revista jovens pesquisadores

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A Revista Jovens Pesquisadores, da Universidade de Santa Cruz do Sul, têm com objetivo de valorizar e divulgar as atividades de pesquisa desenvolvidas pelos nossos alunos bolsistas de iniciação científica junto aos projetos de pesquisa coordenados pelos professores da Universidade. A Revista se insere enquanto importante momento no desenvolvimento do pensamento científico dos estudantes dos cursos de graduação da Instituição, além de contribuir decisivamente na formação qualificada de recursos humanos para a pesquisa.

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Revista Jovens Pesquisadores

Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

EDITORA DA UNISC

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p.1-127, 2010

Bibliotecária : Luciana Mota Abrão - CRB 10/2053

Avenida Independência, 2293 Fones: (51) 3717-7461 e 3717-7462 - Fax: (051) 3717-7402

96815-900 - Santa Cruz do Sul - RS E-mail: [email protected] - www.unisc.br/edunisc

Reitor

Vilmar Thomé Vice-Reitor

Eltor Breunig Pró-Reitora de Graduação

Carmen Lúcia de Lima Helfer Pró-Reitor de Pesquisa

e Pós-Graduação Rogério Leandro Lima da Silveira

Pró-Reitor de Administração Jaime Laufer

Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional

João Pedro SchmidtPró-Reitora de Extensão e Relações Comunitárias

Ana Luisa Teixeira de Menezes

EDITORA DA UNISC Editora

Helga Haas

Comissão de avaliação

Profª. Ana Zoe Schiling da Cunha Profª. Andrea Lúcia Gonçalves da Silva

Prof. Andreas Köhler Prof. Marcelo Carneiro

Profª. Miriam Beatris Reckziegel Profª. Juliana Silva – Bolsista Produtividade CNPq

Profª. Fabiana Piccinin Profª. Heleniza Ávila Campos

Prof. Heron Begnis Prof. Janrie Rodriguez Reck

Profª. Mônia Clarissa Hennig Leal Profª. Neuza Guareschi – Bolsista Produtividade CNPq

Profª. Lilian Rodriguez da Cruz Prof. Marco André Cadona

Prof. Moacir Fernando Viegas Profª. Rosângela Gabriel

Profª. Silvia V Coutinho Areosa Profª. Adriane Lawisch Rodriguez

Profª. Alessandra Dahmer Prof. Ênio Leandro Machado

Profª. Liliane Marquardt Prof. Rolf Fredi Molz

Prof. Valeriano Antonio Corbelinni Prof. Carlos Alejandro Figueroa – Bolsista Produtividade CNPq

EditoresAndreia Rosane de Moura Valim

Fabiane Ramos Jungblut Rogério Leandro Lima da Silveira

R454 Revista Jovens Pesquisadores [recurso eletrônico] / Universidade de Santa Cruz do Sul, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. - Vol. 1, n. 1 (2010) – Dados eletrônicos - Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2010.

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Modo de acesso: www.unisc.br/edunisc

1. Pesquisa – Periódicos. I. Universidade de Santa Cruz do Sul. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.

CDD: 001.4

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃORogério Leandro Lima da Silveira..........................................................................5

INTRODUÇÃO .................................................................................................6

ÁREA DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

ANÁLISE DO PERFIL DE MORTALIDADE POR DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA NO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL, RS, BRASILGabriela Crestani, William Rutzen, Andréa Lúcia Gonçalves da Silva, Tânia Cristina Malezan Fleig, Marcelo Tadday Rodrigues................................................ 10

AVALIAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO SANGUÍNEO DE ATLETAS CORREDORES NO ENSAIO ERGOESPIROMÉTRICO DE BRUCE UTILIZANDO ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO Franciele Pasqualotti Meinhardt, Hildegard Hedwig Pohl, Miriam Beatris Reckziegel, Valeriano Antonio Corbellini ............................................................. 17

CONCEPÇÕES SOBRE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA GESTÃO E ATENÇÃO A SAÚDE: COM A PALAVRA, GESTORES DE SAÚDE DE MUNICÍPIOS DA 13ª COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE Janice Bringmann, Luciele Sehnem, Ari Nunes Assunção, Leni Dias Weigelt, Luciane Maria Schmidt Alves, Suzane Beatriz Frantz Krug .................................... 28

ÁREA DE CIÊNCIAS EXATAS DA TERRA E ENGENHARIAS

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARDO, SISTEMA AQÜÍFERO GUARANI, RS, BRASILMarluce Purper, Eduardo A. Lobo ...................................................................... 39

BIORREMEDIAÇÃO IN SITU COM PERÓXIDOS SÓLIDOS E SURFACTANTES DE SOLOS CONTAMINADOS Tiago Bender Wemuth, Diosnel Antonio Rodriguez Lopez .................................... 49

4

EPOXIDAÇÃO QUIMIO-ENZIMÁTICA DE ÓLEO DE GIRASSOL E CANOLA BRUTOS VISANDO O EMPREGO EM FORMULAÇÕES DE FLUIDO DE CORTE EM USINAGEM Manuella Schneider, André Luiz Klafke, Wolmar Alípio Severo Filho, Rosana de Cássia de Souza Schneider ................................................................................ 58

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS

DESENHO DA FIGURA HUMANA NA CHUVA – PROPOSTA DE VALIDAÇÃO NO BRASIL Emanueli Paludo, Vivian Silva da Costa, Roselaine Berenice Ferreira da Silva ......... 71

LEITURA E INFÂNCIA: A PRODUÇÃO DOS MODOS DE SER E PRÁTICAS DE LEITURA Karen Cristina Cavagnoli, Betina Hillesheim, Lílian Rodrigues da Cruz ................... 82

MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E AÇÃO POLÍTICA Rafael Petry Trapp, Mozart Linhares da Silva ...................................................... 89

ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: UMA ANÁLISE DO SETOR METAL-MECÂNICO NA REGIÃO DOS VALES DO RIO PARDO E TAQUARI Gabriella Azeredo Azevedo, Mauricio Rennhack Stein, Rejane Maria Alievi, Heron Sergio Moreira Begnis ...........................................................................................101

O AMICUS CURIAE E O CUSTO DOS DIREITOS: A RELEVÂNCIA DO INSTITUTO NAS CAUSAS QUE IMPLICAM EM CUSTOS EXCESSIVOS PARA O ESTADO E AS ESCOLHAS EM MEIO A ESCASSEZ Julia Carolina Muller, Mônia Clarissa Hennig Leal .........................................................110

ANALISE DE TIPOLOGIAS ARQUITETÔNICAS AO LONGO DA III PERIMETRAL EM PORTO ALEGRE (RS-BRASIL) Mariana Louise Sehnem, Heleniza Ávila Campos ........................................................... 120

APRESENTAÇÃO

É com muita satisfação que apresentamos a edição do primeiro número da Revista Jovens Pesquisadores, da Universidade de Santa Cruz do Sul, relevante iniciativa da Coordenação de Pesquisa, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, com o objetivo de valorizar e divulgar as atividades de pesquisa desenvolvidas pelos nossos alunos bolsistas de iniciação científica junto aos projetos de pesquisa coordenados pelos professores da Universidade.

Esse novo veículo de divulgação científica da UNISC tem como propósito destacar e divulgar os melhores trabalhos de pesquisa dos alunos dos cursos de graduação que participam anualmente do nosso Seminário de Iniciação Científica. A publicação da Revista Jovens Pesquisadores é, portanto um reconhecimento à qualidade dos trabalhos acadêmicos e ao exemplar desempenho dos nossos alunos no processo de iniciação à pesquisa.

A Universidade tem o compromisso de proporcionar a inserção do aluno no meio científico, através da prática de pesquisa e da convivência entre atividades acadêmicas de graduação e de pós-graduação, possibilitando-lhe a capacidade de construir uma nova relação com os conteúdos/temas abordados durante sua formação acadêmica. A participação e o envolvimento dos alunos no cotidiano da pesquisa, a vivência na aplicação prática dos referenciais teóricos e metodológicos, a valorização do que já sabe, e as conexões entre os diversos saberes disciplinares, ampliam as possibilidades de qualificação da formação acadêmica na perspectiva da construção do conhecimento científico.

O aluno de iniciação científica é estimulado a interagir com os pesquisadores e a participar de grupos de pesquisa e de atividades dos programas de pós-graduação stricto sensu, permitindo-lhe viver a experiência da formação científica e profissional, e oportunizando-lhe, assim, melhores condições para sua evolução como pesquisador e como cidadão.

A presente Revista se insere assim nesse compromisso institucional da UNISC de valorização da iniciação científica, enquanto importante momento no desenvolvimento do pensamento científico dos estudantes dos cursos de graduação da Instituição, além de contribuir decisivamente na formação qualificada de recursos humanos para a pesquisa, preparando-os para o ingresso na pós-graduação.

Vida longa à Revista Jovens Pesquisadores e aos Programas de Iniciação Científica da Universidade de Santa Cruz do Sul!

Rogério Leandro Lima da Silveira Pró-Reitor de Pesquisa e de Pós-Graduação

INTRODUÇÃO

A publicação da revista Jovens Pesquisadores refere-se a doze trabalhos agraciados com Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica no ano de 2010. Essa premiação está diretamente relacionada com o XVI SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, promovido pela Universidade de Santa Cruz do Sul nos dias 18 a 22 de outubro de 2010, que teve por objetivo a integração dos pesquisadores docentes, estudantes de graduação e pós-graduação. Através desse evento é divulgada a produção acadêmica, resultante das atividades de pesquisa desenvolvidas pelos bolsistas que integram os Programas de Iniciação Científica da UNISC e de outras Instituições de Ensino Superior.

Cabe destacar o envolvimento dos jovens na iniciação científica, na investigação científica, de modo a contribuir para a formação e qualificação dos acadêmicos, tornando-os agentes transformadores da realidade e diferenciando-os no mercado de trabalho. Com isso, paralelo ao evento, ocorreu a realização do prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica – UNISC valorizando os melhores trabalhos nas quatro grandes áreas do conhecimento, quais sejam Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Exatas da Terra e Engenharias e Ciências Biológicas e da Saúde.

O processo de avaliação e seleção dos trabalhos envolveu uma análise inicial realizada por uma Comissão Científica Avaliadora composta por docentes da Instituição com experiência em atividades de pesquisa e em orientação de Iniciação Científica. Também fizeram parte desta comissão docentes externos reconhecidos pelas suas atividades de pesquisa através de bolsa produtividade do CNPq. Os trabalhos foram selecionados em três etapas, a primeira delas relacionada à avaliação do resumo inscrito no XVI Seminário de Iniciação Científica, com base nos seguintes critérios: a) capacidade de síntese, clareza, correção e adequação à linguagem acadêmica; b) apresentação dos objetivos, da metodologia, dos resultados parciais ou finais; e c) apresentação de conclusões e/ou resultados adequados.

A segunda etapa de avaliação se deu por ocasião da apresentação oral dos trabalhos, onde foram avaliados: a) capacidade de comunicação, clareza e adequação à linguagem acadêmica; b) apresentação dos objetivos, da metodologia e dos resultados parciais ou finais e de conclusões; c) domínio do conteúdo; e d) adequação ao tempo disponível. A terceira etapa de avaliação constitui-se da sistematização da pontuação atribuída nas etapas 1 e 2 e foi realizada por Comissão Interna da PROPPG. Como resultado das avaliações foram definidos os doze trabalhos agraciados com o Prêmio Destaque na Iniciação Científica UNISC entre 228 trabalhos selecionados para o evento.

A divulgação dos trabalhos selecionados foi realizada ao término do evento, sendo que os autores foram surpreendidos em sala de aula por um ator caracterizado de Charles Chaplin em encenação que apresentava para a turma o

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trabalho e o aluno como destaque para os colegas. Após a divulgação no âmbito acadêmico os vencedores foram convidados a participar de uma solenidade de divulgação, onde foi anunciada a publicação dessa edição da Revista Jovens Pesquisadores.

A publicação dos trabalhos selecionados no XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC no formato de artigo é uma forma importante de divulgação da produção científica produzida pelos acadêmicos e docentes que integram os Programas de Iniciação Científica da Universidade. Também é uma forma de reforçar o intercâmbio entre pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, no âmbito da UNISC e de outras Instituições de Ensino Superior do Estado do Rio Grande do Sul.

É importante ressaltar o apoio que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq tem nos proporcionado ao longo destes anos de cooperação, assim como as demais agências de fomento, que investem na formação de novos pesquisadores através de seus programas de Iniciação Científica.

A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade, responsável por esta publicação, aproveita para externar seus agradecimentos aos membros da Comissão Científica Avaliadora e a todos os orientadores e estudantes que participam desse evento.

A seguir destaca-se por área do conhecimento, as principais modalidades dos trabalhos inscritos no XVI Seminário de Iniciação Científica. Destaca-se que entre os 228 trabalhos selecionados, 31,1% foram da área de ciências biológicas e da saúde, 22,4% da área de ciências humanas, 18% da área de ciências sociais aplicadas e 28,5% da área de ciências exatas, da terra e engenharias, dados apresentados na Figura 01.

0

10

20

30

40

50

60

70

Área de C.Bio lógicas e da

Saúde

Área de C.Humanas

Área de CiênciasSociais

Aplicadas

Área de C. Exatasda Terra e

Engenharias

Figura 1 - Classificação dos trabalhos selecionados para o XVI Seminário de Iniciação Científica por área do conhecimento.

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, outubro de 2010.

CiênciasBiológicas eda Saúde

CiênciasBiológicas eda Saúde

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ÁREA DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

Na área de Ciências Biológicas e da Saúde entre os 72 trabalhos apresentados no evento, 64 foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade e 08 trabalhos de alunos de Iniciação Científica vinculados a outras Instituições de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de bolsistas do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC e de Programas de bolsas como o de verba externa para pagamentos de bolsas em projetos de pesquisa. Também foram apresentados trabalhos contemplados com bolsas de IC do CNPq e da FAPERGS. Importante destacar a participação de estudantes participantes do Programa PUIC voluntário, dados apresentados na Figura 02.

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Biológicas e da Saúde no XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC

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5

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25

30

PUIC

PIBIC

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Outra

s Bolsa

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PUIC V

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Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados

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CiênciasBiológicas eda Saúde

Figura 02 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de Iniciação Científica na Área de Ciências Biológicas e da Saúde.

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.

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ANÁLISE DO PERFIL DE MORTALIDADE POR DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA NO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL, RS, BRASIL

Gabriela Crestani1

William Rutzen2

Andréa Lúcia Gonçalves da Silva3

Tânia Cristina Malezan Fleig4

Marcelo Tadday Rodrigues5

RESUMO

Contextualização: A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é caracterizada funcionalmente por limitação ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível. O tabagismo é o principal fator de risco. A DPOC era a sexta causa de morte no mundo em 1990, segundo a OMS, com estimativa para tornar-se a terceira até 2020, sendo que vários componentes contribuem para o crescente aumento na mortalidade por tal doença, como aumento do tabagismo pelas mulheres, aumento da expectativa de vida, entre outros. Objetivo: Analisar o perfil da mortalidade por DPOC no município de Santa Cruz do Sul por DPOC, utilizando uma estimativa de dois anos consecutivos (2007 e 2008), verificando o perfil dos pacientes como sexo, idade, presença de comorbidades, se faleceu em ambiente hospitalar ou domiciliar. A intenção do estudo constitui também uma comparação com os dados presentes na literatura. Método: Delineamento transversal, levantamento epidemiológico via análise dos registros de óbitos ocorridos entre os períodos de 01 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2008 na cidade de Santa Cruz do Sul, obtidos através da Vigilância Epidemiológica, registrados tendo como causa-base o DPOC (J44) segundo a Classificação

1 Acadêmica do curso de Medicina, departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [[email protected]]

2 Acadêmico do curso de Medicina, departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [[email protected]]

3 Coordenadora do Projeto de Pesquisa Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas Interfaces, Departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [[email protected]]

4 Coordenadora do Projeto de Pesquisa Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas Interfaces, Departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [[email protected]]

5 Coordenador do Projeto de Pesquisa Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas Interfaces, Departamento de Educação Física e Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Rio Grande do Sul – Brasil. [[email protected]]

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Internacional de Doenças, 10ª edição. Resultados: Ocorreram, no período estudado, 113 óbitos devido a DPOC. Desses, a maioria corresponde ao sexo masculino (65,48%), sendo que a média de idade entre os pacientes foi 74,48 anos. Um percentual de 77,87 dos óbitos ocorreu em ambiente hospitalar e do total 94,69% possuíam duas ou mais comorbidades. Conclusão: Os dados obtidos com a presente análise epidemiológica permite concluir que, na cidade de Santa Cruz do Sul, o perfil dos pacientes que falecem por DPOC possuem características semelhantes aos encontrados na literatura. Vale ressaltar que tal cidade estudada possui grande parte da economia baseada na produção de tabaco, uma vez que várias empresas fumageiras encontram-se instaladas na região, fato que de certa forma contribui para os índices de tabagistas no município. A maior incidência do sexo masculino e a média de idade elevada refletem, entre outros fatores, um maior consumo de tabaco pelos homens e a característica crônica e progressiva da doença.

Palavras-chave: DPOC. Mortalidade. Óbito.

ABSTRACT

Background: Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) is characterized by airflow limitation that is not fully reversible. Smoking is the main risk factor. COPD was the sixth leading cause of death worldwide in 1990, according to WHO, expected to become the third until 2020, with several components contribute to the continued improvement in mortality from this disease, such as increased smoking by women, increased life expectancy, among others. Objective: To assess the mortality from COPD in Santa Cruz do Sul in COPD patients, using an estimate of two consecutive years (2007 and 2008), checking patients' profile such as gender, age, comorbidities, has died in environment hospital or at home. The intent of the study is also a comparison with data from the literature. Method: Cross-sectional epidemiological survey via analysis of records of deaths that occurred between the periods from 01 January 2007 to December 31, 2008 in Santa Cruz do Sul, obtained from the Surveillance, recorded as having the basic question COPD (J44) from the International Classification of Diseases, 10th edition. Results: There were, during the study period, 113 deaths due to COPD. Of these, the majority are male (65.48%), and the mean age of patients was 74.48 years. A percentage of 77.87 of the deaths occurred in hospitals and the total 94.69% had two or more comorbidities. Conclusion: The data obtained from this epidemiological analysis shows that the city of Santa Cruz do Sul, the profile of patients who die from COPD have features similar to those found in the literature. It is noteworthy that this city has studied much of the economy based on tobacco production, tobacco since many are located in the region, a fact that somehow contributes to the rate of smokers in the municipality. The higher incidence in males and high mean age reflect, among other factors, higher tobacco consumption by men and the characteristic chronic and progressive disease.

Keywords: COPD. Mortality. Death.

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INTRODUÇÃO

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) era a sexta causa de morte no mundo em 1990, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), com estimativa para tornar-se a terceira causa morte até 2020. O maior fator de risco para seu desenvolvimento é sabidamente o tabagismo, seguido da inalação de agentes agressores de origem ambiental. Santa Cruz do Sul é considerada a cidade capital nacional do tabaco no beneficiamento de fumo, e também possui indústria de fabricação de cigarros. Desta forma, sua economia possui fortes bases nas fumageiras aqui instaladas, as quais são grande fonte de emprego local e de incentivo ao tabagismo.

O presente trabalho visa a relatar um estudo de caráter analítico e epidemiológico, realizado com pesquisa de dados em Santa Cruz do Sul – RS. O assunto abordado corresponde a DPOC, mais especificamente sobre o perfil de mortalidade por tal doença nesta cidade.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A DPOC é uma doença crônica, de caráter inflamatório, com limitação do fluxo aéreo não totalmente reversível. É considerada a sexta causa de óbito no mundo, sendo a única cuja prevalência continua em crescimento. A DPOC é representada pela bronquite crônica e pelo enfisema pulmonar e é uma importante causa de morbidade e mortalidade no mundo moderno. Os pacientes portadores da doença apresentam as características de obstrução de vias aéreas e destruição das paredes alveolares com consequente hiperinsuflação pulmonar (GOLD, 2006). Devido ao caráter progressivo e incapacitante da doença, esta acaba por acarretar um considerável impacto econômico e social, pela redução na produtividade, comprometimento do orçamento familiar, aposentadorias precoces e alto custo com o tratamento e com as internações, que são muito frequentes (FERNANDES et al., 2006).

Acerca dos fatores envolvidos na patogênese da DPOC, o tabagismo é responsável por mais de 90% dos casos. Outros fatores correspondem a poeiras tóxicas como produtos químicos ocupacionais e combustão de biomassa. O tabagismo é o maior responsável pela ocorrência de doencas respiratórias, desde o efeito da exposição da criança “in útero” ou nos primeiros anos de vida, até a vida adulta. A DPOC e o câncer de pulmão destacam-se pelo quadro de progressividade e incapacidade, apesar de terem um maior tempo de latência em relação às doenças cardiovasculares relacionadas ao consumo de tabaco (ARAÚJO, 2009).

Ambos os componentes, enfisema pulmonar e bronquite crônica, estão presentes em proporções variáveis na maioria dos pacientes. A maior resistência ao fluxo aéreo durante a expiração, decorrente da relação inversa e exponencial entre o diâmetro da via aérea e a resistência ao fluxo aéreo, faz com que ocorram aprisionamento aéreo e hiperinsuflação. Outra característica importante é o componente sistêmico da enfermidade, e sabe-se que a inflamação sistêmica nos

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pacientes com DPOC pode estar mais relacionada com a própria doença do que com exacerbações agudas (MATTOS et al., 2009; MULLER et al., 2006 ).

De acordo com dados do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), o número de internações hospitalares por DPOC no Brasil no período de 1998 a 2003 foi de 1.480.881, sendo a Região Sul responsável por 42,3% delas (FERNANDES et al., 2006). O diagnóstico da doença é feito através da história clínica, com identificação de sintomas característicos da DPOC (dispnéia crônica e progressiva, tosse, e produção de muco) bem como a análise de exames de imagem (Raios-X de tórax), laboratoriais e prova de função pulmonar, ou seja, a espirometria com teste com broncodilatador.

O tabagismo deve ser devidamente interrogado e a quantificação de maços/ano é um dado importante a ser obtido. No Brasil, 200 mil mortes anuais são causadas pelo tabagismo e cerca de 16% da população brasileira adulta é fumante. Ressalte-se que em torno de 15% dos indivíduos que fumam um maço/dia e 25% daqueles que fumam mais de um maço/dia desenvolvem DPOC (ARAÚJO, 2009; INCA, 2009).

METODOLOGIA

Estudo transversal e retrospectivo caracterizou-se pelo levantamento epidemiológico via análise dos registros de óbitos. Os dados necessários para a realização deste trabalho foram adquiridos na Vigilância Epidemiológica de Santa Cruz do Sul-RS, utilizando dados registrados tendo como causa-base a DPOC (J44), segundo a Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição. Foram analisados arquivos com dados de 01 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2008, com exceção dos óbitos fetais.

Dentre os dados analisados, os itens utilizados para avaliar o perfil de óbitos por DPOC correspondem à idade, sexo, presença de comorbidades e o local do óbito, se ocorreu em nível hospitalar ou não.

RESULTADOS

No período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, ocorreram 1987 mortes, considerando excluídos os óbitos fetais. Deste total, 113 ocorreram por DPOC, com uma prevalência de 5,68%. Quando analisados os gêneros, constatou-se um número de 74 óbitos do sexo masculino e 39 do sexo feminino (65,48% e 34,52% respectivamente).

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0,00%10,00%20,00%30,00%40,00%50,00%60,00%70,00%

Mulheres Homens

Óbitos por DPOC

Gráfico 01 - Óbitos segundo o gênero por DPOC em 2007 e 2008 em Santa Cruz do Sul/RS.

Fonte: dados da pesquisa, 2010.

A média de idade constatada foi de 74,48 anos. Dentre os óbitos ocorridos no período estudado, 77,87% ocorreram em nível hospitalar, num total de 88 falecimentos. Os 22,13% restantes dos óbitos ocorreram fora do ambiente hospitalar, sendo assim 25 óbitos aconteceram em nível ambulatorial. Em relação às comorbidades as quais os pacientes possuíam, verificou-se que dos 113 óbitos, 107 possuíam duas ou mais comorbidades – 94,69%.

Duas ou maiscomorbidades

Nenhuma ouumacomorbidade

Figura 01 – Presença de comorbidades no momento do óbito Fonte: dados da pesquisa, 2010.

CONCLUSÃO

Os dados obtidos através desta análise demonstram uma relação de concordância com o que está na literatura. O presente estudo constatou que os homens falecem mais por DPOC do que as mulheres, podendo tal fato ser justificado

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pelo hábito do tabagismo ser mais comum nesta população. Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2009) afirmam que os homens apresentam aproximadamente o dobro da prevalência de tabagismo quando comparados às mulheres.

A média de idade avançada dos pacientes cujo óbito ocorreu em vista da DPOC também se relaciona com os estudos prévios. O caráter crônico e progressivo da doença e a demora para o aparecimento dos sintomas, após a exposição ao tabaco, são fatores contribuintes para tal característica. Há estudos que afirmam que a incidência é maior em homens do que em mulheres e aumenta acentuadamente com a idade (GODOY et al., 2007).

O índice maior de mortes no gênero masculino, por DPOC, está condizente com a literatura revisada. As explicações provavelmente estão no fato do maior índice de fumantes do sexo masculino em comparação ao feminino.

O tabagismo é a principal causa evitável de mortes prematuras no Reino Unido e possui grande associação com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), várias formas de câncer e doenças vasculares crônicas, tais como acidente vascular cerebral e doenças coronarianas (MOORE et al., 2009).

A cidade em estudo possui um perfil particular, pois grande parte de sua economia está diretamente relacionada ao principal fator desencadeante da DPOC, o tabaco. Nos indivíduos que desenvolvem a doença, há uma longa exposição ao tabagismo até o aparecimento de sintomas e sinais clínicos da DPOC, assim a média de idade caracteristicamente se eleva.

Assim sendo, fica evidenciado o comprometimento pulmonar e sistêmico da DPOC, e com isso, medidas de controle ao tabagismo devem ser insistentemente mantidas e inovadas. A mortalidade por DPOC afeta a população em geral, e o perfil dos indivíduos que falecem por tal doença em Santa Cruz do Sul segue o mesmo perfil do que é evidenciado na literatura.

REFERÊNCIAS

GOLD - The Global initiative for chronic Obstructive Lung Disease, 2006

FERNANDES, Amanda et al.Terapia nutricional na doença pulmonar obstrutiva crônica e suas complicações nutricionais. J. bras. pneumol., São Paulo, v.32, n.5, p. 461-471, set./out. 2006.

MATTOS, Waldo Luís Leite Dias de et al. Acurácia do exame clínico no diagnóstico da DPOC. J. bras. pneumol., São Paulo, v. 35, n. 5, p. 404-408, mai. 2009 .

INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER – INCA, 2009. Disponível em: <www.inca.gov.br>. Acesso em: 14 dez. 2010.

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Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 10-16, 2010

GODOY, Ilda et al. Programa de cessação de tabagismo como ferramenta para o diagnóstico precoce de doença pulmonar obstrutiva crônica. J. Bras. Pneumol. São Paulo, v.33, n.3, p. 282-286, mai-jun. 2007.

ARAÚJO, Alberto José. Tratamento do tabagismo pode impactar a DPOC. Pulmão RJ – Atualizações Temáticas. Rio de Janeiro, 2009.

MULLER, Beat et al. Biomarkers in Acute Exacerbation of Chronic Obstructive Pulmonary Disease. Among the Blind, the One-Eyed Is King. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, v. 174, n.8, p. 848-849, 2006.

MOORE, B.; BARRON. T.; JAMES, J.; SCOTT, J.; ROBINSON, K. (org.). Wiltshire Joint Strategic Needs Assessment (JSNA) for Wiltshire, 2009. Disponível em: <http://www.kirklees.gov.uk/community/statistics/jsna/jsna.shtml>. Acesso em: 12 dez. 2010.

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 17-27, 2010.

AVALIAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO SANGUÍNEO DE ATLETAS CORREDORES NO ENSAIO ERGOESPIROMÉTRICO DE BRUCE UTILIZANDO ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO

Francielle Pasqualotti Meinhardt1

Hildegard Hedwig Pohl2

Miriam Beatris Reckziegel3

Valeriano Antonio Corbellini4

RESUMO

Os constituintes do perfil lipídico são importantes marcadores bioquímicos de doenças cardiovasculares (grande causa de morbidade e mortalidade). Para um diagnóstico de alterações do perfil lipídico se apresenta o método da espectroscopia no infravermelho (FT-IR). Este estudo avalia a aplicação da FT-IR na obtenção de dados do perfil lipídico de atletas corredores. Trata-se de um estudo analítico observacional comparativo, tendo como método de referência os ensaios enzimáticos baseados na reação de Trinder, comparados à espectroscopia no infravermelho por reflectância difusa com Transformada de Fourier (DRIFTS), com auxílio das ferramentas quimiométricas de análise exploratória por agrupamento hierárquico (HCA) e análise preditiva por mínimos quadrados parciais (PLS) para previsão destes marcadores bioquímicos. Foram sujeitos 14 atletas da equipe de Atletismo da UNISC, de 18 a 30 anos, de ambos os sexos, avaliados em repouso e após o teste ergoespirométrico de Bruce. Os resultados apontam que, na avaliação de atletas, a técnica de infravermelho (DRIFTS) juntamente com o PLS, foi adequada para a construção de modelos de calibração e na definição da correlação entre testes bioquímicos padrões no perfil lipídico e na determinação pelo infravermelho.

Palavras-chaves: Lipídios. Doenças Cardiovasculares. Espectroscopia no Infravermelho. Análises multivariada.

1 Acadêmica do Curso de Farmácia da Universidade de Santa Cruz do Sul. [email protected];

2 Doutora em Desenvolvimento Regional – Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)l, Professora da UNISC; [email protected];

3 Doutoranda em Ciências Aplicadas a La Actividad Física y Salud da Universidade de Córdoba/ES. Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). [email protected];

4 Doutor em Química: área de concentração: Síntese Orgânica – Universidade Federal do Rio Grande Sul – UFRGS. [email protected];

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ABSTRACT

The constituents of the lipid profile are important biochemical markers of cardiovascular disease (major cause of morbidity and mortality). For a diagnosis of lipid profile is presented the method of infrared spectroscopy (FT-IR). This study assesses the application of FT-IR obtaining data on the lipid profile of athletes. This is a analytical comparative observational study, taking as the reference method assays based on the Trinder reaction, compared to spectroscopy Diffuse reflectance infrared Fourier transform spectroscopy (DRIFTS) with the aid of chemometric tools for exploratory analysis hierarchical clustering (HCA) analysis and predictive least squares partial (PLS) for prediction of biochemical markers. The subjects were 14 Athletes Team Athletics UNISC from 18 to 30 years, of both sexes, evaluated at rest and cardiopulmonary exercise testing after Bruce. Results indicate that the evaluation of athletes, the technique of infrared (DRIFTS) together with the PLS was adequate for the construction of calibration models and determining the correlation between the biochemical profile patterns lipid and determination by infrared.

Keywords: Lipid. Cardiovascular Disease. Infrared. Multivariate Analysis.

INTRODUÇÃO

O perfil lipídico é constituído pelas concentrações de triglicerídeos, colesterol total, HDL e LDL no sangue dos indivíduos e deve ser a controlado, pois concentrações alteradas podem estar relacionadas à doenças (LERARIO, BETTI & WAJCHENBERG, 2009; MOTTA, 2003). Eles atuam como fontes energéticas, são componentes da membrana celular, isolantes na condução nervosa, precursores hormonais e utilizados para a produção de energia, principalmente os ácidos graxos livres (CAMPBELL & FERRELL, 2007; KANAAN & GARCIA, 2008).

O colesterol é sintetizado por quase todos os tecidos, principalmente pelo fígado, e basicamente transportado pelas lipoproteínas (CAMPBELL & FERRELL, 2007; BAYNES & DOMINICZACK, 2007), podendo ser de origem exógena, (proveniente da dieta) ou endógena (sintetizado a partir da Acetil-CoA) ( DEVLIN, 2007). A fração LDL transporta o colesterol do fígado para o plasma e fração HDL faz o processo inverso, atuando na captação do colesterol celular e conduzindo-o até o fígado onde é catabolizado e eliminado (CAMPBELL & FERRELL, 2007; BAYNES & DOMINICZACK, 2007). Os triglicerídeos são sintetizados no fígado e intestino, se acumulando principalmente nas células adiposas, como uma forma de armazenamento de energia (KANAAN & GARCIA, 2008; BAYNES & DOMINICZACK, 2007; DEVLIN, 2007; WANG, & MIZAIKOFF, 2008).

Alterações no metabolismo dos lipídios, especialmente a elevação dos níveis de colesterol e triglicerídeos, associados a doenças como a hipertensão e obesidade, constituem-se fatores de risco no aumento das doenças cardiovasculares como a

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aterosclerose e podem causar restrição do fluxo sanguíneo, podendo levar a conseqüências mais graves. Concentrações elevadas de HDL atuam como um fator de proteção, pois retiram este lipídeo da circulação sanguínea (KANAAN & GARCIA, 2008; BAYNES & DOMINICZACK, 2007; DEVLIN, 2007).

Para o diagnóstico das alterações metabólicas em fluidos biológicos pode ser utilizada a técnica de espectroscopia FT-IR, caracterizada pela identificação de compostos e análise de misturas com base em movimentos vibracionais (WANG & MIZAIKOFF, 2008). A região denominada por infravermelho corresponde à região situada na faixa de onda de 14290 a 200 cm-¹, sendo mais utilizada a faixa entre 4.000 e 400 cm-1, denominada infravermelho médio (MIR) (SHAW & MANTSCH, 2006; BARBOSA, 2007).

A aplicação clínico-laboratorial de espectroscopia no infravermelho é bastante utilizada, e apresenta como vantagem um espectro de maior sensibilidade (menor razão sinal ruído), além de ser uma técnica simples e rápida, não destrutiva, capaz de oferecer precisão e exatidão para análises, elimina a utilização de reagentes e necessidade de pouca amostra. A espectroscopia é uma ferramenta da análise química para detectar constituintes biológicos, tais como DNA/RNA, proteínas e lipídeos entre outros (WANG & MIZAIKOFF, 2008; SILVERSTEIN & WEBSTER, 2007; HALL & POLLARD, 1992; GREFF, STROOBANT & HEIJDEN).

Os espectros de FT-IR contêm muitas bandas sobrepostas e sua interpretação é realizada por ferramentas analíticas multivariadas (WANG & MIZAIKOFF, 2008; ELLIS & GOODACRE, 2006). Estes métodos de calibração multivariada estão sendo aplicados com sucesso, a fim de construir modelos para análises específicas em amostras biológicas. A Análise Discriminante (DA) é um algoritmo que se caracteriza como uma análise de agrupamento baseado em método e envolve a projeção de dados. Os métodos não supervisionados, como análise por agrupamento hierárquico (HCA) usado para encontrar diferenças e semelhanças entre os espectros e também os métodos da regressão que são intrinsecamente lineares, têm sido propostos para a análise multicomponentes, onde encontram-se o de mínimos quadrados parciais (PLS) (ELLIS & GOODACRE, 2006 ESCANDAR et al., 2006; HOLLYWOOD, BRISON & GOODACRE, 2006).

Devido à grande demanda destes testes em laboratórios e importância clínica, esse trabalho tem como objetivo geral avaliar a utilização do método de FT-IR, para determinação do perfil lipídico de atletas visando oferecer melhorias para os treinamentos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo analítico observacional comparativo, de determinação de perfil lipídico em adultos, por métodos de referência e por espectroscopia FT-IR e se encontra inserida no projeto: “Correlação entre perfil bioquímico sangüíneo e desempenho de atletas corredores, no ensaio ergoespirométrico de Bruce e em provas específicas utilizando espectroscopia no infravermelho”, que é realizado na

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Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa pelo protocolo 2280/09.

Foram realizadas duas coletas sanguíneas nos 14 atletas (Atletismo da UNISC), adultos de 18 a 30 anos, de ambos os sexos e de várias modalidades. Os atletas foram submetidos à coleta (realizada por pessoal capacitado) de 5 mL de sangue total com vacutainer® sem anticoagulante em repouso e 10 min após a aplicação do teste de força através do protocolo de Bruce. Logo em seguida, foram recolhidas três alíquotas de 5 µL do sangue total de cada coleta e introduzidos em tubos eppendorfs de 2 mL com 150 mg de brometo de potássio grau espectroscópico (Vetec) sendo o material liofilizado por 2 horas a 1x10-3torr.

O restante das amostras de sangue foram processadas para obtenção do soro o qual foi armazenado a -20ºC até a determinação de triglicerídeos, colesterol total e colesterol HDL pelos métodos de referência baseados na determinação fotocolorimétrica de antipirilquinonimina conforme protocolos dos kits nº de catálogo 76, 13 e 87, respectivamente, da LABTEST® (BUCOLO & DAVID, 1973; ALAIN et al., 1974). LDL foi calculado pela fórmula de Friedewald (FRIEDEWALD, LEVY & FREDRICKSON, 1972).

Os espectros das amostras de sangue dos atletas foram adquiridos em triplicatas utilizando acessório de reflectância difusa com fonte de luz monocromática (PIKE Technologies Madison, USA) conectado a um espectrofotômetro Nicolet Magna 550 FT-IR (Thermo Nicolet Coporation, Madison, USA) com 32 varreduras na faixa 4000-600 cm-1, 4 cm-1 de resolução. Todos os espectros foram adquiridos em escala de absorbância e normalizados entre 0 e 1, utilizando o programa computacional OMNIC® E.S.P vol 4.1.

Foi utilizada a avaliação multivariada conduzida pelo programa computacional PIROUETTE® 3.11 da INFOMETRIX, com aplicação dos algoritmos de análise por agrupamento hierárquico (HCA) das replicatas e regressão por mínimos quadrados parciais (PLS) para prever os valores dos parâmetros estudados usando como conjunto de previsão as amostras excluídas nos respectivos modelos de validação cruzada (mútua exclusão de um por vez). A seleção do melhor modelo PLS-DRIFTS para cada parâmetro bioquímico analisado baseou-se (pela ordem de prioridade) nas seguintes figuras de mérito: valor de coeficiente de correlação (R2) mais próximo de 1 e valor de erro de validação cruzada (root mean square error of cross validation- RMSECV) mais próximo de zero.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na tabela 1 se encontram descritos os dados dos atletas, como modalidade e idade. Os resultados de peso e altura foram obtidos antes da realização do exercício e através da divisão do peso pela altura2 foi calculado o índice de massa corporal (IMC) dos atletas. Esta variável apresentou médias de 22,8 e 21,20, correspondendo, respectivamente, ao sexo masculino e feminino ambas classificadas como “faixa recomendável”.

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Tabela 1 - Dados dos atletas que foram submetidos ao protocolo de Bruce realizado em novembro de 2009.

N° Modalidade Idade Sexo Altura (cm-1) IMC (kg/m2) IMC 1 Fundista 16 masculino 1,78 18,30 BP 2 Velocista (100 e 200m) 18 masculino 1,68 22,25 FR 3 Atleta 19 masculino 1,84 20,88 FR 4 Atleta 16 masculino 1,64 31,40 OI 5 Fundista 29 masculino 1,73 22,89 FR 6 Fundista 29 masculino 1,72 22,03 FR 7 Fundista 14 masculino 1,75 21,71 FR Média 20,14 1,73 22,80 FR 8 400m 19 feminino 1,66 21,44 FR 9 Salto em distância e

triplo20 feminino 1,68 21,12 FR

10 Fundista 16 feminino 1,61 18,90 FR 11 Arremesso de peso 19 feminino 1,68 28,20 S 12 Meio fundista 19 feminino 1,65 16,60 BP 13 Marcha 21 feminino 1,67 22,45 FR 14 Atleta 34 feminino 1,72 19,71 BP Média 21,14 1,67 21,20 FR

IMC: Índice de massa corpórea. CLAS: Classificação do IMC; BP = baixo peso; FR = faixa recomendável; S = sobrepeso; OI = obesidade tipo 1. Valores em negrito são as médias dos parâmetros calculados.

As médias obtidas, somando-se os valores no repouso e pós-exercício, nos testes bioquímicos de triglicerídeos, colesterol total, colesterol HDL e colesterol LDL são, respectivamente, 79,75; 161,60; 49,57 e 96,08 mg dL-1. No entanto, quando se observa os valores de repouso as médias são 77,44; 162,88; 48,95 e 98,46 mg dL-1, já após o protocolo de Bruce foram obtidos os resultados de 82,06; 160,33; 50,19 e 93,71 mg dL-1. Ao comparar essas duas médias, observa-se o aumento na média dos parâmetros de triglicerídeos e colesterol HDL e diminuição nos outros parâmetros (colesterol total e LDL), o que é possível visualizar na tabela a seguir.

Tabela 1 - Parâmetros bioquímicos (em mg dL-1) avaliados em amostras de atletas corredores do Projeto de Atletismo - UNISC durante avaliação espiroergométrica no protocolo de Bruce, com destaque aos valores considerados elevados pelas referências.

Atletas Triglicerídeos Colesterol Total Colesterol HDL Colesterol LDL

Repouso Final Repouso Final Repouso Final Repouso Final

01 47,5±1,4 66,4±3,2 185,7±10,6 172,4±9,3 57,1±1,2 57,7±0,5 119,06 101,37

02 111,1±1,2 82,1±7,3 142,4±9,6 139,0±5,8 40,3±0,8 45,1±4 79,9 77,49

03 77,7±6,6 90,1±6,9 153,3±12,8 162,2±10,9 46,7±1,5 48,3±1,5 91,12 95,86

04 68,0±1,8 100,5±5,5 120,9±10,6 113,1±9,5 39,6±1,3 39,0±3,1 67,74 54,02

05 70,4±3,8 94,8±3,2 276,0±45,9 196,2±6,5 44,3±2,1 52,2±0,1 217,63 125,13

06 110,9±3,7 93,8±4,6 163,9±8,4 172,7±10,9 43,9±3,7 45,7±2,8 97,83 108,33

07 28,9±1,3 44,6±1,9 118,2±4,2 125,7±7,3 43,9±2,0 44,0±1,4 68,49 72,76

08 153,5±9,5 129,2±7,9 208,5±8,2 187,0±2,5 49,5±2,2 48,5±0,5 128,37 112,37

09 66,0±3 65,6±0,7 198,0±2,9 209,5±4,6 61,9±1,7 62,2±0,3 122,82 134,25

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10 52,3±2,5 54,7±0,7 127,4±6,3 131,5±4,3 56,9±1,6 59,4±2,7 60,07 61,19

11 66,2±6,4 92,6±5,7 127,7±11,3 136,9±4,7 57,9±2,2 55,4±2,0 56,61 62,35

12 78,9±7,4 44,7±3,6 124,1±2,7 139,3±8,1 44,6±2,5 45,2±1,3 63,75 85,23

13 78,9±7,4 93,0±7,5 176,8±7,4 183,0±8,4 45,1±1,2 48,4±0,4 115,94 115,92

14 73,9±5,3 96,6±6,3 157,4±3,0 176,1±8,4 53,6±1,6 51,7±0,7 89,06 105,71

Média 77,44 82,05 162,88 160,33 48,95 50,19 98,46 93,71

M. Geral 79,75 161,60 49,57 96,08

LDL calculado pela fórmula de Friedewald; valores de referência: triglicerídeos(TG): >150 mg dL-1; Colesterol Total(CT): desejável < 200 mg dL-1, limítrofes: 200 a 239 mg dL-1 e alto > 240 mg dL-1 Colesterol HDL: entre 40 a 60 mg dL-1 e Colesterol LDL: desejável <130 mg dL-1, limítrofe: 130 a 159 mg dL-1 e elevados >160 mg dL-1. Em negrito estão os valores que se encontram acima dos valores de referência.

A análise dos parâmetros estudados apresenta desvio padrão dentro da variabilidade aceitável, descrita pelos protocolos dos testes. Os valores dos três parâmetros estavam dentro dos limites aceitáveis para utilizar a fórmula de Friedewald.

Na figura 1 encontra-se o conjunto de todos os espectros dos atletas investigados, podendo se observar uma homogeneidade entre os mesmos, tornando necessária a utilização de análise multivariada para obter informações com poder discriminatório.

4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

Abso

rbânci

a

Comprimento de onda (cm-1)

Figura 1 - Conjunto de espectros de infravermelho médios de sangue total de atletas submetidos ao ensaio espiroergométrico de Bruce.

A aplicação de análise por agrupamento hierárquico (HCA) gerou um dendrograma (Figuras 2 a 4), onde foi possível visualizar o grau de reprodutibilidade das replicatas de leituras espectrais, observando a formação de dois grupos com níveis de similaridade de 30%, mantendo as replicatas das mesmas amostras próximas e dentro do mesmo grupo.

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0.00.20.40.60.81.0

Figura 2 - Dendrograma fornecido pela HCA das triplicatas de espectros no infravermelho de sangue total de amostra de atletas.

14RC14RB14RA11FC11FB11FA10FC10FB10FA09FC09FB09FA08RC08RA05FC05FB05FA08RB08FC08FB07RC07RB07RA07FC08FA07FB07FA04RC04RB04RA02RC02RA02RB01RC01RB01RA01FA06RC06RB06RA06FC06FA06FB

0.40.60.81.0

CompleteCURSOR

Similarity: 0.342 NODE

Similarity: 0.400Distance: 14.263Descendants: 43

CompleteCURSOR

Similarity: 0.342 NODE

14FC

14FA

14FB

13RC

13RA

13RB

13FC

13FA

13FB

05RC

05RB

05RA

12FC

12FB

12FA

10RC

10RA

10RB

09RC

09RA

09RB

04FC

04FB

04FA

02FC

02FB

02FA

01FB

01FC

12RC

12RB

12RA

03RC

03RB

03RA

03FC

03FB

03FA

0.60.70.80.91.0

CompleteCURSOR

Similarity: 0.342 NODE

Similarity: 0.558Distance: 10.502Descendants: 38

CompleteCURSOR

Similarity: 0.342 NODE

3.a 3.b Figura 3 - Dendrogramas referentes aos grupos do HCA das triplicatas de sangue total

de amostra de atletas. 3.a Dendrograma do primeiro grupo (superior) 3.b Dendrograma do segundo grupo (inferior) do HCA.

O método se mostrou reprodutível, entretanto, as replicatas geradas foram de forma aparentes no que se refere a três leituras seqüenciais da mesma amostra. Como o sangue total é um fluido muito instável, sugere-se muita atenção na impregnação deste, na literatura foram somente encontrados estudos realizados com soro e plasma (ELLIS & GOODACRE, 2006).

Um espectro de infravermelho de sangue contém muitas informações importantes e não há necessidade de utilização de todas as bandas para descrevê-las, sendo necessário, então, selecionar aquelas onde há maior quantidade de informação química relevante (SHAW & MANTSCH, 2006; ESCANDAR et al., 2006). Este princípio, junto com a exclusão de amostras consideradas outliers, foi aplicado aos conjuntos de dados em estudo sendo obtidos os modelos de regressão por mínimos quadrados parciais (PLS) para alguns parâmetros bioquímicos da amostra populacional, descritos na Tabela 3 junto com as respectivas figuras de mérito.

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Tabela 3 – Resultados de modelagem de PLS-DRIFTS entre amostras de sangue total e níveis séricos de triglicerídeos, colesterol total e colesterol HDL de atletas.

Modelo Região Espectral (cm-1) RMSECV (mg dL-1) R2 VRA (%) VL TG-C 4000-2400 e 2200-400 23 0,55 99 9 TG-O 3150-2960 e 1700-1400 12,2 0,88 99,8 8 CT-C 4000-2400 e 2200-400 26 0,60 98 5 CT-O 3150-2700 9,3 0,94 98 8 HDL-C 4000-2400 e 2200-400 7,20 0,04 99 10 HDL-O 4000-3600 e 3290-3060 3,8 0,82 91,8 5

RMSECV=erro de validação cruzada; R2=coeficiente de correlação de validação cruzada; VRA=variância relativa acumulada; VL=variáveis latentes; TG=triglicerídeos; CT=colesterol total; HDL=colesterol HDL. C=Faixa espectral completa; O=Faixa espectral otimizada.

Em todos os três modelos otimizados observa-se uma melhora significativa na capacidade preditiva dos componentes do perfil lipídico mostrando que parte da informação apresentada pelo conjunto de espectros FTIR de sangue total não tem relação com os níveis séricos dos respectivos biomarcadores. Em relação às regiões espectrais selecionadas observa-se, em todos os modelos, a contribuição total ou parcial de freqüências vibracionais características de lipídios incluindo 3020-3000 (�=CH de ácidos graxos insaturados e ésteres de colesterol), 3000-2950 cm-1 (�asCH3 e �asCH2 de ésteres de colesterol e lipídios) e 2950-2880 cm-1 (�sCH3 e �sCH2de ácidos graxos, ésteres, glicerol, fosfolipídios e triglicerídeos). Neste contexto, o modelo preditivo de colesterol total é o mais simples e seletivo constituído por contribuições de todas as vibrações acima referidas sem mais nenhuma outra informação estrutural provinda do infravermelho médio (SILVERSTEIN & WEBSTER, 2007).

Já o modelo de colesterol HDL considera apenas parte da contribuição de �C=CH de lipídios insaturados mas inclui informações parciais sobre movimentos vibracionais de proteínas (�N-H, a 3700-3400 cm-1 ) mostrando a grande contribuição deste componente bioquímico na organização da estrutura desta lipoproteína.

Por outro lado, o modelo de triglicerídeos é o mais complexo e inclui também informações de proteínas, porém de outra natureza, diferente daquelas observadas no modelo de colesterol HDL. As contribuições de informação estrutural protéica no modelo de previsão de triglicerídeos de atletas, com base nos espectros FT-IR de sangue total, incluem informações das bandas de amida I (�C=O a 1720-1600 cm-1) e II (�N-H a 1600-1480cm-1). Entretanto, este modelo é ainda mais simples que o encontrado por Shaw e Mantsch (2006), com base em espectros FT-IR de soro, o qual incluiu as faixas espectrais de 3000-2800, 1800-1700 e 1500-900 cm-1.

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A representação gráficos de correlação entre os valores preditos pelos respectivos modelos otimizados e os valores experimentais encontram-se representados na Figura 4.

Triglicerídeos Colesterol Total Colesterol HDL

Figura 4 – Gráficos de correlação de modelagem de regressão PLS-DRIFTS otimizados, entre amostras de sangue total e triglicerídeos séricos, colesterol total e colesterol HDL, para atletas.

A calibração do modelo baseou-se na recuperação de informações analíticas quantitativas a partir dos espectros (ELLIS & GOODACRE, 2006; ESCANDAR et al., 2006). Os modelos de calibração são desenvolvidos separadamente para cada analito alvo. Por fim cada modelo é validado através de comparação dos valores previstos pelo PLS com os valores de referência.

Para calibração dos modelos, foram previstas as concentrações de algumas amostras (tabela 4), as quais foram inicialmente descartas na elaboração do modelo em questão. Para as previsões dos valores de concentração de triglicerídeos, colesterol total e colesterol HDL, foram obtidas as correlações de 0,95, 0,15 e 0,10 e os erros de 7,4, 30 e 6,9 mg dL-1 respectivamente, podendo-se observar um bom modelo para a previsão das amostras de triglicerídeos, considerando uma alta correlação aliada a um baixo erro e alcançando o objetivo frente a este parâmetro. Já para as previsões de colesterol total e HDL os valores obtidos não foram reprodutíveis, mostrando uma baixa correlação e, no caso do colesterol total, aliado a um alto erro de previsão.

Tabela 4 - Correlação de valores entre método referência e infravermelho na concentração sérica de triglicerídeos, colesterol total e colesterol HDL em atletas.

Parâmetros Atletas Referência (mg dL-1) Infravermelho (mg dL-1)TG 02R 116,09 116,75 TG 04F 97,41 92,51 TG 05F 94,76 103,92 TG 09R 68,98 71,39 TG 06R 110,88 104,19 TG 10F 54,68 54,27 TG 07F 44,65 46,92 TG 14R 73,92 85,53 TG 14F 97,16 85,53 CT 01F 178,88 178,34 CT 02R 142,42 178,35 CT 02F 143,10 178,40 CT 05R 243,78 178,40

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CT 09R 197,96 178,40 CT 09F 209,54 178,40 CT 06R 169,68 178,40 CT 06F 180,41 178,40 CT 11F 139,52 178,40 CT 14R 157,41 166,48 CT 14F 176,15 166,48

HDL 05R 43,14 50,90 HDL 08R 49,46 50,94 HDL 08F 48,53 50,90 HDL 09R 61,94 60,00 HDL 09F 62,17 50,95 HDL 06R 41,98 51,00 HDL 10R 56,90 51,00 HDL 07F 43,95 50,90 HDL 14R 53,57 52,90 HDL 14F 51,71 52,90

TG = triglicerídeos; CT = colesterol total; HDL = colesterol HDL; R: Repouso; F: Final do exercício.

Os resultados apontam que, na avaliação de atletas, a técnica de infravermelho (DRIFTS) juntamente com o método de regressão multivariado (PLS) foi adequada para a construção de modelos de calibração e para a dosagem de marcadores bioquímicos de perfil lipídico. Nessa perspectiva, considera-se possível a utilização da espectroscopia FT-IR na obtenção de dados que determinam o perfil lipídico em amostras de sangue total em atletas. Contudo, é uma aplicação limitada e dependente de fatores operacionais envolvidos nas etapas de coleta e disposição das amostras de sangue em presença do KBr. Por fim, a técnica estudada se mostra promissora no monitoramento da evolução e desempenho de atletas durante diferentes testes de esforço, inclusive em provas específicas de atletismo, o que está sendo desenvolvido pelo nosso grupo de pesquisa.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela bolsa de Iniciação Científica.

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CONCEPÇÕES SOBRE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA GESTÃO E ATENÇÃO À SAÚDE: COM A PALAVRA, GESTORES DE SAÚDE DE MUNICÍPIOS DA 13ª COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE

Janice Bringmann

Luciele Sehnem

Ari Nunes Assunção

Leni Dias Weigelt

Luciane Maria Schmidt Alves

Suzane Beatriz Frantz Krug

RESUMO

O presente estudo objetivou desvelar os meios utilizados pelos gestores de saúde para a implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção de Saúde. Para a obtenção dos resultados, foram realizadas entrevistas com cinco gestores de saúde da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS, seguindo, metodologicamente, a trajetória qualitativa. A organização e a análise dos dados foram realizadas sob o enfoque da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). Destacou-se que a humanização em saúde para os entrevistados significa atender bem aos pacientes, sabendo ouvi-los nas suas necessidades e informando os demais membros da equipe da sua situação. Citou-se, também, a prioridade ao atendimento dos casos mais graves e aos idosos, assim como a diminuição das filas e do tempo de espera para atendimento. Como meios para implementar as diretrizes, foram referidas a triagem, a agilidade no atendimento e no agendamento de consultas, a distribuição das fichas com horários para atendimento e a melhoria do espaço físico das unidades. Com base nesses levantamentos, sugere-se a elaboração de grupos de discussões como espaços de articulação dos atores para subsidiar a implementação da Humanização da Gestão e Atenção da Saúde nos serviços, contribuindo, dessa forma, para a efetivação das diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave: Gestão em Saúde. Saúde da Família. Políticas Públicas. Sistema Único de Saúde.

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ABSTRACT

The present study aims to unveil the means used by health managers to implement the National Policy of Humanization of Health Care and Management. In order to reach the results it was conducted some interviews with five health managers of the 13th Health Regional Coordination / RS, using as methodology the qualitative approach. The organization and data analysis were done through the focus of the content analysis (Bardin, 1977). It was highlighted that the humanization of health for the interviewed means to treat well the patients, knowing how to hear them in their needs and informing the other team members about the patients’ situation. We also mentioned the priority in treating the most serious cases and the elderly, as well as reducing the lines and waiting time for care. As a means to implement those guidelines, it was referred the screening, treatment agility, appointment scheduling, distribution of bookmarks with schedules for care and improvement of the units physical space. Based on these surveys, we suggest the establishment of discussion groups as articulation spaces for the actors to support the implementation of the Humanization of Management and Health Care in the services, thereby contributing to the effectiveness of the Unified Health System guidelines.

Keywords: Health Management. Family Health. Public Policy. Unified Health System.

1 INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família possui como foco central de atuação a família que, por sua vez, é compreendida a partir do conhecimento do meio em que vive. Sob esse foco de atuação, possibilita-se que as equipes de saúde detenham uma visão mais abrangente sobre o processo saúde/doença, reafirmando, também, a necessidade de intervenções que se sobreponham às práticas curativistas, que ainda se encontram demasiadamente avivadas na sociedade, conforme refere o Ministério da Saúde (1996) apud Rocha (2003).

Além de visar à reordenação do modelo assistencial hospitalocêntrico para um modelo de atenção baseado na prevenção e promoção da saúde a partir da atenção básica, a estratégia objetiva, também, promover um maior vínculo entre profissionais e usuários, contribuindo para a humanização das práticas de saúde nas unidades (PAULINO, BEDIN e PAULINO, 2009).

Apesar de a palavra humanização remeter, diretamente, à ideia de tratar humanamente o ser humano, o que se pode visualizar, muitas das vezes, é o contrário. Prevalece a preocupação com o bem-estar econômico ou, mesmo, com a redução das pessoas a objetos passíveis de experimentos, em detrimento de tornar dignas e melhores as condições de vida das pessoas (CAMPOS, 2005). A humanização praticada nos serviços de saúde pode expressar-se “pelo caráter e

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qualidade da atenção, levando em conta interesses, desejos e necessidades dos atores sociais implicados nesta área” (FORTES, 2004 p.31).

Tendo, como foco de estudo, a humanização e seguindo uma das diretrizes da pesquisa intitulada “Saúde da Família: um olhar sobre a Estratégia nos Municípios da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS”, que visa investigar o processo de gestão da saúde em relação às Estratégias de Saúde da Família, objetivou-se, através de um recorte desta pesquisa, desvelar, por intermédio da pergunta norteadora “Quais os mecanismos de implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à Saúde?”, os meios utilizados pelos gestores de saúde para a implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à Saúde, bem como a forma de perceber o seu entendimento acerca da humanização em saúde.

Compete ao gestor de saúde a responsabilidade de implantação e monitoramento da estratégia, além de possibilitar aos trabalhadores da saúde que ali atuam meios que subsidiem motivação para as mudanças que o modelo determina (ROCHA, 2003). A responsabilidade desse vai além de determinar prioridades, definir os investimentos em saúde e promover espaços de negociação. É de sua competência, também, prover os meios necessários para a construção da política de humanização no seu município (MELO, 2006).

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Instituída no ano de 2003 pelo Ministério da Saúde, o HumanizaSUS vem a ser um dispositivo para consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da sua aplicação cotidiana nas práticas de atenção e gestão, estimulando, também, para que os sujeitos envolvidos, usuários, trabalhadores e gestores promovam trocas solidárias para a produção de saúde e de sujeitos (BRASIL, 2006).

A discussão sobre os “direitos dos pacientes”, iniciada por volta dos anos 70, representa o marco inicial para a reflexão das práticas humanizadoras em saúde. O Hospital Mont Sinai, em Boston, nos Estados Unidos da América (USA), e a Associação Americana de Hospitais foram os pioneiros a terem a declaração de direitos dos pacientes reconhecida pela literatura. Esse documento sinaliza para que os serviços de saúde possibilitem alcançar o mais alto nível de saúde possível, apontando, também, os pacientes como responsáveis nas tarefas de planejar e implementar os cuidados inerentes a sua saúde (FORTES, 2004).

A Política Nacional de Humanização (PNH) apresenta-se recíproca aos princípios do Sistema Único de Saúde, dentre os quais se elencam a equidade, a integralidade, a universalidade, assim como a promoção da descentralização da atenção e gestão da saúde. Há de se ressaltar que, para o avanço e cumprimento das diretrizes do SUS, o governo reconhece que é forçoso pôr em prática uma PNH que perfilhe itens como: “a fragmentação do processo de trabalho, a

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precária interação das equipes de saúde; o desrespeito aos direitos dos usuários, o baixo investimento em qualificação e a burocratização dos sistemas de gestão” (BRASIL, 2005 apud ANDRADE e LOPES, 2009).

A Política Nacional de Humanização estrutura-se a partir de princípios, métodos, diretrizes e dispositivos que contribuem para nortear as ações voltadas para a efetivação da Política no Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2009).

Ressaltam-se, como orientações gerais das incluídas na PNH, a Clínica Ampliada, Cogestão, Acolhimento, Valorização do trabalho e do trabalhador, Defesa dos Direitos do Usuário, Fomento das grupalidades dos coletivos e de redes e a Construção da memória do SUS que dá certo (BRASIL, 2009).

A PNH defende que a gestão e a atenção devam ser trabalhadas conjuntamente, abolindo a visão reducionista que considera a gestão dos processos de trabalho uma questão administrativa que deva ser desenvolvida separadamente das práticas de cuidado (BRASIL, 2006 apud PAULON e ELAHEL, 2006).

A respeito disso, Oliveira, Collet e Viera (2006) apontam que a valorização dos atores nos diversos âmbitos do SUS, tanto na dimensão das práticas de atenção como de gestão, fomentam a autonomia dos sujeitos e o trabalho em equipe multiprofissional, promovendo a democratização desses espaços e valorizando os trabalhadores que atuam nesses locais.

Ressalta-se que firmar a saúde como valor de troca, e não de uso, é conferir aos atores envolvidos o compromisso de responsabilidade para com os serviços de saúde na luta pela humanização desses espaços, através da participação no controle social, na gestão dos serviços e na melhoria das condições para trabalhadores e gestores, refletindo em um atendimento de maior qualidade aos usuários (BENEVIDES e PASSOS, 2005).

3 METODOLOGIA

Este artigo constitui-se um recorte de uma pesquisa mais ampla “Saúde da Família: um olhar sobre a Estratégia nos Municípios da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS”, em desenvolvimento, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde, da Universidade de Santa Cruz do Sul – RS (GEPS-UNISC).

A investigação seguiu a trajetória qualitativa e a organização dos dados e sua posterior análise foi sob o enfoque da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977). Os sujeitos do estudo foram representados por cinco gestores de saúde de cinco municípios pertencentes à região do Vale do Rio Pardo no Rio Grande do Sul, de abrangência da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde/RS.

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Os dados foram coletados por meio de entrevista, do tipo estruturada, composta por questões abertas. Para este estudo, foi selecionada uma questão aplicada aos gestores de saúde entre as onze pertencentes ao questionário da pesquisa maior, citada anteriormente. Os dados foram coletados no período de março de 2009 a outubro de 2010. O tema se refere aos mecanismos que os gestores utilizam para a implantação das diretrizes da Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à Saúde, no seu município.

A pesquisa foi fundamentada em princípios éticos de acordo com a Resolução n. 196/96, Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto de pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNISC, sob o protocolo nº 23771/09.

4 RESULTADOS

Através das análises das entrevistas, possibilitou-se averiguar que o conceito de humanização em saúde, para os entrevistados, remete ao atendimento de qualidade do usuário e tem seu significado vinculado a atender bem os pacientes, sabendo ouvi-los nas suas necessidades e informando os demais membros da equipe da sua situação. Na fala a seguir, evidenciam-se alguns desses aspectos:

Nós nos reunimos cada um na sua esfera, dividimos assim o que um pode ajudar o outro, discutimos os problemas e encaminhamos e procuramos estar resolvendo dentro da linha da enfermagem, e dentro das equipes o que eu coloco em relação é isso [...] (GestorI).

Citou-se, como prática de humanização, prioridade ao atendimento dos casos mais graves e aos idosos, assim como a diminuição das filas e do tempo de espera para atendimento. Esses aspectos podem ser observados nas falas dos gestores, exemplificadas a seguir:

[...] nós chegamos aqui tinha fila de adulto e idoso, ficavam às vezes esperando até as quatro, cinco horas da tarde pra ser atendido, daí a gente mudou, as pessoas retiram sua ficha, retornam no horário combinado pra consulta, né. Vai pra casa, pega a ficha e vai pra casa e o idoso sempre tem a preferência, o idoso é passado na frente [...] a gente faz um acolhimento, conversa com o usuário, a partir dali né quem... digamos o caso é mais grave, atenção é especial, passa na frente (Gestor II).

[...] ouvir mais o paciente, trabalhar um pouquinho a ambiência que também é importante, né, proporcionar um bem-estar assim em relação ao ambiente onde o paciente se insere, no momento que entra procurar melhorar tudo em relação a isso, eu acho que pra destacar esses três que a gente tá hoje pensando em desenvolver (Gestor I).

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Como meios para implementar as diretrizes de humanização, foram referidas a triagem, a agilidade no atendimento e no agendamento de consultas, distribuição das fichas com horários para atendimento e melhoria do espaço físico das unidades. Alguns desses aspectos podem ser detectados nas falas a seguir:

Se toca muito nesse assunto da humanização né, do acolhimento e tudo mais. A gente faz um acolhimento, conversa com o usuário, a partir dali né quem... digamos o caso é mais grave, a atenção é especial, passa na frente como uma triagem que se faz o trabalho de acolhimento, hoje seria assim, basicamente isto [...]. As gestantes também são todas agendadas, a primeira consulta puericultura da criança, do recém-nascido também é agendada já quando sai da maternidade, já é agendado o teste do pezinho, a primeira consulta Gestor II).

[...] eu mesmo fico na fila aqui, não deixo formar muita fila, tem que atender rápido, tem que achar solução; porque a fila judia, se você já tem um problemas de saúde, e tu ainda fica sofrendo na fila, é complicado (Gestor III).

As falas também evidenciam que o conforto do paciente nos serviços tem se monstrado como uma grande preocupação aos gestores. Nesse sentido, Melo (2006) reforça que é da competência do gestor prover meios para a diminuição das filas e do tempo de espera, manejar os imprevistos, entre outros. O autor também evidencia que, em algumas instituições, a visão de humanização em saúde atrela-se a questões envolvendo a aquisição de melhoria dos equipamentos médicos ou estrutura física dos locais. Vale ressaltar, porém, que pouco contribuem esses aspectos se essas melhorias não estiverem sendo inseridas em um amplo processo de humanização das relações institucionais.

Diante de todo esse contexto, percebe-se que os entrevistados possuem conhecimento acerca de ações humanizadoras, porém essas se focalizam na qualidade do atendimento ao usuário, divergindo da compreensão do Ministério da Saúde que preconiza, na humanização, a valorização dos diferentes sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde, não só o usuário, mas também os gestores e os trabalhadores nas diversas instâncias (BRASIL, 2006).

A valorização do trabalhador mostra-se de suma importância para a oferta de um atendimento de qualidade aos usuários, pois depende, diretamente, do modo de gestão do trabalho, e o trabalhador de saúde é o principal protagonista neste processo (HENNINGTON, 2008).

Percebe-se, nas falas, concomitantemente, que os gestores ainda visualizam, no usuário, um sujeito passivo nas ações, revelando o desconhecimento da corresponsabilidade deste para a consolidação da política de saúde. Diante dessa percepção, cabe ressaltar que a política de humanização prevê a participação ativa dos usuários, entendidos e respeitados não como

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meros frequentadores dos serviços de saúde (FORTES, 2004), mas, sim, como membros participantes dos processos decisórios, contribuindo nas definições de prioridades e avaliação dos serviços e ações nas diversas esferas governamentais, principalmente através da participação em conselhos e conferências de saúde, reafirmando a esfera do controle social e da gestão participativa preconizada pelo SUS (BRASIL, 2009).

Detectou-se o acolhimento, uma das diretrizes de maior importância ética, estética e também política da PNH, como prática de humanização nesses espaços. Conforme o documento Acolhimento nas práticas de produção de saúde, do Ministério da Saúde, o acolhimento contribui para uma maior aproximação e comprometimento entre equipe e serviços, favorecendo avanços na construção de vínculos de responsabilidade entre usuários, trabalhadores e gestores e reafirmando o SUS como uma política essencial para a população (BRASIL, 2006).

Os dados apontam, como incógnita, o conhecimento dos gestores sobre outras práticas de humanização em saúde, o que leva, diante do averiguado, ao entendimento de que a Política Nacional de Humanização da Gestão e Atenção à Saúde ainda é pouco desenvolvida nos municípios analisados.

5 CONCLUSÃO

Pode-se perceber que, entre os gestores entrevistados, existe ainda uma visão reducionista sobre humanização, sendo a mesma entendida como uma política voltada estritamente ao usuário e, mais especificamente, à qualidade do seu atendimento nos diversos serviços.

Revelou-se, ainda, a fragilização do conceito de humanização entre os gestores, pois é remetida a uma ideia de assistencialismo e boa vontade, prestada ao usuário, sujeito passível nas ações.

Dentre as diretrizes da humanização trabalhadas, evidencia-se, fortemente, a diretriz do acolhimento, sendo as demais diretrizes preconizadas timidamente e evidenciadas nas falas.

Ressalta-se a importância de uma transformação de conceitos preestabelecidos da gestão e das práticas desenvolvidas nesses locais para a efetivação do processo de humanização, estimulando o respeito e acolhimento ao próximo e afirmando o usuário como indivíduo ativo e corresponsável nos processos decisórios dos serviços de saúde.

Com base nesses levantamentos, sugerem-se trabalhos voltados à capacitação desses sujeitos quanto à humanização em saúde, conscientizando-os da sua abrangência e da parcela de responsabilidade de usuários, gestores e profissionais, possibilitando, dessa maneira, a elaboração de grupos de discussões como espaços de articulação dos atores para subsidiar a implementação da

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Humanização da Gestão e Atenção da Saúde nos serviços, contribuindo, dessa forma, para a efetivação das diretrizes do Sistema Único de Saúde.

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CiênciasExatas daTerra eEngenharias

CiênciasExatas daTerra eEngenharias

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010

ÁREA DE CIÊNCIAS EXATAS, DA TERRA E ENGENHARIAS

Na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias entre os 65 trabalhos apresentados no evento, 97% foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade, sendo 02 trabalhos de alunos de Iniciação Científica vinculados a outras Instituições de Ensino Superior do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de bolsistas do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC, seguida dos Programas de bolsa de verba externa para pagamentos de bolsas em projetos de pesquisa e Programa PIBIC/CNPq e PROBIC/FAPERGS. Nesta área também se observa a participação de estudantes participantes do Programa PUIC voluntário, dados demonstrados na Figura 03.

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias no XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC

0

5

10

15

20

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PUIC

PIBIC

/CNPq

PROBIC

/FAPERGS

Out

ras B

olsas

PUIC V

OLUNTÁRIO

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados

Nº d

e T

raba

lhos Área de

CiênciasExatas daTerra eEngenharias

Figura 03 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de Iniciação Científica na Área de Ciências Exatas da Terra e Engenharias.

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 39-48, 2010

AVALIAÇAO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARDO, SISTEMA AQUÍFERO GUARANI, RS, BRASIL

Marluce Purper1

Marco Antonio Fontoura Hansen2

Adilson Ben da Costa1

Roberta Cristina Kaufmann1

Ana Paula Wetzel1

Alcido Kirst1

Eduardo A. Lobo1

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a qualidade das águas subterrâneas em áreas de preservação permanente (Sistema Aquífero Guarani – SAG) da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, RS, Brasil, através de variáveis físicas, químicas e microbiológicas. Nove pontos de coleta foram distribuídos ao longo da bacia, nos quais as águas subterrâneas foram classificadas quanto aos íons de maior ocorrência quantitativa. Os resultados indicaram que a maioria dos poços avaliados enquadraram-se na Classe 4 de usos da água, correspondendo a águas de usos menos restritivos (como recreação de contato secundário). Entretanto, deve-se considerar que os aquíferos são caracterizados por diferentes condições geológicas, com características físicas, químicas e biológicas intrínsecas, e também variações hidrogeoquímicas, sendo necessário que as suas classes de qualidade sejam determinadas com base nessas especificidades. As amostras P1, P2, P3, P5 e P9 classificaram-se como bicarbonatadas cálcicas; as águas dos pontos P4, P6, P7 como bicarbonatadas sódicas; e P8 como sulfatada. Verificou-se que a qualidade das águas de poços com profundidade inferior a 6 m está mais vulnerável, devido a alterações antrópicas em função da concentração de nitrato, coliformes totais e termotolerantes, enquanto a qualidade das águas de poços mais profundos depende basicamente de suas características hidrogeológicas e hidrogeoquímicas naturais, em função das variáveis sulfato e sódio.

1 Laboratório de Limnologia. Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, RS Av. Independência, 2293 - Bairro Universitário – Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul – Código Postal: 96815-900 - Brasil. Tel.: +55 (51) 3711-3465 – Fax: +55 (51) 3717-7382. E-mail: [email protected]

2 Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, RS.

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Palavras-chave: Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. RS. Qualidade da água subterrânea. Sistema Aquífero Guarani.

ABSTRACT

The aim of this research was to evaluate the quality of groundwater in areas of permanent preservation (Guarani Aquifer System – GAS) in the Rio Pardo Hydrographical Basin, RS, Brazil, using physical, chemical and microbiological variables. Nine sampling points were distributed throughout the basin, where groundwater was classified according to their quantitative occurrence of ions. The results indicated that most of the wells evaluated were classified in Class 4 of water uses, corresponding to waters with less restrictive uses (such as secondary contact recreation). However, it should be considered that the aquifers are characterized by different geological conditions, with physical, chemical and biological intrinsical characteristics, and also hydrogeochemical variations, requiring that their quality levels are determined based on these specifications. Samples P1, P2, P3, P5 and P9 were classified as calcium bicarbonate, the waters of the points P4, P6, P7 as sodium bicarbonate and P8 as sulfated. It was found that the quality of water from wells with depths less than 6 m are more vulnerable due to anthropogenic activities, as showing by the concentration of nitrate, total and thermotolerant coliforms, while the quality of water from deeper wells basically depends on their hydrogeological and hydrogeochemicalcharacteristics based on the concentration of sodium and sulfate variables.

Keywords: Groundwater quality. Guarani Aquifer System. Rio Pardo Hydrographical Basin. RS.

1 INTRODUÇÃO

O Sistema Aquífero Guarani (SAG) é um dos maiores reservatórios de água subterrânea do mundo, com estimativa de 50 mil km3 de água doce armazenada em uma área total de 1,2 milhão de km2 distribuída em oito estados brasileiros e outros três países (Uruguai, Paraguai e Argentina) (BORGHETTI et al., 2004). Além de conter a maior parte das reservas subterrâneas, o Brasil também conta com muitas áreas de recarga, responsáveis pelo reabastecimento deste aquífero amplamente compartimentado por sistemas de falhas, o que aumenta ainda mais a responsabilidade brasileira em evitar a contaminação deste aquífero. Apesar disso, e da recomendação de que as zonas de recarga de um aquífero sejam consideradas áreas de proteção permanente, tem-se constatado que as culturas de cana-de-açúcar, soja e milho representam as principais atividades responsáveis pelos casos de contaminação do SAG em território brasileiro (DANTAS et al., 2009; COUTINHO, 2005).

O conceito de qualidade da água é função das condições naturais (escoamento superficial e infiltração no solo), e do uso e da ocupação do solo

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(despejos domésticos ou industriais e aplicação de agrotóxicos no solo) em bacias hidrográficas. Os componentes que alteram o grau de pureza da água são retratados pelas suas características físicas, químicas e biológicas, que são traduzidas como parâmetros de qualidade da água (SPERLING, 2005).

Ainda, pela sua própria natureza, as concentrações de substâncias presentes nas águas subterrâneas são extremamente dependentes do tipo de rocha, solo e/ou estruturas a que estão subordinadas e do tempo de residência da água no aquífero. Desse modo, em determinadas regiões, águas subterrâneas com o teor de um determinado metal acima do considerado normal, para outras regiões, podem estar perfeitamente dentro de uma composição considerada perfeitamente aceitável para aquela determinada região. De maneira geral, devido à ação filtradora lenta, através das camadas permeáveis, velocidade, da ordem de cm dia-1, as águas subterrâneas deveriam apontar baixos teores de cor, turbidez e isenção de bactérias encontradas em águas superficiais, a não ser que sejam atingidas por alguma fonte poluidora (FREITAS, 1997).

Essa realidade não é diferente no Vale do Rio Pardo, na região central do Estado do Rio Grande do Sul, onde, apesar da ausência de estudos sistemáticos referentes à contaminação da água subterrânea por agrotóxicos e fertilizantes, as zonas de recarga situam-se junto às nascentes dos rios Pardo e Pardinho, regiões de intensa atividade agrícola destacando-se as culturas de fumo e milho.

Nesse contexto, este estudo teve por objetivo avaliar a qualidade das águas subterrâneas nesta bacia, através de variáveis físicas, químicas e microbiológicas, permitindo assim discutir a questão da vulnerabilidade e proteção dos recursos hídricos subterrâneos.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de Estudo/Amostragem

As unidades litológicas aflorantes na bacia hidrográfica do rio Pardo pertencem à parte da sucessão da Bacia do Paraná. Da base para o topo ocorrem o Grupo Rosário do Sul, representado pelas formações Sanga do Cabral, Santa Maria e Caturrita, e o Grupo São Bento, com as formações Botucatu, Serra Geral Facies Gramado e Serra Geral Facies Caxias do Sul sobreposta por depósitos Neogênicos colúvios-aluviais e aluviais (CPRM, 2008) (Figura 1).

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Figura 1. Mapa Geológico bacia hidrográfica do Rio Pardo com pontos de coletas das amostras de água (adaptado de CPRM, 2008).

Ao todo, nove pontos de coleta foram identificados, sendo considerada, dentre os critérios utilizados para localização dos mesmos, a necessidade de que estes locais fossem distribuídos em diferentes contextos geológicos da região, como pode ser observado na Figura 2, possibilitando assim a compreensão do comportamento qualitativo destas águas em cada situação. Foram realizadas cinco campanhas de coleta, que ocorreram nos meses de julho, agosto, setembro, outubro e dezembro de 2009.

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Figura 2. Localização das estações de amostragem de água na Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, RS.

As técnicas utilizadas na coleta das amostras, e para as determinações físicas, químicas e microbiológicas, encontram-se descritas no Americam Public Health Association (2005). Na avaliação da qualidade da água utilizou-se a Resolução n° 396 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 2008), destacando a Tabela 1 que apresenta os usos indicados em cada classe da referida Resolução.

Tabela 1. Classificação das águas subterrâneas através dos usos (CONAMA, 2008).

Classe Classificação e destino das águas subterrâneas Especial Preservação de ecossistemas em unidades de conservação de proteção integral e as que

contribuam diretamente para os trechos de corpos de água superficial enquadrados como classe especial.

Classe 1 Águas subterrâneas sem alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, e que não exigem tratamento para quaisquer usos preponderantes, devido às suas características hidrogeoquímicas naturais.

Classe 2 Águas subterrâneas sem alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, e que podem exigir tratamento adequado, dependendo do uso preponderante, devido às suas características hidrogeoquímicas naturais.

Classe 3 Águas subterrâneas com alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, para as quais não é necessário o tratamento em função dessas alterações, mas que podem exigir tratamento adequado, dependendo do uso preponderante, devido às suas características hidrogeoquímicas naturais

Classe 4 Águas subterrâneas com alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, e que somente possam ser utilizadas, sem tratamento, para o uso preponderante menos restritivo (como recreação de contato secundário).

Classe 5 Águas subterrâneas que possam estar com alteração de sua qualidade por atividades antrópicas, destinadas a atividades que não tenham requisitos de qualidade para uso.

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As variáveis consideradas nesta avaliação bem como os valores limites (VMP – Valor Máximo Permitido) para os usos preponderantes, segundo o Decreto Estadual 12.486, de 20 de outubro de 1978 (SÃO PAULO, 1978), foram alcalinidade de bicarbonatos, alcalinidade de carbonatos e de hidróxidos. Determinaram-se os limites dos parâmetros alumínio, cloro residual livre, coliformes termotolerantes e totais, ferro, manganês, nitrato, nitrogênio amoniacal, pH, sódio, sulfato e sólidos totais dissolvidos (STD), segundo a Portaria nº 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004). O limite considerado para fluoretos teve como base a Portaria nº 10, de 16 de agosto de 1999, da Secretaria Estadual da Saúde (RIO GRANDE DO SUL, 1999), considerada a mais restritiva.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

De forma geral, os resultados das determinações físicas, químicas e microbiológicas, nos meses de julho a dezembro de 2009, indicaram que os pontos de coleta apresentam uma alta variabilidade espacial e temporal da estrutura ambiental, destacando-se a Classe 4 de usos da água, que corresponde às águas de má qualidade, basicamente em função das variáveis coliformes totais, coliformes termotolerantes e turbidez, como se pode observar na média dos resultados obtidos, conforme Tabela 2.

Tabela 2. Média (± desvio-padrão) dos resultados obtidos para cada estação de amostragem de julho a dezembro de 2009.

Parâmetros P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 A.B. 18,55 50,23 101,48 87,00 119,68 10,63 8,48 117,60 7,23

(desvio-padrão) (±3,21) (±2,83) (±17,73) (±14,63) (±34,29) (±3,67) (±1,57) (±0,00) (±0,25) A.C. 0,00 0,00 0,00 0,00 8,45 0,00 0,00 13,00 0,00

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±7,07) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) A.H. 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) Alumínio 1,02 2,90 0,18 9,93 0,11 0,21 0,10 0,10 0,20

(desvio-padrão) (±0,39) (±2,07) (±0,11) (±5,72) (±0,09) (±0,16) (±0,10) (±0,00) (±0,15) Cálcio 4,28 4,30 9,95 4,73 44,50 3,05 2,95 30,70 3,87

(desvio-padrão) (±0,94) (±1,19) (±6,69) (±0,57) (±25,06) (±0,48) (±1,20) (±0,00) (±0,30) C. Termo. 8,00 8,00 6,20 8,00 8,00 1,85 0,00 0,00 1,10

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±2,70) (±0,00) (±0,00) (±1,31) (±0,00) (±0,00) (±0,78) C. Totais 8,00 8,00 6,87 8,00 4,55 8,00 0,00 0,00 5,30

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±1,70) (±0,00) (±3,98) (±5,66) (±0,00) (±0,00) (±4,08) Cl res. Livre 0,06 0,07 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05

(desvio-padrão) (±0,01) (±0,02) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) C. E. 92,95 117,45 246,45 252,25 317,28 99,05 105,30 3500 132,47

(desvio-padrão) (±7,56) (±5,37) (±57,35) (±37,68) (±79,95) (±37,74) (±4,05) (±0,00) (±18,88) Ferro 0,59 1,36 0,13 7,10 0,05 0,09 0,02 0,05 0,08

(desvio-padrão) (±0,21) (±0,67) (±0,12) (±2,65) (±0,03) (±0,09) (±0,00) (±0,00) (±0,03) Fluoreto 0,28 0,08 0,32 0,23 0,25 0,13 0,14 1,60 0,09

(desvio-padrão) (±0,32) (±0,01) (±0,13) (±0,16) (±0,27) (±0,16) (±0,15) (±0,00) (±0,01) Magnésio 2,48 4,33 6,33 9,33 3,50 1,80 1,65 10,00 3,77

(desvio-padrão) (±0,44) (±0,54) (±1,43) (±1,36) (±0,64) (±0,48) (±0,39) (±0,00) (±0,66) Manganês 0,02 0,02 0,02 0,04 0,05 0,04 0,03 0,04 0,08

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,02) (±0,02) (±0,01) (±0,01) (±0,00) (±0,07) Mat. Org. 2,00 2,07 2,00 9,73 4,00 3,80 2,00 2,0 2,00

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,10) (±0,00) (±1,41) (±1,41) (±2,70) (±0,00) (±0,00) (±0,00) Nitrato 8,40 3,23 5,08 8,60 7,70 8,40 8,78 0,60 6,9

(desvio-padrão) (±6,48) (±2,70) (±4,49) (±6,66) (±6,62) (±6,68) (±6,57) (±0,00) (±6,08)

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Parâmetros P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 N.amoniacal 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 0,57 0,50 0,5 0,50

(desvio-padrão) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,00) (±0,10) (±0,00) (±0,00) (±0,00) Ph 6,37 7,46 7,46 7,30 7,98 5,25 6,10 7,72 6,07

(desvio-padrão) (±0,90) (±0,32) (±0,55) (±0,26) (±0,16) (±1,06) (±0,46) (±0,00) (±0,62) Potássio 1,00 0,50 10,63 11,48 1,95 0,43 3,33 3,00 5,07

(desvio-padrão) (±0,12) (±0,04) (±18,47) (±1,67) (±0,18) (±0,21) (±0,20) (±0,00) (±0,55) Salinidade 48,23 64,03 131,43 140,20 165,70 42,80 57,23 436,00 97,57

(desvio-padrão) (±25,43)

(±36,41)

(±69,32) (±79,42) (±91,72) (±21,90) (±31,42)

(±0,00) (±31,48)

STD 67,4 85,16 178,71 182,88 230,03 71,71 76,35 853,10 95,89 (desvio-padrão) (±5,49) (±3,89) (±41,56) (±27,32) (±57,97) (±27,41) (±2,95) (±0,00) (±13,43)

Sódio 4,15 4,58 11,66 45,38 12,18 7,33 8,25 951,80 7,20 (desvio-padrão) (±0,34) (±0,33) (±9,58) (±62,96) (±2,19) (±1,29) (±0,56) (±0,00) (±0,84)

Sulfato 5,56 10,88 10,15 3,60 13,48 4,25 1,00 2537,50 2,40 (desvio-padrão) (±2,11) (±4,05) (±9,77) (±2,65) (±4,36) (±1,76) (±0,00) (±0,00) (±1,97)

Turbidez 15,23 28,73 3,89 100,4 3,40 7,95 5,37 2,78 5,71 (desvio-padrão) (±1,49) (±11,78

)(±3,40) (±25,81) (±2,63) (±3,64) (±3,66) (±0,00) (±4,38)

Classe 4 4 4 4 4 4 2 4 4

Onde: A.B. - Alcalinidade bicarbonatos; A.C. - Alcalinidade carbonatos; A.H. - Alcalinidade hidróxidos; Cl res. livre – Cloro residual livre; C.Termo. – Coliformes termotolerantes (NMP 100 mL-1); C. Totais – Coliformes totais (NMP 100 mL-1); C. E. - Condutividade elétrica; Mat. Org. – Matéria orgânica; N. amoniacal – Nitrogênio amoniacal; STD – Sólidos totais dissolvidos. Unidades em mg L-1, exceto para C.Termotolerantes e C. Totais.

Quanto aos resultados para coliformes termotolerantes, as estações de amostragem de poços rasos (< 6 m) (P1, P2, P4, P5 e P6), enquadraram-se na Classe 4 (Figura 3), destacando que a resolução 396/2008 do CONAMA define que a ausência de coliformes é o limite para diferenciar a Classe 4 das outras. Da mesma forma, as estações de amostragem P3 e P9, de poços profundos (> 6 m), enquadraram-se na Classe 4.

Figura 3. Avaliação da qualidade da água utilizando os valores médios (± desvio-padrão) de coliformes termotolerantes, nos pontos de coleta em poços > 6 m e < 6 m, distribuídos ao longo da bacia hidrográfica do rio Pardo, RS, Brasil.

Devido às atividades antrópicas comprometerem significativamente os aquíferos da região, apresenta-se a seguir as fontes potenciais de contaminação identificadas durante o desenvolvimento deste estudo:

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a) Perfuração de poços sem a elaboração de projetos construtivos, anotação de responsabilidade técnica e registro do poço junto aos órgãos competentes. A inadequada construção, sem vedação sanitária, de poços rasos (P1, P2, P4, P5 e P6) pode torná-los fontes pontuais de contaminação das águas subterrâneas pela conexão direta que eles proporcionam entre a superfície e as porções mais rasas do aquífero com as partes mais profundas.

b) O uso de insumos agrícolas, como agrotóxicos e fertilizantes, tem grande potencial de contaminação difusa. Valores elevados desta variável foram observados nos meses de julho e agosto (P1, P4, P5, P6, P7 e P9), meses em que houve menor volume de chuvas.

Na sua forma natural, as principais restrições ao consumo, identificadas neste estudo, foram:

a) Problemas localizados de elevada dureza e/ou sólidos totais dissolvidos nas regiões de ocorrência de lentes de rochas calcárias, como, por exemplo, no ponto P5 localizado na Formação Santa Maria.

b) Elevados valores de sólidos totais dissolvidos nas porções mais profundas dos aquíferos, especialmente nas partes confinadas das bacias sedimentares, como é o caso do P8, localizado em sistema de depósitos aluviais.

c) Ocorrência natural nas rochas de minerais cuja dissolução, localmente, gera águas com concentrações acima do padrão de potabilidade. É o caso do ferro e do alumínio nos pontos P1, P2 e P4. Este fato também pode ocasionar um aumento na turbidez, visto que no caso do excesso de ferro pode produzir uma cor amarelada à água. Diversos estudos realizados no Estado do Rio Grande do Sul (LOBO et al., 2000; COSTA et al., 2004) têm mostrado elevados valores de íons fluoreto nas águas subterrâneas. Nesta pesquisa observou-se excesso desse mineral apenas no ponto denominado P8 (ponto amostrado apenas no mês de julho de 2009).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo indicaram que a qualidade das águas dos poços com profundidade inferior a 6 metros apresentam-se, de fato, mais vulneráveis devido a alterações antrópicas, condição evidenciada a partir das variáveis coliformes totais, coliformes termotolerantes, nitrato e turbidez, cujas concentrações impossibilitam a utilização destas águas para usos preponderantes. As elevadas concentrações de turbidez ocorreram basicamente pelo excesso de chuvas ocorrido no período de setembro a dezembro de 2009, fator também significativo na alteração da variável nitrato, diminuindo sua concentração neste período por efeito da diluição. Entretanto, as elevadas concentrações de ferro e alumínio seriam características naturais de dissolução de rochas.

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Já a qualidade das águas de poços profundos depende basicamente de suas características hidrogeológicas e hidrogeoquímicas naturais, em função das variáveis salinidade, sódio e sulfato. Contudo, estas águas também apresentaram contaminação por atividades antrópicas, basicamente em função das elevadas concentrações de nitrato, nos meses de julho e agosto de 2009 nos pontos P1, P4, P5, P6, P7 e P9, e coliformes termotolerantes, P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P9.

REFERÊNCIAS

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Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 49-57, 2010

BIORREMEDIAÇÃO IN SITU COM PERÓXIDOS SÓLIDOS E SURFACTANTE DE SOLOS CONTAMINADOS

Tiago Bender Wermuth1

Diosnel Antonio Rodriguez Lopez2

RESUMO

O presente trabalho objetiva avaliar o uso de peróxidos sólidos com a adição de sais de fosfato, nitrogênio e surfactante na biorremediação de solos contaminados por derivados de petróleo. Para isso, coletou-se uma amostra do solo contaminado durante os trabalhos de recuperação de uma área de um posto de gasolina. A mesma foi colocada em uma caixa de PVC, dividida em duas partes. Uma parte foi tratada por meio da adição de peróxido de cálcio, surfactante e superfosfato (fonte de nutrientes). Já a outra recebeu a aplicação de somente peróxido de cálcio e superfosfato. Os resultados do tratamento deste solo foram monitorados semanalmente por meio de medidas da umidade, pH e temperatura. A descontaminação do solo foi acompanhada pela análise dos compostos Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno, Xileno, TPH-GRO (Gasoline Range Organics), TPH-ORO (Oil Range Organics) e TPH-DRO (Diesel Range Organics), segundo as normas USEPA 8015D, USEPA 5021A, USEPA 8021B. Os valores mostram que o solo tratado com peróxido de cálcio, surfactante e superfosfato tiveram resultados semelhantes ao lado em que não continha o surfactante.

Palavras-chave: Biorremediação. Peróxido de Cálcio. Surfactante. Superfosfato.

ABSTRACT

The present work aims to evaluate the use of solid calcium peroxides along with addiction of phosphate salts, nitrogen and surfactant on bioremediation of soils contaminated by petroleum derivates. It was collected a sample of contaminated soil, during the recovery work of a gas station area. It was located in a PVC box, divided in two parts. One part was treated with the addiction of calcium peroxide, surfactant and superphosphate (source of nutrients). The other received the application of calcium peroxide and superphosphate only. The results of the treatment of this soil were weekly monitored, through the humidity parameters values, the pH and

1 Graduando em Engenharia Ambiental – UNISC, Bolsista PROBIC- FAPERGS; e-mail: [email protected].

2 Doutor em Engenharia de Materiais, Metalurgia e Meio Ambiente-Berlim-Alemanha, Professor do Departamento de Engenharia, Arquitetura e Ciências Agrárias e do PPGTA, UNISC; e-mail: [email protected].

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Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

temperature follow up. The analysis of the Benzene, Toluene, Ethylbenzene, Xylene,TPH-GRO ( Gasoline Range Organics), TPH-ORO ( Oil Range Organics) and TPH-DRO ( Diesel Range Organics) compounds were performed at the Analytical Solutions Laboratory of the Veritas Bureau Group of São Paulo, SP, Br, according to the USEPA 8015D, USEPA 5021A, USEPA 8021B rules. The values shown that the soil treated with calcium peroxide, surfactant and superphosphate had similar reductions to the side without surfactant.

Keywords: Bioremediation. Calcium Peroxide. Surfactant. Superphosphate.

1 INTRODUÇÃO

Os crescentes problemas de contaminação de solo por hidrocarbonetos em postos de distribuição de combustíveis vêm sendo alvo de inúmeras pesquisas. Esse tipo de contaminação é muito preocupante uma vez que esses hidrocarbonetos podem se espalhar por grandes extensões, carregados pelas águas subterrâneas, comprometendo a qualidade desse recurso e a do solo. A aplicação de técnicas de biorremediação vem se destacando como uma das estratégias mais promissoras e eficazes ao tratamento de solos contaminados por hidrocarbonetos de petróleo.

Nesse sentido, o presente trabalho objetiva avaliar o uso de peróxidos sólidos de cálcio, juntamente com a adição de sais de fosfato, nitrogênio e surfactante, na biorremediação de solos contaminados por derivados de petróleo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A contaminação de solos por hidrocarbonetos derivados de petróleo vem se constituindo um desafio para profissionais que atuam na área de saneamento ambiental, uma vez que os fenômenos geoquímicos e bioquímicos são complexos e aqueles são catalisados a partir de sua inserção no subsolo.

Quando os combustíveis atingem o solo, seus componentes separam-se em três fases: dissolvida, líquida e gasosa. Uma pequena fração dos componentes da mistura se dissolve na água do lençol freático, uma segunda porção é retida nos espaços porosos do solo na sua forma líquida pura como saturação residual e outra parte dos contaminantes passíveis de evaporação dão origem à contaminação atmosférica (NADIM et al., 1999).

Essa complexidade de contaminação também se deve a uma ampla utilização de diferentes composições de produtos com distintas propriedades, cuja principal característica é a baixa solubilidade e a pouca persistência do solo. Combustíveis como a gasolina e o óleo diesel têm na sua composição os hidrocarbonetos monoaromáticos, como o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos, chamados coletivamente de compostos BTEX. Os mesmos são os constituintes que têm maior

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Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

solubilidade em água e, portanto, são os contaminantes com maior potencial de poluir o lençol freático.

Nesse caso, a técnica da biorremediação passa a ser uma alternativa eficiente, pois baseia-se na utilização de micro-organismos para transformar os poluentes em substâncias com pouca ou nenhuma toxicidade.

Para Alexander (1999),

a eficiência desta técnica consiste na capacidade dos degradadores microbianos inoculados ou endógenos permanecerem ativos no ambiente natural. Assim, aumentar a capacidade dos micro-organismos degradadores inoculados por meio da bioaumentação ou promover a atividade dos micro-organismos degradadores endógenos por bioestimulação poderia melhorar esta eficiência.

Na bioestimulação, o solo é alterado com nutrientes adicionados, contendo principalmente nitrogênio e fósforo ou fontes de biossurfactantes conhecidos por melhorar a biodisponibilidade dos TPH no local, assim, aumentando a eficiência de biorremediação.

3 METODOLOGIA

O solo contaminado por hidrocarbonetos utilizado na realização do presente trabalho foi coletado durante os trabalhos de recuperação de uma área de um posto de gasolina no município de Porto Alegre. O solo coletado foi acondicionado em uma caixa de PVC, a qual foi dividida em duas partes, de modo que os testes permitissem a comparação entre a eficiência dos processos utilizados. Na primeira parte, identificada como lado F, foram adicionadas soluções contendo surfactante CTBA (546 mgl-1, equivalente a 110% da sua Concentração Miscelar Crítica (CMC), soluções de peróxido de cálcio (10% vol/vol) e o superfosfato (5 gl-1). Já na segunda parte, identificada como lado T, utilizou-se somente peróxido de cálcio e superfosfato nas concentrações já citadas. A Figura 1 ilustra o sistema montado. O desenvolvimento dos micro-organismos nos solos foi monitorado através da contagem das Unidades Formadoras de Colônia (UFC), Bactérias e Fungos, realizada no Laboratório de Diagnóstico Fitossanitário e Consultoria de Porto Alegre/RS. A descontaminação do solo foi acompanhada pela análise dos compostos Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno, Xileno, TPH-GRO (Gasoline Range Organics), TPH-ORO (Oil Range Organics) e TPH-DRO (Diesel Range Organics), segundo as normas USEPA 8015D, USEPA 5021A, USEPA 8021B. Para essas análises, amostras de solo foram retiradas em intervalos de no mínimo 30 dias. A duração total dos ensaios foi de 250 dias.

52

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

4 RESULTADOS

O presente trabalho foi desenvolvido entre agosto de 2009 e julho de 2010, com temperatura média do solo de 17ºC. O pH médio foi monitorado nas duas partes do sistema, onde, no lado identificado como F, se teve 7,55 durante o período de tratamento de 250 dias. Já o pH médio encontrado na outra parte, identificada como lado T, foi de 7,8. Durante a realização dos ensaios, observou-se um aumento dos valores de pH, com a aplicação de peróxido de cálcio. O ajuste e a manutenção do pH durante o processo de biorremediação é de extrema importância, visto que a maioria dos micro-organismos desenvolvem-se melhor com pH 7,0. Hoffman & Viedt (1998) reportam que pHs na faixa de 5,5 - 8,5 são ideais para a biodegradação de TPH em solos.

Os resultados da contagem das unidades formadoras de colônia (UFC) de bactérias e fungos, com a presença de surfactante, se encontram detalhados na Tabela 1.

Tabela 1: Resultados da quantidade de bactérias e fungos presente no solo com a presença de surfactante.

Na Tabela 1, pode-se observar que a população de bactérias apresentou crescimento significativo em relação à amostra bruta no intervalo de tempo de 30 dias, apresentando uma redução com o aumento do tempo de ensaio. O número final de bactérias após 220 dias de ensaios foi de 3x106 UFC.g-1. Esses resultados demonstram que as condições introduzidas no solo promoveram a bioaumentação das bactérias presentes no solo utilizado, ou seja, a adição de nutrientes e do peróxido como fonte de oxigênio beneficiou a multiplicação dos micro-organismos, os

Amostra de solo

Contaminado

UFCg-1

de Bactérias

UFCg-1

de Fungos

Bruto 1 x 107 <5000

Após 30 dias 2 x 108 1 x 1010

Após 60 dias 1 x 107 1 x 1010

Após 160 dias 4 x 105 Não realizado

Após 220 dias 3 x 10 6 2 x 103

Figura 1: Divisão do conteúdo da caixa. Fonte: Registro do autor, 2010.

53

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

quais utilizam o oxigênio dissolvido dos peróxidos sólidos e os nutrientes, assim como os hidrocarbonetos como fonte de carbono, refletindo-se em um aumento da população microbiológica. A redução do número de bactérias presentes no solo pode estar associada a uma redução de substrato disponível para o desenvolvimento dos mesmos, uma vez que a adição de nutrientes e de peróxido continuou nesse período.

Além das bactérias, os fungos desenvolveram um importante papel na degradação dos hidrocarbonetos presentes no solo. Em relação à contagem das UFC dos fungos, realizada na amostra bruta do solo estudado, notou-se que a mesma apresenta um número inicial baixo. Após a aplicação das soluções verificou-se um aumento significativo de fungos presentes no solo (<5000 UFC.g-1). Nos primeiros 90 dias monitorados, observa-se que a concentração de fungos presentes no solo foi a mesma. Quanto à análise realizada ao final do período de monitoramento, observou-se que houve um aumento na quantidade de fungos. Esse aumento pode estar associado ao tipo de substrato presente nesta etapa do trabalho. Após 150 dias de testes grande parte do substrato mais biodegradável (moléculas de baixo peso molecular) já foram consumidas, restando compostos com pesos moleculares maiores, as quais estariam sendo utilizadas pelos fungos, levando a um aumento da população dos mesmos.

Em relação aos compostos BTEX, os resultados estão apresentados na Figura 2, a qual mostra a redução da concentração desses compostos ao longo do tratamento.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

0 30 60 160 250

Tempo (Dias)

Con

cent

raçõ

es (m

g.kg

-1)

BenzenoToluenoEtilbenzenoXileno

Figura 2: Resultados BTEX do solo contaminado utilizando surfactante

As concentrações encontradas após os 60 dias de monitoramento mostraram um aumento nas concentrações do Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno e Xilenos. Esse aumento pode estar relacionado à heterogeneidade do solo.

Ao final do monitoramento observou-se uma grande redução na concentração desses compostos, atingindo uma taxa de degradação de 100%, 100%, 93,04% e 94,36% para o Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno e Xilenos, respectivamente. Os valores obtidos atingiram uma concentração abaixo dos valores orientadores da

54

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

Resolução nº 420/2009, do CONAMA, que estabelece critérios e valores para a qualidade do solo.

Em relação à degradação dos TPHs, os resultados são expressos na Figura 3.

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 30 60 160 250

Tempo (Dias)

Con

cent

raçõ

es (m

g.kg

-1)

TPH -DRO (mg/kg)

TPH-GRO (mg/kg)

TPH-ORO (mg/kg)

TPH-Total (mg/kg)

Figura 3: Resultados dos TPHs no solo contaminado utilizando surfactante.

Os resultados apresentados acima mostram uma redução na concentração dos compostos TPH – DRO, ORO e Total. De acordo com os valores obtidos, a remoção do TPH – GRO foi mais eficiente se comparada aos demais compostos, em função de o mesmo apresentar uma maior solubilidade em água.

Em relação aos 60 dias de amostragem, observou-se um aumento nas concentrações dos compostos, o qual também poderia estar associado à heterogeneidade do solo. Ao final do monitoramento, as taxas de degradação dos TPH GRO e DRO foram de 86,16% e 27% respectivamente. Da figura, também pode ser observado que o TPH-ORO não apresentou redução. Isso pode estar associado ao tamanho desses compostos, que se constitui de moléculas grandes, dificultando a sua degradação. A partir desses valores, pode-se ressaltar que a degradação do TPH – GRO foi mais rápida se comparada aos demais compostos, uma vez que estaria associada ao baixo peso molecular que o TPH – GRO apresenta, o que o torna mais favorável à biodegradação.

Os resultados da contagem das Unidades Formadoras de Colônias (UFC) de bactérias e fungos para os 220 dias monitorados no solo sem adição de surfactante estão apresentados na Tabela 2.

55

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

Tabela 2: Resultados da quantidade de bactérias e fungos presentes no solo sem a presença de surfactante.

Com relação ao desenvolvimento das bactérias, as análises realizadas no solo demonstraram variações ao longo do período de monitoramento. A população de bactérias apresentou um aumento após 30 dias de testes, após o qual mostra uma pequena redução, porém se mantendo constante até o final do teste. Comparado com os resultados obtidos no solo com adição de surfactante, a população de bactérias desse solo se mostrou mais elevada, o que poderia indicar que o surfactante possui efeitos negativos sobre a população de bactérias. Assim, como já tinha sido descrita anteriormente, a redução no número de micro-organismos pode estar associada a uma redução no substrato disponível no solo, uma vez que a adição de peróxido de cálcio juntamente com o superfosfato continuou nesse período.

Com relação à contagem das UFC dos fungos, verifica-se que após 30 dias de aplicação da solução houve um aumento significativo na população desses micro-organismos presentes no solo. Após 160 dias de testes, a população de fungos mostrou uma redução importante, a qual estaria associada à redução dos compostos mais facilmente degradados por esses micro-organismos presentes no solo.

Em relação aos compostos BTEX presentes no solo, os resultados são apresentados na Figura 4.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

0 30 60 160 250

Tempo (Dias)

Con

cent

raçõ

es (m

g.kg

-1)

BenzenoToluenoEtilbenzenoXileno

Figura 4: Resultados BTEX do solo contaminado sem surfactante

Amostra de solo

Contaminado

UFCg-1

De Bactérias

UFCg-1

de Fungos

Bruto 1 x 107 < 5000

Após 30 dias 1 x 108 3 x 1010

Após 60 dias 2 x 107 1 x 1010

Após 160 dias 1 x 105 Não realizado

Após 220 dias 2 x 107 5 x 102

56

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

Na amostra enviada para análise após os 30 dias de tratamento sem a presença de surfactante, foi observado um aumento na concentração de alguns compostos que compõem o BTEX, como o benzeno, tolueno e o etilbenzeno. O xileno foi o único composto que apresentou uma redução nesse intervalo de tempo. Em relação à amostra enviada após os 160 dias de monitoramento, observou-se uma redução significativa na concentração dos compostos BTEX. A taxa de remoção foi de 80,8% para o benzeno, 100% para o tolueno, 12,83% para o etilbenzeno e 30,7% para os xilenos.

Ao final do período de monitoramento, observou-se reduções importantes desses compostos, ficando as mesmas na ordem de 100%, 100%, 93,58% e 93,52% para o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno, respectivamente. Esses compostos apresentaram comportamento semelhante nos ensaios sem uso de surfactante.

Em relação à redução da concentração dos TPHs (DRO – GRO e ORO), os resultados se encontram detalhados na Figura 5.

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 30 60 160 250

Tempo (Dias)

Con

cent

raçõ

es (m

g.kg

-1)

TPH-DRO (mg/kg)TPH-GRO (mg/kg)TPH-ORO (mg/kg)TPH-Total (mg/kg)

Figura 5: Resultados dos TPHs no solo contaminado sem surfactante.

No intervalo de 0 - 160 dias de testes, não foi observada redução da concentração desses compostos. Após 250 dias de testes, o TPH – GRO apresentou uma taxa de remoção de 91%, o que poderia estar associada à biodegradabilidade desses compostos em função do tamanho de suas moléculas. Nesse período de testes, os compostos do TPH-DRO e Total também mostraram reduções de 32 e 23%, respectivamente. Quanto aos compostos do TPH – DRO e ORO, os mesmos apresentaram uma redução importante de suas concentrações, fato esse de grande importância visto que os mesmos têm por característica possuir grandes cadeias moleculares, dificultando, assim, a degradação desses compostos por parte dos micro-organismos.

57

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 49-57, 2010.

5 CONCLUSÃO

A partir dos resultados obtidos ao longo do período de tratamento, observou-se que o lado no qual se tinha adicionado o peróxido de cálcio com o surfactante e nutrientes ocorreram reduções semelhantes dos compostos BTEX e TPHs no solo no qual não se fez o uso de um composto para liberar o contaminante do solo. Nos dois sistemas pesquisados, os valores de BTEX foram reduzidos abaixo dos padrões recomendados pela normativa do CONAMA 420/2009 para solos contaminados.

Em relação aos compostos do TPH, para ambas as partes do sistema analisado, observou-se que, primeiramente, foram consumidos aqueles compostos que apresentaram cadeias menores de carbono (TPH-GRO), e, posteriormente, os compostos TPH-DRO e o TPH-ORO apresentaram uma menor taxa de degradação em função das suas maiores cadeias de carbono.

O oxigênio liberado associado aos nutrientes aplicados no solo gerou, ao longo do trabalho de pesquisa, oscilações na quantidade de micro-organismos, tanto fungos como bactérias.

REFERÊNCIAS

ALEXANDER, M. In: Biodegradation and Bioremediation. 2nd ed., San Diego, U.S.A., AcademicPress, 1999, p. 453

CONAMA – CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, Resolução nº 420, de 28 de Dezembro de 2009 – Dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas.

HOFFMANN, J.; VIEDT, H. Biologische Bodenreinigung Leitfaden für die Praxis.Berlin: Springer, 1998.

NADIM, F.; HOAG, G. E.; LIU, S.; CARLEY, R. J.; ZACK, P. Detection and remediation of soil and aquifer systems contaminated with petroleum products: an overview. J. of Petrol Sci. and Eng., v.26, p.169-178, 1999.

�Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

EPOXIDAÇÃO QUIMIO-ENZIMÁTICA DE ÓLEO DE GIRASSOL

E CANOLA BRUTOS VISANDO O EMPREGO EM PROCESSOS

DE USINAGEM

Manuella Schneider1,

Rosana de Cassia de Souza Schneider1-2

,

André Luiz Klafke2

,

Wolmar Alípio Severo Filho1

RESUMO

Os processos de transformação em oleoquímica utilizando biocatalisadores

são alternativas para utilização de metodologias mais limpas e para a realização

de conversões mais seletivas. Neste trabalho investigou-se a produção de

ésteres metílicos epoxidados provenientes dos óleos de girassol e canola

visando a sua utilização na formulação de fluidos utilizados em usinagem. O

sistema catalítico quimio-enzimático de epoxidação foi mediado pela lipase de

Candida antarctica B (CALB -1000 u/g) e peróxido de hidrogênio 30% (v/v). Os

resultados obtidos a partir das análises de RMN 1

H, CG-EM e Índice de iodo

mostraram que a conversão chegou à >99% após 24 h de reação utilizando

ésteres metílicos dos óleos brutos. Os produtos obtidos a partir do óleo de

canola e de girassol brutos apresentam-se em condições de testagem em

formulações para usinagem.

Palavras-chave: Epóxidos. Biocatálise. Girassol. Canola.

ABSTRACT

The oleochemical transformation processes using biocatalysts are

alternatives to the use of cleaner methodologies and for performing more

selective conversions. In this study we investigated the production of

epoxidized methyl esters from sunflower and canola oils for their application in

the formulation of fluids used in machining. The catalytic system of chemo-

enzymatic epoxidation was mediated by lipase from Candida antarctica B (CALB

-1000 u / g) and hydrogen peroxide 30% (v / v). The results obtained from the

analysis of NMR 1

H, GC-MS and iodine value showed that the conversion

reached > 99% after 24 h of reaction using methyl esters of crude oils. The

�����������������������������������������������������������

1

Departamento de Química e Física – Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil,

[email protected]

2

Programa de Pós-graduação em Tecnologia Ambiental – Universidade de Santa Cruz do Sul,

RS, Brasil.

59

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

products obtained from canola and sunflower crude oil present testing

conditions in the machining formulation.

Keywords: Epoxides. Biocatalysis. Sunflower. Canola.

1 INTRODUÇÃO

As preocupações com o meio ambiente e a crescente poluição fazem com

que estudos de novos processos tenham uma atenção maior visando a

utilização de tecnologias mais limpas. Uma importante alternativa para

obtenção de vários produtos, diminuindo o impacto ambiental são os processos

biocatalíticos, particularmente o uso de enzimas.

As enzimas são geralmente protéicas e a maioria produzida pela

fermentação em um material de base biológica. (LOUWRIER, 1998) Milhares

de enzimas que possuem substratos específicos são conhecidas, porém,

somente uma pequena quantidade tem sido isolada na forma pura, assim como

há pouco conhecimento de sua estrutura e função. (HASAN, 2005)

Os benefícios oferecidos pelas enzimas são especificidade, condições

suaves e redução de perdas. Pode ser possível, escolhendo a enzima correta,

controlar quais substâncias produzir. Dessa forma, a planta industrial concebida

para realizar reações quimio-enzimáticas pode ser construída e operada com

menor investimento e menos custo com energia e tratamento de resíduos.

(HASAN, 2005)

Em 1856, Claude Bernard descobriu lipases no suco pancreático, mas elas

somente foram usadas de forma isoladas em processos industriais em 1908,

por Rohm em tratamentos de couro e em 1911, por Wallterstein na produção

de cerveja. (HASAN, 2005; CHEETAM, 1995)

Conforme as regras oficiais de classificação, as enzimas são divididas em

seis grupos de acordo com tipo de reação que catalisam. As lipases constituem

um importante e valorizado grupo, principalmente por causa de sua

versatilidade e fácil produção em massa. (HASAN, 2005).

O uso desse grupo de enzimas como biocatalisadores vem sendo

explorado recentemente, potencialmente aplicado em indústrias de alimentos,

detergentes, farmacêuticos, couros, têxteis, cosméticos e papéis, entre outros.

Dessa forma, há grandes expectativas de que nos próximos anos os químicos

continuarão a se beneficiar dessa versatilidade. (BJÖRKLING et al., 1992 ;

LARA, 2006)

As lipases (triglicerol acil-hidrolases, EC 3.1.1.3) são parte da família das

hidrolases que atuam sobre ligações de éster carboxílico. Elas catalisam a

hidrólise total ou parcial de triacilglicerol fornecendo diacilgliceróis e

monoacilgliceróis, bem como glicerol e ácidos graxos livres. (HASAN, 2005;

60

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

CARVALHO, 2002; NETO, 2002)

Devido ao baixo teor de água utilizado nessas

reações, esterificação e transesterificação também podem ser realizadas.(SALIS

et al., 2005)

O comportamento regio-, quimio- e enantiosseletivo tem provocado

grande interesse em pesquisadores e segmentos industriais. A

regiosseletividade possibilita a distinção entre outros grupos funcionais somente

com a mudança do meio reacional; a quimiosseletividade determina a atuação

em somente um tipo de grupo funcional mesmo em presença de outros grupos

reativos; também são enantiosseletivas, com a atuação na catálise quiral e a

especifidade pode ser explorada para sínteses seletivas assimétricas.(LARA,

2006; SAXENA; DAVIDSON, 2003)

A área de biocatálise emergiu como uma ferramenta poderosa para a

chamada química verde, o qual leva as indústrias a se comprometerem com o

controle ambiental.( CONTI; MORAN, 2001) Entre as potencialidades de uso das

lipases como biocatalisadoras estão as transformações oleoquímicas. Entre as

aplicações na oleoquímica, a mais importante é a produção de ácidos graxos a

partir de óleos, os quais são importantes intermediários em reações dessa

indústria. (AL-ZUHAIR et al., 2004)

Algumas gorduras são muito mais valorizadas que outras devido a sua

estrutura e os óleos podem ser convertidos em espécies mais úteis, por

exemplo, a produção de manteiga de cacau a partir do fracionamento do óleo

de palma ( AU-KBC, 2011).

A estrutura de triacilgliceróis dos óleos vegetais proporciona qualidades

desejáveis em um lubrificante. Longas cadeias de ácidos graxos fornecem alta

resistência em um filme lubrificante, no qual ocorre uma intensa interação com

superfícies metálicas, reduzindo o atrito e desgaste. Uma preocupação é a

suscetibilidade de ocorrer hidrólise e oxidação do óleo, sendo assim, quantidade

excessiva de água, aquecimento e contato com o ar devem ser evitados, para

reduzir a formação de derivados indesejáveis. ( ERHAN, 2006)

Em busca de solucionar essa deficiência, os epóxidos despertam grande

interesse aos químicos por serem importantes intermediários na obtenção de

diversos compostos. Esta versatilidade está associada à eliminação da ligação

dupla do ácido graxo com a inserção de um oxigênio, formando um anel

oxirano.(CASTANHEIRA et al., 2011)

O método tradicional de epoxidação deve ser conduzido sobre uma

condição ótima de operação se o desejo é atingir a seletividade, além disso, são

realizadas com ácidos peroxicarboxílicos, como ácido peracético, ácido

perfórmico e ácido perbenzóico. Estas metodologias apresentam perigo de

manuseio em escala industrial, além do alto impacto ambiental devido ao

descarte de efluentes do processo. (ARAMENDÍA et al., 2008; NUNES et al.,

2008)

61

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

No método químio-enzimático, certos perácidos oxidam a dupla ligação

C=C, quebrando a ligação π, formando os ácidos percaboxílicos insaturados.

Estes são apenas intermediários da reação e se auto epoxidam em bons

rendimentos sem reações consecutivas.(LARA, 2006; WARWEL; KLAAS, 1995)

Na última década, a indústria vem tentando formular lubrificantes

biodegradáveis com características superiores dos usuais baseados em óleo

mineral. Dessa forma, além da catálise natural, os óleos vegetais são

promissores candidatos como fluido de base em lubrificantes a fim de atingir a

sustentabilidade ambiental. (EHRAN; ASADAUSKAS, 2000)

Alternativas pesquisadas incluem lubrificantes sintéticos, sólidos e de

origem vegetal. Devido ao potencial do óleo vegetal, há a possibilidade de

serem produzidos novos produtos que mantenham propriedades semelhantes

as dos produtos totalmente sintéticos e derivados de matrizes de origem fóssil.

Entre estes produtos estão o éster metílico epoxidado e o biodiesel, que

podem ser obtidos de diferentes óleos vegetais, os quais são de fonte renovável

e contribuem para a captura de carbono da atmosfera. Se os óleos vegetais são

submetidos a modificações químicas em sua estrutura, passam a ser uma

alternativa mais viável de uso. (CAMPANELLA et al., 2010)

Os derivados dos óleos vegetais, funcionalizados ou não, podem ser

utilizados em misturas que compõem fluidos utilizados em atividades de

usinagem. Os fluidos de corte foram empregados para melhorar o desempenho

dos processos de usinagem e ganharam tal importância, sendo essenciais para

a obtenção da qualidade exigida nas peças produzidas. Os fluidos introduzem

uma série de melhorias funcionais e econômicas no processo de usinagem de

metais. Principalmente, redução do coeficiente de atrito, refrigeração e

impedimento da corrosão da peça usinada. (ZEILMANN, 2011)

Entretanto, com uma composição química complexa, os fluidos de corte

tiveram um aumento proporcional de riscos ambientais e ocupacionais.

Bactérias e fungos presentes podem, inclusive, gerar toxinas. (ZEMAN et al.,

1995) Portanto, a utilização de fluidos de corte no processo de usinagem faz da

indústria metal-mecânica uma potencial agressora do meio

ambiente.(OLIVEIRA; ALVES, 2007)

Com base nisso, este trabalho tem como objetivos a produção de éster

metílico epoxidado visando a sua inserção na formulação de fluidos de corte em

operações de usinagem e desta forma contribuir para aumentar a composição

renovável destes fluidos e aproveitar a capacidade produtiva local, utilizando

óleo de girassol e de canola brutos, que possam ser produzidos por agricultores

familiares.

62

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

2 METODOLOGIA

2.1 Produção de ésteres metílicos dos óleos de canola e girassol

Os ésteres metílicos, material de partida para as reações de epoxidação

quimioenzimática foram produzidos previamente pela transesterificação do óleo

de girassol e canola na planta piloto de produção de biodiesel da UNISC.

(PORTE et al., 2010)

2.2 Procedimento de epoxidação químioenzimática

O procedimento foi realizado em sextuplicata com o éster metílico dos

óleos de girassol e de canola. Para a reação, em um erlenmeyer com

capacidade de 500 mL foram adicionados 100 g de biodiesel, 200 mL de

diclorometano (DCM), 200 mL de água deionizada, 100 mL de peróxido de

hidrogênio 30% e 10 g de lipase Novozyme M435®. Em seguida, a amostra foi

colocada no Shaker para agitação orbital M42 da marca Marconi por 24 h a 30º

C. Após essa duração, a enzima foi filtrada com lã de vidro em um funil simples

e recolhida em um funil de separação, a fim de separar a fase contendo o

produto de reação e solvente orgânico, da fase aquosa. Para retirar o

diclorometano desta fase, a amostra foi rota evaporada, restando somente o

óleo epoxidado.

2.3 Teste do índice de Iodo

Pesou-se cerca de 0,2 g da amostra, em um erlenmeyer de 250 mL, o

qual se adicionou 15 mL da solução de ácido acético/cicloexano 1:1.

Posteriormente, pipetou-se 25 mL da solução de WIJS no frasco contendo a

amostra e fechou-se o erlenmeyer em imediato. Deixou-se o erlenmeyer no

escuro por 1 h. Em seguida, adicionou-se 20 mL da solução de iodeto de

potássio a 10% e 100 mL de água deionizada. Titulou-se com tiossulfato de

sódio 0,1 mol L-1, gotejando até o aparecimento de cor laranja. Então,

adicionou-se 2 mL de solução de amido 1% e continuou-se a titulação até o

desaparecimento da cor azulada. Preparou-se a determinação em branco para

cada grupo de amostras. Os valores gastos na titulação da amostra e do branco

foram devidamente anotados e utilizados no cálculo. O índice de iodo foi

expresso em gramas de iodo absorvido em 100 g de amostra.

2.4 Ressonância Magnética Nuclear (RMN) de 1

H

Os espectros de RMN 1H foram obtidos nos espectrômetros Bruker AC 200

MHz, Varian XL-200 e DBX 200 MHZ. As amostras foram preparadas em CDCl3,

utilizando-se como referência o tretrametilsilano (TMS).

A conversão das duplas ligações em respectivos oxiranos foi reconhecida

por RMN 1H utilizando a equação da Figura 1. A é o valor da integral da área

do singleto dos hidrogênios ligados aos carbonos da dupla ligação (hidrogênios

em azul, 5,40 ppm) e B é o valor da integral da área do singleto dos

63

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

hidrogênios ligados aos carbonos do anel oxirano (hidrogênios em 3,10 ppm e

2,90 ppm).

.

Figura 1. Espectro de RMN 1

H de óleo de mamona epoxidado.

2.5 Cromatografia Gasosa acoplada a espectrometria de massas (CG-EM)

A análise por CG-EM foi realizada em um equipamento Shimadzu QP 2010

plus com coluna RTz 5MS (30 m x 0,25 mm x 0,25 μm). Para a identificação

dos componentes da amostra foi realizada a análise por similaridade com os

espectros da biblioteca Wiley 229.

2.6 Testes preliminares de emulsão para uso em fluidos de corte

Para testar os epoxidos quanto a possibilidade de formação de emulsões,

foi realizado um teste em laboratório que consistiu em adição de 20ml água

destilada, 10% oleo epoxidado e concentrações variáveis de twen 80 (1%, 25,

4%, 6%). As misturas foram colocadas em shaker com agitação orbital.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para o aumento de escala nas reações de epoxidação químio-enzimática

foram realizados experimentos em triplicata para as reações de epoxidação

químio-enzimática. A Figura 2, mostra o espectro do produto da reação

partindo de 100 g de óleo, onde foi possível observar a inexistência de sinais na

região de 5,30 ppm, característica dos hidrogênios vinílicos das duplas ligações

e a presença de sinais na região de 2,90 à 3,10 ppm, característico dos

hidrogênios metínicos do grupamento oxirânico do epóxidos, indicando que a

reação de epoxidação se completou mesmo com um aumento de escala, uma

vez que anteriormente havia sido realizado com massas de até 5 g.

A reprodução deste resultado com diferentes óleos e com usos repetidos

da enzima é importante uma vez que, o emprego dos óleos pode ser conforme

a oferta em períodos de safra agrícola. Com base nisso os resultados

encontrados para a conversão dos óleos de girassol e canola estão

apresentados na Tabela 1. Estes resultados são obtidos com os óleos brutos

extraídos de sementes produzidas na região do Vale do Rio Pardo –RS.

H H

R´ R´´

H H

R´ R´´

O

100(%)BA

BConversão+

=

64

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

Neste teste preliminar de reutilização de enzima observa-se que há uma

variação nos valores encontrados, no entanto, estes valores estão mais

relacionados ao sistema de agitação do que a desnaturação da enzima, uma

vez que, com óleo de girassol refinado já havíamos realizado um reuso de 10

vezes da mesma enzima, com a mesma metodologia.

Figura 2. RMN 1

H EMG epoxidado com 24h de reação em Shaker orbital.

Tabela 1. Conversão dos ésteres metílicos em ésteres metílicos

epoxidados.

Conversão (%) Óleos vegetais

Enzima nova Reutilização da enzima

Girassol 1 100,0 99,4

Girassol 2 100,0 92,7

Girassol 3 39,9 85,0

Canola 1 76,0 96,0

Canola 2 62,3 -

Assim, é de conhecimento que a utilização de CH2Cl

2/H

2O na epoxidação

químio-enzimática com CALB, possa ser uma alternativa para redução da

desnaturação desta lipase, pois acredita-se que a CALB fique dissolvida na fase

aquosa diminuindo o contato com o solvente orgânico.

Os resultados encontrados na conversão dos óleos de canola e de girassol

brutos em ésteres metílicos epoxidados podem ser observados nos espectros de

RMN 1

H da Figura 3. Nestes espectros se observam os sinais relativos à

H3CO

O

4

CH3

3

O O2

111 1

3

4 7 7

556 8

��

���

��

��

��

��

R1 R2O

H H

65

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

presença de grupos oxiranos presentes na cadeia carbônica dos produtos

obtidos.

Dentre os produtos analisados por RMN 1

H foi possível constatar que, a

partir do método de epoxidação químio-enzimático, obteve-se maior

seletividade para a produção de epóxido, não sendo observado a abertura do

anel oxirano. No sistema, os ésteres sofreram reação de peridrólise, formando

perácidos e oxidando a mólecula de éster no meio reacional. Estes resultados

foram confirmados por CG-EM, sendo que os produtos de epoxidação dos

principais ésteres metílicos, provenientes do ácido oléico e linoléico, presentes

nos dois óleos, foram observados em tempos de retenção de 24 a 30 min

(Figura 4).

Figura 3. Espectros de RMN 1

H dos produtos epoxidados dos ésteres metílicos

de canola (a) e girassol (b) brutos.

De acordo com os principais produtos identificados por CG-EM, é viável a

produção de epóxidos a partir dos ésteres metílicos dos óleos de girassol e

canola, considerando que eles apresentam um alto índice de acidez (acima de

5%) levando a formação dos principais ésteres epoxidados apresentados na

Figura 4.

Figura 4. Cromatogramas dos ésteres metílicos do óleo de canola (EMC), de

canola epoxidado (EMCE), de girassol (EMG) e de girassol epoxidado (EMGE).

Nos testes preliminares para preparação de emulsões necessárias na

formulação dos fluidos para usinagem foi observado que após a formação da

emulsão, o epóxido, apesar de ser de baixa polaridade permaneceu

emulsionado em água como mostra a Figura 5. Este resultado foi observado

�� ��

66

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 58-68, 2010�

para os ésteres metílicos epoxidados dos óleos de girassol e canola e indicam

uma potencialidade de uso destas matérias-primas para a formulação dos

fluidos de corte.

Figura 5. Emulsões com ester metílico de óleo de canola epoxidado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os óleos de canola e girassol foram transesterificados e epoxidados com

sucesso, mesmo com o emprego de óleos brutos, o que dificultaria a aplicação

em formulações comerciais se a conversão fosse parcial. As ligações duplas

foram totalmente convertidas e não houve abertura dos anéis oxiranos durante

a epoxidação. Desta forma os produtos obtidos, tanto a partir do óleo de canola

como de girassol, apresentam potencialidade para uso em formulações de

fluidos de corte. Destaca-se também que, além do método utilizado com os

óleos brutos ser viável para a obtenção de ésteres epoxidados, não há

necessidade de purificação do óleo antes da conversão, uma vez que a acidez

do óleo é desejada para que as reações de epoxidação quimio-enzimáticas

aconteçam. Por outro lado, os produtos epoxidados obtidos de diferentes óleos

apresentam grau de epoxidação conforme o número de insaturação original, o

que deverá ser avaliado nos futuros experimentos em formulações insdustriais,

uma vez que é importante a possibilidade de uso de diferentes óleos,

incentivando a diversificação.

AGRADECIMENTOS

PUICvol-UNISC, FAP-UNISC, FAPERGS, CNPq, SCT-RS e Pólo de

Modernização Tecnológica do Vale do Rio Pardo.

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CiênciasHumanasCiênciasHumanas

70

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS

Na área de Ciências Sócias Humanas entre os 51 trabalhos apresentados no evento, 96% foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade e 4% de trabalhos de alunos de Iniciação Científica vinculados a outras Instituições de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de bolsistas do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC, seguida dos Programas de bolsa de verba externa para pagamentos de bolsas em projetos de pesquisa e Programas PROBIC/FAPERGS, PIBIC/CNPq e do Programa PUIC voluntário, apresentados na Figura 05.

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Humanas no XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC

0

5

10

15

20

25

PUIC

PIBIC

/CNPq

PROBIC

/FAPERGS

Out

ras B

olsas

PUIC V

OLUNTÁRIO

Nº d

e T

raba

lhos Área de

CiênciasHumanas

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados

Figura 05 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de Iniciação Científica na Área de Ciências Humanas.

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.

Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 71-81, 2010.

DESENHO DA FIGURA HUMANA NA CHUVA – PROPOSTA DE VALIDAÇÃO NO BRASIL

Emanueli Paludo1

Vivian Silva da Costa2

Roselaine Berenice Ferreira da Silva3

RESUMO

Este trabalho objetiva resgatar o Desenho da Figura Humana na Chuva (DFH-Chuva), instrumento de avaliação psicológica, usado em crianças, a fim de identificar o desempenho infantil frente ao teste. Além disso, pretende-se mostrar associação entre idade, sexo e escola frequentada com a estrutura do desenho. Foram aplicados o DFH-chuva e o DFH-III para avaliar potencial cognitivo em 215 crianças de escolas públicas e particulares, com idades entre cinco e 12 anos. Verificou-se a presença de 50,7% de meninos e 49,3% de meninas na amostra. Desses sujeitos, 32% eram provenientes de escolas particulares e 68% de escolas públicas. Frente ao DFH-III, para avaliar o desempenho cognitivo, 58% das crianças apresentaram resultados na média, demonstrando não haver dificuldades cognitivas nesta amostra. Foi encontrada associação significativa entre idade, sexo e tipo de escola frequentada com a forma como ela desenha, assim como alguns indicadores clínicos de avaliação apontados para o instrumento.

Palavras-chave: Avaliação Psicológica. Desenho da Figura Humana. Validade dos Instrumentos.

ABSTRACT

This work aims to revive the Human Figure Draw in the Rain (HFD-Rain), a psychological assessment tool used in children to identify children's performance to the test. Besides we intend to show an association between age, sex and school attended with the structure of the drawing. Were applied HFD-Rain and the HFD-III to assess cognitive potential in 215 children from public and private schools, aged between five and 12 years. There was the presence of 50.7% boys and 49.3% of girls in the sample. Of these subjects, 32% were from private schools and 68% of public schools. Faced with the HFD-III, to assess cognitive

1 Acadêmica do Curso de Psicologia, Bolsista PUIC-UNISC.

2 Acadêmica do Curso de Psicologia, UNISC.

3 Dra. em Psicologia, Coordenadora do Laboratório de Mensuração e Testagem Psicológica (UNISC), Professora-orientadora da pesquisa.

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Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010

performance, 58% of children showed results on average, showing no cognitive difficulties in this sample. Was a significant association between age, sex and type of school the child attends to the way she draws, as well as some clinical indicators pointed to the assessment instrument

Keywords: Psychological Assessment. Human Figure Draw. Validity Instruments.

1 INTRODUÇÃO

O desenho é uma das formas mais primitivas de comunicação; através da representação gráfica é possível demonstrar sentimentos e pensamentos. Devido ao interesse e à espontaneidade das crianças em desenhar, o desenho caracteriza-se como um importante instrumento de avaliação psicológica infantil, construindo uma ponte de comunicação por meio da simbolização presente no ato de brincar e jogar. De acordo com Duarte (2009), nas atividades lúdicas há o predomínio da ação sobre a linguagem verbal, prevalecendo a comunicação não verbal e pré-verbal.

Antes do estabelecimento da escrita ou da leitura, o desenho configura a primeira forma de comunicação apresentada pelas crianças. As produções gráficas caracterizam-se como uma linguagem simbólica com a qual o inconsciente estaria se expressando, sendo possível identificar sentimentos, ansiedades, impulsos, até mesmo conflitos da personalidade - sendo o desenho uma projeção dessa (DI LEO, 1991).

O Desenho da Figura Humana na Chuva (DFH-Chuva), na visão de Karen Machover (1967), é um instrumento projetivo que avalia a forma como o sujeito vivencia as pressões do meio ambiente, pois o elemento chuva representa as pressões externas vivenciadas pelo sujeito e a forma como tais experiências são sentidas.

Ao usar instrumentos psicológicos é importante certificar a validade e o valor dos significados dos itens. Entretanto, decompor o desenho em detalhes isolados faz a avaliação psicológica tornar-se questionável e nosso papel não é enquadrar um individuo dentro de determinadas características que o rotulem em padrões de normal ou anormal, mas sim descrever aspectos desenvolvimentais, emocionais, de personalidade.

Todavia, o DFH-Chuva não possui validade de uso no Brasil. Nesse sentido, este estudo visa demonstrar evidências de validade desse instrumento em uma amostra de 215 crianças, meninos e meninas de cinco a doze anos, frequentadoras de escolas públicas e particulares, de cidades do interior do Rio Grande do Sul.

73

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010

2 O DESENHO DA FIGURA HUMANA NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Inicialmente, o DFH4 surgiu com uma proposta psicométrica, na tentativa de avaliar características intelectuais. Binet e Simon, em 1905, analisaram o desenho como sendo possível de ser empregado em testes de desenvolvimento mental e de aptidões específicas, como também em testes para diagnósticos especiais (VAN KOLCK, 1984).

Estudos sistematizados sobre DFH apareceram em torno de 1906, com a investigação de Lamprecht que comparou desenhos de crianças de diferentes países, tentando encontrar pontos comuns nos traçados e conceitos. Igualmente, o pesquisador francês Claparède, em 1907, demonstrou interesse por aspectos evolutivos do desenho infantil para tentar averiguar se haveria relação entre habilidade para desenho e capacidade intelectual da criança, demonstrada pelo rendimento escolar (WESCHLER, 2003).

Em 1926, a contribuição de Goodenough foi fundamental; a autora sistematizou um método destinado a avaliar o desenvolvimento intelectual infantil por meio do DFH. Desde essa época, o DFH tem se revelado uma das técnicas mais utilizadas para avaliar o desenvolvimento cognitivo, por ser uma medida não verbal conhecida por qualquer criança, de fácil aplicação e baixo custo.

Além do entendimento no nível da cognição, pesquisadores como Koppitz (1988), Di Leo (1991), Hammer (1991), Cormann (2003) e Machover (1967) entendem que, através do desenho, é possível realizar análise da personalidade do sujeito. Os elementos gráficos falam mais sobre o sujeito do que sobre o desenho propriamente dito. O pressuposto que norteou estudos desses pesquisadores dizia respeito à ideia de que os desenhos de crianças poderiam ser vistos como indicadores do desenvolvimento psicológico.

Koppitz, em 1988, com base nos estudos de Goodenhough e Machover, e trabalhando com crianças de 5 a 12 anos, elaborou uma lista de indicadores emocionais, consistindo em uma escala própria de índices gráficos que permitem tanto a avaliação do nível de maturação mental, como a detecção e avaliação de distúrbios emocionais (VAN KOLCK, 1984). Esse sistema permitiu uma verificação da frequência de itens esperados, comuns, incomuns ou excepcionais para cada faixa etária (COX, 1991).

Machover (1967) publicou os resultados de suas observações clínicas sobre a representação gráfica de figuras humanas desenhadas por crianças e adultos que apresentavam diversos problemas psicológicos, fornecendo, dessa forma, um caráter projetivo ao Desenho da Figura Humana, enquanto método de avaliação da personalidade.

4 No decorrer do artigo, o Desenho da Figura Humana será referido como DFH.

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Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010

Campos (1994) salienta que o sujeito não desenha apenas o que vê, mas o que sente em adição ao que vê. Wechsler (2003) complementa dizendo que nem sempre a criança desenha o que vê, mas o que sabe sobre si, muitas vezes pelo que outras pessoas lhe falam. Para Hutz e Bandeira (2000), o desenho pode ser a representação de aspectos do indivíduo, como aspirações, preferências, pessoas vinculadas a ele, imagem ideal, padrões de hábitos, atitudes com o examinador e a situação de testagem.

Para Pasian, Okino e Saur (2004) a experiência individual de vida influencia as elaborações projetivas. Para Hammer (1991), seja pela estrutura ou pelo conteúdo do desenho, a comunicação gráfica é capaz de manifestar a personalidade individual, além de padrões culturais, constituindo, assim, formas como a pessoa pode se representar, a partir do conceito de autoimagem, selfideal ou percepção de pessoas significativas para o sujeito.

Para que um teste possa ser utilizado na prática do psicólogo é preciso haver uma verificação e consequente aprovação por meio do cumprimento de critérios que satisfaçam a um protocolo estabelecido pelo Conselho Federal de Psicologia - CFP, que envolve estudos de padronização, normatização, fidedignidade e validade, comprovando a eficiência do instrumento frente ao que se propõe avaliar (TAVARES, 2003).

O estudo de validação de um instrumento é de fundamental importância, pois é por meio da validade que podemos entender e comprovar as funções de um instrumento, seus objetivos, suas vantagens e também limitações. Para Tavares (2003), o conceito de validade está para além do cumprimento de normas estatísticas, numa visão positivista, mas leva em consideração a literatura já existente que nos permite associar o significado e compreender a qualidade e os significados dos resultados do instrumento e da avaliação.

Desta forma, percebem-se vários estudos, na atualidade, acerca da Figura Humana, enquanto técnica projetiva. Tal fato reforça a ideia de que os pesquisadores estão preocupados com a cientificidade do instrumento. Além disso, diversos encontros científicos voltados à discussão da avaliação psicológica se constituem, cada vez mais, num momento de reflexão e questionamentos sobre a legitimidade das técnicas projetivas enquanto instrumentos efetivamente confiáveis para a avaliação psicológica.

Todavia, os testes gráficos de desenhos necessitam estudos padronizados para serem autorizados no uso em avaliação psicológica. Nesse sentido, atualmente, apenas o HTP (BUCK, 2003), DFH (SISTO, 2005) e DFH-III (WECHSLER, 2003) possuem evidências de validade que demonstram eficácia no momento de avaliar. O DFH na Chuva encontra-se em estudo de validação, proposto pelo Laboratório de Mensuração e Testagem Psicológica da Universidade de Santa Cruz do Sul, sendo tal estudo exposto a seguir.

75

Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 71-81, 2010

3 METODOLOGIA

Participantes Participaram deste estudo 215 crianças, com idades de cinco a doze anos,

oriundas de escolas públicas e particulares dos Vales do Rio Pardo e Taquari, interior do Rio Grande do Sul. Dessa amostra, 52,1% eram do sexo feminino e 47,3% eram do sexo masculino, frequentando do pré-primário à sexta série.

Instrumentos 1- Teste Gestáltico Visomotor de Bender O Teste Gestáltico Visomotor de Bender - também conhecido como Bender –

foi desenvolvido por Lauretta Bender. O instrumento é composto por nove cartões em cor branca com estímulos pretos formados por linhas contínuas, pontos, curvas sinuosas ou ângulos, sendo solicitado que as crianças copiem as figuras.

2- O Desenho da Figura Humana (DFH-III) Este instrumento foi validado para a amostra brasileira por Wechsler (2003).

A ordem dada é que seja desenhada uma pessoa de cada sexo; a partir desses desenhos é feita a avaliação do desenvolvimento cognitivo de crianças de seis a doze anos de idade.

3 - O Desenho da Figura Humana na Chuva Para execução desta tarefa é fornecida uma folha de papel A4 branca, lápis

preto número 2 e borracha. Solicita-se à criança que desenhe uma pessoa na chuva.

4 – CBCL (Child Behavior Checklist) É um instrumento criado no final da década de 70 por Thomas Achenbach,

nos Estados Unidos. É composto por 138 itens destinados à avaliação de competência social e de problemas de comportamento, através da percepção dos cuidadores.

ProcedimentoA partir da aprovação do projeto pelo Comitê de Ética, foi estabelecido

contato com determinadas escolas das regiões do Vale do Rio Pardo e Taquari. Após aceitação das escolas e indicação das turmas para a aplicação dos instrumentos, foi entregue para cada criança um kit contendo carta de apresentação sobre a pesquisa, dois termos de consentimento livre e esclarecido, uma ficha de informação sobre a criança e um CBCL. Com autorização dos responsáveis, as crianças participaram da aplicação dos instrumentos de forma individual, em salas vagas nas escolas, realizada por estudantes do curso de Psicologia-UNISC, também responsáveis pela avaliação e análise dos desenhos.

Com a obtenção dos resultados, foram realizadas análises através do programa estatístico SPSS for windows 17.0. Primeiro os dados foram analisados por estatística descritiva, determinando frequências, médias e desvio-padrão. Em seguida foi realizado estudo de associação entre idade, sexo, tipo de escola e

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itens do DFH-Chuva, por meio do teste de qui-quadrado de Pearson,considerando nível de significância 0,05 (p<0,05).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste estudo, os resultados encontrados apontam para a constatação de que o DFH-Chuva é instrumento que se mostra sensível à identificação decaracterísticas de personalidade. A amostra consistiu de 215 crianças, com idades entre 5 e 12 anos, oriundas de escolas públicas e particulares da região do Vale do Rio Pardo e Taquari.

Os resultados serão apresentados, inicialmente, em relação à idade, na busca de associações entre essa variável e a forma como a criança desenha. A seguir, o objetivo é examinar associação entre o tipo de escola que a criança frequenta (pública ou particular) e o desenho realizado. Num último momento, a relação do desenho é feita com o sexo da criança.

4.1 Estudo sobre Idade e DFH-Chuva

A correção do DFH na Chuva envolve a análise de alguns itens que compõem o desenho, tais como: presença de partes do corpo (cabeça, braços, mãos, pés), tamanho das partes, presença de detalhes no desenho (movimento na pessoa, detalhes externos, como presença de raios, vento, etc), bem como tipo de grafismo realizado (pressão do lápis forte, fraca, presença de repassamento).

A Tabela 1 demonstra a frequência total de crianças que realizaram o DFH na Chuva, por faixa etária. Observa-se que as idades entre 6 e 8 anos foram as que predominaram no estudo, constituindo a amostra de crianças em idade escolar.

Tabela 1 - Distribuição de Frequência de Resultados por Idade

Idade N Percentual 5 anos 9 4,2% 6 anos 49 22,8% 7 anos 51 23,7% 8 anos 45 20,9% 9 anos 37 17,2% 10 anos 10 4,7% 11 anos 10 4,7% 12 anos 4 0,18% Total 215 100%

Da mesma forma, na Tabela 2 são apresentados os resultados frente à execução no DFH-III. Observa-se que 43,8% da amostra obtiveram resultados na média, identificando desempenho cognitivo adequado para a idade.

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Tabela 2 - Distribuição da Frequência dos Resultados no DFH-III

Classificação N Percentual Abaixo da média 66 30,7 Média 95 43,8 Acima da média 54 24,4 Total 215 100,0

Além disso, a amostra pode ser considerada normativa, mesmo com alguns desvios de resultados para cima ou para baixo da média. Todavia, tais desvios não representam ser significativos na alteração dos resultados.

No momento em que a criança desenha, ela deve inserir elementos estruturais e gráficos importantes, como presença de cabeça, olhos, mãos, nariz, corpo, pernas, pés. Na correção do teste, vai importar a análise do tamanho da figura desenhada, presença de movimento na pessoa ou no desenho (como presença de vento), ou características gráficas, como pressão do lápis, tipo de traçado e posição na folha.

Associando tais elementos estruturais e de correção, foi possível identificar associação positiva entre alguns detalhes, como:

- Presença de nariz, orelhas, ombros e mãos com a idade da criança (p<0,05);

- Presença de vestimenta e detalhes inseridos na vestimenta, como estampas na roupa, calçados, acessórios (p<0,05).

Essas associações permitem refletir sobre o desempenho infantil diante ao DFH-Chuva. O desempenho da criança, frente ao teste, pode estar relacionado com idade, visto que, conforme a idade cronológica aumenta, a presença de detalhamentos também se eleva. Tais constatações encontram respaldo na literatura, como o estudo de Silva, Feil e Nunes (2009) em que foi destacado o desempenho da criança frente a outro teste, o Bender5, identificando que crianças menores, com idades entre 5 e 7 anos, evidenciavam maior dificuldade na cópia das figuras. A partir de 8 anos, pelo amadurecimento do sistema nervoso central, a criança já apresentava condições de executar a cópia de forma a não produzir tantos erros.

Portanto, a idade é relevante no desempenho gráfico de um instrumento, seja o DFH-Chuva, ou outro instrumento que requeira o uso de lápis e a reprodução gráfica de desenhos.

5 Teste Gestáltico Visomotor de Bender (Koppitz, 1989), o qual consiste na reprodução gráfica de figuras mostradas à criança.

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4.2 Estudo sobre Escola Frequentada e DFH-Chuva

A tabela abaixo proporciona a visualização acerca da quantidade de escolas públicas e particulares na amostra. Dessa forma, é possível identificar a presença maior no estudo de crianças de escolas públicas (estaduais e municipais).

Tabela 3 - Distribuição de Frequência por Escolas

Escola N Percentual Pública 149 69,3% Particular 66 30,7% Total 215 100%

Associando elementos estruturais do DFH-chuva foi possível identificar que presença de guarda-chuva, seu tamanho e localização tiveram associação positiva com o tipo de escola frequentada pela criança (p<0,05). Crianças provenientes de escolas particulares, nesta amostra, desenharam mais tal item em comparação com crianças de escolas públicas.

A escola sendo pública ou particular influenciou na presença do guarda-chuva nos desenhos. Esse elemento representa a defesa para enfrentar as pressões sentidas pela criança do meio social em que está inserida. Sendo assim, pode-se levantar a hipótese de que as crianças de escolas públicas apresentam maior vulnerabilidade frente às pressões ambientais, já que o item guarda-chuva não esteve tão presente.

4.3 Estudo sobre Sexo e DFH-Chuva

A Tabela 4 demonstra o percentual de meninos e meninas na amostra pesquisada, sendo meninas o percentual mais alto. No entanto, não chega a ser significativa diferença entre sexos, pois também foi possível aplicar o DFH-Chuva em boa parte de meninos.

Tabela 4 - Distribuição de Sexo

Sexo N Percentual Masculino 103 47,3% Feminino 112 52,1% Total 215 100%

Na associação dessa variável com elementos gráficos do desenho, foi possível verificar algumas associações positivas, tais como:

- presença do elemento “dentes”, no desenho, se associou com o sexo masculino (p<0,05);

- presença de vestimenta na pessoa teve associação positiva com sexo feminino (p<0,05).

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Tais resultados permitem algumas elucubrações, como o fato de que a presença de dentes, segundo a literatura, simboliza questões relacionadas a sentimentos agressivos. Portanto, o desenho de dentes muito destacados pode acarretar o entendimento de que a criança esteja projetando seus instintos agressivos, como sentimentos impulsivos. Sendo em meninos, esses podem estar demonstrando mais sua agressividade e impulsividade, podendo ser um elemento cultural. Ao mesmo tempo, a associação de vestimenta com o sexo feminino pode evidenciar a projeção da menina em desenhar o que é considerado belo, como seu corpo com a devida vestimenta, sendo esse outro dado cultural.

4.4 Estudo sobre DFH-Chuva e Indicadores de Personalidade

O DFH - chuva é um teste proposto por Karen Machover (1967) que tem por finalidade investigar características de personalidade. Utiliza-se do caráter simbólico do elemento chuva para verificar como os sujeitos vivenciam as pressões ambientais. Nesse sentido, um dos elementos de correção desse instrumento é o guarda-chuva, que representa a proteção do sujeito frente às pressões externas ou a situações de estresse vivenciadas no cotidiano.

A tabela abaixo demonstra a frequência de crianças consideradas com distúrbios internalizantes e externalizantes pelo CBCL (ACHENBACH, 2001).

Tabela 5 - Distribuição de Frequência de Distúrbios no CBCL

Classificação N Percentual Internalizantes 45 23,8% Externalizantes 31 16,4% Total 215 100,0

Foram encontradas associações significativas entre os distúrbios externalizantes com alguns itens de correção do DFH-Chuva, como: o tamanho da cabeça e a presença de vestimentas no desenho (p<0,05). Já os distúrbios internalizantes se associaram com a presença de pescoço, de vestimentas e de nuvens no desenho (p<0,05).

Tais dados são interessantes, pois demonstram que a criança com problemas na conduta pode externalizar tais dificuldades na proporção desenhada da cabeça. A literatura aponta que tamanhos grandes, em desenhos, são indicativos de crianças atuadoras e impulsivas. Por sua vez, crianças que apresentam sintomas depressivos, ansiosos, somáticos, de pensamento e com dificuldades interpessoais demonstram a vivência da pressão ambiental na presença de detalhe no ambiente, como as nuvens no desenho.

Dessa forma, percebe-se a capacidade de o Desenho da Figura Humana na Chuva evidenciar a manifestação simbólica de sintomas clínicos na criança.

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5 CONCLUSÃO

Cabe ressaltar que este estudo encontra-se em andamento; para validar um instrumento psicológico é preciso uma amostra com número maior de crianças. Entretanto, até o momento, percebe-se a sensibilidade do DFH-Chuva em identificar externalização de pressões vivenciadas, questões desenvolvimentais e projeção de aspectos culturais.

Neste estudo, observou-se que o instrumento enfocado nesta pesquisa, o Desenho da Figura Humana na Chuva apresenta resultados positivos em comparação com instrumentos que já possuem validade e certificados pelo Conselho Federal de Psicologia - CFP, que foram utilizados para relacionar os resultados - DFH-III e CBCL.

A partir da relação positiva (p<0,05) entre idade e itens de correção do DFH-III com DFH-Chuva, denota-se o caráter maturacional desse último instrumento. Dessa forma, dependendo da idade da criança, são esperados determinados detalhes no desenho, o que caracteriza um instrumento desenvolvimental. Por exemplo, não é esperada a presença de guarda-chuva em crianças pequenas, devido à falta de maturidade neurológica que possuem.

Todavia, a correlação com aspectos do desenvolvimento emocional e da personalidade das crianças com o DFH-Chuva apresentou-se em consequência da relação entre a forma que a criança desenha, como a presença de guarda-chuva, sexo, tipo de escola com CBCL, instrumento projetivo que tem resultados reconhecidos pelo Conselho.

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LEITURA E INFÂNCIA: A PRODUÇÃO DOS MODOS DE SER E PRÁTICAS DE LEITURA

Karen Cristina Cavagnoli1

Betina Hillesheim2

Lílian Rodrigues da Cruz3

RESUMO

Este trabalho propõe discutir a produção da infância em relação à prática da leitura. Para isso, a partir dos sentidos produzidos sobre a leitura na perspectiva das crianças leitoras, considera-se tais práticas como território de produção de sujeitos. Entende-se que a prática da leitura produz modos de existência, os quais não se referem somente às crianças, mas também às maneiras pelas quais os adultos as compreendem e se relacionam com elas e consigo. A produção de dados ocorreu a partir da realização de grupos focais formados por crianças de 4ª série do ensino fundamental. Os resultados apontam para sentidos distintos, mas que se entrecruzam: leitura associada ao prazer e à obrigação; leitura pressupondo tempos e espaços. Tais marcadores evidenciam a produção de um leitor no âmbito das práticas de leitura que passa preferencialmente pelo discurso pedagógico.

Palavras-chave: Infância. Leitura. Modos de Subjetivação

1 INTRODUÇÃO

A prática da leitura pode ser entendida como um território onde se constroem sujeitos e que assume diversas características em cada momento histórico. Desse modo, este estudo investiga quais as relações entre a prática da leitura e a infância, uma vez que as composições possíveis entre leitura e infância

1 Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul –(UNISC). Bolsista do Programa de Iniciação Científica do CNPq – PIBIC. E-mail: [email protected]

2 Doutora em Psicologia (PUCRS), docente do departamento de Psicologia e do Mestrado em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). – [email protected]

3 Doutora em Psicologia (PUCRS). Docente e pesquisadora do departamento de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Bolsista de Pós-Doutorado Júnior do CNPq. – [email protected]

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resultam nas mais variadas formas de compreender e de se relacionar com as crianças.

A noção da infância como construção social implica refutar quaisquer ideias essencialistas sobre a mesma, desnaturalizando esse conceito e abrindo a possibilidade de se pensar sobre as condições históricas, políticas, econômicas e sociais que tornaram possível pensar o que venha a ser infância.

Áries (1981) discute como a noção moderna de infância consolidou-se a partir do século XVII; entretanto, tal concepção é, muitas vezes, entendida como atemporal, pressupondo a existência de uma natureza infantil. Apesar de esse autor utilizar a expressão ‘descoberta da infância’, Ghiraldelli (2000) considera que os seus estudos não apontam para uma noção da infância como uma etapa natural da vida dos seres humanos que sempre existiu e somente necessitava ser reconhecida como tal, mas como uma ‘invenção’, ou seja, algo que é montado a partir de novas formas de ver e dizer sobre a infância.

Os estudos de Ariès (1981) identificam esta construção da infância a partir de dois sentimentos: a paparicação (visto que as crianças encantavam e distraíam os adultos) e a preocupação com a racionalidade dos costumes e com a disciplina (que se originou, de certo modo, como reação aos efeitos da paparicação e que proveio de fontes externas à família, tais como eclesiásticos e juristas, que entendiam as crianças como seres frágeis que necessitavam de proteção, orientação moral e disciplinamento). Além disso, destaca a importância da escola no processo de construção da infância moderna. No século XIII as escolas não tinham o objetivo de ensino, mas se constituíam em asilos para estudantes pobres. É a partir do século XV que as escolas tornaram-se instituições não apenas de ensino direcionadas a populações numerosas, mas também de vigilância e esquadrinhamento das condutas infantis.

No que se refere à literatura infantil, essa surge a partir de uma série de modificações que ocorrem a partir do século XVIII, filiando-se à instituição escolar em seu propósito de construção de uma sociedade burguesa. Dessa maneira, a literatura infantil, desde seu início, é vinculada à pedagogia (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1987). Como salienta Zilberman (2001), a primeira e mais duradoura teoria da leitura priorizou o papel do ensino e da pedagogia, partindo da alfabetização como forma de chegar ao texto literário, ‘lócus’ privilegiado da leitura e destinado à elite intelectual. É a partir da necessidade, gerada pelo capitalismo, de qualificar a mão de obra e também de constituir um mercado consumidor, que a teoria da leitura não pôde mais ser atrelada somente à literatura. O letramento tornou-se, assim, um segmento independente das teorias da leitura na área da educação.

Com a Modernidade, é implantada a escolarização abrangente, ocupando-se a escola, em conjunto com outras instituições, da governamentalidade4 da

4 O conceito de governamentalidade foi desenvolvido por Foucault (2006) e é entendido como um conjunto de práticas de governamento que têm na população seu objeto e que busca

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população, especialmente a infantil, e de seu disciplinamento. A escola, através do discurso pedagógico, produz a infância, tornando-a uma infância-escolar, a qual é examinada, enquadrada e normalizada (CORAZZA, 2000).

Este trabalho investigou quais os sentidos produzidos sobre a leitura na perspectiva das crianças e quais as implicações da prática da leitura na construção da infância. Para tanto, como procedimentos metodológicos, foram realizados seis grupos focais5, formados por 6 a 8 crianças, de ambos os sexos, da 4ª série do ensino fundamental, estudantes de uma escola particular e de duas escolas públicas, em uma cidade brasileira de médio porte. A seguir, discute-se os resultados desta pesquisa, os quais apontam para sentidos distintos, mas que se entrecruzam: leitura associada ao prazer e à obrigação; leitura pressupondo tempos e espaços.

2 COMPONDO SENTIDOS SOBRE A LEITURA

A partir da produção de dados, percebe-se que, para as crianças, o ato de ler é marcado por dicotomias: prazer x obrigação, liberdade x aprisionamento. Para as crianças, ler é tanto sinal de inteligência6, possibilidade de aprendizagem dos conteúdos escolares, exercício para o cérebro e forma de atender às exigências adultas, como fuga, viagem para outro mundo, diversão e prazer.

Estas falas infantis remetem ao lugar atribuído socialmente à leitura, ou seja, que esta se constitui como imprescindível para a formação infantil, na medida em que se compreende a infância como uma fase de preparação para a vida adulta. Embora a leitura adquira para as crianças um caráter ligado ao prazer, também está fortemente vinculada ao pedagógico, ou seja, a leitura aparece como veículo para o saber e, especialmente, para o mundo adulto, sendo que ler é algo valorizado pelo que pode ensinar.

Ressalta-se, seguindo Narodowsky (2001), os seguintes enunciados que conformam a pedagogia moderna, os quais são complementares: a infância caracteriza-se tanto como um conjunto de carências como um campo de análise, necessitando da educação para superar sua condição de inferioridade. Desse modo, “a pedagogia pedagogiza a infância na medida em que já não vai ser

extrair dela seu saber, encontrando nos dispositivos de segurança seus mecanismos básicos (MACHADO, 1992).

5 Grupos focais são uma ferramenta de entrevista em grupo, na qual, a partir de um tema gerador, há a possibilidade de interação e argumentação entre os participantes. Para ser eficaz, o número de participantes não deve ser excessivo e a temática deve ser delimitada, sendo que o pesquisador apresenta algumas questões abertas, propiciando a expressão dos participantes (LAVILLE; DIONNE 1999). Ceres Víctora, Daniela Knauth e Maria de Nazareth Hassen (2000) colocam que se trata de uma técnica qualitativa na qual tópicos ou focos são explorados com o auxílio de um facilitador, podendo ser utilizado sozinha ou com outras técnicas associadas.

6 No decorrer do texto, as falas das crianças, quando literais, encontram-se em itálico.

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possível pensar a infância sem recorrer a categorias e conceitos pedagógicos” (p. 187).

Ao invés de compreender prazer e obrigação como opostos, podemos colocá-los como faces de uma mesma produção discursiva: na medida em que se encontra prazer na leitura (e aqui se aponta todo o mercado livreiro voltado para o público infantil, assim como as prescrições direcionadas a pais e professores no sentido de incentivar as crianças, desde muito pequenas, à leitura), atinge-se mais plenamente o objetivo final. Goulart (2000), em uma pesquisa sobre os catálogos de livros infantis, pontua os discursos que colocam a leitura a partir de um imperativo do prazer no intuito de governar a infância, isto é, agindo no disciplinamento e controle dos corpos infantis. O uso do termo governo é aqui empregado em uma perspectiva foucaultiana, para a qual esta é uma questão que emerge no século XVI, aliando-se ao poder disciplinar e referindo-se a problemas muito diversos, tais como o governo de si, o governo das almas, das condutas, das crianças, das mulheres, dos doentes, etc. O governo implica, assim, dispor das coisas, com o propósito de alcançar determinadas finalidades, utilizando-se mais de táticas do que de leis (FOUCAULT, 2003).

Outro aspecto a ser salientado é que, usualmente, a leitura cola-se à literatura; contudo, apesar do lugar de destaque dado ao livro, as crianças associam o ato de ler a variados artefatos: jornal, revista, camiseta, placa de trânsito, etiqueta de roupa, contrato, manual de instruções, etc. Porém, o texto literário como fim a ser alcançado ocasiona a desvalorização da leitura de outros artefatos culturais, o que é lembrado, de forma bem-humorada, na epígrafe do livro ‘Leituras à revelia da escola’: “– Vão guardando estas revistinhas aí, que a aula agora é de leitura, interpretação de texto!” (MAFRA, 2003).

Assim como há a desvalorização desses outros artefatos (como é o caso dos gibis, citados acima), percebe-se uma hierarquização no que se refere ao próprio objeto livro. Da mesma forma como a adjetivação infantil confere à literatura uma diminuição do valor artístico da obra, a qual é entendida como uma literatura ‘menor’ (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999), as crianças consideram que um livro pequeninho, repleto de imagens, é mais infantil que aqueles que são mais volumosos e com bastante texto. As falas das crianças vêm marcar nitidamente quais os tipos de leitura direcionados às mesmas, explicitando-se, assim, uma desvalorização do que é infantil, compreendido como de leitura facilitada. Portanto, as crianças avaliam a si próprias e a leitura em relação aos adultos; ler livros com muito texto aproxima-as do universo adulto, fazendo-as sentirem-se mais capazes.

Nessa perspectiva, Mortatti (2000) coloca que o qualificativo infantil vincula-se a um leitor previsto, marcando determinadas concepções de infância, as quais tomam como parâmetro o adulto, sendo a criança considerada como um ser ‘em desenvolvimento’ que necessita da escolarização para assumir seu lugar na sociedade.

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3 MODOS DE LER E A CONSTRUÇÃO DA CRIANÇA LEITORA

Historiadores das práticas de leitura, tais como Chartier (1999), apontam que é recente a ideia da leitura como um ato privado, realizado de forma individual e na intimidade. Nos meios urbanos, entre os séculos XVII e XVIII, existia todo outro conjunto de relações com os textos que passava pelas leituras coletivas, decifrados uns pelos outros e muitas vezes com uma elaboração partilhada por todos.

Além disso, como lembra Goulemot (1996), a leitura supõe determinadas posições do corpo: o corpo leitor cansa ou fica sonolento, boceja, experimenta várias dores, encontra-se sentado, deitado ou estirado, etc. Há ainda uma história de representações sobre a leitura, que inclui, por exemplo, fotos ou pinturas que retratam o leitor, que carregam consigo modelos do ato de ler. Livro e corpo entrelaçam-se, sendo a escola um espaço significativo no disciplinamento do corpo, impondo atitudes consideradas adequadas ao leitor (como, por exemplo, cabeça entre as mãos sugerindo uma leitura profunda).

No presente estudo, as crianças referiram que as primeiras experiências de leitura ocorreram em uma situação de convívio familiar, inserindo-se em uma rotina de contar histórias na hora de dormir, através da intermediação dos adultos, especialmente dos pais. A alfabetização marca a passagem da leitura para uma prática individualizada, que não depende mais da mediação adulta. Além disto, os modos de ler relacionados pelas crianças assinalam, mais uma vez, tanto os aspectos pedagógicos como prazerosos na relação com a leitura, os quais são determinados por questões relativas ao tempo e espaço.

A obrigatoriedade dessa atividade na escola define determinados tempos e espaços considerados apropriados à leitura, assim como posições assumidas pelos leitores. As crianças discorrem sobre as denominadas ‘horas de leitura’, as quais se caracterizam por uma leitura silenciosa, pela escolha de livros ‘apropriados’, por um tempo previamente definido e por uma posição considerada adequada. Por outro lado, elas identificam tempos e espaços nos quais há a possibilidade de outra relação com a leitura, além das questões pedagógicas: pode-se ler na cama, estirado no chão, na posição de ‘indiozinho’, quando não há nada para fazer ou, simplesmente, quando dá vontade.

Nessa perspectiva, Paulino et al. (2001) assinalam que olhos, mãos, pescoço, ombros – enfim, todo o corpo do leitor – estão comprometidos no ato de leitura, buscando a sociedade, incessantemente, impor formas de controle desse corpo, ditando espaços e posições específicos, os quais se relacionam com a busca de controle da própria produção de sentidos.

Por sua vez, Morais (2002) critica o modo como a escola comumente entende a leitura, desconsiderando as diferentes leituras do mundo e postulando uma série de situações pedagógicas que se voltam para o corpo, a concentração, os movimentos dos olhos e dos lábios, etc. A leitura torna-se uma forma de

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regulação do tempo individual, inserindo-se em um processo de docilização dos corpos.

Para finalizar, assinala-se que é característico que, em cada tempo e sociedade, circulem discursos que carregam determinadas aspirações sobre a infância. Considerando-se tais questões, entende-se que a valorização da leitura inscreve-se no âmbito da arte de governar a infância, visando à conformação de corpos dóceis e úteis à sociedade. O ato de ler implica determinadas regulações, as quais passam, predominantemente, pelo espaço escolar, cimentando as relações entre criança e escola. Desse modo, a leitura articula, ao mesmo tempo, prazer e obrigação, tornando-os indissociáveis (é preciso gostar de ler!), o que exerce sobre outros discursos uma espécie de pressão e um poder de coerção, estabelecendo um saber sobre a infância que investe na criança e normatiza condutas.

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Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 98-107, 2010.

MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E AÇÃO POLÍTICA

Rafael Petry Trapp1

Mozart Linhares da Silva2

RESUMO

O presente artigo visa analisar o processo de construção das estratégias identitárias e de ação política do Movimento Negro no Brasil contemporâneo. A atuação do Movimento provocou, a partir do final dos anos 70, uma rediscussão da identidade nacional e um processo de ressignificação identitária. Nos anos 90 mudanças ocorreram no interior do Movimento Negro, que, através do diálogo com o Estado brasileiro, teve sua agenda política alçada à esfera pública. Contudo, enfatiza-se que é no contexto da participação do Movimento na Conferência Mundial contra o Racismo da ONU, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, que o antirracismo e a “questão racial” sofrem mudanças profundas no Brasil. No contexto pós-Durban, as “ações afirmativas” tornam-se a principal bandeira do Movimento Negro, que, paralelamente a um processo de diferenciação interna, tem seu discurso político-identitário transnacionalizado, através do deslocamento de uma identidade nacional para uma identidade étnica.

Palavras-chave: Antirracismo. Movimento Negro. Identidade Negra. Conferência de Durban.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the process of building identity strategies and political action of the Black Movement in contemporary Brazil. The performance of the Movement led, from the late '70s, a renewed discussion of national identity and a process of redefinition of identity. In the '90s, changes occurred within the Black Movement, which, through a dialogue with the Brazilian government, had lifted its political sckedule into the public area. However, we emphasize that it is in the context of participation of the Movement in the UN`s World Conference Against Racism, held in Durban, South Africa, in 2001, which the anti-racism and the "racial question" sustained deep changes in Brazil. In the post-Durban context,

1 Acadêmico do curso de História da UNISC e bolsista PUIC voluntário, vinculado ao projeto “Movimentos Sociais Anti-racismo e Políticas Educacionais no Brasil (1970-2009): História do discurso racial e Educação como estratégia identitária”, coordenado pelo Dr. Mozart Linhares da Silva, no PPGEDU/UNISC. E-mail [email protected]

2 Doutor em História pela PUCRS, com extensão em Coimbra e Professor do Programa de Pós-graduação em Educação e do Curso de História na UNISC

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“affirmative action” becomes the main flagship of the Black Movement, which, along with a process of internal differentiation, has its political and identity discourse transnationalized, through the displacement of a nation identity to an ethnic identity.

Keywords: Anti-racism. Black Movement. Black Identity. Durban Conference.

1 INTRODUÇÃO

A discussão da temática do antirracismo, da identidade negra e das relações étnico-raciais no Brasil adquiriu, nas últimas décadas, uma proporção inédita, ensejando um aumento significativo na produção acadêmica e potencializando o debate público sobre o tema. Tema historicamente central na discussão da identidade brasileira, a chamada “questão racial” vem sendo pensada e elaborada das mais diversas formas, sob olhares diversos e perspectivas muitas vezes conflitantes. Um dos principais fatores que, contemporaneamente, auxiliam na tarefa de compreensão do revival das discussões concernentes à questão racial e do revigoramento de posições e lugares identitários é a emergência dos movimentos sociais antirracismo no Brasil contemporâneo.

Não há como pensar historicamente o antirracismo no Brasil sem considerar o papel fundamental que esses movimentos sociais têm tido ao longo das últimas décadas. Mais conhecidos pela denominação de “Movimento Negro”, esses movimentos sociais têm uma trajetória bastante interessante e específica, no sentido de que suas reivindicações, proposições e estratégias de ação política na luta antirracista têm se constituído em inflexões importantes na história do Brasil e na maneira como se tem pensado a identidade nacional e as delicadas questões de cunho étnico-racial na constituição histórica e sociocultural brasileira.

Assim, o presente trabalho visa contribuir para o estudo da história do antirracismo no Brasil, em especial a história e atuação do Movimento Negro contemporâneo. Entende-se por Movimento Negro contemporâneo o conjunto e a pluralidade dos movimentos sociais antirracismo que têm surgido e se organizado no Brasil desde o final dos anos 1970. Pretende-se analisar neste artigo a constituição das estratégias identitárias e o processo de construção da ação política do Movimento Negro no Brasil contemporâneo, destacando a influência da Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, e o intenso diálogo estabelecido, de um lado, entre o Movimento Negro brasileiro e o Estado brasileiro, e, de outro, com os movimentos antirracismo internacionais, sobretudo a partir do final dos anos 90.

A metodologia adotada neste trabalho basear-se-á, além de revisão bibliográfica concernente ao tema da pesquisa, na análise documental. Desta forma, tomam-se como fontes principais a produção escrita e depoimentos de militantes e intelectuais ligados ao Movimento Negro, documentos produzidos por

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esse mesmo movimento, como o Estatuto do Movimento Negro Unificado e documentos oficiais, como a Declaração Final de Durban.

O recorte temporal que se apresenta mais pertinente é o que concerne ao período de fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) – um dos mais importantes e paradigmáticos movimentos antirracismo brasileiros –, em 1978, em São Paulo, até o ano de 2010, quando da aprovação, pelo Congresso Nacional, do Estatuto da Igualdade Racial, documento que consubstancia uma inflexão de cunho político-identitária fundamental na história contemporânea brasileira.

2 MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO: IDENTIDADE E CONSCIÊNCIA NEGRA

No final dos anos 70, surge, em todo o Brasil, uma série de movimentos sociais, com as mais diversas configurações, demandas e reivindicações. Organizados em torno da luta comum pela democracia, esses movimentos impõem-se como novos atores e forças sociais. No contexto da chamada abertura democrática, a partir dos anos 70, emerge e se organiza também uma série de movimentos e organizações sociais de caráter antirracista. Assim, em 1978, inicia-se, em São Paulo, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR).

Esse movimento reunia em si e em sua denominação outros movimentos sociais negros e/ou antirracismo. Mais tarde, denominado apenas Movimento Negro Unificado (MNU), será referência para a luta antirracista em todo o Brasil. O MNU constituiu-se como um movimento de caráter popular e democrático, e tinha como principais fins o combate ao racismo, a luta contra a discriminação racial e o preconceito de cor (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO apud MOURA, 1983). Em que pese o MNU reivindicar um discurso de união dos negros brasileiros, esse nunca se confirmou na prática. Nesse sentido, Silva enfatiza que

A organização do Movimento Negro brasileiro, no entanto, deve ser entendida em suas particularidades e ambiguidades. Não se pode falar de um movimento unificado e combativo desde sua fase inicial de organização (2007, p. 76).

O MNU, ao mesmo tempo em que se caracterizava como um movimento de reivindicação, protesto e denúncia das iniquidades raciais sofridas pelos negros no Brasil, pela luta contra a opressão e pela emancipação do negro, procurou desconstruir o mito e combater o discurso da chamada “democracia racial”. No bojo da desconstrução do mito da democracia racial, o Movimento Negro proporá uma rediscussão da identidade nacional. A “democracia racial” constituía, a saber, o paradigma balizador da compreensão identitária nacional, especialmente a partir da década de 30, quando das vogas modernistas no pensamento social e da presença do governo de Vargas, que arrogava união nacional. Para Silva (2007, p. 55),

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A democracia racial, enquanto estratégia identitária induzida politicamente, tem no período Vargas um arranjo pontuado, e visava construir um amalgama nacional que viabilizasse não só uma noção de homogeneidade nacional não-conflituada, nem mesmo de classe, mas acentuasse a idéia de povo unificado [...].

Se essa identidade e as relações étnico-raciais eram pensadas até esse momento, de maneira a conformar uma “democracia racial”, a desconstrução desse mito, apoiada, além disso, em numerosas e consistentes pesquisas acadêmicas (Cf. FERNANDES, 1965; CARDOSO, 1962; HASENBALG, 1979), levará a uma problematização identitária, posto que a realidade de desigualdade entre negros e brancos tornava a ideia de “democracia racial” insustentável.

A atuação da militância e de acadêmicos e intelectuais ligados ao Movimento Negro, como Abdias do Nascimento, levou, portanto, a uma problematização e rediscussão da identidade brasileira, inserindo novos temas e questões a essa discussão, mormente a questão racial. Em contrapartida, essa articulação levou a um processo de ressignificação identitária, através da reivindicação de uma identidade e de uma consciência racial negras. A questão da consciência negra é de suma importância, no sentido de que permitiu constituir mecanismos de fortalecimento do movimento e articular o processo de ressignificação identitária entre os militantes e os negros no Brasil. Assim, para Costa (2006, p. 144),

Os conceitos ‘consciência’ e ‘conscientização’ passam a ocupar, desde a fundação do MNU, lugar decisivo na formulação das estratégias do movimento. Trata-se da tentativa de esclarecer a população negra sobre sua posição desvantajosa na sociedade, para, assim, constituiro sujeito político da luta antirracista.

A discussão acerca da identidade nacional sofre um revés e ganha novos contornos. De uma identidade nacional ancorada na noção da não conflitualidade étnico-racial passa-se à reivindicação e à consciência de uma identidade negra, com olhos voltados para a África e para os negros da diáspora decorrente da escravidão colonial, marcados pelo passado comum de escravidão, opressão e racismo. As influências externas são muitas, mas pode-se destacar, no que se refere aos referenciais para a constituição da ação política do Movimento Negro brasileiro, os movimentos dos negros pelos direitos civis nos Estados Unidos e os africanos de caráter nacionalista, em decorrência do processo de descolonização na África. Amílcar Araújo Pereira salienta que

Embora a circulação de referenciais não fosse a mesma das décadas anteriores, é interessante perceber como o movimento negro que surge nesse momento procura informações sobre as lutas travadas por populações negras, tanto nos Estados Unidos quanto nos países africanos, para informar o próprio movimento e também para sensibilizar a sociedade brasileira sobre a questão racial no país (2008, p. 226)

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A ligação com a África torna-se central para o movimento negro também no sentido de ressignificar a identidade. A designação afro, por exemplo, tornou-se adjetivo para práticas e adscrições identitárias. Na década de 80, o discurso de ligação com a África se popularizou. Esse discurso, que começou a ser reivindicado no final década 70, com a formação do próprio MNU, consolida-se no contexto pós-Durban, como veremos mais adiante. A memória africana é crucial, portanto, para conformar a identidade negra e potencializar o alcance da luta do Movimento Negro (SILVA, 2007).

A experiência diaspórica torna-se essencial nesse sentido, servindo de referencial para pensar a identidade negra no Brasil e os negros onde quer que a dispersão da diáspora negra os tenha levado (Cf. GILROY, 2001). A influência de intelectuais negros é marcante para a estratégia de conscientização dos negros no Brasil. Destarte, nomes como os de Franz Fanon, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, entre outros, tornam-se referência constante para a militância negra brasileira (ALBERTI; PEREIRA, 2007).

A influência do Movimento Negro norte-americano, por sua vez, pode ser pensada sob vários aspectos. Além das referências de cunho estético-cultural, com o movimento Black is Beautiful e a música negra norte-americana, as práticas de ação política e as estratégias identitárias comungam de princípios comuns. Esses princípios estão em parte ancorados em algumas experiências adotadas nos Estados Unidos, qual sejam, as políticas de ações afirmativas e a adoção do paradigma multiculturalista para pensar as relações étnico-raciais no Brasil. Nesse sentido, Silva considera que

O estreitamento dos laços entre os vários Movimentos [...] com o Movimento Negro norte-americano foi, sem dúvida, um importante passo para a definição conceitual das bases unificadoras das lutas contra o racismo no mundo ocidental. (2010, pp. 12-13).

Sob a influência, portanto, desses movimentos internacionais, a luta antirracista, capitaneada pelo Movimento Negro Unificado e por outras organizações negras, potencializar-se-á no decorrer dos anos 80, na esteira das profundas transformações advindas com o restabelecimento da democracia no Brasil. Constituiu-se simbolismo importante para o Movimento Negro que o ano da aprovação da nova constituição democrática, 1988, coincidisse com o centenário da abolição da escravatura. O Movimento Negro aproveitou-se dessa data para denunciar as mazelas vividas pela população negra no Brasil e reforçar os direitos de cidadania e de igualdade legal para os afrodescendentes, para além de qualquer comemoração da Abolição, que, por sinal, foi denunciada como “farsa” (COSTA, 2006).

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3 MOVIMENTO NEGRO E ESFERA PÚBLICA: A CAMINHO DE DURBAN

Os anos 90 serão sumamente importantes para o Movimento Negro, pois é a partir desse período que o Movimento passará a estabelecer um diálogo intenso com o governo brasileiro. Em 1995, assumirá a presidência da República Fernando Henrique Cardoso, sociólogo da geração uspiana formada sob a guarda intelectual de Florestan Fernandes. Em 1995, ano do tricentenário da morte de Zumbi ocorre a Marcha Zumbi dos Palmares, em Brasília, com a participação de milhares de pessoas e de dezenas de movimentos e organizações antirracistas. É consenso que a Marcha representou um momento decisivo para o Movimento Negro contemporâneo. Na opinião da intelectual e militante Sueli Carneiro, a Marcha

Foi o fato político mais importante do movimento negro contemporâneo. Acho que foi um momento também emblemático, em que nós voltamos para as ruas com uma agenda crítica muito grande e com palavras de ordem muito precisas que expressavam a nossa reivindicação de políticas públicas que fossem capazes de alterar as concepções de vida da nossa gente. Foi um processo rico, extraordinário (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 345).

O Governo Federal, cujo presidente foi o primeiro na história do Brasil a reconhecer publicamente a existência das iniquidades raciais em relação aos negros, propõe, em resposta às demandas do Movimento Negro apresentadas na Marcha, a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI), no âmbito da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SNDH). A criação desse órgão é um marco, no sentido de que aí se inicia de maneira intensa e profícua uma relação entre o governo brasileiro e o Movimento Negro, e começam a ser discutidas políticas públicas envolvendo a questão racial.

Com a participação de representantes do Movimento na SNDH e no contexto da profissionalização observada no Movimento Negro – com o surgimento de importantes ONGs antirracismo, como a Geledés e a Fala Preta! – a questão racial e as demandas do Movimento Negro entram definitivamente na pauta da agenda política nacional. Estava selada uma relação que se tornaria ainda mais forte nos anos seguintes, já no contexto de preparação para a Conferência de Durban, e que potencializaria o debate e a efetiva implementação de políticas públicas para a população negra brasileira. No âmbito da SNDH é criado, em 2000, o Comitê Nacional de preparação para a Conferência de Durban.

A atuação do comitê articulará os movimentos sociais e o governo brasileiro, através de dezenas de reuniões e seminários. Assim, as discussões giraram em torno da produção de um relatório sobre as condições de vida dos negros brasileiros e das relações étnico-raciais no Brasil, a ser apresentado na Conferência Regional das Américas, realizada em Santiago do Chile, como preparação para a Conferência Mundial de Durban. O relatório enfatizava a existência de racismo e de preconceito em ralação aos negros no Brasil. Um dos

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pontos mais polêmicos do relatório foi a reivindicação de medidas de reparação e a adoção de ações afirmativas para a população negra, por parte do poder público. O Movimento Negro viveu um momento único de união em função de Durban, havendo uma articulação sem precedentes no que se refere à obtenção de consensos norteadores para a participação do Movimento na Conferência.

Convocada pela ONU em 1997, a Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, foi realizada em Durban, na África do Sul, em 2001. No país de Nelson Mandela, que havia enfrentado décadas de segregação oficial, o apartheid, a ONU, governos nacionais, ONGs e movimentos sociais de todo o planeta se reuniram para discutir as questões do racismo, da intolerância e da xenofobia na contemporaneidade. Em que pese as discussões da Conferência tenham levado a tensões envolvendo a questão do sionismo e da política israelense em relação aos palestinos, o Movimento Negro brasileiro teve uma atuação destacada na Conferência, no sentido de que muitas de suas propostas e reivindicações encontraram eco e respaldo perante a comunidade internacional, tornando-se a Conferência um marco na história do antirracismo brasileiro.

A Conferência de Durban é significativa no sentido de que, a partir da participação da delegação brasileira no evento, houve a redefinição das estratégias de ação política para os movimentos antirracismo nacionais a partir de estratégias comuns. Muitas das reivindicações do Movimento Negro foram, inclusive, incluídas no documento final de Durban (ONU, 2002). Nesse sentido, pode-se apontar importantes mudanças na constituição do antirracismo e do Movimento Negro no Brasil no contexto pós-Durban. Considerando a importância de Durban para o antirracismo no Brasil, Costa (2006, p. 150) enfatiza que

Para a política interna brasileira, a Conferência da ONU contra o racismo de 2001 representa um importante ponto de inflexão, já que, pela primeira vez, ocorreu um debate de amplitude nacional sobre o racismo, apresentando-se novos dados e argumentos que comprovam, de forma irrefutável, a discriminação contra os afrodescendentes.

Vários são os pontos de inflexão e mudança que podem ser apontados no contexto pós-Durban. O exemplo mais sintomático nesse processo são as políticas de ações afirmativas, a partir de Durban, como a principal bandeira do Movimento Negro. A questão das chamadas “cotas” passou a constituir ponto central na agenda do Movimento. Além disso, a efetiva implementação de ações afirmativas para negros – como no vestibular da UERJ, em 2002, portanto logo após a Conferência – levou a que uma das principais demandas do Movimento Negro, qual seja, a da existência de um debate público sobre a questão racial no Brasil, ocorresse em grande amplitude. Para Alberti e Pereira (2006, p. 159)

A questão das cotas e, de forma mais ampla, das ações afirmativas é, com certeza, uma novidade com um vasto potencial de mudança social, que incide não apenas sobre as possibilidades

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de estudo e trabalho de afrodescendentes, mas sobre as representações que a sociedade brasileira produz sobre si mesma, em especial as camadas média e alta, pouco acostumadas a conviver de forma igualitária com pretos e pardos. Nesse sentido, a discussão provocada pela frase incluída no documento de Durban é profícua e bem-vinda.

Observe-se também uma marcada diferenciação interna no Movimento Negro. Com o surgimento e a visibilização de várias ONGs antirracistas e o fortalecimento dos movimentos de mulheres negras – aliás, a presença brasileira mais importante na Conferência de Durban, cuja relatora foi a militante do Movimento Negro brasileiro Edna Roland – amplia-se a discussão da política da diferença no interior do próprio Movimento, que se torna mais heterogêneo. É também no contexto da Conferência que se oficializa a utilização e a positivação da designação “afrodescendente” no lugar de “negro”, conforme relato de Edna Roland (apud ALBERTI; PEREIRA, 2007).

Outra questão fundamental que pode ser observada no contexto pós-Durban é o processo de transnacionalização do discurso do Movimento Negro, deslocando-se a identidade nacional para uma identidade étnico-racial. Esse processo se dá em função do relacionamento constante estabelecido entre o Movimento Negro brasileiro com outras organizações e movimentos sociais antirracismo internacionais, sobretudo latinos e norte-americanos, além do surgimento de redes de cooperação binacionais e transnacionais. Apesar disso, é interessante salientar que a questão do intercâmbio internacional já estava entre os fins do MNU desde a sua fundação (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO apud MOURA, 1983). Destacam-se as redes antirracistas de cooperação internacional La Alianza e a Rede Latino-Americana e Caribenha de Mulheres Negras. Nesse sentido, López assevera que

A Conferência de Durban inaugurou um momento de protagonismo dos movimentos afro-latino-americanos na arena transnacional, colocando em primeiro plano noções de justiça baseadas nas experiências diaspóricas na América Latina, que chamam a atenção para a convergência de igualdade social e pluralismo cultural (2009, p. 357).

A Conferência de Durban representa, portanto, um importante momento para a história do Movimento Negro no Brasil, pois, além da transnacionalização do discurso no sentido político-identitário, suas estratégias de ação política ganharam força ao serem traduzidas, posteriormente, na implementação de uma série de políticas públicas de caráter afirmativo (HERINGER, 2002). O debate público sobre a questão racial potencializou-se, provocando, além disso, a irrupção de posições extremadas na opinião pública e de debates acadêmicos que têm se conformado, grosso modo, na oposição entre os intelectuais racialistas e os nãoracialistas.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da história do Movimento Negro contemporâneo no Brasil fornece subsídios importantes para pensar as discussões contemporâneas sobre identidade, etnicidade, racismo e cidadania, entre outros temas, e a maneira como o debate desses conceitos se relacionam com a constituição das estratégias identitárias e de construção da ação política do Movimento Negro brasileiro. Tentou-se neste trabalho entender como o Movimento Negro constrói suas estratégias de ação política. Constatou-se que uma das principais estratégias foi a de afirmar, para a militância e os negros brasileiros, a consciência de uma negritude e rediscutir a identidade nacional.

Nos anos 90 o Movimento Negro passou por intensas transformações, ao tornar-se profissional e realizar um diálogo com o Estado, processo que alçou as proposições e as demandas do Movimento para a esfera pública. O que se evidencia é que, do período do governo de Fernando Henrique Cardoso aos dias atuais, o Movimento Negro tem sua articulação política potencializada. Contudo, é somente a partir da Conferência de Durban que se efetiva a transnacionalização do discurso, a partir do definitivo deslocamento de uma identidade nacional para uma étnico-racial negra. Esse processo de deslocamento identitário coaduna-se com a série de políticas públicas levadas a cabo no contexto pós-Durban, o que reafirma a importância crucial que a Conferência de Durban representa para o antirracismo, para a ação política e para a agenda do Movimento Negro no Brasil contemporâneo.

REFERÊNCIAS

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HERINGER, Rosana. Ação afirmativa e combate às desigualdades raciais no Brasil:o desafio da prática. Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2002, Ouro Preto. Anais... 16 p. Disponível em: <www.abep.org.br>. Acesso em 21/06/2010.

LÓPEZ, Laura. “Que a América Latina se sincere”: uma análise das políticas e das poéticas do ativismo negro em face às ações afirmativas e às reparações no Cone Sul. Porto Alegre: PPGAS/UFRGS – Tese de Doutorado, 2009.

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ONU. Declaração e Plano de Ação da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2002.

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CiênciasHumanasCiênciasHumanas

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ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

Na área de Ciências Sócias Aplicadas entre os 40 trabalhos apresentados no evento, 77,5% foram de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade, e 22,5% de trabalhos de alunos de IC vinculados a outras Instituições de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. A maioria dos trabalhos nesta área foi de bolsistas do Programa UNISC de Iniciação Científica – PUIC, seguida dos Programas de bolsa PIBIC/CNPq, PROBIC/FAPERGS e PUIC voluntário, apresentados na Figura 04.

Trabalhos apresentados na Área de Ciências Sociais Aplicadas no XVI Seminário de Iniciação Científica da UNISC

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2

4

6

8

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PUIC

PIBIC

/CNPq

PROBIC

/FAPERGS

Out

ras B

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PUIC V

OLUNTÁRIO

Tipo de bolsa relacionada aos trabalhos apresentados

Nº d

e T

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CiênciasSociaisAplicadas

Figura 04 – Modalidade de bolsas dos estudantes participantes do XVI Seminário de Iniciação Científica na Área de Ciências Sociais Aplicadas.

Fonte: Coordenação de Pesquisa, UNISC, 2010.

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ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: UMA ANÁLISE DO SETOR METAL-MECÂNICO NA REGIÃO DOS VALES DO RIO PARDO E TAQUARI

Rejane Maria Alievi1

Heron Sérgio Moreira Begnis2

Gabriella Azeredo Azevedo3

Maurício Rennhack Stein3

RESUMO

Este artigo buscou interpretar os objetivos e o andamento do presente projeto, considerando que assuntos relacionados a cooperação, desenvolvimento regional, vantagens competitivas têm se tornado cada vez mais importantes no âmbito nacional e internacional. Assim, analisou-se a prática do APL como forma de reorganizar a conjuntura atual, frente a esses grandes atores do mercado que impedem a inserção e/ou a sobrevivência de pequenas empresas.

Palavras-chave: Arranjo Produtivo Local. Cooperação. Indústria metal-mecânica.

ABSTRACT

This article sought to interpret the objectives and the current course of the project, since the subjects related to cooperation, regional development, and competitive gains have become more important in national and international range. Having that in mind, we analyzed the practice of the Local Productive Arrangement as a way of reorganizing the current conjuncture, facing the big actors of a market, who prevent insercion and/or the survival of the small companies.

Keywords: Local Productive Arrangement. Cooperation. Metal-mechanic industry

1 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC; Doutora em Administração na Área deTecnologia em Produção/PPGA/UFRGS; Mestre em Economia na Área de Economia Industrial/PPGE/UFRGS.

2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC; Mestre em Economia Rural (IEPE/UFRGS) e Doutor em Agronegócio (CEPAN/UFRGS).

3 Bolsistas do projeto. Acadêmicos do curso de Relações Internacionais, UNISC.

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1 INTRODUÇÃO

Através do projeto “Cooperação, Capacitação Tecnológica e Inovação no Arranjo Produtivo Metal Mecânico da Região Funcional 2/RS-Brasil” buscou-se pesquisar e analisar o mercado, a produção, a cooperação e o desenvolvimento das empresas que compõem o setor metal-mecânico nas regiões do Vale do Rio Pardo e Taquari. As cidades estudadas fazem parte da Região Funcional 2 (classificadas, assim, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul a partir das especificidades de cada uma). No total, as duas regiões – ou, os dois vales – possuem 61 municípios e uma população de 742 mil habitantes (base de dados sistema FIERGS).

Antes de explicar os focos de análise do projeto, é importante citar o conceito de Arranjos Produtivos Locais, de acordo com o Ministério Nacional de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2009). Pelo Termo de Referência elaborado pelo Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL), um APL deve ter um número significativo de empreendimentos no território e de indivíduos que atuam em torno de uma atividade produtiva predominante e que compartilhem formas percebidas de cooperação e algum mecanismo de governança, podendo incluir pequenas, médias e grandes empresas.

É objetivo do projeto identificar a existência ou não de um APL, bem como fomentar a criação do mesmo na região funcional 2-RS. A justificativa, por sua vez, é a de desenvolver o estudo na área metal-mecânica dado seu crescente desempenho e importância econômica. Desta forma, para entender o assunto e observar a evolução dos estudos sobre o tema (APL), julga-se necessário retomar alguns acontecimentos relevantes.

2 RETOMADA HISTÓRICA, ANÁLISE TEÓRICA E APLICABILIDADE

Com o esgotamento do modelo fordista de produção na década de 1970 – este baseado na presença dominante de grandes corporações de regime de produção verticalizada – houve a necessidade de reorganizar a produção global. Visando à diminuição dos desequilíbrios regionais, os Estados passaram a atuar de forma mais intensa na organização produtiva, bem como na economia de uma forma geral. Assim, algumas teorias foram sendo aprimoradas, outras substituídas, ao mesmo tempo em que políticas de desenvolvimento vinham sendo criadas.

Alguns desequilíbrios, constatados em situações regionais/locais, fizeram com que a importância da produção flexível, da inovação e das vantagens competitivas crescesse, enquanto tema a ser abordado nas pautas de discussão. Para organizar este cenário, um instrumento utilizado é o da reformulação dos padrões tradicionais de localização das empresas através da descentralização, método este que resulta na formação dos arranjos produtivos locais (APLs).

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Segundo Amim (2000), a principal razão para o estudo dos APLs é, justamente, permitir que pequenas empresas sobrevivam em um mundo de grandes firmas, renovando o significado da força do lugar ou da região como uma unidade de desenvolvimento econômico autossustentado. Marshall (1996) fala sobre os ganhos de produtividade que podem ser obtidos com a especialização do trabalho e das etapas de produção, criando – na sequência – o conceito de economias internas e externas, destacando-se, aqui, as externas que podem ser conseguidas através da concentração de pequenas empresas similares em determinadas localidades, o que vai bem ao encontro do tema proposto pelo projeto.

Os ganhos obtidos em se estabelecer polos com presença de fatores de produção comuns (terra, trabalho, capital, energia, armazenagem e transporte) podem se resumir em melhorias no acesso e na manipulação desses fatores, resultando em aumentos de produtividade no longo prazo e queda dos preços. Também no longo prazo, cada unidade de produção localizada em um polo apresentará custos menores devido à presença de infraestrutura mais sólida e classes de trabalhadores e capital mais especializados do que se tivesse que importar esses fatores de outras localidades.

É importante mencionar os estudos de Perroux (1967) sobre o crescimento que se manifesta em polos e depois se expande por diversos canais com efeitos variáveis sobre a economia. Isto encontra problemas em países “atrasados”, pois redes de preços, fluxo e antecipações não estão articulados.

Para Perroux (1967), o desenvolvimento regional ocorre através de um sistema contendo uma grande empresa pioneira chamada de Motriz ou Indutora (que dita o crescimento e gera capital com o lucro das vendas) e uma série de empresas menores chamadas de Induzidas, que vendem fatores para a Motriz e se beneficiam de seu crescimento. Assim, teoricamente, ocorreria a distribuição de renda e crescimento. Mas pode ocorrer a chamada dispersão concentrada, na qual os polos de desenvolvimento não irradiam os benefícios para outros setores e localidades vizinhas, gerando sérios desequilíbrios econômicos.

Tendo em vista o rápido crescimento dos trabalhos tratando do desenvolvimento regional, destaca-se o autor Cavalcante (2006) que elaborou uma base matemática para atribuição e classificação de APLs, diferenciando as etapas em: Infantes, Jovens e Maduras. Cavalcante (2006) criou um índice, a partir de três termos matemáticos: QL (Quoeficiente Locacional), que permite saber se uma cidade possui especialização em um setor especifico; PR (Participação Relativa), uma proporção que relaciona a importância do setor no município em âmbito nacional; por último o indicador Hirschman-Herfindahl, que capta em que medida a especialização do setor no município reflete um fenômeno do setor ou da estrutura industrial do município como um todo. Assim, pode-se calcular o IC (Índice de Concentração), onde são somados os três índices anteriores cada qual com um peso especifico.

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A partir daí as aglomerações são divididas nos três estágios citados anteriormente. Os infantes são os APLs de baixa concentração, nos quais o IC apresentado tem média inferior ou aproximada a 1,5. APLs jovens apresentam já uma heterogeneidade nos índices de concentração e os índices ficam entre 1,5 e 9,8. Por sua vez, os APLs maduros têm alto nível de concentração com um índice médio de 17. Cavalcante (2006) também mostrou a relação de agências bancárias em cada setor, uma vez que o sistema financeiro é um forte ator nesta conjuntura. Assim o número, respectivamente, de agências em cada etapa é em média: 5, 8 e 30.

3 METODOLOGIA

Dando continuidade às pesquisas, o projeto avaliou as características e a evolução do setor metal-mecânico, alvo do estudo, a partir da série de dados do IBGE de 1996 a 2005. Decidiu-se, no entanto, separar a análise da seguinte forma: primeiramente foi estudado o setor em nível nacional (que se concentra no eixo Rio de Janeiro-São Paulo) e, após, foram analisadas as condições do setor no nível estadual. Esta distinção foi necessária para melhor visualizar as diferenças de cada região, conforme apontadas a seguir.

As empresas localizadas na região do estudo passaram por um processo de seleção, de acordo com seu grau de importância para o foco do projeto. Portanto, foi dada maior atenção a algumas pelo seu porte e pela sua produção.

As empresas escolhidas para aplicação de um questionário pertencem aos seguintes municípios: Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul, Encantado, Estrela, Lajeado, Roca Sales, Santa Cruz do Sul, Teutônia, Venâncio Aires, Vera Cruz e Westfália, gerando um total de mais de 60 empresas a serem analisadas.

Atualmente o projeto encontra-se na etapa de tabulação e de análise das informações recolhidas. No entanto, obteve-se pouco menos de 50% de resposta dos empresários, fato que permite constatar como essas ideias ainda não estão difundidas no meio empresarial e, consequentemente, não geram tantos resultados quanto poderiam.

Essas informações foram analisadas segundo a identificação da linha de códigos da CNAE 1.0. para os seguintes subsetores – Metalurgia básica (27), Fabricação de produtos de metal – exceto máquinas e equipamentos (28), Fabricação de máquinas e equipamentos (29), Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática (30), Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos (31), Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações (32), Fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios (33), Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias (34), Fabricação de outros equipamentos de transporte (35) e Reciclagem (37).

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4 ANÁLISE DE DADOS

Começando pela análise em nível nacional, utilizando-se dos conhecimentos já citados anteriormente, e aplicando-os ao resultado da análise dos dados, percebe-se um aumento considerável no número de empresas em quase todos os grupos de atividades do setor metal-mecânico, conforme gráfico abaixo:

2 000

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6 000

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Subsetores

1996 2005

Gráfico 1 - Número de empresas 1996-2005 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial

Anual.

No entanto, é notável o desenvolvimento do número de empresas nas atividades de fabricação de produtos de metal e de fabricação de máquinas e equipamentos, que cresceram 62% e 51% (IBGE, 1996-2005), respectivamente, e do tamanho do aumento do número de empresas no setor de reciclagem, que foi de 704% (IBGE, 1996-2005), muito embora estes não tenham sido os setores cuja receita mais cresceu (que seriam os setores de metalurgia básica e de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias).

Com relação à receita, tanto a receita total quanto a receita líquida, a média do setor no nível nacional aumentou consideravelmente nestes nove anos, bem como o nível de industrialização. Alguns grupos de atividade tiveram aumento na receita total, apesar de apresentarem uma redução no valor de transformação industrial. Isto é, nos ramos de fabricação de máquinas e equipamentos e de fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações, ramos de alto nível de industrialização, os custos do processo industrial aumentaram mais do que o valor bruto desse processo.

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700 000

800 000

900 000

27 28 29 30 31 32 33 34 35 37

Subsetores

1996 2005

Gráfico 2 - Pessoal ocupado por categoria 1996-2005 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial

Anual.

A questão da industrialização é ilustrada pelos dados acerca do número de trabalhadores no setor, já que o nível de pessoal ocupado caiu 50% (IBGE, 1996-2005) nesse período. Apenas um ramo do setor ampliou o nível de pessoal empregado: o ramo de reciclagem; porém, isso se deve ao grande aumento no número de empresas no ramo, que é de mais de 700% (IBGE, 1996-2005). Outro dado interessante é que esse foi um dos poucos ramos em que os salários subiram no período: cerca de 250% (IBGE, 1996-2005).

Outros ramos onde os salários aumentaram foram os de fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática, e de fabricação de outros equipamentos de transporte. O primeiro seria explicado pelo aumento da demanda interna de computadores e periféricos, o que aumenta a concorrência entre empresários do ramo para captar a escassa mão de obra com as qualificações necessárias para esse ramo; já o segundo aumento, cujo ramo inclui a fabricação de embarcações, é explicado pela grande dificuldade de obter mão de obra necessária para sua produção.

Alterando o foco para o nível estadual, percebe-se algumas semelhanças nos dados da evolução do setor metal-mecânico entre o estado do Rio Grande do Sul e do Brasil. Por exemplo, o crescimento notável do número de empresas locais nos ramos de fabricação de produtos de metal e de fabricação de máquinas e equipamentos, que já possuíam em nosso Estado elevado número de empresas instaladas (IBGE, 1996-2005).

Seguindo a análise, esses setores apresentam também grande evolução no número de pessoal empregado, fato que se repete em nível estadual no setor de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias. É interessante salientar o desenvolvimento desse setor em quase todos os aspectos

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analisados. O crescimento da receita líquida no ramo foi de 232% (IBGE, 1996-2005), apesar do grande aumento no valor de transformação industrial e no nível de salários do setor. Isso poderia ser explicado pelo elevado crescimento do número de operações industriais do ramo, indicando um aumento na demanda do mercado de automóveis.

No caso do Rio Grande do Sul, o período 1996-2005 foi bastante benéfico para o setor metal-mecânico, dado o aumento considerável das exportações da região (tanto agrícolas quanto de produtos industrializados, como chassis de ônibus), o que contribuiu para o consumo desses produtos também na região, já que muitos dos produtores agrícolas mecanizaram suas produções. Além disso, muito do desenvolvimento do setor se deve à implantação da fábrica da General Motors em Gravataí, que alavancou a cadeia produtiva do ramo de automóveis.

Dessa forma, destacam-se algumas diferenças entre o nível nacional do setor metal-mecânico e do nível estadual, e essas se encontram no nível de pessoal empregado e no nível de salários. O grande acúmulo de capital do eixo São Paulo-Rio de Janeiro gera uma forte competição entre as empresas do eixo. Assim, em nível nacional o número de pessoal empregado vem sofrendo redução, dada a necessidade de redução de custos das empresas. O estado do Rio Grande do Sul, porém, no período, beneficiou-se do aumento das exportações e da queda de IPI (imposto sobre produtos industrializados) ainda em 2004, resultando no aumento do consumo no setor, o que é constatável pelo aumento do número de empresas, seguido do aumento da produção dessas. Esse fato possivelmente se repetiu em 2008/2009, na segunda redução do IPI, como forma de impedir a queda brusca do consumo após a crise financeira em 2008.

Percebendo a importância da análise acerca dos APLs e das características do setor anteriormente abordado no país, a pesquisa e os trabalhos foram guiados para um estudo das empresas e da forma de atuação dessas para a constatação, ou não, da existência de um arranjo produtivo local na região do Vale do Rio Pardo e do Taquari (Região Funcional 2/RS-Brasil). Então, através de uma listagem da FIERGS (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), identificou-se a localização e a relevância das empresas do setor metal-mecânico, passando a contatá-las, objetivando entender o processo produtivo, o planejamento, a criação de redes de cooperação entre outras questões.

A organização responsável por congregar as empresas do setor no Rio Grande do Sul é o Sindicato Patronal Sinmetal (Sindicato das Indústrias Metal-Mecânicas, Material Elétrico e Eletrônico do Rio Grande do Sul). Dados do sindicato mostram que nos dois maiores municípios do Vale do Rio Pardo – considerando o número de habitantes de cada um –, em Santa Cruz do Sul e em Venâncio Aires, há, respectivamente, 120 (cento e vinte) e 65 (sessenta e cinco) empresas vinculadas. No Vale do Rio Taquari, por sua vez, os municípios com maior quantidade de empresas filiadas ao Sindicato são Lajeado, Estrela e Encantado, com, respectivamente, 98 (noventa e oito), 51 (cinquenta e uma) e 24 (vinte e quatro) empresas do setor.

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A aglomeração das empresas produtoras do arranjo produtivo selecionado, e os demais agentes que atuam direta e indiretamente na cadeia, tendem a promover maiores laços de confiança e cooperação nas suas atividades. Essa cooperação emerge, de fato, quando as organizações visualizam ganhos competitivos eliminando dificuldades que, de outra forma, não teriam condições de conseguir isoladamente.

Assim, o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais criou o formulário para a apresentação do Plano de Desenvolvimento, a partir da metodologia que tem como principal eixo o reconhecimento e a valorização da iniciativa local, por meio de estímulo à construção de Planos de Desenvolvimento participativos, envolvendo necessariamente, mas não exclusivamente, instituições locais e regionais, na busca de acordo por uma interlocução local comum (articulação com os órgãos do Grupo de Trabalho) e por uma articulação local com capacidade para estimular o processo de construção do Plano de Desenvolvimento (agente animador).

A metodologia de apoio aos APLs conta ainda com o nivelamento do conhecimento sobre as atuações individuais nos arranjos, bem como com o compartilhamento dos canais de interlocução local, estadual e federal e, por último, com o alinhamento das agendas das instituições para acordar uma estratégia de atuação integrada.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual etapa do projeto não permite conclusões exatas, uma vez que análises ainda estão sendo feitas. No entanto, em relação ao objetivo inicial proposto, é possível projetar algumas interpretações frente aos mercados estudados.

A pequena porcentagem de questionários respondidos por parte das empresas sinaliza para um arranjo, no qual, possivelmente, exista pouca cooperação entre as empresas. Assim, utilizando-se da análise de Cavalcante (2006), na região funcional em questão, o setor metal-mecânico apresenta características de APL infante ou em formação.

Entende-se que, para que ocorram ganhos competitivos e um crescimento geral do setor, há que se divulgar as possibilidades de benefícios adquiridos com a cooperação, mesmo que entre concorrentes. Mas, então, por que apoiar a formação de Arranjos Produtivos Locais?

A principal ideia é a de que diferentes atores de uma região, tanto empresas quanto sindicatos, entidades de educação, de crédito e de tecnologia, além de agências de desenvolvimento, possam mobilizar-se para identificar suas capacidades e necessidades, trabalhando de forma conjunta em prol do seu desenvolvimento e de sua região.

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REFERÊNCIAS

AMIM, A. Industrial districts. In: SHEPPARD, E.; BARNES, T. (Ed.) A companion to economic geography. Oxford: Blackwell, 2000. 536p.

CAVALCANTE, Anderson Tadeu Marques. Financiamento e desenvolvimento local: um estudo sobre arranjos produtivos. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional UFMG, 2006.

MARSHALL, A. Princípios de economia. São Paulo: Abril Cultural, 1890/1996. 2v.

PERROUX, F. A economia do século XX. Porto: Herder, 1949/1967. 755p.

IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa Industrial Anual (1996-2005).

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO RIO GRANDE DO SUL – FIERGS. Cadastro das indústrias, fornecedores e serviços do sistema FIERGS, Porto Alegre, 2009.

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O AMICUS CURIAE E O CUSTO DOS DIREITOS: A RELEVÂNCIA DO INSTITUTO NAS CAUSAS QUE IMPLICAM CUSTOS EXCESSIVOS PARA O ESTADO E AS ESCOLHAS EM MEIO À ESCASSEZ DE RECURSOS

Júlia Carolina Müller1

Mônia Clarissa Hennig Leal2

RESUMO

Este estudo tem por objetivo fazer uma análise da Teoria do Custo dos Direitos, dos autores norte-americanos Cass Sunstein e Stephen Holmes, que sustentam que todos os direitos necessitam de atuação positiva do Estado e dependem de recursos financeiros públicos para serem efetivados. A Constituição Federal impõe a efetivação dos direitos fundamentais, porém, muitas vezes, o Poder Judiciário é obrigado a suprir as lacunas deixadas pelos outros poderes, tendo que decidir, muitas vezes, sobre matérias de cunho político, nem sempre de seu conhecimento, e que causam grande impacto orçamentário. Como os recursos financeiros são limitados e as necessidades sociais são infinitas, os poderes são obrigados a fazer as chamadas “escolhas trágicas”, priorizando a efetivação de alguns direitos em detrimento de outros. Nesse contexto, a figura do amicus curiae, enquanto instrumento que viabiliza a participação social no processo, temsua importância ressaltada, justamente por possibilitar, nas causas que implicam altos custos para o Estado, que se estabeleça um debate mais amplo acerca dos aspectos e dos custos envolvidos, a fim de que o Judiciário, se não pode se furtar de decidir, pelo menos possa decidir de forma mais consciente e democrática e, consequentemente, também mais legítima.

1 [email protected]. Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Bolsista PUIC no projeto “O amicus curiae como instrumento de realização de uma jurisdição constitucional aberta: análise comparativa entre o sistema brasileiro, alemão e norte-americano e de sua efetividade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro” e membro do grupo de estudos “Jurisdição constitucional aberta”, sob mesma orientação.

2 [email protected]. Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, com pesquisa realizada junto à Ruprecht-Karls Universität Heidelberg, na Alemanha. Pós-Doutora pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, onde leciona as disciplinas de Jurisdição Constitucional e Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, respectivamente. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional aberta”, vinculado ao CNPq. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Coordenadora do projeto de pesquisa “O amicus curiae como instrumento de realização de uma Jurisdição Constitucional aberta: análise comparativa entre o sistema brasileiro, alemão e norte-americano e de sua efetividade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro”, do qual o presente artigo é resultante, financiado pelo CNPq e pela FAPERGS.

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Palavras-chave: Custo dos Direitos. Amicus curiae. Direitos positivos e negativos. Escassez de recursos. Escolhas trágicas.

ABSTRACT

This study aims to analyze the Theory of the Cost of Rights, of the American authors Cass Sunstein and Stephen Holmes, who maintain that all rights need positive actions of the state and depend on public financial resources to be executed. The Constitution requires the execution of fundamental rights, but often the Judiciary is obliged to fill in the gaps left by other powers, having to decide, often on matters of political nature, not always known, and that impact heavily on budget. As financial resources are limited and social needs are infinite, the powers are required to do so-called "tragic choices", prioritizing the realization of some rights over others. In this context, the figure of amicus curiae, as a tool that enables social participation in the process, has emphasized its importance, precisely because it allows, in cases involving high costs for the state to establish a broader debate about the issues and costs involved, so that the judiciary cannot escape is to decide at least to decide more consciously and democratically and therefore also more legitimate.

Keywords: Cost of rights. Amicus curiae. Positive and negative rights. Scarcity of

resources. Tragic choices

1 INTRODUÇÃO

Há, no contexto do constitucionalismo atual, grande controvérsia acerca do papel e da legitimidade do Judiciário na concretização dos direitos sociais, notadamente em virtude dos custos que eles representam. Como demonstram os autores norte-americanos Cass Sunstein e Stephen Holmes, contudo, todos os direitos – inclusive os direitos individuais negativos – possuem custos, de maneira que tal aspecto precisa – e deve – ser considerado por ocasião da realização dos direitos fundamentais e, também, por ocasião do planejamento orçamentário. Assim, ao decidir, também os juízes devem levar em consideração os impactos econômicos das decisões, em face dos recursos orçamentários disponíveis. Nesse contexto, o amicus curiae aparece como um importante instrumento de participação social e de informação do juízo e, consequentemente, de legitimação da atuação jurisdicional, especialmente quando envolvem “escolhas trágicas”. A técnica de pesquisa utilizada para a produção do trabalho é a bibliográfica e o método de abordagem, o dedutivo.

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2 DIREITOS POSITIVOS X DIREITOS NEGATIVOS

De forma geral, os direitos fundamentais são divididos e classificados em direitos positivos e direitos negativos. Os direitos negativos, também chamados de direitos de defesa, são os individuais, típicos do liberalismo burguês, os quais, para serem efetivados, necessitam de omissão por parte do Estado, de um “não agir”. São a primeira dimensão de direitos e requerem uma não intervenção do governo3, uma vez que são as liberdades pessoais dos indivíduos. São, a título de exemplo, o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Esta omissão, por sua vez, numa perspectiva tradicional, sempre foi concebida como não geradora de gastos para o Estado.

Já os direitos positivos (sociais ou de segunda dimensão) se identificam com o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), de cunho intervencionista, sendo aqueles que, ao contrário dos direitos negativos, dependem de uma atuação positiva do Estado. São direitos de cunho prestacional, como saúde e educação, para os quais se pressupõe o dispêndio de recursos financeiros e a criação de políticas públicas para que a sociedade possa usufruí-los. Dessa forma, de acordo com o que normalmente é difundido na doutrina e entre os estudiosos, apenas os direitos positivos repercutiriam em custos para o Estado, de maneira que os direitos negativos, por serem fruto da abstenção do governo, não gerariam gasto algum.

Porém, ao contrário dessa comum distinção, Ana Paula de Barcellos deixa clara outra visão sobre os direitos negativos e positivos, sustentando que a diferença entre eles é de grau, e não de natureza, ou seja, os direitos sociais apenas demandam um grau maior de investimento do que os negativos, mas isso não significa que esses também não o prescindam:

Assim: a diferença entre os direitos sociais e os individuais, no que toca ao custo, é uma questão de grau, e não de natureza. Ou seja: é mesmo possível que os direitos sociais demandem mais recursos que os individuais, mas isso não significa que estes apresentem custo zero. Desse modo o argumento que afastava, tout court, o atendimento dos direitos sociais pelo simples fato de que eles demandam ações estatais e custam dinheiro não se sustenta. Também a proteção dos direitos individuais tem seus custos, apenas se está acostumado a eles4.

3 Estes direitos estão associados ao contexto do surgimento da figura do Estado de Direito, de cunho liberal, onde a figura do Estado, em face da herança absolutista a ser superada e suplantada, era vista como algo a ser controlado, operando os direitos fundamentais, neste contexto, como limites ao poder do Estado. Sobre estes aspectos, ver LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional aberta: Jurisdição Constitucional aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática – uma abordagem a partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

4 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pag. 238-239.

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Nesse sentido, em relação ao custo dos direitos, não há diferença além da maior ou menor visibilidade dos recursos públicos investidos para sua implementação. Explicando melhor: a diferença entre direitos positivos e direitos negativos seria que o dinheiro gasto com aqueles é de mais alto valor e mais visível aos olhos da sociedade, enquanto o recurso gasto com esses é menos perceptível e menor. Por isso tem-se a impressão de que os direitos de defesa não dependeriam de recursos financeiros públicos.

No mesmo sentido vai a lição de José Casalta Nabais:

Pois, do ponto de vista do seu suporte financeiro, bem podemos dizer que os clássicos direitos e liberdades, os ditos direitos negativos, são, afinal de contas, tão positivos como os outros, como os ditos direitos positivos. Pois, a menos que tais direitos e liberdades não passem de promessas piedosas, a sua realização e a sua protecção pelas autoridades públicas exigem recursos financeiros5.

Assim, pode-se afirmar que todos os direitos são positivos, pois não há direito que não dependa de recursos financeiros para ser efetivado, necessitando, dessa forma, de atuação e de uma prestação por parte do Estado. É nesse sentido que ganha relevo, por sua vez, a teoria dos autores norte-americanos Cass Sunstein e Stephen Holmes, que será objeto de análise mais acurada no item que segue.

3 TEORIA DO CUSTO DOS DIREITOS

As tradicionais concepções acerca dos direitos positivos e negativos são superadas a partir do estudo de Cass Sunstein e Stephen Holmes, consagrado em sua – já clássica – obra “The cost of rights: why liberty depends on taxes6”, onde reconhecem e atribuem positividade a todos os direitos fundamentais.

A obra tem como objetivo demonstrar que todos os direitos são positivos e, sendo assim, demandam algum tipo de prestação pública para sua efetivação. Portanto, para os autores, não somente os direitos de prestação dependem de recursos financeiros para serem concretizados. Também os direitos de defesa necessitam de dispêndio de dinheiro público, o que também os dotaria de certa positividade.

5 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Pag. 12. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/ article/viewFile/15184/14748<. Acesso em: 29 nov. 2010.

6 HOLMES, Stephen et SUNSTEIN, Cass. The cost of rights – why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton and Company, 1999.

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Flávio Galdino7, analisando a obra dos autores norte-americanos, afirma que se o Estado é indispensável ao reconhecimento e à efetivação dos direitos, dependendo de recursos financeiros captados da sociedade para se manter, os direitos – todos eles – só existem onde há orçamento que o faça ser possível.

Tendo por base a teoria de Holmes e Sunstein, José Casalta Nabais aborda os direitos como liberdades individuais com custos públicos:

[...] os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm portanto custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente aponta esses custos, mas também custos públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no esquecimento8.

A partir de tais constatações, inexistiriam liberdades puramente negativas, ou seja, não há direito que não demande algum gasto público, pois inclusive os direitos individuais geram custo. Na obra “The cost of rights” os autores afirmam, então, que TODOS OS DIREITOS SÃO POSITIVOS, de modo que o pensamento de que existem direitos que não demandam nenhum tipo de prestação estatal deve ser ultrapassado.

Isso se constata no clássico exemplo do direito à propriedade, utilizado pelos autores, pois o que seria um direito puramente negativo (ou seja, um direito individual por excelência) na verdade exige do Estado inúmeras prestações, tais como manutenção de um sistema cartorário que seja responsável pelo registro e pela formalização da propriedade, a organização de segurança para a sua proteção, o funcionamento do Poder Judiciário, encarregado de julgar eventuais violações ou turbações, etc. Para que seja concretizado, portanto, é necessário todo um aparato normativo, infraestrutura para funcionamento dos órgãos públicos responsáveis por essa atividade, funcionários públicos para o serviço de cartório, bombeiros e policiais para atuar na segurança e a existência de remédios jurídicos para sua proteção, aspectos que o tornam dotado de positividade, no sentido de possuir – ainda que implicitamente – um caráter prestacional.

7 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pag. 204.

8 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article /viewFile/15184/14748>. Acesso em: 29 nov. 2010. Pag.11

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Dessa forma, “os direitos – todos eles – custam, no mínimo, os recursos necessários para manter essa complexa estrutura judiciária que disponibiliza aos indivíduos uma esfera própria para tutela de seus direitos”.9 Assim, se todos os direitos dependem de recursos financeiros para que possam ser implementados, de alguma fonte deve advir o dinheiro para que o Estado possa se manter, e essa fonte é o pagamento de impostos. Logo, a sociedade é quem custeia os seus próprios direitos, ou seja, não existe direito sem investimento de recursos públicos, nem mesmo há algum direito que nada custe. Há, pois, um ciclo: a realização de direitos depende de prestação estatal, que, por sua vez, depende do dever da sociedade de pagar tributos.

Pablo Bonilla Chaves, ao referir-se à teoria do custo dos direitos, demonstra a relevância da tributação para a efetivação dos direitos: “[...] a teoria dos autores americanos, em apertada suma, é de que a atuação do Estado é intrinsecamente dependente da cobrança de impostos, primordial fonte de rendas de qualquer Administração Pública no mundo.”10

A escassez de recursos, porém, é um fenômeno presente e inevitável na realidade de muitos governos. A insuficiência de recursos financeiros públicos, muitas vezes, impede que o Estado conceda aos cidadãos todos os direitos expressos na Constituição. Com isso, torna-se inviável a implementação de todos os direitos, que são, então, submetidos às escolhas do poder público, vinculadas ao orçamento.

4 ESCASSEZ DE RECURSOS E “ESCOLHAS TRÁGICAS”

A escassez de recursos impõe, diante da exigência de se concretizarem os direitos fundamentais11 contidos nos textos constitucionais, que sejam efetuadas as chamadas “escolhas trágicas”. Elas são tidas como trágicas no sentido de que, dentre os direitos a serem concretizados, um deles terá que ser priorizado e, inevitavelmente, o outro terá que ser sacrificado. Os direitos tutelados – escolhidos – salientam, por sua vez, a valoração que uma sociedade atribui a esses direitos, ou seja, são os interesses e os valores tidos como os mais altos para a coletividade que determinam quais os direitos a serem privilegiados. Gustavo Amaral e Danielle Melo se referem às escolhas trágicas como trade-offs:

9 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pag. 209.

10 CHAVES, Pablo Bonilla. O custo dos direitos e sua relação com as restrições jusfundamentais: aspectos gerais sobre o caso brasileiro. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, v. 4. p. 10, 2008.

11 Especialmente no contexto do Estado Democrático de Direito, onde os direitos fundamentais são tidos como sendo dotados de plena normatividade e de eficácia imediata, criando obrigações para todos os poderes públicos (noção de dimensão objetiva e de eficácia vertical dos direitos fundamentais). Ver, sobre o tema, a obra de BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Begriff und Probleme des Verfassungsstaates. In: Staat, Nation, Europa: Studien zur Staatslehre, Verfassungstheorie und Rechtsphilosophie. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1999.

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A ideia de escassez traz consigo a noção de trade-off. Sem tradução exata para o português, podemos dizer que a alocação de recursos escassos envolve, simultaneamente, a escolha do que atender e do que não atender. Preferir empregar um dado recurso para um dado fim significa não apenas compromisso com esse fim, mas também decidir não avançar, com o recurso que está sendo consumido, em todas as demais direções possíveis. 12

As necessidades sociais são, pois, ilimitadas. Já o orçamento, infelizmente, possui limites. Em vista disso, o Estado, muitas vezes, não está apto a custear todos os direitos expressos na Constituição, pois encontra barreiras na reserva do possível (aqui compreendida como limitação de cunho orçamentário, e não na perspectiva de razoabilidade que lhe confere o Tribunal Constitucional alemão13),que seria, em outras palavras, a determinação daquilo que o Estado pode realizar – notadamente por meio de políticas públicas – em face do orçamento disponível, que não se confunde com a noção de limite relacionado ao que o indivíduo pode, de maneira racional, exigir do Estado em termos de prestação.

Porém, a reserva do possível tem, muitas vezes, sido utilizada como justificativa para que o Estado se exima de seu papel na efetivação de direitos, o que tem sido exaustivamente discutido quando se trata de direitos fundamentais exigidos judicialmente.

A doutrina (fala-se também em “cláusula”) da reserva do possível impõe limites à realização de direitos fundamentais pela via judicial. A razão para esses limites está na escassez de recursos do Estado: como não há recursos para atender a todos os pedidos baseados em direitos fundamentais previstos na Constituição, é imperioso que alguns desses pedidos, quando apresentados em juízo, sejam rejeitados.14

12 AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima do orçamento? In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 101.

13 A decisão paradigmática do Tribunal Constitucional alemão, sobre o tema da chamada “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen), julgada em 1972, é conhecida como “Numerus Clausus” e versa sobre a obrigatoriedade ou não do Estado de criar mais vagas para o curso de Medicina, em face do número de alunos habilitados no exame público e universal de acesso ao ensino superior. Cf. GRIMM, Dieter; KIRCHHOF, Paul. Entscheidungen des Bundesverfassungsgericht. 3. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007. p. 282-297.

14 ZANITELLI, Leandro Martins. Custos ou competências? Uma ressalva à doutrina da reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais:orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 210.

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Dentre as diferentes opiniões a respeito do tema, há os que concordam com o impedimento/restrição da concretização de direitos fundamentais em razão da limitação de recursos e os que não admitem tal teoria, não vendo na reserva do possível óbices para a realização dos direitos. Os que discordam da teoria utilizam, por sua vez, a figura do mínimo existencial, que é um mínimo devido a todo ser humano para que possa ter uma vida digna, como fundamento e como limite à não realização dos direitos em face do orçamento, sustentando que a garantia do mínimo existencial deve estar sempre acima de qualquer orçamento e da limitação financeira. Entretanto, a reserva do possível apenas pode ser invocada nas situações que ultrapassem o mínimo existencial ou quando se referir à pessoa que possua condições de buscar a prestação exigida sem o auxílio do Estado. Assim, o desafio que se impõe é o de ponderar a realização dos direitos com a questão orçamentária, o que somente se faz possível a partir da aferição do custo dos direitos.

5 POR QUE AFERIR O CUSTO DOS DIREITOS E A IMPORTÂNCIA DO AMICUS CURIAE ENQUANTO INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO E DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM JUÍZO

O melhor meio de prover direitos sociais é através de políticas públicas. Porém, nem sempre o Legislativo e o Executivo satisfazem às demandas da sociedade. Nessas ocasiões, o Judiciário é chamado a intervir, tendo que suprir as lacunas deixadas pelos outros poderes. Dessa forma, se o Poder Judiciário não for consciente em relação ao custo dos direitos pleiteados em juízo, isso o levará a decidir considerando o caso isoladamente, e não a coletividade. Ou seja, o julgador ignorará a macrojustiça, pensando somente na microjustiça, esquecendo-se dos efeitos sistêmicos que a decisão gerará. Como ressalva Galdino, “[...] a ignorância acerca dos custos, além de tudo, estimula indevidamente a atuação do Poder Judiciário, o que conduz [...] a inconvenientes excessos por parte desse poder”.15

Nesse sentido, o amicus curiae aparece como um importante instrumento para auxiliar o Judiciário a melhor decidir questões que envolvem custo excessivo e têm grande impacto orçamentário para o Estado. O “amigo da corte”, como é conhecido, possibilita a intervenção de pessoas físicas ou jurídicas, ou até mesmo um ente despersonalizado, que não fazem parte diretamente do processo, a apresentar considerações ou informações relevantes, por meio de memoriais, no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade. A manifestação do instituto, ao trazer elementos técnicos e informativos ao processo, permite que o órgão julgador conheça melhor os aspectos plurais e complexos relacionados ao caso e, consequentemente, possa tomar uma “melhor” decisão.

15 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 210

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Assim, aferir custo aos direitos possibilita ao Estado – incluído aí o Poder Judiciário, onde o amicus curiae tem uma importante função a cumprir nesse sentido – escolher melhor onde investir os insuficientes recursos públicos e onde não gastá-los, a partir de uma adequada análise do custo-benefício de cada um dos direitos pleiteados. Além disso, conhecidos o custo e os impactos de sua realização, maior qualidade terão as “escolhas trágicas” e mais beneficiada será, consequentemente, a sociedade.

6 CONCLUSÃO

A ideia de que há direitos sem orçamento deve ser ultrapassada. Todo direito, positivo ou negativo, depende de recursos financeiros para ser efetivado. Desta forma, o presente estudo procurou analisar – e prossegue na pesquisa – a teoria do custo dos direitos relacionando-a ao amicus curiae. O instituto permite que se tragam maiores informações técnicas ao juízo, adquirindo ainda mais importância quando a causa em questão repercutir em gasto de recursos públicos, notadamente nas decisões em torno dos direitos sociais.

Os direitos positivos não são, contudo, unicamente os que repercutem em custo ao Estado, pois também os negativos necessitam de toda uma estrutura jurídica necessária para seu andamento. A maior diferença está na visibilidade do custo da efetivação, na medida em que os direitos de prestação geram dispêndio de recursos muito mais visível aos olhos dos cidadãos do que os direitos de defesa, pois aqueles custam mais do que estes. É através da arrecadação de tributos que o governo agirá para a concretização dos direitos fundamentais, que, por vezes, ficam submetidos a escolhas, devido à escassez de recursos e à reserva do possível.

Assim, aferir custos possibilita uma melhor avaliação e escolha quanto aos direitos pleiteados judicialmente, também direcionando os escassos recursos financeiros públicos para as prioridades da sociedade. Neste contexto, toda e qualquer informação trazida ao processo é válida e capaz de conduzir a uma melhor decisão, ou seja, o amicus curiae vem para auxiliar e representar o interesse social, a fim de garantir o máximo de direitos aos cidadãos.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima do orçamento? In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: oprincípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

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BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Begriff und Probleme des Verfassungsstaates.In: Staat, Nation, Europa: Studien zur Staatslehre, Verfassungstheorie und Rechtsphilosophie. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1999.

CHAVES, Pablo Bonilla. O custo dos direitos e sua relação com as restrições jusfundamentais: aspectos gerais sobre o caso brasileiro. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, v. 4, 2008

GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

GRIMM, Dieter; KIRCHHOF, Paul. Entscheidungen des Bundesverfassungsgericht.3. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck, 2007. p. 282-297.

HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The cost of rights – why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton and Company, 1999.

LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional aberta: Jurisdição Constitucional aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática – uma abordagem a partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

MARCILIO, Carlos Flávio Venâncio. O custo dos direitos e a concretização dos direitos sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 17, n.66, jan-mar/2009.

NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/ index.php/buscalegis/article/viewFile/15184/14748>. Acesso em: 29 nov. 2010.

ZANITELLI, Leandro Martins. Custos ou competências? Uma ressalva à doutrina da reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

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ANÁLISE DE TIPOLOGIAS ARQUITETÔNICAS AO LONGO DA III PERIMETRAL EM PORTO ALEGRE (RS)

Mariana Louise Sehnem1

Heleniza Ávila Campos2

RESUMO

A III Perimetral foi implantada na capital do Estado, Porto Alegre, com o intuito de criar uma via que melhorasse o fluxo de veículos no centro e ainda que tornasse a ligação norte-sul da capital mais rápida e eficiente. Com isso, a III Perimetral vem se tornando um grande e inovador polo comercial e de serviços da região. Este artigo visa demonstrar as análises referentes às tipologias arquitetônicas encontradas na III Perimetral, nos quatro trechos em que foi dividida para esta pesquisa. O conceito de tipologia arquitetônica consiste na caracterização dos padrões construtivos que definem determinados espaços de forma predominante. Pode-se observar claramente que o trecho que mais apresenta alterações em sua atual configuração é o qual nomeamos como sendo o segundo, referente à Avenida Carlos Gomes, em razão das recentes intervenções realizadas a partir do ano de 1999. Este trecho é o mais desenvolvido em razão de seu uso extremamente comercial. Esse estudo da configuração das tipologias arquitetônicas auxiliará no estudo da configuração morfológica da avenida, bem como no sistema estratégico dos fluxos dos transportes coletivos.

Palavras-chave: Centralidades urbanas. Perimetral. Porto Alegre. Uso e ocupação do solo. Tipologias arquitetônicas.

ABSTRACT

Interventions in strategic roads in Brazilian big cities has been implemented in order to create a better condition of vehicle flow focusing speed and efficiency. In this way, the III Perimetral in Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brazil) has become a great and innovative commercial and services hub in the region. This article seeks to show the analysis concerning the architectural typologies found in the III Perimetral in Porto Alegre, in all the four sections it was divided for this research.

1 Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Santa Cruz do Sul e bolsista PIBIC/CNPq nesta pesquisa. Email: [email protected].

2 Doutora em Ciências Geográficas (UFRJ), docente do Departamento de Engenharia, Arquitetura e Ciências Agrárias e do Programa de Pós Graduação e Desenvolvimento Regional da UNISC. Email: [email protected]

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The concept of architectural typology consists in the characterization of the construction standards that prevail over determinate sections. We can clearly observe that the section that has most modification in its nowadays configuration is the one called “second section”, on Carlos Gomes Avenue, because of recent interventions made since 1999. This section is the most developed in function of its extremely commercial use. The study of its architectural typology aided the research team to better understand the morphologic configuration, as well as the flow of mass transports.

Keywords: Urban centralities. Perimeter. Porto Alegre. Soil occupation and use. Architectural typologies.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte integrante da pesquisa atualmente em desenvolvimento intitulada “Centralidades Lineares e Ocupação do Solo Metropolitano: o Caso da III Perimetral em Porto Alegre (RS)”. A pesquisa iniciada em 2009, conta com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A terceira Perimetral constitui-se no maior segmento viário urbano de Porto Alegre, formada por um conjunto de avenidas já existentes, recentemente unificadas configurando uma via arterial estratégica que articula as zonas sul e norte da cidade (ver Figura 1).

A obra de implantação da Perimetral iniciou-se em 1999, a partir de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O eixo total da perimetral possui 12,3 km, tendo o trecho correspondente à Avenida Carlos Gomes uma extensão de 2.172 m. Iniciada em 2001 pelo Consórcio Pelotense-Procon, este trecho em particular vem se tornando um grande polo econômico e comercial dessa nova fase de desenvolvimento urbano da capital, em virtude de sua localização privilegiada.

Sendo assim, através da III Perimetral, o modelo radial-concêntrico, estruturador da cidade tradicional, encontra sua transição para o tecido urbano mais recentemente constituído, ou seja, nas duas últimas décadas.

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Figura 1 – Localização da III Perimetral na cidade de Porto Alegre (RS). Fonte: Elaborado por SEHNEM (2009) a partir de imagem de satélite - Google

Earth, 2008.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A cidade de Porto Alegre constitui-se no centro de gestão política e núcleo articulador na rede metropolitana, apresentando configuração em modelo radial concêntrico, destacando-se no âmbito das políticas públicas urbanas e no planejamento urbano em particular pelas ações e resultados diferenciados. A sua estrutura principal se organiza através de eixos radiais, dentre os quais se destacam os seguintes: BR 119; Av. Farrapos; Av. Cristóvão Colombo, posteriormente denominada Av. Plínio Brasil Milano; Av. Protásio Alves e Av. Nilo Peçanha. As avenidas radiais têm a função de penetração no tecido urbano, integrando o centro aos demais bairros a leste, em seu interior. Os principais eixos concêntricos, que atuam como perimetrais são: - a I Perimetral (Av. Loureiro da Silva); a II Perimetral, composta por diferentes avenidas (José de Alencar, Azenha, Princesa Isabel, Mariante, Goethe, Dr.Timóteo e Felix da Cunha); e a III Perimetral, composta pelas Av. D. Pedro, da Carvalhada, Nonoai, Teresópolis, Cel. Aparício Borges, Senador Tarso Dutra e Dr. Salvador Franca. Os eixos concêntricos têm como principal função articular setores da cidade (norte e sul, leste e oeste), servindo como canal de deslocamento para o conjunto da cidade.

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3 METODOLOGIA

Na presente pesquisa realizamos os levantamentos in loco das edificações, os quais foram registrados em planilhas, conforme o modelo a seguir.

Quadra 1 L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 L9 L10 L11 Total Q1

Tipologia 1. Telha canal 2. Telhado fibrocimento 3. Laje 4. Nenhum Usos 1. Residencial 2. Comercial 3. Misto 4. Nenhum 5. Serviços 6. Institucional 7. Religioso Recuos 1. Frontal 2. Lateral Direito 3. Lateral Esquerdo 4. Nenhum 5. Posterior Gabarito - nº de pavimentos Período em que foi construído 1. Anterior aos anos 60 2. Entre os anos 60 e 90 3. Posterior a 1999 4. Nenhum

Para tal levantamento, utilizamos basicamente a constatação visual do nosso olhar crítico para qualificar as edificações encontradas nos itens que constituem a planilha. Quando não era possível apenas nossa avaliação, recorríamos a moradores e/ou ocupantes das edificações para esclarecer ou obter conhecimento do item que não pode ser analisado previamente.

Os dados levantados nas saídas de campo foram adicionados à tabela do Microsoft Excel e analisados a partir do uso do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Este programa permite a elaboração de tabelas com a frequência dos dados individuais e diferentes cruzamentos possíveis. As frequências para a realização da análise deste trabalho foram fundamentadas nos critérios já descritos anteriormente.

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Para efeito desta pesquisa, a terceira perimetral foi dividida em quatro trechos:

TRECHO 1: Inicia a partir do viaduto da Benjamin Constant com a Av. Dom Pedro até a Av. Plínio Brasil Milão. Neste trecho encontramos alguns serviços, comércios, edificações antigas e prédios abandonados;

TRECHO 2: Av. Carlos Gomes, Av. Plínio Brasil Milão até Protásio Alves. Caracteriza-se por apresentar novos prédios, serviços, empresas, hotéis;

TRECHO 3: Av. Protásio Alves até a Av. Ipiranga. Compreende o Jardim Botânico e vazios urbanos pertencentes à Empresa Imobiliária Condor;

TRECHO 4: Av. Ipiranga até Passagem de nível Celso Furtado. Trecho com caráter mais institucional (brigada militar, vila militar, casas militares).

4 RESULTADOS DA PESQUISA

Após toda a etapa de levantamento e tratamento dos dados obtidos em campo, chegamos a algumas conclusões básicas:

No primeiro trecho predomina o tipo de telha canal (48,20%), o uso residencial (40,70%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (62,15%) e período de construção entre os anos 60 e 90 (63,63%);

No segundo trecho predomina a telha fibrocimento/alumínio (52,30%), o uso de serviços (35,81%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (51,23%) e período de construção entre os anos 60 e 90 (68,05%);

No terceiro trecho predomina a telha fibrocimento/alumínio (40%), o uso residencial (51,16%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (59,09%) e período de construção entre os anos 60 e 90 (75%);

E por último, no quarto trecho predomina a telha fibrocimento/alumínio (50,50%), o uso residencial (50,53%), edificações com 1 ou 2 pavimentos (84,3%) e período de construção entre os anos 60 e 90 (63,45%).

Através desse levantamento, pode-se observar que os quatro trechos analisados possuem características arquitetônicas bastante distintas,

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diferenciando-se pelo padrão construtivo, pelo uso e pela ocupação predominante e pelo período no qual a edificação foi criada, refletindo, assim, as diferenças sociais e econômicas dos bairros afetados pela intervenção.

Trecho 1: a presença de lotes vazios/abandonados se mostra bastante intensa, tendendo a transformar-se e a constituir-se em uma continuidade da dinâmica imobiliária da Av. Carlos Gomes.

Fotos 1 e 2: Trecho 1 da III Perimetral. Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.

Trecho 2: há uma maior modernização e alteração dos padrões construtivos nas edificações. Possui também um caráter bastante relacionado ao comércio e à prestação de serviço, como hotéis, agências bancárias, edifícios de salas comerciais, etc.

Fotos 3 e 4: Trecho 2 da III Perimetral (Av. Carlos Gomes). Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.

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Trecho 3: observa-se um caráter mais institucional, com muitas áreas verdes, como o Jardim Botânico, e algumas massas de vegetação de vazios urbanos, que dificultam a ocupação mais adequada da área.

Fotos 5 e 6: Trecho 3 (Jardim Botânico). Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.

Trecho 4: há uma grande diferença da paisagem urbana em relação aos demais trechos. Há edificações residenciais de baixa renda, a grande maioria junto à testada da rua. Trata-se de uma região já consolidada, com muito mais fluxo de pessoas, maior quantidade de pequenos pontos comerciais e centros religiosos.

Fotos: 7 e 8: Trecho 4 da III Perimetral. Fonte: Grupo de Pesquisa, 2010.

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5 CONCLUSÃO

Através deste artigo busca-se evidenciar a importância do trabalho de campo para compreender a realidade de estudo. Tal exercício exige uma preparação anterior, a partir da qual se estruturam as etapas a serem cumpridas e as técnicas de obtenção de dados, para viabilizar a rapidez e a consistência das informações de acordo com os interesses (objetivos) da pesquisa. O passo seguinte consiste na coleta organizada de dados. Nesta pesquisa em particular a coleta ocorreu fundamentalmente a partir de preenchimento do formulário de informações (previamente construído) e levantamento fotográfico. Com os dados em mãos, foi possível utilizar técnicas de análise que permitiram entender as particularidades de cada trecho.

O estudo sobre a III Perimetral de Porto Alegre tem permitido o entendimento das grandes diferenças existentes dentro da cidade, que se tornam visíveis em uma intervenção deste porte.

REFERÊNCIAS

PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (2º PDDUA). Lei Complementar nº 434/99. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Planejamento, 2002.

SOARES, P. R. R. Metamorfoses da metrópole contemporânea: considerações sobre Porto Alegre. GEOUSP - Espaço e Tempo. São Paulo, nº 20, p. 129-143, 2006.