revista filosófica de coimbra publicação semestral · amândio coxito-génese e conhecimento dos...

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Revista Filosófica de Coimbra Publicação semestral Vol. 12 N.° 24 Outubro de 2003 Artigos Miguel Baptista Pereira - A Hermenêutica da Condição Humana de Paul Ricoeur ............................................................................ 235 Amândio Coxito - Génese e Conhecimento dos Primeiros Princí- pios. Uni Confronto do Curso Conimbricense com Aristóteles e S. Tomás ..................................................................................... 279 Mário Santiago de Carvalho - Ontologia da condição Feminina em Bernardo de Claraval .................................................................... 305 Marie-Louise Mallet - La Raison du Plus Fort ................................ 329 Luis Arenas - Metacrítica de Ia razón pura . El Kant de Adorno 371 Estudos José Reis - O tempo em Husserl ..................................................... 399 Luiz Alberto Cerqueira - O Sentido Interno do Tempo no Pensa- mento Brasileiro : Farias Brito .................................................... 491 Recensões ............................................................................................ 499

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Revista Filosófica de Coimbra

Publicação semestral

Vol. 12 • N.° 24 • Outubro de 2003

Artigos

Miguel Baptista Pereira - A Hermenêutica da Condição Humanade Paul Ricoeur ............................................................................ 235

Amândio Coxito - Génese e Conhecimento dos Primeiros Princí-pios. Uni Confronto do Curso Conimbricense com Aristótelese S. Tomás ..................................................................................... 279

Mário Santiago de Carvalho - Ontologia da condição Feminina emBernardo de Claraval .................................................................... 305

Marie-Louise Mallet - La Raison du Plus Fort ................................ 329

Luis Arenas - Metacrítica de Ia razón pura . El Kant de Adorno 371

Estudos

José Reis - O tempo em Husserl ..................................................... 399

Luiz Alberto Cerqueira - O Sentido Interno do Tempo no Pensa-

mento Brasileiro : Farias Brito .................................................... 491

Recensões ............................................................................................ 499

RECENSÕES

PATAR, Benoit , Dictionnaire Abrégé des Philosophes Médiévaux . Québec:Les Presses Philosophiques 2000 , 501 pp.

Destinado a dar a conhecer «ao grande público cultivado » o saber filosófico «de umdos mais brilhantes períodos da história da humanidade » ( p. 9) o presente instrumento detrabalho da autoria de B.Patar ( paleógrafo e codicólogo belga residente no Canadá,particularmente conhecido pelos seus trabalhos sobre Oresme, Alberto de Saxónia ouBuridano ) vem colmatar , como se costuma dizer , uma flagrante lacuna . Não se trata, pelanossa parte, de repetir um péssimo lugar-comum retórico : o leitor encontra - se de factoperante um oportuno, manuseável , rico e utilíssimo instrumento dividido em cinco secções(filósofos medievais , sábios medievais, autores da Antiguidade tardia, tradutores medievaise alguns autores espirituais e literários ) a que agrega os seguintes anexos : lista de papasmedievais ( sécs . IV-XV), dos reis de França e da Inglaterra , dos Imperadores alemães, dosconcílios ecuménicos , vocabulário ideológico e técnico, tábua onomástica e bibliografia(mas não há razão para omitir o Lexikon des Mittelalters ). É claro que a obra padece deum indesculpável europeiocentrismo (como é patente pelo referido triângulo geográficodos anexos e sobretudo pela bibliografia citada), mas a tendência é felizmente ultrapassadapela qualidade das mais de 360 entradas , bastante bem informadas , com todos os títuloslatinos traduzidos , e que têm a rara virtude de se lerem , na maior parte dos casos, comose de um dicionário se não tratasse , graças ao estilo tão sui generis do A. Ele não se coíbe,nalguns casos , em omitir opiniões valorativas muito pessoais , por vezes com humor ereconhecida ironia . Sobre cada autor de todas as cinco secções , o leitor terá, em princípio,informação não só sobre aspectos nucleares do seu pensar, como também a indicação da

obra feita , nomeadamente das edições e traduções existentes ( infelizmente centradas nofrancês e no inglês , o que o leva , v.g., a omitir a notável tradução portuguesa da obra

sermonária patavina por H. P. Rema, embora se mencionem versões em castelhano e em

polaco). Para facilitar a consulta deste utilíssimo volume, aconselha - se a constante remissão

para a exaustiva Tábua Onomástica dos autores citados ( pp. 487-97 ) em vez, e como por

regra sucede nos dicionários , da referência alfabética ( posto que há casos de autores que

esperaríamos encontrar numa secção e aparecem - nos noutra (Grosseteste é tratado em duas

secções ), mas sobre isto B . P. justificou - se de maneira quase convincente ( p. 13). Enfim,

estamos perante um excelente instrumento de trabalho para todo aquele que se inicia no

campo da filosofia medieval ocidental redigida por alguém que tem sobre grandes capítulos

do período filosófico em causa ( lógica , antropologia , metafísica, epistemologia e ética) uma

corajosa visão assaz pessoal e iconoclástica que vale a pena reproduzir ( p. 11): «Dans le

domaine de Ia logique , les médiévaux témoignent d'une invention et d'une audace

qu'oublieront singulièrement les siècles ultérieurs . En anthropologie , I'approche d'un

Revista Filosófica de Coimbra - o.° 24 (2003) pp. 499-504

500 Recl>l.i Filos(íllLa dc Culnlhra

Thomas d'Aquin ou duo Buridan transcende inlininunl cede. rcLltieenecnt pusillanunlc_

d'un Descartes ou d'un Kant . En métaph\siquc, les cuncepliuns d 1111 Duns 5 1. d 1111

Gersonide , voire d' un Jcan Scot Eriueene n'unt rien S enclci :1 cllc, d un 1lcldc_•_cr 'u

duo Sartre . En épistémologic , Ics ideies ncuves d'un Ockhann, dun (r.nh^irn. d un Ah^ I.u,l

rivalisent alsément avec ceife-., de I lussci l ci dcs phelll,ll lie ll,^1,1L'Itilì ,. 1'II ,'I ))tola 1111

Bradwardinc , un Buridan , un Thonws d'Aquin, un Nir'Ias de ('use nc donenl u, n .I I. li

successeurs contemporains (Rawies, Gaulhicr. Nuc.lk l L es ldcntc ,lu, „ 1 's ^ rnhlulh.ll„

I lnlsln.luanterior se impõe , tanto maus que, v.g., nu 1 ),rul,nn,llr, drs l'hi/'t '1^hr, dc 1)

(Paris 1993, 2" cd.), o iiiesllio silcedendo Il;l IIIIIIte,id,1 111, 1, 11h",'1'' I 1 rlll i,,i!

da P.U . P., já se registam entiadas sllbie n pclludu IllcdlcA'11 (hll,h tilll, ^, ,^^11111^ lunlsl0 nll

jainismo ) que felizmente extravasare as hahuu,llnicnlc Ilnllladas Ii,nllcll.l. ''1 ti ,

-culturais da latinidade sobretudo Sobrc este ponl,. I.lnlhclll s ala .1 1,, 11 1 1, 1 plc„ ul, „ ,111.

se vem dizendo ou já se disse sobre ais v:iri;ls idades iii di,ls 1 ^I,ll I^^ll, 1 1 )biela) AI.in,^

etc.). Mas não era exigível tudo a uni s„ autor .A clc_ancIa r 'nn lie I, , mala,, lol.lnl

escritas, evitando a monotonia de uni dicionaiio. u cnldiçãu patentrld.^. a sllllclcnlcnlcnl^

actualizada informação bibliográfica (como se disse, utsariasclnlentc dlsldlda cln

originais e traduzidas e em textos secundários) levam-nos a rec^nnetidau a consulta d,1 Vhl.l.

mesmo aos especialistas , e a desejar a sua versão em portucues lcmhor.1 a ser )citai —h a

direcção científica de um estudioso para evitar os habituais e irritantes erros dc tr,ldur^lo.

vulgaríssimos entre nós e no Brasil, mormente no sector da on(,mástica sd. o no- o /1 li,,

Temático -Bihliogrófico de Filoso¡ia Mcdieral (Lisboa 190 7 ) 1, 1 L clalro que ha vi 1h,ls

desnecessárias , sendo a mais frequente a irritante grafia '\11C1, ene sei dc 1\111, ^ I, 211 c

passim ). Há também omissões contestáveis (Celso, Onísio. Alartinho de Bia_a. An.lrc dc

São Victor , Tomás Gallus, João de Sevilha, Hugo Ripelino. Alhcric,i de Reines. .Ais alio Pals

(vd. os nossos Estudos sobre o autor , Lisboa: INCM1 2001 ), uni certo Farracut l p. 2''s I.

Gregório Palamas , Nicéforo Grégoras, Afonso Dinis de Lisboa (sohic este sd. 11,5511

estudo in Hwnanística e Teologia 20. 1999 e sobretudo os mais recentes etudos de (^.Stecl

e M. Geoffroy in Averroès , La Béatitude de l'ónie. Paris 21)01 ), Gonus de Lisho,t ou .Andic

do Prado (vd. o vol. 1 de História do Pe,tsa,nentu Filoci;Íi(,' Pnrnl;nri. Lisboa I,)r)tie

etc. De igual modo se notam inclusões arqueológicas (caso do inlg,) ,.douhle sente -.475) e induções erradas ao leitor por falta de informação (p. 2")4 e 2')5. Parasa.ia 1. nu

alguns poucos erros (atribuição do local de nascineento, s._. p. 1951. Scitt coneo for.

quaisquer deficiências , corrigíveis em futuras edições. >ão justil lcadamentc superadas pcl„valor intrínseco do trabalho de B.Pcuja erudição e notaiscl inu meação sn podem'- I,'usale

O leitor deve , enfim , preparar-se para ser surpreendido. multas se/es alem dal pnípiIa

filosofia ( leia-se o artigo « mathématiciens arabes et persans'. p. 3110), saber. s.e , quem

inventou o forceps ginecológico (p. 265): que a precisão no cálculo do ano solar ou aproposta heliocêntrica remontam ao século X (p. 267 e 268): a descoberta do szelor

anestésico do ópio (p. 278); a utilização da ca,nera obscura por Alhazen ip. 2901: etc. Para

terminar, apraz-nos referir que o Dicionário mostra conhecer alguns (poucos) trabalhos de

estudiosos portugueses, tais como J. M. da C. Pontes, M. Cândida Pacheco, h1" S. Ganho.

J. Ferreira , J. F. Meirinhos e uma edição do signatário.

,1liirio Ile Caria/h,'

Pp. 499-504 Reri.rr,, 111,"w11., ,lie ('nlrnhnl 11 .' 14 1 2uli:

Recensões 501

ARENDT, Hannah, O Conceito de Amor em Santo Agostinho. Ensaio deInterpretação Filosófica. Trad. do francês de A. P. Dinis; Lisboa:Instituto Piaget 1997 (Colecção Pensamento e Filosofia: 13), 189 pp.

A primeira surpresa a ferir, decerto, o leitor desta obra, que se insere numa fortíssimaprodução editorial do Instituto Piaget, é o facto de o original alemão (Der Liebesbegriffbei Augustin , 1929 sem qualquer reimpressão ) nos aparecer vertido a partir de uma versãofrancesa ( sem indicação bibliográfica; será a de Anne-Sophie Astrup, publicada em 1991?).Sem dúvida que este procedimento desprestigia a colecção e inexplicavelmente ensombraa impressionante produção do Instituto Piaget dirigido por A. de O. Cruz. Em qualquercaso, e apesar do que noutro local deixámos escrito a respeito das traduções (in J. Derrida,Cosmopolitas de todos os países, mais um esforço!, Coimbra 2001, p. 8-11) atrevemo-nosa conceder, por condicionalismos pragmáticos de ensino e divulgação e atendendo àconfrangedora ignorância linguística que grassa , ser preferível uma tradução inviesada anenhuma tradução . Mas não podemos deixar de lamentar uma tal prática que só julgávamospossível, há alguns anos atrás ( o primeiro Platão que lemos , no início da adolescência,era uma versão do francês ), no âmbito comercial das Publicações Europa-América. Emqualquer caso , ao adoptar este expediente , o Instituto Piaget escolhe deliberadarnente oseu lado, o qual não será, portanto , o da objectividade e rigor, mas o da divulgação.Ultrapassando , pois, este pecado , resta-nos apreciar e contextualizar o aparecimento, emportuguês , 66 anos após a sua publicação , do trabalho de doutoramento (Doktor-dissertation ) daquela que virá a ser indiscutivelmente uma das mais importantes filósofasdo século XX, Hannah Arendt (1906-1975 ) cujo percurso intelectual, retrospectivamente

avaliado, dificilmente nos diria ser possível um interesse juvenil pelo tensa do amor e maisainda por Agostinho de Hipona (354-430). Parecendo ignorar o célebre estudo de P. Rous-

selot (Pour l ' histoire du problème de l'amour au Mo),en Age , Münster 1908 ), O Conceito

de Amor em Santo Agostinho é um marco mais que deve ser lido no interior de uma série

temática e epocal que terá depressa continuidade nos não menos célebres estudos de A.

Nygren (Deu kristina kãrlekstauben derom tiderna. Eros und Agape, Stockholm 1936-38)

e de D . de Rougemont (L'Amour et l'Occident, Paris 1939). Expliquêmo - nos, pois vale a

pena, e apesar de não sermos especialista no pensamento de H.A, contestar aquela

impressão superficial. A verdade é que como tese de doutoramento a sua autora não só

não escolheu um tema ao acaso como apresentou um trabalho académico raro porque

composto sob o signo da paixão e do amor ao seu mestre de Marburgo , Martin Heidegger.

Uma comovente homenagem de amor de uma aluna ao seu professor . Gesto tão raro e

pungente, esta associação paradigmática de amor e ciência . De facto, o leitor português

destas quase duzentas páginas de estudo erudito não pode deixar de ter presente no seu

espírito que entre 1923 e 1926 Heidegger viveu «a paixão da sua vida » com H.A., dies

nun einmal die Passion seines Lebens gewesen sei conforme declarava a própria vinte anos

depois (vd. Young-Bruehl, Hannah Arendt, For Love of the World, Londres 1984, 247).

Independentemente de virmos a saber o que nos há-de revelar a consulta das cartas e

poemas dessa relação amorosa tão particular ( mas quem não se lembra dos paralelos

Abelardo e Heloísa ou Sartre e Beauvoir?), subsistente no Deutsches Literaturarchiv

(Marbach), parece- nos que a única nota que Heidegger dedicou ao amor, em Ser e Tempo

(§ 29), nos dá a chave para esta investigação ( ler-se-á com proveito o volume monográfico

de Quaestio. Annuario di storia della metafisica 1, 2001, intitulado Heidegger e i medie-

vali). Tratava- se, naquele caso, de duas citações, uma de Pascal a outra de Agostinho,

rezando esta última o seguinte: ' Non intratur in veritatem nisi per charitatem', i.e., só pelo

amor se acede à verdade. Eco dos trabalhos de Max Scheler sobre o amor (o ordo amoris)

Revista Filosófica de Coimbra - n ." 24 (2003 ) pp. 499-504

502 Revista Filouílica de Cormhre

enquanto estrutura antropológica fundamental ou Fundadora (vil. t:t nhcm o que escrevemos

nas páginas desta mesma Revista: 9, 2000, 464-5), a citaçáo coincide com a discuss3o c

progressivo afastamento de Hcideggcr cm relação ao tema da intencionalidade no seu

mestre Husserl (relação sujei(o-objec(o) mediante unia csurutura dc tr:uisrcndenci,r lo-d,,

Welt-seis ) que é o próprio problema central de .1',,r e 7rrrrln^ Ind. e,ornc^n. U . 1 'oilr^

de I'amour , Paris 2003). Quer-nos parecer, por isso, que não Si) ;i Iciiuia de 1lcidcoec1 C

reflecte nas páginas hermculicamentc densas da disscrtaçìur Iilosotir.i dc 11 \ t urra

análise que procura penetrar nas prollindccas que Santo :A^_,osimlur 1.1 nao dei v,i .rp.ue( „

cIa rali icnle » p.')) como estas nos podem escl:uccer ainda suais sol' o piohlrni.i do runoi

no autor de Ser e Twtpo , tcntüliea que alguns viam i,, Lmreniavani ,, eia eonuqueI 1,1

como praticamente inexistente. G óbvio que este n;io e local para esploi.a 1li s est,i sr und.^

indicação. Quer-se, sobretudo, avisar o leitor mais desatento lura que, da o,;,siao oii r 's1

que presidiu ìt redacção da obra e nrcditaçao sobre o tema (nao „hsr;^ntr o qua., dcnri,^

sobre o mestre , a sua presença é evidente ate l,elos matizes lin!^uisuc^^s e pelas esuuuii;r.

conceptuais , de clara factura heideggeriana), passe L raptaçáo do complexo honionte eni

que H . A. leu o contributo de Agostinho e a Ice,, por isso, marcar unr nunrientu na

interpretação augustinista (o qual, aliás. não saberíamos dizer. tantos anos passados. sc teve

continuador assinalável ). Não é que a interpretação de H. A. seja impoluta ou rnieoralmentr

legível, hoje em dia, por quem se interessa mais por Agostinho do que pela A (embora i

estes não se recomende o uso desta versão): é antes, note-se, porque tudo isto foi realüado

numa época em que a produção hcrmenéuúca sobre esse autor da Patrística Estia, nìur 1,1

além dos trabalhos , aliás eminentes no seu pendor histirrieo-fdolrigico ;demão tal. o n,cu

estudo ' Beatos esse nos uolumus ' publicado cm 1988 na revista lluruurrr'ou u

de K. Holl , M. Zepf, W.Thimme ou de A. voa Harnack (autor de uni estudo sobre as

Confissões, Giessen 1904), e de G. Grand (sie!) no mundo 1rancdlono (ser:í antes 1..

Grandegeorge , Paris 1896?), que a A. cita, e ainda (entre os não indicados por 11 A.) os

de C. van Endert ( sobre o conceito de Deus, Freiburg 1569), de 11. Reuter l.lu,^nçrrnisrli,Studien , Gotha 1887 ), de O. Scheel (sobre a pessoa de Cristo, Tühinecn Leipzi^g 1901 ),

de H. Becker ( Augustin . Studien zu seroei ,çecsOçen L'nrnrir411n5. Ler puro 19O\), de J

Hessen ( sobre o conhecimento , Münster 1916), de I.Norregaard t.1n ustins Ru/rlorun .

Tübingen 1923 ), de H. Dórries (sobre o de Lera refigione. Giessen 1924), de P. ;A. Schuhcrt

(sobre a teoria da 'lex aeterna ', Münster 1924) e de M. Schmauss (sobre a psicologia

trinitária , Münster 1927 ), para já não mencionar dois distintos artigos de relcrcnri.r. o dcF. Loofs para a Realencyklopüdie for Irrnle.ctonri .^rhr 77rioln,r,'ie 11n,1 lv m hc e o de Portalie

para o Dictionnaire de Tliéologie Calholique. A historiogralia aladigav a-se. então, sobretudo,

com a génese espiritual (Entoricklioig) ou com o desenvolvimento intestino do pensar

filosófico-teológico de Agostinho e também com o papel do neoplatonismo na ,helenilaçìto

do cristianismo » ( curiosamente H. A., que mostra conhecer o trabalho de P. Alfarie, omite

o de Ch . Boyer, publicados em 1918 e 1920 respectivamente). Ora, também II. A. con-

cede particular atenção aos paralelos eloquentes Agostinho/neoplatonismo (embora cota

privilégio para as Enéadas em detrimento de outras fontes que hoje sabemos terem sido

mais determinantes , a saber , Porfírio (de notar que o estudo de J. Bidei havia saído cmGand 1913 ), Simpliciano e Ambrósio entre outros, por conseguinte o aspecto mais datado

da sua tese ; vd. a propósito o meu estudo publicado nas páginas desta mesma Revista 9,2000, pp . 289-307). Contudo, o que realmente torna actual o presente trabalho é o lacto

de conseguir ser «uma pesquisa puramente filosófica» (p. 11) desenvolvida em ti es ritmos

de análise ou outras tantas problematizações pessoais: (i) o amor como desejo que.contraposto à oposição caridade/cobiça, revela a contradição do chamado amor ordenado...de grande fortuna medieval (p. 15-61); (ti) em que medida se ama ao próximo no amorao próximo ( p. 63-148 ); finalmente , (iii) como é que é possível ao Ilomem frente a Deus

pp. 499-504 Rr', i.+7,i Filnsrr/iia dc ('nimbar n " 24 t'no i I

Recensões 503

interessar - se pelo próximo , i.e., o tema da vida em sociedade (p. 149-171). Atrevemo-nos,pois , a dizer que se descortinam já aqui os interesses da futura professora universitáriade Filosofia Política e um tema capital da sua Antropologia Filosófica, o da vila activafrente à contemplativa . A obra fecha com um breve , mas habitual na erudição da época, ecircunstancial Apêndice, «Santo Agostinho e o Protestantismo», que aborda a repercussãoluterana da consciência perante Deus do tema da interioridade augustinista ( sobre estegénero de aproximações é ilustrativa a tão brilhante quanto equívoca aproximação deJ.Guitton , Actualité de saintAugustin , Paris 1955 ). Uma interpretação filosófica estrita devetomar consciência da problematicidade histórico-literária do pensar augustinista. Nestecaso, H .A. releva três escolhos e propõe alternativas correspondentes que são, em rigor, asua própria tese, no sentido académico deste termo : em relação à assistematicidade deAgostinho, encontra no papel nuclear do amor ( paulino na sua quota - parte religiosa, masvd. a ressalva p. 35), que considera reflectir aquela falta, a responsabilidade pela «espantosariqueza » e «encanto» do pensar augustinista; um segundo problema, o aumento dasubmissão ao dogma, será contornado de duas maneiras : interrogando o pré - teológico (v.g.,o amor como desejo, a relação criatura/Criador na sua origem ) e apreendendo o que é«especificamente novo na formulação cristã (o carácter próprio da vida humana, a «quaes-tio mihi factus sum»); de notar que esta delimitação ou questão se funda no círculo razão/autoridade , tratado de forma rápida . Por fim, o grave problema da evolução biográfica (queé ainda ponderoso revela-o a estranha recepção ao estudo que K. Flasch publicou em 1980)e que a A . julga poder resolver, optando pelo referido método filosófico estrito, justificadopor uma permanente « impulsão do questionamento filosófico » ( mas haveria que esclarecera também permanente e paralela questão religiosa ). Uma alternativa demasiadamente fácil,apesar de muito bem dita , para elidir o dificílimo problema da conversão no âmbito daequivocamente chamada «helenização do Cristianismo » então em voga , mas hojeconsensualmente invertida . Seja como for, também aqui já se começa a esboçar aquelaconcepção sobre o «nascimento do pensamento» que em l3etween Past and Future H.A.explicava pelo acontecimento da experiência vivida como único guia de orientação . Assim,a primeira radical contradição que a A . descortina no seu analisado diz respeito à duplaconceptualidade do amor como desejo ou orexis (appetitus ) e como amor ao próximo,determinando a secundarização daquele pelo amor ordenado ( vd. a sua apresentação p. 41--42) que faz sobressair o obstáculo de duas mundividências que se confrontam no temarecorrente da beata uita; é que a fruição auto - suficiente é de origem grega e a determinaçãoda vida a partir do futuro não o é, explica ( p. 43). Mas o capítulo sobre o appetitus padece

de uma incompletude ( para não dizer superficialidade ) psicologista (Nygren também cairá

na mesma armadilha ) que erra por não saber discernir a complexidade ontológica da almacomo sua expressão . Segue-se , num segundo momento da investigação , que, no «amor ao

próximo , não é exactamente o próximo que é amado , mas o próprio amor» (p. 117),

conclusão aparentemente contraditória suportada por meditações temáticas que recuperam

e transformam ( caso do ser- para-a-morte v.g.) alguns existenciais heideggerianos (mundo,

ser, tempo, etc .) no desígnio de esclarecer a «relação originária» entre amor a si e amor

ao próximo ( para o que se evidencia , em particular, a garantia da vida feliz na memória e

a expressão , na lei, da dependência da criatura ao Criador ). Dever-se-ia , evidentemente,

referir, a propósito, que a tese estava a ser redigida sob a orientação de K. Jaspers, mas

aqui é sobretudo necessário prevenir o leitor para o facto de que , nas duas últimas partes,

a A. moderniza em excesso o alegado conflito entre as noções morais da sociedade e a

tendência humana gravada no desejo, como o comprova a terceira parte da obra que visa

esclarecer a incompreensibilidade captada no papel do amor ao próximo , i.e., dar um

«sentido original» à tese augustinista do Homem como ser social; este desiderato traduzir-

se-á na tese da historicidade (Adão, Cristo) do mundo como ser-conjunto-dos-Homens, na

Revista Filosófica de Coimbra - n.° 24 (2003) pp. 499-504

504 Revista Idii dica de ('onnhni

igualdade da situação no pecado e na graça, ambos os movimentos prcicndcnd,,

a importância do outro, e evidenciará a dupla teoria sohrc a oi miem do I h)mcnnc ^r ri

Homem enquanto ser particular tem a sua origem em Deus tdesconsidcr;mdo-^e (O outro

e, enquanto tem uma origem comum, um ;intepassado conlui). pcrtcncr ani mUmd" Q u,

esta duplicidade se pode anular, ou melhor, ligar, c a ultima p.111/ ri ela 1, 1, 1, 11 A. yuc

assenta na evidência da fé (comum) frente a ipscidadc dc f)cus, ride, iilini, uum.i rhavr

«religioso ,, deverá fundar -se o conceito de amor rm Santo rA^sosunli,

pp. 499-504 Reri.clu Filnsoira dc ( ,,mil, r, - n " 24 (_'0U.;)

ÍNDICE 2003

Artigos

Alexandre Franco de Sá -Sobre a Justificação Racional do PoderAbsoluto: Racionalismo e Decisionismo na Teologia Política deCarl Schmitt .................................................................................... 157

Amândio Coxito - Natureza, Arte, Acaso e Finalidade na Físicado Curso Conimbricense ............................................................. 39- Génese e Conhecimento dos Primeiros Princípios. UniConfronto do Curso Conimbricense com Aristóteles e S. Tomás 279

Edmundo Balsemão Pires - Diferenciação Funcional e UnidadePolítica da Sociedade. A partir da obra de N. Luhmann .............. 69

João Carlos Correia - Fenomenologia e Teoria dos Sistemas.- Reflexõessobre um Encontro Improvável ....................................................... 181

Luis Arenas - Metacrítica de Ia razón pura. El Kant de Adorno ...... 371

Marie-Louise Mallet - La Raison du Plus Fort ................................ 329

Mário Santiago de Carvalho - Ontologia da condição feminina emBernardo de Claraval .................................................................... 305

Miguel Baptista Pereira - Alteridade, Linguagem e Globalização 3

-A Hermenêutica da Condição Humana de Paul Ricoeur .... 235

Estudos

José Reis - O tempo em Husserl ..................................................... 399

Luiz Alberto Cerqueira - O Sentido Interno do Tempo no Pensa-

mento Brasileiro: Farias Brito .................................................... 491

Notícia ................................................................................................. 215

Recensões .................................................................................... 225, 499

Revista Filosófica de CoimbraISSN 0872-0851

Publicação semestral do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras

da Universidade de Coimbra

Director: António Pedro Pita

Coordenação Redactorial: António Manuel Martins e Luísa Portocarrero F. Silva

Conselho de Redacção: Alexandre F. O. Morujão, Alexandre F. de Sá, Alfredo

Reis, Amândio A. Coxito, Anselmo Borges, António Manuel Martins,António Pedro Pita, Carlos Pitta das Neves, Diogo Falcão Ferrer, EdmundoBalsemão Pires, Fernanda Bernardo, Francisco Vieira Jordão t, HenriqueJales Ribeiro, João Ascenso André, Joaquim das Neves Vicente, JoséEncarnação Reis, José M. Cruz Pontes, Luís A. F. C. Umbelino, LuísaPortocarrero F. Silva, Marina Ramos Themudo, Mário Santiago de Carvalho,Miguel Baptista Pereira

Capa: Ana Rosa Assunção

As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos Autores

Toda a colaboração é solicitada

Distribuição e assinaturas:

Fundação Eng. António de AlmeidaRua Tenente Valadim, 331P-4100 PortoTel. 226067418; Fax 226004314

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Depósito legal n ° 51135/1P