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A InterfacEHS é uma Publicação Científica do Centro Universitário Senac que publica artigos científicos originais e inéditos, resenhas, relatos de estudos de caso, de experiências e de pesquisas em andamento nas áreas de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Confira artigos relacionados aos assuntos: - Logística reversa de lâmpadas fluorescentes - Política nacional dos resíduos sólidos - Exposição ao ruído ocupacional Entre outros! Acesse a revista na íntegra! http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/

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Volume 7, Número 3, 2012

EDITORIAL

Este é o último número do sétimo volume da Revista interfacEHS com

contribuições importantes em Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. A Revista atua

como veículo de discussão, reflexão, crítica, disseminação e estado da arte em gestão

integrada e inovação, esclarecendo de forma objetiva a sua missão em Saúde, Meio

Ambiente e Sustentabilidade. Neste fascículo, contamos com artigos científicos e seção

InterfacEHS elaborados por profissionais de área acadêmica e científica, que

apresentam importantes resultados de pesquisas de suas áreas de atuação. Neste

contexto, começa com o trabalho que recebeu o título de “Queimadas de cana-de-açúcar

e efeitos à saúde humana: revisão da literatura” de autoria de Helena Ribeiro, Fábio

Silva Lopes, João Vicente Assunção, Adelaide Nardocci e Célia Pesquero. O artigo está

focado em literatura nacional e internacional sobre os efeitos à saúde humana da

poluição atmosférica decorrente da queimada de cana-de-açúcar e os autores apresentam

os efeitos adversos à saúde humana nas modalidades indoor e outdoor. No campo da

saúde do trabalhador, as autoras, Tatiane Costa Meira, Sílvia Ferrite, Franciana

Cavalcante e Maria Juliana Moura Corrêa, da Universidade Federal da Bahia,

apresentam contribuições relevantes sobre o problema do ruído no trabalho e da perda

auditiva decorrente desta exposição. Neste sentido, as reflexões estão centradas nas

medidas que visam a redução dos níveis de ruído no ambiente de trabalho. Em

continuação, o trabalho intitulado “Doenças respiratórias e risco de incêndio, uma

analise espacial” de autoria de Amaury de Souza, Widinei A. Fernandes, Alisson A.

Ribeiro e Edilce A. AlbrezI do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul, analisaram espacialmente o efeito da exposição ao risco

de incêndio na ocorrência de doenças do aparelho respiratório nos municípios do Estado

de Mato Grosso do Sul. Os autores utilizaram o método bayesiano empírico e uma

regressão múltipla espacial; e, observaram associações estatisticamente significativas

entre a prevalência de internações por doenças respiratórias e o risco de incêndio.

Não poderia de deixar de mencionar a contribuição no âmbito do meio ambiente,

especificamente, as discussões voltadas à Logística Reversa. Os autores Ronildo Gomes

dos Reis e Emília Satoshi Miyamaru Seo discutem a correlação existente entre a Política

Nacional de Resíduos e Avaliação Patrimonial, enfatizando que há possibilidade de

prever o descarte de materiais eletroeletrônicos e criar a gestão interna de resíduos

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sólidos. Outro trabalho sob autoria da Renata Fernandes Mourão e Emília Satoshi

Miyamaru Seo analisam o sistema de logística reversa de lâmpadas fluorescentes no

Brasil e as fragilidades e potencialidades deste sistema.

Neste número, a Seção InterfacEHS apresenta a contribuição da Cláudia Orsini

Machado de Sousa, trazendo as reflexões e as discussões sobre a busca pela redução de

resíduos sólidos.

Mais um ano da Revista InterfacEHS consolidando a sua geração de

conhecimento na Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Agradecemos aos nossos

leitores, Comitê Editorial e pareceristas!

Boa Leitura!

Emília Satoshi Miyamaru Seo

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Volume 7, Número 3, 2012

QUEIMADAS DE CANA-DE-AÇÚCAR E EFEITOS À SAÚDE HUMANA:

REVISÃO DA LITERATURA

Helena Ribeiro1

Fábio Silva Lopes2

João Vicente Assunção3

Adelaide Nardocci4

Célia Pesquero5

Resumo:

O artigo faz uma revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema de

efeitos à saúde humana da poluição atmosférica decorrente da queima da cana-de-

açúcar. Na primeira parte, são classificados os estudos por métodos empregados. Na

segunda, são descritos os riscos à saúde por poluentes tóxicos provenientes da queima

de biomassa.

Palavras chave: poluição atmosférica, efeitos à saúde, queimada, cana-de-açúcar,

queima de biomassa.

1 Geógrafa (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP), mestre em Gaografia (Universidade da Califórnica, Berkeley), e doutora em Geografia Física (USP). Professora do Departamento de Saúde ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. Atualmente exerce a função de diretora desta instituição. 2 Graduado em Processamento de Dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrado e doutorado em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Atualmente é coordenador do curso de Sistemas de Informação da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 3 Graduado em Engenharia Industrial Modalidade Química pela Faculdade de Engenharia Industrial FEI da PUC-SP, graduado em Engenharia Sanitária pela Universidade de São Paulo, Master of Science em Hygiene/Air Pollution - University of Pittsburgh, EUA, doutorado e livre-docência em Saúde Pública/Saúde Ambiental pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Titular da Universidade de São Paulo, lecionando na Faculdade de Saúde Pública e na Escola Politécnica da USP. 4 Bacharel em F[isica (UEL), mestre em Engenharia Nuclear (Coppe/UFRJ) e doutora em Saúde Pública (USP) Pós-doutorado (Universidade de Bologna) e livre-docente (USP). É professora associada do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP e coordenadora do Núcleo de pesquisa em Avaliação de Riscos Ambientais. 5 Graduação em Química - Bacharelado, mestrado em ciências (Química Analítica) e doutorado em ciências (Química Analítica) todos pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Química da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

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SUGARCANE BURNING AND HEALTH EFFECTS: LITERATURE

REVIEW

Abstract:

The article presents a literature review on the theme of health effects of air

pollution derived from sugarcane burning. In the first part, studies are classified by

methods employed. In the second part, health risks by toxic pollutants derived from

biomass burning are described.

Keywords: air pollution, risks, burning, sugarcane, biomass burning.

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Introdução

O interesse por estudar associações causais entre os produtos da queima de

biomassa e os efeitos à saúde humana não é novo. Estas questões são ou foram

estudadas em frentes de pesquisa, com distintas abordagens atreladas aos mesmos

descritores. Isto ocorre em função da riqueza de possibilidades que esta área

interdisciplinar proporciona. Cabe aqui ressaltar que os problemas à saúde decorrentes

não estão restritos a divisões geopolíticas. Existem relatos nos 5 continentes, alguns

estudando efeitos em escala local, outros em escala global, ou seja, o fator gerador

ocorreu muito distante de onde se observou o efeito. Embora haja interesse e relevância

envolvidos nesta área do conhecimento, ainda são poucos os estudos relatados na

literatura científica e muitas questões sobre o tema ainda não foram resolvidas

(RIBEIRO, 2008).

Levantamento de estudos sobre poluição outdoor

Em primeira instância, os estudos desta linha podem ser categorizados quanto à

exposição, indoor ou outdoor6. Os estudos indoor, lato sensu, estão atrelados ao

problema do uso de biomassa como combustível para aquecimento de residências,

cozimento de alimentos (lenha ou carvão) ou como fonte de energia.

Com relação à exposição indoor, ARBEX et al (2004) fazem uma extensa revisão

de trabalhos que relatam doenças como DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica),

pneumoconiose, catarata, cegueira, tuberculose e efeitos adversos na gestação,

associadas à exposição em ambientes fechados à fumaça de fogões que funcionam com

queima de biomassa. Estudos realizados na Bolívia, Índia, México, Nepal, Nova Guiné

e Paquistão, abordam este tema.

Assim, são consideradas algumas facilidades no controle de variáveis de

confusão, pois existe regularidade na exposição e o desenho do estudo é focado no

indivíduo, geralmente em escala local, permitindo identificar fatores de confusão como

tabagismo e doenças crônicas, entre outros. No entanto, os estudos realizados nos países

em desenvolvimento apresentam limitações metodológicas como melhor determinação

da exposição ao poluente, o caráter observacional dos estudos, e os elementos de

confusão não avaliados adequadamente (ARBEX et al, 2004). 6 Estes termos são utilizados para definir ambientes internos ou abertos, respectivamente.

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Já a abordagem outdoor proporciona difícil condução das pesquisas, e, conforme

coloca BRAUER (1999, p. 225), “... mesmo os melhores estudos irão prover resultados

equivocados devido a variáveis de confusão e classificações errôneas de exposição.”

Um fator que contribui para a ocorrência de resultados equivocados é que as

investigações associam poluição do ar e morbidade em dados de estatística vital da

população de uma localidade alvo. Já a exposição ao poluente é estimada a partir dos

dados de monitoramento do ar, e assume-se que são representativos para aquela

população (SAMET E SPEIZER, 1993).

Complementarmente, é fato de que muitos estudos outdoor estão associados a

episódios acentuados de poluição atmosférica, que ocorrem em áreas não isentas de

outras fontes poluidoras, ou fatores geradores de um determinado efeito adverso.

BRAUER (1999) analisou diversos estudos relacionados aos episódios de

queimadas no sudeste da Ásia e salienta ser provável uma associação causal entre os

referidos episódios e o aumento da taxa de mortalidade diária. No entanto, ele pondera

que estes estudos encontram-se relativamente em uma única categoria de exposição, na

qual os efeitos agudos são altamente prováveis, mas os níveis de exposição são muito

baixos, especialmente em termos de duração. O mesmo autor finaliza seu raciocínio

colocando ser razoável considerar nos estudos os impactos agudos ao invés dos

crônicos, pois são mais fáceis de medir e representam maior grau de confiança.

As doenças crônicas são aquelas como as do coração, diabetes ou reumatismo,

que têm duração prolongada, muitas vezes, por toda a vida, enquanto que as agudas são

aquelas que acontecem sob condições abruptas e são resolvidas em alguns dias, como

enfarte do miocárdio, apendicite ou acidentes vasculares. No entanto, exemplos como

asma podem ser classificados em ambos os casos, pois determinados casos são tratados

ao longo da vida do paciente, mas, em outros casos, pacientes são diagnosticados com

um súbito ataque agudo (GATRELL, 2002).

Determinados desenhos de pesquisa necessitam identificar a população exposta e,

para tanto, utilizam algum critério para classificação de exposição da população

amostrada. Tal classificação pode ser dicotômica, por gradiente, ou níveis prováveis de

exposição. É comum a ocorrência de viés gerado por erro de classificação da população

em exposição, e na identificação se o evento específico resultou na variabilidade da

exposição.

Assim como é evidente a dificuldade de determinar a população exposta, existe

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ainda a complexidade em se obter o registro das medições dos poluentes aos quais a

população esteve exposta. Nesta linha, pesquisadores vêm desenvolvendo estudos que

envolvem medições de poluentes em diversas escalas geográficas, objetivando associar

episódios, com medição acima dos padrões considerados seguros, e impactos na saúde

da população exposta.

As medições são planejadas e realizadas no local do estudo, ou adquiridas por

estações de medição automática. Em ambos os casos, existem limitações. As medições

em campo são realizadas em períodos de campanha planejados para o desenho do

estudo, assim, não há continuidade de aquisição dos dados por períodos muitos extensos

devido ao custo das análises, disponibilidade de equipamento, ou pessoal de operação.

No caso da medição automática, existe a continuidade de leitura que permite amostras

para análises de series temporais, porém, são poucas as unidades em funcionamento,

limitando os estudos em muitas localidades desprovidas de dados desta natureza.

Os estudos sobre queimadas e efeitos adversos à saúde elaborados no Brasil, em

sua maioria, estão associados às queimadas de cana-de-açúcar na região sudeste ou,

mais recentemente, às queimadas na Amazônia.

Avanços significativos na área de sensoriamento remoto em conjunção com

modelos computacionais estão permitindo a construção de modelos de simulação, como

é o caso do CATT-BRAMS (Coupled Aerosol and Tracer Transport to the Brazilian

developments on the Regional Atmospheric Modelling System), que foi desenvolvido

inicialmente para estudar fluxo de superfícies e transporte atmosférico de emissões

provenientes de queima de biomassa na América do Sul (FREITAS et al, 2007). Este

modelo prognostica concentrações de CO e PM2,5 através de dados obtidos por satélite,

que são inseridos no modelo acoplado de forma simultânea e consistente com as

condições atmosféricas geradas pelo modelo BRAMS. Nesta linha, o trabalho de

IGNOTTI et al (2007) apresenta um estudo sobre indicadores de morbidade para definir

ranking de municípios prioritários para ações de vigilância em saúde na região do arco

do desmatamento no Brasil (ao norte de Mato Grosso) e sugere a aquisição dos dados de

PM e O3 por estimativas do CATT-BRAMS, ou por meio de medições locais.

As questões relativas ao arco do desmatamento vêm motivando novas pesquisas

no campo da saúde ambiental. O trabalho de MASCARENHAS et al (2008), avaliou,

por meio de um estudo ecológico de série temporal, as concentrações de PM2,5 em Rio

Branco no estado do Acre em setembro de 2005 e comparou com atendimentos diários

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de emergência, concluindo que houve correlação positiva entre o aumento de

concentrações e o número de atendimentos de asma em crianças com menos de 10 anos.

No estado de São Paulo, as cidades de Araraquara e Piracicaba foram alvo de

diversos estudos envolvendo medições de poluentes atmosféricos, queimadas e efeitos

adversos à saúde humana (ZANCUL, 1998; ARBEX ET AL, 2000; CETESB, 2002;

CANÇADO, 2006). Araraquara representa uma situação típica, considerando a

existência de indústrias e ausência de cidades de grande porte no seu entorno. A área

rural é utilizada, em sua maioria, para o cultivo da cana-de-açúcar. A cidade de

Piracicaba está inserida na região chamada “mar de cana”, repleta de plantações de

cana-de-açúcar no seu entorno, é uma cidade de porte maior, que apresenta fontes

poluidoras diferenciadas de Araraquara.

A área objeto de estudos encontrados na bibliografia pertinente ao tema tem sido

desde pequenos povoados até extensas áreas, como um estado ou país. Alguns estudos

foram focados em polígonos municipais, como em Araraquara ou Piracicaba. Outros

trabalhos adotaram macro regiões ou o estado inteiro, como o de LOPES e RIBEIRO

(2006), que analisou correlações entre áreas de plantio de cana-de-açúcar, queimadas e

internações hospitalares para o estado de São Paulo e para a macro-região

administrativa de Bauru, no mesmo estado.

Entre os diversos desenhos de estudos epidemiológicos, BRAUER (1999) elenca

os mais comuns, no contexto das queimadas e efeitos adversos à saúde humana,

conforme descritos a seguir:

- estudos de Coorte onde os dados estão disponíveis em nível individual,

desenvolvidos em locais onde os dados de monitoramento do ar estão disponíveis ou

onde as concentrações podem ser estimadas;

- estudos envolvendo grandes populações, onde a variação de exposição aos

produtos da queima de biomassa pode ser particularmente utilizada. Se disponíveis,

dados de saúde podem ser associados aos de poluição do ar;

- comparações transversais de incidência de doenças respiratórias,

cardiovasculares e de mortalidade em áreas com diferentes exposições aos poluentes;

- estudos semi-individuais com membros de populações demograficamente

homogêneas, onde eventos de doenças e variáveis de confusão podem ser avaliados e

medidos. As exposições seriam analisadas segundo o perfil individual para depois serem

comparadas às medições dos poluentes (exemplos com militares ou estudantes de

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universidades);

- estudos de caso-controle foram utilizados para estimar risco de doenças

crônicas. No entanto a dificuldade de conduzir tais estudos inicia-se na seleção dos

casos e dos controles. No caso de impactos da poluição do ar, a definição dos grupos

poderia requerer situações de maior similaridade, como grupo social, tabagismo, idade,

entre outros.

Estudos epidemiológicos transversais e caso controle demonstraram que a

exposição à fumaça de biomassa em ambientes internos é o principal fator de risco de

Doenças Pulmonares Crônicas entre mulheres, conduzindo ao cor pulmonale. Isto

ocorre em países como China, Índia onde mais de 75% das pessoas cozinham utilizando

combustível sólido. Em partes da América do Sul e África este percentual cai para 50-

70%. Grosso modo, são estimadas 1,6 milhões de mortes prematuras no mundo devido

a esta poluição interna (WHO, 2002; REHFUESS, 2006).

Já a modalidade outdoor ainda é deficitária de estudos. O estudo de LOPES e

RIBEIRO (2009) avaliou 46 trabalhos citados nas revisões de desenvolvidas por

RIBEIRO e ASSUNÇÃO (2002), ARBEX et al (2004) e RIBEIRO (2008) e selecionou

27 estudos que envolviam pesquisas com poluentes atmosféricos na modalidade outdoor

e utilizaram ferramentas de geoprocessamento. Uriarte et al (2009) realizaram estudo de

morbidade respiratória relacionada com atividade agrícola com cana-de-açúcar no

Estado de São Paulo para o ano de 2003. Através do estado, a morbidade respiratória

atribuível à queima foi de 113 para crianças e 317 para idosos, aproximadamente 1.8%

de casos totais em cada grupo. Embora nenhum efeito crônico das queimadas tenha sido

detectado para o grupo idoso, 650 casos adicionais poderiam ser atribuídos ao cultivo de

cana aumentando em 5,4% dos casos atribuíveis às queimadas. Para cidades com cultivo

de cana em mais do que 50% da área do município a porcentagem aumentou 15% e

12% respectivamente para idosos e crianças. Um adicional de 209 casos para crianças

poderia também ser atribuído à exposição passada a queimadas, sugerindo que no total

38% dos casos de morbidade respiratória poderiam ser atribuídos à exposição a

queimadas nestes municípios.

A análise dos delineamentos permitiu identificar e agrupar os tipos de variáveis

que foram utilizadas nos trabalhos. Os desenhos metodológicos consideraram duas ou

mais variáveis dos grupos descritos no Quadro 1.

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Variáveis geográficas:

-polígono municipal;

-polígono da macro-área administrativa;

-polígono estadual;

-hospitais próximos das áreas de impacto.

Variáveis de saúde:

-internações hospitalares selecionadas por

diagnóstico Capítulo X da CID 10;

-internações de causa cardiorespiratória;

-internações causadas por determinadas doenças

como diagnóstico principal;

-procedimentos hospitalares, como inalações;

-entrevistas / questionários (morbidade referida);

-testes com função pulmonar e função

espirométrica.

Outras -medições de poluentes atmosféricos (índices

diários / partículas depositadas)

Quadro 1 - Variáveis utilizadas nos desenhos metodológicos em estudos de poluição do ar, na

modalidade outdoor.

Sobre as análises espaciais, observou-se carência de variação. Embora as

ferramentas de geoprocessamento disponibilizem diversos recursos para análises desta

natureza, seu uso não se reflete nos trabalhos analisados. Entre os trabalhos analisados,

somente foram citados o uso de Análise Cluster, Índice I de Moran e Mapas

Coropléticos. A Figura 1 apresenta a síntese dos delineamentos encontrados.

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Figura 1 - Resumo dos delineamentos encontrados nas pesquisas sobre queima de biomassa e efeitos adversos à saúde humana.

Os trabalhos na modalidade indoor tendem a utilizar a abordagem da análise

estatística com desenhos epidemiológicos conhecidos como estudos de Coorte, Caso-

Controle e Comparações Transversais com os dados individualizados, fato este que

difere dos estudos outdoor, onde os dados agregados são mais utilizados. Isso requer a

generalização de algumas variáveis, que pode incorrer em resultados equivocados. Este

fato é advertido por autores em trabalhos nas duas modalidades, quando esclarecem que

a intensidade e gravidade dos efeitos à saúde dependem de: características dos

poluentes, características da população exposta, exposição individual, susceptibilidade

do indivíduo exposto e fatores de confusão.

Embora exista certa variabilidade nos estudos analisados, o uso de ferramentas de

análise espacial ainda está em fase embrionária neste campo de conhecimento. Os

poucos trabalhos existentes ainda não exploram todo o potencial que estas ferramentas

disponibilizam ao pesquisador. Ressalta-se ainda a necessidade de futuros estudos de

orientação empírica, à luz de um aprofundamento maior sobre estas questões, na

eminência de reduzir vieses e ampliar a confiabilidade dos desenhos de pesquisa que

trabalham com estimativas e dados agregados.

Exposição Humana a Dioxinas, Furanos e Hidrocarbonetos Policíclicos

Aromáticos.

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Os poluentes orgânicos deste grupo de compostos químicos também têm sido

encontrados em emissões decorrentes de queima de biomassa e possuem efeitos

adversos para animais e seres humanos. São caracterizados por serem (HILLMAN,

1999):

Tóxicos; Persistentes; Não degradáveis facilmente em subprodutos menos

tóxicos; Insolúveis em água; Altamente solúveis em gorduras; e Biocumulativos, se

concentrando nos organismos vivos, principalmente nos tecidos adiposos.

A Convenção de Genebra sobre Poluição do Ar Transfronteiriça de Longo

Alcance, ocorrida em 1979, foi o primeiro esforço internacional realizado, com objetivo

de proteger o homem e o meio contra a poluição do ar. Mais tarde, em 1998, foi

assinado o protocolo de Poluentes Orgânicos Persistentes que entrou em vigor em 2003.

Até 2006, 36 países haviam assinado o protocolo e 28 o haviam ratificado; entre eles

países da Comunidade Européia, Canadá e Estados Unidos (ASSUNÇÃO, 2006;

HILLMAN, 1999).

Tanto as dioxinas, como os furanos, fazem parte da listagem de substâncias

sugeridas pelo protocolo de Poluentes Orgânicos Persistentes da Convenção de

Genebra. Este protocolo determina cinco tipos de ações necessárias para o controle dos

POPs: eliminação da produção e uso de certas substâncias; restrição do uso de certas

substâncias; limitação de emissões; manejo de resíduos; e armazenamento de

informações sobre produção, armazenamento e venda. O protocolo não determina os

limites destas emissões, mas determina que as partes o façam (HILLMAN, 1999).

Em 2001 foi ainda aprovada a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes

Orgânicos Persistentes. Dentre os 151 países que assinaram a convenção, 128 já a

ratificaram, entre eles o Brasil. Nesta convenção as dioxinas foram consideradas como

substâncias orgânicas persistentes originadas como subprodutos não intencionais

gerados na combustão de matéria orgânica (ASSUNÇÃO, 2006).

Estes poluentes assim como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos não têm

sido monitorados de modo sistemático no Brasil. Assim, ainda existem poucos dados

sobre o efeito que a emissão destes poluentes tem causado ou poderá causar à saúde

humana.

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Exposição Humana às Dioxinas e Furanos

As dioxinas são substâncias organocloradas, onde os átomos de Cloro se ligam a

anéis benzênicos, em diferentes posições. Isso possibilita a formação de 75 compostos

distintos da classe das dioxinas e 135 de furanos. Os compostos mais tóxicos são

aqueles que apresentam cloro nas posições 2,3,7 e 8, sendo que a toxicidade mais

elevada foi verificada na substância 2,3,7,8-tetraclorodibenzeno-p-dioxina (2,3,7,8-

TCDD) (HIRATA, 2001; ASSUNÇÃO e PESQUERO, 1999).

São substâncias que não ocorrem normalmente na natureza. São fruto de diversos

processos químicos que envolvem o Cloro ou outras substâncias que o contenham ou

em processos de combustão, como a incineração de lixo, de resíduos de saúde, de

resíduos agrícolas, industriais e até mesmo na combustão nos veículos automotores

(HIRATA, 2001; ASSUNÇÃO e PESQUERO, 1999).

A exposição às dioxinas está associada à ingestão de alimentos como carne, leite,

ovos e peixes, uma vez que estas substâncias são persistentes no meio ambiente e

cumulativas na gordura animal (WHO, 1998).

Na década de 1990, o Centro Europeu de Saúde Ambiental, ligado à Organização

Mundial de Saúde, desenvolveu estudo avaliando a exposição da população às dibenzo-

p-dioxinas (PCDDs). Neste estudo foi verificado que a principal via de exposição a esta

substância é ingestão de alimentos (VAN LEEUWEN ET AL, 2000). Meneses, et al

(2004), indicam cinco vias de exposição à dioxina, que são: 1) Ingestão de solo

contaminado; 2) Ingestão de vegetais cultivados na área de contaminação por dioxina

que captam a dioxina do solo, ou sofrem a deposição de concentrações existentes no ar.

3) Inalação de partículas re-suspendidas do solo, 4) Inalação de partículas do ar, 5)

Absorção dérmica. Assunção (2006) ressalta que as dioxinas liberadas no ambiente são

lipossolúveis e, portanto se acumulam na gordura dos animais, podendo atingir o topo

da cadeia alimentar. Os particulados suspensos no ar sedimentam-se na vegetação e

podem servir de alimento para animais, chegando até o homem. No caso da

contaminação dos peixes, a principal rota de exposição é a água.

Em culturas de tecidos, a atuação das dioxinas, parece estar relacionada aos

receptores Ah. Nos organismos humanos, estes receptores apresentaram grande

afinidade ao 2,3,7,8 TCDD (IARC, 1997). Em estudos conduzidos com ratos, foram

administradas doses de 2,3,7,8-TBDD (2,3,7,8-Tetrabromodibenzo-p-dioxina), através

de diversas vias. O 2,3,7,8-TBDD foi distribuído por todo o corpo, entretanto os

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maiores depósito foram verificados no fígado e nos tecidos adiposos, seguidos pela pele

e músculos (WHO, 1998b). Demais estudos conduzidos em ratos e macacos

demonstraram que os efeitos tóxicos do TCDD são principalmente a endometriose, no

desenvolvimento neurocomportamental e reprodutivo (contagem de espermas e má

formação urogenital nas fêmeas) e na imunotoxicidade (ASSUNÇÃO e PESQUERO,

1999).

Estudos realizados em humanos demonstram que os efeitos tóxicos da exposição

às dioxinas são: aparecimento de cloroacne, alterações enzimáticas e no sistema

imunológico. Crianças expostas aos PCDDs e PCDFs, através do aleitamento materno,

apresentaram alteração nos níveis de hormônio produzidos pela tiroide e possíveis

déficits neurológicos e neurocomportamentais (IARC, 1997).

No que se refere aos efeitos carcinogênicos, um dos estudos de maior importância

foi o de 4 coortes de produtores de herbicidas, expostos ao 2,3,7,8 TCDD. Duas das

coortes estavam localizadas na Alemanha, uma nos Estados Unidos e a quarta na

Holanda. E ainda uma coorte de residentes, localizada na área do acidente com TCDD,

em Seveso, na Itália. Nas coortes onde a população foi exposta ao risco ocupacional

(produção de herbicidas) houve um acréscimo em todos os tipos de cânceres

combinados. Nestas mesmas coortes também foi verificada a maior exposição ao

TCDD. A magnitude do aumento foi pequena, no entanto, maior naquelas sub-coortes

onde eram verificadas as maiores concentrações de TCDD. Este resultado reforça a

relação positiva entre a exposição ao TCDD e o desenvolvimento de cânceres. Na

coorte de Seveso, a mortalidade por câncer não foi muito diferente daquela verificada

nas demais zonas contaminadas, no entanto, foi verificada a maior incidência de alguns

tipos específicos de câncer como: leucemia, melanomas e cânceres gastrintestinais

(VAN LEEUWEEN, 2000; IARC, 1997).

O estudo desenvolvido pelo IARC (1997) definiu o 2,3,7,8 Tetraclorodbenzo-

paradioxina como carcinogênico para humanos (Grupo 1). Esta definição foi apoiada

em evidências científicas que comprovam a carcinogenicidade desta substância em

animais. Além disso, o 2,3,7,8 Tetraclorodbenzo-para-dioxina demonstrou-se altamente

conservativo, tanto em animais quanto em seres humanos. Foi verificado que as

populações mais expostas apresentaram maior risco de desenvolvimento de cânceres.

Estudos demonstram que a dose letal em cobaias para a 2,3,7,8-TCDD é de

1μg/Kg (ASSUNÇÃO e PESQUERO, 1999). A Organização Mundial da Saúde (OMS)

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sugere que a ingestão máxima diária de dioxina deve ser entre 1 a 4 picogramas/Kg de

peso corporal (LUSCOMBE, 1999; VAN LEEUWEN, 2000).

Exposição Humana aos Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs)

HPAs (Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos) são substâncias orgânicas com

dois ou mais anéis aromáticos formados por átomos de carbono e hidrogênio. Em geral,

apresentam baixa solubilidade em água, baixa pressão de vapor e altos pontos de fusão e

ebulição. Fontes ambientalmente relevantes de HPAs são: combustão do carvão,

exaustão veicular e uso de óleos lubrificantes. As emissões mais significativas são

provenientes da combustão incompleta de materiais orgânicos (OMS,1998).

No ambiente são abundantes o benz[a]antraceno, fluoranteno, pireno, criseno,

benzofluoranteno (3 isômeros), benzopireno (2 isômeros), indeno [1,2,3-c,d]pireno e

benzo [ghi]perileno, mas existem mais de 100 compostos diferentes de HPAs,

geralmente presentes como misturas complexas e não como substância isolada

(ATSDR,1995).

Segundo ATSDR, nos Estados Unidos, valores basais de alguns HPAs

representativos no ar variam entre 0,02–1,2 ng/m3, em áreas rurais, e 0,15–19,3 ng/m3,

em áreas urbanas. Em países como Itália e Alemanha, valores de referência variam de 1

a 10 ng/m3, frequentemente excedidos em áreas urbanas. No Brasil, trabalhos

investigaram os níveis ambientais em algumas áreas urbanas (PEREIRA NETTO 2004,

2001, 2005, 2006).

Em temperatura ambiente, os HPAs são sólidos. Podem variar desde moléculas

semivoláteis até moléculas com alto ponto de ebulição. São solúveis em diversos

solventes orgânicos e altamente lipofílicos. Sua característica lipofílica aumenta de

acordo com a complexidade da molécula (WHO, 1998; BOSTRÖM, et al, 2002). São

reconhecidamente carcinogênicos para seres humanos. A carcinogenicidade está

associada à complexidade da molécula, aumentando conforme são acrescentados anéis

benzênicos à molécula de HPA (BOSTRÖM, et al, 2002).

A exposição humana aos HPAs está associada às matrizes sólidas ou líquidas,

contidas nos aerossóis de ar poluído ou em alimentos. O ingresso no corpo humano

ocorre através das vias aéreas (relacionadas à respiração), contato dérmico e trato

digestivo. A ativação metabólica dos HPAs lipofílicos ocorre primeiramente no fígado,

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podendo atingir demais órgãos e tecidos, incluindo a pele. Entretanto, a distribuição do

HPAs através do sistema circulatório é bastante comum (IARC, 2006). Os HPAs

apresentam tanto efeitos sistêmicos quanto carcinogênicos. Os efeitos sistêmicos podem

ser: anemias agudas, náuseas, vômitos, convulsões, distúrbios de consciência, letargias e

dermatites (WHO, 1998). No caso dos efeitos carcinogênicos, existe uma propensão dos

HPAs atuarem nas vias de acesso ao organismo (IARC, 2006).

Estudos experimentais com animais demonstraram que alguns HPAs causam

tumores em exposição oral e dérmica. Em exposição alimentar, foram encontrados

efeitos no sistema reprodutivo relacionados à fertilidade, problemas gestacionais e

alterações congênitas6. Estudos epidemiológicos também verificaram contribuição

bastante relevante dos HPAs para carcinogênese (JACOB & SEIDEL, 2002;

GODSCHALK, 2003).

Até recentemente, danos à saúde decorrentes de fatores ambientais tiveram sua

identificação amplamente fundamentada em estudos retrospectivos (SUTER, 1993;

DUBÈ et AL 2004, MOORE et AL 2004), baseados em respostas a eventos agudos,

como acidentes e exposições ocupacionais.

Um estudo desenvolvido na China investigou a exposição ao HPAs em um distrito

rural com alta taxa de câncer de pulmão. A mortalidade por câncer de pulmão naquele

local era cinco vezes maior que a média nacional da China. Três comunidades

apresentaram taxa de mortalidade 24 vezes maior que a média nacional. As taxas de

mortalidade por câncer de pulmão eram iguais, tanto para homens (usualmente

fumantes) quanto para mulheres (usualmente não fumantes). Assim a mortalidade por

câncer de pulmão foi relacionada à utilização de carvão para cocção de alimentos e

aquecimento das casas. O monitoramento do ar no interior das casas, durante o

cozimento dos alimentos, demonstrou que as mulheres eram expostas às altas

concentrações de HPAs (principalmente benzoa- pireno), da ordem de 14,7 μg/m3 e

partículas submicrômicas de matéria orgânica (WHO, 1998).

Entretanto, exposições crônicas raramente resultam em mudança rápida e

facilmente observável. O impacto é quase sempre gradual, sutil e frequentemente torna-

se difícil distinguir mudanças ambientais naturais e impactos provenientes de outras

fontes; a escala de tempo desses eventos é da ordem de décadas, o que torna os estudos

retrospectivos complicados (MOORE et AL 2004).

Um estudo realizado pelo IARC (2006) identificou que existem evidências

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suficientes para classificar o Benzo-a-pireno como carcinogênico (Grupo 1). Demais

substâncias como o benzo-a-antraceno, dibenzo (a,h)pireno, criseno e entre outras foram

classificadas como possivelmente carcinogências para humanos (Grupo 2B). Demais

HPAs como Acenaftaleno, Acepireno, Antraceno Pireno, entre outros não foram

classificados como carcinogênicos para humanos (Grupo 3).

Alguns dos efeitos causados pelas dioxinas e pelos HPAs podem ser

desenvolvidos apenas em longo prazo.

Zamperlini; Silva; Vilegas (1997) de Araraquara realizaram análise da fuligem de

queima de cana-de-açúcar, por cromatografia gasosa e espectrometria de massas, onde

identificaram HPAs com propriedades cancerígenas e mutagênicas, sugerindo que os

trabalhadores e a população geral evitasse exposição a essa fuligem.

Godoi et al (2004) realizaram determinações de HPAs em Araraquara, por

cromatografia gasosa de baixa pressão e íon trap- espectrometria de massas (LP-GC–IT-

MS) em material particulado inalável (MP10) coletado por Amostrador de Grande

Volume, em 24 horas, durante 10 dias, em Agosto de 2002. O coletor estava localizado

no Instituto de Química da UNESP em Araraquara, em região suburbana, a uma

distância aproximada de 5 km da área de plantação de cana mais próxima e foi colocado

a 4 m de altura em relação ao solo. Os resultados indicaram concentrações de HPAs no

material particulado.

Magalhães; Bruns; Vasconcellos (2007) utilizaram hidrocarbonetos policíclicos

aromáticos como traçadores da queima de cana-de-açúcar, fazendo uma abordagem

estatística, comparando os resultados de HPA em material particulado coletado em São

Paulo, Araraquara (na safra e na entre-safra) e Piracicaba, municípios com grande área

de plantação de cana-de-açúcar, queimada na pré-colheita. Encontraram concentrações

de fenantreno, antraceno, fluoranteno e pireno nos locais analisados, apresentando,

perfil semelhante em Araraquara (safra) e Piracicaba, o que sugere a contribuição das

queimadas de cana-de-açúcar que ocorrem em ambos os sítios no mês de julho.

Ré-Poppi e Santiago-Silva (2005) realizaram medições de HPAs na cidade de

Campo Grande, Mato Grosso do Sul, na fase sólida coletada em filtro de Teflon por

amostrador de médio volume (dp entre 1 e 15 µm) e na fase gasosa coletada em resina

XAD2, com análise por GC-MS. Os resultados mostraram que a queima de biomassa

era a maior contribuinte para as concentrações observadas de HPAs, sendo que a

contribuição veicular foi considerada baixa.

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Volume 7, Número 3, 2012

Andrade, SJ et al (2010) analisaram HPAs por HPLC/Fluorescência, em amostras

de Material Particulado Inalável (MP10) coletado por amostrador de grande volume, em

local suburbano, distante 5 km de plantações de cana-de-açúcar, nos anos de agosto de

2002 e setembro de 2003 (época de safra) e março de 2003 e janeiro de 2004 (entre-

safra). As concentrações de MP10 variaram de 12 a 47 μg/m3 na entre-safra de cana-de-

açúcar e de 41 to 181 μg/m3 durante a época de safra. As concentrações totais médias de

HPAs foram de 2,5 ng/m3 e 11,6 ng/m3 respectivamente para entre-safra e época de

safra de cana-de-açúcar. Análise estatística por PCA e Varimax Rotation indicaram

influência significativa da queima de cana-de-açúcar.

Tfouni SAV et al (2006) analisaram suco de cana-de-açúcar oriunda de coleta sem

e com queimada, com relação ao conteúdo de 5 HPAs selecionados (benzo(a)antraceno,

benzo(b)fluoranteno, benzo(k)fluoranteno, benzo(a)pireno e dibenzo(a,h)antraceno).

Seus resultados mostraram que as concentrações desses HPAs eram maiores no suco de

cana coletada com prévia queima (0,44 a 3,05 g/kg) do que no suco de cana que não

tinha sofrido o processo de queima (0,19 a 0,61 g/kg).

Tfouni SAV e Toledo MCF (2007) realizaram medição de HPAs em açúcar de

cana oriunda de colheita com queima e sem queima. Concluíram que a prática de

queima da cana antes da colheita pode ocasionar a presença de HPAs no açúcar e que o

processamento da cana-de-açúcar pode influenciar os níveis desses compostos no

produto.

Umbuzeiro GA et al (2008) realizaram uma verificação preliminar da

mutagenicidade de amostras de material particulado inalável obtido em Araraquara

(duas coletas), Araraquara (duas coletas mas só uma analisada em termos de extrato) e

São Paulo (1 coleta na Cidade Universitária da USP), em julho de 2003. Os resultados

preliminares indicaram maior atividade mutagênica do extrato de HPAs, inclusive

frações oxi e nitro HPAs, em Araraquara e em segundo lugar São Paulo. As frações oxi

e nitro HPAs foram as maiores responsáveis pela ação mutagênica.

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Considerações Finais

O álcool (ou etanol) se tornou um produto valorizado, por emitir menos gás

carbônico e ser derivado de matéria-prima renovável: a cana-de-açúcar. Apesar da

produção de álcool em massa no Brasil ocorrer desde 1970, mercados para o etanol estão

em ascensão no mundo e no Brasil, sobretudo por causa dos veículos flex-fuel e do

compromisso com a redução de emissões de gases de efeito estufa.

O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. O estado de São Paulo é

responsável por 60% da produção nacional e 24% da mundial. Mas há tendência de

expansão devido à demanda e à adaptação do cultivo a outras regiões. Da produção

brasileira, 25% é mecanizada e da paulista mais de 65% (ÚNICA, 2012).

Frente aos prejuízos causados pelas queimadas, foi outorgada a lei nº 11.241,

proibindo gradativamente a queima das culturas de cana no Estado. Em 2007, o

governo do Estado e a Unica - União da Indústria de Cana-de-açúcar assinaram

protocolo de intenções fixando novas metas para adoção da mecanização no qual nas

áreas passíveis de mecanização a queimada deverá ser abandonada em 2014 e nas de

declividade maior que 12% até 2017. Já para fornecedores de cana a proposta é que a

eliminação total ocorra até 2021.

Portanto, a despeito do conhecimento científico acumulado sobre riscos à saúde

da queima de biomassa, da entrada em vigor da lei paulista que estabelece prazos para

o fim da queima da cana, os riscos às populações que vivem no entorno das áreas

canavieiras permanecem ou se ampliam com a incorporação de novas terras ao cultivo

de cana.

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Agradecimentos:

Ao Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde pelo financiamento

do projeto.

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Exposição ao ruído ocupacional: reflexões a partir do campo da Saúde do Trabalhador

Tatiane Costa Meira1

Silvia Ferrite2

Franciana Cavalcante3

Maria Juliana Moura Corrêa4

RESUMO

O estudo tem o objetivo de apresentar contribuições conceituais e técnicas para promover a compreensão e a reflexão sobre o problema do ruído no trabalho e da perda auditiva decorrente desta exposição, a partir do campo da Saúde do Trabalhador. Com esse objetivo abordam-se conceitos e teorias da determinação social em saúde do trabalhador, e a gestão de saúde e segurança no trabalho, a fim de fundamentar medidas de prevenção da Perda Auditiva Induzida por Ruído Ocupacional (PAIRO). A metodologia estrutura-se pela revisão e sistematização de categorias centrais relacionadas com a exposição ao ruído no trabalho, a PAIRO, os programas de conservação auditiva e as medidas de controle coletivas e individuais. Reafirma-se a potencialidade das medidas que visam reduzir os níveis de ruído no ambiente de trabalho, agente externo passível de controle, e consequentemente, impactar na prevenção da PAIRO para promover a saúde nos ambientes de trabalho. Todavia, para que sejam efetivas, é necessária incluir aspectos que vêm sendo negligenciados, enquanto ações promotoras da saúde dos trabalhadores.

Palavras-chave: saúde do trabalhador; ruído ocupacional; perda auditiva

provocada por ruído; dispositivos de proteção auditiva.

1 Graduanda em Fonoaudiologia na Universidade Federal da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica. 2 Fonoaudióloga, Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia. 3 Graduanda em Fonoaudiologia na Universidade Federal da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica. 4 Assistente Social, Mestre em Serviço Social. Doutoranda em Saúde Coletiva - Epidemiologia, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia

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Occupational noise exposure: reflections from the Worker’s Health field

ABSTRACT

The study aims to provide conceptual and technical contributions from the field of Occupational Health to promote understanding and reflection on the problem of occupational noise and noise-induced hearing loss (NIHL). Focusing that and to support measures to prevent NIHL, we approach to concepts and theories of social determination of workers’ health and management of occupational health and safety. The methodology is a structured review and the systematization of the core categories related to exposure to noise at work, NIHL, hearing conservation programs, and individual and collective control measures. We stress the potential of measures to reduce noise levels in the workplace, agent subject to external control, and therefore the impact on the prevention of NIHL to promote health in the workplace. However, to be effective, it is necessary to include aspects that have been neglected as workers health-promoting actions.

Key-words: occupational health; noise, occupational; hearing loss, noise-induced; ear protective devices.

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INTRODUÇÃO

O ambiente de trabalho pode oferecer uma série de riscos à saúde, entre eles, o

ruído, presente em grande parte dos processos produtivos. Trata-se de uma exposição passível de ser mensurada e controlada, no entanto, há fragilidades relacionadas ao monitoramento dos ambientes de trabalho e à vigilância à saúde, especialmente nos países em desenvolvimento. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 2009), o ruído está em terceiro lugar no ranking dos fatores ocupacionais que mais geram anos vividos com incapacidade. No ano de 2000, 11,0% dos trabalhadores europeus estavam expostos a níveis elevados de ruído durante todo o período de trabalho (PAOLI; MERLLIÉ, 2001), enquanto nos Estados Unidos, entre os anos de 1999 e 2004, a mesma medida foi estimada em 17,2% (TAK; DAVIS; CALVERT, 2009). No Brasil, um estudo populacional realizado em Salvador, Bahia, identificou aproximadamente 12,0% dos trabalhadores expostos ao ruído no trabalho atual, em 2006, destacando-se os homens, os negros e aqueles com menos anos de estudo (FERRITE, 2009).

A exposição a níveis elevados de ruído pode causar diversos efeitos indesejáveis à saúde dos indivíduos expostos (LUSK et al., 2002). Todavia, a sua consequência mais grave é a Perda Auditiva Induzida por Ruído Ocupacional (PAIRO), uma das doenças relacionadas ao trabalho mais comuns em países industrializados (EL-DIB et al., 2007; NELSON et al., 2005), responsável por 19% dos anos vividos com incapacidade por todas as doenças e agravos decorrentes de fatores ocupacionais no mundo (CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). A perda auditiva traz dificuldades na comunicação, que podem, por sua vez, gerar estresse, ansiedade, irritabilidade, diminuição da auto-estima, isolamento social, e perda de produtividade, e assim prejudicar o desempenho das atividades de vida diária, resultando em custos para o indivíduo, família, empresa e sociedade (CONCHA-BARRIENTOS; CAMPBELL-LENDRUM; STEENLAND, 2004; ARAÚJO, 2002).

A exposição ao ruído e o envelhecimento são consideradas as principais causas da perda auditiva em adultos, todavia, apenas o ruído é um fator passível de intervenção (DOBIE, 2008). A PAIRO pode ser prevenida utilizando-se medidas coletivas e/ou individuais que ajudam a reduzir os níveis de ruído que atingem o trabalhador (EL-DIB et al., 2007; NELSON et al., 2005; CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). As medidas de proteção contra níveis elevados de ruído no trabalho devem ter, prioritariamente, caráter coletivo, a partir do controle da emissão na fonte principal de exposição, da propagação do agente no ambiente de trabalho e de ações no nível administrativo e de organização do trabalho (EL-DIB et al., 2007; NELSON et al., 2005). Entretanto, essas medidas são, usualmente, consideradas de alto custo e com tecnologia de difícil implantação; enquanto o equipamento de proteção auditiva (EPA) tem sido a opção mais comum pela viabilidade, menor custo, relativa efetividade, e fácil acesso (KIM; JEONG; HONG, 2010).

O uso do EPA pelos trabalhadores é obrigatório quando exercem atividades em ambientes com nível de ruído superior ao estabelecido pela legislação própria de cada país. No Brasil, assim como nos Estados Unidos, o limite de tolerância é de 85 dB(A) por 8 horas diárias (BRASIL, 2011; NIOSH, 1998). No entanto, apenas a normatização não garante o uso regular da proteção auditiva. Pesquisas de base populacional realizadas nesses países verificaram que a prevalência de uso do EPA entre trabalhadores expostos ao ruído varia entre 41,2% e 65,7% (FERRITE, 2009; TAK;

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DAVIS; CALVERT, 2009; DAVIS; SIEBER, 2002). Alguns fatores envolvidos no processo de trabalho, como as políticas de gestão, o

clima de segurança, experiências de acidentes de trabalho, a percepção de risco, entre outros, contribuem direta ou indiretamente para o desempenho dos trabalhadores, e serão facilitadores ou não do desenvolvimento de práticas seguras; devendo, portanto, ser considerados nos programas que visam a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho (GARCIA; CANOSCA, 2004; NEAL; GRIFFIN; HART, 2000).

Diante disso, o presente estudo tem o objetivo de apresentar contribuições conceituais e técnicas para promover a compreensão e a reflexão sobre o problema do ruído no trabalho e da perda auditiva decorrente desta exposição, a partir do campo da Saúde do Trabalhador.

O PAPEL DO TRABALHO NA DETERMINAÇÃO SOCIAL DA SAÚDE

De acordo com a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS, 2008) existem diferentes modelos teóricos que buscam explicar a trama de relações entre os vários níveis de determinantes sociais e a situação de saúde. Dentre eles, a OMS destaca o modelo apresentado por Dahlgren & Whitehead. Esse modelo permite construir um quadro explicativo multifatorial das doenças no qual é possível inserir diversos componentes que estruturam as dimensões que impactam a saúde (DAHLGREN; WHITEHEAD, 2006). Os autores organizam os determinantes em níveis circulares, em camadas que incluem as condições macro-estruturais, aspectos mais gerais socioeconômicos, culturais e ambientais de uma sociedade. Esses, por sua vez, estabelecem relações com os níveis meso e micro, que entre si resultam em relações de sobredeterminação entre os níveis distais e proximais que influenciam as condições de vida, o trabalho e a saúde de seus membros. Cada dimensão compreende um conjunto de componentes centrais que impactam num determinado modo de vida e de trabalho, como a habitação, saneamento, ambiente de trabalho, serviços de saúde e educação. A mediação entre os níveis é representada por componentes de contrapoderes, estabelecidos pela trama de redes sociais, a organização dos trabalhadores e associações comunitárias. Os determinantes, por sua vez, influenciam na distribuição da exposição aos fatores de risco e na ocorrência de problemas de saúde na população (DAHLGREN; WHITEHEAD, 2006).

Existem vários tipos de modelos conceituais da determinação social do trabalho à saúde. Por exemplo, Armstrong et al. (1993) para explicitar a relação entre a exposição ocupacional e o desenvolvimento de Lesão por Esforço Repetitivo (LER), introduzem um diagrama no qual apresentam conjuntos de exposição em cascata, inseridos os componentes – dose, capacidade e variável resposta, explicitando que esta resposta poderá atuar como dose no nível subsequente. Lipscomb et al. (2006), nos EUA, apresentam um modelo conceitual com evidência empírica de como o trabalho é um importante fator de desigualdades em saúde, enfatizando comportamento e características das políticas institucionais em contraposição à responsabilização individual. Nessa concepção, é proposto um diagrama que conecta os caminhos causais entre o trabalho e a exposição desigual, incluindo as variáveis – classe social, gênero e raça. Enquanto Krieger (2008a), da perspectiva ecossocial, apresenta uma concepção a

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partir de caminhos causais não lineares, com efeitos tanto imediatos quanto os que ocorrem ao longo do curso da vida. Assim, esta concepção compreende a distribuição social da saúde/doença associada à economia política e à ecologia política. Nessa abordagem, a doença, portanto, é representação de consequências biológicas, das formas de vida e de trabalho, diferenciadas entre os grupos sociais. Ela é produzida em cada sociedade, a partir das prioridades políticas que afetam padrões de vida, condições de trabalho e exposições ambientais, de forma distinta entre as classes e os grupos étnicos. Ao invés de níveis distais e proximais, que podem ser distorcidos pela variação tempo, espaço e força causal, Krieger (2008b) propõe o uso de determinantes estruturais e intermediários.

Para construir os caminhos teóricos explicativos que levam à exposição ocupacional ao ruído e ao desenvolvimento da perda auditiva em trabalhadores, utilizou-se para fins desse estudo o referencial conceitual do modelo elaborado por Krieger (2008a). Desenvolveu-se, portanto, um modelo lógico (Figura 1) baseado nos determinantes estruturais e na teoria da economia política e da produção de doenças do trabalho, elaborada por Levestein & Tuminaro (1997), e sua relação com os conceitos centrais. Os conceitos elencados são: produção e reprodução social (LAURELL; NORIEGA, 1989; BREILH, 2006), processo de trabalho (NAVARRO, 1982), carga de trabalho (LAURELL; NORIEGA, 1989; FACCHINI, 1994), representações sociais (MENDES; DIAS, 1991), e a história de exposição ao ruído nos ambientes de trabalho, cuja compreensão é realizada no campo da Saúde do Trabalhador.

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Fonte: Adaptado de World Health Organization (2007). Figura 1. Modelo teórico da determinação social da exposição ao ruído nos ambientes de trabalho ST: Saúde do Trabalhador; VISAT: Vigilância em Saúde do Trabalhador; PAIRO: Perda Auditiva Induzida por Ruído Ocupacional.

Levenstein & Tuminaro (1997) utilizam a teoria econômica para explicar a

geração de doenças ocupacionais como resultante da produção de bens e serviços pela exposição de trabalhadores a materiais, máquinas, tecnologias e práticas de trabalho que são perigosos para saúde. Nessa formulação, a definição da tecnologia é uma decisão econômica da engenharia política e, consequentemente, o uso de materiais, a organização do trabalho, o emprego das máquinas e a intensidade de uso dos equipamentos estão submetidos a imperativos econômicos da produção e ao caráter competitivo da estrutura das indústrias. A doença ocupacional, portanto, nessa concepção é reflexo de fatores econômicos, políticos e sociais. E esses fatores e suas combinações são fundamentais para compreender o ambiente de trabalho e a saúde dos trabalhadores. Para isso, quatro áreas requerem atenção especial, na relação entre o ruído e o sistema produtivo: a) produção de doenças; b) percepção e reconhecimento das doenças, c) controle e mensuração; d) compensação do dano. Elas se desenvolvem concomitante às mudanças do modo de produção e do trabalho.

Historicamente, a ampliação da exposição ao ruído se evidencia com o processo produtivo da sociedade industrializada, que transformou o trabalho e sua organização, no final do século XIX. A passagem do período mercantil para o industrial estabelece um novo padrão de desenvolvimento centrado na acumulação do capital e exploração da força de trabalho, que constituem um modo de produção caracterizado pela divisão do trabalho, intensificação dos ritmos, adoção de novas tecnologias a privação do trabalhador do seu saber e criação.

De acordo com Navarro (1982) uma das principais características do processo de trabalho no contexto do capitalismo é a perda do controle sobre o próprio trabalho, que pode gerar grande insatisfação, expressa nas altas taxas de rotatividade, absenteísmo, resistência ao ritmo de trabalho, indiferença, negligência e hostilidade declarada à chefia. Além disso, estudos têm mostrado que certos tipos de morbidade são mais

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comuns entre os trabalhadores que têm menos controle sobre seu processo de trabalho do que aqueles que conseguem manter alguma forma de controle. Desse modo, o processo de trabalho envolve não só os aspectos ambientais como também a organização e a divisão do trabalho.

Na visão capitalista, os trabalhadores devem produzir mais do que consomem. Essa diferença entre o que o trabalhador produz e não recebe é chamada de mais valia. Há maneiras distintas de aumentar a mais valia, que se efetivam por duas vias de apropriação da força de trabalho, que incidem no esgotamento do trabalhador e na expropriação da sua saúde. A primeira forma é através do aumento do tempo real da atividade que, no entanto, encontra duas dificuldades: os limites biológicos do trabalhador e as conquistas da classe trabalhadora, que limitam a jornada de trabalho. A outra maneira de aumentar a mais valia é por meio do aumento da intensidade do trabalho, introduzindo mudanças nos meios ou na organização do trabalho, na especialização do trabalhador, ou em todos eles. As estratégias para a ampliação da mais valia conduzem a uma maior exposição aos riscos e ao adoecimento dos trabalhadores. Portanto, o trabalho deve ser entendido não apenas como um gerador de doenças específicas, mas como um dos determinantes do perfil de morbimortalidade da população (NAVARRO, 1982).

Opõe-se a esse modelo o conceito de risco inerente, visão na qual o trabalho é compreendido apenas como um problema ambiental, cujos trabalhadores estão invariavelmente submetidos à exposição de agentes que podem causar doenças e acidentes. A estratégia de intervenção derivada deste entendimento do trabalho é reduzir a frequência de exposição dos trabalhadores aos agentes patogênicos e compensá-los monetariamente pelos danos causados; assim, a saúde é vendida e a morte e a doença são compensadas. Nesse contexto, o trabalho não é compreendido como atividade, ou uma relação social, cidadãos são prioritariamente percebidos e definidos como consumidores mais do que como trabalhadores (NAVARRO, 1982). A compreensão desses pressupostos centrais do capital na organização do trabalho levou a que pesquisadores desenvolvessem teorias para evidenciar a causalidade das enfermidades relacionadas com o trabalho.

Laurell & Noriega (1989) e Breilh (2006) utilizam o conceito de produção e reprodução social nos modelos explicativos dos determinantes políticos, econômicos e sociais para compreender a distribuição da saúde e das doenças, destacando a centralidade do trabalho no processo saúde-doença. A reprodução social reporta-se às condições materiais da vida e das relações societais que se estabelecem entre as classes, pelo processo de produção e distribuição das riquezas. Partindo dessa base teórica os autores revisam conceitos para explicitar o desgaste e o adoecimento dos trabalhadores. Laurell & Noriega (1989) introduzem o conceito de carga, elemento do processo de trabalho que interatua entre o ambiente e o corpo do trabalhador gerando padrões de desgaste e a espoliação do corpo e da mente. Breilh (2006), em relação ao processo de trabalho, contribui com a noção de pólos destrutivos ou benéficos, que representam processos produtivos destrutivos e protetores, respectivamente. Para Facchini (1994) uma das formas de estudar essas relações é a partir do conceito de cargas de trabalho – que são exigências ou demandas psicobiológicas do processo de trabalho, geradoras, ao longo do tempo, das particularidades do desgaste do trabalhador. A categoria carga de trabalho permite avaliar o impacto dos elementos constitutivos do processo de trabalho sobre a saúde do trabalhador. A complexidade das doenças do trabalho e o conceito ampliado de saúde conformam o surgimento da área de Saúde do Trabalhador.

Lacaz (2007) define a Saúde do Trabalhador como um campo de práticas e

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conhecimentos da saúde coletiva que busca conhecer e intervir nas relações trabalho e saúde-doença, na qual o conceito de processo de trabalho é central para refletir sobre as relações entre o capital e o processo saúde/doença. O campo da Saúde do Trabalhador considera o trabalho, também, enquanto organizador da vida social, como o espaço de dominação e submissão do trabalhador pelo capital. O trabalho é, ainda, espaço de resistência, de constituição, e do fazer histórico. Processo histórico, no qual os trabalhadores são os atores, os sujeitos capazes de pensar e de se pensarem, produzindo uma experiência própria, no conjunto das representações da sociedade (MENDES; DIAS, 1991). Esses princípios de participação e de incorporação do saber próprio dos trabalhadores tanto na análise dos riscos e intervenção nos ambientes são fundamentais para ação transformadora no âmbito da Saúde do Trabalhador (ODDONE et al., 1986; FACCHINI, 1994).

Nessa perspectiva, o modelo da determinação social do processo de adoecimento no trabalho, contempla aspectos mais amplos da organização do trabalho, incorporando as dimensões sócio-técnica, econômico-social do trabalho, e os conceitos de processos de produção e processos de trabalho, ampliando as possibilidades de análise e de intervenção no campo da Saúde do Trabalhador.

GESTÃO DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO

Existem diversos enfoques de Gestão de Saúde e Segurança no Trabalho. Entre eles, destaca-se a análise de riscos, compreendida como um fenômeno complexo, que deve ser considerado a partir de um enfoque sistêmico e interdisciplinar (PORTO; FREITAS, 1997). A geração e a consequência de riscos tecnológicos implicam em relações sociais e, por isso, não podem ser compreendidos apenas a partir de dimensões físicas, químicas e biológicas (PORTO; FREITAS, 1997; FREITAS; GOMEZ, 1997). Considerar a tecnologia, o meio ambiente e o risco como resultantes de processos sociais leva a uma nova visão de gerenciamento, a qual envolve aqueles que percebem os riscos (trabalhadores e demais populações), as instituições públicas e privadas envolvidas, e os contextos sociais e culturais nos quais o risco é analisado e gerenciado (PORTO; FREITAS, 1997).

A exposição dos trabalhadores a riscos pode ser influenciada por fatores como as políticas de gestão de saúde e segurança, o clima de segurança, a motivação para a segurança, o conhecimento de segurança, experiências de acidentes de trabalho, percepção de risco, entre outros; devendo ser considerados nos programas que visam a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho (GARCIA; CANOSCA, 2004; NEAL; GRIFFIN; HART, 2000). Dentre estes fatores, destacam-se a percepção de riscos pelos trabalhadores e o clima de segurança.

A incorporação da percepção de riscos e de formas de inserção do saber daqueles trabalhadores que vivenciam as situações e eventos de riscos vem constituindo-se em um importante avanço para sua identificação e transformação. É valorizado o saber daqueles que se encontram expostos no seu cotidiano de vida e trabalho, buscando a sua participação efetiva em atividades da gestão de saúde e segurança (PORTO; FREITAS, 1997).

O clima de segurança tem sido considerado como um dos preditores mais consistentes para as práticas de segurança entre trabalhadores (DEJOY et al., 2004;

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FELKNOR et al., 2000). Alguns fatores parecem influenciar a percepção dos trabalhadores sobre o clima de segurança, especificamente, o treinamento, o controle administrativo (FELKNOR et al., 2000), as condições ambientais, as políticas e programas de segurança, a comunicação e o suporte organizacional (DEJOY et al., 2004). É interessante notar que estes dois últimos fatores são dimensões do clima organizacional geral, e não da segurança em si. Este clima organizacional inclui diferentes avaliações individuais do ambiente de trabalho, por exemplo, a liderança, a comunicação, a participação e a inovação (DEJOY et al., 2004). Portanto, ações implementadas para melhorar o clima geral do ambiente de trabalho também podem contribuir para o clima de segurança. Assim, uma boa administração produz benefícios para toda a organização (DEJOY et al., 2004).

No entanto, algumas teorias desconsideram a influência desses fatores no comportamento dos trabalhadores, considerando-os como únicos responsáveis pelos acidentes/doenças de trabalho, resultando na “culpabilização das vítimas” (JACKSON-FILHO; GARCIA; ALMEIDA, 2007). Esta prática, muitas vezes sustentada também por agentes públicos, desvia a atenção da opinião pública das precárias condições de trabalho para o suposto descuido do trabalhador (VILELA; IGUTI; ALMEIDA, 2004; SILVA, 1999). Os problemas evidenciados no campo da saúde do trabalhador dizem respeito não só aos trabalhadores, como também aos atores responsáveis pelo planejamento, execução e fiscalização das tarefas. Sendo assim, o desenvolvimento de práticas seguras, do uso adequado de equipamentos de proteção individual, entre outros, dependem não somente do trabalhador, mas do contexto de trabalho no qual ele está inserido (SILVA, 1999).

EXPOSIÇÃO AO RUÍDO

Fisicamente, o ruído é composto por inúmeras frequências sem que exista um padrão acústico. O resultado é um sinal complexo, sem uma frequência fundamental fixa, sendo, portanto, um sinal não periódico. Estes sinais têm um comportamento imprevisível e, consequentemente, são difíceis de caracterizar com exatidão (MENEZES; CALDAS-NETO; MOTA, 2005). As características da exposição ao ruído são sua natureza, intensidade (em deciBel, dB) e o tempo de exposição. Estes dois últimos são os mais importantes para a mensuração da exposição ao ruído (EUROPEAN AGENCY FOR SATEFY AND HEALTH AT WORK, 2011).

O ruído causa vários efeitos indesejáveis à saúde dos indivíduos expostos, como zumbido, aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, insônia, estresse e irritabilidade (LUSK et al., 2002). A PAIRO, caracterizada pela redução da acuidade auditiva decorrente da exposição prolongada e de caráter irreversível, é a sua consequência mais grave (NELSON et al., 2005; CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). A exposição ao ruído é o principal fator de risco modificável para a perda auditiva em adultos (DOBIE, 2008).

Os limites de tolerância de exposição ocupacional ao ruído são determinados pelas entidades governamentais de cada país e variam dependendo do número de horas diárias que o trabalhador está exposto. A esse limite é aplicado o fator de dobra do tempo, também conhecido como razão de dobra, que pode assumir o valor de 5 dB(A) ou de 3 dB(A), a depender da legislação de cada país. Isso significa que variações desta ordem

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na intensidade do ruído devem dobrar ou cortar pela metade o tempo limite de exposição (OLIVA et al., 2010). Nos países da União Européia, o limite de exposição permissível é de 87 dB(A) para 8 horas trabalhadas e o fator de dobra a ser usado é de 3 dB(A) (BRUXELAS, 2003). Já nos Estados Unidos, assim como no Brasil, o limite de exposição máxima permitida por 8 horas diárias é de 85 dB(A), entretanto, nos Estados Unidos o fator de dobra é de 3 dB(A), enquanto no Brasil é de 5 dB(A) (BRASIL, 2011; NIOSH, 1998).

O ruído ocupacional integra os fatores de risco em estudo pela OMS, que periodicamente divulga estimativas com o objetivo de disseminar informações sobre a sua extensão e distribuição no mundo, contribuindo para o processo de vigilância (CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). A vigilância deste fator se justifica, por exemplo, por estimativas que identificam que 16,0% das perdas auditivas incapacitantes adquiridas na idade adulta no mundo são atribuídas à exposição ocupacional ao ruído (NELSON et al., 2005), e que a perda auditiva causada pelo ruído ocupa o segundo lugar no ranking de anos perdidos por incapacidade em consequência de fatores ocupacionais (CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). Além disso, níveis elevados de ruído podem ser observados nos mais diversos ambientes de trabalho, atingindo diferentes ramos de atividade e ocupação (BRASIL, 2006).

Estima-se que no ano de 2000, 29,0% dos trabalhadores da Europa estavam expostos a ruído intenso em pelo menos ¼ do tempo de trabalho e 11,0% dos trabalhadores estavam expostos a ruído intenso em tempo integral (PAOLI; MERLLIÉ, 2001). Já nos Estados Unidos, entre 1999 – 2004, 17,2% dos trabalhadores estavam expostos a ruído acima de 85 dB(A) (TAK; DAVIS; CALVERT, 2009). Em um estudo realizado em Salvador, Bahia, com dados referentes a 2006, verificou-se que a prevalência de exposição a níveis elevados de ruído no trabalho atual foi de 16,2% entre os homens e de 9,0% entre as mulheres (FERRITE, 2009). Dessa forma, a exposição ao ruído em níveis elevados no trabalho é reconhecidamente um problema de Saúde Pública (CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004).

PERDA AUDITIVA INDUZIDA POR RUÍDO OCUPACIONAL

A primeira citação que se conhece relacionando o ruído ao desenvolvimento da perda auditiva ocupacional foi feita pelo médico italiano Bernadino Ramazzini, no ano de 1700, em seu livro “As doenças dos trabalhadores” (RAMAZZINI, 2000). A PAIRO é uma diminuição gradual da acuidade auditiva decorrente da exposição ocupacional por tempo prolongado a níveis elevados de pressão sonora (>85 dB(A) por 8 horas/dia). A doença gera não apenas incapacidade auditiva, mas também zumbidos, estresse, ansiedade, irritabilidade, diminuição da auto-estima, isolamento social, e perda de produtividade, que podem prejudicar o desempenho das atividades de vida diária, resultando em custos para o indivíduo, família, empresa e sociedade (CONCHA-BARRIENTOS; CAMPBELL-LENDRUM; STEENLAND, 2004; ARAÚJO, 2002). Caracteriza-se por uma perda auditiva sensorioneural, bilateral, irreversível e que progride com o tempo de exposição ao ruído (BRASIL, 2006; MORATA; LEMASTERS, 1995). O desencadeamento da perda auditiva ocorre aproximadamente após seis anos de exposição continuada ao ruído, com progressão mais rápida da lesão entre o 6º e o 10º ano. Entre 10 e 15 anos, a progressão da PAIRO é mais lenta, até

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atingir o nível máximo de lesão (MORATA; LEMASTERS, 1995). O efeito da exposição ao ruído acomete inicialmente, e de forma mais acentuada, as frequências de 4.000Hz e 6.000Hz, estendendo-se, com a continuidade da exposição, para 8.000Hz, 3.000Hz e 2.000Hz (MORATA; LEMASTERS, 1995). A piora dos limiares audiométricos pode alcançar 75 dBNA nas frequências altas e 40 dBNA nas baixas e médias. O diagnóstico da PAIRO não é feito apenas clinicamente, mas deve incluir também um estudo da história da exposição (EUROPEAN AGENCY FOR SATEFY AND HEALTH AT WORK, 2005).

Em um estudo realizado na Dinamarca com uma população de trabalhadores entre 18 a 59 anos, estimou-se que, em 2005, a prevalência de perda auditiva era de 9,0% entre os homens e 5,0% entre as mulheres (BURR et al., 2005). Os dados epidemiológicos sobre perda auditiva entre trabalhadores no Brasil são escassos e referem-se a determinados ramos de atividades e, portanto, há dificuldades para identificar o perfil da morbidade no País (BRASIL, 2006). Em um estudo realizado com uma população representativa dos trabalhadores de Salvador, Bahia, a prevalência da perda auditiva foi estimada em 14,5% entre os homens e 8,1% entre as mulheres (FERRITE, 2009).

A PAIRO é passível de prevenção. Para isso, programas preventivos devem incluir ações para a eliminação do ruído, meio considerado mais eficaz (TAK; DAVIS; CALVERT, 2009). Na sua impossibilidade, a exposição pode ser controlada a partir de medidas coletivas e/ou individuais que ajudam a reduzir os níveis de ruído que atingem o trabalhador (EL-DIB, 2007; NELSON et al., 2005; CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). As medidas de proteção deveriam ter, prioritariamente, caráter coletivo, a partir do controle da emissão na fonte principal de exposição, da propagação do agente no ambiente de trabalho e de ações no nível administrativo. No entanto, a medida mais comum tem sido a de caráter individual, que se refere ao uso do equipamento de proteção auditiva (KIM; JEONG; HONG, 2010; EL-DIB, 2007; NELSON et al., 2005).

PROGRAMA DE CONSERVAÇÃO AUDITIVA

No Brasil, a Norma Regulamentadora Nº 7 (NR-7) estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores (BRASIL, 1998a). O PCMSO integra as ações do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), determinados pela Norma Regulamentadora Nº 9 (NR-9) (BRASIL, 1994). O PPRA visa à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, levando em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. São considerados como riscos ambientais os agentes físicos – entre esses o ruído –, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos.

Na NR-7 estão incluídos os parâmetros para a monitorização da exposição ocupacional aos agentes de risco à saúde, entre eles o ruído. No Anexo I do Quadro II constam as diretrizes e parâmetros mínimos para a avaliação e acompanhamento da audição em trabalhadores expostos a níveis de pressão sonora elevados e os subsídios

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para a adoção de programas de conservação da saúde auditiva dos trabalhadores e prevenção da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados. Este Anexo inclui também os parâmetros para a realização dos exames audiométricos e a sua interpretação (BRASIL, 1998a).

A Ordem de Serviço Nº 608 (BRASIL, 1998b) determinou que empresas com o nível de pressão sonora elevado, identificado pelo PPRA, devem organizar sob sua responsabilidade um Programa de Conservação Auditiva (PCA). Esta Ordem de Serviço estabelece ainda as diretrizes básicas para o PCA com recomendações mínimas para a sua elaboração, contendo as seguintes etapas: reconhecimento e avaliação de riscos para a audição, gerenciamento audiométrico, medidas de proteção coletiva, medidas de proteção individual, educação e motivação, gerenciamento dos dados e avaliação do programa.

Conforme as etapas previstas, o PCA envolve ações que vão desde a análise do ambiente de trabalho, controle coletivo dos agentes otoagressivos, estudo do perfil auditivo, até a implementação de ações educativas e de avaliação das intervenções. Entretanto, em muitas empresas, as ações ainda são predominantemente baseadas na realização de audiometrias e no fornecimento de equipamento de proteção auditiva (GONÇALVES; IGUTI, 2006). As ações de educação e motivação são parte importante do PCA, pois o envolvimento dos trabalhadores na implantação das medidas de proteção é essencial para que elas sejam bem sucedidas, e assim possa ser obtida melhor eficácia na proteção contra o ruído e seus efeitos (BRASIL, 1998b). Para tanto, sugere-se a realização de cursos, debates, organização de comissões de saúde e segurança, programas de treinamento, participação em eventos, entre outras ações.

EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO COLETIVA

A adoção de medidas de controle da exposição a níveis elevados de ruído devem ser iniciadas quando a exposição atingir o nível de ação, ou seja, 80 dB(A), de forma a minimizar a probabilidade de que as exposições a agentes ambientais ultrapassem os limites estabelecidos (BRASIL, 1994). Para a viabilização da adoção dessas medidas é necessário o envolvimento de profissionais de diversas áreas, incluindo os audiologistas, médicos, engenheiros, equipe de recursos humanos da empresa e, principalmente, os próprios trabalhadores (BRASIL, 1998b; NIOSH, 1998).

O Programa de Conservação Auditiva, estabelecido pela Ordem de Serviço Nº 608 (BRASIL, 1998b), prevê como uma de suas etapas a implantação de medidas coletivas e individuais de proteção contra níveis elevados de ruído; destacando que as coletivas devem ser priorizadas. Assim, as medidas de controle da exposição devem seguir uma hierarquia de implantação, iniciando-se pelos equipamentos de proteção coletiva, que incluem as medidas de engenharia seguidas das medidas administrativas e de organização do trabalho (BRASIL, 1994). Nos casos em que essas medidas forem tecnicamente inviáveis, não ofereçam completa proteção contra os riscos, estiverem sendo implantadas, ou em caráter emergencial, pode ser adotado o uso do equipamento de proteção auditiva individual (BRASIL, 2010; NIOSH, 1998; BRASIL 1994).

São medidas de proteção coletiva que podem ser incorporadas: a) intervenção sobre a fonte emissora – com modificações ou substituições de máquina e equipamentos, redução da propagação do som intenso por meio da alteração das

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características de ressonância de painéis, da redução da amplitude das ressonâncias ou mesmo pela redução das áreas das superfícies irradiantes, manutenção preventiva e corretiva de máquinas e equipamentos, mudanças para técnicas menos ruidosas de operação, entre outras; b) redução do nível de pressão sonora na transmissão –, com uso de barreiras, silenciadores e enclausuramentos parciais ou completos para reduzir a energia sonora; alteração das características acústicas do ambiente de trabalho pela introdução de materiais absorventes, entre outras; c) controle da exposição através da redução do tempo de exposição do trabalhador – reposicionamento do trabalhador em relação à fonte de níveis elevados de pressão sonora ou do trajeto da transmissão durante etapas da jornada de trabalho, posicionamento remoto dos controles das máquinas, enclausuramento do trabalhador em uma cabina tratada acusticamente, diminuição do tempo de exposição durante a jornada de trabalho, revezamento entre ambientes, postos, funções ou atividades e aumento do número e duração das pausas (BRASIL, 1998b).

Apesar das normas brasileiras priorizarem o uso dos equipamentos de proteção coletiva, o uso dessas medidas não tem sido a prioridade em muitos ambientes de trabalho, optando-se muitas vezes por fornecer ao trabalhador apenas o equipamento de proteção auditiva individual (EL-DIB, 2007; NELSON et al., 2005; CONCHA-BARRIENTOS et al., 2004). Dessa forma, não é garantido ao indivíduo um ambiente de trabalho seguro e sem riscos iminentes à sua saúde.

EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL

De acordo com a Norma Regulamentadora Nº 6 (NR-6), Equipamento de Proteção Individual (EPI) é todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção contra riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. A NR-6 apresenta ainda uma lista de equipamentos de proteção individual; entre eles está o EPI para proteção auditiva (equipamento de proteção auditiva – EPA) que pode ser de três tipos: protetor auditivo circum-auricular; protetor auditivo de inserção; protetor auditivo semiauricular (BRASIL, 2010). Atualmente, existem também os EPA ativos, que eliminam o ruído indesejado, com maior poder de atenuação dos ruídos de baixa frequência em comparação com os convencionais, e por meio de recurso específico deixam passar a banda de frequência relativa à voz humana, viabilizando a comunicação mesmo durante seu uso. Apesar dessas vantagens, tem um custo muito elevado, são maiores e mais pesados gerando maior desconforto do que os EPA convencionais, e por conter partes eletrônicas são mais sensíveis, deteriorando com mais facilidade (FRANCISCO, 2001).

Os níveis de redução do ruído (NRR) obtidos para o EPA são fornecidos pelos fabricantes de acordo com a regulamentação dos órgãos de normalização. Todavia, o valor real de atenuação do ruído resultante do uso do EPA depende da interação de três elementos: usuário, tipo de protetor e ambiente de trabalho (CIOTE; CIOTE; HABER, 2005). Atualmente, o NRR é obtido por meio de estudos laboratoriais baseados na norma ANSI S12.6-1997 (B) (SAMELLI; FIORINI, 2011; CIOTE; CIOTE; HABER, 2005). Esta norma trouxe avanços em relação às anteriores, no entanto, ainda se distancia da realidade, uma vez que a média dos valores obtidos com um grupo de indivíduos em laboratório nem sempre corresponde ao desempenho do usuário em

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ambiente profissional. A condição ideal seria a avaliação individual a partir da colocação do EPA pelos usuários no seu ambiente de trabalho (SAMELLI; FIORINI, 2011).

O uso do EPA constitui-se uma medida individual de controle do ruído comumente usada nos programas de conservação auditiva (EL-DIB, 2007). De acordo com a European Agency for Satefy and Health at Work (2005), o equipamento de proteção individual deve ser utilizado como último recurso, quando forem esgotadas todas as possibilidades de eliminar ou reduzir o ruído da fonte. Entretanto, as medidas de caráter coletivo nem sempre são consideradas viáveis por razões de ordem técnica ou econômica. Assim, o EPA tem sido amplamente utilizado para proteger o trabalhador, pelo menor custo, relativa efetividade e fácil acesso (KIM; JEONG; HONG, 2010; EL-DIB, 2007; NIOSH, 1998).

O uso do EPA pelos trabalhadores é obrigatório quando exercem atividades em ambientes com nível de ruído superior ao estabelecido pela legislação própria de cada país. No Brasil, embora o limite de tolerância seja de 85 dB(A) por 8 horas diárias (BRASIL, 2011), de acordo com a NR-9 ações preventivas devem se iniciar a partir do nível de ação de 80 dB(A), incluindo, entre outras, o monitoramento periódico da exposição, a informação aos trabalhadores e o controle médico, porém não está prevista a obrigatoriedade do fornecimento e do uso do EPA (BRASIL, 1994).

Observa-se que apenas a normatização não tem garantido o uso regular do EPA. Nos Estados Unidos, isso pôde ser verificado a partir da análise dos dados do National Occupational Exposure Survey (NOES 1981-1983) do National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH), cujos resultados indicaram a prevalência do uso do EPA em 41,4% entre trabalhadores expostos (DAVIS; SIEBER, 2002), e ainda a partir da análise dos dados do National Health and Nutrition Examination (NHANES 1999-2004), com a mesma medida estimada em 65,7% (TAK; DAVIS; CALVERT, 2009). No Brasil, um estudo de base populacional realizado em Salvador, Bahia, estimou a prevalência do uso do EPA entre trabalhadores expostos a níveis elevados de ruído em 41,2% (FERRITE, 2009). Alguns fatores tem sido apontados como favoráveis (maior nível de ruído, eficácia auto-percebida e influência interpessoal) ou desfavoráveis (dificuldade na comunicação durante o uso, desconforto ao uso e sensações desagradáveis) ao uso do EPA, entretanto, há ainda diversos fatores em estudo, na busca de evidências e consensos na literatura (EL-DIB, 2007).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A PAIRO é um problema de saúde pública com grande potencial de prevenção. No Brasil, para que seja conhecida a extensão do problema da exposição ao ruído e da PAIRO, as ocupações e ambientes prioritários para intervenção, é preciso consolidar os sistemas de informação e viabilizar o acesso aos dados sobre as condições de trabalho e saúde. Deve-se, ainda, incentivar pesquisas de base populacional que busquem conhecer a realidade da exposição ao ruído e da proteção auditiva entre os trabalhadores formais e informais. Além do ruído, outros agentes físicos e químicos – como vibração e solventes orgânicos – podem representar risco à saúde auditiva dos trabalhadores, em especial, se estiverem presentes simultaneamente ao ruído (BOTELHO et al., 2009; SILVA & MENDES, 2005). Esses fatores, sejam isolados, ou potencializando o efeito deletério do ruído para a audição, requerem atenção e estudo para que sejam considerados nas normas regulamentadoras do país.

A Vigilância em Saúde do Trabalhador, com a incorporação de ações de promoção da saúde e adoção de medidas preventivas, podem levar, com sucesso, à diminuição da ocorrência da PAIRO, contribuindo para a redução dos custos sociais e financeiros, diretos e indiretos. Para que essas medidas sejam mais efetivas, é necessário refletir a partir de questões que aparentemente vem sendo negligenciadas, como o papel da determinação social e dos fatores organizacionais, a priorização das medidas coletivas, e a importância da real integração dos trabalhadores às equipes dos programas de prevenção. Devemos estar cientes de que somente o conhecimento – do efeito negativo do ruído para a audição e/ou de que o EPA pode evitar ou minimizar a PAIRO – não é suficiente para evitar o problema, e que essa concepção focaliza no trabalhador a responsabilidade pela prevenção. O clima de segurança no trabalho, a dinâmica da relação entre empregador e empregados, as próprias crenças do trabalhador, entre outros, influenciam suas decisões e ações. A incorporação do saber e a participação daqueles que vivenciam a exposição ao ruído no seu cotidiano, tanto nas avaliações como nos processos decisórios, são essenciais para o enfrentamento do problema, e demonstram o reconhecimento de que a percepção de riscos e as situações e eventos de risco são construções sociais (PORTO & FREITAS, 1997).

Infelizmente, é comum que trabalhadores com perda auditiva reproduzam os valores do ambiente social que experienciaram, e assim, passam a aceitar a perda auditiva como decorrência natural da sua ocupação, ou consideram-se culpados pela doença adquirida, e/ou reagem buscando o auxílio dos serviços de saúde apenas com a expectativa da compensação financeira. Essa conduta se constitui um ciclo de desproteção à coletividade de trabalhadores na medida em que oculta as fontes externas de risco, perpetuando a sua manutenção.

São questões que nos desafiam, como profissionais da Saúde do Trabalhador, na busca de mudanças que promovam melhores condições de trabalho e saúde para a população. Neste contexto, perspectivas positivas certamente acompanhariam uma iniciativa do País em planejar e implementar um programa nacional de prevenção da PAIRO e de promoção da saúde auditiva do trabalhador.

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Doenças respiratórias e risco de incêndio, uma analise espacial.

Amaury de Souza1

Widinei A. Fernandes2

Hamilton G. Pavão3

Giancarlo Lastoria4

Resumo

OBJETIVOS: Analisar espacialmente o efeito da exposição ao risco de incêndio

na ocorrência de doenças do aparelho respiratório nos municípios do Estado de Mato

Grosso do Sul.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo ecológico de autocorrelação espacial da

prevalência de internações por doenças respiratórias e do risco de incêndio pelo índice

Monte Alegre, o índice possui uma metodologia que diminui o risco à medida que

ocorre precipitação, sendo o volume de chuva em mm considerado para mudança de

faixa de perigo, nos municípios do estado de Mato Grosso do Sul, empregando-se o

método bayesiano empírico e uma regressão múltipla espacial, teve como variáveis

resposta a prevalência de internações por doenças respiratórias, e como variável de

exposição o risco de incêndio. Para ajuste, foram utilizadas variáveis proxies de focos

de queimadas e concentração de ozônio de superfície, precipitação e umidade do ar.

RESULTADOS: Foram observadas associações estatisticamente significativas entre a

prevalência de internações por doenças respiratórias e o risco de incêndio.

CONCLUSÕES: Os riscos de incêndios que originam as queimadas estão relacionados

à prevalência de internações por doenças respiratórias em grupos populacionais

sensíveis nos municípios do Estado de Mato Grosso.

1 Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais caixa postal 549, CEP 79070-900, Campo Grande-MS, Brasil, [email protected] 2 Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais caixa postal 549, CEP 79070-900, Campo Grande-MS, Brasil. 3 Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais caixa postal 549, CEP 79070-900, Campo Grande-MS, Brasil. 4 Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais caixa postal 549, CEP 79070-900, Campo Grande-MS, Brasil.

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Palavras-chave: queimadas, doença respiratória, cerrado, índice pluviométrico e

modelo de regressão.

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Respiratory and fire hazard, a spatial analysis

Abstract

OBJECTIVES: To analyze the effect of spatially exposure to fire risk in the

occurrence of respiratory diseases in the municipalities of the State of Mato Grosso do

Sul. METHODS: This was an ecological study of spatial prevalence of hospitalization

for respiratory diseases and the risk of fire at Monte Alegre index, the index has a

methodology that reduces the risk as precipitation occurs, and the volume of rain in mm

considered for lane change danger, municipalities in the state of Mato Grosso do Sul,

using the empirical Bayesian method and a multiple regression spatial response variable

was the prevalence of hospitalization for respiratory diseases, and as the exposure

variable fire hazard. For calibration, were used proxies of outbreaks of fires and surface

ozone concentration, precipitation and humidity. RESULTS: We observed statistically

significant associations between the prevalence of hospitalization for respiratory

diseases and the risk of fire. CONCLUSIONS: The risk of fires that cause fires are

related to the prevalence of hospitalizations for respiratory diseases in sensitive

populations in the municipalities of the State of Mato Grosso.

Keywords: Burns, respiratory disease, savannah, and rainfall regression model.

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INTRODUÇÃO

Poucos estudos foram realizados para avaliar os efeitos produzidos pela queima de

biomassa (qualquer matéria de origem vegetal ou animal utilizado como fonte de

energia). Em 1985, um boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS) questionava

quais seriam a gravidade e a extensão dos danos produzidos pela poluição do ar em

consequência da combustão de biomassa em áreas rurais dos países em

desenvolvimento. (DE KONING HW, SMITH KR, LAST JM, 1985)

A incineração de biomassa é a maior fonte doméstica de energia nos países em

desenvolvimento, aproximadamente metade da população do planeta, e mais de 90%

das casas na região rural dos países em desenvolvimento, permanecem utilizando

energia proveniente da queima de biomassa, na forma de madeira, carvão, esterco de

animais ou resíduos agrícolas, o que produz altos índices de poluição do ar em

ambientes internos, onde permanecem as mulheres que cozinham e as crianças.

Apesar do grande avanço tecnológico experimentado pela humanidade, a queima

deliberada ou acidental de vegetação torna-se por vezes incontrolada, atingindo grandes

extensões de florestas, savanas ou outras vegetações menos densas. O fogo é um

problema crescente no que resta das florestas, cerrados e a poluição devida à fumaça

gerada tem um importante impacto sobre a saúde das populações expostas. Esse

impacto inclui aumento de mortalidade, de admissões hospitalares, de visitas à

emergência e de utilização de medicamentos, devidas a doenças respiratórias e

cardiovasculares, além de diminuição da função pulmonar. (BRUCE N, PEREZ-

PADILLA R, ALBALAK R, 2000)

Realizando a análise da distribuição espacial de eventos por mapas construídos

com base nas estimativas brutas, frequentemente, a interpretação se torna mais difícil e

pode gerar conclusões errôneas (UGARTE MD, GOICOA T, MILITINO AF, 2009).

Para corrigir a instabilidade das taxas brutas, existem diversas técnicas de suavização

como os métodos baseados na teoria bayesiana, que estão sendo utilizados com maior

frequência em estudos epidemiológicos espaciais. Esses estudos objetivam mapear

algum evento de interesse e estudar sua distribuição espacial, bem como analisar fatores

que possam estar associados a sua ocorrência no espaço-tempo.

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Dentre as abordagens bayesianas existentes para suavização de taxas, destacam-se

a Bayesiana Empírica e a Totalmente Bayesiana. O crescimento do uso dessas técnicas

se deve ao grande avanço nos recursos computacionais disponíveis e também à

necessidade de se obter estimativas mais suavizadas, que reflitam de forma mais

adequada a característica subjacente do evento de interesse, sem a influência da alta

variabilidade observada nos dados brutos. (ASSUNÇÃO RM, 2012)

Em Mato Grosso do Sul, as principais causas de incêndios são: raios, queimada

para limpeza de campos agrícolas, operações florestais, fogos campestres, fumantes e

incendiários. Os incêndios não programados e não controlados têm consequências

diversas em diferentes escalas, que vão desde o risco para as populações até a

degradação ambiental, com contribuição para a poluição atmosférica. Entretanto, a

extensão e intensidade dos fogos estão relacionadas com diversos fatores, entre os quais

o tipo, quantidade e estado da vegetação combustível.

A seleção de Mato Grosso do Sul para este estudo se deve a sua localização

geográfica. Tem como limites os Estados de Goiás a nordeste, Minas Gerais a leste,

Mato Grosso (norte), Paraná (sul) e São Paulo (sudeste), além da Bolívia (oeste) e o

Paraguai (oeste e sul). Possui uma área de 358.124,962 km², com uma população de

aproximadamente 2.360.498 habitantes, segundo as estimativas populacionais do IBGE

para o ano de 2010, com 79 municípios e predominância em atividades primárias, sua

economia está baseada na produção rural (animal, vegetal, extrativa vegetal e indústria

rural), indústria, extração mineral, turismo e prestação de serviços. Mato Grosso do Sul

possui um dos maiores rebanhos bovinos do país.

O presente estudo tem como objetivo analisar a distribuição espacial conjunta de

um indicador de poluição do ar e da prevalência de internações por doenças

respiratórias em grupos populacionais sensíveis nos municípios do estado de Mato

Grosso do Sul.

METODOLOGIA

“O Estado do Mato Grosso do Sul está localizado entre as latitudes 17º13´40” e

19º27´47” S; e longitudes de 50º56´06” e 53º42´18” W.

Trata-se de um estudo do tipo ecológico de série espacial e temporal, em que foi

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Volume 7, Número 3, 2012

analisada a tendência do coeficiente de doença respiratória, no Estado de Mato Grosso

do Sul.

Os dados de internações hospitalares por causas respiratórias (Capítulo X -

Doenças do aparelho respiratório que compreende as categorias de J00 até J99 da

Classificação Internacional de Doenças - CID 10) segundo local de residência para cada

município do Estado de Mato Grosso do Sul foram obtidos nos bancos de dados

informatizados do Ministério da Saúde, através das Autorizações de Internações

Hospitalares (AIH) do Sistema Único de Saúde (SUS) para o ano de 2004-2009

(DATASUS, 2012).

LAURENTI et al, 1985 definiu o coeficiente de incidência hospitalar como:

C=I/POP*1000

I representa o número de internações hospitalares em um município, e pop a

população deste município.

A Fórmula de Monte Alegre (FMA) considera o risco de incêndio florestal como

função de duas variáveis: umidade relativa do ar das 13 horas e chuva diária. A Fórmula

de Monte Alegre é acumulativa, ou seja, quanto mais longa for à sequência de dias com

baixa umidade relativa e sem chuva, maior será o risco climático de incêndio.

Dependendo da intensidade da chuva ocorrida, ocorrem abatimentos em seus valores.

Quando a chuva diária ultrapassa 12,9 mm, a FMA volta à zero, e o risco é nulo

(SOARES, 1972).

O desenvolvimento de um índice de risco de incêndio utiliza um vasto conjunto

de fatores, usualmente os combustíveis, a topografia e os meteorológicos. A escolha de

variáveis e os diferentes métodos usados para a sua combinação resultam numa

multiplicidade de abordagens. Em face desta diversidade, várias soluções para a sua

classificação têm sido propostas. Em função dos dados de entrada necessários, dois

tipos podem ser identificados: 1) método de risco estritamente meteorológico, que se

baseia exclusivamente em dados sobre o estado das condições atmosféricas (umidade

relativa e precipitação).

A determinação do grau de perigo de incêndios pela FMA é feita com base em

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faixas de valores definidas observadas nos Quadros 1 e 2 (ANTUNES, 2000).

Quadro 1: Índice de Monte Alegre com relação à precipitação diária

CHUVA DO DIA (EM mm) MODIFICAÇÃO NO CÁLCULO

≤ 2,4 Nenhuma 2,5 a 4,9 Abater 30% na FMA calculada na véspera e somar (100⁄H) do dia. 5,0 a 9,9 Abater 60% na FMA calculada na véspera e somar (100⁄H) do dia.

10,0 a 12,9 Abater 80% na FMA calculada na véspera e somar (100⁄H) do dia. ≥ 12,9 Interromper o cálculo (FMA = 0) e recomeçar a somatória no dia seguinte.

Fonte: ANTUNES, 2000

Quadro 2: Escala de risco de incêndio

VALOR DE FMA GRAU DE PERIGO ≤ 1,0 Muito pequeno 1,1 a 3,0 Pequeno 3,1 a 8,0 Médio 8,1 a 20,0 Alto ≥ 20 Muito alto

Fonte: ANTUNES, 2000

Os dados utilizados neste trabalhados foram coletados no Centro de

Monitoramento de Clima e Hidrologia do estado de Mato grosso do Sul-CEMTEC.

A formula de Monte Alegre é dado por:

em que:

FMA = Formula de Monte Alegre; H = umidade relativa do ar (%), medida às 13

horas e n =numero de dias sem chuva.

Sendo acumulativo, o índice esta sujeito às restrições de precipitação, como

mostra o Quadro 1. A interpretação do grau de perigo estimado pela FMA e também

feita através de uma escala proposta por ANTUNES, 2000, que observamos no Quadro

2.

A partir dai, foram construídos mapas das distribuições de doenças respiratórias

observadas, estimadas e erros residuais e um mapa com a distribuição espacial do risco

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de incêndio.

As doenças respiratórias usadas na análise para o estado de Mato Grosso do Sul,

extraídas do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (DATASUS), foram

analisadas no período de estudo de 1827 dias (01 de janeiro de 2004 a 31 de dezembro

de 2009), o número de internações por doenças respiratórias foram de 148.849.

Dentre as doenças catalogadas na Codificação Internacional de Doenças (CID 9ª e

10ª revisões) como Doenças do aparelho respiratório (460-496 e J00-J99

respectivamente), verificou-se que as maiores médias diárias de internações foram

devido à influenza (gripe) e pneumonia (480-487 e J10-J18) representando 52,3% do

total de internações. Em segundo lugar, foram às doenças crônicas das vias aéreas

inferiores, tais como bronquite crônica, bronquite simples e muco-purulenta, efisema,

asma, estado de mal asmático e bronquectasia (490-496 e J40-J47) com 19,3%. Em

terceiro lugar, com 11,3% e média diária de 5,2 ficaram as outras doenças das vias

aéreas superiores (470-478 e J30-J39), tais como rinite alérgica e vasomotora, rinite,

nasofaringite e faringite crônicas, sinusite crônica, pólipo nasal, outros transtornos do

nariz e dos seios paranasais, doenças crônicas das amídalas e das adenóides, laringites e

laringo-traqueíte crônicas. As outras infecções agudas das vias aéreas inferiores (466 e

J20-J22) como a bronquite aguda e bronqueolite, que tiveram média diária de 2,8 e

representaram 6% do total de internações. Por último as infecções agudas das vias

aéreas superiores (460-465 e J00-J06) representaram 4,3% das internações, sendo a

média diária de 2,0. Essas doenças foram as seguintes: nasofaringite aguda (resfriado

comum), sinusite, faringite, amidalite, laringite, laringite obstrutiva, epiglotite e

traqueíte. As demais doenças do aparelho respiratório não atingiram 2,0 internações de

média diária e tiveram porcentagem muito baixa – exceto o agrupamento de doenças

não especificadas (508 e J95-J99), que representaram 4,9% de internações e média

diária de 2,2. Contudo esse agrupamento, como o próprio nome diz, representa as

doenças não especificadas e, por isso, não é possível saber qual a real causa de

internações.

Para caracterizar a distribuição das doenças respiratórias em Mato Grosso do Sul

foram elaborados modelos, a partir de regressão linear múltipla, cujo método avalia um

determinado problema analisando o grau de relação entre uma ou mais variáveis.

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Foi efetuada uma análise exploratória univariada de dados espaciais para

investi¬gação de autocorrelação espacial das estimativas bayesianas das internações por

doenças respiratórias, e do indicador de risco de incêndio nos municípios de Mato

Grosso do Sul. Optou-se por construir estimativas bayesianas para as internações,

visando minimizar a instabilidade das prevalên¬cias, através da eliminação da flutuação

aleatória presente em pequenas áreas (BAILEY TC & GATRELL AC, 1985). O método

utilizado foi o bayesiano empírico espacial proposto por MARSHA, 1991, em que a

prevalência de cada município é ajustada levando-se em conta as prevalências de seus

vizinhos.

Na análise múltipla, primeiramente avaliou-se a direção e a magnitude das

associações entre as variáveis independentes através de uma matriz de correlação. A

seguir, utilizou-se a análise de regressão múltipla espacial. Esse tipo de análise possui

os mesmos pressupostos da regressão linear tradicional, porém levam em consideração

as tendências ou correlações espaciais dos dados e, caso seja constatada autocorrelação

espacial, são incorporados determinados parâmetros que possibilitam a retirada destes

efeitos. A qualidade do ajuste do modelo de regressão espacial é semelhante à do

modelo de regressão múltipla tradicional, sendo verificada por meio da análise de

resíduos.

Foram calculadas as medidas de tendência central (média e mediana) e de

dispersão (amplitude, desvio-padrão) para cada estimador (risco de incêndio, focos de

queimadas, concentração de ozônio e índice de internações por doenças respiratórias),

considerando os 79 municípios analisados. Para efetuar as comparações entre as

abordagens, também foram gerados gráficos para visualizar o comportamento

sequencial das estimativas geradas, tendo como referência para todos os gráficos a

ordem crescente das taxas brutas dos municípios. Por fim, as estimativas calculadas

foram mapeadas para melhor visualização do padrão de doenças respiratórias no estado,

identificando regiões de proteção (baixas taxas) e de risco (altas taxas).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O indicador de internações hospitalares por doenças respiratórias por município

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no Mato Grosso do Sul, variou entre 0,30 a 3,82 no período de 2004 a 2009. Os índices

de auto correlações foram superiores a 0,60 (p < 0,01).

No Quadro 3, estão as estatísticas descritivas para cada variável.

Quadro 3- Estatística descritiva dos indicadores de internações hospitalares,

concentração de ozônio de superfície, focos de queimadas, umidade relativa do ar e

precipitação.

Variável Média Desvio padrão Mínimo Mediana Máximo

Internações hospitalares 0.45 0.12 0.17 0.44 0.76 Ozônio-ppbv 17.35 7.10 5.30 16.20 39.15 Focos de queimadas 13.52 15.87 1.00 8.00 91.00 Umidade do ar % 65.10 12.74 7.30 67.00 86.00 Precipitação (mm) 112.00 84.40 0.00 96.00 407.90 Risco de fogo 9.26 9.24 1.50 6.34 48.99

Foram calculados os coeficientes de regressão da equação polinomial: intercepto=

0,415; (ozônio) β1=0,00139; (focos de queimadas) β2= 0,00112; (umidade do ar) β3=

0,00094; (precipitação) β4= -0,00055; (risco de fogo) β5=0,00050, com erro de 0,112.

Esta re¬lação coincide com a realidade, mostrando que a emissão na atmosfera de

gases altamente tóxicos, interfere diretamente na saúde humana, provocando incremento

nas doenças respiratórias.

Para o ano de 2004 a 2009 foi obtido um modelo com quatro variáveis com

R2=0,76 e p=0,0000. São elas: con¬centração de poluente ozônio, precipitação,

umidade do ar, focos de queimadas e risco de fogo. Ambas as variáveis deste modelo

apresentaram re¬lação direta com a distribuição das doenças respiratórias, ou seja,

quanto maior o risco de fogo maior o número de focos de queimadas, maior a

concentração de ozônio, maior o risco de aumento de casos de doenças respiratórias, e o

coeficiente de determinação explicam 76% indica quanto da variância da variável

resposta é explicada pela variância das variáveis explicativas, indicando uma forte

correlação.

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Figura 1: Percentagem média do número de internações por doenças respiratórias em função das idades no período de 2004-2009.

Outra observação relevante apontada no modelo esta¬tístico é que a faixa etária

da população mais vulnerável às doenças respiratórias é a população infantil (um a

quatro anos) (Figura 1). Sua presença no modelo confirma estudos re¬alizados no

Brasil, nos quais autores afirmam que a principal causa de óbito entre as crianças com

este perfil são as doenças respiratórias (SIGAUD, 2003).

O modelo gerado pode ser explicado ainda por um estudo realizado em Curitiba,

onde foram investigados os efeitos da poluição atmosférica na morbidade por doenças

respiratórias em crianças. No estudo, dados de doenças respiratórias em crianças foram

relacionados com variáveis como níveis de material particulado, fumaça, dióxido de

nitrogênio e ozônio. No resultado, todos os poluentes investigados apresentaram efeitos

sobre as doenças respiratórias em crianças (BAKONYI, et al, 2004).

Alguns estudos realizados no Brasil investigaram padrões de distribuição de

morbidade empregando técnicas de análise espacial; poucos, no entanto, avaliaram a

morbidade de doenças respiratórias relacionada à exposição ao poluente (risco de

incêndio) sendo esses, em sua maioria, estudos ecológicos de séries temporais que não

utilizam Sistemas de Informações de Georreferenciamento (JUNGER WL, LEON AP,

2007; BAKONYI et al, 2004; CANÇADO et al, 2006).

A variável de exposição utilizada no presente de estudo foi escolhida por ser

atualmente considerada como aquela mais fortemente associada à morbidade produzida

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por poluentes atmosféricos. As queimadas produzidas por riscos de incêndio liberam

partículas que são capazes de atingir as regiões mais profundas do sistema respiratório,

desencadeando processos inflamatórios no interstício pulmonar (DONALDSON et al,

2001). A deposição dessas partículas, ao transpor a barreira do epitélio alveolar, induz à

liberação de mediadores químicos que levam a respostas locais (hipoventilação,

obstrução, inflamação e infecção pulmonares) e sistêmicas, devido ao transporte desses

mediadores pela circulação, agindo, inclusive, diretamente nas células cardíacas (SHI et

al, 1996).

Para os grupos sensíveis incluídos no estudo (crianças e idosos, Figura 1), grande

parte dos agrupamentos de maiores prevalências ocorreu nos municípios pertencentes ao

"Pantanal", que é caracterizado por grandes áreas desmatadas e grandes concentrações

de risco de incêndio ou queimadas (Figura 3).

Em relação à faixa etária, a Figura 1 mostra que os grupos mais sensíveis à

exposição a doenças respiratórias são as crianças menores de cinco anos e os idosos

(ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 2005; RUMCHEV et al,

2007; MEDINA-RAMO et al, 2006). Contudo, outros fatores de risco ligados a

condições sócio sanitárias estão também associados ao desenvolvimento de doenças

respiratórias na infância, especialmente no primeiro ano de vida (MACEDO et al, 2007;

CALDEIRA et al, 2005).

A distribuição espacial do percentual de doenças respiratórias demonstrou um

padrão bem definido, onde os municípios pantaneiros do Estado apresentaram as

maiores concentrações de risco de incêndio e consequentemente maior número de focos

de queimadas (Figura, 3). ARTAXO et al, 2005 relatam que a qualidade do ar de

algumas regiões da Amazônia é fortemente afetada durante a época das queimadas,

podendo atingir níveis piores do que aqueles registrados para o ar do centro urbano da

cidade de São Paulo, o mesmo ocorre no pantanal. Esse padrão espacial também é

explicado por FREITAS et al, 2005, que descrevendo as emissões de queimadas em

ecossistemas da América do Sul, observam a sua grande ocorrência no Estado de Mato

Grosso do Sul, associada principalmente à expansão agropecuária e na limpeza e

preparação de pasto e para o plantio.

LOPES E RIBEIRO, 2006, mapeando internações hospitalares por problemas

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respiratórios, avaliaram a associação desta morbidade com a exposição humana aos

produtos da queima da palha de cana-de-açúcar em alguns municípios do Estado de São

Paulo, em análise de correlações espaciais, observando maior ocorrência de doenças

respiratórias em regiões onde há prática de queimadas.

IGNOTTI et al, 2007, através de um estudo de morbidade hospitalar e mortalidade

por doença respiratória aguda em crianças menores de cinco anos de idade em Mato

Grosso, encontraram maiores morbidades em regiões com altas concentrações de

poluentes originários de queima de biomassa.

No Estado de Mato Grosso do Sul existem vários municípios pequenos onde ainda

são precários os serviços de assistência à saúde, e grande parte deles não possui

hospital. Esse indicador permitiu uma melhor representação da oferta e da demanda em

relação aos indicadores tradicionais de saúde, originalmente construídos para

municípios maiores, com uma capacidade satisfatória mínima de atenção instalada.

Contudo, SCATENA, 2000 adverte que existe certo comprometimento do sistema de

assistência hospitalar em determinados municípios da região, onde tem sido relatada

uma estagnação em termos de políticas de saúde nos últimos anos. Esta estagnação pode

refletir deficiências nas atividades de prevenção em saúde, o que, consequentemente,

poderia levar a uma maior demanda pelos atendimentos hospitalares em alguns

municípios, não necessariamente relacionados às altas concentrações de poluentes

atmosféricos.

No estudo, o risco de incêndio apresentou correlação com o número de

internações, sendo observado que determinados municípios com grande risco de

incêndio não apresentaram altas concentrações de internações. Isto pode ser explicado

parcialmente pelo intervalo de tempo entre o risco de incêndio, que tem suas maiores

intensidade nos meses de abril a julho, e a fase do fogo que ocorre principalmente nos

meses de agosto a outubro. FREITAS et al, 2005 apontam que as estimativas de queima

de biomassa e da quantidade de emissão de um dado composto químico, em função da

quantidade de biomassa queimada, são diferentes para o cerrado, floresta tropical,

florestas secundárias e primárias. Além disso, os ventos trazem massas de ar vindas do

oceano, que transportam as emissões de queimadas para o sul Desta forma, a fumaça

emitida por queimadas na região amazônica do Estado de Mato Grosso é transportada

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para as regiões mais ao sul, aumentando assim a exposição crônica à fumaça em regiões

não pertencentes ao bioma amazônico, o que poderia contribuir para que municípios

com pequenos riscos de incêndio apresentassem grandes concentrações de fumaça

(ARTAXO et al, 2005). O Estado de Mato Grosso do Sul apresenta clima caracterizado

por apresentar inverno seco, quando a massa de ar tropical continental fica estacionada

na região e verão chuvoso, quando a massa de ar equatorial continental predomina em

todo o Estado (BOTELHO et al, 2003). A maioria, senão o total das queimadas ocorre

na estação seca. Nesse estudo, não foi possível considerar a sazonalidade, a inclusão no

modelo da variável número de queimadas por município pode ser considerada como um

ajuste indireto, já que esse número está associado à duração maior ou menor do período

de ausência de chuva nos municípios do Estado de Mato Grosso do Sul.

Neste trabalho foram utilizadas as prevalências de internações por doenças do

aparelho respiratório. (BITTENCURT et al, 2006) destacam que o Sistema de

Informações Hospitalares (SIH), de onde provêm as informações, utiliza como unidade

de análise a Autorização de Internação Hospitalar (AIH) e não o indivíduo doente.

Como um mesmo indivíduo pode ser internado mais de uma vez ou até mesmo não ser

internado, embora doente, por limitações na estrutura hospitalar, tem-se como

fragilidade a utilização das internações como aproximação do número de casos de

doença. Todavia, este vem sendo apontado como um dos melhores indicadores dos

agravos às doenças respiratórias. Por outro lado, a participação do sistema de saúde

suplementar não é relevante na região, existindo, inclusive, cidades onde o SUS é

responsável por 100% de atendimento ambulatorial e hospitalar, o que possibilita que os

dados utilizados no estudo tenham uma boa cobertura populacional.

(ALVES& RODRIGUES, 2005), em um estudo sobre determinantes da saúde em

idosos do Município de São Paulo, relatam que o nível de escolaridade, entre outras

variáveis socioeconômicas, foi altamente associado com a percepção de saúde, e a idade

teve uma significativa influência. Talvez o grau de escolaridade contribua para que os

idosos e/ou seus familiares percebam com maior clareza determinadas condições de

saúde que demandam atendimento médico, o que se refletiria na maior utilização dos

serviços de saúde em determinados municípios. Importante destacar a dificuldade das

populações rural pantaneira em relação ao acesso aos serviços de saúde. Estudos que

investigaram a disponibilidade do serviço e a acessibilidade geográfica demonstram que

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a utilização dos serviços se reduz à medida que aumenta a distância entre as pessoas que

demandam atendimento e os serviços de saúde (ALVES& RODRIGUES, 2005).

Devido a essas questões, o cenário deve ser ainda pior do que o verificado através dos

dados de morbidade do SUS que consideram apenas os casos que conseguiram chegar

ao atendimento médico - possivelmente os mais graves.

Da mesma forma, não foi possível incluir outros indicadores de poluição do ar,

devido à indisponibilidade dos dados para todos os municípios do Estado. Essa inclusão

seria importante, uma vez que Mato Grosso do Sul é um Estado eminentemente

agrícola, com grandes áreas plantadas de cana-de-açúcar, caracterizando uma pressão de

exposições locais a diversos outros poluentes atmosféricos, e sua não consideração na

análise poderia ter levado à observação de associações espúrias entre a variável de

exposição utilizada e a prevalência de internações por doença respiratória nos grupos

sensíveis.

Quando os dados são contagens por áreas, o tamanho da população em risco pode

variar consideravelmente entre as áreas sob estudo. A dispersão espacial do risco de

ocorrência de um evento (por exemplo, doença, morte etc.) é usualmente mostrada via

mapas de incidência de taxas. O objetivo do mapeamento é inferir a respeito da

distribuição geográfica das taxas e então identificar as áreas de maior ou menor

incidência, buscando um padrão espacial. Quando a autocorrelação está presente nos

dados, regiões próximas tendem a ter um mesmo padrão de ocorrência do evento de

interesse e regiões distantes terão padrões distintos. O coeficiente de incidência de

doenças respiratórias (C) reflete os níveis de saúde e de desenvolvimento

socioeconômico de uma determinada área, podendo ser considerado um dos mais

importantes indicadores epidemiológicos utilizados (LAURENTI et al, 1985) e também

tem sido utilizada como um dos principais indicadores da qualidade de vida de uma

população (DATASUS, 2012). A taxa é dada pela relação entre o número de

internações por doenças respiratórias e a população do município, em determinado local

e período, calculado na base de mil. O (C) é um importante indicador, porque reflete a

qualidade com os cuidados a saúde, além de indicar uma preocupação na redução das

disparidades existentes na pirâmide social.

As características contextuais (status socioeconômico e escolaridade, entre outras)

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têm sido consideradas como importantes determinantes do estado de saúde

(BITTENCOURT et al, 2006), sendo esse um dos motivos que nos levou à seleção do

método de regressão múltipla espacial. Além disso, possibilitou minimizar as flutuações

aleatórias das prevalências de internações em pequenas áreas permitindo uma melhor

visualização da sua distribuição espacial. A desvantagem da utilização desse método,

entretanto, consiste no fato de que o mesmo pode ocasionar a superestimação dos

coeficientes de autocorrelação nas áreas com pequeno número de eventos, onde o

alisamento dos valores das variáveis do município em direção à média de seus vizinhos

é mais acentuado. Mesmo assim, optou-se pelo recurso das estimativas bayesianas, por

se entender que, nos municípios menores, as inconstâncias dos registros de informação

poderiam produzir grande variância da variável de desfecho, com consequente

diminuição da acurácia e da validade da análise.

Figura 2 a. Resultados gerados pelo modelo de regressão, com base nos dados de doença respiratória (DRA) dos anos de 2004 a 2009: (a) DRA observado.

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Figura 2 b. Resultados gerados pelo modelo de regressão, com base nos dados de doença respiratória (DRA) dos anos de 2004 a 2009: (b) DRA estimado.

Figura 2 c. Resultados gerados pelo modelo de regressão, com base nos dados de doença respiratória (DRA) dos anos de 2004 a 2009: (c) resíduos.

A Figura 2 mostra os valores sobre casos das doenças observados nos anos,

juntamente com valores estimados, obtidos pelo modelo, e seus resíduos, com o intuito

de avaliar a exatidão.

Na Figura 2b foi observado que a maioria dos muni¬cípios da região em Mato

Grosso do Sul apresentaram altos valores de casos das doenças respiratórias,

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coincidindo com os dados observa¬dos da mesma região (Figura 2a). A Figura 2c

indica a presença de resíduos resultantes da diferença entre o va¬lor observado e o valor

estimado. Todas as variáveis selecionadas apresentaram relação di-reta com a

distribuição das doenças respiratórias.

Na região leste do estado, área que coincide com a pre¬sença de indústrias de

extração de carvão, a relação direta entre população e casos de doenças respiratórias

indi¬ca a vulnerabilidade das pessoas, uma vez que as indústrias se concentram na zona

rural. Na região Norte do estado, o modelo apresenta os mesmos fatores, mas

provavelmente a origem da emissão de monóxido de carbono não é derivada da região

carbonífera.

Observa-se também que apesar dos altos valores de casos das doenças, eles ainda

encontram-se subestimados.

A variável população rural e população infantil (um a quatro anos de idade)

apresentaram relação direta com as doenças respiratórias, com exceção da variável

precipita¬ção acumulada, que registrou associação indireta, ou seja, quanto menor a

precipitação maior o risco de incêndio e queimadas e de ocorrerem casos de doenças

respiratórias. Esse fato aponta a relação entre as condições climáticas e o agravo das

doenças, as quais, nesse caso, são maiores nos períodos de estiagem. A relação é

comprovada ainda por um estudo realizado no município de Presidente Prudente, no

interior de SP, que analisou a influência dos fatores climáticos na incidência de casos de

doenças do aparelho respiratório. Os resulta¬dos apontaram que em períodos de

estiagem prolongada houve aumento do número de casos de internação por agravos

respiratórios (SOUZA & NETO, 2008).

A seleção das variáveis no modelo gerado justifica-se por melhor explicar a

ocorrência dos casos de doenças respiratórias. Variáveis ambientais e socioe¬conômicas

que não se mantiveram no modelo, mas que tiveram forte associação com as variáveis

selecionadas, também pode ser utilizado como fatores de risco para ocorrência de novos

casos de doenças. Dentre as variáveis socioeconômicas, ‘vínculos empregatícios na

indústria de transformação’, ‘população urbana’ e ‘popula¬ção de 65 anos e mais’

mostraram-se correlacionadas com a população de 1 a 4 anos’, presente no modelo, a

qual permaneceu no modelo final.

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Figura 3- Média de classe de risco de incêndio espacialmente distribuída para o Estado de Mato Grosso do Sul, no período de 2004 a 2009.

Os resultados da porção sul apresentam baixos valores FMA e de risco de

incêndio, no período chuvoso (Figura 2), isto por que os índices tanto de precipitação

quanto de umidade desta região foram maiores. Os valores FMA variaram entre 10,37 a

15,25, e no período seco os valores foram de 14,65 a 22,55 (Figura 3),

Os resultados apresentados mostram os valores dos riscos de incêndios (Figura 3)

com valores mínimos de 1,50 e máximos de 49,0 com média de 9,1 para o Estado de

Mato Grosso do Sul que na estação seca atinge grau de perigo muito alto (valores maior

ou igual a 20) e valores médios anuais com grau de perigo alto (8,1 a 20,0). Os valores

médios anuais de FMA variaram entre 14 a 23. No período seco os resultados variaram

de 23 a 28, e isto representa um risco alto de incêndio para o estado (ANTUNES, 2000).

Também se deve considerar o tipo da vegetação, que é denominado como

combustível, que neste caso a vegetação é do tipo: cerrado a Leste, Pantanal a Oeste,

floresta tropical a Sul, e apresenta propriedades favoráveis a incêndios. As propriedades

dos combustíveis envolvem o tipo, diâmetro, peso e umidade, dentre as quais o teor de

umidade é a mais importante no controle de incêndio (BEUTLING et al, 2005). O mapa

anual (Figura 3), como os demais mapas, apresenta menores valores na região leste e

cresce no sentido leste – oeste.

O mapa anual (Figura 3), como os demais mapas, apresenta menores valores na

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Volume 7, Número 3, 2012

região leste e cresce no sentido leste – oeste. Na parte leste os valores variaram de 13,61

a 19,07, e são considerados baixos, apesar de não poder compará-lo com resultados de

anos interiores. E para melhor identificar as áreas de risco de incêndios, aplicou-se ao

mapa de valores anual do risco de incêndio (Figura 3).

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66

Volume 7, Número 3, 2012

CONCLUSÕES

Os resultados do presente estudo apontam para a importância da avaliação

espacial da morbidade das doenças respiratórias e suas relações com a presença de risco

de queimadas originário da queima de biomassa nos biomas do cerrado e pantanal.

Acredita-se que o aumento da gravidade das doenças res¬piratórias pode ser

determinado pela interação de variáveis climáticas, juntamente com condições

ambientais inadequa¬das e baixo nível socioeconômico.

Já se tem base científica para afirmar que a poluição do ar (ozônio) tem efeitos

negativos para a saúde humana. Os impactos decorrentes dos gases emitidos pela

combustão de biomassa ainda não foram bem avaliados, mas afetam um número

significativo de pessoas, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde a queimada

constitui uma prática agrícola bastante difundida. Além disso, incêndios em florestas ou

em cerrado são constantes durante os meses de inverno, quando a reduzida precipitação

leva à perda de umidade da massa vegetal, propiciando a ocorrência de queimadas

involuntárias que fogem ao controle.

Esse conhecimento é importante para a definição de políticas de controle e de

estabelecimento de padrões de qualidade do ar específicos para o caso das queimadas. O

monitoramento e o estabelecimento de padrões de qualidade do ar, muito usados para

avaliar e controlar a qualidade do ar urbano mostra-se inadequados para avaliar a

poluição causada por queimadas e não levam em consideração a exposição a

concentrações extremamente elevadas em curto prazo.

Inúmeras questões permanecem, enquanto expressivos contingentes populacionais

continuam expostos a níveis de poluição que apresentam riscos adversos à sua saúde.

Além disso, há dúvidas quanto aos padrões de qualidade do ar estabelecidos nos

diferentes países para poluentes urbanos serem realmente eficazes na proteção da saúde

de suas populações como um todo, ou se eles foram estabelecidos considerando-se

apenas as pessoas saudáveis.

O estudo indicou ainda que é necessário dar atenção especial à população rural,

uma vez que se encontra mais vulnerável ao risco de adoecer que a residente nas áreas

urbanas. Acredita-se que na região leste do estado, área que coincide com a presença de

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Volume 7, Número 3, 2012

indústrias de extração de carvão, a relação direta entre população rural e casos de

doenças res¬piratórias indica vulnerabilidade, uma vez que as indústrias se concentram

na zona rural. Na região Norte do estado, a pesquisa aponta os mesmos fatores, mas

provavelmente a origem da emissão de ozônio é das queimadas.

Propõe-se, então, melhor planejamento urbano, visando à qualidade de vida da

população. Para a redução e controle da poluição atmosférica, é necessário tomar

algumas medidas preventivas, junto aos setores públicos e privado, que auxiliem na

diminuição da emissão de gases tóxicos, priorizando a saúde da população.

Neste estudo foi configurado e testado um sistema para estimar o risco de

incêndio no estado de Mato Grosso do Sul e doenças respiratórias. Para tal, utilizou-se a

integração de métodos de predição de índices de risco de incêndio acumulativo e de

produção de mapas com os resultados do índice aplicado.

A importância da realização deste trabalho é que através da produção dos mapas

temáticos, pode-se identificar quando e onde o risco de incêndio é maior, assim

podendo investir de forma eficaz num sistema eficiente de combate aos incêndios e

associa-los a doenças respiratórias.

O sistema utilizado para determinação do diagnóstico diário específico para o

risco de fogo e doenças respiratórias mostrou-se ser bastante aceitável. Entretanto,

sugere-se que alguns esforços sejam tomados para aumentar a precisão da estimativa do

risco de fogo, tais como uma base de dados histórica de registros de ocorrências de

focos de fogo mais extensa e precisa para ter uma relação mais robusta entre valores de

índice de risco de incêndio.

Page 69: Revista InterfacEHS edição completa Vol.  7 n. 3

68

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Volume 7, Número 3, 2012

CORRELAÇÃO ENTRE A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E

AVALIAÇÃO PATRIMONIAL

Ronildo Reis1

Emília Satoshi Miyamaru Seo2

Resumo

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305, recentemente

regulamentada sob decreto número 7.404, de 2010, estabeleceu a responsabilidade

compartilhada pelo ciclo de vida de produtos cujos resíduos possuem um alto potencial

poluidor e, para estes resíduos, determinou a necessidade de implementação de sistemas

de Logística Reversa (LR). A aplicação desta nova diretriz necessita ser amplamente

estudada uma vez que envolve diferentes atores sociais. Em vista disso, o presente

projeto objetiva ampliar e aprimorar as ações de Logística Reversa existentes,

viabilizando a implantação de novos sistemas.

Palavras-chave: Logística Reversa; Resíduos Sólidos; Ciclo de Vida;

1 Gestor Ambiental – Bolsita CNPq-Senac. 2 Pesquisadora e docente do Centro Universitário SENAC e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN.

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Volume 7, Número 3, 2012

CORRELATION BETWEEN THE POLICY NATIONAL SOLID WASTE AND

EVALUATION SHEET

Abstract

The National Political on Solid Waste (PNRS), Legislation 12.305, recently

regulated under Decree number 7.404, 2010, established the shared responsibility for

the life cycle of waste products which have a high pollution potential, and for these

residues, determined the need for Implementation of systems for Reverse Logistics

(LR). The application of this new political needs to be widely studied since it involves

different social actors. As a result, this project aims to extend and enhance the actions of

existing reverse logistics, enabling the deployment of new systems.

Keywords: Reverse Logistics, Solid Waste, Lifecycle;

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Volume 7, Número 3, 2012

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305, recentemente

regulamentada sob decreto número 7.404, de 2010, estabeleceu a responsabilidade

compartilhada pelo ciclo de vida de produtos cujos resíduos possuem um alto potencial

poluidor e, para estes resíduos, determinou a necessidade de implementação de sistemas

de Logística Reversa (LR). A aplicação desta nova diretriz necessita ser amplamente

estudada uma vez que envolve diferentes atores sociais. Em vista disso, o presente

projeto objetiva ampliar e aprimorar as ações de Logística Reversa existentes,

viabilizando a implantação de novos sistemas.

Amparado a tais resoluções, este estudo surgiu com a ideia de contribuir para a

discussão que se procede no tocante à Logística Reversa, para tanto, no decorrer da

revisão bibliográfica que partiu de um vasto material acerca do tema, discorrendo

exemplos de aplicabilidade em diferentes segmentos como: Logística Reversa de Pneus,

Logística Reversa na Construção Civil, Logística Reversa das Embalagens de

Agrotóxicos, Logística Reversa dos Estabelecimentos de Saúde, dentre outros

analisados, foi identificada a possibilidade de se criar uma correlação entre a PNRS e a

Legislação de no 11.638 – Demonstrações do Fluxo de Caixa: Avaliação Patrimonial – a

fim de se obter do resultado de um trabalho, elementos capazes de direcionar e

contribuir nas aplicações de Logística Reversa, instrumento obrigatório da Política

Nacional de Resíduos Sólidos.

Para melhor entendimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Avaliação

Patrimonial, ambas as Legislações foram estudadas e consideradas como base para este

estudo e, no final, foi abordada uma proposta que consiste no tratamento dos resultados

obtidos com a Avaliação Patrimonial para sinalizar a previsibilidade de potenciais

resíduos antecipando o conhecimento destes descartes atribuindo-lhes outras utilidades,

criando, neste sentido, um instrumento capaz de auxiliar na gestão interna das empresas

com relativa rotatividade de Equipamentos/Bens.

METODOLOGIA

O desenvolvimento da primeira etapa do trabalho buscou analisar dados

secundários sobre Logística Reversa, Política Nacional de Resíduos Sólidos e

Demonstrações do Fluxo de Caixa: Avaliação Patrimonial.

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Na segunda etapa, fez-se o estudo aprofundado e detalhado da Política Nacional

de Resíduos Sólidos, com ênfase em Logística Reversa e Análise do Ciclo de Vida de

um Produto e entendimento da legislação 11.638 – Demonstrações do Fluxo de Caixa:

Avaliação Patrimonial.

Na seqüência, verificou-se a relação entre LR e ACV de um produto e resultados

obtidos da Avaliação Patrimonial a partir do estudo realizado de ambas as legislações.

Na terceira etapa, como estudo de caso, foi utilizada uma base de dados –

conjunto de bens patrimoniais pós-avaliação em cumprimento a legislação 11.638 –

destacando a vida útil remanescentes de grupos de bens e seus fabricantes.

LOGÍSTICA REVERSA

Atualmente, muitas empresas vêm se preocupando com o descarte adequado de

seus produtos ao final de seu ciclo de vida devido a legislações ambientais severas e

frente à conscientização por parte dos consumidores. Para Vigon (1993), o conceito de

ciclo de vida é compreendido desde atividades de manufatura, distribuição, uso e

reaproveitamento do produto pós-consumo. Nesta ótica da definição, pode-se pensar

tanto na logística convencional como na logística reversa, ou seja, desde a origem da

matéria prima até o ponto de consumo e bem como no retorno de produtos e materiais

ao processo de produção. Exatamente nesta ótica e somada à preocupação com a

devastação dos bens ambientais, a explosão demográfica, industrialização sem

precedentes e aumento da competitividade por mercados, que nas últimas décadas, as

empresas entenderam que o gerenciamento logístico deve ir além do ponto de consumo

final. Neste contexto, surge para muitas empresas e indústrias, a preocupação com o

retorno dos resíduos de produtos, transformando-os inertes ao meio ambiente,

reciclando e/ou reinserindo-os no processo produtivo. Neste âmbito, Leite (2003, p.16)

conceitua que a Logística Reversa é:

“[...] a área da logística empresarial que planeja, opera e controla o

fluxo e as informações logísticas correspondentes, do retorno dos bens de

pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo, por

meio dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas

naturezas: econômico, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa,

entre outros.”

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Trata-se da logística no retorno de produtos, redução na fonte, reciclagem,

substituição de materiais, reuso de materiais, disposição de resíduos, reforma, reparação

e manufatura (STOCK, 1998).

Sob o ponto de vista da engenharia, é um modelo sistêmico que aplica os

melhores métodos da engenharia e da administração logística, com o objetivo de fechar

lucrativamente o ciclo da cadeia de suprimentos e, além disso, fortalecendo

positivamente a imagem, visão de responsabilidade empresarial – meio ambiente e

sociedade da empresa (STOCK, 1998).

Para compreensão sobre as áreas de atuação da logística reversa (LR), Leite

(2003) divide-as como pós venda e pós-consumo, segundo as etapas reversas

apresentadas na figura 1.

Figura 1 – Área de atuação e etapas reversas Fonte: LEITE, P. R. Logística Reversa: Meio ambiente e competitividade, 2003, p.17.

A LR de pós-venda está relacionada com a operacionalização do fluxo logístico

de materiais e informações correspondentes de bens de pós-venda, sem uso ou com

pouco uso, que são devolvidos. Nesse grupo incluem-se erros nos processamentos dos

pedidos, garantia dada pelo fabricante, defeitos ou falhas no funcionamento do produto,

avarias no transporte, mercadorias em consignação, liquidação de estação de vendas,

pontas de estoque etc. Trata-se de produtos que podem retornar ao ciclo de negócios

agregando-lhes valor comercial, serem enviados à reciclagem ou para um destino final

na impossibilidade de reaproveitamento (LEITE, ibid).

A LR de pós-consumo operacionaliza o fluxo físico e as informações

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correspondentes de bens de consumo descartados pela sociedade, em fim de vida útil ou

usados com possibilidade de reutilização, e resíduos industriais que retornam ao ciclo de

negócios ou ao ciclo produtivo pelos canais de distribuição reversos específicos. Esses

produtos de pós-consumo poderão originar-se de bens duráveis ou descartáveis que

poderão sofrer reuso – normalmente em mercado de segunda mão até atingir o “fim da

vida útil” - desmanche – após o produto ser desmontado, componentes poderão ser

aproveitados ou remanufaturados – e reciclagem – onde os materiais constituintes são

reaproveitados e se constituirão em matérias-primas secundárias retornando ao ciclo

produtivo. No caso de não haver nenhuma dessas possibilidades mencionadas, o

produto deverá ter um “destino final” em aterros sanitários, lixões ou sofrerem

incineração (LEITE, ibid).

POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS) – LEI

12.305/2010

Em agosto de 2010 foi promulgada a Política Nacional de Resíduos Sólidos –

PNRS, que estabeleceu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida de produtos

cujos resíduos possuem um alto potencial poluidor e, para estes resíduos, determinou-se

a necessidade de implementação de sistemas de Logística Reversa.

Neste artigo são destacadas considerações importantes sobre Logística Reversa,

Responsabilidade Compartilhada e Ciclo de Vida dos Produtos destacados na

Legislação e base fundamental para desenvolvimento deste estudo:

- O Art. 1o - Esta Lei institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo

sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à

gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às

responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos

aplicáveis.

- O Art. 3o - Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

I - acordo setorial: ato de natureza contratual firmado entre o poder público e

fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação

da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto;

IV - ciclo de vida do produto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do

produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a

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disposição final;

VI - controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à

sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e

avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos;

VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui

a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento

energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do

SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais

específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a

minimizar os impactos ambientais adversos;

VIII - disposição final ambientalmente adequada: distribuição ordenada de rejeitos

em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou

riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;

IX - geradores de resíduos sólidos: pessoas físicas ou jurídicas, de direito público

ou privado, que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o

consumo;

X - gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de ações exercidas, direta ou

indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final

ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente

adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos

sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta

Lei;

XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca

de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,

econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do

desenvolvimento sustentável;

XII - logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social

caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar

a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento,

em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente

adequada;

XIII - padrões sustentáveis de produção e consumo: produção e consumo de bens

e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores

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condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das

necessidades das gerações futuras;

XVII - responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto

de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores,

distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de

limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos

sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana

e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei;

XVIII - reutilização: processo de aproveitamento dos resíduos sólidos sem sua

transformação biológica, física ou físico-química, observadas as condições e os padrões

estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa.

Em relação aos Instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre

outros, especificamente nos inventários e o sistema declaratório anual de resíduos

sólidos, são fundamentais:

III - a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas

relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos

produtos;

IV - o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras

formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;

VI - a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o

desenvolvimento de pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de

gestão, reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final

ambientalmente adequada de rejeitos.

Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte

ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos

resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Na PNRS,

neste contexto, deve ser observado o controle e fiscalização das atividades dos

geradores sujeitas a licenciamento ambiental pelo órgão estadual do Sisnama.

Do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o artigo 15 diz: A União elaborará, sob a

coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos,

com vigência por prazo indeterminado e horizonte de 20 (vinte) anos, a ser atualizado a

cada 4 (quatro) anos, tendo como conteúdo mínimo: diagnóstico da situação atual dos

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resíduos sólidos, proposição de cenários, incluindo tendências internacionais e

macroeconômicas, metas de redução, reutilização, reciclagem, entre outras, com vistas a

reduzir a quantidade de resíduos e rejeitos encaminhados para disposição final

ambientalmente adequada e metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas

à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e

recicláveis.

Como pode ser observada, a pretensão legal da Política Nacional de Resíduos

Sólidos é participar a todos os agentes/atores da sociedade – em suas funções de

fabricantes, fornecedores, consumidores e recicladores – a uma efetiva inter-relação de

suas atividades a fim de minimizar a geração de resíduos sólidos e, ainda, aplicar as

ações de reaproveitamento sobre aqueles materiais descartados em fim de sua vida útil.

DEMONSTRAÇÕES DO FLUXO DE CAIXA: AVALIAÇÃO

PATRIMONIAL - LEI 11.638

Promulgada em Dezembro de 2007 a Lei Federal no. 11.638 (que altera e revoga

dispositivos da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de

dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à

elaboração e divulgação de demonstrações financeiras), enfatiza que “A companhia

deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no

imobilizado, no intangível e no diferido, afim de que sejam registradas as perdas de

valor do capital aplicado quando houver decisão de interromper os empreendimentos ou

atividades a que se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir

resultados suficientes para recuperação desse valor”, para tanto, recomenda-se que,

anualmente, nesta mesma data base, sejam repetidos os procedimentos com a realização

de inventário, analisando-se os valores registrados no balanço de abertura, para

verificação da coerência entre estes valores e a expectativa de retorno financeiros destes

bens, a coerência entre as vidas úteis determinadas e esta expectativa de retorno,

realizando os ajustes necessários para adequação ao cenário verificado por ocasião desta

nova análise.

Desta forma, as empresas devem viabilizar para a Receita Federal, de imediato,

Page 81: Revista InterfacEHS edição completa Vol.  7 n. 3

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Volume 7, Número 3, 2012

quando solicitado, uma forma de visualizar tanto contabilmente como fisicamente,

individualmente, cada bem que tenha sido considerado valor de depreciação para fins de

redução do lucro líquido e por consequência do valor tributável.

A única forma da Receita Federal auditar o ativo imobilizado é através de um

controle eficaz, cujo Cadastro Contábil esteja estruturado de forma analítica e que cada

Registro Contábil esteja vinculado ao Bem fisicamente, permitindo ao fiscal a

visualização do Registro Contábil e a localização Física do Bem em questão, bem como

o documento fiscal correspondente.

A inexistência de controles que permitam a Receita Federal certificar e homologar

os valores apropriados como depreciação, poderá ensejar multas de até 1,0% (hum por

cento) do faturamento líquido da empresa.

Assim, além desta finalidade, o controle dos bens que compõem o ativo

imobilizado é de suma importância para as empresas, pois através deste controle é que

se poderá saber o valor de seu patrimônio de forma sintética ou individualizada, seja por

grupo de bens ou por conta, bem como a localização física de cada bem, identificando e

corrigindo eventuais distorções na alocação de bens produtivos de acordo com seu

retorno para a empresa.

Depreciação é o desgaste natural em função da utilização do equipamento,

traduzido em valores monetários, o qual será contabilmente lançado analiticamente na

conta do ativo imobilizado, mensalmente.

Como o valor da depreciação é considerado uma despesa ou perda, é dedutível do

Imposto de Renda das empresas.

Por isso as empresas devem ter os ativos controlados de forma individual e

identificados fisicamente com plaquetas numéricas, possibilitando atender a Receita de

forma rápida e eficaz.

Além disso, um perfeito Controle Patrimonial será útil para as finalidades de

apresentação de resultados, desmembramento de informações, seguro e empréstimos

bancários e atendimento ao Fisco.

Ou seja, além de ser uma obrigatoriedade para viabilizar eventuais auditorias da

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Volume 7, Número 3, 2012

Receita Federal, conforme DL nº. 3.000 de 26/03/1999, Lei nº. 4.506 de 30/11/1964,

Instruções Normativas nºs. 86/89 e demais regulamentações que determinam as

diretrizes e normas que devem ser observadas pelas empresas, o controle de patrimônio

é uma ferramenta imprescindível na gestão de custos e aprimoramento do processo

produtivo.

Para que esta exigência seja devidamente cumprida, as empresas devem contratar

serviços que permitam:

1 - Estruturação da base contábil de forma analítica, desde pesquisas em notas

fiscais, livros diários e razões, alimentando estas informações no sistema de gestão da

Empresa, para o adequado tratamento das informações, realização de cálculos

retroativos em nível de item individual, bem como na devida análise das informações

dos bens patrimoniais, padronização de históricos, individualização de bens

contabilizados por totais, agrupamento de bens incorporados ao bem principal, etc.,

preparando-a para os trabalhos de inventário e conciliação.

2 - Verificação física de todos os itens do imobilizado, por localidade e por centro

de custo, atualizando a base de dados no sistema de gestão patrimonial da empresa.

Nesta etapa deverá ser implantada uma metodologia de descrição padronizada para os

bens ativos.

2.1 - Inventário de todos os bens patrimoniais existentes nas dependências da

Empresa, com a fixação de etiquetas (em alumínio ou aço com código de barras) em

todos os bens que se encontrarem sem identificação. Devem ser apontados além dos

dados que identificam o bem, a sua localização por centro de custo, local físico, área de

risco de seguro, se for o caso, linha de produção, entre outras possibilidades de acordo

com a gestão própria da Empresa avaliada.

2.2 - A descrição dos bens deve ser composta de forma completa e detalhada

constando dados como: nº de patrimônio, fabricante, incorporações, marca, modelo, n.º

de série, tipo, capacidade, dimensão, motorização, equipamentos periféricos,

caracterização da parte elétrica, idade aparente, estado de conservação de forma precisa

e detalhada, registro fotográfico (amostral) data de fabricação e outras características

que se fizerem necessárias.

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Volume 7, Número 3, 2012

3 - Para cada local inventariado sugere-se emissão de relatório, juntamente com o

Termo de Responsabilidade.

4 – Deve ser efetuado o processamento e a automação da conciliação entre os

números coletados na Vistoria Física e os números anteriores existentes na base do

Cadastro Contábil. No caso de perfeita conciliação entre o bem físico e o registro

contábil, o bem é dado por definitivamente Conciliado, alterando-se, se necessário,

apenas alguns dados cadastrais, de modo a permitir melhor identificação de cada bem

patrimonial. Neste processamento, também deverá ser conferida a descrição dos itens e

se houver divergências, deve-se efetuar a regularização e/ou alteração. Para os bens

novos ou sem identificação com plaquetas no momento do inventário, deve ser feita a

conciliação por critérios técnicos (marca, modelo, ano, fabricação, estado de

conservação).

5 - Desta conciliação resultará a identificação de possíveis sobras contábeis (bens

existentes no cadastro do sistema patrimonial e que não foram localizados fisicamente)

ou sobras físicas (bens localizados fisicamente que não foram identificados no

cadastro). Estes casos devem ser analisados pelo prestador de serviços e o corpo técnico

da Empresa, a fim de dirimir as dúvidas e se tomar as devidas providências.

6 - Atualização do Sistema de Controle Patrimonial das alterações cadastrais

identificadas durante a realização do levantamento físico. Estas alterações podem ser

referentes à: centro de custo, centro de responsabilidade, filial, localização física,

descrição, marca, modelo, nº de série, dimensão ou capacidade.

Estes trabalhos avaliatórios são solicitados para atendimento à Lei 11.638 e

adequação às novas normas contábeis. Com isso, determina-se o Valor Atual

Patrimonial em uso, calcula-se e determina-se a Vida Útil Remanescente para o referido

patrimônio, sendo realizados trabalhos de pesquisa de mercado e cálculos avaliatórios

para os mesmos.

Em síntese, empresas que têm seu Patrimônio Financeiro público, para efeitos de

transações comerciais: Bolsas, Investimentos, etc., (também Fusões, Leilões, Seguros,

etc.) são obrigadas a efetuar uma Vistoria Física (com Inventários Periódicos)

justamente para se identificar o estado de conservação dos seus Bens, aplicar-lhes os

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conceitos e cálculos da Engenharia de Avaliações e então, obter seus Valores Novos,

seus Valores Atuais (considerando a Depreciação ao longo do período) e, finalmente,

transpor este resultado ao Controle Contábil, considerando, agora, seus efetivos Valores

Residuais.

A Vida Útil de um ativo deverá ser revisada pelo menos ao final de cada exercício

e, se as expectativas diferirem das estimativas anteriores, a mudança deve ser

contabilizada como uma mudança de estimativa contábil, segundo o Pronunciamento

Técnico CPC 23 – Políticas Contábeis, Mudanças de estimativas Contábeis e Erros.

Conforme Pronunciamento Técnico CPC 27 (Comitê de Pronunciamentos

Contábeis) o método de depreciação aplicado a um ativo deve ser revisado pelo menos

ao final de cada exercício e, se houver alteração significativa no padrão de consumo

previsto, o método de depreciação deve ser alterado para refletir essa mudança.

AVALIAÇÃO PATRIMONIAL & LOGÍSTICA REVERSA

À primeira vista, a Legislação nº 11.638 - Demonstração dos Fluxos de Caixa:

Avaliação Patrimonial – parece totalmente desconexa da Política Nacional de Resíduos

Sólidos - Lei 12.305 – pois fica evidente sua finalidade para fins Contábeis, ou seja, o

foco são os Valores Econômicos dos Bens Patrimoniais avaliados de uma entidade.

No entanto, a correlação desta Legislação com a PNRS se dá quando analisado o

trabalho resultante desta avaliação (em formato de Banco de Dados e Laudos) que

destacam, dentre as questões econômicas, também a Vida Útil Remanescente dos Bens

Avaliados. Logo, durante as pesquisas que impulsionaram este estudo, foi verificado

que, esta informação – Vida Útil Remanescente – combinada com outras que também

compõem este Banco de Dados, resultado das Avaliações Patrimoniais, como: Marca,

Modelo, Fabricante, Localização, Filial, etc., permite uma análise quanto a

previsibilidade dos Bens e seus potenciais descartes.

Neste sentido, este estudo buscou, numa perspectiva sistêmica, analisar o

resultado da Avaliação Patrimonial a fim de identificar a vida útil remanescente de

determinados Bens e os potenciais resíduos que estes resultarão, contribuindo assim

para o estudo da Logística Reversa, uma vez que, em posse destes dados, tem-se uma

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observância analítica quanto à localização, composição, disposição e até mesmo

possíveis destinos, isto é, o reaproveitamento de determinados materiais.

A análise aqui apresentada dá maior ênfase aos Bens classificados como

Eletroeletrônicos por ter considerável – e alarmante – rotatividade, dada sua baixa

durabilidade, altos índices de obsolescência e, ainda, por fazer parte do Programa de

Logística Reversa Obrigatória da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o rol de itens

priorizados na Legislação que, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2012,

p.50) são: produtos eletroeletrônicos; pilhas e baterias; pneus; lâmpadas fluorescentes

(vapor de sódio, mercúrio e de luz mista); óleos lubrificantes, seus resíduos e

embalagens e, por fim, os agrotóxicos, também com seus resíduos e embalagens.

A primeira grande vantagem aqui destacada é justamente a utilização de um

trabalho para embasar outro, sem que haja necessidade de solicitar um novo Inventário

dos Bens Físicos de uma entidade a fim de verificar seus estados de conservação para, a

partir daí, determinar o fim da vida útil e seus potenciais descartes. A proposta deste

estudo é, sobretudo, apoiada nos Laudos resultantes da Avaliação Patrimonial, debruçar

atenção sobre estes dados aplicando-lhes outra interpretação, agora com uma crítica

ambiental, isto é, voltado à análise do fim de vida útil dos materiais e seus potenciais

resíduos e descartes.

Se a Legislação nº 11.638 - Demonstração dos Fluxos de Caixa: Avaliação

Patrimonial - enfoca os valores econômicos dos Bens Patrimoniais de uma entidade,

este estudo sugere – aproveitando-se deste resultado anterior – destacar os valores

materiais destes Bens propondo-lhes mecanismos de reaproveitamento, daí a correlação

direta com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Para a análise do resultado da Avaliação Patrimonial, o quadro 1 apresenta as

terminologias usuais descritas na estrutura da Engenharia de Avaliações:

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Quadro 1 – Terminologias usuais da planilha de Avaliação Patrimonial

Nº BEM Corresponde ao número de identificação patrimonial do bem em

estudo.

INC Corresponde ao índice de incorporação de bem em estudo à um bem

principal.

C. CUSTO Identificação do centro de custo de localização do bem conforme plano

de centros de custos da empresa.

CONTA Identificação da conta contábil do bem conforme plano de contas da

empresa.

FILIAL Local físico que se encontra a unidade da empresa.

QTD. Corresponde a quantidade de bens envolvida.

DESCRIÇÃO Corresponde a descrição do bem, visando sua perfeita identificação.

VL. NOVO Corresponde ao valor de reposição de novo em reais (R$), incluso

instalações, montagem e frete quando pertinentes.

DEP Corresponde ao valor do índice de depreciação aplicado ao bem em

estudo.

VL. ATUAL

EM USO

Corresponde ao valor de utilidade ou valor atual em uso de um bem

nas condições de operação em que se encontram em reais (R$),

incluso instalações, montagem e frete quando pertinentes.

VUR Corresponde a Vida Útil Remanescente em anos do bem em estudo.

Fonte: REIS, Ronido, 2012.

Vida Útil Remanescente: Informação principal para análise quanto à

previsibilidade de Fim de Vida Útil dos Bens;

A Tabela 1, a seguir, apresenta um “recorte” de dados no contexto de um

Demonstrativo do Resultado de uma Avaliação Patrimonial. Podem ser observados

nesta tabela os valores de um bem/equipamento novo, tempo de depreciação, valor atual

e a VUR.

A VUR – Vida Útil Remanescente – sendo esta informação, após Vistoria Física e

Cálculos da Engenharia de Avaliações, referência principal ao tempo de Vida Útil que o

Bem ainda possui, passa a ser, portanto, elemento essencial para fundamentação deste

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Estudo a fim de possibilitar uma análise determinante com o objetivo de se criar um

Instrumento de Gestão de Resíduos Sólidos ou Potenciais Resíduos.

Tabela 1 – “Recorte” de demonstrativo do Resultado de uma Avaliação

Patrimonial

Fonte: REIS, Ronido, 2012.

Para uma melhor compreensão, é importante ressaltar alguns elementos

determinantes para esta análise e que serão destaques neste trabalho, entendendo que:

- Depreciação: É definida como a perda inevitável de valor devido ao uso,

desgaste e obsolescência. Durante a vistoria técnica e através de informações e

observações consideradas na Engenharia de Cálculos, estabelece-se, individualmente,

um conceito que posteriormente é transformado em taxa de depreciação, compatível em

cada caso, de acordo com a estimativa de usos futuros, estados gerais de conservação,

manutenção e diversas outras variáveis específicas de cada item/bem.

- Vida Útil Remanescente: A vida útil de máquinas e equipamentos é estimada em

função de fatores técnicos, físicos, econômicos e de obsolescência. Corresponde à vida

remanescente produtiva, em termos físicos, técnicos e funcionais do bem avaliado. Na

data da avaliação assume-se que o bem avaliado é utilizado por profissional habilitado e

prudente. O bem opera em regime normal de trabalho e ambiente, bem como de acordo

com as recomendações de operação e manutenção do fabricante.

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Volume 7, Número 3, 2012

Para muitas entidades, no entanto, há uma consideração maior em relação à vida

útil econômica, a qual depende não só das causas físicas, mas também das funcionais.

Em muitos casos (principalmente em países desenvolvidos), uma máquina, ainda em

condições de trabalho, é dispensada porque não pode mais ser utilizada

economicamente. A vida útil física cedeu seu lugar à vida útil econômica, que pode

variar para cada empresa.

Define-se também a Vida Útil Remanescente como sendo o processo pelo qual o

avaliador, em função do valor de mercado do bem avaliado, a política de investimentos

em manutenções adotadas no período analisado, bem como o processo de desgaste a que

será submetida a máquina ou equipamento, através de análises e estudos, determina o

ciclo produtivo do mesmo.

Isto é feito por meio da verificação do prazo em que os investimentos em material

e mão de obra, necessários para a sua continuidade em pleno funcionamento dos bens

analisados, atingem o estágio de valor equivalente ao que seria desembolsado na

compra de um item similar, porém novo e em condições de atender as mesmas funções

e capacidades produtivas nominais do bem em questão.

A fixação da vida útil econômica remanescente é um dos problemas que o

profissional de avaliações se defronta, sua determinação é bastante empírica e deve

representar o provável período de utilização economicamente rentável do bem.

Este período depende, assim como na depreciação, do uso atual e da estimativa de

usos futuros, estados gerais de conservação, manutenção e diversas outras variáveis

específicas em cada caso analisado.

Vale destacar que a Vida Útil Remanescente (VUR) igual a 2 anos, por exemplo,

pode, dada as suas aplicações de manutenção, estender esta mesma Vida Útil

ultrapassando-a ao tempo julgado em sua Avaliação. Como pode, inversamente, ter seu

descarte decretado antes mesmo de se atingir os 2 anos previstos pós sua avaliação, por

sofrer algum dano, obsolescência, furto, dentre outras possibilidades.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a efetiva análise do estudo proposto, foram obtidos como contribuição e

cortesia da Empresa X (mantida em anonimato por sua própria solicitação) 53

Demonstrativos de Resultados de Avaliações Patrimoniais relativos a 53 clientes

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atuantes em segmentos dos mais diversos no território Nacional.

Estas empresas atuam em diferentes atividades econômicas tais como: Mineração,

Indústrias Cafeeiras, de Alimentos, Bancos de Investimento, Cias. de Saneamento de

Água e Esgoto, Cia. de Gás Natural, Rede de Hospital e demais Estabelecimentos de

Saúde, dentre outras que, periodicamente requisitam uma Avaliação Patrimonial a fim

de equalizar seus Controles Contábeis e respectivamente cumprir com as legislações

vigentes.

Importante mencionar que no presente trabalho os 53 clientes serão mantidos em

anonimatos em função dos dados obtidos mediante um Termo de Responsabilidade e

Comprometimento em não explicitar os nomes (Razão ou Fantasia) das referidas

empresas avaliadas.

Desta forma, a seguir será apresentada uma análise realizada sobre o resultado de

uma destas Empresas, sendo considerado para sua seleção, o montante de Bens ativos

avaliados: 22.000 itens.

Os 22.000 itens da planilha de Demonstrativo de Avaliação Patrimonial foram

analisados por meio do software Excel utilizando os recursos da Tabela Dinâmica e

Filtros.

Neste universo de 22.000 Itens – Base de Dados resultante após uma Avaliação

Patrimonial – efetuando uma análise prévia sobre estes dados, foram verificados alguns

grupos de destaque:

6.975 itens com Vida Útil Remanescente decretados até 2 anos;

5.890 itens com Vida Útil Remanescente decretados de 3 a 5 anos;

5.311 itens com Vida Útil Remanescente decretados de 6 a 10 anos;

Ou seja, teoricamente, 18.176 itens, isto é, Bens Ativos, têm sua Vida Útil

Remanescente decretados até 10 anos e, possivelmente serão descartados de acordo com

suas substituições.

Sobre estes 18.176 itens que possuem Vida Útil Remanescente inferior a 10 anos,

outra análise específica – aplicando filtros para os bens classificados como

Equipamentos Eletroeletrônicos – pôde destacar:

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1.167 Monitores de Vídeo, sendo 431 da Fabricante HP; 190 IBM; 50

Samsung; para citar os mais usuais do mercado;

774 Microcomputadores, sendo 165 da Fabricante Compaq; 366 IBM; 70

Intermec; para citar os mais usuais do mercado;

172 Impressoras, sendo 28 da Fabricante Epson; 66 HP; 31 Intermec; para

citar os mais usuais do mercado;

515 Notebooks*, sendo 283 HP; 137 IBM; para citar os mais usuais do

mercado;

Vale destacar que, para o filtro aplicado (no programa Excel) a Notebooks, dentro

do universo de 10 anos de vida útil analisado, de todos os itens retornados na consulta

(515) nenhum excede o prazo de 4 anos, reforçando os estudos que tratam este tipo de

bem como de baixa durabilidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito das ações sustentáveis, fica evidente o benefício do aproveitamento

dos resultados de um trabalho que tem por obrigatoriedade legal a execução de um

completo Inventário dos Bens Ativos de uma Empresa para, a partir daí, valer-se destes

dados, aplicando-lhes outras análises agora com o propósito ambiental.

Figura 2 – Correlação entre PNRS e Avaliação Patrimonial e benefícios identificados. Fonte: REIS, Ronildo, 2012.

Em posse da “previsibilidade de descarte”, nota-se a possibilidade de se criar

mecanismo direto com Fabricantes e/ou sinalizar Pontos de Interesse

(Reciclagem/Matéria-Prima Processada) em relação aos materiais dispostos e/ou seus

componentes, criando uma Gestão Interna de Resíduos Sólidos.

Assim como foi determinada aplicação de Logística Reversa Obrigatória para os

tipos de itens acima listados, poderíamos pensar na possibilidade de, após uma

Avaliação Patrimonial que possibilitará análises quanto ao Fim da Vida Útil dos Bens

de uma entidade, uma obrigatoriedade ou, no mínimo, sugestão em se determinar

viabilidades de Logística Reversa, dada a identificação de Bens em seus potenciais

Lei. 11.638

Avaliação

Patrimonial

Lei. 12.305

Política Nacional de

Resíduos Sólidos

Previsibilidade de Resíduos

Ciclo de Vida dos Produtos

Logística Reversa

Prevenção à Poluição

Atendimento

às

Legislações

Valor à

Imagem Corporativa

Responsa-

bilidade

Social

Gestão

Interna de

Resíduos

Redução

de

Custos

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descartes.

Considerando as inúmeras discussões que tratam os Produtos Eletroeletrônicos

como “descartáveis”, destacando suas obsolescências em curto prazo de tempo, redução

do ciclo de vida dos produtos e, ainda, dada a inviabilidade econômica de conserto se

comparado ao preço de um produto novo, este cenário, por sua vez, tende a resultar no

excesso de descarte de resíduos e, consequentemente nos possíveis impactos ao meio

ambiente.

Por outro lado, a Política Nacional de Resíduos Sólidos surge justamente para

promover a participação da sociedade em suas diferentes configurações: pessoas físicas,

jurídicas, comerciantes, distribuidores, consumidores, importadores e fabricantes, tendo

em vista a implantação da “responsabilidade compartilhada” pelo ciclo de vida do

produto. E os fabricantes, neste caso, de acordo com a PNRS, passam a ser responsáveis

por criar mecanismos de Logística Reversa para obtenção de bens de sua origem. Neste

sentido, nota-se a possibilidade de se desenvolver/sugerir junto aos Fabricantes:

Programa de Prevenção ao Descarte inadequado, isto é, à Poluição, sinalizando-lhes os

Bens de sua ‘origem fabril’ e, respectivamente de sua responsabilidade.

Enfim, este estudo fundamenta-se correlacionando dois cenários aparentemente

díspares: inter-relacionando diretrizes da Legislação Ambiental com os resultados da

Legislação Contábil, auxiliando nos mecanismos de Logística Reversa, isto é,

possibilitando o reaproveitamento de materiais.

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Volume 7, Número 3, 2012

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http://idgnow.uol.com.br/computacao_pessoal/2008/08/06/abinee-reve-vendas-de-pcs-

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LEITE, P. R. Logística Reversa: Meio ambiente e competitividade. São Paulo:

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REIS, Ronido. Política nacional de resíduos sólidos: Benefícios do

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LOGÍSTICA REVERSA DE LÂMPADAS FLUORESCENTES

Renata Fernandes Mourão1

Emília Satoshi Miyamaru Seo2

Resumo

A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu como instrumento de

desenvolvimento econômico e social a implantação de sistemas de logística reversa,

imputando a responsabilidade pós-consumo aos fabricantes, importadores,

distribuidores, comerciantes e consumidores. Tendo em vista essa obrigatoriedade e os

benefícios econômicos, ambientais e sociais desse sistema, verifica-se a necessidade de

maiores estudos sobre o tema, a fim de garantir eficácia na sua aplicação. Neste

contexto o presente trabalho pretende contribuir analisando o sistema de logística

reversa de lâmpadas fluorescentes no Brasil e avaliando as fragilidades e

potencialidades deste sistema.

Palavras-chave: Logística Reversa; Política Nacional de Resíduos Sólidos;

Lâmpadas fluorescentes.

1 Graduanda em Engenharia Ambiental e Bolsista do CNPq. Possui o curso Técnico em Agropecuária (2008) pela Escola Agrotécnica Federal de Salinas. E-mail: [email protected] 2 Possui graduação em Engenharia Química (1980), mestrado em Tecnologia Nuclear pela Universidade de São Paulo (1984) e doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo (1997). Atualmente é professora titular e pesquisadora do Centro Universitário Senac e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares. E-mail: [email protected]

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REVERSE LOGISTICS OF FLUORESCENT LAMPS

Abstract

The National Policy on Solid Waste established as an instrument of economic and

social development to deployment of Reverse Logistics, attributing the responsibility

for post-consumer manufacturers, importers, distributors, traders and consumers. Given

this requirement and the economic, environmental and social aspects benefits of this

system, there is a necessity for more reviews about the subject, to ensure effectiveness

in your implementation. In this context, the present work intends to contribute analyzing

reverse logistics system of fluorescent lamps in Brazil and assess the weaknesses and

strengths of this system.

Keywords: Reverse Logistics, National Policy on Solid Waste; fluorescents.

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1. INTRODUÇÃO

Alguns fatores como a crescente preocupação ambiental têm provocado mudanças

na gestão das empresas. Um setor bastante influenciado é o de resíduos sólidos. Tal que

há dois anos foi aprovada a lei 12.305/10 que institui a Política Nacional de Resíduos

Sólidos (PNRS) a fim de disciplinar a coleta, o destino final e o tratamento de resíduos,

além de estabelecer diretrizes para reduzir a geração de lixo e combater o desperdício de

materiais descartados. A referida Lei sob n° 12.305 foi regulamentada pelo Decreto n°

7.404 que institui criar o Comitê Interministerial da PNRS e o Comitê Orientador para

implantação dos sistemas de Logística Reversa (LR).

Com a PNRS (2010) o país passou a contar com uma definição legal em âmbito

nacional para resíduos sólidos, isto é, material, substância, objeto ou bem descartado

resultante de atividades humanas em sociedade, cuja destinação final se procede, no

estado sólido ou semissólido.

Para o alcance dos objetivos da PNRS, a mesma estabelece como principal

instrumento a logística reversa. Como definido no inciso XII do artigo 3º “logística

reversa é o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um

conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição

dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em

outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.

Para o autor Leite (2003, p.16), logística reversa é “a área da logística empresarial

que planeja, opera e controla o fluxo e as informações logísticas correspondentes, do

retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo

produtivo, por meio dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de

diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, entre

outros”.

A LR não é uma novidade e tem sido reconhecida e ampliada devido ao melhor

esclarecimento de sua aplicação, passando a contribuir para a lucratividade da empresa.

Conforme demonstrado por César e Neto (2007, p. 5), atualmente a logística está saindo

da condição de centro de custo para uma área de agregação de valor, pois com os

conceitos modernos de manufatura e distribuição a logística está modificando a área do

conhecimento a qual irá trazer grande competitividade às empresas. A figura 1 mostra o

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esquema simplificado da LR.

Figura 1: Esquema Simplificado da Logística Reversa Fonte:http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/0E732C8D/ Apres_SRHU-MMA_MarcosBandini_27jan10.pdf

O cumprimento da PNRS impactará ainda mais na estruturação e implantação de

sistemas de LR, uma vez que a estabelece como obrigatoriedade para os fabricantes,

importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens,

pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens, lâmpadas

fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, produtos eletroeletrônicos e

seus componentes. (Lei 12.305/10, art. 33).

Neste contexto, os atores envolvidos em sistemas de LR têm papel importante,

que vem de encontro com Stock (1998), retorno de produtos, redução na fonte,

reciclagem, substituição de materiais, reuso de materiais, disposição de resíduos,

reforma, reparação, e remanufatura.

Observa-se que no panorama nacional a LR das lâmpadas é pouco desenvolvida e

estruturada o que representa grande preocupação ambiental principalmente no que diz

respeito ao descarte das lâmpadas fluorescentes que é considerado um resíduo perigoso,

pois, em sua composição há substâncias tóxicas como o mercúrio, que pode contaminar

solo e água.

Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor -Idec- (2008), as

Lâmpadas são classificadas em incandescentes e fluorescentes. As lâmpadas

incandescentes no mercado brasileiro podem custar até cinco vezes menos que a

fluorescente. No entanto, dura até dez vezes menos além de gastar 80% mais energia

que a fluorescente. Assim, contribui para os impactos ambientais da geração de energia.

As lâmpadas fluorescentes estão paulatinamente substituindo as incandescentes. Apesar

de seu custo inicial ser mais alto, as fluorescentes reduzem a conta de energia elétrica,

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em média, em R$25,00 por lâmpada, por ano. Pois, utiliza menos energia que uma

incandescente para proporcionar a mesma quantidade de luz. As lâmpadas fluorescentes

apesar de minimizar os impactos provocados pela geração de energia podem

protagonizar contaminações no meio ambiente e prejuízos à saúde se forem descartadas

sem os devidos cuidados.

Desde o apagão de 2001, quando as lâmpadas fluorescentes se incorporaram à

vida brasileira, o consumo desse tipo de produto manteve-se em escala ascendente. Só

nos últimos quatro anos, a média de crescimento foi da ordem de 20% ao ano. (PINTO,

2008).

Tendo em vista os sérios problemas relacionados ao descarte inadequado de

lâmpadas e sua crescente utilização, a implantação da logística reversa na cadeia desse

setor se faz necessária para eliminar tais problemas, reinserindo a cadeia produtiva os

componentes das lâmpadas pós-consumo, que outrora poluiria o meio ambiente. Assim,

o presente trabalho tem por objetivo, analisar o sistema de logística reversa de lâmpadas

fluorescentes no Brasil e avaliar suas fragilidades e potencialidades.

No desenvolvimento deste trabalho foi realizada a coleta de informações sobre o

sistema de Logística Reversa (LR) da rede técnica de lâmpadas fluorescentes por meio

de consulta em livros, jornais, revistas, periódicos, boletins técnicos, trabalhos

acadêmicos e sites na internet.

2. PRODUÇÃO BRASILEIRA DE LÂMPADAS

A produção brasileira de lâmpadas é ínfima comparada à atual importação. A

grande quantidade de lâmpadas no mercado brasileiro é oriunda de importações

principalmente da China. Não existem pesquisas conclusivas sobre a quantidade de

lâmpadas comercializadas, portanto, os dados podem apresentar diferenças a partir de

cada fonte. A Avant e outras fontes trabalham com os seguintes números em comum:

Compactas fluorescentes 190 milhões/ano; Fluorescentes tubulares 95 milhões/ano e

Fluorescentes compactas sem reator integrado 18 milhões/ano.

Todas essas lâmpadas devem ser recicladas, pois são chamadas lâmpadas

mercuriais, isso é, contém pequena dosagem de mercúrio para permitir o seu

acendimento.

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Outra informação que varia conforme a fonte é disposição dessas lâmpadas.

Segundo a recicladora Ambiensys (2007), apenas 6% das lâmpadas descartadas passam

por algum processo de reciclagem; aproximadamente 95% dos usuários pertencem ao

comércio, indústria ou serviços; apenas 5% são residenciais; 10% dos municípios

brasileiros dispõem seus resíduos domiciliares em aterros sanitários e aproximadamente

77% dos usuários brasileiros descartam lâmpadas fluorescentes queimadas em lixões,

aterros industriais ou sanitários.

Segundo a Eletrobrás (2008), que se enquadra como grande consumidora e, por

isso, incluída na responsabilidade compartilhada da PNRS, há 15 milhões de pontos de

iluminação pública instalados no país. A quantidade e os tipos das lâmpadas instaladas

no Brasil são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1: Tipos e quantidade de Lâmpadas na iluminação pública brasileira

Tipo de Lâmpada Quantidade

Vapor de Sódio 9.294.611 62,93%

Vapor de Mercúrio 4.703.012 31,84%

Mista 328.427 2,22%

Incandescente 210.417 1,42%

Fluorescente 119.535 0,81%

Multi-Vapor Metálico 108.173 0,73%

Outras 5.134 0,03%

TOTAL 14.769.309 100% Fonte: ELETROBRÁS. Iluminação Pública no Brasil. Disponível em: http://www.eletrobras.gov.br/elb/procel/main.asp?TeamID=%7BEB94AEA0-B206-43DE-8FBE-6D70F3C44E57%7D

Pode se observar que aproximadamente 98% das lâmpadas utilizadas na

iluminação pública possuem gases tóxicos, principalmente o mercúrio, em sua

composição e necessitam de tratamento adequado quando inservível.

Quanto ao volume de lâmpadas incandescentes ainda existentes no mercado, o

número é surpreendente, como pode ser visto no depoimento de Cricci ao site da Uol

em outubro de 2011, relatando que mesmo após dez anos da entrada das lâmpadas

fluorescentes no mercado brasileiro, 50% das residências brasileiras ainda resistem ao

uso desse tipo de iluminação. Cricci afirma que o mercado de lâmpadas fluorescentes

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cresce cerca de 20% ao ano. Considerado por ele um índice muito pequeno, quando

comparado ao tamanho do mercado. (http://economia.uol.com.br/ultimas-

noticias/infomoney/2011/10/27/metade-das-residencias-brasileiras-ainda-usa-lampadas-

incandescentes.jhtm). Segundo ele, o preço elevado das fluorescentes e a vasta oferta de

produtos sem certificação técnica que assolaram o mercado nos primeiros anos

contribuíram para acentuar a resistência do consumidor frente à nova tecnologia. “A

ausência de uma legislação específica fez com que o mercado fosse invadido por

produtos de péssima qualidade, surgindo um preconceito contra a lâmpada compacta,

em função da concorrência com aquelas sem qualidade lumínica, vida curta e ausência

de garantia”.

Agora, essa decepção é bem menos provável. Em dezembro de 2010, entrou em

vigor legislação do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e

Qualidade Industrial) obrigando todos os produtos do gênero a exibirem um selo que

ateste o cumprimento das exigências do órgão quanto a seu desempenho. É a Etiqueta

Nacional de Conservação de Energia (Ence).

Com as novas portarias banindo o consumo das incandescentes certamente a

lâmpada fluorescente alcançará predominância no mercado. Segundo Silva (2010) o

Ministério de Minas e Energia (MME) publicou, no início de janeiro de 2010, as

Portarias nº 1007 e 1008, onde estabelece o fim da comercialização de lâmpadas

incandescentes no país até 2016. De acordo com dados da Secretaria de Planejamento

Energético do MME, cerca de 300 milhões dessas lâmpadas são vendidas no país por

ano. Estima-se que com essa medida o país será capaz de economizar, até 2030, cerca

de 10 TWh/ano. A Abilumi destaca que se a lâmpada incandescente fosse banida no

Brasil a economia anual seria de cerca de R$ 1,4 bilhões/ano.

Devido à necessidade da descontaminação das lâmpadas fluorescentes, no Brasil

existem 08 principais empresas responsáveis pelo serviço, sendo elas: Apliquim Brasil

Recicle, Naturalis Brasil, Tramppo, Hg Descontaminação, Recitec, Sílex, Mega

Reciclagem e RL Higiene. A tabela 2 apresenta algumas dessas prestadoras de serviço

de tratamento de lâmpadas e o valor cobrado pelo tratamento.

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Tabela 2: Principais prestadores de serviço de tratamento de lâmpadas e custos inerentes

Empresa Custo Observação/Limitação

Apliquim Brasil Recicle R$ 100,00 / 100 UN

Fazem o recolhimento com

faturamento mínino de até 1000

lâmpadas: R$1.420,00. Para Hg

líquido depende de cada caso.

Hg Descontaminação R$ 68,00 / 100 UN

+ R$ 50,00 / coleta -

Mega Reciclagem R$ 54,00 / 100 UN -

Naturalis Brasil Não informou -

Recitec

-Lâmpadas inteiras queimadas:

R$0,95/UN

- Lâmpadas quebradas:

R$5,00/UM

- Transporte em Belo Horizonte:

R$300,00.

- Impostos não incluídos

Bulbox Destinação de

Lâmpadas

-Ambiensys Gestão

Ambiental

-Servmetro Construção e

Meio Ambiente

- R$ 67,00 / 100 UN

- Faturamento mínimo de

R$200,00.

- Abaixo de R$500,00 é cobrada

taxa de deslocamento no valor de

R$100,00.

- A Servmetro é a gestora da Bulbox

em BH.

- Informaram que possuem licença

da prefeitura e da SEMAD.

Tramppo R$1,50/uni -

Leroy Merlin Gratuitamente Reciclagem na Tramppo

Fonte: Adaptado de CUSSIOL, N.A.M. CICLO DE DEBATES SAÚDE SEM DANO – PROJETO HOSPITAIS SAUDÁVEIS, 1, 2011, Belo Horizonte. Alternativas de substituição e descarte de equipamentos que contém mercúrio.

Para que as lâmpadas cheguem ao ponto da reciclagem é indispensável a

estruturação do mercado reverso. Para isso e para as demais premissas da PNRS, a

mesma indica a utilização do instrumento: acordo setorial. Podem-se observar os setores

se organizando. Em maio de 2010, foram instalados cinco grupos de trabalho para

implementar a LR. As cadeias que fazem parte deste primeiro grupo são:

eletroeletrônicos; lâmpadas de vapores mercuriais, sódio e mista; embalagens em geral;

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embalagens e resíduos de óleos lubrificantes e o descarte de medicamentos. (ABILUX,

2011)

A Abilumi (2011) destaca a importância do acordo o qual deve possuir regras

baseadas nas suas características específicas, mas sempre com o controle e fiscalização

do poder público e sociedade. A ABilumi, assim como outras entidades correlatas, ainda

são sabe como isto vai ser implementado. Mas se a responsabilidade de cumprir com o

acordo setorial não cobrir todos os participantes do setor de lâmpadas, este será um

ponto negativo. De acordo com o presidente da empresa, se for possível que alguém

ofereça ao mercado uma lâmpada sem garantia de logística reversa e destinação

ambientalmente adequada, haverá uma concorrência desleal, tirando a capacidade de

competir das empresas que investirem nesta proposta. Para a ABilumi, a chave do

sucesso para a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da logística

reversa é buscar a adesão de todo o mercado, e encontrar esta fórmula é o grande

desafio do governo e de todos os que participam da cadeia.

Como pode ser observada, nas figuras 2 e 3, a situação atual é preocupante. Desde

o início desta pesquisa, foram vistas com frequência lâmpadas fluorescentes descartadas

ao ar livre em locais de grande circulação de pessoas. Neste exemplo, pela quantidade e

características físicas das lâmpadas pressupõe-se que são provenientes de empresas, as

quais deveriam estar integradas na estruturação da LR. Infelizmente a sociedade ainda

possui pouco conhecimento sobre os perigos que as lâmpadas fluorescentes, quando

quebradas, podem provocar, na figura 3 vê-se uma pessoa abrindo uma das caixas

descartadas.

Figura 2: Lâmpadas descartadas inadequadamente Figura 3: Pessoa abrindo caixa de lâmpadas Fonte: Acervo pessoal. Novembro de 2011. Fonte: Acervo pessoal. Novembro de 2011.

A Abilumi salienta que todo o processo de coleta, transporte e destinação final das

lâmpadas não é coberto pela venda dos produtos que são recuperados. É assim que

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acontece no mundo inteiro. O custo da logística reversa (destinação correta e

descontaminação), hoje, está por volta de R$1,00/ lâmpada, independente do tipo da

lâmpada, e este custo faz parte da composição do preço do produto final. As empresas

estão buscando racionalizar todo o processo para que o custo para o consumidor final

seja o menor possível (http://www.abilumi.org.br, acesso em Nov. 2011).

Conforme a Abilumi há ainda uma dificuldade na logística de transporte de

resíduos perigosos no Brasil, essa torna especialmente complexa em função da

legislação brasileira sobre o tema. A ABilumi cita o exemplo da norma norte-americana

“Standards for Universal Waste Management - 40 CFR Part 273 Subpart B”, que

estabelece regras especiais para o transporte de resíduos perigosos em pequenas

quantidades. O limite para encaixar-se nessa legislação é de até 5 toneladas

(http://www.abilumi.org.br, acesso em Nov. 2011).

Conforme a entidade, a simplificação do transporte de pequenas quantidades de

lâmpadas queimadas tem como objetivo facilitar que o consumidor possa destinar

corretamente os seus resíduos. Devido à baixa concentração do resíduo, a toxicidade

também é baixa.

3. Tratamentos de Lâmpadas Fluorescentes

Conforme Zavaris (2007) as lâmpadas usadas inservíveis (queimadas) devem ser

colocadas, preferencialmente, na posição vertical. Caso não seja possível reutilizar as

embalagens originais, deverá ser utilizado papelão, papel ou jornal e fitas adesivas para

embalar as lâmpadas e protegê-las contra choques mecânicos. Após estarem embaladas

individualmente, as lâmpadas devem ser acondicionadas em recipiente portátil ou caixa

resistente apropriada para o transporte, de forma a evitar a quebra das mesmas. Depois

de embaladas, devem ser identificadas e encaminhadas para empresas de reciclagem

licenciadas pelos órgãos ambientais competentes.

Sanches (2008) ressalta que as lâmpadas que se quebram acidentalmente devem

ser separadas das demais e acondicionadas em recipientes herméticos, como os

tambores de aço. Estes devem apresentar tampas em boas condições para que a vedação

seja adequada.

Polanco (2007, p. 53) mostrou que estão instaladas no Brasil 08 empresas

“recicladoras”, todavia em 2010 houve a fusão da Apliquim (SP) com a Brasil Recicle

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(SC) passando a operar sob o nome de Apliquim Brasil Recicle, somando 07 empresas

atualmente. As ‘recicladoras’ se concentram basicamente nos estados apresentados na

Tabela 3:

Tabela 3: Principais recicladoras de lâmpadas fluorescentes no Brasil

Estado Recicladora

São Paulo

Apliquim Brasil Recicle

Naturalis Brasil Desenvolvimento de Negócios

Tramppo Comércio e Reciclagem de Produtos Industriais Ltda-ME

Minas Gerais Hg Descontaminação Ltda

Recitec – Reciclagem Técnica do Brasil Ltda

Santa Catarina Apliquim Brasil Recicle

Sílex Indústria e Comércio de Produtos Químicos e Minerais Ltda

Paraná Mega Reciclagem de Materias Ltda Fonte: Adaptado de POLANCO, S.C. A Situação da destinação pós-consumo de lâmpadas de mercúrio no Brasil. 2007. 119f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Processo Químicos e Bioquímicos) – Escola de Engenharia Mauá do Centro Universitário do Instituo Mauá de Tecnologia, São Caetano do Sul, SP

Sanches (2008, p.6) destaca a importância em citar que o termo “reciclagem de

lâmpadas fluorescentes” refere-se à recuperação de seus materiais constituintes e à

reintegração destes ao processo produtivo das indústrias de lâmpadas ou outros

segmentos, isto é, o processo de reciclagem não gera novas lâmpadas fluorescentes, mas

estende o ciclo de vida de seus componentes. (grifos nossos)

4. Tipos de Tratamentos no Brasil

O tratamento das lâmpadas com mercúrio no Brasil é realizada principalmente

pelas quatro maiores instituições especializadas. Cada uma é possuidora de uma

tecnologia diferente para a reciclagem das lâmpadas, explicitadas a seguir:

• Apliquim Brasil Recicle

Situada no município de Paulínia, no estado de São Paulo, a Apliquim foi fundada

em 1985 com o objetivo de tratar resíduos mercuriais oriundos da indústria de cloro-

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soda. Ao longo de sua atuação no mercado, especializou-se em recuperação de mercúrio

(Hg), um metal tóxico presente nas lâmpadas fluorescentes e também em outros

produtos, como termômetros e amálgamas dentários. A Brasil Recicle iniciou suas

atividades em 1999, no município de Indaial, em Santa Catarina, com foco na coleta,

descontaminação e reciclagem de lâmpadas fluorescentes. Após a fusão das duas

empresas, a Apliquim Brasil Recicle tornou-se líder de mercado, atendendo a mais de

50% do mercado nacional no segmento processando cerca de 8 milhões de lâmpadas

fluorescentes por ano. (www.apliquimbrasilrecicle.com.br, 2012).

No ano de 2010 reciclaram um total de 7,5 milhões de lâmpadas. A expectativa

era de que, até o final de 2011, esse número chegasse a 9 milhões. Com uma capacidade

de tratamento de 10.000.000 lâmpadas/ano, utiliza dois sistemas de tratamento. Para

lâmpadas fluorescentes tubulares, circulares e lâmpadas de bulbo, emprega o tradicional

método de moagem com tratamento térmico. (MOMBACH et. al 2008, p. 8)

O processo envolve basicamente duas fases: esmagamento e destilação. Daí o

nome de tratamento térmico. Na fase de esmagamento, as lâmpadas usadas são

introduzidas em processadores para esmagamento. As partículas esmagadas são

conduzidas a um ciclone por um sistema de exaustão, onde as partes maiores, tais como

vidro quebrado, terminais de alumínio e pinos de latão, são separados e ejetados para

fora do ciclone, onde então são separados por diferença gravimétrica. A poeira fosforosa

e particulados menores são coletados em um filtro no interior do ciclone.

Posteriormente, por um mecanismo de pulso reverso, a poeira é retirada deste filtro e

transferida para uma unidade de destilação para recuperação do mercúrio. Na fase de

destilação, ocorre a separação do mercúrio do material fosforoso, pela elevação da

temperatura a mais de 375ºC, ponto de ebulição do mercúrio (JANG et al. 2005).

As Lâmpadas fluorescentes compactas são tratadas pelo método de moagem

simples. Esse processo visa a realizar a quebra das lâmpadas, utilizando-se um sistema

de exaustão para a captação do mercúrio existente. Usualmente, as tecnologias

empregadas não se preocupam em separar os componentes, visando apenas a captação

de parte do mercúrio. Deste modo, o teor de mercúrio ainda presente no produto final da

moagem é inferior ao anteriormente encontrado nas lâmpadas quando inteiras, com a

vantagem de inexistir riscos de ruptura e emissão de vapores, quando da disposição

destes resíduos em aterros (MOMBACH et al. 2008 p.8).

A Apliquim Brasil Recicle alega ser a única empresa que possui destilador

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licenciado para a recuperação do mercúrio metálico. A empresa também comercializa

contêineres especiais para o transporte de materiais contaminados com mercúrio.

Mombach et. al (2008) ressalta que este tratamento, desde que devidamente

controlado para que não haja emissões fugitivas de mercúrio, é a melhor alternativa

existente no momento. Isto porque promove a recuperação do mercúrio, a reciclagem

dos constituintes das lâmpadas e não gera resíduos perigosos que seriam destinados a

aterros.

Na figura 4 é apresentado o esquema geral ilustrativo do processo de tratamento

de lâmpadas e reciclagem do Mercúrio utilizado pela Apliquim Brasil Recicle.

• Mega Reciclagem

A história da Empresa Mega Reciclagem começou em Curitiba no ano de 1998,

quando o seu fundador teve a sensibilidade de observar a carência do mercado em

empresas especializadas na destinação final de lâmpadas de vapores metálicos e na

descontaminação do mercúrio e outros metais pesados contidos neste material. Segundo

a empresa, o processo utilizado é a moagem com tratamento químico. Esse processo

assim como o térmico, pode ser dividido em duas etapas: fase de esmagamento e fase de

contenção do mercúrio. A fase de esmagamento difere do tratamento térmico, por ser

realizada com lavagem do vidro. Assim, a quebra das lâmpadas ocorre sob uma cortina

de água, evitando que o vapor de mercúrio escape para a atmosfera (MOMBACH et al.

2008).

A mistura de vidro e partes metálicas são então lavadas, separando-se o vidro e

metais para reciclagem. O líquido de lavagem contendo o mercúrio e o pó de fósforo é

filtrado ou precipitado, separando-se o pó de fósforo. O líquido já filtrado passa por um

tratamento químico com Na2S, Na2SO3 ou NaHSO3. O mercúrio reage, formando HgS,

que é insolúvel em água e precipita. Após o tratamento, nova filtragem separa o

mercúrio precipitado da água. A água pode ser reutilizada no processo. Tanto o pó de

fósforo quanto o mercúrio precipitado podem ser tratados por destilação, recuperando-

se o mercúrio metálico que é encaminhado para uma empresa especializada na

destilação do mercúrio que, posteriormente, o comercializa. A capacidade de tratamento

da empresa é de 7.000.000 lâmpadas/ano (MOMBACH et al. 2008).

• Naturalis Brasil

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Dentre as suas diversas atividades, a Naturalis Brasil, localizada em Jundiaí, São

Paulo, atua na busca de alternativas que colaborem para que empresas e instituições,

ecologicamente conscientes, possam dar um destino ambientalmente seguro a seus

resíduos, um exemplo, é o seu sistema de descontaminação “in company” de Lâmpadas

Fluorescentes, a “Operação Papa-Lâmpadas”.

Composto de um tambor metálico móvel de 200 litros, com capacidade para

armazenar aproximadamente 850 lâmpadas trituradas, reduz drasticamente a área de

armazenagem e os riscos de estocagem; possui duplo sistema de filtragem, um para os

fragmentos de vidro e pó fosfórico e outro para os gases venenosos, como o mercúrio,

devolvendo à atmosfera apenas o ar descontaminado (MOMBACH et al.2008).

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Figura 4: Esquema geral ilustrativo de tratamento de lâmpadas com mercúrio utilizado na Apliquim Brasil Recicle Fonte: Adaptado de Apliquim, 2009 apud Gerenciamento dos Resíduos de Mercúrio nos Serviços de Saúde 2010 p.26

• Ambiensys

Segundo Mombach et al. (2008) a Ambiensys é uma empresa brasileira,

localizada em Curitiba, no Paraná, que há 13 anos se dedica à implantação de soluções

ambientais. Tem atuado em diversas áreas, como auditoria ambiental, despoluição de

rios e lagos e gerenciamento de resíduos industriais, entre outros. Um dos últimos

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projetos da empresa é a descontaminação de lâmpadas fluorescentes, utilizando o

sistema denominado Bulbox Destruição Lâmpadas. Trata-se de um sistema muito

parecido com o desenvolvido pela empresa Naturalis, já mencionada anteriormente.

Composto por um tambor metálico de 200 litros possui sistema interno de aspiração e

filtragem em três fases, sistema eletrônico de contagem de lâmpadas, controle de vida

útil dos filtros e desligamento automático.

Com capacidade para armazenar aproximadamente 850 lâmpadas trituradas, reduz

a área de armazenagem e os riscos de estocagem. Funciona com um sistema de

operação a vácuo, isentando o operador de riscos de retrocesso de fragmentos e

contaminação pelo vapor de mercúrio. Segundo a empresa, a capacidade de

processamento do Bulbox é de 5 lâmpadas/minuto, podendo armazenar, dependendo do

modelo, entre 400 a 1.350 lâmpadas (MOMBACH et al., 2008).

5. Após a Reciclagem

Mombach et. al (2008, p.3) relata os tipos de usos dados aos componentes das

lâmpadas após a reciclagem. A poeira fosforosa pode ser reutilizada como material

fluorescente na produção de novas lâmpadas, como pigmento na produção de tintas. O

vidro é utilizado na fabricação de contêineres não alimentícios, na produção de asfalto

e, especialmente, como esmalte para vitrificação de cerâmicas. Podendo ser reciclado

infinitas vezes, sem perda de qualidade, o alumínio possui ótimo valor quando

comercializado como sucata. Para reciclar uma tonelada de latas de alumínio, segundo

Wiens (2001) apud Mombach et. al (2008, p.3), se gasta 5% menos energia do que para

produzir a mesma quantidade a partir da bauxita. O alumínio proveniente das lâmpadas

fluorescentes não pode ser utilizado na fabricação de latas de alumínio para bebidas.

Assim, o valor de venda deste é relativamente baixo, em relação ao alumínio

proveniente de outros resíduos. Sua principal aplicação é a produção de soquetes para

lâmpadas. O mercúrio recuperado após a descontaminação das lâmpadas apresenta

grande pureza. Ele é utilizado na fabricação de termômetros comuns e pode retornar ao

ciclo produtivo de novas lâmpadas. A quantidade de mercúrio recuperada não é muito

grande, mas qualquer quantia que deixe de ser jogado no ambiente, com certeza é

significativa.

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6 . CONCLUSÕES

Conforme apresentado neste estudo o Brasil consome um grande número de

lâmpadas fluorescentes, o qual apresenta mercado ascendente. Mas, infelizmente após o

consumo a grande maioria dessas lâmpadas é descartada inadequadamente. Por outro

lado viu-se que, apesar de poucas empresas atuantes, o Brasil possui tecnologia

disponível para reciclar a lâmpada fluorescente e principalmente que já há utilização dos

seus subprodutos em outras cadeias produtivas. O que falta para a destinação adequada

dessas lâmpadas é justamente o que a Política Nacional de Resíduos Sólidos institui

como instrumento da responsabilidade compartilhada dos produtos: Logística Reversa.

A LR é o elo entre o consumo e a reciclagem. Para que a lâmpada deixe de ser um

agente contaminante para uma fonte de recursos como vidro, alumínio e principalmente

de mercúrio. Para que esse elo seja sólido e funcional a LR deve ser bem estruturada. O

Brasil passa justamente por este tão importante momento: a estruturação da LR de

lâmpadas fluorescentes. Ainda encontra-se nas etapas burocráticas de aprovação do

Acordo Setorial. Depois de finalizada essa fase, ainda terá diversos desafios a serem

enfrentados. Tais desafios estão associados à falta de informações que caracterize este

setor, à pequena quantidade de estudos sobre lâmpadas fluorescentes e ainda, poucos os

exemplos de logística reversa já praticada no Brasil, os quais não possuem o agravante

das lâmpadas que se tratam de um resíduo perigoso. Outro desafio se refere às

distâncias a serem enfrentadas entre as distribuidoras de lâmpadas, recicladoras e

consumidores. Neste caso deve-se ressaltar que muitas das licenças, normativas de

segurança e controles ambientais, necessárias para o transporte de resíduos perigosos,

variam entre os estados brasileiros, dificultando ainda mais a padronização da logística.

Vale lembrar que os pontos de venda deverão armazenar as lâmpadas, antes de enviá-las

às distribuidoras ou diretamente para as recicladoras. Tal armazenagem é também um

desafio, pois os pontos de venda atuais, em sua maioria, não possui espaço físico

disponível.

De qualquer forma a realidade tem mudado para melhor e acelerado a

importância da logística reversa: A sociedade tem se tornado cada vez mais

conscientizada e assim exercem pressão sobre as empresas e governo; A legislação

ambiental é cada vez mais rigorosa e factível; A logística reversa tem sido incorporada

no planejamento e na visão estratégica de muitas empresas. Muitas até se antecipam às

definições do acordo setorial e encaminham as suas lâmpadas consumidas para

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111

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recicladoras.

REFERÊNCIAS

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em:

<http://www.abilumi.org.br/abilumi/index.php?option=com_content&task=view&id=75

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ABILUMI, Lâmpadas a vapor de sódio para iluminação pública deverão ter

padrão nacional. Disponível em:

<http://www.abilumi.org.br/abilumi/index.php?option=com_content&task=view&id=58

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113

Volume 7, Número 3, 2012

Política Nacional dos Resíduos Sólidos: uma busca pela a redução dos

Resíduos Sólidos Urbanos (RSU)

Cláudia Orsini Machado de Sousa1

RESUMO

Devido às preocupações com a crescente geração de resíduos sólidos e com base

na promulgação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos do Brasil – PNRS (Lei no

12.305, de 2010), este trabalho propôs-se a destacar como essa política pode contribuir

para a redução da geração de resíduos sólidos urbanos (RSU) e como as questões que a

Lei aborda devem ser implementadas para serem bem sucedidas na prática. Para isso,

foram analisadas as ações de redução da geração de resíduos sólidos urbanos (RSU)

abordados pela PNRS, e foram pesquisados programas internacionais comparáveis ao

tema.

A conclusão obtida foi de que a PNRS apresenta conceitos e aborda a temática

dos resíduos sólidos de forma inovadora, contribuindo para a formação de um novo

paradigma em relação ao assunto: o da sustentabilidade. Isso porque coloca como ações

prioritárias a não geração, a redução e a reutilização de resíduos, agindo na raíz do

problema.

Palavras chave: Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Redução. Resíduos

sólidos urbanos. Sustentabilidade.

1 Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP), e especialista em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável pela FAAP, hoje cursa Administração de Empresas também na Universidade de São Paulo. Realizou Iniciação Científica no Laboratório de Ecologia de Paisagens (Lepac - IBUSP), orientada pelo Prof. Dr. Jean Paul Metzger, foi estagiária do Ministério Público Federal (MPF) e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e atualmente presta consultoria de sustentabilidade na empresa Planetável

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Volume 7, Número 3, 2012

Brazilian’s National Solid Waste Act: a search for reduction of Municipal

Solid Waste (MSW)

ABSTRACT

Because of the concerns about the growing waste generation and due to the recent

Brazilian law published about this matter (Política Nacional dos Resíduos Sólidos -

National Solid Waste Act, published in 2010), this work analyzes how the Act can

contribute to the reduction of municipal solid waste’s (MSW) genaration, and how to

implement successful actions. For that purpose, the issues about waste reduction

approached in the Act were analyzed, and comparable actions in other countries were

researched.

The conclusion was that the Brazilian Act about solid waste presents concepts and

approaches the MSW issue in an innovative manner, which contributes to the

development of a new paradigm: sustainability. This becomes possible because of its

instruments for non-generation, reduction and reuse of MSW. Besides that, the Act

promotes peoples’s participation, through environmental education and awareness.

Key words: Solid waste acts. Reduction. Municipal solid waste. Sustainability.

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1. INTRODUÇÃO

O crescimento desenfreado da geração de Resíduos Sólidos Urbanos2 (RSU) é um

dos principais problemas de sua gestão. No Brasil, entre 2009 e 2010, a geração de

resíduos sólidos registrou um crescimento expressivo, seguindo uma tendência que já

existia nos anos anteriores. A geração total de RSU no país aumentou 6,8% nesse

período, enquanto que a geração per capita aumentou 5,3% (ABRELPE, 2010).

Frente à situação brasileira dos resíduos sólidos, fazia-se necessária a elaboração

de diretrizes gerais, que atendessem às demandas do país e que envolvessem assuntos

tais como mudanças na cadeia produtiva, valorização dos resíduos sólidos e integração

da população de forma mais ativa.

No país, em 2010, foi promulgada a Política Nacional dos Resíduos Sólidos

(PNRS – Lei no 12.305; BRASIL, 2010), a qual se baseou na sustentabilidade,

estabelecendo seus pilares nos seguintes princípios: 1. Não geração; 2. Redução; 3.

Reutilização; e 4. Reciclagem. Na lei, são consideradas as variáveis ambiental, social,

cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública, bem como buscadas a promoção do

desenvolvimento sustentável e da ecoeficiência.

Para Besen (2006), a chegada da PNRS no ordenamento político brasileiro, e sua

integração com a Política Nacional do Meio Ambiente e com a Política de Saneamento

Básico, completa o arcabouço regulatório para propiciar o desenvolvimento da gestão

de resíduos no país, porém implica na necessidade de mudanças nos modelos

implantados até o momento.

Para o desenvolvimento do trabalho, foram analisados estudos bibliográficos

sobre resíduos sólidos, os quais abordavam temáticas de geração de resíduos e de sua

redução. Foi também realizada a análise de estudos sobre a geração de RSU e de

programas em diversas regiões do planeta, além de obtidas informações de órgãos e

outras organizações públicas, com o objetivo de obter exemplos de países que adotaram

medidas bem sucedidas nos itens analisados. Assim, foi dada ênfase aos países da

América Latina e Caribe, aos Estados Unidos, à União Europeia, à China e ao Japão.

2 Ou seja, resíduos sólidos domiciliares e aqueles provenientes de limpeza urbana.

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Volume 7, Número 3, 2012

2. CONTEXTUALIZAÇÃO

Antes da promulgação da PNRS, não havia regulamentação nacional sobre

gerenciamento de resíduos sólidos urbanos, nem a instituição bem definida das

obrigações e responsabilidades dos agentes que integram o ciclo de vida dos produtos.

Existiam, entretanto, instrumentos legais específicos que disciplinavam esparsamente a

área.

O processo de formulação de propostas para a criação de uma legislação acerca

dos resíduos sólidos teve início há mais de 20 anos. Em 1989 foi apresentado o primeiro

Projeto de Lei do Senado (PL no 354) sobre o assunto, o qual dispunha sobre

acondicionamento, coleta, tratamento, transporte e destinação final dos resíduos de

serviços de saúde, e que seria o embrião da Política Nacional dos Resíduos Sólidos.

No início da década de 2000, todas as propostas que haviam sido encaminhadas

para o Congresso Nacional sobre resíduos sólidos foram consolidadas num projeto

substitutivo, o PL no 203/91 e seus apensos. Esses tratavam de variados aspectos do

gerenciamento dos resíduos sólidos, tais como acondicionamento, coleta, tratamento,

transporte e destinação final (BESEN, 2006; JURAS & ARAÚJO, 2007).

Em 2007, o poder executivo federal encaminhou ao Congresso Nacional uma

proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos. Segundo Grimberg (2008), o projeto

de lei (PL no 1991/07) era bastante sintético (com apenas 33 artigos), e estabelecia

diretrizes, instrumentos, responsabilidades e proibições para o gerenciamento dos

resíduos sólidos no país. Este projeto de lei foi amplamente discutido em seminários

regionais e nacionais, com diversos segmentos da esfera civil. Em 07/07/2010, foi

aprovado pelo Senado e em 02/08/2010 foi sancionado pelo Presidente da República,

como a Lei no 12.305/2010.

3. CONSUMO DE PRODUTOS E GERAÇÃO DE RESÍDUOS

Segundo Besen et al. (2010), a geração de resíduos sólidos está diretamente

relacionada ao consumo e à concentração urbana. O consumo cresce devido a melhorias

nas condições socieconômicas, a inovação tecnológica, a estímulos de campanhas

publicitárias e a padrões de consumo adotados pela sociedade. Já a concentração urbana

é um fenômeno global, que acontece desde o século passado, e faz com que as cidades

cresçam em detrimento das zonas rurais (BESEN et al., 2010).

O mundo passou de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 para 7 bilhões em 2011.

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Tal crescimento populacional foi acompanhado por um processo de urbanização

gradual, que teve um ponto de inflexão em 2008: nesse ano, pela primeira vez na

história, havia mais habitantes nas cidades do que nas zonas rurais (UNITED

NATIONS, 2010).

Atualmente, enfrenta-se a questão de que os recursos naturais disponíveis e a

capacidade de suporte do planeta estão ameaçados pelo modelo atual de exploração

insustentável dos recursos naturais (ROMEIRO, 2001; BESEN, 2006; WWF, 2010).

Retira-se do ambiente mais do que se precisa, sem pensar nas consequências futuras

desse ato.

A questão dos resíduos sólidos tem origem nos padrões de produção e consumo, e

na forma de reprodução do capital (GUNTHER, 2008). Segundo Lopes (2006), a

produção de bens surge com a produção de privilégios: para alcançar a diferenciação

das demais pessoas, é preciso possuir mais e melhores produtos. Hoje em dia, o

consumo material está intrinsecamente associado à satisfação pessoal, uma vez que a

aquisição de bens materiais pode servir como uma medição de poder, status e realização

econômica.

De acordo com Lopes (2006), os resíduos sólidos produzidos num país são um

indicador importante de desenvolvimento econômico, uma vez que quanto maior o

poder aquisitivo das pessoas, maior o consumo e consequentemente mais resíduos são

produzidos. Para Besen (2006), a geração de resíduos sólidos está diretamente

relacionada ao Produto Interno Bruto (PIB) e, portanto, à renda dos países e ao porte das

cidades e suas principais atividades produtivas.

Outro aspecto a ser considerado na ótica das mudanças necessárias, relacionado à

geração de resíduos, refere-se ao desperdício (GRIMBERG, 2005). Esse geralmente

advém da ocorrência de procedimentos inadequados nas mais diversas etapas da cadeia

produtiva. O capítulo 4 da Agenda 21 (1997), propõe que, para atingir a qualidade

ambiental e o desenvolvimento sustentável, são necessárias eficiência na produção e

mudanças nos padrões de consumo, para dar prioridade ao uso ótimo dos recursos e à

redução do desperdício.

A dificuldade de transformar os hábitos e a cultura do desperdício da população

decorrem, segundo Milanez (2002), de vários aspectos, tais como:

• Falta ou mesmo a excessiva presença de informações;

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• Ausência, muitas vezes, de medidas e programas públicos que eduquem e

orientem acerca da temática;

• Falta de perspectiva sobre o papel de cada um na questão;

• Medo de exclusão social caso não se consuma cada vez mais, principalmente

produtos que conferem status, tais como carros e equipamentos eletrônicos, dentre

outros.

Segundo a Agenda 21 (1997), o manejo ambientalmente saudável dos resíduos

sólidos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por métodos seguros dos

resíduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do problema, procurando mudar

os padrões não sustentáveis de produção e consumo.

4. IMPACTOS GERADOS PELOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

Profissionais que atuam na gestão de resíduos sólidos focam suas atenções

principalmente nos impactos da disposição final. Entretanto, prejuízos ambientais

também estão atrelados ao uso excessivo e ineficiente de matérias-primas (MILANEZ,

2002).

Resíduos sólidos, quando gerados em excesso, mal gerenciados ou dispostos de

forma precária no ambiente causam impactos negativos, como poluição (do ar e da

água), assoreamento de cursos d’água e represas, contaminação das águas subterrâneas

e do solo (BESEN et al., 2010). O lixo também gera problemas econômicos, devido ao

desperdício e ao não aproveitamento/reuso, o que aumenta a demanda por recursos

naturais. Atualmente, a extração de recursos naturais para a produção de bens de

consumo encontra-se acima da capacidade suporte do planeta, beneficia uma minoria da

população mundial em detrimento de uma grande maioria excluída e coloca em risco os

serviços ambientais, essenciais para a sobrevivência das gerações futuras

(CONSUMERS INTERNATIONAL, 1998).

Além do aspecto ambiental, a questão dos resíduos sólidos envolve aspectos

sociais. Nos países em desenvolvimento, há disseminadamente a prática da coleta

seletiva informal, ou seja, aquela que é realizada por trabalhadores informais em áreas

públicas ou áreas de disposição final. Tais trabalhadores informais recebem o nome de

separadores, catadores, carroceiros, papeleiros, entre outros, dependendo do país

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Volume 7, Número 3, 2012

(ESPINOZA et al., 2011).

5. REDUÇÃO E REUTILIZAÇÃO

Dificilmente a produção de RSU será eliminada, pois esses são gerados pela

maioria das atividades da vida cotidiana, como por exemplo atividades domésticas e

varrição de vias públicas. Porém, a busca pela minimização é de suma importância.

Alguns dos efeitos que a redução pode gerar são: diminuição do uso de recursos

naturais, dos custos de produção e das emissões de poluentes e de gases do efeito estufa

(GEE). Além disso, diminui-se a necessidade de áreas para o tratamento e para a

disposição final dos resíduos.

A redução dos resíduos sólidos depende da mudança de padrões de produção e

consumo da sociedade e pode ser obtida pelo controle do desperdício, pelo reuso de

produtos e pela reciclagem (RIBEIRO & BESEN, 2007). Para se alcançar a redução de

RSU podem ser adotadas algumas medidas, tais como o menor uso de embalagens, a

produção de bens materiais mais duráveis, ou com peças mais facilmente substituíveis, e

o aumento da reciclagem e da compostagem.

A redução e a reutilização são ações e atitudes que simplificam o processo de

destinação final dos resíduos sólidos, pois diminuem a quantidade de resíduos gerados.

Quanto menor a quantidade de lixo gerado em um local, menores são os gastos com seu

gerenciamento. Assim, ao incentivar a redução da geração, não se alcança somente a

preservação ambiental, mas também se obtém ganhos econômicos, a partir da redução

de gastos públicos com coleta, tratamento e disposição final (LOPES, 2003).

No Brasil, a questão da redução e da reutilização de resíduos é abordada

legalmente pela PNRS. Nela encontramos que as três ações prioritárias de gestão e

gerenciamento dos resíduos sólidos são, respectivamente, a não geração, a redução e a

reutilização de recursos. O objetivo dessa ordem de prioridades é reduzir a quantidade

de resíduos encaminhados para a disposição final.

A geração per capita de RSU no Brasil, entre 2009 e 2010, aumentou de

aproximadamente 0,98 kg/dia para 1,04 kg/dia (ABRELPE, 2010). Dessa forma, a

preocupação com a redução de resíduos presente na lei é conveniente, pois cada vez os

indivíduos brasileiros estão consumindo mais produtos e, portanto, gerando mais

resíduos.

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Nos Estados Unidos, a redução da geração de resíduos sólidos urbanos também é

uma ação prioritária. Assim, apesar de a geração de resíduos sólidos no país ter

aumentado consideravelmente entre as décadas de 1960 a 2000 (por exemplo, a geração

per capita evoluiu de 1,2 kg para quase 2,0 kg de resíduos sólidos domiciliares por

pessoa por dia), entre os anos de 2007 e 2009 foi detectada uma primeira queda na

geração, como é possível observar no gráfico 1 (EPA, 2011a).

Fonte: EPA, 2011a Gráfico 1: Taxas de geração de RSU nos EUA, entre 1960 e 2009.

Da mesma maneira que os EUA e o Brasil, a União Europeia (UE) considera uma

ação prioritária a prevenção da produção de resíduos. No documento oficial “Estratégia

Temática de Prevenção e Reciclagem de Resíduos” (EUROPEAN COMMISSION,

2011), foram feitas propostas nas esferas nacional, regional e local para redução da

geração de lixo no Bloco. Tais propostas não impõem metas de redução, pois segundo o

documento, a diminuição da quantidade de resíduos gerados não garante, isoladamente,

a redução de impactos ambientais negativos.

Na maioria dos Estados Membros da UE, a geração de resíduos diminuiu, ou ao

menos se estabilizou. A quantidade anual total de resíduos gerados no Bloco diminuiu

10% entre 2006 e 2008. Em relação aos resíduos sólidos municipais, a geração se

estabilizou numa média 1,05 kg por pessoa por dia nos países membros (EUROPEAN

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Volume 7, Número 3, 2012

COMMISSION, 2011).

Na China, a Lei de Prevenção e Controle da Poluição de Resíduos Sólidos

(PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA, 1995), em seu artigo 4º, incentiva a utilização

adequada de recursos, além da recuperação e da racionalização do uso de resíduos

sólidos em geral. Além disso, projetos de reuso de resíduos elaborados por empresas

que não têm recursos financeiros disponíveis para executá-los podem ser financiados

pelo governo (PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA, 1995).

Na América Latina, há alguns programas de redução progressiva da geração de

resíduos sólidos, por exemplo, na Bolívia e na Argentina (ESPINOZA et al., 2011).

Entretanto, tais programas ocorrem no âmbito municipal, não havendo legislações

específicas que as prevêem em âmbito nacional. Além disso, apesar da boa intenção

dessas iniciativas, segundo os autores, muitas vezes são colocadas metas de redução que

dificilmente podem ser atingidas pelas cidades.

6. TAXAÇÃO COMO INCENTIVO À REDUÇÃO

Os governos possuem várias ferramentas políticas para auxiliar a preservação

ambiental: instrumentos regulatórios, instrumentos de mercado, acordos, subisídios,

entre outros. Apesar de não haver um desses instrumentos que possa ser considerado o

melhor, está crescendo a utilização da taxação como instrumento de conservação da

natureza (OCDE, 2011a). As taxas possibilitam que agentes degradadores do ambiente

reduzam seus impactos e busquem alternativas menos prejudiciais.

A utilização de taxas relacionadas à disposição de resíduos sólidos tem aumentado

no mundo, em geral, segundo dados da Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico - OECD (2011b). Segundo a OECD, as taxas servem para

corrigir falhas do mercado, precificando impactos ambientais, que no caso, não são

percebidos nos processos de geração e consumo de produtos (externalidades).

A PNRS, assim como a Política de Saneamento Básico, impõe que os municípios

devem, em seus Planos, demonstrar a sustentabilidade econômica da prestação dos

serviços relacionados ao gerenciamento dos resíduos sólidos. Dessa forma, induz-se à

cobraça de taxas municipais para garantir tal sustentabilidade, quando o orçamento

municipal não é suficiente para cobrir os gastos com coleta, tratamento dos resíduos e

disposição final.

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Volume 7, Número 3, 2012

No Brasil, as experiências com taxações sobre os resíduos sólidos se restringem à

instituição de taxas municipais de lixo que, de forma geral, tem a finalidade de arcar

com custos da limpeza urbana. Na maioria dos casos, utiliza-se a referência do metro

quadrado de área construída das residências como base para calcular a cobrança

(GIACOMETTI et al., 2007).

O município brasileiro de São Paulo adotou em 2002 uma taxa do lixo, baseada

na autodeclaração dos habitantes sobre a quantidade de resíduos por eles produzida. Em

dezembro de 2005, tal taxa foi revogada pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, por

solicitação do Poder Executivo. Segundo Besen (2006), ao extinguir tal taxa, foi

desconsiderada a redução de aproximadamente 25% da quantidade de resíduos

domiciliares gerada entre 2003 e 2005 (período em que a taxa estava em vigor). Ainda,

segundo a autora, a decisão política de extinguir a taxa de lixo foi contra os preceitos de

sustentabilidade dos sistemas de limpeza pública.

A utilização de taxas relacionadas à disposição de resíduos sólidos tem aumentado

no mundo, em geral, segundo dados da Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico - OECD (2011b). Segundo a OECD, as taxas servem para

corrigir falhas do mercado, precificando impactos ambientais, que no caso, não são

percebidos nos processos de geração e consumo de produtos (externalidades).

Nos Estados Unidos, uma estratégia adotada pela Órgão Ambiental Americano, a

EPA, é o programa “Pay-as-you-throw” (PAYT, “pague de acordo com que você joga

fora”, em tradução livre), já implementado em mais de 6.000 comunidades norte

americanas (CANTERBURY & EISENFELD, 2006). Através desse programa, os

municípios cobram dos habitantes uma taxa para a coleta dos resíduos sólidos

domésticos, baseada na quantidade de resíduos que cada residência descarta. Uma vez

que o habitante não paga uma taxa fixa, mas paga de acordo com o descarte (como

ocorre com serviços como eletricidade e gás, pelos quais se paga de acordo com o uso;

EPA, 2011b), ele é incentivado a reduzir sua produção de lixo.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A minimização é considerada prioridade na problemática de resíduos sólidos, uma

vez que é a melhor maneira de evitar as consequências prejudiciais atreladas aos

resíduos sólidos. A redução de resíduos sólidos é a estratégia prioritária na maioria dos

países estudados e para promover a redução, tais países fundamentam suas ações na

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taxação, sendo que ações mais estruturadas são voltadas para a redução de embalagens.

A redução da quantidade de resíduos gerados também está intimamente ligada

com melhorias no sistema de produção de bens materiais e na influência que o mercado

consumidor pode gerar na indústria, exigindo a maior oferta de produtos que agridam

menos o ambiente, que apresentam menos embalagens e que, consequentemente,

tornam-se mais baratos.

Uma estratégia de redução da geração de RSU, relativamente comum em países, é

a taxação do lixo (por peso, volume, ou determinado de outras maneiras). A PNRS

induz os municípios a realizarem esse tipo de cobrança, caso seja necessário para

garantir a sustentabilidade econômica do sistema de gestão municipal dos resíduos

sólidos.

No Brasil, foi citado o exemplo da cidade de São Paulo (SP), em que a taxa de

lixo foi adotada, mas depois de dois anos, abolida. Nessa cidade, assim como em outros

municípios que tiveram experiência com a taxação de resíduos sólidos, existem debates

acerca da constitucionalidade dessa cobrança.

A taxação também pode ser entendida como uma forma de educar a população.

Com as taxas, as pessoas têm um meio de medir os impactos por eles causados. Com a

cobrança pelo serviço de coleta e deposição dos resíduos, os habitantes podem refletir

sobre suas ações e podem planejar como reduzir seus custos e, consequentemente, seus

impactos.

A PNRS segue uma tendência mundial que prevê a não geração e a redução dos

resíduos sólidos. Com base na pesquisa realizada, constatou-se que a PNRS apresenta

conceitos e aborda a temática dos resíduos sólidos de forma inovadora no Brasil,

contribuindo assim para a sustentabilidade. Verificam-se avanços pela prioridade à não

geração, à redução e reutilização de resíduos, em vez de seu tratamento.

A Política Nacional dos Resíduos Sólidos, em suma, é importante por tratar de

forma ampla e abrangente a temática. Pela Lei no 12.305/10 são definidos os papéis de

cada agente, delegadas funções das diversas esferas do governo e determinados os

melhores instrumentos, tecnologias e maneiras de garantir a sustentabilidade, no que diz

respeito aos resíduos sólidos. Além disso, sua importância também decorre da

promoção da educação ambiental e da conscientização.

Page 125: Revista InterfacEHS edição completa Vol.  7 n. 3

124

Volume 7, Número 3, 2012

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