revista pensar verde 5

Download Revista Pensar Verde 5

If you can't read please download the document

Upload: revista-pensar-verde

Post on 28-Mar-2016

221 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Na quinta edição da Revista Pensar Verde concluímos o ciclo de debates do pensamento verde sobre as cidades pelo Brasil, no ano em que os municípios brasileiros irão eleger seus prefeitos e vereadores. Os cidadãos escolherão as melhores propostas para solucionar problemas de um Brasil que vive em áreas urbanas. Esperamos que, mais uma vez, esta publicação sirva de subsídio e inspiração para ações políticas em prol de uma economia verde e criativa em cidades sustentáveis, com qualidade de vida para o cidadão. Para tanto, esta quinta edição apresenta o resultado da mesa-redonda que reuniu sete pré-candidatos em Belo Horizonte (MG), além de artigos sobre delicada relação entre desertificação e pobreza e a questão indigenista no Brasil. O leitor pode conferir também uma ótima entrevista com o líder da bancada do PV na Câmara, o deputado federal Sarney Filho e a experiência de acessibilidade urbana na prefeitura de São Paulo. Boa leitura!

TRANSCRIPT

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    1

    DAS

    CIDADES

    VERDE PENSAR

    REVISTA DE DEBATES DA FUNDAO VERDE HERBERT DANIEL

    N 05 ANO 2 JUL/AGO/SET DE 2012

    NESTA EDIO: Dlio Malheiros - Aspsia Camargo - Sandro Locutor - Marcelo Bluma Reynaldo Moraes - Dr. Guimares - Lindomar Garon - lvaro Tukano Thomas Mitschein - Edson Duarte - Antnio Rocha Magalhes - Jos Roberto Lima

    OS DESAFIOS

    Entrevistacom Sarney Filh

    o

  • PensaR veRde

    2

    EditorialMais uma edio da Pensar Verde e novamente o tema Cidades. Assunto prioritrio

    em 2012, ano em que os municpios brasileiros iro eleger seus prefeitos e verea-dores. Isso significa, no mnimo, que os cidados escolhero as melhores propostas para solucionar problemas que acometem cerca de 84% da populao brasileira, configurao de um Brasil que vive em reas urbanas.

    Conclumos, com esta quinta edio, o ciclo de debates que ajudou a consolidar o pensamento verde pelo Brasil. Para tanto, convidamos sete pr-candidatos a prefei-turas de diferentes cidades brasileiras. De Rondnia ao Rio de Janeiro, optamos pela diversidade e troca de experincias.

    Esperamos que, mais uma vez, esta publicao sirva de subsdio e inspirao para aes polticas em prol de uma economia verde e criativa em cidades sustentveis, com qualidade de vida para o cidado.

    Como j tem sido nossa prtica, a Revista Pensar Verde foi atrs de experincias para facilitar a replicao de boas iniciativas pelo pas. Conversamos com o ex-secretrio Municipal da Pessoa com Deficincia e Mobilidade Reduzida da cidade de So Paulo, Marcos Belizrio, que viabilizou inmeras aes para ampliar a acessibilidade e a incluso na cidade.

    Acesso que, de certa forma, tambm se relaciona com a questo indgena no pas. Acesso terra, s origens e biodiversidade. Sobre os ndios e para os ndios. A Pensar Verde traz dois pontos de vista que desguam na necessidade de um olhar objetivo e cuidadoso sobre a demarcao das terras indgenas, seus povos e sua biodiversidade.

    Biodiversidade esta que est cada dia mais ameaada. O aumento da desertificao no semirido reflexo do desmatamento da caatinga e da interveno predatria do homem neste bioma, acrescido da questo social, que forma um bolso de pobreza nas regies castigadas pela seca. So artigos que fazem um alerta, promovem uma reflexo sobre o tema.

    Para finalizar, temos a entrevista com o deputado federal Sarney Filho, que abre o jogo em relao ao futuro da bancada e faz um balano da atuao dos verdes.

    Que este nmero contribua para nossa reflexo!

    Boa leitura!Conselho Editorial

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    3

    Expediente

    voc sabia?

    De acordo com o Censo IBGE 2010, existem 817 mil ndios distribudos em 688 terras indgenas. Segundo a Funai, essas terras so responsveis pela preservao de 30% da biodiver-sidade brasileira.

    Pensar VerdeFundao Verde Herbert danielConselHo CuradorRaimundo Marcelo Carvalho da Silva (Presidente) Alfredo Hlio Sirkis (Vice-Presidente) Eurico Jos Albuquerque Toledo (Conselheiro)Ivanilson Gomes dos Santos (Conselheiro)Jovino Cndido da Silva (Conselheiro)Osvander Rodrigues Valado (Conselheiro)Aluzio Leite Paredes (Conselheiro)Rivaldo Fernandes Pereira (Conselheiro)Sandra do Carmo Menezes (Conselheiro)Fabiano Lima da Silva Carnevale (Suplente)

    ConselHo FisCalReynaldo Nunes de Morais (Presidente) Ricardo de Oliveira Silva (Conselheiro)Daniela de Carvalhaes de Almeida (Conselheiro)Luis Antonio Queiroz de Arajo (Suplente)Salvador Arnoni (Suplente)

    diretoria exeCutiVaMarco Antonio Mroz (Diretor-Presidente) Ovdio Teixeira Cardoso (Diretor-Administrativo)Jos Carlos Lima da Costa (Diretor-Financeiro) Jos Paulo Toffano (Diretor-Tcnico)

    reVista Pensar VerdeConselHo editorialMarcelo Silva, Marco Antonio Mroz, Jos Luiz Penna, Sarney Filho, Edson Duarte, Jos Carlos Lima e Anglica Brunacci

    editora-CHeFeAnglica Brunacci (02532JP/DF)

    ColaboraoLarissa Itabora

    reViso Caroline Rodrigues Cardoso

    arte, Projeto GrFiCo e diaGramaoFootloose Design

    imPressoGrfica Athalaia

    tiraGem3.000 exemplares______________________________________endereo:Fundao Verde Herbert DanielSAS Quadra 05, Bloco N, Salas 519,520 e 522 Ed. OAB Asa Sul Braslia/DF CEP 70.070-913Telefone: (61) [email protected] Fale Com a reVista Pensar Verde: [email protected]

    A FVHD foi criada em setembro de 2007 com o objetivo de promover a doutrinao poltica do Partido Verde.

    Segundo o IBGE, existem

    817milndios distribudos em688 terras indgenas

  • PensaR veRde

    4

    os desafios das cidades

    08Os Desafios das Cidades > Mesa Redonda

    a arte da capa

    @M

    arce

    la N

    unes

    e F

    ranc

    isco

    Jard

    om /

    Foot

    loos

    e D

    esig

    n

    A arte da designer Marcela Nunes e do criativo francisco Jardim, foi pensada da seguinte forma: a rvore com os cones o que temos hoje, cidades que ainda no so ecologicamente corretas, cinza de poluio e os cones so justamente os temas debatidos. Em segundo plano na imagem, temos o que esperamos ser o futuro, cidades verdes e sutentveis.

    poltica iNdigeNista

    2420

    O desafio da proteo dos territrios indge-nas na Amaznia e a proposta do REDD > Thomas A. Mitschein

    A luta indgena por uma maior participao poltica> lvaro Tukano

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    5

    ndicedesertificao

    3032

    Terras secas e desertificao> Antnio Rocha Magalhes

    Desertificao e pobreza> edson duarte

    35

    Combate desertificao e mitigao das secas: a prioridade marginal> Jos Roberto Lima

    40

    verdes eM aoDerrubando barreiras, mudando atitudes> confira!

    eNtrevista

    44Sarney Filho,deputado Federal

  • PensaR veRde

    6

    Os Desafiosdas Cidades

    Os Desafios das Cidades foi o tema da mesa redonda que a Funda-o Verde Herbert Daniel e o Partido Verde realizaram em 31 de maio em Belo Horizonte - MG.

    Esse debate encerra o ciclo de matrias sobre cidades sustent-veis, que vem sendo publicado desde o primeiro nmero da revista.

    O debate, mediado pelo Secretrio Nacional de Cidades do PV, Osvander Valado, contou com a presena do Presidente do Conse-lho Curador da Fundao, Marcelo Silva, e do Presidente Nacional do PV, Jos Luiz Penna.

    Para entender as cidades e seus desafios, dentro de suas pecu-liaridades, estavam presentes pr-candidatos de sete importantes municpios de diversas regies do Brasil: Dlio Malheiros, de Belo Horizonte - MG; Aspsia Camargo, do Rio de Janeiro - RJ; Sandro Locutor, de Cariacica - ES; Marcelo Bluma, de Campo Grande - MS; Reynaldo Moraes, de Aracaju - SE; Dr. Guimares, de Sobral - CE; Lindomar Garon, de Porto Velho - RO.

    Foram cinco temas em quatro questionamentos acerca das difi-culdades para alcanar a qualidade de vida nas cidades brasileiras: violncia nos municpios, universalizao de direitos bsicos e acesso sade e educao, deslocamento urbano e a questo do lixo e saneamento bsico.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    7

    O vdeo com a ntegra da mesa-redonda pode ser assitido em www.fvhd.org.br.

  • PensaR veRde

    8

    Os Desafios das CidadesMesa redoNda:

    Os pr-candidatos puderam, em um curto espao de tempo, traar as linhas gerais que vo nortear suas gestes. Mas muito ainda pode e ser falado. H outros desafios das cidades que ainda precisam ser discutidos e outros pontos que pedem um aprofun-damento da questo.

    Afinal, 84% da populao brasileira j moram em cidades, o que implica que o poder local uma bandeira muito importante.

    O Brasil governado pelos municpios e a sustentabilidade das cidades depende da integrao das polticas.

    Conforme reforou o presidente da Fundao Herbert Daniel, Marcelo Silva, uma vez que moramos na cidade, cuidar dos muni-cpios a bandeira que precisa ser levantada, pois a esfera mais cobrada pela populao. Trnsito, pobreza, moradia, violncia, drogas, h muito que conversar e debater e, com a socializao das informaes, boas prticas podem ser replicadas por todo pas.

    Ao longo da mesa-redonda, o presidente do PV, Jos Luiz Penna, pediu a palavra e, entre um tema e outro, pontuou questes rele-vantes e instigou debatedores e participantes acerca de assuntos que tambm afetam o municpio, como a criao dos cintures verdes. Fazendo coro necessidade de publicar as ideias e ampliar o horizonte dos debates, Penna aproveitou a oportunidade para incentivar os pr-candidatos s eleies municipais a utilizarem a legenda para difundir ideias modernas.

    Penna incluiu, por exemplo, a questo da segurana alimentar e de como o municpio pode lidar com isso, inclusive no que diz respeito governana e ao cdigo florestal. Outro ponto instigado pelo presidente do partido foi o de avaliar o potencial econmico das cidades e propor mudana de atividades produtivas para que se tornem competitivas globalmente.

    Fotografia: Daniela de Carvalhaes

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    9

    Prefeituras carregam o Brasil nas costas

    Hoje temos cidades segmentadas, estratificadas, com modelo urbano excludente. Ambiente favorvel

    para o crescimento da violncia

    A boa gesto multiplica o pouco recurso

    nos dois casos, da sade e educao, recurso tem, basta saber utilizar

    preciso encarar a sade com os olhos da qualidade de vida nos municpios

    hora de pensar de forma sustentvel e de encarar o municpio como motor do pas

    preciso resolver o problema de falta de casas de apoio aos usurios de drogas, principalmente de crack, com ressocializao desses jovens e sua recuperao

    [Marcelo Bluma]

    [Sandro Locutor]

    [Reynaldo Moraes]

    [Aspsia Camargo]

    [Lindomar Garon]

    [Dr. Guimares]

    [Dlio Malheiros]

  • PensaR veRde

    10

    reynaldo moraes, araCaju - se A discusso sobre violncia urbana vai

    alm da questo de armar mais ou menos as guardas municipais.

    preciso pensar num modelo de desen-volvimento urbano em que os centros funcio-nem de dia e no fiquem vazios de noite.

    A violncia acha espao no vazio, em lugares que no foram apropriados. Preci-samos revitalizar os centros das cidades, encontrar maneiras de planej-los, valori-zando os cidados e aumentando a sensao de segurana.

    dr. Guimares, sobral - Ce A questo da violncia abrange represso

    e preveno. Delegar represso a uma guarda municipal pouco.

    Resta ao municpio prevenir principal-mente o narcotrfico, bem como investir na educao e na conscientizao das pessoas.

    Um bom meio de prevenir a violncia implementar a escola em tempo integral para atender principalmente os jovens mais carentes e em situao de risco.

    sandro loCutor, CariaCiCa - es A soluo para a preveno contra

    a violncia no est exclusivamente nas guardas municipais, mas em elementos aliados como o videomonitoramento, a iluminao pblica e a melhor utilizao dos recursos que j existem, dos impostos que o cidado paga.

    A valorizao da vida e da famlia uma aliada na preveno contra o uso de drogas, bem como uma aproximao com o programa Sade da Famlia, em que os agen-tes comunitrios podem fazer um trabalho de conscientizao.

    Os municpios ficam em desvantagem com a brandura das leis para punir a violn-cia e a impunidade refora o crime.

    Violncia nos municpios brasileiros

    A violncia nos municpios um grande desafio. O que uma cidade precisa para combater a criminalidade?

    dlio malHeiros, belo Horizonte - mG O investimento em iluminao pblica

    um fator de preveno contra a violncia. necessrio rever as funes da guarda muni-cipal, pois, em muitas cidades, como o caso de Belo Horizonte, os agentes esto apenas aplicando multas de trnsito.

    A implantao da escola integral e a abertura dos espaos escolares no perodo da noite so timas medidas para afastar os jovens de situaes de risco.

    Os problemas causados pelo abuso de lcool tambm so preocupantes e apontam para a necessidade de se discutir os horrios de funcionamento de bares e estabelecimen-tos que vendem bebidas alcolicas. 12% dos atendimentos em prontos-socorros de Belo Horizonte, por exemplo, se devem a proble-mas causados pelo abuso de lcool.

    Outra medida preventiva contra a violn-cia a informatizao de atividades poli-ciais boletins de ocorrncia via internet, retrato falado on-line, uso de redes sociais para coletar e difundir informaes de segu-rana, circuito integrado entre as polcias para fiscalizao de trnsito e das ruas a fim de propiciar uma melhoria de foco do atendimento da Polcia Militar.

    A criao de programas de proteo criana e ao adolescente a fim de mant-los longe das drogas tambm uma importante medida preventiva.

    Em resumo: uma preveno eficaz contra a violncia deve aliar tecnologia, criatividade, guarda municipal e oramento.

    lindomar Garon, Porto VelHo - ro A responsabilidade da segurana pblica

    do Estado. Uma medida de preveno contra a

    violncia investir em lazer, pois ele uma das maneiras de afastar os jovens de situao de risco social.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    11

    Se o problema da violncia j est instau-rado, tambm importante pensar em medidas de recuperao, tais como casas de apoio aos usurios de drogas, principalmente de crack, com ressocializao para aqueles que se encontram em recuperao.

    Um trabalho integrado de investimento em iluminao pblica de qualidade e outras medidas administrativas tambm importante aliado para a preveno da violncia, sem que se deixe de lado a preveno de carter social.

    asPsia CamarGo, rio de janeiro - rj A competncia para cuidar da segurana

    pblica no apenas dos municpios, mas do Estado. O agravamento da situao no Rio de Janeiro pode servir de exemplo para os outros municpios. Se o governo federal no faz sua parte nas fronteiras, abre-se espao para a entrada de armas e drogas. O municpio uma vtima da falha do Estado.

    Em municpios de regies metropolitanas, a polcia estadual sai da sua funo e acaba por preencher uma lacuna deixada pelo poder federal.

    A polcia comunitria, que seria funo das guardas municipais, precisa ser melhor aparelhada.

    imprescindvel o empenho dos parlamen-tares na criao de leis eficientes e do judicirio na aplicao dessas leis. Algumas questes preci-sam ser repensadas, tais como pequenos delitos; endurecimento de determinadas penas; poltica de combate s drogas; acolhimento de dependentes qumicos; melhoraria das polcias.

    marCelo bluma, CamPo Grande - ms necessria a retomada do planejamento

    urbano que foi esquecido e sucumbiu ao mercado imobilirio, que se apropriou dos espaos urba-nos. Essa medida seria importante para diminuir os espaos de excluso.

    Os municpios precisam utilizar a internet para combater a violncia.

  • PensaR veRde

    12

    marCelo bluma, CamPo Grande - ms A sade no municpio um problema de gesto, uma vez que 30%

    do oramento so para os gastos e 70% so para o custeio. A educao obedece mesma lgica: Fazemos educao e sade com pessoas, precisamos mudar a lgica dessa gesto.

    Boas alternativas so mudar a lgica do pagamento, remunerar melhor os profissionais da sade e da educaao e investir mais nas duas reas.

    asPsia CamarGo, rio de janeiro - rj Na sade, 30% do problema advm de falta de recursos e 70%

    do problema podem ser resolvidos com base na melhor gesto dos recursos.

    Existe uma m distribuio dos recursos disponveis para a sade. necessrio investir em sade da famlia. As ms gestes causaram o quadro de emergencializao da sade. Na educao, hoje em dia, no h mais problema de evaso esco-

    lar, e sim de analfabetismo funcional. O problema a m remunera-o do professor, a falta de educao integral e a falta de mobilizao de recursos para romper o atraso.

    lindomar Garon, Porto VelHo - ro imprescindvel a valorizao dos servidores, principalmente da

    sade e da educao, a fim de elevar a autoestima e evitar perseguies. Investir 15% na sade. Investir na sade tambm fazer gesto, assim como investir

    em educao.

    Sade e Educao

    A sade brasileira, para ser, de fato, universal, precisa de mais recursos ou de melhor gesto? O acesso educao brasileira melho-rou? O que uma cidade precisa para melhorar o acesso educao, diminuir a evaso escolar e melhorar a qualidade do ensino?

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    13

    dlio malHeiros, belo Horizonte - mG Sade o maior problema das capitais e regies metropo-

    litanas. Em Minas Gerais, por exemplo, 48% dos atendimentos nos hospitais da capital so a pacientes do interior do estado.

    Os municpios precisam implantar uma gesto descentrali-zada, que no dependa nem sobrecarregue as cidades maiores ou as capitais.

    A baixa remunerao dos agentes da sade da famlia e dos professores municipais so complicadores da atual situao dos setores de sade e educao.

    A terceirizao no a melhor alternativa, mas o investi-mento nos prprios servidores pblicos da educao e da sade.

    sandro loCutor, CariaCiCa - es Investir em saneamento parte da preveno de doenas. Valorizar o programa sade da famlia importante, pois,

    alm de desafogar a rede de sade, proporciona ateno espe-cial s famlias, cria um vnculo e uma interlocuo da popula-o mais carente com a prefeitura.

    A baixa remunerao dos profissionais de sade e dos agen-tes comunitrios um complicador para a melhoria da sade.

    Com relao educao, importante o acompanha-mento da prtica profissional, a capacitao e a valorizao do quadro funcional.

    necessria uma fiscalizao mais eficiente com relao aos recursos do Fundeb, a fim de saber como tm sido aplicados.

    Tambm so boas medidas para melho-ria da sade e da educao a contratao de equipes tcnicas na prefeitura, o investi-mento em planejamento e em bons gestores para orientar as polticas da prefeitura.

    dr. Guimares, sobral - Ce Gesto planejamento, logo a eficincia

    encontra sua base em projetos desenvolvidos por executivos.

    imprescindvel a profissionalizao da gesto.

    reynaldo moraes, araCaju - se O governo o que mais arrecada e o que

    menos aplica em sade. preciso, ento, melhorar o gerencia-

    mento da sade, promover dilogo com os sindicatos, profissionalizar a gesto e comba-ter a corrupo.

    Para a educao, preciso entender que a evaso no problema, e sim o nvel baixo de aprovao.

    A qualidade do ensino est diretamente relacionada com a remunerao dos profes-sores, por isso preciso aumentar o salrio desses profissionais.

  • PensaR veRde

    14

    reynaldo moraes, araCaju - se preciso valorizar o cidado e seu deslocamento por meio de investi-

    mento no transporte coletivo; aumentar e fiscalizar a frota de veculos; criar corredores e meios alternativos para os transportes coletivos; investir em transportes mais rpidos e em tecnologia mais avanada e limpa; desmotivar o uso de automveis.

    dr. Guimares, sobral - Ce O transporte pblico de baixa qualidade estimula as pessoas a sarem

    menos de casa e a conviverem menos, o que tambm prejudica a qualidade de vida nas cidades.

    preciso investir em mobilidade eficiente, como veculos leves e metrs; pensar em caladas e acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida.

    sandro loCutor, CariaCiCa - es preciso pensar na relao entre a mobilidade urbana e a qualidade

    de vida nas cidades; reduzir o incentivo indstria de automveis, uma vez que o municpio quem paga a conta.

    Na regio metropolitana de Vitria, por exemplo, 75% da poluio do ar so provenientes de veculos.

    Excelentes medidas so a substituio do leo diesel usado pela frota do transporte coletivo por combustvel menos poluente; a expanso dessa iniciativa para os caminhes e veculos que prestam servios para as prefei-turas; a exigncia de veculos que poluam menos; a construo de ciclovias, que facilitariam o ir e vir urbano e promoveriam a sade.

    Transporte e mobilidade urbana requerem tcnicos competentes que faam e executem bons projetos sem perder investimento.

    Deslocamento Urbano

    Qualidade de vida urbanismo verde. Melhorar o trnsito e facilitar o ir e vir do cidado garante qualidade de vida. O que pode ser feito para melhorar o deslocamento urbano?

    dlio malHeiros, belo Horizonte - mG No se pode esquecer que a frota de motocicletas tem aumentado, o que poderia ser

    evitado se as passagens de nibus fossem menos caras. necessrio resolver a falta de subsdio no setor do transporte, pois os municpios

    arrecadam e no reinvestem. Boas solues seriam criar um imposto que incida sobre a gasolina a fim de onerar

    quem anda muito de carro; implantar a utilizao de prestao de servios pela internet para evitar o deslocamento do indivduo para, por exemplo, fazer um trmite em cartrio ou registrar um boletim de ocorrncia; criar um pedgio de preo elevado no centro das cidades, j que proibir o trnsito de veculos invivel e no funciona; firmar parcerias pblico-privadas (PPP) para a construo estacionamentos subterrneos; estimular o uso de bicicletas como meio de transporte; investir em renovao da frota com tecnologia, tais como veculos leves sobre trilhos e/ou veculos menos poluentes.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    15

    lindomar Garon, Porto VelHo - ro Boas solues seriam deixar o cidado na sua localidade;

    mudar o planejamento urbano; proporcionar servios em todas localidades das cidades a fim de evitar deslocamento para bancos, cartrios e outros tipos de servios que normal-mente s esto disponveis em zonas centrais; firmar parcerias com as prestadoras desses servios poderia ajudar; subsidiar a migrao de indstrias e empresas para as regies onde est a mo de obra.

    Tambm importante investir em capacitao tcnica, com aumento de quadro de funcionrios que pensem em solu-es de mobilidade nas cidades. Com isso, expandir aes e projetos tcnicos, como ciclovias, sincronizao de semforos, conscientizao de motoristas; melhorar os nibus e as frotas, inclusive investindo na qualidade das ruas, o que possibilitaria uma contrapartida para evitar o aumento das passagens.

    asPsia CamarGo, rio de janeiro - rj preciso melhorar, de forma integrada, o transporte de

    massa na capital e nas regies metropolitanas. Em cidades maiores, a soluo precisa ser tomada em

    conjunto, para pensar um projeto metropolitano de transporte coletivo e de massas sem remendos.

    Boas medidas seriam o subsdio de passagens para baratear o custo; o incentivo intermodalidade - bicicleta, a p, metr, VLTs -, para diminuir o tempo de desloca-mento; o investimento em capilaridade das redes, pois atualmente as cidades tm poucas linhas, sem uma rede abrangente; a diminuio do nmero de pessoas transpor-tadas; a liberao dos centros das cidades com a proibio do trfego de automveis.

    marCelo bluma, CamPo Grande - ms Nas cidades com um milho de habitantes ou mais, pode-

    ria se pensar em polinucleao, uma vez que o pndulo atual centro-bairro inibe investimentos, inclusive em transporte.

    Outras solues seriam segurar a expanso irresponsvel do setor imobilirio, enquadrando-o na lgica do planeja-mento urbano da cidade; investir em transporte de massa, como os VLTs eltricos, de tecnologia limpa, que desafoguem os centros das cidades; estudar a alterao nos horrios das cidades - incio e trmino do expediente de escolas, comrcio e rgos pblicos , para amenizar os problemas j existentes.

  • PensaR veRde

    16

    Lixo e saneamento bsico

    A correta destinao do lixo e o saneamento bsico tambm so preocupaes que legitimam a busca pela qualidade de vida. O que pode ser feito em relao ao lixo e ao esgoto num municpio?

    marCelo bluma, CamPo Grande - ms O correto tratamento do lixo uma questo de vontade

    poltica e talvez seja resolvida com a Poltica Nacional de Res-duos Slidos.

    preciso repensar a cultura que deixa o lixo e o sanea-mento fora da pauta das polticas sob a justificativa de que custam muito caro e aparecem pouco; pensar sobre o destino do resduo da construo civil, que tem um volume cada vez maior e depositado em nascentes e margens; criar uma cultura ambiental; investir em saneamento bsico que integre gua e esgoto; tratar esse esgoto de forma adequada.

    Talvez seja complicado para muitos municpios conseguirem conduzir com eficincia as questes dos lixes e do saneamento.

    asPsia CamarGo, rio de janeiro - rj As leis de erradicao dos lixes so boas, mas a Poltica

    Nacional de Resduos no proporciona os recursos necessrios para viabilizar sua implementao.

    A universalizao do saneamento bsico prev a coleta de gua e esgoto at 2040, mas os recursos do FGTS destinados ao problema no so suficientes, alm da falta de capacidade e competncia do Ministrio das Cidades para fazer as obras, uma vez que no h um projeto executivo.

    lindomar Garon, Porto VelHo - ro preciso entender que o saneamento bsico, com gua

    tratada para a populao, diminui doenas e combate vermi-noses, ou seja, o impacto do cuidado com o lixo, esgoto e gua reflete-se em vrias reas, principalmente na sade da populao.

    dlio malHeiros, belo Horizonte - mG importante manter o desafio de proibir o uso de sacolas

    plsticas, pois deu certo; avaliar a qualidade do saneamento; criar usinas de compostagem e centro mineiro de resduos sli-dos; combater os lixes e proporcionar a educao ambiental.

    sandro loCutor, CariaCiCa - es necessrio que o municpio se preocupe com as famlias

    que vivem do lixo e, ao eliminar os lixes, dar outras oportuni-dades de sobrevivncia para essas famlias.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    17

    Outras medidas seriam investir em saneamento, em profissionais com boa capacidade tcnica e em bons gestores; conscientizar a popu-lao, que pode ser parceira na soluo dos problemas; trabalhar em parceria com as escolas e com os agentes comunitrios de sade para mobilizar a populao; melhorar a tcnica dos projetos para que os programas no esbarrem na burocracia.

    dr. Guimares, sobral - Ce Exemplos como um lixo, comandado por uma cooperativa que

    atua de forma livre e imprudente h 20 anos na regio de Sobral, sem margem para a mudana na realidade da cidade, devem ser combatidos.

    A questo do lixo na cidade de Sobral, por exemplo, vai alm da gesto da prefeitura e do cumprimento da Lei de Resduos Slidos, pois preciso romper o ciclo atual: uma questo de polcia, que requer compromisso e coragem.

    reynaldo moraes, araCaju - se Eliminar os lixes prioritrio e uma ao de cidadania. preciso eliminar e tratar o lixo; implementar uma poltica de

    conscientizao que promova a reduo do lixo atualmente produzido.

  • PensaR veRde

    18

    Poltica Indigenista

    A situao dos ndios no Brasil e das terras que eles ocupam. Cada vez mais necessrio que se formulem polticas afirmativas especficas para os povos indgenas. Suas terras so responsveis por preservar 30% da biodiversidade brasileira. Alm da cultura, do saber tradicional e do patrimnio gentico.

    A poltica indigenista precisa abranger questes da terra, educao e sade. Mas como os ndios esto sendo ouvidos? Qual a participao cidad dos povos indgenas na construo dessas diretrizes e aes?

    O artigo de lvaro Tukano aborda, sob o ponto de vista de lide-rana indgena, a falta representatividade e acesso dos povos indgenas na criao dos mecanismos legais e regulatrios que visam a preservao das culturas indgenas, por meio da garantia de suas terras, e ao desenvolvimento de atividades educacionais e sanitrias. Como ele mesmo diz, ainda falta a voz do ndio no Congresso Nacional.

    J o socilogo PhD Thomas Mitschein aprofunda a problem-tica da preservao das terras indgenas, que so tambm terre-nos de proteo ambiental. Ele sugere e aponta uma forma de autogesto das terras indgenas e toca em um ponto polmico: o financiamento da sustentabilidade nesses territrios com a utilizao do REDD para isso.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    19

    O desafio da proteo dos territrios indgenas na Amaznia e a proposta do REDD

    tHomas a. mitsCHein

    lVaro tukano

    A luta indgena por uma maior participao poltica

  • PensaR veRde

    20

    Thomas A. Mitschein *

    Em seu estudo clssico sobre A Integra-o das Populaes Indgenas no Brasil Moderno, Darcy Ribeiro (1993) aponta trs atitudes que caracterizam a inter-relao entre as etnias tribais e a sociedade nacional: a etnocntrica, a absentesta e a romntica.

    A primeira, defendida tradicionalmente pelos missionrios da Igreja Catlica e pelos interessados nos ndios como mo de obra ou na espoliao das terras que ocupam, entende os indgenas como seres primitivos que, ao cultivarem costumes como poliga-mia, antropofagia, nudez etc., representam uma vergonha para um povo civilizado (ibid. p. 193) e, por esta razo, devem ser forados a se adaptar aos modos de vida da cultura dominante.

    A segunda est ancorada numa viso que encara a extino do ndio como etnia como resultado inevitvel do avano da modernizao da economia nacional, defen-dendo, inclusive, o princpio de que os seus remanescentes devem receber o mesmo tratamento como os brasileiros que vivem em condies de penria e ignorncia (ibid., p. 194) porque somente juntos, ndios e camponeses, se redimiro, um dia, da situa-o de misria em que se encontram (ibid).

    E a terceira, na tradio de Cndido Rondon, concebe os ndios como gente bizarra, imiscvel na sociedade nacional que

    deve ser conservada com as suas caratersticas originais (ibid.), exigindo por parte do Estado a implementao de medidas que preservem as culturas tribais.

    Porm, enquanto as duas primeiras atitudes simplesmente se abstraem do fato de que os indgenas esto sujeitos a um processo de conjuno da cultura tribal com a sociedade nacio-nal que pode conduzi-los a um colapso, por perda de gosto de viver, desespero diante do destino que lhes imposto, seguido de desmoralizao e extino (ibid. p. 195), a terceira, mesmo tendo sido criticada de privar os silvcolas dos seus direitos de cidados, garante aos ndios a liberdade de permanecerem ndios e deixarem de s-lo, quando as condies sociais o permi-tam e quando eles vejam vantagem em assumir a condio do brasileiro comum (ibid. p. 207).

    No entanto, por mais que a Constituio brasileira de 1988 tenha reconhecido explicitamente o direito dos ndios ao usufruto de suas terras, se considerarmos que, devido ao avano desordenado da fronteira amaznica, estas mesmas terras esto sofrendo intensas agresses por parte de atores externos, como madeireiros, fazendeiros, trabalhadores sem terra, garimpeiros, biopiratas ou rizicultores, e se levarmos em conta ainda que, diante de fatores como o emagrecimento de rgos como a FUNAI, esta vulnerabilidade territorial no est sendo comba-tida com afinco e eficcia, neste caso cresce, para os ndios, o risco de serem integrados em nmeros maiores massa de trabalhadores sem terra, como seu componente mais indefeso e mais miservel (ibid.).

    Trata-se de um quadro altamente problemtico que, ao acele-rar a eroso daquela liberdade dos indgenas, qual se refere Darcy Ribeiro em sua mencionada publicao, coloca na pauta poltica a mobilizao urgente de recursos tcnico-financeiros que viabilizem a implementao de estratgias efetivas de prote-o dos territrios tribais.

    E, a partir daqui, entra na mesa da discusso a proposta do REDD+, advogando o apoio financeiro a atividades que visam reduo de emisses oriundas do desmatamento e da degrada-o florestal, conservao dos estoques de carbono florestal, ao manejo florestal sustentvel, bem como ao fortalecimento dos estoques do carbono florestal.

    Neste contexto, vale ouvir Mrcio Santilli (2010, p. 16) que fez parte do grupo de pesquisadores brasileiros e norte-americanos que apresentaram, durante o encontro da COP-3 em 2003, reali-

    O desafio da proteo dos territrios indgenas na Amaznia e a proposta do REDD

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    21

    zado em Milo, a ideia de incluir, na contabilidade dos Green House Gases dos pases em desenvolvimento aquelas emisses que so evitadas pela reduo do desmatamento e da degradao florestal.

    O estoque total estimado para as terras indgenas j reconhecidos na Amaznia brasileira ele escreve de 14 GTC (considerado somente o carbono da biomassa area), o que corresponde ao volume total das emisses globais de seis meses. Se, por hiptese, os povos indgenas que vivem nessas terras decidem fazer uso atravs da supresso da floresta de at 20% de sua extenso, o que legalmente possvel, realizaramos emisses futuras da ordem de 2,8 GTC, o que representaria 460% do volume de emisses que o Brasil pretende reduzir at 2020. Atualmente as emisses brasileiras so da ordem de 0,61 GTC (MTC 2009) e, com uma reduo mdia de 37%, ser de 0,41 TC em 2020, conforme as metas voluntariamente registradas no mbito da ONU. Note-se que vrias dentre as maiores terras indgenas ou polgonos contnuos de terras tm extenso maior do que a de pases independentes e esto dotados de estoques e de outros servios climticos que tambm tm escala de pas. Significa que projetos locais que venham a ser desenvolvidos nessas terras tm potencial climtico muito significativo (...).

    E, caso as implicaes tcnicas de sua implantao fossem resolvidas exito-samente, mobilizariam recursos financeiros numa dimenso que certamente proporcionaria como o prprio Santilli (ibid., p 14) acrescenta maiores chances de se desenvolverem modelos de ocupao humana e econmica mais compatveis com a sustentabilidade futura da regio.

    Entretanto, por mais que na COP - 15 de 2009, ocorrida em Copenhagen, o rgo de Apoio Cientfico e Tecnolgico da Conveno do Clima tenha realado a necessidade de engajar no mbito do REDD os povos da floresta, no h falta de vozes nas entidades representativas das populaes indgenas que manifestem a sua oposio contra essa proposta de trabalho.

    A ttulo de exemplo, mencionamos os Miembros de la Inicitiava de Pueblos Indigenas sobre Evaluaciones Bioculturales de Cambio Climatico (IPPCA) que, em sua declarao de Durban, frica do Sul, no 26 de novembro de 2011, destacavam que:

    O REDD es uma respuesta neoliberal, impulsada por los mercados, que conlleva a la comodificacin de la vida e socava los valores holsticos comunitrios y nuestra gobernanza.

    As polticas neoliberais tm incentivado la mercantilizacion de la naturaleza, colo-cando em xeque nos pases en vias de desarrollo (...) sistemas tradicionales de la tenencia colectiva de la tierra.

    Os pases do Norte acumularam uma dvida ecolgica junto ao Sul, pela qual at hoje no tm pago nenhum tosto.

    O REDD no deter o global warming, j que permite aos seus financiadores continuarem contaminando a atmosfera.

    No h como descartar o risco de que uma parte dos fluxos financeiros mobilizados pelo REDD acabem ficando nos bolsos de intermedirios e no na mo daqueles que devem cuidar da floresta.

    Governos dos mais diversos pases que favorecem o REDD incentivam, ao mesmo tempo, atividades de pecuria, de minerao etc. at em terras indgenas.

    Em alguns casos sobretudo na sia , plantaes de monoculturas, realizadas sob o manto da mitigao de gases efeito estufa, esto destruindo a biodiversidade e erodindo as bases de sobrevivncia das populaes tradicionais.

    de acordo com a Organi-zao das naes Unidas, Reduo de emisses por desmatamento e degra-dao Florestal (Redd) um esforo para criar um valor financeiro para o carbono armazenado nas florestas, oferecendo incentivos para os pases em desenvolvimento redu-zirem as emisses e inves-tirem na baixa emisso de carbono como caminho para o desenvolvimento sustentvel. Redd + vai alm de desmatamento e degradao florestal e inclui o papel da conser-vao, do manejo susten-tvel de florestas e do aumento dos estoques de carbono florestal.

    redd e redd+

  • PensaR veRde

    22

    Sem dvida alguma, trata-se de uma argumentao legtima que dirige a sua crtica contra as regras do funcionamento de um sistema econmico interna-cional que, em virtude da preponderncia do setor financeiro, segue a lgica de um capitalismo de cassino que, movido pelo aparente poder transcendental do dinheiro (Marx), tem transformado at os mercados para alimentos bsicos em objetos de especulao, aumentando a insegurana alimentar das populaes de baixa renda no hemisfrio Sul, onde, segundo dados da FAO, quase um bilho de pessoas passam fome lite-ralmente. E se o tiro de sua artilharia acaba acertando o REDD porque no h como negar que o discurso ambientalista que orienta as polticas (inter)nacionais est focalizado primordialmente na implementao de programas que devem garantir tanto a reduo do uso excessivo do assim chamado capital natural como a otimizao da acumulao capitalista. Defende, portanto, uma racionalidade ecolgica que reproduz a mesma racionalidade instrumental que tem substitudo a imagem da natureza como alter-ego do homem pela viso da natureza como objeto inimigo.

    Se nas ltimas duas dcadas essa racionalidade tem encontrado uma enorme resistncia na Amrica Latina, isso se deve, em grande parte, aos povos indgenas do espao andino que, no processo do seu renascimento como atores sociais, acabaram atualizando, no debate poltico em seus respectivos pases, elementos substanciais de sua memria coletiva para os seus anseios e projetos futuros.

    Ancorada numa cosmoviso holstica que, entende o mundo como una totalidad viva (Valladolid 1993, p. 79), essa memria, ao trazer tona a distncia ocenica que separa a sua cultura especfica dos mtodos de controle social e ambiental da civilizao ocidental, proporcionava entre os representantes dos herdeiros dos povos testemunha (Darcy Ribeiro) do planalto andino e os dos indgenas da plancie amaznica que militam em organiza-es como a COICA, uma profunda desconfiana em relao ao discurso ambientalista dos stakeholders (inter)nacionais.

    E no nada surpreendente que essa postura tenha atingido tambm o REDD que, como todos os projetos ambientalistas de cunho internacional, procuram conciliar os parmetros da racionalidade instrumental com os da racionalidade normativa.

    Finalmente, qualquer iniciativa que pretenda usar esse mecanismo em benefcio dos povos indgenas enfrentar um desafio complexo e de difcil trato: precisa aproximar stakehol-ders internacionais que manejam o seu business a partir de parmetros econmicos como custo-benefcio, otimizao de rendimentos, produtividade ou eficcia com populaes que, em grande parte, vivem na base de economias de subsistncia mantendo, inclusive, uma ligao transcendental com a sua me terra. Ou seja, h que intermediar, de qualquer maneira, os objetivos de atores sociais que anseiam pela preservao da flora e da fauna dos seus territrios com interesses que refletem a lgica reprodutiva da economia global, determinada pelo capital em sua qualidade de valor em progresso (Marx).

    Ser que atores to distintos, movimentados por lgicas (ou cosmovises) altamente opostas, tm condies para iniciar uma caminhada conjunta dentro de uma perspectiva minimamente vantajosa para ambos os lados? Por mais que tenhamos uma noo clara das armadilhas que parcerias dessa natureza possam suscitar, no descartamos a possibilidade do seu sucesso, caso os atores locais se organizem com afinco e competncia em torno de suas prioridades, estabelecendo uma agenda prpria com metas claramente definidas.

    Assumimos tal posio a partir do nosso conhecimento da encruzilhada dramtica, em que se encontra hoje o povo Temb na Terra Indgena no Alto Rio Guam (TIARG) no estado do Par: ou receber um suporte

    H que intermediar, de qualquer maneira, os

    objetivos de atores sociais que anseiam pela preservao da flora e da fauna dos seus

    territrios com interesses que refletem a lgica reprodutiva

    da economia global

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    23

    macio em seus passos de auto-organizao, procurando retomar de fato o dom-nio sobre o seu territrio e criando uma relao de vivncia sustentvel com a sua floresta, ou passar por uma prolongada fase de agonia, determinada por presses de agentes do seu entorno que colocam em xeque a integridade do seu habitat florestal, ameaando-os de serem integrados futuramente na massa dos trabalhadores rurais no dizer de Darcy Ribeiro como seu componente mais indefeso e mais miservel.

    Quanto primeira opo dessa alternativa, a sua implementao depende da mobilizao de recursos tcnico-financeiros numa escala que atualmente nenhum rgo pblico disponibilizar. Mas se estes recursos podem ser angariados atravs do REDD, nesse caso esto bem-vindos aqueles stakeholders desse mecanismo de financiamento, que se submetam rigidamente agenda elaborada em nvel local. No caso da TIARG, uma questo de sobrevivncia para os indgenas. E, tambm, de fundamental importncia para o futuro de todo o nordeste paraense, que abriga com este territrio a sua ltima reserva florestal. Sendo, nesse sentido, um problema eminentemente prtico, precisa ser enfrentado com estratgias concretas que procurem aproveitar ao mximo a astcia da razo (Hegel) na experimentao de alternativas ao atual paradigma de mau desenvolvimento, que produz a riqueza e, ao mesmo tempo, reproduz a pobreza e a excluso social (Sachs 2006, p. 308).

    Sem dvida, um desafio complexo e espinhoso. Mas aqueles que se do o direito de ignor-lo numa sociedade planetria, em que as discusses sobre o futuro da humanidade se assemelham cada vez mais a uma controvrsia sobre o programa musical no Titanic (Carl Amery, cit. in: Mitschein, 2010, p. 48), acabam promovendo um pensamento que se perde nas nuvens da escolstica.

    reFernCiasAdorno, T., M.; Horkheimer, M. A Dialtica do Escla-

    recimento. Rio de Janeiro: Editora, 2006.Mitschein, T.A. O direito diversidade socioambien-

    tal como utopia andino-amaznica no sc. XXI. Belm: Editora, 2010.

    Mitschein, T.A.; Rocha, G.; Dias, C. Territrios ind-genas e servios ambientais na Amaznia: o futuro ameaado do povo Temb no Alto Rio Guam (PA). Belm: Editora, 2012.

    Parker, C., Mitchel, A.; Trivedi, M.; Mardas, N. The Little Redd + Book. Local: Editora, 2009.

    Ribeiro, D. Os ndios e a civilizao. A integrao das populaes indgenas no Brasil moderno. Petrpolis: Editora, 1993.

    Sachs, I. Rumo ecossocioeconomia. Teoria e prtica do desenvolvimento. So Paulo: Editora, 2006.

    Santilli, M. Terras indgenas e crise climtica. In: ISA: Desmatamento evitado (REDD) e povos indgenas experincias, desafios e oportunidades no contexto amaznico. So Paulo: Editora, 2010.

    Valladolid; Rivera, J. Las plantas em la cultura andina y el occidente moderno. In: Pratec (Proyecto Andino de Tecnologias Campesinas): Desarrollo o Descoloni-zain en los Andes? Lima: Editora, 1993.

    Thomas a. miTschein

    socilogo, leciona e pesquisa no Ncleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Par.

  • PensaR veRde

    24

    A luta indgena por uma maior participao poltica

    lvaro Tukano *

    No Brasil, existem atualmente mais de 230 povos indgenas, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), o que totaliza 817.963 mil ndios, dentre os quais 315.180 vivem em cidades e 502.783 em reas rurais. Esse nmero representa cerca de 0,4% da popula-o brasileira, de acordo com dados do Censo IBGE 2010. Essas populaes esto distribu-das em 688 terras indgenas e em algumas reas urbanas. H dez anos, esse nmero era de 753 mil ndios, conforme dados do Censo IBGE 2000.

    Grande parte desses povos tem suas vidas nas mos de rgos governamentais, como a Fundao Nacional do ndio (Funai), criada em 1967 em decorrncia da extino da antiga Secretaria de Proteo aos ndios (SPI), criada em 1910 e extinta em 1967. As atribuies da Funai consistem em fiscalizar e garantir que a Poltica Indigenista do Estado brasileiro seja cumprida. O principal objetivo da poltica indigenista hoje a preservao das culturas indgenas, com medidas que garantam a posse de suas terras e o desen-volvimento de atividades educacionais e sanitrias.

    , tambm, papel da Funai motivar a elaborao de polticas de desenvolvimento sustentvel das populaes indgenas aliando a sustentabilidade econmica socioambien-tal; controlar e minimizar possveis impactos

    ambientais decorrentes de interferncias externas s terras ind-genas; monitorar as terras indgenas que j so regularizadas e outras que sejam ocupadas por populaes indgenas, incluindo as isoladas e de recente contato; praticar polticas de proteo aos povos isolados e recm-contactados, alm de implementar medidas de vigilncia, fiscalizao e de preveno de conflitos em terras indgenas.

    Paralelo a esse apoio governamental recebido pelos ndios, vem o desenvolvimento da histria desses povos no Brasil. Histria esta marcada por confrontos territoriais e por busca de autonomia cultural, os ndios tiveram suas riquezas huma-nas e naturais exploradas por povos que no pensavam na preservao. Voltados para interesses pessoais, os no indge-nas impuseram sua cultura e determinaram critrios de convi-vncia e futuro, visando sempre integrao dessa populao sociedade e at mesmo extino da populao indgena. Apesar da luta indgena ter mudado um pouco, a preocupao com sua cultura e com as terras que habitam continua em sua pauta de reivindicaes.

    Aps a dcada de 60, a Amaznia brasileira passou a ser alvo de disputas territoriais e de uma poltica de ocupao demogr-fica e desenvolvimento econmico, o que piorou a situao ind-gena com relao demarcao de terras. Foi a partir da dcada de 70 que os ndios comearam a se reunir em assembleias ind-genas para protestar contra o desrespeito s suas terras. No fim

    Histria marcada por confrontos territoriais e por busca de autonomia

    cultural, os ndios tiveram suas riquezas humanas e naturais exploradas por

    povos que no pensavam na preservao

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    25

    Porm, a mudana na legislao no se moveu na prtica tanto quanto na teoria. comum o

    desacerto entre os textos das leis e as polticas

    praticadas nas aldeias

    A partir da constituio de 1988, foram reconhecidos

    organizao social, costumes, lnguas, crenas,

    tradies e direitos originrios sobre as

    terras que os indgenas ocupavam desde sempre

    dessa mesma dcada, a questo cultural comeou a entrar na pauta de reivindicaes indgenas. Surgiu, ento, a preocupao em elaborar novos parmetros de convivncia entre os indgenas e as populaes do entorno. At 1988, a Poltica Indigenista brasileira estava centrada nas atividades voltadas incorpo-rao dos ndios comunho nacional.

    Foi ento que a Constituio Federal de 1988 iniciou um novo texto, o qual exclua palavras como integrao ou incorporao. A partir da Constituio de 1988, foram reconhecidos organi-zao social, costumes, lnguas, crenas, tradies e direitos originrios sobre as terras que os indgenas ocupavam desde sempre. Porm, a mudana na legislao no se moveu na prtica tanto quanto na teoria. comum o desacerto entre os textos das leis e as polticas praticadas nas aldeias. Um bom exem-plo so os prazos estabelecidos e nunca cumpridos para a concluso dos processos de demarcao das terras indgenas.

    Apesar do amparo constitucional estabelecido pela CF 1988 e dos direitos conquistados pelos povos indgenas ao longo dos anos, a situao hoje de tenso e espera pela votao da proposta de Emenda Constituio - PEC215/2000. A proposta tem como objetivo levar ao Congresso Nacional a atribuio de demarcar e homologar terras indgenas e quilom-bolas e reas de conservao ambiental. A PEC 215, que est em tramitao desde 2000, foi aprovada em maro deste ano pelas bancadas ruralista e evang-lica na Comisso de Constituio e Justia e Cidada-nia. A proposta foi encaminhada para a Comisso Especial.

    A falta de delimitao e demarcao dos territrios tradicionalmente ocupados pelos ndios resulta na falta de proteo dos seus habitantes, facilitando a invaso e utilizao dessas reas por outras ativi-dades como agropecuria, minerao, extrao de madeiras, construo de hidreltricas e rodovias. O futuro da sobrevivncia desses povos depende tanto

  • PensaR veRde

    26

    dessa delimitao territorial, quanto da proteo do meio em que vivem, agregando a isso a preservao da biodiversidade local.

    A reivindicao dos ndios para os poderes pblicos que haja mais polticas pblicas voltadas para a popu-lao indgena; a demarcao de suas terras, alm da rejeio PEC 215. Muitos protestos vm acontecendo em todo o Brasil e as reivindicaes permeiam outros segmentos sociais como sade e educao indgena. Eles solicitam a garantia de recursos financeiros sufi-cientes para a Secretaria Especial de Sade Indgena (SESAI), rgo do Ministrio da Sade criado em 2010 para proteger e recuperar a sade indgena. A criao desse rgo era uma reivindicao antiga dos povos indgenas. Porm, faltam remdios nos postos de aten-dimento das aldeias de algumas regies, o nmero de profissionais de sade insuficiente e h muita dificuldade para transportar os doentes at as cidades.

    Na rea educacional, tambm existem discusses a respeito da participao dos povos e das organizaes indgenas na implementao dos territrios etnoedu-cacionais. Os indgenas cobram, tambm, uma rees-truturao da Funai, visando garantia de recursos financeiros e humanos para superarem a insatisfao nas vrias regies do pas e assegurar a participao indgena nas lideranas e organizaes do rgo,

    A Poltica indigenista rene iniciativas formuladas pelas diferentes esferas do estado brasileiro a respeito das populaes indgenas. A Poltica indigenista orientada pelo indigenismo, que o conjunto de princpios estabelecidos a partir do contato dos povos indgenas com a sociedade nacional.

    Fonte: www.museudoindio.org

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    27

    bem como um maior engajamento na formulao do regimento interno da Funai e em todo o processo de implementao e controle social da reestruturao do rgo.

    Os ndios j conseguiram avanar em sua luta e adqui-riram espao na poltica, como o direito a concorrer a cargos pblicos como prefeito, vereador, deputados estadual e federal. Tambm conquistaram a elabo-rao da Comisso Nacional de Poltica Indigenista (CNPI), criada em 2006, onde os prprios ndios do suas opinies na elaborao de polticas pblicas para a comunidade. Desde 2007, a CNPI realiza reunies bimestrais para discutir o assunto, com a presena de 13 representantes do governo entre eles membros da Presidncia da Repblica e de Ministrios que tm relao direta com a comunidade indgena, como os da Justia, da Sade, da Educao e do Meio Ambiente ; 20 indgenas sendo que apenas dez deles tm direito a voto na Comisso ; e dois representantes de entidades da sociedade civil que lutam pelos direitos indgenas.

    A CNPI uma grande conquista para a comuni-dade indgena. o espao hoje, no Brasil, para que os povos indgenas possam exercer algum controle social sobre as polticas pblicas feitas para eles mesmos. H outros conselhos no pas que permitem a participa-o de representantes indgenas para discutir temas caractersticos, como o Conselho Distrital de Sade Indgena (Condisi), responsvel por apresentar pol-ticas para o fortalecimento da sade em cada regio. Contudo, em nenhum deles os ndios tm direito a voto como na CNPI. Ainda assim, a CNPI no tem sido suficiente para a representao da populao indgena, pois a atribuio da Comisso tem carter sugestivo e no deliberativo.

    Em um pas democrtico como o Brasil, ainda falta uma maior representatividade dos povos indgenas na poltica. dever dos governos trabalhar em conjunto com os povos indgenas para elaborar leis que sejam de consentimento de todos, principalmente dos mais afetados e dos mais beneficiados por elas.

    lvaro Tukano

    nasceu lvaro Fernandes Sampaio no Alto do Rio Negro (AM) e carrega o nome Tukano da sua tribo. Sua histria marcada por lutas indgenas brasilei-ras pela demarca-o de terras. Parti-cipou da Eco 92 e acaba de participar da Rio+20, sempre defendendo maior participao dos ndios no Congresso Nacional. Exerce o cargo de Coorde-nador Nacional de Polticas Indgenas do PV. conside-rado um dos cinco maiores intelectu-ais indgenas da atualidade.

  • PensaR veRde

    28

    DesertificaoA desertificao no Brasil preocupante. As mudanas climticas e

    a mo predatria do homem so os principais fatores de degradao do solo e aumento da seca. O pior constatar que as reas mais cas-tigadas pela desertificao e pela seca so as que mais precisam de ateno social. Pobreza e seca esto juntas no Brasil.

    A proposta dos trs artigos que seguem fazer esta leitura: a que aproxima desertificao e misria. Comeamos com um texto de An-tnio Rocha Magalhes, que traz tona a verdade institucional sobre a seca que, apesar de tratar melhor as vtimas da desertificao, ain-da no h uma governana para tratar dos problemas atualmente enfrentados pelo Nordeste.

    Em seguida, o artigo de Edson Duarte mostra as reas mais cas-tigadas pela desertificao e a consequente pobreza, configurando um ciclo que o autor intitula devastador. Ele apresenta algumas solues, mas ressalta a urgncia de implement-las.

    Para finalizar, Jos Roberto Lima faz um registro da desertificao e da seca no Brasil e aborda a histrica falta de vontade poltica para resolver os problemas ambientais da regio Nordeste. Porm, o arti-go mostra um avano gerado com a criao da Comisso Nacional de Combate Desertificao.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    29

    Terras secas e desertificao

    edson duarte

    jos roberto lima

    Desertificao e pobreza

    Combate desertificao e mitigao das secas: a prioridade marginal

    antnio roCHa maGalHes

  • PensaR veRde

    30

    Terras secas e desertificaoAntnio Rocha Magalhes *

    Neste ano de 2012, o Nordeste brasileiro est sofrendo uma das piores secas dos lti-mos anos. Todos os estados, do Piau ao norte de Minas, que tm largas partes do seu territrio inseridas no semirido nordestino, esto experimentando o problema. Centenas de municpios esto em situao reconhecida de calamidade pblica. Os resultados so conhecidos: perda quase completa de lavou-ras, morte de rebanhos, falta de gua para os usos mais necessrios, perda de renda para os que dependem das atividades da agricul-tura, inclusive o comrcio das pequenas cida-des. Neste ano, mesmo a agricultura irrigada foi afetada, porque o nvel de gua de gran-des audes chegou a um mnimo perigoso. A prioridade tem de ser o abastecimento de gua para as pessoas.

    Em todos os estados, comunidades inteiras dependem da gua trazida pelos caminhes--pipas, que, s vezes, a recolhem a muitos quilmetros de distncia de onde vivem as pessoas. Os caminhes pipas no levam a gua a cada casa, mas a um ponto que atende as comunidades. A partir da, as pessoas, quase sempre mulheres e crianas, levam a gua em latas, na cabea, para suas casas, percorrendo ainda grandes distncias em situao precria.

    Ainda bem que o governo tem sido capaz de responder, embora de forma nem sempre eficiente. Primeiro, ao longo da histria, foi capaz de acumular gua em audes, em dife-

    rentes pontos do semirido. Com isso, sempre h possibilidade de transportar a gua em caminhes, os chamados carros-pipas, dos audes para onde vivem as pessoas. Mas claro que esta ainda uma situao muito precria. Todos sonham, no serto, com o dia em que podero ter acesso gua encanada e os carros-pipas no sero mais necessrios.

    preciso dizer que muito j foi feito ao longo da histria. Nos ltimos anos, o governo tem trabalhado em conjunto com a sociedade civil na busca de solues para melhorar as condies de vida no semirido. Muitas coisas melhoraram e o quadro social durante as secas, embora continue grave, no contm mais os dramas de outrora, quando milhares de pessoas morriam de fome e de sede. Hoje, programas de transferncia de renda para os pobres conseguem assegurar uma quantia mnima para as famlias sobreviverem. Mas isso mesmo um mnimo, porque as condies de pobreza ainda persistem. O drama do acesso gua continua a flagelar um grande nmero de pessoas que vivem no serto nordestino.

    Ao mesmo tempo em que devemos reconhecer os progressos e as lies j alcanadas, constatamos que estamos distantes de uma situao que assegure convivncia adequada com o semi-rido e com a seca. Na verdade, no tem havido suficiente priori-dade poltica para promover o desenvolvimento sustentvel da regio semirida. a, no entanto, que se situa o maior bolso de pobreza do pas, uma pobreza que acaba sendo exportada para outras regies. Mas o semirido tambm uma regio com grandes potencialidades e que pode contribuir significati-vamente para o desenvolvimento do pas, como, alis, tem feito ao longo da histria.

    Historicamente, o Nordeste, e particularmente a regio do serto, s consegue ser ouvido em ocasies de grandes calami-dades provocadas pelas secas. Foi sempre assim: instituies como o DNOCS, o Banco do Nordeste e a SUDENE foram criadas em resposta a episdios especficos de secas e s calamidades que elas causaram.

    Agora, no incio do sculo XXI, passamos de novo por uma grande seca, que mostra a fragilidade da vida no semirido. Mas, graas s polticas sociais, a calamidade humana no mais a mesma. E, infelizmente, sempre foi a calamidade que conseguiu sensibilizar os tomadores de deciso. Este ano no h uma grande calamidade humana, mas os efeitos da seca continuam sendo dramticos. No h indcios de que decises importantes sejam tomadas no pas para enfrentar de vez o problema dos efeitos das secas sobre as pessoas mais pobres

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    31

    do semirido. preciso reverter a degradao e a desertificao que tm sido causadas por prticas insustentveis que comeam com o desmatamento da caatinga para vrios fins e levam a perdas de produ-tividade dos solos, eroso e ao desaparecimento de fontes de gua. Esses problemas tendem a se agravar com as mudanas climticas em andamento e podero resultar em secas mais severas e em maior dficit hdrico.

    No entanto, h muito conhecimento e muita experincia acumulados que poderiam fundamentar uma nova poltica integrada para o desen-volvimento do Nordeste semirido. H iniciativas e propostas como a do Projeto ridas, de meados dos anos 90 do sculo passado, que indicam caminhos que podem ser seguidos. preciso buscar o desenvolvimento sustentvel do serto, conforme recomendado pelas duas Conferncias Internacionais sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regi-es Semiridas (ICIDs), realizadas em Fortaleza em 1992 e em 2010, como contribuio brasileira, respectivamente, para a Rio 92 e a Rio +20.

    preciso que os governos trabalhem de forma integrada, com viso de longo prazo, buscando assegurar sustentabilidade social, ambien-tal e econmica s atividades desenvolvidas no semirido. A dimenso ambiental, numa regio em que a degradao das terras e a desertifica-o esto avanando rapidamente, fundamental para garantir a base de recursos naturais necessria para dar continuidade civilizao do semirido. Ao lado disso, a educao dos jovens deve ser o instrumento principal para assegurar, no futuro, maior capacidade de adaptao aos problemas ambientais e climticos, tanto no prprio Nordeste como em outras regies para onde eles resolvam migrar.

    Evidentemente preciso dispor de estratgias especficas para o enfren-tamento das secas. A seca no deveria ser uma surpresa como ainda continua sendo, porque se sabe que ela sempre volta. E, agora, sabe-se tambm que, no futuro, elas sero mais severas. preciso ter uma estra-tgia permanente para o enfrentamento das secas, que comece com um bom sistema de alerta precoce e um esquema automtico para socorrer as pessoas e as atividades afetadas em cada episdio, antes mesmo que o problema se instale. Neste sentido, a Organizao Meteorolgica Mundial (OMM) e a Conveno das Naes Unidas sobre Combate Desertificao (UNCCD) vo realizar, no incio do prximo ano, um encontro de alto nvel, com os governos do mundo inteiro, para tentar induzir os pases que enfrentam secas a implantarem esse tipo de estratgia sugerido acima. Estratgias para o enfrentamento de secas precisam, por outro lado, fazer parte de estratgias mais gerais para o desenvolvimento sustentvel das respectivas regies.

    Uma dimenso importante de qualquer estratgia deve ser o arcabouo institucional. Esse um ponto a ser melhorado quando discutirmos de novo a questo do Nordeste e das secas que o afetam. Como j mencionado, ao longo da histria, foram criadas instituies diversas, bem como diferentes instrumentos. Hoje, essas institui-es encontram-se, de modo geral, enfraquecidas. No h um quadro institucional bem definido, em nvel federal e regional, contando com as condies adequadas de recursos e de acesso s decises, para tratar dos problemas atualmente enfren-tados pelo Nordeste, como a degra-dao de terras, a desertificao, a seca, a pobreza e a falta de desen-volvimento sustentvel.

    Neste momento em que o Brasil sedia a Rio +20, a Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvi-mento Sustentvel (UNCSD), dever-amos olhar com mais cuidado para os problemas que afetam as regies mais frgeis do nosso pas e assu-mir compromissos para o desenvol-vimento sustentvel do semirido brasileiro. O mundo todo olha para o Brasil. Em particular, os pases que tm terras secas em seus terri-trios, especialmente na frica, e enfrentam problemas semelhantes e mais graves ainda. Esses pases tm grande interesse em aprender as lies derivadas da experincia brasileira no Nordeste e em contar com a nossa cooperao para ajudar no seu desenvolvimento sustentvel.

    Presidente do Comit de Cincia e Tecnologia da Conveno das Naes Unidas de Combate Desertificao.

    anTnio rocha magalhes

  • PensaR veRde

    32

    O empobrecimento se d em termos gerais: diminuem os recursos naturais e tambm a

    capacidade humana de gerar renda

    De acordo com a Conveno das Naes Unidas de Combate Desertificao, consi-dera-se desertificao a degradao da terra nas regies ridas, semiridas e submidas secas, resultante de vrios fatores, entre eles as variaes climticas e as atividades humanas.

    No Brasil, a maior parcela das reas em processo de desertificao se concentra no semirido nordestino. O semirido, identifi-cado pela flora e fauna caatingueira, repre-senta 86% do Nordeste e abriga em torno de 28 milhes de pessoas. A vegetao desse bioma est sendo devastada, o que agrava a situao da regio e expe o solo ao do sol e do vento, dificultando a sua regenera-o. Quase metade da composio original da regio foi devorada por atividades como agricultura, pecuria extensiva, carvoarias para atender siderrgicas e crescimento de cidades e povoados.

    Existe uma relao direta entre pobreza, desertificao e seca. nos municpios mais pobres do semirido que se encontram as reas suscetveis a este grave problema ambiental. Aproximadamente metade dos municpios da regio semirida (771 dos 1.482) que se encontram ameaados pela desertificao registra baixo ndice de Desen-volvimento Humano (IDH) e so, inclusive, os mais baixos ndices do pas. uma relao de causa e efeito.

    Desertificao e pobrezaEdson Duarte *

    De fato, a desertificao se d, fundamentalmente, nos lugares mais pobres do mundo, indicando que polticas de combate pobreza precisam promover o desenvolvimento sustentvel das populosas regies ameaadas pela desertificao.

    Um dos efeitos provocados pela degradao de terras a redu-o da oferta de alimentos. Onde mais se precisa de alimentos, menos ser produzido caso o processo de degradao avance. A segurana alimentar atingida de forma letal com o processo de desertificao e intensificao das secas.

    ciclo devastadorO processo de desertificao faz parte de um ciclo devasta-

    dor. Segundo a Dra. Elena Abraham, diretora do Instituto de Investigao de Zonas ridas da Argentina (IADIZA), a deserti-ficao como um cncer, que vai consumindo tudo de forma silenciosa e oculta.

    O processo de desertificao faz parte de um ciclo devastador. Na falta de recursos, as famlias fazem uso dos bens da natureza; mas esses recursos integram, como o caso do Brasil, um bioma frgil e limitado, a caatinga. Ao fazer isso alm do que o sistema pode suportar, o homem reduz a sua capacidade de regenerao. A extrao dos bens naturais (lenha para residncia, olarias e panificadoras, extrativismo e estacas para cercas, por exemplo) feita de um modo to brutal, que impossibilita a regenerao da regio. A caatinga brasileira, que atualmente tem seu ciclo de vida determinado pela alternncia entre chuvas e longas estiagens, no consegue se recuperar, o que contribui ainda mais para uma depredao que empobrece o meio ambiente e

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    33

    consequentemente as famlias da regio. O empobrecimento se d em termos gerais: diminuem os recursos naturais e tambm a capacidade humana de gerar renda o meio perde a sua capacidade produtiva.

    Um outro fator associado desertificao a eroso gentica. Sem condies de sobrevivncia, fauna e flora entram em deca-dncia, reduzindo a quantidade de indivduos e a biodiversidade em termos gerais. No havendo o ciclo ecolgico, intensifica-se ainda mais a degradao ambiental. O solo se torna estril, sem vida e incapaz de manter a sua capacidade produtiva. As chuvas, que j eram poucas, com as mudanas que esto sendo obser-vadas no clima, tornam-se ainda mais raras. Com a perda da cobertura vegetal e a degradao dos solos, os efeitos das estia-gens e das secas chegam mais rpido e se tornam mais intensos e duradouros. Segundo o IRPAA, nos locais que apresentam vegetao fortemente degradada, os reservatrios secam mais rpido por conta da forte evaporao. O semirido est situado perto do Equador com altas temperaturas durante o ano todo, ventos fortes e baixa umidade do ar. Tudo isso contribui para uma evaporao potencial de aproximadamente 3.000mm por ano. Precisa visualizar isto: em cada ano evapora uma coluna de gua de 3 m de altura! Caso barragens aguadas que coletam a gua da superfcie do solo no sejam cavadas o suficiente, estaro secas em poucos meses aps o fim das chuvas.

    Estudos esto indicando que a situao deve se agravar. Conforme relatrio da CODEPLAR/UFMG (2008), com as mudan-as climticas, a temperatura da regio deve aumentar de 2 C a 4 C e o clima pode ficar at 20% mais seco. Mais calor e menos umidade significa menos gua disponvel (nascentes, lagos e rios vo ser gravemente impactados), o que compromete a fauna e a flora, criando um novo ambiente, certamente bem mais complicado para a produo de alimentos.

    Comprometendo-se ainda mais as condies de sobrevivncia, a tendncia o aumento da migrao para cidades mdias e grandes, especialmente, em busca de trabalho, renda, mora-dia e acesso educao e sade. Um relatrio compilado pela Universidade das Naes Unidas (UNU) revela que at 50 milhes de pessoas tero de migrar nos prximos dez anos por causa da desertificao que atinge vrias regies do planeta. Essa migrao, segundo estudos da Fundao Oswaldo Cruz e da UFMG, deve chegar, no Brasil, a 24% entre 2030 e 2050, o que certamente agravar as condies precrias de vida nas cidades. a pobreza migrando para os grandes centros urbanos, aumentando a fome, a violncia, a pobreza e o desemprego. A capacidade de ao do poder pblico para garantir condies dignas de moradia e vida aos seus habitantes infinitamente menor que a velocidade com que as cidades crescem. So bairros e favelas surgindo e crescendo para todos os lados.

    De acordo com o Painel Governamental da ONU para Mudan-as Climticas (IPCC), o aquecimento global irreversvel e as regies secas do planeta devem ser as mais afetadas.

  • PensaR veRde

    34

    Todos sabem o que fazer. Agora fazer. E fazer urgente, pois a cada dia a situao se agrava. Recuperar mais dispendioso e complexo do que prevenir. Enquanto estudamos, pensamos e escrevemos, vidas padecem sob o sol inclemente, sobre terras ressequidas, paisagens vazias e hori-zontes promissores, que parecem cada vez mais distantes. A hora essa e no d para esperar.

    O que fazerDiversas sadas tm sido apontadas. Algu-

    mas delas fazem parte do Programa de Ao Nacional de Combate desertificao e miti-gao dos efeitos da seca (PAN), desenvol-vido pelo Governo Federal. O objetivo do PAN identificar os fatores que contribuem para a desertificao e as medidas necess-rias ao seu combate e mitigao dos efeitos da seca. O PAN definiu quatro eixos tem-ticos: (i) reduo da pobreza e da desigual-dade; (ii) ampliao de forma sustentvel da capacidade produtiva; (iii) preservao, conservao e manejo sustentvel dos recursos naturais; (iv) gesto democrtica e fortalecimento institucional. A propsito, tramita na Cmara dos Deputados projeto de lei consolidando o PAN. Ele foi aprovado na Comisso de Meio Ambiente e Desenvol-vimento Sustentvel e aguarda parecer na Comisso de Constituio e Justia.

    preciso avanar em pesquisas; novas matrizes energticas, renovveis e susten-tveis; educao contextualizada; acesso s informaes; diversificao econmica; crdito; assistncia tcnica e gesto pblica democrtica e transparente. Defendo que a liberao de recursos para estados e muni-cpios ocorra mediante a criao de polticas pblicas locais de enfrentamento da seca e da desertificao, incluindo a formao de conselhos permanentes, rgos executivos e fundos que possam dar suporte s aes indicadas. No possvel que depois de sculos de enfrentamento de estiagens e secas, esses fenmenos ainda sejam vistos com surpresa, demandando sempre aes reativas e emergenciais.

    Hoje as reas Suscetveis desertificao (ASd) na regio do semirido j ocupam 1,34 milho de Km e atingem 1.482 municpios. elas esto localizadas na Bahia (52,5 mil Km), em Pernambuco (25 Km), no Piau (1.241 Km), em Sergipe (223 Km), no Rio Grande do norte (21 mil Km), na Paraba (27 mil Km) e em Minas Gerais (13 mil Km).

    pedagogo, tcnico em agropecuria e vice-presidente nacional do Partido Verde. Em 2003 e 2004, atuou como coordenador do Grupo de Trabalho da Cmara dos Deputados na elaborao do Programa Nacional de Combate Desertificao e Mi-tigao dos Efeitos da Seca e autor do projeto de lei que institui a Poltica Nacional de Combate Desertificao e aos Efeitos da Seca. Foi deputado federal pelo Partido Verde entre 2003 e 2011.

    edson duarTe

    Fontes:http://www.portalsaofrancisco.com.brwww.terra.com.br/revistaplaneta/edicoes/458/artigo193216-1.htmhttp://www.irpaa.org/ebookbr/page5.htmhttp://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/migracoes_saude/CEDE-

    PLAR_Press%20release.pdf

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    35

    1. inTROdUOA desertificao sempre foi entendida

    como uma catstrofe natural inerente ao fenmeno das secas nas regies ridas e semiridas do planeta. s secas tem-se creditado toda a responsabilidade pela fome e pela misria nessas regies de frgil equilbrio ambiental, econmico e, conse-quentemente, social. Essa viso, lamentavel-mente, vem norteando o imaginrio global a respeito das regies secas e seus problemas. Consolidou-se, ao longo dos sculos, a ideia errnea de que a desertificao, assim como suas faces mais visveis - a misria e a fome - , so resultados das secas que, por sua vez, sempre foram associadas a fenmenos natu-rais e, por isso, ficaram margem dos investi-mentos e das aes voltadas para o desenvol-vimento. Segundo Mike Davis (2002), as secas foram excludas at dos relatos histricos do mundo contemporneo. O autor acusa os historiadores que escreveram sobre a histria mundial do sculo XIX de, deliberadamente, terem ignorado as grandes secas e as grandes fomes que engoliram o chamado terceiro mundo no fim da era vitoriana.

    Os processos de desertificao e as secas que provocaram a morte de milhes de pessoas ao longo da histria no podem ser tratados como meros desastres naturais. Em muitos casos, os resultados sociais catastrfi-cos desses processos resultaram dos modos de explorao dos recursos naturais, que

    Combate desertificao e mitigao das secas: a prioridade marginal

    Jos Roberto de Lima *

    no levaram em considerao as fragilidades ambien-tais das regies atingidas. Da mesma forma, o avano dos processos de desertificao, a pobreza e a fome que ainda hoje atingem as regies ridas e semiridas do globo no podem ser creditadas apenas s secas. A fome em massa ocorrida nas regies secas do planeta tem sido uma tragdia evitvel e no apenas um desastre natural resultante das secas. Digby, in Mike Davis (2002), mostra que, se assim fosse, como vamos explicar o fato de que, na metade do sculo XIX, quando a fome desapareceu da Europa Ocidental aps a segunda grande guerra, tenha aumentado de forma to devastadora em grande parte do mundo colonial? O autor destaca, ainda, que milhes de pessoas morreram exatamente no processo de violenta incorporao das estruturas econmicas e polticas do sistema mundial moderno, ou seja, morre-ram justamente na idade de ouro do capitalismo liberal. Milhes de pessoas morreram, em ltima instncia, por uma opo poltica e realizar tais massacres exigiu, e ainda exige, um brilhante modo de organizar a fome (BRECH, 1956, in MIKE DAVIS, 2002).

    A desertificao no uma experincia recente. Ao longo da histria, vamos observar que as secas e os processos de desertificao desempenharam papis importantes no declnio de vrias civilizaes. O que existe de novo o reconhecimento de que se trata de um problema de escala planetria (HARE, 1992) e que precisa de uma maior ateno por parte dos formadores das polticas pblicas globais e locais.

    Os impactos da desertificao e das secas nas sociedades e na economia dos pases castigados por elas ganharam ateno somente a partir da grande seca que assolou o meio-oeste americano na dcada de trinta. A academia passou a estudar e a compreender melhor os processos e impactos e suas relaes com os modelos colonialistas de explorao. Os estudos desenvolvidos nos Estados Unidos apontaram para a fragilidade dos ambientes secos e sua limitada capacidade de suportar as crescentes necessidades ambientais dos grupos sociais em expanso. Relacionar isso s estruturas e engenharias polticas foi um passo quase natural. No caso do Brasil, por exemplo, as secas, at os dias atuais, se constituem em um instrumento de sobrevi-vncia das elites locais, que privatizam os recursos pblicos voltados ao atendimento das populaes afetadas.

  • PensaR veRde

    36

    2. A deSeRTiFicAO e A SecA: ReGiSTRO nO BRASiLNo Brasil, os registros das grandes secas tambm so

    poucos e carentes de informaes precisas a respeito das causas e dos impactos. A primeira seca de que se tem notcia no Brasil colnia foi registrada pelo padre Serafim Leite na Histria da Companhia de Jesus no Brasil, em 1559, na Bahia. Em 1587, o padre jesuta Ferno de Cardim tambm faz registro de uma seca que atingiu Pernambuco e Bahia. Nos dois casos, no h informaes sobre os impactos sociais e econmi-cos, at porque a colnia ainda era pouco habitada e a ocupao ainda estava restrita, em sua maior parte, ao litoral.

    Somente com a interiorizao da ocupao que os registros das secas passaram a ser mais frequen-tes, principalmente porque impactavam as atividades econmicas implantadas pelos novos ocupantes. Os registros da seca de 1721/1725, considerada uma das mais fortes de que se tem notcia, do conta de que tribos indgenas inteiras foram dizimadas, assim como parte significativa de gado, aves e animais silvestres. A seca de 1777/1778 reduziu a 1/8 o gado na ento capitania do Cear.

    A seca de 1790/1793, por sua vez, promoveu uma destruio to significativa no rebanho bovino no Cear e no Rio Grande do Norte, que desmontou a indstria do charque de tal modo que a mesma foi transferida para o Rio Grande do Sul. A chamada Seca Grande, ocorrida entre 1877 e 1879, matou mais de 500 mil pessoas de fome, sede, doenas e envenena-mento, e provocou um grande xodo de nordestinos para a regio amaznica. Em 1888/1889, a seca trouxe drsticas consequncias sociais e econmicas para toda a regio semirida do Brasil.

    Lamentavelmente, as polticas nacionais voltadas a minimizar

    os efeitos das estiagens na regio nordeste sempre foram orientadas pela viso de que a misria e a fome nos perodos secos deviam-se intensidade

    das secas

    No sculo XX, grandes secas ocorreram em 1915, 1919, 1930/1932 e 1958. Em 1970, foram organizadas mais de 500 mil frentes de servio, o que custou cerca de US$ 500 milhes aos cofres pblicos (a preos de 1972). No perodo de 1979 a 1983, pela primeira vez, o Centro Aeroespacial de Campinas (SP) previu a seca e foram organizadas aes emergenciais do Governo Federal, que chegou a alistar 3,1 milhes de pessoas nas chamadas Frentes Emergenciais de Trabalho. A conhecida Seca Verde, em 1987, foi assim nomi-nada porque a chuva faltou antes da maturao da colheita, provocou desemprego massivo e grandes perdas econmicas para toda a regio Nordeste.

    Um registro importante na literatura nacional sobre o tema foi a do agrnomo Jos Guimares Duque, em seu livro Solos e gua no Polgono das Secas, que alerta para as alteraes climticas no semirido e tambm para o problema da desertificao ocorrendo em algumas partes do semirido: O desnudamento do solo no conduzir o polgono a um deserto fsico como o Saara, porm provocar os extremos metere-olgicos, a insolao aumentada, o calor excessivo, o ressecamento intenso e a eroso elia, que produzem cheias mais impetuosas e secas mais violentas, que fazem minguar as fontes de produo, que diminuem a habitabilidade e o conforto e resultam, enfim, no deserto econmico. Duque chamava a ateno para a necessidade de uso racional dos recursos naturais, com vistas a preservar a sua produtividade para as futuras geraes (CARVALHO, 2006).

    Posteriormente, o professor Vasconcelos Sobrinho, da Universidade Federal de Pernambuco, identificou, j na dcada de setenta, os primeiros Ncleos de Desertificao no Nordeste. No entanto, as recomen-daes de Duque e o alerta de Vasconcelos Sobrinho no foram absorvidos pelas polticas pblicas brasi-leiras e logo foram esquecidas.

    Os avanos relativos ao conhecimento dos proces-sos de desertificao e seca no Brasil praticamente se estagnaram. Os resultados de experincias como do Projeto ridas, voltado para o desenvolvimento de estudos a partir de informaes localizadas do problema, por meio de um planejamento mais robusto e voltado s fragilidades ambientais, com maior nfase na sustentabilidade desse ecossistema, consequentemente programas e aes compatveis e consistentes para o semirido, perderam-se, em sua maior parte, nas gavetas da burocracia. Estudos relativos ao tema ficaram restritos a alguns poucos professores no mbito de uma ou outra universidade e/ou em alguma instituio de desenvolvimento regional do Nordeste do Brasil, sem apoio e sob olhares de desconfiana.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    37

    Lamentavelmente, as polticas nacionais voltadas a minimizar os efeitos das estiagens na regio Nordeste sempre foram orientadas pela viso de que a misria e a fome nos perodos secos deviam-se intensidade das secas. Assim, as polticas pblicas seguiram a lgica do combate seca, construindo grandes infraes-truturas voltadas ao armazenamento de gua, mas se eximindo de mexer em questes mais profundas tais como: o sistema de produo, a formao social para uma produo adaptada e mais coerente com as peculiaridades ambientais da regio e, principal-mente, a distribuio da terra. O que presenciamos ao longo da histria foram aes reativas e imediatis-tas, voltadas a minimizar os efeitos sociais das secas, sem nenhuma implementao e correo de polticas pblicas coerentes com o tipo de problema que vem se instalando desde o sculo XVI. As secas no Brasil passaram a ser uma grande indstria que satisfazia aos interesses das elites locais que, para manter suas estruturas de poder, se apropriaram das aes pblicas emergenciais. Falta uma poltica preventiva mais inci-siva, voltada para o estabelecimento de um sistema social e produtivo compatvel com as caractersticas climticas e ambientais da regio.

    na lgica das polticas governamentais, os problemas ambientais estavam restritos regio amaznica, assim

    como a pobreza se restringia regio nordeste. era como se na Amaznia no houvesse pobreza

    e se o nordeste no tivesse problemas ambientais

    3. O deScARTe dO nORdeSTe nAS PRiORidAdeS AMBienTAiS nAciOnAiSOs problemas ambientais do Nordeste, mais particularmente do semirido, no

    tm sido alvo de ateno pelas polticas pblicas, tanto no mbito federal, quanto no estadual e/ou municipal. Os problemas nordestinos sempre estiveram associados s questes das secas e da pobreza. Na lgica das polticas governamentais, os problemas ambientais estavam restritos regio amaznica, assim como a pobreza se restringia regio Nordeste. Era como se na Amaznia no houvesse pobreza e se o Nordeste no tivesse problemas ambientais.

    Foi dentro dessa lgica que o Brasil negociou a organizao da II Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (Rio 92). A agenda inicial da conferncia estava basicamente voltada para discutir as questes do desenvolvimento sustentvel das regies midas. Percebendo que o Brasil estava se preparando para ir Rio 92 focado apenas as questes amaznicas, um grupo de estudiosos e policymakers decidiu organizar uma grande conferncia internacional sobre os problemas que incidiam sobre o desenvolvimento das regies semiridas e que envolvesse pesquisadores, as principais instituies internacionais, assim como os representantes de governos e, dessa forma, buscar uma articulao capaz de influir na agenda da Rio 92, fortalecendo as discusses a respeito do desenvolvimento susten-tvel das regies semiridas.

    Com apoio do governo do estado do Cear, a Conferncia Internacional: Impac-tos de Variaes Climticas e Desenvolvimento Sustentvel em Regies Semiridas (ICID) foi organizada no perodo de 27 de janeiro a 1 de fevereiro de 1992, no Centro de Convenes de Fortaleza, com a participao de aproximadamente 1.300 pessoas de 45 pases, quando foram apresentados 70 trabalhos cientficos de todos os continentes. O principal produto da Conferncia foi a Carta de Fortaleza, com recomendaes para o desenvolvimento sustentvel das regies semiridas do planeta a serem submetidas Rio 92.

  • PensaR veRde

    38

    O objetivo da Conferncia foi alcanado, na medida em que o material produzido foi apresentado e discutido na Rio 92, em boa medida pelo fato de muitos participan-tes tambm terem sido designados por seus pases como delegados da Rio 92. Nesse processo, representantes africanos propuseram a criao de uma terceira Conveno Ambiental, alm das duas j negociadas anteriormente: Mudanas Climticas e Diversidade Biolgica. Estranhamente, o Ministrio do Meio Ambiente posicionou-se contrrio proposta africana, que se restringia s regies secas do planeta. Foram as organizaes da sociedade civil do Nordeste que pressionaram e conseguiram que o Itamaraty reconsiderasse a posio brasileira. Segundo o jornal Le Mond, da Frana, foram os documentos produzidos na ICID que possibilitaram a tomada de deciso de se criar a Conveno das Naes Unidas de Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca (UNCCD), a nica Conveno que relaciona as questes ambientais com as do desenvolvimento econmico e luta contra a pobreza.

    4. A inSTiTUciOnALidAde dA BAiXA PRiORidAdeDurante esses 20 anos, observa-se um abismo enorme no processo de implementa-

    o das trs Convenes resultante do processo Rio 92. O Sistema Naes Unidas deu muita nfase implementao das convenes de Mudana Climtica e Diversidade Biolgica e relegou as questes referentes UNCCD e ao desenvolvimento das terras secas a um plano secundrio. Essa deciso refletiu-se nas polticas nacionais, que se voltaram mais para os temas com mais prestgio e recursos. No nenhum disparate afirmar que as terras secas, reas com os maiores ndices de pobreza e degradao, permaneceram marginalizadas pelas polticas de desenvolvimento. Nesse perodo, apesar do reconhecimento de que a desertificao um problema de escala global.

    No Brasil, a institucionalidade criada para tratar das trs Convenes d o tom desse descompasso na priorizao dispensada pelo governo. O Ministrio do Meio Ambiente, para responder agenda da Conveno das Naes Unidas de Diversidade Biolgica (UNCDB), criou a Secretaria Nacional de Biodiversidade e Floresta. Mesmo no sendo a instituio nacional responsvel pela posio brasileira ante a Conven-o das Naes Unidas de Mudanas Climticas, foi criada, tambm, a Secretaria de Mudanas Climticas e Qualidade Ambiental para coordenar a implementao do Plano Nacional de Mudana Climtica. Entretanto, o tema referente UNCCD, no qual o MMA a instituio nacional que responde pela posio brasileira ante a ONU, segue como uma coordenao criada sob a gide da Diretoria de Planeja-mento da Secretaria de Recursos Hdricos e Ambientes Urbanos, mas que funciona e responde, informalmente, pela Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentvel. Essa informalidade perdura at o momento, com graves prejuzos para o tema do combate desertificao e a mitigao dos efeitos das secas.

    Essa ausncia de uma institucionalidade tem feito com que os avanos nacionais no tratamento do tema sejam cclicos e, portanto, dependentes de quem esteja frente da agenda. No possvel convocar as instituies nacionais para uma ao conjunta e coordenada, porque a ausncia de institucionalidade relega o tema a uma marginalidade na agenda do desenvolvimento do pas.

  • Revista de debates da Fundao veRde HeRbeRt daniel

    39

    Jos roberTo de lima

    graduado em Fsica, ps-graduado em Estatstica para Poltica de Cincia e Tecnologia, mestre em Engenharia de Produo. Foi Coordenador do Programa da Ao Nacional de Combate Desertificao (PAN Brasil) durante oito anos. Atualmente consultor do Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) e membro do Conselho de Editorao do Novo Atlas Mundial de Combate Desertificao, sob coordenao do Joint Research Centre The European Commission.

    5. cOnSideRAeS FinAiSO grande avano institucional registrado nos ltimos anos foi a criao

    da Comisso Nacional de Combate Desertificao, criado por Decreto Presidencial, com a finalidade de (i) deliberar sobre a Poltica Nacional de Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca, em articu-lao com as demais polticas setoriais, programas, projetos e atividades governamentais de combate desertificao e mitigao dos efeitos da seca; (ii) promover a articulao da poltica nacional de combate deser-tificao com o planejamento em mbito nacional, regional, estadual e municipal; (iii) orientar, acompanhar e avaliar a implementao dos compromissos assumidos pelo Brasil junto UNCCD; (iv) deliberar sobre as propostas advindas do Seminrio Nacional de Combate Desertificao e dos Comits criados no mbito da Comisso; (v) estabelecer estratgias de governo para o combate desertificao; e (vi) promover a construo de pactos para o combate desertificao.

    As questes referentes desertificao e s secas vm ganhando reper-cusso nacional e buscando maior insero nas vrias polticas pblicas. Entretanto, a estrutura institucional no vem recebendo, por parte do ente responsvel, o MMA, a adequao necessria para responder s crescentes demandas tcnicas, polticas e financeiras. Das trs convenes ambientais das Naes Unidas, oriundas da Rio 92, Mudanas Climticas e Diversidade Biolgica receberam elevados status institucionais no mbito da estrutura institucional brasileira. Apenas a Conveno de Combate Desertificao vem sendo tratada com desprestgio pelo governo brasileiro. A situao institucional do combate desertificao e mitigao dos efeitos da seca permanece informal, indefinida e insuficiente para responder s deman-das do Programa de Ao Nacional de Combate Desertificao e aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro ante as Naes Unidas e ante os desafios de acabar com a pobreza no pas. incompreensvel que o governo federal mobilize-se para acabar com a pobreza sem atacar os principais problemas socioambientais, econmicos e polticos do principal bolso de pobreza do pas.

    Um maior fortalecimento institucional do tema pode ter desdobramento adequado na criao de novas institucionalidades, tambm especficas, na esfera dos governos estaduais com territrios afetados por desertifica-o e seca. A partir do fortalecimento institucional, em escala federal, possvel pensar na concepo de um forte e bem estruturado projeto para investimentos multissetoriais e multiescalares, com recursos de agncias de financiamento, como o BIRD. Sem institucionalidade e sem uma base slida de recursos financeiros e materiais, o Ministrio do Meio Ambiente no poder alavancar iniciativas relevantes por parte dos govern