linhas gerais sobre a história da universidade conimbricense. · pouco consistentes, releva-se a...

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Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 1 Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense. Das suas origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772. Parte 3 Situação da Universidade no período anterior à sua transferência para Coimbra. A intervenção do rei “ Venturoso” na vida universitária, como ficou referido na 2ª parte, consistiu fundamentalmente na criação de novas cadeiras, na transferência para novas e melhores instalações e na outorga de Estatutos”. Nenhuma destas intervenções veio alterar substancialmente a estrutura e o programa da velha Universidade Medieval, embora num ou outro ponto se verifique a orientação da sua evolução. Porém, os “Estatutos manuelinos” não ofereciam inovações notáveis e, mesmo essas, careciam de cumprimento, pelo que as providências levadas a cabo por D. Manuel não surtiram o efeito desejado. Ao entrar na terceira década do século XVI, isto é, após a morte de D. Manuel e a subida ao trono de D. João III, a Universidade encontrava-se em estado pouco abonatório, quer sob o ponto de vista disciplinar, quer científico e pedagógico. Os estudantes não a tinham como referência de uma instituição de nível europeu, estava desacreditada as autoridades académicas, com a segunda natureza dos conformismos e dos hábitos rituais, não tinham olhos nem ouvidos para o que se passava à sua volta. Com os acólitos do corpo docente, eram muralhas de resistência passiva, contra as quais se quebravam os anseios de renovação». Factores de vária ordem terão contribuído para o enfraquecimento da Instituição lisboeta, nomeadamente pela facilidade com que os Lentes interrompiam a actividade docente por ocasião da peste, ou por motivo de serviço na Corte, situações que os “Estatutos” procuravam evitar, como estava estipulado, mas constatava-se que a prática não correspondia exactamente ao “preceito legal ”.

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Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 1

Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense.

Das suas origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772.

Parte 3

Situação da Universidade no período anterior à sua transferência

para Coimbra.

A intervenção do rei “Venturoso” na vida universitária, como ficou referido na 2ª

parte, consistiu fundamentalmente na criação de novas cadeiras, na transferência para

novas e melhores instalações e na outorga de “Estatutos”. Nenhuma destas

intervenções veio alterar substancialmente a estrutura e o programa da velha

Universidade Medieval, embora num ou outro ponto se verifique a orientação da sua

evolução. Porém, os “Estatutos manuelinos” não ofereciam

inovações notáveis e, mesmo essas, careciam de

cumprimento, pelo que as providências levadas a cabo por D.

Manuel não surtiram o efeito desejado.

Ao entrar na terceira década do século XVI, isto é, após

a morte de D. Manuel e a subida ao trono de D. João III, a

Universidade encontrava-se em estado pouco abonatório, quer

sob o ponto de vista disciplinar, quer científico e pedagógico.

Os estudantes não a tinham como referência de uma

instituição de nível europeu, estava desacreditada e «as

autoridades académicas, com a segunda natureza dos

conformismos e dos hábitos rituais, não tinham olhos nem

ouvidos para o que se passava à sua volta. Com os acólitos do

corpo docente, eram muralhas de resistência passiva, contra

as quais se quebravam os anseios de renovação».

Factores de vária ordem terão contribuído para o

enfraquecimento da Instituição lisboeta, nomeadamente pela

facilidade com que os Lentes interrompiam a actividade docente por ocasião da peste,

ou por motivo de serviço na Corte, situações que os “Estatutos” procuravam evitar,

como estava estipulado, mas constatava-se que a prática não correspondia

exactamente ao “preceito legal”.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 2

Obviamente que as acumulações de funções públicas, civis ou eclesiásticas

concorreram, frequentemente, para limitar os mestres na sua função universitária,

sendo a própria regra estatutária, como se referiu, que os proibia de «procurar ou

julgar», iludida muitas vezes.

Naturalmente, também o ambiente agitado e complicado de uma grande urbe,

«em plena febre de vida comercial e cosmopolita», não terá deixado de se reflectir

negativamente sobre as camadas estudantis, solicitando-as para formas de existência

mais ou menos dissipadas. Acrescente-se, e não menos importante, aquilo a que se

pode chamar factores de ordem patrimonial e administrativa, uma vez que a Instituição

necessitava de recursos patrimoniais próprios e constantes para retribuir

satisfatoriamente os agentes do ensino. Também o Estado não podia prescindir da

assistência técnica do magistério na administração pública. Assim, «a confluência de

forças de pressão gerou comportamentos da Universidade e do Governo que, por

assim dizer, canonizaram o “status quo” mesmo quando se reconhecia a urgência da

sua renovação».

As reformas joaninas.

Ao suceder a D. Manuel, seu filho, D. João III, conservou o “regimento”

(“Estatutos”), mas não tardou a preparar e a pôr em prática uma das mais profundas

reformas da cultura portuguesa.

Com efeito, todas as instituições de ensino vieram a sofrer grandes

transformações. Nenhuma reforma levada a cabo anteriormente se lhe pode comparar

em alcance ou extensão e, mesmo das que se fizeram depois, só a “Pombalina” de

1772 a superou.

A atenção do jovem Príncipe, havia subido ao trono apenas com 19 anos, foi

dirigida para as manifestações públicas de insatisfação relativamente à situação

pedagógica e científica que existia em Portugal, nas primeiras décadas do século XVI.

Prova significativa deste “statu quo” era manifestada pelo grande número de

estudantes portugueses que se dirigiam para os gerais de Salamanca, Alcalá de

Henares, Paris e Florença, demonstrando o nível de descrédito a que descera a

Universidade no conceito das camadas cultas do nosso País. Sublinhe-se que esta

saída de estudantes portugueses para as Universidades estrangeiras era contrária às

velhas pretensões do nosso “Estudo”, no sentido de impedir a aquisição de graus fora

de Portugal e, que, curiosamente, D. João III veio a patrocinar como uma das medidas

indispensáveis à consecução das reformas.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 3

Ao contrário do procedimento que tivera para com o rei D. Manuel, a

Universidade não tomou a iniciativa de eleger D. João III, quando subiu ao trono, seu

“Protector”, o que só veio a fazer quase dois anos depois e, mesmo assim, foi

necessária a pressão do monarca advertindo, formalmente, a Universidade de que

estava em falta para com ele.

Tem-se procurado explicar este facto com razões circunstanciais. Entre outras,

pouco consistentes, releva-se a peste que então grassava em Lisboa e que levara a

impedir outros actos académicos, como a eleição do Reitor que, segundo os

“Estatutos” (“manuelinos”), devia realizar-se anualmente. Porém, a peste não grassara

com igual intensidade durante todo um período de dois anos, nem, a não ser nas fases

de maior virulência, era suficiente para impedir a reunião de um número escasso de

pessoas.

Segundo a opinião de António José Saraiva, a resistência passiva da

Universidade só pode explicar-se por um conflito latente com o Poder Real, porquanto,

a centralização deste mesmo Poder era cada vez mais levada à prática, tornando-se

incompatível com a autonomia corporativa do “Estudo”: «Quando deixou de eleger seu

“Protector” o novo rei, a Universidade jogou atrevidamente a cartada da sua

autonomia. De facto a eleição de D. Manuel fora um precedente mas não criara uma

obrigação; e a atitude da Universidade prova que esta queria anular aquele precedente

e evitar que caísse em prescrição o direito de escolher o “Protector”. A luta todavia era

desigual. O Rei não apenas anulou de facto este direito da corporação universitária

como fez sentir o seu poder intervindo na sua vida interna…».

Pode, pois, ter sido certo que o Conselho da Universidade, talvez receoso da

interferência do Rei na vida do “Estudo”, tivesse retardado tanto quanto lhe foi possível

a sua eleição para “Protector”.

Efectivamente, entre outras intervenções, D. João mandou proceder a devassas

acerca de supostos subornos no provimento de cadeiras, determinando apenas fazer

nomeações provisórias e, como já se referiu, contrariamente ao que a Universidade

pretendia, impedir a formatura de estudantes portugueses fora do País, o Rei

promoveu e veio a intensificar em grande escala a sua ida para as Universidades

estrangeiras através da concessão de “bolsas”.

Prova evidente de que a decisão do monarca em modificar os velhos hábitos

universitários era inabalável, aconteceu quando, intencionalmente, deixou de confirmar

os privilégios que á Instituição, como era da praxe, haviam sido concedidos pelos seus

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 4

antecessores. E mais, por ocasião da peste de 1525, recusou o pedido de autorização

para os Lentes se retirarem de Lisboa, quando, sabe-se, já a tinha concedido aos

Desembargadores do Cível.

O Rei “Piedoso”, certamente não só ouvia conselhos e sugestões de vários

sectores, mas tinha a sua vontade própria e opinião pessoal. No espírito da reforma

pode vislumbrar-se a tendência ideológica de D. João III, desde logo considerando as

ideias dos mestres que, no começo do seu reinado, chamou a Portugal para educação

de seus irmãos. Eram portugueses que se distinguiam nas Universidades da Europa,

onde se sustentavam as novas ideias humanistas, entendendo-se, por isso, que o

monarca procurou «aqueles em quem encontrava, com mais sólida garantia, as

preocupações ideológicas que eram eco das suas próprias».

Foram esses mestres, Aires Barbosa que frequentara o humanismo em Itália

com Ângelo Policiano e regeu durante vinte anos as cadeiras de latim e grego em

Salamanca, chamado a Portugal em 1521, para vir a ser mestre dos infantes D.

Afonso e D. Henrique; Francisco de Melo estudou Teologia em Paris e tendo

regressado à pátria entre 1521 e 1525, foi preceptor dos infantes D. Luís e D.

Fernando; Pedro Margalho, que se doutorara em Paris, regendo depois uma cátedra

em Salamanca, sucedeu a Aires Barbosa, em 1530 no preceptorado do infante D.

Afonso.

De certo modo, pode aceitar-se que a zona onde se situaria o pensamento e

ideologia de D. João III seria a de um conservadorismo defensor das tradições

pedagógicas com alguma abertura no espaço do humanismo literário. A este propósito

deve dizer-se que, quando em 1533

Damião de Góis veio a Portugal,

aproveitou para o encarregar de um

convite a Erasmo para vir a reger

uma cadeira na Universidade.

Também o estudo do grego e do

hebraico constituíam já motivo de

preocupação, uma vez que o

desconhecimento destas línguas

por parte de muitos teólogos

escolásticos colocava-os na

impossibilidade de verificar a razão de certas afirmações dos humanistas, o que os

punha em dificuldades, ou mesmo “desarmando-os”, para o combate das ideias.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 5

D. João III estava plenamente convencido de que as deficiências da velha

Instituição, que não satisfazia já as aspirações culturais da época, e que não teriam

solução através de uma simples reforma, como aquela que havia sido empreendida

por seu Pai, entendia que não bastaria outorgar-lhe novos Estatutos e chamar do

estrangeiro um ou outro mestre, para que as necessidades do seu ensino e os vícios e

abusos fossem eliminados para sempre.

Durante os primeiros anos do seu governo, não foi possível a D. João III pôr em

prática os objectivos que pretendia em relação à Universidade, pois para além do que

já foi referido, o aparecimento da peste em Lisboa, e que abrasou boa parte do Reino,

levou a Corte a retirar-se da Capital para Coimbra nos inícios de 1523, e só ali

regressou, exceptuando uma curta estadia de Fevereiro a Abril de 1527, em Maio de

1528. Apesar dos vários contratempos, durante esse período, não deixou de, directa

ou indirectamente, dar a entender que a vida da Universidade portuguesa iria sofrer

uma transformação radical.

Em 1527, possivelmente, ainda em Coimbra, D. João III inicia o lançamento das

bases de uma reforma profunda no ensino em Portugal que iria levar a cabo durante

trinta anos, não olhando a despesas e combatendo resistências.

A primeira medida a pôr em prática tinha muito a ver com a formação de

quadros em que seria recrutado o professorado. Neste caso, seria necessário, uma

vez que no País não existiam instituições à altura, enviar os futuros mestres para o

estrangeiro e, enquanto se iam formando, preparar-se-ia o meio em que mais tarde

iriam exercer a sua acção docente. Só após terminada esta fase, estariam reunidas as

condições para se tratar da remodelação radical da Universidade.

Os “Bolseiros”.

Já anteriormente a D. João III muitos portugueses que não se contentavam com

o ensino na Universidade de Lisboa, abandonavam o País para alcançarem nas

instituições estrangeiras os seus graus e, com estes, aquele conjunto de

conhecimentos que os novos tempos consideravam indispensáveis na vida

especulativa ou profissional. Muitos faziam-no com os próprios recursos, outros a

expensas de erário real e, ainda, por conta das respectivas Ordens.

Período pré-joanino - Cerca de cem anos antes de D. João III subir ao trono, surge-

nos já o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra, na célebre “Carta de Bruges”, a

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 6

manifestar a opinião de que a reforma universitária devia ser confiada a quem tivesse

frequentado escolas estrangeiras; D. João II envia para Paris o famoso Diogo de

Gouveia, incontornável figura do humanismo europeu, a quem me irei referir com mais

pormenor.

Desde os últimos anos do governo de D. Manuel I contam-se por muitas

dezenas os estudantes portugueses em Salamanca, Paris, Lovaina, etc. Assim, D.

Manuel, por alvará de 10 de Agosto de 1510, autorizou o feitor da Flandres a pagar

durante sete anos ao franciscano Frei Gil de Santarém a pensão anual de quinze mil

cruzados para ir cursar na Universidade de Paris. Outro alvará, de 15 de Janeiro de

1513, ordenava ao referido feitor que disponibilizasse quarenta e seis mil e oitenta

reais a D. Pedro de Menezes para ali poder estudar; sustentava igualmente à sua

custa, também na Universidade parisiense alguns frades dominicanos. Recorde-se

que Francisco de Melo, já referido como preceptor dos infantes D. Luís e D. Fernando,

irmãos de D. João III, obteve na capital francesa os graus de Mestre em Artes e

Licenciado em Teologia, e de quem mais tarde Gil Vicente diria saber «Sciência

avondo» e, ainda, «que então era o melhor matemático que havia no reino».

Sublinhe-se que D. Manuel não se limitou a pagar “bolsas” temporárias,

porquanto, instituiu no famoso Colégio de Montaigu de Paris, em 1498, uma fundação

de mil e trezentas libras, «com a obrigação de serem perpetuamente recebidos nele

dois estudantes portugueses pobres, que disporiam de camas separadas, cujas portas

se assinalariam com as armas portuguesas».

Além da frequência em Paris, D. Manuel subsidiou escolares noutras

Universidades, havendo conhecimento que no ano lectivo de 1517-1518 auxiliou com

pensões os franciscanos Frei Francisco Guieiro, Frei Francisco do Porto e Frei

Francisco Pessoa, a fim de estudarem Teologia nas Universidades de Oxford e

Cambridge. Lovaina, o mais brilhante e atraente centro de humanismo no primeiro

quartel do século XVI, ao qual presidiam Erasmo e Luís Vives (natural de Valência,

uma das figuras máximas do Renascimento, pedagogo insigne), foi frequentada, entre

outros, por Frei Brás de Barros (ou de Braga) e Frei Diogo de Murça, dois famosos

frades Jerónimos, que também frequentaram Paris e, posteriormente, foram dos

principais executores da reforma planeada por D. João III.

Em Salamanca, onde ensinaram Aires Barbosa e Pedro Margalho, estudaram

André de Resende, Pedro Nunes, Garcia da Orta, Jerónimo Cardoso, João de Barros,

Amato Lusitano (João Rodrigues de Castelo Branco), referindo apenas alguns dos

nomes mais ilustres no domínio das humanidades, do direito e das ciências.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 7

Porém, era a D. João III que estava reservada a missão de intensificar, e de

forma maciça, o envio de portugueses para as grandes Universidades europeias.

“Bolseiros” d’el Rei D. João III. A acção do Doutor Diogo de Gouveia – Se é certo

que, no último quartel do século XV, se começa a notar um movimento de estudantes

portugueses em direcção à Itália, onde estudaram Aires Barbosa, Henrique Caiado,

Amato Lusitano e os três filhos do chanceler-mor João Teixeira, com D. Manuel as

instituições preferidas passaram a ser exactamente aquelas que tinham maior

reputação como centros de estudos teológicos, isto é, Paris e Lovaina, pois, «para nós

peninsulares o humanismo filológico e paganizante dos italianos nunca foi uma

sedução».

De facto, os escolares enviados para Paris destinavam-se, exclusivamente,

depois de frequentarem os preparatórios de Gramática e Artes, ao estudo da Teologia.

O interesse dos reis portugueses, nomeadamente D. Manuel e D. João III pela

aquisição de conhecimentos dos seus súbditos não pode, segundo o Professor Costa

Pimpão, ser avaliado através do critério laicizado dos nossos dias, uma vez que os

Teólogos eram muito necessários na expansão da Fé, assim como na defesa da

ortodoxia.

Com efeito, a preferência dada ao estudo da “Sacra Página” era «uma

necessidade espiritual» que, aliás, remontava ao Infante D. Henrique, fundador de

uma cadeira de Teologia no Estudo de Lisboa e, já D. Pedro, Duque de Coimbra, ao

planear a reforma universitária pensava, sobretudo, em dar à Igreja em Portugal um

clero instruído. Também D. Manuel, com idêntica intenção, decidiu aumentar o número

de cátedras de Teologia e fundando no Convento de São Domingos, em Lisboa, o

Colégio de São Tomás.

Na Europa vivia-se uma época em que se haviam multiplicado as edições dos

textos sagrados, tal como das obras clássicas profanas, e daí resultava que cada um

podia «à margem das lições dos Colégios» interpretar como entendesse e formar a

sua opinião, o que levou Quicherat, a afirmar «que todas as nuances da ortodoxia,

como da heresia, podiam encontrar-se na geração que passou por Santa Bárbara

entre 1520 e 1530».

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Sem dúvida que a figura mais relevante nas relações pedagógicas entre

Portugal e o estrangeiro é a de Diogo de Gouveia, Teólogo da Sorbonne, e que

chegou a ser Reitor da Universidade parisiense e Subdirector da Faculdade de

Filosofia da mesma cidade.

Diogo de Gouveia, geralmente conhecido pelo “Velho” ou “Sénior”, para se

distinguir de um seu sobrinho com o mesmo nome, nasceu em Beja, por volta de 1471,

indo estudar para Paris, pertencendo aquela geração de bolseiros que se havia

formado antes da subida ao trono de D. João III, aí se licenciando e doutorando em

Teologia no ano de 1510.

A sua actividade desenvolve-se simultaneamente nos campos da Diplomacia,

da Pedagogia e da Teologia, porém, o seu grande sonho era realizar o projecto de vir

a dirigir uma escola onde orientasse a formação de teólogos portugueses, tanto mais

que, em 1517, D. Manuel o chamara para leccionar em Portugal a cadeira de Véspera

de Teologia no Estudo Geral de Lisboa, convite que recusou, por via de continuar a

“amadurecer” o seu projecto do Colégio parisiense.

A este propósito, diga-se que Diogo de Gouveia já por volta de 1520 arrendara

em Paris o Colégio de Santa Bárbara, porém, a iniciativa malogrou-se, talvez porque a

morte de D. Manuel o tivesse privado do auxílio régio e, em 1523, chegou mesmo a

ser condenado por atraso no pagamento do aluguer.

Assim, tornava-se forçoso conseguir o apoio do novo Rei para o projecto, que

consistia na ida de estudantes portugueses para Paris, na qualidade de “bolseiros”, os

quais se instalariam no famoso Colégio de Santa Bárbara, excepto os que

pertencessem a Ordens religiosas onde seriam alojados.

Diogo de Gouveia era um homem de grande iniciativa e tenacidade.

Indiscutivelmente, um mestre de reputação europeia, mas também um defensor

vigoroso e extremo da Escolástica e da Teologia tradicional da Igreja, não apenas

contra a heresia luterana mas contra as próprias fórmulas moderadas e conciliatórias

de Erasmo, a quem D. João III muito admirava. Apesar de ser um escolástico

tradicionalista e refractário às inovações do tempo, tinha a confiança do Rei e acabou

por alcançar, em 1527, o apoio para realizar o seu plano.

Agradado com o projecto que lhe foi apresentado, D. João III autoriza a

instituição de cinquenta “bolsas”, ou talvez mais, em Paris, por dez anos para

estudantes de Teologia e Preparatórios.

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Não será de estranhar que o envio de tão avultado número de “bolsas” para o

principal centro de formação dos nossos Teólogos se integrasse num plano

sistemático mais vasto, o qual viria dez anos depois a resultar na reforma da

Universidade e na sua transferência para Coimbra. Com efeito, cinquenta “bolsas” é

um número considerável que só terá explicação no objectivo de criar dentro do País

«toda uma fornada de teólogos capazes de renovar aqui o ensino da Teologia,

elevando-o a um nível que, certamente, não tinha na Universidade portuguesa».

Excelência na decisão de D. João III não é apenas a concessão do número de

“bolsas”, (o que é notável) mas também o valor de cada uma. O seu antecessor já

fizera o mesmo, isto é, enviara, como se referiu, “bolseiros” portugueses para obter a

graduação em Teologia, em Paris, só que em menor número e com bolsas de metade

do valor que D. João agora atribuía. Porém, não se pense que as coisas eram assim

tão fáceis, e que não havia dificuldades da parte da Coroa para levar a acabo o

processo de formação dos “bolseiros” portugueses em Paris.

Obviamente, a grande dificuldade que se deparava ao Rei na instituição das

“bolsas”, era o seu suporte financeiro, se bem que fosse auxiliado, parece, por seu

irmão, D. Afonso.

Solicitação de auxílio ao Clero. Reacção do Arcebispo de Braga ( D. Diogo de

Sousa) – A fim de reunir as rendas suficientes para manter as referidas “bolsas”, D.

João III julgou o Clero como “parceiro” ideal, até porque era quem maiores vantagens

alcançaria daquela empresa.

Deste modo, D João dirigiu-se aos Prelados e Cabidos do Reino, embora,

documentalmente,

apenas estejam

provadas as suas

diligências junto do

Arcebispo e Cabido de

Braga, não se

desconhecendo, por

isso, como teria reagido

o Alto Clero ao pedido de auxílio económico. Efectivamente, só é conhecida a resposta

dada pelo Arcebispo bracarense que, desde já, pode dizer-se foi negativa e, parece

que, no seu entender, com algum fundamento.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 10

Por incumbência do Rei, e como seu emissário, o Dr. Pedro Margalho, então

professor de Filosofia Moral em Salamanca, fez jornada até Braga a fim de se avistar

com D. Diogo de Sousa e o Cabido e expor-lhes o assunto dos “bolseiros”.

D. Diogo de Sousa que é considerado como um dos prelados mais distintos e

activos da igreja bracarense, «com fibras de homem da Renascença», numa longa e

significativa carta, datada de 21 de Setembro de 1527, não se mostra receptivo ao que

D. João pretendia, por via de uma situação que o desgostou. É que…já no tempo de

D. Manuel I planeara criar em Braga um Colégio onde fossem leccionadas as

disciplinas das Artes, como preparatórias de Teologia, seguidas do estudo desta,

como se fazia no estrangeiro. A iniciativa que teve a adesão do “Venturoso” é atestada

pelo ofício de 3 de Maio de 1509, dirigida a D. Diogo, no qual lhe promete manter nove

pensionistas no «colégio que quereis ordenar nessa cidade», contudo, o

empreendimento não foi avante, ou por intrigas movidas na Corte, ou talvez pela

Universidade, com receio de se ver amputada de duas Faculdades tão importantes.

Melindrado com o facto, não foi de “modas” e, na referida carta, recordou-o ao

monarca: «…todos sabem que a primeira obra que desejei e tentei de fazer em

chegando a esta cidade foi um colégio; e sem começar outra, o fiz saber a El-rei vosso

pai que Deus haja, [o qual] foi disso muito contente e louvou meu propósito, e me

prometeu renda para mantimento de nove colegiais cada ano. E estando assim, veio o

Inimigo e sobre esta boa semente semeou cizânea, (discórdia) de que agora não

quero dar conta, a qual apagou a boa inspiração e a maneira para se fazer obra tão

necessária e proveitosa». Se o projecto de D. Diogo tivesse ido avante, Braga estaria

no primeiro lugar da reforma quinhentista dos estudos, antecipando-se, em longos

anos, sobre o que veio a realizar-se.

Para além do ressentimento sobre este caso, o Arcebispo desaprovava o envio

de estudantes portugueses para um país como a França de quem tantos agravos

sofríamos e, mantendo a negativa, explicava a sua atitude, advogando a conveniência

de ser preferível fundar um Colégio, regido por mestres contratados no estrangeiro, e

onde se leccionasse a Teologia e as matérias que preparavam para o seu estudo:

«Não cureis de mandar a Paris sessenta escolares aprender a Teologia mas mandai

vir de lá sessenta lentes, a modo de falar, porque até dez bastavam para tudo, e então

fazer um colégio mui comprido e mui grande, e de poucas pinturas e lavores, onde se

leia Teologia e todas as artes e ciências que para ela são necessárias».

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 11

A fim de incentivar D. João, lembrava-lhe o exemplo do ilustre Cardeal Ximenes,

os “doutos” colégios recentemente fundados em Salamanca e que a renda para o

projectado Colégio, se o monarca não a quisesse ir buscar ao erário real, podê-la-ia

obter dos bens do mestrado de Cristo, então na posse da Coroa, ou dos numerosos

mosteiros da comarca de Braga.

A finalizar a longa carta, D. Diogo oferecia-se para auxiliar magnanimamente os

estudantes, no caso do Colégio ser fundado na sua cidade Arquiepiscopal, e segundo

o seu parecer, devia estabelecer-se aí ou no Porto, «pela qualidade dos ares e

temperança da terra».

Não há conhecimento de que D. João III tenha respondido a D. Diogo, porém o

projecto dos estudos universitários de Santa Cruz de Coimbra, limitando-se à Teologia

e às Artes, levam a crer que a ideia de D. Diogo não caiu em “saco roto”.

Com auxílios ou sem auxílios, e apesar da recusa do Arcebispo e do Cabido, D.

João III continuou a enviar “bolseiros” para Paris, com grande entusiasmo de Diogo de

Gouveia.

Durante mais de vinte anos o famoso Colégio de Santa Bárbara funcionou sob a

égide dos Gouveias, e embora se tivesse malogrado a intenção da sua compra,

converteu-se numa escola portuguesa pela população docente, discente e dirigente.

Efectivamente, Diogo de Gouveia, o “Principal” (Director) de Santa Bárbara, é o

representante mais antigo de uma família que deu ao ensino alguns mestres de

elevada craveira, todos graduados em Paris: o próprio Diogo de Gouveia, seus

sobrinhos, Marcial, poeta latino e gramático, que além de Santa Bárbara foi mestre em

Poitiers, António, defensor de Aristóteles contra Pedro Ramus, «cavaleiro andante da

eloquência e da erudição» e «um dos raros espíritos que constituíram o eterno

ornamento da Renascença», André, «le plus grand “Principal” de France», no dizer de

Montaigne, e Reitor da Universidade de Bordéus, e Diogo de Gouveia, (Júnior).

Sob a direcção de Diogo de Gouveia o Colégio de Santa Bárbara torna-se um

dos mais importantes colégios parisienses, onde afluem, não só portugueses, mas

também estrangeiros, entre os quais Inácio de Loiola. Pode concluir-se, mercê de um

estudo rigoroso e bem documentado, que Portugal, proporcionalmente à sua

população, foi o País que enviou para França maior número de “bolseiros”.

Entre 1527 e 1547, período entre a instituição das”bolsas” e a fundação do

Colégio das Artes, em Coimbra, os portugueses eram tão numerosos em Paris que

constituíam, na capital o grupo estrangeiro mais importante da “nação” de França.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 12

Frei Brás de Barros, ou de Braga, reformador dos estudos em Santa

Cruz de Coimbra.

Não se sabe ao certo o ano do nascimento de Frei Brás de Barros, também

conhecido por Frei Brás de Braga por ser natural desta cidade. Sabe-se, contudo, que

começa por viver na Corte e, mais tarde «foi exercitado em as armas em África». Em

1516, pouco tempo depois do seu regresso, professa no Mosteiro de Penha Longa,

casa-mãe da Ordem de S.

Jerónimo, fundada nos fins do

século XIV por Frei Vasco

Martins.

A fim de prosseguir

estudos de aperfeiçoamento

nas Ciências Teológicas parte

para o estrangeiro – Paris e

Lovaina – acompanhado, como

já se referiu do seu irmão de hábito, Frei Diogo de Murça, onde permaneceu de 1517 a

1525. Depois de graduado em Teologia, por Paris, transferiu-se para Lovaina (na

Bélgica actual), onde alcançou a graduação pretendida.

Lovaina era, por este tempo, considerada como uma das mais famosas

universidades europeias, apoiada por cerca de três dezenas de Colégios salientando-

se, nomeadamente, o Colégio Trilingue. Esta Instituição, notável na história do ensino,

e onde Erasmo foi professor, era assim denominada pelo facto de para além do latim

habitual se praticava o estudo do Grego e do Hebraico, o que revelava uma abertura

de espírito permitindo aos seus estudantes o desenvolvimento de uma mentalidade

diferente daquela que o Doutor. Diogo de Gouveia Sénior pretendia para os bolseiros

de Santa Bárbara.

Regressado a Portugal, enriquecido pelo conhecimento de vários meios, a

Corte, vida militar e vida académica, Frei Brás de Braga era portador de elevada

preparação para dar o seu contributo à renovação do País. E assim veio a acontecer.

Com efeito, por esse tempo, D. João III e a Corte encontravam-se em Coimbra,

tendo saído de Lisboa por via da peste que grassava na Capital. Como as questões

pedagógicas constituíssem uma prioridade para D. João, foi mais que provável ter

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 13

conversado com Frei Brás de Braga acerca da necessidade de reformar os estudos

em Portugal.

Assim, a pretexto do relaxamento disciplinar dos monges-cónegos de Santa

Cruz, que desde o alvorecer da nacionalidade fora um notável centro de actividade

intelectual, o rei, por alvará de 8 de Outubro de 1527, nomeia Frei Brás de Braga

reformador dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e instaurador do ensino das

Humanidades.

Recorde-se ter sido por este mesmo tempo, quando o Doutor Diogo de Gouveia

esteve em Portugal, que D. João III instituiu as “bolsas” de estudo para o Colégio

parisiense de Santa Bárbara. Esta concordância de datas (1527), só pode levar a crer

que a reforma dos estudos em Santa Cruz, bem como a concessão das “bolsas”, eram

consideradas bases fundamentais, e urgentes, para a remodelação da Universidade.

Sem dúvida que, com D. João III, iria começar para a “Alma Mater” portuguesa um

novo período cultural.

Porém, a tarefa que se impunha e esperava Frei Brás de Braga não era fácil. O

Mosteiro, que em épocas não muito longínquas havia desenvolvido uma brilhante

actividade pedagógica, entrara em franco declínio, e até mesmo no aspecto disciplinar.

Era, pois, difícil corrigir hábitos enraizados e relaxados, além de que o religioso de São

Jerónimo era estranho à Congregação dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e,

por isso mesmo, começou logo por ser mal recebido.

Os cónegos de Santa Cruz não tinham obrigação claustral, isto é, não

praticavam a clausura, situação que, muitas vezes, dava azo a escândalos, ofendendo

as almas mais piedosas. Assim, pela reforma de Frei Brás os crúzios foram obrigados

a adoptar a clausura estabelecendo-se, desse modo, uma separação entre os que não

se submeteram e os que aderiram, ficando estes sujeitos ao governo de um Prior

“claustreiro”, eleito por eles.

Dos cónegos que aceitaram o regime claustral, salienta-se D. Bento Camões,

que veio a ser Prior “claustreiro” no ano em que a Universidade foi mudada para

Coimbra, e que por esta circunstância recebeu a dignidade de primeiro Cancelário da

Universidade, inerente aos Priores de Santa Cruz.

Entre os dissidentes que não aceitaram a reforma trazida por ”um religioso de

fora” figura o Prior cessante, D. Brás Lopes, Doutor pela Universidade de Paris, que se

recusou em capítulo a aceitar a remodelação abandonando o Mosteiro e arrastando

consigo alguns religiosos.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 14

Apesar das dificuldades iniciais, Frei Brás de Braga, escudado pelo Rei que lhe

havia passado “carta branca”, bem determinado, firme nas suas convicções e

possuído de uma autoridade incontestável, iria elevar os estudos em Santa cruz, como

reformador dos cónegos regrantes e instaurador do ensino das Humanidades, a um

plano nunca atingido.

A sua acção reformadora exerceu-se em três direcções: a reforma espiritual e

moral dos monges, a reforma patrimonial do Mosteiro e a reforma dos estudos, sendo

esta ultima a que mais interessa focar por via da sua projecção nacional.

Deixando para trás fontes que não têm qualquer consistência, (apontando para

1528 o início das lições), a primeira considerada credível acerca dos estudos em

Santa Cruz, após a reforma, está documentada numa carta de D. João III para Frei

Brás, de 20 de Agosto de 1530, em que pretende ser informado sobre a forma da

suplicação que o religioso fizera a Roma – provavelmente por causa da concessão de

graus académicos e outros privilégios a outorgar pelo Pontífice – a respeito de

«cousas que tocavam aos estudos». Com efeito, este documento prova que já então

se procurava seriamente elevar o nível das escolas conventuais, mas não garante que

as aulas já funcionassem. Só três anos depois, em 1533, há a garantia de haver aulas

no Mosteiro, visto ali se encontrar a funcionar uma cadeira de Grego – a nova

disciplina dos Humanistas – regida por Vicente Fabrício, atraído de França. A

propósito deste famoso Mestre, e do ensino em Santa Cruz, sublinhe-se o entusiasmo

e as palavras altamente elogiosas do célebre humanista italiano Nicolau Clenardo,

quando em 1537 passou por Coimbra: «… Não posso formar um juízo senão da aula

de Grego, a qual me deixou assombrado com o novo milagre: - Vicente Fabrício

comentava Homero, não traduzindo-o do Grego para o Latim, mas como se o fizesse

na própria Atenas! Nunca até então eu vira tal em parte alguma. E os discípulos

imitavam o mestre com não menor aplicação, empregando também a língua grega

quase exclusivamente…».

Quanto ao ensino das artes provavelmente só em 1535 se inaugurou

regularmente, visto ter sido nesse ano que vieram para Santa Cruz professores

“franceses”, e que no final de Setembro um dos mestres começou a leccionar o

primeiro ano do curso de Artes: a Lógica. Os outros mestres teriam ocupado as

cátedras de Gramática e, possivelmente, uma de Teologia.

Quanto a esta última terá sido entregue ao Doutor Afonso do Prado (português,

Mestre em Artes e doutor em Teologia pela Universidade de Alcalá), pois por este

tempo já eram estreitas as suas relações com o Mosteiro, sabendo-se também que o

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 15

famoso Lente ensinou Teologia em Coimbra, ainda antes que para lá se tivesse

transferido a Universidade. Acrescente-se, ainda, que Afonso do Prado, mais tarde

mestre na “Alma Mater” conimbricense, foi um excelente auxiliar de Frei Brás de

Braga, pois este valeu-se do seu experimentado conselho, como, aliás, o próprio

reformador o confessava, encarecendo ao Rei o trabalho que tivera em «assentar com

o Doutor Prado em as regras das artes e os franceses que vieram de Paris».

Colégios do Mosteiro de Santa Cruz - O projecto de reforma dos estudos em Santa

Cruz incluía, praticamente, “ab initio”, a fundação de uma rede de colégios, à maneira

de Paris e Oxford, ideia lançada no século XV pelo Infante D. Pedro, pretendendo-se,

deste modo, completar a instituição universitária.

Foram em número de quatro os colégios então criados: Santo Agostinho e São

João Baptista mandados erguer junto da Igreja do Mosteiro; São Miguel e Todos-os-

Santos ficavam situados na rua da Sofia (sabedoria), considerada à época a rua mais

larga do País (12 a 15 metros) e tendo a ladeá-la um conjunto de edifícios destinados

a colégios universitários.

Os Colégios de Santo Agostinho e São João Baptista destinavam-se à

leccionação, enquanto os outros dois funcionavam como alojamento dos escolares e a

local de estudo; o primeiro destinava-se a internato de estudantes canonistas, ou

canonistas e teólogos, e o segundo a internato de artistas e teólogos.

Estes Colégios que serviam de alojamento não eram grandes, recebendo cada

um deles apenas nove estudantes, escolhidos mediante certas provas de admissão, e

aí poderiam permanecer durante o tempo máximo de sete anos. As vagas eram

anunciadas publicamente durante quarenta dias em Coimbra e nas cidades mais

importantes do Reino. O concurso constava de duas lições sobre as “Decretais”,

arguidas por três colegiais dos mais novos, e o provimento fazia-se por maioria de

votos, votando o Prior, os colegiais e os conciliários e canonistas escolhidos pelo Prior.

Na votação devia preferir-se o mais digno, «e mais disso, o que for mais hábil,

virtuoso e mais pobre». O candidato admitido, no dia em que vestia o hábito do

Colégio, jurava perante o Prior de Santa Cruz respeitar as constituições e «ser sempre

em ajuda, e favor e serviço do Mosteiro».

Os colegiais de Todos-os- Santos eram conhecidos pelo nome de “Pardos”, da

cor do seu hábito e os do colégio de São Miguel tinham a denominação de “Roxos”. O

hábito era obrigatório fora do Colégio, sob pena de multa, e era-lhes proibido o uso de

camisas lavradas e luvas perfumadas, «nem outras coisas semelhantes».

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 16

As refeições faziam-se em comum, lendo-se ao jantar passagens do Antigo

Testamento e à ceia do Novo. A refeição era precedida da bênção da mesa, e aquele

que faltava não comia o primeiro prato, ou, no dizer das constituições, da «primeira

pitança».

A vida interna era severa e rigorosa, e orientada para o estudo, moralidade e

cumprimento dos deveres religiosos. Os exercícios escolares faziam-se dentro do

Colégio e para os colegiais, porém, sempre que o Prior de Santa Cruz ordenasse,

deviam ler perante os cónegos regrantes no Mosteiro. A língua dos colegiais entre si e

dentro do Colégio era o latim, aliás como regra uniforme de todas estas instituições da

Renascença e que em Coimbra foi exemplarmente respeitada, como ressalta do

testemunho, já referido, de Nicolau Clenardo ao visitar Santa Cruz.

Oficina tipográfica e livraria - Relevante na renovação dos estudos, levada a cabo

pela reforma de Frei Brás de Braga, em Santa Cruz, foi a fundação de uma oficina

tipográfica no próprio Mosteiro.

Germão Galharde, impressor francês fora, (1530-31) o seu organizador, mas

em 1532 já eram os cónegos quem compunham e tiravam: «Em estas casas (de

stãpar) sem nenhuma pessoa secular ajudar aos religiosos, vereis como se exercitam

no ofício de copiadores, distribuidores, outros no de correctores, outros em batedores,

outros em tiradores, e todos em silêncio observantíssimos guardadores».

Famosa sobretudo até 1536, desta oficina saíram vários livros religiosos e de

humanidades. Em 1532 foi impressa a ordenança e regra da Casa e no ano seguinte

um “Espelho de perfeyçam em linguoa Portuguez”. Em 1535 saiu daquela impressão

as “Institutiones…latinarum literarum”, de D. Máximo, e, no ano anterior, o “De

divisionibus et difinitionibus” de Boécio, «em que já se vêem, no juízo do erudito Fr.

Fortunato de S. Boaventura, alguns lugares de caracteres gregos perfeitamente

trabalhados, que mostram bem quanto floresciam aqueles prelos».

A renovação dos estudos foi preparada pela renovação da livraria: «Um livro de

“receita e despesa” do mosteiro de Santa Cruz, relativo ao período que vai de

Novembro de 1534 até Fevereiro de 1535, revela bem até que ponto os ventos da

renovação entravam nos seus claustros: livros didácticos como “De duplici copia

verborum ac rerum”, tratado clássico para grande número de estudantes de latim, uma

exposição prática sobre a maneira de procurar a “cópia” (i. e.a riqueza das coisas); as

“Epístolas” de Marco Túlio, um “Calepino” (um dicionário) de Nebrija, humanista

espanhol. “Artes de Gramática Grega; outro livro didáctico de Erasmo (“De octo

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 17

orationum partibus), para estudo da sintaxe; um livro de Retórica, de António de

Nebrija; “Epístolas de S. Jerónimo, etc.

Abastecia-se a abadia de livros escolares e de livros espirituais, como o

“Exercitatorio espiritual”, de Garcia de Cisneros, o “Estímulo de Amor”, de Frei Jacques

de Milão; o “Espelho de Religiosos, de Miguel Comalada, etc., etc.».

Nova Universidade, reforma da Universidade de Lisboa, ou

transferência?

Cerca de oito anos depois das grandes reformas empreendidas em Santa Cruz

de Coimbra pelo Prior geral, Frei Brás de Braga, em 1528, os estudos apresentavam já

um desenvolvimento tão notável que mereceram ser considerados como verdadeira

Universidade, embora com um campo de acção limitado.

Ao patrocinar a reforma monástica e intelectual, parece ter sido firme propósito

do Monarca transformar os estudos de Santa Cruz em Universidade, como ressalta de

uma carta que enviou ao frade de São Jerónimo, em 9 de Fevereiro de 1537: «Eu

sempre fiz fundamento quando determinei mandar fazer esses estudos de fazer

universidade e escolas gerais, por o sentir assim por mais serviço de Deus e meu e

proveito comum de meus reinos e senhorios e de meus vassalos e naturais».

Porém, é bem consistente, e difícil de rebater, o raciocínio do Professor Silva

Dias, quando afirma duvidar de que a ideia de reforma andasse associada, desde

início, à ideia de transferência da Universidade, na mente de D. João III e seu

Conselho: «A promessa do fundador da Dinastia (D. João I determinara que o Estudo

Geral permanecesse em Lisboa para “todo o sempre” ) não era coisa pela qual o

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 18

jovem Rei pudesse passar à ligeira. E os documentos conhecidos mostram que o seu

cuidado se concentrou na promoção de centros de ensino preparatório fora da Capital.

É possível que as vistas régias fossem já então mais longe – até ao pensamento da

fundação, nalgum desses areópagos, de um estudo geral que permitisse abandonar o

de Lisboa à existência vegetativa que parecia querer seguir.

A solução continha vantagens evidentes de carácter político. Não era fácil,

contudo, avançar por esse caminho até ao fim. Os apuros financeiros do Estado quase

vetavam, por si sós, o projecto de sustentar, no país, dois esquemas universitários,

vendo-se o Monarca forçado a recorrer aos cofres do estudo lisboeta para subsidiar as

despesas da construção dos colégios, em Coimbra, sob Fr. Brás de Barros. E a recusa

dos prelados do Porto, Braga, Coimbra, e, possivelmente de outras dioceses a

comparticiparem nos encargos pecuniários das reformas da instrução deve ter-lhe

mostrado, pelo seu total insucesso, que não poderia contar com suprimentos vindos

desse lado».

Considera ainda o ilustre investigador, se acaso, como hipótese fugaz, a

solução de uma universidade nova em coexistência com a de Lisboa chegou a admitir-

se, logo terá sido afastada.

Efectivamente, o Governo mobilizou-se no sentido de renovar a Instituição

lisbonense, tendo sido dentro deste contexto que estarão inseridas algumas iniciativas,

directas ou indirectas, da administração joanina: o aumento dos vencimentos

abonados aos professores, pretendendo claramente anular, solucionando, uma das

fontes crónicas do mal-estar universitário, oferecendo, assim, condições de vida mais

consentâneas com o valor social dos mestres; revisão dos estatutos que, julga-se, não

envolvendo questões de ordem pedagógica ou ideológicas de fundo, privilegiou o

domínio das finanças; inspecção dirigida à vida administrativa da escola, em que os

visitadores (inspectores) deviam informar-se da situação do património universitário e

da «legalidade e eficácia da sua gerência, corrigindo o que estivesse mal e propondo

ao Governo a legislação e as ordens de serviço necessárias, para que tudo entrasse

em ordem». Ao fim e ao cabo, esta iniciativa tinha como objectivo subordinar o Estudo

à autoridade da Realeza, intervindo nos seus mecanismos internos, tratando-se já de

intervenção na matéria pedagógica, o que se entende, claramente, quando as

instruções régias determinam aos visitadores que observem «se os lentes cumprem

com suas observações como devem».

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 19

D. João III, provavelmente, por querer ver em que paravam as “modas”, ou

talvez porque as “coisas” não estivessem bem amadurecidas, tardou algum tempo a

convencer-se que a modernização do Estudo lisboeta tinha de passar, forçosamente,

pela mudança para Coimbra. Sendo assim, não é de rejeitar que a sua primeira

tomada de consciência, neste aspecto, tenha sido provocada pelas reacções de

alguns prelados ao apelo que lhes dirigira, nomeadamente, e como já foi referido, à

posição enérgica do Arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa.

Porém, foi necessário o “desengano lisboeta”, e que as medidas postas em

prática para a progressão do Estudo se transformassem em constantes e puras

frustrações, para que o Monarca, finalmente, se convencesse de que a reforma era

politicamente inviável na Instituição da Capital.

De facto, D. João, deixara de acreditar na viabilidade de uma reforma eficaz nas

escolas gerais de Lisboa. A experiência evidenciava como era difícil desenraizar a

rotina pedagógica e disciplinar da Instituição: «A imunidade natural que a influência

política dava a muitos lentes, e o proteccionismo pedido ou esperado pelos pais de

certos alunos, trabalhavam denodadamente, a favor dela».,

Acrescente-se ainda que, nos seus últimos anos, a Universidade de Lisboa

tinha perdido Lentes eminentíssimos, como Frei Baltazar Limpo, que regeu a cadeira

de “prima” de Teologia até 1530, e o Dr. Garcia da Orta que, em 1534, embarcou para

a Índia, na companhia de Martim Afonso de Sousa, atraído pela «novidade dos

fenómenos das regiões orientais».

O pensamento da mudança da Universidade para Coimbra impunha-se como

uma necessidade da maior urgência.

Universidade em Torres Vedras? – A intenção de D. João III e do seu Conselho de

fazer sair o Estudo da cidade de Lisboa data, pelo menos, de finais de 1531, pois são

deste ano e dos imediatamente seguintes, as manifestações directas, ou veladas, mais

antigas no sentido de transferir a Universidade para outro local.

Curiosamente, a pretendida transferência não contemplava Coimbra ou Évora,

como seria lógico prever, mas foi Torres Vedras que esteve nas perspectivas reais.

Esta decisão, da qual não se conhece a ordenação, emanada pelo Rei, está,

claramente, documentada na resposta que os vereadores torrienses enviaram ao

Monarca: «…que possa saber que a nós foi dado uma carta de Vossa Alteza que

mandava que o Estudo de Lisboa se viesse a esta vila, e porque senhor esta vila há

muitos anos que está posta em muita necessidade e pobreza pelo desvairo dos

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 20

temporais…pelo que pedimos por mercê a V. A. que haja por bem o estudo se mudar

para outra parte…». Como se vê, Torres Vedras recusou-se a aceitar o pedido por via

das necessidades e pobreza da sua vila.

Então, o que teria levado o Rei “Piedoso” a ordenar a transferência da

Universidade?

Uma das hipóteses que em tempos se tornou corrente assentaria no facto, já

anteriormente referido, do desagrado do Rei pela Universidade de Lisboa somente o

ter eleito para seu Protector, depois do próprio Monarca o ter exigido, em 30 de

Dezembro de 1522. Em contrapartida, D. João não confirmou os privilégios, como era

da praxe, que os seus antecessores concederam ao Estudo. Em 1535, catorze anos

depois de ter começado a governar, ainda a Universidade de Lisboa lhe requeria a

confirmação dos seus privilégios, pois não queriam perder as suas prerrogativas.

Apesar dos atritos continuarem latentes, e os professores saberem que, mais tarde ou

mais cedo a Universidade seria transferida, não parece que a mudança tenha alguma

coisa a ver com as desinteligências surgidas no início do reinado

Moreira de Sá apresenta duas

hipóteses: tratar-se de uma transferência a

título definitivo, baseada na leitura dos

“Disciplinis libri XX” de Luís Vives (ao qual, em

tempo próprio irei fazer a devida referência) ou

de ser uma transferência provisória, motivada

pela peste.

A primeira hipótese é baseada no facto

de Vives, na referida obra, ter aconselhado D.

João a implantar a Universidade em local que

não se coadunava com a cidade de Lisboa:

«Consultius esset extra urbem constitui

gymnasium, praesertim si vele a sit marítima,

vel mercimoniis dediti incolae modo ne locus

caperetur, quo ex urbe consuessent ociosi deambulare animi gratia (Seria da maior

prudência que a Universidade fosse instituída fora da cidade, sobretudo se esta for

marítima, ou se os seus habitantes forem dados à mercancia de sorte que se não

escolhesse um ponto onde os ociosos costumem vaguear à sua vontade).

Moreira de Sá considera à primeira vista, mais plausível a segunda hipótese,

geralmente a mais seguida: ser uma transferência provisória por via da peste que

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 21

então grassava em Lisboa. Porém, o mesmo investigador refere que, já em outras

ocasiões semelhantes, D. João III não permitiu que os Lentes saíssem de Lisboa,

embora o tivessem solicitado a propósito da morte de um deles, vitimado pela peste. E

mais, os Estatutos Manuelinos, então ainda em vigor, determinavam: «E quando quer

que morrerem de peste no lugar em que o estudo estiver, que o lente não se possa

ausentar, pela dita causa senão quando o estudo cessar e [se] deixar de ler».

Pelo que me parece, e estribado nos elementos já recolhidos, mas tratando-se,

também, obviamente, de simples conjectura, D. João III nunca teria considerado

seriamente a ideia da transferência da Universidade para a Vila da Estremadura,

porquanto, se verdadeiramente o desejasse a ideia, creio, teria sido concretizada,

independentemente das razões alegadas pela vereação torriense.

Teria sido uma “manobra de diversão”? Verificar as reacções que tal

determinação provocaria noutras cidades que também procuravam conquistar a

preferência do Monarca? Se era isso que o movia, conseguiu-o.

Reacções de Coimbra e Évora - Ora, sendo este o primeiro acto directo determinado

no sentido da transferência da Universidade (conhecido, pelo menos, a partir da

referida data de 1531), logo a vereação de Coimbra invocou «o direito de cidade de

voltar a ser a sede do Estudo».

Não se conhece, segundo se julga, a carta que então teria sido enviada ao Rei,

mas é conhecida a resposta de D. João, datada de 9 de Junho de 1533, redigida nos

seguintes termos:

«Eu vi bem a carta que me escrevestes em que me dais conta que os primeiros

reis que foram deste Reino, por muitos serviços que da dita cidade receberam, entre

muitos privilégios e honras de que a dotaram houveram por bem que o tombo

(Cartório) do Reino e os estudos gerais estivessem nela, e que por os Reis passados,

meus antecessores, foram mudados para a minha cidade de Lisboa e que ora por

terdes informação que eu os mandava mudar para outra parte me pedis que não

havendo de estar em Lisboa, e fazendo-se deles alguma mudança, fosse para essa

cidade donde primeiro estiveram. Eu vi bem vossa carta e as razões que para isso

dais e vos agradeço a lembrança que me disso fazeis e porém até ao presente eu não

tenho nisso assentado coisa alguma e havendo-se alguma coisa de fazer, eu terei

lembrança do que me enviais dizer».

A resposta do Rei foi, de certo modo, evasiva e dois anos depois mantinha

ainda secreta a sua escolha. Efectivamente, nesse ano de 1533, D. João não escondia

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 22

a intenção de transferir a Universidade, mas fechava-se quanto ao lugar onde a iria

fixar, muito embora no processo que a Inquisição moveu a Damião de Góis esteja

declarado que o Monarca o chamou a Portugal, em 1533, perguntando-lhe se poderia

atrair Erasmo para Coimbra «onde já tinha ordenado de fazer os Estudos que fez».

Como a ideia de transferência se mantivesse, tanto mais que as nomeações de

professores e outros funcionários passaram a ser feitas com a cláusula «enquanto se

não mudar o Estudo desta cidade», a Câmara de Coimbra apresentou novo pedido,

agora nas Cortes de Évora de 1535, para a Universidade ser para ali transferida.

Porém, D. João III, em carta de 30 de Agosto do referido ano, volta a não dar resposta

concreta, limitando-se a declarar «…eu terei lembrança do que enviais apontar acerca

da mudança dos estudos para nesse caso fazer o que me bem parecer».

Também Évora fez diligências no sentido de instalar na cidade alentejana a

Universidade, o que não deixava de criar a Coimbra uma concorrência de risco,

porquanto, tornara-se a residência favorita do Monarca, além de que D. Manuel já ali

teria procurado estabelecer um Estudo Geral, chegando a comprar, em 1520, “um

chão”, junto ao Moinho de Vento e, talvez, até a iniciar as obras.

As pretensões de Évora foram dirigidas ao Rei pelos procuradores, nas

referidas Cortes de 1535, rogando-lhe que mandasse acabar os estudos «d’Évora que

são começados, e que aí se ordenem lentes e que as duas prebendas da Sé que são

ordenadas para um Teólogo e para um Canonista, que rendem duzentos mil réis cada

uma, e as obras da Sé que não são apropriadas para cousa alguma senão para as

ditas obras e rendem novecentos mil réis cada ano se apliquem aos ditos Estudos, e

será azo que hajam mais letrados em seu reino e que não se leve o dinheiro para fora

do reino que os estudantes lá gastam».

O Rei, que certamente já havia feito a sua escolha, limitou-se na sua resposta a

um breve «Agradeço-vos a lembrança».

Assim o tempo ia correndo sem que os objectivos do Monarca se revelassem de

modo totalmente aberto, até que, finalmente, em 1536, mostrou de maneira

insofismável as suas intenções.

Os desígnios do Rei são relatados numa carta, com carácter particular, enviada

de Évora, datada de 11 de Março, e dirigida a Frei Brás de Braga, onde revela alguns

pormenores do seu plano, dos quais pede segredo ao seu destinatário. O conteúdo

dessa carta, de grande interesse histórico, é do seguinte teor:

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 23

«Padre Frei Brás. Eu, el-rei, vos envio muito saudar. Vós haveis de pôr, no fim

de Setembro deste ano, um mestre que leia as Súmulas por então fazer um ano que

agora lê o curso de Lógica e, daí a um ano, outro mestre que leia Filosofia, que são os

três cursos das Artes, e posto que até o dito tempo

não seja necessário ordenardes os ditos mestres por

até então os cónegos não terem necessidade deles,

folgaria ordenardes de os pôr logo, e mandarde-los

buscar que sejam pessoas para isso suficientes,

assim como fizestes aos que agora tendes, porque

queria que as Artes se não leiam mais em Lisboa e

mandar que os meus bolseiros de Paris se venham os

que ainda ouvem as ditas Artes, e não passarão à

Teologia e que não seria razão mandá-los revogar,

não tendo assim os estudantes que os ouvem em

Lisboa, como os de Paris, outro Estudo onde os

possam ouvir nestes reinos, e perderiam o trabalho

que tem nisso levado pelo qual vos agradecerei

fazerde-lo logo. E como o tiverdes feito, escrevede-

me para logo mandar revogar os de Lisboa e mandar

vir os de Paris. E isto de revogar de Lisboa folgarei que tenhais em segredo porque

não queria que se soubesse antes de eu os mandar revogar. Encomendo-vos muito

que o façais assim. Henrique da Mota o fez em Évora aos 11 dias de Março de 1536».

Aqui o Rei, com toda a clareza, determinava a extinção das Artes em Lisboa, o

que passaria a fazer-se em Santa Cruz onde, aliás, já existia com a reforma de Brás

de Braga. Para esse efeito ordena-lhe que providenciasse no preenchimento dos três

Cursos de Artes: Lógica, Súmulas e Filosofia e que os seus “bolseiros” de Paris

regressassem a Portugal, não passando à Teologia, continuando esses mesmos

estudos em santa Cruz.

Apesar do sigilo que o Soberano pedia na sua carta, a notícia chegou à

Universidade de Lisboa, cujos professores alarmados pela iminência de abandonar a

Capital, ou de até de serem obrigados a abandonar a docência, procuraram demover o

monarca, por todos os meios legítimos.

A primeira tentativa neste sentido foi levada a cabo em 23 de Outubro do

referido ano de 1536, quando o Conselho Universitário nomeou o Dr. Francisco Gentil,

Lente de Véspera, e o Dr. Mestre Gil, Lente de Prima de Medicina, para irem a Évora

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 24

«pedir por mercê a Sua Alteza e por toda outra via honesta e jurídica que não mude o

dito estudo e universidade desta cidade de Lisboa como lhe é concedido outorgado

pelos outros seus antepassados».

Poucos dias depois, a 2 de Dezembro, partiram para a corte a fim de se

desempenharem da sua missão. Porém, D. João foi protelando a resposta e parece,

até, que nem sequer chegaram a ser recebidos.

Perante a demora do Rei em responder à Universidade, colocada numa

incerteza inquietante, provocando-lhe desassossego, pois os procuradores, além das

despesas e ausência às aulas, prejudicando os alunos, não conseguiam que fosse

dado despacho ao requerimento, tornando baldados os seus esforços.

Apesar de, praticamente, já não haver dúvidas que a Universidade lisboeta tinha

os dias contados, os Lentes resolveram, a 14 de Dezembro, desse mesmo ano de

1536, dirigir nova carta ao Rei em que, desassombradamente, lhe apresentavam as

razões que aconselhavam a permanência do Estudo em Lisboa e lhe suplicavam

resposta ao requerimento:

«Senhor: Fará Vossa Alteza muita mercê a esta sua Universidade querer tomar

conclusão sobre o requerimento de se não mudar este Estudo para Coimbra pelas

razões contidas na carta que lhe escreveu, pelos Doutores seus procuradores e outras

que eles diriam a V. A. Porque, além do gasto que lá fazem e perda das lições das

suas cátedras, ainda que se leiam por substitutos, saberão assim os lentes, como os

estudantes, o que hão-de fazer, que todos andam indeterminados. Porque se V. A. por

cima da justiça que parece esta Universidade que tem para não mudar o Estudo,

determina, todavia, de o mudar a Coimbra, os lentes que lá estão não houverem de ir

requererão os que lhes cumprir de seus salários e serviços; e os que houverem de ir,

ordenarão suas coisas em tempo e assim o farão os estudantes que são a principal

parte da Universidade. E cremos que não é seu serviço o desassossego em que os

põem, não verem já claramente a determinação de V. A. sobre isto.

Lembramos a V. A. , entre as outras causas qua aí há para se não mudar este

Estudo daqui, que este bairro em que estes estudantes vivem é o melhor para o

agasalhado e saúde deles que pode haver em seu Reino. E que nesta cidade quis El

Rei que Deus tem, seu pai, que se fizesse a romaria que se faz, por ele, cada ano, e

assim o infante Dom Henrique; e que aqui quis El-Rei, seu pai, estivesse este Estudo

dando-lhe casas em que se fizessem as escolas, como diz o prólogo de seus

Estatutos. Assim quiseram os reis que ante ele foram, cujas vontades parece razão e

justiça serem cumpridas. E que uma parte da renda deste Estudo é da Capela de

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 25

Mangancha que mandou que se cantasse em S. Jorge desta cidade, e que uma

principal parte dos seus estudantes são sacerdotes que se mantêm das Capelas que

aqui há, muitas que não há em Coimbra. E que a república desta cidade, de que são

os mais dos estudantes, receberá mui grande dano porque não poderão manter seus

filhos tão longe. E parece que V. A. devia de querer fazer mercê assim aos estudantes

como ao povo desta cidade, fazendo mercê que tem muito amor a seu serviço em lhe

não tirar este bem, fazendo mercê a Coimbra com tanto dano de Lisboa, principal

coisa de seus reinos. E que devia V. A. de haver por seu serviço deixar aqui este

Estudo com sua ordenança, como El- Rei que Deus tem, seu pai, o renovou. Que

muito proveito será a seus reinos haver aí duas Universidades, pois em outros há

muitas mais.

Pedimos a V. A. que, com as razões desta carta e da outra que sobre isto lhe

escrevemos, com pareceres de letrados e dos do seu conselho, com muita brevidade

tome sobre isto aquela conclusão que for mais serviço de Deus e seu e bem comum. E

nos faça tanta mercê que nos escreva sua determinação. Nosso Senhor acrescente o

real estado de V.A. com muita longa vida.

De Lisboa, a 14 deste Dezembro de 1536».

Ao mesmo tempo, o Cabido, certamente influenciado e concordante com a

Universidade, escreveu a D. João III solicitando-lhe que não mudasse o Estudo para

Coimbra.

O Rei não se dignou responder à Universidade, (aliás a pretendida e desejada

resposta pela Instituição lisboeta, nunca viria a chegar), mas respondeu ao Cabido, em

22 de Dezembro de 1536, declarando que «tudo considerado por ele, determinou fazer

a dita mudança para Coimbra por lhe parecer assim serviço de Deus e comum proveito

do seu Reino».

Desvendada, finalmente, deste modo, a decisão constituía o golpe mortal nas já

ténues esperanças da Universidade de Lisboa.

«Alma Mater» regressa a Coimbra cento e sessenta anos depois.

(1537).

A primeira informação, ou seja, o primeiro documento conhecido relativamente à

Universidade de Coimbra, corresponde à Carta de 11 de Janeiro de 1537, enviada de

Évora, onde a Corte se instalara havia alguns anos, ao Conde de Castanheira, D.

António d’Ataíde, e que consta do seguinte: «Conde, amigo, Eu El-Rei vos envio muito

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 26

saudar como aquele que amo. O Doutor Gonçalo Vaz Pinto que ora envio à cidade de

Coimbra ler a cadeira de prima de leis nos estudos que ora, com a ajuda de Nosso

Senhor, mando agora fazer na dita cidade».

Cerca de um mês depois, em carta de 9 de Fevereiro de 1537, dirigida a Frei

Brás de Braga, o Monarca tornava pública, por assim dizer, a transferência da

Universidade para Coimbra. Nela, para além de afirmar «Eu sempre fiz fundamento

quando determinei mandar fazer esses estudos de fazer universidade e escolas

gerais» (o contexto da frase esclarece, de facto, que “esses estudos” não são a

reforma pedagógica empreendida por Frei Brás em Santa Cruz, mas as construções

escolares em projecto), comunicava ao frade reformador que os Lentes destinados a

leccionar Teologia,

Cânones, Leis e Medicina

(as Artes e Gramática já

eram lidas em Santa Cruz),

deviam apresentar-se na

cidade do Mondego «por

todo este mês de

Fevereiro», a fim de

iniciarem o seu magistério

no primeiro dia de Março.

Por este motivo ordenava-lhe que mandasse desocupar alguns daqueles gerais

já construídos nos colégios de Santa Cruz, para neles lerem parte dos novos

professores, devendo procurar-se para os restantes casas o mais próximo possível do

Mosteiro.

Acrescentava, ainda, «E porque para o regimento dessa Universidade é

necessário haver reitor, como em todas as outras Universidades», por alvará de 1 de

Março encarregava o reitorado a D. Garcia de Almeida, determinando que servisse o

cargo enquanto se não fizer, de acordo com os Estatutos, a eleição do Reitor.

Motivos da transferência – O primeiro autor, que se saiba, a interessar-se pelas

razões da transferência da Universidade foi Pedro de Mariz, em 1594, nos “Diálogos

de vária história” e, desde então, tem sido um assunto em que só têm sido

apresentadas hipóteses.

Os verdadeiros motivos da transferência não foram divulgados por D. João III, e

a afirmação de que mudava a Universidade por «serviço de Deus e por comum

proveito do seu Reino», não colhe, visto que não passava de uma fórmula com o

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 27

objectivo de camuflar a verdadeira, ou verdadeiras razões. Portanto, só hipóteses,

umas plausíveis, outras nem tanto, apresentando algumas, até, por vezes, situações

antagónicas.

Consideradas aquelas que, já referidas, foram apresentadas quando das

intenções de D. João III mudar a Universidade para Torres Vedras e que não

justificam, aqui e agora, analisar por falta de consistência, aliás como outras que não

foram então explicitadas, ressalvarei, apenas, porque bem fundamentada, a hipótese

que considera tratar-se de uma transferência a título definitivo baseada na leitura que

o Rei terá feito dos “Disciplinis libri XX” de Luís Vives.

Até ao presente julgo, e praticamente com total unanimidade, ter sido o

Professor Silva Dias, estudioso da cultura portuguesa e europeia desta época, e

investigador de craveira internacional, a lançar luz e a trazer a lume um encadeamento

de factos apresentando os argumentos mais sólidos, credíveis, ia a dizer definitivos,

acerca da fixação da Universidade na “Lusa Atenas”, em 1537, problema intrincado

que se arrastou até meados do século passado.

Como se compreenderá, apenas farei resumo do que considerei serem os

aspectos mais acessíveis e significativos.

A transferência da Universidade portuguesa para Coimbra foi uma opção que

«germinou no espírito do Soberano talvez por força de circunstâncias acidentais»,

sendo a principal de todas a prolongada estadia da Corte na cidade do Mondego.

O tempo de Coimbra não podia deixar de chamar a atenção de D. João III para

os problemas de ordem cultural e, assim, lhe terá surgido a iniciativa da reforma do

Mosteiro sob a direcção de Frei Brás de Braga, de quem certamente já ouvira falar,

conhecia, ou foi conhecendo, a ponto de se tornar no homem em que depositava total

confiança: «…quanto às informações que dizeis que cá me poderão dar em contrário

das vossas, sobre as coisas dessa casa, eu tenho confiança que sempre as

informações que vós me derdes hão-de ser as verdadeiras em todas as cousas, e eu

as recebo por tais e não de outra maneira». (Carta do Rei, datada de 17 de Abril de

1535, para Frei Brás). Entre outras, o Monarca deu-lhe uma prova de confiança

quando, desde 1533, o encarregou de organizar, em base universitária, o ensino das

Artes e da Teologia em Santa Cruz, e mantendo sob a sua orientação estas duas

Faculdades mesmo depois da transferência da Universidade.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 28

Ao acompanhar directamente a obra do frade reformador, D. João III cedo se

apercebeu estar na presença do homem certo, capaz de concretizar as suas

aspirações no campo do ensino.

Porém, uma reforma que se pretendia de envergadura «pegando nas coisas

desde a raiz», instalações, pessoal, estruturas e método não tinha qualquer hipótese

de realização sem largos investimentos de capital, porquanto, «o dinheiro e os homens

com ideias e capacidade de acção eram as duas molas reais da empresa».

Ao descobrir o homem providencial para dinamizar o seu projecto, D. João

“descobria” também, em Coimbra, as verbas necessárias à consecução do fim em

vista. O contacto “in loco” com o s negócios crúzios, proporcionaram-lhe a

possibilidade de transformar o património monástico numa fonte de alto rendimento o

que lhe permitiria cobrir as despesas escolares.

Efectivamente, o único meio que havia para fornecer à Universidade as rendas

indispensáveis seria reunir, novamente, ao seu património bens eclesiásticos, aos

quais havia recorrido por várias vezes. De todas as rendas das igrejas aplicadas à

Universidade, a dádiva de maior vulto foi a que recebeu à custa da anexação dos

haveres do Priorado-Mor de Santa Cruz, uma das comendas mais opulentas do País.

A anexação do património crúzio à Universidade só veio a verificar-se em

Novembro de 1543, quando faleceu o último Prior- Mor, D. Duarte, filho ilegítimo de D.

João III. Então, o Monarca, certamente aconselhado por Frei Brás, decidiu obter do

Papa a extinção da comenda para que a maior parte dos bens fosse aplicada à

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 29

Universidade. Apesar das dificuldades em conseguir a anuência do Pontífice, este

acabou por conceder a bula “Cum attente”, de 8 de Junho de 1545.

Em meados do ano seguinte, a Universidade tomou posse das rendas que

passaram a constituir a maior parte da sua fortuna, o que não deixaria de causar

discórdia e a indignação dos crúzios. Outras rendas e bens foram também

desanexadas do Priorado-Mor que a Universidade viria a auferir,

Embora a anexação do património crúzio à Universidade só se tivesse

verificado, como acabou de referir-se, de pleno direito, em 1543, o facto não quer dizer

que, já anteriormente, não tivessem saído dele quantias, mais ou menos elevadas,

para custear os estudos. Sabe-se que os encargos de expropriação de terrenos e da

construção dos gerais académicos de Santo Agostinho e de São João Baptista, bem

como o dos colégios de são Miguel e de Todos-os- Santos, foram comparticipados, em

boa parte, «pelas arcas da mesa conventual e da mesa prioral do Mosteiro».

Igualmente as primeiras despesas com a remuneração do professorado crúzio

teve a mesma proveniência, como consta do”Livro de recepta e despesa deste

Mosteiro de Sancta Cruz”: «a Nicolau Leitão (recebedor das rendas do Convento), vai

provisão do [prior-mor], o Cardeal meu muito amado e prezado irmão, para pagar os

ditos lentes [da Universidade agora transferida …].

A correspondência com Frei Brás de Braga é, aliás, significativa quanto ao

apoio financeiro à reforma e transferência da Universidade, não deixando a menor

dúvida de que os rendimentos patrimoniais de Santa Cruz estiveram, desde cedo, na

mira de D. João III, como condição “sine qua non” da sua política cultural.

Também não pode ter sido estranha à mudança da Universidade a influência do

grande humanista cristão Luís Vives, podendo considerar-se como praticamente certo

que a doutrina escolar do Governo «só através do filósofo espanhol se clarificou e

atingiu o dinamismo da acção».

O humanista valenciano dedicou ao Rei de Portugal o seu “De Disciplinis”,

publicada em Antuérpia no ano de 1531. O Monarca ficou bastante agradado com a

dedicatória, retribuindo-a generosamente. Igualmente a ala “avançada” dos

intelectuais, João de Barros, Damião de Góis e André de Resende, entre outros, não

deixou de manifestar grande apreço pela obra, que é ao mesmo tempo uma crítica da

cultura universitária pré-existente e o manifesto mais completo do humanismo no

campo pedagógico, até então publicado.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 30

O autor faz, praticamente, desde o início, um ataque à escolástica da Idade

Média e ao método da autoridade e, embora prestando homenagem ao génio de

Aristóteles, não deixa de, frontalmente, afirmar: «É sem dúvida, muito mais vantajoso,

para o progresso da cultura, aplicar a critica aos textos dos escritores célebres, do que

descansar, indolentemente, na simples autoridade e aceitar, por sistema, tudo o que o

juízo alheio nos oferece…Podemos hoje, se em tal sentido nos aplicarmos, opinar

melhor, de uma maneira geral, das coisas da vida e da natureza, do que Aristóteles,

Platão ou qualquer outro da Antiguidade...».

Todo o Prefácio gira à volta deste tema, relevando, sobretudo, a crítica e a

liberdade de pensar.

Atenção bastante alargada é dedicada à pedagogia das letras humanas. Vives,

além de valorizar o ensino das línguas eruditas, o latim, o grego e o hebraico, condição

“sine qua non” para a abordagem dos textos sagrados nas línguas originais

«apresenta um plano de estudos completo e uma metodologia que permite superar a

escolástica no que se refere aos preparatórios e à formação geral».

Silva Dias considera que qualquer intelectual ou político não poderia ficar

indiferente à de progresso do “De Disciplinis”, tanto mais que se tivesse ideias de

mudança e progresso no ensino, não deixaria de sentir a necessidade urgente da

reforma escolar.

Para o caso português (do qual já foi feita uma brevíssima abordagem), o livro

indicava, ainda, complementarmente, valiosas noções quanto à localização dos

estudos, considerando que não se despreze «a salubridade do lugar, [de

funcionamento das instituições de ensino], não se dê o caso de os escolares terem de

se retirar muitas vezes com medo das epidemias». Refere também a conveniência das

escolas se situarem em lugar afastado das grandes concentrações humanas «assim

como longe da Corte e da proximidade de mulheres novas».

Neste aspecto da localização conclui que «o mais sensato seria instalar o

colégio fora da cidade, mormente se esta for marítima ou os seus moradores se

entregarem ao comércio, para não se ter um local onde os ociosos costumam vaguear

à sua vontade; em sítio que não esteja à borda de estrada pública, para que os

escolares não se distraiam com a novidade dos que vão ou vêm, e que não seja

fronteiriço, para o alarme e sobressalto contínuo da guerra não roubarem a quietação

necessária ao estudo».

Outras indicações oportunas dizem respeito ao professorado, afirmando que o

seu serviço devia ser pago pela fazenda nacional e não pelos alunos: «Arranque-se

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 31

das escolas toda a ocasião e incentivo de lucro. Percebam os doutores um salário do

tesouro público, graduado de maneira que satisfaça o desejo dos bons e provoque o

asco dos ambiciosos…Nada recebam dos estudantes, para que não andem a captá-

los, nem os tratem pela esperança do lucro, com mais brandura do que seria preciso.

Tão pouco lhes vendam as subsistências; eleja-se antes, semanalmente, um dos

colegas para raçoeiro ou mordomo».

O vasto programa de Luís Vives, cuja aplicação exigia uma profunda reforma

das estruturas orgânicas e pedagógicas das instituições de ensino, «…mal seria

compatível com a permanência dos mesmos homens, e não o seria, sem dúvida, com

a dos mesmos livros e dos mesmos métodos».

Em 1534, já conhecedor da orientação política de D. João III em matéria de

ensino, escreveu-lhe uma carta (18 de Setembro), onde lhe dava novos conselhos,

sobretudo, incitando-o a estabelecer uma ou duas escolas públicas: «…não que faças

vir a elas todos aqueles a quem dás a felicidade dos estudos fora da pátria – pois ali

aprendem, a par das letras, o estilo e sabedoria de vida dos outros povos, mediante o

conhecimento dos seus costumes -, mas tão só para transplantares alguns para as

tuas academias como agentes de renovação. Terás de mandar em contrapartida,

outros dos que lhes pertencem haurir no estrangeiro a erudição que hão-de trasvasar

no teu reino, até que nele manem também abundantemente as fontes com que possas

retribuir às outras nações as graças e a recompensa do que recebeste».

Sem dúvida que Luís Vives exerceu uma acção decisiva sobre D. João III e que

a reforma escolar e transferência da Universidade para Coimbra, em 1537, tiveram

muito a ver com as ideias do grande filósofo e humanista espanhol, não esquecendo o

excelente relacionamento existente entre os dois.

A Universidade Nova. Reorganização.

Ao contrário do que D. João III havia determinado, e era seu desejo, a

transferência da Instituição não se efectuou na data prevista, porquanto, a

Universidade funcionou até ao último dia de Março de 1537, como consta dos seus

livros, referindo que nesse mesmo dia alguns estudantes provaram o tempo de estudo

exigido por lei para serem admitidos a exame.

Porém, cerca de uma semana depois, a 9 de Abril, a Universidade já funcionava

em Coimbra, visto aqui ter sido lavrado, pelo bedel Nicolau Lopes, o termo da prova

dos cursos de bacharel Luís da Guarda, embora só no início do mês seguinte fossem

abertos aos escolares os gerais conimbricenses.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 32

Efectivamente, foi a 2 de Maio que Francisco de Monçon, Lente de Véspera de

Teologia, que viera de Lisboa, abriu solenemente o seu novo curso com a “lição de

pompa”, seguindo-se nos dias mediatos os restantes professores, conforme a ordem

indicada pelo Conselho Universitário.

Instalações. Conflito de jurisdição – A transferência da Universidade implicava um

conjunto de situações que deviam ter sido resolvidas antecipadamente, ou pelo menos

com a máxima urgência: instalações, situação do pessoal docente de Lisboa, serviços

e funcionalismo, promover a mudança dos estudantes, ter preparado os edifícios

apetrechados com o indispensável material escolar, residências para habitação das

pessoas que passariam a viver ligadas à Universidade, para além de um plano, ou

seja, a promulgação dos novos Estatutos. Só que… a realidade foi outra, surgindo,

logo à partida conflitos de vária ordem, aliás previsíveis, nomeadamente entre a

Universidade e o Mosteiro.

Se bem que dez anos antes da transferência da Universidade, D. João III já se

preocupasse com as instalações, uma vez feita a mudança o assunto continuava por

resolver, não havendo edifícios próprios para a instalar. À data da transferência, no

que respeita a instalações, ainda o Monarca se encontrava na fase primária de

apreciar e dar o seu parecer sobre a planta dos edifícios. (Carta de 9 de Fevereiro de

1537).

Já se referiu ter o Rei ordenado que uma parte das aulas se instalasse em

Santa Cruz e suas dependências, e as demais em casas de aluguer próximas do

Mosteiro. Porém, os Colégios crúzios estavam ainda por terminar e as casas de renda

das proximidades «não serviam para escolas, pois que a rua da Sofia dentro de breves

anos uma das mais belas do País, ainda se encontrava por construir».

Perante a inviabilidade de não haver lugar para toda a massa discente,

repartiram-se as Faculdades, resolvendo o Reitor, Garcia de Almeida, instalar, em sua

própria casa, uma sumptuosa moradia que possuía junto ao arco romano da Estrela, o

ensino da Teologia, Cânones, Leis e Medicina; a Gramática e as Artes ficariam a ser

leccionadas em Santa Cruz.

Atendendo aos precedentes, a mudança de Lisboa para Coimbra havia de

trazer, fatalmente, problemas de jurisdição entre a universidade e o Mosteiro, que se

iriam prolongar por cerca de sete anos. Efectivamente, a coexistência entre a duas

Instituições tornar-se ia impossível, não só por motivos de rivalidade quanto ao ensino,

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 33

mas também devido às rendas desanexadas do Priorado-Mor, a que se pode

acrescentar outro ponto de fricção, o confronto com os jesuítas.

D. João III não terá atendido ao facto da única escola de nível superior existente

em Portugal, senhora das suas prerrogativas e tradições seculares, não aceitaria

qualquer tipo de dependência, ou tutela, do Mosteiro conimbricense.

Determinando a instalação das Faculdades superiores no domicílio do Reitor

Garcia de Almeida, os crúzios mostraram-se, naturalmente, desagradados, uma vez

que nos seus colégios apenas se continuaria a leccionar o ensino preparatório da

Gramática e das Artes, o que terá sido uma desilusão para Frei Brás de Braga. Esta

situação leva o frade reformador a dirigir-se ao Rei, recordando-lhe as promessas não

cumpridas.

Em consequência, D. João III, por alvará de 20 de Abril de 1537, ordena que as

três cátedras de Teologia se lessem no Mosteiro de Santa Cruz. Porém, os Lentes,

entendendo ser contra a Universidade, semelhante ordem, reagiram energicamente

requerendo a revogação, só que os seus esforços foram inúteis, pois o Monarca, por

alvará de 10 de Julho de 1537, confirmou a ordem da mudança.

A instalação da Universidade fora um expediente provisório, imposto por

dificuldades ocasionais, porquanto, em Setembro do mesmo ano, D. João anunciava o

propósito de mandar edificar Escolas gerais

apropriadas não muito longe do lugar dos

“Estudos Velhos”, em Almedina, o que nunca

chegou a concretizar-se.

Entretanto, de modo a que os

trabalhos escolares se iniciassem

regularmente em Outubro, entre 6 e 8

realizou-se a mudança da Universidade das

casas de Garcia de Almeida para o Paço

Real da Alcáçova, que ficaram sendo os

Paços das Escolas, onde ainda hoje existe a

sede principal da Universidade. A título de

curiosidade, diga-se que este facto «valeu à cidade de Coimbra, devido ao seu

posicionamento em “acrópole”, bem como à noção de que a Universidade constituía

um lugar sagrado da cultura, epítetos mitificadores como “Lusa-Atenas” ou “Colina

Sagrada”».

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 34

Cerca de três meses e meio depois do início das aulas, a situação entre as duas

Instituições agudizava-se por via de uma nova e grave mutilação. Por Carta de 26 de

Janeiro de 1538, o Rei, a pretexto da «conexão dos estudos médicos com as Artes»,

determinava que os Lentes de “física” fossem ler aos gerais do Mosteiro.

Deste modo, a Universidade ficava limitada às Faculdades de Leis e Cânones e,

ainda, às cadeiras de Matemática, Retórica e Música, enquanto nos colégios crúzios

se concentravam todas as de Teologia, Artes, Gramática e as Línguas latina, grega e

hebraica. Quer isto dizer que existiam em Coimbra duas Universidades (incompletas),

«absolutamente independentes uma da outra, governadas cada qual pelas suas leis

privativas, possuindo cofres separados e livros de matrícula diferentes…e nem sequer

o ano lectivo coincidia em ambas as escolas».

Esta situação paradoxal, em que o desmembramento de um organismo

essencialmente corporativo afectava, claramente, a vida escolar, evidenciava a quebra

da unidade de direcção visto que o Governo da Universidade se repartia por duas

autoridades diversas e independentes, o Reitor no Paços Reais e o Prior. Mor no

Mosteiro, não deixou de provocar longas e violentas disputas.

Acrescente-se, ainda, o facto de D. João III, quando da transferência,

determinara por alvará de 28 de Novembro de 1537, que o Reitor conservasse a

função de Cancelário, a quem competia conferir os graus académicos. Porém, em

Novembro de 1539, o Rei nomeia Cancelário da Universidade o Prior de Santa Cruz e

seus sucessores o que não deixou, naturalmente, de melindrar a Universidade por via

do seu Reitor ter sido privado de tal dignidade e que até aí exercera.

Reunificação da Universidade – As divergências entre a Universidade e Santa Cruz

subiram de tom, entrando em verdadeiro conflito, quando do reitorado tomou posse o

Bispo de São Tomé, D. Bernardo da Cruz, homem irascível e prepotente, que o Rei

nomeara por Carta de 28 de Abril de 1541. Os crúzios sentiram-se de tal modo

afrontados com as desconsiderações do purpurado que, segundo se julga, Frei Brás

de Braga chegou a pedir dispensa do cargo de governador do Mosteiro.

De facto, foi quase permanente o confronto entre as autoridades de «baixo»

(Santa Cruz) e as de «cima» (Universidade), levando o Rei a procurar soluções. Em

1542, o Rei escreve uma carta a Frei Diogo de Murça, que então dirigia o Colégio de

Santa Marinha da Costa, em Guimarães, pedindo-lhe que venha com urgência, logo

que receba a carta, falar com ele, certamente com a finalidade de o ajudar a eliminar

as dificuldades que travavam a execução da reforma. Assim foi.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 35

Afastado do cargo, o Bispo Santomense, em 1543, D. João nomeou como

sucessor, Frei Diogo de Murça, um amigo de Frei Brás de Braga, seu irmão na

profissão religiosa de São Jerónimo, e seu antigo condiscípulo em Paris e Lovaina,

como, aliás, já foi referido e que, ao deixar o Colégio da Costa, seguiram com ele para

Coimbra os mestres que leccionavam no Mosteiro, bem como os alunos, o que obrigou

o Colégio a encerrar a sua actividade em 1550.

Nestas circunstâncias, não tardou muito tempo para que o novo Reitor e o frade

reformador tivessem chegado a completo acordo, quanto aos interesses e desejos da

Universidade, em situar-se num local único e concentrar os poderes directivos no seu

Reitor.

Com efeito partiu do próprio Frei Brás a proposta para harmonizar a

Universidade e o Convento, ao escrever ao Rei, «ponderando-lhe a conveniência, para

concórdia e sossego da Universidade e quietação e clausura dos cónegos regrantes,

de todos os lentes dos colégios transitarem para os gerais da Universidade»,

reconhecendo os inconvenientes do bulício escolar dentro de uma comunidade votada

ao recolhimento.

A sugestão foi tão bem acolhida na Corte que, D. João III, pela Carta de 22 de

Outubro de 1544, veio pôr termo a um “statu quo” bem pernicioso, impeditivo do bom

funcionamento da Instituição académica, e que durante sete anos tanto perturbou a

vida escolar. Pela referida Carta, e de acordo com o reformador do Mosteiro, o Rei

retirava da jurisdição do Padre Prior Cancelário os Lentes de Teologia, Medicina, Artes

e Latinidade e incorporava-os na jurisdição da Universidade, então, como se sabe já

instalada no Paço Real da Alcáçova.

Quadro docente – Aspecto fundamental na reforma dos estudos foi aquele que deu

lugar à renovação do pessoal docente, quer pela entrada dos Mestres já instalados em

Santa Cruz, provenientes, como se viu em devido tempo, de Alcalá e de Paris, quer

pela realização de novos convites a vários professores estrangeiros, ou portugueses

Lentes no estrangeiro.

D. João III, ao transferir a Universidade, não se prendeu, ou entendeu não levar

em conta os direitos adquiridos pelos Mestres da Capital, porquanto, parece ter

enviado para Coimbra quem considerou competente, aposentando quem o não era, ou

não lhe agradava. Assim, sob este ponto de vista, o Rei, certamente bem

aconselhado, tratou de proceder a uma verdadeira renovação e selecção do pessoal

docente.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 36

Dos mestres que estavam no activo, apenas três seguiram para Coimbra: o

Padre espanhol Francisco de Monzón, de Teologia, Gonçalo Vaz Pinto, de Leis e

Duarte Gomes nas Artes, juntando-se-lhe dois anos depois, o Doutor Santa Cruz e o

Licenciado Agostinho Fernandes, ambos juristas. Os antigos Lentes permaneceram na

Capital, promovendo o Governo a sua fixação na Corte, «criando-lhes situações

económicas ou sociais que os punham na alternativa de optarem pela carreira

científica, abandonando os seus interesses, ou de protegerem os seus interesses

deixando a Universidade. Quem conhece os homens, e em especial quem conhecia os

lentes de Lisboa, não tinha dúvidas: a perspectiva utilitária prevaleceria. E de facto as

jubilações com o vencimento por inteiro, os provimentos em altos cargos, e as tenças,

multiplicam-se no conjunto professoral da academia do Tejo. Era preciso que não

viesse para Coimbra, com o passivo indesejável dos seus hábitos e das suas rotinas».

Os novos estudos foram-se completando com um corpo docente praticamente

estranho à Universidade, havendo necessidade de serem escolhidos e contratados

mestres nacionais e estrangeiros, alguns, pagos a “peso de oiro”, pois só assim

aceitavam abandonar as suas cátedras e tomar conta da regência das principais

cadeiras.

Para além dos mestres acabados de citar, segundo os registos universitários,

no que respeita à Faculdade de Teologia, vieram o Doutor Afonso do Prado que já

estava, ou tinha estado, em Santa Cruz, vindo de Alcalá de Henares, Frei Martinho de

Ledesma, proveniente de Salamanca, Mestre João de Pedraza, igualmente espanhol,

frei António da Fonseca e Paio Rodrigues de Vilarinho, viajaram directamente de Paris,

Marcos Romeiro, que leccionava no Colégio da Costa e alguns mais; ensinaram, entre

outros, na Faculdade de Cânones, o espanhol Martim de Aspilcueta Navarro,

catedrático da Universidade de Salamanca, Bartolomeu Filipe, Luís de Alarcon e João

Peruchi Morgovejo; em Leis, Manuel da Costa, o doutor “subtil”, que viera de

Salamanca para reger a cátedra de Código, Fábio Arcas, que veio de Roma, Aires

Pinhel, estudante famoso em Salamanca, e muitos outros, pois parece terem ensinado

em Coimbra dezoito Lentes de Leis; nas cátedras de Medicina destacam-se os nomes

de Henrique Cuellar, chamado de Paris, Tomás Rodrigues da Veiga e Luís Nunes de

Santarém, vindos de Salamanca, Rodrigo Reinoso, também de Salamanca, mas

formado nas escolas italianas e francesas, Francisco Franco, especializado por Alcalá,

António Luís e o célebre Alonso Roiz de Guevara. Sublinhe-se, ainda, o nome de

Pedro Nunes, a quem, em 1544, foi atribuída a cadeira de Matemática.

Carlos Jaca A Universidade Portuguesa – Situação da Universidade anterior à sua transferência para Coimbra 37

A renovação e o alargamento do quadro docente trouxe também consigo uma

nova forma no que diz respeito ao provimento das cadeiras, pois, passou a ser feito,

na generalidade, por períodos renováveis de um ano, dois, mais frequentemente três,

por vezes quatro e até seis anos, tornando-se muito raras as nomeações vitalícias ou

por período ilimitado de tempo, o que permitia à administração central e universitária

um maior campo de manobra, como aliás era conveniente, numa fase de grande

transformação das estruturas escolares.

Estava reunificada a Universidade e, em boa hora escolhido o seu Reitor, Frei

Diogo de Murça, porquanto, a «alma mater» iria viver os dias mais gloriosos da sua

história científica. Com efeito, o frade hieronimita veio a operar uma profunda

transformação na estrutura e na vida da Instituição, surgem novos Estatutos, novos

planos de estudo, aumento e consolidação do seu património e, até, a criação do

Colégio das Artes que será tratado em momento próprio e com as devidas referências.