a contextualização teórica dos bancos comunitários de desenvolvimento

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A contextualização teórica de Bancos Comunitários de Desenvolvimento Resumo O presente trabalho tem como objetivo narrar a trajetória dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento no país (1998-2010), bem como, a partir de uma perspectiva histórica, refletir sobre os aspectos que permitem a conceituação teórica deste tipo de instituição. A descrição histórica dos BCDs insere-se em uma pesquisa maior cujo objetivo foi analisar três bancos comunitários de desenvolvimento paulistanos ligados ao movimento de moradia, tendo por base a perspectiva dos atores envolvidos com sua adoção, quanto aos gargalos e fatores de influência para o processo de disseminação. A partir de 2004, iniciou- se um processo de disseminação dos bancos comunitários conduzidos pelas lideranças criadoras da primeira instituição desse tipo no país, o Banco Palmas, fundado em 1998, em Fortaleza (CE), e pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Existem poucos estudos sobre os bancos comunitários disseminados e poucas informações sobre as contingências existentes no processo de adoção desses bancos. A descrição do histórico dos BCDs, além de se constituir em um registro baseado em dados secundários e primários, pode subsidiar o desenvolvimento de pesquisas que abordam temas correlatos, tais como: microcrédito, finanças solidárias, inclusão financeira, desenvolvimento local e políticas públicas para a geração de trabalho e renda. Palavras-chave: inclusão financeira; bancos comunitários de desenvolvimento; disseminação.

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Um apanhado que aborda a constituição de Bancos Comunitários de Desenvolvimento.

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  • A contextualizao terica de Bancos Comunitrios de Desenvolvimento Resumo O presente trabalho tem como objetivo narrar a trajetria dos Bancos Comunitrios de Desenvolvimento no pas (1998-2010), bem como, a partir de uma perspectiva histrica, refletir sobre os aspectos que permitem a conceituao terica deste tipo de instituio. A descrio histrica dos BCDs insere-se em uma pesquisa maior cujo objetivo foi analisar trs bancos comunitrios de desenvolvimento paulistanos ligados ao movimento de moradia, tendo por base a perspectiva dos atores envolvidos com sua adoo, quanto aos gargalos e fatores de influncia para o processo de disseminao. A partir de 2004, iniciou-se um processo de disseminao dos bancos comunitrios conduzidos pelas lideranas criadoras da primeira instituio desse tipo no pas, o Banco Palmas, fundado em 1998, em Fortaleza (CE), e pela Secretaria Nacional de Economia Solidria (SENAES). Existem poucos estudos sobre os bancos comunitrios disseminados e poucas informaes sobre as contingncias existentes no processo de adoo desses bancos. A descrio do histrico dos BCDs, alm de se constituir em um registro baseado em dados secundrios e primrios, pode subsidiar o desenvolvimento de pesquisas que abordam temas correlatos, tais como: microcrdito, finanas solidrias, incluso financeira, desenvolvimento local e polticas pblicas para a gerao de trabalho e renda. Palavras-chave: incluso financeira; bancos comunitrios de desenvolvimento; disseminao.

  • 1. Introduo

    O presente trabalho tem como objetivo, por meio de uma descrio do histrico

    dos Bancos Comunitrios de Desenvolvimento (BCDs), promover uma contextualizao

    terica deste tema.

    Entre 1998 e 2010 perodo de doze anos a partir do surgimento do primeiro

    BCD no Brasil, o Banco Palmas 50 outros bancos comunitrios foram inaugurados no

    pas, distribuindo-se por suas cinco regies. A partir do surgimento do primeiro BCD,

    estudos sobre o tema passaram a ser desenvolvidos. comum, na literatura sobre os BCDs,

    a apresentao de variveis de anlise, tais como a sustentabilidade (PASSOS, 2007) e a

    circulao da moeda social (MENEZES & CROCCO, 2009), como elementos importantes

    para que os bancos comunitrios cumpram com os seus propsitos. De Castro et al. (2010)

    desenvolveram um conjunto com mais de uma centena de indicadores com a finalidade de

    aprimorar o monitoramento e a avaliao desse tipo peculiar de instituio financeira.

    Esses estudos tm como foco bancos comunitrios cujos responsveis desempenham

    funo de liderana na disseminao de informaes sobre os BCDs, o pioneiro Banco

    Palmas, criado em 1998, no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza (CE) e o Banco Bem, criado

    em 2005, na periferia de Vitria (ES).

    Silva Jr. (2007), em seu estudo sobre o Banco Par o segundo banco comunitrio

    do pas, criado em 2004, em Paracuru (CE) aponta que, em um ano de existncia, o

    Banco deixou de trabalhar com a moeda social, assistiu sada do lder da associao que

    fazia a sua gerncia e afrouxou os seus laos com a prefeitura. Uma das razes para esses

    acontecimentos, mencionada pelo autor, foi a falta de assessoria do Instituto Palmas aps a

    implementao do Banco.

    Dentre os estudos sobre bancos comunitrios, chama a ateno o trabalho de

    Pozzebon & Lavoie (sem data), que lanou luz sobre experincias de bancos comunitrios

    distintas daquelas majoritariamente estudadas pelos autores mencionados anteriormente.

    Os pesquisadores analisaram trs dos cinco bancos comunitrios existentes na capital

    paulista e demonstraram que o entendimento sobre os propsitos dessa instituio varia de

    acordo com a perspectiva dos atores envolvidos com a sua implementao. Essa

    constatao importante, pois se aproxima da considerao de Kayano & Caldas (2002)

    sobre a funo de dilogo dos indicadores, para quem importante notar se os indicadores

    e as variveis de anlise a eles correspondentes so compreendidos e utilizados pelos

    pblicos interessados.

  • Apreende-se da literatura sobre os BCD que o Banco Palmas e o Banco Bem so

    exitosos na operacionalizao do conceito de Banco Comunitrio de Desenvolvimento,

    seja em seu aspecto poltico (FRANA FILHO, 2007), de materializao de um espao

    pblico voltado s necessidades locais, seja em seu aspecto socioeconmico (PASSOS,

    2007), de incremento da produtividade sistmica do territrio (DOWBOR, 2009a),

    articulando microcrdito produtivo e microcrdito para consumo em moeda social

    (FOGUEL, 2009; PASSOS, 2007). Estudar diferentes bancos da Rede Brasileira de Bancos

    Comunitrios parece ser importante para conhecer outras especificidades locais que

    ensejem potenciais atividades bem sucedidas, por um lado, ou contingncias que

    dificultem a operacionalizao dos bancos, por outro, alm da identificao de elementos

    que auxiliem a efetiva utilizao pelos habitantes de um territrio dos servios que oferece.

    2. Conceituaes

    necessrio, antes de descrever o surgimento do primeiro banco comunitrio de

    desenvolvimento (BCD) no pas e expor a atuao desse tipo de instituio, mencionar as

    inovaes introduzidas por Muhammad Yunus, por meio do Grameen Bank. Para Silva Jr.

    (2008), a experincia de Yunus serviu de inspirao para o desenvolvimento do Banco

    Palmas, o primeiro BCD brasileiro.

    Professor do Departamento de Economia da Universidade de Chitagong

    (Bangladeche), Yunus foi protagonista, em meados da dcada de 1970, da unio de uma

    srie de inovaes capazes de mitigar fatores tais quais riscos elevados e ausncia de

    garantias, comumente apontados pelo mainstream econmico como sendo a razo do no

    interesse dos bancos tradicionais por grupos em situao de pobreza. Com a formao de

    grupos de emprstimo, em que os prprios tomadores escolhem as pessoas que integram o

    grupo, e com o agente de crdito, que orienta os seus clientes sobre a melhor utilizao dos

    recursos emprestados, alm de fazerem anlises de viabilidade in loco, Yunus pde

    comprovar que pessoas em situao de pobreza so boas pagadoras de emprstimos

    (SILVA & GIS, 2007).

    A proposta de Yunus foi investir no empreendedorismo de seus clientes e, por este

    motivo, a noo de microcrdito nasceu impregnada da noo de crdito produtivo. Com o

    amadurecimento da experincia do Grameen Bank, servios financeiros no voltados

    atividade empreendedora, como seguros de vida, poupanas e crdito para consumo, foram

    sendo incorporados ao escopo de servios do banco de Yunus, visando atender a uma gama

    maior de necessidades das pessoas em situao de pobreza. O termo mais preciso para

  • fazer referncia aos servios financeiros dotados de inovaes, como as anteriormente

    mencionadas, fortemente influenciados pelo Grameen , ento, microfinanas

    (ARMENDRIZ DE AGHION & MORDUCH, 2005). Segundo a organizao The

    Microfinance Exchange, MIX, que sistematiza dados sobre as microfinanas em nvel

    mundial, trata-se de um conjunto de servios oferecidos por organizaes dos mais

    diversos matizes ideolgicos e formatos institucionais, atingindo, em 2009, 92,3 milhes

    de pessoas, com uma carteira de emprstimos de US$ 65,2 bilhes (MIX, 2010).

    Para o presente estudo, sero adotadas as definies de microcrdito produtivo e

    de microfinanas segundo duas abordagens predominantes no Brasil: a das microfinanas e

    a das finanas solidrias.

    Para a primeira, ser utilizada a definio dada pelo Banco Central do Brasil

    (BCB):

    (...) [microfinaas a] prestao de servios financeiros adequados e sustentveis para populao de baixa renda, tradicionalmente excluda do Sistema Financeiro tradicional, com utilizao de produtos, processos e gesto diferenciados (...) [e com base no Programa Nacional de Microcrdito Produtivo Orientado, microcrdito ] o crdito concedido para o atendimento das necessidades financeiras de pessoas fsicas e jurdicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, que utiliza metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde executada a atividade econmica. (SOARES & SOBRINHO, 2008, p. 23 e 24).

    Para a perspectiva das finanas solidrias, se utiliza a contribuio de Passos

    (2007). De acordo com Passos (2007), para entender as finanas solidrias, necessrio

    compreender o campo da economia solidria. Segundo a autora, a economia solidria

    apresenta uma dimenso terica, uma ideolgica e uma emprica.

    No que se refere ao campo terico, Passos (2007) expe o conceito de economia

    solidria como sendo um movimento de renovao e atualizao histrica da Economia

    Social (PASSOS, 2007, p. 26). A Economia Social refere-se s iniciativas de

    associativismo da Europa do sculo XIX e do socialismo utpico. Nessa perspectiva de

    revitalizao, a autora apresenta o conceito de Frana-Filho (2007):

    A economia solidria constitui muito mais uma tentativa de articulao indita entre economia mercantil, no-mercantil e no-monetria, ao invs de uma forma de economia que viria se acrescentar s formas dominantes da economia no sentido de uma eventual substituio (FRANA FILHO, 2007, p.6 apud PASSOS, 2007, p. 28).

    Os termos economia mercantil, no-mercantil e no-monetria, foram

    cunhados por Frana Filho & Laville (2004 apud PASSOS, 2007) interpretando os

  • princpios do comportamento econmico desenvolvidos por Karl Polanyi. A economia

    mercantil caracteriza-se pelas relaes baseadas no utilitarismo e no valor de troca das

    mercadorias. A economia no-mercantil caracteriza-se pelas relaes de trocas

    verticalizadas, em que um ator central apropria-se dos recursos e os redistribui, segundo

    um princpio de obrigatoriedade. Por sua vez, a economia no-monetria caracteriza-se

    pelas relaes de troca baseadas na domesticidade e na reciprocidade, em que o valor de

    uso central na transao (PASSOS, 2007).

    No que se refere ao campo ideolgico, duas categorias so identificadas pela

    autora. A primeira entende a economia solidria como uma economia dos excludos, em

    que as pessoas desempenham as atividades solidrias buscando alternativas excluso. A

    segunda entende a economia solidria como um movimento contra-hegemnico, em que a

    adeso s iniciativas solidrias se baseia na crena nos princpios de cooperao e

    solidariedade. Neste grupo esto os principais promotores da economia solidria como o

    professor e Secretrio Nacional de Economia Solidria (SENAES/MTE), Paul Singer.

    No que se refere ao campo emprico, Passos (2007) demonstra que dinamizam a

    economia solidria os empreendimentos econmicos, as formas de auto-organizao

    poltica e as entidades de apoio e fomento, caracterizadas pela soma de sete elementos ou

    de parte deles. So eles: (1) pluralidade de princpios econmicos; (2) autonomia

    institucional; (3) democratizao dos processos decisrios; (4) sociabilidade comunitrio-

    pblica; (5) finalidade multidimensional; (6) insero cidad; e (7) auto-gesto.

    Os empreendimentos econmicos ou as entidades de apoio e fomento que

    possuem como atividade-fim a prestao de servios financeiros, no mbito da economia

    solidria, constituem as finanas solidrias. Passos (2007) entende o conceito referente a

    esse segmento como sendo um resgate ou ampliao do conceito de microfinanas. Isso

    porque o conceito de finanas solidrias, assim como o de microfinanas e de

    microcrdito, atribui nfase ao papel do agente de crdito. Este profissional mantm

    estreito contato com os clientes, sabendo se houve alguma injria que pode influenciar a

    adimplncia, como problemas de sade ou acidentes. A diferena entre os dois conceitos,

    segundo a autora, que o conceito de finanas solidrias coloca como elo final do processo

    de crdito a rede de consumidores e produtores que esto imersas em um territrio e no o

    indivduo atendido pelo agente de crdito (PASSOS, 2007).

  • 3. Surgimento do Banco Palmas

    No Brasil, no final da dcada de 1990, quando as discusses sobre microcrdito,

    antes sustentadas em grupos da sociedade civil, comearam a ser articuladas no Governo

    Federal e alguns programas comearam a nascer em mbito subnacional, uma importante

    iniciativa de microcrdito surge na periferia de Fortaleza (CE). Para obter dinheiro e

    garantir a sua sobrevivncia, moradores do Conjunto Palmeiras (bairro de Fortaleza)

    vendiam seus barracos, deslocando-se para outras favelas (FOGUEL, 2009). A Associao

    de Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP) criou, ento, um banco, com o

    intuito de fomentar a atividade de produtores e comerciantes locais, incentivando a gerao

    de trabalho, procurando contrapor-se, assim, ausncia de renda que assolava os

    moradores do conjunto. Em 1998, nasceu o Banco Palmas.

    Na ocasio da criao do Banco Palmas, a ASMOCONP j atuava h mais de

    duas dcadas no bairro, na organizao dos moradores na luta por garantia de direitos e na

    execuo de obras para uso coletivo. Dentre as obras, destaca-se a construo do sistema

    de drenagem e a urbanizao do bairro, realizada em parceria com o Governo do Estado do

    Cear e com a Agncia Alem de Cooperao Tcnica, a GTZ. O grande chamariz do

    projeto, intitulado PRORENDA/GTZ, era o fato de todos os recursos das obras, alm da

    sua execuo, serem gerenciados pela ASMOCONP (FOGUEL, 2009).

    Alm de perceber que o Banco Palmas se insere em um contexto de transio

    entre um momento de restries significativas ao crdito para um momento de expanso

    desse servio financeiro, ainda que com fortes anomalias como os altos juros e a

    limitao do crdito a pequenas e mdias empresas importante destacar outro elemento.

    Enquanto a experincia do Banco Palmas se consolidava, as suas lideranas tornaram-se

    atuantes no movimento de promoo da economia solidria. A participao de Joo

    Joaquim de Melo Neto II, lder comunitrio e idealizador do Banco Palmas, no Frum

    Brasileiro de Economia Solidria ilustra esse processo. Em outras palavras, o elemento

    importante a ser notado que membros da ASMOCONP, como Joaquim, passaram a

    desempenhar sua liderana, no apenas em nvel local, no permetro do Conjunto

    Palmeiras, mas em nvel nacional, com o movimento de economia solidria.

    Nesse cenrio de mudanas econmicas e de ampliao da atuao das lideranas

    da ASMOCONP, o Banco Palmas, de iniciativa isolada, tornou-se o difusor do conceito de

    Bancos Comunitrios de Desenvolvimento para as cinco regies do pas. Apresenta-se, a

    seguir, uma descrio da constituio dessas instituies, seguida de uma sucinta discusso

    conceitual sobre elas.

  • No final da dcada de 1990, quando das discusses ocorridas no Conjunto

    Palmeiras acerca das possibilidades de combate pobreza no bairro, a ideia de Banco

    sequer foi cogitada. Como afirma Joo Joaquim de Melo Neto II, percebeu-se que a

    situao de pobreza daquela localidade no era resultado da ausncia de dinheiro, mas da

    fuga desse recurso para fora do bairro (NETO II, 2008). Em outras palavras, ao consumir

    os produtos de limpeza, de higiene pessoal, roupas, alimentos etc. de empresas mais

    conhecidas externas, a poupana dos moradores saa do bairro sem que retornasse ao local

    em forma de investimentos, uma vez que aquelas empresas no se situavam ali.

    A partir desta constatao, um conjunto de projetos foi engendrado para se criar

    um sistema que fomentasse a produo e o consumo local (FOGUEL, 2009). digna de

    destaque a forma como Joo Joaquim narra o perodo de concepo de Banco:

    (...) como que faz isso? Como estimula a produo? Como estimula o consumo? E foram mais de 40 assemblias populares, e a ideia do Banco Palmas, do corao dele, o DNA do banco quem disse foi uma mulher muito simples do povo, (...) ela disse assim: Ah, a gente podia ter aqui aqueles cartes (...) um carto que a gente compra aqui? S ns? Quando aquela mulher disse isso, a mulher matou a charada da economia, a charada era aquela, a gente tinha que ter um carto de crdito e com esse carto de crdito a gente ia forar o consumo local, (...), a gente teria que criar um instrumento, o carto de crdito era uma coisa concreta (...) mas tinha de ter dinheiro para emprestar para as pessoas produzirem. Da se teve a ideia de fazer um banco, Vamos fazer um banco! Quem tem dinheiro banco! (NETO II, 2008).

    Como pode ser percebido no trecho acima, o Banco Palmas nasce encadeando o

    elo do consumo e o elo da produo. O Palma Card, como foi chamado o carto de crdito,

    no consistia em uma tarjeta, mas sim em um documento preenchido pelos comerciantes,

    para terem acesso aos recursos repassados pelo Banco. Embora a tecnologia fosse

    diferente, a metodologia era semelhante a dos cartes de crdito tradicionais (FOGUEL,

    2009). De acordo com Neto II & Magalhes (2003, apud FOGUEL, 2009, p. 149), o Palma

    Card: (1) serve como instrumento de reforo ao consumo local; (2) atende famlias em

    situao de emergncia, sendo um substituto vantajoso aos servios de agiotas e (3) refora

    os laos entre as famlias e os comerciantes do bairro.

    Os recursos iniciais para a carteira de emprstimos aos comerciantes, produtores e

    prestadores de servios foram aportados, a fundo perdido, pela Organizao No-

    Governamental (ONG) local Centro de Estudos, Articulao e Referncia sobre

    Assentamentos Humanos (Cearah Periferia), na ordem de R$ 2.000,00. Aps a concesso

    de emprstimos a cinco comerciantes, esse montante se esgotou ainda no dia da

    inaugurao do Banco Palmas. Foi com recursos a fundo perdido liberados meses mais

  • tarde pela Agncia Alem de Cooperao Tcnica (GTZ) e pela ONG inglesa Oxfam que o

    Banco Palmas ganhou flego.

    Dois anos depois portanto, em 2000 outro servio incorporado ao sistema de

    fomento produo e ao consumo local promovido pelo Banco Palmas: a moeda social.

    De acordo com Menezes & Crocco (2009), moedas sociais ou circulantes locais so:

    (...) instrumentos utilizados como meio de conta e de pagamento e que convivem paralelamente s moedas nacionais, mas sem concorrer com estas, apenas as complementando. Sua validade limitada, a priori, seja por um certo conjunto de bens ou servios ou pessoas, seja um espao especfico ou fixada em um horizonte temporal dado (...) os aspectos mais importantes dessa moeda so: (i) iniciam-se no terceiro setor, isto fora do Estado e do mercado capitalista; (ii) tm restrio do uso no espao e (iii) inexiste a incidncia de juros (MENEZES & CROCCO, 2009, p. 378-381).

    Menezes & Crocco (2009) apresentam fundamentao terica para o

    entendimento da criao de moedas sociais com base em autores neo-keynesianos,

    marxistas e da geografia econmica. Um argumento comum no levantamento desses

    diferentes matizes apresentado pelos autores o de que a descentralizao da circulao

    monetria seria capaz de combater as disparidades regionais geradas pela mobilidade de

    fatores econmicos, tais como a fora de trabalho e o capital financeiro (MENEZES &

    CROCCO, 2009).

    De acordo com os autores, as moedas sociais apresentam quatro caractersticas

    fundamentais. A primeira que no h incidncia de juros em emprstimos desse tipo de

    moeda. Esse fator refora a sua vocao para ser apenas um circulante. A segunda

    caracterstica a sua indexao moeda fiduciria oficial. Em outras palavras, uma

    unidade monetria em moeda social equivale a uma unidade monetria em moeda oficial.

    A terceira caracterstica refere-se ao lastro. Alm da indexao em moeda oficial que

    determina a paridade entre os dois tipos de moeda, para a circulao de uma unidade em

    moeda social, deve-se manter em salvaguarda uma unidade real de moeda oficial. A quarta

    caracterstica refere-se ao fato de as moedas sociais originarem-se de um pacto entre

    pessoas. A realizao desse pacto influenciada pela confiana e pela coeso social.

    Menezes & Crocco (2009), argumentando sobre essa caracterstica, afirmam que as

    moedas sociais so portadoras de informaes, de normas e de valores.

    A introduo da moeda social no Banco Palmas se deu em dois momentos. No

    primeiro, em 2000, a moeda denominada inicialmente de Palmares era restrita a um

    clube de trocas que abrangia cerca de 40 pessoas. Como os participantes do clube de trocas

  • procuravam gneros de primeira necessidade (alimentos, vesturio etc.) e no clube eram

    ofertados produtos pouco diversificados e de poucos segmentos (prioritariamente

    artesanato), a moeda gradativamente perdeu expresso (FOGUEL, 2009; PASSOS, 2007).

    No segundo momento de introduo da moeda social, o ASMOCONP firmou uma

    parceria com o Instituo Strohalm de Desenvolvimento Integrado (InStroDi1), em novembro

    de 2002. Recebendo R$ 50.000,00, a fundo perdido, da Organizao Intereclesistica para

    a Cooperao e o Desenvolvimento (a holandesa, ICCO), com a finalidade de construir um

    prdio para abrigar a Palma Tech2, a ASMOCONP e o InStroDI concordaram em testar,

    pela primeira vez no Brasil, a metodologia chamada Bnus de Fomento, desenvolvida por

    outra instituio holandesa, a Stchting Strohalm (RAMADA et al., 2003).

    A metodologia consistiu em clonar aquele montante original (R$ 50.000,00),

    gerando uma moeda social (o Bnus da nomenclatura da metodologia). Nesse momento,

    criou-se o Palmas, a moeda social que pertencia ao Conjunto Palmeira e no apenas ao

    clube de trocas. Acordou-se que 80% dos salrios dos trabalhadores seriam pagos em

    Palmas e o restante em moeda oficial. Dessa forma, foi possvel utilizar 80% daqueles R$

    50.000,00 para conceder microcrdito aos produtores e comerciantes locais. As linhas eram

    as preexistentes no Banco Palmas; o diferencial consistiu no fato de que o dbito dos

    emprstimos poderia ser pago em Palmas, o que incentivava os comerciantes e produtores

    (tomadores do emprstimo) a aceitarem a moeda social (RAMADA et al., 2003).

    A escala para o teste da metodologia Bnus de Fomento foi pequena. Foram doze

    trabalhadores da obra (entre mestres, arquitetos, eletricistas, carpinteiros, pedreiros e

    serventes) que receberam uma proporo dos salrios em Palmas. E quarenta

    estabelecimentos comerciais que aceitavam a moeda. Foi estimado que cerca de 300

    pessoas (1% dos 30.000 habitantes do Conjunto Palmeiras) utilizaram a moeda, enquanto

    ela circulava (RAMADA et al., 2003).

    Em virtude da paridade, o Palmas deveria sair de circulao se todos os

    emprstimos fossem pagos em moeda social, j que no haveria lastro em moeda oficial.

    Por outro lado, se os emprstimos fossem pagos em dinheiro, ter-se-ia um novo lastro para

    1 O InstroDi, OSCIP brasileira fundada em 2002, um centro de conhecimento e excelncia que oferece know-how, assessoria e consultoria em mtodos de desenvolvimento local, regional e nacional com foco em sistemas de pagamento inovadores. Ligado ao grupo internacional Social Trade Organization STRO, o InStroDI opera numa rede de intercmbio de experincias e conhecimento com projetos no mundo todo. Fonte: www.instrodi.org, acessado em 17/06/2010. 2 A Palma Tech (Escola Comunitria de Socioeconmia Solidria) um projeto da ASMOCONP para disseminar os conceitos referentes economia solidria.

  • emisso de mais Palmas, gerando um segundo ciclo de vida para a moeda (RAMADA et

    al., 2003).

    Pode-se explicitar alguns desdobramentos decorrentes da introduo da moeda

    social o Palmas no Conjunto Palmeiras. O estudo de Ramada e seus colaboradores

    (2003) chama a ateno para alguns efeitos econmicos do Palmas, como o aumento de

    investimentos em capital de giro e, especialmente, em bens fixos, feitos pelos comerciantes

    e prestadores de servios locais, ampliando a capacidade desses empreendimentos

    atenderem s demandas do bairro, mesmo aps o fim do projeto. Foguel (2009), na linha

    do de Menezes & Crocco (2006) sobre o valor, as normas e os signos de identidades

    contidos nas moedas sociais, argumenta acerca da importncia de atribuir moeda o nome

    Palmas homenagem ao bairro Palmeiras como forma de estreitar os vnculos com o

    territrio e ampliar o sentimento de pertencimento entre os moradores. Passos (2007)

    demonstra que, em um perodo de quatro anos do lanamento da metodologia Bnus de

    Fomento at 2006 o Palmas passou a ser aceito por alguns estabelecimentos externos ao

    Conjunto Palmeiras, como em postos de gasolina e em veculos que fazem transporte de

    passageiros para outros bairros. Tambm demonstrado, pela autora, que foi crescente o

    nmero de estabelecimentos que aderiram moeda Palmas, dentro do Conjunto (em 2006,

    mais de 200 estabelecimentos aceitavam o circulante local).

    No Banco Palmas, assim como nos bancos comunitrios que surgiram a partir

    dele, a moeda social pode chegar aos consumidores das seguintes formas: (i) microcrdito

    para consumo em moeda social, concedido pelo banco comunitrio; (ii) troca de moeda

    oficial por moeda social, em um ato denominado como cmbio; (iv) recebimento de troco

    em moeda social, pelos clientes nos estabelecimentos comerciais.

    Carto de crdito de circulao local, microcrdito para consumo em moeda social

    e microcrdito produtivo. Estavam lanados, em 2002, os principais instrumentos para

    promover a produo e o consumo dentro do bairro, sendo o Banco Palmas o articulador

    entre essas duas partes. Foguel (2009) relembra que essa interface se d em espaos de

    participao, fazendo prevalecer a noo de autogesto. O autor destaca que em julho de

    2003, logo aps o trmino da construo do prdio da Palma Tech, a ASMOCONP

    realizou, juntamente com diversos parceiros, um mapeamento do consumo e da produo

    do bairro. Esse mapeamento fazia parte do Plano Local de Investimento Estratgico

    resultante de um frum participativo, para a definio de prioridades dos gastos em

    projetos de desenvolvimento local. Anos mais tarde em 2007 foi lanado o Frum

    Econmico Local (FECOL), onde lderes populares, produtores, comerciantes,

  • prestadores de servios, e consumidores discutem questes econmicas que afetam a

    Comunidade (FOGUEL, 2009, p. 159). no FECOL que, semanalmente, tornam-se

    pblicos os nmeros referentes aos produtos e servios do Banco Palmas e onde se

    desenham estratgias para integrar produtores, prestadores de servios e comerciantes, de

    um lado, e consumidores, de outro.

    Joo Joaquim d ao processo de articulao entre consumidores e produtores o

    nome de rede de prossumatores (aglutinao dos termos: produtores + consumidores +

    atores). Essa abordagem lembra o que Dowbor (2009a) chama de produtividade sistmica

    do territrio:

    O conceito de produtividade sistmica do territrio est baseado numa anlise integrada dos custos e benefcios para a qualidade de vida da populao de uma determinada regio, envolvendo o conjunto dos fatores, e assegurando que a prpria base natural e produzida de riquezas seja mantida ou aumentada, e transferida para as prximas geraes. (DOWBOR, 2009a, p. 2) Cada municpio tem um determinado acervo de potenciais econmicos. Em muitas localidades, encontramos terra parada, pessoas desempregadas na cidade, e insuficincias alimentares. Uma breve anlise aponta para a subutilizao dos fatores, e para os direcionamentos necessrios dos investimentos e dos esforos de organizao econmica e social. (idem, p. 3)

    Ao se referir organizao econmica e social, o conceito de produtividade

    sistmica apresentado pelo autor, a despeito do termo produtividade, no se refere

    apenas s atividades de produo. Tambm esto abrangidas pelo conceito as atividades de

    comrcio e de prestao de servios.

    4. O papel das parcerias

    Ainda como tentativa de destacar alguns fatos da trajetria do Banco Palmas,

    como forma de tornar mais elucidativo o conceito de Banco Comunitrio de

    Desenvolvimento, fundamental expor a quantidade numerosa de parcerias que foram

    estabelecidas com as lideranas do Banco Palmas. Desde o seu surgimento se consumaram

    importantes parcerias como a firmada com a Secretaria Nacional de Economia Solidria

    (SENAES) e com o Banco Popular do Brasil (BPB)3 e que o conceito de BCD chegou a

    outros municpios.

    3 Criado como subsidiria do Banco do Brasil (BB), em 2003, para atender clientes de baixa renda, o BPB foi incorporado aos BB, aps ter acumulado prejuzos R$ 144 milhes de prejuzo, entre 2003 e 2008 (CRUZ, 2008).

  • Como afirma Joo Joaquim, a parceria com a GTZ, no processo de urbanizao

    do Conjunto Palmeiras, na dcada de 1990, foi fundamental para a ASMOCONP ampliar a

    sua experincia na gesto de recursos e na negociao poltica. A tabela abaixo apresenta

    algumas das parcerias desenvolvidas pelo Banco Palmas ao longo do tempo.

    A Tabela 1 apresenta as principais parcerias estabelecidas pelas lideranas do

    Banco Palma desde o seu surgimento e tambm o escopo dessas parcerias.

    Tabela1 - Parcerias estabelecidas com o Banco Palmas

    Parcerias com rgos governamentais Servio Nacional de Emprego (SINE/CE) 1999 Concesso de recursos humanos e materiais

    para a operacionalizao do Balco de Empregos

    Universidade Federal do Cear No h data precisa, remonta a dcada de 1990

    Apoio tcnico e desenvolvimento de pesquisas acadmicas

    Secretrio do Estado de Trabalho e Ao Social

    2001 Concesso de recursos para capacitao de empreendedores do bairro

    Fundao da Criana e da Famlia Cidad (prefeitura de Fortaleza)

    2002 Concesso de recursos financeiros e humanos para operacionalizar programa de entrega de alimentos e acompanhamento social s famlias participantes da Incubadora Feminina

    Universidade Federal da Bahia 2004 Apoio tcnico por meio de desenvolvimento de pesquisas acadmicas. Destacam-se: Dissertao de mestrado de Silva Jr. (2004); apoio tcnico do prof. Genauto Frana Filho Rede de Bancos Comunitrios; Dissertao de mestrado de Passos (2007)

    Secretria Nacional de Economia Solidria 2005 Aporte de R$ 300.000,00, em 2005, e R$ 300.000,00, em 2006, para operacionalizar o Programa de Apoio Organizao de Bancos Comunitrios (disseminao de Bancos Comunitrios)

    Banco Popular do Brasil 2006 Aporte de recursos e implantao de correspondente

    Banco do Nordeste do Brasil 2007 Participao no II Encontro da Rede de Bancos Comunitrios

    Governo do Estado do Cear 2008 Aporte de recursos para o lanamento de 10 bancos comunitrios, no interior do Cear

    Banco Central do Brasil Sem data

    Notas tcnicas sobre a regulamentao da moeda social

    Organizaes No-Governamentais e Outras Instituies Internacionais Prorenda/GTZ (Agncia Alem de Cooperao Tcnica)

    1990 a 2001

    Concesso de recursos para estruturar a carteira do Banco; capacitao para a equipe de gesto do Banco e intermediao com o poder pblico

    DED (Servio Alemo de Desenvolvimento)

    1998 a 2001

    Concesso de recursos financeiros

    OXFAM 1998 Concesso de recursos financeiros Programa Capacitao Solidria (Organizao Internacional do Trabalho)

    2002 Concesso de recursos para a realizao de cursos de capacitao em economia solidria e cidadania. Trata-se de edital competitivo, em que o Banco foi ganhador

  • Organizaes No-Governamentais e Outras Instituies Nacionais SEBRAE (CE) 1998 Assessoria nas reas de planejamento

    estratgico e gesto empresarial para os gestores do Banco; concesso de recursos tcnicos e financeiros para viabilizar publicaes e eventos do Banco

    Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (organizao social prestadora de servio Secretaria de Trabalho e Ao Social governo do Estado do Cear)

    1999 Oferecimento de capacitao gerencial e empresarial aos clientes do Banco Palmas

    gora XXI (ONG local) 2001 Assessoria em economia solidria e rea contbil

    Redes Cearense e Brasileira de Socioeconomia Solidria

    2001 Troca de experincias, informaes e representao poltica

    InStroDI 2002 Aplicao da metodologia Bnus de Fomento.

    Rede Brasileira de Bancos Comunitrios 2006 Troca de experincias, informaes e representao poltica

    Associaes comunitrias e comerciais locais

    Desde 1990

    Desconto para compra com moeda social

    Agncia de Desenvolvimento Solidrio / Central nica dos Trabalhadores

    Sem data

    Capacitao nas reas de cooperativismo e economia solidria

    Fonte: Elaborao prpria, com base em Foguel (2009) e Neto II (2003).

    Mais do que a troca de recursos financeiros, humanos e materiais, a consolidao

    das parcerias mencionadas acima propiciou ao Banco Palmas a aquisio de um arsenal de

    ativos imensurveis e intangveis. Da gesto de projetos ao aprimoramento da mobilizao

    civil, poltica e social, a experincia com parceiros de diferentes portes, interesses e

    nacionalidades complementou o legado do Banco Palmas para que se desenvolvesse e

    assumisse influncia nacional.

    5. A disseminao dos bancos comunitrios de desenvolvimento

    Tendo acumulado experincia e parcerias, fundado em 2003 pela ASMOCONP,

    o Instituto Banco Palmas de Desenvolvimento e Economia Solidria (inicialmente

    chamado de Instituto Banco Palmas e depois, conforme Neto II (2008), apenas Instituto

    Palmas, na tentativa de evitar a possibilidade de que o Instituto fosse confundido com o

    Banco Palmas, projeto da ASMOCONP). A criao do Instituto Palmas foi uma forma de

    respeitar o estatuto da ASMOCONP, uma vez que a rea de atuao da Associao o

    Conjunto Palmeiras e os coordenadores do Banco Palmas j planejavam responder s

    demandas de outras localidades, principalmente de municpios vizinhos, dentro do Cear,

    disseminando a sua experincia (FOGUEL, 2009; SILVA JR., 2004). Qualificado como

    Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP), o Instituto Palmas assumiu,

    inicialmente, o papel de captador de recursos (pblicos e privados) e o de sistematizador de

  • informaes e mtodos de capacitao para disseminao do conceito de bancos

    comunitrios (FOGUEL, 2009; PASSOS, 2007).

    Um ano aps a criao do Instituto Palmas, portanto, em 2004, foi inaugurado o

    segundo banco comunitrio do Brasil. Trata-se do Banco PAR, em Paracuru, cidade a 70

    km de Fortaleza. De acordo com Silva Jr. (2006), o governo local de Paracuru foi o grande

    encorajador para a adoo da inovao, aportando recursos da Secretaria Municipal de

    Desenvolvimento Social e cedendo a infra-estrutura do Centro de Referncia de

    Assistncia Social (CRAS) para a instalao do banco.

    O governo local e o Banco PAR implementaram, desde a sua criao, uma

    iniciativa semelhante ao Bnus de Fomento. No entanto, diferentemente da experincia do

    Conjunto Palmeiras, foram os recursos referentes distribuio de cestas bsicas que

    foram clonados e no os recursos de uma determinada obra. Segundo Silva Jr. (2006), os

    recursos que eram gastos com a compra de cestas bsicas para moradores da regio de

    abrangncia do Banco PAR (bairros de Riacho Doce e Nova Esperana, com cerca de

    3.500 habitantes) tornaram-se linha de microcrdito para os donos de armazns e

    produtores locais; no mesmo valor, emitiu-se moeda social o PAR para a populao

    desses bairros adquirir os itens de higiene pessoal, de higiene domstica e alimentos. A

    diferena em relao ao Bnus de Fomento reside no fato de o procedimento se repetir em

    todos os perodos de entrega da cesta bsica, em vez de se restringir ao tempo de durao

    de uma obra (SILVA JR., 2006).

    Gerido pela Associao Banco PAR de Incluso Social e Desenvolvimento Local,

    o Banco PAR se assemelha ao Banco Palmas em seus servios. Ele tem uma linha de

    crdito produtivo, uma moeda social o PAR e busca articular produtores e

    consumidores por meio de clube de trocas e de feiras de economia solidria. Para a

    viabilizao das feiras e do clube de trocas, o Banco PAR passou a contar, a partir de 2005,

    com apoio financeiro da entidade soteropolitana Coordenadoria Ecumnica de Servios

    (CESE).

    Em virtude das conversas que o Instituto Palmas mantinha com prefeitos e

    organizaes comunitrias do Cear e de outros Estados, foi possvel, aps a inaugurao

    do Banco PAR, uma aproximao entre o Instituto Palmas e a Secretaria Nacional de

    Economia Solidria (SENAES/MTE). O resultado da parceria, firmada em 2005, foi o

    Projeto de Apoio Organizao de Bancos Comunitrios, no qual a SENAES repassou R$

    300.000,00 ao Instituto Palmas, para que dois bancos fossem inaugurados no Estado de

    Esprito Santo (o Banco BEM, em Vitria, e o Banco Terra, em Vila Velha) e outros dois

  • no Estado do Cear (BASSA, no municpio de Santana do Acara e o Banco Serrano, no

    municpio de Palmcia). Em 2006, a SENAES garantiu mais R$ 300.000,00 ao Projeto de

    Apoio Organizao de Bancos Comunitrios e outros seis bancos foram criados: Bancart

    (Irauuba/CE), Empreendedores (Maranguape/CE), Paju (Maracanaui/CE), Banco

    Ecoluzia (Simes Filho/BA), Banco Guia (Salvador/BA) e Pirapir (Dourados/MS).

    Alm do novo aporte de recursos da SENAES, o Banco Popular do Brasil (BPB)

    firmou, em 2006, parceria com o Instituto Palmas. Com a parceria, os bancos comunitrios

    passaram a poder adotar o correspondente, ampliando o leque de servios, alm daqueles

    mencionados at o momento (carto de crdito de circulao local, moeda social e

    microcrdito produtivo).

    Correspondentes so canais de distribuio de servios bancrios (abertura de

    contas, pagamento de contas e de ttulos e contratao de emprstimos), possibilitados pelo

    uso de Tecnologia da Informao (TI), como o uso de POS (Point of Sale)4 ou

    computadores, que fazem a conexo entre uma entidade bancria e entidades no-

    bancrias, tais como supermercados, farmcias, armazns, quitandas etc. (JAYO, 2010;

    SOARES & SOBRINHO, 2008). O modelo de correspondente, no Brasil, ampliou-se,

    segundo Jayo (2010), como resultante de trs processos. O primeiro deles foi a

    identificao dos correspondentes, pelo Governo Federal, como uma soluo tecnolgica

    para a implementao de programas sociais de complementao de renda5, o que implicou

    uma regulao pelo Banco Central do Brasil propcia expanso. O segundo processo foi a

    oportunidade gerada pelos correspondentes ao setor bancrio, como uma forma de reduzir

    custos e oferecer aos clientes uma alternativa de atendimento em relao s agncias

    bancrias. Por fim, o terceiro processo diz respeito ao crescente nmero de inovaes

    geradas no campo das telecomunicaes, a partir da dcada de 1990 (JAYO, 2010).

    Com a introduo dos correspondentes nos BCDs, o Instituto Palmas tornou-se o

    gestor da rede6 de correspondentes. Outro elemento da parceria foi a intermediao, pelo

    BPB, do repasse de recursos do Programa Nacional de Microcrdito Produtivo Orientado

    (PNMPO)7 para que os bancos que estavam sendo criados pudessem organizar suas linhas

    4 POS so mquinas como as utilizadas para a leitura de cartes magnticos (crdito ou dbito). 5 Em 2001, foi lanado o programa Bolsa Escola. Posteriormente, o Bolsa Alimentao, o Carto Alimentao e o Auxlio Gs. Em 2004, esses programas foram unificados no programa Bolsa Famlia. (JAYO, 2010). 6 Os gestores de rede so pessoas jurdicas fornecedoras de servios aos bancos que costumam atuar como elo intermediador, ou agregador, das relaes de negcios entre um banco contratante e os estabelecimentos no bancrios contratados como seus correspondentes (JAYO, 2010). 7 O PNMPO foi institudo em 2005 pelo Ministrio de Trabalho e Emprego. Com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o programa repassou a IMFs (OSCIPs, Sociedades de Crdito ao

  • de crdito. Com os recursos do PNMPO, os bancos comunitrios passaram a contar com

    um incentivo financeiro para a sua implementao nos municpios, sendo uma das

    possibilidades de constituio de carteira de emprstimos.

    De acordo com Silva Jr. (2007), a aproximao entre o Instituto Palmas e o BPB

    foi orientada por duas motivaes. A primeira consistiu no posicionamento de Joo

    Joaquim de Melo Neto II, coordenador do Instituto Palmas, sobre a premncia de se

    financiarem as atividades dos BCDs com recursos pblicos. A segunda consistiu na

    oportunidade de atendimento demanda apresentada ao Instituto Palmas por organizaes

    ou por governos locais de diferentes localidades para que se difundisse a experincia do

    BCD. Pode-se, ainda, aventar a hiptese de que a remunerao pelo servio de

    correspondente no Conjunto Palmeiras e a remunerao obtida pelo cumprimento do papel

    de gestor de rede de correspondentes entre os BCDs fizessem com que o Instituto Palmas

    interpretasse a parceira com o BPB, tambm, como uma fonte potencial de receitas.

    As parcerias com a SENAES e com o BPB foram determinantes para a

    consolidao e disseminao do conceito de Banco Comunitrio de Desenvolvimento

    (FOGUEL, 2009). O termo disseminao, de acordo com Farah (2008), dentro dos estudos

    sobre difuso de inovaes na administrao pblica, implica o reconhecimento do

    adotante da inovao enquanto um sujeito. Em outras palavras, o termo permite situar o

    adotante em um tempo e em um lugar, atribuindo-lhe papel ativo no processo de adoo.

    sob a gide dessa abordagem que as transformaes da inovao podem ser interpretadas

    como funo das contingncias do local e das intencionalidades dos sujeitos.

    compreensvel, por meio dessa abordagem, o fato de que o conceito de BCDs e

    os servios oferecidos por essa instituio financeira tenham se disseminado sem grandes

    alteraes entre um banco e outro. O mesmo no ocorreu, contudo, com as aes de

    fomento aos BCDs. A literatura sobre os BCDs no utiliza, explicitamente, o termo aes

    de fomento, mas se refere a um conjunto de estratgias que do sustentao aos BCDs,

    como o desenvolvimento de projetos sociais (DE CASTRO et al., 2010) os cursos

    oferecidos pela PalmaTech8, no Conjunto Palmeiras so um exemplo de projetos sociais

    e construo de parcerias (FOGUEL, 2009; PASSOS, 2007).

    Microempreendedor, cooperativas, agncias de fomento e bancos comerciais) at o terceiro trimestre de 2009, R$ 5,6 bilhes. 8 Alguns cursos oferecidos pela PalmaTech so: ABC da Economia Solidria (primeira etapa no processo de disseminao dos BCD), Elaborao de Projetos Sociais, Desafios do Movimento Popular do Sculo XXI.

  • Dois exemplos so emblemticos de como as especificidades locais influenciam

    as aes de fomento adotadas pelos BCDs. O primeiro o do Banco Bem, criado em 2005,

    em Vitria (ES). Gerido por uma associao de forte insero comunitria, o Ateli de

    Ideias, o Banco Bem apresentou duas aes particulares. A primeira foi a mobilizao de

    recursos de empresrios locais, para a constituio da carteira de emprstimos. A segunda

    caracterstica foi o desenvolvimento de uma linha de crdito habitacional, integrada a um

    projeto de fabricao de tijolos ambientalmente sustentveis executado em uma

    penitenciria feminina (PASSOS, 2007). A demanda por crdito habitacional e a existncia

    de uma rede social, da qual empresrios interessados no Banco Bem fazem parte, so

    especificidades presentes no territrio onde esta instituio est imersa.

    O segundo exemplo o Banco Cocais, em So Joo do Arraial (PI). Conforme

    Costa (2010), desde a implementao do Banco, em dezembro de 2007, houve forte

    participao do prefeito tanto nas negociaes junto ao Instituto Palmas para introduzir o

    banco no municpio quanto para garantir a sua instalao. Uma vez instalado, o prefeito

    Francisco Lima (PT) conseguiu apoio para aprovar a Lei Municipal 112/2007, autorizando

    a prefeitura a celebrar convnios com o Banco Cocais. Em maro de 2009, o convnio n.

    009/2009 continha o acordo de que at 25% do ordenado dos servidores pblicos poderiam

    ser pagos na moeda social local, o Cocais (C$). Essa iniciativa chama a ateno sobretudo

    pela magnitude da participao do governo local e tambm por tal participao ter respaldo

    jurdico, por meio de lei e convnio (COSTA, 2010).

    Embora as contingncias locais e a intencionalidade dos sujeitos constituam

    elementos importantes para a adoo do conceito de bancos comunitrios, deve-se

    mencionar que o Instituto Palmas desenvolveu uma metodologia para a difuso desse

    conceito. Segundo Silva Jr. (2006), a metodologia inclui trs etapas: o cumprimento de

    alguns critrios por parte do adotante; a promoo de cursos sobre desenvolvimento local e

    economia solidria e a escolha dos trabalhadores dos bancos (gestor, agente de crdito e

    caixa, quando o banco optar por possuir o correspondente), em um processo democrtico

    junto aos moradores residentes nos bairros onde se pretende instalar um banco

    comunitrio.

    Silva Jr. (2006) apresenta os quatro critrios aos quais os adotantes devem

    cumprir:

    (a) realizao de atividades de fomento: mobilizao da comunidade para os

    produtos do banco comunitrio (microcrdito produtivo e para consumo, moeda social e,

  • facultativamente, correspondente), capacitao dos moradores e dos gestores do banco,

    criao dos instrumentos de gesto, bolsa dos agentes de crdito, por um ano;

    (b) garantia de infraestrutura (no definida uma infraestrutura mnima para a

    instalao de um BCD);

    (c) existncia de fundo para carteira de microcrdito produtivo e lastro para

    a moeda social: garantia de recursos iniciais para operar as linhas de microcrdito

    produtivo e para consumo, sob o princpio de equidade (juros menores para as pessoas em

    situao de vulnerabilidade e juros maiores para pessoas que no esto em situao de

    vulnerabilidade; no havendo definio dos critrios de diferenciao das pessoas em

    situao de vulnerabilidade);

    (d) entidade gestora local: definio de organizao local preexistente, eleita ou

    ratificada pelos grupos a serem atendidos, para ser gestora do banco.

    Tanto os recursos para disponibilizar crdito quanto a infraestrutura podem ser, de

    acordo com a Silva Jr. (2006), viabilizados por parcerias com o governo local, com

    empresas ou com entidades do terceiro setor. As aes de fomento e as articulaes entre

    entidade gestora e grupos beneficirios potenciais, e entre aquela e parceiros (pblicos e

    privados) que venham a se envolver com a implementao de um banco comunitrio so

    intermediadas pelo Instituto Palmas (SILVA JR., 2006).

    As estratgias de mobilizao e capacitao dos moradores dos bairros e dos

    trabalhadores do banco so atividades promovidas pelo Instituto Palmas em um curso

    denominado ABC do Desenvolvimento Local e da Economia Solidria. Esse curso

    promovido por moradores do Conjunto Palmeiras que estiveram ligados ao Banco Palmas

    desde a sua criao e foram selecionados como tcnicos quando da criao do Instituto

    Palmas. Voltados para os moradores em geral, mas contando indispensavelmente com a

    presena dos lderes comunitrios e dos comerciantes locais, o curso aborda a pobreza

    como sendo fuga de recursos de um territrio e so discutidas estratgias para combater

    essa fuga. Quando o conceito de banco comunitrio apresentado, os participantes devem

    decidir se o banco ser implementado no territrio em que residem. Mesmo j havendo

    expectativas sobre qual ser a instituio gestora do banco, quem ser o gerente de crdito

    e quem sero os analistas de crdito, as pessoas indicadas pelos prprios participantes do

    curso s se efetivam nesses cargos se a resoluo coletiva sobre a implementao do banco

    for positiva (SILVA JR., 2006).

    A segunda etapa do curso voltada apenas aos trabalhadores do banco (entidade

    gestora, gerente de crdito e analista de crdito). O contedo dessa etapa estritamente

  • tcnico e abrange questes sobre anlise do risco de crdito, combate inadimplncia e

    uso do correspondente, se o banco a ser implementado optou em prover esse servio

    (SILVA JR., 2006).

    Ao optar por oferecer o servio de correspondente do Banco Popular do Brasil, os

    bancos adotantes devem seguir alguns procedimentos intrnsecos a esse modelo de

    correspondente, gerenciado pelo Instituto Palmas. O primeiro procedimento o

    estabelecimento de um limite para se fazerem depsitos dos recursos recebidos por meio

    do correspondente. No municpio de So Paulo, por exemplo, esse valor de R$ 4.000,00.

    Posteriormente, deve-se formalizar com uma agncia local do Banco do Brasil o

    gerenciamento dos depsitos dos recursos oriundos dos pagamentos feitos nos

    correspondentes. essa agncia local que garantir que os recursos sejam corretamente

    depositados em uma conta do Instituto Palmas, denominada COBAN (Conta de

    Correspondente Bancrio). Diariamente, ou sempre que atingir o limite, os bancos

    comunitrios que prestam o servio de correspondente do Banco Popular do Brasil devem

    fazer o depsito dos recursos, junto com os comprovantes de pagamento emitidos pelo

    POS na agncia local predeterminada. Esse procedimento de depsito dos recursos com os

    comprovantes chama-se alvio. O Instituto Palmas deve repassar uma remunerao pelos

    servios prestados por cada banco. A remunerao calculada por operao, sendo que

    cada uma (pagamento de ttulo, pagamento de boleto etc.) possui um valor preestabelecido.

    O valor mdio a ser recebido pela prestao de servio de correspondente de R$ 0,12 por

    operao.

    importante destacar que o Banco Popular do Brasil foi incorporado pelo Banco

    do Brasil, em 2008. Em 2009, a bandeira Banco Popular do Brasil foi substituda pela

    bandeira Banco Mais, do Banco do Brasil.

    O Grfico 1 e a Tabela 2 apresentam os nmeros sobre a disseminao dos BCD

    no pas:

  • Grfico 1: Representao grfica da expanso dos bancos comunitrios de desenvolvimento entre 2004 e 2009.

    Fonte: Elaborao prpria, com base em dados disponibilizados pelo Instituto Palmas.

    Tabela 2: Nmeros sobre a expanso de bancos comunitrios de desenvolvimento entre 2004 e 2009, por UF. NE SE N S CO Total CE BA PI PB MA SP ES MG PA RS MS

    2004 1 1 2005 2 2 4 2006 3 1 1 5 2007 3 1 1 1 6 2008 16 2 1 2 21 2009 1 2 5 2 1 1 1 12 Total 26 5 3 1 1 5 4 2 1 1 1 49

    Fonte: Elaborao prpria, com base em dados disponibilizados pelo Instituto Palmas.

    6. Consideraes finais: em busca de uma conceitualizao

    A partir da disseminao dos Bancos Comunitrios de Desenvolvimento, teve

    lugar tambm um processo de discusso sobre o seu conceito. A dissertao de mestrado

    de sia Passos (2007) cumpre um importante papel epistemolgico sobre os BCDs.

    Segundo a autora, com a expanso das experincias de bancos comunitrios no pas,

    tornou-se necessrio evidenciar que, desde a criao do Banco PAR, em 2004, no se

    estava difundido o Banco Palmas, mas, sim, um conceito, com a tentativa de se combater

    pobreza em determinados territrios e a de promover o desenvolvimento endgeno local

    (PASSOS, 2007).

    O trabalho de Passos (2007) uma discusso sobre a iniciativa para reflexo e

    definio de BCDs, promovida pelo Instituto Palmas e pelos nove bancos existentes no ano

    de 2006. O marco dessa iniciativa foi a I Oficina Metodolgica dos Bancos Comunitrios,

    em que participaram, alm dos bancos existentes, professores e pesquisadores da

  • Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal do Cear (UFC),

    prefeitos e secretrios municipais, o chefe da SENAES, professor Paul Singer, e outros

    funcionrios de sua pasta, representantes do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e Banco

    Popular do Brasil (BPB) e, tambm, o Ministro da Economia Popular, da Venezuela, Elias

    Jaua9 (PASSOS, 2007). Nessa oficina, alm de se construir uma cartilha com as principais

    informaes sobre os Bancos Comunitrios e de se constituir a Rede Brasileira de Bancos

    Comunitrios, apresentou-se o seguinte conceito:

    [Bancos Comunitrios de Desenvolvimento so] servios financeiros solidrios em rede, de natureza associativa e comunitria, voltados para a gerao de trabalho e renda na tentativa de reorganizao das economias locais, tendo por base os princpios da Economia Solidria (REDES, 2006, p. 7).

    Uma forma de compreender o conceito construdo na I Oficina Metodolgica seria

    conceber como variveis dependentes a reorganizao da economia local e a gerao de

    trabalho e renda, e, a elas relacionadas, vistas como variveis independentes, as prticas

    em rede, associativas e pautadas na economia solidria. Pode-se dizer, ainda, que a

    reorganizao da economia local tambm pode constituir um meio, ou uma parte

    independente, para se atingir o fim da gerao de trabalho e renda.

    A apropriao social do capital econmico no intuito de gerar foras endgenas

    para o desenvolvimento territorial, sugerida por essa relao entre partes dependente e

    independente da definio, remonta tanto ao conceito de finanas de proximidade

    apresentado por Abramovay et al. (2004) e Abramovay (2003) quanto ao conceito de

    produtividade sistmica, apresentado por Dowbor (2009b). A construo do Banco Palmas

    e dos demais bancos comunitrios no se orientou pela premissa de construo de uma

    organizao eficiente, do ponto de vista da gerao de retorno econmico, mas pela

    percepo de que possvel combater a pobreza criando-se mecanismos que promovam a

    circulao dos recursos financeiros e econmicos particulares a cada localidade, nos

    limites dos territrios. Tal caracterstica dos BCDs diretamente ligada a uma das

    dimenses das finanas de proximidade, j que, segundo esse conceito, as foras locais dos

    9 De acordo com Neto II (2009), em maro de 2008, o Instituto Palmas assinou um Memorando de Entendimento para a Cooperao Econmica e Social com o Ministrio do Poder Popular para a Economia Comunal do governo da Venezuela. Baseado nesse acordo, o Palmas treinou uma equipe de 30 tcnicos do governo venezuelano na metodologia dos Bancos Comunitrios e estabeleceu um calendrio de visitas de monitoramento e capacitao naquele pas. Ao mesmo tempo, o governo de Hugo Chvez aprovou a Lei dos Bancos Comunais, que estabelece que, a cada 200 famlias organizadas, um Conselho Comunal pode ser criado para instalar um estabelecimento comunitrio.

  • territrios parecem influenciar muito mais as instituies do que a sua orientao pela

    eficincia e racionalidade.

    O conceito de finanas de proximidade tambm se refere ao foco na dinamizao

    do empreendedorismo individual e coletivo local. Tal dinamizao um dos objetivos

    precpuos dos BCDs, j que so criados para oferecer linhas de microcrdito produtivo e de

    crdito para o consumo, delimitando a circulao dos fatores econmicos a um

    determinado territrio.

    Outra dimenso do conceito de finanas de proximidade a existncia de arranjos

    participativos para a concertao entre ofertantes e demandantes dos servios financeiros.

    O aspecto participativo dos BCDs explorado pelo professor Genauto Frana Filho

    (2007). Bancos Comunitrios de Desenvolvimento so, em suas palavras:

    Uma iniciativa associativa, envolvendo moradores em um dado contexto territorial que buscam a resoluo de problemas pblicos concretos relacionados sua condio de vida no cotidiano, atravs do fomento de atividades scio-econmicas (FRANA FILHO, 2007, p. 2).

    Essa abordagem lana luz sobre os fruns participativos como os apresentados por

    Foguel (2009), referentes ao Frum Econmico Local (FECOL) do Banco Palmas. Passos

    (2007) tambm destaca a existncia de uma instncia semelhante no Banco Bem, de

    Vitria (ES), denominado Frum de Desenvolvimento Comunitrio. Alm dos arranjos

    institucionais para a participao, merece destaque a promoo, em ambos os bancos, de

    discusses pblicas por meio de outras estratgias de alcance ao pblico nos bairros onde

    os BCD esto inseridos. No caso do Banco Bem, criou-se a figura do Tcnico de

    Desenvolvimento Comunitrio e, no Banco Palmas, h o oferecimento de cursos sobre

    economia solidria e desenvolvimento local, voltados s lideranas comunitrias.

    (FOGUEL, 2009; PASSOS, 2007). importante salientar que aes como a criao do

    Tcnico de Desenvolvimento Comunitrio e o oferecimento de cursos contribuem com a

    reduo das dificuldades de participao, muitas vezes ocasionadas pela falta de

    informaes acerca dos temas a serem debatidos nos arranjos participativos e mesmo sobre

    questes como datas e horrios das reunies.

    A dimenso da participao tambm central no conceito de produtividade

    sistmica (DOWBOR, 2010). Refletindo sobre a participao comunitria e sobre a

    influncia dos trabalhos de Robert Putnam nas cincias sociais, Dowbor (2010) afirma que:

    Como a qualidade de vida da comunidade representa, em ltima instncia, o resultado que se quer do desenvolvimento, a demanda organizada da

  • comunidade passa a constituir o norte orientador, para a produtividade sistmica, da mesma forma como a demanda do consumidor individual o era para os processos produtivos tradicionais (DOWBOR, 2010, p. 69).

    Nas palavras de Passos (2007), em uma tentativa de sntese do conceito de Banco

    Comunitrio: Podemos afirmar que o Banco Comunitrio sustentado pelo seguinte

    trip: gesto comunitria, sistema integrado de desenvolvimento e a moeda social

    circulante (PASSOS, 2007, p. 64 grifos no original).

    A experincia dos Bancos Comunitrios trouxe novos ingredientes ao momento

    de ampliao dos servios de crdito no Brasil (FELTRIN, VENTURA & DODL, 2010).

    A disseminao das moedas sociais pressionou o Banco Central do Brasil (BCB) a abrir

    um grupo de estudos para desenvolver uma nota tcnica sobre esse meio de pagamento

    (FREIRE, 2010). Nesse esforo, o BCB reuniu diferentes experincias de oferta de

    servios financeiros a pessoas excludas do sistema financeiro tradicional, em curso no

    pas, sinalizando um movimento amplo pela incluso financeira. Incluso financeira, em

    documento oficial do rgo mximo de regulao monetria, entendida como: processo

    de efetivo acesso e uso pela populao de servios financeiros adequados s suas

    necessidades, contribuindo com a sua qualidade de vida (BCB, 2010, p. 15 grifo no

    original).

    Uma tentativa de sntese sobre o que seria um banco comunitrio de

    desenvolvimento bem-sucedido, apreendida da literatura parece ressaltar os seguintes

    elementos: (a) trata-se de uma instituio de proximidade, que estreita os laos sociais

    existentes em um territrio por meio de duas dimenses uma socioeconmica,

    fomentando o empreendedorismo com vistas a ampliar a produtividade sistmica do

    territrio e outra poltica, por meio da criao de espaos pblicos para a discusso de

    problemas e alternativas para a vida cotidiana; e (b) contribui para o acesso aos servios

    financeiros e a efetiva utilizao dos servios oferecidos (conta corrente, conta poupana,

    crdito, seguro).

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