com a representao do objeto estudado, por exemplo: quando a ilustrao mostra dois patos, coloca duas letras, no entanto, essa hiptese logo reconstruda, pois em alguns casos existem hipteses de quantidade mnima; para escrever o nome de um objeto no se pode utilizar apenas uma ou duas letras; o mnimo imaginado pela criana de, geralmente, trs letras. Tambm h uma diferenciao entre o singular e o plural: quando se fala patos, por exemplo, so colocadas mais letras do que se pede para escrever pato.

Para a criana estabelecer a relao entre o todo e as partes exigido um esforo cognitivo, pois compreender a relao entre grafia e escrita se torna complexo dentro dos smbolos de representaes da escrita convencional. A primeira dificuldade diferenciar nmeros e letras, sendo que em alguns momentos estes se apresentam muito parecidos. Ferreiro explica que

A mesma combinao (por exemplo, uma linha vertical com uma linha circular contgua) chamada letra, como b ou d, ou nmero, como em 9. No h nenhuma base conceitual clara para estabelecer tal distino. (2001, p. 10 e 11)

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O educando, no necessariamente, passar por todas as hipteses aqui mencionadas, mas quando se depara com uma dificuldade cognitiva, apesar de inicialmente fazer restrio, logo questionar sua assimilao; um processo de desequilbrio.

A criana, mesmo sem saber ler ou conhecer o sistema alfabtico, faz interpretaes orais da escrita. Quando ela v uma figura, se houver algo escrito convencionalmente, ir fazer uma interpretao levando em conta aspectos quantitativos e qualitativos, dependendo de duas condies. Tais condies podem ser externas ou internas. A primeira compatvel com o seu contexto e a segunda, a interna, diz respeito a sua idia imaginria do que realmente est escrito.

O aluno, Aycon, 5 anos, escola pblica, quando a professora lhe mostrou a embalagem de um sabo em p conhecido no seu cotidiano e lhe pediu para que lesse a palavra SABO, leu o nome da marca OMO. Podemos, ento, constatar que antes de ele saber ler, j constri interpretaes e hipteses que surgem do seu contexto.

Quando a criana comea a perceber, ou pelo menos indagar, a relao

entre o que est escrito e como oralmente o expressamos, ela muda de nvel alfabtico, passando para a construo de hipteses mais elaboradas em que utiliza uma letra para representar uma slaba, mesmo sem correspondncia oral, deixando claro que a criana j se preocupa com a questo da fala e interpretao da escrita. A esse momento chamamos de fase silbica.

Ao chegar fase silbica, a criana continuar a construir, a desconstruir e a reconstruir conhecimentos da lngua e da linguagem de acordo com os problemas e desafios cognitivos que surgem no decorrer do processo de alfabetizao, at chegar ao nvel alfabtico.

Na fase silbica, a criana pensa silabicamente, ou seja, utiliza-se de uma letra para representar o som de uma slaba, no entanto, em alguns momentos acrescenta outras letras por achar que o nmero de letras no suficiente para representar aquele determinado objeto; um exemplo seria a palavra BONITA, em que a criana escreve OIA: Pode ocorrer tambm de a criana no fazer necessariamente correspondncia sonora e acrescentar outras letras aleatoriamente OIABCD -, pois no fica satisfeita com o tamanho da palavra, uma vez que de alguma forma sabe, ou desconfia, que a palavra BONITA se constitui com mais letras do que as representadas.

A aluna Daise, 6 anos, escola pblica, escreve silabicamente. Vejamos os exemplos das palavras abaixo ditadas pela professora:

O A BOLA P O PATO G L GALO

Primeiros Passos 21

importante observar que nos trs registros acima citados, ora a criana utiliza como correspondncia oral e escrita as vogais, ora apenas as consoantes e, em outros momentos, utiliza vogais e consoantes. No existe uma caracterstica especifica no nvel silbico. Consoantes e vogais podem representar a linguagem oral na escrita, sendo que uma letra representa uma slaba sonora. O nvel silbico pode se dividir entre silbico e silbico alfabtico. No nvel silbico a criana compreende que as diferenas na representao escrita est relacionada com o "som" das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os smbolos grficos de forma aleatria, usando, ora apenas consoante, ora apenas vogais, ora letras inventadas, repetindo-as de acordo com o nmero de slabas das palavras. O nvel silbico-alfabtico caracteriza-se pelo fato de fazer corresponder os sons s formas silbica e alfabtica em que a criana pode escolher as letras ou de forma ortogrfica ou fontica. Vejamos alguns exemplos:

Exemplo 1: S A D BA NA NA (Bianca, 6 anos) Exemplo 2 : A B C X ABACAXI ( Eduardo, 7 anos) Exemplo 3 : A E A ABELHA ( Camila, 6 anos)

No primeiro exemplo, a aluna encontra-se no nvel silbico, pois representou o valor sonoro de cada slaba por uma letra, sem correspondncia entre escrita e som. J no segundo e terceiro exemplos, a criana encontra-se no nvel silbico alfabtico, pois alm de representar cada slaba com uma letra, tambm h preocupao com a correspondncia entre som e escrita. No segundo exemplo, o aluno utilizou as consoantes para representar a palavra e, no terceiro exemplo, a aluna utilizou as vogais, que pode variar a utilizao de vogais ou de consoantes, podendo ainda utilizar as duas, mas sempre com a caracterstica de uma letra representar o som de uma slaba. Quando no existe correspondncia sonora, a criana est no nvel silbico, quando h correspondncia entre o valor sonoro e a escrita desenvolvese cognitivamente para o nvel silbico alfabtico.

Quando o aluno chega ao nvel alfabtico, compreende que a slaba no pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores, ou seja, o pensamento de representar uma slaba por uma letra apenas deixa de existir, criando novas dificuldades como a de que a identificao do som da palavra no garantia da identificao da letra, o que pode gerar dificuldades ortogrficas, como no exemplo abaixo:

C A M I Z E T A (Bruna, 8 anos)

No exemplo, podemos observar que o som teve maior relevncia no momento de escrever a palavra, no entanto, ocorreu um erro ortogrfico,

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porque sua nica preocupao foi a utilizao do valor sonoro convencional da palavra. O principal avano desta fase que o educando se torna autnomo na escrita e leitura, conseguindo distinguir letras, slabas, palavras, frases e textos como categorias lingsticas estveis e bem definidas. Assim, podemos concluir que o educando est apto produo textual, uma vez que consegue coordenar o decifrado e o sentido do texto. Vejamos outros exemplos de escrita alfabtica:

A ABELHA FABRICA O MEL. (Tatiana, 7 anos) EU GOTO DE I NA CASA DA VOVO. (Gabriel, 7 anos)

Podemos notar, nos exemplos acima, que os alunos apesar de

cometerem alguns erros ortogrficos e de acentuao tm autonomia ao escrever. Sua escrita tem correspondncia com o valor sonoro.

Apenas recentemente temos interpretado a escrita das crianas desde o incio do processo, pois os rabiscos, que eram considerados sem significado, passam a ser compreendidos e analisados como parte de um processo repleto de sentido. No entanto, tal viso exige um grande esforo reflexivo dos educadores para que no julguem essas escritas iniciais como simples riscos sem correspondncia com a escrita convencional.

Muitas dessas hipteses no so ensinadas pelos adultos. As crianas as constroem sozinhas de acordo com o processo de assimilao do conhecimento que passa por constantes desequilbrios. Assim como Ferreiro afirma:

O desenvolvimento da alfabetizao ocorre, sem dvida, em um ambiente social. Mas as prticas sociais, assim como as informaes sociais, no so recebidas passivamente pelas crianas. Quando tentam compreender, elas necessariamente transformam o contedo recebido. Alm do mais, a fim de registrarem a informao, elas a transformam. Este o significado profundo da noo de assimilao que Piaget colocou no mago de sua teoria. (2001, p. 22)

Outra questo importante sobre as hipteses elaboradas pelos alunos a

negao e a ausncia caracterizadas pela distino entre o que est escrito e o que se pode ler. A relao do que est escrito com a realidade vivenciada, por exemplo, pode ser notado ao pedirmos a uma criana para escrever o elefante est voando. Na maioria das vezes, de acordo com as pesquisas de Emlia Ferreiro, diz-se que quase impossvel a criana escrever tal frase, pois ela sabe que elefante no voa. Assim, tambm ocorre com as frases que indicam ausncia, ou seja, quando solicitamos criana que escreva, por

Primeiros Passos 23

exemplo, no existem peixes no lago, geralmente ela se questiona, pois existem peixes no lago.

A fim de contribuir com a prtica docente alfabetizadora, seguem abaixo algumas sugestes de atividades de leitura e de escrita citadas por Esther Pillar Grossi nos trs volumes da sua coleo denominada Didtica da alfabetizao:

Nvel Pr- silbico

- Trabalhos desenvolvidos a partir dos nomes das crianas; - Listas de palavras com o mesmo campo semntico, focalizando letras iniciais e finais das palavras; - Atividades de leitura e escrita com textos conhecidos de memria; - Contagem de letras e nomeao das mesmas; - Atividades diversificadas com o alfabeto mvel; - Ligar palavras ao nmero de letras e letra inicial. Nvel Silbico - Circular ou marcar letras iguais das palavras; - Leitura e escrita de listas; - Anlise oral e escrita do nmero de letras das palavras que j

foram trabalhadas; - Mutao de palavras com o alfabeto mvel; -Produo de textos (em duplas ou coletivo), em que o professor o

escritor; -Atividades de forca, cruzadinhas, caa-palavras; - Organizao de textos conhecidos em frases. Nvel Silbico-Alfabtico - Completar letras que faltam nas palavras; - Completar textos de memria; - Reconto de textos diversos; - Escrita de diferentes portadores textuais; - Ordenar textos variando entre frases e palavras; - Considerar o erro como construtivo; - Produo coletiva e individual de textos. Nvel Alfabtico - Possibilitar o uso de diferentes estratgias de leitura; - Anlise lingstica das palavras; - Reescrita de textos; - Reviso de textos (autocorreo).

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Emlia Ferreiro no livro, Alfabetizao em processo, tambm

questiona o clculo elementar, concluindo que tanto para a lgica matemtica quanto para a construo da linguagem oral e escrita os esforos e estruturas cognitivos so os mesmos, assim, no se pode continuar abordando tais contedos escolares de forma separada e individual, ou seja, compartimentalizada.

No mbito matemtico, mais especificadamente na abordagem e clculo mental, as crianas constroem hipteses de aproximao e de assimilao para resolverem problemas de adio e de subtrao, principalmente crianas marginalizadas que trabalham na rua ou em servios domiciliares. Sabem resolver clculos mentalmente com muita facilidade porque fazem parte do seu contexto. No entanto, infelizmente, essas crianas so classificadas e consideradas como ignorantes porque no sabem a representao matemtica convencional exigida pela escola. O clculo mental e o contexto do educando no so valorizados na instituio escolar.

Precisamos, ento, transformar a viso dos educadores e da instituio escolar para que compreendam a importncia e a influncia do contexto do educando no processo de aprendizagem e saibam identificar e compreender as hipteses que surgem no decorrer do desenvolvimento cognitivo destes educandos. Somente valorizando os conhecimentos prvios dos alunos e reconhecendo que os paradigmas escolares so excludentes e classificatrios que ser possvel propiciar aprendizagens significativas para os alunos, tanto no mbito de linguagem escrita e oral como a linguagem e estruturas cognitivas matemticas.

Concluses

Aps a anlise dos conceitos de alfabetizao e letramento e suas

respectivas hipteses, podemos concluir que a contribuio da obra Psicognese da lngua escrita de Emilia Ferreiro foi de grande importncia para o processo de alfabetizao para que os educadores compreendessem como o educando aprende a ler e a escrever e, principalmente, como podemos intervir neste processo para sermos facilitadores do processo de construo do conhecimento de nossos alunos, colaborando positivamente para a formao destes futuros leitores e escritores, tornando a aprendizagem significativa e prazerosa.

A pesquisa realizada buscou aprofundar-se nos conhecimentos a respeito da abordagem construtivista, especificamente no processo de alfabetizao, com o intuito de esclarecer possveis dvidas e principalmente de contribuir para a modificao das prticas pedaggicas tradicionais, em

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que se formam leitores que apenas decifram os cdigos escritos. Assim, esperamos ter contribudo para reflexo de nossos leitores a respeito de uma prtica educativa mais prazerosa e significativa, em que os envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem professor e aluno - descubram-se leitores crticos e competentes e, acima de tudo, sujeitos do mundo em que vivem.

REFERNCIAS

COLELLO, Silvia M. G. & LUIZE, Andra. Aventura lingstica. In: Memria da Pedagogia, n.5: Emlia Ferreiro: a construo do conhecimento. Rio de Janeiro: Ediouro; So Paulo: Segmento-Duetto, 2005.

FERREIRO, Emilia. Alfabetizao em processo. So Paulo: Cortez, 2001.

GROSSI, Esther P. Didtica do nvel pr-silbico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

GROSSI, Esther P. Didtica do nvel silbico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

GROSSI, Esther P. Didtica do nvel alfabtico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

WEISZ, Telma. A revoluo de Emlia Ferreiro. In: Memria da Pedagogia, n.5: Emlia Ferreiro: a construo do conhecimento. Rio de Janeiro: Ediouro; So Paulo: Segmento-Duetto, 2005.

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CONSTRUINDO TRADIES: A FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS DA INSTITUIO MOURA LACERDA (1923-1950)

Natali Meireles ZILLI*

Maria Aparecida Junqueira Veiga GAETA** Resumo

O artigo estabelece percursos histricos da formao profissional do Economista no Brasil. Destaca a trajetria do curso de Cincias Econmicas oferecido pelo Centro Universitrio Moura Lacerda, em Ribeiro Preto-SP. Recupera os momentos fundantes do ensino de Economia a partir do sculo XVIII em Portugal e os primeiros ensaios que ocorreram no Brasil nos sculos XIX e XX. Aponta que a Faculdade de Scincias Econmicas da Instituio Moura Lacerda foi criada em 1932 e que teve suas origens no ensino de tcnicas comerciais desenvolvidas no mbito da Escola de Comrcio de Ribeiro Preto, criada em 1923. Analisa as mudanas curriculares que ocorreram no Ensino Comercial prescritas nas Leis Orgnicas de 1945, quando o curso desvinculou-se de um ensino eminentemente tcnico para tornar-se um curso orientado para a Economia como cincia comprometida com a formao de profissionais qualificados,bacharis em Cincias Econmicas, que se diferenciavam daqueles que at ento possuam apenas conhecimentos prticos. Unitermos: Cincias Econmicas; Ensino Comercial :Instituio Moura Lacerda; Ribeiro Preto-SP

BUILDING TRADITIONS: THE ECONOMIC UNIVERSITY AT MOURA LACERDA INSTITUTION (1923-1950)

Abstract This project has as aim to investigate, historically, the scholar trajectory of Instituio Moura Lacerda, studying its first steps (1923): The establishment was Escola de Comrcio Rui Barbosa and since 1932 it was called Faculdade de Cincias Ecnomicas de Ribeiro Preto. It was based in a bibliographical analysis specialized on a trajectory of the Economic Science Teaching in Brazil and about the education policy and legislation in the city of Ribeiro Preto in the first middle of XX century. It including a reveal about the impact which provoked the Faculdade de Cincias Econmicas in

* Aluna do Curso de Cincias Econmicas do Centro Universitrio Moura Lacerda. E-mail: [email protected] ** Docente no Centro Universitrio Moura Lacerda e orientadora da pesquisa. E-mail: [email protected]

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the process of urban development and in the installing of services that demand the presence of qualifying professionals in economy and management. The graduation course of Economy is responsible for preparing a graduate professional, with a theoretical knowledge different from the previously applied.

Keywords: Economist Education; Commercial Teaching; Ribeiro Preto; Instituio Moura Lacerda.

Este texto resultante de uma investigao realizada em nvel de Iniciao Cientfica, que tem como centralidade os momentos fundantes do Curso de Cincias Econmicas da Instituio Moura Lacerda. Criado em 1932, com o nome de Curso Superior de Administrao e Finanas, o curso teve suas origens no ensino de tcnicas comerciais ministrado pela Escola de Comrcio de Ribeiro Preto-SP.A escola oferecia,inicialmente, um ensino de nvel mdio que era um misto de tcnicas comerciais e de contabilidade, preparando profissionais para as diversas atividades mercantis e que, mais tarde, se transformou em ensino superior.

O Curso de Administrao e Finanas e o Curso de Perito-Contador foram os cursos pioneiros da Instituio Moura Lacerda e da cidade de Ribeiro Preto, nessa rea do conhecimento.

A cidade de Ribeiro Preto, reiteradamente, vem sendo objeto de estudos sobre questes ligadas economia cafeeira e os tradicionais desdobramentos dessa riqueza, tais como as ferrovias, a imigrao e o coronelismo; enquanto que outras faces da cultura urbana ficaram obliteradas. o caso da historicidade educacional, que apresenta vazios, silncios a serem desvelados em sua plenitude, sobretudo, em relao as antigas escolas ribeiropretanas, que acompanharam a trajetria urbana.Esses estabelecimentos, primiciais, carecem de estudos que elucidem os seus percursos e os impactos produzidos na cultura local e regional.

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Temas que tratam da constituio dos espaos escolares nas reas urbanas possibilitam a compreenso de que so as relaes sociais desenvolvidas entre as instituies e a cidade que, em ltima anlise, acabam por delinear as paisagens urbanas e por construir imagens que se cristalizam na memria de seus moradores. Revisitar memrias individuais e coletivas institucionais significa recompor a cultura educacional de Ribeiro Preto.

Ao buscarmos essas imagens, entendemos que elas esto sempre impregnadas de memrias e de significaes que se consolidam, mas tambm se modificam pelas experincias e vivncias sociais, expressando as diferentes temporalidades histricas.

A proposta foi, portanto, a de recuperar a cultura escolar vigente na Faculdade de Cincias Econmicas, decifrando uma realidade do passado por meio das suas representaes, tentando chegar s formas discursivas e imagticas pelas quais os sujeitos escolares expressaram a si prprios e ao mundo.

Os Sentidos da Investigao

Ao se repensar o papel da escola em suas especificidades e singularidades, como um espao de criao e produo de saberes geradores de uma cultura prpria, deixando de lado as vises de aparelho de reproduo, tornou-se oportuno retomar o passado escolar e tom-lo como objeto de reflexes, mapeando seus percursos, recuperando seus espaos, seu tempo cultural, o vivido e o produzido.

Os processos de fabricao, de seleo do conhecimento escolar e dos interesses subjacentes ofereceram a percepo do espao escolar, como um centro de produo cultural que imprimiu produes originais, constituindo-se num lugar identitrio produtor de singularidades (CHERVEL, 1990). Nesse caso, apreender aspectos da cultura escolar da Instituio Moura Lacerda, em seus primeiros tempos, foi relevante, pois emergiram os percursos realizados, suas rupturas, as permanncias e as simultaneidades.

Paul Ricoeur, em sua obra Tempo e Narrativa, aponta que toda configurao de uma narrativa implica a refigurao de uma experincia temporal. A narrativa reapresenta um tempo que, no caso da histria, pressupe um pacto com o passado. O texto do historiador tem, pois, uma pretenso verdade e refere-se a um passado real, mas toda a estratgia narrativa de refigurar essa temporalidade j transcorrida envolve representao e reconstruo.

Com esses sentidos a construo de um discurso sobre o passado implicou ir ao encontro de questes de uma poca. Ressaltamos, no entanto, que essa retrica sempre uma explicao sobre o mundo, reescrita no tempo presente, distanciado das tenses e das emoes do tempo vivido e a luz dos

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filtros que o passado interpe. Para a produo de um discurso sobre o passado, foi preciso ir ao encontro de questes de uma poca em que tentamos a leitura dos cdigos de um passado que no o nosso e que, por vezes, suscitou-nos um certo estranhamento, instaurando uma relao de alteridade.

Cabe dizer que a histria local requer um tipo de conhecimento diferenciado daquele registrado no alto nvel do desenvolvimento nacional. As categorias abstratas de regio, educao, classes sociais, gnero e faixa etria, ao invs de serem pressupostas, foram traduzidas em suas concretudes, iluminando singularidades e coletividades

Mtodos e Fontes

A investigao teve como horizonte terico conceitos, categorias epistemolgicas e metodolgicas, produzidas pela Histria Cultural. Tomar a cultura escolar como objeto histrico implicou a percepo dos processos de produo, imposio, circulao e apropriao de modelos culturais vigentes na instituio de ensino e, assim, compreender como formas de ensinar, modos de aprender, espaos de sensibilidades e sociabilidades escolares foram construdos, pensados e praticados.

A pesquisa exigiu o uso de fontes diversificadas: bibliogrficas, documentais e imagticas. A Legislao Educacional, codificada em decretos, resolues, pareceres, leis ordinrias e complementares, exaradas na primeira metade do sculo XX, permitiu recompor os perfis da poltica escolar nacional que regulamentava a carreira do economista e informava o tipo de cidado que se desejava formar.

As fontes documentais foram manipuladas nos Arquivos da Instituio Moura Lacerda e no Arquivo Pblico Ribeiro Preto SP. Esses acervos esto ancorados em documentos escolares, como planos de aulas, cerimnias cvicas e documentos administrativos, como: ofcios, atas e relatrios, entre outros.

Os relatrios exarados pelo Inspetor Federal de Cincias Econmicas, nos anos de 1944, 1945 e 1946, possibilitaram um repositrio de informaes que se constituram no ncleo duro da pesquisa. Referncias pessoais sobre alunos matriculados, como filiao, sexo e naturalidade, e dados educacionais como horrio de aulas, ndices de aproveitamento, de repetncia, currculos, programas de ensino, livros didticos indicados e mtodos de ensino adotados, entre outras atividades escolares, foram fundamentais para compor o cenrio escolar.

Por meio de jornais locais, A Cidade, O Dirio da Manh e A Tarde, foram recuperadas faces do cotidiano escolar, daquela poca, e suas interaes mais amplas com a sociedade. O repositrio de imagens

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fotogrficas institucionais possibilitou registros imagticos das rotinas escolares, codificadas em prdios, no vesturio de alunos e de professores, no mobilirio escolar e nos rituais festivos. Essa linguagem revelou modos de produo da cultura escolar.

O Ensino Comercial no Brasil: uma longa trajetria

importante destacar que a histria da Economia no Brasil constitui, tambm, a histria das Cincias Econmicas, compreendendo a Economia Poltica, as Prticas Comerciais, a Administrao, Finanas, a Contabilidade e as Cincias Atuariais. Os percursos e os desafios que ocorreram no processo de formao de profissionais, para atuar no campo administrativo, na gesto dos negcios coletivos, tanto do Estado como das grandes organizaes econmicas privadas, confundem-se com a prpria histria brasileira.

O ensino dessas reas, at a primeira metade do sculo XX, esteve sob o nome de Ensino Comercial e mais tarde se transformou no Ensino Superior de Cincias Econmicas. Assim, entendemos ser importante analisar os caminhos percorridos, no decurso dos sculos, por esse campo de formao profissional, e estabelecer uma breve apresentao desses itinerrios que se confundem com a prpria histria econmica brasileira.

O modelo histrico de formao do economista, que se instaurou no Brasil no sculo XIX, espelhou-se nas antigas Aulas do Comrcio, criadas em Portugal e nos seus domnios coloniais. As Aulas estavam inseridas nas medidas de fomento econmico propostas pelo Marqus de Pombal, visando criao de empresas e, simultaneamente, propiciar a modernizao das tcnicas comerciais praticadas pelos negociantes.

Os objetivos que emulavam os estatutos da Junta do Comrcio portuguesa, criada por Real Decreto, em 1755, revelam as razes da criao da Aula do Comrcio:

(..) porque a falta de arrecadao de livros,

reduo de dinheiros, de medidas e depezas, intelligencia de cmbios, e das mais partes que constituem hum perfeito Negociante, tem sido de grande prejuzo ao commercio destes Reynos. Se deve estabelecer por esta Junta huma Aula (...) para que nesta pblica e muito importante Escola se ensinassem os princpios necessrios a qualquer negociante ...(...)... e ningum deixasse de guardar os livros do seu Commercio com a formalidade devida. (LIMA,2001).

Primeiros Passos 31

Nota-se que a preocupao com a formao de administradores capazes

de gerenciar os negcios do Reyno foi parte integrante da poltica econmica e educacional da metrpole portuguesa.

Com a vinda de D. Joo VI (1808) para o Brasil, logo foram criadas, no Rio de Janeiro, as primeiras Aulas Pblicas de Economia, tambm conhecidas como Aulas de Comrcio (1809), ramo que deu origem ao ensino de Economia, constituindo-se como uma extenso do curso que havia em Portugal. Estavam subordinadas direo e inspeo do Tribunal da Junta de Comrcio, Agricultura, Fbricas e Navegao

A primeira Aula foi confiada a Jos da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu. Formado em Direito Cannico e Filosfico pela Universidade de Coimbra. Nomeado Secretrio da Mesa de Inspeo de Salvador-BA, adquiriu conhecimentos e experincias na rea econmica, pois conviveu com os problemas do setor agroexportador brasileiro. Seus conhecimentos tericos e prticos foram consubstanciados nas obras Princpios de Economia Poltica e Princpios do Direito Mercantil (Castro, 2001, p. 71).

Para o ingresso s Aulas de Comrcio, oferecidas no perodo noturno, eram exigidos apenas a leitura, a escrita e as quatro operaes bsicas. As Aulas com a durao de trs anos, preparavam os empregados do comrcio para os exames na Junta Comercial. Havia uma ntima relao e uma forte influncia entre o ensino comercial e o mercado de trabalho, pois a freqncia s Aulas garantia o ofcio profissional..

A matriz curricular da Aulas de Comrcio estava assim constituda:

1 ano 2 ano 3 ano Aritmtica Contabilidade Contabilidade Geometria Escriturao Mercantil Escriturao Mercantil lgebra Geografia Geografia

Ressalta, na grade, o peso da matemtica e a nfase no conhecimento

geogrfico das riquezas naturais H, contudo, uma lacuna sobre o cotidiano das Aulas de Comrcio em

sua fase inicial, mas h registros de que essa iniciativa pioneira no teve o sucesso esperado, pois o Ensino Comercial era visto com preconceitos e menosprezado pelas elites que desejavam, para seus filhos, carreiras tidas como nobres e que propiciassem o cobiado ttulo de doutor. Assim, atividades mercantis eram deixadas para as camadas populares ou para os estrangeiros que, ocupando esses vazios, estabeleciam-se e prosperavam

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nesses setores. Nas provncias brasileiras, da mesma forma, o ensino de comrcio no teve expresso. Contudo, essas experincias iniciais constituram-se na pedra de toque para o ensino de Economia no Brasil.

Durante o perodo Imperial (1822-1989), a Aula de Comrcio mudou de

nome, por duas vezes: Aula de Comrcio da Corte e posteriormente para Instituto Comercial da Corte ou do Rio de Janeiro, que na realidade, tratava-se do mesmo curso. No Instituto Comercial, foram criados dois cursos: um Preparatrio e outro Profissional. No havia exame de admisso, mas, aps trs meses, o aluno era submetido a uma prova de proficincia, que poderia inclu-lo ou exclu-lo do curso.

Vejamos as matrizes curriculares dos cursos :

Preparatrio Profissional Gramtica Portuguesa Matemtica Caligrafia Escriturao Mercantil Desenho Linear Legislao de Fazenda Francs Geografia Ingls Estatstica Comercial Alemo Direito Comercial Economia Poltica

Denota-se no curso preparatrio uma forte preocupao com a lngua

portuguesa e o ensino de idiomas estrangeiros, enquanto que no curso profissionalizante os conhecimentos da matemtica predominavam, mas j se prenunciava um direcionamento terico para rea econmica e do direito comercial. A despeito dos esforos, as tentativas de implantao das Aulas de Comrcio, no Brasil, no produziram, inicialmente, os efeitos desejados. O Instituto Comercial, que as substituiu, tambm no conseguiu oferecer um ensino ajustado s necessidades do comrcio fluminense, gerando uma demanda inexpressiva de alunos e um desprestgio junto populao.

No Relatrio do Ministro dos Negcios do Imprio, em 1877, aflora o desinteresse pelo curso:

Em 1875, matricularam-se no Instituto 29

alunos, dos quais 16 perderam o ano. Ficou, portanto, reduzido a 13 o nmero dos que freqentaram as aulas at o seu encerramento. Destes, 1 no prestou exame e 12 foram examinados,

Primeiros Passos 33

com o seguinte resultado: aprovados plenamente em todas as matrias 4; em algumas matrias e simplesmente em outras 2; em todas as matrias 3; em algumas matrias e reprovados em outras 3. Nenhum aluno completou o curso.

Relata, ainda, que: Em 1876 matricularam-se 27 alunos.....(...)

Ainda este ano no houve aluno algum que completasse o curso.

Conclui, dizendo:

O Instituto Comercial uma instituio morta. Os algarismos que a ficam so disso a mais eloqente demonstrao. Em uma cidade comercial, como a do Rio de Janeiro, mal se pode explicar, a razo por que o Instituto Comercial encerrasse o ano letivo com 7 alunos de matrcula. , pois, urgente extinguir ou reorganizar este estabelecimento, com o qual to improdutivamente despende o Estado anualmente 20:800$000. (In: BIELINSKI, p. 15 ).

Outros fatores foram, tambm, responsabilizados pelo fraco desempenho do Instituto Comercial. O Editorial da revista O Cruzeiro registrava:

era o vicio originrio do papelorio; para que

cada alumno alli penetrasse exigia-se-lhe tantos documentos e informaes, que logo aos primeiros passos desanimava o aspirante matrcula. ( 26 /06 de 1882. In: BIELINSKI, p. 15 ).

No incio do sculo XX, com a expanso comercial e as exigncias de

carter administrativo, emergiu a necessidade de se organizar o ensino comercial, de maneira uniforme, em carter nacional. Em 1902, foram criadas a Academia de Comrcio do Rio de Janeiro e a Escola Prtica de Comrcio de So Paulo, com aulas diurnas e com o pagamento de mensalidades. Os diplomas expedidos pelas duas instituies eram reconhecidos pelo Governo Federal, com validade em todo o territrio nacional.

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Faculdade de Cincias Econmicas do Rio Grande do Sul criada em 1909

Fonte:www.google.com.br Com este cenrio se inicia a expanso de um ensino voltado para a

formao de profissionais preparados para as atividades empresariais, em vrios estados. Assim se deu a fundao (1919) da Faculdade de Cincias Polticas e Econmicas do Rio de Janeiro, a primeira escola superior de Economia do Brasil, bem como a Escola de Comrcio da Fundao lvares Penteado, na cidade de So Paulo.

Matriz Curricular da Escola de Comrcio da Fundao lvares Penteado

Matemtica Estatstica Tecnologia Industrial e Mercantil

Geografia Comercial e Estatstica Cincia da Administrao

Histria do Comrcio e da Indstria Direito Civil

Direito Comercial e Martimo Economia Poltica

Contabilidade do Estado Contabilidade da Diplomacia

Histria dos Tratados e Correspondncia Diplomtica

Contabilidade Mercantil Comparada

Alemo Espanhol

Italiano

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Observa-se que os pilares do curso permaneciam com as disciplinas bsicas: matemtica e estatstica e a permanncia do ensino das lnguas estrangeiras importante destacar, tambm, que essa matriz curricular inaugurou uma linhagem de disciplinas que tero grande durao no ensino das Cincias Econmicas no Brasil.

A despeito do ensino comercial ter sido implantado no incio do sculo XIX, observa-se uma lentido de quase um sculo para adquirir uma estrutura capaz de atender s necessidades comerciais do pas. Assim, o desenvolvimento do ensino das Cincias Econmicas, at o inicio do sculo XX, foi lento e ofuscado pelo prestgio das antigas carreiras liberais.

A Escola de Comrcio na cidade de Ribeiro Preto: a produo de paisagens urbanas

As transformaes econmicas brasileiras decorrentes das polticas de

industrializao e urbanizao, introduzidas no governo de Getlio Vargas (1930-1945), produziram uma sensibilizao para o processo de formao de profissionais qualificados para as atividades mercantis. Essa nova conjuntura permitiu que os cursos superiores de Comrcio fossem transformados em Faculdades de Cincias Econmicas, e foi nesse contexto que ocorreu a instalao da Faculdade de Cincias Econmicas de Ribeiro Preto.

Para se compreender os fatores que engendraram a instalao da Escola de Commrcio Rui Barbosa (1923), posteriormente denominada de Instituto Comercial Ribeiro Preto e, a partir de 1932 a Faculdade de Scincias Econmicas de Ribeiro Preto, torna-se importante desenharmos historicamente os cenrios espaciais da cidade de Ribeiro Preto naquele momento, iluminando contextos que exigiram e permitiram a formao de profissionais para atuar em setores econmicos urbanos que, ento, despontavam.

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Imagens da urbanizao de Ribeiro Preto. Fonte www.google.com.br

Inicialmente chamada Vila de So Sebastio, depois Vila de Entre Rios e posteriormente Vila de Ribeiro Preto, a cidade foi fundada em 1856. Possua uma economia baseada na agricultura e na pecuria. Na virada do sculo XIX, o cenrio urbano transformou-se com a o plantio do caf.

A literatura local aponta que, na dcada de 1920, o caf era o centro dinmico da economia de Ribeiro Preto e do Brasil. A populao rural representava 70% dos habitantes do municpio, enquanto a urbana era de 30%.

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Imagens da atividade agrcola Fonte www.google.com.br

Vejamos o crescimento da produo cafeeira e o seu impacto no total

das exportaes brasileiras

A economia local tinha, portanto, na cafeicultura o epicentro de sua

riqueza. Joo Manuel Cardoso Mello enfatizou que a introduo da mo-de-

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obra imigrante na lavoura cafeeira paulista possibilitou a transferncia do capital que era empregado na compra de escravos para outros setores da economia.

A cafeicultura influenciou fortemente a estrutura do municpio, pois, com aumento populacional por ela provocado, expandiam-se principalmente a rea urbana e o setor comercial, permitindo que a cidade se tornasse um centro distribuidor de mercadorias para as fazendas em seu entorno e para as cidades no atendidas pela ferrovia. Com os impostos arrecadados sobre as atividades urbanas, a administrao municipal pde investir em obras de infra-estrutura, como redes de gua e esgotos e, pavimentao de ruas. A riqueza gerada pela produo do caf foi, portanto, a pedra de toque para remodelao urbanstica, a instalao de pequenas indstrias e a insero da cidade no cenrio mundial.

Assim, o crescimento econmico de Ribeiro Preto, no incio do sculo XX, no se reduziu s fazendas de caf, mas foi gerado por todos os componentes desse complexo. O empenho de comerciantes e industriais contribuiu, sobremaneira, para o processo do desenvolvimento econmico local.

Contudo, o perodo de 1925-1929 assinalou o apogeu e o incio da derrocada da cafeicultura como epicentro da economia brasileira. O caf, o principal produto da receita de exportao, sofreu uma desvalorizao expressiva.: a depresso mundial trouxe profundos desdobramentos para a economia brasileira, provocando alteraes na esfera produtiva, estimulando a diversificao das atividades econmicas. (SANTOS, p. 273).

Essa conjuntura desencadeou, em Ribeiro Preto, um processo de erradicao dos cafezais e a substituio do cultivo do caf por culturas agrcolas temporrias, como a do algodo e da cana-de-acar. Os trabalhadores rurais, aos poucos, foram deixando as fazendas, deslocando-se para as periferias do municpio. Esse processo de expanso urbana esculpiu um sistema bancrio, imprimindo um dinamismo na economia local: o crescimento dos ativos, dinheiro e aes refletia a consolidao de um sistema financeiro aps a crise de 1929 (SAES, 1997).

A cidade e a cultura urbana

Escolas, bibliotecas, livrarias, teatros, jornais, cafs e confeitarias tambm se fizeram presentes no contexto de riqueza econmica gerada em Ribeiro Preto. A rede escolar da cidade encontrava-se bem organizada, contando com vrias escolas pblicas e particulares localizadas nas reas urbanas, oferecendo o ensino para ambos os sexos.

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A instalao de escolas, nas primeiras dcadas do regime republicano, significava simbolicamente a modernizao pedaggica, pois indiciava a morada de um dos mais caros valores urbanos que era a cultura escrita.

Os estabelecimentos escolares conotavam prestgio para a cidade, num momento em que poucas localidades os possuam. A instalao de estabelecimentos de ensino era entendida como uma vitria poltica e religiosa, decorrente dos esforos das autoridades locais, mediadas pelo jogo eleitoral. Os edifcios escolares espelhavam o projeto poltico atribudo educao: convencer, educar e dar-se a ver. As escolas eram concebidas como um instrumento civilizatrio e agentes de modernizao urbana e, por isso, a casa-escola deveria aparentar uma construo slida, sbria, projetada para durar, espelhando o papel social da instruo e dos valores atribudos educao. Ela haveria ser, antes de tudo, uma fora moral e educativa.

Assim, a configurao da escola como um lugar que produz identidades e alteridades se fez simultaneamente constituio dos espaos econmicos, sociais e culturais urbanos.

A instalao da Escola de Comrcio: a produo de saberes profissionais

Imagens da urbanizao, ao lado de notcias sobre as grandes transaes comerciais que a cidade propiciava, atraram dois jovens procedentes da cidade de Rio Claro-SP, que chegaram a Ribeiro Preto em 1923, com intenes de instalar uma Escola de Comrcio, setor que se despontava e sinalizava um futuro promissor.

Ambos criaram a Escola de Commrcio Rui Barbosa, filiada ao Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Instalada num antigo prdio na Rua Amador Bueno, esquina com a Rua Lafayete, no centro da cidade, a escola enfrentou desde o incio grandes desafios. A falta constante de recursos financeiros, a desconfiana dos moradores locais em relao direo da escola, a resistncia dos antigos profissionais prticos que temiam a concorrncia dos diplomados, alm de uma campanha desabonadora, ora implcita, ora explcita, que pairava sobre o estabelecimento,constituram-se nos ingredientes que abafaram a escola e o xito escolar, em seus primeiros tempos.

Diante desses estigmas, a escola atraa poucos alunos, vivenciando um recorrente desequilbrio entre a receita e as despesas o que se desdobrava em baixos salrios para os docentes e o atraso no pagamento dos compromissos (Dirio da Manh, 17/09/31, p. 03). Assim, o cotidiano escolar era perpassado por insegurana e temores.

A despeito dessas dificuldades, em 1924 a primeira turma recebeu o seu diploma de Guarda-livros, em sesso solene paraninfada pelo Dr. Joo Rodrigues Guio, ento Prefeito Municipal. Era a primeira vez que se

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conferia, na cidade, um selo de qualificao para que profissionais atuassem no comrcio local. O diploma conferia o exerccio de uma profisso liberal, em ascenso nos setores urbanos.

Quadro de formatura em 1924.

Fonte: acervo Moura Lacerda Observa-se o reduzido nmero de alunos e presena dominante do gnero

masculino entre o corpo docente e o discente.

Entre os formandos estava Oscar de Moura Lacerda que, enquanto estudante, era, tambm, docente na prpria escola e que, tempos depois, foi por ele adquirida. O nome do estabelecimento foi, ento, alterado para Instituto Commercial de Ribeiro Preto.

A escola mantinha um curso de Admisso que permitia aos alunos, aps terem realizado o curso primrio, o ingresso no primeiro ano do curso Propedutico que possibilitava o ingresso ao Curso Comercial. O curso Propedutico era, portanto, equivalente ao Curso Ginasial, com trs anos de durao, e permitia a matrcula no primeiro ano do Curso Tcnico de Perito-Contador, tambm com trs anos de durao.

A Escola Tcnica de Comrcio se transformou, mais tarde, em Faculdade de Scincias Econmicas, imprimindo um papel relevante no cenrio local, regional e estadual. Constituia-se na primeira instituio de ensino superior ligada Economia, situada na cidade e no interior paulista.

Primeiros Passos 41

O velho prdio de aluguel se transformou, ento, num edifcio amplo e majestoso, situado, inicialmente, na rua Baro do Amazonas e, mais tarde, na rua Duque de Caxias, em frente principal praa urbana, no corao da cidade.

O Dirio da Manh registrou a construo do novo espao escolar:

Talvez ainda em meados deste anno, esteja a Instituio Universitria Moura Lacerda funcionando no mais bello e confortvel prdio escolar desta cidade, cujos estudos preliminares de sua construo vo bastante adeantados (17/2/1935, p. 5).

A Faculdade de Scincias Econmicas: os saberes produzidos

A configurao desse espao escolar constituiu-se numa nova

sensibilidade para a cidade de Ribeiro Preto. Representava-se como um lugar do saber e do conhecimento, situado em edifcio prprio, especialmente escolhido e construdo para o ensino e o aprendizado, produzindo, portanto, identidades urbanas.

A criao do Curso Superior de Cincias Econmicas ocorreu em Ribeiro Preto em 1932, no incio do governo Vargas (1930-1945). Era um momento marcado pelo iderio nacionalista e pela forte presena intervencionista do Estado, que se envolvia diretamente no campo econmico, regulamentando, direcionando e atuando em setores de base desse setor. Vargas estabeleceu polticas de apoio e incentivo ao desenvolvimento, baseadas no crescimento interno e na industrializao. Esse contexto focado no setor econmico valorizou as Cincias Econmicas, dando projeo figura do economista e sua formao profissional.

Em 1931, o Ministrio da Educao e Sade, sob a responsabilidade de Francisco Campos, delineou uma poltica nacional para a educao, regulamentando, em nvel nacional, o Ensino Comercial e o curso Superior de Cincias Econmicas, sob o ttulo de Administrao e Finanas.

A reforma de Francisco Campos determinou que: Art. 2 O Ensino Comercial constar de um curso propedutico e dos

seguintes cursos: tcnicos de secretrio, guarda-livros, administrador-vendedor, aturio e de perito-contador e, ainda, de um curso superior de administrao e finanas e de um curso elementar do auxiliar do comrcio (Decreto N. 20.158, de 30.06. 1931).

A gesto de Francisco Campos estabeleceu normas, definiu os contornos administrativos acadmicos de acordo com a poltica nacionalista de Vargas e ofereceu educao um carter nacional. Para atingir os

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objetivos de homogeneidade cultural, que se relacionavam intimamente com a construo de uma identidade nacional, tornava -se necessria dissoluo de barreiras regionais e locais. Essa determinao se evidencia no Decreto n 20 158, que dispunha:

Art. 35. Todos os estabelecimentos de ensino comercial, de cincias

econmicas e de administrao, pertencentes a fundaes, sociedades particulares, estados e municpios, para que gozem dos favores legais, devem ser equiparados ao padro federal, requerendo fiscalizao e recolhimento pela Superintendncia do Ensino Comercial.

Art. 39. Os fiscais gerais e os fiscais regionais, de acordo com as

instrues do superintendente, providenciaro para que nos estabelecimentos fiscalizados sejam cumpridas todas as disposies regulamentares; remetero ao mesmo superintendente relatrios mensais, sem prejuzo dos extraordinrios e das respostas e circulares e ofcios, e devero assinalar suas visitas aos estabelecimentos de sua fiscalizao em livros prprios. Essas visitas sero verificadas pelas inspees dos fiscais gerais e pelas do superintendente. O superintendente verificar tambm as visitas dos fiscais gerais, sempre que julgar necessrio.

Art. 67. Os contadores, guarda-livros e perito-contadores, bem como

os bacharis em cincias econmicas, aturios administradores-vendedores, secretrios e auxiliares do comrcio, cujos certificados, diplomas, ttulos ou atestado forem registrados na Superintendncia do Ensino Comercial, tero direito de exercer a profisso em todo o territrio nacional.

Subjacente padronizao da estrutura organizacional escolar

brasileira, a reforma Francisco Campos inaugurava um sistema nacional de educao, tendo com epicentro o Ministrio da Educao.

Ao tratar do Regime Escolar, a legislao abriu frestas para que pudssemos devassar faces da vida cotidiana da Faculdade de Scincias Econmicas e, nesse caso, a possibilidade de cotejarmos o tempo passado com o tempo presente, verificando as mudanas, as permanncias e as simultaneidades nas diferentes temporalidades.

A Faculdade de Administrao e Finanas possua suas exigncias para o ingresso dos estudantes:

Art. 11. a) atestado de identidade; b) atestado de idoneidade moral: c) atestado de sanidade.

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Art. 12. Para a matrcula no 1 ano do curso superior de administrao e

finanas, alm dos documentos enumerados no artigo anterior, ser exigido diploma de perito-contador ou de aturio.

A exigncia da qualificao necessria para o ingresso ao novo curso

tornou-se de fundamental importncia para