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Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia Homenagem ao Professor Luiz de Pinho Pedreira Nº 17 • Ano: 2008.2 Salvador – Bahia REVISTA 17.indd 1 11/12/2008 19:25:45

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Revista do Programa de Pós-Graduaçãoem Direito da Universidade Federal da Bahia

Homenagem ao Professor Luiz de Pinho Pedreira

Nº 17 • Ano: 2008.2Salvador – Bahia

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Capa: Carlos Rio Branco BatalhaDiagramação: Maitê [email protected]

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Conselho Editorial Administrativo

Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado, Celso Luiz Braga de Castro, Dirley da Cunha Junior, Edilton Meirelles, Edvaldo Pereira Brito, Fredie Didier Jr., Heron Santana, Jonhson Meira Santos, Luiz de Pinho Pedreira da Silva, Manoel Jorge e Silva Neto, Maria Auxiliadora de A. Minahim, Mônica Neves Aguiar da Silva, Marília Muricy Machado Pinto, Nelson Cerqueira, Paulo César Santos Bezerra, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Rodolfo Pamplona Filho, Roxana Cardoso Brasilei-ro Borges, Saulo José Casali Bahia, Washington Luiz da Trindade, Wilson Alves de Souza.

Conselho Editorial Consultivo Nacional

Ada Pellegrini Grinover (USP), André Ramos Tavares (PUC/SP), Andreas Krell (UFAL), Araken de Assis (PUC/RS), Aury Lopes Jr. (PUC/RS), Eurico Marcos Diniz de Santi (FGV-Law), Fábio Nusdeo (USP), Gustavo Binenbojm (UERJ), Gilberto Bercovici (USP), Gisele Góes (UFPA), Humberto Ávila (UFRGS), Ja-naina Paschoal (USP), José Carlos Barbosa Moreira (UERJ), José Manoel de Arruda Alvim Netto (PUC/SP), Leo Pessini (São Camilo), Leonardo José Car-neiro da Cunha (UNICAP), Luiz Edson Fachin (UFPR), Luiz Guilherme Mari-noni (UFPR), Luiz Rodrigues Wambier (UNAERP), Marcelo Abelha Rodrigues (UFES), Marcos Bernardes de Mello (UFAL), Nelson Mannrich (USP), Ney de Barros Bello Filho (UFMA), Paulo Cesar Santos Bezerra (UUU); Petrônio Calmon Filho (IBDP), Renan Lotufo (PUC/SP), Teresa Arruda Alvim Wambier (PUC/SP), Volnei Garrafa (UNB).

Conselho Editorial Consultivo Internacional

Antonio Gidi (Universidade de Houston, EUA), António Monteiro Fernandes (Universidade Lusíada do Porto, Portugal) Antoine Jeammaud (Universidade Lumière Lyon 2, França) Hartmut-Emanuel Kayser (Universidade Philipps de Marburg, Alemanha), John Vervaele (Universidade de Utrecht, Holanda), José Manuel Aroso Linhares (Universidade de Coimbra, Portugal), Juan Monroy Palá-cios (Universidade de Lima, Peru), Maria do Céu Patrão das Neves (Universidade de Açores), Michele Taruffo (Universidade de Pavia, Itália), Owen Fiss (Univer-sidade de Yale, EUA), Paula Costa e Silva (Universidade de Lisboa), Peter Gilles (Universidade de Freiburg, Alemanha), Robert Alexy (Universidade de Kiel, Ale-manha).

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VNEOCONSTITUCIONALISMO

E NEOPROCESSUALISMO

Eduardo Cambi

Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Pavia (Itália). Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor de Direito Processual Civil da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e da Universidade Paranaense (UNIPAR). Promotor de Justiça no Estado do Paraná.

SUMÁRIO: Introdução – 1. Neoconstitucionalismo: 1.1. Aspecto histórico; 1.2. Aspecto Þ losóÞ co; 1.3. Aspecto teórico: 1.3.1. Força normativa da Constitui-ção; 1.3.2. Expansão da jurisdição constitucional; 1.3.3. Desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional – 2. Neoprocessualismo: 2.1. Constituição e Processo; 2.2. Direito fundamental à ordem jurídica justa, direito fundamental ao processo justo e a visão publicística do processo; 2.3. Direito fundamental à tutela jurisdicional, instrumentalidade do processo e a construção de técnicas processuais adequadas à realização dos direitos materiais; 2.4. Instrumentalidade e garantismo – Conclusão.

INTRODUÇÃO

A Constituição, como Lei Fundamental, estabelece, explícita ou implicita-mente, os valores, os princípios e as regras mais relevantes para a compreensão do fenômeno jurídico.

A relação entre a Constituição e o processo pode ser feita de maneira direta, quando a Lei Fundamental estabelece quais são os direitos e as garantias processu-ais fundamentais, quando estrutura as instituições essenciais à realização da justiça ou, ainda, ao estabelecer mecanismos formais de controle constitucional. Por outro lado, tal relação pode ser indireta, quando, tutelando diversamente determinado bem jurídico (por exemplo, os direitos da personalidade ou os direitos coletivos ou difusos) ou uma determinada categoria de sujeitos (crianças, adolescentes, idosos, consumidores etc), dá ensejo a que o legislador infraconstitucional pre-veja regras processuais especíÞ cas e para que o juiz concretize a norma jurídica no caso concreto.

A efetividade da Constituição encontra, pois, no processo um importante me-canismo de aÞ rmação dos direitos nela reconhecidos. A Constituição Brasileira

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de 1988 não somente pela sua posição hierárquica, mas pela quantidade e pro-fundidade das matérias que disciplinou, está no centro do ordenamento jurídico, não se podendo compreender o processo, sem, antes, buscar seus fundamentos de validade – formal e material – na Lei Fundamental.

A expressão “neo” (novo) permite chamar a atenção do operador do direito para mudanças paradigmáticas. Pretende colocar a crise entre dois modos de operar a Constituição e o Processo, para, de forma crítica, construir “dever-seres” que sintonizem os fatos sempre cambiantes da realidade ao Direito que, para não se tornar dissociado da vida, tem de se ajustar – sobretudo pela hermenêutica – às novas situações ou, ainda, atualizar-se para apresentar melhores soluções aos velhos problemas.

O Direito não pode Þ car engessado aos métodos arcaicos, engendrados pelo pensamento iluminista do século XVIII. O pensar o Direito deve passar por um aggionamento para que a sua concretização, para não Þ car presa a institutos ina-dequados aos fenômenos contemporâneos, não se dissocie da realidade, frustrando seu escopo fundamental de abordar a condição humana nas múltiplas e complexas relações sociais, políticas e econômicas.

A pretensão se coloca em uma dimensão aberta pelo pós-modernismo jurídico, ao questionar as bases iluministas do Direito Moderno, concebido como instru-mento de revelação de verdades, mediante o raciocínio silogístico, pelo qual os valores jurídicos seriam auto-evidentes, porque inatos ao homem, bastando se valer do uso adequado da razão1.

O novo, contudo, dentro das múltiplas e complexas relações sociais, está posto, antes, para ser compreendido. Por isto, é marcado pela insegurança, pela instabilidade e pelo incerto. É, por isto, um desaÞ o que os estudiosos têm enfren-tado para, combatendo o imobilismo conceitual, buscar práticas mais adequadas a aquilo a Constituição coloca, como objetivo fundamental, que é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3ª, inc. I, CF).

Luis Roberto Barroso, ao buscar sentido para os preÞ xos “neo” e “pós”, bem sintetiza o tempo presente2: “Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração

da vida. Os tempos não andam propícios para doutrinas, mas para mensagens de

consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O Direito vive uma grave crise

1. Cfr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. O pós-modernismo jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2005. 2. Cfr. Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do

Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 13 nov. 2005.

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existencial. Não consegue entregar os dois produtos que fi zeram sua reputação ao

longo dos séculos. De fato, a injustiça passeia pelas ruas com passos fi rmes e a

insegurança é a característica da nossa era”. Conclui, pois, o constitucionalista carioca: “Na afl ição dessa hora, imerso nos acontecimentos, não pode o intérprete

benefi ciar-se do distanciamento crítico em relação ao fenômeno que lhe cabe

analisar. Ao contrário, precisa operar em meio à fumaça e à espuma. Talvez esta

seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefi xos pós e neo: pós-

modernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se

que veio depois e que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda não se sabe bem

o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado.

Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus”.

Esta advertência serve para abrir, com humildade, os caminhos da melhor compreensão das relações contemporânea entre Constituição e Processo.

1. NEOCONSTITUCIONALISMO

As alterações mais importantes, na compreensão constitucional, a que se denomina de neoconstitucionalismo, podem ser sistematizadas em três aspectos distintos: i) histórico; ii) Þ losóÞ co e (iii) teórico3.

1.1. Aspecto histórico

Sob o aspecto histórico, as transformações mais importantes no Direito Constitucional contemporâneo se deram, a partir da 2ª Grande Guerra Mundial, na Europa, devendo ser salientadas a Lei Fundamental de Bonn, de 1949, e as Constituições italiana (1947), portuguesa (1976) e espanhola (1978).

Com a derrota dos regimes totalitários (nazi-fascistas), veriÞ cou-se a neces-sidade de criarem catálogos de direitos e garantias fundamentais para a defesa do cidadão frente aos abusos que poderiam vir a ser cometidos pelo Estado4 ou por quaisquer detentores do poder em quaisquer de suas manifestações (políti-co, econômico, intelectual etc)5 bem como mecanismos efetivos de controle da Constituição (jurisdição constitucional).

3. Cfr. Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Cit.

4. “Em nossa sociedade, às vezes um homem tem o direito, no sentido forte, de desobedecer a lei. Tem esse

direito toda vez que a lei erroneamente invade seus direitos contra o governo” (Ronald Dworkin. Levando

os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Pág. 264).5. Segundo José Carlos Vieira de Andrade, os “particulares poderão, assim, de acordo com a natureza espe-

cífi ca, a razão de ser e a intensidade do poder exercido (na falta ou insufi ciência da lei ou contra ela, se

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A superação do paradigma da validade meramente formal do direito, em que bastava ao Estado cumprir o processo legislativo para que a lei viesse a ser expressão do direito, resultou da compreensão de que o direito deve ser com-preendido dentro das respectivas relações de poder6, sendo intolerável que, em nome da “vontade do legislador”, tudo que o Estado Þ zesse fosse legítimo. Assim,

estreitam-se os vínculos entre Direito e Política, na medida em que conceitos

como os de razoabilidade, senso comum, interesse público etc são informados

por relações de poder.

A dignidade da pessoa humana passa a ser o núcleo axiológico da tutela

jurídica, não se restringindo ao vínculo entre governantes e governados, mas se

estendendo para toda e qualquer relação, mesmo entre dois sujeitos privados, em

que, pela manifestação do poder, uma destas pessoas tivesse seus direitos violados

ou ameaçados de lesão.

Os reß exos das alterações constitucionais, ocorridas na Europa, foram sentidas,

signiÞ cativamente, no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 que

marca, historicamente, a transição para o Estado Democrático de Direito. Nestes

quase vinte anos de Constituição, sem embargo as constantes reformas constitu-

cionais operadas no texto original, permitiram a construção, paulatina, de uma

importante cultura jurídica de valorização do sentimento constitucional. As sérias

crises institucionais surgidas no país, nestas duas décadas, como o impeachment

de um presidente aos gravíssimos indícios de corrupção que vêm sendo apurados

pelas comissões parlamentares de inquéritos, encontraram na Constituição e na

jurisdição constitucional as soluções políticas e jurídicas – criticáveis ou não –

para a manutenção da estabilidade democrática.

inconstitucional), invocar os direitos fundamentais que asseguram a sua liberdade, por um lado, e exigir,

por outro, uma igualdade de tratamento em relação a outros indivíduos nas mesmas circunstâncias, argüin-

do a invalidade dos actos e negócios jurídicos que ofendam os princípios constitucionais ou reclamando

indemnização dos danos causados. (...)Afi nal, bem vistas as coisas, trata-se apenas de assegurar, quando e na medida que isso se justifi que, uma proteção mais intensa aos particulares vulneráveis nas relações com privados poderosos – garantia que corresponde, afi nal, às preocupações evidenciadas pelas teorias moderadas do dever de protecção –, sem deixar de ter em conta a circunstância de essas entidades privadas poderosas também serem titulares de direitos fundamentais, embora, na maior parte dos casos, lembre-se, uma vez mais, se trate de pessoas colectivas que, afi nal, gozam apenas desses direitos parcialmente e por analogia” (Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: Constituição,Direitos Fundamentais e Direito Privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2003. Pág. 286-8).

6. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, por intermédio de Nietzche, bem explica: “Nietzsche percebe que o Estado nasceu da violência, do poder, da força. Está contra o fundacionismo de Locke, Rosseau e Kant. O estado da natureza seria o resultado e não a falta do direito. Insiste-se na volatibilidade dos fundamentos do direito, dado que nossos conceitos de legalidade e justiça estariam em mudança permanente, porque são determinados por relações de poder” (O pós-modernismo jurídico. Cit. Pág. 142).

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1.2. Aspecto fi losófi co

Sob o aspecto Þ losóÞ co, a identiÞ cação do direito com a lei, marcada pelo dogma da lei como expressão da “vontade geral”, foi superada pela hermenêutica jurídica que, sem cair na tentação de retornar à compreensão metafísica proposta pelo direito natural, desenvolveu a distinção entre as regras e os princípios, para dar força normativa a estes, com o escopo de ampliar a efetividade da Constituição. Pouca valia teriam os direitos fundamentais se não dispusessem de aplicabilidade imediata, porque não passariam de meras e vagas promessas. Esta tendência é denominada de pós-positivismo, na medida em que os princípios jurídicos deixam de ter aplicação meramente secundária, como forma de colmatar lacunas, para ter relevância jurídica na conformação judicial dos direitos.

Desta maneira, constitui verdadeira peça de museu o artigo 126 do Código de Processo Civil ao asseverar que o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei e que no julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. A referida regra jurídica não resiste às interpreta-ções evolutiva do direito e teológica do papel do juiz, na medida em que a norma jurídica, enquanto resultado do processo hermenêutico, não mais se enquadra na arcaica visão da decisão enquanto um silogismo jurídico (premissa maior: a regra jurídica; premissa menor: os fatos; e conclusão), seja porque se adota no Brasil, desde a Constituição Republicana de 1891, o judicial review (isto é, o controle difuso da constitucionalidade), nos moldes norte-americanos, decorrente do caso Marbury v. Madison (1803), com a possibilidade de se negar – no plano formal e/ou material – validade à regra jurídica por se opor a um princípio constitucional, seja porque a técnica legislativa se ampara cada vez mais nas cláusulas gerais (p. ex., art. 421/CC, ao tratar da função social do contrato; art. 1.228/CC, par. 1º, ao prever a função social da propriedade; art. 113/CC, prevendo que os contratos devem ser interpretados à luz da boa-fé etc), sendo os textos legislativos polissê-micos, a possibilitar mais de uma interpretação possível.

1.3. Aspecto teórico

Sob o aspecto teórico, o neoconstitucionalismo, sempre na precisa lição de Luis Roberto Barroso, caracteriza-se por três vertentes: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional7.

7. Cfr. Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do

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1.3.1. Força normativa da Constituição

AÞ rmar que as normas constitucionais têm força normativa é reconhecer que a Constituição não é apenas uma carta de intenções políticas, mas que está dotada de caráter jurídico imperativo. Se a Constituição vale como uma lei, as regras e os princípios constitucionais devem obter normatividade, regulando jurídica e efetivamente as condutas e dando segurança a expectativas de com-portamentos8. Com efeito, o reconhecimento da força normativa da Constituição marca uma ruptura com o Direito Constitucional clássico, onde se visualizavam normas constitucionais programáticas que seriam simples declarações políticas, exortações morais ou programas futuros e, por isto, destituída de positividade ou de eÞ cácia vinculativa.

A positividade jurídico-constitucional das normas programáticas signiÞ ca fundamentalmente: i) vinculação do legislador, de forma permanente, à sua re-alização (imposição constitucional); ii) vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores (Executivo, Legislativo e Judiciário), os quais devem tomá-las como diretivas materiais permanentes; iii) servirem de limites materiais negativos dos poderes públicos, devendo ser considerados inconstitucionais os atos que as contrariam9.

Conclui, pois, José Joaquim Gomes Canotilho, valendo-se da lição de Garcia de Enterria, que em “virtude da efi cácia vinculativa reconhecida às ‘normas programáticas’, deve considerar-se ultrapassada a oposição estabelecida por alguma doutrina entre ‘norma jurídica actual’ e ‘norma programática’ (altuelle

Rechtsnorm-Programmsatz): todas as normas são actuais, isto é, tem força normativa independente do acto de transformação legislativa. Não há, pois, na constituição, ‘simples declarações (sejam oportunas ou inoportunas, felizes ou desafortunadas, precisas ou indeterminadas) a que não se deva dar valor nor-mativo, e só seu conteúdo concreto poderá determinar em cada caso o alcance específi co de dito valor’ (Garcia de Enterria)”10.

A vinculação positiva de todas as normas constitucionais, inclusive aquelas que a doutrina clássica taxava de programáticas, implica, conseqüentemente, na expansão da jurisdição constitucional.

Direito Constitucional no Brasil. Cit. 8. Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1995. Pág. 183. 9. Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional. Cit. Pág. 184.10. Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional. Cit. Pág. 184-5.

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1.3.2. Expansão da jurisdição constitucional

O estudo da jurisdição constitucional nunca esteve tão em voga quanto agora e isto se explica, primeiro, pelo fenômeno da expansão de litigiosidade, vivenciada nas últimas décadas, decorrente da ampliação do acesso à justiça.

A simpliÞ cação do acesso ao Poder Judiciário, após os Juizados de Pequenas Causas, transformados pela Constituição Federal de 1988 em Juizados Especiais Cíveis e ampliados para a esfera criminal e federal, dispensando, inclusive, a presença de advogado foi um fator importante para que os cidadãos fossem buscar os seus direitos.

A tutela de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, por sua vez, permitiu que as questões sociais juridicamente relevantes fossem resolvidas de forma mais adequada e rápida. Para isto, foi indispensável modiÞ car o perÞ l do Ministério Público que, no âmbito do direito processual civil, antes atuava basicamente como um Þ scal da lei (custos legis; art. 82/CPC), passando dispor de mecanismos eÞ cientes como o inquérito civil, o compromisso de ajustamento de conduta e, em última análise, a titularidade das ações civis coletivas.

Não obstante as resistências governamentais, legislativas, judiciais e doutriná-rias, provenientes dos pensamentos jurídicos mais retrógrados – que insistentemen-te procuram minimizar esta importe onda revolucionária trazida pelo movimento de acesso à justiça – essas demandas coletivas têm proporcionado a possibilidade do Judiciário, nos últimos anos, dar efetividade aos direitos fundamentais – so-bretudo os de caráter social (previstos no artigo 6º, da CF) – o que coloca o Poder Judiciário, hoje, no centro das atenções e das perspectivas da sociedade.

O Poder Judiciário brasileiro, conforme já referido, desde a Constituição Republicana de 1891, pode realizar o controle (difuso) da constitucionalidade. Qualquer magistrado, desde o recém-ingresso na carreira (juiz substituto), até o mais experiente Ministro do Supremo Tribunal Federal podem, no caso concreto, veriÞ car se a lei ou o ato normativo está em consonância com a Constituição. Pelo princípio da supremacia da Constituição, nenhuma lei e, assim, nenhum ato administrativo pode ferir a Constituição, sob pena de carecer de validade e merecer a censura judicial.

A judicial review aproxima o Direito da Política, permitindo que ações governamentais sejam contestadas perante o Poder Judiciário. Para que se possa enfrentar as críticas que tal controle tem suscitado, já que, segundo seus opositores, fere a clássica tripartição dos poderes, é antidemocrático e conduz a ditadura do Judiciário, é preciso compreender as suas origens históricas, a

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partir da análise do caso Marbury vs. Madison, julgado em 1803 pela Suprema Corte norte-americana.

No Þ nal de 1801, antes do término de seu mandato, o Presidente norte-ame-ricano John Adams apontou Willian Marbury para um cargo no judiciário federal norte-americano11. O novo Presidente, Thomas Jefferson, do partido rival, assumiu antes que Willian Marbury tomasse posse e recusou a sua nomeação ao cargo de juiz federal. Inconformado Marbury demandou James Madison, secretário de Estado de Thomas Jefferson, na Suprema Corte, a Þ m de que o Judiciário orde-nasse Jefferson a nomeá-lo magistrado federal. James Madison simplesmente não contestou o pedido, ignorando que a matéria estivesse pendente no Judiciário. O Presidente da Suprema Corte John Marshall, que havia sido secretário de Estado de John Adams, foi colocado em situação difícil, pois, se determinasse que Mar-bury fosse empossado, não teria como implementar o comando e a Suprema Corte Þ caria desmoralizada; por outro lado, o mesmo Tribunal Þ caria desmoralizado se desse razão a Jefferson que tinha ignorado à demanda. Diante deste impasse, John Marshall, após criticar Jefferson e a política de seu partido, considerou in-constitucional (nulo) o Ato Judiciário de 1799, que fundamentava a pretensão de Marbury. Em outras palavras, Marshall deu razão a Marbury, mas considerou que seu pedido estava calcado em regra inconstitucional. Com isto, não enfrentou o Presidente Thomas Jefferson, salvou a Suprema Corte do descrédito e deu início ao controle de constitucionalidade nos Estados Unidos.

Não obstante a sua origem truncada, o controle difuso da constitucionalida-de ganhou força ao longo dos séculos, sendo uma realidade em grande parte do mundo ocidental.

No Brasil, além do controle incidental (difuso), há também o controle abstrato ou concentrado, desde a Emenda Constitucional 16/1965, que inseriu no orde-namento jurídico brasileiro a ação genérica (hoje denominada de ação direta). A Constituição Federal de 1988 ampliou os mecanismos de controle abstrato da constitucionalidade, alargando o rol dos legitimados ativos e criando outros instrumentos como a ação declaratória de constitucionalidade. Deste modo, o controle abstrato da constitucionalidade pode ser realizado mediante os seguintes instrumentos: i) ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, inc. I, letra “a”, CF); ii) ação declaratória de constitucionalidade (arts. 102, inc. I, letra “a” e 103, par. 4º, da CF); iii) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, par. 2º, CF); iv) a argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, par. 1º, CF); v) ação direta interventiva (art. 36, III).

11. Cfr. Arnaldo Sampaio de Morais Godoy. Direito nos Estados Unidos. Barueri: Manole, 2004. Pág. 64-6.

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As informações constantes no Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário revelam números expressivos quanto à utilização destes mecanismos. Somente no que concerne às ações diretas de inconstitucionalidade (ADIN) e declaratórias de constitucionalidade (ADC) tais estatísticas apontam: i) que, desde 1988 até 17.04.2005, foram distribuídas 3.464 ADINS (sendo 90 ADINS por omissão), julgadas 2.420 e proferidas medidas liminares em 1.482; ii) que, de 1993 até 2005, foram ajuizadas 9 ADC, julgadas procedentes 2, não conhecidas 3 e, ainda em tramitação, 412.

Somadas ambas as formas de controle, cujos números as estatísticas não podem precisar13, mas a prática revela intensa, é natural a existência de reações. As críticas, como já salientado, partem da ausência de legitimidade democrática do Poder Judiciário. Poderiam os magistrados, não tendo sido eleitos pelo voto direto, tomar decisões políticas, em nome da maioria da população?

Antes de responder a pergunta, há que se fazer a indagação do que vem a ser a democracia. Norberto Bobbio compreende a democracia em duplo sentido: formal e material14.

Em sentido formal, democracia é o “governo do povo”: preocupa-se com a

forma da representação política, independentemente de qualquer conteúdo. Desta

forma, cabe ao Poder Legislativo, eleito direta ou indiretamente pelo povo, a função

de elaborar leis; deve existir junto a ele um órgão administrativo, para a execução

da lei, com dirigentes eleitos; todo cidadão, a partir da maioridade, tem direito

ao voto; todos os eleitos devem ter voto igual; o sufrágio deve ser universal; o

cidadão deve ser livre para votar, formando a sua opinião a partir da disputa livre

entre partidos políticos que buscam a consolidação de uma representação nacional;

prevalece o princípio majoritário, pelo qual a vontade da maioria predomina, sem,

contudo, suprimir o direito da minoria, especialmente o direito a igualdade de

condições para se tornar maioria. Em síntese, a democracia, em sentido formal,

aceita qualquer conteúdo ideológico, porque se estabelecem regras sobre comose chega à decisão política e não o que se decide.

12. Disponível em: <http://stj.gov.br/bndpj>. Acesso em: 1 dez. 2005.

13. O mesmo Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário revela que, somente no ano de 2004, foram julgados

35.793 recursos extraordinários, o que indica somente uma parcela do controle (difuso) da constituciona-

lidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal naquele ano. Com a introdução do parágrafo 4º, ao artigo

102, da CF, pela Emenda Constitucional 45/2004, exigindo que o recorrente demonstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso concreto, a tendência é que aquele número diminua, uma

vez que tal alteração restringe à admissibilidade do recurso extraordinário e, conseqüentemente, o acesso

ao Supremo Tribunal Federal.

14. Cfr. Dicionário de Política. Vol. I. 12ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. Pág. 319-

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Entretanto, vive-se a crise da democracia representativa, uma vez presentes tais fatores como: a vontade do representante não se identiÞ ca com a do repre-sentado; cada vez mais se veriÞ ca o afastamento do povo do processo político; falta de igualdade de participação no processo político (os lobbies ou grupos de pressão, por exemplo, exercem uma inß uência avassaladora no processo legisla-tivo); existe a previsão de mecanismos antidemocráticos no seio do parlamento (p. ex., voto de lideranças); e, enÞ m, a falência do Parlamento como principal órgão legislativo (em 2004, menos de 7% da legislação originou do Congresso Nacional, em um evidente abuso das medidas provisórias).

Como conseqüência direta da insuÞ ciência do conceito formal de democracia, ocorre a cisão entre o Direito e a lei. Esta, quando injusta, ou melhor, quando contraria os standards de justiça previstos pela Constituição, é um não-Direito. Assim, a democracia, em sentido material, deixa de ser somente um governo do povo para ser um governo para o povo. Para isto, a Constituição Federal de 1988 elege certos conteúdos mínimos, sem os quais não há Estado Democrático de Direito, enaltecendo a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político. Em síntese, não há democracia, em sentido substancial, sem a efetivação dos direitos fundamentais.

Voltando a questão formulada acima: – é insoÞ smável que os membros do Poder Judiciário não são eleitos; isto, contudo, não lhes retira missão constitu-cional de concretização dos direitos fundamentais. O problema não é atribuir-lhes poder para dizer, no caso concreto, se as leis ou os atos normativos são constitucionais, mas instituir mecanismos de controle para assegurar que a escolha, a opção e a decisão obtida sejam aquelas que melhor concretizem à Constituição. A legitimidade do poder dos juízes coloca a jurisdição – de iuris (direito) dictio (dizer) – no centro das discussões constitucionais e processuais contemporâneas.

O princípio do livre convencimento judicial (art. 131/CPC) é mitigado pelo senso de responsabilidade, norteado pelos padrões de justiça e pelos limites eco-nômicos e políticos plasmados na Constituição, além de serem buscados, mediante um processo justo, com ampla participação e controle das partes.

A expansão ou a restrição da jurisdição constitucional deve ser vista, no con-texto de um pêndulo, que vai da autocontenção ou ativismo judicial. A atuação do Poder Judiciário, contudo, não deve alternar ao “sabor dos ventos”, casuisticamente pendendo ora para a autocontenção ora para o ativismo.

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A reserva do possível e a reserva de consistência são dois marcos limitativos, entre outros15, para a atuação jurisdicional.

A expressão reserva do possível procura identiÞ car o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades sempre inÞ nitas a serem supridas com a implementação dos direitos. A concretização dos direitos tem custos, a serem suportados pelo Estado. Logo, a postura do ativismo judicial deve ser reservada à concretização das condições materiais mínimas de tutela da dignidade da pessoa humana (mínimo existencial)16. A questão, por Þ m, do que vem a compor a esfera do mínimo existencial não está posta de forma explícita na Constituição, não prescindindo da necessária interação entre a Política e o Direito.

Nesta questão, é atual a questão da tutela dos direitos fundamentais sociais (art. 6º, CF: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados). Tais direitos não são verdadeiros direitos subjetivos, dotados de conteúdo líquido e certo, mas também não são meros instrumentos jurídicos para a luta política, dando ensejo à atuação positiva do Estado – e, portanto, conferindo legitimidade individual ou coletiva para demandar judicialmente – quando tais direitos, ainda que gerem custos à sua implementação, forem indispensáveis à concretização do valor constitucional da dignidade humana17. Exemplo emblemático deste ativismo

15. No tópico seguinte, será abordado o princípio da proporcionalidade e, ainda mais adiante, o dever de mo-tivação das decisões.

16. Segundo Ana Paula de Barcellos, a “meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida (...) na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições da própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, con-dições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial) estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamen-tárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível” (A efi cácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Pág. 246).

17. “A qualidade de direitos fundamentais atribuída aos direitos sociais integra-se no espírito do ´instituto´, que visa a defesa da dignidade das pessoas concretas e tem, nessa medida, uma expressão prática na garantia a cada indivíduo de um conteúdo mínimo de solidariedade social. E, nesta perspectiva e com esse alcance, podem funcionar também as garantias típicas do Estado-de-Direito. O recurso directo aos tribunais é admissível quando estejam em causa prestações de sobrevivência ou haja lesão directa de bens constitucionalmente protegidos (cf., por exemplo, o n. 3 do artigo 66, relativo ao ambiente). Aí poderão obter indemnizações ou, pelo menos, declaração da existência do seu direito, senão a anulação do indeferimento tácito do seu requerimento (cf. art. 268, n. 3, in fi ne). Por outro lado, os cidadãos po-dem ´provocar processos´ e invocar em juízo a inconstitucionalidade de normas que violem o conteúdo mínimo dos direitos sociais, para além dos casos de arbítrio, discriminação ou desigualdade manifesta de tratamento. Por último, os direitos sociais constitucionalmente protegidos operam como garantia de

estabilidade dos direitos subjectivos resultantes da intervenção legislativa concretizadora, que desde modo

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judicial se deu na elogiável e sempre citada decisão do Supremo Tribunal Federal para a concessão de medicamentos aos aidéticos18.

Não se pode ignorar, todavia, que a tutela dos direitos sociais, diversamente dos direitos subjetivos de conteúdo líquido e certo, é limitada, de um lado, pelo que deve integrar o mínimo existencial e, de outro, pelas questões orçamentárias, rotuladas na expressão reserva do possível, que, por sua vez, como se viu, não pode ser um obstáculo intransponível à efetivação dos direitos fundamentais.

Já por reserva da consistência entende-se que o Judiciário, ao proceder a interpretação judicial, deve apresentar argumentos substanciais de que o ato ou a omissão do agente público é incompatível com a Constituição. A autocontenção judicial deve sempre ser adotada quando não for superada tal reserva de consis-tência, isto é, quando o magistrado não tiver argumentos jurídicos consistentes o suÞ ciente para demonstrar a sua interferência na atividade política.

adquirem maior solidez jurídica ao nível infra-constitucional, onde voltam a funcionar em pleno as garantias da justiciabilidade. Nestes termos, podemos concluir que os preceitos relativos aos direitos econômicos, sociais e culturais contêm programas de socialização que dependem, para a sua efectivação, da vontade política da comunidade – dos órgãos de direcção política, dos partidos e grupos sociais, dos cidadãos –, mas dispõem igualmente de garantias jurídicas, ainda que limitadas, que correspondem à sua qualidade essencial de direitos fundamentais constitucionais dos indivíduos” (José Carlos Vieira de Andrade. Osdireitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. Pág. 345-6).

18. “Paciente com HIV/AIDS – Pessoa destituída de recursos fi nanceiros – Direito à vida e à saúde – Forneci-mento gratuito de medicamentos – Dever do Poder Público (CF, arts. 5o, caput, e 196) – Precedentes (STF) – Recurso de agravo improvido. O direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. – O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegu-rada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualifi car-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. – A interpretação da norma pro-gramática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. – O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infi delidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. – Distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes. – O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da Repú-blica (arts. 5o, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF” (AgRgRE n. 271.286-RS – 2a T. – rel. Min. Celso de Mello – j. 12.09.2000 – pub. DJU 24.11.2000, vol. 101).

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Assim sendo, em nível principiológico, o ativismo judicial deve imperar quando se trate de concretizar os direitos fundamentais inerentes ao que se deno-minou de mínimo existencial19 e a autocontenção prevalecer, como postura geral, em relação às atividades dos demais poderes20.

Como última barreira à atuação do Poder Judiciário, impõe-se o mito do legislador positivo, pelo qual o juiz pode, nos moldes do pensamento iluminista, apenas declarar a vontade concreta da lei ou, no máximo, atuar como legislador negativo declarando a inconstitucionalidade de uma lei contrária à Constituição, não tendo ampla liberdade para a concretização de direitos21. Tal compreensão se dirigia ao Estado Liberal, quando se impunha ao agente estatal apenas deve-res negativos (de não-fazer), não se compatibilizando com o modelo de Estado previsto na Constituição Brasileira de 1988, que requer, além das prestações negativas para a garantia dos direitos de liberdade, também prestações positivas inerentes à implementação de direitos fundamentais à subsistência, à alimentação, ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia22.

O pós-positivismo jurídico, ao resgatar a força normativa dos princípios constitucionais, bem como a moderna hermenêutica jurídica, que ressalta sempre o papel criativo do intérprete, reforçado pelas técnicas legislativas que cada vez mais adotam cláusulas gerais (como as da boa-fé e das funções sociais do contrato e da propriedade), permitem concluir que o juiz, ao atribuir sentido o texto da Constituição ou da lei, constrói a norma jurídica no caso concreto23.

19. Sérgio Fernando Moro, apesar de não se valer da expressão mínimo existencial, sugere uma postura ativa da jurisdição constitucional, nos seguintes casos: “a) para proteção e promoção dos direitos necessários ao funcionamento da democracia, especifi camente a liberdade de expressão, o direito à informação e os direitos de participação; b) para a proteção judicial de direitos titularizados, ainda que não de forma exaustiva, pelos pobres, considerando a pobreza como obstáculo ao ótimo funcionamento da democraciaç c) para o resguardo do caráter republicano da democracia, evitando-se a degeneração do processo político em processo de barganha” (Jurisdição constitucional e democracia. São Paulo: RT, 2004. Pág. 315.).

20. Cfr. Sérgio Fernando Moro. Jurisdição constitucional e democracia. Cit. Pág. 314-5.21. “Nada me parece tão perigoso para a democracia como substituir um poder político, eleito pelo povo, por

um poder técnico, que não foi concebido para legislar cujos integrantes são escolhidos por um homem só (Presidente da República). Não me oponho aqui em questão a idoneidade e o imenso saber jurídico dos Ministros do STF. O que coloco é que sua função institucional não é legislar, não são políticos e falta-lhes representatividade de um mandato outorgado pela sociedade” (Ives Gandra Martins. Poder Legislativo e Poder Judiciário? Júris Plenum, vol. 1, jan./2005, pág. 51).

22. Cfr. Luigi Ferrajoli. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal. 5ª ed. Madri: Editorial Trotta, 2001. Pág. 861). Sobre a atual interação entre direito e política, envolvendo políticas públicas, conferir: Eduardo Appio. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005.

23. Na lição de Eros Roberto Grau, o “texto, preceito, enunciado normativo é alográfi co. Não se completa no sentido nele impresso pelo legislador. A sua ‘completude’ [do texto] somente é realizada quando o sentido por ele expresso é produzido, como forma de expressão pelo intérprete. Mas o ‘sentido expressado pelo texto’ já é algo novo, distinto do texto: é a norma” (A interpretação constitucional como processo. Revistajurídica Consulex, vol. 3. Pág. 41). Nesse sentido, explica Mauro Cappelletti, “com ou sem consciência

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A sentença é, pois, o resultado da interpretação dinâmica dos fatos à luz dos valores, princípios e regras jurídicas, a ser desenvolvido pelo juiz, não seguindo uma lógica formal (produto de um raciocínio matemático ou silogístico) nem com o intuito de se criar um preceito legal casuístico e dissociado do ordenamento jurídico, mas, dentro das amplas molduras traçadas pela Constituição, permitir, mediante a valoração especíÞ ca do caso concreto, à solução mais justa dentre as possíveis24.

1.3.3. Desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional

A falência do positivismo jurídico, marcada pela diferenciação da norma e do preceito normativo, rompeu o método silogístico, abrindo espaço para o desen-volvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional.

Tal movimento foi incentivado pela constitucionalização dos direitos mate-riais e processuais fundamentais, retirando dos Códigos e, portanto, do direito infraconstitucional o núcleo hermenêutico do intérprete.

do intérprete, certo grau de discricionariedade, e pois de criatividade, mostra-se inerente a toda inter-pretação, não só do direito, mas também no concernente a todos outros produtos da civilização humana, como a literatura, a música, as artes visuais, a fi losofi a etc. Em realidade, interpretação signifi ca penetrar os pensamentos, inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreênde-los e – no caso do juiz, não menos que no do musiscista, por exemplo – reproduzi-los, ‘aplicá-los’ e ‘realizá-los’ em novo e diverso contexto, de tempo e lugar. É óbvio que toda reprodução e execução varia profundamente, entre outras infl uências, segundo a capacidade do intelecto e estado de alma do intérprete. Quem pretenderia comparar a execução musical de Arthur Rubisntein com a do nosso ruidoso vizinho? E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações geniais de Rubinstein, com as também geniais, mas diversas, de Cortot, Gieseking ou de Horowitz? Por mais que o intérprete se esforce por permanecer fi el ao seu ‘texto’, ele será sempre, por assim dizer, forçado a ser livre – porque não há texto musical ou poético, nem tampouco legis-lativo, que não deixe espaço para variações e nuances, para a criatividade interpretativa. Basta considerar que as palavras, como as notas na música, outra coisa não representam senão símbolos convencionais, cujo signifi cado encontra-se inevitavelmente sujeito a mudanças e aberto a questões e incertezas” (Juízeslegisladores? Trad. de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. Pág. 21-2). Sobre o poder criador do juiz, veriÞ car, ainda: Carlos Cossio. Teoría de la verdad jurídica. Buenos Aires: Editorial Losada S.A., 1954. Pág. 255; Hamilton Elliot Akel. O poder judicial e a criação da norma individual. São Paulo: Saraiva, 1995. Pág. 120-7; Michele Taruffo. Il giudice e la “Rule of Law”. Rivistatrimestrale di diritto e procedura civile, 1999. Pág. 931-43; Michele Taruffo. Legalità e giustiÞ cazione della creazione giudiziaria del diritto. Rivista di diritto e procedura civile, 2001. Pág. 11-31.

24. Nas palavras de Eduardo J. Couture, a “sentencia no es, pues, la ley del caso concreto, sino la justicia del caso concreto, dictada de acuerdo con las previsiones de la ley. El juez tiene el deber de ser fi el al programa legislativo y el orden jurídico presente no tolera, por razanes de política muy claras, que el juez se emancipe de las soluciones de la ley e se lance con su progama legislativo proprio. El juez de la Cons-titución no es sino un juez que hace efectiva la ley en la justa medida en que al sistema de la Constituición corresponde. Pero ese proceso no es la aplicación matemática de un precepto, sino el desenvolvimiento de un pensamiento normativo del legislador, mediante la valoración específi ca de sus circunstancias” (Las garantías constitucionales del proceso civil. In: Estudios de derecho procesal civil. Tomo I. 2ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1978. Pág. 80).

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A nova interpretação constitucional não abandonou os elementos clássicos (gramatical, histórico, sistemático e teleológico), mas revitalizou à hermenêutica jurídica ressaltando a teoria dos princípios sobre a das regras. Isto possibilitou encontrar um meio-termo entre a vinculação e a fl exibilidade25, buscando melhores soluções para os conß itos entre direitos fundamentais. Explica-se: pela teoria das regras, prevalece a dimensão da validez ou não-validez, isto é, a partir dos critérios de solução de antinomias jurídicas (lex superior derrogat inferior, lex specialis

derrogat generalis e lex posterior derrogat priori) faz-se necessário decisões do tipo tudo ou nada. Por outro lado, valendo-se da teoria dos princípios – os quais diferentes das regras não têm a pretensão de exclusividade – é possível buscar soluções ajustadas às pretensões sociais legítimas, que sejam, ao mesmo tempo, sejam vinculantes e ß exíveis. Assim, é possível ajustar a Lei Fundamental às cir-cunstâncias do caso concreto, permitindo solucionar as complexas colisões entre direitos fundamentais26 e, assim, levar a sério à Constituição27.

Jorge Miranda, ao tratar da função ordenadora dos princípios, capaz de superar as concepções positivistas das fontes legais, explica que eles exercem: i) uma ação imediata, quando diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações político-constitucionais; ii) uma ação mediata, quando funcionam como: a) critérios de interpretação e integração (dando coerência ge-ral às normas que o constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente); b) servem de elementos de construção e qualiÞ cação do sistema constitucional; c) e, Þ nalmente, são dotados de função prospectiva, dinamizadora e transformadora, em razão da sua maior indeterminação ou generalidade e da força expansiva que

25. Conforme Jorge Miranda, “os princípios admitem ou postulam desenvolvimentos, concretizações, desinfi ca-

ções, realizações variáveis. Nem por isso o operador jurídico pode deixar de os ter em conta, de os tomar

como pontos fi rmes de referência, de os interpretar segundo os critérios próprios da hermenêutica e de,

em conseqüência, lhes dar o devido cumprimento” (Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Pág. 434).

26. “Vejam-se, exemplifi cativamente, algumas delas: a) pode um clube de futebol impedir o ingresso em seu

estádio de jornalistas de um determinado veículo de comunicação que tenha feito críticas ao time (liber-

dade de trabalho e de imprensa)?; b) pode uma escola judaica impedir o ingresso de crianças não judias

(discriminação em razão da religião)?; c) pode o empregador prever no contrato de trabalho da empregada

a demissão por justa causa em caso de gravidez (proteção da mulher e da procriação)?; d) pode o locador

recusar-se a fi rmar o contrato de locação porque o pretendente locatário é muçulmano (de novo, liberdade

de religião)?; e) pode um jornalista ser demitido por ter emitido opinião contrária à do dono do jornal

(liberdade de opinião)?” (Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Cit. Nota 76).

27. Cfr. Robert Alexy. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. Trad. de Luís Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo, vol. 217. Pág. 79; Jürgen Habermas. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Trad. de Flávio Beno Siebe-neichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Pág. 259; Eduardo Cambi. Jurisdição no processo civil.

Compreensão crítica. Curitiba: Juruá, 2002. Pág. 110-1.

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possuem, o que permite a interpretação evolutiva, sugerindo novas formulações ou normas que melhor se coadunem com as idéias de Direito inspiradoras da Constituição28.

No contexto da nova dogmática da interpretação constitucional, princípios como o da unidade da Constituição (pelo qual o intérprete deve considerar as normas constitucionais não como preceitos isolados e dispersos, mas sim inte-grados a um sistema unitário de regras e princípios, evitando, com isto, contra-dições entre as normas constitucionais), o do efeito integrador (na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social), o da máxima efetividade (à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eÞ cácia lhe dê), o da conformidade funcional (o intérprete não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional, o da concordância prática ou da harmonização (o qual procura impor à coordenação e combinação dos bens jurídicos em conß ito de modo a evitar o sacrifício – total – de uns em relação aos outros), o da força normativa da Constituição (pelo qual deve dar primazia às soluções hermenêuticas quem ressaltem a efi cácia ótima da Lei Fundamental) e, ainda, o princípio das leis conforme à Constituição (que permite o controle de constitucionalidade das leis)29.

Importante ressaltar, ainda, o princípio da razoabilidade ou da proporciona-lidade, que decorre da garantia do devido processo legal em sentido substancial (substantive due process of law), construído ao longo da experiência consti-tucional norte-americana30 e alemã, incorporado pela Constituição Federal de 1988 ao ordenamento jurídico nacional, pelo qual o intérprete deve veriÞ car: i)

28. Cfr. Teoria do Estado e da Constituição. Cit. Pág. 434.29. Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional. Cit. Pág. 226-230.30. A respeito do controle judicial dos atos legislativos, como conseqüência, do devido processo legal, ensina

F. C. de San Tiago Dantas, que “a jurisprudência não poderia considerar law of the land tôda lei que dispusesse com caráter geral, para um grupo ou classe de indivíduos, a menos que ela preenchesse dois requisitos: 1o, que compreenda no seu âmbito todos os que se encontram ou se venham a encontrar em igual situação; 2o, que a diferenciação ou classifi cação feita na lei seja natural e razoável, e não arbitrária ou caprichosa (Vd. Magrath, loc. cit., pág. 302). A extensibilidade a tôdas as situações idênticas é um requisito que, no fundo, prova o caráter genérico da lei. Não é geral a norma cujo comando carece de fungibilidade perfeita; e não lhe poderá ser, portanto, reconhecido o caráter de due process of law (Sutton

v. State, 96 Tenn. 710; Woodard v. Brien, 14 Lea, Tenn., 531; State v. Burnetts, 6 Heisk, Tenn., 186; etc). No segundo requisito, o da racionalidade da classifi cação, abre-se ao Poder Judiciário a porta por onde lhe vai ser dado examinar o próprio mérito da disposição legislativa; repelindo como um due process of

law a lei caprichosa, arbitrária no diferenciar o tratamento jurídico dado a uma classe de indivíduos, o tribunal faz o cotejo da lei especial com as normas gerais de direito, e repele o direito de exceção que não lhe parece justifi cado” (Igualdade perante a lei e due process of law. In: Problemas de direito positivo. Estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1953. Pág. 46).

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a adequação dos meios aos fi ns (se o meio utilizado pelo legislador na obtenção do Þ m for infundado ou arbitrário, isto é, não proporcional às circunstâncias que o motiva e ao resultado que procura alcançar será considerado inconstitucional); ii) a necessidade ou a exigibilidade da medida, isto é, os meios utilizados para a obtenção dos Þ ns visados devem ser os menos onerosos possíveis, devendo ser considerada inconstitucional a lei, por violação ao princípio da proporcionalidade, se houve, inequivocamente, outras medidas menos lesivas; iii) a veriÞ cação da proporcionalidade em sentido estrito, vale dizer, há que se proceder a uma relação de custo-benefício entre as desvantagens dos meios (prejuízos a serem causados) e às vantagens dos Þ ns (resultados a serem obtidos)31.

Na solução de conß itos entre direitos fundamentais ou na colisão de princípios, assume grande importância operacional o valor da dignidade da pessoa humana. Antes mesmo de aparecer na Constituição Federal de 1988 como um alicerce do Estado Democrático de Direito, constou do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1948, que assim inicia: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem da liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum (...)”. Por isso, pode-se aÞ rmar que a dignidade da pessoa humana está na base de todos os direitos constitucionalmente consagrado32. Tanto é que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que “a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, ilumina a interpretação da lei ordinária”33.

Com efeito, pode-se aÞ rmar que o valor da dignidade da pessoa humana funciona como um vetor-mor da hermenêutica jurídica, podendo-se aÞ rmar que, na dúvida entre a proteção de dois direitos fundamentais contrapostos, deve ser preservado aquele que melhor atenda a dignidade da pessoa humana34.

31. Cfr. Luís Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. Pág. 207-9.

32. Cfr. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Cit. Pág. 102.

33. Cfr. HC 9.892-RJ – 6ª T. – rel. Min. Fontes de Alencar – j. 16.12.1999 – pub. DJU 26.03.2001, pág. 473. 34. Conforme Juarez Freitas, “urge que a exegese promova e concretize o princípio jurídico da dignidade da

pessoa, sendo como é um dos pilares supremos do nosso ordenamento, apto a funcionar como vetor-mor da compreensão superior de todos os ramos do Direito. Mais que in dubio pro libertate, princípio valioso

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No entanto, a concretização da dignidade humana, nos casos concretos, não é uma atividade simples, em razão do conteúdo altamente abstrato deste conceito que, na medida em que se aproxima de dados reais, acaba por se tornar contin-gente e relativo.

Assim, não há controvérsia quando se defende, em tese, a dignidade da pessoa humana, mas quando, por exemplo, discute-se se, em determinado caso concreto, é possível a interrupção da gravidez de um feto com anencefalia, alguns defenderão, sob o argumento da tutela da dignidade humana, a vida do feto (bem indisponível e acima de qualquer outro direito contraposto), já outros, com o mesmo argumen-to da dignidade, em favor da gestante, argumentarão que deve ser preservada a integridade física e psíquica da mulher, evitando um sofrimento imenso e inútil, sabendo-se que a gestação é, cientiÞ camente, inviável35. Pode-se aÞ rmar que ambas as argumentações são simultaneamente válidas; contudo, isto torna a dignidade

da pessoa humana uma fórmula vazia, sem nenhum valor argumentativo. Para dar conteúdo ao referido valor, uma das duas interpretações deve ser considerada, necessariamente, falsa, tornando a dignidade humana um valor relativo às circuns-tâncias situacionais importas pelo caso concreto.

É oportuna, pois, a advertência de Arthur Kaufmann: “Não se podem ‘apli-car’ princípios gerais de direito como se de uma receita culinária se tratasse; e não se pode neles ‘subsumir’como se faz sob o tipo de furto. Eles são demasiado gerais para que tal seja possível. Mas tais princípios são importantes tópicos de argumentação e assumem um especial relevo, sobretudo, quando está em causa tutela das minorias e dos mais fracos. Está claro que tais princípios são tanto mais contingentes quanto mais concretamente os concebemos e raramente se poderá fundamentar uma decisão apenas em um desses princípios. Não se pode expor em abstracto a forma como operam os princípios gerais de direito na argumentação, apenas se podem dar exemplos”36.

EnÞ m, só o caso concreto tornará possível, pela argumentação jurídica, dizer o que deve ser entendido por dignidade humana e qual será o seu conteúdo e signiÞ -

nas relações do cidadão perante o Poder Público, faz-se irretorquível o mandamento humanizante segundo o qual em favor da dignidade, não deve haver dúvida” (O intérprete e o poder de dar vida à Constituição. Revista da faculdade de direito da UFPR, vol. 23 (2000), pág. 71). Ainda, no plano da jurisprudência, vale salientar as palavras do Des. Accácio Cambi: “(...) é correto dizer que, na dúvida entre a proteção de dois direitos fundamentais contrapostos, deve ser preservado aquele que mais atenda ao princípio da dignidade da pessoa humana” (TJ/PR – Ap. Cív. n. 124.094-6 – 7a Câm. Cív. – Ac. n. 504 – j. 09.09.2002 – pub. DJPR 23.09.2002, pág. 6213).

35. Cfr. STF – APF n. 54. 36. Cfr. Filosofi a do Direito. Trad. de António Ulisses Cortês. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004. Pág.

272-3.

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cado na resolução do conß ito entre direitos contrapostos. É, portanto, no processo judicial que a atividade das partes e do juiz assumirá tal papel de concretização dos princípios constitucionais e do valor jurídico da dignidade humana.

2. NEOPROCESSUALISMO

2.1. Constituição e Processo

A Constituição, como demonstrado no tópico anterior, é o ponto de partida para a interpretação e a argumentação jurídicas, assumindo um caráter fundamental na construção do neoprocessualismo.

A Constituição brasileira de 1988 ao contemplar amplos direitos e garantias fundamentais tornou constitucional os mais importantes fundamentos dos direitos materiais e processuais (fenômeno da constitucionalização do direito infracons-ticiocional).

Deste modo, alterou-se, radicalmente, o modo de construção (exegese) da norma jurídica. Antes da constitucionalização do direito privado, como a Cons-tituição não passava de uma Carta Política, destituída de força normativa, a lei e os Códigos se colocavam no centro do sistema jurídico.

A necessidade de legislação escrita, como uma decorrência de segurança jurídica encontrou seu ápice no século XIX. Foi exigência do iluminismo a siste-matização racional do Direito, em um ordenamento dotado de unidade, coerência e hierarquia. A codiÞ cação serviu para tornar o ordenamento jurídico claro, har-mônico e ordenado, mediante a previsão de princípios gerais que informassem todo o corpo legislativo, evitando contradições, simpliÞ cando o conhecimento do Direito e possibilitando a sua melhor aplicação e controle37. Em torno ao CodeNapoleón, formou-se a Escola da Exegese, que erigiu este Código como sendo a única fonte do Direito Civil, reduzindo o trabalho exegético à explicação literal dos textos legais (dura lex sed lex)38. Houve, com efeito, uma tentativa de manipular ideologicamente o Direito, com o fundamento de que a lei seria a tradução da vontade geral e do bem comum. Essa manipulação ideológica partiu da burguesia que, pretendendo a manutenção do status quo, visou ocultar o conß ito de classes e de interesses, difundindo a idéia de paz e harmonia, ordem e progresso, consenso

37. Cfr. Erouths Cortiano Júnior. O direito de família no Projeto do Código Civil. Monografia apre-sentada na disciplina de Novas Tendências do Direito Civil, ministrada, em 1998, pelo Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite, no Curso de Doutorado em Direito das Relações Sociais da UFPR.

38. Cfr. Caio Mário da Silva Pereira. Código Napoleão. Revista de Direito Civil, vol. 51. Pág. 13.

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e felicidade geral39. Tratava-se, também, de uma reação ao ancien régime, pois a codiÞ cação visava prevenir o arbítrio estatal contra possíveis inovações judiciais. O juiz, portanto, deveria ser neutro aos interesses em jogo e aos valores plasmados no Código, sendo considerado simplesmente como sendo la bouche de la loi (a boca da lei). A sentença deveria subsumir-se, direta e automaticamente, à lei para que, desta forma, Þ casse mais fácil controlar a atividade jurisdicional.

No entanto, neutralidade da lei e da jurisdição se justiÞ cam na identiÞ cação da “lei” com a “vontade geral” e, portanto, na “lei” com sinônimo de “direito”. A premissa da lei geral e abstrata, desenvolvida pelo Estado Liberal, propunha que todos os homens são livres e iguais, bem como são dotados das mesmas neces-sidades. Tal concepção, ao aÞ rmar que todos são iguais perante a lei, pretendia acabar com os privilégios existentes no ancien regime e teve a sua importância histórica. Porém, não se sustenta, na medida em que ignora as diferenças entre as pessoas e, assim, assegura a liberdade somente àqueles que têm condições materiais mínimas de usufruir uma vida digna. A vontade geral da burguesia que ocupava o Parlamento, no século XIX, e se expressava na lei perdeu o caráter genérico e abstrato. A lei, no Estado Contemporâneo, é resultado de ajustes legislativos mar-cados pela vontade dos lobbys e dos grupos de pressão. O fracasso da soberania do Paramento e da concepção da lei como vontade geral sepultaram o positivismo jurídico clássico centrado na identiÞ cação da lei como expressão do direito.

A lei (e sua visão codiÞ cada do século XIX) perdeu sua posição central como fonte do direito e passou a ser subordinada à Constituição40, não valendo, por si só, mas somente se conformada com a Constituição e, especialmente, se adequada aos

39. Aliás, a preocupação com a ideologia está inserida na própria noção de Direito, vez que, eti-mologicamente, a palavra “Direito” traduz, no senso comum, a idéia daquilo que se dirigepara o caminho do bem, como algo essencialmente bom e justo; assim sendo, a imagem ideológica do Direito exclui os privilégios, o direito injusto e as leis titânicas que, quando ocorrem, constituem algo excepcional, que não compromete a essência ética universal da juridicidade. Cfr. Luiz Fernando Coelho. Uma teoria crítica do Direito. Estudo em homenagem a Luiz Legaz y Lacambra. Curitiba: Bonijuris, 1993. Pág. 18-9.

40. O fenômeno da constitucionalização dos direitos e, conseqüentemente, da sua descodifi cação foi bem asse-verado, entre outros, por Pietro Perlingieri: “O Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unifi cador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. Falar de descodifi cação relativamente ao Código vigente não implica absolutamente a perda do fundamento unitário do ordenamento, de modo a propor a sua fragmentação em diversos microordenamentos e em diversos mi-crossistemas, com ausência de um desenho global. Desenho que, se não aparece no plano legislativo, deve ser identifi cado no constante e tenaz trabalho do intérprete, orientado a detectar os princípios constantes na legis-lação chamada especial, reconduzindo-os à unidade, mesmo do ponto de vista da sua legitimidade. O respeito aos valores e aos princípios fundamentais da República representa a passagem essencial para estabelecer uma correta e rigorosa relação entre poder do Estado e poder dos grupos, entre maioria e minoria, entre po-der econômico e os direitos dos marginalizados, dos mais desfavorecidos”(Perfi s do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. Trad. de Maria Cristina de Cicco. 3ª ed. São Paulo: Renovar, 1997. Pág. 6).

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direitos fundamentais. A função dos juízes, pois, ao contrário do que desenvolvia Giuseppe Chiovenda, no início do século XX, deixou de ser apenas atuar (declarar) a vontade concreta da lei41 e assumiu o caráter constitucional, possibilitando, a partir da judicial review desenvolvida historicamente em 1803 no caso Marburyv. Madison, o controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos42.

A supremacia da Constituição sobre a lei e a repulsa à neutralidade da lei e da jurisdição encontram, no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal um importante alicerce teórico. Ao se incluir no rol do artigo 5º da CF a impossibili-dade da lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito, consagrou-se não apenas a garantia de inafastabilidade da jurisdição (acesso à justiça), mas um verdadeiro direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada (acesso à ordem jurídica justa)43.

2.2. Direito fundamental à ordem jurídica justa, direito fundamental ao processo justo e a visão publicística do processo

O direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da CF, signiÞ ca o direito à ordem jurídica justa44. Assim, a designação acesso à justiça não se limita apenas à mera admissão ao processo ou à possibilidade de ingresso em juízo, mas, ao contrário, essa expressão deve ser interpretada exten-sivamente, compreendendo a noção ampla do acesso à ordem jurídica justa, que abrange: i) o ingresso em juízo; ii) a observância das garantias compreendidas na cláusula do devido processo legal; iii) a participação dialética na formação do convencimento do juiz, que irá julgar a causa (efetividade do contraditório); iv) a adequada e tempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo (decisão justa e motivada); v) a construção de técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos materiais (instrumentalidade do pro-cesso e efetividade dos direitos).

41. "Como função da soberania, a jurisdição tem a mesma extensão dela. Mas, pois que a jurisdição é atuação

de lei, não pode haver sujeição à jurisdição senão onde pode haver sujeição à lei; e, vice-versa, em regra,

onde há sujeição à lei, aí há sujeição à jurisdição” (Giuseppe Chiovenda. Instituições de direito processual

civil. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 1943. Pág. 55).42. Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. A jurisdição no Estado Contemporâneo. In: Estudos de Direito Processual

Civil. Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2005. Pág. 13-66.43. Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sen-

tença. São Paulo: RT, 1997. Pág. 20; Luiz Guilherme Marinoni. Tutela Inibitória. São Paulo: RT, 1998. Pág. 391. Nota 31; José Rogério Cruz e Tucci. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: Garantias

constitucionais do processo civil. Coord. José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: RT, 1999. Pág. 237.44. Cfr. Kazuo Watanabe. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: Participação e processo. Coord. Ada

Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: RT, 1988. Pág. 135.

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Por isso, para a noção de acesso à ordem jurídica justa converge o conjunto das garantias e dos princípios constitucionais fundamentais ao direito processual45, o qual se insere no denominado direito fundamental ao processo justo.

Este direito ao processo justo compreende as principais garantias processuais, como as da ação, da ampla defesa, da igualdade e do contraditório efetivo, do juiz natural, da publicidade dos atos processuais, da independência e imparcia-lidade do juiz, da motivação das decisões judiciais, da possibilidade de controle recursal das decisões etc. Desse modo, pode-se aÞ rmar que o direito ao processo justo é sinônimo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada46.

É importante frisar o fenômeno da constitucionalização dos direitos e garan-tias processuais, porque, além de retirar do Código de Processo a centralidade do ordenamento processual (fenômeno da descodifi cação), ressalta o caráter publicístico do processo.

Com efeito, o processo distancia-se de uma conotação privatística, deixando de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para a realização da justiça, que é um valor eminentemente social47. O processo está voltado à tutela de uma ordem superior de princípios e de valores que estão acima dos interesses controvertidos das partes (ordem pública) e que, em seu conjunto, estão voltados à realização do bem comum. A prepon-derância da ordem pública sobre os interesses privados em conß ito manifesta-se em vários pontos da dogmática processual, tais como, por exemplo, na garantia constitucional de inafastabilidade da jurisdição, na garantia do juiz natural, no impulso oÞ cial, no conhecimento de ofício (objeções) e na autoridade do juiz, na liberdade de valoração das provas, no dever de fundamentação das decisões judiciais, nas nulidades absolutas, nas indisponibilidades, no contraditório efetivo e equilibrado, na ampla defesa, no dever de veracidade e de lealdade, na repulsa à litigância de má-fé etc48.

45. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco. Teoria geral do processo. 13ª ed. São Paulo: RT, 1997. Pág. 34.

46. Cfr. Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo. Lezioni sul processo civile. Bolonia: Il Mu-lino, 1995. Pág. 62. Segundo Eduardo Couture, o processo “debe ser un proceso idóneo para el ejercicio de los derechos: lo sufi cientemente ágil como para no agotar por desaliento al actor y lo sufi cientemente seguro para no angustiar por restriccíon al demandado. El proceso, que es en sí mismo sólo un medio de realización de la justicia, viene así a constiturise en un derecho de rango similar a la justicia misma” (Las garantías constitucionales del proceso civil. In: Estudios de derecho procesal civil. Tomo I. Cit. Pág. 23).

47 Cfr. José Carlos Barbosa Moreira. Dimensiones sociales del proceso civil. In: Temas de direito processual. 4ª série. São Paulo: Saraiva, 1989. Pág. 26.

48. Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. Pág.

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Desse modo, os Þ ns públicos buscados pelo processo, como instrumento democrático do poder jurisdicional, transcendem os interesses individuais das partes na solução do litígio. Esta visão publicística, imposta pela constituciona-lização dos direitos e garantias processuais (neoprocessualismo), não se esgota na sujeição das partes ao processo.

2.3. Direito fundamental à tutela jurisdicional, instrumentalidade do processo e a construção de técnicas processuais adequadas à realização dos direitos materiais

A percepção de que a tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada é um di-reito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, CF)49 vincula o legislador, o administrador e o juiz isto porque os direitos fundamentais possuem uma dimensão objetiva, ou seja, constituem um conjunto de valores objetivos básicos e fi ns diretivos da ação positiva do Estado50.

Assim, é possível quebrar a clássica dicotomia entre direito e processo (substance-procedure)51, passando-se a falar em instrumentalidade do processo e em técnicas processuais.

A instrumentalidade do processo, como explica Cândido Rangel Dinamarco, tem aspectos negativos e positivos52. Sob o viés negativo, a instrumentalidade pretende combater o formalismo (isto é, sem tornar o processo um conjunto de armadilhas ardilosamente preparadas pela parte mais astuciosa em detrimento da mais incauta), capaz de menosprezar o caráter instrumental (como bem sentiu o legislador ao adotar a fungibilidade entre tutela cautelar e antecipada, no parágrafo 7º, do art. 273 do CPC), mas, ao mesmo tempo, sem cair em um alternativismodestrambelhado, capaz de produzir a insegurança jurídica. Por exemplo, a tese da relativização da coisa julgada material merece ser acolhida para se tutelar os direi-tos da personalidade do Þ lho que, com a chegada do DNA, pretende a descoberta da verdade cientíÞ ca a respeito de seu suposto pai, mas não deve ser estendida

51, nota 17.49. Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. O direito à efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da te-

oria dos direitos fundamentais. Genesis – Revista de Direito Processual Civil, vol. 28. Pág. 304-5.50. Cfr. Ingo Wolfgang Sarlet. A efi cácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados,

1998. Pág. 140.51. Cfr., entre outros: Cândido Rangel Dinamarco. Direito e processo. Fundamentos do processo civil moderno.

Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2000; José Roberto dos Santos Bedaque. Direito e processo. Infl uência do

direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1995.52. Cfr. A instrumentalidade do processo. Cit. Pág. 267-303.

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de forma desmensurada a gerar a instabilidade jurídico-social53. Sob o aspecto positivo, o processo deve ser apto a produzir todos os seus escopos institucionais (jurídicos-políticos-sociais), em quatro campos fundamentais: a) a admissão em juízo (envolvendo temas como o Juizado Especial Cível, a efetiva ampliação das defensorias públicas e a consolidação do papel do Ministério Público na defesa de interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos); b) o modo-de-ser do processo (abrangendo a dinâmica relação entre as partes, entre elas e o juiz, bem como entre o juiz e o processo; a plenitude e a restrição das garantias processuais, dentro do contexto do princípio da proporcionalidade; a elaboração de procedimen-tos diferenciados à tutela dos direitos materiais etc); c) a justiça das decisões (seja pela utilização de um procedimento válido e justo para se chegar a decisão, seja pela reconstrução Þ el dos fatos relevantes para a causa, seja ainda pela adequada interpretação das regras e princípios aplicáveis ao caso concreto); d) a efetividade das decisões (envolvendo temas como a melhor distribuição do ônus do tempo do processo entre as partes, a ampliação das sentenças mandamentais e executivas lato sensu, a concretização dos provimentos urgentes baseados em cognição sumária, o abandono da rígida separação entre cognição e execução, a desmitiÞ cação da verdade processual “obtida” formalmente com a coisa julgada etc).

O grande desafio do legislador e do juiz, na concretização do direi-to fundamental à tutela jurisdicional adequada, célere e efetiva é a cons-trução de técnicas processuais capazes de tutelarem os direitos materiais.

No âmbito do processo civil, a depender do bem jurídico lesado, nem tudo deve ser solucionado por intermédio do processo, mas aquilo que depender da técnica processual deve ser resolvido de modo adequado.

Por isto, a adoção do procedimento ordinário, prevista no Código de Processo Civil, deve ser a exceção, não a regra, e ser utilizado tão somente quando não houver, no ordenamento jurídico, outros instrumentos processuais mais adequados à realização do direito material.

O princípio da adequação do procedimento à causa assume grande relevância, na medida que o legislador, atendo às necessidades do direito material, permite uma tutela jurisdicional mais célere e efetiva. O procedimento do mandado de segurança, permitindo apenas provas pré-constituídas, é um bom exemplo de

53. Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. Relativizar a coisa julgada material. Revista de processo, vol. 109, pág. 9-38; Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003; Eduardo Cambi. Coisa julgada e cognição secundum eventum pro-bationis. Revista de processo, vol. 109, pág. 71-96; Eduardo Talamini. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005.

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como um procedimento diferenciado pode contribuir com a tutela célere dos direitos.

Não se pode ignorar que, em sua gênese, o processo civil estava ligado ao di-reito civil e, por isto, seus institutos sempre estiveram voltados muito mais à tutela do patrimônio do que de qualquer outro bem jurídico. Entretanto, o processo civil não se aplica somente ao direito privado e, ainda que assim fosse, não se ignora que o próprio direito civil se alterou nos dois últimos séculos, distanciando-se das matrizes liberais que marcaram o Código de Napoleão, para assumir contornos publicísticos, aumentando a interferência do Estado-juiz nas relações outrora reservadas apenas aos entes privados.

O Código de Processo Civil foi pensado para a tutela dos interesses indi-viduais (direitos subjetivos), sobretudo os de caráter patrimonial. A titularida-de do direito subjetivo, irradiada no ordenamento processual pelo princípio dispositivo (pelo qual a sorte do processo está, em certa medida, entregue à vontade das partes), projetou o caráter eminentemente individualista do CPC. Esta compreensão está expressa, por exemplo, em regras como as dos artigos 6º (sobre a legitimação ordinária) e 472 (sobre os limites subjetivos da coisa julgada material), cabendo ao titular do direito subjetivo o poder de fruir ou não dele, ou dele desistir, transacionar etc, não podendo os efeitos da decisão ultrapassar a pessoa dos litigantes54.

Assim, institutos como o da legitimidade ad causam, a prova, a sentença e a coisa julgada, porque moldados sob o paradigma do Estado Liberal Clássico, impossibilitavam que a sociedade civil organizada e os órgãos públicos de defesa dos interesses coletivos pudessem levar e ver tutelados pelo Judiciário tais direitos de caráter transindividual55. Com efeito, esses institutos não acompanharam a passagem do Estado Liberal para o de Bem-Estar Social.

54. Cfr. Arruda Alvim. Ação civil pública – sua evolução normativa signiÞ cou crescimento em prol da proteção às situações coletivas. In: Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafi os. Coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005. Pág. 76; Ronaldo Porto Macedo Júnior. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafi os. Coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005. Pág. 560.

55. Nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a “concepção tradicional do processo civil não deixa espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas par-tes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares” (Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northß eet. Porto Alegre: Fabris, 1988. Pág. 50).

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Três fatores acentuaram uma nova era de direitos, a partir de meados do sé-culo passado56: i) aumentaram os bens merecedores de tutela (as meras liberdades negativas, de religião, opinião, imprensa etc, deram lugar aos direitos sociais e econômicos, a exigir uma intervenção positiva do Estado); ii) surgiram outros sujeitos de direitos, além do indivíduo (singular), como a família, as minorias étnicas e religiosas e toda a humanidade em seu conjunto; iii) o próprio homem deixou de ser considerado em abstrato, para ser visto na concretude das relações sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (sexo, idade, condições físicas etc), passando a tratado especiÞ camente como homem, mulher, homosse-xual, criança, idoso, deÞ ciente físico, consumidor etc.

Fatores como a circunstância do Código Civil ter deixado de ser o centro do ordenamento jurídico, o surgimento dos microssistemas (Estatuto da Criança e do Adolescente, Código do Consumidor, Estatuto do Idoso etc), o fenômeno da constitucionalização dos direitos materiais e processuais fundamentais, a crescente adoção da técnica legislativa das cláusulas gerais e o aumento dos poderes do juiz explicam o surgimento do neoprocessualismo.

Com o sepultamento do modelo liberal de direito, de cunho eminentemente patrimonial, passando o Estado, por imposição constitucional, a tutelar bens jurí-dicos de caráter extrapatrimonial (direitos da personalidade, direitos do consumi-dor, direito ao meio ambiente saudável etc) os conceitos e institutos processuais clássicos precisaram ser revistos.

A descrença de que, pelo direito, se poderia obter a verdade, herança do pen-samento iluminista, permitiu a construção de técnicas cognitivas diferenciadas. A visualização do tempo, como um ônus, a ser distribuído, de forma isonômica, entre as partes, contribuiu para adiantar (para antes da sentença e do seu trânsito em julgado) à adequada e mais rápida tutela jurisdicional.

A tutela antecipada, por isto, representa uma grande revolução conceitual na estrutura do processo civil clássico, porque, em nome de uma técnica processual mais adequada a realização dos direitos substanciais, quebra-se o mito do juiz que simplesmente servia para, após tomar amplo conhecimento dos fatos, revelar a verdade, pela intermediação dos acontecimentos com a lei.

Conhecer e Executar (efetivar) passou a ser duas necessidades contemporâneas à concretização da tutela jurisdicional, superando-se o princípio liberal da nullaexecutio sine titulo. Com efeito, a sentença condenatória e o meio de execução

56. Cfr. Norberto Bobbio. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

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por sub-rogação (execução forçada), que eram a regra no Código de Processo Civil, voltada somente para a tutela ressarcitória, mostraram-se extremamente ineÞ cientes, pois, a distribuição do ônus do tempo do processo implicou a neces-sidade de se assumir alguns riscos, sem os quais sempre o autor pagaria o preço da morosidade processual e direitos de caráter não-patrimonial não poderiam ser adequadamente protegidos.

A aproximação da cognição à execução fez ruir a estrutura da classiÞ cação trinária das sentenças, a qual, destituindo o juiz de poder de efetivar a decisão, impossibilitava a efetiva tutela jurisdicional, sobretudo quando se pretendida evitar a lesão a bens jurídicos não patrimoniais, os quais, para serem adequadamente protegidos, não poderiam ser sempre convertidos em perdas e danos.

Logo, eram necessárias técnicas preventivas demandando, inclusive, a técni-ca da tutela inibitória atípica a evitar que a ilicitude ocorresse ou continuasse a ocorrer, considerando que a prevenção, nestas hipótese, é mais importante que a reparação. Por exemplo, se um medicamento nocivo à saúde do consumidor (que, por hipótese, possa gerar câncer) seja colocado no mercado, mais importante que buscar a proteção pecuniária ao consumidor doente é evitar que o produto seja vendido57.

Sistematicamente, pode-se aÞ rmar que a natureza da tutela jurisdicional a ser prestada vai depender do exame da causa de pedir revelada pela situação con-creta: se ocorreu o dano, a tutela será ressarcitória, mas se o escopo é remover o ilícito ou mesmo inibir a prática de novos ilícitos, as tutelas serão de remoção do ilícito e inibitória.

Com as técnicas processuais previstas nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, os meios de coerção indireta (quando é necessário contar com a vontade do obrigado) e direta (quando a vontade do obrigado é irrelevante), atrelados às técnicas das sentenças man-damentais e executivas lato sensu, permitiram que, em um só processo, fossem realizados todos os atos necessários à efetivação da tutela jurisdicional. Com isto, o meio de execução por sub-rogação adequado somente à tutela ressarcitória,

57. A tutela inibitória assume grande importância, porque está voltada a conservar a integralidade do orde-namento jurídico, na medida em que há direitos que não podem ser tutelados adequadamente através da tutela ressarcitória (conversão da obrigação em perdas e danos), além de ser melhor prevenir que ressarcir. Isto ocorre, p. ex., na concorrência desleal (pretende-se que o concorrente não faça algo nocivo, não se quer a reparação dos danos), na proteção da propriedade imaterial (quer-se, preferencialmente, que não seja divulgado o segredo industrial, não os danos dali advindos), na tutela do meio ambiente e também do consumidor (p. ex., venda de bens nocivos à saúde). Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004. Pág. 249 e seg.

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quando se fazia a conversão da obrigação em perdas e danos, deixou de ser meio executivo mais adequado para a realização de outras obrigações (de fazer, não-fazer e entregar) ligadas aos direitos não-patrimoniais.

O parágrafo 5º do artigo 461 do CPC, destarte, adotou o princípio da atipicidade dos meios executivos, mediante a cláusula geral, “meios necessários”, possibi-

litando que o juiz, no caso concreto, opte pelo meio executivo mais adequado à

realização do direito material.

Tal poder, contudo, não deve ser utilizado arbitrariamente, devendo

ser controlado pelas partes, à luz do princípio da proporcionalidade. As-

sim, é de se indagar: i) o meio executivo é adequado (compatibiliza-se

com o ordenamento jurídico): por exemplo, a prisão civil, por força do ar-

tigo 5º, inc. LXVII, da CF, não pode ser estendida além do devedor de ali-

mentos e do depositário infiel; ii) o meio executivo deve ser necessário:

deve-se indagar se existe outro meio menos oneroso ao executado: por exemplo,

entre aplicar a multa diária e fechar o estabelecimento do executado, criando de-

semprego e extinguindo uma fonte de tributos, sendo aquela medida capaz de se

chegar ao Þ m pretendido, esta não pode ser aplicada; iii) as vantagens da adoção

do meio executivo devem ser superiores às desvantagens: por exemplo, quando se

concede a tutela antecipada, em favor de incapaz, cujo pai foi vítima de acidente

de trânsito, para lhe assegurar o imediato pagamento de alimentos decorrentes de

ato ilícito, a ser descontado na folha de pagamento da empresa, sob pena de multa,

está se tutelando a sobrevivência digna da criança ou do adolescente desampara-

do, em detrimento da redução do patrimônio do demandado, com o risco de, na

impossibilidade de se exigir caução, gerar prejuízos ao executado58.

A possibilidade de o juiz concretizar a cláusula geral – “meios necessários” –

contida no artigo 461, par. 5º, do CPC faz com que restem superados os princípios

da congruência entre o pedido e a sentença (arts. 128 e 461 do CPC)59, permitindo

58. Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Controle do poder executivo do juiz. Revista de processo, vol. 127. Pág.

54-74.

59. O princípio da congruência entre o pedido e a sentença é um corolário do princípio da imparcialidade do juiz constituindo um limite à sua atuação. Contudo, tal limitação não é absoluta nem deve ser um obstáculo à realização da justiça da decisão. O artigo 461, par. 5º, do CPC está inserido em um conjunto de regras de ordem pública que mitigam o princípio dispositivo no processo civil e que encontram vários outros exemplos no ordenamento jurídico (v.g., o art. 267, par. 3º, do CPC), possibilitando que o magistrado, de ofício, aplique o direito ao caso concreto. A jurisprudência também tem dado interpretações interessantes a outras regras, atribuindo-lhes o caráter de matérias de ordem pública e, assim, mitigando o princípio da congruência. Dois exemplos: i) Interpretando o artigo 7º da Lei nº 8.560-1992 (“Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fi xarão os alimentos provisionais ou defi nitivos do reconhecido que deles necessite”), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem afi rmado que, em ações de investigação de paternidade, o juiz pode fi xar alimentos, independentemente de pedido expresso, sem com isto haver jul-

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que o juiz, mesmo sem pedido expresso das partes, aplique o meio necessário à efetividade da tutela jurisdicional, bem como a regra do artigo 471 do CPC, ensejando a possibilidade de o magistrado, mesmo após ter proferido a sentença, modiÞ car o meio executivo para que a tutela jurisdicional se efetive (p. ex., re-duzindo ou majorando o valor da multa; substituindo a multa pelo impedimento da atividade nociva etc).

A Emenda Constitucional 45/2004, ao introduzir o direito fundamental à razo-ável duração do processo a todos, no âmbito judicial e administrativo, e assegurar os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (Art. 5º, inc. LXXVIII, CF) veio a ressaltar a necessidade de construção de outras técnicas processuais capazes de reformular conceitos e institutos clássicos do direito processual60.

A efetivação do direito fundamental à celeridade processual exige a adoção de técnicas como a introduzidas no artigo 273, par. 6º, do Código de Processo Civil, a qual evidencia, pela melhor distribuição do ônus do tempo do processo, a possibilidade de cisão do processo em decisões autônomas a possibilitar, inclusive, a decisão deÞ nitiva (com força de coisa julgada material), apesar de parcela da demanda exigir a continuidade do processo.

O art. 273, par. 6º, do CPC, ao permitir a concessão da tutela antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso consagra o direito fundamental à tempestividade da tutela jurisdicional, na medida em que permite que o pedido que está maduro para julgamento (não depende da produção de provas para ser esclarecido) seja realizado primeiro, quebrando o princípio da unicidade do julgamento61.

Por exemplo, é possível a concessão da tutela antecipada, quanto a um ou mais de um dos pedidos cumulados forem incontroversos. Logo, se o autor da

gamento extra petita: “Apelação. Investigação de Paternidade. Alimentos. Fixação independentemente de pedido. Possibilidade. Em ações de investigação de paternidade julgadas procedentes, a fi xação de alimentos é de rigor e pode ser feita independentemente de pedido expresso na inicial, sem que isso represente julgamento extra petita. Inteligência do art. 7º da Lei n.º 8.560/92. Precedentes jurisprudenciais (26ª conclusão do Centro de Estudos). Apelo desprovido. Em monocrática” (Apelação Cível nº 70011116068 – 8ª Câmara Cível – rel. Des. Rui Portanova – j. em 01/04/2005); ii) interpretando o artigo 1º da Lei 8.078/90 (CDC), que prevê “normas de ordem pública e interesse social”, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná considerou inaplicável o artigo 302 do CPC, que trata da presunção de veracidade imposta pela revelia, ao consumidor, considerando que o “ônus da impugnação específi ca do réu (art. 302/CPC), inerente ao princípio dispositivo, cede espaço para que o Estado-Juiz, rompida a inércia jurisdicional, analise as cláusulas contratuais de acordo com as normas de ordem pública protetivas do consumidor, evitando que o fornecedor que descumpre a Lei 8.078/90 seja benefi ciado pela negligência da defesa” (Ap. Cív. n. 127.821-5 – 7a C.C. – rel. Des. Accácio Cambi – unân. – j. 16.09.2002).

60. Cfr. Teresa Arruda Alvim Wambier e outros. Reforma do Judiciário. Primeiras refl exões sobre a Emenda

Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005. 61. Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Técnica processual e tutela dos direitos. Cit. Pág. 141-4.

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demanda é vítima de acidente de consumo (v.g., desabamento de uma casa, pela falta de consistência dos cálculos do engenheiro) e pede que o demandado seja condenado ao pagamento de danos emergentes e de lucros cessantes, tendo o réu reconhecido o defeito no serviço, contestando apenas a existência dos lucros cessantes, deve-se reconhecer, imediatamente, os danos emergentes, cuja prova se fez documentalmente (p. ex., mediante a apresentação de três orçamentos de construtoras diferentes), Þ ca apenas o reconhecimento do dano moral na depen-dência da realização da prova testemunhal e pericial.

Do mesmo modo, tendo o demandante (instituição bancária) pedido que o demandado (mutuário) seja condenado a pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais), e este reconhecido a dívida, mas aÞ rmado dever apenas R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), o reconhecimento parcial do pedido impõe, em nome do direito funda-mental à celeridade processual, a concessão de tutela antecipada, com cognição exauriente, dos R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) não controvertidos.

Portanto, a técnica introduzida no artigo 273, par. 6º, do CPC abre-se a possibi-lidade de uma nova espécie de tutela antecipada que está desvinculada da alegação de perigo (art. 273, inc. I: receio de dano irreparável ou de difícil reparação) e não está baseada em cognição sumária, mas em cognição deÞ nitiva. Supera-se, destarte, o princípio da unidade e da unicidade do julgamento, que havia sido formulado por Giuseppe Chiovenda com fundamento na sua preocupação com a oralidade no processo e os seus desdobramentos (concentração dos atos processu-ais, imediatidade do contato entre o juiz com as partes e com as testemunhas, além da identidade física do juiz do começo ao Þ m do processo), os quais, na prática tanto brasileira quanto italiana, não resultaram na maior celeridade processual. Assim sendo, a efetivação do direito fundamental à tutela jurisdicional célere e a realidade forense implicou a necessidade de cisão do julgamento do mérito, ao contrário do que propugnava o modelo processual clássico62.

A questão do tempo no processo, como direito fundamental, a partir da exegese do artigo 5º, inc. XXXV, da CF, ou do expresso reconhecimento pelo artigo 5º, LXXVIII, da CF, assume grande importância no processo penal, já que neste, nas hipóteses de prisão preventiva, o demando (acusado) responde o processo preso, sendo esta prisão uma antecipação das conseqüências sancionatórias, caso o réu venha a ser condenado.

Um dos intrigantes aspectos deste complexo problema é a manutenção da pri-são provisória, depois da sentença de pronúncia, que, veriÞ cando a existência de

62. Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Técnica processual e tutela dos direitos. Cit. Pág. 141-4.

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indícios de autoria (art. 408/CPP) e a prova da materialidade, remete o acusado ao Tribunal do Júri, juízo natural dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, letra “d”, CF). Confrontando o prisão cautelar, com o direito fundamental à pre-

sunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, CF: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 21, pela qual: “Pronunciado o réu fi ca superada a ale-gação de constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”.

Este enunciado tem sofrido várias críticas, intensiÞ cadas a partir da previsão constitucional da garantia do tempo razoável (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF), na medida em que não há limitação temporal para que o acusado pronunciado aguarde, preso, o julgamento pelo Tribunal do Júri.

A questão jurídica foi recentemente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Habeas Corpus n. 41.182-SP, impetrado pelos irmãos Cravinhos, que, juntamente com Suzane Richthfen, assassinaram, em 31 de outubro de 2002, o casal Manfred e Marisia von Richthofen.

Não obstante sejam réus confessos, o Tribunal Superior, em decisão polêmica, considerou que não prevalecia os fundamentos da prisão provisória, ainda que tenha o caso causado enorme clamor público, porque considerou que os acusados não foram julgados em tempo razoável, devendo aguardar a realização do Júri em liberdade63.

A referida decisão abre um precedente importante contra a Súmula 21/STJ e torna urgente a necessidade de aperfeiçoamento do procedimento dos crimes da competência do Tribunal do Júri.

Resgata-se, destarte, o Projeto de Reforma do Código de Processo Penal (2002), que prevê um novo procedimento do júri, com uma fase preliminar con-traditória (antes do recebimento da denúncia), em que o juiz ouvirá testemunhas (até cinco de cada parte), interrogará o acusado, determinará diligências e em

63. “Prisão preventiva. Pronúncia. Fundamentação (falta). 1. A preventiva e a oriunda de pronúncia são es-pécies de prisão provisória; delas se exige venham sempre fundamentadas. Ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. 2. A superveniência de pronúncia não atrapalha o raciocínio relativo à preventiva sem efetiva fundamentação. Quando existente a ilegalidade, vai à frente – protrai no tempo. 3. Gravidade e circunstâncias do fato criminoso (clamor público), bem como a proteção à integridade física dos acusados, não justifi cam, por si sós, prisão de natureza provisória. 4. Caso de falta de precisa fundamentação, tanto em relação à preventiva quanto à resultante da pronúncia. 5. Caso, também, em que não mais se justifi ca, pelo excesso de tempo, prisão de cunho provisório. 6. Habeas corpus deferido para se revogar a prisão” (HC 41.182-SP – 6ª T. – rel. Min. Nilson Naves – j. 28.06.2005 – pub. DJU 05.09.2005, pág. 495).

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seguida decidirá sobre a admissibilidade (ou não) da peça acusatória. Caso o juízo de admissibilidade da acusação seja positivo, o acusado é imediatamente levado à julgamento pelo Tribunal do Júri, o que abrevia o processo, evitando maiores inß uências sobre o jurado e extinguindo o libelo, peça repetitiva e inútil64.

Além disso, o Projeto de Reforma do Código de Processo Penal amplia a pos-sibilidade de desaforamento, que poderá ser determinado em virtude de excesso de trabalho na comarca65. Assim, caso o julgamento não for realizado no prazo de seis meses, contados da preclusão (do trânsito em julgado) da decisão de pro-núncia, pode o acusado pedir o desaforamento para comarca mais próxima, onde não haja impedimento. Ademais, mesmo não havendo excesso de trabalho, se o acusado não seja julgado no prazo acima assinalado, pode requerer ao Tribunal que determine sua imediata realização.

Tal técnica processual pretende ser um meio voltado a assegurar a garantia fundamental do processo em tempo razoável (art. 5º, inc. LXXVIII, CF), permi-tindo que o acusado seja julgado no menor tempo devido e, com isto, encurtando o tempo da prisão provisória. Com isto, será possível sintonizar a súmula 21 do STJ com o direito fundamental à tutela jurisdicional célere, adequada e eÞ caz, evitando também que acusados propensos à prática criminosa Þ quem anos aguardando, em liberdade, até serem julgados pelo Tribunal do Júri, o que, além de poder representar concreta ameaça à sociedade, torna sempre mais difícil a sua responsabilização penal. A realização de um julgamento de um acusado de homicídio qualiÞ cado, por exemplo, vários anos depois da morte da vítima é fator de descrédito na Justiça, na medida em que propaga na comunidade o sentimento de impunidade.

2.4. Instrumentalidade e garantismo

O grande desaÞ o do neoprocessualismo, imposto pela constitucionalização das garantias processuais fundamentais, é conciliar a instrumentalidade do pro-cesso, ampliada na perspectiva dos direitos fundamentais (arts. 5º, inc. XXXV e LXXVIII), com o garantismo.

Em outras palavras, a instrumentalidade do processo, relativizando o binô-mio substance-procedure, permite a construção de técnicas processuais efetivas,

64. Cfr. Luiz Flávio Gomes. Caso Richthofen e a reforma do Tribunal do Júri . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 874, 24 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7622>. Acesso em: 24 nov. 2005.

65. Cfr. Luiz Flávio Gomes. Caso Richthofen e a reforma do Tribunal do Júri . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 874, 24 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7622>. Acesso em: 24 nov. 2005.

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rápidas e adequadas à realização do direito processual. Este viés metodológico do neoprocessualismo, contudo, precisa ser compatibilizado com o respeito aos direitos e garantias fundamentais do demandado, no processo civil, e do acusado, no processo penal, que estão na essência do garantismo66.

Aliás, o garantismo, como explica Luigi Ferrajoli, está sustentado em três pilares: o Estado de Direito (com seus níveis de normas e de deslegitimação), a teoria do direito e a crítica do direito, e, por último, a Þ losoÞ a do direito e a crí-tica da política67. O garantismo pretende ser o aporte teórico da democracia, em sentido substancial, que, conforme a formulação de Norberto Bobbio analisada no item 1.3.2 (acima), só se realiza com o respeito aos direitos fundamentais. Com efeito, a teoria do garantismo não se aplica exclusivamente ao direito penal68, atingindo todos os ramos do direito e, por isto, inß uenciando a construção do neoprocessualismo.

O moderno processo penal, como explica Aury Lopes Jr., está assentado tanto na instrumentalidade quanto no garantismo69. Esses dois pilares permitem assegu-rar as duas funções do Direito Penal, isto é, torna, de um lado, viável a realização

66. Conforme a bem elaborada síntese de Aury Lopes Jr.: “É importante destacar que o garantismo não tem nenhuma relação com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida à liberdade pessoal, das liberdades civis e políticas às expectativas sociais

de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses,

materiais e prepolíticos, que fundam e justiÞ cam a existência daqueles artifícios – como chamou Hobbes

– que são o Direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia.

Dessa aÞ rmação de Ferrajoli é possível extrair um imperativo básico: o Direito existe para tutelar os direitos

fundamentais” (A intrumentalidade garantista do processo penal. Disponível em: <http://www.aurylopes.

com>. Acesso em:24 nov. 2005.).

67. Cfr. Derecho e razón. Teoria del garantismo penal. Madri: Editorial Trotta, 2001. Pág. 851 e seg.

68. Nas palavras de Luigi Ferrajoli, as “tres acdepciones de ‘garantismo’ (...) [referidas no início do paráfrafo]

tienen a mi juicio un alcance teórico y fi losófi co general que merece ser explicado. Delinean, efectivamente, los elementos de una teoría general del galantismo: el carácter vinculado del poder público en el estado de derecho; la divergencia entre validez y vigencia producida por los desniveles de normas y un cierto grado irreductible de ilegitimidad jurídica de las actividades normativas de nivel inferior; la distinción entre punto de vista externo (o ético-político) y punto de vista interno (o jurídico) y la correspondiente divergencia entre justicia y validez; la autonomía y la precedencia del primero y un cierto grado irreductible de ilegitimidad política de las instituciones vigentes con respecto a él. Estos elementos no valen sólo en derecho penal, sino también en los otros sectores del ordenamiento. Por conseguinte es también posible elaborar para ellos, con referencia a otros derechos fundamentales y a otros sectores del ordenamiento. Por consiguiente es también posible elaborar para ellos, con referencia a otros derechos fundamentales y a otras técnicas o criterios de legitimación, modelos de justicia y modelos garantistas de legalidad – de derecho civil, administrativo, constitucional, internacional, laboral – estructuralmente análogos al penal aquí elaborado. Y también para ellos las aludidas categorías, en las que se expresa el planteamiento ga-rantista, representan instrumentos esenciales para el análisis científi co y para la crítica interna y externa de las antinomias y de las lacunas – jurídicas y políticas – que permiten poner de manifi esto”(Op. Cit.

Pág. 854).

69. Cfr. A intrumentalidade garantista do processo penal. Op. Cit.

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da justiça corretiva e a aplicação da pena e, de outro, serve como efetivo instru-mento de garantia dos direitos e liberdades individuais, protegendo os acusados de atos abusivos do Estado, no exercício dos direitos de perseguir e punir.

Neste contexto, a aplicação de “sanções” penais, quando da aplicação da

transação penal (art. 76/Lei 9.099/95), para não ferir a garantia constitucional

do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, CF), deve ser aplicada com extrema

responsabilidade, pelo representante do Ministério Público, devendo-se, primei-

ramente, observar se o caso não é de arquivamento (aplicando-se, por exemplo, o

princípio da insigniÞ cância) e, depois, se há elementos mínimos suÞ cientes para a

comprovação da autoria da infração de menor potencial ofensivo. Na dúvida, há

que se converter o processo em diligência, a Þ m de que o fato seja melhor inves-

tigado, ou, então, com a orientação de um defensor, respeitar o direito do suposto

autor do fato demonstrar que inexistem provas suÞ cientes seja para uma futura

condenação ou, quando menos, simplesmente para o oferecimento da denúncia.

Por outro lado, há que se evitar os excessos garantistas, elastecendo, desmen-

suradamente, as garantias de defesa. Por exemplo, o artigo 5º, inciso LXIII, da

CF assegura o direito do preso permanecer calado. Tal dispositivo constitucional

tem sido interpretado de forma extensiva para assegurar o direito à não auto-

incriminação ao interrogado em geral70 e ao depoente em Comissões Parlamentares

de Inquérito71. Tem-se entendido, inclusive, que o réu preso em ß agrante não tem

o dever de identificar-se corretamente à autoridade policial e ao

Ministério Público, sendo atípica a conduta do acusado (não conÞ gurando o crime

de falsa identidade – art. 307/CP), em razão de seu direito de autodefesa estar

assegurado constitucionalmente72.

A questão do conß ito entre direitos fundamentais deve ser resolvida à luz do

princípio da proporcionalidade, não sendo razoável que os direitos da vítima (nas

ações penais privadas) e do Estado (nas ações penais públicas) Þ quem sempre

relegados ao respeito ao direito do acusado de não auto-incriminação. Sopesando

bens jurídicos que se opõe no caso concreto, o Supremo Tribunal Federal consi-

derou lícita a realização de exame de DNA mesmo contra a vontade de seu titular,

entendendo que o direito a persecução penal pública era mais relevante do que o

direito à intimidade73.

70. Cfr. STF – HC 80.949 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – pub. DJU 14 dez. 2001.

71. Cfr. STF – HC 79.812 – Rel. Min. Celso de Mello – pub. DJU 16 fev. 2001.

72. Cfr. STJ – HC 35.309 – 6ª T. – rel. Min. Paulo Medina – j. 21.10.2005.

73. Na Reclamação 2040-DF, o STF determinou que fosse coletado material biológico da placenta, com o pro-

pósito de se fazer o exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a extraditanda

– a cantora Glória Trevi – se opusesse. O STF tutelou a moralidade pública, a persecução penal pública e

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Na hipótese de um crime de estupro, encontrado sêmen do suposto autor no corpo da vítima, feriria o princípio da proporcionalidade reconhecer o direito deste em não fornecer material genético, em detrimento do direito à persecução penal.

Ademais, não obstante o dever da autoridade policial identiÞ car criminal-mente o preso em ß agrante não identiÞ cado civilmente (art. 1º, par. ún., da Lei 10.054/2000), é um exagero garantista considerar legítima a situação de um indi-ciado que, preso durante a execução do crime, apresenta carteira de identidade de terceiro e, com isto, impede que se conheça seus antecedentes criminais, com a conseqüência de eximir-se da responsabilidade penal e o que é, ainda mais grave, gerar a condenação de um inocente.

Já, no processo civil, fere o garantismo, por exemplo, as decisões que invertem o ônus da prova, na sentença, ensejando sentenças surpresas, que ferem a garantia do contraditório, inviabilizando a ampla defesa do fornecedor em juízo74.

Por outro lado, representam, por exemplo, excesso garantista: as decisões que condicionam sempre à antecipação de tutela à prévia realização da garantia do contraditório, ignorando a urgência do pedido; a restrição da prisão civil (art. 5º, in LXVII, CF) somente ao não pagamento de dívida alimentar decorrente de direito de família, não estendendo este importante meio de coerção indireta aos alimentos decorrente de ato ilícito; bem como aquelas que tornam impossível a aplicação de presunções probatórias, exigindo, de forma rígida, que o demandante se desincumba da prova de um fato, cuja demonstração seria facilmente realizada pelo demandado, o que contraria a moderna teoria do ônus dinâmico da prova75.

Acrescente-se, quanto a este último exemplo, a exegese da Súmula 301 do STJ, pela qual a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame do DNA induz presunção iuris tantum de paternidade, corroborando antiga presunção jurispru-dencial tornada legal após Novo Código Civil (arts. 231-2). Trata-se de verdadeira técnica de inversão judicial do ônus da prova, com o escopo de melhor tutelar os direitos do demandante que, caso tivesse que provar o fato constitutivo de seu direito, jamais ou muito diÞ cilmente obteria a tutela jurisdicional, ainda que

à segurança pública, que são bens jurídicos da comunidade, bem como o direito à honra e à imagem dos policiais federais que foram acusados de estupro, nas dependências da Polícia Federal, em detrimento do direito à intimidade e a preservação da identidade do pai da criança.

74. Cfr. Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo. Lezioni sul processo civile. Cit. Pág. 70-1; Eduardo Cambi. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001.

75. Cfr. Eduardo Cambi. Admissibilidade e relevância da prova no processo civil. No prelo.

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tivesse razão. Essa técnica de inversão do ônus da prova é, destarte, uma decor-rência da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, permitindo, com auxílio do princípio constitucional da isonomia, que a parte hipossuÞ ciente (ou seja, em condições mais difíceis de provar um fato que seria mais facilmente comprovado pelo demandado), obtenha a tutela jurisdicional.

Entretanto, inicia-se, no próprio Superior Tribunal de Justiça, um processo de relativização da Súmula 301. Continua-se aÞ rmando que o não comparecimento, injustiÞ cado, do demandado (suposto pai) à realização do exame do DNA con-Þ gura a recusa; no entanto, aÞ rma-se que tal recusa gera uma presunção iuris

tantum de paternidade que não desonera o(a) demandante de provar, ao menos com provas indiciárias, a existência de relacionamento íntimo entre a mãe e o suposto pai76. Esta orientação é criticável, pois revigora a exceptio plurium concu-bentium como um condenável argumento a favor da negativa da paternidade. Os Þ lhos – mesmo de mulheres “desonestas”, prostitutas ou de honra duvidosa – não podem ser culpados pela vida pregressa de sua mãe; nada tem com isto, merecem a inversão do ônus da prova, cabendo ao investigado a decisão de fornecer ou não o material genético, com os riscos do não fornecimento reconhecidos pela Súmula 301/STJ, sem eximir o demandante, caso a paternidade não se conÞ rme, da responsabilidade pelo pagamento das custas do exame do DNA. Desta maneira, não se incentiva ações “oportunistas”, que muitas vezes destroem a vida familiar do demandado, mas também se evitam mera evasivas, como a simples alegação de ter havido relações sexuais com “mulheres desonestas”, o que, de outro lado, pode tornar muito difícil o reconhecimento da paternidade, penalizando a criança ou a pessoa que, mesmo tendo resultado de uma relação sexual descompromissada com a formação de vínculos afetivos (familiares), não deve Þ car desamparada por condutas censuráveis não somente imputadas a sua mãe, mas também a seu pai (“irresponsável”).

Portanto, a justa medida entre as tendências instrumentalista e garantista que, como acima observado, complementam-se, pela adoção do princípio da proporcionalidade, permitirá que os conß itos de direitos fundamentais sejam resolvidos, à luz do caso concreto, sem posturas inß exíveis que negariam tanto o neoconstitucionalismo quanto o neoprocessualismo.

76. Cfr. STJ – REsp. 692.242-MG – 3ª T. – rel. Mina. Fátima Nancy Andrighi – j. 28.06.2005 – pub. DJU 12.09.2005, pág. 327; STJ – REsp. 557.365-RO – 3ª T. – rel. Mina. Fátima Nancy Andrighi – j. 07.04.2005 – pub. DJU 03.10.2005, pág. 242. VeriÞ car, ainda (embora sem sentido contrário ao que pensamos), análise de Zeno Veloso, aos Embargos Infringentes n. 173.580-2/01, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (j. 23.04.2002), Um caso em que a recusa ao exame de DNA não presume a paternidade, disponível: http: www.gontijo-familia.adv.br/mjtexjur.htm. Acesso em: 03 nov. 2005.

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CONCLUSÃO

O discurso “neo” é sedutor e essencial para a construção de novas práticas,

estas não menos complexas, na medida em que colocam o operador jurídico diante

de saberes acumulados que, muitas vezes, em face da riqueza dos fatos, de nada

servem senão para propagar o sofrimento e a injustiça.

Por isto, o verdadeiro desaÞ o é cultural, mudar o modo como o homem opera o direito é o escopo Þ nal e, reconheça-se, muito mais difícil que, simplesmente (sem embargo disto ser absolutamente necessário), criar, em abstrato, as teorias.

A teoria e a prática se complementam e encontram, na solução do caso con-creto, seu ponto culminante, quando, efetivamente, as pessoas de carne e osso sentem que o direito existe para protegê-lo, não para amesquinhar a sua condição humana.

Neste sentido, o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo servem de suporte crítico para a construção não somente de “novas” teorias e práticas, mas sobretudo para a construção de técnicas que tornem mais efetivas, rápidas e ade-quadas a prestação jurisdicional.

O “novo” deve se impor na medida em que mostre ser uma alternativa melhor que a velha. A mudança não pode ser feita para que as coisas continuem substan-cialmente as mesmas, apenas com uma aparência diferente. Mudar por mudar é esconder a vontade de manter as coisas como já eram ou dar uma aparência nova para poder retroceder aos avanços já conquistados.

À guisa de ilustração, para Þ nalizar, é importante consignar, ainda que rapida-mente, a tentativa de inviabilizar a tutela coletiva, imposta pela Lei 9.494/97, ao alterar o artigo 16 da Lei 7.347/85, asseverando que a coisa julgada erga omnes se restringe a “competência territorial do órgão prolator”. Isto implica, na prática, a necessidade de ajuizar uma ação coletiva em cada comarca ou seção judiciária brasileira. Pior que a má-intenção do legislador, em acabar com a tutela coletiva, é a inércia do Judiciário, em não considerar tal excrescência inconstitucional, por manifesta violação do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, célere e efetiva77.

77. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão que discordamos, reduziu o conteúdo da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos, contribuindo para a maior morosidade da justiça: “Processual civil. Ação civil pública. APADECO. Empréstimo Compulsório de Combustíveis (DL 2.288/86). Execução de sentença. Efi cácia da sentença delimitada ao Estado do Paraná. Violação do art. 2º-A da Lei n. 9.494/97. Ilegitimidade das partes exeqüentes. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pela Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação

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Portanto, o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo não são tendências que devem Þ car apenas no plano teórico, exigindo do operador jurídico novas práticas para que, assim, seja possível resistir, sempre com apego na Constituição, a toda a forma de retrocessos, o que servirá – e isto, por si só, não é pouco – para a concretização da consciência constitucional e para a formação de uma silenciosa cultura democrática de proteção dos direitos e garantias fundamentais.

Civil Pública n. 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo com-pulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul/87 a out/88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada. 2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação do art. 2º-A da Lei n. 9.494/97, litteris: ‘A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham,na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator’” (AgRg nos EDcl no REsp. 639.158-SC – 1ª T. – rel. Min. José Delgado – j. 22.03.2005 – pub. DJU 02.05.2005, pág. 187).

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