revista-interatividade jun 2002

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Adquirimos as virtudes graas a uma atividade anterior, como tambm acontece nas outras artes. As coisas que devemos aprender antes de faz-las so as que aprendemos fazendo-as.Aristteles

Educao

Lingstica

Literatura

Administrao

Cincias Contbeis

Cincia da Informao

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InterAtividade

Andradina-SP www.firb.br [email protected] v.2 n.1 p.

jan./jun. 2002

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Educao Administrao

Lingstica

Literatura Cincia da Informao

Cincias Contbeis

ISSN 1676-0816InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 3 - 228 jan./jun. 2002

4 SOCAN - Sociedade Cultural de Andradina (mantenedora)Presidente: Ivam Gonalves Ortuzal FIRB - Faculdades Integradas Rui Barbosa Diretor: Flvio Antnio MoreiraCONSELHO EDITORIAL Ivam Gonalves Ortuzal (presidente) Flvio Antnio Moreira Angelo Eduardo Cavenage A. Wilson Rodrigues Daniel Abrao Pando Edir Jesus dos Santos Ester Pereira da Costa Moreira Gisele Maria Ruiz Hugo Leonardo Maria das Graas Gomes Roberto Pereira da Silva EDITOR Edir Jesus dos Santos REVISO - Portugus Vanda Moraes REVISO - Ingls Luciana Longo Barros Mrcia Cabral Dietrich PRODUO GRFICA Vanda Moraes ([email protected]) IMPRESSO Diogo Grfica e Editora Ltda. - (67) 365-1273 InterAtividade/Coordenadoria de Pesquisa e Extenso/Faculdades Integradas Rui Barbosa Vol. 2 n. 1 (2002) - Andradina-SP: FIRB EDITORA, 2001Semestral ISSN 1676-0816 1. Educao 2. Lingstica - Pesquisa 3. Literatura 4. Administrao 5. Cincias Contbeis 6. Cincia da Informao I. Faculdades Integradas Rui Barbosa CDU 001.8Ficha Catalogrfica elaborada por Daniel Abrao Pando, CRB-8 6480 2002 FIRB EDITORA - IMPRESSO NO BRASIL

Rua Rodrigues Alves, 756 Andradina, Sp Cep: 16.900-900 www.firb.br e-mail: [email protected] Tel.: (18) 3722-7788 InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p.

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Apresentao

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As Faculdades Integradas Rui Barbosa, atravs de sua Editora, trazem neste novo volume da Revista Interatividade temas diversos que tm em comum o enfrentamento de questes no apenas conceituais, mas principalmente de abertura de dilogos mltiplos com a realidade concreta. Por essa razo, e pela prpria natureza desta publicao, abriu-se um leque maior de possibilidades de novos olhares, mais crticos, que transcendem as fronteiras epistemolgicas de cada rea de conhecimento aqui delineadas. Nesse sentido, mais uma vez esta publicao cumpre o objetivo de, a partir da multidisciplinaridade de enfoques, abrir caminhos para a produo e difuso de conhecimentos relevantes para a compreenso das relaes e dos nexos que formam e do sentido realidade social Surgiram muitas demandas de interesse desde a publicao do primeiro nmero da Revista. O resultado que o nmero de pginas, para esta edio, teve de ser ampliado em cerca de cinqenta por cento. Tivemos que ceder s diversas solicitaes para publicao, incorporando novas reas de conhecimento, como a lingstica e a cincia da informao. Esse aumento - como se poder ver - no apenas quantitativo, mas qualitativo tambm. A justificativa est no contedo dos novos enfoques aqui contemplados, frutos no puramente da reflexo terica, mas da prtica da pesquisa, do contato e da relao orgnica, investigativa, estabelecida por seus interlocutores com cada tema-objeto proposto. assim, por exemplo, que em Ao Supervisora Reflexiva como Alternativa, de Wilson Rodrigues, busca-se, a partir do resgate da memria de uma unidade especfica de ensino, desvendar os nexos que concorrem para a constituio de uma realidade scio-educacional mais ampla, propondoInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. jan./jun. 2002

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Editorial

caminhos e possibilidades da ao pedaggico-educativa. Os autores que se seguem, por outros caminhos, revalorizam a temtica, incorporando elementos que conduzem a um mesmo objetivo: a reflexo crtica na busca de alternativas para uma recriao das diversas subjetividades em suas relaes objetivas. Em O Modelo Neoliberal e as Reformas Educativas na Amrica Latina, de Slvio Csar Nunes Milito, a reflexo sobre a Educao ganha novos contornos. As reformas educacionais nacionais so analisadas no contexto mais amplo da poltica neoliberal. Em conjunto com os demais autores, o tema em questo ganha maior densidade e plausibilidade face aos problemas da educao em nvel nacional. A questo da afetividade tambm ocupou espao no corpo da Revista atravs do artigo da educadora Maria das Graas Gomes. A autora brinda o leitor desmembrando e analisando conceitos fundamentais para o desenvolvimento de aes eficazes daqueles profissionais que atuam na rea da psicopedagogia. De qualquer modo, alm dos temas educacionais que abrem a Revista, outros campos de estudo, como a Lingstica, a Literatura Brasileira, a Administrao, as Cincias Contbeis e a Cincia da Informao so discutidos por seus autores de forma criativa e pertinente. Os autores aqui presentes so profissionais em pleno vigor intelectual e profissional que, de forma competente, articulam suas reflexes tericas no contexto da nossa realidade scio-cultural. Que todos tirem o mximo proveito de suas observaes e tenham uma boa leitura! O Editor

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SumrioEDUCAO Ao Supervisora Reflexiva como Alternativa A. Wilson Rodrigues .............................................................................................

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A Escola Reflexiva: rompendo com os paradigmas ultrapassados Sueli Moraes Vieira de Faria ............................................................................... 24 Formao de Professores no NRTE Andradina: uma ao reflexiva para aplicao de informtica na Educao Bsica Elsio Vieira de Faria ............................................................................................ 36 O Modelo Neoliberal e as Reformas Educativas na Amrica Latina Silvio Csar Nunes Milito ................................................................................. 51 Vnculo Me e Filho e a Dificuldade de se Vincular Social e Emocionalmente com Outras Pessoas Maria das Graas Gomes ..................................................................................... 63 LINGSTICA Consanginidade Latim-Portugus Joo Bortolanza .................................................................................................... 90 Descrio Fonolgica do Sistema Voclico da Lngua Ofay Lucia Helena Tozzi da Silva ................................................................................ 100 Humor e Lingstica: reflexes para uma proposta de ensino Marcos Luiz Berti ................................................................................................. 115 LITERATURA O Extraordinrio e o Realismo nos Contos de Machado de Assis Rosana Rodrigues da Silva .................................................................................. 127 ADMINISTRAO Rendimentos das Empresas Pecurias Comparados aos Rendimentos Disponveis no Mercado de Ttulos a Curto Prazo atravs da Composio de Carteira Renata Gama e Guimaro Moura ........................................................................ 143 O Auto-atendimento Bancrio e a Satisfao dos Clientes Roberto Pereira da Silva e Bartira Laide Cardoso ........................................... 157 Tecnologia da Informao no Ensino Superior Presencial Telma R. Duarte Vaz e Marco Antonio Costa da Silva ................................... 168InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. jan./jun. 2002

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Sumrio

CINCIAS CONTBEIS Reflexes sobre a Presena do Contador na Percia Trabalhista ngelo Eduardo Cavenage .................................................................................. 183 CINCIA DA INFORMAO O Livre-acesso como Ao Estratgica para Melhoria da Qualidade em Servios de Informao Daniel Abrao Pando .......................................................................................... 208 POLTICA EDITORIAL Normas para Publicao .................................................................................... 227

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Ao Supervisora Reflexiva como AlternativaA. Wilson RodriguesDoutorando em Educao - UNESP/Marlia Professor-coordenador do Curso de Pedagogia das FIRB

RESUMO O texto busca resgatar parte da memria da escola isolada, utilizando a experincia vivida e a anlise de documentos oficiais, priorizando o Livro Termo de Visita e, conseqentemente, a tica da Superviso de Ensino na avaliao desse trabalho, ao mesmo tempo em que aponta os fatores presentes nessa desarticulada experincia de ensino: adoo de tutoria informal, administrao do tempo pedaggico, disperso das atividades e ao supervisora como atividade de acompanhamento, orientao pedaggica e ligao com o sistema de ensino. PALAVRAS-CHAVE Escola isolada; ao superviso; termo de visita; tutoria informal; administrao e disperso

Valorizando o enfoqueNos 45 anos de existncia (1949-94) a Escola Isolada do Bairro Pensamento foi muito pouco visitada. Sessenta e cinco termos de visita da Superviso constituem a totalidade do registro histrico oficial da memria, firmado por 13 no to diferentes Inspetores e/ou Supervisores de Ensino, poucas vezes (15) acompanhados pelo Auxiliar de Inspeo, com sede na Escola Vinculadora, e duas por Delegados de Ensino: o que restou da Escola Mista do Bairro O Pensamento do municpio de Guaraa, 6 Distrito de Valparaso,InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 9 - 23 jan./jun. 2002

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da 29 Delegacia Regional de Ensino de Araatuba, at ento. Localizada nos limites do Bairro Pensamento com o Bairro Km-04, em frente ao Bairro Iguatemi e atrs da Rodovia Marechal Rondon, distando apenas seis quilmetros da sede do municpio, sempre foi muito concorrida nas sees de atribuio de classes no incio do ano letivo, principalmente pela facilidade de acesso e tambm pelas caractersticas scio-econmicas do bairro, constitudo de um nmero significativo de pequenos proprietrios rurais dedicados cafeicultura e lavoura de cereais. A predominncia era de famlias de colonos de origem italiana, com seus costumes difundidos do ncleo central do bairro aos demais moradores circunvizinhos, at que o xodo rural, ocasionado pelo desestmulo agricultura que substituiu os produtivos cafezais por pastagens extensivas veio pr fim a esse processo scio-cultural, como muito acontece dentro da lgica de crescimento com prioridade exclusivamente econmica. A importncia de enfocar a escola isolada que, tendo como exemplo o ano de 1968, essa escola fazia parte de um complexo de outras 46, sendo 17 de emergncia, espalhadas por toda extenso rural desse pequeno municpio essencialmente agrcola, que, em sua sede, dispunha de apenas 27 classes de 1 a 4 srie para atender totalidade da demanda urbana. Da porque, at mesmo numericamente, a importncia maior deveria ser conferida ao ensino rural. Para l deveriam ter convergido prioritariamente as aes de apoio, de acompanhamento e de controle do processo educativo, o que no aconteceu. Muito pouco se pensou, se realizou e se registrou dessa experincia, ou pela inexistncia de uma teoria que pudesse dar conta de explic-la em sua totalidade, ou pelo carter contraditrio dessa teoria que, por isso, no foi disponibilizada. A verdade que no presente, com o avano e as conquistas dos movimentos sociais, como o Movimento dos Sem Terra, outros e diferentes contingentes de pessoas so assentadas novamente no campo, com suas crianas a precisar no da escola que no existe mais, mas sim de uma escola apropriada, adequada s suas aspiraes e anseios, mas que no pode e nem deve desconsiderar a histria da escola isolada, sob pena de percorrer novamente caminhos que no devem ser percorridos. Exatamente com essa dupla inteno, primeiro de disponibilizar o acesso a alguns marcos dessa memria se bem que oficial, pois trata-se da tica da superviso de at ento, facilitada pela nossa proximidade com o tema, e principalmente pela quase inexistncia de documentos, que passamos a enfocar para outros olhares as visitas dos Supervisores lavradas em Livro de Termo e, depois, de destacar que talvez tenha sido nessa experincia de ensino rural que a ao supervisora adquiriu a sua maior visibilidade e importncia, de que hoje tanto est a precisar.InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 10 - 23 jan./jun. 2002

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O Termo de VisitaNo ano de 1952, o Inspetor Escolar lavrava o primeiro Termo de Visita no Livro Termo de Exames Finais. S depois de 1975, quando os resultados de avaliaes finais passaram a ser registrados em atas prprias, que esse livro passou a ser utilizado exclusivamente para registros especficos das visitas da superviso. Esse livro ficava sob a guarda do professor da Escola Isolada e, no final do ano letivo, era recolhido pela Escola Vinculadora, no tendo outra destinao nem outra utilidade imediata, mas representava a expresso objetiva da impresso subjetiva do Supervisor de Ensino na avaliao do desempenho daquele professor, com daqueles alunos, naquele contexto; representava muito mais ainda para o professor, pois era a formalizao do julgamento de seu trabalho, reconhecido ou no, muito embora em 27% dos casos as palavras registradas sejam de incentivo, de confiana e de aprovao, e em 11%, palavras escritas para ressalvar algum aspecto do trabalho. O restante ficava por conta de:Visitei hoje esta escola e encontrei-a funcionando com regularidade, sob a regncia da professora...

Esta se constitua na primeira preocupao, portanto a que merecia ser priorizada no registro: encontrar a escola e encontr-la funcionando regularmente, com alunos, professores, escriturao, planejamento, atividades, avaliaes, merenda, campanhas e projetos, conservao do equipamento e do prdio, entendimento com os pais e com a Prefeitura Municipal. Em seguida, a incidncia maior de registros, que aparece em 79% dos termos, o cmputo da freqncia, tanto em nmeros absolutos quanto em porcentagem, e que nesses registros podemos constatar que sempre estiveram em nveis muito bons, sendo lembrada pela superviso a Campanha da Boa Freqncia, principalmente na colheita do algodo, quando poderia acontecer tendncia de baixa nos ndices. Em seqncia, aparecem como preocupao da superviso os livros de escriturao escolar, que deveriam, no mnimo, estar atualizados e, at o ano de 1975, eram quatro: Livro para Matrcula de Alunos Utilizado tanto para matrculas iniciais, quanto matrculas suplementares durante o ano, j que a mobilidade das famlias estava condicionada pelo incio ou trmino do trato das lavouras de caf, o que ocasionava relaInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 11 - 23 jan./jun. 2002

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tivo nmero de mudanas de um stio para outro, tanto de meeiros de caf, quanto parceiros e arrendatrios de outras lavouras. Na escola em foco, por se tratar de bairro de pequenos proprietrios, a mobilidade no era to expressiva, mas no deixava de acontecer. Livro para Chamada Para registro dirio da freqncia dos alunos, que a princpio era feito por srie, discriminando ainda se masculina ou feminina. Livro Termo de Exame Usado s no final do ano letivo, sempre na ltima semana de novembro, raramente na primeira de dezembro, destinava-se ao registro do resultado dos exames finais, aplicados por um Professor Examinador (presidente), que alm de trazer as questes previamente elaboradas na Escola Vinculadora, lavrava e assinava a ata, juntamente com a professora da classe, designada, para esse ato, simplesmente como Assistente. As atas dos exames finais continham os nomes dos alunos, as datas das matrculas, a chamada do dia, as notas em linguagem escrita, aritmtica, conhecimentos gerais, leitura e linguagem oral, as mdias e, na coluna de observaes: conservado ou promovido1. Tambm se elaborava o quadro resumo, com o registro para o masculino em tinta azul e o feminino em tinta vermelha, do total de alunos matriculados, presentes, promovidos, eliminados, porcentagem de alfabetizao e porcentagem de promoo por srie. Finalizando, era lavrado o termo de exame propriamente dito, que trazia a data da realizao, o nome e cargo do Examinador (h registros de participaes dos Inspetores e tambm do Diretor da Escola Vinculadora), o nome e a condio funcional da professora (se interina, substituta ou efetiva) da classe (Assistente) e o relato por escrito do quadro resumo. Merece destaque o termo de exame de 25 de novembro de 1952, constando que os alunos F.O., I.M.L., I.S., todos do 1 ano, e D.O., do 2 ano, no compareceram e, tambm, que os alunos que saram da escola (no consta nenhum nome) foram promovidos pelos cadernos de exerccios grficos, ouvido o professor da sala; e tambm o termo de 30 de novembro de 1956, onde1 Em nenhuma ata de exame final encontramos as expresses reprovado ou retido, o que pode ser indcios de preocupao com o estigma e, tambm, que o apego cultura da reprovao no era exagerado, como mais tarde foi denunciado, muito embora houvesse mais rigor com a verificao da aprendizagem.

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se v que a aluna M.I.S., do 3 ano, e os alunos A.F.N. e D.A., do 1 ano, no compareceram e no foram promovidos pela anlise dos cadernos. Livro Inventrio do Material Existente Destinado ao registro do material existente na escola, a data do fornecimento e a procedncia do mesmo, como no exemplo ilustrativo de 16 de fevereiro de 1965, da Escola Mista de Emergncia do Bairro Catumbi:2Quadro 1

Data 04.08.61 04.08.61 04.08.61 04.08.61 04.08.61 04.08.61 04.08.61 04.08.61 .... 04.63 16.08.65 04.11.65

Qtde. 01 03 03 17 01 02 02 01 01 02 11

Designao prateleira de madeira carteiras dianteiras carteiras traseiras carteiras centrais duplas mesa p/ professor quadros negros apagadores (estragados) cadeira p/ professor filtro de barro apagadores cadernos

Procedncia Particular Estado Estado Estado Estado Estado Estado Estado Prefeitura Professora Fazendeiro

O professor tambm dispunha de seus apontamentos configurados em forma de Dirios de Classe, por srie e disciplina, ou mesmo Semanrios, que indicavam o preparo prvio das atividades a serem desenvolvidas naquele dia, ou naquela semana, sem o qual o professor estaria improvisando as suas aulas. E ministrar diversos contedos, para diferentes sries, no mesmo espao e concomitantemente, no seria recomendvel; portanto, vistar os Dirios de Classe do professor se constitua numa forte preocupao da maioria dos Supervisores, e esse registro esteve presente em 32% dos termos de visita. Sabemos tambm que, para o professor, o Dirio trazia, no mnimo, uma certa2 A opo por outra escola, de outro bairro, se bem que no mesmo contexto e poca, justifica-se pelo quadro ser mais elucidativo e mostrar a preocupao de todos (particular, Estado, Prefeitura Municipal, professor e fazendeiro) pelo menos quanto ao equipamento material necessrio ao funcionamento da escola.

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segurana, muito embora demandasse um certo tempo (no remunerado) de preparo prvio e seleo ou elaborao de material pedaggico suficiente para isso. Na escassez de reunies propriamente pedaggicas3, na ausncia do coordenador pedaggico e na quase sempre inexperincia de jovens professores e professoras para lidar com a complexidade prpria das classes multiseriadas, a soluo muitas vezes passava pela adoo de uma modalidade de tutoria informal, consentida ou no, com os professores titulares da Escola Vinculadora, o que se constitua em uma modalidade de ao supervisora mais natural. s vezes, at mesmo, atravs da verificao detalhada do caderno de classe de alunos de determinadas professoras adotadas como referncia. Alarco e Tavares (1996), na obra Superviso da Prtica Pedaggica: uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem, definem superviso como o processo em que um professor, em princpio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional. De um tempo em diante, uma certa autonomia ia se estabelecendo, e o processo de dependncia pedaggica se atenuava. Os registros nos termos de visita atestam que a ao supervisora centrava-se no acompanhamento e avaliao do processo pedaggico, atravs da verificao do aproveitamento dos alunos nas seguintes aes e propores: - verificao dos cadernos dos alunos: 39% de registros - verificao de leituras: 18% de registros - verificao das lies da cartilha: 5% de registros - verificao de ditados: 5% de registros - exerccios orais de clculo: 3% de registros - atividades na lousa: 2% de registros Nem sempre uma atividade exclua a outra, e isso no significava tambm que outros supervisores em suas visitas no tenham se utilizado desses procedimentos; apenas no os registravam especificamente, pois em muitas vezes os Termos de Visita foram escritos numa linguagem genrica.3

As reunies pedaggicas aconteciam uma vez por ms, pautadas mais no sentido de encaminhar procedimentos administrativos conforme registros nos livros de atas da Escola Vinculadora a exemplo do que se segue: ... para tratar do preenchimento das fichas cadastrais e informativas das escolas 01 nov 1967 ...distribuio de livros e recomendaes sobre matrculas 03 mar 1968 ...entrega da papis e livros das escolas isoladas 14 dez 1968 ...para eleio da nova diretoria da Caixa Escolar das escolas isoladas 17 mar 1969

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Orientaes pedaggicas apareciam logo aps a verificao da aprendizagem, com 32% de registros lavrados em Termos de Visita e consistiam em:Troquei idia com a senhora professora a respeito do ensino de linguagem e sua correo. - 1956 Foi explicado professora como fazer a correo dos cadernos e como dar as notas nos trabalhos grficos. - 1957 Palestrei com a senhora professora sobre o ensino de linguagem escrita, tendo a oportunidade de verificar os cadernos que estavam de acordo com nossa orientao. - 1957 Conversei com o professor sobre o processamento das aulas de linguagem escrita para o 3 ano e orientei como ministrar aulas de conhecimentos gerais. Recomendei ao professor dar suas aulas de ruralismo de acordo com as unidades de trabalho distribudas no ano passado. - 1967 Conversamos com o professor sobre algumas variedades de exerccios de matemtica e lngua ptria... Apresentamos ainda algumas sugestes sobre a correo em lngua ptria. - 1969 Conversamos com o professor sobre estudos sociais, fazendo algumas sugestes para relatrios. - 1972 Procuramos orientar o professor sobre o desenvolvimento dessas reas, atravs de experimentos em cincias, aonde os alunos vo anotando os resultados, que sero condensados em relatrios, e pesquisas e trabalhos em grupos em estudos sociais.- 1973 Sugerimos professora (...): a - entrar em contato com o professor titular da Escola Vinculadora para o planejamento do 3 bimestre e seleo de atividades que garantam a continuidade do seu trabalho e mais proveito para os alunos; b - intensificar as atividades de lngua portuguesa e matemtica, nas trs sries, adequando-as aos guias curriculares; c - em lngua portuguesa na 1 srie, variar bastante as atividades que visem o domnio das mesmas dificuldades, evitando que o aluno copie muitas vezes a mesma lio da cartilha; d - intensificar (na 2 srie) atividades que desenvolvam o raciocnio da criana; e - as duas alunas da 3 srie precisam dominar os pr-requisitos para a srie subsequente; sugerimos atividades individuais, inclusive com livros da pequena biblioteca da escola ou de folhas de atividades preparadas pela professora. - 1979 Orientamos sobre as atividades de lngua portuguesa no que se refere ao preparo com motivao, execuo e correo dos trabalhos, atravs de uma estria contada. - 1986InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 15 - 23 jan./jun. 2002

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Recomendei professora que procure dosar o contedo de matemtica para no confundir a aluna, que estava copiando textualmente o contedo do livro. - 1988 Sugeri o cartaz das famlias silbicas em letra de imprensa, para que as crianas se familiarizem com esta forma, j que no possuem outro material de apoio. - 1989 Orientei quanto ao processo de alfabetizao. - 1991 Orientamos quando a necessidade de acelerar o processo de alfabetizao e acreditar mais na potencialidade dos alunos. - 1991 Solicitamos professora priorizar as atividades de ciclo bsico e envolver, atravs de reunies, as famlias no processo ensino-aprendizagem. - 1993

Pouco evidenciada foi a merenda escolar. Aparece em apenas 8% dos registros nos termos de visita, talvez por no se constituir em extrema necessidade, j que a crianada desse bairro no apresentava sinais de subnutrio conforme registro textual em um dos termos pesquisados. A merenda escolar causava um grande transtorno para ser preparada, principalmente em escolas cujo professor era do sexo masculino, razo pela qual, quando um professor dessa determinada Escola Isolada foi eleito Prefeito Municipal, cuidou logo de construir cozinha e contratar merendeira para essa e para todas as demais escolas do municpio. Projetos e campanhas foram pouco registrados, aparecendo em apenas de 5% dos termos: Campanha da Boa Freqncia e o Plano Rural (ruralismo), marcas de que essa escola exercia mais a sua funo essencial e muito menos sua funo supletiva. Consideraes quantos aos aspectos fsicos da escola (prdio, mobilirio escolar, cerca, quintal, cozinha, poo de gua, fossa-negra, casinha) estiveram registrados em 32% dos Termos de Visita, que, na sua maioria, indicavam para a Prefeitura Municipal resolver os casos de reparos, reformas e principalmente a limpeza do poo. Foram solicitadas, pelos Supervisores, reunies com os pais em apenas 6% dos termos, ou para entrega de boletins, ou para tentar equacionar o problema dos vidros quebrados nas janelas da escola. Nos Termos de Visita, com incidncia maior naqueles mais antigos, chega a ser impressionante a presena de trs categorias, quase sempre juntas, localizadas, em sua maioria, no encerramento dos termos, o que nos faz inferir que, quando grafadas, representavam seguramente que o trabalho pedaggico ali desenvolvido, no julgamento dos Supervisores, apresentava um considervel padro qualidade, portanto, aprovado com certeza:InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 16 - 23 jan./jun. 2002

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So elas: ordem

35%, disciplina 21% e asseio 27%

No mnimo, constituem-se essas categorias em indcios de que o fenmeno da socializao, embora dentro de outro paradigma, encontrava-se adequado ao fenmeno da escolarizao.

Uma escola que deu certoSe considerarmos o desempenho do aluno como condio para avaliao do sistema de ensino, a exemplo da metodologia SARESP4, e as condies nada ideais que se apresentavam para o trabalho docente na totalidade das escolas multiseriadas5 rurais, podemos afirmar que essa escola realmente cumpriu a sua proposta. A nossa constatao fundamenta-se na observao do resultado do desempenho dos alunos em 52 atas de exames finais em 46 anos de existncia dessa escola. Os resultados dos exames finais e de avaliaes globais, nessas escolas e nesse perodo (1951-94), foram os seguintes:Quadro 2

Anos letivos1952-1954-1956-1966-1968-1971-1972-1973-1985-1986-1993-1994 1962-1964-1978-1984-1988 1956-1957-158-1962-1967-1969-1974-1975-1981-1983-1987-1991 1961-1963-1967-1961-1965-1970-1977-1980-1990 1954-1960-1963-1979-1982-1989 1953-1959-1965-1968-1976-1992 1951-1955

Alunos promovidos100% de 90 a 99% de 80 a 89% de 70 a 79% de 60 a 69% de 50 a 59% de 40 a 49%

4 Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo, implantado na 1 gesto do Governo Covas, nas escolas da rede pblica estadual de ensino que, dada a sua utilizao, tem demonstrado na prtica, mais eficcia como instrumento norteador da poltica educacional do que como instrumento de funo diagnstica. 5 Escola de at quatro sries, na mesma sala de aula sob a regncia de um nico professor.

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Registramos tambm que no ano de 1949 a matrcula foi da ordem de 39 alunos (28 masculinos e 11 femininos) e a promoo final 100% e no ano seguinte, matrcula de 40 alunos (31 masculinos e 09 femininos) com promoo final tambm de 100%; mas como no constam em Livro Termo de Exames e de Visitas, no foram includos no cmputo geral do desempenho da escola.

Lembrando que o Ato 306, que estabelecia o reagrupamento automtico de alunos do 1 ano para o 2 ano, e do 3 ano para o 4 ano, sem necessidade de exames, foi vigente de 1969 a 1975, e que o Decreto Estadual n 21.833, que instituiu o Ciclo Bsico, abolindo os exames da 1 para a 2 srie, aplicados nesta escola de 1984 a 1994, no se constituram, por eles mesmos, como mecanismos legais capazes de determinar os mais altos ndices de promoo, o que comprova que os artificialismos da burocracia quase sempre no se constituem nas melhores solues. Os resultados do Quadro 2, organizados de outra de maneira, atestam com mais clareza a argumentao de que esta escola cumpriu a sua proposta:Quadro 3

% de promoo 100 90 a 99 80 a 89 70 a 79 60 a 69 50 a 59 40 a 49

incidncia em n. de anos 12 05 12 09 06 06 02

incidncia em % de anos 23 10 23 17 12 12 03

Iluminando a prticaNo haveria nenhuma possibilidade dessa escola ter dado certo, seno pelo fato de que, talvez sem notar, mas pela inadivel necessidade de o fazer, pela cobrana da ao supervisora efetiva e tambm pelo fato de que nos primeiros tempos os exames eram formulados externamente, se colocavaInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 18 - 23 jan./jun. 2002

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a necessidade de ensinar todos os contedos prescritos a todos os alunos, num s perodo, no mesmo espao, o que s seria possvel mediante a otimizao de recursos, de estratgias, de procedimentos e, fundamentalmente, do tempo pedaggico. Segundo Silva Jnior (1986):Quando o professor ministra sua aula ele tambm administra essa sua aula. Ele que a planejou anteriormente, vai agora execut-la. Para isso vai cumprir e distribuir tarefas, semelhantes ou diversificadas, utilizando diretamente ou determinando a utilizao de recursos disponveis de modo a possibilitar que desse esforo humano coletivo por ele coordenado resulte o alcance da finalidade pretendida por todos: a aprendizagem dos alunos. Podemos chamar isso de ensinar mas tambm podemos chamar isso de administrar. O ensino em geral no substancialmente diferente da administrao em geral.

Seno vejamos: o professor trabalhava com o mnimo de quatro disciplinas6 nas quatro sries iniciais; num exerccio de imaginao, supondo que todos os contedos fossem ministrados linearmente todos os dias para todas as sries, teramos a surpreendente marca de 16 aulas em quatro horas, fisicamente impossvel de ser, pois, convencionalmente, sob uma outra lgica, a medida de uma aula sempre uma hora (pelo menos para efeito de remunerao docente). No entanto, se no eram transmitidos todos os contedos para todos os alunos em todos os dias, no mnimo eram transmitidos durante a semana, pois os termos de visita comprovam que a Superviso estava atenta quanto possibilidade da ocorrncia de reducionismos na grade curricular para apenas lngua ptria e matemtica, e cobrava, ao mesmo tempo em que orientava, o ensino de estudos sociais e cincias. Alm disso, preciso considerar outro fator que induzia o professor a administrar o seu procedimento docente em sala de aula para dar conta de todos os contedos prescritos curricularmente: eram os exames finais quando elaborados e aplicados pelo pessoal da Escola Vinculadora, que, obrigatoriamente, contemplava nesses exames a verificao especfica da aprendizagem dos contedos de cada disciplina. Philippe Perrenoud, em Prticas pedaggicas, profisso docente e formao, tambm nos oferece a sua contribuio terica para elucidar o fisicamente impossvel de ser dezesseis por quatro:(...) A disperso nasce, ento, do nmero quase ilimitado de coisas poss6 Linguagem escrita, aritmtica, conhecimentos gerais (histria, geografia e cincias) e leitura e linguagem oral, at o ano de 1968. Ou: lngua ptria, matemtica, estudos sociais e cincias e sade a partir do ano de 1969.

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veis, dentre as quais preciso escolher. Ora, a instituio no substitui os professores na hora da escolha. Pede-lhes que faam o melhor possvel, supervisionando, de longe, o respeito pelo plano de estudos. Dentro deste quadro, os professores podem adoptar estratgias minimalistas ou, pelo contrrio, bastante ambiciosas. Os que tm vontade de investir no param porque as suas possibilidades se esgotaram ou porque se sentiram plenamente satisfeitos, mas antes porque se sentem fatigados ou desmotivados, porque tm outras tarefas familiares ou sociais ou porque, nesse momento, no tm vontade de pensar na escola. Alguns conseguem, sem dvida, dentro do tempo de que dispem, administrar de forma clara as prioridades, a comear pelas coisas mais importantes, s investindo nas actividades secundrias quando o essencial est assegurado. Esta organizao racional, que evita ao mximo a disperso, no certamente adoptada por todos os professores, em parte porque o desejo de fazer as coisas no depende sempre da sua importncia ou urgncia objectiva. (...) Uma certa desordem e disperso so, sem dvida, inseparveis do prazer e criatividade que existe no trabalho solitrio do professor.

E o professor Celestino Alves da Silva Jnior (op. cit.) nos tranqiliza quando prope que a relao supervisor/professor, antes de ser uma relao hierrquica de poder, deva ser uma relao de educador para educador.Antes de sermos professores ou especialistas somos todos (ou deveramos ser) educadores. O que pode nos unir aquilo que no momento nos afasta, por inexistncia ou insuficincia: a percepo clara do sentido do trabalho pedaggico.

A existncia histrica da Escola Mista do Bairro O Pensamento est a nos afirmar que essa relao foi possvel e, sobretudo, que hoje necessria.

Concluindo a visita nos termos do PensamentoDevolvendo aos atores pedaggicos aquilo que foi seqestrado pelo modelo exageradamente tecnicista (frtil em produzir artificialismos burocrticos, dispendiosos em tempo e recursos, e estreis em resultados; sempre inovadores quando apresentados, mas nunca avaliados e responsabilizados em suas quase sempre desastradas conseqncias), despojando principalmente os docentes, em nome da racionalidade cientfica, de suas considerveis margens de autonomia, liberdade e capacidade de implementar estratgiasInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 20 - 23 jan./jun. 2002

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(muito mais presentes nesse estudo de caso do que atualmente, at mesmo por falta de qualquer outra opo, pois os problemas precisavam ser enfrentados e resolvidos pelo prprio professor e seus alunos e familiares, pois tudo estaria isolado se no fosse a ao supervisora espordica) e acrescendo-se a isso uma efetiva ao supervisora problematizadora das prticas sociais do cotidiano dos escolares e seus familiares, bem provvel que um caminho mais seguro, mais democrtico e, sobretudo, mais humanizado, para a educao brasileira, seja reencontrado. Nos parece que a escola rural isolada aqui enfocada, se aplicados a ela os indicadores utilizados hoje pelo sistema oficial de ensino (alto ndice de promoo, baixa infrequncia, nvel de evaso controlado e principalmente baixo custo), foi uma escola de sucesso, e isso deve ser debitado mais na conta da ao supervisora externa, do que nos mtodos de administrao, que s existiam internamente para controlar as variveis do prprio ensino no interior da escola/classe. Acreditamos tambm que para resgatar e aproveitar as experincias histricas do sistema de ensino como subsdio para a construo de um projeto prprio e democrtico de educao popular preciso fundamentalmente:Pensar em um trabalho mais atual da ao supervisora, quando o prprio sistema pouco conhecimento tem de suas incoerncias, cabendo aqui um alerta, acreditar na possibilidade de uma ao supervisora mais eficiente, que se apoiar basicamente na participao e na comunicao efetiva e bilateral entre agentes de superviso, pessoal escolar e comunidade. (Quaglio, 1994)

Quando Paschoal Quaglio faz referncia comunicao, quero acreditar que ela deve ser entendida no s como fluxo de informaes ou de teorias, mas, sobretudo, entendida tambm historicamente, ou seja, como interao de vrios momentos vividos, fixando e consolidando o que clssico, na viso de Saviani, aquilo que comprovadamente deve ser mantido pelo benefcio que trouxe, e que, mantido, continuar a propiciar na tentativa de construo de um modelo prprio para atender as especificidades de nosso processo scio-cultural. Na ambio de um projeto prprio de organizao do sistema de ensino, a memria da pequena e isolada escolinha rural, importante no s pela riqueza de interaes e pelo respeito recproco entre docente e discente, e outros elementos facilitadores no fluir do processo de ensino, mas tambm pelo fato de que a sociedade brasileira, nessa poca, era majoritariamente agrria, precisa ser resgatada e adequada aos novos tempos, para servir de base naInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 21 - 23 jan./jun. 2002

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ordenao de um outro modelo, de feio urbano-industrial. Mas, tanto num momento como no outro, a proposio era e continua sendo escolarizar e socializar o ser humano ou, novamente lembrando Saviani, construir a segunda natureza (a humana, j que a primeira dada), que para ser respeitada em sua essncia no pode ser colocada em grandes e massificados sistemas formais, impessoais (escoles), regidos por procedimentos de administrao tecnicoburocratizada e pela lgica empresarial de mercado globalizado e, por isso, descontextualizados de seu territrio, de sua histria, enfim, de sua existncia concreta. Para vencer hoje outras formas de isolamento (que no o da singela e distante escolinha rural), que atualmente transformam aquilo que deveriam ser clulas vivas escolares em, literalmente, unidades escolares, provocando a desarticulao tanto intra quanto inter-organismos sociais, reservando a elas a condio de refns inertes de um sistema de desvnculos, s mesmo como alternativa nica, em alguns casos e, com certeza, alternativa prioritria em muitos outros, uma ao supervisora de forma reflexiva para outra racionalidade.

ABSTRACT The text redeems part of the memory of the rural school using the lived experience and the analysis of official documents checking the book term of visit and consequently the viewpoint of the teaching supervision on the evaluation of the pedagogical work at the same time that it pinpoints the reasons of that successful experience adoption of informal tuition, administration of the pedagogical time and dispersal during the activities. KEYWORDS Rural school; supervision; term of visit; pedagogical assistance; tuition administrations and dispersal

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BILBIOGRAFIA ALARCO, Izabel (org). Formao Reflexiva de professores. Porto-Portugal: Porto Editora, 1996 BRANDO, Carlos Rodrigues. O trabalho de saber: cultura camponesa e escola rural. So Paulo: FTD, 1990. COSTA, M.C.V. Trabalho docente e profissionalismo. Porto Alegre: Sulina, 1985. PERRENOUD, P. Prticas pedaggicas, profisso docente e formao. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1997. QUAGLIO, Paschoal. Princpios e Mtodos de Superviso Escolar: uma proposta de ao. Tese de Livre Docncia, Unesp-Marlia, 1994. QUEIROZ, Maria A. Desacertos da Educao - o professor e o ensino rural. Cadernos CEDES, n. 20, p. 47-74, Campinas: Papirus, 1985. SILVA JNIOR, C.A. Organizao do trabalho na escola: a prtica existente e a teoria necessria. Cadernos de Pesquisa. n. 59. So Paulo, 1986. _______. Superviso da educao: especializao e especificidade. Didtica, n. 20. So Paulo, 1984.

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A Escola Reflexiva: rompendo com os paradigmas ultrapassadosA superviso pedaggica como ator social na construo de um paradigma emancipatrio

Sueli Moraes Vieira de FariaDoutoranda em Educao UNESP/Marlia Professora de Educao Bsica em So Jos do Rio Preto-SP

RESUMO Este artigo descreve o processo de formao de professores e outros profissionais da educao para o uso da tecnologia em situaes de ensino e de aprendizagem, aplicado pelo NRTE de Andradina, rgo situado no Oeste do Estado de So Paulo e que atua na difuso das novas tecnologias em educao, como estratgia do programa PROINFO, em desenvolvimento pelo MEC. A formao dos professores adotada pelos membros do Ncleo tem por base a reflexo crtica sobre o uso do computador na escola, suas possibilidades pedaggicas, seus caminhos e suas limitaes, de modo a estudar as estratgias adotadas pelos rgos responsveis por uma nova poltica em educao, a fim de discutir com os professores o que fundamenta as novas tecnologias, suas orientaes e referncias pedaggicas para uma nova prtica, discorrendo sobre as experincias desenvolvidas do incio do processo de capacitao, compreendido entre 1998 e 1999, evidenciando a discusso dos participantes quanto relao teoria-prtica, e reflexo pedaggica com o uso das Tecnologias de Informao e Comunicao - TIC. PALAVRAS-CHAVE Formao; reflexo; tecnologia

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IntroduoJ vivemos o sculo XXI. Grandes previses para o sculo; muitas se concretizaram, outras, felizmente no. Contudo, somos surpreendidos com o surgimento de novos marcos histricos mundiais que colocam em discusso a existncia dos paradigmas hegemnicos, bem como evidenciam a fragilidade da ordem mundial ditada pelas sociedades dominadoras e exploradoras da misria e submisso dos pases pobres. Qual a nova ordem mundial que submeter as naes? Nesse novo contexto, as estruturas e concepes foram abaladas e destrudas, as certezas desestabelecidas e grandes e desiguais confrontos iniciados, em que a fora econmica, o poder da cincia e da tecnologia se digladiam com a obstinao, o fanatismo religioso, a coragem e o fatalismo convertidos em extermnio humano sob as suas mais diferentes formas de manifestao. Qual a concepo de homem, de indivduo, que emerge ou se faz necessria para contrapor-se aos acontecimentos? Qual o papel que a educao desempenhar neste sculo? Onde se situa a escola e todos os seus segmentos? Como formar cidados frente ao avano tecnolgico, grande abertura proporcionada pela globalizao, e ao mesmo tempo conviver com o aumento do desemprego, do subemprego como forma de subsistncia? Nesse contexto, surge a necessidade de se construir novas ideologias que se preocupem com a questo social, cultural e profissional. A educao passa a ser vista como essencial para o desenvolvimento do homem e da sua vivncia em sociedade, que se espera economicamente desenvolvida e com melhor qualidade de vida. No momento das grandes incertezas e dos grandes riscos, desenvolvem-se novas racionalidades que exigem novas formas de pensar e agir sobre a realidade, de onde emergir um novo paradigma civilizacional, como sugere Alarco1 (2001). Se a educao o cerne que proporcionar o enfrentamento s novas questes, a escola o espao onde se confronta a compreenso do presente, a preparao do futuro e a reconceitualizao do passado, para formar a trade que permitir ao homem a construo da nova sociedade mais humana, do novo homem mais solidrio e mais reflexivo.1 Sobre o conceito de escola reflexiva interessante consultar as obras da autora: ALARCO, I. (org.) Formao reflexiva de professores: estratgias de superviso. Porto: Porto Editora, 1996. e ALARCO, I. Escola reflexiva e a nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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Refletir sobre o papel da escola, a forma como se organiza para a formao de seus cidados e como se d a ao dos seus educadores sobre seus educandos, muito importante frente aos novos tempos. Pensar a escola globalmente exige um comprometimento de todos os seus segmentos, assim como a compreenso da forma de como a sociedade se organiza, quais as reais necessidades que surgem desse contexto, e como ns, educadores, nos posicionamos frente aos acontecimentos. A realidade que ora vislumbramos, aponta-nos a necessidade de construir uma escola reflexiva, como afirma Alarco (2001):aquela que pensa a si prpria, na sua misso social, na sua organizao, e confronta-se com o desenrolar das suas atividades em seu processo heurstico simultaneamente avaliativo e formativo.

O novo paradigma civilizacional exige uma nova racionalidade, mais crtica, que possibilite a emancipao dos sujeitos e das instituies que os constituem. A escola, concebida como a grande instituio, cujos professores sos os atores sociais na construo do processo de formao, atravs da aprendizagem continuada, dever formar o cidado mais resiliente, flexvel, autnomo, com capacidade para viver criticamente o seu cotidiano. Os paradigmas existentes mostram-se ultrapassados, desadequados para o novo contexto e, conseqentemente, faz-se necessria a sua ruptura em busca de novas solues que fundamentem as mudanas. Assim, comea-se o processo de construo de outros paradigmas, cuja racionalidade dialgica dever manifestar a preocupao com a valorizao das diversas dimenses e da globalidade da natureza humana. Para o enfrentamento a esse novo paradigma, que urge uma nova viso de mundo, a escola, instituio privilegiada, dever interagir com a sociedade, metamorfoseando-se, desestruturando-se, descompartimentalizando-se para, finalmente, reconstruir-se, utilizando, para tanto, formas transdisciplinares, interdisciplinares e transversais, atingindo, assim, todos as dimenses do processo construcional. Se os paradigmas mostram-se inadequados, ultrapassados, a escola, por sua vez, no atende s demandas da sociedade. tambm urgente, questionar o nvel de adequao existente entre o discurso produzido e a prtica vivida, em que pese o papel das atividades educativas desenvolvidas no contexto escolar. No basta conhecer os discursos produzidos. evidente a necessidade de se pensar a escola para produzir as mudanas paradigmticas. necessrio refletir sobre a vida que l se vive em uma atitude de dilogo com os problemas e as frustraes, os sucessos e os fracassos, mas tambm em dilogo comInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 26 - 35 jan./jun. 2002

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o pensamento, o pensamento prprio e o dos outros, argumenta Alarco. Todos esses conceitos nos remetem escola reflexiva, que se desconstri para se construir, assim como a seus professores reflexivos, que se articulam poltica-administrativa-curricular e pedagogicamente, para ensinar a educar, aprender e ser educador.

A escola reflexivaAlarco, apoiada em Habermas, considera como escola reflexiva a que pensa a si mesma e que insere nesse ato reflexivo o ser humano, que sujeito do prprio ato de pensar, que se interroga, se questiona para conhecer melhor a si mesmo. Assim tambm, deve ser o procedimento da organizao escolar para transformar-se em instituio autnoma responsvel, autonomizante, responsvel e educadora. Pensar-se no presente para projetar-se no futuro. Enfrentar os problemas atuais, na direo da melhoria da qualidade da educao praticada no seu interior. Quem pratica educao nessa instituio? Todos os seus membros so responsveis pela ao que a se executa e pela aprendizagem que a se processa.Todos os seus atores, sujeitos do processo, devem assumi-la enquanto instituio educativa que tem um caminho a percorrer para atender s demandas da realidade social. O contexto atual exige o envolvimento de todos na constituio do clima da escola, na definio e realizao de seu projeto, na avaliao da sua qualidade educativa, no permitindo a ningum, eximir-se da ao. A amplitude e complexidade desse clima organizacional congregam diversidade de pessoal, integram espaos de liberdade. As situaes emergentes devem ser enfrentadas de modo dialogante e conceitualizador de forma que se busque compreender antes de agir. Os participantes desse processo no devem ser meros cumpridores, repetidores e executores de ordens. Devem ser incentivados e mobilizados para a participao consciente, a co-construo, o dilogo, a iniciativa, a experimentao. Pensamento e prtica reflexiva so argumentos inerentes escola flexvel, resiliente, desburocratizadora, que permite a participao de suas comunidades, interna e externa. Como organismo vivo, inserido em um ambiente prprio, tambm aprende e se desenvolve em interao com os seus difeInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 27 - 35 jan./jun. 2002

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rentes. Estar aberta para todos, question-los e agir sobre eles, so atributos essenciais para possibilitar o seu sucesso, enquanto organizao que educa para e no exerccio da cidadania. A escola reflexiva o espao propcio para aflorar o desenvolvimento da governana democrtica, como sugere Quaglio (2001). Onde se instaura a comunicao dialgica problematizadora, na construo das polticas educacionais. O dilogo e a reflexo, segundo o autor, permitem a reconstruo dos passos dados na elaborao do saber cientfico, tcnico, e o desenvolvimento de posturas crticas, reflexivas, das quais resulta a percepo de que o conjunto do saber inovador se encontra na interao dos elementos envolvidos no processo, os quais no podem estar alijados de seus direitos de ampla e efetiva participao. Romper com o processo de alienao a que os sujeitos so submetidos, para, conseqentemente, romper com o paradigma vigente, hegemnico, dominador. Possibilitar na ao democratizadora e reflexiva, a interao dos diferentes atores construtores da nova governabilidade, o que defende Quaglio (2001).

O protagonismo dos atores sociais: os sujeitos reflexivosConsiderando-se que, por mais avano tecnolgico exista nesse sculo, as pessoas ainda so e sero essenciais na organizao da escola, e a sua ausncia leva ao comprometimento das relaes sociais, elas tm que se assumir como protagonistas da ao: alunos, professores, diretores, funcionrios, pais, comunidade, supervisores, coordenadores, todos tm um papel a ser desempenhado, e dele no podem abdicar. Nesse cenrio o professor, ator social, tem papel imprescindvel na poltica educativa, pois ele no passa to somente pela escola, como seus alunos, ou outros demais, mas acompanha o desenvolvimento da instituio. necessrio que assuma a prpria profissionalidade, o seu poder e responsabilidade, individual e coletivamente; assuma a transcendncia da profisso, que extrapola as diversas dimenses da sala de aula, num cruzamento de interaes poltico-administrativo-curricular-pedaggicas. Dentre os diversos profissionais que interagem na escola, cujas atividaInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 28 - 35 jan./jun. 2002

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des implicam um conjunto de atos que envolvem seres humanos, num contexto que exige nova racionalidade nas aes, de forma dialgica, interativa e reflexiva, destaca-se a figura do coordenador pedaggico, que atua numa concepo de superviso que se afasta das questes referentes aos aspectos administrativos. Quais os traos e a formao que constituem o perfil desse profissional? Como se posiciona frente concepo de professor reflexivo, do ponto de vista de Dewey2, segundo o qual, este profissional coloca-se no nvel de formador, professor e agente do desenvolvimento autonomizante dos seus pares e, para tanto, deve ser o detentor de trs atitudes bsicas: abertura de esprito, responsabilidade e entusiasmo? Como interage com a realidade; quais so as implicaes de sua atuao ao nvel tcnico, prtico, crtico e emancipatrio? A formao do profissional docente tem sido questionada por Schn3, que critica o paradigma atual da educao profissional, fundado em parmetros de racionalidade tcnica. Tal modelo no possibilita a formao reflexiva para o enfrentamento de novas e diferentes situaes da vida real. Assim, h uma crise de confiana nos profissionais por parte da sociedade atual, contribuindo para isso a dicotomia existente entre o aprendizado e a vida real. Para o autor em questo, atrelada competncia tcnica, est a competncia artstica, traduzida em profissionalismo eficiente, um saber-fazer permeado pela sensibilidade que permite agir no indeterminado, atravs do conhecimento tcito, inerente e simultneo s suas aes, que completa o conhecimento tcnico e cientfico. A esse processo denomina conhecimento na ao ou reflexo na ao, numa perspectiva de auto-observao descrita de forma dinmica, que permite reformular a prpria ao. Acrescente-se ao processo a reflexo sobre a ao, no percurso da prpria ao, sem a interrupo desta, com breves distanciamentos para a sua reformulao, espcie de conversao com a situao que se apresenta. Tais momentos nem sempre so distintos e so completados pela reflexo sobre a reflexo na ao que leva o profissional a progredir no seu desenvolvimento e a construir a sua forma de conhecer. Possibilita vislumbrar situaes futuras e as possibilidades de solues. Sair do modelo da racionalidade tcnica, que est na base das atuaisO autor citado estudado por ALARCO, I. (org.) Formao reflexiva de professores: estratgias de superviso. Porto: Porto Editora, 1996. (41-61). SCHN estudado por ALARCO, I. (org.) Formao reflexiva de professores: estratgias de superviso. Porto: Porto Editora, 1996. (9-40).3 2

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crises das profisses, para imergir no modelo reflexivo o grande desafio do novo contexto.A sala de aula o centro de reflexo onde ocorrem os fenmenos educativos que devem ser submetidos anlise. Como, ento, poder o coordenador pedaggico atuar nesse processo, contribuindo eficazmente para a ao em que o professor o ator principal? O papel desse profissional no efetivo contato com o mundo da prtica de suma importncia: o de ajudar o professor a melhorar a sua ao, facilitar o processo de reflexo atravs da identificao dos problemas, planejando o coletivo de estratgias de resoluo, encorajando e valorizando tentativas, e incentivando o erro e a reflexo sobre ele. Enfim, o que Schn conceitua como prtica reflexiva, que valoriza experincias, convices, valores e os diferentes saberes de seus atores, e, inevitavelmente, dever levar emancipao dos envolvidos: alunos e professores. Quem, contudo, efetivamente ajudar o coordenador a desempenhar o seu papel, a ampliar os espaos de atuao, a criar novas formas de enfrentamento de situaes do cotidiano, de forma que sua ao atinja todos os atores sociais da escola, inclusive o aluno, sujeito do processo educativo? Para que a escola perca a sua pecha de arrogncia, de pedantismo, de empfia exclusiva e discriminatria, para tornar-se inclusiva, tornando os seus sujeitos histricos e participativos, o coordenador pedaggico dever ter o apoio inconteste da ao integrada do supervisor de ensino, seu parceiro poltico-pedaggico, do professor e por extenso, do aluno, o que exige reinaugurar a sua ao, como afirma Medina (2000), numa anlise crtica, histrica, poltica, que se conclui pelo exame da concepo e da construo da cidadania e da democracia, completa Silva Jr.( 2000 ). Ao refletir sobre o cotidiano da superviso na escola, Fernandes (2000) constata que as relaes entre os diversos segmentos ocorrem atravs da capacitao, via de regra hierarquizada, descontextualizada, desconsiderando as reais necessidades do cotidiano escolar e dos sujeitos do processo e, conseqentemente, no atende s expectativas existentes. O desenvolvimento de uma prxis que eduque para a autonomia, de forma que a reflexo faa parte do cotidiano de seus atores, desde a sua formao inicial, no aprender fazendo, atravs da educao continuada, observando seu carter holstico, participativo, desescolarizador e ecolgico, segundo Dewey, permitir alcanar o paradigma que ora se coloca e a auto-educao para uma autonomizao progressiva dos seus envolvidos. Contudo, muitos problemas se colocam efetivao de uma prxis reInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 30 - 35 jan./jun. 2002

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flexiva, segundo trabalho realizado por Fernandes (2001), ao analisar o cotidiano dos profissionais ligados superviso, aqui representados pelos coordenadores pedaggicos. A autora constatou que no contexto escolar realiza-se um trabalho em consonncia com a organizao burocrtica do sistema, que condiciona a ao dos profissionais da escola e das pessoas s determinaes centrais, sem que se questione o contedo dos temas, reproduzindo-os de forma acrtica e passiva. As relaes pessoais e interpessoais so conflituosas, pois o coordenador ao mesmo tempo professor que tem um conhecimento, uma prtica que no pode ser negada e liga-se ao diretor numa assessoria tcnico-administrativa, assumindo de forma autoritria, o papel de reprodutor das decises superiores. O antagonismo emerge nos diferentes nveis: com a superviso, com a direo, com o corpo docente, em funo do desconhecimento de seu prprio papel, da falta de clareza dos objetivos que persegue, da precria condio de trabalho, da dependncia e subservincia ao sistema. Este se torna a finalidade, justificada pelo frenesi de atividades que impede a reflexo no desempenho de funes burocrticas. A situao de fragilidade em que se encontra, traz implicitamente a submisso s determinaes e s expectativas do sistema, em nvel local e central. No que se refere capacitao, a falta de reflexo sobre a prtica impede a definio precisa do seu sentido e da sua finalidade. As decises e aes ocorrem sempre em nvel hierarquicamente superior e tm como pano de fundo o pressuposto da incompetncia dos elementos dos nveis inferiores. Aceitase e reproduz-se inquestionvel e acriticamente os temas propostos, sem priorizar a especificidade da tarefa educativa e do trabalho desenvolvido na escola. A total desvalorizao do saber e da prtica, da reflexo sobre o cotidiano de sua ao, levam ao imobilismo e dependncia. As tomadas de decises so unilaterais, no compartilhadas, apenas anunciadas, comunicadas. As capacitaes ocorrem em servio e so, segundo a autora, um engodo, pois so fora da atuao e da realidade docente. Os supervisores de ensino no tm um que e um como ensinar o coordenador, que por sua vez, no possui um contedo e metodologia para tratar com o professor. Rangel (2000) considera o supervisor aquele que o detentor da viso sobre, e, como tal, deve ser o estimulador de oportunidade de discusso coletiva, crtica e contextualizada do trabalho. Tal papel est vinculado ao movimento de emancipao social para a superao da dependncia, condio e qualidade essencial de ser e estar educador.InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 31 - 35 jan./jun. 2002

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A reviso dos papis, a conscincia dos propsitos das aes, no pode instalar-se apenas no nvel do discurso, mas na prtica, rompendo com as dicotomias existentes, permitindo a desmistificao de verdades instauradas. Desse processo no se exclui qualquer sujeito atuante, pois todos esto comprometidos com a ao educativa. Portanto, no admissvel abdicar de papis ou delegar responsabilidades. Fernandes sugere que os supervisores de ensino, ao propor capacitao em servio do coordenador, precisam consider-lo sujeito do processo de construo de sua identidade, e estar com ele em situaes reais do cotidiano da escola, em vez de definir caractersticas, traar perfis e formas de atuao. A autora prope ainda que sejam rompidas as relaes verticais existentes, e estabelecidas relaes horizontais, onde o supervisor deve buscar caminhos, transform-los num saber-fazer-bem, de forma que essa ao, assumida, incorporada pelo coordenador, chegue sala de aula e promova o questionamento das diferentes atuaes, dos contedos e meios utilizados, atingindo o aluno, que se quer tambm sujeito reflexivo, flexvel e resiliente4. A ruptura dialtica com a prtica existente condio essencial para a instalao de novas posturas e assuno efetiva de papis, em que o supervisor, compromissado com as mudanas, tenha um olhar voltado para os fins da educao, para a qualidade do ensino a ser oferecido populao, faa uso dos discursos, reinterpretando-os, dos espaos institudos, redefinindo-os e revertendo o fluxo do sistema a servio da escola. A necessidade, portanto, de redefinir papis no exclusiva dos coordenadores, mas estende-se aos supervisores, abdicando da condio de tarefeiros e assumindo a sua funo social. A construo do paradigma emancipatrio mediada por um processo terico prtico, rompendo com os paradigmas tradicionais ao envolver a construo dos sujeitos intersubjetivos e interativos, instaurando-se, segundo Medeiros (2000), a lgica comunicativa, privilegiando a relao sujeito-sujeito, retomando-se a dimenso da liberdade, de construo democrtica e processualstica, os espaos de cidadania, do coletivo, o que possibilita avanar em direo da educao libertadora e emancipatria.

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O conceito de resilincia apresentado por TAVARES, J. Relaes interpessoais da pesquisa em uma escola reflexiva. IN: ALARCO, I. Escola reflexiva e a nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001, e significa: reslio, do verbo latino re+ salio, saltar para trs, e est ligado capacidade de elasticidade e flexibilidade dos materiais, das pessoas e das organizaes.

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Consideraes finaisEm tempos em que hegemonias so questionadas e colocadas prova, no se pode deixar de concordar com Alarco e Quaglio: tempo de ser reflexivo. escola, o grande agente formador, cabe resgatar o seu papel de centro educador primordial, preparando cidados para o enfrentamento dos problemas do cotidiano. Neste papel formador no basta ensinar; preciso, sobretudo, facilitar a aprendizagem, ajudando a aprender a pensar, o que inclui fortes componentes de reflexo, a partir de prticas reais, que passa por uma educao para a reflexo, problematizando a prtica, pesquisando as solues lgicas para os problemas que importa resolver, usando conhecimentos, mas tambm intuio, emoo e paixo. A interao com o cotidiano permite aprender a pensar numa perspectiva dialtica, integrando anlise e sntese. Esse processo culmina com a autonomia progressiva dos sujeitos envolvidos, pois o questionamento e a anlise crtica possibilitam o desenvolvimento de capacidades cognitivas, envolvendo conceitos cientficos, tcnicos, morais e ticos. A construo do novo paradigma reflexivo exige, pois, uma nova racionalidade social, mais humana, tica, moral, solidria, questionadora, que s ser concretizada com o envolvimento e comprometimento de todos os seus atores: professores, coordenadores, diretores, supervisores, alunos, pais. Sair do estgio da indiferena para o da plena e consciente assuno de papis e responsabilidades demanda processo reflexivo atravs de conhecimento contnuo, do aprender a fazer fazendo, do refletir luz do que j se sabe com vistas ao renovada. Enfim, o processo de ao-reflexo-ao, o que Paulo Freire define como necessrio para constituir a competncia profissional dotada de pensamento reflexivo e autnomo. Nesse contexto, o coordenador-pedaggico, ressignificar a sua ao, reconceituando o seu papel, redefinindo a sua meta, inserindo-se concretamente numa prxis, onde se faz necessrio conhecer a natureza do seu trabalho. Rangel (2000) contribui nesse aspecto, ao defender a idia de que coordenar e orientar aes no mbito pedaggico implica criar e estimular oportunidade de organizao comum e de integrao do trabalho em todas as suas etapas, de estudos coletivos, para anlise da prtica cotidiana e em seus fundamentos tericos. A escola reflexiva, por sua vez, estimular seus atores no processo de reflexo, como define Paulo Freire, um que-fazer exigente em cujo processoInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 33 - 35 jan./jun. 2002

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A Escola Reflexiva: rompendo com os paradigmas ultrapassados

se d uma sucesso de dor, de prazer, de sensao de vitrias, de derrotas, de dvidas e de alegria. Pensando a si mesma, questionando a si mesma, a razo da sua existncia, para possibilitar a construo da sua identidade como organizao aprendente, onde todos os seus sujeitos tm vez, voz e vida. Para Alarco (2001), o desenvolvimento de uma cultura de pensar a si prpria requer a realizao de momentos processuais coletivos de avaliao e formao dos sujeitos envolvidos no processo educacional, no qual se constri a reflexo sobre a prtica na escola, com a conseqente construo de conhecimento sobre ela prpria, em permanente dinmica interativa entre a ao convergente, formando-se a conscincia coletiva.

ABSTRACT This article describes the process of teachers formation as well as other professionals of education, for the use of technology in teaching and learning situations, applied for NRTE of Andradina, an organ wich is located in the west of So Paulo State, and that acts in the diffusion of new technologies in education, as strategy of PROINFO program, in development by MEC. The teachers formation adopted by the members of the Nucleous has, in its base, the critical reflection about the use of computers in the school, its pedagogic possibilities, its ways and its limitations to study the adopted strategies by the responsible organs for the new politics in education, in order to discuss with teachers wich are the bases of new technologies, its orientations and pedagogic references for a new practice, discussing about the developed experiences at the beginning of training process, wich took place between 1998 and 1999, detaching the participants discussion about the relationship between theory and practice, and also the pedagogic reflection about the use of Information and Communication Technologies - ICT. KEYWORDS Formation; reflexion; technology

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ALARCO, I. (org.) Formao reflexiva de professores: estratgias de superviso. Porto: Porto Editora, 1996.InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 34 - 35 jan./jun. 2002

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Formao de Professores no NRTE Andradina: uma ao reflexiva para aplicao de informtica na Educao BsicaElsio Vieira de FariaDoutorando em Educao - UNESP/Marlia Professor de Educao Bsica em So Jos do Rio Preto-SP Professor de Informtica e Educao, Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Mdio - FAIMI/Mirassol

RESUMO A crise atual das sociedades, bem como dos sistemas de ensino, sugerem a necessidade de uma nova postura frente ao contexto neste sculo que se inicia. Com o rompimento de paradigmas hegemnicos existentes, evidencia-se a construo de um outro paradigma mais humano, mais solidrio, preocupado com as questes sociais. Nesse contexto, a escola reflexiva e seus atores, tambm sujeitos reflexivos, tm papis importantes, que devem ser ressignificados para que sejam efetivamente desempenhados, contribuindo assim para com o rompimento do paradigma vigente e sua conseqente substituio. PALAVRAS-CHAVE Reflexo; paradigma; racionalidade

IntroduoPensar e discutir propostas de formao docente no cenrio das novas Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) e de que modo essa formao responder na prtica escolar um desafio com velocidade similar entrada daquelas neste cotidiano.InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 36 - 50 jan./jun. 2002

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A formao de profissionais da educao se apresenta com destaque no centro das questes que envolvem o processo ensino-aprendizagem, por considerar a qualidade do trabalho escolar, os novos papis do professor e a possibilidade de repensar a escola por meio de prticas inovadoras. Diante dos desafios da sociedade do conhecimento, a formao docente, mais do que nunca, se torna alvo de debates, posto que a prtica do professor na sociedade globalizada passa a exigir revises ou estudos de novos procedimentos que, no desqualificando o fazer do educador, o habilitem a transitar por esse espao de produo de saberes com os olhos postos na autonomia de seu aluno, dotando-o de competncias e habilidades conclamadas por essa sociedade da informao. Nesse ir e vir, preciso pensar e atuar na formao do professor como um ser reflexivo nos desafios de sua profisso, por deparar-se com situaes inusitadas, incertas, em cenrio de mudanas velozes, em que acabam interferindo discursos e prticas arraigadas no contexto pedaggico. Dessa maneira, evidencia-se que a nica certeza que se tem a de formar o professor para refletir sobre sua prtica e ao que a ela subjaz. Alarco (1996), em estudos sobre formao de professores, com base no pensamento de Schn, discute a necessidade de uma reflexo na ao e sobre a ao, com vistas a levar o profissional ao progressivo desenvolvimento na construo de uma forma de conhecer. Desse modo, a autora tributa ao formador o papel de facilitar a aprendizagem, o que vem exigir um conhecimento situado na ao, ou seja, um conhecimento holstico, criativo, adotando estratgias que privilegiem a experimentao em conjunto, a demonstrao acompanhada de reflexo e a anlise de situaes homolgicas. Com efeito, uma formao pautada na experimentao crtica do fazer e apropriao deste conhecimento possibilita que o professor articule a somatria de novas informaes, permitindo que este fazer se d pela integrao dos conceitos do estudar, do refletir e do ser autnomo, o que pode levar ao fortalecimento da prtica educativa. Quando abordamos o conceito de autonomia, estamos nos reportando capacidade de tomada de decises conscientes que distanciam os profissionais que se expressam frente ao fazer reflexivo, e podem, assim, negar as receitas, os pacotes, os modelos que, muitas vezes, em nome da Qualidade na Educao, vm prontos dos rgos de Coordenao ou Superviso, tolhendo o fazer refletido pelo professor frente ao desafio da prtica inovadora de mudana no seu cotidiano.InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 37 - 50 jan./jun. 2002

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Essa mudana um repensar da ao para torn-la consciente, coerente, justa, efetiva, fruto de olhares desafiantes que so lanados prtica educativa comprometida com os sujeitos para dar-lhes significados, ressignificando o fazer docente, o que um exerccio de perseverana, fruto de aes tambm coletivas e da cooperao com o ambiente escolar para alterao de prticas, mediante crtica sistemtica da prpria prtica, ao que tomamos por base o pensamento de Further (1976, p. 29):Se assim for, a reflexo no s uma distncia que tomo para com o cotidiano, mas a distncia necessria para poder mudar minha ao. Refletir no alienar-me, mas distinguir-me para melhor tornar-me sujeito do que fao. Esta dupla relao (da ao antecipar a reflexo, de maneira a dar reflexo a sua matria, e da reflexo ser necessria para dar ao uma significao plena) o motor da dialtica. um pensar na ao.

O Processo de formao e a busca da reflexoA presena das novas tecnologias na escola um dos sinalizadores dos novos tempos no cenrio da educao, que, por sua vez, podem contribuir para alterar prticas e procedimentos quando se tem o compromisso de propor projetos pedaggicos, criar ambientes de aprendizagem pela utilizao de recursos miditicos no processo de ensinar e aprender. Neste cenrio de reformas e inovaes curriculares, o professor, em busca da reflexo de prticas, deve exercitar sua autonomia e indagar sobre o papel dessas novas tecnologias, a destinao e o que subjaz essa nova forma de ensinar e de aprender, de que forma o computador se alia com o trabalho educativo de modo a contribuir e enriquecer os processos, como o trabalho pode ser efetivado no contexto escolar, o que preciso conhecer mais e como construir buscando novos resultados. Esse fazer crtico permite estabelecer uma aproximao entre o papel da escola em cenrios de incluso social, principalmente como respostas s grandes e desiguais oportunidades que marcam a sociedade brasileira com seus registros de excluso em tempos de globalizao. Neste contexto, ingressar nos caminhos da mudana com um trajeto a ser traado por quem efetivamente faz reformas e pode promover a cidadania pela ao crtica: o trabalho mpar do professor, frente a seu compromisso poltico e tcnico.InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 38 - 50 jan./jun. 2002

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Ao trabalho com computadores na escola, Freire (1984) j dizia que, sendo homem de seu tempo, concordava com o uso, porm questionava e inseria nesta ordem o compromisso poltico do professor em questionar tambm o est por trs do manuseio, a quem e a servio de qu est o computador. Somente com a efetiva participao do professor e de seu constante exerccio reflexivo diante de reformas e inovaes que se processam em educao, ser possvel quebrar ou rever conceitos que bloqueiam a participao docente nas tomadas de decises, como o que coloca Arroyo (1999, p. 154):Quando os professores iniciam dialogando sobre suas prticas, no tanto sobre suas rotinas, podem ir avanando e descobrindo juntos que constantemente tomam decises, fazem escolhas e que nesses procedimentos h valores que fundamentam as escolhas, h razes que guiam as decises. H um pensamento presente no livre jogo da criatividade do professor. nesse terreno tico, do pensamento, dos valores, das escolhas, da prtica, que se situa a inovao educativa. Quando se acredita nesse terreno e se o respeita, quando se consegue uma dinmica coletiva nesse cerne da ao educativa, a inovao acontece. o que mostram as experincias que estamos acompanhando. No momento em que se pretende dirigir a inovao por portarias, inibe-se o processo inovador. Os gestores tm medo de acreditar nessa dinmica coletiva e de respeit-la, o que os leva a tentar control-la, normaliz-la, a cuidar da ordeira implementao das polticas inovadoras. Logo criam equipes de especialistas que acompanhem e avaliem essas experincias inovadoras.

A partir da institucionalizao do PROINFO Programa Nacional de Informtica na Educao, pelo MEC, foram criados os NTE Ncleos de Tecnologia Educacional em todos os Estados da Federao, cujo papel o de capacitar professores e tcnicos, fornecendo suporte tcnico-pedaggico a escolas de sua rea de abrangncia. O NRTE Andradina, responsvel pelo trabalho com a informatizao das escolas na regio de sua Diretoria de Ensino, possibilita, atualmente, a formao de professores das regies de Araatuba e Andradina. Iniciou o seu trabalho em 1998, tendo como alvo investir na formao docente, ao mesmo tempo em que difundia o papel do computador na prtica pedaggica, por meio de uma proposta de refletividade crtica sobre a prtica. A formao adotada privilegiou a prpria escola como locus adequado na formao, ou seja, no cotidiano do professor em aprender, desaprender e reaprender, com reflexes conforme trata Candau (2000). Nesta ordem, a entrada dos computadores na escola significou um espao para discusses sobre a formao docente e a forma como essa escola,InterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 39 - 50 jan./jun. 2002

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com sua identidade, sua marca, pudesse incorporar, da melhor forma possvel, um novo fazer, adotando-se a postura de escola reflexiva frente aos novos paradigmas educacionais. Era preciso, antes dos processos de formao docente para o uso de novas tecnologias, uma reflexo sobre seu uso, em que contexto, com que propostas, com que objetivos, e, ainda, inserir o novo equipamento no tambm novo exerccio: o de construir a proposta pedaggica da escola. A partir dessas reflexes iniciais, e sabedores das discusses que se travaram nas escolas da rea de abrangncia do NRTE Andradina quanto necessidade de adotar um novo pensamento pedaggico, a equipe elaborou o projeto de formao docente, com base nas expectativas dos professores, diretores e coordenadores, com base em estudos tericos sobre a aprender por projetos, criao de ambientes de aprendizagem, a linguagem de programao, privilegiando a construo do conhecimento, a partir das contribuies de Papert1, em seus estudos sobre Piaget, Dewey, dentre outros. No final de 1998, e durante 1999, a equipe de multiplicadores2 do NRTE teve por ao o desafio de fazer acontecer um questionamento sobre o computador na escola, registrando ao longo do perodo mais de mil professores contemplados no processo de formao. Estes profissionais, de diferentes escolas, atuam no ensino fundamental e mdio, nas modalidades de ensino regular e de Educao de Jovens e Adultos (EJA). Como duplo desafio, ento, a proposta inicial de desmistificar o computador na escola e, em segundo lugar, o direcionamento da formao docente assentada num processo de reflexo sobre esse novo equipamento no cotidiano escolar, seu papel, pressupostos, dvidas, ansiedades, sempre a partir de um texto3 subsidirio contextualizao pedaggica. De maneira geral, nessas discusses o grupo se dividia, parte optando por um olhar benfazejo, outra demonstrando uma viso expectante sobre as possibilidades de o equipamento vir a substituir o professor, apresentando temores tambm quanto insegurana no domnio de conhecimentos e habilidades tcnicas sobre o computador.1

Seymour Papert desenvolveu uma linguagem de educao que possibilita falar nos processos intelectuais com as crianas: a linguagem LOGO, por meio da qual a criana age sobre o mundo exterior a partir de seu prprio modelo de pensamento. BOUSSUET, G. O computador na escola: o sistema Logo. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1985, p. 41. 2 Refere-se ao tratamento que o PROINFO atribui aos professores que so responsveis pelo trabalho do NTE, que a SEE de So Paulo, adota como denominao ATP Assistente Tcnico Pedaggico. 3 Refere-se ao texto Laboratrio de Computador: uma m idia, atualmente santificada, de Gabriel Salomon, envolvendo uma metfora entre o lpis e o computador.

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O programa de formao docente pautou-se pela fundamentao terico-prtica para a utilizao das novas tecnologias, tomando como referncia as pesquisas realizadas pelas Universidades que assessoram o PROINFO, no sentido de alinhavar a discusso sobre o papel docente, as inovaes tecnolgicas em educao, suas possibilidades e limites, luz das novas orientaes e polticas pblicas educacionais, tendo por suporte concepes fundamentadoras, conforme Sampaio & Leite (2000, p. 19):(...) procurando cumprir sua responsabilidade social, a escola precisa contar com professores capazes de captar, entender e utilizar na educao as novas linguagens dos meios de comunicao eletrnicos e das tecnologias, que cada vez mais se tornam parte ativa da construo das estruturas de pensamento de sues alunos. O professor, sintonizado com a rapidez desta sociedade tecnolgica e comprometido com o crescimento e a formao de seu aluno, precisar alm de capacidade de anlise crtica da sociedade de competncias tcnicas que o ajudem a compreender e organizar a lgica construda pelo aluno mediante sua vivncia no mundo social...

A partir da constatao da necessidade de problematizar as abordagens do computador em educao, a fim de buscar uma formao docente reflexiva, a ao do Ncleo se fortalecia, sinalizando que o caminho da preparao estava no alvo correto, ao que consideramos o que cita Prado (1999, p. 4):(...) o papel do professor fundamental, pois na sua ao que as idias, os princpios construcionistas se materializam. Portanto, preciso investir na formao do professor, propiciando o desenvolvimento de sua capacidade crtica, reflexiva e criativa. Dessa forma, no basta o professor aprender operacionalizar o computador, isto , saber ligar e colocar um software para o aluno usar. O Professor precisa vivenciar e compreender as implicaes educacionais envolvidas nas diferentes formas de utilizar o computador, a fim de poder propiciar um ambiente de aprendizagem criativo e reflexivo para o aluno.

O professor foi considerando, tambm, nesse processo de formao, como sujeito que apropria e que constri o conhecimento, tendo sido estimulado a criticar, observar, estabelecer relaes sobre a introduo da nova tecnologia na escola, a exemplo das muitas consideraes sobre o aluno que se quer crtico, reflexivo, participativo. Aprender sobre aplicativos do ambiente Windows, por exemplo, o Paint, o Word ou o PowerPoint, se deu com base na interao com o objeto por meio da construo ativa do conhecimento. A cada programao seguia-se a anliseInterAtividade Andradina-SP v.2 n.1 p. 41 - 50 jan./jun. 2002

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e apreciao crtica de como o referencial programado teria sua aplicao na ao docente. Da anlise docente podem ser extradas algumas reflexes significativas que podem orientar novas prticas:s vezes, nas aulas de artstica, a escola coloca para fora o aluno que no trouxe ou no tem lpis colorido ou pincis. Esse fato, diante dos recursos de cores do Paint fica descartado, alm de ser muito mais atrativo ao aluno. (Depoimento de professor de Artes) A possibilidade de usar os micros da escola melhorou minha auto-estima; (apesar das dificuldades) eu posso trabalhar com o computador. (Avaliao de reao de professor) O sucesso do projeto vai depender da minha vontade de modificar a postura metodolgica e romper com a insegurana de usar a mquina. (Avaliao de reao de professor) O trabalho com texto literrio/musical, por exemplo, a potencializao de explorao e de interdisciplinaridade um bom exemplo de melhor construo do conhecimento, como a msica Aquarela. (Avaliao de reao de professor) Temos feito controle e acompanhamento manual de notas das atividades dos alunos, sem dispor de um sistema para isso. Hoje sei que posso fazer uma tabela simples e tambm lidar com elas e grficos que vo facilitar aprendizagens. (Depoimento de professor de Matemtica, em aula)

Esse processo de formao tambm privilegiou o trabalho por projetos. Sua base se deu a partir de reflexes tericas, estudos e debates sobre as abordagens tericas, visando uma nova possibilidade de construo do conhecimento com apoio do computador, conforme argumentam Almeida & Fonseca Jnior (1999, p.20):Implementar projetos significa oferecer a possibilidade de os alunos desenvolverem conhecimentos significativos para eles, que acabam aprendendo com o corpo todo porque entram por inteiro na grande aventura de descobrir, de inventar, tratando o conhecimento de modo integral e por inteiro. Aprender por projetos transformar o processo da aprendizagem em algo meritrio, que merece ser compartilhado, tornado pblico porque diz respeito ao pblico...

Nesta linha de abordagem foram discutidos e elaborados alguns projetos, em situao de laboratrio, os quais foram rediscutidos com as equipes tendo frutificado nas escolas. Um exemplo4 vem da prtica da EE D. Nomia4

Trata-se de depoimento utilizado pela Coordenadora Pedaggica em estudo de caso e explicitao de experincias com projetos escolares.

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D. Perotti, em Mirandpolis, que objetivava caracterizar o envolvimento da famlia frente s condies de aprendizagem dos alunos, fato que mobilizou a comunidade escolar e seus atores. A escola lanou mo de pesquisa, entrevistas com as famlias, por meio de coleta de dados em documento elaborado por professores, alunos e coordenao, tendo sido aplicado e elaborados grficos no computador para anlise estatstica. A partir dos dados coletados, tabulados e avaliados, por meio de relatrio especfico, passou-se ao oferecimento de palestras e reunies de sensibilizao com os pais, no sentido do resgate da aprendizagem de seus filhos, notadamente aqueles que apresentavam maior dificuldade, fortalecida pela distncia at ento registrada por aqueles pais. Na EE Alice Marques da Silva Rocha, que trabalha tipicamente com a modalidade EJA no perodo noturno, o projeto Valorizao da Sexta Noturna5, visou a recuperao da freqncia de alunos s sextas-feiras. Uma ao colegiada, que teve pleno envolvimento da coordenao, direo, alunos e pais. Naquele projeto, os alunos elaboravam uma programao diferente para as aulas, envolvendo as pesquisas de diferentes componentes curriculares nos computadores, realizao de conversas especficas pelas necessidades dos adolescentes, jovens e adultos, (que foram pesquisadas previamente), envolvendo orientao ao trabalho, discusso de aspectos relativos a DST-AIDS, violncia, dentre outros temas, capturados de informaes de livros, e mesmo da Internet, de modo a transformar a prtica de aulas na sexta-feira, as quais ocorriam at o horrio do intervalo e, aps ele, o desenvolvimento das atividades relatadas. Uma outra experincia de trabalho por projetos e de reflexo sobre a aplicao da informtica como ferramenta de libertao dos alunos das classes populares tem origem na ao desenvolvida pela EE Dom Lcio6, de Panorama, regio de Dracena, cuja ao envolveu parte dos professores e a totalidade dos alunos, sendo que 99 deles atuaram como monitores, realizando atividades de orientao em perodo diverso, no exerccio de democratizao do que era novo na unidade escolar: o computador, os softwares e suas possibilidades em educao. O resultado desses trabalhos fortalecia nossas crenas e, assim, as experincias de cada comunidade escolar, com suas marcas e identidade, passa5 Essa referncia tambm objeto de depoimento da Professora Coordenadora Pedaggica, quando de discusso sobre projetos em ao de capacitao docente. 6 Esse assunto foi alvo de pesquisa de campo e consta da dissertao de mestrado do autor, conforme bibliografia citada neste artigo.

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vam a ser referncias como casos a serem discutidos em nossas atividades de formao, visando as melhorias nas condies do processo ensino-aprendizagem de nossos alunos, por considerar que o professor , na empreitada da transformao de prticas, o grande agente desencadeador de mudanas no contexto escolar, como comenta Sette (1999, p. 15):Para se alcanarem mudanas efetivas no processo ensino-aprendizagem, essencial que o professor de sala de aula participe efetivamente da idealizao e da implementao dessas mudanas. preciso, ainda, que haja a compreenso, por parte desse professor e dos demais envolvidos, que o processo educacional no comea apenas em sua sala, mas tambm e principalmente em espaos alternativos. Alguns desses espaos j vm sendo utilizados, sob vrias denominaes: aula-passeio, excurses pedaggicas, pesquisa de campo, trabalho/pesquisa em bibliotecas, sesso de v