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Ministério Público do Estado de GoiásProcuradoria-Geral de Justiça

Revista

do Ministério Público

do Estado de Goiás

Goiânia2010

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APRESENTAÇÃO.......................................................................

ASSUNTOS GERAIS

Poluidor e usuário: figuras distintas que podem (devem) ensejaro cumulo objetivo nas ações civis publicas ambientais............MARCELO ABELHA RODRIGUES

Estado laico e símbolos pseudo-oficiais................................ADRIANO GOUVEIA LIMA / MAYZA MORGANA CHAVES TORRES

O SUS que queremos começa no homem e nele deve recomeçara cada dia, a cada nova iniciativa, a cada novo desafio!................MARCELO HENRIQUE DOS SANTOS

A construção de um manual operacional básico em defesado SUS: uma proposta pró-ativa.............................................MARCELO HENRIQUE DOS SANTOS

DIREITO PENAL

A natureza jurídica da ação penal no crime de lesão corporal prati-cado contra a mulher no âmbito da relação doméstica e familiar.........WALTER TIYOSO LINZMAYER OTSUKA

Sub-modalidade do tráfico de drogas – art. 33, § 2º, da lei 11.343/06– incentivo ao uso de drogas: critérios para sua definição...............RENEE DO Ó SOUZA / ALLAN SIDNEY DO Ó SOUZA

O discurso das instituições punitivas: distorções entre autopia e a realidade..............................................................ADRIANO GOUVEIA LIMA / MAYZA MORGANA CHAVES TORRES

SUMÁRIO5

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A natureza jurídica da multa reparatória prevista no art. 297do código de trânsito brasileiro............................................ADRIANO FIGUEREDO CARNEIRO

DIREITO CIVIL

Alienação parental..............................................................MARCO ANTÔNIO GARCIA DE PINHO

DIREITO COLETIVO

Direitos humanos universalmente reconhecidos: da acepção àconstrução do sistema global de proteção..............................ELLEN RIBEIRO VELOSO

DIREITO PÚBLICO

Princípio da confiança e função jurisdicional: proteção consti-tucional contra divergências e mutações jurisprudenciais.........JOSÉ RICARDO TEIXEIRA ALVES

Princípio da proporcionalidade: análise crítica de sua apli-cação e de seus efeitos na lei federal nº. 8.429/92 (lei de im-probidade administrativa)....................................................GLAUBER ROCHA SOARES / BRUNO CAMPOS RIBEIRO/ MARCO AURÉLIO MATOS

DIREITO INSTITUCIONAL

Pena de multa criminal, execução e legitimidade ativa do MinistérioPúblico................................................................................VALTER FOLETO SANTIN

DIREITO ESTRANGEIRO

La impugnación de actos administrativos en el procedimientode selección del contratista en la república argentina.............SANTIAGO R. CARRILLO

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APRESENTAÇÃO

“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao

seu tamanho original”. O pensamento de Albert Einstein serve deinspiração para o atual momento da Revista do Ministério Públicogoiano, que, em sua vigésima edição, apresenta inédito formatocom as publicações divididas por assunto e temas não exclusiva-mente jurídicos, a exemplo do tópico referente a Políticas Públicas,além de dedicar sessão específica para o Direito Institucional.

Outra novidade, buscando aprimorar a qualidade de nos-sas publicações, é o artigo de autor estrangeiro que passa a in-tegrar a revista e resumo dos textos em duas línguas, inglês eespanhol, possibilitando instaurar o debate acadêmico tambémna comunidade internacional.

Além disso, a consolidação das inovações trazidas nestapublicação é externada pela nova identidade visual da revista,mais dinâmica e moderna, em consonância com as rápidas trans-formações no âmbito jurídico e disciplinas afins. Tudo isso temcomo objetivo primordial agregar conhecimento para subsidiar aação dos integrantes do Ministério Público na tratativa das ques-tões enfrentadas diariamente, a fim de que repercutam positiva-mente na busca pela efetividade das atribuições constitucionaisdelegadas à Instituição.

Uma boa leitura a todos!

Alice de Almeida Freire

Promotora de Justiça e Diretora da ESMP-GOPresidente do Conselho Editorial da Revista MPGO

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** Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo (PUC-SP).** Texto da palestra proferida no 15° Congresso Brasileiro de Direito Ambientaldo Instituto O Direito por um Planeta Verde, realizado entre os dias 22 e 26de maio de 2010.

Marcelo Abelha Rodrigues*

POLUIDOR E USUÁRIO: FIGURAS DISTINTAS QUE PODEM(DEVEM) ENSEJAR O CÚMULO OBJETIVO NAS AÇÕES

CIVIS PÚBLICAS AMBIENTAIS**

POLLUTER AND USER: DIFFERENT ASPECTS THAT

CAN (SHOULD) HAVE OPPORTUNITY IN THE

PUBLIC ENVIRORMENTAL CIVIL ACTIONS

CONTAMINANTE Y USUARIO: FIgURAS DISTINTAS qUE

PUEDEN (DEBEN) PROPORCIONAR EL CúMULO OBjETIVO

EN LAS ACCIONES CIVILES PúBLICAS AMBIENTALES

Resumo: O presente ensaio tem por objetivo demonstrar que a

situação jurídica de poluidor é diversa da de usuário do bem am-

biental, e, como tal, isso deve se refletir nas ações civis públicas

ambientais, de forma que além de pretensão voltada contra a

degradação do ambiente deve conter a pretensão de ressarci-

mento pelo uso incomum do bem ambiental.

Abstract:

This essay aims to demonstrate that the juridical situation of pol-

luter is different from the user of the environmental goods, and,

as such, this should reflect in civil public environmental actions,

in a way that, beyond the pretention directed against degradation

of the environment it must contain the pretention of compensation

by the unusual use of the environmental goods.

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Resumen:

El presente ensayo tiene por objetivo demostrar que la situación

jurídica de contaminante es diversa de la de usuario del bien am-

biental, y, como tal, eso debe reflejarse en las acciones civiles

públicas ambientales, de manera que, además de la pretensión

contra la degradación del ambiente, debe contener la pretensión

de resarcimiento por el uso no común del bien ambiental.

Palavras-chave:

Bem ambiental, poluidor usuário, usuário poluidor.

Keywords:

Environmental Goods, user polluter, polluter user.

Palabras clave:

Bien ambiental, contaminante usuario, usuario contaminante.

Introdução

Tenho observado que em sua maioria as ações civis pú-blicas ambientais são propostas em face de poluidores, deles seexigindo, com o rigor da lei, as pretensões específicas e pecu-niárias que são cabíveis. O grau de desenvolvimento das técni-cas processuais de tutela jurídica do ambiente contra ospoluidores tem evoluído bastante graças a uma especial contri-buição do Ministério Público e da jurisprudência, com destaque,nesse caso, para as decisões proferidas pelo Superior Tribunalde justiça. Nesse particular, portanto, em relação ao controle dapoluição e dos poluidores, a equação jurídica acima está ade-quada. Mas e a tutela jurídica ambiental contra o uso incomumdos bens ambientais?

Ao contrário da tutela jurídica ambiental contra o poluidore a poluição, não se observa o exercício da tutela jurisdicional am-

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biental contra o uso incomum dos bens ambientais, embora tantoa Constituição Federal quanto a legislação infraconstitucional dei-xem claro que são distintas as situações jurídicas subjetivas depoluidor e usuário e que ambas podem e devem receber tutelaautônoma, ainda que cumuladas na mesma demanda coletiva.

Do texto do art. 225, somando o caput e seus parágrafos,extrai-se uma série de dispositivos que legitimam a tutela jurisdi-cional contra os poluidores, tal como todo o texto do §3° ou aindao inciso V do §1°, entre outros. Entretanto, emerge também, nocaput do art. 225, o comando de que o equilíbrio ecológico é umbem jurídico que pertence a todos, indivisível, cujo regime jurídicoé de uso comum. quer dizer o texto constitucional que tanto omacrobem ambiental (equilíbrio ecológico) quanto os microbensambientais (recursos ambientais) têm um regime jurídico de usocomum e, portanto, vulgar, típico e normal, decorrente do fato deque é um bem indivisível e essencial a vida de todos. Logo, nãoé um bem que possa ser excluído de quem quer que seja. O bemambiental – macro e microbem – tem dono e destino previstosna Constituição Federal.

Também no texto da mais importante lei infraconstitucio-nal ambiental – a política nacional do meio ambiente – deixa ex-pressamente sedimentada a diferença de situações jurídicassubjetivas envolvendo o poluidor e o usuário, deixando ainda cla-rividente a responsabilidade de cada um desses personagens.Segundo o texto legal:

Art 4° - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação

de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuá-

rio, da contribuição pela utilização de recursos ambientais

com fins econômicos.

Resta claro, portanto que, lege lata, existe diferençaentre o poluidor e o usuário do bem ambiental, e, além disso, quecada um desses personagens possui responsabilidades distintas.

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O poluidor usuário e o usuário poluidor

quando olhamos o horizonte e temos o desprazer de as-sistir a uma chaminé lançando particulados na atmosfera, normal-mente enxergamos e associamos essa prática a uma degradaçãoambiental, qual seja, a identificamos como uma prática poluente,porque tal atividade causa, direta ou indiretamente, alterações ad-versas na qualidade ambiental. Ao praticar essa conduta, ocorreo enquadramento perfeito do art. 2°, 3°, II, III e IV da Lei 6938/81,devendo incidir ainda o preceito do art. 14, §1° desse mesmo di-ploma. Igualmente ocorre quando uma empresa lança nos riosseus efluentes que contaminam a fauna e a flora icitiológica. Damesma forma, ainda, quando, em um desastre ecológico, umnavio deixa vazar óleo no mar, entre tantos outros tristes exem-plos. Mas há algo mais a ser visto em todos esses casos.

Em todas essas hipóteses não há apenas a poluiçãopraticada por um poluidor. É que, além de poluir – degradar aqualidade do meio ambiente –, ocorre o fenômeno de uso inco-mum do bem ambiental, que nesse caso serve para despejo,privada e descarga dos poluentes.

O exemplo da empresa que lança particulados na atmos-fera é emblemático, pois se tem aí não só a presença do conceitode poluidor, mas também a de usuário (incomum) do ar atmosfé-rico. A empresa está utilizando o ar atmosférico para despejar oseu poluente, contudo, usando-o de forma incompatível com oque o texto constitucional prevê como uso normal desse micro-bem ambiental.

Como bem diz o art. 225, caput, da CF/88, o meio am-biente é um bem do povo, essencial à sadia qualidade de vidae, como tal, é constitucionalmente garantido seu uso comumpor todos os seus titulares. Assim, dentro dessa perspectivaconstitucional, há que se identificar o que seja uso comum dosbens (macro e micro) ambientais.

A noção de uso comum dos bens ambientais está inti-mamente atrelada à sua função ecológica, que por sua vez estáideologicamente vinculada à ideia de essencial idade à sadiaqualidade de vida. qualquer utilização dos bens ambientais que

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não seja de uso comum do povo, e que não esteja atrelada a es-sencialidade de proteção e abrigo de todas as formas de vidanão é um uso típico, vulgar ou comum, e, como tal, não está ga-rantido pelo art. 225, caput, da CF/88. E, se assim é, ou seja, seexiste um uso incomum, disso resulta que estaria havendo o em-préstimo de um bem do povo para algum particular para que estedestine um papel para o bem ambiental que nem é o de usocomum do povo e tampouco o de essencialidade a todas as for-mas de vida. Para nós, seres humanos, o uso comum do ar at-mosférico não é outro senão o de respirar e de permitir que neleproduzam os processos ecológicos de manutenção de todas asformas de vida. Logo, se o particular utiliza o ar atmosférico paraoutros papéis que não sejam o de uso comum (do povo), então,definitivamente se quebra a isonomia altruísta prevista constitu-cionalmente e cria-se um privilégio que não pode ser ignorado.

Assim, a plataforma de petróleo no mar, o navio que usaas águas para seu transporte, as antenas de TV e rádio queusam o ar para captação e transmissão de ondas, os aviões queusam o ar como meio de transporte, entre tantos e tantos outrosexemplos, demonstram que o bem ambiental está sendo utilizadode forma incomum, privada e não destinado à preservação davida. Esse uso não deve ter um custo? Porque esse empréstimoé livre e gratuito?

Nesse particular, destaca-se ainda o fato de que nemtodo uso incomum é causador de degradação ambiental, ou seja,nem todo usuário pode ser enquadrado no conceito de poluidor,mas o inverso é inexorável.

Aquele que polui mediante atos comissivos é, regrageral, um usuário incomum do bem ambiental, porque dele sevale para poluir, ou seja, usa o bem ambiental como descarga edespejo da poluição que produz. Mas o inverso não é verda-deiro, já que é possível utilizar economicamente os bens am-bientais sem que isso represente alteração da qualidade adversado meio ambiente.

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O dever de contribuir economicamente pelo uso incomumdo bem ambiental

O art. 225, caput, da CF/88 prescreve que “impõe-se aopoder público e a coletividade o dever de proteger e preservar omeio ambiente para as presentes e futuras gerações”. Namesma esteira, diz o §1° do mesmo dispositivo que para asse-gurar a proteção do direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, incumbe ao poder público "preservar e restaurar osprocessos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológicodas espécies e ecossistemas". Seguindo a linha estabelecida,prescreve o art. 4°, VII, da Política Nacional do Meio Ambiente,que é objetivo desta última a “imposição ao poluidor e ao preda-dor, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causa-dos e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursosambientais com fins econômicos”.

Há, portanto, texto legal que deixa claro e evidente quetodas as vezes que um recurso ambiental1 é utilizado para finseconômicos, qual seja, sem a essencialidade do direito à sadiaqualidade de vida e sem que esse uso seja comum a todos dopovo, deve ser imposta ao usuário incomum a contribuição pelautilização dos recursos ambientais.

A equação é bem simples: qualquer empréstimo do bemambiental que sirva ao uso econômico e incomum deve ter umcusto a ser suportado pelo usuário. Se o uso desse bem causaou não poluição isso é irrelevante para fins da imposição dodever de contribuição pelo empréstimo. Aqui, a causa de pedir éo uso incomum para fins econômicos e tão somente. Se, porexemplo, uma empresa siderúrgica lança particulados na atmos-fera degradando o meio ambiente, ela é, a um só tempo, umapoluidora e também uma usuária invulgar do bem ambiental (aratmosférico), e, como tal, deverá responder pelas duas situaçõesjurídicas criadas. Se a atividade econômica que usa o bem am-

1 Art. 3°, V, da Lei 6938/81: "Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:[...] V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais esubterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementosda biosfera, a fauna e a flora".

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biental não causa degradação, ainda assim responderá pela con-tribuição na condição de usuária do bem ambiental.

Técnica processual de imposição da contribuição pelo usoincomum do bem ambiental

A ação civil pública ambiental apresenta-se como téc-nica processual adequada à tutela jurisdicional que impõe aousuário incomum do bem ambiental o dever de contribuição pelouso econômico do referido bem. A legislação ambiental dá a en-tender que o uso econômico incomum do bem ambiental gerapara esse usuário uma contrapartida de ordem financeira (con-tribuição), e não propriamente de outra natureza. Não se des-carta, todavia, que a referida contribuição possa se dar porintermédio de uma obrigação de fazer, mas, a princípio, há umvínculo entre o aproveitamento econômico do bem ambiental eum pagamento pelo empréstimo do recurso ambiental.

É claro que haverá dificuldades para se saber quantocusta, por exemplo, a utilização econômica do ar atmosféricocomo local de despejo e descarga dos particulados ou para sim-ples despejo de fumaça. Não há como se estabelecer um preçodo bem ambiental senão por intermédio de parâmetros como dis-ponibilidade do bem utilizado, importância econômica da sua uti-lização, benefício econômico da atividade, tempo de suautilização, etc. Em nosso sentir esses são parâmetros que devemguiar a fixação de um preço a ser arbitrado pelo juiz ou pelo poderpúblico pelo empréstimo do bem ambiental para fins econômicos.

É preciso dizer que a previsão do dever legal de contribuirpelo uso incomum do bem ambiental existe no nosso ordena-mento desde a lei 6938/81, que fixa o conceito de meio ambiente,o conceito de recursos ambientais e o dever de contribuição peloempréstimo desses recursos para fins econômicos. O fato denunca se ter cobrado um valor pelo uso incomum do bem ambien-tal não impede que se faça atualmente essa cobrança, seja pelocaráter imprescritível do bem ambiental, seja porque não poderia

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haver o enriquecimento ilícito do usuário as custas de um emprés-timo "gratuito" contra legem que seria suportado pela população.Há o direito de ressarcimento da população pelo prejuízo atéentão suportado2 e o dinheiro deve ser destinado ao Fundo Fe-deral para a Defesa dos Direitos Difusos a que alude o art. 13 daLei de Ação Civil Pública.

Além da questão relativa aos valores pretéritos, devidosdesde o advento da lei 6.938/81, há ainda que se falar como a uti-lização dos bens ambientais é normalmente feita em caráter con-tínuo (por exemplo, todos os dias a siderúrgica lança particuladosna atmosfera), nada impede que seja negado o direito à licençaambiental pela não quitação do empréstimo do bem ambiental. Re-gistre-se que o dever de contribuir pelo uso incomum dos bensambientais é um fato impeditivo da obtenção da licença ambiental,pois, como se sabe, é o princípio do poluidor/usuário pagador quenorteia a realização do licenciamento ambiental.

Atente-se ainda para o fato de que para aqueles polui-dores que eventualmente tenham sido condenados judicialmentetorna-se ainda mais fácil a obtenção da tutela de ressarcimentopelo uso incomum e econômico do bem ambiental, já que a prá-tica comissiva da poluição pressupõe, regra geral, o uso do re-curso ambiental como descarga ou local de despejo dadegradação. Para tais situações, deve-se admitir a liquidação dosdanos referentes ao ressarcimento a partir da condenação im-posta ao poluidor.

2 Mutatis mutandis é o que se extrai da imprescritibilidade do ressarcimento aoerário por atos de improbidade administrativa. Segundo o Superior Tribunal dejustiça: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEgU-RANÇA - TRANCAMENTO DE INqUÉRITO CIVIL PARA APURAÇÃO DE ATODE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ENRIqUECIMENTO ILÍCITO - jUSTACAUSA - PRESCRIÇÃO. 1. Somente em situações excepcionais, quando com-provada, de plano, atipicidade de conduta, causa extintíva da punibilidade ouausência de indícios de autoria, é possível o trancamento de inquérito civil. 2.Apuração de fatos típicos (artigo 9° da Lei n° 8.429/92), com indícios suficientesde autoria desmentem a alegação de inviabilidade da ação de improbidade. 3.Denúncia anônima pode ser investigada, para comprovarem-se fatos ilícitos, nadefesa do interesse público. 4. A ação civil de ressarcimento por ato de improbi-dade é imprescritível, inexistindo ainda ação contra o impetrante. 5. Recurso or-dinário desprovido (RMS 30.510/Rj, Rei. Ministra Eliana Calmon, SegundaTurma, julgado em 17/12/2009, Dje 10/02/2010).

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*Advogado. Professor de Direito Penal e Processo Penal pela UniEvangélica.Especialista em Direito Penal. E-mail: [email protected].** Promotora de Justiça titular da 6ª Promotoria de Anápolis. Especialista emDireito Penal e Processo Penal. E-mail: [email protected].

Adriano Gouveia Lima*Mayza Morgana Chaves Torres**

ESTADO LAICO E SÍMBOLOS PSEUDO-OFICIAIS

LAIC STATE AND PSEUDO-OFFICIAL SYMBOLS

Resumo: O texto aborda o princípio da laicidade do Estado

Brasileiro e confronta as mais diversas manifestações de caráter

místico religioso nas repartições públicas com os ditames consti-

tucionais e interpretativos de forma imparcial e sempre buscando

a intenção do legislador ao prever na Constituição que o Estado

Brasileiro é essencialmente laico. O autor usa elementos de di-

reito internacional comparado e julgado do Estado Italiano sobre

essa temática.

Abstract:

The text addresses the principle of laicity of the Brazilian State

and confronts the most diverse manifestations of mystical reli-

gious character in public offices with the constitutional and inter-

pretative dictates impartially and always seeking the intention of

the legislator to provide in the Constitution that the Brazilian State

is essentially laic. The author uses elements of international com-

parative law and judged of Italian State about this issue.

Resumen:

El texto aborda el principio de la laicidad del Estado Brasileño y

confronta las más diversas manifestaciones de carácter místico

religioso en las reparticiones públicas con los dictámenes consti-

tucionales e interpretativos de forma imparcial y siempre bus-

cando la intención del legislador al prever en la Constitución que

el Estado Brasileño es esencialmente laico. El autor usa elemen-

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tos del derecho internacional comparado y juzgado del Estado

Italiano sobre esa temática.

Palavras-chave:

laico, religião, constituição, católica, público.

Keywords:

laic; religion; constitution; catholic; public.

Palabras clave:

Laico, religión, constitución, católica; público.

Informa-nos a agência italiana de notícias Lusa, atravésde matéria veiculada no Brasil pelo endereço eletrônico do Con-selho Federal da Ordem dos Advogados1, que, no início do anode 2008, uma Corte Judicial da cidade de Áquila, na Itália, con-denou o magistrado Luigi Tosti a um ano de prisão, além deafastá-lo da magistratura por igual período, pois, no ano de 2006,teria este determinado a retirada de um crucifixo da sala de au-diências na qual prestava jurisdição com a respectiva suspensãodo ato processual que se pretendia produzir, tudo isso a fim dese restaurar o caráter laico do Estado Italiano. De acordo com amesma fonte, o uso de crucifixos em repartições públicas na Itáliafoi determinado na década de 1920 durante o regime fascista deBenito Mussolini. Nos dias de hoje não são obrigatórios, mas jáse tornaram hábito e tiveram sua presença ratificada pelo Tribu-nal Constitucional Italiano em 2004. Ressalte-se, apenas, quemesmo sendo a Itália sede territorial do Estado Maior do Vati-cano, que fica bem no centro de Roma, essa nação nem de longeadota o catolicismo como religião oficial.

Longe de pacificar a questão, o Conselho Nacional de

1 INFORMATIVO OAB. Juiz italiano se recusa a julgar em sala com crucifixo.Disponível em: http://www.oab. org.br/noticia.asp?id=12663. Acesso em: 22 defev. 2008.

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2 Disponível em: http://www.overbo.com.br/modules/news/article.php?sto-ryid=4522. Acesso em: 22 fev. 2008.3 MILICIO, G. Justiça permite romaria de santa por tribunais do Pará. RevistaConsultor Jurídico, 5 de outubro de 2007.4 CENEVIVA, W. Na busca do estado laico. Disponível em: http://www.brasil-paratodos.org/?page_id=133. Acesso em: 18 fev. 2008.

Justiça do Brasil, em outra matéria publicada em seu site oficial nodia 29 de maio de 2007, exarou julgamento para os pedidos deprovidência de números 1344, 1345, 1346 e 1362, que questiona-vam a presença de crucifixos nas dependências do Poder Judiciá-rio. Na ocasião, além de dizer que tal conduta não fere o princípioda laicidade do Estado, debateu-se acerca da proposta do con-selheiro Paulo Lopo, que votou pela realização de consulta pública,via internet, pelo período de dois meses, com o objetivo de apro-fundar o questionamento sobre o assunto, ainda não realizada.

Também nos informa o site de notícias cristãs “O verbo”2,em edição digital de 03 de outubro de 2007, que em congressode juízes estaduais no Rio Grande do Sul foi decidido que

os crucifixos poderiam continuar adornando as paredes das

salas de audiências gaúchas. A decisão foi apertada: 25

votos pela manutenção e 24 contra. Na ocasião, os juízes

entenderam que a ostentação do crucifixo “está em conso-

nância com a fé da grande maioria da população brasileira”

e que “não há registro de usuário da Justiça que tenha acu-

sado constrangimento em razão da presença do símbolo

religioso em uma sala de audiência”.

Muito embora não tenhamos uma religião oficial desde24 de fevereiro de 1891, quando tivemos a nossa primeira cons-tituição republicana, o uso de símbolos religiosos é uma praxeem órgãos públicos e, no caso dos Tribunais, é raro, por exemplo,um salão de Tribunal do Júri que não traga, em local de destaque,um crucifixo com o Cristo pendurado em alusão à práxis católica.

Afoguentando ainda mais a polêmica, que se acha dis-tante de acabar, a revista Consultor Jurídico3, em edição de 05de outubro de 2007, estampou matéria relatando a fracassadatentativa da organização não governamental Brasil para todos4

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de suspender, por meio da representação número 2007100991-PA, protocolizada no Tribunal Regional Federal da Primeira Re-gião, o movimento organizado pelo Juiz Federal Daniel dosSantos Rocha, de Sobral, que exaltava a fé católica com o movi-mento “Reverência do Judiciário à Virgem de Nazaré”, o qual re-cebia visitas da imagem peregrina da santa nas dependênciasda justiça, onde, inclusive, se rezava uma missa. No seu voto, oDesembargador Federal Oscar Argolo rejeitou a pretensão daONG sob o seguinte fundamento:

Por assim ver, na medida em que não vislumbro a invocada

inconstitucionalidade na prática apontada, muito menos

qualquer ilegalidade, dada a ausência de norma jurídica es-

pecífica em vigor, contendo obrigação de fazer ou de não

fazer, considerando que o interesse público primário (a so-

ciedade), por sua legítima representação, o Poder Legisla-

tivo, nenhuma norma jurídica expediu sobre a matéria e

assim, por entender que essa matéria não se comporta no

controle exercido pelo Egrégio Conselho, sendo de com-

petência Única, exclusiva interna e totalmente autônoma

dos Tribunais de Justiça detentores do interesse público se-

cundário; [...]

Também concluiu o relator da demanda correcional,Desembargador Federal Jirair Aran Meguerian o seguinte:

tendo em vista a inexistência de indícios de que a visita da

imagem peregrina pela Justiça Federal do Pará fosse violar,

agredir ou discriminar os direitos dos cidadãos que não

queiram participar do evento, bem como por reconhecer que

a peregrinação se constitui em uma manifestação tradicional

e secular da cultura paraense, JULGO IMPROCEDENTE A

PRESENTE REPRESENTAÇÃO, consequentemente, inde-

firo o pedido de liminar formulado por Roberto Alves de Al-

meida. (grifos originais do autor)

Criticando tudo isso em entrevista à Folha de São Paulo5,edição de 04 de agosto de 2007, o doutrinador Walter Ceneviva

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assim se manifestou:

Religião e Estado devem percorrer caminhos separados,

sem benefício especial para qualquer culto ou de alguns

deles em face de outros. Dirá o leitor que isso está na

Constituição. Resposta óbvia: no Brasil, a separação entre

religião e Estado é um mito jurídico. Existe em alguns dis-

positivos legais, mas raramente é para valer.

De fato, se considerarmos a crítica do mencionado autor,veremos que a laicidade absoluta com ausência total a qualquerreferência religiosa, mesmo que aparentemente imparcial, é ummito, pois, até em outros textos legais, como, por exemplo, o Có-digo Penal, em seu capítulo I, Título V, especificamente no artigo208, há o delito de “ultraje a culto ou perturbação de ato a ele re-lativo”, porquanto o bem jurídico penalmente tutelado nessa figuratípica é o “sentimento religioso que se vê atacado”, conforme dou-trina de Rogério Greco. No mesmo sentido, complementa Gui-lherme de Souza Nucci afirmando: “o objetivo é impedir quevárias pessoas tomem conhecimento das manifestações desai-roras a respeito de determinado ato ou objeto de culto religioso”.

Sem contradizer-se, até mesmo a Constituição Federal,no VI inciso do artigo 5°, garante a inviolabilidade de consciênciae crença com proteção dos locais de culto religioso e de sua litur-gia, o que incrementa ainda mais a sua opção por um Estadoonde o sentimento religioso seja ainda mais exaltado com normasprotetivas, posto que estabelece ainda uma imunidade tributáriano artigo 150, IV, B, quando veda a qualquer ente federativo a ins-tituição de impostos sobre templos de qualquer culto.

Entende-se que se a república não optou expressamentepor um determinado segmento religioso, esta não se manteveinerte a quaisquer manifestações de religiosidade, tampouconegou proteção e reconhecimento de associações religiosas de-tentoras de liberdade estatutária para se auto-organizarem con-forme melhor conveniência nos termos da legislação civil atual.

Complementando-se, também, com elementos de inter-pretação comparada, vejamos quais são as orientações mais di-fundidas de três importantes seguimentos religiosos na nossa

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República, sendo eles o catolicismo, o protestantismo e o espiri-tismo, acerca de usos de símbolos e imagens religiosas.

A orientação de Dom Aloísio Roque Oppermann da ar-quidiocese de Uberaba, sobre o uso de símbolos nos atos litúrgi-cos católicos, publicada em site voltado para todos os fiéis:

Ninguém é obrigado a usar crucifixos, imagens de Cristo,

representações da Virgem Maria ou dos Santos. Quem sou-

ber fazer suas orações sem uso algum de imagens, para

entrar em comunicação com Deus ou com os Santos, é livre

de fazê-lo. Nos dias de hoje, no entanto, época por exce-

lência da imagem, o visível nos ajuda a introduzir no invisí-

vel. Vale dizer: as imagens ajudam à oração.

A orientação do Conselho Nacional da Federação EspíritaBrasileira, em site também voltado para todos os fiéis desse seg-mento, sob a rubrica de recomendações gerais: “Desaprovar oemprego de rituais, imagens ou símbolos de qualquer naturezanas sessões, assegurando a pureza e a simplicidade da práticado Espiritismo”.

Representando significativa parte do segmento evangé-lico, mencionamos entrevista de Silas Malafaia que, segundo ojornalista Joelmir Beting no site da Igreja Evangélica Assembleiade Deus Missões, é o pastor mais popular da maior denominaçãoevangélica do Brasil. Assim disse esse líder religioso: “A Bíbliacondena a idolatria. Deus não entrega sua glória a ninguém, nema homem, nem a ídolo. Ele é o Criador e então determina as re-gras para sua criação”. E arremata acerca da laicidade estatal oseguinte: “O Estado é laico e deve permanecer assim. A adoçãode candidatos por líderes evangélicos não significa que o povoevangélico concorda. Tanto que nas últimas eleições muitos alia-dos de pastores não conseguiram se eleger. Os evangélicosmandaram um recado aos políticos cristãos e aos líderes dasigrejas nas últimas eleições”.

Ora, muito embora a questão se encontre na efervescên-cia da discussão estatal e, até mesmo, com adeptos simpáticos àideia de tolerância ao uso de símbolos religiosos pelo poder pú-blico, notamos que nem mesmo as diversas denominações con-

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fessionais possuem pontos de vista pacíficos com relação à utili-zação de adornos da fé. Muito pelo contrário, encontramos resis-tências explícitas, mormente no que se refere ao protestantismoe ao espiritismo, conforme mencionado retro, e, no que se refereao catolicismo, há uma tolerância em razão da convenção im-posta pelos costumes sociais. Ainda há mais: se a adoção de umaprofissão de fé é livre, porquanto a escolha de cada segmentopela pessoa humana vai de encontro aos seus sentimentos debem-estar e felicidade pessoal, o que dizer de órgãos públicos esalas de audiências que ostentem impositivamente objetos de fétrazidos de confissões que nada tem a ver com a prestação doserviço público realizado? Em outras palavras, enquanto um fielcatólico pode se sentir consolado ao ver uma imagem de Cristono madeiro, ou até mesmo, com uma imagem de Jesus morto aosbraços de Virgem Maria, remontando à Pietà de Michelangelo, ummembro de outra religião pode se sentir constrangido e, inclusive,com a intolerável e enganosa ideia medieval de que a imposiçãoestatal sempre legitima a sua justiça com pretensões divinas cominclusão de eleitos e exclusão de hereges.

Colocada essa premissa, imaginemos o seguinte exem-plo hipotético: Tício, qualquer do povo, adepto a determinadoafluente religioso do caudaloso rio Cristão, adentra em uma re-partição pública e, no lugar corriqueiramente destinado ao usualmadeiro que muitas vezes ainda vem paramentado de qualqueroutro personagem do hagiológio católico, se depara frente afrente com uma imagem representativa de qualquer outra religiãoafrodescendente, como, por exemplo, um orixá do candomblébaiano, podendo ser a Iemanjá pairando com os seus adornosazuis sobre o mar ou, até mesmo, um Buda agradavelmente dis-posto sobre uma almofada em posição de lótus, o que representaa religiosidade oriental. Dir-se-á costume? Certamente não,mesmo que a figura de Iemanjá esteja em uma repartição públicada capital Soteropolitana e a de Buda em outra repartição doBairro da Liberdade, em plena região central da capital do Pla-nalto Piratiningano. O certo é que Tício se sentirá agredido coma situação e, se for mais exaltado, repreenderá tal atitude em seuíntimo, sentindo-se agravado com tais figuras representativas.

Nesses termos, o constitucionalismo histórico nos mostra

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que os Estados religiosos da antiguidade foram tirânicos quandoimpunham a adoção de um determinado credo aos seus súditosem uma época em que o poder espiritual se confundia com opoder público. O excesso era tão expressivo que os assentos decasamento, emancipações e aquisição de cargos públicos de-pendiam do consentimento da igreja. Da negação desse poderespiritual sobre o temporal surgia o dever de inquirir o renitenteacerca de suas convicções, donde surgiu a rubrica de inquisição,do latim, Inquisitio Haereticae Pravitatis Sanctum Officium, umadas mais tristes lembranças da humanidade, conforme nos in-forma a literatura especializada sobre o tema.

Alexandre de Moraes nos diz que a conquista constitu-cional da liberdade religiosa é verdadeira consagração da matu-ridade de um povo, pois, como salientado por ThemistoclesBrandão Cavalcanti, é ela verdadeiro desdobramento da liber-dade de pensamento e manifestação. Mencionando J. J. Gomesde Canotilho, “a quebra da unidade religiosa da cristandade deuorigem à aparição de minorias religiosas que defendiam o direitode cada um à verdadeira fé”.

Dessa maneira, qualquer ato simbólico de manifestaçãoreligiosa, seja no Poder Judiciário, seja em quaisquer órgãos pú-blicos, pode ferir essa dita “quebra de unidade religiosa” que mar-cou a conquista da democracia igualitária em estados puramentelaicos, porquanto, mesmo que mascarada do falso rótulo ecume-nista de costumes sociais, sempre será tendenciosa. Entretanto, asolução para a controvérsia está na própria Constituição Federal.

Considerando-se o que ocorre no art. 143 da Constitui-ção Federal, que prevê a escusa de consciência no serviço mi-litar por motivos de crença religiosa, remetendo-se à lei ordináriaa atribuição de atividades alternativas que serão prestadas peloconscrito em organizações militares ou outros órgãos do Minis-tério da Defesa, ou, até mesmo, considerando-se, também, adisposição no que se refere ao ensino religioso de matrícula fa-cultativa nas escolas, conforme art. 210, parágrafo 1°, pode-seconcluir, com elementos de interpretação sistemática de normasconstitucionais que, em razão do caráter laico do Estado Brasi-leiro, dever-se-ia considerar, mutatis mutandis, que o uso desímbolos religiosos ostensivamente em órgãos públicos real-

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mente fere o princípio da laicidade estatal, impondo-se a proibi-ção dessa conduta. Entretanto, em respeito à profissão de fé dedeterminados agentes públicos, mormente agentes políticoscomo nos casos de juízes, promotores e representantes do exe-cutivo e legislativo, estes não estariam impedidos, em tese, deusar tais símbolos dentro de seus gabinetes pessoais, caso opossuam, sempre evitando lugares de destaque, a fim de seafastar ainda mais quaisquer agressões à convicção religiosade eventuais pessoas que possam frequentar tal espaço que,muito embora privativo, não deixa de ser público.

Gilmar Mendes, em variadas manifestações já proferi-das no Supremo Tribunal Federal, diz que a lacuna ou omissãodo legislador constitucional pode estar revestida de um propósitoestratégico, qual seja, programar um princípio pró-ativo de maisatuação no contexto da estrutura constitucional. Dessa forma in-troduziu-se a teoria do silêncio eloquente, que é uma construçãopuramente jurídica, nascida através do Tribunal ConstitucionalFederal alemão (Bundesverfassungsgericht), a fim de afastar asimplista tese de omissão constitucional involuntária para casosque podem ser resolvidos pela interpretação principiológica.Ainda conforme o mencionado autor e ministro, sempre que hou-ver na constituição um vácuo legislativo pode-se complementá-lo por meio de interpretações construtivas através dos julgados.Dessa maneira, singulares teses de omissões legislativas parajustificar a incorreção de uma inconstitucionalidade não devemprosperar, principalmente em razão do caráter principiológico datessitura constitucional. No mesmo sentido, e confirmando aindamais tal conclusão, J. J. Gomes de Canotilho1, ao dissertaracerca dos princípios, afirma que eles possuem fecundidade ir-radiante para todo o ordenamento jurídico e as suas disposiçõesestão revestidas de função normogenética integradora. Assim,seria absolutamente despicienda qualquer norma expressa queregulamente aquilo que um princípio já se encarregou de fazê-lo e, no caso em debate, está evidente que o princípio da laici-dade impede o uso ostensivo de símbolos religiosos emquaisquer repartições públicas, sejam elas quais forem.

É passada a hora de nossa república afastar de vez apoeira de ruínas históricas de um império que trazia no absolu-

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tismo estatal fundamentações divinas para a imposição depoder. A dignidade da pessoa humana perpassa por qualquercredo ou símbolo e a tolerância no que se refere às preferênciaspor ostentação de paramentos ou costumes religiosos nadamais faz do que retroceder conquistas democráticas, nas quaisa moral religiosa passa a ser uma sugestão projetiva dos tribu-nais e órgãos públicos sobre o povo em detrimento da verda-deira e significativa base axiológica da justiça, que é justamentedar a cada qual o que é seu.

REFERÊNCIAS

CANOTILhO, J. J. G. de. Direito constitucional e teoria da cons-

tituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

CENEVIVA, W. Na busca do estado laico. Disponível em:http://www.brasilparatodos.org/ ?page_id=133. Acesso em: 18fev. 2008.

GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial. v. III, 2. ed.São Paulo: Impetus, 2003.

INFORMATIVO OAB. Juiz italiano se recusa a julgar em sala com

crucifixo. Disponível em: http://www.oab. org.br/noticia.asp ? id =12663. Acesso em: 22 de fev. 2008.MORAES, A. de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas,2002.

NUCCI, G. de S. Código Penal comentado. 3. ed. São Paulo: RT,2002.

MILICIO, G. Justiça permite romaria de santa por tribunais doPará. Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2007.

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*Membro do Ministério público do Estado de Goiás, promotor de Justiça titular

da 9ª promotoria de Justiça da comarca de Anápolis. Curador de Saúde, fun-

dações e Associações, pessoas com deficiência e idosos de Anápolis. Mestre

em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente. E-mail: [email protected].

Marcelo Henrique dos Santos*

O SUS QUE QUEREMOS COMEÇA NO HOMEM E NELEDEVE RECOMEÇAR A CADA DIA, A CADA NOVA

INICIATIVA, A CADA NOVO DESAFIO!

THE SUS WE WANT STARTS IN THE MAN AND IN HIM

SHOULD RESTART EACH DAY, IN EACH NEW

INITIATIVE, IN EACH NEW CHALLENGE!

¡EL SUS qUE qUEREMOS EMpIEzA EN EL HOMbRE Y

EN éL DEbE RECOMENzAR A CADA DíA, A CADA

NUEVA INICIATIVA, A CADA NUEVO DESAfíO!

Resumo:

Trata-se de artigo que retrata iniciativa de articulação junto às en-

tidades representativas do Estado de Goiás e da União, com vis-

tas à promoção da efetividade da EC 51, demonstrando que a

aglutinação de esforços, para a superação de vicissitudes, como

no caso da desprecarização das atividades de agentes comu-

nitários de saúde e de combate a endemias, é possível e ideal

em situações complexas.

Abstract:

This article portraits the initiative of articulation adjoined repre-

sentative entities of the State of Goiás and of The Union with a

view of the promotion of the effectiveness of EC 51, demonstrat-

ing that the union of efforts, to overcome the vicissitudes, as in

the case of deprecariousness of activities of community health

workers and of fighting against endemic is possible and ideal in

complex situations.

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Resumen:

Se trata de un artículo que retrata la iniciativa de articulación junto

a las entidades representativas del Estado de Goiás y de la

Unión, con vistas a la promoción de la efectividad de la EC 51,

demostrando que la aglutinación de esfuerzos para la superación

de vicisitudes, como en el caso de la desprecarización de las ac-

tividades de agentes comunitarios de salud y de combate a en-

demias, es posible e ideal en situaciones complejas.

Palavras-chave:

Articulação, Ministério Público, SUS, Desprecarização.

Keywords:

Articulation, Prosecuting Counsel, SUS, Deprecariousness.

Palabras clave:

Articulación, Ministerio Público, SUS, Desprecarización.

Introdução

Esta palestra foi proferida quando da realização de im-portantíssimo evento que marca uma atuação diferenciada do Mi-nistério público em parceria com diversas entidades interessadasno fortalecimento do SUS, realizado em Goiânia, como coroa-mento de uma iniciativa que teve por escopo a efetividade daEmenda Constitucional 51. pode-se afirmar que se tratou de im-portante fato institucional, com especial toque de articulação eacertamento para o atingimento de um fim social maior.

A motivação maior das realizações deste grupo de mulhe-res e homens idealistas desde 2006, sob a iluminada iniciativa docaríssimo Neusinho ferreira de farias (presidente do Conselho Es-tadual de Saúde do Estado de Goiás), juntamente com nosso esti-mado amigo de Ministério público, a quem rendemos nossas mais

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profundas homenagens, o valoroso Dr. Astúlio Gonçalves deSouza, não foi outra senão a de conferir efetividade às ações quevisam a construção de acessibilidade e dignidade no que tange àsaúde em nosso Estado.

A articulação séria, sistemática, programática e especial-mente resolutiva, quando realizada dentro de linhas sociais claras,é capaz de produzir excelência e, mais ainda, apresentar à socie-dade aquilo que ela almeja, vale dizer, dignidade e cidadania. foiexatamente por tais crenças que foi reunido o grupo articulador doSUS em Goiás, sendo por essa relevante iniciativa que se conse-guiu superar os entraves primários pertinentes à desprecarizaçãodas atividades de Agentes Comunitários de Saúde e de Endemias.

A Necessidade de Articulação das Políticas Públicas paraAlcance de sua Efetividade

As políticas públicas podem ser definidas como conjuntosde disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orien-tação política do Estado e regulam as atividades governamentaisrelacionadas às tarefas de interesse público. Variam de acordocom o grau de diversificação da economia e da sociedade, com anatureza do regime político e com o nível de atuação e participa-ção dos diferentes atores sociais.

As políticas públicas em saúde pública integram o campode ação social do Estado orientado para a melhoria das condiçõesde saúde da população e dos ambientes natural, social e do tra-balho. Sua tarefa específica em relação às outras políticas públi-cas da área social consiste em organizar as funções públicasgovernamentais para a promoção, proteção e recuperação dasaúde dos indivíduos e da coletividade, segundo pontifica a ilustreprofessora patrícia Lucchesi1, da Universidade de São paulo.

No brasil, as políticas públicas de saúde orientam-se desde

1 LUCCHESI, p. (Coord). Políticas Públicas em saúde. Centro Latino-Americanoe do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. 2002. Disponível em:http://www.professores.uff.br/ jorge/polit_intro.pdf. Acesso em: 10 fev. 2010.

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1988, conforme a Constituição federal2 promulgada naquele ano,pelos princípios de universalidade e equidade no acesso às açõese serviços e pelas diretrizes de descentralização da gestão, de inte-gralidade do atendimento e de participação da comunidade na or-ganização de um sistema único de saúde no território nacional.

Como facilmente observamos, nosso modelo de realiza-ção de saúde é amplo, complexo e especialmente carecedor doenvolvimento real de toda a sociedade, daí o inegável acerto dacriação deste movimento que produziu inegáveis resultados.

A Constituição da República federativa do brasil, aoadotar o modelo de seguridade social para assegurar os direitosrelativos à previdência, saúde e assistência social, determina quesaúde é direito de todos e dever do Estado.

As políticas públicas se materializam através da açãoconcreta de sujeitos sociais e de atividades institucionais que asrealizam em cada contexto e condicionam seus resultados. porisso, a análise dos processos pelos quais elas são implementa-das e as avaliações de seu impacto sobre a situação existentedevem ser permanentes.

No contexto da realidade brasileira, transcorridos pratica-mente 19 anos desde a promulgação da Constituição, cabem,então, as seguintes indagações: os cidadãos brasileiros têmacesso às ações e serviços de saúde necessários para a resolu-ção de seus problemas ou ainda existem restrições e barreirasimportantes de acesso? As ações e serviços estão sendo plane-jados e programados de acordo com as necessidades de saúdeda população e com as condições de saúde da realidade local?Os recursos para o enfrentamento dos problemas de saúde estãosendo mobilizados da forma mais adequada? Se estão, são sufi-cientes? é possível identificar ganhos de equidade e qualidadeno atendimento ao cidadão? A atuação setorial tem produzido im-pactos significativos na melhoria das condições de saúde da po-pulação e na qualidade do ambiente?

Essas e outras questões, ainda que de difícil resposta pelavariedade de fatores que influenciam direta ou indiretamente a po-

2 bRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 44. ed. São paulo:Saraiva, 2010.

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lítica de saúde e devem ser levados em conta, não podem deixarde preocupar permanentemente os gestores do SUS no processode tomada de decisões. Assim, devem fomentar o diálogo e a ne-gociação entre os diferentes atores setoriais em todos os lugaresdeste imenso país e pressionar a transformação qualitativa dosprocessos de gestão não apenas para a efetividade da política desaúde, mas também para o alcance de objetivos mais amplosorientados ao desenvolvimento social, tais como os de:

▪ Reduzir as enormes desigualdades sociais e de saúde cada vezmais evidenciadas nos processos simultâneos de globalização edescentralização;

▪ fortalecer o exercício ético e eficaz da gestão governamentalna busca de novas formas de organização administrativo-insti-tucional da ação do Estado com mais participação social;

▪ Criar mecanismos de coordenação intrassetorial eficientes paraincorporar todos os cidadãos excluídos dos benefícios sociaisdisponíveis;

▪ promover a harmonia entre políticas econômicas e sociais eestabelecer parcerias intersetoriais para a produção de inicia-tivas que produzam impacto sobre as condições de saúde dapopulação;

▪ fortalecer a competência dos diversos atores sociais para umaatuação orgânica e consistente nos processos de definição, im-plementação e avaliação da agenda de prioridades governa-mentais e na formulação de projetos alternativos, sobretudodaqueles com responsabilidade direta sobre a condução da po-lítica setorial, como são os gestores da saúde.

Com as mudanças introduzidas a partir do texto consti-tucional e da Lei Orgânica da Saúde (Leis n. 8.0803 e n. 8.1424)em 1990, as decisões em matéria de saúde pública passaram a

3 bRASIL Lei n. 8.080/90. Dispõe sobre as condições para a promoção, prote-ção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviçoscorrespondentes e dá outras providências. D.O.U. 20.9.1990.4 ______. Lei n. 8.142/90. Dispõe sobre a participação da comunidade na ges-tão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergoverna-mentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.D.O.U. 31.12.1990.

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envolver novos e múltiplos atores, impondo mudanças significa-tivas no desenho e na formulação da política de saúde, com im-portantes inovações institucionais em termos da estrutura e dadinâmica do processo decisório.

Dentre os grandes desafios que o debate político nocampo da saúde vem delineando para a sociedade brasileira nospróximos anos pode-se destacar:

▪ O desafio de garantir a coexistência de diferentes soluções ins-titucionais na organização descentralizada do SUS que possamcontemplar a heterogeneidade de problemas regionais e a di-versidade cultural do país, sem colocar em risco a unidade dou-trinária e operacional do sistema nacional de saúde necessáriapara assegurar a efetivação dos princípios constitucionais;

▪ O desafio de encontrar o equilíbrio ótimo entre regulação, res-ponsabilidade e autonomia na gestão compartilhada do sis-tema pelas três unidades político-administrativas do Estadobrasileiro (União, estados e municípios), no contexto de novasrelações intergovernamentais e de recomposição do pacto fe-derativo inaugurado pela Constituição de 1988;

▪ O desafio de estabilizar o financiamento setorial e interferir noprocesso de alocação dos recursos dos orçamentos públicospara a saúde, com vistas à equidade.

Toda essa abordagem de cunho generalizante acerca dosevero problema que envolve a saúde ou sua dispensação emnosso país é de vital significado, tendo por premissa a extremaperplexidade com a qual àqueles que, em razão de suas inques-tionáveis hipossuficiências, não têm o mínimo de acesso àsaúde, o que não lhes assegura sua dignidade.

Assim, a questão que se vislumbra quanto à posiçãosócio-jurídica desses cidadãos que se encontram nessa situaçãode extrema complexidade e inclusive de abandono social, precisaser enfrentada com a visão mais ampliada e clara do que são osdeveres do Estado e onde residem nossas responsabilidades deconcorrência para a inclusão social de tais pessoas marcadaspor este severo estigma de exclusão. Não somos um país pobre,somos um Estado injusto e discriminatório!

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O enfoque que nós precisamos emprestar a tão agrurosaquestão é desafiador, posto ser ao mesmo tempo de caráterético, social e humanitário.

Do ponto de vista da atuação prática do fórum, nestesúltimos anos temos que destacar a vigência da Emenda Consti-tucional n. 51, de 14 fevereiro de 2006, seguida pela Medida pro-visória n. 297, de 09 de junho de 2006, e, por fim, pela Lei n.11.350 de outubro do mesmo ano, todas com o fito de despreca-rizar as atividades dos Agentes Comunitários de Saúde e deCombate às Endemias. foram dias de intensas discussões,sendo nosso Estado o pioneiro e servindo, inclusive, de inspira-ção modelar para outros estados da federação. Mas além dasdiscussões, efetivos resultados práticos foram alcançados, omaior deles o estreitamento das relações entre atores que ape-nas se encontravam em situações de conflitos e passaram a sercapazes de ouvirem suas dificuldades e avançarem nos pontosde comunhão de interesses.

A posição do Ministério público, como mais um dos pro-tagonistas do fórum, em relação à tão grave questão outra nãopoderia ser que a de extrema responsabilidade institucional, pau-tada em suas atuações reais nas Curadorias de Saúde oumesmo em entidades de fins sociais, cuja representatividadecresce e precisa a cada dia ser mais fortalecida e ordenada paraa formação de frentes de inclusão. Aliás, é imprescindível evi-denciar a autêntica manifestação de compromisso com a funçãosocial e de RELEVÂNCIA pÚbLICA, conforme preconiza nossaConstituição federal, manifestada por nós do Ministério públicobrasileiro, incluindo os representantes do Ministério público fe-deral, do Trabalho, dos Ministérios públicos, junto aos Tribunaisde Contas e a nós, membros do Ministério público em Goiás. Aefetividade dos trabalhos deu-se com a constatação de que maisde 90% dos 246 municípios goianos cumpriram o prazo fixadopela Lei n. 11.350, de outubro de 2006, após a edição dos pA-RÂMETROS CONSENSUAIS SObRE A IMpLEMENTAÇÃO EINTERpRETAÇÃO DA EC n. 51 pelo fórum Interinstitucional deArticulação e Negociação do SUS em Goiás.

Nossa preocupação efetiva é a de desenvolver uma di-

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nâmica de integração de fortalecimento e também de provocaçãofirme, se necessário for, para que os objetivos ideais sejam alcan-çados. Vê-se, nessa iniciativa, dois conceitos que por nós estãosendo desenvolvidos e que terão continuidade, quais sejam:

O de empowerment, ou "empoderamento", termo quepode ter diferentes significados em diversos contextos sociais.pode ser considerado como processo central para a experiênciade empowerment, em suas dimensões individual e coletiva, a ex-pansão da liberdade de escolha e da autoconfiança. Assim, asprincipais estratégias e ações voltadas à garantia de empower-

ment são: a ampliação da capacidade de organização e partici-pação da comunidade, a viabilização do acesso irrestrito àinformação, o controle e acompanhamento das decisões públicase a responsabilização social. O empowerment dos governos ecomunidades locais ultrapassa a formalização de canais e ins-tâncias de participação cívica. A participação como empowerment

implica uma profunda inflexão nas formas de ação coletiva e ges-tão pública na medida em que a sociedade assume a responsa-bilidade pelas decisões no âmbito das políticas e programassociais.

Nesse sentido, o empowerment fortalece as condiçõesde governança da ação estatal. A possibilidade de incorporarnovos atores e demandas sociais e garantir a efetiva interaçãoentre cidadãos e gestores públicos no processo de tomada dedecisão ou "o modo de uso da autoridade pública"5 que caracte-riza a governança, é, portanto, associada ao processo de am-pliação das experiências de empowerment ou empoderamento.

Outra providência que mesmo que imperceptivelmenteestá sendo adotada por estes ilustres CONSOLIDADORES DECIDADANIA, é a implantação de redes sociais que se expressamcomo um conjunto de pessoas e organizações que se relacionampara responder demandas e necessidades da população de ma-neira integrada, mas respeitando o saber e a autonomia de cadamembro. Com isso, as redes constituem um meio de tornar eficaza gestão das políticas sociais, otimizando a utilização dos recur-

5 MELO, M. A. Governance e Reforma do Estado: o paradigma agente principal.Revista do Serviço Público, n. 1, 1996.

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sos disponíveis6. Essa ampliação de temas e atores políticos,produzindo novas e criativas coalizões e parcerias podem alterarpositivamente as práticas sociais e a agenda pública. para IlseScherer-Warren7 as redes trazem importantes mudanças na so-ciabilidade e na espacialidade, criando novos territórios de açãocoletiva e um novo imaginário social. Alianças estratégicas sãoviabilizadas com o objetivo de ampliar as possibilidades de coo-peração. Na medida em que o contexto local de implementaçãode programas e projetos sociais emerge como espaço de con-fronto entre valores, formas de julgamento e de avaliação de ne-cessidades dos diferentes atores sociais, as redes consolidam ainterdependência e os vínculos fundamentais para o processo deconstrução de alternativas, de intervenção e especialmente demodificações de paradigmas defasados e reacionários, como nocaso vertente em que pessoas que deveriam ser albergadas deforma plena pelo Estado e pela própria sociedade são tratadoscomo substrato social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em sua celebre obra A era dos direitos, o saudoso filó-sofo italiano Norberto bobbio8 afirmava que: “O problema funda-mental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o dejustificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema nãofilosófico, mas sobretudo de índole política e social”.

Hoje vemos um importantíssimo e vigoroso passo em di-reção ao sonho de bobbio no sentido de que há muito a ser feito,mas os primeiros de uma grande caminhada já foram dados. Masalém das perspectivas de muita relevância, temos também sériosdesafios de luta e de transformação social, que pode significar

6 JUNqUEIRA, L. A. p. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais nasaúde. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, fundação GetúlioVargas, v. 34, n. 6, nov./dez. 2000.7 SCHERER-WARREN, I. Redes de movimentos sociais. São paulo: Ed. Loyola, 1993.8 bObbIO, N. A era dos direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Campos, 1992.

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um processo lento, mas nunca inglório, nunca sem valor, porqueseu objetivo é o de ir além das circunstâncias frias e desestimu-lantes que geram comodismo e frieza.

por fim, é preciso sempre lembrar o já saudoso poetaLusitano Saramago9, em sua célebre obra Ensaio sobre a ce-

gueira: “Se nós não formos capazes de vivermos como seres hu-manos, que pelo menos não o façamos como os animais”.

REFERÊNCIAS

bObbIO, N. A era dos direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Campos, 1992.

bRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 44. ed.São paulo: Saraiva, 2010.

______. Lei n. 8.080/90. Dispõe sobre as condições para a pro-moção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o fun-cionamento dos serviços correspondentes e dá outrasprovidências. D.O.U. 20.9.1990.

______. Lei n. 8.142/90. Dispõe sobre a participação da comuni-dade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre astransferências intergovernamentais de recursos financeiros naárea da saúde e dá outras providências. D.O.U. 31.12.1990.JUNqUEIRA, L. A. p. Intersetorialidade, transetorialidade e redessociais na saúde. Revista de Administração Pública, Rio de Ja-neiro, fundação Getúlio Vargas, v. 34, n. 6, nov./dez. 2000.

LUCCHESI, p. (Coord). Políticas Públicas em saúde. Centro La-tino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências daSaúde. 2002. Disponível em: http://www.professores.uff.br/jorge/polit_intro.pdf. Acesso em: 10 fev. 2010.

9 SARAMAGO, J. Ensaios sobre a cegueira. 23. ed. São paulo: Companhia dasLetras, 1995.

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37

MELO, M. A. Governance e Reforma do Estado: o paradigmaagente principal. Revista do Serviço Público, n. 1, 1996.

SARAMAGO, J. Ensaios sobre a cegueira. 23. ed. São paulo:Companhia das Letras, 1995.

SCHERER-WARREN, I. Redes de movimentos sociais. Sãopaulo: Ed. Loyola, 1993.

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* Promotor de Justiça titular da 9ª Promotoria de Justiça da comarca de Anápolise membro do Ministério Público do Estado de Goiás. Curador de Saúde, Fun-dações e Associações, pessoas com deficiência e idosos de Anápolis. Mestreem Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente. E-mail: [email protected].

Marcelo Henrique dos Santos*

A CONSTRUÇÃO DE UM MANUAL OPERACIONAL BÁSICOEM DEFESA DO SUS: UMA PROPOSTA PROATIVA

THE CONSTRUCTION OF A BASIC GUIDANCE MANUAL

IN DEFENSE OF SUS: A PROACTIVE PROPOSAL

LA CONSTRUCCIóN DE UN MANUAL OPERACIONAL BáSICO

EN DEFENSA DEL SUS: UNA PROPUESTA PROACTIVA

Resumo:

Trata-se de artigo relacionado ao desenvolvimento de um

manual de orientação para os Promotores de Justiça com

atribuições na área de saúde, contendo elementos teóricos e práti-

cos. O artigo descreve seus principais pontos e perspectivas após

sua elaboração.

Abstract:

This article is related to the development of a guidance manual

for the prosecutors with assignments in health area, containing

theoretical and practical elements. This article describes its main

points and perspectives after the elaboration.

Resumen:

Se trata de un artículo relativo al desarrollo de un manual de ori-

entación para los Promotores de Justicia con atribuciones en el

área de salud, conteniendo elementos teóricos y prácticos. El

artículo describe sus principales puntos y perspectivas después

de su elaboración.

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Palavras-chave:

Manual, Orientação, SUS, Promotores de Justiça.

Keywords:

Manual, Orientation, SUS, Manual, Orientação, SUS, Prosecutors.

Palabras clave:

Manual, orientación, SUS, Promotores de Justicia.

Introdução

A fase de extrema complexidade do tratamento das re-lações sociais, das quais o Ministério Público não apenas é umdos integrantes, mas também se apresenta como um de seusqualificados atores, para concorrência eficaz da construção demecanismos sociais importantes, o obriga a estabelecer práticasde ação que sejam consentâneas com seu perfil constitucionale que, ao mesmo tempo, o aproxime da sociedade, fortaleça ocontrole social e lhe permita verificar se os marcos legais exis-tentes estão sendo adequadamente obedecidos.

Nesse contexto e dentro dos princípios norteadores dasmetas estratégicas erigidas pelo Ministério Público do Estadode Goiás está sendo produzido o Manual operacional básico

dos Promotores de Justiça com atuação na área da saúde,cujo foco inicial da iniciativa é o fortalecimento das iniciativasMinisteriais no que concerne a seu posicionamento fiscalizatórioe articulador junto ao SUS.

Para que tal desiderato seja alcançado de maneiraadequada, faz-se mister que se tenha conhecimento do en-caminhamento das questões afetas à saúde pública, seja noâmbito individual ou coletivo, como também se reordene osrumos que têm gerado incertezas e, no mais das vezes,desprestígio à dignidade humana e descaminhos quanto aosrecursos empregados nessa que representa uma das maisimportantes políticas públicas sociais de nosso tempo. Esse

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conhecimento, aliado a dados qualificados e atualizados,inegavelmente é capaz de nos ajudar a identificar os pontos defragilidade e de força positiva hábeis à construção de lógicasdiferenciadas daquelas até então assistidas.

Desenvolvimento

A relação da saúde pública com o atendimento aocidadão perpassa por alguns nós críticos e de hostilidade socialinegável. De todos eles destacam-se o financiamento público

dos recursos e a gestão pública. A Constituição Federal, ao estabelecer, em seu art. 196,

o acesso universal e igualitário a todas as ações e serviços,afirma o dever estatal em garanti-los com eficiência, de tal modoque nenhuma das fases de tratamento do cidadão seja despres-tigiada ao buscar atendimento público, sendo este um dos maisimportantes direitos inerentes ao homem.

Assim, é fundamental que os agentes ministeriais sejamcapazes de compreender, no binômio acima: quais os mecanis-mos de sua formação e desenvolvimento; quais os limites de in-vestimento de cada ente da federação; o que deve priorizar ogestor em relação ao momento social vivenciado; o que significa,na prática, o fortalecimento da atenção básica; e até que pontoos níveis de atenção devem se interligar e fazer sentido para asociedade. Tudo isso e muito mais precisa ser recepcionadopelos membros do Ministério Público que pretendem ter umaatuação que vá além de “despachantes processuais”, para serintroduzido no ambiente da intervenção constitutiva social e

resolutiva, que deve ser a meta programática daqueles queforam cunhados para a produção e a concorrência de novasdinâmicas sociais, que têm o cidadão e sua dignidade no centrode todas as coisas.

Não se trata de um manual engessado e definitivo, masde uma proposta em constante avaliação. É ousado, mas aomesmo tempo cioso de sua responsabilidade contributiva.

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Serão abordados mecanismos teóricos e práticos, com ofito de subsidiar os Promotores de Justiça com atribuições na áreade saúde, notadamente para que possam realizar atividades que,de maneira ideal, concorram para a superação de nós críticos e im-pactantes que perpassam pela efetiva implementação de acessodos cidadãos às políticas de saúde pública e obstacularizam a con-solidação dos princípios doutrinários e materiais do SUS.

A efetiva fiscalização dos mecanismos de financiamentodo sistema, como do exercício da gestão, é um desafio que, seenfrentado de maneira articulada e dentro das perspectivas pre-conizadas pelas metas estratégicas desenvolvidas pela instituição,inegavelmente produzirá bons resultados.

Outra preocupação da obra será no sentido de apresentarpropostas de atuação que possam auxiliar na adoção de caminhosefetivamente resolutivos para as demandas recorrentes e tambémpara os novos desafios que eventualmente surjam. Assim, serãoanexados modelos de atuação, tais como Termos de Respon-sabilidade e Ajustamento de Condutas, voltados para a tratativade questões atinentes à dispensação medicamentosa e cirúr-gica; também serão abordados exemplos de recomendaçõesaos gestores, requisições ministeriais, em suma, tudo que de al-guma maneira possa contribuir para a otimização das atividadespreconizadas pelo perfil de resolutividade ao qual os membrosdo Ministério Público devem se afeiçoar e dele não se afastar.Isso para que a instituição seja, a cada dia, mais reconhecidacomo a articuladora eficiente e presente em todas as situaçõesde sua alçada, e seus membros sejam os agentes político-sociaisefetivos que devem ser em meio a tantas desventuras sociaiscarecedoras de substanciais alterações em seus quadros.

Considerações Finais

É fato que a maioria dos membros de nossa instituiçãopossui a real percepção da importância de seu trabalho nocenário da implementação de todos os mecanismos ideais do

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SUS, desde a identificação da atenção básica até a mais alta dascomplexidades do sistema.

Ao longo de nossa caminhada à frente da Curadoria deSaúde temos percebido, de maneira recorrente, a dificuldade doestabelecimento de ações programáticas e apropriadas para quenão se permita a perpetuação das desventuras dos cidadãos,que, no mais das vezes, sequer sabem onde encontrar amparo aseus clamores. Uma das causas dessa mazela social é a própriaincapacidade do Ministério Público de desenvolver atividades con-correntes e articuladas para a resolutividade de tais questões, por(1) não compreender adequadamente os mecanismos inerentesao sistema, (2), desprezar seu imenso potencial enquanto agentesocial qualificado e que pode se utilizar de instrumentos extraju-diciais, hábeis para a promoção de equidade nas diversas neces-sidades de saúde e de superação dos enormes desafios queprecisam ser tratados de maneira célere, sem o desprezo à quali-dade e à humanização em seu sentido mais amplo e eficaz.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 44. ed.São Paulo: Saraiva, 2010.

______. Lei n. 8.080/90. Dispõe sobre as condições para a pro-moção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o fun-cionamento dos serviços correspondentes e dá outrasprovidências. D.O.U. 20/09/1990.

______. Lei n. 8.142/90. Dispõe sobre a participação da comu-nidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre astransferências intergovernamentais de recursos financeiros naárea da saúde e dá outras providências. D.O.U. 31/12/1990.

______. Ministério da Saúde. Diretrizes operacionais dos Pactos

pela Vida, em defesa do SUS e de gestão. Brasília. 2006.

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* Promotor de Justiça. Especialista em Direito Administrativo pelo InstitutoRomeu Filipe Bacellar de Direito Administrativo. Especializando em DireitoPenal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Walter Tiyozo Linzmayer Otsuka*

A NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO PENAL NO CRIME DELESÃO CORPORAL PRATICADO CONTRA A MULHER NO

ÂMBITO DA RELAÇÃO DOMÉSTICA E FAMILIAR

THE JURIDICAL NATURE OF PROSECUTION IN THE CRIME

OF BODILY INJURY PRACTICED AGAINST WOMEN UNDER

THE DOMESTIC AND FAMILY RELATIONSHIP

LA NATURALEzA JURíDICA DE LA ACCIóN PENAL EN EL CRIMEN

DE LESIóN CORPORAL PRACTICADO CONTRA LA MUJER

EN EL áMBITO DE LA RELACIóN DOMéSTICA Y FAMILIAR

Resumo:

O presente trabalho visa analisar a polêmica questão acerca

da necessidade ou não de representação para o processa-

mento do crime de lesão corporal praticado contra a mulher

no contexto da relação doméstica e familiar, diante do teor

dos artigos 41 da Lei n. 11.370/2006 e 88 da Lei n.

9.099/1995.

Abstract:

This study aims to examine the controversial question about

the necessity of representation or no representation, for pro-

cessing the crime of bodily injury practiced against women in

domestic and family context, before the wording of articles 41

of Law n. 11.370/2006 and 88 of Law n. 9.099/1995.

Resumen:

Este trabajo busca demostrar las principales diferencias entre

los Principios de Proporcionalidad y de Razonabilidad. Además,

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su objeto de estudio comprende la aplicación del Principio de

Proporcionalidad y de su potencial efecto ambivalente en la Ley

de Improbidad Administrativa (Ley Federal n. 8.429/92), ya que

los Tribunales del poder judiciario, sin embargo, venían subscri-

biendo jurisprudencia sobre el asunto, pese a no haber una

clareza y uniformidad en sus juzgados en relación a lo que dice

respecto a esa temática.

Palavras-chave:

Lesão corporal, Violência doméstica e familiar contra a mulher,

Ação penal, Representação.

Keywords:

Bodily injury, Domestic and family violence against women,

Prosecution, Representation.

Palabras clave:

Principios de proporcionalidad y razonabilidad, potencial

efecto ambivalente, Ley de improbidad administrativa, Tri-

bunales del poder judiciario, jurisprudencia.

Introdução

Dispõe o artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 que “Aos crimespraticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, in-dependentemente da pena prevista não se aplica a Lei n. 9.099,de 26 de setembro de 2005”.

Com a inserção deste dispositivo na lei que trata doscrimes praticados com violência doméstica e familiar contra amulher o legislador afastou a possibilidade da aplicação da leique regula os juizados especiais cível e criminal, bem como deseus benefícios, àqueles que praticam crimes em detrimento damulher, vista no aspecto familiar e doméstico.

O afastamento da incidência da Lei n, 9.099/1995 traz aohomem que pratica crime contra a mulher no âmbito da relação

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doméstica tratamento jurídico mais severo, tendo a lei por finali-dade tutelar aquela que historicamente tem sido vítima constantede violência no seio familiar.

Este estudo, todavia, tem por escopo principal aanálise da possibilidade de aplicação do disposto no artigo88 da Lei n. 9.099/95 aos casos de prática de crime de lesãocorporal contra a mulher na relação doméstica e familiar.

Posições acerca da natureza jurídica da ação penal nocrime de lesão corporal praticado contra a mulher narelação doméstica e familiar

A aplicação ou não do disposto no artigo 88 da Lei n.9.099/95 tem criado divergências, sejam estas por parte dedoutrinadores ou da jurisprudência.

Entre aqueles que defendem que o crime de lesõescorporais leves, praticado contra a mulher no âmbito derelação doméstica e familiar, depende de representação,prevalece o argumento de que caso a Lei n. 11.340/2006tivesse tornado a ação penal pública incondicionada a mulherseria equiparada a um objeto de tutela, desprovida de vontade,de forma que estar-se-ia subtraindo dela seu direito de optarpor relacionar-se com seu companheiro na tentativa de bus-car um ajuste familiar. Dessa feita, a título de proteger a mulhere punir o agressor, o Estado estaria inferiorizando-a, descon-siderando seu direito de escolher e optar pelo que lhe seriamelhor, muitas vezes punindo o homem com quem ela pre-tende se reconciliar e afetando, em última análise, a própriaestrutura familiar.

Nesse diapasão, Maria Lúcia Karam defende que

Quando se insiste em acusar da prática de um crime com uma pena

o parceiro da mulher, contra a sua vontade, está se subtraindo dela,

formalmente dita ofendida, seu direito e seu anseio a livremente se

relacionar com aquele parceiro por ela escolhido. Isto significa negar-

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1 KARAM, M. L. Violência de gênero: o paradoxal entusiasmo pelo rigor penal.Boletim do IBCCrim, n. 168, p. 6, nov. 2006.

lhe o direito à liberdade de que é titular, para tratá-la como se coisa

fosse, submetida à vontade de agentes do Estado que, inferiorizando-

a e vitimizando-a, pretendem saber o que seria melhor para ela, pre-

tendendo punir o homem com quem ela quer se relacionar – e sua

escolha há de ser respeitada, pouco importando se o escolhido é um

não um “agressor” – ou que, pelo menos, não deseja que seja

punido.1

Outro argumento manejado pelos defensores damanutenção do caráter condicionado ao crime de lesões corporaisleves é o de que o artigo 41 da lei que trata dos crimes de violênciadoméstica e familiar contra a mulher somente faz referência àvedação da aplicação das medidas despenalizadoras da Lei n.9.099/1995, tais como a transação penal, a composição dedanos e a suspensão condicional do processo. Isso estariaevidenciado, ainda, diante da previsão dos artigos 16 e 17 daLei n. 11.340/2006 que dispõe, respectivamente: “Nas açõespenais públicas condicionadas à representação da ofendida deque trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representaçãoperante o juiz, em audiência especialmente designada comtal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido oMinistério Público” e “é vedada a aplicação, nos casos de violênciadoméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básicaou outras de prestação pecuniária, bem como a substituiçãode pena que implique o pagamento isolado de multa”.

Nessa linha de raciocínio, a Quinta Turma do SuperiorTribunal de Justiça entendeu que a ação penal para o crime delesão corporal leve praticado contra mulher no âmbito da relaçãodoméstica e familiar, é pública condicionada a representação:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIME DE LESÃO

CORPORAL LEVE. LEI MARIA DA PENHA. NATUREzA DA AÇÃO

PENAL. REPRESENTAÇÃO DA VíTIMA. NECESSIDADE. ORDEM

CONCEDIDA.

1. A Lei Maria da Penha é compatível com o instituto da represen-

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tação, peculiar às ações penais públicas condicionadas e, dessa

forma, a não-aplicação da lei 9.099, prevista no art. 41 daquela lei,

refere-se aos institutos despenalizadores nesta previstos, como a

composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do

processo.

2. O princípio da unicidade impede que se dê larga interpretação ao

art. 41, na medida em que condutas idênticas praticadas por familiar

e por terceiro, em concurso, contra a mesma vítima, estariam sujeitas

a disciplinas diversas em relação à condição de procedibilidade.

3. A garantia de livre e espontânea manifestação conferida à mulher

pelo art. 16, na hipótese de renúncia à representação, que deve

ocorrer perante o Magistrado em audiência especialmente designada

para esse fim, justifica uma interpretação restritiva do art. 41.

[...]

5. O processamento do ofensor, mesmo contra a vontade da vítima,

não é a melhor solução para as famílias que convivem com o problema

da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das vítimas

e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os

envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação

dos princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando

constitucional de proteção à família. 6. Ordem concedida para resta-

belecer a decisão proferida pelo Juízo de 1º grau. (Brasil. Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 110965.

Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 10/09/2009. Publicação

no DJE em 03/11/2009)

Há que se ressaltar que o entendimento é o mesmo so-lidificado pela Terceira Seção, formada pela Quinta e pela SextaTurma do tribunal.

Não obstante os respeitáveis argumentos esposados poraqueles que defendem o posicionamento quanto ao carátercondicionado da ação penal pública no caso da prática do crimede lesão corporal praticado contra a mulher na relação domésticae familiar, filiamo-nos à corrente contrária, no sentido de que aação penal nos casos de lesão corporal nesta circunstância é in-condicionada, conforme passamos a sustentar.

Através de uma interpretação literal do disposto no artigo

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41 da Lei n. 11.340/2006, pode-se concluir que na medida em queo dispositivo afasta dos casos de violência doméstica e familiarcontra a mulher a aplicação da Lei n. 9.099/1995, inviabiliza, tam-bém, a aplicação da regra estampada no seu artigo 88, de modoque nos casos de prática de crime de lesão corporal leve a açãopenal seria pública incondicionada à representação, considerando-se, ainda, a regra prevista no artigo 100 do Código Penal.

Nesse sentido, um dos mais importantes pontos a serconsiderado é que o projeto de lei original (PL 4.559/2004) previa,em seu artigo 30, que “nos casos de violência doméstica e familiarcontra a mulher a ação será pública condicionada à represen-tação”, dispositivo este inexistente na lei em vigor.

Conclui-se, ademais, que justamente pelo fato de a leiprever tratamento mais severo ao agressor nos casos de violên-cia doméstica e familiar é que o artigo 41 excluiu definitivamentea aplicação do disposto no artigo 88 da Lei n. 9.099/1995, dentreos demais dispositivos.

Para contrapor a posição daqueles que defendem o en-tendimento de que os artigos 16 e 12, I, da lei, ao preverem quea possibilidade de “renúncia” à representação e a tomada de rep-resentação pela autoridade policial estaria legitimando o carátercondicionado da ação penal pública referente ao crime de lesãocorporal, Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes sustentam que

é evidente que esse ato só tem pertinência em relação a outros crimes

(ameaça, crimes contra a honra da mulher, contra sua liberdade sexual

quando ela for pobre etc.). Aliás, nesses outros crimes, a autoridade

policial vai colher a representação da mulher (quando ela desejar

manifestar sua vontade) logo no limiar do inquérito policial (art. 12, I,

da Lei 11.340/2006).2

Nessa mesma linha, colaciona-se julgado do Tribunalde Justiça do Estado do Paraná, que posicionou-se no sentidode que a previsão do artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 efetivamente

2 BIANCHINI, A.; GOMES, L. F. Lei da violência contra a mulher – Renúncia erepresentação da vítima. Disponível em:http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965. Acesso em: 12 abr. 2010.

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41 da Lei n. 11.340/2006, pode-se concluir que na medida em queo dispositivo afasta dos casos de violência doméstica e familiarcontra a mulher a aplicação da Lei n. 9.099/1995, inviabiliza, tam-bém, a aplicação da regra estampada no seu artigo 88, de modoque nos casos de prática de crime de lesão corporal leve a açãopenal seria pública incondicionada à representação, considerando-se, ainda, a regra prevista no artigo 100 do Código Penal.

Nesse sentido, um dos mais importantes pontos a serconsiderado é que o projeto de lei original (PL 4.559/2004) previa,em seu artigo 30, que “nos casos de violência doméstica e familiarcontra a mulher a ação será pública condicionada à represen-tação”, dispositivo este inexistente na lei em vigor.

Conclui-se, ademais, que justamente pelo fato de a leiprever tratamento mais severo ao agressor nos casos de violên-cia doméstica e familiar é que o artigo 41 excluiu definitivamentea aplicação do disposto no artigo 88 da Lei n. 9.099/1995, dentreos demais dispositivos.

Para contrapor a posição daqueles que defendem o en-tendimento de que os artigos 16 e 12, I, da lei, ao preverem que apossibilidade de “renúncia” à representação e a tomada de repre-sentação pela autoridade policial estaria legitimando o carátercondicionado da ação penal pública referente ao crime de lesãocorporal, Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes sustentam que

é evidente que esse ato só tem pertinência em relação a outros crimes

(ameaça, crimes contra a honra da mulher, contra sua liberdade sexual

quando ela for pobre etc.). Aliás, nesses outros crimes, a autoridade

policial vai colher a representação da mulher (quando ela desejar

manifestar sua vontade) logo no limiar do inquérito policial (art. 12, I,

da Lei 11.340/2006).2

Nessa mesma linha, colaciona-se julgado do Tribunalde Justiça do Estado do Paraná, que posicionou-se no sentidode que a previsão do artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 efetivamente

2 BIANCHINI, A.; GOMES, L. F. Lei da violência contra a mulher – Renúncia erepresentação da vítima. Disponível em:http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965. Acesso em: 12 abr. 2010.

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prevista no artigo 88 da Lei dos Juizados Especiais ao apenasfazer referência aos institutos despenalizadores.

é senso comum que a regra prevista no artigo 88 da Leidos Juizados Especiais, dentre os parâmetros da técnica legisla-tiva, não deveria estar disposta na Lei n. 9.099/1995, uma vezque se trata de norma atinente à questão processual de doiscrimes específicos, quais sejam a lesão corporal leve e a culposa,de modo que referida norma estaria melhor inserida no própriocapítulo II do título I da parte especial do Código Penal, que versasobre o crime de lesão corporal.

O mesmo pode-se dizer da norma prevista no artigo 89da Lei n. 9.099/95 que prevê a suspensão condicional doprocesso, sem referir-se especificamente aos crimes de menorpotencial ofensivo, conforme os parâmetros do artigo 61 da Lein. 9.099/1995, mas sim aos crimes cuja pena mínima cominadaseja igual ou inferior a um ano.

Trilhando essas pegadas, em novembro de 2009, no IFONAVID, realizado na cidade do Rio de Janeiro, aprovou-se oenunciado que dispõe que “A Lei 11.340/06 não impede a aplicaçãoda suspensão condicional do processo nos casos que esta couber”.

Ou seja, partindo-se da premissa de que o artigo 89 daLei n. 9.099/95 versa sobre instituto que não se refere exclusiva-mente a crime de menor potencial ofensivo, referido instituto nãodeveria, tecnicamente, estar previsto na Lei n. 9.099/95, de formaque, assim sendo, não sofre reflexo do disposto no artigo 41 daLei que trata da violência contra a mulher no âmbito doméstico.

Se o instituto da suspensão condicional do processo tec-nicamente não deveria estar inserido na Lei n. 9.099/1995, o dis-posto no artigo 88 também não, conforme acima exposto, o quepermitiria concluir-se que sua aplicabilidade não seria afetadapelo disposto no artigo 41 da Lei n. 11.340/06, de modo que oscrimes de lesão corporal leve e culposo, praticados contra a mul-her no âmbito da relação familiar, continuariam a se processarmediante representação.

Todavia, é de se ressaltar que o artigo 41 dispõe generi-camente que aos crimes praticados com violência contra a mulhernão se aplica a Lei n. 9.099/95, não havendo menção à restriçãoquanto a qualquer instituto.

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prevista no artigo 88 da Lei dos Juizados Especiais ao apenasfazer referência aos institutos despenalizadores.

É senso comum que a regra prevista no artigo 88 da Leidos Juizados Especiais, dentre os parâmetros da técnica legisla-tiva, não deveria estar disposta na Lei n. 9.099/1995, uma vezque se trata de norma atinente à questão processual de doiscrimes específicos, quais sejam a lesão corporal leve e a culposa,de modo que referida norma estaria melhor inserida no própriocapítulo II do título I da parte especial do Código Penal, que versasobre o crime de lesão corporal.

O mesmo pode-se dizer da norma prevista no artigo 89da Lei n. 9.099/95 que prevê a suspensão condicional doprocesso, sem referir-se especificamente aos crimes de menorpotencial ofensivo, conforme os parâmetros do artigo 61 da Lein. 9.099/1995, mas sim aos crimes cuja pena mínima cominadaseja igual ou inferior a um ano.

Trilhando essas pegadas, em novembro de 2009, no IFONAVID, realizado na cidade do Rio de Janeiro, aprovou-se oenunciado que dispõe que “A Lei 11.340/06 não impede a aplicaçãoda suspensão condicional do processo nos casos que esta couber”.

Ou seja, partindo-se da premissa de que o artigo 89 daLei n. 9.099/95 versa sobre instituto que não se refere exclusiva-mente a crime de menor potencial ofensivo, referido instituto nãodeveria, tecnicamente, estar previsto na Lei n. 9.099/95, de formaque, assim sendo, não sofre reflexo do disposto no artigo 41 daLei que trata da violência contra a mulher no âmbito doméstico.

Se o instituto da suspensão condicional do processo tec-nicamente não deveria estar inserido na Lei n. 9.099/1995, o dis-posto no artigo 88 também não, conforme acima exposto, o quepermitiria concluir-se que sua aplicabilidade não seria afetadapelo disposto no artigo 41 da Lei n. 11.340/06, de modo que oscrimes de lesão corporal leve e culposo, praticados contra a mulherno âmbito da relação familiar, continuariam a se processar medianterepresentação.

Todavia, é de se ressaltar que o artigo 41 dispõe generi-camente que aos crimes praticados com violência contra a mulhernão se aplica a Lei n. 9.099/95, não havendo menção à restriçãoquanto a qualquer instituto.

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4 GONÇALVES, A. P. S.; LIMA, F. R. de. A lesão corporal na violência doméstica:

nova construção jurídica. Disponível em:http://jus2.uol.com.br/texto.asp?id=8912. Acesso em: 12 abr. 2009.5 CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Violência Doméstica – Violência Doméstica. LeiMaria da Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 2007. p. 137.

não havia espaço para a incidência do artigo 88 da Lei n.9.099/95, que se refere tão somente aos crimes de lesão corporalleve e culposa.

Portanto, o crime de lesão corporal, quando praticadocontra mulher no âmbito das relações domésticas, processa-sede forma incondicionada, havendo o afastamento da regra dis-posta na Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Quanto ao afastamento da aplicação da Lei n. 9.099/95 aoscasos de crimes de lesão na violência doméstica, oportuna é a liçãode Ana Paula Schwelm Gonçalves e Fausto Rodrigues de Lima:

Assim, a pena máxima para o crime de lesão na violência doméstica

passou de 1 ano para 3 anos de detenção, não mais sendo considerado,

em conseqüência, crime de menor potencial ofensivo. Portanto, a

todo crime de lesão corporal leve contra a mulher praticada no âmbito

doméstico não se aplica a Lei 9099/95, afastando-se automatica-

mente a competência dos Juizados Especiais Criminais.4

Conclusão

Frente a todas as ponderações lançadas, conclui-se o pre-sente estudo demonstrando que a ação penal para processamentodo crime de lesão corporal praticado contra a mulher, no contextoda relação doméstica, tecnicamente é de natureza pública incondi-cionada. Conforme muito bem salientado por Rogério SanchesCunha e Ronaldo Batista Pinto, “soaria estranho, aliás, que umcrime praticado contra a mulher nas condições da presente lei,fosse considerado como uma forma de violação dos direitos hu-manos (art. 6.), e, mesmo assim, seu processamento ficasse de-pendendo da representação da ofendida”5.

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Referências

BIANCHINI, A.; GOMES, L. F. Lei da violência contra amulher – Renúncia e representação da vítima. Disponívelem: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965.Acesso em: 12 abr. 2010.

CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Violência Doméstica – Vio-lência Doméstica. Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)comentada artigo por artigo. São Paulo: Ed. Revista dosTribunais, 2007.

GONÇALVES, A. P. S.; LIMA, F. R. de. A lesão corporal naviolência doméstica: nova construção jurídica. Disponívelem: http://jus2.uol.com.br/texto.asp?id=8912. Acesso em:12 abr. 2009.

KARAM, M. L. Violência de gênero: o paradoxal entusi-asmo pelo rigor penal. Boletim do IBCCrim, n. 168, p. 6,nov. 2006.

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* promotor de Justiça do estado de mato grosso. especialista em direito civil,

difusos e coletivos pela escola Superior do mp de mato grosso/universidade

de cuiabá – unic. especializando em direito processual civil pela escola Su-

perior do mp de mato grosso/universidade de cuiabá – unic e especializando

em direito constitucional pela escola Superior do mp de mato grosso/fundação

escola Superior do mp do Rio grande do Sul. email: [email protected].

* * promotor de Justiça no estado de mato grosso. especialista em ciências

penais pela escola Superior do mp do estado de mato grosso/universidade

de cuiabá – unic. especialista em direito civil e processo civil pela toledo de

presidente prudente-Sp. especializando em direito penal e processual penal

pela escola Superior do mp de mato grosso/universidade de cuiabá – unic.

especializando em direito constitucional pela escola Superior do mp de mato

grosso/fundação escola Superior do mp do Rio grande do Sul. email:

[email protected].

Renee do Ó Souza*Allan Sidney do Ó Souza**

Submodalidade do tráfico de drogaS – art. 33, § 2º, da lei 11.343/06 – incentivo ao uSo

de drogaS: critérioS para Sua definição

SubmodAlity of dRug tRAfficking – ARt. 33,

§ 2º, of lAw 11.343/06 – encouRAgment

to dRug AbuSe: cRiteRiA foR itS effinition

SubmodAlidAd del tRáfico de dRogAS – ARt. 33,

§ 2º, de lA ley 11.343/06 – incentivo Al uSo

de dRogAS: cRiteRioS pARA Su definiciÓn

Resumo:

A submodalidade do tráfico de drogas prevista no § 2º do artigo

33 da Lei 11343/06 não pode ser confundido com co-autoria ou

participação de agentes para a pratica da conduta prevista no

caput do mesmo artigo. Os critérios de diferenciação repousam

na ausência de relação de propriedade de drogas, ainda que in-

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direta, entre o incentivador e o traficante, além do vinculo subje-

tivo entre esses agentes. Há entre os delitos ainda nítida relação

de prejudicialidade: caracterizado o tráfico, resta afastada a ca-

racterização do incentivo. Além disso, o incentivo ao uso é delito

autônomo do tráfico porque se consuma independentemente da

pratica de qualquer conduta que o caracterize, assim como, o trá-

fico independe, para ocorrer, da prática anterior do incentivo ao

uso. A correta diferenciação entre esses delitos é de fundamental

importância para a correta repressão dessas condutas.

Abstract:

The sub modality of drug trafficking under § 2º of the article 33 of

Law 11343/06 can not be confused with co-authorship or involve-

ment of agents for the practice of conduct under caput of the same

article. The criteria for differentiation lie in the absence of relations

of drug property, albeit indirect, between the promoter and the dea-

ler, beyond the subjective link between these agents. There are

still between the offences clear prejudicial relation: characterized

trafficking, remains away the characterization of incentive. Moreo-

ver, the encouragement to the use is autonomous offence of traf-

ficking because is accomplished regardless of practice of any

conduct which distinguishes itself, as well the trafficking occurs in-

dependent of the previous practice of encouraging the use. The

correct differentiation between these crimes is of fundamental im-

portance for the correct repression of such behaviors.

Resumen:

La submodalidad del tráfico de drogas prevista en el § 2º del ar-

tículo 33 de la Ley 11.343/06 no puede ser confundido como

coautoría o participación de agentes para la práctica de la con-

ducta prevista en el ítem del mismo artículo. Los criterios de di-

ferenciación reposan en la ausencia de la relación de propiedad

de drogas, aunque indirecta, entre el incentivador y el traficante,

además del vínculo subjetivo entre esos agentes. Hay entre los

delitos, aún, una nítida relación de perjudicialidad: caracterizado

el tráfico, resta alejada la caracterización del incentivo. Además,

el incentivo al uso es delito autónomo del tráfico porque se con-

suma independiente de la práctica de cualquier conducta que lo

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caracterice, así como el tráfico independe, para ocurrir, de una

práctica anterior del incentivo al uso. La correcta diferenciación

entre esos delitos es de fundamental importancia para la correcta

represión de esas conductas.

Palavras chaves:

Submodalidade do tráfico - incentivo ao uso de drogas - critérios para

definição e diferenciação - delito autônomo e independente ao tráfico.

Keywords:

Sub modality of trafficking – encouragement to drug use - criteria

for definition and differentiation – autonomous offence and inde-

pendent of trafficking.

Palabras clave:

Submodalidad del tráfico, incentivo al uso de drogas, criterios para

definición y diferenciación, delito autónomo e independiente al tráfico.

A novel lei de drogas (nova dicção legal) buscou umaperfeiçoamento da proporcionalidade das condutas ilícitas quecircundam o mundo do comércio de drogas e, por isso, criou doissubtipos ao tráfico de drogas do art. 33: o § 2º e o § 3º.

neste pequeno trabalho cuidaremos somente da subespé-cie do § 2º, uma vez que, em nosso sentir, o § 3º possui elemen-tos do tipo que lhe permitem uma compreensão mais imediata esimplificada.

Sem dúvida que busca a lei fazer distinções importantesque antes eram ignoradas pela legislação antitóxico e atingir,assim, de maneira mais equânime, situações em que a repressãoestatal se mostrava exagerada e despropositada.

Afinal, não era incomum uma pessoa sem envolvimentoalgum com o mundo deletério das drogas, sem qualquer vínculocom traficantes, e sequer viciada, por conta de uma cessão gra-tuita e muito mais motivada pela (falsa) alegria de um uso de dro-gas em meio ao seu grupo social de amigos (?), acabasse sendoprocessado como traficante, experimentando rigorismo excessivo

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da legislação penal vigente.A situação traçada no exemplo anterior não condizia com a

figura do verdadeiro traficante de drogas, que busca, por meio dofornecimento desta, obter rendimentos, fazendo disso seu meio de vida.

ocorre que diante da redação das submodalidades doart. 33, § 2º, da lei 11.343/06, faz-se necessário um aprofunda-mento sistemático, visando evitar confusões e injustiças sociais.

com efeito, dispõe referido dispositivo:

“induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de drogas;

pena: detenção, de 06 meses a 01 ano e pagamento de 700 a 1500

dias - multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28”.

embora a legislação não tenha dado nome jurídico às in-frações, a par de ser esta uma opção útil e a adotada pelo códigopenal, por exemplo, neste singelo trabalho optaremos por de-nominar esse tipo de “incentivo ao uso de drogas”.

É essa a denominação escolhida porque, como se extraidas condutas típicas elencadas, para se inserir nesse delito oagente precisa dar mero incentivo para que alguém use drogas.

esse incentivo, conforme a própria redação da lei men-ciona, pode ser realizado induzindo, instigando ou auxiliando.note-se que os verbos do tipo possuem uma gradação crescentena participação (no incentivo) da conduta do agente para que ousuário consuma o entorpecente, afinal, induzir é fazer nascer aideia, instigar é reforçar a ideia pré-existente, e auxiliar é ajudarmaterialmente de alguma forma.

no entanto, esse delito possui, em sua gênese, um prob-lema que remonta à teoria geral do crime, uma vez que, no maisdas vezes, aquele que induz, instiga ou auxilia alguém à práticado crime responde por este, face o que dispõe a norma de exten-são do concurso de agente do art. 29 do código penal, senãocomo coautor, ao menos como partícipe (teoria monista do crime).

Há exceções textuais à teoria monista, mas que depen-dem de lei expressa nesse sentido (a exemplo do que ocorre coma corrupção ativa e passiva do código penal).

Seguindo essa linha de ideias, em uma primeira con-clusão apressada e equivocada concluiríamos que esse delito é

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da legislação penal vigente.A situação traçada no exemplo anterior não condizia com a

figura do verdadeiro traficante de drogas, que busca, por meio dofornecimento desta, obter rendimentos, fazendo disso seu meio de vida.

Ocorre que diante da redação das submodalidades doart. 33, § 2º, da Lei 11.343/06, faz-se necessário um aprofunda-mento sistemático, visando evitar confusões e injustiças sociais.

Com efeito, dispõe referido dispositivo:

“Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de drogas;

Pena: detenção, de 06 meses a 01 ano e pagamento de 700 a 1500

dias - multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28”.

Embora a legislação não tenha dado nome jurídico às in-frações, a par de ser esta uma opção útil e a adotada pelo CódigoPenal, por exemplo, neste singelo trabalho optaremos por de-nominar esse tipo de “Incentivo ao uso de drogas”.

É essa a denominação escolhida porque, como se extraidas condutas típicas elencadas, para se inserir nesse delito oagente precisa dar mero incentivo para que alguém use drogas.

Esse incentivo, conforme a própria redação da lei men-ciona, pode ser realizado induzindo, instigando ou auxiliando.Note-se que os verbos do tipo possuem uma gradação crescentena participação (no incentivo) da conduta do agente para que ousuário consuma o entorpecente, afinal, induzir é fazer nascer aideia, instigar é reforçar a ideia pré-existente, e auxiliar é ajudarmaterialmente de alguma forma.

No entanto, esse delito possui, em sua gênese, um problemaque remonta à teoria geral do crime, uma vez que, no mais das vezes,aquele que induz, instiga ou auxilia alguém à prática do crime respondepor este, face o que dispõe a norma de extensão do concurso deagente do art. 29 do Código Penal, senão como coautor, ao menoscomo partícipe (teoria monista do crime).

Há exceções textuais à teoria monista, mas que depen-dem de lei expressa nesse sentido (a exemplo do que ocorre coma corrupção ativa e passiva do Código Penal).

Seguindo essa linha de ideias, em uma primeira con-clusão apressada e equivocada concluiríamos que esse delito é

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autônomo em relação ao tráfico, mas de alcance exclusivo aospartícipes dos traficantes.

É claro que referida conclusão não guarda nem propor-cionalidade e nem resiste a uma análise mais acurada.

Inicialmente é bom que se registre que o delito não prevêem seus núcleos verbais qualquer conduta que importe em pro-priedade ou posse de drogas, ao contrário do que prevê o art.33, caput, isto é, o tráfico de drogas.

Com isso já se refuta a ideia de que este delito destina-se exclusivamente ao mero partícipe do traficante, uma vez quesua caracterização prescinde das condutas referentes à posseda droga pelo usuário. Dito de outro modo, sua consumação sedá independentemente de o traficante possuir drogas e indepen-dentemente do usuário adquiri-la.

Refuta-se como sujeito ativo dessa infração o traficante,uma vez que a ele será destinado o crime de tráfico de entorpe-centes do art. 33, caput. E se chega a essa conclusão pelo seguinteraciocínio lógico-sistemático:

Aquele que instiga ao uso de entorpecentes buscandoamealhar viciados ou usuários para posterior comercialização éverdadeiro traficante, afinal, o próprio caput do art. 33 fala em“ceder ainda que gratuitamente ou expor à venda”. Esse agentepossui uma relação e uma ligação direta com a droga em simesma e com o próprio fornecimento de drogas. Seu incentivoao uso tem interesse mercantil.

Outra interpretação que não seja esta retira validade daexpressão do caput do artigo 33, anteriormente citada (ainda quegratuitamente/expor a venda), porque faria cair todas as condutasde incentivo ao uso de drogas neste § 2º. Além do mais, propor-cionaria uma diferenciação entre traficante e mero incentivadorde difícil comprovação prática.

Nessa linha de ideias, entendemos que esse delito seaplica ao agente que incentiva determinada pessoa ao uso dedrogas, mas que não possui drogas consigo, nem busca, pormeio desse incentivo, ajudar (em sentido amplo) o traficanteque a possua, seja por não possuir vínculo com este, sejaporque não experimentará qualquer vantagem decorrentedesse incentivo. Não há entre eles liame subjetivo que os una.

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Esse delito de médio potencial ofensivo deve ser rele-gado aos casos em que o agente incentiva a outrem ao uso deforma descomprometida, sem profissionalismo ou sem ajusteprévio entre eles.

É o caso da pessoa que empresta dinheiro a outremsabendo que este adquirirá drogas para consumir ou lhe aponta,em meio à festa na noite, determinado traficante ou fornecedorde entorpecentes.

Como se pode perceber, há certa relação de prejudiciali-dade (ou subsidiariedade) entre os delitos do caput e do § 2º doart. 33 da Lei 11.343/06, pois a configuração do primeiro (tráfico)afasta a do segundo (incentivo).

É este também o entendimento dos procuradores darepública Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvãode Carvalho:

Em outras palavras, o auxílio ao uso não restará caracterizadoquando estivermos diante de uma situação de tráfico, previstano art. 33, caput. A corroborar tal assertiva, veja a pena previstapara os delitos: enquanto para tráfico a pena é cinco a 15 anosde reclusão e o pagamento de 500 a 1.500 dias-multa, para oauxílio é de um a três anos de detenção e 100 a 300 dias-multa.Haverá, segundo entendemos, a aplicação do princípio da sub-sidiariedade, sendo que as condutas descritas no caput do art.33 são situações principais de auxílio em relação ao delito do §2º (delito subsidiário). Em outras palavras, somente restará ca-racterizado o delito de auxílio ao uso quando restar caracterizadoo tráfico. O delito de auxílio, portanto, é um verdadeiro ‘soldadode reserva’ – na simbólica expressão de Nelson Hungria – quesomente atuará caso a norma principal não se caracterize.Assim, por exemplo, se a esposa adentra em um presídio comdroga no interior de um bolo, com a finalidade de entregar adroga a consumo de seu marido, detido no interior do estabe-lecimento prisional, responderá pelo delito previsto no caput doart. 33 da Lei de Drogas e não em seu § 2º. Entendemos queo raciocínio deve ser o mesmo para aquele agente que, com ointuito de auxiliar ao uso de drogas, traz consigo ou transportaa droga em seu veículo para posteriormente entregá-la ao

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usuário. Nesses casos, como a conduta típica está prevista no

caput do art. 33, deve ser enquadrada como tráfico.

Em síntese, somente poderá ser caracterizada a conduta do au-

xílio ao uso quando não tipificar a conduta no caput do art. 33

da Lei de Drogas, em razão do princípio da subsidiariedade.1

Observe-se que este delito chega muito próximo do delitoprevisto no art. 12, § 2º, III, da Lei 6368/76 – batizado popular-mente por apologia a drogas, afinal aqui também o agente faz bro-tar no usuário a falsa ideia de que usar drogas é condutainofensiva ou socialmente aceita.

Com efeito, para a real consumação deste novel crimese faz necessária uma conduta certa e determinada na direçãode pessoa certa e determinada. Isso significa que não se podeimputar esse crime a alguém que incentiva o uso drogas anúmero indeterminado de pessoas indeterminadas como, porexemplo, em uma música ou em outras manifestações artísticas.

Em outro giro, corroborando a autonomia e a independên-cia deste delito de incentivo ao uso do tráfico de drogas, à luz damoderna teoria da imputação objetiva, verifica-se o acerto doraciocínio aqui traçado.

Segundo preconiza a referida teoria, resumidamente,ao agente criminoso só podem ser imputados resultados ilícitos(ou proibidos) decorrentes de condutas anteriores ilícitas (ouproibidas). Condutas lícitas (permitidas) são inaptas a produziremresultados ilícitos (proibidos). Além disso, os resultados delitu-osos só podem ser imputados ao agente se decorrentes desuas condutas ilícitas, desde que dentro de uma linha de des-dobramento causal normal dessa conduta anterior ilícita2.

Firmadas essas premissas, percebe-se que o agenteque incentiva outrem ao uso de drogas não responde pelo tráficoporque sua conduta, embora ilícita (e acarrete resultado ilícito),é incapaz de, por si só, acarretar porte e/ou tráfico de drogas.

1 MENDONÇA, A. B. de; CARVALHO, P. R. G. de. Lei de Drogas, comentada

artigo por artigo. São Paulo: Método, 2007.2 Mais detalhes sobre a teoria da imputação objetiva em: GRECO, R. Curso de

Direito Penal – parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 255-266.

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conclusão

como dito, o delito previsto no § 2º do artigo 33 da lei11.343/06 – incentivo ao uso de drogas – é absolutamenteautônomo, independente e especial em relação ao crime docaput de referido artigo – tráfico de drogas – de modo que suacaracterização não se confunde com os casos de participaçãoe coautoria deste último tipo.

com essa diferenciação, buscamos demonstrar que, aocontrário do que uma leitura apressada da nova lei de drogaspossa acarretar, o legislador não cometeu impropérios. Adotadaa distinção por nós traçada, vislumbra-se a tipificação de umaconduta que antes escapava ao direito penal, ou, às vezes, re-sultava em enquadramentos e condenações desproporcionais.

em nosso sentir, portanto, houve aprimoramentolegislativo das condutas, mas esse aprimoramento precisaser bem compreendido, a fim de se evitarem equivocadassubsunções judiciais, classificando-se os usuários ou ostraficantes como meros incentivadores, o que levaria aerros judiciais graves e prejudiciais à segurança pública eao combate adequado ao crime.

referências

cApeZ, f.; bonfim, e. m. direito penal - parte geral. Sãopaulo: Saraiva, 2004.

gReco, R. curso de direito penal – parte geral. 4. ed. Rio deJaneiro: impetus, 2004.

mendonÇA, A. b. de; cARvAlHo, p. R. g. de. lei de drogas,comentada artigo por artigo. São paulo: método, 2007.

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* Advogado e Professor de Direito Processual Penal na UniEvangélica de Aná-polis. Especialista em Direito Penal pela Universidade Federal de Goiás. E-mail:[email protected].** Promotora de Justiça Titular da 6ª Promotoria Criminal de Anápolis. Especia-lista em Direito Penal e Processo Penal. E-mail: [email protected].

Adriano Gouveia Lima*Mayza Morgana Chaves Torres**

O DISCURSO DAS INSTITUIÇÕES PUNITIVAS: DISTORÇÕES ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE

THE SPEECH OF PUNITIVE INSTITUTIONS:

DISTORTIONS BETWEEN THE UTOPIA AND THE REALITY

EL DISCURSO DE LAS INSTITUCIONES PUNITIVAS:

DISTORSIONES ENTRE LA UTOPíA Y LA REALIDAD

Resumo:

O texto trata das denominadas instituições totais, conhecidas

como prisões, nas quais os detentos são levados a uma deses-

truturação de seu eu interior a fim de inculcar a ideologia pri-

sional. Esclarece a teoria utilitarista da pena e os critérios de

prevenção geral e especial.

Abstract:

The text deals with the denominated total institutions, known as

prisons, in which the prisoners are lead to a disintegration of their

inner selves to inculcate the prison ideology, clarifies the utilitarian

theory of penalty and the criteria of general and special prevention.

Resumen:

El texto trata de las denominadas instituciones totales, conocidas

como prisiones, en las cuales los presos son llevados a una de-

sestructuración de su yo a fin de inculcar la ideología carcelaria.

Esclarece la teoría utilitarista de la pena y los criterios de preven-

ción general y especial.

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Palavras-chave:

Utilitarismo, Total, Prevenção, Prisão, Pena.

Keywords:

Utilitarian, Total, Prevention, Prison, Penalty.

Palabras clave:

Utilitarismo, total, prevención, prisión, pena.

Para entender a roupagem teórica que alicerça a ideolo-gia prisional no Brasil é necessário sondar qual foi a vontade dalei 7.210, de 1984, conhecida como “Lei das Execuções Penais”.Esse texto legislativo buscou efetivar a filosofia utilitarista duranteo cumprimento da pena, pois tal postulado possui uma base éticatendente a produzir mais bem-estar aos indivíduos. Nisso, o prin-cípio da utilidade tem como precursores Jeremy Bentham e JohnStuart Mill, tendo se propagado a várias situações concretasdesde a sua concepção, entre elas aos sistemas políticos e jurí-dicos de muitos Estados democráticos1. Cabe dizer que no art.1º da Lei de Execuções Penais afirma-se que a execução tempor objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão cri-minal e proporcionar condições para a harmônica integraçãosocial do condenado e do internado.

Melhor esclarecendo a essência utilitarista, são degrande interesse teórico as palavras de Bentham na obra An in-

troduction to the principles of moral and legislation2, da editoraBatoche books, publicado em 2000, na qual, logo no primeiro ca-pítulo, o autor assim afirma: “Nature has placed mankind underthe governance of two sovereign masters, pain and pleasure. […] They govern us in all we do, in all we say, in all we think: everyeffort we can make to throw off our subjection, will serve but to

1 Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) são colocadoscomo os autores precursores do utilitarismo pela Wikipédia. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo.2 Tradução do título para o português: Uma introdução aos princípios da morale da legislação.

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Palavras-chave:

Utilitarismo, Total, Prevenção, Prisão, Pena.

Keywords:

Utilitarian, Total, Prevention, Prison, Penalty.

Palabras clave:

Utilitarismo, total, prevención, prisión, pena.

Para entender a roupagem teórica que alicerça a ideolo-gia prisional no Brasil é necessário sondar qual foi a vontade dalei 7.210, de 1984, conhecida como “Lei das Execuções Penais”.Esse texto legislativo buscou efetivar a filosofia utilitarista duranteo cumprimento da pena, pois tal postulado possui uma base éticatendente a produzir mais bem-estar aos indivíduos. Nisso, o prin-cípio da utilidade tem como precursores Jeremy Bentham e JohnStuart Mill, tendo se propagado a várias situações concretasdesde a sua concepção, entre elas aos sistemas políticos e jurí-dicos de muitos Estados democráticos1. Cabe dizer que no art.1º da Lei de Execuções Penais afirma-se que a execução tempor objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão cri-minal e proporcionar condições para a harmônica integraçãosocial do condenado e do internado.

Melhor esclarecendo a essência utilitarista, são degrande interesse teórico as palavras de Bentham na obra An in-

troduction to the principles of moral and legislation2, da editoraBatoche books, publicado em 2000, na qual, logo no primeiro ca-pítulo, o autor assim afirma: “Nature has placed mankind underthe governance of two sovereign masters, pain and pleasure.[...]They govern us in all we do, in all we say, in all we think: everyeffort we can make to throw off our subjection, will serve but to

1 Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) são colocadoscomo os autores precursores do utilitarismo pela Wikipédia. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo.2 Tradução do título para o português: Uma introdução aos princípios da morale da legislação.

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o pesquisador Stephanos Emm Kareklás4, de Cabo Verde, afirmaque o princípio do “nullum crimem nulla poena sine legge”, ex-pressão muito conhecida no direito penal e que traduz em suaessência a utilidade legal, permanece, até hoje, ligada à obra deFeuerbach. O autor caboverdeano diz que a razão da filosofia dalegalidade, associada à utilidade em Feuerbach, foi encontradaantes em Immanuel Kant, tendo como subjacentes quatro outrosprincípios, sendo eles a precisão da lei (lex certa); a reserva delei (lex scripta); a proibição de analogia (Lex stricta); e a proibiçãode retroatividade (lex praévia). No Brasil, um dos autores que me-lhor tratou desse assunto com clara precisão foi Francisco deAssis Toledo5 em sua obra Princípios básicos de Direito Penal.

Superada a questão do utilitarismo e das bases históri-cas, bem como a concepção filosófica e ideológica da Lei de Exe-cuções Penais desde o seu nascedouro, a qual entrelaçou outilitarismo filosófico à teoria da prevenção e à legalidade estritade Feuerbach, devemos entender a ideia estrutural que orientaa vida em um estabelecimento prisional fechado sem o pedan-tismo jurídico muito presente em obras de cunho legalista, poisnão podemos cerrar os olhos para a realidade de que a execuçãopenal, nos dias de hoje, está muito distanciada dos fins sociaisque a lei lhe destina.

A estruturação inicial das instituições penais não atendeà real necessidade utilitarista e legalista de ressocialização docondenado, mas puramente a ideia de vingança social juridici-zada pelo Estado. Por isso mesmo, seria mais real, em contra-posição ao ideal, buscar o entrelace da pena com o castigo,conforme contido na visão romântica de Fiodor Dostoievski6 emCrime e castigo, quando afirma: “A falta de liberdade não con-siste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscui-dade, pois o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho”.

Erving Goffman7, pesquisador do Departamento de So-

4 KAREKLÁS, S. E. Paul Johann Anselm Von Feuerbach (1775 – 1833). Vida eobra (1ª parte). Direito e cidadania, ano V, n. 16/17, p. 33-48, set. 2002/abr. 2003.5 Toledo, F. de A. Princípios básicos de Direito Penal. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 2001.6 Dostoievski, F. M. Crime e Castigo. São Paulo: Abril cultural, 1979.7 Goffman, E. Manicômios, prisões e conventos. Trad. de Dante Moreira Leite. 7. ed.São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

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ciologia da Universidade da Califórnia em Berkely – EUA – foimembro visitante do Laboratório de Estudos Sócio-Ambientaisdo Instituto Nacional de Saúde em Bethesda, Maryland/EUA,entre os anos de 1954 e 1957, quando desenvolveu estudossobre o comportamento em instituições fechadas (aliás, em ple-tora de promiscuidade, conforme dito por Dostoievski), tendo es-crito suas conclusões no livro Manicômios, prisões e conventos.Para o autor, as instituições prisionais imprimem no detento o es-tigma de segregado promíscuo que trilha uma carreira moral in-terna no estabelecimento onde o seu “eu” é desfragmentado poruma instituição totalizante e com mecanismos severos de des-truição e recomposição do indivíduo, o qual participa da vida daprisão com condições genericamente impostas e sem poder deescolha na esfera da sua vida ou dos outros coparticipantes queatuam sob um plano racional geral, com tendência a um grada-tivo fechamento.

Continua explicando que as instituições fechadas, asquais ele denomina de “totais”, predispõem mecanismos de re-estruturação como condição na formação do “eu” posterior dapessoa, partindo do pressuposto de que a sua personalidadedeve ser quebrada com a ruptura do passado que o envolviaantes de ser admitido na rotina da entidade. Logo, de uma vidacom diferentes coparticipantes ele passa a conviver, agora, sobuma mesma autoridade com pessoas da mesma condição edestino igual ao seu, e viverá bem desde que se conforme coma estrutura que lhe é oferecida, o que se denomina “ajustamentoprimário”. Sem o poder de escolha, atendem-se aos objetivosinstitucionais que são simbólicos, justificando-se pela instituiçãoe para a instituição, mesmo que a equipe dirigente se oponha aisto. Ademais, estabelecem-se prêmios e punições a quem secomporte bem ou mal dentro dessas instituições.

Esse símbolo institucional de ideologia prisional do cas-tigo é o mais importante, a fim de que a vingança pelo injusto pra-ticado seja condição para o perdão com a imposição deobrigações inarredáveis. Isso é bem visível na nossa realidadenacional quando a Lei de Execuções Penais prevê, por exemplo,a possibilidade de remissão pelo trabalho, os benefícios quepodem ser concedidos aos presos e as faltas disciplinares. Vê-

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se ainda, que na falta grave há, no nosso caso, punição com aperda dos dias já remidos. Logo, o procedimento de prêmios epunições internas leva a uma progressiva mortificação do “eu”,passando o agente a barganhar com a instituição, mesmo queem seu íntimo não queira. Nada que leve a crer que a prisão sejauma forma da tão falaciosa ressocialização, contudo, mais seaproxima de um suplício institucionalizado.

Suprimida a concepção de si mesmo com o processogradativo de mortificação, há o despojamento do papel exercidona vida civil com o desapossamento dos bens de uso pessoal.Tudo é coletivo, o que gera uma diluição dos valores da perso-nalidade, a identidade pessoal é perdida e o agente se encontra,agora, em uma exposição contaminadora.

Durante esse processo de desfragmentação de pessoas,o resquício do ser humano no ambiente prisional sente uma sen-sação geral de fracasso e angústia face ao desculturamento oca-sionado pela impermeabilidade da instituição. Enfim, viver sobprogressivas formas destrutivas eclode uma fadiga moral que re-tira do ser o mundo de si mesmo. Nisso é coroada a ideologiainstitucional.

A lição do professor Erving Goffman, embora baseadaem estudos de vários anos passados, ainda é aplicável à nossarealidade latino-americana. É pregado para as massas o mito daressocialização utilitarista legal e simbólica, entretanto, se san-cionam as ideologias institucionais do castigo que precisam serdefendidas, mesmo que ninguém as aceite e tudo se faça emnome de uma pena que vingue a sociedade pelo mal praticado.As prisões são transformadas em jaulas com massacres, torturase condicionamentos criminalizantes.

Referendando a expressão “instituição total” inauguradapelo professor Goffman, o professor Zaffaroni8 assim se pronuncia:

La parte más importante del deterioro condicionante la tiene a cargo la

"institución total" que conocemos con el nombre de "prisión" (perte-

neciente a la categoría de lo que Foucault ha llamado "instituciones de

8 Zaffaroni, E. R. Em busca de las penas perdidas. Deslegetimación y dogmáticajurídico penal. 2. reimpr. Buenos Aires: Editar, 1999.

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secuestro"). La prisión o "jaula" es una institución que se comporta

como una verdadera máquina deteriorante: genera una patología

cuya característica más saliente es la regresión, lo que no es difícil

de explicar. El preso o prisionero es llevado a condiciones de vida

que nada tienen que ver con las del adulto; se le priva de todo lo

que usualmente hace el adulto o debe hacerlo en condiciones y

con limitaciones que el adulto no conoce (fumar, beber, mirar tele-

visión, comunicarse telefónicamente, recibir o enviar correspondencia,

mantener relaciones sexuales, vestirse, etc.).9 (grifos nossos)

Tal ideologia, muito bem explicada por Zaffaroni, geramecanismos de negação que se manifestam em uma progres-siva “perda das penas”, considerando-se, como tal, uma carênciade racionalidade do sistema com falta de segurança na respostapenal aplicada. Continua o professor Eugênio Raúl Zaffaroni, naobra Em busca das penas perdidas: “No obstante, los mecanis-mos de negación no pueden superar su esencia y, por ende, noocultan la situación crítica, que se manifiesta en una progre-siva "pérdida" de las "penas", es decir, de dolor sin sentido(perdido, o sea, carente de racionalidad)”10 (grifos nossos).

Tudo posto, questiona-se acerca de quem é o marginalnessa estrutura asfixiante de poder. A resposta é certeira e nãopodemos deixar de concordar com o professor Zaffaroni, queafirma serem marginais todos aqueles que estão na periferia pla-netária cujo vértice está nos países centrais. Ser marginal é ser

9 A parte mais importante do deterioramento condicionante fica a cargo da “ins-tituição total” que conhecemos com o nome de prisão (pertencente à categoriaque Foucault chamou de “instituições de sequestro". A prisão ou “jaula” é umainstituição que se comporta como verdadeira máquina deteriorante. Gera umapatologia cuja característica mais saliente é a regressão, o que não é difícil deexplicar. O preso ou prisioneiro é levado a condições de vida que nada tem aver como as de um adulto, e vive em condições e com limitações que o adultonão conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se telefonicamente, rece-ber ou enviar correspondências, manter relações sexuais, vestir-se, etc.) (tra-dução livre do autor).10 Não obstante, os mecanismos de negação não podem superar a sua essênciae, por isso, não ocultam uma situação crítica que se manifesta em uma progres-siva perda das penas e, por assim dizer, em uma dor sem sentido (perdido, ouseja, carente de racionalidade) (tradução livre do autor).

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periférico, mas também se rotula a população marginalizada nospaíses periféricos quando é exposta à violência do sistema penalem face de sua ociosidade produtiva. Logo, o marginal latino épunido pela não produção, por não conseguir ser um “obreiro in-dustrial”, vivendo sempre nos setores da informalidade subterrâ-nea, ligando-se a marginalidade à economia, sendo a prisão umapunição pela não produção. O marginal, em síntese, é aqueleque está fora da civilização industrial e mercantil.

Em artigo doutrinário de nossa lavra publicado no sítiodo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, debatemos sobre aresponsabilidade do Estado quando o “marginal” é, antes de cri-minoso, um excluído social por falta de opções, e defendemos aaplicação do princípio da coculpabilidade como instrumento deatenuação da pena nos casos em que o cliente do sistema penalestivesse à margem da dita sociedade de padrões normais,sendo um marginal social. Passados alguns anos de nossas con-clusões, verificamos, com muito mais rigor, que o reconheci-mento da coculpabilidade não deve ser apenas um atenuanteinominado, mas causa supra legal de exclusão da culpabilidadeem muitos casos. Outrossim, o criminoso rotulado como tal serádespejado em um sistema carcerário onde se formará na escolado crime, se tornando cada vez mais um problema. Prova dissoé o aviltante número de reincidentes que visitam rotineiramenteas estruturas do poder punitivo estatal, transformando o direitopenal do fato no odioso direito penal de autor.

Não basta confessar a evidente inoperabilidade do sis-tema punitivo baseando-se nos mais variados escritos doutriná-rios que mostram o fracasso do Estado. Também não basta aociosidade perplexa que aguarda inerte a hipocrisia estatal nasolução dos problemas. Finalmente, até quando iremos afirmarque uma pessoa humana foi exaustivamente torturada por umaprisão recamada de quadros indecentes para o nosso deleite devingança?

Quando for de bom grado aos juízes e carrascos que ocondenado já tenha navegado por suplícios de uma gravidadecomparável ao patíbulo da guilhotina, certamente alguns terãoclemência e muitos outros deixarão pescoços rolarem sob o som

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da lâmina cortante. Entenderão que, em qualquer caso, se im-primiu a censura moral através do suplício, pois, muitas vezes,prova concreta não havia para que se remetesse alguém ao sis-tema punitivo. Nada de jurídico e humano que justifique a atualintervenção do horror. Nisso reside o que denomino de políticacriminal do medo, tendo a irracionalidade do sistema acima daracionalidade que o Estado deveria ter na solução para as res-postas conflitivas. E o resto é o silêncio...

REFERÊNCIAS

Bentham, G. An introduction to the principles of morals and legis-

lation. Ontario: Batoche books, 2000.

Dostoievski, F. M. Crime e castigo. São Paulo: Abril cultural, 1979.

Goffman, E. Manicômios, prisões e conventos. Trad. de DanteMoreira Leite. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

KAREKLÁS, S. E. Paul Johann Anselm Von Feuerbach (1775 –1833). Vida e obra (1ª parte). Direito e cidadania, ano V, n. 16/17,p. 33-48, set. 2002/abr. 2003.

INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. Disponívelem: http://www.ibccrim.org.br. Acesso em: 06 jul. 2010.

Toledo, F. de A. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2001.

Zaffaroni, E. R. En busca de las penas perdidas. Deslegetimacióny dogmática jurídico penal. 2ª reimp. Buenos Aires: Editar, 1999.

WIKIPEDIA. Utilitarismo. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo. Acesso em: 05 jul. 2010.

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*Assessor Técnico da Assessoria Jurídica da Polícia militar do Ceará, graduadoem Direito pela Universidade de Fortaleza e em Segurança Pública pela Aca-demia de Polícia militar general Edgard Facó. Especialista em Ciências Crimi-nais pela Universidade Cândido mendes. E-mail: [email protected]

Adriano Figueredo Carneiro*

A NATUREZA JURÍDICA DA MULTA REPARATÓRIAPREVISTA NO ART. 297 DO CÓDIGO

DE TRÂNSITO BRASILEIRO

THE JURIDICAL NATURE OF THE REPARATIVE FINE FORESEEN

IN THE ARTICLE 297 OF THE BRASILIAN TRAFFIC CODE

LA NATURALEzA JURíDICA DE LA mULTA REPARATORIA PREVISTA

EN EL ARTíCULO 297 DEL CóDIgO DE TRáNSITO BRASILEñO

Resumo: A multa reparatória prevista no art. 297 do Código de TrânsitoBrasileiro (CTB) é o instituto penal que visa ressarcir ao sujeitopassivo – a vítima –, os prejuízos materiais causados pelo agente– sujeito ativo –, decorrente do crime de trânsito (302 a 312 doCTB), mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seussucessores, de quantia calculada com base no valor do dia-multa.É um efeito secundário da condenação penal de natureza ex-trapenal, em perfeita sintonia com os princípios penais expressosna Constituição Federal de 1988, quais sejam, o da reserva legale o da anterioridade, sendo declarada na sentença, toda vez quea conduta delituosa provoque qualquer tipo de dano material à ví-tima do ilícito de trânsito e, por isso, não sofre efeito automáticoda condenação.

Abstract:

The remedial fine under art. 297 of Brazilian Traffic Code (CTB) isthe criminal institute which aims to compensate the passive sub-ject – victim -, the material damage caused by the agent – active

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subject – resulting from traffic crime (302 a 312 of CTB), throughjudicial deposit in favor of the victim, or their successors, a sumcalculated based on the value of the daily fine. It is a secondaryeffect of a criminal conviction of extra penal nature, in perfect har-mony with the criminal principles expressed in the Constitution of1988, namely, of the legal reserve and of priority, being declaredin the judicial decision, every time the criminal conduct cause anykind of material damage to the victim of the traffic illicit, not being,therefore, automatic effect of conviction.

Resumen:

La multa reparatoria prevista en el artículo 297 del Código deTránsito Brasileño (CTB) es el instituto penal que visa resarcir alsujeto pasivo – víctima –, los perjuicios materiales causados porel agente – sujeto activo – decurrente del crimen de tránsito (302a 312 del CTB), mediante depósito judicial a favor de la víctima,o sus sucesores, de cuantía calculada con base en el valor deldía-multa. Es un efecto secundario de la condenación penal denaturaleza extrapenal, en perfecta sintonía con los principios pe-nales expresos en la Constitución Federal de 1988, cuáles sean,lo de la reserva legal y lo de la anterioridad, siendo declarada enla sentencia toda vez que la conducta delictuosa provoquecualquier tipo de daño material a la víctima del ilícito de tránsito,no siendo, así, efecto automático de condenación.

Palavras-chave: Penal, trânsito, multa, reparatória, efeito.

Keywords:Criminal. Traffic. Fine. Remedial. Effect.

Palabras clave:Penal, tránsito, multa reparatoria, efecto.

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Introdução

O Direito Penal, ramo do direito público, tem por escopoa proteção de bens jurídicos relevantes e necessários à manu-tenção da paz social e da sintonia das relações entre os indiví-duos, buscando, na sua aplicação, a responsabilidade penal,com a imposição de pena, de maneira a reprimir o delito, prevenirsua nova ocorrência, bem como ressocializar o sujeito infrator, afim de que este seja inserido novamente em sua comunidade deorigem, com novo modus vivendi, restaurando-se, assim, o equi-líbrio social afetado pelo conflito entre os sujeitos.

No Direito Romano, quando o Estado, detentor do ius puniendi,aplicava uma sanção, esta tinha o intuito de castigar o criminoso edar o exemplo aos indivíduos em geral. Nessa época, as penaseram divididas nas seguintes espécies: capital e não capital. Aspenas capitais – cápite punire, cápitis poena, cápite damnare, cápitepleti1 – eram todas aquelas que implicariam na morte do delin-quente, estando excluída, nesse caso, sua função corretiva, poisnão mais existia o condenado. Já as penas não capitais eram asque não implicariam na morte do condenado, mas em punições denatureza pessoal e patrimonial, as primeiras atingindo sua liberdadee as segundas compreendendo os pagamentos de multa, perda ousupressão de bens e valores.

Com a obra intitulada Dos delitos e das penas, o filósofomarquês de Beccaria2 inicia, no período Iluminista, as ideias dedistanciamento das penas com ênfase no corpo, quais sejam, amorte, as mutilações, os esquartejamentos, os trabalhos força-dos, o exílio, e defende as penas de natureza pessoal e patrimo-nial – as não capitais –, mais preocupado com a integridade físicae mental do sujeito infrator e sua reinclusão social, preservando,assim, a dignidade da pessoa humana.

Com o surgimento do Estado garantista, isto é, preocu-pado com a efetivação dos direitos fundamentais e essenciais doindivíduo, passa-se a aplicar o Direito Penal como ferramenta em

1 TABOSA, A. Direito romano. 2. ed. Fortaleza: FA7, 2003. p. 312.2 BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. São Paulo: RT, 1999.

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busca da justiça social. O Estado, outrora arbitrário, passa, então,a garantir os direitos econômicos, sociais e culturais em benefíciodo ser humano (direitos de segunda geração), de modo que, apósa Segunda guerra mundial, surge a preocupação com os direitoscoletivos – solidariedade e fraternidade –, ou seja, o Estado tem aobrigação de proteger a coletividade (direitos de terceira geração).

A figura de mantenedor e garantidor dos direitos funda-mentais e essenciais do indivíduo confere ao Estado, após opacto social, o poder de, por meio da lei, agir de modo a efetivara paz social. O Estado aplica a pena com o fim de garantir aplena justiça, ou seja, impõem-se não só as penas principais,constantes no preceito secundário da norma penal, mas tambémas penas acessórias, ou seja, efeitos da pena que se espalhampor outros ramos do Direito, como o Civil, o Administrativo, o Tra-balhista, o Político, dentre outros.

Atualmente, em todo o Brasil os índices de crimes de trân-sito aumentam em números alarmantes, fazendo com que a socie-dade exija justiça não só do Poder Judiciário, no que diz respeito àagilidade dos processos, mas também dos parlamentares – PoderLegislativo – quanto à confecção de leis mais rígidas e eficientes,que tenham um emprego célere, punindo, efetivamente, o acusado,e reparando as vítimas de suas perdas materiais e morais.

Por todo o país, são mais de 460 mil acidentes, sendo que,nas capitais, verificam-se mais de 100 mil vítimas e sete mil mortospor ano3. Observa-se o grande número de vítimas diretas e indiretasdecorrentes desses ilícitos, sendo as últimas os familiares e pessoasque dependem economicamente do sujeito passivo do crime. Exi-gem-se meios efetivos e rápidos para a concretização da justiça.

Nesse diapasão, verifica-se, pela redação do art. 297 daLei n. 9.503, promulgada em 23 de setembro de 1997, que o le-gislador criou uma nova espécie de pena acessória, qual seja, amulta reparatória, que consiste no pagamento, mediante depósitojudicial em favor da vítima ou de seus sucessores, de quantia cal-culada com base no disposto no § 1º do art. 49 do Código Penal,

3 BOm DIA BRASIL. globo. índice de condenação por crimes de trânsito é baixo.Jul. 2009. Disponível em: < http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,mUL1236997-1 6 0 2 0 , 0 0 - I N D I C E + D E + C O N D E N A C A O + P O R + C R I m E S+DE+TRANSITO+E+BAIXO.html>. Acesso em: 05 out. 2009.

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sempre que houver prejuízo material resultante do crime. A doutrina e a jurisprudência vêm interpretando esse insti-

tuto de diversas maneiras, afirmando, algumas vezes, que são in-constitucionais ou, outras, que é instituto de natureza civil e nãopenal. Surgem várias interpretações, inclusive aquelas que declaramque a multa reparatória é pena principal (assinalada no preceito se-cundário do tipo incriminador) ou que é uma pena restritiva de direito.

Enfim, o objetivo do presente estudo é consolidar o en-tendimento, no sentido de declarar que o instituto da multa repa-ratória é efeito secundário da condenação criminal de naturezaextrapenal, de caráter específico e não automático, e que perfei-tamente aplicável pelo juiz da causa, bastando apenas expressamotivação na sentença.

Considerações iniciais sobre o Direito Penal e a pena

O Direito Penal, ramo do Direito Público, surge para de-finir e classificar os crimes e assinalar suas penas, sendo um in-ibidor de conflitos sociais, mantendo um equilíbrio entre asrelações humanas e evitando a destruição social, de maneiraque, se o homem quebrar as regras de condutas penais, será re-tirado do convívio social e perderá uma parcela de sua liberdade.

As normas penais têm por objetivo proteger os bens juri-dicamente necessários e relevantes à própria sobrevivência da so-ciedade. Os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal são alçadosa esse patamar de importância, porquanto foram considerados degrande valia para a persecução do bem comum, uma vez que ou-tros ramos do Direito não são suficientes para protegê-los.

O controle social e a redução da violência são outros ob-jetivos do Direito Criminal, já que a sua inexistência iria conduzira sociedade ao caos. Tal finalidade se torna ainda mais relevantequando nos deparamos com sociedades de risco4, ou seja, so-

4 SIQUEIRA, F. A. m. S. Tutela penal dos interesses difusos na sociedade derisco. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=4034>. Acesso em: 05 out. 2009.

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sempre que houver prejuízo material resultante do crime. A doutrina e a jurisprudência vêm interpretando esse insti-

tuto de diversas maneiras, afirmando, algumas vezes, que são in-constitucionais ou, outras, que é instituto de natureza civil e nãopenal. Surgem várias interpretações, inclusive aquelas que declaramque a multa reparatória é pena principal (assinalada no preceito se-cundário do tipo incriminador) ou que é uma pena restritiva de direito.

Enfim, o objetivo do presente estudo é consolidar o en-tendimento, no sentido de declarar que o instituto da multa repa-ratória é efeito secundário da condenação criminal de naturezaextrapenal, de caráter específico e não automático, e que perfei-tamente aplicável pelo juiz da causa, bastando apenas expressamotivação na sentença.

Considerações iniciais sobre o Direito Penal e a pena

O Direito Penal, ramo do Direito Público, surge para definire classificar os crimes e assinalar suas penas, sendo um inibidorde conflitos sociais, mantendo um equilíbrio entre as relações hu-manas e evitando a destruição social, de maneira que, se ohomem quebrar as regras de condutas penais, será retirado doconvívio social e perderá uma parcela de sua liberdade.

As normas penais têm por objetivo proteger os bens juri-dicamente necessários e relevantes à própria sobrevivência da so-ciedade. Os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal são alçadosa esse patamar de importância, porquanto foram considerados degrande valia para a persecução do bem comum, uma vez que ou-tros ramos do Direito não são suficientes para protegê-los.

O controle social e a redução da violência são outros ob-jetivos do Direito Criminal, já que a sua inexistência iria conduzira sociedade ao caos. Tal finalidade se torna ainda mais relevantequando nos deparamos com sociedades de risco4, ou seja, so-

4 SIQUEIRA, F. A. M. S. Tutela penal dos interesses difusos na sociedade derisco. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=4034>. Acesso em: 05 out. 2009.

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é intrínseca à natureza do ser humano. Ademais, em menor graude rigidez, as penas atingem uma parcela do patrimônio dos in-fratores. Aqueles que não respeitarem o contrato penal vigente,à época da conduta delituosa, terão sua liberdade cerceada ouperderão parcela de seu patrimônio a bem do convívio social.

A pena tem a finalidade retributiva e preventiva. Vejamoso art. 59, in fine, do Código Penal:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes,

à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às

circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao com-

portamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessá-

rio e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...]

A finalidade retributiva tem como fundamento a compen-sação das perdas sofridas pelo sujeito passivo do crime, de modoque a vítima, ao ver o agente preso ou com seus direitos restrin-gidos, terá a sensação de que a justiça foi feita e, dessa forma,não há a sensação de impunidade.

Igualmente, a finalidade retributiva faz com que o al-cance da pena seja para além da condenação propriamente dita,ou seja, o agente não sofrerá somente a perda de sua liberdade,mas perdas patrimoniais, pois visa à compensação dos prejuízosdas vítimas. Lembre-se que, nesse caso, não se perseguirá aresponsabilidade civil, mas, somente, a persecução criminal. Aprimeira é realizada na jurisdição civil e não na jurisdição penal.

Desde o Direito Romano se defendia que as penas po-deriam afetar não só o condenado, mas sua dignidade, sua honra,sua fama, e seu patrimônio. Observe-se a lição de Agerson Ta-bosa em sua obra Direito Romano: “As outras penas, como disseCalistrato, afetavam a reputação (existimatio, honor, dignitas,fama). Umas eram pessoais, outras patrimoniais”6 (grifos meus).

A finalidade preventiva, conforme Rogério greco em Di-reito Penal: Parte Geral7, se divide em preventiva geral e preven-tiva especial. A primeira tem por objetivo inserir na sociedade

6 TABOSA, op. cit.7 gRECO, R. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. rev. e atual. Rio de Ja-neiro: Impetus, 2008. p. 490.

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determinados valores através da aplicação da pena, ou seja, coma sanção, as pessoas componentes de determinada sociedadetendem a não praticar a mesma conduta criminosa, pois saberãoque se agirem da mesma forma do condenado serão punidas.Portanto, a finalidade preventiva geral tem por objetivo gerar umasensação de repúdio para com a conduta criminosa.

A preventiva especial tem por objetivo inserir, nos valoresmorais do condenado, a sensação de que cometer condutas delituo-sas não vale a pena, de forma que este evitará a reincidência. Ob-serve-se o que preleciona Cleber masson, em sua obra Direito Penal:Parte Geral, a respeito da finalidade preventiva geral e especial:

A prevenção geral é destinada ao controle da violência, na

medida em que busca diminuí-la e evitá-la. Pode ser nega-

tiva ou positiva. [...] Busca intimidar os membros da coleti-

vidade acerca da gravidade e da imperatividade da pena,

retirando-lhes eventual incentivo quanto à prática de infra-

ções penais. Demonstra-se que o crime não compensa,

pois ao seu responsável será inevitavelmente imposta uma

pena, assim como aconteceu em relação ao condenado pu-

nido. [...] Para a prevenção especial negativa, o importante

é intimidar o condenado para que ele não torne a ofender

a lei penal. Busca, portanto, evitar a reincidência.8

São três as espécies de pena, conforme consta no art.32, incisos I, II e III do Código Penal Brasileiro, quais sejam, pri-vativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa: “Art. 32 -As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos;III - de multa”.

Podemos esclarecer que as penas restritivas de liberdadesão aquelas em que os preceitos secundários de cada tipo incri-minador assinalam penas de reclusão ou de detenção, enquantoas restritivas de direitos assinalam penas de prestação pecuniária,perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade oua entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitaçãode fim de semana. É o que se deduz do art. 43, incisos I a VI da

8 mASSON, C. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev. e atual. Rio de Ja-neiro: método, 2009. p. 518-519.

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Lei Penal. As penas de multa são aquelas que condenam o infra-tor ao pagamento em dinheiro de quantia fixada na sentença.

Todo o crime intitulado na parte especial do Código PenalBrasileiro irá prescrever pena de reclusão ou de detenção, querisoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a penade multa, enquanto que as contravenções penais prescrevempenas de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa oucumulativamente. Senão, vejamos o art. 1º da Lei de Introduçãoao Código Penal, lei esta que impõe, dentre outros, limites aopoder de legislar:

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei co-

mina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente,

quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;

contravenção, a infração penal a que a lei comina, isolada-

mente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas: al-

ternativa ou cumulativamente.

Dessarte, as penas sempre estarão previstas no preceitosecundário de cada tipo incriminador, porquanto a cada condutaproibida (preceito primário) existirá sua respectiva pena. Não sendoassim, a normal penal incriminadora está imperfeita, incompleta.

O preceito primário e o secundário se completam, for-mando a norma penal incriminadora. Portanto, se faltar algumdeles a norma de que se trata será imperfeita, de maneira quenão terá aplicabilidade no caso concreto.

Convém lembrar que este não é o caso da multa repara-tória, objeto do presente estudo, pois esse instituto não é penastricto sensu – pena principal –, mas efeito dela.

Efeitos da Condenação Penal

O Estado detentor do direito de punir – ius puniende –perseguirá o infrator, sujeito ativo do crime, até o momento delhe aplicar uma pena devida, proporcional a sua conduta deli-

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tuosa, aos motivos, às circunstâncias e às consequências docrime por ele praticado, conforme sua culpabilidade. A pena, queserá aplicada ao agente conforme limitação imposta nos precei-tos secundários da norma penal incriminadora, deverá ser ne-cessária à reprovação e à prevenção do crime.

Obviamente, a pena aplicada ao agente deverá estar emperfeita sintonia com os princípios constitucionais da ampla de-fesa e do contraditório, devido processo legal e demais garantiasprocessuais inerentes ao processo penal.

A condenação penal gera efeitos penais principais e se-cundários. Tal divisão é entendimento assente na maioria dasdoutrinais penais.

Os efeitos principais da condenação penal com trânsitoem julgado, ou seja, sem a possibilidade de modificação do quefoi decidido pela jurisdição penal, são a execução da pena im-posta e a obrigação que o condenado tem de cumpri-la, seja apena privativa de liberdade, a pena restritiva de direito ou a penade multa, penas previstas para crimes. Já nos casos de contra-venção penal, o efeito principal da condenação penal é o cum-primento de prisão simples ou multa, efeitos diretos dacondenação penal nos casos de crimes ou contravenções.

O efeito principal da pena, portanto, é a consequênciaou o resultado que se queria obter com a aplicação da pena pre-vista em lei, ou seja, a perda da liberdade stricto sensu ou o pa-gamento de valores (por exemplo, o pagamento de multa),atingindo, nesse último caso, o patrimônio do agente.

O efeito secundário da condenação penal nada mais édo que as consequências da condenação que seguem além dapena propriamente dita, ou seja, do efeito principal da condena-ção. O efeito secundário da condenação penal, portanto, trans-põe a pena prevista na sentença judicial condenatória, estabaseada no preceito secundário da norma penal incriminadora.Destarte, são efeitos indiretos ou mediatos da condenação.

Entretanto, por ser reflexo da condenação penal, é tam-bém denominado de efeitos acessórios ou mediatos ou simples-mente pena acessória. Vejamos o que ensina Cleber masson:“Também conhecidos como efeitos mediatos, acessórios, refle-xos ou indiretos, constituem-se em consequências da sentença

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penal condenatória como fato jurídico”9.O efeito secundário poderá ter consequências penais ou

consequências que extrapolam a esfera penal, ou seja, que te-nham repercussões em outros ramos do Direito. Portanto, porexistir essa característica, a doutrina penal divide, didaticamente,o efeito secundário da condenação em: efeito secundário de na-tureza penal e efeito secundário de natureza extrapenal.

Os efeitos secundários de natureza penal, por serem efei-tos que se limitam à esfera penal, estão previstos no Código PenalBrasileiro – CP – e no Código de Processo Penal Brasileiro – CPP.Assim, podemos citar alguns: a reincidência penal, prevista nosarts. 63 e 64 do CP; a fixação de regime fechado para cumpri-mento de pena privativa de liberdade, art. 33, § 2º do CP; mausantecedentes, art. 59 do CP; revogação ex officio ou facultativa dasuspensão da pena e do livramento condicional, art. 77, I, e § 1º,86, caput, e 87 do CP; aumento da interrupção do prazo da pres-crição da pretensão executória, art. 110, caput, e 117, VI do CP;revogação da reabilitação, art. 95 do CP; inscrição do nome docondenado no rol dos culpados, art. 393, II do CPP; dentre outros.

No mesmo diapasão, Victor Eduardo Rios gonçalves, emDireito Penal: Parte geral10, a respeito de efeito secundário de na-tureza penal, ensina o seguinte:

Da natureza penal. Impedem a concessão de sursis em novo

crime praticado pelo agente, revogam o sursis por condenação

anterior, revogam o livramento condicional, geram reincidência,

aumentam o prazo da prescrição da pretensão executória etc.

Enfim, o efeito secundário nada tem a ver com o cumpri-mento da pena propriamente dita – efeito principal –, mas com assituações de Direito Penal material que irão repercutir negativa-mente na liberdade do condenado.

Os efeitos secundários de natureza extrapenal são aque-les que extrapolam os efeitos principais da pena e seguem alémdas fronteiras do Direito Penal, de forma que alcançam outros

9 mASSON, op. cit., p. 746.10 gONÇALVES, V. E. R. Direito penal parte geral. 14. ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2007. p. 170.

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ramos do Direito, quais sejam, o Civil, o Administrativo, o Traba-lhista, dentre outros. Ressalte-se que, mesmo atingindo outrosramos, tal efeito tem essência penal.

Os efeitos secundários de natureza extrapenal, malgradosua conotação no âmbito de outros ramos do Direito, têm natureza,essência e origem no Direito penal. Ele nasce a partir da conde-nação criminal e caminha na direção de outras linhas do Direito,não perdendo, assim, seu caráter de sanção.

Não é pela hipótese de esses efeitos alcançarem outrosramos do Direito que eles perdem sua natureza de pena. Portanto,são verdadeiras penas acessórias, de maneira que o juiz deverá,de ofício, declará-la na sentença, a exemplo dos efeitos da con-denação dispostos no art. 92, incisos I, II, e III do Código Penal,quais sejam: a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo,a incapacidade para o exercício do pátrio poder (atualmente, poderfamiliar), tutela ou curatela, a inabilitação para dirigir veículo.

Tais penas acessórias, por serem específicas, irão de-pender de cada caso concreto, de modo que o juiz fará a cogni-ção da causa e, na sentença, fará a motivação adequada. Dessaforma, entende-se que a multa reparatória disposta no art. 297do Código de Trânsito Brasileiro nada mais é do que uma moda-lidade de pena acessória ou efeito secundário da condenação denatureza extrapenal.

MULTA REPARATÓRIA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASI-LEIRO: EFEITO SECUNDÁRIO DA CONDENAÇÃO DE NATU-REZA EXTRAPENAL

No dia 25 de novembro de 1997 entrava em vigor o NovoCódigo de Trânsito Brasileiro, a Lei Ordinária Federal n. 9.503,promulgada em 23 de setembro de 1997, mais rígida que a Leide Trânsito anterior (Lei n. 5.108/66). Esse novo Código veio como objetivo de atender aos anseios sociais vigentes à época, ino-vando tanto em sanções administrativas quanto em normas pe-nais, sejam normas penais incriminadoras ou complementares.

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Dentre as alterações trazidas pelo Novo Código apareceo instituto da multa reparatória prevista em seu art. 297, §§ 1º ao3º, que tem por objetivo reparar os danos materiais sofridos pelavítima decorrente do ilícito criminal de trânsito, sendo conferidapelo juiz da causa na prolação da sentença criminal:

Art. 297. A penalidade de multa reparatória consiste no pa-

gamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou

seus sucessores, de quantia calculada com base no dis-

posto no § 1º do art. 49 do Código Penal, sempre que hou-

ver prejuízo material resultante do crime.

§ 1º A multa reparatória não poderá ser superior ao valor

do prejuízo demonstrado no processo.

§ 2º Aplica-se à multa reparatória o disposto nos arts. 50 a

52 do Código Penal.

§ 3º Na indenização civil do dano, o valor da multa repara-

tória será descontado.

Atualmente, exige-se uma justiça penal mais efetiva,frente aos crescentes índices de ilícitos criminais de trânsito.Todos os números apontam para o crescimento desmedido dosacidentes com pessoas, veículos e/ou animais nas vias terres-tres urbanas e/ou rurais. Diante disso, os legisladores criaramo instituto da multa reparatória, a fim de que o agente fosse ape-nado, já na ação penal, com a perda de patrimônio, e sofressecom a possibilidade de reparar os danos materiais sofridospelas vítimas.

Lembre-se que, no Estado garantista, o Poder Judiciáriotem que decidir fazendo justiça social. É caso específico de po-lítica criminal11, onde o legislador implementa um instituto jurídicopenal no ordenamento brasileiro para tornar mais efetiva a atua-ção do Judiciário, fazendo justiça e combatendo a criminalidade.Convém lembrar que, por ser atualmente uma área tão sensívele digna de atenção por parte dos parlamentares, estão sendo de-liberadas, no Congresso Nacional, novas alterações no Código

11 ESTEFAm, A. Direito penal 1: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Sa-raiva, 2008. p. 1.

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de Trânsito Brasileiro no sentido de endurecer as penalidades eproibir condutas outrora permitidas12.

A mens legis, ou seja, o espírito da lei é o de criar uminstituto em que, na jurisdição penal, o sujeito passivo do crimede trânsito fosse beneficiado com um pagamento, mediante de-pósito judicial, sempre que ocorresse prejuízo material decor-rente da conduta criminosa. Note-se que o legislador inovou odireito penal, pois a vítima não precisará demandar, no juízocível, a responsabilidade civil do agente, desde que beneficiadocom o pagamento da multa reparatória e que esta abranja inte-gralmente os danos.

Portanto, tal dispositivo surgiu para dar mais efetividadeàs sentenças criminais, notadamente quanto aos fins sociais, vistoque, muitas vezes, as vítimas esperavam anos a fio para conse-guirem a reparação dos prejuízos causados pelo acidente de trân-sito, quando muito teriam que esperar o andamento de doisprocessos, um no juízo criminal e outro no juízo cível. Na mesmalinha de pensamento, Ismar Estulano garcia, em Novo Código deTrânsito Brasileiro: crimes de trânsito, sabiamente, afirma que: “Aprevisão legal de multa reparatória traduz medida altamente po-sitiva, de forma a tentar solucionar conflitos sociais, simplificandoprocedimentos e descongestionando a máquina judiciária”.13

A multa reparatória é matéria de Direito Penal, poisnasce de uma condenação criminal. malgrado a redação do art.297, caput, ao falar em penalidade entende-se que esta está ditaem seu sentido mais amplo, ou seja, no sentido de sanção. A pe-nalidade de que se trata não é pena stricto sensu, ou seja, não émodalidade de pena principal, mas sim de pena acessória.

Entende-se que a penalidade de multa reparatória éefeito secundário da condenação criminal específica dos tipospenais incriminadores do Código de Trânsito Brasileiro. Destarte,é norma penal complementar, e não norma penal incriminadora.

Quando o legislador falou em penalidade, sua intenção

12 JORNAL DO COmÉRCIO. Câmara aumenta rigor do Código de Trânsito. Dispo-nível em: <http://jcrs.uol. com.br/site/noticia.php?codn=13944&codp=259&codni=3>.Acesso em: 05 out. 2009.13 gARCIA, I. E. Novo código de trânsito brasileiro: crimes de trânsito. goiânia: Edi-tora AB, 1997. p. 66.

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era indicar mais um efeito secundário específico da condenação,disposto em legislação especial (Código de Trânsito Brasileiro),efeito este conhecido por alguns doutrinadores de “pena aces-sória”. Vejamos o que ensina Rogério greco, em sua obra Cursode Direito Penal: Parte geral, citando Jair Leonardo Lopes:

As hipóteses de efeitos da condenação, como bem obser-

vado por Jair Leonardo Lopes, são “verdadeiras penas

acessórias mascaradas de efeitos da condenação”. Devem

ser declarados expressamente no decisum condenatório,

sob pena de não serem aplicados, haja vista que não são

considerados como efeitos automáticos de sentença penal

condenatória transitada em julgado.14

Para exemplificar, observe-se a redação do art. 6º, § 5ºda Lei n. 4.898, de 09 de dezembro de 1965 (Abuso de autori-dade), de onde extraímos que a pena principal e a pena acessó-ria têm naturezas diferentes:

§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade

policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser

cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o

acusado exercer funções de natureza policial ou militar no

município da culpa, por prazo de um a cinco anos.

A multa de que se cuida tem natureza extrapenal, vistoque trata de efeito de condenação criminal que foge à esfera dapena propriamente dita. Transcreve-se o entendimento de VictorEduardo Rios gonçalves, em Legislação penal especial15, quantoao instituto da multa reparatória:

Trata-se de efeito secundário da condenação, que não é

automático, exigindo menção expressa na sentença,

mesmo porque o juiz tem de apontar o seu valor. Tem uma

eficácia maior do que o efeito genérico do art. 91, I, do Có-

14 gRECO, op. cit., p. 664.5 gONÇALVES, V. E. R. Legislação penal especial. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2008. p. 196.

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digo Penal (obrigação de reparar o dano). Com efeito, na

multa reparatória, não há simples formação de título exe-

cutivo, condicionado a uma futura liquidação. O juiz já fixa

um valor, bastando à parte executá-lo. Cuida-se, em ver-

dade, de prefixação das perdas e danos ou, pelo menos,

de parte desse montante.

Repita-se que a multa de que se trata não é pena emstrito sensu, isto é, aquela conhecida como pena principal (pre-vista em preceito secundário de norma penal incriminadora),quais sejam, as privativas de liberdade, restritivas de direito,penas de multa, prisão simples, mas efeito secundário da con-denação, por alguns chamado de “pena acessória”.

Jair Leonardo Lopes, em Curso de Direito Penal16 (2008,pag. 241), nos ensina que as penas acessórias têm verdadeirafunção de complementar a pena principal, obviamente observadaa culpabilidade do agente. Observe-se o Recurso Penal n.85/08.1gAOBR.C1, do relator Dr. gabriel Catarino, do Tribunal daRelação de Coimbra, discorrendo sobre pena principal e acessória:

No ordenamento jurídico-legal português a pena acessória

de proibição de conduzir veículos com motor constitui-se

como uma verdadeira pena, irrefragavelmente conectada

ao facto ilícito e à culpabilidade do agente. Como acontece

com a generalidade das penas acessórias constitui uma

sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal

permitindo um incremento e uma diversificação do con-

teúdo penal da condenação.

Veja que na Roma Antiga já existiam penas não capitaisque consistiam na perda de patrimônio do agente, penas estasque consistiam no pagamento de dinheiro ou na perda e supres-são de bens. Vejamos o que preleciona Agerson Tabosa17: “Aspenas patrimoniais compreendiam tanto as pecuniárias, que con-sistiam no pagamento de dinheiro – pecúnia numerata – como a

16 LOPES, J. L. Curso de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.p. 241.17TABOSA, op. cit., p. 313.

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multa, quanto às patrimoniais, propriamente ditas, como a perdaou supressão de bens (ademptio bonorum) e o confisco (publi-catio bonorum)”.

Ismar Estulano garcia, em Novo Código de Trânsito Bra-sileiro18, assim se posiciona: a previsão legal de multa reparatóriatraduz medida altamente positiva, de forma a tentar solucionarlides sociais, no âmbito da reparação de danos decorrentes deacidentes de trânsito: “simplificando procedimentos e desconges-tionando a máquina judiciária” (sic).

Já Paulo Alves Franco, em seu livro Código de TrânsitoBrasileiro anotado19, se limita a fazer anotações a respeito damulta objeto do presente estudo, fazendo crer que há possibili-dade de aplicação do multicitado instituto. Deduz-se, consequen-temente, sua sintonia com os princípios constitucionais vigentes.

Após colacionarmos os entendimentos doutrinários an-teriormente expostos, passa-se a falar da amplitude jurispruden-cial a respeito do instituto da multa reparatória, demonstrando apossibilidade de sua aplicação e natureza. Vejamos:

EmENTA: ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOmICíDIO CUL-

POSO. CERCEAmENTO DE DEFESA. NO PRAzO DO

ART. 499, DO CPP, CABE À DEFESA REQUERER DILI-

gÊNCIAS. NÃO EXERCENDO TAL DIREITO, Dá CAUSA

À PRECLUSÃO, mORmENTE QUANDO NÃO DEmONS-

TRADO PREJUízO PELA NÃO REALIzAÇÃO DO ATO.

AgE COm mANIFESTA ImPRUDÊNCIA O mOTORISTA

QUE ADENTRA NA RODOVIA, PARA A TRAVESSIA, SEm

TOmAR AS CAUTELAS DEVIDAS PARA A REALIzAÇÃO

DA mANOBRA. PRESTAÇÃO PECUNIáRIA PREVISTA NO

ART. 45, § 1º, DO CP, NÃO SE CONFUNDE COm A mULTA

REPARATóRIA CONTEmPLADA NO ART. 297 DO CTB.

ESTA É CABíVEL QUANDO HOUVER DANO mATERIAL

AO OFENDIDO, ENQUANTO AQUELA É ADmISSíVEL

AINDA QUE AUSENTE PREJUízO mATERIAL. REDU-

ÇÃO, DE OFíCIO, DO PRAzO DE SUSPENSÃO DA HABI-

18 gARCIA, op. cit., p. 66.19 FRANCO, P. A. Código de Trânsito Brasileiro anotado. 2. ed. São Paulo: J. H. mi-zuno, 2004. p. 197-198.

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LITAÇÃO PARA DIRIgIR VEíCULO AUTOmOTOR, ANTE

A AUSÊNCIA DE FUNDAmENTAÇÃO DA SENTENÇA

(ART. 93, IX, DA CF). Preliminar rejeitada. Recurso defen-

sivo improvido. De ofício, reduzido o prazo de suspensão

da habilitação para dirigir veículo automotor. (Apelação

Crime n. 70012660593, Primeira Câmara Criminal, Tribunal

de Justiça do RS, Relator: manuel José martinez Lucas, Jul-

gado em 23/11/2005)

EmENTA: ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOmICíDIO E LE-

SÕES CORPORAIS CULPOSAS. EXCESSO DE VELOCI-

DADE ImPRImIDA PELO RÉU CONTRIBUIU PARA A

OCORRÊNCIA DO ACIDENTE. PENA PRIVATIVA DE LI-

BERDADE FIXADA NO míNImO LEgAL CONSIDERANDO

AS DIRETRIzES DO ART. 59, DO CóDIgO PENAL. NO

CONCURSO FORmAL O CRITÉRIO DE AUmENTO DA

PENA É ESTABELECIDO DE ACORDO COm O NÚmERO

DE VíTImAS. EXASPERAÇÃO DA PENA DE 1/6 PARA 1/4.

mULTA REPARATóRIA E PRESTAÇÃO PECUNIáRIA SÃO

PENAS APLICáVEIS DESDE QUE DEmONSTRADO O

PREJUízO Em RELAÇÃO AQUELA E O mONTANTE DO

DANO À VíTImA Em RELAÇÃO A ESTA. O QUANTUm É

ARBITRADO COm BASE Em DADOS DISPONíVEIS NO

PROCESSO. AUSENTE TAIS ELEmENTOS INVIáVEL

SUA ADOÇÃO. PENAS DE mULTA E DE SUSPENSÃO DA

CARTEIRA DE HABILITAÇÃO PARA DIRIgIR VEíCULO

AUTOmOTOR FIXADAS Em CONSONÂNCIA COm AS

CIRCUNSTÂNCIAS LEgAIS ESTABELECIDAS NO ESTA-

TUTO REPRESSIVO. Recurso defensivo improvido. Re-

curso do assistente de acusação parcialmente provido.

(Apelação Crime n. 70007618036, Primeira Câmara Crimi-

nal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: manuel José marti-

nez Lucas, Julgado em 09/06/2004)

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio grande do Sulconsidera a pena de prestação pecuniária distinta da multa re-paratória. Obviamente, a primeira é pena principal, mesmo querestritiva de direito, com caráter substitutivo e autônomo, en-

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quanto a penalidade de multa reparatória é efeito da condenaçãocriminal, nesse caso sendo necessário comprovar o prejuízo ma-terial da vítima. A prestação pecuniária tem natureza penal, en-quanto a multa reparatória é efeito secundário da condenaçãode natureza extrapenal, de caráter específico (necessária a com-provação do dano material).

EmENTA: APELAÇÃO CRImE. DELITO DE TRÂNSITO.

ART. 302 DO CóDIgO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.

CULPA DEmONSTRADA. CONDENAÇÃO. COmPENSA-

ÇÃO DE CULPAS VEDADA NA ESFERA PENAL. 1. Age

com culpa o condutor de caminhão que imprime marcha à

ré, nas proximidades de estabelecimento comercial, local

de grande fluxo de pessoas, sem adotar as cautelas neces-

sárias para evitar o resultado danoso. Ainda que tenha a ví-

tima contribuído para a ocorrência do evento, na esfera

penal não se admite a compensação de culpas, devendo o

réu responder pelo seu agir culposo. PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO. PENAS RESTRITIVAS DE

DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COmUNIDADE

E PRESTAÇÃO PECUNIáRIA. 2. O artigo 55 do Código

Penal estabelece a paridade quantitativa entre as penas

restritivas de direitos substitutivas de privativas de liberdade,

a qual não fica afastada pela faculdade prevista no art. 46,

§2º, do mesmo diploma legal, na medida em que tal dispo-

sitivo possibilita, apenas, que a pena imposta seja cumprida

em menor tempo. 3. A prestação pecuniária é pena restritiva

de direitos, prevista como tal no art. 43, I, do Código Penal,

e independe da verificação de dano individual. Portanto, di-

fere da multa reparatória, prevista no art. 297 do Código de

Trânsito Brasileiro, que é pena cumulativa com privativa de

liberdade e pressupõe a ocorrência de prejuízo à vítima. 3.1.

De outra banda, diante do inadimplemento injustificado da

prestação pecuniária imposta ao réu, cabível a conversão

em pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44, §4º,

do Código Penal, não se aplicando, na hipótese, a vedação

prevista no caso do não cumprimento da pena de multa.

(Apelação Crime n. 70006025092, Terceira Câmara Crimi-

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nal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edson

Franco, Julgado em 22/05/2003)

Interessante esse excerto do acórdão da Terceira Câ-mara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, queexpressamente declara que a multa reparatória pode ser cumu-lada com a prestação pecuniária. mais uma vez, conclui-se quea primeira é efeito da imposição da pena pecuniária (pena prin-cipal). Não poderia ser outro o entendimento, frente ao princípiodo non bis in idem.

CONCLUSÃO

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no art. 297 prevêa multa reparatória como penalidade, mas pena em sentidoamplo, porquanto tratar-se de efeito secundário da condenaçãode natureza extrapenal. É consequência da condenação criminalque extrapola a pena propriamente dita (pena principal), ou seja,do efeito principal da condenação. Portanto, transpõe a pena pre-vista na sentença condenatória, sendo, desse modo, efeito indi-reto ou mediato da condenação. Trata-se de norma penalcomplementar.

É pena acessória decorrente do ilícito penal, de naturezaextrapenal, atingindo outros ramos do Direito, como o Civil, o Ad-ministrativo, o Tributário, o Trabalhista, dentre outros. Tal penali-dade complementa a pena principal na medida da condutadelituosa do agente. A intenção do legislador foi criar dispositivopara apenar o agente de acordo com sua conduta ilícita, visto quecausou prejuízos materiais à vítima do crime.

A multa reparatória, portanto, tem caráter específico, so-mente sendo aplicada para os casos de crimes de trânsito que cau-sem prejuízos materiais à vítima, e deve ser declarada quando dasentença condenatória, ou seja, não é automática à sentença. Acompetência para declará-la é do juiz criminal da causa. É decla-rada na jurisdição penal e não na jurisdição civil, não havendo que

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se falar em ofensa ao princípio da separação absoluta das jurisdi-ções civil e penal, pois a multa de que se cuida é instituto penal.

Por fim, após este sintético estudo, podemos afirmar quea multa reparatória nada mais é do que um efeito secundário dacondenação criminal de natureza extrapenal, de maneira que omagistrado, ao declará-la, apenas está complementando a penaprincipal (stricto sensu), na proporção da conduta do agente.

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Marco Antônio Garcia de Pinho*

ALIENAÇÃO PARENTAL: HISTÓRICO, ESTATÍSTICAS, PROJETO DE LEI 4053/08 E JURISPRUDÊNCIA COMPLETA

PARENTAL ALIENATION: HISTORY, STATISTICS,

LAW PROJECT 4053/08 AND COMPLETE JURISPRUDENCE

ALIENACIÓN PARENTAL: HISTÓRICO, ESTADÍSTICAS,

PROYECTO DE LEY 4.053/08 Y JURISPRUDENCIA COMPLETA

Resumo:O presente trabalho faz uma análise da Síndrome da AlienaçãoParental e a importância de sua tipificação no ordenamento ju-rídico brasileiro.

Abstract:This work analyses the Syndrome of Parental Alienation and theimportance of typifying it in Brazilian juridical ordering.

Resumen:El presente trabajo hace un análisis de la Síndrome de AlienaciónParental y la importancia de la tipificación en el ordenamiento jurí-dico brasileño.

Palavras-chave:Síndrome, Alienação Parental, Tipificação, Ordenamento, Brasil.

Keywords:Syndrome, Parental Alienation, Typify, Ordering, Brazil.

* Advogado trilíngue em Belo Horizonte/MG. Aprovado para o Doutorado emCiências Jurídicas. Pós-Graduado em Transformações Processuais, Pós-Gra-duado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Privado. Pós-Graduadoem Direito Social e Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Colaborador daHuman Rights Watch, Profissional voluntário na Avocats Sans Frontières. Coo-perador do Immigration & Refugee Service. Membro da Asociación Internacionalde Derecho Penal. Autor de artigos jurídicos no Brasil e exterior.

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Palabras clave:Síndrome, alienación parental, tipificación, ordenamiento, Brasil.

Introdução

A Síndrome da Alienação Parental é tema complexo e po-lêmico, delineado em 1985 pelo médico e Professor de PsiquiatriaInfantil da Universidade de Colúmbia Richard Gardner1, para des-crever a situação em que, separados, em processo de separaçãoou, em casos menores, por desavenças temporárias e disputandoa guarda da criança, a mãe a manipula e a condiciona para vir aromper os laços afetivos com o outro genitor, criando sentimentosde ansiedade e temor em relação ao ex-companheiro.

Os casos mais frequentes estão associados a situaçõesonde a ruptura da vida em comum cria, em um dos genitores, emesmagadora regra na mãe2, uma grande tendência vingativa, en-gajando-se em uma cruzada difamatória para desmoralizar e de-sacreditar o ex-cônjuge, fazendo nascer no filho a raiva para como outro, muitas vezes transferindo o ódio ou frustração que elaprópria nutre, nesse malicioso esquema em que a criança é uti-lizada como instrumento mediato de agressividade e negociata.

Não obstante o objetivo da Alienação Parental seja sem-pre o de afastar e excluir o pai do convívio com o filho, as causassão diversas, indo da possessividade até a inveja, passando pelociúme, surtos e vingança em relação ao ex-parceiro e mesmo in-centivo de familiares, sendo o filho verdadeira ‘moeda de troca echantagem’.

Àquele que busca afastar a presença do outro da esferade relacionamento com os filhos outorga-se o nome de genitoralienante, sendo que estatisticamente esse papel, em quase100% dos casos, cabe às mães, e o de genitor alienado aos pais.

1 Richard Alan Garder foi um respeitado médico-psiquiatra norte-americano. Es-creveu mais de quarenta livros e publicou mais de 250 artigos na área de psi-quiatria infantil.2 No Brasil, até 2009 aproximadamente 97% das guardas, nos casos de sepa-ração, eram detidas pelas mães.

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As mães se colocam como mártires, detêm poder e con-trole do certo e errado, do bom e ruim, sem dar chance de defesaao pai, vitimizado e estereotipado socialmente como o algoz, ocovarde e o agressor, prevalecendo sempre a verdade criadapelas mães, um sem número de vezes amparadas e respaldadaspela, data venia, um tanto parcial Lei Maria da Penha.

Cometem as mães alienantes, muitas vezes e infeliz-mente mesmo sob a orientação de advogados que, em vez deserenarem os ânimos ou mesmo alertarem para as consequên-cias, instauram um inquérito de fato, apesar de saberem que estenão procede.

Tais causídicos e parentes (na imensa maioria os pais da mãealienante) aproveitam-se da fragilidade das envolvidas e, por vezes,fomentam tais situações contra os pais, maridos e companheiros,superdimensionando discussões banais e que culminam, muitasvezes, em decisões cautelares precipitadas e fundadas em in-verdades, pelo calor dos acontecimentos, exaltações, exagerose mesmo vingança e ódio, o que tratam por estratégia, sem a mí-nima intenção de mediar e apaziguar o conflito, no interesse daspartes que, quando magoadas, se veem cegas e facilmente su-gestionáveis, seguindo a linha da banalização das separações edivórcios com disputa de guarda alicerçada em suposta violênciadoméstica, pouco importando o envolvimento de filhos...

Apesar de haver registros desse conceito desde a décadade 40, Richard Gardner foi o primeiro a defini-lo como ParentalAllienation Syndrome nos anos 1980.

François Podevyn3, por sua vez, define alienação de formamais objetiva: programar uma criança para que odeie um de seusgenitores, enfatizando que, depois de instalada, contará com acolaboração desta na desmoralização do genitor (ou de qualqueroutro parente ou interessado em seu desenvolvimento) alienado:

A chamada Alienação Parental tem verdadeiras raízes nossentimentos de orgulho ferido, vingança, além do sentimento de oni-potência do alienador.

Nessa patologia, a doença do agente alienador volta-se con-tra quaisquer pessoas que possam contestar sua autoridade, man-

3 PODEVYN, F. Syndrome D’Alienation Parentale (SAP). 2001. Disponível em:http://www.paulwillekens. be/pw/pas.htm.

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tendo-os em um estado de horror e submissão por meio de crescenteanimosidade.

Essa desestruturação se transforma em ingrediente da batalhajudiciária, que poderá perdurar anos até que a criança prescinda deuma decisão judicial, por ter atingido a idade madura ou estágio crônicoda doença...

Ressalte-se que, além de afrontar questões éticas, morais,religiosas e humanitárias e mesmo bloquear ou distorcer valores e oinstinto de proteção e preservação dos filhos, o processo de alienaçãotambém agride frontalmente dispositivo constitucional, uma vez queo artigo 227 da Carta Maior versa sobre o dever da família de asse-gurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direitoconstitucional a uma convivência familiar harmônica e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimina-ção, exploração, violência, crueldade e opressão, assim como o artigo3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na Alienação Parental, o detentor da custódia, ou mesmo amãe que se coloca em posição de vítima, mune-se de todo um arse-nal de estratagemas para prejudicar a imagem do ex-consorte.

Comportamentos clássicos da mãe alienante

1) Provoca discussões com os ex-parceiros na presença dos filhos;2) Chora copiosamente na frente das crianças;3) Culpa sempre os pais pelo quadro traumático instalado e fazquestão de publicizar e quebrar a intimidade com os desabafosdos supostos sofrimentos;4) Repetidamente, de maneira tácita ou não, reclama e se apro-veita de qualquer situação para denegrir a imagem do pai;5) Simula lesões, destruição de objetos, imputando as supostasagressões e torturas psicológicas aos pais;6) Abandona o lar e, premeditadamente, se mune de cautelaresforjando situações de Lei de Violência Doméstica para justificare descaracterizar o feito;7) Alega que o ex-companheiro não pergunta pelos filhos nemsente mais falta deles;8) Obstaculiza passeios e viagens;

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9) Critica a competência profissional e a situação financeira dogenitor;10) Cria situações, alegando ser agredida na frente dos filhos ou queos companheiros ameaçaram as crianças física ou psicologicamente;11) Faz falsas acusações de abuso sexual contra o ex-marido;12) Altera a rotina de aulas da criança;13) Muda os filhos de escola sem consulta prévia;14) Controla em minutos os horários de visita;15) Agenda atividades de modo a dificultar a visita e a torná-ladesinteressante ou mesmo inibi-la;16) Esconde ou cuida mal dos presentes que o pai dá ao filho;17) Conversa com os companheiros através dos filhos como seestes mediadores fossem;18) Sugere à criança que o pai é pessoa má e perigosa;19) Não entrega bilhetes;20) Não dá recados nem repassa telefonemas;21) Impede que os avós paternos ou pessoas próximas do paise aproximem dos filhos;22) Altera números de telefones de contato e não responde aosemails, privando os pais de informações e do acompanhamentodos filhos;23) Durante o conflito, faz questão de mudar o próprio nome naprática, para de usar aliança, torna-se solteira e disso se vanglo-ria, esconde e mesmo destrói fotos e imagens do ex-marido ouquaisquer referenciais para a criança;24) Não fala a palavra pai nem menciona o nome do cônjugepara apagá-lo da memória da criança e de todos os que a cer-cam, não poupando, quando indagada, de contar em detalhesquem era na verdade aquele marido e pai e o sofrimento e mar-tírio que passou, tudo na linha do já mencionado dissimulado, co-varde e abjeto Processo de Demonização da imagem do pai deseu próprio filho;25) Recusa-se a fornecer informações ao outro genitor sobre asatividades em que os filhos estão envolvidos (esportes, ativida-des escolares, grupos teatrais, etc.) para frisar a posteriori queos pais nem sabem o que se passa na vida do filho e que faztudo sozinha (mesmo porque eles são desnecessários);26) É sempre contra a Guarda Compartilhada, comprovadamente

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no Brasil e no mundo a mais salutar para os filhos, deixandoclaro o egoísmo e a falta de preocupação para com a criança,pensando mais em si, deixando os filhos em plano inferior e prio-rizando punir o pai;27) Esquece-se de avisar sobre compromissos importantes (den-tistas, médicos, psicólogos, etc.);28) Sempre envolve pessoas próximas (sua mãe, seu novo côn-juge, a melhor amiga, um irmão, etc.) na lavagem cerebral deseus filhos e em quase 100% dos casos é apoiada por estes,agindo como verdadeiros catalisadores do ódio e do processo daalienação e destruição da figura paternal;29) Toma decisões importantes a respeito dos filhos sem consul-tar o outro genitor (escolha da religião, escolha da escola, etc.);30) Troca seus sobrenome, sempre optando pelo nome de sol-teira, diferenciando-se do nome dos filhos, que carregam a he-rança paterna, e passa a tratá-los somente pelo primeiro nome,nunca frisando o sobrenome e último nome do pai;31) Planeja e sai de férias sem os filhos e os deixa com tios, ami-gas, avós (sua mãe, nunca a do pai), quaisquer outras pessoasque não o outro genitor, ainda que este esteja totalmente dispo-nível e queira ocupar-se dos filhos;32) Ameaça punir os filhos se eles telefonarem, escreverem ouse comunicarem com o outro genitor de qualquer maneira;33) Culpa o outro genitor pelo mau comportamento dos filhos;34) Sempre se refere aos filhos com frieza e usando o nome doex-marido ao invés de pai;35) Mesmo a pedido dos filhos, que praticamente imploram a pre-sença do pai, opta por viajar sozinha com eles ou com qualqueroutra pessoa, menos com o pai;36) Impede o pai de qualquer participação importante para os fi-lhos, como datas comemorativas como Natal, Ano Novo, Aniver-sários e outras datas marcantes, etc.

Tais mães se apossam da vida dos filhos como se estafosse somente delas, descartam a figura paterna e, na imensamaioria das vezes, são frias e astutas, sempre apoiadas por fa-miliares e inclusive advogados, agindo com frieza e extrema dis-simulação para conseguir o intuito maior: serem vítimas críveis

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em autos e audiências que se transformam em verdadeiro teatro...Pais amorosos e extremamente dedicados que, da noite

para o dia, se transformam em agressores no que a doutrinaatual chama de “Processo de Demonização”4.

Ao destruir a relação do filho com o pai, a mãe entendeque assume o controle total e atinge sua meta: o pai passa a serconsiderado um intruso, um inimigo a ser evitado, e o filho agoraé propriedade somente dela; ela dita as regras e faz o que quiserpara o bem dele, mas, em contato com terceiros, chegam as mãespor vezes a alterar o discurso e, de maneira dissimulada, oscilamentre a Demonização, isolando o ex-companheiro ainda mais namedida em que, paulatinamente, com suas verdades e em pro-cesso de vitimização simulada, passam a caluniar em larga escalaa imagem do cônjuge ou, dependendo da situação e do meio emque se encontram, alteram o discurso maquiavélico alegando quenunca afastariam o pai e que a vida é assim, mas que jamais pre-judicariam a figura do pai, pois, como dissemos, são astutas, vis edissimuladas, muitas vezes premeditando suas ações.

Fato é que eventualmente a criança vai internalizar tudoe perderá a admiração e o respeito pelo pai, desenvolvendotemor e, até mesmo, raiva do genitor.

Mais: com o tempo, a criança não conseguirá discernirentre realidade, fantasia e manipulação e acabará acreditando emtudo, passando, consciente ou inconscientemente, a colaborar comessa finalidade, situação altamente destrutiva para ela e, talvez,nesse caso especifico de rejeição, ainda maior para o pai.

Em outros casos, nem mesmo a mãe distingue mais averdade da mentira e a sua verdade passa a ser realidade para ofilho, que vive com personagens fantasiosos de uma existênciaaleivosa, implantando-se, assim, falsas memórias. Daí a nomen-clatura alternativa de “Teoria da implantação de falsas memórias”5.

A doutrina estrangeira também menciona a chamadaHostile Aggressive Parenting (HAP), que aqui passo a tratar por

4 SOUZA, S. R. de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher -Lei Maria da Penha 11.340/06 - Comentários artigo por artigo, anotações, jurispru-dência e Tratados Internacionais. 3. ed. rev. atual. Curitiba: Juruá Editora, 2009.5 DIAS, M. B. Síndrome da Alienação Parental, o que é isso? Disponível em:www.apase.org.br. Acesso em: 20 jul. 2009.

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Ambiente Familiar Hostil (AFH), situação muitas vezes tida comosinônimo da Alienação Parental ou Síndrome do Pai Adversário,mas que com esta não se confunde, uma vez que a Alienaçãoestá ligada a situações envolvendo a guarda de filhos, ou casoanálogo, por pais divorciados ou em processo de separação liti-giosa, ao passo que o AFH seria mais abrangente, fazendo-sepresente em quaisquer situações em que duas ou mais pessoasligadas à criança ou ao adolescente estejam divergindo sobreeducação, valores, religião, sobre como deve ser sua criação, etc.

Ademais, a situação de Ambiente Familiar Hostil, noBrasil, inserida em meio ao Projeto de Lei da Alienação Parental,pode ocorrer até mesmo com casais vivendo juntos, expondo acriança e o adolescente a um ambiente deletério, ou mesmo naclássica situação em que o processo é alimentado pelos tios eavós, que também passam a minar a representação paterna,com atitudes e comentários desairosos com familiares e todosos que os cercam, agindo como catalisadores deste injusto ardilhumilhante e destrutivo da figura do pai ou, na visão do AmbienteHostil, sempre divergindo sobre o que seria melhor para a cri-ança, expondo esta a um lar em constante desarmonia, ocasio-nando sérios danos psicológicos a ela e, também, ao pai, semprefomentando a discórdia entre o casal e pouco se importando comas verdadeiras vítimas: os filhos.

Na doutrina internacional, uma das principais diferençaselencadas entre a Alienação Parental e o Ambiente Familiar Hostilreside no fato de que o AFH estaria ligado às atitudes e comporta-mentos, às ações e decisões concretas que afetam crianças e ado-lescentes, ao passo que a Síndrome da Alienação Parental se veriarelacionada às questões ligadas à mente, ao fator psicológico.

Direito comparado

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Felizmente já encontramos precedentes acerca daAlienação Parental e casos análogos, bem como medidas pro-tetivas e punitivas às mães que tentaram distanciar seus filhosdo ex-cônjuge, principalmente nas Justiças Estadunidense eCanadense, Inglesa, Francesa, Belga, Alemã e Suíça.

A título de exemplificação no direito comparado, oCódigo Penal da Califórnia/EUA estipula que

Toda pessoa que guarda, aloja, detém, suprime ou esconde uma cri-

ança, e impede com a intenção maliciosa o genitor possuidor da

guarda legal de exercer este direito, ou impede uma pessoa do direito

de visita, será castigado com prisão máxima de um ano, de uma

multa máxima de US$ 1.000.00, ou dos dois.6

Já o Código Civil alemão, em seu artigo 1626, § l tema seguinte redação: “O pai e a mãe têm o direito e o dever deexercer a autoridade parental (elterliche Sorge) sobre seusfilhos menores.

A autoridade parental compreende a guarda (Person-

ensorge) e a administração dos bens (Vermögenssorge) dofilho”.

Segundo o artigo 1626, § l do Código Civil, em sua ver-são emendada, os pais de um filho menor de idade nascido forado matrimônio exercem de maneira conjunta a guarda do filho sefizerem uma declaração nesse sentido (declaração sobre aguarda compartilhada) ou se eles se casarem.

Segundo o artigo 1684, um filho tem direito de ver seusdois pais, que têm, por sua vez, a obrigação de manter contatoscom o filho e o direito de visitá-lo. Ademais, os pais têm que re-nunciar a qualquer ato que seja danoso para as relações entre ofilho e o outro genitor ou que prejudique seriamente sua educação.

Os tribunais de família podem fixar as formas do dire-ito de visitas e, também, modos mais precisos do exercíciodeste direito para visitas de terceiros. Ainda, podem obrigaros genitores a cumprir suas obrigações em relação aos filhos.

6 GARDNER, R. A. The Parental Alienation Syndrome, past, present, and future.In the Parental Alienation Syndrome: an interdisciplinary challenge for profes-sionals involved in divorce, 2003.

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Brasil

No Brasil, a questão da Alienação Parental surgiu commais força quase simultaneamente com a Europa, em 2002, e, nosTribunais Pátrios, a temática vem sendo ventilada desde 20068.

O Projeto de Lei 4053/08, que dispõe sobre a Alienação

7 "ELSHOLZ” du 13 juillet 2000. Disponível em:http://www.isonet.fr/stop/cour_europeenne2.htm. Acesso em: 2 out. 2009.

8 Em meticulosa pesquisa levada a efeito nos sites de todos os Tribunais deJustiça brasileiros, localizamos praticamente todos os acórdãos relacionadosà Alienação Parental, vide Anexos ao final.

Um marco na temática em pauta data de 1992, quandoos tribunais alemães se recusaram a conceder a um pai o direitode visita a um filho nascido fora do matrimônio e de ordenar umestudo pericial psicológico do filho e de sua mãe.

Depois de esgotar todos os recursos possíveis, o pai sedirigiu às Cortes Européias dos Direitos Humanos para pedirjustiça e reparação contra o Estado Alemão7.

Ele invocou que a Alemanha não respeitou o artigo 8 daConvenção, segundo o qual:

a)Toda pessoa tem direito ao respeito de sua vida [...]familiar [...];

b)Não pode haver ingerência de uma autoridade públicano exercício deste direito, mesmo que esta ingerência seja pre-vista por Lei e constitua uma medida que, em uma sociedadedemocrática, seja necessária [...] para a proteção da saúde, damoral ou da proteção dos direitos e liberdade dos outros.

Na sentença de 13 de julho de 2000, a Corte Européialhe deu razão e condenou a Alemanha a pagar aproximada-mente R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) por danosmorais.

Essa sentença mostra que, quaisquer que sejam as leis,o interesse superior da criança se encontra no direito fundamen-tal de ter acesso a seus dois genitores.

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Felizmente já encontramos precedentes acerca daAlienação Parental e casos análogos, bem como medidas pro-tetivas e punitivas às mães que tentaram distanciar seus filhosdo ex-cônjuge, principalmente nas Justiças Estadunidense eCanadense, Inglesa, Francesa, Belga, Alemã e Suíça.

A título de exemplificação no direito comparado, oCódigo Penal da Califórnia/EUA estipula que

Toda pessoa que guarda, aloja, detém, suprime ou esconde uma cri-

ança, e impede com a intenção maliciosa o genitor possuidor da

guarda legal de exercer este direito, ou impede uma pessoa do direito

de visita, será castigado com prisão máxima de um ano, de uma

multa máxima de US$ 1.000.00, ou dos dois.6

Já o Código Civil alemão, em seu artigo 1626, § l tema seguinte redação: “O pai e a mãe têm o direito e o dever deexercer a autoridade parental (elterliche Sorge) sobre seusfilhos menores.

A autoridade parental compreende a guarda (Person-

ensorge) e a administração dos bens (Vermögenssorge) dofilho”.

Segundo o artigo 1626, § l do Código Civil, em sua ver-são emendada, os pais de um filho menor de idade nascido forado matrimônio exercem de maneira conjunta a guarda do filho sefizerem uma declaração nesse sentido (declaração sobre aguarda compartilhada) ou se eles se casarem.

Segundo o artigo 1684, um filho tem direito de ver seusdois pais, que têm, por sua vez, a obrigação de manter contatoscom o filho e o direito de visitá-lo. Ademais, os pais têm que re-nunciar a qualquer ato que seja danoso para as relações entre ofilho e o outro genitor ou que prejudique seriamente sua educação.

Os tribunais de família podem fixar as formas do direitode visitas e, também, modos mais precisos do exercício destedireito para visitas de terceiros. Ainda, podem obrigar os geni-tores a cumprir suas obrigações em relação aos filhos.

6 GARDNER, R. A. The Parental Alienation Syndrome, past, present, and future.In the Parental Alienation Syndrome: an interdisciplinary challenge for profes-sionals involved in divorce, 2003.

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moral contra a criança e o adolescente e representa o descumpri-mento dos deveres inerentes ao poder familiar, atingindo se-cundária, ou mesmo paralelamente, também o pai.

Havendo indício da prática de Alienação Parental, o juizdeterminará a realização de perícia psicológica na criança ou noadolescente, ouvido o Ministério Público.

O laudo pericial terá base em ampla avaliação, com-preendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes e examede documentos. O resultado da perícia deverá ser apresentadoem até 90 (noventa) dias, acompanhado da indicação de even-tuais medidas necessárias à preservação da integridade psi-cológica da criança.

Caracterizada a prática de Alienação, o magistradopoderá advertir e multar o responsável; ampliar o regime de visitasa favor do genitor prejudicado; determinar intervenção psicológicamonitorada; determinar a mudança para guarda compartilhada ousua inversão; e até mesmo suspender ou decretar a perda dopoder familiar.

Entretanto, passados mais de cinco anos de debatese inúmeros Conflitos de Competência, ainda não se chegou aum consenso processual quando do trâmite dos Processos deViolência Doméstica, prevalecendo, por ora, a aplicação deprazos Processuais Civis, mas, onde há Varas Especializadas,para lá serão encaminhados os Boletins de Ocorrência e In-quéritos. Caso não as hajam, seguem os autos para as Varase Câmaras Criminais.

Vê-se no substitutivo do PL 4.053/08 que o legisladorpátrio, conscientemente ou não, pois que a temática do quechamo de Ambiente Familiar Hostil é pouco conhecida em nossopaís, mesclou as características deste com as da Síndrome daAlienação Parental, mas andou bem. Isso ampliou seu sentido eabrangência e definiu no referido Projeto de Lei como AlienaçãoParental – a qual chamaremos de AP – qualquer interferência demesma natureza, promovida ou induzida, agora não só por umdos genitores, mas, ademais, no diapasão do retrocitado Ambi-ente Familiar Hostil, pelos avós, tios ou outros que tenham a cri-ança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância,podendo e devendo ser igualmente advertidos ou punidos.

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Parental, teve em 15 de julho de 2009 o seu substitutivoaprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família. Ao pas-sar pela Comissão de Constituição e Justiça e, sendo confirmadopelo Senado, seguirá para sanção Presidencial.

Um grande passo foi dado.De acordo com o substitutivo, são criminalizadas as for-

mas de alienação parental: realizar campanha de desqualificaçãoda conduta do genitor no exercício da paternidade ou mater-nidade, impedir o contato da criança com o outro genitor e ter-ceiros a ele ligados, como avós paternos e tios, omitir informaçõespessoais sobre o filho, principalmente acerca de paradeiro e in-clusive escolares, médicas e alterações de endereço para lugaresdistantes, visando dificultar a convivência da criança ou adoles-cente com a outra parte e com familiares desta.

Também é criminalizado apresentar falsa represen-tação ou fabricar, exagerar e distorcer dolosamente dados oufatos triviais como se fossem verdadeiras ameaças de morte,criando nos autos um falso clima de terror e situações forjadasde torturas psicológicas, etc., envolvendo o Estado-Juiz. Issosó traumatiza e piora todo o processo já altamente destrutivopara o pai – agora agressor –, tudo para obstar a convivênciacom o filho e salvar a mãe, a vítima que se abriga sob o mantoda Lei Maria da Penha (tida por muitos como inconstitucional)simulando, exagerando e alterando a verdade. Esperamos queos bons julgadores sejam hábeis para notar e analisem comextremo cuidado os inúmeros pedidos cautelares de mãesalienantes que se vitimizam para repreendê-las, bem como aospatronos que alimentam tais atos e incentivam essa vil estraté-gia de banalizar e inundar as Delegacias e Tribunais com umsem número de representações (inaudita altera pars, sem con-traditório, sem ampla defesa, sem nem se ouvir o acusado esem sequer clara previsão recursal, e, pasmem, algumas vezessem sequer mero Boletim de Ocorrência ou Inquérito Policial,claramente previstos nos artigos 10 a 12 da referida Lei11.340/06!) para o pai ou companheiro, agora marcado, ver-dadeiramente rotulado.

A prática de qualquer destes atos fere o direito funda-mental da criança ao convívio familiar saudável, constitui abuso

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Consequências sobre as crianças por separações e/ou distanciamentoda figura paterna na segunda e terceira infâncias, pré-adolescência,adolescência e na vida adulta 9 10 11 12

1) Isolamento-retirada: A criança se isola do que a rodeia e cen-tra-se nela mesma, não fala com quase ninguém e, se o faz, éde forma muito concisa, preferindo estar sozinha no seu quartoao invés de brincar com outras crianças, mormente se filho único,perdendo o único outro referencial e passando a viver somentecom o pai ou com a mãe, sentindo-se literalmente sozinha eabandonada. Tal abandono e vazio não pode ser suprido porqualquer figura senão a do próprio pai;2) Baixo rendimento escolar: Por vezes associado a uma fobia àescola e à ansiedade da separação – a criança não quer ir à es-cola, não presta atenção às aulas, mas também não incomodaos seus companheiros, não faz os deveres com atenção, apenasquer sair de casa. A apatia que mostra relativamente às tarefasque não são do seu agrado alarga-se a outras áreas, o que somenteé detectado a posteriori, mormente quando na fase das visitações;3) Depressão, melancolia e angústia: Ocorre em diferentesgraus, mas em 100% dos casos, e infelizmente é recorrente;4) Fugas e rebeldia: Produzem-se para ir procurar o membro docasal não presente, por vezes para que este se compadeça deseu estado de desamparo e regresse ao lar ou pensando queserá más feliz ao lado do outro genitor;5) Regressões: Comporta-se com uma idade mental inferior à sua,chama a atenção, perde limites geralmente impostos pela figurapaterna, perde o ‘referencial’, e pode, inclusive, regredir como ‘de-fesa psicológica’, em que a criança trata de ‘retornar’ a uma épocaem que não existia o conflito atual e que recorda como feliz;

9 MONTGOMERY, M. Paternidade – apenas os fatos / Paternidade sócio-afetiva.p. 9. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/impressao.php?t=artigos&n=451>.10 DARNALL, D.. Divorce casualties: protecting your children from Parental Alienation.US: Natl. Book Network/Taylor Trade Publising, 1998.11 STANLEY S. C.; Rivlin, B. V. Children held hostage: Dealing with programmedand brainwashed children. Chicago: American Bar Association, 1992. p. 151.12 LOWENSTEIN, L. Problems suffered by children due to the effects of ParentalAlienation Syndrome. Justice of the Peace, v. 166, n. 24, p. 464-466, 2002.

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6) Negação e conduta antissocial: ocorrem em simultâneo – porum lado a criança (e mesmo as mães quando em processo deseparação ou recém-separadas, podendo levar até mais de cincoanos para ‘superar em parte’) nega o que está a ocorrer (queseus pais tenham se separado, apesar de a situação lhe ter sidoexplicada em diversas ocasiões, e finge compreender e assimilarou ignorar, mas internaliza), e, por outro lado, sente, conscienteou inconscientemente, que os seus pais lhe causaram dano, oque lhe dá o direito de o fazer também, provocando uma condutaantissocial;7) Culpa: Em mais de 75% das vezes a criança se sente culpada,hoje ou amanhã, em regra mais tarde, pela situação, e pensa queesta ocorre por sua causa, pelo seu mau comportamento, peloseu baixo rendimento escolar, por algo cometido, e pode chegarmesmo a autocastigar-se como forma de autodirigir a hostilidadeque sente contra os seus pais, inconscientemente;8) Aproveitamento da situação-enfrentamento com os pais: Porvezes, a criança trata de se beneficiar da situação, apresentando-a como desculpa para conseguir os seus objetivos ou para fugiràs suas responsabilidades ou fracassos. Chega até mesmo a in-ventar falsas acusações para que os pais falem entre si, apesarde saber que o único resultado destas será piorar o enfrenta-mento entre os seus genitores. Se o ‘exemplo’ vem de casa, oque dizer de uma mãe que sequer tenta dialogar ou conciliar emprol do filho...;9)Indiferença: A criança não protesta, não se queixa da situação,age como se não fosse nada com ela, sendo esta outra forma denegação da situação13;10) 72% dos adolescentes que cometem crimes graves e homi-cídios delinquentes vivem em lares de pais separados;11) 70% dos delinquentes adolescentes e pré-adolescentes pro-blemáticos cresceram distantes de um genitor;12) Crianças sem a presença do pai têm duas vezes mais pro-babilidades de baixo rendimento escolar e de desenvolverem

13 Fonte: IMAGINARIUM. Divórcio, separação: um trauma para os filhos? Dis-ponível em: http://www.imaginarium.pt/contenidos/contenido?metodoAction=de-talleContenido&idContenido=588. Acesso em: 05 set. 2009.

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quadros de rebeldia a partir da terceira infância;13) Em crianças e adolescentes com comportamento rebelde oualterações emocionais, o fato é onze vezes mais provável emface de distanciamento da figura do pai;14) A taxa de suicídio ou tentativa de (para chamar a atenção ousuprir a carência paternal e tentativa de reaproximar os pais ousimplesmente vê-lo ‘fora dos dias de visitação’ e se sentir verda-deiramente amada) entre dezesseis e dezenove anos de idadetriplicou nos últimos cinco anos, sendo um em cada quatro suicí-dios ou tentativas de autoextermínio; três ocorreram em lares depais ausentes ou distantes;15) Crianças na ausência do pai estão mais propensas a doen-ças sexualmente transmissíveis;16)Crianças na ausência do modelo do pai estão mais propensasao uso de álcool, tabagismo e outras drogas;17) Filhas distantes de pai têm três vezes mais chances de en-gravidarem ou abortarem ao longo da adolescência ou duranteos anos de faculdade, que, em regra, nem sequer concluem;18) Crianças na ausência do pai são mais vulneráveis a aciden-tes, asma, dores, dificuldade de concentração, faltar com a ver-dade e até mesmo desenvolver dificuldades de fala;19) Em cada dez crianças, apenas uma vê seu pai regularmente,e, ainda assim, apresenta graves sintomas e traumas que ten-dem a acentuar-se a partir da terceira infância, mormente na pré-adolescência e adolescência, quando ausente a figura do pai,principalmente em lares de mães criando filhas;20) 20% das crianças que vivem com seus pais, quando pergun-tado o nome de adultos que você admira e se espelha, respon-deram como sendo “seu pai”. Esse número, quando perguntadoà criança que vive sem pai, sobe para 70%;21) Professores, terapeutas e outros têm mais dificuldade emlidar com filhos de pais separados14;22) Apresentam o chamado ‘fenômeno precoce da independência’afirmando que ninguém o influenciou e que chegou sozinho àsconclusões;

14 ASSIS, E. A importância de ter ambos os pais e da figura paterna. Quando opai está presente. Disponível em: http://www.edsondeassis.com.br/sem-cate-goria/a-importancia-da-figura-paterna. Acesso em: 06 set. 09.

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23) Filhos sem pai são estereotipados e constantes alvos debullying;

24)Sustentação deliberada: o filho acaba adotando a defesa damãe alienante em conflitos;25) Ausência de culpa ao denegrir ou ignorar, como a mãe e seusparentes, a figura do pai;26) Situações fingidas: o filho conta casos que manifestamentenão viveu ou que ouviu a mãe alienante comentar;27) Fenômeno da generalização a outros membros da família dopai alienado: o filho estende sua animosidade, distanciamento efrieza para a família e amigos do pai;28) Jovens com apenas um dos pais são três vezes mais pro-pensos a problemas comportamentais comparados aos que têmpai e mãe sempre presentes na mesma casa. Ainda, perdemgrande parte da vida em infindáveis acompanhamentos terapêu-ticos com frequência cinco vezes maior, de acordo com a re-nomada National Survey of Children;

29) Vivendo em uma família sem o pai, a disciplina cai vertigino-samente e as chances de a criança se graduar com êxito no nívelsuperior caem 30%;30) A ausência ou distanciamento do pai tende a se repetir. Me-ninas que crescem apenas com a mãe têm o dobro de probabi-lidade de se divorciarem;31) Meninas que crescem distantes da figura do pai têmcinco vezes mais chances de perderem a virgindade antesda adolescência;32) Meninas distantes do pai têm três vezes mais chances deserem vítimas de pedofilia e inclusive de procurarem em qualquerfigura masculina mais velha o eu do pai distante, tendendo trêsvezes mais a se envolver com homens mais velhos, ou, se maisnovos, precocemente darem início a atividades sexuais;33) Meninas que cresceram à distância do pai têm três vezesmais chances de engravidar precocemente e são cinco vezesmais ‘vulneráveis’ que filhas que moram com ambos os pais;34) O pai é o normatizador da estrutura mental e psíquica dacriança: o excesso de presença materna põe em risco a constru-ção mental da filha, o que ocorre em 100% dos casos, mormentecom filhos únicos, onde nem sequer haverá mais o referencial do

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pai, gerando clássico processo da chamada fusão da mãe15;35) O que impera é a convicção de que mãe e filho bastam-seum para o outro, levando a mãe a crer, a curto e médio prazo,que poderá suprir todas as necessidades da filha e dela mesmapelo resto da vida, o que, a bem da verdade e clinicamentecomprovado, gerará distúrbios na mãe e também desvios emo-cionais na criança16;36) Na edição da Review of General Psychology, cientistas infor-maram que o grau de aceitação ou rejeição que uma criança re-cebe – e percebe – do pai afeta seu desenvolvimento de formatão profunda quanto a presença ou ausência do amor materno;37) O amor paterno – ou a falta dele – contribui tanto quanto oamor materno para o desenvolvimento da personalidade e docomportamento das crianças. Em alguns aspectos, o amor do paié até mais influente17;38) A ausência do amor paterno está associada à falta de au-toestima, instabilidade emocional, irregularidades hormonais, in-trospecção, depressão, ansiedade, rejeição, negação, vivendoum mundo irreal em um universo paralelo, fantasiando um pai –consciente ou inconscientemente o que antes possuía – e de-sencadeando outras inverdades e surtos;39)Também restou provado que receber carinho do pai tem paraa criança um efeito positivo sobre a felicidade, o bem-estar, o su-cesso acadêmico e social, da primeira infância à fase adulta;40)Verificou-se ainda que, em certas circunstâncias, o amor pa-terno tem um papel ainda mais importante que o materno.Inúmeros estudos descobriram que o amor do pai, e tão somentedele, é um fator isolado determinante quando se trata de filhoscom problemas de disciplina, limites, personalidade, conduta, de-linquência ou envolvimento com álcool, fumo, drogas pesadas eatividade sexual precoce;

15 DALLAGNOL, V. C. De um feminino ao outro. Psyche. [online], São Paulo, v.11, n. 21, p. 119-130, dez. 2007. Disponível em:<http://pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382007000200 008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: dez. 2009.16 CHAVES, M. P. C. T. Ausência paterna e o impacto na mente da criança. Disponívelem: http://www.fundamentalpsychopathology.org/8_cong_anais/MR_388c.pdf.17 MOZES, A. Amor paterno é importante para o desenvolvimento infantil. Disponívelem: http://apase. org.br/90012-amorpaterno.htm. Acesso em: 06 dez. 2009.

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41) Entrevistas com um grupo de 5.232 adultos entre trinta e cin-quenta anos, entrevistados novamente após cinco anos, levaram àconclusão de que aqueles que não se separaram ou reataram o re-lacionamento encontraram o equilíbrio, entenderam e resolveram asfontes de conflito, como dinheiro, problemas familiares, depressão,distanciamento e até mesmo infidelidade. Houve diminuição dos con-flitos com o tempo, e, sem o distanciamento, o processo é absurda-mente mais rápido e menos traumático para todos.Outros disseram, ainda, que conseguiram lidar melhor com o ma-rido, algumas vezes com a importante ajuda de amigos emcomum, de psicólogos ou ameaçando a separação. Contudo, oscasais que se separaram ficaram submetidos a situações àsquais o indivíduo tem pouco ou nenhum controle, com as novasreações das crianças, incertezas e medos de novas relações,mormente se a questão afetivo-sexual era intensa entre os dois,tendo permanecido, em grande parte, solitários, sem novos par-ceiros. Estes, na maioria das vezes, rejeitam os filhos que nãosão seus e se aproximam aproveitando-se da fragilidade oumesmo da situação financeira e fingem interesse e afeto pelascrianças, havendo, ademais, inúmeros relatos de mães cultural-mente mais conservadoras ou de mais idade ou mesmo casadashá mais tempo e com relacionamentos mais estáveis que se sen-tiram verdadeiramente estupradas quando em novos relaciona-mentos, desencadeando outras síndromes e apresentandoquadros de frigidez, depressão e sexofobia18;42) É da singularidade do pai, dentre outras tantas, principal-mente ensinar à filha o significado dos limites e o valor da auto-ridade, sem os quais não se ingressa na sociedade sem traumas.Nessa fase, a filha se destaca literalmente da mãe, não querendomais lhe obedecer, e se aproxima mais ainda do pai: pede paraser amada por ele e espera do pai esclarecimentos para os pro-blemas novos que enfrenta. É dever deste fazer compreenderà filha que a vida não é só aconchego, mas também estudo, tra-balho e doação; que não é só bondade, mas também conflito;que não há apenas sucesso, mas também fracasso; que não há

18 SOUZA, E. (Trad.). Divórcio não traz felicidade. Pesquisa de Chicago pelauniversidade de Chicago.

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tão somente ganhos, mas também perdas19;43) O pai volta-se mais para as características da personalidadee para os limites necessários para o futuro, mormente limites dasexualidade, da independência, da capacidade de testar limitese assumir riscos e saber lidar com fracassos e superações20.

A mãe-alienante21 que programa o filho a ter imagemnegativa e distorcida do pai – mas jamais admite que o faz,pois, na verdade, em alguns casos acredita piamente queestá protegendo a criança e arma toda uma situação quevenha a comprovar, vg., ligando aos prantos para um amigo,fugindo de casa, gritando para que vizinhos a escutem emesmo chegando a se ferir para imputar tudo aos algozes,lavrando Boletins de Ocorrência e representando em InquéritosPoliciais, vez que sabem de antemão que em 99% dos casoso homem, o macho Alfa, é o culpado – gera graves conse-quências psicológicas na criança, assim como no pai alienadoe nos familiares, pois o raio de ação destrutiva da AlienaçãoParental é extremamente amplo, seguindo um efeito par cascade

que assume verdadeira roupagem de linha sucessória, isolandoa criança dos primos por parte do pai, de seus avós, etc.

Para os pais alienados, vítimas e excluídos, acusadosde agressores, as consequências são igualmente desastrosase podem tomar várias formas: depressão, perda de confiançaem si mesmos, paranóia, isolamento, estresse, desvio de per-sonalidade, delinquência e suicídio.

Cabe aqui salientar que a Alienação também se dá – ena maioria das vezes assim ocorre – não de maneira explícita,sob forma de brainwash, mas sim de maneira velada, bastando,por exemplo, que a mãe, diante de despretensiosa e singela re-sistência do filho em visitar o pai, por mero cansaço ou por quererbrincar, nada faça, pecando por omissão e não estimulando nemressaltando a importância do contato entre pai e filho ou mesmo

19 BOFF, L. A personificação do pai. Campinas: Véus, 2005.20 BLANKENHORN, D. Fatherless America. New York: Harper Collins Publishers, 1995.21 Mesmo após o advento da Lei 11.698/08, que incluiu o § 2º no inciso II doart. 1584 do CC/02, dispondo que sempre que possível a guarda deve ser com-partilhada, mais de 95% das decisões pátrias ainda foram pela guarda unilateralcom preferência pela mãe.

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transformando e publicizando uma trivial discussão caseira emverdadeiro ambiente de caos e motivo para desencadear o egoís-tico processo destrutivo, em quase 100% dos casos apoiadapelos avós maternos e outros familiares, mormente se háhistórico de clima de animosidade entre as famílias, novamenteem atitude vil e egoística, pensando em tudo, em todos, menosnas crianças, netos e filhos.

A genitora alienante é muito convincente na sua ilusãode desamparo e nas suas descrições e consegue, muitas vezes,fazer as pessoas envolvidas acreditarem nela (amigos, parentes,assistentes sociais, advogados, juízes e mesmo psicólogos)22.

Quando a criança perde o pai, o seu “eu”, a sua estru-tura, núcleo e referência são também destruídos.

Walsh23 já afirmava o que hoje é comprovado: o filhopode mostrar uma reação de medo de desagradar ou de estarem desacordo com o genitor alienador.

A mensagem dele é clara: “é preciso me escolher”. Se o filho desobedece a esta diretiva, especialmente ex-

pressando aprovação ao genitor ausente, ele aprenderá logo apagar o preço.

É normal que a mãe alienante ameace o filho de aban-doná-lo ou de mandá-lo viver com o outro genitor. O filho se põeem uma situação de dependência e fica submetido regularmentea provas de lealdade.

Esse procedimento atua sobre a emoção mais funda-mental do ser humano: o medo de ser abandonado.

O filho é constrangido a ter que escolher entre seusgenitores, o que está em total oposição com o desenvolvimentoharmonioso do seu bem-estar emocional. Nessas circunstân-cias, ele desenvolve uma assiduidade particular de não de-sagradar a mãe alienante e, para sobreviver, esses filhosaprendem a manipular.

Tornam-se prematuramente astutos e dissimulados

22 MAJOR, J. A. Parents who have fought parental alienation syndrome. Disponívelem: http://www.livingmedia 2000.com/pas.htm. Acesso em: 03 out. 2009.23 BONE, J. M.; WALSH, M. R. Parental Alienation Syndrome: how to detect it and whatto do about it. Disponível em: http://www.fact.on.ca/Info/pas/walsh99.htm.Acesso em: 29 set. 2009.

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como as mães alienantes para decifrar o ambiente emocional;para falar apenas uma parte da verdade; e por fim, enredar-senas mentiras e exprimir emoções falsas...

De acordo com pesquisa desenvolvida pelo Departa-

mento de Serviços Humanos & Social há 10 anos, mais de ¼ detodas as crianças não viviam com os seus pais.

Pesquisas informam que 90% dos filhos de pais divorci-ados ou em processo de separação já sofreram algum tipo dealienação parental e que, hoje, mais de 25 milhões de criançassofrem esse tipo de violência!

No Brasil, o número de Órfãos de Pais Vivos é propor-cionalmente o maior do mundo, fruto de mães, que, pouco apouco, apagam a figura do pai da vida e do imaginário da criança.

Sabe-se também que, em casos extremos, quando ogenitor alienante não consegue lograr êxito no processo dealienação, este pode vir a ser alcançado com o extermínio dogenitor que se pretendia alienar ou mesmo do próprio filho.

Verificam-se, ainda, casos de situação extrema em quea pressão psicológica e a frustração são tamanhas que o pai-vítima acaba sucumbindo, como no trágico episódio de abril de2009, em que jovem e ilustre advogado, autor de livros, Doutore Professor da USP/Largo São Francisco, cotado para vaga deMinistro do TSE, matou o próprio filho e cometeu suicídio.

Em levantamentos preliminares, restou apurado que ospais estavam em meio a uma acirrada disputa pela guarda da cri-ança e que a mãe tentava, a qualquer custo, afastar o filho dopai, contando com o apoio de seus familiares.

A respeito do trauma dos pais abandonados pelos filhospor causa da Síndrome de Alienação Parental, Gardner concluique a perda de uma criança nessa situação pode ser mais do-lorosa e psicologicamente devastadora para o pai-vítima do quea própria morte da criança, pois a morte é um fim sem esperançaou possibilidade para reconciliação, mas os filhos da AlienaçãoParental estão vivos e, consequentemente, a aceitação e renún-cia à perda é infinitamente mais dolorosa e difícil, praticamenteimpossível, e, para alguns pais, afirma o ilustre psiquiatra, “a dorda distância dos filhos, contínua e verdadeiramente infinita nocoração, é semelhante à morte viva”.

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24 Rogério Cogliatti, pai de Victor, em ‘o Elo Partido’. Disponível emhttp://www.apase.org.br/14005-oelopartido.htm. Acesso em: 25 set. 2009.

Conclusão

A temática é recente, dolorosa, intrigante e desperta in-teresse na Medicina, na Psicologia e no Direito com um pontounânime: que a Alienação Parental existe e é comportamentocada vez mais comum nas atuais relações, afetando sobre-maneira o desenvolvimento emocional e psicossocial de cri-anças, adolescentes e inclusive adultos, expostos a verdadeirofront de batalha.

Assim, entendemos que o assunto requer debates maisaprofundados por parte de psicólogos, médicos e operadores doDireito, a fim de buscar melhores formas de coibir e punir taispráticas de abuso, bem como dar publicidade ao tema e fazercampanhas de conscientização em um país recordista mundialem casos de Alienação Parental, e, paralelamente, ao invés debanalizar e informatizar divórcios e separações, incentivar asuniões, a mediação, as terapias e psicólogos antes dos Fórunse Tribunais, valorizando e importância da instituição Família.

Crianças, adolescentes e pais tratados como verdadeiraspeças de um vil e perigoso jogo sem quaisquer ganhadores.

Barco e âncora são responsáveis pelo equilíbrio e manutenção de

seus elos para que tenhamos uma corrente forte, rumo a águas mais

tranquilas... Não podemos mudar o mundo, mas, talvez, nossos netos

o possam. Vai depender do que fizermos pelos nossos filhos hoje;

afinal, estamos todos no mesmo barco... 24

DECISÕES PUBLICADAS NO BRASIL SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL

(Jun/06 a Dez/09)

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Anexos

TJMG, AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.0702.09.554305-5/001(1), RELA. DESA. VANESSA VERDOLIM HUDSONANDRADE, P. 23/06/2009.

[...] O laudo psicossocial de f. 43/45 conclui que o menor possuiquadro de SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL, ou seja,"quando a criança está sob a guarda de um genitor alienador,ela tende a rejeitar o genitor oposto sem justificativas consistentes,podendo chegar a odiá-lo", relatando ainda: "A respeito dasvisitas paternas G. traz queixas inconsistentes, contudo, oseu brincar denota o desejo inconsciente de retorno do contatocom o pai, demonstrando que o período de afastamento não foicapaz de dissolver os vínculos paternos-filiais (sic)".

TJMG, AGRAVO 1.0184.08.017714-2/001(1), REL. DES. EDI-VALDO GEORGE DOS SANTOS, P. 27/11/2009.

[...] Embora os agravados se defendam falando que a recusada criança se baseia na "imperícia" do pai em restabelecer ocontato que havia sido interrompido por culpa dele (fls. 69/71),tal situação me parece ser um caso típico de alienação pa-rental, também conhecida pela sigla em inglês PAS, temacomplexo e polêmico, inicialmente delineado em 1985, pelomédico e Professor de psiquiatria infantil da Universidade deColúmbia, Richard Gardner, para descrever a situação emque há disputa pela guarda da criança, e aquele que detéma guarda manipula e condiciona a criança para vir a romperos laços afetivos com o outro genitor, criando sentimentos deansiedade e temor em relação ao ascendente. Embora situações de alienação parental sejam mais comuns

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entre ex-cônjuges, ou ex-companheiros, pai e mãe dacriança, a jurisprudência também vem apontando esse tipode situação entre avós e pais, nesse sentido:

“Não merece reparos a sentença que, após o falecimento damãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reu-nir todas as condições necessárias para proporcionar a filhaum ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seusaudável crescimento”.

[...] já sendo previsível que a menor necessitará de um tempopara se adaptar, sendo recomendável, principalmente consi-derando-se os indícios de SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PA-RENTAL, acompanhamento psicológico bem como omonitoramento dessa nova situação pelo Conselho Tutelar.

O SR. DES. WANDER MAROTTA: [...] Em processos de guarda de menor, busca-se atender aosinteresses da criança, não aos anseios dos adultos envolvi-dos. A convivência com o pai deve ser progressiva, inclusivepara desfazer o que se convencionou chamar hoje de SÍN-DROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.

TJMG, AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.0216.08.057510-5/001(1), REL. DES. SILAS VIEIRA, P. 28/08/2009.

[...] Laudo Social de f. 34/36 em que restou afirmado que agenitora da menor estaria utilizando-se de meios para afastá-la do seu pai/agravado, o que caracteriza a SÍNDROME DAAlienação Parental – SAP [...]

TJMG, APELAÇÃO CÍVEL 1.0079.08.393350-1/003(1), REL.DES. WANDER MAROTTA, P. 17/07/2009.

[...] A Magistrada ressaltou que conversou com os advoga-

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dos das partes por mais de duas horas, tentando compor umacordo, sem sucesso. Visto isto, e após exame das provas eestudos até então produzidos, proferiu ela a decisão atacada.Segundo a decisão "[...] essa magistrada não ampliou as vi-sitas, apenas alterou sua forma"; e, embora a Juíza tenha afir-mado “que a conduta da requerente poderia sugerir apossibilidade de estarmos diante de um quadro de SÍN-DROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL", o certo é que a deci-são está fundada nos estudos psicossociais realizados, nofato de a criança não ser mais um bebê de colo e na relaçãomantida entre pai e filha.

TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009.002.32734, REL.DES. CLÁUDIO DELL ORTO, J. 30/11/2009.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REGU-LAMENTAÇÃO DE VISITAS PROPOSTA PELO PAI PARAASSEGURAR VISITAÇÃO À FILHA COM SETE ANOS DEIDADE - INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO A PREJUDI-CIALIDADE DO CONTATO COM O PAI - DESAVENÇASENTRE A MÃE DA CRIANÇA E A ATUAL COMPANHEIRA DOPAI QUE NÃO PODEM AFETAR O DIREITO DA FILHA DECONVIVER COM O PAI OBRIGAÇÃO JUDICIAL DE NÃOCONTRIBUIR PARA INSTALAÇÃO DE QUADRO DE SÍN-DROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL.

TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009.002.18219, REL.DES. PEDRO FREIRE RAGUNET, J. 01/09/09.

PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.INEXISTÊNCIA DE FATOS QUE IMPEÇAM A REALIZAÇÃODA VISITAÇÃO PATERNA NA FORMA AVENÇADA. VISITAÇÃOQUE ANTES DE SER DIREITO SUBJETIVO DO AGRAVADO ÉDEVER MORAL DO MESMO E IMPRESCINDÍVEL PARA ODESENVOLVIMENTO E FORMAÇÃO DE SEUS FILHOS.

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PROVA INDICIÁRIA DE CONDUTA DE ALIENAÇÃO PAREN-TAL, POR PARTE DA AGRAVANTE, EM RELAÇÃO À FI-GURA DO PAI.

TJRJ, APELAÇÃO CÍVEL 2009.001.01309, DESA. RELA.TERESA CASTRO NEVES, J. 24/03/08.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABUSOSEXUAL. INEXISTÊNCIA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PA-RENTAL CONFIGURADA. GARANTIA DO BEM-ESTAR DACRIANÇA. MELHOR INTERESSE DO MENOR SE SOBRE-PÕE AOS INTERESSES PARTICULARES DOS PAIS.

[...] A insistência da genitora na acusação de abuso sexualpraticado pelo pai contra a criança, que justificaria a manu-tenção da guarda com ela não procede.

Comportamento da infante nas avaliações psicológicas e deassistência social, quando assumiu que seu pai nada fez,sendo que apenas repete o que sua mãe manda dizer ao juiz,sequer sabendo de fato o significado das palavras que re-pete.

Típico caso da síndrome da alienação parental, na qual sãoimplantadas falsas memórias na mente da criança, ainda emdesenvolvimento.

Respeito à reaproximação gradativa do pai com a filha.Convivência sadia com o genitor, sendo esta direito dacriança para o seu regular crescimento...

TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 6438884500, REL.DES. ROBERTO CARUSO COSTABILE E SOLIMONE, P.09/12/2009.EMENTA: ALIENAÇÃO PARENTAL.

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[...] CARÁTER PROVISÓRIO DA DECISÃO AGRAVADA.PROVA DOCUMENTAL QUE DÁ CONTAS DA SERENIDADEDO JUIZ. SITUAÇÃO CRÍTICA QUE DEMANDA EQUILÍBRIOE CAUTELA. ENFRENTAMENTO QUE NÃO SE RESOLVERÁPARA O BEM DO MENOR TÃO APENAS COM O EXARARDE DECISÕES JUDICIAIS. CONDUTA DO MAGISTRADOQUE MERECE SER PRESTIGIADA. AGRAVO A ESTA AL-TURA DESPROVIDO.

TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008.002.13084, REL.DES. MARCUS TULLIUS ALVES, J. 14/10/08.

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO -MENOR IMPÚBERE - ALEGAÇÃO DE SUSPOSTO ABUSOSEXUAL - INDEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR - INCON-FORMISMO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTOPELO MINISTÉRIO PÚBLICO - RAZÕES FÁTICAS FUNDA-DAS NA ESTEIRA DE UM LAUDO PRODUZIDO PELO PSI-CÓLOGO QUE PRESTA SERVIÇOS AO CONSELHOTUTELAR - AUSÊNCIA DE PROVAS CONCLUSIVAS E VA-LORATIVAS - MENOR QUE ESTÁ SENDO CRIADA PELOGENITOR PATERNO - INEXISTÊNCIA DE SUPORTE PRO-BATÓRIO PARA A CONCESSÃO DO PEDIDO DE BUSCA EAPREENSÃO.

Cabe ressaltar, nesse momento, que consta dos autos a en-trevista realizada pelo psicólogo do Conselho Tutelar que, emtese, comprovaria a existência de um suposto abuso sexual.No entanto, tal prova não é corroborada por nenhuma outra,não sendo, assim, possível verificar se houve inexoravelmentea chamada "SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL" na qualum dos genitores imputa falsamente ao outro uma conduta de-sonrosa, o que leva a criança a acreditar na veracidade dosfatos imputados. Dessa forma, a decisão recorrida, ao indeferiro pedido de busca e apreensão da menor, perfilhou-se na me-

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lhor solução diante da delicadeza da presente situação emtela. Compulsando os autos, verifica-se que a criança estásendo bem criada pelo pai, razão pela qual o afastamento,mesmo que provisório, sem respaldo probatório mínimo, podeser prejudicial à menor, principalmente porque essa medidasó deve ser deferida se houver efetiva demonstração de risco,não bastando, portanto, uma simples alegação.

TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 6478664400, REL. DES.BERETTA SILVEIRA, P. 09/12/2009.

[...] Como bem salientou a Procuradoria de Justiça, A OCOR-RÊNCIA DA MENCIONADA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PA-RENTAL OU FALSA PERCEPÇÃO DE REALIDADE JÁ FOICIENTIFICAMENTE COMPROVADA, e na verdade, além dasalegações da mãe, nada há de concreto nestes autos que in-criminem o agravante [...].

TJRS, AGRAVO DE INSTRUMENTO 70028674190, REL.DES: ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, P. 23/04/2009

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGULAMENTA-ÇÃO DE VISITAS PATERNAS. SÍNDROME DA ALIENAÇÃOPARENTAL.

O direito de visitas, mais do que um direito dos pais constituidireito do filho em ser visitado, garantindo-lhe o convívio como genitor não-guardião a fim de manter e fortalecer os víncu-los afetivos.

TJRJ, APELACAO 2008.001.30015, DESA. NATAMÉLIA MA-CHADO JORGE, J. 10/09/08. EMENTÁRIO N. 5 - 05/02/09.EMENTA: DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR - ABUSO SE-

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XUAL DE MENOR - SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL -SÍNDROME DAS FALSAS MEMORIAS - INTERESSE DE(O)MENOR - SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

[...] Direito de Família [...] Notícia de abuso sexual. Extremadificuldade de se aferir a verdade real, diante da vulnerabili-dade da criança exposta a parentes egoístas e com fortes tra-ços de hostilidade entre si.

SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL E FALSAS MEMÓ-RIAS. Subsídios na Psicologia e na Psicanálise. A Síndromeda Alienação Parental traduz a programação da criança porum genitor para que ela, artificial e desmotivadamente, venhaa repelir o outro genitor.

A SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS faz-se presentequando um genitor, de forma dolosa, incute no menor infor-mações e dados inexistentes ou deturpados, para que se tor-nem verdades na frágil mente da criança. Espécie em que seconstatam manobras tendentes à alienação parental, masque não afastam o efetivo sofrimento psíquico vivenciado pelomenor.

TJRJ, APELAÇÃO 2007.001.35481, REL. DESA. CONCEI-ÇÃO MOUSNIER, J. 30/01/08. EMENTÁRIO N. 12 – 03/07/08VER. DIR. DO TJRJ VOL 76, P. 294.

EMENTA: MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA – AMPLIAÇÃODO REGIME DE VISITAÇÃO DO FILHO - PERNOITE - SÍN-DROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL CARACTERIZAÇÃO -INTERESSE PREVALENTE DO MENOR.

[...] Modificação de Cláusula. Pretensão de ampliação do re-gime de visitação. Inclusão de pernoite. CARACTERIZAÇÃODA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Relações pa-

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rentais no moderno Direito de Família brasileiro. Direito fun-damental à convivência familiar assegurado pela Constituiçãoda República e na Legislação Infraconstitucional. Interesseprevalente do menor. Princípios do Cuidado e Afeto. Relevân-cia jurídica. Sentença de procedência parcial do pedido. In-conformismo da apelante, genitora. Entendimento destaRelatora pela rejeição das preliminares argüidas pela ape-lante. Manutenção integral da prestação jurisdicional final. Co-nhecimento do recurso e improvimento do apelo.

TJRS, APELAÇAO CÍVEL 70017390972, Rel. Des. Luiz FelipeBrasil Santos, j, 13/06/2007.

A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da SÍN-DROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL, só milita em desfavorda criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das vi-sitas aos avós, a ser postulada em processo próprio.

TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 60184044000, REL.DES. CAETANO LAGRASTA, P. 25/06/2009

[...] É matéria incontroversa que a delicada ‘divisão’ dos filhosnão os beneficia e pode conduzir a que sejam ambos alie-nados aos respectivos genitores, um em relação à mãe eoutra em relação ao pai. A questão, sem poder ser ainda tra-tada como moléstia mental, salvo em relação ao alienador,parte do comportamento doentio de um dos envolvidos naquerela, que busca exercer controle absoluto sobre a vida edesenvolvimento da criança e adolescente, com INTERFE-RÊNCIA NO EQUILÍBRIO EMOCIONAL DE TODOS E DE-SESTRUTURAÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR, ANTE SEUSREFLEXOS, DE ORDEM ESPIRITUAL E MATERIAL.

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TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 6290134000, REL. DES.CAETANO LAGRASTA, P. 05/10/2009. [...] Cabe advertir novamente as partes e seus procuradoresde que a utilização da disputa como forma de imposição depoder, resultando em prejuízo à saúde psíquica dos menores,será analisada, com imposição de penalidades e reflexos nadefinição tanto da guarda como das visitas. Pertinente alertar,ainda, sobre o perigo de instalação da chamada SAP (SÍN-DROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL) tem raízes nos senti-mentos de orgulho ferido, desejo de vingança, além dosentimento de onipotência do alienador. Nesta patologia: Adoença do agente alienador volta-se contra qualquer das pes-soas que possam contestar sua "autoridade", mantendo-osnum estado de horror e submissão, por meio de crescente ani-mosidade. Essa desestruturação transforma-se em ingredienteda batalha judiciária, que poderá perdurar por anos, até que acriança prescinda de uma decisão judicial, por ter atingido aidade madura ou estágio crônico da doença.

[...] programar uma criança para que odeie um de seus ge-nitores, enfatizando que, depois de instalada, contará coma colaboração desta na desmoralização do genitor (ou de qualqueroutro parente ou interessado em seu desenvolvimento) alienado.

[...]. O juiz deve não só ameaçar como aplicar severas e pro-gressivas multas e outras penalidades ao alienador.

TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 6301144400, REL. DES.CAETANO LAGRASTA, P. 28/09/2009.

EMENTA: VISITAS. SUSPENSÃO. ALEGAÇÃO DE VIO-LÊNCIA SEXUAL. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA NAVERSÃO DA AGRAVADA. PERIGO DE INSTALAÇÃO DASÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL. DECISÃO RE-FORMADA. RECURSO PROVIDO.

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[...] No caso dos autos, não há verossimilhança na imputaçãoda violência ao agravante, devendo-se ressaltar que no es-tudo psicológico de fls. 13/21, a própria agravada relata terdeixado os filhos aos cuidados do agravante (fl. 14), reconhe-cida a disputa entre ambos com utilização da menor (fl. 15), ademora na busca por tratamento médico adequado (íl. 18) ea simulação no rompimento do relacionamento (fl. 20)...

TJSP, APELAÇÃO COM REVISÃO, REL. DES. CAETANOLAGRASTA, P. 21/11/2008

EMENTA: VISITAS. REGULAMENTAÇÃO. DIREITO DO GE-NITOR E DOS FILHOS MENORES QUE NÃO DEVE SERCEIFADO [...]

[...] O que se mostra urgente é garantir-lhe o interesse supe-rior de, doravante, desfrutar de ambiente sadio, sem que essadecisão a afaste ou constranja a convívio seguro com o pai,alertando-se para o risco de acarretar conseqüências irrever-síveis à sua integridade psíquica, ao criar-se uma série de si-tuações visando a dificultar ao máximo ou a impedir avisitação do genitor e a manipulação sistemática dos senti-mentos do filho.

Sobre os riscos da síndrome da alienação parental, confira-se o Julgado n. 564.711-4/3.

TJRS, AGRAVO DE INSTRUMENTO 70031200611, Rel. Des.Alzir Felippe Schmitz, p. 27/08/2009.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARAÇÃO JU-DICIAL. ALIMENTOS E VISITAÇÃO AOS FILHOS MENORESDE IDADE. ACUSAÇÕES MÚTUAS ENTRE OS GENITO-RES. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.

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[...] Diante da ausência de comprovação do abuso sexualaliada à suspeita de Alienação Parental, merecem ser resta-belecidas as visitas.

Assim, em respeito ao melhor interesse das crianças, negoprovimento ao agravo, porque entendo que os filhos merecemter a presença do pai.

TJSP, APELAÇÃO COM REVISÃO 5525284500, REL. DES.CAETANO LAGRASTA, P. 21/05/2008.

[...] É sim condição para o exercício do direito de visitas, quepara tanto colabore, como condição moral de ter direito à con-vivência, eis que a menor, como é óbvio, tem necessidadescrescentes e será o coroamento da paternidade responsável.

Em casos como este, impedir a criança de estreitar relaçõescom um dos genitores pode levar ao que o psiquiatra ameri-cano GARDNER denominou de SÍNDROME DA ALIENAÇÃOPARENTAL.

Sobre o assunto, Maria Berenice Dias observa que: [...] Acriança é induzida a afastar-se de quem ama e de quem tam-bém a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destrui-ção do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitoralienado, acaba se identificando com o genitor patológico,passando a aceitar como verdadeiro, tudo que lhe é infor-mado [...].

Ê preciso ter presente que esta também é uma forma deabuso que põe em risco a saúde emocional e compromete osadio desenvolvimento de uma criança. Ela acaba passandopor uma crise de lealdade, o que gera um sentimento de culpaquando, na fase adulta, CONSTATAR QUE FOI CÚMPLICEDE UMA GRANDE INJUSTIÇA.

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TJRS, AGRAVO DE INSTRUMENTO 70028169118, REL.DES ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, P. 11/07/2009.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DEALTERAÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DECISÃOQUE RESTABELECEU AS VISITAS PATERNAS COMBASE EM LAUDO PSICOLÓGICO FAVORÁVEL AOPAI. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR.

Ação de alteração de guarda de menor em que as visitas res-taram restabelecidas, considerando os termos do laudo psi-cológico, por perita nomeada pelo Juízo, que realizou estudonas partes envolvidas. Diagnóstico psicológico constatandoindícios de ALIENAÇÃO PARENTAL no menor, em face daconduta materna. Contatos paterno filiais que devem ser esti-mulados no intuito de preservar a higidez física e mental dacriança. Princípio da prevalência do melhor interesse domenor, que deve sobrepujar ao dos pais.

TJRS, APELAÇÃO CÍVEL 70029368834, REL. ANDRÉ LUIZPLANELLA VILLARINHO, P. 14/07/2009.

[...] Guarda da criança até então exercida pelos avós mater-nos, que não possuem relação amistosa com o pai da menor,restando demonstrado nos autos PRESENÇA DE SÍNDROMEDE ALIENAÇÃO PARENTAL. Sentença confirmada, com votode louvor.

[...] Pelos termos do laudo, somado ao comportamento da pró-pria menor, suas constantes e abruptas alterações de opinião,o histórico de vida pregressa de sua genitora e a conduta daavó materna, visíveis as características iniciais de Síndromede Alienação Parental, o que, se finalizado o processo, poderálevar a infante à perda tanto dos referenciais maternos comopaternos, em absoluto prejuízo a sua personalidade.

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[...] A avaliação psicológica realizada em Sabrina, fls. 432/434,cinco meses após o retorno da guarda aos avós, por sua vez,também mostrou elementos bastante contundentes, sic: [...]Sabrina tende a optar por permanecer com as pessoas comquem está mantendo convivência diária. [...]

Os fatos trazidos pelo genitor de que os avós maternos atravésde pequenos procedimentos como não permitir que a garotatenha acesso aos brinquedos que lhe manda, presenteá-lacom computador, bem como dificultar-lhe o contato telefônicopodem de fato gerar um distanciamento afetivo capaz de re-sultar na SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL, ou seja,fazer com que despreze o pai [...]

Ratifica-se o já descrito em laudo anterior, e Sabrina, gradati-vamente perderá a noção de cada função parental em suavida, sendo que futuramente certamente apresentará dificul-dade na área da conduta e do afeto [...].

Ainda HC 70029684685.

TJRS, Apelação Cível 70016276735, Rela. Des. Maria Bere-nice Dias, j. 18/10/2006.

EMENTA: REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. SÍNDROME DAALIENAÇÃO PARENTAL.

Evidenciada o elevadíssimo grau de beligerância existenteentre os pais que não conseguem superar suas dificuldadessem sequer envolver os filhos, bem como a existência de gra-ves acusações perpetradas contra o genitor que se encontraafastado da prole há bastante tempo, revela-se mais adequadaa realização das visitas em ambiente terapêutico. Tal forma devisitação também se recomenda por haver a grande possibili-dade de se estar diante de quadro de SÍNDROME DA ALIE-NAÇÃO PARENTAL.

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TJRS, Apelação Cível 70017390972, Rel. Des. Luiz FelipeBrasil Santos, p. em 19/06/2007.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA DISPUTADA PELOPAI E AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PA-RENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTODA GUARDA AO PAI.

1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimentoda mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstrareunir todas as condições necessárias para proporcionar afilha um ambiente familiar com amor e limites, necessários aoseu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar e anular a figura paterna, geradorada SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL, só milita emdesfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensãodas visitas aos avós, a ser postulada em processo próprio.

TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70023276330, Rel. DES Ri-cardo Raupp Ruschel, p 25/06/2008.

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER. IMPOSIÇÃO ÀMÃE/GUARDIÃ DE CONDUZIR O FILHO À VISITAÇÃO PA-TERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA DIÁ-RIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTALPOR PARTE DA MÃE QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA.

TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 627864200, REL. DES.JOAQUIM GARCIA. 08/07/2009.

[...] Há uma nítida disputa entre as famílias envolvidas, comose estivéssemos diante de uma obra Shakesperiana e a vitó-ria, ao que se infere, será daquele que lograr ter as criançasconsigo, como se se tratassem de despojos de guerra.

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A PREOCUPAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO SALUTARDOS MENORES, AO QUE PARECE, É QUESTÃO DE SO-MENOS IMPORTÂNCIA.

SE OS GENITORES FOCASSEM SUAS ATITUDES TÃO SO-MENTE EM ATENDER AO BEM-ESTAR DOS MENINOS,SEM DAR OUVIDOS AOS AVÓS (paternos ou maternos),CERTAMENTE JÁ TERIAM SE ENTENDIDO E ATÉ, QUEMSABE, REATADO O CASAMENTO.

Advirtam-se as partes e a seus patronos do risco de instaura-ção da SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Assim, asintomatologia que se admite ao diagnóstico da síndromepode se referir à criança, ao adolescente ou a qualquer dosoutros protagonistas, parentes ou não - genitor, avós, tutores,todos igualmente alienados pela conduta do alienador.

O afastamento, nos estágios médio ou grave, acaba por pra-ticamente obrigar a criança a participar da patologia do alie-nador, convencida da maldade ou da incapacidade doalienado, acabando impedida de expressar quaisquer senti-mentos, pois, caso o faça, poderá descontentar o alienador,tornando-se vítima de total abandono, por este e por todos osresponsáveis ou parentes alienados. Há que se cogitar de mo-léstia mental ou comportamental do alienador, quando buscaexercer controle absoluto sobre a vida e desenvolvimento dacriança e do adolescente, com interferência no equilíbrio emo-cional de todos os envolvidos, desestruturando o núcleo fami-liar, com inúmeros reflexos de ordem espiritual e material.

A doença do agente alienador volta-se contra qualquer daspessoas que possam contestar sua "autoridade", mantendo-os num estado de horror e submissão, por meio de crescenteanimosidade. Essa desestruturação transforma-se em ingre-diente que poderá perdurar por anos, até que qualquer dosseres alienados prescinda de uma decisão judicial, seja porter atingido a idade madura, seja ante o estágio crônico da

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doença. De qualquer modo, o alienador acaba por criar umou mais correspondentes alienados, impondo-lhes deforma-ção permanente de conduta psíquica, igualmente próximaà doença mental. A alienação de forma objetiva é programaruma criança para que odeie um de seus genitores, enfati-zando que, depois de instalada, poderá contar com a cola-boração desta na desmoralização do genitor (ou dequalquer outro parente ou interessado em seu desenvolvi-mento) alienado.

No mesmo sentido, os Acórdãos 6445434900, 6486384100,5931444200, 6411034000 e 621679400, do Eg. TJSP.

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* Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Ellen Ribeiro Veloso*

DIREITOS HUMANOS UNIVERSALMENTE RECONHECIDOS:DA ACEPÇÃO À CONSTRUÇÃO DO SISTEMA

GLOBAL DE PROTEÇÃO

UVERSALLY RECOGNIZED HUMAM RIGHTS: FROM ACCEPTATION

TO THE CONSTRUCTION OF A GLOBAL SYSTEM OF PROTECTION

DERECHOS HUMANOS UNIVERSALMENTE RECONOCIDOS: DE LA

ACEPCIóN A LA CONSTRUCCIóN DEL SISTEMA GLOBAL DE PROTECCIóN

Resumo:

Em tempos hodiernos, pensar e realizar o direito é ater-se ao serhumano enquanto indivíduo inserto em um contexto global e àssuas relações com pessoas de sua ou de qualquer outra nacio-nalidade. Mais ainda, é considerar que do universo de indivíduosdo qual somos irrefutavelmente parte, não obstante sua hetero-geneidade e pluralidade de culturas e povos, inferem-se incon-testes e indeléveis direitos que são fulcrais, próprios de toda equalquer pessoa. A essas prerrogativas denominamos “direitoshumanos”. À guisa de elucidá-los, consiste o presente artigo noescorço da trajetória delineada da consagração universal à es-truturação de mecanismos de proteção dos direitos do homem.

Abstract:

In modern times, think and fulfill law is to look for the human beingas an individual insert in a global context and their relations withpeople of their nationality or any other nationality. Furthermore,it is to consider that the universe of individuals of which we arepart of, despite their heterogeneity and plurality of cultures andpeople, infer incontestable and indelible rights that are fulcrais,peculiar of any person. To these prerogatives we call “humanrights”. This article aims to clarify the delineated trajectory of uni-

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versal consecration to the structuring of mechanism of protectionof human rights.

Resumen:

En tiempos hodiernos, pensar y realizar el derecho es prenderseal ser humano mientras individuo inserto en un contexto global yen sus relaciones con personas de la misma nacionalidad o decualquier otra. Más aún, es considerar que del universo de indi-viduos del cual somos irrefutablemente parte, no obstante su he-terogeneidad y pluralidad de culturas y pueblos, se infierenincontestables e indelebles derechos que son importantes, pro-pios de toda y cualquier persona. A esas prerrogativas denomi-namos “derechos humanos”. A la guisa de elucidarlos, consisteel presente artículo en el escorzo de la trayectoria delineada dela consagración universal a la estructuración de mecanismos deprotección de los derechos del hombre.

Palavras-chave:

Direitos Humanos, Consagração histórica, Internacionalização,Mecanismos de proteção.

Keywords:

Human rights, Historical Consecration, Internationalization, Me-chanisms of protection.

Palabras clave: Derechos humanos, consagración histórica, in-ternacionalización, mecanismos de protección.

Da acepção da terminologia “direitos humanos”

Prerrogativas que assistem aos homens em sua totali-dade, quer sejam deles naturalmente inferidas, quer sejam poreles historicamente construídas, em observância precípua aovalor universal da dignidade e aos valores relativizados da li-

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berdade e da igualdade – relativos posto que limitados pelanecessária coexistência com valores e direitos individual-mente considerados, que, em assim vislumbrados, distin-guem-se, naturalmente, de um para outrem – são o quedenominamos “direitos humanos”.

Em acepção enciclopédica, “direitos humanos é a de-signação genérica dos direitos que dizem respeito direta-mente ao indivíduo, em decorrência de sua condição humanae em consonância com a lei natural”1. Acresça-se, ainda, que,no âmbito de tais direitos, distinguem-se direitos civis de li-berdades civis.

Em uma concepção contemporânea de direitos humanos,leciona a professora Flávia Piovesan que “são concebidos comounidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, na qualos valores da igualdade e liberdade se conjugam e se comple-tam”2. Mais ainda, “enquanto reivindicações morais, os direitoshumanos são fruto de um espaço simbólico de luta e ação social,na busca por dignidade humana, o que compõe um construídoaxiológico emancipatório”3.

De semelhante pensamento parece comungar o in-signe jurista, filósofo e um dos eminentes pensadores do sé-culo XX, Noberto Bobbio4, ao afirmar que “os direitos ditoshumanos são o produto não da natureza, mas da civilizaçãohumana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ouseja, suscetíveis de transformação e de ampliação”.

De entendimento diverso do até então apresentado,preceitua o professor João Batista Herkenhoff5:

1 BARSA CONSULTORIA EDITORIAL LTDA. Nova Enciclopédia Barsa. 6. ed.v. 5. São Paulo: Barsa Planeta Internacional Ltda., 2002. p. 201.2 PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional: umestudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano.7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva: 2006. p. 13.3 PIOVESAN, op. cit., p. 108.4 BOBBIO, N. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Ja-neiro: Campus, 1992. p. 32.5 HERKENHOFF, J. B. Curso de direitos humanos. volume 1: Gênese dos direitoshumanos. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 30.

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Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, en-

tendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato

de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que

a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da

sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade polí-

tica tem o dever de consagrar e garantir.

Pelo já exposto, é possível tecer a seguinte reflexão: osdireitos humanos, em um primeiro momento, são aqueles a que ohomem fundamentalmente faz jus, conclamados pelo direito natu-ral como próprios do indivíduo, decorrentes, simplesmente, de suacondição humana; a posteriori, os direitos do homem surgem àoportunidade do momento histórico vivenciado, o que autorizadizer que são direitos em contínua e incessante construção, ouseja, são ficções humanas resultantes da luta e de ação sociaisprotagonizadas pelos povos de tempos em tempos (ou mesmo atodo o tempo), como símbolo de resistência, de oposição à violên-cia, à brutalidade humana e mesmo à violação dos referidos direi-tos substanciais que lhes assistem, bem como em sinal dereivindicações por novéis garantias relacionadas às novas rela-ções que se vão estabelecendo na esfera da existência humana.

Explicitada breve consideração a respeito do conceito dedireitos humanos, com enfoque à sua acepção hodierna, faz-semister adentrarmos a uma fugaz, porém pontual elucidação deseu processo evolutivo-afirmativo ao longo da história.

Evolução e afirmação históricas

No intuito de não esgotarmos a contemplação que o temapermite – posto não ser esse o objeto central do presente artigo –mas, outrossim, de aduzir suficiente informação ao desenrolar doraciocínio norteador pretendido, passaremos à explanação defases pontuais da trajetória dos direitos humanos universalmentereconhecidos – que, aqui, serão apresentadas como quatro mo-mentos distintos e sucessivos.

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Pode-se considerar, para dialogar com Comparato6, quea origem remota, intelecto-basilar dos direitos do homem, resideno período axial (provavelmente iniciado no século VIII a.C.), noqual é assinalada a ideia de igualdade essencial entre os homense inicialmente propalado o exercício da racionalidade humana nacrítica à realidade vivenciada e o caminhar na consolidação dopensamento ético-moral vigente.

Segundo Comparato7, “foi durante o período axial que seenunciaram os grandes princípios e se estabeleceram as diretri-zes fundamentais de vida, em vigor até hoje”.

Em um segundo momento, é de se ressaltar a inquestio-nável transformação e assimilação de valores e códigos de con-duta a que deu causa o advento do Cristianismo, religião cujofundamento maior se fez valer na máxima “igualdade entre oshomens”. Perante Deus, símbolo maior da fé monoteísta insur-gente, representante do cerne universal, da própria totalidade,não há que se falar em distinção entre as partes que o compõem,quais sejam, os seres humanos – os quais se equivalem porque,respeitada sua individualidade, constituem, cada um deles, fra-ção essencial para a completude do todo.

A era cristã, contudo, não obstante ser considerada ummarco na valorização do princípio da igualdade entre os homens,não o afirmou de forma absoluta e plenamente desejável, vezque tal equiparação, prevista na “esfera divina”, extraterrena, nãoalcançou os indivíduos no “plano real” em que nos situamos, en-quanto membros de uma sociedade, atores da história humana.

A esse respeito, elucida Comparato8:

Mas essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia, efetivamente,

no plano sobrenatural, pois o cristianismo continuou admitindo, durante

muitos séculos, a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da

mulher em relação ao homem, bem como a dos povos americanos, afri-

canos e asiáticos colonizados, em relação aos colonizadores europeus.

6 COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:Saraiva, 2005. p. 8.7 COMPARATO, op. cit., p. 9.8 COMPARATO, op. cit.

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9 COMPARATO, op. cit., p. 86, nota 8.10 Nova Enciclopédia Barsa, op. cit., p. 202, nota 1.

Notória, não obstante a disceptação que o tema suscita,a significativa repercussão que este reconhecimento precípuo deigualdade sedimentado pelo cristianismo provocou na esfera daconsagração dos direitos naturais e na construção dos demaisdireitos dos homens.

O terceiro momento a ser pontuado na progressão dosdireitos humanos remete-nos aos grandes eventos históricosvivenciados nos séculos XVII e XVIII, os quais revolucionarama tônica dos acontecimentos que a eles se sucederam.

Considerado o período de eclosão das correntes filosó-ficas iluminista e racionalista, foi nele – mais especificamenteem fins do século XVII – que na Inglaterra, a exemplificar, sepassou a reconhecer a existência dos direitos humanos: pri-meiro, com a instituição da Lei de Habeas Corpus, em 1679, cujaimportância reside no fato de que “essa garantia judicial, criadapara proteger a liberdade de locomoção, tornou-se a matriz detodas as que vieram a ser criadas posteriormente, para a prote-ção de outras liberdades fundamentais”9; segundo, com a pro-mulgação da Declaração de Direitos britânica, em 1689,denominada Bill of Rights, a partir da qual se instituiu a separa-ção de poderes, com nítida limitação dos poderes governamen-tais, e se garantiram as liberdades civis individuais.

Passando ao século XVIII, faz jus a menção à Declaraçãode Independência dos Estados Unidos, de 04 de julho de 1776,em que se reconheceu a ideia de que os homens são detentoresde direitos naturais, predecessores e superiores ao próprioEstado, do qual se dessume a obrigação de assegurá-los10.

Contudo, a grande notável no supramencionado séculofoi, indubitavelmente, a revolução eclodida na França em 1789,propaladora dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.Em síntese, foi a Revolução Francesa a responsável pela derro-cada do Ancien Régime, pelo desencadear da supressão das de-sigualdades entre indivíduos e grupos sociais, pela contestaçãoà autoridade clériga e da nobreza. Pari passu, a Assembleia Na-cional Francesa promulgou, em 26 de agosto de 1789, a Decla-

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ração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em cujo conteúdo –17 artigos ao todo – proclamava que “todos os homens são iguaisperante a lei, com direitos naturais de liberdade de pensamento,de expressão, de reunião e associação, de proteção contra a pri-são arbitrária e de rebelar-se contra o arbítrio e a opressão”11.

Por fim, o quarto momento crucial e, talvez, de maior re-levância na trajetória histórico-evolutiva dos direitos humanos,consistente no ponto alto de sua afirmação, perfez-se no pós-Se-gunda Guerra Mundial.

É do repúdio à vilania, à torpeza, à crueldade advindasdo totalitarismo e do holocausto havidos no século passado queemergiu com força total e inquebrantável o reconhecimento e afir-mação dos direitos humanos universalmente considerados, ma-terializados sob a forma da Declaração Universal dos DireitosHumanos.

É lição da professora Piovesan12:

A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma

dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa

humana como valor-fonte do Direito. Se a Segunda Guerra significou

a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar

a sua reconstrução.

Sobre a problemática do reconhecimento dos direitos dohomem corrobora Bobbio13 que “somente depois da SegundaGuerra Mundial é que esse problema passou da esfera nacionalpara a internacional, envolvendo – pela primeira vez na história– todos os povos”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovadapela Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948,significou o marco da concepção contemporânea de direitos dohomem ao consagrar os valores da liberdade e da igualdade. Aofazê-lo, a Declaração confirma sua vocação de orientar umaordem pública mundial com base no respeito ao princípio da dig-

11 COMPARATO, op. cit., p. 86, nota 8.12 Nova Enciclopédia Barsa, op. cit., p. 202, nota 1.13 BOBBIO, op. cit., p. 49, nota 4.

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14 PIOVESAN, op. cit., p. 131-passim, nota 2.15 BOBBIO, op. cit., p. 26-passim, nota 4.16 PIOVESAN, op. cit., p. 13, nota 17.

nidade humana14.Por fim, para bem concatenarmos o pensamento desen-

volvido no tocante à evolução e afirmação dos direitos humanos,é mister registrarmos as valiosas considerações que Bobbio15

nos lega a respeito do documento que melhor atendeu aos an-seios de consagração dos direitos do homem:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a mani-

festação da única prova através da qual um sistema de valores pode

ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e

essa prova é o consenso geral acerca da sua validade. […] Somente

depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica

de que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores

comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores,

no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja,

no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente,

mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens.

Internacionalização e generalização da proteção dos direitoshumanos

É na atmosfera pós-beligerante do segundo grande con-flito mundial do século passado que emerge, no afã de frutificar-se, o processo de internacionalização e efetivação da tutela dosdireitos humanos, dos quais se fez reconhecida a universalidadecom o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos,sancionada em 1948.

Recorrendo, outra vez mais, à elucidação que se nospropõe a professora Piovesan16 relativa ao papel decisivo desem-penhado pela Declaração na processualística de internacionali-zação dos direitos do homem, tem-se que:

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A partir da Declaração de 1948, começa a se desenvolver o Direito Inter-

nacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros instru-

mentos internacionais de proteção. A Declaração de 1948 confere latro

axiológico e unidade valorativa a esse campo do Direito, com ênfase na

universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.

Concorreram, também, com o devido destaque, para oprocesso de generalização e universalização dos direitos dohomem o advento do Direto Humanitário – voltado à disciplinar ouso da violência à nível mundial, especialmente em situações bé-licas; da Liga das Nações – instituída com a finalidade de pro-mover a cooperação, paz e segurança entre os países, bemcomo assegurar a supremacia do interesse internacional em de-trimento ao dos Estados individualmente considerados; e da Or-ganização Internacional do Trabalho – a qual objetivavaassegurar aos trabalhadores a promoção de padrões justos e dig-nos de condições de trabalho e bem-estar17.

No intuito de conferir aos direitos humanos alcance in-ternacional, fez-se mister admitir a relativização da soberania dosEstados, de modo a dispensar à matéria o tratamento de legítimointeresse internacional, o que permitiu a esses direitos transcen-derem os valores puramente estatais e a exclusiva jurisdição do-méstica. De igual modo, foi imperioso “redefinir o status doindivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verda-deiro sujeito de direito internacional”, reforçando, assim, sua ca-pacidade processual internacional18.

Para esse fim corrobora a criação do Tribunal de Nurem-berg, em 1945-1946, com a competência de julgar e condenarcriminalmente os indivíduos associados à prática de crimes béli-cos, contra a paz e contra a humanidade.

Consoante entendimento de Piovesan19, o Tribunal de Nu-remberg assume, no bojo da internacionalização dos direitos hu-manos, dupla significação, vez que “não apenas consolida a idéiada necessária limitação da soberania nacional como reconhece queos indivíduos têm direitos protegidos pelo direito internacional”.

17 Idem, ibidem, p. 109-passim, nota 2.18 Idem, ibidem, p. 109-passim.19 Idem, ibidem, p. 123, nota 2.

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20 Idem, ibidem, p. 13, nota 17.21 Idem, ibidem, p. 14.

Movimento recente na história, a internacionalização dosdireitos humanos se deve à instituição de um sistema internacionalde tutela e defesa desses direitos, talvez a conquista de maior re-percussão desta que Bobbio denomina a “Era dos Direitos”.

A respeito do sistema internacional de proteção dosdireitos humanos, cumpre mencionar ser ele integrado,substancialmente, por tratados internacionais que revelam,sobremaneira, a preocupação ética contemporânea que osEstados têm compartido, “na medida em que invocam oconsenso internacional acerca de temas centrais aos direitoshumanos, na busca de salvaguarda de parâmetros protetivosmínimos – do ‘mínimo ético irredutível’”20.

No tocante ao supramencionado sistema, evoca-se a exis-tência de instrumentos protetivos universais ou globais e regionais.Distinguem-se tais planos – global e regional – pelos diferentes âmbitosde aplicação a que são direcionados, na medida em que o primeirovislumbra de forma ampla e coadunada com o interesse supraestatala tutela dos direitos humanos, enquanto que, no segundo, são consi-deradas com maior critério as especificidades de cada continente, noqual se destacam os sistemas regionais de proteção europeu, ameri-cano e africano.

Sobre essa questão, vale registrar a ressalva formulada porPiovesan21:

Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complemen-

tares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal,

compõem o universo instrumental de proteção dos direitos humanos

no plano internacional. […] Ao adotar o valor da primazia da pessoa

humana, tais sistemas se complementam, somando-se ao sistema na-

cional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível

na tutela e promoção de direitos fundamentais. Essa é, aliás, a lógica

e a principiologia próprias do Direito dos Direitos Humanos.

O que se pode concluir – analisados os largos passos jáavançados rumo à internacionalização e à generalização dos me-

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22 BOBBIO, op. cit., p. 34, nota 4.

canismos de proteção dos direitos humanos – é que tem sido em-preendido um gradual e efetivo esforço de promoção da tutela edo reconhecimento internacional mencionados, por meio da im-plementação e adoção de instrumentos próprios de repercussãojurídica, a mencionar a adesão aos tratados internacionais.

Contudo, Bobbio22 nos ensina que não basta asseguraro provimento de tais meios protetivos dos direitos humanos, jáque atualmente a problemática enfrentada pela comunidadeinternacional não reside somente em “fornecer garantias váli-das para aqueles direitos, mas também de aperfeiçoar continua-mente o conteúdo da Declaração, articulando-o, especificando-o,atualizando-o”, em um nítido desafio de não deixá-lo endurecerpor solenidades que lhe esvaziem o sentido a que se propõe.

Por fim, cabe o registro da conclusão plausível que o de-senvolver do tema nos possibilitou: galgamos êxito – enquantoseres humanos engajados no incessante revolucionar social – noreconhecimento e consagração de direitos humanos universais;nos falta agora, superada essa conquista primeira, estabelecer-mos condições objetivas que possam, de fato, assegurar a prote-ção, a efetiva realização desses direitos, fazendo, assim, valer osideais que muito temos evocado e os valores que temos concla-mado como próprios e indissociáveis da existência humana.

Referências

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PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional inter-nacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais euro-peu, interamericano e africano. 7. ed. rev., ampl. e atual. SãoPaulo: Saraiva: 2006.

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José Ricardo Teixeira Alves*

PrincíPio da confiança e função jurisdicional:roteção constitucional contra divergências

e mutações jurisPrudenciais

PRINCIPLE OF TRUST AND JURISDICTIONAL FUNCTION:

CONSTITUTIONAL PROTECTION AGAINST

DIFFERENCES AND JURISPRUDENCE ChANGES

PRINCIPIO DE LA CONFIANzA y FUNCIóN JURISDICCIONAL:

PROTECCIóN CONSTITUCIONAL CONTRA

DIvERGENCIAS y mUTACIONES JURISPRUDENCIALES

Resumo:

O princípio da confiança, de índole constitucional, deduzido dos

princípios da segurança jurídica e da solidariedade social, co-

loca-se como limite à função jurisdicional do Estado, determi-

nando, sob a ótica de sua eficácia positiva, a supressão das

divergências jurisprudenciais surgidas no âmbito de atuação do

Poder Judiciário, e, sob o espectro da eficácia negativa, a veda-

ção a que novo entendimento do órgão jurisdicional alcance si-

tuações jurídicas verificadas em momento em que prevalecia o

entendimento anterior. A regência desse princípio sobre a ativi-

dade jurisdicional no processo se confirma por alguns institutos

já integrantes do ordenamento processual, como o incidente de

uniformização de jurisprudência e o embargo de divergência, e

por mecanismos trazidos pela reforma do processo em sede

constitucional e infraconstitucional, como a súmula vinculante, a

repercussão geral do recurso extraordinário e o procedimento

para julgamento dos recursos repetitivos.

*Promotor de Justiça do Estado de Goiás.

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Abstract:

The principle of trust, of constitutional nature, inferred from the

principles of juridical security and from social solidarity, arises as

limit to the jurisdictional function of the State, determined from the

viewpoint of its positive effectiveness, the suppression of jurispru-

dential divergences raised in the acting of the judiciary, and, from

the specter of negative effectiveness, the prohibition that in the

new understanding of the courts reach legal situations checked

in time that prevailed the previous understanding. The governing

of this principle on the judicial activity in the process is confirmed

by some institutes that are already members of procedural plan-

ning, as the incident of standardization of jurisprudence and the

embargo of divergences, and by mechanisms introduced by the

reform of the process in a constitutional and infra constitutional,

as the binding summary, the general repercussion the extraordi-

nary appeal and the procedure to judge the repetitive resource.

Resumen:

El principio de la confianza, de índole constitucional, deducido de

los principios de seguridad jurídica y de solidaridad social, se pone

como límite a la función jurisdiccional del Estado, determinando,

bajo la óptica de su eficacia positiva, la supresión de las divergen-

cias jurisprudenciales surgidas en el ámbito de actuación del

Poder Judiciario, y, bajo el espectro de la eficacia negativa, el im-

pedimento a que nuevo entendimiento del órgano jurisdiccional

alcance situaciones jurídicas verificadas en el momento en que

prevalecía el entendimiento anterior. La regencia de ese principio

sobre la actividad jurisdiccional en el proceso se confirma por al-

gunos institutos ya integrantes del ordenamiento procesual, como

el incidente de uniformización de jurisprudencia y el embargo de

divergencia, y por mecanismos traídos por la reforma del proceso

en sede constitucional e infra-constitucional, como la sinopsis vin-

culante, la repercusión general del recurso extraordinario y el pro-

cedimiento para juzgamiento de los recursos repetitivos.

Palavras-chaves:

princípio da confiança, segurança jurídica, solidariedade social,

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eficácia positiva, eficácia negativa, jurisdição, função jurisdicional,

súmula vinculante, repercussão geral, embargo de declaração,

recurso extraordinário, recurso especial, recurso repetitivo, inci-

dente de uniformização de jurisprudência, incidente de desloca-

mento de competência, controle de constitucionalidade, limite do

limite, núcleo essencial do princípio da dignidade humana, prin-

cípio da proporcionalidade, distinguish.

Keywords:

principle of trust, juridical security, social solidarity, positive effec-

tiveness, negative effectiveness, jurisdiction, jurisdictional func-

tion, biding summary, general repercussion, embargo of

declaration, extraordinary appeal, special appeal, repetitive ap-

peal, uniformity of jurisprudence, displacement of competence,

constitutional control, limit of the limit, essential core of the prin-

ciple of human dignity, principle of proportionality, distinguish.

Palabras clave:

principio de confianza, seguridad jurídica, solidaridad social, efi-

cacia positiva, eficacia negativa, jurisdicción, función jurisdiccio-

nal, sinopsis vinculante, repercusión general, embargo de

declaración, recurso extraordinario, recurso especial, recurso re-

petitivo, incidente de uniformización de jurisprudencia, incidente

de dislocamiento de competencia, control de constitucionalidad,

límite del límite, núcleo esencial del principio de la dignidad hu-

mana, principio de la proporcionalidad, distinguish.

introdução

Os debates correntes da Ciência Jurídica tangenciam oprincípio da confiança e o colocam, muitas vezes, como uma “an-tiga novidade” que clama por uma clara e eficaz posição nos or-denamentos jurídicos em geral, e no brasileiro em particular.

Se, no ramo do Direito Privado, ou do Direito Civil, ele pa-rece atingir um patamar lúcido e talvez incontroverso de regência

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e aplicação, a partir da compreensão do instituto da boa-fé obje-tiva, isso não pode ser dito da dogmática do Direito Público, ape-sar do notável esforço de renomados administrativistas, comoAlmiro do Couto e Silva1 e Rafael maffini2, além de outros ilustres3,em explanar seus lindes no âmbito do Direito Administrativo4.

É perceptível, no âmbito da atuação do Poder Judiciário,no exercício empírico de sua função precípua, a falta de umadequado tratamento desse postulado, circunstância que revelaa premência de uma dialética para o caso, mormente se temosdiante o modelo de jurisdição constitucional erigido pela Consti-tuição da República de 1988, e ulteriores reformas, calcado naeficácia normativa dos princípios constitucionais.

O propósito, pois, é lançar ideias sobre o significado doprincípio da confiança frente à atuação-fim do Poder Judiciáriobrasileiro, capazes de colocá-lo como instrumento de tutelacontra as divergências de teses que se avultam em seu interior,e de proteção a situações jurídicas em face das mutações dejurisprudência verificadas em seu espaço de ação.

compreensão do princípio

O princípio da confiança, ou da proteção da confiança le-gítima, se resume no dever de tutela de uma expectativa ou

1 COUTO E SILvA, A. do. O princípio da segurança jurídica (proteção à con-fiança) no Direito Brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seuspróprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do ProcessoAdministrativo da União (Lei n. 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Es-tado, Salvador, n. 2, abr./mai./jun. 2005.2 mAFFINI, R. O princípio da proteção substancial da confiança no Direito Ad-

ministrativo. Porto Alegre: Editora verbo Jurídico, 2006.3 ver, entre outros: NOBRE JÚNIOR, E. P. O princípio da boa-fé e sua aplicação

no Direito Administrativo brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,2002.4 A afirmativa se restringe especificamente ao princípio da confiança, como estáclaro, porque, no que toca à noção de segurança jurídica, é bastante desen-volvida a doutrina a seu respeito, notadamente quanto à concepção técnico-jurídica do direito adquirido.

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5 mARTINS-COSTA, J. A proteção da legítima confiança nas relações obrigacio-nais entre a Administração e os particulares. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 22, p. 236, set. 2002.

crença de alguém em uma postura ou conduta externada por ou-trem, que a fez despertar ou surgir. Tem-se a proteção da pers-pectiva de ação de outrem, emanada do agir anterior. Traduzprevisibilidade e calculabilidade de comportamento.

Trata-se de noção fundamental da ideia do Direito, im-pregnada do sentido ético da obrigatoriedade dos compromissosassumidos desde a exteriorização da conduta por um sujeito emface de outro, com quem se relaciona. Comporta o sentido de dis-pensar formalidades usuais da lei, como o contrato escrito ou apublicação oficial do ato estatal destinado a um específico desti-natário, bastando, para que incida, que um sujeito de direitos eobrigações faça gerar, por seus próprios atos, uma sincera crençaem outro sobre uma conduta a concretizar, gerando consequên-cias jurídicas para ambos. Encerra também o dever de assunçãode uma postura coerente e segura, quando atitudes anteriores dacontraparte geram incerteza e imprevisibilidade do agir.

A concepção é muito aproximada à ideia de boa-fé obje-tiva, entendida como dever de cooperação à contraparte comquem se trava uma relação. Na lição de Judith martins-Costa5, aboa-fé objetiva apresenta-se como a confiança adjetivada. Ouseja, a confiança despertada em um primeiro momento atrai, paradepois, o dever de agir em cooperação com a contraparte. Acrença legítima já é tutelada por si só, já que, se o seu depositárionão se mantiver coerente com o que assumir, o prejudicado podeir às portas do Poder Judiciário para pedir proteção. há quemsustente, também, a convergência de ambos os princípios – o daboa-fé objetiva e o da confiança – no ideal de lealdade entretodos quantos socialmente se relacionem.

Bases constitucionais

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A proteção da confiança é postulado que, conquanto nãoexpresso, se deduz do texto constitucional, de normas expressasnele ou de outros princípios dele decorrentes.

Desponta aqui o princípio da segurança jurídica, que, adespeito de também não estar expresso na Constituição, é tidocomo subprincípio do Estado de Direito6, previsto no art. 1º da CartaPolítica de 1988. Atrela-se ao sentido da força das regras estabe-lecidas e da sua aptidão para reger situações que se verificam sobsua regência, ocasionando estabilidade nas relações sociais e es-tatais. Traduz-se na manutenção do status quo ante contra altera-ções no cenário normativo, conferindo certeza e previsibilidade nasrelações que repercutem juridicamente. Está materializado nas re-gras do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (art.5º, XXXvI) e da vedação à retroatividade das leis penais e tributá-rias (art. 5º, XL, e art. 150, III, Constituição da República).

Se a segurança jurídica é, assim, princípio constitucional,é certo inferir que a confiança também há de o ser, por compor osentido subjetivo de seu âmbito de regulação, o da previsibilidadee calculabilidade dos atos e fatos jurídicos, segundo reluzem aslições de Gomes Canotilho:

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar econformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso,desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurí-dica e da proteção à confiança como elementos constitutivos doEstado de Direito. Estes dois princípios – segurança jurídica eproteção da confiança – andam estreitamente associados, aponto de alguns autores considerarem o princípio da proteçãoda confiança como um subprincípio ou como uma dimensão es-pecífica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que asegurança jurídica está conexionada como elementos objetivosda ordem pública – garantia de estabilidade jurídica, segurança

6 Segundo Rafael maffini (op. cit., p. 221), do princípio ou sobreprincípio doEstado de Direito defluem vários outros, os quais, em conjunto, em uma circu-laridade virtuosa, formam a significação jurídica do Estado de Direito. Para ele,podem-se resumir tais subprincípios, segundo a orientação do STF, através decinco principais formas de manifestação, entre elas a juridicidade e a segurançajurídica.

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7 CANOTILhO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:Almedina, 2000. p. 256. 8 No mesmo sentido, a valiosa lição de Almiro do Couto e Silva (op. cit.): “A se-gurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídicoque se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de naturezasubjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão doslimites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se quali-fiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito ad-quirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do queacontece em outros países cujos ordenamentos jurídicos freqüentemente têmservido de inspiração ao direito brasileiro, tal proteção está há muito incorporadaà nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de1988, no art. 5º., inciso XXXvI. A outra, de natureza subjetiva, concerne àproteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos econdutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”.9 “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”

de orientação e realização do direito – enquanto a proteção daconfiança se prende mais com as componentes subjetivas dasegurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidadedos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos.7 8

Além dos princípios do Estado de Direito e da segurançajurídica, tira-se também a confiança legítima da noção de solida-riedade social, insculpida no art. 3º, I, da Constituição da Repú-blica9. É entendida, deveras, como valor que, normatizado,estatui um dever geral de cooperação e respeito mútuo entre su-jeitos que estejam em contato, em busca dos interesses própriosou comuns. Se assim é, torna-se veraz que a surgência de umdever de não trair a crença e expectativa legitimamente deposi-tada na conduta de alguém dimana, também, do princípio da so-lidariedade social, como se afigura luzente.

Esse cenário fundamental de nascença do princípio daconfiança não reduz o papel de instrumentos constitucionais re-levantíssimos, como a súmula vinculante e a repercussão geral,e outros arrolados mais adiante, que apontam, de modo particu-lar, para sua eficácia na função jurisdicional do Estado, tema es-pecífico deste trabalho.

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eficácia negativa e eficácia positiva sobre a função juris-dicional

A percepção do princípio da confiança sob os enfoquesnegativo e positivo de sua eficácia é primordial para um escor-reito entendimento de sua incidência sobre a atuação do PoderJudiciário10.

Sua função negativa se propõe como a aptidão de fazerprevalecer posicionamento jurisprudencial que ancore posiçãodominante, sumulada ou não, com eficácia vinculante ou não, deum tribunal ou juízo, quando da época da prática do fato, ato ounegócio jurídicos, pela expectativa nele depositada pelos sujeitosenvolvidos. É bem explicitada na vedação a que a nova tese ju-dicial, contrária à anterior, atinja situações jurídicas pretéritas aseu pronunciamento, vertidas sob os auspícios da compreensãofixada e externada em primeiro lugar11.

Já a eficácia positiva faz nascer o dever do Estado-Juizde formular o precedente dominante, por meio de súmula, emregra, quando presente a divergência de entendimentos12. A eficácia negativa se apoia em parâmetro existente; a positiva,em parâmetro inexistente. Em um e em outro caso a confiança éviolada por condutas comissiva e omissiva, respectivamente.

É perceptível que um desencadear sucessivo de julga-mentos divergentes, pelo mesmo tribunal ou juiz, de per si en-

10 Por certo, a eficácia do princípio pode ir bem mais além da proteção contradivergências e mutações jurisprudenciais de que se fala, tal como acontececom a “teoria do fato consumado”, capaz de fazer valer decisão liminar do PoderJudiciário que guarde eficácia por enorme tempo, fazendo exsurgir uma crençalegítima sobre sua validade jurídica, diante de sua permanência e presunçãode adequação às normas legais.11 Potencializa a proteção da confiança o próprio princípio da publicidade dosatos judiciais, que assegura o acesso dos jurisdicionados a notícias dos entendi-mentos dos tribunais, gerando daí o dever de coerência com as teses assumidas,mesmo que não sejam dirigidas para o sujeito específico que venha a invocar oprincípio da confiança para a manutenção da tese publicada anteriormente.12 A proposta de uma eficácia positiva do princípio se inspira nas ideias de Judithmartins-Costa, constantes do texto “Re-significação do princípio da segurançajurídica na relação entre o Estado e o Cidadão” publicado na R. CEJ, Brasília, n.27, p. 110-120, out./dez. 2004, e de Rafael maffini, integrantes do livro já citado.

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13 Segundo José Adércio Leite Sampaio, as sentenças transitivas de aviso pre-nunciam uma mudança de orientação jurisprudencial, deixando de ser aplicadasao caso ou ação no curso do qual são proferidas. De acordo com o constitucio-nalista, nos Estados Unidos a adoção de efeitos prospectivos está, em regra,associada à mudança de orientação jurisprudencial (prospective overulling).Afirma que esse poder de a Suprema Corte limitar a retroatividade dos comandosde suas decisões decorre da política judiciária adotada, imposta pela segurançajurídica, sendo relativamente frequente o seu emprego em decisões que tradu-zam alteração do entendimento de questões processuais penais (SAmPAIO, A.L. S.; CRUz, A. R. de S. (Coords.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belohorizonte: Del Rey, 2001. p. 159-194.14 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,nos termos seguintes: [...] XXXvI - a lei não prejudicará o direito adquirido, oato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

cerra manifesta afronta ao princípio da confiança pela só contra-dição nos julgamentos. É preciso, então, enxergar uma funçãoativa e positiva do princípio da confiança, fixadora do dever desolução da divergência, porque, de outra forma, os jurisdiciona-dos ficariam despojados de lugar seguro no porto do Estado-Juiz,que os possibilitem realizar atos em suas vidas dependentes deuma posição judicial firme e precisa. Em outros termos, faltaráaos destinatários da jurisdição previsibilidade quanto aos atos dotribunal ou órgão de unificação, elementos intrínsecos à ideia deconfiança legítima.

A eficácia positiva do princípio também encerra o deverde formular estipulações de transição em caso de mutação juris-prudencial, tal como sucede nas sentenças transitivas de aviso,quando o juiz ou tribunal constitucional deixa de aplicar o novoentendimento ao caso, por haver tido ocorrência quando vigenteentendimento anterior, mas consigna de logo novo entendimentopara as hipóteses de ocorrência futura13.

Não é crível, agora sob o enfoque negativo, que o legis-lador constituinte quisesse proteger fatos jurídicos efetivamenteconcretizados só contra mutações legislativas, ignorando as ju-risprudenciais. É muito fácil extrair, de forma extensiva, da normainsculpida no art. 5º, inciso XXXvI14, da Constituição, uma prote-ção também a atos e fatos realizados a partir de entendimentosjudiciais dominantes à época de suas circunstâncias concretas,

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sobretudo por conta da força normogenética – e vinculante emalguns casos – da jurisdição constitucional no Estado Democrá-tico de Direito15. É bem lógica a conclusão porque, ao fim e aocabo, é o Poder Judiciário quem vai ditar, no plano real e con-creto, a partir de uma situação de conflito, o real alcance danorma geral provinda do legislador na vida das pessoas.

Não é coerente pensar que a proteção se cinja à discri-cionariedade política do legislador e não vá tangenciar a autono-mia e independência dos juízes, se eles todos estãocompromissados com os fins estatuídos na Carta magna. Por quese haveria de dar proteção, contra alterações legislativas ulterio-res, às pessoas que celebram determinado negócio jurídico combase em uma lei, e não se haveria de tutelar tantos quantos pra-tiquem determinados atos, fiando na interpretação jurisprudencialdominante nas cortes, contra modificações de jurisprudência ul-teriores? há diferença entre a confiança do cidadão na condutado legislador e a do jurisdicionado na posição do juiz? A lei formalemanada do Legislativo propiciaria mais segurança ao cidadãodo que sua interpretação previsível do Judiciário, seu guardião?há, ainda, avançando um pouco mais, proteção do réu em pro-cesso penal contra a lei penal posterior mais gravosa (art. 5º, in-ciso XL, CRFB16), mas não há contra a jurisprudência ulterior maissevera nesse nicho punitivo do Direito? E há também tutela docontribuinte sobre lei que aumente o tributo (art. 150, III, a,CRFB17), mas não sobre nova jurisprudência que supere a ante-rior que lhe era mais benéfica?

15 À jurisdição constitucional é conferida a incumbência de editar e criar regraspara o caso concreto justamente pela força normativa dos princípios constitu-cionais no cenário pós-positivista que impera. Segundo Canotilho, os princípioshauridos na Constituição têm natureza normogenética porque são fundamentosde regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem razão de regrasjurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante(CANOTILhO, citado em mENDES, G.; COELhO, I.; BRANCO, P. Curso deDireito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 32). 16 “Art. 5º (....) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”17 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, évedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: [...] III - co-brar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vi-gência da lei que os houver instituído ou aumentado;”

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18 Note-se que, em relação ao administrador público na esfera federal, integranteem regra do Poder Executivo, já se vê a proteção contra novas interpretaçõesnormativas estampada no art. 2º, inciso XIII, da Lei n. 9.784/99, que veda suaaplicação retroativa. Se há, então, proteção segura contra o Legislador e oAdministrador, por que então o terceiro Poder, o Judiciário, ficaria imune aoprincípio da confiança legítima?19 “Art. 555. [...] § 1º Ocorrendo relevante questão de direito, que faça convenienteprevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá orelator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimentoindicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esseórgão colegiado julgará o recurso.”

Em verdade, a proteção da confiança em face do PoderJudiciário é de ser potencializada, dita proteção ao quadrado, porse apresentar diante de divergência de interpretação das leis,quando o jurisdicionado mais clama por previsibilidade de posi-ções, diferente do que sucede com a proteção contra o legislador,que em geral ocorre quando o direito já está realizado desde umaleitura literal e acabada do texto normativo, ou quando eventualdivergência já se acha superada.

A partir dessas linhas é que se aduz que, dormitandosobre as regras que estão nos supracitados dispositivos constitu-cionais, está o valor confiança, a ser tutelado pelo Estado inde-pendentemente das funções por ele exercidas18.

institutos constitucionais e processuais de aplicação

Os meios institucionais de aplicabilidade do princípioda confiança no seio da atividade jurisdicional se apresentamabundantes. Desde institutos tradicionais, como as regras deconexão e prevenção de competência, até os mais atuais,como a repercussão geral e súmula vinculante, inserem-se nocorpo de normas que afirmam – e confirmam – a regência daconfiança legítima na atividade do Poder Judiciário brasileiro.Calha inventariar os institutos de maior relevo para a explici-tação desse âmbito de regulação do princípio em testilha:

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1) Incidente de deslocamento de competência: cuida-sede instituto que, a teor do art. 555, § 1º19, do Código de ProcessoCivil – CPC, propicia ao relator do recurso no tribunal sugerir queele seja julgado pelo órgão regimental competente, se o escopofor prevenir ou solucionar divergência dentro do tribunal. É quaseexplícita a vocação do instituto em tela: assegurar que a diver-gência surgida no mesmo órgão jurisdicional não arranhe a con-fiança dos jurisdicionados. Imagine que uma pessoa desejeadentrar com uma ação para ver protegido direito que entenda tere logo se depare com uma controvérsia no tribunal, que vai julgareventual recurso contra a sentença, sobre a tese jurídica a ser de-fendida. Necessário, então, a fim de resgatar a confiança do ci-dadão na postura do Estado-Tribunal, que essa divergência sejalogo sanada pelo órgão interno competente;

2) Incidente de uniformização de entendimento: com fimsemelhante ao deslocamento de competência, o incidente de uni-formização, regulado pelos arts. 476 a 479 do CPC20 21, é cabí-vel22 sempre que se verificar, em qualquer julgamento proferidopelo tribunal, divergência a respeito da interpretação do direito.

20 “Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupode câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpreta-ção do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II -no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outraturma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único.A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, funda-mentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo. Art. 477.Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidentedo tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá atodos os juízes cópia do acórdão. Art. 478. O tribunal, reconhecendo a diver-gência, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seuvoto em exposição fundamentada. Parágrafo único. Em qualquer caso, seráouvido o chefe do ministério Público que funciona perante o tribunal. Art. 479.O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integramo tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização dajurisprudência. Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a pu-blicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.” 21 A Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001) traz disposiçãosimilar em seu artigo 14. 22 Já foi salientado que a uniformização de jurisprudência é dever, e não facul-dade do órgão jurisdicional, em função do aspecto positivo da eficácia do prin-cípio da confiança.

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23 Convém citar os seguintes trechos de Fredie Didier Jr. e hermes zaneti Jr.,em que levantam como motivação política para as ações coletivas “ a reduçãodos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional; a uniformizaçãodos julgamentos, com a conseqüente harmonização social, a evitação de deci-sões contraditórias e aumento de credibilidade dos órgãos jurisdicionais e dopróprio Poder Judiciário como instituição republicana. Outra conseqüência be-néfica para as relações sociais é a maior previsibilidade e segurança jurídicadecorrente do atingimento das pretensões constitucionais de uma Justiça maiscélere e efetiva (EC 45/04)” (DIDIER JR., F.; zANETI JR., h. Processo coletivo.4. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. p. 34).

Se a decisão do tribunal for tomada por maioria absoluta dosvotos, será ela objeto de súmula. Se for adotada por maioria sim-ples, poderá valer como jurisprudência dominante do tribunal. Fi-xado o entendimento prevalente, sumulado ou não, surge o deverdo tribunal de aplicá-lo para casos futuros que se apresentem emseu âmbito, pena de trair a confiança depositada na condutaentão assumida. Se o tribunal houver por bem “evoluir” em suacompreensão no Direito, deverá respeitar os fatos e atos jurídicospraticados quando vigente o entendimento anterior, na esteira daeficácia negativa do princípio da confiança;

3) Ações coletivas: são ações que se prestam à proteçãodos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Particu-larizam-se por permitir que, mediante iniciativa de uma única pes-soa ou órgão, sejam tutelados direitos de diversos sujeitos,determinados ou não. Com elas, é propiciado um julgamento uni-forme para todos os titulares de direitos em relações jurídicas di-fusas e coletivas, evitando decisões discrepantes entre si,atentatórias à confiança dos jurisdicionados23;

4) Recurso especial: desse relevante meio impugnativose utiliza o Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos termos do art.105 da Constituição, para uniformizar a interpretação do direitofederal, cumprindo com seu papel de guardião da lei federalneste país de dimensão continental. É certo, pois, que o exameda matéria em seu bojo se cinge à questão jurídica decidida, demodo a conferir interpretação mais adequada à norma federal,sem descer às questões fático-probatórias examinadas pelo tri-bunal inferior. Entendimentos já uniformizados, e que vierem acompor súmula de jurisprudência, configuram óbice à admissãodo recurso de apelação, se vierem a ser aplicados pelo juiz na

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decisão recorrida, conforme o § 1º do art. 518 do CPC24, na re-dação acrescentada pela Lei n. 11.276/2006. Com a edição daLei n. 11.672/2008, a nuança uniformizadora do recurso atingeparticular realce por estipular, na redação dada ao 543-C doCPC25, o julgamento uniforme dos recursos especiais repetitivos,aqueles que veiculam a mesma matéria controvertida nos tribu-nais de segunda instância. Isso permite concluir que, se a prote-ção da confiança não se concebia só pelo regramentoconstitucional e infraconstitucional então vigente do instituto emcausa, a reforma processual veio restabelecer sua vocação nata:

24 “Art. 518. [...] § 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sen-tença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça oudo Supremo Tribunal Federal.”25 “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento emidêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termosdeste artigo. § 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um oumais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhadosao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos espe-ciais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. § 2º Nãoadotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator no Superior Tribu-nal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudênciadominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar asuspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a con-trovérsia esteja estabelecida. § 3º O relator poderá solicitar informações, aserem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduaisa respeito da controvérsia. § 4º O relator, conforme dispuser o regimento internodo Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, po-derá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse nacontrovérsia. § 5º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido odisposto no § 4º deste artigo, terá vista o ministério Público pelo prazo de quinzedias. § 6º Transcorrido o prazo para o ministério Público e remetida cópia dorelatório aos demais ministros, o processo será incluído em pauta na seção ouna Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos,ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 7ºPublicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais so-brestados na origem: I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdãorecorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II - serãonovamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão re-corrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. § 8º Na hipóteseprevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tri-bunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. 9ºO Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão,no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento ejulgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.”

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26 “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisõessobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicaçãona imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos doPoder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, naforma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a inter-pretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja contro-vérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração públicaque acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processossobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido emlei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada poraqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do atoadministrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que in-devidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judi-cial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicaçãoda súmula, conforme o caso.”27 No caso das ações diretas de inconstitucionalidade e das declaratórias deconstitucionalidade, os requisitos estão previstos na Lei n. 9.868/1999. Na hi-pótese de arguição de descumprimento de preceito fundamental, são os elen-

conferir segurança, previsibilidade e confiança aos jurisdiciona-dos no que toca à interpretação da lei federal brasileira;

5) Instrumentos do controle de constitucionalidade: a tu-tela da confiança em face do Poder Judiciário atinge seu pontomais alto no controle de constitucionalidade das leis e atos nor-mativos. A assertiva baseia-se na eficácia contra todos e no efeitovinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal – STF, pro-feridas nas ações do controle concentrado (ação direta de cons-titucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade earguição de descumprimento de preceito fundamental) e das sú-mulas editadas pelo tribunal na forma do artigo 103-A, da Cons-tituição da República26. Deveras, sempre que houver controvérsiae discrepância sobre a constitucionalidade de leis ou outros atosdo Poder Público a questão pode ser levada, atendidos os requi-sitos previstos na lei para cada instrumento de controle concen-trado27, diretamente ao Supremo Tribunal Federal, para que esteresolva a contenda constitucional em decisão com observânciaobrigatória para os outros órgãos do Poder Judiciário e da Admi-nistração Pública. Também as reiteradas decisões do STF pro-feridas em recursos extraordinários, ou em ações originárias, em

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um único sentido interpretativo do texto constitucional, devempropiciar, segundo o prisma da eficácia positiva da confiança, aedição de súmula vinculante, a que também devem observânciaos referidos órgãos públicos. Por certo, sob a ótica da eficácianegativa do princípio em discussão, o próprio STF não poderámais, via de regra, afastar-se do entendimento adotado e, emcaso de mutação jurisprudencial, deverá respeitar as situaçõesjurídicas constituídas sob a égide do entendimento anterior, pelaperspectiva negativa do princípio da confiança. Cabe registro aregra da repercussão geral, a exigir que a tese posta no recursoextraordinário, a fim de que seja admitido, repercuta, do pontode vista jurídico, social, político ou econômico, para além dos in-teresses subjetivos da causa, conforme o art. 543-A, do CPC28.Isso enseja um tratamento único da matéria objeto da controvér-sia constitucional. A repercussão geral envolve também disciplinasemelhante à do recurso especial repetitivo, segundo o art. 543-B29, do mesmo Codex;

cados na Lei n. 9.882/1999. Interessante anotar que a ação declaratória deconstitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamentalexigem, para seu conhecimento, um estado de incerteza quanto à constitucio-nalidade de determinada lei ou ato do Poder Público. 28 “Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerádo recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecerrepercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º Para efeito da repercussão geral,será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vistaeconômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivosda causa. § 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, paraapreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussãogeral. § 3º haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisãocontrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4º Se a Turmadecidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos,ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5º Negada a existênciada repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matériaidêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nostermos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6º O Relator po-derá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros,subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Su-premo Tribunal Federal. § 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geralconstará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”29 “Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento emidêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos ter-

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mos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o dispostoneste artigo. § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursosrepresentativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal,sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º Negadaa existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ãoautomaticamente não admitidos. § 3º Julgado o mérito do recurso extraordiná-rio, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uni-formização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ouretratar-se. § 4º mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tri-bunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminar-mente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5º O Regimento Interno doSupremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos ministros, das Turmase de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”

6) Embargos de divergência: é o recurso admissívelsomente perante o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribu-nal de Justiça, e se presta a superar divergência interna dentrodessas cortes de superposição, no que respeita à interpretaçãode norma constitucional e de lei federal, respectivamente. Émeio de impugnação de valioso alcance para a supressão dedivergência nas cortes que têm como missão constitucionalunificar entendimentos. No entanto, não vem sendo suficien-temente utilizado para esse mister, dada a expressiva ocorrênciade julgamentos discordes em órgãos internos do STF e STJ.

limites

A proteção da confiança não se reputa como panaceiapara todos os males do Poder Judiciário brasileiro. Nem se a en-xerga através de um fetichismo principiológico, engendrado paralevá-la a uma posição proeminente em relação aos demais prin-cípios, sob um prisma compensatório dos anos de esquecimento.

Diz-se, daí, que o postulado da confiança legítima nãose excepciona ao princípio da proporcionalidade e, por forçadeste, deve ser sopesado, em casos concretos, com outrosprincípios que possam também sobre eles incidir. Por vezes,ter-se-á uma situação em que se deverá afastar a aplicação

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desse princípio em prol de outro, que obtiver maior peso epreponderância na situação examinada pelo Poder Judiciário.Nessa circunstância, será preciso excluir o precedente judicialpreponderante, sumulado ou não, com efeito vinculante ounão, em favor de uma nova tese judicial, por aplicação doprincípio superior de Justiça, ou outro amparado na Consti-tuição, mais adequado, necessário e proporcional à situaçãocolocada a deslinde.

Também se recorde do princípio maior da dignidade dapessoa humana, vértice do ordenamento jurídico (art. 1º, III,CRFB30), que traz em si um núcleo essencial inatingível pelo es-copo de concretização do princípio da confiança no âmbito daatividade jurisdicional, se risco houver de contraste entre eles emalguma situação concreta.

Lembre-se, ainda, evocando o direito anglo-saxão, a fi-gura do distinguish, com aptidão de afastar um precedente vin-culante se a circunstância do caso específico indicarparticularidades que o diferenciem substancialmente daquele oudaqueles que levaram à unificação de entendimento. Na hipó-tese, não se terá vulneração ao princípio da confiança pela nãosubsunção do fato ao precedente, presentes circunstâncias queos distingam31.

Advirta-se, em outra mão, que o argumento da necessi-dade de evolução da interpretação jurisprudencial, só por si, nãotem a força de afastar o princípio da confiança, ainda que peloargumento de que a nova interpretação pareça a “melhor” parao caso judicial. Isso porque a função jurisdicional do Estado nãopassa ao largo da aplicação desse princípio basilar em qualquer

30 “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúveldos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo-crático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa hu-mana; [...].”31 De acordo com José Adércio Leite Sampaio, a superação ou a não aplicaçãode um precedente opera-se pela técnica do distinguish, que se resume a distinguira situação nova daquela regulada pelo precedente, e do overruling, que, maisexatamente, importa o abandono da regra do precedente (SAmPAIO, J. A. L. AConstituição reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo horizonte: Ed. DelRey, 2002. p. 871). Ressalte-se que a técnica do overruling deve ser conciliadacom a eficácia negativa do princípio em tela, segundo afirmado neste estudo.

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32 Esboça posição contrária a essa tese Anderson Schreiber, para quem “nãose poderia invocar uma confiança legítima na uniformidade de decisões quandoo direito positivo garante a liberdade de convencimento do juiz e, conseqüen-temente, a eventual divergência entre decisões judiciais” (SChREIBER, A. Aproibição de comportamento contraditório. Tutela da Confiança e venire contrafactum proprium. Renovar: Rio de Janeiro, 2007. p. 284).

nação democrática, pela sua garantia de um mínimo de calcula-bilidade e previsibilidade das condutas estatais. Resulta que anovel jurisprudência se deverá aplicar só para as situações futu-ras à mudança, circunstância que sem dúvida faz conciliar a ne-cessidade de evolução do Direito e a urgência da tutela daconfiança no agir da Justiça.

Cabe obtemperar, de mais a mais, que o princípio da in-dependência do magistrado jamais pode ser erguido como bar-reira para a efetividade do princípio da confiança no meio deatuação do Poder Judiciário32. Tanto se diz pelo só caráter ins-trumental que aquele instituto possui para uso na missão de apli-car as leis e a Constituição, lei maior que veicula, em seu texto,o valor confiança e o postulado da sua proteção. O meio posto àdisposição da Justiça, a independência funcional, não pode,nessa conformidade, prevalecer sobre os fins a que destina atin-gir, como a promoção da segurança jurídica, da confiança e dasolidariedade social, entre outros, pena de desestruturação daprópria ideia do Estado Democrático e Constitucional de Direito.

conclusão

As ideias veiculadas nessas linhas arrefecem a concep-ção vetusta que restringe a proteção da confiança dos jurisdicio-nados apenas à garantia da imutabilidade da coisa julgada,segundo a regra exposta no inciso XXXvI, do art. 5º da Consti-tuição Brasileira, alhures transcrito.

A vocação do postulado, como ressai das arguições ex-pendidas, extrapola esse âmbito e vai tutelar legítimas expecta-tivas frente a posições interpretativas do Direito assumidas pelos

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órgãos jurisdicionais, além de estatuir um dever geral de supres-são das divergências originadas na atividade hermenêutica dostribunais.

Os argumentos postos estão sustentados, em ligeira sín-tese, na extração ou dedução do valor confiança de regras e prin-cípios expressos no texto da Constituição, estes com a forçanormativa que lhes é inerente no Estado Constitucional de Di-reito, e em novéis institutos exsurgidos na reforma processual econstitucional, recente ou não, que prestigiam a confiança dosjurisdicionados ao estipularem mandados de uniformização daatividade interpretativa das leis e da Constituição.

Com o extraordinário poder e relevo da jurisdição cons-titucional no cenário político e jurídico deste país, capaz até desuprir omissões legislativas e editar normas gerais e abstratasou regedoras de situações concretas, mostra-se premente ence-tar uma grande discussão sobre as balizas oferecidas pelo prin-cípio da confiança à atividade jurisdicional na sua força criativado Direito.

Possam, então, as linhas aqui produzidas integrar um di-minuto espaço desse longo, imenso e impostergável debate.

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* Promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás.** Assessor jurídico da 89ª promotoria do Ministério Público de Goiás.*** Acadêmico do 7º período de direito da universidade federal de Goiás-ufG;estagiário da 89ª Promotoria do Ministério Público de Goiás. e-mail: [email protected].

Glauber Rocha Soares*Bruno Campos Ribeiro**

Marco Aurélio Matos***

PrincíPio da ProPorcionalidade: análise críticade sua aPlicação e de seus efeitos na lei federal

n. 8.429/92 (lei de imProbidade administrativa)

PRinCiPle of PRoPoRtionAlity: CRitiCAl AnAlySiS of itS

APPliCAtionAnd And itS effeCtS on fedeRAl lAw n. 8.429/92

(lAw of AdMiniStRAtive iMPRoPRiety)

PRinCiPio de PRoPoRCionAlidAd: el AnáliSiS CRítiCo de Su APliCA-

Ción y de SuS efeCtoS en lA ley fedeRAl n. 8.429/92

(ley de iMPRoBidAd AdMiniStRAtivA)

Resumo:Este trabalho pretende demonstrar as principais diferenças entreos Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade. Alémdisso, seu objeto de estudo compreende a aplicação do Princípioda Proporcionalidade e de seu Potencial Efeito Ambivalente naLei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n. 8.429/92), jáque os Tribunais do Poder Judiciário, embora venham firmandojurisprudência sobre o assunto, não têm uma clareza e uniformi-dade em seus julgados no que diz respeito a essa temática.

Abstract:This article discusses the main differences between the principlesof Proportionality and Reasonableness. Moreover, its object ofstudy comprises the application of the principle of Proportionalityand its Potential Ambivalent Effect on Administrative Impropriety

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Law (Federal Law n. 8.429/92) Since the Courts of the Judiciary,although firming jurisprudence on the subject, have no clarity anduniformity in its decisions with regard to this issue.

Resumen: Este trabajo busca demostrar las principales diferencias entre losPrincipios de Proporcionalidad y de Razonabilidad. Además, suobjeto de estudio comprende la aplicación del Principio de Pro-porcionalidad y de su potencial efecto ambivalente en la Ley deImprobidad Administrativa (Ley Federal n. 8.429/92), ya que losTribunales del poder judiciario, sin embargo, venían subscri-biendo jurisprudencia sobre el asunto, pese a no haber una cla-reza y uniformidad en sus juzgados en relación a lo que dicerespecto a esa temática.

Palavras-chave: Princípios da proporcionalidade e razoabili-dade, Potencial efeito ambivalente, Lei de improbidade adminis-trativa, Tribunais do poder judiciário, Jurisprudência.

Keywords: Principles of Proportionality and reasonableness, Potential Am-bivalent Effect, Administrative Law of impropriety, Courts of theJudiciary, Jurisprudence.

Palabras clave:Principios de proporcionalidad y razonabilidad, potencial efectoambivalente, Ley de improbidad administrativa, Tribunales delpoder judiciario, jurisprudencia.

introdução

A Administração Pública passou por uma enorme expan-são nos últimos anos. inúmeras são as instituições que repre-sentam o estado no que tange à prestação de serviços deinteresse público, direto ou indireto: secretarias, ministérios, au-

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tarquias, fundações de direito público, sociedade de economiamista, empresas públicas etc.

no entanto, juntamente com essa expansão da Adminis-tração, crescem, de forma exponencial, os atos de improbidadede agentes públicos, cujos efeitos são os enormes prejuízos àsociedade brasileira nas áreas da educação, saúde, segurançae outros serviços essenciais ao desenvolvimento de uma nação.

Por esse prisma, aumenta a importância de se buscarmaior efetividade da Constituição federal, mais precisamentedo seu art. 37, §4º, e da lei federal n. 8.429/92 (lei de impro-bidade Administrativa), que prevêem a repressão dos atos deimprobidade.

entretanto, as sanções contidas na lei de improbidadesão muito amplas e restringem vários direitos fundamentais docidadão. Surge, assim, o problema de se manter uma relação deadequação e necessidade entre o ato ímprobo e sua respectivasanção, que pode ser conseguida utilizando-se o Princípio daProporcionalidade, obtendo-se, desse modo, a repressão dosatos de improbidade e a proteção dos direitos do cidadão e daAdministração Pública.

As jurisprudências dos tribunais Pátrios, todavia, não re-velam uma aplicação do Princípio da Proporcionalidade de formaclara, confundindo-o com o Princípio da Razoabilidade, que temcaracterísticas eminentemente subjetivas. essa falta de clareza dostribunais na utilização do referido princípio pode levar à mitigaçãode uma norma constitucional, além de provocar, às vezes, a inse-gurança jurídica e a impunidade de sérios atos de improbidade.

o Princípio da Proporcionalidade

o Princípio da Proporcionalidade é uma construção dou-trinária do direito Alemão e possui íntima relação com o estadodemocrático de direito, pois visa, nesse sentido, garantir o nú-cleo essencial dos direitos fundamentais quando dois ou mais in-teresses se colidirem em relação ao caso concreto.

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1 no sentido do texto: “É mecanismo [o Princípio da Proporcionalidade] de con-trole do excesso do poder, pois o ordenamento jurídico pressupõe não só a le-gitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelos órgãos estatais,mas também a adequação e a necessidade desses meios para a consecuçãodos objetivos pretendidos” (BeRnARdeS, J. t. direito Constitucional: estudosdidáticos do curso de atualização em direito. Sinapse Jurídico, 2007. p. 62).2 embora a doutrina e a jurisprudência entendam que não há direito fundamen-tal absoluto, a sua violação no núcleo essencial se torna ilegítima, seja por partedo legislador, seja por parte do administrador ou aplicador do direito. “nestafeita, cada direito fundamental é garantido pela delimitação de um âmbito mí-nimo de proteção que se deve considerar como barreira a partir da qual arestrição passa a ser vista como ilícita violação da norma de direito fundamental”(BeRnARdeS, op. cit., p. 88).

os atos estatais, para serem válidos, devem ser susten-táveis, ou seja, têm como limite de atuação os direitos fundamen-tais inseridos na Constituição federal.

dessarte, o Princípio da Proporcionalidade pode ser de-finido como o mecanismo de controle do excesso de poder doestado (executivo, legislativo e Judiciário), haja vista que, paraser considerado legítimo, o ato estatal deve, ao mesmo tempo,ser adequado e necessário ao fim pretendido, tendo como parâ-metro de operação os direitos fundamentais1.

Assim, o legislador está condicionado na tarefa de produ-ção legislativa de tal forma que a lei criada não tenha a capacidadede desnaturar o núcleo essencial2 dos direitos fundamentais; o ad-ministrador não pode produzir atos administrativos que impliquema violação de tais direitos sem uma prévia justificativa que possa le-gitimá-los; da mesma forma, o magistrado deve aplicar uma normaao caso controvertido que menos ônus traga ao cidadão.

embora o Princípio da Proporcionalidade possa ser ana-lisado no âmbito das três funções do Poder (executivo, legisla-tivo e Judiciário – Constituição federal, art. 2º), este trabalho, porquestões didáticas, se limitará à esfera do Judiciário.

A doutrina é divergente no ponto de classificação do Prin-cípio da Proporcionalidade. Há autores que o consideram comoverdadeiro princípio constitucional implícito decorrente de outrosprincípios constitucionais, como o do devido processo legal e daisonomia. outros, entre eles eros Grau, – e aqui também se de-fende tal posicionamento – o tratam como postulado normativo (in-

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terpretativo). isso porque o referido princípio não regulamentacomportamentos3, mas estrutura a aplicação de outros princípiose regras a casos concretos mediante esquemas lógicos de argu-mentação. Seria, assim, uma espécie de “meta-princípio4”:

[...] é através da proporcionalidade que o intérprete e o aplicador do di-

reito irão estabelecer juízo de ponderação entre os princípios que incidi-

rão no caso controvertido, fazendo prevalecer aquele que, sob a égide

na norma fundamental, é o mais relevante para a solução do impasse.

Por isso é que a doutrina utiliza também a expressão máxima da pro-

porcionalidade e, ainda, cânone da proporcionalidade, uma vez que o

princípio da proporcionalidade funciona como um meta-princípio, na me-

dida em que atua como um balizador da atividade do intérprete, au-

xiliando-o na tarefa de ponderação e harmonização de princípios

jurídicos incidentes no caso concreto controvertido.5 (grifo nosso)

Para que o Princípio da Proporcionalidade seja aplicadoé necessário que se observem três subprincípios que o estrutu-

3 diferentemente do Princípio da Proporcionalidade, que não regulamentacondutas, mas sim a aplicação de outros princípios e regras (postulado norma-tivo), tem-se os exemplos dos princípios constitucionais regentes da AdministraçãoPública, expressos no art. 37, caput: “A administração pública direta e indiretade qualquer dos Poderes da união, dos estados, do distrito federal e dosMunicípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,publicidade e eficiência e, também, ao seguinte [...]”. esses princípios possuem umcomando operativo normativo. no caso do princípio da legalidade, o administradorestá adstrito à lei na condução dos interesses públicos; a eficiência impõe queo administrador gaste o menos possível e realize o melhor serviço público àpopulação; em decorrência da impessoalidade, o administrador tem a obrigaçãode dar as mesmas oportunidades a todos os interessados em manter umarelação com a Administração Pública; a publicidade diz que todos os atos daAdministração devem ser públicos, tendo, assim, ponto de convergência como controle externo dos atos estatais; por fim, pelo princípio da moralidade, oadministrador deve se pautar em condutas probas, honestas, haja vista quenem tudo que é legal é honesto, pois entre o permitido e o proibido há oabuso, que também dever ser combatido. 4 tavares afirma que: “o critério da Proporcionalidade alcança tão importante papeldentro do ordenamento jurídico a ponto de alguns reconhecerem-no como anorma fundamental de Kelsen”. (tAvAReS, A. R. Curso de direito Constitucional.5. ed. São Paulo: Saraiva 2007. p. 685).5 GoldSCHMidt, R. O princípio da proporcionalidade no direito educacional.Passo fundo: uPf, 2003. p. 25.

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6 BARRoS, S. de t. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-nalidade das leis restritivas de direitos. Brasília: editora Brasília Jurídica, 1996. p.

ram: a) adequação dos meios empregados; b) necessidade damedida adotada e; c) proporcionalidade em sentido estrito.

Por meio da adequação, o intérprete verificará, abstrata-mente, se o ato adotado possui aptidão para alcançar o fim dese-jado. destarte, é uma relação de pertinência entre os meios e osfins a serem atingidos pela norma. nessa etapa, não se questionao problema da eficácia da medida, mas apenas a potencialidadedos meios tidos como aptos a alcançar o fim desejado. Assim, aimposição ao aplicador do direito para que leve em conta o meiomenos gravoso já entra na órbita da necessidade.

o subprincípio necessidade será atendido quando hou-ver duas ou mais medidas adequadas a atender um fim colimado,mas apenas aquela que menos fira um direito fundamental seráa escolhida. Robert Alexy caracterizou esse elemento estrutu-rante do Princípio da Proporcionalidade com o seguinte exemplo:

Para a consecução de fim f, exigido por um direito d1, existem, pelo

menos, dois meios, M1 e M2, que são igualmente adequados para pro-

mover f. M2 afeta menos intensamente o titular de d1, já que M1 res-

tringe um outro direito seu d2. Para atingir f e realizar d1 é indiferente

se eleja M1 ou M2, mas para o titular do direito di e d2 só M2 é exigí-

vel.6

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito se con-funde com o critério da ponderação de interesses. É a valoraçãodos meios e fins da medida escolhida. Por conseguinte, esse ele-mento é atendido quando os fins pretendidos trouxerem mais be-nefícios do que malefícios das medidas adotadas. A ponderaçãode interesse tem de ser positiva: as vantagens dos fins supera-rem as desvantagens dos meios.

distinção entre os Princípios da Proporcionalidade e darazoabilidade

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o Princípio da Razoabilidade, em sua essência, é enten-dido como sendo a valoração e o controle de determinado ato ouconduta realizados a partir dos padrões estabelecidos pelo ra-zoável e pela aceitabilidade. Assim, alguns juristas defendem quese um ato, jurídico ou administrativo, não estiver revestido de pa-drões da aceitabilidade, ele poderia ser questionado e invalidadona via judicial, objetivando, portanto, a proteção de direitos antea sua edição.

embora tenham o mesmo objetivo – proibir o excesso depoder do estado frente aos direitos fundamentais – os Princípiosda Proporcionalidade e da Razoabilidade não se confundemquanto à origem, nem quanto à aplicação.

o Princípio da Proporcionalidade tem raízes no direitoalemão – civil law –, cujo fundamento é a lei escrita. Por isso, eleadquire um caráter mais objetivo, pois sua utilização tem comobaliza os subprincípios da adequação, necessidade e proporcio-nalidade em sentido estrito. não respeitados os seus elementosestruturantes, a aplicação do Princípio da Proporcionalidade nãose legitima.

Por essas características, o Princípio da Proporcionalidadepermite mais controle por parte dos aplicadores e intérpretes do di-reito, evitando-se, dessa maneira, decisões temerárias e eminente-mente subjetivas, já que a Constituição dispõe que todas as decisõesjudiciais sejam fundamentadas (Constituição federal, art. 93, iX)7.

em sentido contrário, o Princípio da Razoabilidade surgiudo direito costumeiro – common law –, onde a fonte normativa prin-cipal são os precedentes das Supremas Cortes. logo, evidencia-se o alto grau de subjetividade desse princípio. Por esse prisma,o seu controle torna-se mais difícil, pois não é possível mensurá-lo quando utilizado.

Rafael Queiroz, defendendo a distinção entre os doisprincípios, arremata:

7 Constituição federal, art.93, iX: “todos os julgados dos órgãos do Poder Judiciárioserão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendoa lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advoga-dos, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidadedo interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

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8 tAvAReS, op. cit., p. 688.9 Há duas teorias que relacionam os Princípios da Razoabilidade e da Propor-cionalidade: teoria da indistinção ou da fungibilidade e a teoria da distinção:a) a teoria da indistinção afirma que os dois princípios são sinônimos e possuema mesma essência no direito Constitucional. o Princípio da Proporcionalidadeseria o que os estadunidenses chamam de Razoabilidade. É a posição adotadapelo Supremo tribunal federal: AdinMC 855/PR);b) a teoria da distinção alega que razoabilidade e proporcionalidade não seconfundem, pois esta exige uma observação concreto-individual dos interessesconflitantes para se apreciar se há ou não excesso na medida adotada; aqueladiz respeito a apreciações abstratas, genéricas, não aferíveis, portanto, aoscasos individuais e concretos (BeRnARdeS, op. cit.).10 o tJ-Go, ao realizar a dosimetria das sanções da lei de improbidade, tam-bém aplicou os referidos princípios de forma indistinta: “Apelação Cível. AçãoCivil Pública por ato de improbidade administrativa. nepotismo. Cabimento damulta civil prevista no art. 12, iii, da lei n. 8.429/92. Redução. 1- É cabível aaplicação da multa civil prevista no art. 12, III, da Lei 8.429/92 ao administradorque utiliza das prerrogativas de seu cargo político para contratar parentes parao exercício de função pública, em clara afronta aos princípios fundamentais daadministração pública previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal. 2- Acondenação do agente político ao pagamento da multa civil prevista no art. 12,III, da Lei de Improbidade Administrativa deve obedecer aos princípios da pro-porcionalidade e da razoabilidade, diante das circunstâncias do casoconcreto, impondo-se a redução do quantum em caso de excesso pelojulgador de primeira instância” (tJ-Go, 2ª Câmara Cível, Rel. dr. JoséRicardo Machado, Ap. Cível 107986-77188, dj 139 de 25/07/2008).

A diferença reside na classificação e nos elementos constitutivos desses

princípios, já que a razoabilidade é mais ampla que a proporcionalidade.

Sustentar a fungibilidade entre os termos, no Brasil, é dar à propor-

cionalidade um raio de aplicação maior que suas possibilidades.8

A diferença reside na classificação e nos elementosconstitutivos desses princípios, já que a razoabilidade é maisampla que a proporcionalidade. Sustentar a fungibilidade entreos termos, no Brasil, é dar à proporcionalidade um raio de apli-cação maior que suas possibilidades.

Apesar de o Supremo tribunal federal9 e a maioria dasCortes de Justiça do país utilizarem os Princípios da Proporcio-nalidade e da Razoabilidade de maneira indistinta10, a rigor elesnão são fungíveis, devido ao art. 93, iX, da Constituição federal,que exige a motivação das decisões judiciais sob pena de nuli-

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dade.Ao dizer que uma norma não deva ser subsumida a de-

terminado fato, por ferir o Princípio da Proporcionalidade, o ma-gistrado tem o ônus de demonstrar – através dos subprincípiosda adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sen-tido estrito – o porquê daquela conclusão. todavia, por não tercritérios objetivos, uma decisão judicial que não observa uma leialegando tão somente que ela fere o Princípio da Razoabilidadee/ou Proporcionalidade (entendendo aqui como se fossem con-ceitos fungíveis) descumpre o mandamento de direito processualda Livre Convicção Motivada das Decisões Judiciais. dessarte,pela sua imensa abstração e subjetividade, o Princípio da Ra-zoabilidade, no Brasil, como afirmado por Rafael Queiroz, não érelevante na interpretação e na aplicação de uma lei, podendo,inclusive, levar à insegurança jurídica.

o Princípio da Proporcionalidade e sua aplicação na leide improbidade administrativa (lei federal n. 8.429/92)

oportuno se faz, primeiramente, esclarecer que o prin-cípio da propocionalidade, quando aplicado na lei de improbi-dade administrativa, tanto atua para excluir o ato ímprobo(quando é considerada a insignificância da violação à ordem ju-rídica), quanto na dosimetria da pena imposta na sentença, ob-jetivando ajustá-la (momento em que o julgador busca a sançãomais adequada ao caso).

Assim, pode ser excluída a conduta ímproba quando o atopraticado não provoque grave atentado ao interesse público, ouseja, o prejuízo sofrido pela administração apresente valor ínfimo.

no que tange à dosimetria da pena, este ponto serámais detalhado posteriormente.

o Princípio da Proporcionalidade já se incorporou ao or-denamento jurídico pátrio. Prova disso são os inúmeros julga-mentos do Supremo tribunal federal e dos demais tribunais, desuperposição e de justiça, que o utilizam em seus acórdãos no

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intuito de barrar atos abusivos do estado.o Supremo tribunal federal aplica o referido princípio

até mesmo nos julgamentos de Controle de Constitucionalidadede atos legislativos. ficou amplamente conhecido o julgamentoda AdinMC 855/PR, em que o Stf declarou inconstitucional leiestadual do Paraná, por violação aos Princípios da Proporciona-lidade e Razoabilidade, que exigia de empresa fornecedora deGlP o emprego de um aparelho para medir os “pesos” dos boti-jões, e repassar a diferença de preço aos consumidores:

Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de

botijões entregues ou recebidos para substituição a vista do consumidor,

com pagamento imediato de eventual diferença a menor: argüição de

inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, iv e vi (energia e meteo-

rologia), 24 e pars. 25, par. 2, 238, além da violação aos Princípios

da Proporcionalidade e Razoabilidade das leis restritivas de direito:

plausibilidade jurídica da argüição que aconselha a suspensão cau-

telar da lei impugnada , a fim de evitar danos irreparáveis a economia

do setor, no caso de vir a declarar-se a inconstitucionalidade: liminar

deferida (S.t.f, Adin 855/PR, medida cautelar, dJ de 1/10/1993,

relator: Sepúlveda Pertence).

os tribunais também vêm firmando suas jurisprudênciasno sentido de aplicar o Princípio da Proporcionalidade à lei fe-deral n. 8.429/92 (lei de improbidade Administrativa), com o ob-jetivo de se manter uma adequação entre os atos ímprobosprevistos na lei e suas respectivas sanções11.

de acordo com entendimento predominante da jurisprudên-cia, tanto a Constituição federal quanto a lei ordinária (lei federaln. 8.429/92) dão espaço à utilização da proporcionalidade.

11 Contudo, considerando o princípio como sendo um postulado normativo, suaobservação torna-se obrigatória, porque regulamenta a aplicação de regras eoutros princípios normativos, como explicado em “distinção entre os Princípiosda Proporcionalidade e da Razoabilidade neste trabalho.12 Cf, art. 37, § 4º: “os atos de improbidade administrativa importarão a sus-pensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dosbens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, semprejuízo da ação penal cabível”.

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nesta feita, a Constituição federal, no art. 37, § 4º12, de-termina que as sanções previstas para os atos de improbidadeadministrativa terão a regulamentação e gradação (proporção)previstas em lei. em atendimento a esse comando do constituinteoriginário, a lei de improbidade Administrativa prevê a necessi-dade da observação do Princípio da Proporcionalidade e o inse-riu, de forma implícita, nas “penas” do art. 12, i, ii e iii,respectivamente aos atos de improbidade dos arts. 9º, 10 e 11.Além disso, o art. 12, parágrafo único, determina que o juiz con-sidere, na fixação da “pena”, a extensão do dano e o possívelproveito patrimonial obtido pelo agente.

esse também é o entendimento do tribunal de Jus-tiça de Goiás em acórdão prolatado no recurso de apelaçãoem Ação Civil Pública por ato de improbidade decorrente decontratação de mão de obra superfaturada:

[...] AS SAnÇÕeS A SeReM APliCAdAS AtendeM Ao PrincíPio

da ProPorcionalidade Contido no ARtiGo 12, PARá-

GRAfo ÚniCo, dA MeSMA noRMA (lei federal n. 8.429/92), SeM,

no entAnto, deSCuidAR de SuA finAlidAde PunitivA. Já o

ARtiGo 37, PARAGRAfo 4º, dA ConStituiÇÃo fedeRAl,

deiXA Ao leGiSlAdoR infRAConStituCionAl oS CRitÉ-

RioS de GRAdAÇÃo dAS SAnÇÕeS APliCáveiS Ao AGente

íMPRoBo. 4- APelo ConHeCido e iMPRovido. (tJ/Go. Re-

curso Ap. 95982-0/188. des. Beatriz figueiredo franco)13

todavia, os tribunais consideram, equivocadamente,os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade como sefossem fungíveis. Assim, ao enfrentarem o problema do ex-cesso da sanção em relação ao dano do ato ímprobo, os tribu-nais não demonstram, na fundamentação do acórdão, aobservação dos subprincípios estruturantes do Princípio da Pro-porcionalidade, quais sejam: adequação, necessidade e propor-cionalidade em sentido estrito. As decisões se limitam a dizer

13 no mesmo sentido: Re 300507/RS. Rel. Carlos veloso, Stf; Rec. Ap.100119-1188, tJ/Go. Rel des. Amaral wilson de oliveira; edcl. noResp.12008/0018175-0, StJ.

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que a sanção aplicada fere o Princípio daProporcionalidade/Razoabilidade, o que autorizaria aplicar-seuma sanção mais branda. Há, assim, uma enorme carga desubjetividade nesses acórdãos, que poderia ser evitada se fos-sem observados, em cada caso, os elementos do Princípio daProporcionalidade, o qual possui um caráter mais objetivo.

Potencial efeito ambivalente decorrente da aplicaçãodo Princípio da Proporcionalidade na lei de improbi-dade administrativa

Antes de enfrentar o problema do efeito Ambivalente, ori-ginado da aplicação do Princípio da Proporcionalidade na lei deimprobidade Administrativa, é necessário, ainda que de formasucinta, fazer uma importante distinção entre disposição norma-tiva e norma, para que se compreenda o real conteúdo e sentidodo art. 37, § 4º, da Constituição federal.

disposição normativa14 é o resultado de um trabalho le-giferante de um órgão estatal (Poder legislativo), ou seja, é oconjunto de palavras que forma o texto da lei. Por outro lado,norma é o significado lógico que se extrai da disposição norma-tiva (texto) a partir de sua interpretação, seja pelos métodos tra-dicionais de hermenêutica (filológico, sistemático, histórico outeleológico) ou outros específicos de um ramo do direito, como,por exemplo, a interpretação conforme a constituição e a decla-

14 Juliano taveria Bernardes, em excelente artigo sobre omissão inconstitucio-nal, ensina que: “disposição constitui-se na fórmula lingüística adotada e ema-nada do trabalho de produção de direito. na definição de Guastini, é cadaenunciado lingüístico pertencente a uma fonte de direito. A seu turno, norma éo conteúdo de sentido resultante da interpretação da disposição. logo, do pontode vista interpretativo, as disposições formam o objeto, e as normas o resultadoda interpretação” (BeRnARdeS, J. t. novas Perspectivas do Controle da omis-são inconstitucional no direito Brasileiro. Jus navigandi, teresina, ano 9, n. 539,28 dez. 2004. disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6126>. Acesso em: 30 dez. 2008).

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ração de inconstitucionalidade sem redução de texto, ambos per-tencentes ao direito Constitucional15.

feito esse necessário recorte temático, passa-seao estudo do objeto principal deste tópico. A Constituiçãofederal, em seu art. 37, § 4º, tem a seguinte redação: “

os atos de improbidade administrativa importarão asuspensão dos direitos políticos, a perda da função pública,a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, naforma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penalcabível” (grifos nossos).

dessa disposição normativa constitucional é possível seextrair esta norma: os atos de improbidade administrativa violamo ordenamento jurídico e, por isso, devem receber censurabili-dade e serem sancionados com a suspensão dos direitos políti-cos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens eressarcimento ao erário, com regulamento e gradação (propor-cionalidade) de lei infraconstitucional.

entretanto, essa norma constitucional, proveniente doart. 37, § 4º, não é autoaplicável. nos ensinamentos de JoséAfonso da Silva16 ela é norma de eficácia limitada ou normaconstitucional de princípio institutivo, porque necessita de umaatividade legislativa ordinária para torná-la aplicável aos casosconcretos. Além disso, possui um sentido impositivo, determi-

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6126>. Acesso em: 30 dez. 2008).15 A diferenciação estabelecida entre norma e disposição não é uma discussãomeramente acadêmica. o Supremo tribunal federal utiliza esse recursointerpretativo para realizar Controle de Constitucionalidade por meio dainterpretação Conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidadeSem Redução de texto: lei federal n. 9.868/99, art. 28, par. único: “A declaraçãode constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive interpretaçãoconforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade semredução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relaçãoaos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estaduale municipal”. 16 Segundo o eminente constitucionalista, normas de eficácia limitada ou deprincípio institutivo são aquelas através das quais o legislador constituinte traçaesquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institu-tos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei(SilvA, J. A. da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo:Malheiros, 2004).

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nando ao legislador a criação da lei que integrará o comandoda norma constitucional regulada.

Cumprindo a ordem do legislador constituinte, o legisla-dor ordinário criou a lei federal n. 8.429/92, dispondo acercadas condutas ímprobas e suas respectivas sanções. importantedizer que tanto a norma constitucional quanto a norma infracons-titucional se preocuparam em manter uma relação de proporcio-nalidade entre as condutas e as sanções: a) o art. 37, § 4º, dizque as sanções terão a forma e a gradação na forma da lei; b)nesse sentido, a lei de improbidade prevê um escalonamentode suas punições no art. 12, i, ii e iii, para os arts. 9º, 10 e 11,respectivamente.

desse modo, por determinação das normas constitucio-nal e infraconstitucional, o Princípio da Proporcionalidade sempredeve ser observado pelos magistrados17 e outros profissionais dodireito, tanto na subsunção da conduta reprovável à normaquanto na “dosimetria” da sanção na lei de improbidade. Porconseguinte, o Princípio da Proporcionalidade tem o efeito de“otimizar” o ordenamento jurídico, dando o real sentido ao direito,tendo como baliza de interpretação o núcleo essencial dos direi-tos fundamentais, cominando ao agente público causador do atode improbidade a sanção adequada e necessária.

em sentido oposto, quando o Princípio da Proporciona-lidade é usado de forma equivocada e temerária, o efeito no or-

17 Bobbio, citando Hiering, diz: “Segundo Hiering, o que distingue uma normajurídica não era a sua eficácia externa por parte do povo, mas a sua eficáciainterna por parte do estado; todas as proposições normativas emitidas peloestado, mas não reforçada pela sanção, não eram, para Hiering, normas jurídicas.e, portanto, o que fazia com que uma proposição normativa se tornasse jurídicaera o fato de que os juízes teriam o poder e o dever de fazê-la respeitar. osexemplos de normas que podem servir melhor para esclarecer a tese de Hieringsão as extraídas da legislação penal: uma lei penal, como, por exemplo, oart.575 do código penal italiano: ‘Quem matar alguém será punido com reclusãonão inferior a 21 anos’, não se destina manifestamente aos cidadãos, mas aosjuízes, tanto que Biding em diante costuma-se dizer que o ato ilícito não é o atocontrário à lei penal, mas aquele que realiza a hipótese nela prevista. o citadoart. 575 não institui uma obrigação de não matar, mas pura e simplesmenteuma obrigação de punir, e tal obrigação obviamente não é destinada aos cida-dãos, mas aos juízes” (BoBBio, n. Teoria geral do Direito. trad. de deniseAgostinetti. São Paulo: Martins fontes, 2007. p. 101).

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denamento jurídico é extremamente maléfico. isso se dá quandouma sanção da lei de improbidade não é observada, com oúnico argumento de não ser proporcional, não se especificandoa desproporção através de seus elementos estruturantes.

Há, aqui, uma confusão prejudicial entre os Princípios daProporcionalidade e Razoabilidade, cujo resultado é a mitigaçãode um comando constitucional, ainda que proveniente de umanorma de eficácia limitada, que, como visto acima, determina queos atos ímprobos devam ser punidos, em regra, com suspensãodos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidadedos bens e ressarcimento ao erário.

o tribunal de Justiça de Goiás, por exemplo, reformouparcialmente sentença de primeiro grau na qual havia sido con-denado prefeito e secretário por ato de improbidade administra-tiva por causa de desvio de verbas educacionais. entretanto, nojulgamento do recurso, o acórdão utilizou o Princípio da Propor-cionalidade para diminuir as sanções da sentença do juízo a quosem nenhum critério objetivo, seja de fato ou jurídico. veja o con-teúdo do julgado:

[...] 4- CoMPRovAdo efetivAMente o deSvio de veRBAS

RefeRenteS A uM doS QuAtRo ConvÊnioS AJuStAdoS

entRe A PRefeituRA e o MiniStÉRio dA eduCAÇÃo, Re-

foRMA-Se A SentenÇA ReCoRRidA eXCluindo-Se A Conde-

nAÇÃo “Ao ReColHiMento AoS CofReS PÚBliCoS dA

QuAntiA totAl”, RefeRente AoS outRoS tRÊS ConvÊ-

nioS, AindA Que tAMBÉM HAJA indíCioS de iRReGulARi-

dAde A ReSPeito doS MeSMoS. 5- Atento Ao PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE DEVE SER REDUZIDA TAMBÉM A MULTA

CIVIL PARA DEZ (10) VEZES O VALOR DAS REMUNERAÇÕES

PERCEBIDAS PELOS APELANTES A ÉPOCA DOS FATOS. 6- A

SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DOS RÉUS/APELAN-

TES, BEM COMO A PROIIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER

PÚBLICO, RECEBER BENEFÍCIOS, INCENTIVOS FISCAIS OU

CRÉDITOS, NÃO DEVE ULTRAPASSAR TRÊS (03) ANOS. APELOS

PARCIALMENTE PROVIDOS. (grifos nossos) (tJ-Go, 4ª Câmara

Cível, dês. Carlos escher, Ap. Cível 117473/188, dj 226 de

28/11/2008)

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dessarte, a aplicação do Princípio da Proporcionalidade,na lei de improbidade, tem um Potencial efeito Ambivalente:quando usado como postulado normativo, tendo como critériosa adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido es-trito, o seu efeito é a “otimização” do ordenamento jurídico, pro-tegendo os direitos fundamentais e o interesse da AdministraçãoPública. todavia, quando esse mesmo princípio é usado comose fosse fungível ao Princípio da Razoabilidade, sem critérios ob-jetivos, pode haver uma mitigação de uma norma constitucional,contaminando o ordenamento jurídico com interpretações emi-nentemente subjetivas, cujas consequências são a injustiça, aimpunidade e a insegurança jurídica.

conclusões

A pesquisa realizada neste artigo demonstrou que:

1.o Princípio da Proporcionalidade tem característi-cas peculiares que o distinguem do Princípio da Razoabili-dade. este tem uma enorme carga subjetiva, enquanto aquelepossui um caráter mais objetivo, podendo ser mensurável econtrolado através dos seus elementos estruturantes: ade-quação, necessidade proporcionalidade em sentido estrito;

2.o Princípio da Proporcionalidade, entendido comopostulado normativo, sempre deve ser observado pelo magistradoe demais operadores do direito na interpretação e aplicaçãodas normas da lei federal n. 8.429/92, no intuito de otimizaro ordenamento jurídico e proteger os direitos fundamentais;

3.os tribunais de Justiça já têm jurisprudência formadano que tange à aplicação do Princípio da Proporcionalidade na“dosimetria” das sanções previstas na lei federal n. 8.429/92(lei de improbidade Administrativa). entretanto, ainda há umaconfusão entre esse princípio e o da Razoabilidade, contami-nando as decisões com alto grau de subjetividade;

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4.o Princípio da Proporcionalidade tem um Potencialefeito Ambivalente: quanto utilizado de forma correta, temo efeito de “otimizar” o ordenamento jurídico; entretanto,confundido com o Princípio da Razoabilidade, mitiga um co-mando normativo constitucional e acaba por desprestigiar oordenamento jurídico, levando, às vezes, à insegurança jurídica.

referências

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* Promotor de justiça em São Paulo e Doutor em Processo. Professor do Pro-grama de Mestrado em Direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná,em jacarezinho (Paraná).

Valter Foleto Santin*

PENA DE MULTA CRIMINAL, EXECUÇÃO E LEGITIMIDADEATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

CRIMINAL PENALTY FINE, IMPLEMENTATION AND

ACTIVE LEGITIMACY OF PUBLIC PROSECUTOR

PENA DE MULTA CRIMINAL, EjECUCIóN Y LEGITIMIDAD

ACTIVA DEL MINISTERIO PúBLICO

Resumo:

O trabalho trata de execução de multa criminal e legitimidade de

parte ativa do Ministério Público.

Abstract:

This paper deals with the enforcement of criminal fines and legi-

timacy of active part of Public Prosecutor.

Resumen:

El trabajo trata de la ejecución de la multa criminal y legitimidad

de la parte activa del Ministerio Público.

Palavras-chave:

Execução, Pena de multa, Legitimidade, Ministério Público.

Keywords:

Implementation, Enforcement, Fine Penalty, Legitimacy, Public

Prosecutor Public Prosecutor.

Palabras clave:

Ejecución, pena de multa, legitimidad, Ministerio Público.

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4.O Princípio da Proporcionalidade tem um PotencialEfeito Ambivalente: quanto utilizado de forma correta, temo efeito de “otimizar” o ordenamento jurídico; entretanto,confundido com o Princípio da Razoabilidade, mitiga um co-mando normativo constitucional e acaba por desprestigiar oordenamento jurídico, levando, às vezes, à insegurança jurídica.

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2º, do Código Penal), permitindo, em caso de descumprimento,a reversão em pena privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do Có-digo Penal).

A multa substitutiva pode ser usada como substituiçãoda pena privativa de liberdade exclusiva, alternativa ou cumula-tiva. Na pena privativa de liberdade não superior a 6 (seis) meses(art. 60, § 2º, do mesmo codex), a substituição por multa é ex-clusiva; na sanção superior a 6 (seis) meses e até 1 (um) ano, asubstituição é alternativa, por concorrência da multa com penarestritiva de direito (art. 44 § 2º, 1ª parte, do Código Penal); e sesuperior a 1 (um) ano até 4 (quatro) anos, quando possível asubstituição da pena privativa de liberdade por duas sanções, amulta pode ser cumulativa ou alternativa com pena restritiva dedireito, em virtude de opção de aplicação de uma pena restritivade direito e multa ou por duas restritivas de direito (art. 44 § 2º,2ª parte, do Código Penal), porque possível a substituição de mo-dalidade de pena privativa de liberdade até 4 (quatro) anos (art.44, I, do Código Penal).

Não há no capítulo da aplicação da pena e da multasubstitutiva (art. 60, § 2º, do Código Penal) solução legal sobre odescumprimento da sanção pecuniária substitutiva. Uma alterna-tiva é a execução da multa (art. 51, do Código Penal). Outra so-lução é a sua reversão, tendo em vista que há previsão expressade substituição da pena privativa de liberdade por multa ou res-tritiva de direito (art. 44, § 2º) e a sua conversão em caso de des-cumprimento (art. 44, § 4º).

A reversão é possível porque a multa substitutiva tem li-gação umbilical com a pena substituída (privativa de liberdade),é dela dependente e, em caso de descumprimento, a solução ló-gica, normal, racional e proporcional é o retorno ao status quoante e a exigência da pena aplicada, no caso a privativa de liber-dade. O E. STj já decidiu ser possível a reconversão em prisãoda pena pecuniária substitutiva, enfatizando que o “princípioconstitucional que proíbe a prisão por dívidas incide sobre aspenas de multa previstas no próprio tipo penal, a teor do que dis-põe a Lei 9.268/96, contudo, não compreende a pena pecuniáriaadvinda em substituição da prisão, conforme opinião lançada nosprecedentes desta Casa” (HC 22568/MG, Relator(a) Ministro

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josé Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, j. em 20/02/2003, Dj24/03/2003, p. 249, v.u.).

Em relação à multa prevista como pena autônoma notipo penal (art. 32, III, CP), não há mais possibilidade de conver-são em prisão (art. 51, do Código Penal com a nova redação for-necida pela Lei 9.268/1996), sendo a única alternativa aexecução da multa (art. 51).

A execução da pena de multa criminal está reguladaatualmente pelo artigo 164, da Lei de Execução Penal, e Lei6.830/1980, observando que o artigo 51 fez referência à aplica-ção das normas da legislação relativa à dívida ativa da FazendaPública.

Prevê o artigo 164, da LEP (Lei 7.210/1984), que “ex-traída certidão da sentença condenatória com trânsito em jul-gado, que valerá como título executivo judicial, o MinistérioPúblico requererá, em autos apartados, a citação do condenadopara, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou no-mear bens à penhora”. O dispositivo trata de questões proces-suais da execução, cuidando da condição de título executivojudicial (certidão da sentença condenatória com trânsito em jul-gado), legitimidade ativa (Ministério Público) e de procedimento(citação para pagar ou nomear bens em 10 (dez) dias).

Por seu turno, o artigo 51, do Código Penal, dispõe: “Tran-sitada em julgado a sentença condenatória, a multa será conside-rada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislaçãorelativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que con-cerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. A dis-posição penal trata da caracterização da multa como dívida devalor e aplicação da legislação sobre a dívida ativa da FazendaPública, inclusive interrupção e suspensão da prescrição.

O artigo 164, da LEP, e o art. 51, do CP, são perfeita-mente conciliáveis, porque este confirma a condição de títuloexecutivo da sentença condenatória transitada em julgado eacresce a característica de dívida de valor. É regra básica de her-menêutica o aproveitamento das normas legais, retirando even-tuais conflitos aparentes despropositados, para harmonia de todoo ordenamento jurídico nacional. Não há revogação e muitomenos conflito entre as normas, não sendo permitido ao intér-

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prete buscar interpretação desastrosa e contrária ao sistema. Cabe destacar que o art. 51, do Código Penal, trata da

condição de trânsito em julgado para a execução da multa e suaconsideração como dívida de valor, além da submissão às nor-mas da legislação da dívida ativa da Fazenda Pública. Mas nadatrata da legitimidade da parte ativa para a execução. Não retirado Ministério Público a legitimação processual nem a transfere àFazenda Pública.

E a Lei 6.830/1980? O diploma legal que regula o proce-dimento de execução de dívida ativa das Fazendas Públicascuida da dívida definida como tributária ou não tributária na Lei4.320/1964 e alterações, sobre normas de direito financeiro naelaboração e controle orçamentário da União, Estado, Municípioe do Distrito Federal (art. 2º, caput, da Lei 6.830/1980). O valorem cobrança atribuído às referidas entidades é considerado dí-vida ativa (§ 1º). Estatui-se que a inscrição é controle adminis-trativo da legalidade, para apurar a liquidez e certeza do créditoe efeito de suspensão da prescrição (§ 3º), contendo o § 5º osrequisitos do termo de inscrição, cuja certidão deverá acompa-nhar a petição inicial (art. 6º, § 1º, da Lei 6.830/1980).

A Lei 6.830/1980 não trata especificamente da cobrançade multa criminal nem da legitimidade da Fazenda Pública paratanto. O direito de execução de natureza processual tem origemno direito material, para definição da modalidade da prestação,legitimidade e demais norteamentos para efetividade do direito.

A multa penal tem relação direta com o cometimento decrime (fato gerador) e a condenação criminal transitada em jul-gado (título executivo judicial) enquanto o crédito tributário temligação com a posse ou propriedade de bem ou direito, exercíciode atividade ou prestação de serviço (fato gerador de imposto,taxa, contribuição de melhoria) ou atividade parafiscal (contribui-ção previdenciária ou outra similar). O processo administrativo éessencial para a constituição do título executivo tributário, comlançamento e inscrição na dívida ativa.

É visível que pena criminal e tributo são duas coisastotalmente diferentes, originárias de poderes estatais diver-sos, pertinentes à persecução penal estatal e ao poder de tri-butação. A pena relaciona-se ao poder de persecução penal

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e exercício da violência simbólica, objeto do sistema penal,delineado no art. 5º, principalmente nos incisos XXXVII,XXXVIII, XXXIX, XL, XLI, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI, XLVII,XLVIII, XLIX, L, LI, LII, LIII, LIV, LV, LVI, LVII, LVIII, LIX, LXI,LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVIII, LXXV, da Constituição Fe-deral. Por outro lado, o tributo decorre do poder de tributaçãoe conteúdo do sistema tributário (arts. 145 a 162, da Consti-tuição Federal) para a exigência e captação de recursos parao custeio da máquina administrativa e dos serviços públicos.A pena expressa o poder de coerção criminal; o tributo, a coer-ção tributária. São duas fontes diferentes de obrigação: uma(pena) decorre da relação jurídica criminal, cujo fato gerador é oato ilícito penal, e a outra (tributo), nasce de relação jurídica tri-butária, com fato gerador de natureza patrimonial e econômica.

Anoto que o art. 51 do Código Penal não autoriza a graveconfusão entre direito material e direito processual, com interpre-tação equivocada de que a norma processual (rito da execução)teria interferido no aspecto material (pena) para transformaçãoda natureza jurídica de pena criminal (multa) em crédito tributário.

Observo que a consideração do débito decorrente desanção penal como “dívida de valor” procurou pacificar o dis-senso jurisprudencial sobre a característica da dívida origináriade título executivo penal como “dívida de valor” ou “dívida de di-nheiro”, pois os critérios para a correção monetária eram diver-sos, com o cômputo desde o fato (dívida de valor) ou da sentença(dívida de dinheiro) ou do trânsito em julgado ou execução.

No final da década de 1980 até meados de 1990, o as-sunto foi bastante discutido e a jurisprudência era oscilante, pas-sando a ser majoritária na consideração como dívida de valor ea correção monetária desde a data dos fatos.

Para amostragem, no extinto Tribunal de Alçada Criminalde São Paulo, incorporado ao Tribunal de justiça de São Paulo,eram três critérios diferentes de correção, o que tornava uma ver-dadeira loteria judiciária a definição do marco inicial da atualiza-ção: correção monetária a partir da data do fato, do trânsito emjulgado da sentença ou da citação para execução penal. Os cri-térios de correção monetária a partir da data do fato foram ado-tados nos seguintes julgamentos: Agravo em Execução n.

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500.373/8, j. em 05/05/1988, 7ª Câmara, Relator Hélio de Freitas,RjDTACRIM 1/38; AE n. 619.555/6, j. em 30/08/1990, 1ª Câmara,Relator Eduardo Goulart, RjDTACRIM 7/33; AE n. 632.231/1, jem 14/11/1990, 10ª Câmara, Relator, jo Tatsumi, RjDTACRIM8/58; AE n. 611.031/9, j. em 10/10/1990, 10ª Câmara, Relatorjosé Santana, RjDTACRIM 8/59; AE n. 636.151/1, j. em06/02/1991, 9ª Câmara, Relator Barbosa de Almeida, RjDTA-CRIM 9/35; AE n. 635.263/7, j. em 28/11/1990, 6ª Câmara, Rela-tor Almeida Braga, RjDTACRIM 10/32; AE n. 709.441/3, j. em27/02/1992, 7ª Câmara, Relator Luiz Ambra, RjDTACRIM 13/25;AE n. 693.901/6, j. em 22/04/1992, 6ª Câmara, Relator AguiarVallim, RjDTACRIM 14/24; Apelação n. 720.233/7, j. em24/08/1992, 12ª Câmara, Relator Oliveira Santos, RjDTACRIM15/132; Apelação n. 732.541/1, j. em 22/09/1993, 9ª Câmara, Re-lator Canellas de Godoy, RjDTACRIM 20/136. O critério do trân-sito em julgado da sentença foi prestigiado nos seguintesrecursos: AE n. 501.397/5, j. em 25/02/1988, 2ª Câmara, RelatorHaroldo Luz, RjDTACRIM 3/53; AE n. 611.057/5, j. em10/05/1990, 2ª Câmara, Relator designado Ribeiro Machado, De-claração de voto vencido Pedro Gagliardi, Declaração de votovencido em parte Haroldo Luz, RjDTACRIM 8/59; AE n.626.275/2, j. em 06/09/1990, 7ª Câmara, Relator Walter Tintori,RjDTACRIM 9/36; AE n. 702.271/2, j. em 23/03/1992, 11ª Câ-mara, Relator designado Gonçalves Nogueira, Declaração devoto vencido Sidnei Beneti, RjDTACRIM 14/25. E a contagem apartir da citação da execução: AE n. 534.761/1, j. em 18/01/1989,5ª Câmara, Relator Heitor Prado, RjDTACRIM 2/30; AE n.546.869/3, j. em 02/02/1989, 3ª Câmara, Relator designadoGomes de Amorim, RjDTACRIM 3/54; AE n. 548.107/7, j. em22/03/1989, 5ª Câmara, Relator Paulo Franco, Declaração devoto vencedor Ribeiro dos Santos, RjDTACRIM 3/55; AE n.914.261/7, j. em 07/12/1994, 5ª Câmara, Relator designado Ed-gard Coelho, Declaração de voto vencido Geraldo Lucena,RjDTACRIM 24/26 (Vide http://www.tacrim.sp.gov.br).

O E. STj pacificou a situação, definindo o critério de cor-reção monetária a partir da data do fato delituoso, conforme se per-cebe dos seguintes recursos: EREsp 91003/RS, Relator(a) MinistroGilson Dipp, Terceira Seção, j. em 13/12/1999, Dj 21/02/2000 p.

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84, LEXSTj vol. 129 p. 279, v.u.; REsp 83846/RS, Relator(a) Mi-nistro josé Dantas, Quinta Turma, j. em 16/12/1997, Dj 02/03/1998p. 127, v.u.; REsp 120678/SP, Relator(a) Ministro Felix Fischer,Quinta Turma, j. em 09/06/1997, Dj 04/08/1997 p. 34839, v.u.;REsp 81578/SP, Relator(a) Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma,j. 08/04/1996, Dj 13/05/1996 p. 15568, v.u.; REsp 39429/SP, Rela-tor(a) Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma, j. em 02/04/1996, Dj06/05/1996 p. 14436, v.u.; REsp 67747/MG, Relator(a) Ministrojosé Dantas, Quinta Turma, j. em 06/02/1996, Dj 04/03/1996 p.5415, v.u.; REsp 41438/SP, Relator(a) Ministro Assis Toledo,Quinta Turma, j. em 28/09/1994, Dj 17/10/1994 p. 27906.

É pertinente a análise das dívidas de valor e de dinheiro.Orlando Gomes anota que a dívida pecuniária é “obriga-

ção de valor nominal”, as obrigações pecuniárias determinam-sepor “uma quantia fixa”, e as dívidas de valor variam no quantumem função do “valor da moeda”, por alteração do poder aquisitivoda moeda, com uso de cláusula de indexação, contra a deterio-ração da moeda, “fixando o valor da dívida em função da varia-ção de determinado índice econômico”1.

A propósito, Arnoldo Wald conceitua dívida de valor comoaquela em que “o débito não é de certo número de unidades mo-netárias, mas do pagamento de uma soma correspondente acerto valor”, em que a moeda “não constitui o objeto da dívida,mas uma simples medida de valor”, pois a dívida é de “um quid”e não de “um quantum”, por representar um valor correspondentea um bem determinado e não certo número de unidades monetá-rias''2.

Leib Soibelman também entende a dívida de valor comoa obrigação em que “'o objeto não é o dinheiro como dinheiro,mas o dinheiro como meio de medida de um valor patrimonialque ele representa no momento da conclusão do contrato”; emcaso de desvalorização do dinheiro no decorrer do contrato “ocredor já não receberá o valor que ele pretendeu ao contratar”,motivo para a “aplicação da correção monetária, correção do

1 GOMES, O. Obrigações. 8. ed. Rio de janeiro: Forense, 1990. p. 56-68.2 WALD, A. Curso de Direito Civil Brasileiro: obrigações e contratos. 12. ed. SãoPaulo: RT, 1995. p. 52.

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valor do objeto do contrato”. O autor entende que é o oposto dadívida pecuniária e anota que nesta “o dinheiro é o meio de pa-gamento, pouco importando sua desvalorização”3.

As dívidas em dinheiro são aquelas em que o dinheiroem si é “objeto da prestação”, como no mútuo, enquanto quenas dívidas de valor o dinheiro serve para “medir ou valorar oobjeto na prestação”4.

A propósito, a dívida de dinheiro tem referência coma unidade monetária, o chamado valor de face da moeda, emque há correspondência exata para a utilização como trocapor bem ou serviço. Uma tradução de dívida de dinheiro é aobrigação originária de mútuo ou de título de crédito. Poroutro lado, a dívida de valor representa algo, um bem ou ser-viço, e a sua estimação em moeda é o mecanismo para a suaexigibilidade e certeza. São exemplos as obrigações alimen-tares, indenizações decorrentes de atos ilícitos ou de respon-sabilidade extracontratual e as provenientes dedesapropriação. Na dívida de dinheiro, a moeda é objeto; nadívida de valor, a moeda é instrumento de estimação dealgum bem.

O Código Civil estabelece o objeto do pagamento, aprestação estabelecida, sem obrigação de recebimento deprestação diversa, mesmo que mais valiosa (art. 313, do Có-digo Civil), com a previsão de que a obrigação de pagamentodas dívidas em dinheiro deverá ocorrer no vencimento, “emmoeda corrente e pelo valor nominal” (art. 315). A dívida dedinheiro está definida no art. 314 (moeda corrente pelo valornominal), enquanto as demais dívidas são de valor, pois o seudescumprimento importa em obrigação de responder “peloequivalente” (arts. 234 e 239, do Código Civil) ou exigir “oequivalente” (art. 236, CC), denotando-se que a expressãoequivalente indica dívida de valor.

Note-se que o inadimplemento de qualquer obrigaçãogera a obrigação de pagamento de atualização monetária,além de juros e perdas e danos (art. 389, do Código Civil), de

3 SOIBELMAN, L. Enciclopédia do advogado. 4. ed. Rio de janeiro: Ed. Rio, 1983. p. 1344 DINIZ, M. H. D. et al. Novo Código Civil comentado. Disponível em:http://www.netlegis.com.br/ componentes/upload/CCCOMENTADO.pdf.

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modo que a análise econômica de nominalismo ou valorismoé irrelevante. A própria diferenciação entre dívida de valor edívida de dinheiro perdeu importância, tendo em vista que asduas dívidas são corrigidas monetariamente.

No campo penal, antes da alteração legislativa de 1984,a pena de multa era prevista em réis e depois em cruzeiro, moe-das anteriores ao atual real. Para lembrança, ao delito de recep-tação (art. 180, caput, do Código Penal) era imposta, além dapena de reclusão, a multa de quinhentos mil réis a dez contos deréis (Decreto-lei 2.848/1940), depois de Cr$500,00 (quinhentoscruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), pela redação dadapela Lei n. 2.505, de 1955. A redação atual prevê pena cumula-tiva de reclusão (1 a 4 anos) e multa; não há indicação de valorem moeda corrente; o sistema vigente é de dias-multa, entre omínimo de 10 (dez) e o máximo de 360 (trezentos e sessenta),fixando-se cada unidade de dia-multa com base no salário mí-nimo (art. 49, do Código Penal), sem especificação no tipo penaldo valor em moeda. A pena de multa com fixação da sanção emmoeda corrente era inegavelmente dívida de dinheiro enquantoo sistema de dias-multa tem característica de dívida de valor, pornecessidade da sua estimação monetária, com transformaçãoem quantia certa, além da expressa previsão legal no art. 51, doCódigo Penal.

A visão de transformação da dívida por condenação porcrime em dívida tributária é distorcida. A referência à legislaçãoprocessual tributária para a execução não é apta a transformar anatureza jurídica da dívida decorrente de condenação criminalem dívida de natureza tributária, porque as origens são diversase inconciliáveis. A deformação de origem seria a mesma se o le-gislador resolvesse alterar novamente o art. 51 do Código Penale o sistema de execução de pena criminal e adotasse hipotetica-mente o procedimento de execução de alimentos (art. 733, doCódigo de Processo Civil): o título executivo judicial de origemcriminal também não seria crédito alimentar. O rito procedimentalda execução não pode alterar a origem e natureza jurídica do dé-bito de condenação criminal.

A competência jurisdicional para a execução de multa cri-minal é do juízo criminal de conhecimento ou de execução crimi-

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nal e não do juízo fazendário, a despeito de utilização de rito pro-cedimental de dívida ativa da fazenda pública. O rito da execuçãonão altera o direito material nem a competência jurisdicional.

A atribuição de movimentação da execução de multapenal é do Ministério Público e não da Procuradoria da Fazenda,por se tratar de atividade relacionada à promoção da ação penale não de cobrança de crédito tributário.

A legitimidade ativa do Ministério Público para a execu-ção de pena criminal, especialmente a multa criminal, decorre doartigo 164, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Ademais,o órgão de acusação é legitimado para a execução penal de qual-quer de suas modalidades, seja a execução de pena privativa deliberdade ou restritiva de direitos ou multa, por ser um dos órgãosda execução penal (art. 61, III, LEP) incumbido da fiscalizaçãoda execução da pena e da medida de segurança, oficiando noprocesso executivo e nos incidentes de execução (art. 67, LEP),e de requerer “todas as providências necessárias ao desenvolvi-mento do processo executivo” (art. 68, II, “a”, da LEP), além deoutras funções, como requerimento da execução de pena restri-tiva de direitos (art. 147, LEP) ou de requerimento para iniciaçãodo procedimento judicial de execução (art. 195, LEP).

Como se vê, todo o sistema do ordenamento jurídico in-fraconstitucional prestigia e confirma a legitimidade do MinistérioPúblico no campo penal e processual penal, no processo de co-nhecimento e de execução.

E não poderia ser diferente! Deve ser lembrado que o ar-tigo 129, I, da Constituição Federal, estabelece o princípio da pri-vatividade da ação penal pública pelo Ministério Público, quedeve ser interpretado como poder de interferência e atuação emtodas as fases relacionadas ao crime, desde a fase de políticade segurança pública, investigação criminal, passando pela açãopenal até a execução da pena, fase final da persecução penalestatal, além de outras atividades pertinentes. Trata-se de legiti-midade constitucional do Ministério Público, de cunho político e

6 SANTIN, V. F. S. Legitimidade do Ministério Público no processo penal. justitia,São Paulo, PGj-APMP, v. 62, n. 189/192, p. 13-26, jan./dez. 2000; ______. O Mi-nistério Público na investigação criminal. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007. p. 218-219.

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processual5. A execução da pena de multa integra a persecuçãopenal do Estado e o Ministério Público tem incumbência parabuscar a efetivação do conteúdo decisório da sentença penalcondenatória6.

No direito comparado, a atribuição de movimentação daexecução de pena pecuniária é função do Ministério Público. NaItália, O Ministério Público faz os pedidos e participa de todos osincidentes de execução (art. 655, CPP), inclusive na execuçãode multa (art. 660, CPP). Em Portugal, findo o prazo sem paga-mento da execução, o Ministério Público “promove logo a execu-ção” (art. 491, 2, CPP, Decreto Lei 78/1987, atualizado pela Lei48/2007). Na Alemanha, o Ministério Público é responsável pelaexecução de sentenças penais (art. 451, CPP), com supervisãoda aplicação das sanções, incluindo-se a conversão da multa nãopaga em prisão (459e)7.A execução da pena é judicializada nosistema do Código Processual Penal Modelo para Íbero-América(art. 389 e seguintes), com intervenção do Ministério Público nosincidentes de execução (art. 391) e previsão expressa de atuaçãona conversão da multa não paga em prisão (art. 395). O Códigode Processo Penal do Paraguai (Ley 1.286/1998) adotou a sis-temática (Código Tipo), conforme se verifica dos arts. 493, 495 e498. No Chile, as normas sobre execução de sentença constamdos arts. 467-472, CPP, a cargo do juízo, com intervenção doMinistério Público e da defesa (art. 466, CPP, Ley 19.696/2000).Na Bolívia, o art. 430 e seguintes tratam da execução judicial dapena, com atuação do Ministério Público e da defesa nos inci-dentes (art. 432, CPP, Ley 1970, de 25/02/1999).

Frise-se que a retirada da legitimidade do Ministério Pú-blico e da competência jurisdicional da Vara Criminal ou das Exe-cuções Criminais seria um ataque fatal à multa criminal, que senão cumprida espontaneamente pelo condenado teria poucacondição de exigência e coerção penal-patrimonial. A Procura-

6 BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 13. ed. v. 1. Parte Geral. SãoPaulo: Saraiva, 2008. p. 584.7 Sobre a atuação do Ministério Público na Europa, vide http://www.euro-justice.com/sitemap/. Na Argentina, o Ministério Público atua em todos os inci-dentes de execução penal (MOM, j. R. M. Manual de Derecho Procesal Penal.6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2004. p. 43 e 442-443).

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doria Geral do Estado de São Paulo não movimenta a execuçãopor pequeno valor do débito, possuindo patamar mínimo paraexecução fiscal. A situação caracteriza-se como coroamento daimpunidade, velório e enterro da pena de multa.

Não se desconhece o entendimento do E. Superior Tri-bunal de justiça no sentido da perda da legitimidade do MinistérioPúblico e a atribuição de representante da Fazenda Pública paraa execução de multa.

O E. STj tem se apegado à condição de “dívida de valor”da multa penal ou de “dívida ativa” para afastamento da legitimi-dade do Ministério Público, consideração de atribuição da Pro-curadoria da Fazenda Pública e existência de juízo especializadopara a cobrança da dívida, não das Execuções Penais. A consi-deração como dívida de valor consta do REsp 1042887/MG, Re-lator(a) Ministro jorge Mussi, Quinta Turma, j. em 18/09/2008,Dje 20/10/2008, LEXSTj vol. 231 p. 346; AgRg no REsp1027204, Relator(a) Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma,j. em 19/06/2008, Dje 18/08/2008, v.u.; REsp 832267/RS, Rela-tor(a) Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 20/03/2007, Dj14/05/2007 p. 385; CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp,Terceira Seção, j. em 26/10/2005, Dje 07/05/2008; REsp286889/SP, Relator(a) Ministro joão Otávio de Noronha, Se-gunda Turma, j. em 06/12/2005, Dj 01/02/2006, p. 475). O trata-mento como dívida ativa foi feito nos REsp 286889/SP, Relator(a)Ministro joão Otávio de Noronha; CAt 92/SP, Relator(a) MinistroGilson Dipp; REsp 169586/SP, Relator(a) Ministro Castro Meira,Segunda Turma, j. em 22/02/2005, Dj 04/04/2005 p. 236), inclu-sive necessidade de inscrição na dívida ativa (CAt 92/SP, Rela-tor(a) Ministro Gilson Dipp; REsp 286889/SP, Relator(a) Ministrojoão Otávio de Noronha). Sobre a característica da multa penal,tem-se entendido como “sanção penal” (REsp 832267/RS, Rela-tor(a) Ministra Laurita Vaz) ou “extrapenal” (REsp 286889/SP, Re-lator(a) Ministro joão Otávio de Noronha).

Tal postura restritiva de atuação do Ministério Público eda execução da multa criminal não merece continuar, aguar-dando que o E. Superior Tribunal de justiça reveja o seu posi-cionamento e altere o rumo da jurisprudência, para colocar ascoisas nos seus devidos lugares. Nem sempre a posição majori-

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tária dos tribunais prevalece, até porque o movimento jurispru-dencial é dinâmico e mutável, diante de interpretação e herme-nêutica mais adequada ao assunto em debate.

Cabe anotar que o E. STj já se posicionou favoravel-mente à legitimidade da execução penal de multa pelo MinistérioPúblico, em interpretação ao art. 51, do Código Penal, pois “nostermos do art. 129, I, da Constituição Federal, cabe ao MinistérioPúblico, enquanto titular da ação penal, promover a execução dapena de multa, perante o juízo das Execuções Penais” (REsp699286/SP, Relator(a) Ministro josé Arnaldo da Fonseca, QuintaTurma, j. em 08/11/2005, Dj 05.12.2005, p. 369, RT vol. 846, p.556, v.u.), entendimento mais adequado à espécie.

A E. Procuradoria Geral da República ingressou em 2004com ação direta de inconstitucionalidade do art. 51, do CódigoPenal, para que em interpretação conforme seja reconhecida alegitimidade do Ministério Público para ingressar com execuçãoda pena de multa e a competência do juízo das Execuções Cri-minais. A ação constitucional ainda está em andamento (ADI3150, Rel. Marco Aurélio, disponível em: www.stf.jus.br). Os prin-cipais argumentos constantes da petição inicial são de que o ca-ráter polissêmico do dispositivo provocou dissensão doutrináriae jurisprudencial, por entendimentos de que teria sido retirado ocaráter penal da multa ou de modificação meramente procedi-mental, a consideração tributária de punição criminal não se com-patibiliza com a Carta Política, a única interpretação viável é alimitação dos efeitos da Lei 9.268/1996 à modificação do rito daLei 7.210/1984 (art. 164, §2º), sem resvalar na competência daVara de Execuções Penais, a finalidade da norma é a melhoratuação na persecução criminal e no cumprimento da pena, detratamento processual; a privatividade da ação penal (art. 129, I,CF) abriga a execução da sentença condenatória, por compreen-são instrumental, tanto da fase cognitiva como da executória, alegitimidade processual da Fazenda Pública viola frontalmente aatribuição constitucional privativa do Ministério Público e confereà Vara das Execuções Fiscais a implementação de sanção penal;o crédito tributário poderia ser exigido dos herdeiros do apenado,em afronta à responsabilidade penal pessoal, por intranscendên-cia da sanção penal, lesionando o art. 5º, XLV, da CF/88; a men-

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ção à dívida de valor não tem o condão de alterar a natureza damulta, que é uma sanção penal, nem desviar a sua finalidade derecurso de Fundo Penitenciário; injustificável o entendimento deinscrição de multas em dívida ativa da Fazenda, pela providênciaabsolutamente despicienda e ilegítima de transformar um títulojudicial em título extrajudicial; a norma jurídica é o resultado desua interpretação, dentro do contexto da ordem legislativa comoum todo, sendo que a Constituição se projeta sobre o sistema ju-rídico, impregnando-o de seus valores e revestindo-o dos funda-mentos de validade e autoridade; alguns significados da leipodem ser compatíveis e outros inconciliáveis com o Texto Fun-damental, incumbindo ao judiciário superar o impasse, elegendoa interpretação harmônica com a Constituição, para conservar avalidade da lei e prestigiar a presunção de constitucionalidade; ainterpretação conforme a Constituição configura mecanismo decontrole de constitucionalidade; na eleição da alternativa herme-nêutica é reconhecido que a norma impugnada é constitucionalquando imbuída do significado que a concilia e afirma a incons-titucionalidade do dispositivo se aplicado segundo o critério an-tagônico; a eliminação das hipóteses interpretativas e a aplicaçãode mecanismo da interpretação conforme a Constituição visa sal-var a lei impugnada.

Cezar Roberto Bittencourt entende que a Lei 9.268/1996não alterou a competência para a execução da pena de multa,ainda do juízo das Execuções Criminais: o procedimento perma-nece regulado pelos arts. 164 a 169 da LEP e a legitimidade con-tinua do Ministério Público. A pena de multa mantém a “naturezade sanção criminal” e considera impossível juridicamente a ins-crição em dívida ativa de sentença penal condenatória, verda-deira “heresia jurídica”, porque a lei não prevê a necessidade deinscrição, a eventual previsão transformaria um título judicial(sentença condenatória) em título extrajudicial (dívida ativa) edeslocaria o crédito do Fundo Penitenciário para o orçamento daUnião. O fundamento político-legislativo da definição como dívidade valor seria para justificar a inconversibilidade da multa nãopaga em prisão e possibilitar a atualização monetária8.

8 BITTENCOURT, op. cit., p. 582-585.

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Guilherme de Souza Nucci posiciona-se pela possibili-dade de correção monetária da multa, por se tratar de simplesatualização do valor da moeda. A Lei 9.268/1996 pretendeu evitara conversão da multa em prisão, a multa continua com a naturezajurídica de sanção penal, e não civil, a competência seria da Varadas Execuções Criminais, executada pelo Ministério Público eseguido o rito da Lei 6.830/19809.

Vladimir Brega Filho considera a expressão “dívida devalor” como esclarecimento para a incidência da correção mone-tária, sem transformação da natureza penal da multa, e a execu-ção da multa deve ser promovida pelo Ministério Público, peranteo juízo das Execuções Criminais10.

Em sentido contrário, Damásio Evangelista de jesus,com base na Lei 9.268/1996, pensa que o valor da pena de multade sentença penal condenatória transitada em julgado deva serinscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública; não seprocede mais nos termos dos arts. 164 e seguintes da LEP, aexecução deve ser promovida pela Fazenda Pública, não maisde atribuição do Ministério Público. Anota o “caráter extrapenal”da execução, mas “a multa permanece com sua natureza penal,subsistindo os efeitos penais da sentença”11. Sem acréscimos,Fernando Capez adota a mesma posição12.

A decisão de indeferimento inicial de execução de multacriminal viola e nega vigência aos artigos 164, 61, III, 67, 68, II,“a”, 147, 195, da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, sob ar-gumento de ilegitimidade de parte ativa do Ministério Público eincompetência do juízo Criminal.

A posição excludente da atuação do Ministério Públicopadece de inconstitucionalidade por ferimento ao artigo 129, I, daConstituição Federal, que prevê o princípio da privatividade daação penal pelo Ministério Público e o sistema acusatório. A in-

9 NUCCI, G. de S. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 346;______. Manual de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 429-430.10 BREGA FILHO, V. A execução da pena de multa: alterações da Lei 9.268/96.Disponível em: www.travelnet.com.br/juridica/art11_96.htm.11 jESUS, D. E. de. Direito Penal. 20. ed. v. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva,1997. p. 533.12 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. 7. ed. v. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva,2004. p. 395-397.

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viabilização da execução da sanção criminal também se configuracomo violação ao direito constitucional do Ministério Público deacesso à justiça para reparação de dano integral provocado pelocrime, lesão a direito da sociedade, em afronta ao art. 5º, XXXV,da Constituição Federal. E mais: um ataque à pessoalidade e in-transcendentalidade da pena (art. 5º, XLV), à individualização dapena (art. 5º, XLVI, CF) e ao juiz natural (art. 5º, LIII, CF).

Conclusão

Tendo em vista tais fatos, concluo:1) A pena de multa criminal é de natureza criminal, apli-

cada em relação processual penal por lesão provocada porcrime, no exercício da persecução penal estatal, sanção bem di-versa do crédito tributário, que é originário de relação tributária eexercício do poder tributário;

2) O uso do rito de execução de dívida ativa da FazendaPública não afeta a condição essencial de multa criminal nem atransforma em crédito tributário, constituindo-se em mera formaprocedimental de cobrança de dívida de natureza penal;

3) O Ministério Público tem legitimidade constitucional einfraconstitucional para a movimentação da ação penal públicae da ação de execução de multa criminal, com evidente invasãode atribuição e ilegitimidade da atuação da Procuradoria da Fa-zenda na execução de multa penal;

4) A competência para o processo de execução de multaé do juízo Criminal ou da Execução Penal, não da Vara da Fa-zenda Pública, por constituir matéria relativa à pena criminal, semligação a crédito tributário.

Referências

BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 13. ed. v. 1. Parte

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* Abogado (UBA), profesor de Derecho Administrativo, carrera de posgrado deEspecialización en Derecho Administrativo y Administración Pública (UBA), re-lator Letrado de la Suprema Corte de Justicia de la Provincia de Buenos Aires.1 Mairal, H. La teoría del contrato administrativo a la luz de recientes normativas.En: GORDILLO, A. (Dir.). El contrato administrativo en la actualidad. BuenosAires: La Ley, mayo 2004a. p. 16.

Santiago R. Carrillo*

La impugnación de actos administrativosen eL procedimiento de seLección deL

contratista en La repúbLica argentina

“No se combate la corrupción, objetivo

del Régimen de Contrataciones según

sus considerados, dejando indefenso al

contratista privado” (Héctor Mairal)1

Resumen:

En este artículo se busca, en primer lugar, delimitar el escenario de la

impugnación de actos administrativos en el procedimiento de selec-

ción del contratista en la República Argentina. Enseguida, se discurre

sobre la posición jurídica del oferente y la estructura del procedimiento

de selección y ligación de los actos. Después, el objetivo pasa a ser

explicar la articulación del sistema de impugnación en el régimen de

contrataciones. Por fin, tenemos la aplicación del decreto-ley 19.549

y los efectos de las impugnaciones y medidas cautelares, así como

el plazo de caducidad de habilitación de la instancia.

Resumo:

Este artigo visa, em primeiro lugar, delimitar o cenário da impugnação

de atos administrativos no processo de licitação na República Ar-

gentina. Posteriormente, se discorre sobre a posição jurídica da lici-

tante e a estrutura do processo de seleção e encerramento dos atos.

O objetivo passa a ser, então, explicar a articulação do sistema de

impugnação no regime de licitações. Por fim, temos a aplicação do

decreto-lei 19.549 e os efeitos das impugnações e medidas caute-

lares, assim como o prazo de validade da instância.

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Abstract:

This article aims firstly, to delimit the scenario of impugnment of

administrative acts in the bid process in Argentinean Republic.

Subsequently, discusses about the juridical position of the insti-

tution which makes the bid and the structure of the process of se-

lection and closure of these acts. The goal becomes, then, to

explain the articulation of the system of impugnment in the bid

scheme. Finally, we have the application of the ordinance 19.549

and the effects of the impugnment and precautionary measures,

as well as the expiration date of the instance.

Palabras clave:

Impugnación, actos administrativos, selección de contratistas,

oferente.

Palavras-chave:

Impugnação, atos administrativos, seleção de licitantes, con-

tratante.

Keywords:

Impugnment, administrative acts, selection of bidders, contractor.

delimitación del escenario

El art. 30 del decreto delegado 1023/012 es una normaabierta, de reenvío. Habrá que recurrir a las disposiciones del de-creto reglamentario 436/00 y a los pliegos que rijan cada proce-dimiento de selección3 para conocer el régimen de impugnaciónde los actos administrativos dictados durante su sustanciación4.

2 El decreto 1023/01 es un reglamento dictado por el Poder Ejecutivo Nacionalen ejercicio de competencias legislativas delegadas por el Congreso de la Na-ción, en los términos del procedimiento previsto por el art. 76 de la ConstituciónNacional. Estatuye el Régimen de Contrataciones de la Administración PúblicaNacional. Su art. 30 dispone: “Observaciones e Impugnaciones. La reglamen-

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tación deberá prever cuáles actuaciones podrán ser susceptibles de observa-ciones o impugnaciones, el trámite que se dará a ellas y los requisitos para suprocedencia formal. Toda observación, impugnación, reclamo o presentaciónsimilar que se efectúe fuera de lo previsto en la reglamentación no tendrá efec-tos suspensivos y se tramitará de acuerdo a lo que determine dicha reglamen-tación”. Todas las normas citadas en el presente trabajo se encuentran enwww.infoleg.gov.ar, sitio oficial del Ministerio de Economía y Finanzas Públicasde la Nación.3 Por ejemplo, la Resolución 834/00 del Ministerio de Economía que aprueba elPliego Único de Bases y Condiciones Generales para la contratación de bienesy servicios del Estado nacional.4 Empero, el hecho de que los actos administrativos dictados durante el proce-dimiento de selección tengan un régimen impugnatorio particular, que justificasu tratamiento autónomo, no enerva que se les aplique el mismo régimen defondo -en lo que se refiere a sus nulidades- que los demás actos administrati-vos; en igual sentido, Rejtman Farah, M. Impugnación judicial de la actividad

administrativa. Buenos Aires: La Ley, 2000. p. 131.5 Ampliar infra, punto VI.6 En realidad, como lo señala Mairal, cuando el mismo autor del derecho y ga-rante de su aplicación lo ignora, el problema supera la mera inseguridad jurídicapara desembocar en la ausencia de derecho. Si el Estado no reconoce el freno

En efecto, la norma delega en la reglamentación la determinaciónde tres puntos de importancia: a) Cuáles actuaciones son sus-ceptibles de ser observadas o impugnadas por los oferentes; b)cuáles son los requisitos de procedencia formal y qué trámitesse les conferirá a tales planteos; y c) qué efectos tendrá su inter-posición con relación a la continuidad del procedimiento. Sin per-juicio de ello, cabe adelantar que el decreto 1023/01 avanza unpaso y establece una sanción para aquellos casos en que el ofe-rente no cumpla con las disposiciones reglamentarias en materiade impugnaciones: su efecto no suspensivo. De esa disposición,a contrario sensu, podría extraerse la consagración del efectosuspensivo de las impugnaciones deducidas regularmente5.

Más allá de la casuística que plantea esa delegación,creo que podemos trazar algunas líneas rectoras que serviráncomo guía interpretativa al momento de la aplicación del régimende impugnación previsto para el procedimiento de selección; aun-que dada la inseguridad jurídica que reina en esa materia -queno parece ser casual-6

Además, y más allá de las pretensiones normativas querodean la selección de los contratistas del Estado, lo cierto es

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del derecho, el mensaje a la población es claro y dramático: los remedios jurí-dicos no sirven, utilice otros. De esos otros, el principal es la corrupción (Mairal,H. A. Las raíces legales de la corrupción. Cuadernos ResPublica Argentina.Buenos Aires: Ediciones Rap, 2006. punto 2.6).7 Conforme surge del profundo estudio realizado Agustín García Sanz, lascontrataciones directas representan el 71,5% del total de los procedimientosde contrataciones registrados por la ONC. Si a ello sumamos la licitación pri-vada (17,89%) y el concurso privado (0,16%), vemos que el 89,55% del totalde los procedimientos de selección del contratista transitan por vías directaso privadas. Pasando en limpio: sólo el 10,4% de los procedimientos que danvida al sistema de compras y contrataciones del Estado se concretan a travésde una licitación pública. Ahora bien, si la cuestión se aprecia en términoseconómicos, la solución no varía sustancialmente dado que un 47,58% de lospesos gastados se canalizan por procedimientos distintos de la licitación pú-blica y el concurso público. Los conductos para desatender la regla previstaen el art. 24 del decreto 1023/01 son variados y giran principalmente en tornoa: el desdoblamiento de las licitaciones para que el compromiso preventivode presupuesto esté por debajo del tope; el ajuste de precios por debajo dela realidad de mercado para lograr encajar la compra en la modalidad de con-tratación directa; o bien la aplicación, más allá de lo debido, de las excepcio-nes que permiten realizar contrataciones directas propiamente dichas y, deentre ellas, la más usada es la contratación directa por razones de urgencia.Ampliar en García Sanz, A. A. M. Licitación pública v. contratación directa:¿La batalla perdida? ResPublica Argentina, n. 3. Buenos Aires: Ediciones Rap,2006. p. 83-84 y 90. También puede ser consultado en www.respublicaargen-tina.com/serie_estudios.htm.

que los números de la propia Oficina Nacional de Contratacionesdan por tierra con el principio general consagrado en el art. 24del decreto 1023/01 y demuestran, con crudeza incontestable,que la licitación pública no es -si es que alguna vez lo fue- la reglageneral en el sistema de contrataciones del Estado argentino7.

No obstante ello y con la esperanza de brindar elementosque contribuyan a revertir estas disvaliosas situaciones de hecho,continuamos nuestra afanosa labor.

posición jurídica del oferente

El oferente tiene derecho a impugnar todo acto o con-ducta de la administración susceptible de condicionar la adjudica-

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8 Fiorini, B. A.; Mata, I. Licitación pública. Selección del contratista estatal.Buenos Aires: Abeledo/Perrot, 1972. p. 176.9 SORIA, D. F. Los actos administrativos de trámite equiparables a definitivosy su impugnabilidad judicial. LL, 1990-C, 945, especialmente punto III. 10 Mata, I. La selección del contratista estatal. Reflexiones luego de las reformasdel régimen general. En: CASSAGNE, J. C. (Dir.). Derecho Procesal Administrativo.Homenaje a Jesús González Pérez. t. 2. Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 1236.11 Aún antes de la vigencia del actual régimen de contrataciones, la PTN habíadictaminado que “Los principios que informan el procedimiento licitatorio nole son exclusivos sino que, por extensión interpretativa o analógica se aplicantambién a los demás sistemas de selección” (Dictámenes, 199-119). Esas ca-racterísticas también se presentan en aquellos contratos cuyo objeto se en-cuentre regido por el derecho privado (Luqui, R. E. Revisión judicial de la

actividad administrativa. t. 2. Buenos Aires: Astrea, 2005. p. 43).12 MATA, op. cit., p. 1238.13 MATA, op. cit., p. 1238.

ción. Es decir, es impugnable toda actuación que sea susceptiblede afectar su situación jurídica en el procedimiento de selección8.

Partimos de la base de concebir a la selección del contra-tista como un procedimiento reglado que se compone de un com-plejo de actuaciones heterogéneas, funcionalmente vinculadasentre sí9, y que tiende -en un marco de igualdad y concurrencia- alograr la emisión de un juicio de conocimiento, en tanto se trata deuna declaración de conveniencia10. Ello ocurre aún en aquelloscasos en que la concurrencia se encuentra limitada, como sucedeen las licitaciones privadas y en las contrataciones directas11. Eneste procedimiento -voluntario, por cierto- entran en juego intere-ses públicos y privados que, aunque no presenten un conflicto ac-tual, durante su desarrollo pueden adoptar posicionamientosantagónicos. Esos conflictos serán resueltos por la administración,en ejercicio de sus potestades como poder administrador12, en elmarco de una actividad que no escapa a los principios constitucio-nales del debido proceso adjetivo, el control judicial suficiente y latutela judicial efectiva, que incluye el acceso a la justicia.

Se puede afirmar, entonces, que las relaciones entre laadministración y los participantes, y de éstos entre sí, son de ín-dole procesal, siendo los oferentes titulares de derechos subjeti-vos procesales, a través de cuyo ejercicio pueden exigir a laadministración el cumplimiento de sus deberes, se traten deactos o de abstenciones13. Esos deberes impuestos normativa-

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14 Conforme ha dictaminado reiteradamente la PTN, el procedimiento de la li-citación pública está imbuido de los caracteres de publicidad, competencia eigualdad (Dictamenes, 163-477; 167-346; 222-71, entre otros).15 Luqui (op. cit., p. 47-48) afirma que se pueden impugnar judicialmente losactos administrativos dictados durante el procedimiento previo a la celebracióndel contrato, pues existe un derecho subjetivo al procedimiento, a la legalidadobjetiva, puesto que no tendría sentido que la ley fijara los requisitos de vali-dez de los actos administrativos, o los recaudos que se deben cumplir en elprocedimiento de selección del contratista, si a la hora de aplicarlos no se res-petasen esas normas y los agraviados carecen de acción para atacar ante lajusticia los actos irregulares.16 MATA, op. cit., p. 1238.17 En ese sentido, la PTN ha dictaminado que “La diferencia de tratamientobrindado a las tres ofertas consideradas, al permitir que sólo uno de los pro-ponentes pudiera sanearla, compromete el procedimiento y obliga, atendiendoa la mejor diligencia y economía en el ejercicio de la actividad administradora,a encarar un proceso de regularización del trámite licitatorio para evitar cues-tionamientos ulteriores sobre la base de una eventual violación del principiode igualdad particularmente por impedir una acabada valoración para la de-terminación de la oferta más conveniente” (Dictámenes, 198-140).18 FIORINI; Mata, op. cit., p. 175.19 “Todo aquel que participa en una licitación adquiere el derecho, no a la adjudi-cación pero sí a que ésta se realice de conformidad con la ley” (PTN, Dictámenes,160-457).

mente a la administración tienden, principalmente, a asegurar laconcurrencia y la igualdad de trato14. En ese contexto, el oferentetiene derecho a impugnar todas las actuaciones susceptibles deafectar los derechos procesales que adquiere como participanteen la licitación15, que tienen como sujeto pasivo a la administra-ción y, por objeto, el correcto desenvolvimiento de la selección16.La administración, en su carácter de directora del procedimiento,debe garantizar la observancia de esos derechos17.

El administrado que concurre a la selección adquiere unasituación jurídica compuesta de la posición de concursante y tam-bién de potencial adjudicatario, por lo que tiene derecho a partici-par en todo el procedimiento licitatorio para evitar errores ydesviaciones18. Es sabido que no tiene derecho a ser adjudicata-rio, pero sí a que la administración adjudique respetando el pliegoy las normas que rigen el procedimiento de selección19. Ello esasí no sólo en interés de los oferentes, que convocados por la ad-ministración a la puja de precios realizan estudios y gastos para

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la confección de sus ofertas, sino también en interés de la propiaadministración, por lo que el cumplimiento del procedimiento re-glado es obligatorio para todos, oferentes y administración20.

Desde esa perspectiva, no parece que esa cuestión seencuentre muy alejada de los principios generales que rigen enmateria de procedimiento administrativo, debiéndose destacar,además, como ya lo hizo Mairal hace más de treinta años, que, enla exposición de motivos del decreto-ley 19.549, de Procedimien-tos Administrativos, se han detallado “los principios básicos a quedeberán ajustarse los procedimientos administrativos en cuantotiendan a asegurar a los interesados las garantías constitucionalesdel debido proceso”21. En ese contexto, a nuestro criterio y másallá de lo regulado en cada caso en particular por los reglamentoso los pliegos de la licitación, en ese tipo especial de procedimientorigen las reglas generales en materia de impugnación de la activi-dad administrativa22, con lo cual toda declaración administrativaque produzca efectos jurídicos inmediatos es impugnable.

Esa concepción supera la anacrónica clasificación quenuestra doctrina aceptó sin cortapisas, tendiente a diferenciarlas situaciones jurídicas, según diversos criterios, en derechosubjetivo, interés legítimo e interés simple. Esa clasificación, pro-pia de sistemas jurídicos con bases constitucionales diferentesa las nuestras, ha tenido como principal efecto excluir la posibi-lidad de obtener la tutela judicial23, reduciendo al oferente afec-

20 SAyAGUéS LASO, E. La licitación pública. Buenos Aires y Montevideo: Bde f y Euros, 2005. p. 103 y nota 4. Por su parte, la PTN reiteradamente hadictaminado que las cláusulas del pliego de condiciones constituyen normasde interés general y por lo tanto son obligatorias para todos, incluso para lapropia administración (Dictámenes, 87-180; 96-180; 217-115; 230-67; 235-326, entre muchos otros).21 MAIRAL, H. Licitación pública. Protección jurídica de los oferentes. BuenosAires: Depalma, 1975. p. 81.22 La idea expuesta en el texto de modo alguno obsta la necesidad de sustituirdicha norma por una ley de procedimientos que recepcione las tendencias ac-tuales en materia de protección de los derechos de los administrados. Aunqueen realidad, lamentablemente, nuestro legislador parece estar orientado ensentido contrario, así como lo demuestra la modificación introducida a los arts.30, 31 y 32 del decreto-ley 19.549 por la ley 25.344.23 DIEz, M. M. Manual de derecho administrativo. t. 1, actualizado con la co-laboración de Tomás Hutchinson. Buenos Aires: Plus Ultra, 1997. p. 307-308.

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24 MAIRAL, H. A. Control judicial de la administración pública. v. I. BuenosAires: Depalma, 1984. p. 194-195. 25 Además, debe tenerse en cuenta que, en realidad, dicha discusión nuncadebió plantearse entre nosotros, puesto que la ley 27, reglamentaria del art.116 de la CN, establece expresamente en su art. 1º que: “La Justicia Nacionalprocederá siempre aplicando la Constitución y las leyes Nacionales, a la de-cisión de las causas en que se versen intereses, actos o derechos de Minis-tros o agentes públicos, de simples individuos, de Provincia o de la Nación”(el destacado es agregado), con lo cual, al menos desde 1862, la diferencia-ción entre “derecho” e “interés” en nuestro sistema jurídico procesal carecepor completo de relevancia. La explicación de cómo llegamos a la situaciónactual se puede encontrar en Linares, J. f. Lo contencioso administrativo enla justicia nacional federal. LL, 94, p. 919, y una forma de salir de ella en Je-anneret de Pérez Cortés, M. La legitimación del afectado, del Defensor delPueblo y de las asociaciones. La reforma constitucional de 1994 y la jurispru-dencia. LL, 2003-B, p. 1333.

tado al uso de los recursos administrativos. Con ello se ha ga-nado el derecho, exclusivo y excluyente, de ingresar en el arcónde los recuerdos.

Sobre el punto, Mairal se ha encargado de demostrar,sobradamente, que el aferramiento de nuestra doctrina admi-nistrativista a las categorías de derecho subjetivo e interés le-gítimo, tal como son interpretadas en sistemas constitucionalesdisímiles del nuestro, carece de justificación. En ese sentido,destaca que nada impide a nuestros tribunales ampliar el con-cepto de “derecho subjetivo” a los efectos de la legitimación,para abarcar aquellos casos en que la conducta administrativailegítima agravia intereses privados dignos de protección en unEstado de derecho24 25.

En conclusión, el oferente es titular de derechos subje-tivos de carácter procesal que lo habilitan para solicitar la tutelaadministrativa o judicial ante su vulneración por la administra-ción, ya sea por aplicación de los procedimientos especiales, enaquellos casos en que están previstos en el Régimen de contra-taciones, o bien por la aplicación del sistema general del de-creto-ley 19.549 y su reglamento.

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estructura del procedimiento de selección y ligación de losactos

Tratándose de un procedimiento caracterizado por presen-tar un complejo de actos interrelacionados, no se requiere un granesfuerzo argumental para concluir que sus actos se encuentran vin-culados unos con otros, a modo de antecedentes y consecuentes.Es decir, todos los actos dictados durante el procedimiento de se-lección confluyen en la adjudicación o en el acto que perfeccionael contrato26. Algunos tendrán una mayor incidencia que otros, pero,en definitiva, todo el procedimiento se ha encausado en esa direc-ción. Lo trascendente, a los efectos de evaluar la validez del pro-cedimiento y de sus actos, es la entidad del eventual vicio quepuede arrastrarse y la forma en que repercute en el acto de adjudi-cación o de perfeccionamiento. En ese sentido, puede haber nuli-dades relativas que podrán ser saneadas, o cuyo impacto no afectela adjudicación, y habrá otras que resulten absolutas y por tanto ge-neran la invalidez del acto de adjudicación, o de todo el procedi-miento27. Ello dependerá, según los casos, de su entidad ytrascendencia con relación al procedimiento28.

Hasta aquí no parece haber mayores inconvenientes,pero luego que el contrato se encuentre perfeccionado la cues-

26 REJTMAN FARAH, op. cit., p. 135.27 Como expusimos al principio, en todo lo relativo al régimen de fondo deesos actos administrativos se aplica el decreto-ley 19.549; en cuanto a lasnulidades, arts. 14 y 15. La PTN ha dictaminado que “La adjudicación que norespeta estrictamente lo establecido en las cláusulas contractuales está vi-ciada de ilegitimidad (conf. Dict. 217-115). Los vicios manifiestos que no re-quieren una investigación de hecho para detectarlos provocan una nulidadigualmente manifiesta, categoría ésta que cumple una función esencial parael mantenimiento del principio de legalidad y comporta una eficaz proteccióncontra la ejecución de aquellos actos administrativos que portan vicios noto-rios, los que carecen de presunción de legitimidad” (Dictámenes, 235-326).28 La doctrina sobre el punto es abundante, pero sólo a título de ejemplo refe-riré que Mó expone que el incumplimiento de los requisitos exigidos para elacto licitatorio constituye causa de nulidad de la licitación, es decir, que ellacarecerá de toda eficacia jurídica, no pudiendo convalidarse; la invalidez seproduce ex tunc, o sea, desde el origen, como si nada hubiera existido. Encambio, la licitación será sólo anulable en el caso en que el vicio pueda pur-garse, como sería la no inscripción, oportuna, del oferente en el registro co-

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rrespondiente. En cuanto a los supuestos de nulidades absolutas enuncia:violaciones a la publicidad exigida, falta de igualdad en el tratamiento de losconcurrentes, alteración de los precios y, en general, la inobservancia de cual-quier otro requisito esencial del acto licitatorio (Mó, F. F. Régimen legal de las

obras públicas. 2. ed. Buenos Aires: Desalma, 1977. p. 163).29 MUñOz, G. A. Impugnación judicial de los contratos administrativos. En:______.; Grecco, C. M. Fragmentos y testimonios del derecho administrativo.Buenos Aires: Ad Hoc, 1999. p 348. Ese autor afirma que desde el dictado deldecreto-ley 19.549 se impone la aplicación de las reglas propias del “conten-cioso administrativo” a los contratos, destacando que ello ya estaba recono-cido en el Código de Varela para la provincia de Buenos Aires, en el art. 3º.Adelanto que en lo personal, dado el reconocido origen foráneo de las fuentesen las que abrevó dicho ordenamiento, me inclino por compartir las ideas ex-puestas por Bosch en el sentido que la “buena vía” en esa materia debe tenercomo punto de partida la Constitución nacional -más que las construccionespropias de otros sistemas jurídicos- y de allí deben arrancar todos los estudiossobre el tema del control judicial de la actividad administrativa que se realicenen Argentina (Bosch, J. T. Lo contencioso administrativo y la Constitución Na-cional. LL, 81-842).30 BIANCHI, A. B. ¿Es aplicable la doctrina del caso ‘Petracca’ a los procedi-mientos licitatorios? En: AA.VV. Proceso administrativo y constitucional. Bue-

tión se complica. En efecto, pasado ese punto, corresponde di-lucidar cuál es la relación que lo une al contrato con los actosadministrativos dictados durante la selección, su ejecución o re-solución. Se ha postulado que se incorporan al contrato, o queson separables y autónomos de éste, o bien, que presentan unarelación de coligación. Esa cuestión tuvo una gran repercusiónen nuestro derecho, generada, principalmente, por ciertos vai-venes jurisprudenciales.

Las primeras posiciones, erigidas sobre sendas teoríasfrancesas, eran las siguientes: en un extremo, la teoría del acto se-parable, para la cual si cada acto dictado durante el procedimientode selección no es impugnado en forma autónoma al momento desu dictado, se pierde el derecho de hacerlo en el futuro29. En unaposición diametralmente opuesta, la doctrina de la incorporación,según la cual, no tratándose los actos dictados durante el procedi-miento de selección de actos definitivos que causen estado o quese asemejen a éstos, sólo podrán ser impugnados al momento delacto final de adjudicación o de perfeccionamiento del contrato30.

Como lógica reacción a esas posiciones restrictivas dela posibilidad de impugnación31, se elaboró una tercera posición

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más amplia, aunque también sobre la base de una concepciónforánea, en ese caso proveniente de la doctrina italiana. Enefecto, se sostuvo que existen dos opciones para el administrado:impugnar cada acto individualmente y por separado, si se cumplecon las condiciones de admisibilidad para ello, o bien, recurrir elacto definitivo al que se incorporan los vicios de los actos ante-cedentes, sin que ello implique consentir las anteriores manifes-taciones de voluntad. Esa parece ser la principal virtud de lateoría de la coligación, que se asienta sobre la idea de la unidadestructural del proceso contractual que se compone de dos fases,una de selección y otra de ejecución32.

En efecto, el corolario más empleado de la teoría de losactos coligados se ha vinculado entre nosotros a la doble im-pugnabilidad de los actos encuadrados en dicho régimen. Es

nos Aires: Ciencias de la Administración, 1995. p. 153 y ss. Afirma que entrela licitación pública y el proceso jurisdiccional existe un paralelo notable desdeque se trata de un camino procesal compuesto de una serie de actos, algunosadministrativos y otros no, enderezados todos ellos a la producción de unadecisión final: la adjudicación (sentencia). En ese contexto, agrega que laúnica expresión de voluntad estatal definitiva es la adjudicación. Por ende, sibien todos los actos administrativos dictados durante la selección son impug-nables por medio de los recursos administrativos, su revisión judicial sólo esprocedente cuando se trata de la adjudicación o de un acto que excluye alparticipante del procedimiento, puesto que lo contrario implicaría una intromi-sión del Poder Judicial en los asuntos administrativos violatoria de la divisiónde poderes.31 REJTMAN FARAH, op cit., p. 133. 32 BARRA, R. C. Los actos administrativos contractuales. Teoría del acto co-ligado. Buenos Aires: Ábaco, 1989. p. 149-150. El autor expone: “Conside-rando la relación contractual como estructurada sobre una cadena de actosantecedentes y consecuentes coligados, y de acuerdo con lo explicado ante-riormente, debe recordarse que cada uno de los actos antecedentes puedenproducir, en sí mismos, agravios al contratista, por lo que nada impide queeste los impugne inmediatamente después de ser notificado de ellos, inclusollegando a la impugnación judicial. Es la voluntad del administrado, en defini-tiva, provocada por una actuación de la Administración que aquel consideralesiva de su derecho [...] Pero también, como el agravio que genera el actoantecedente puede ser la causa del agravio que generará el acto conse-cuente, nada impide que el administrado aguarde hasta ese momento (el dela emisión del acto consecuente) para iniciar el procedimiento de impugna-ción, en especial, teniendo en cuenta que quizás, por diversas razones, en elacto consecuente final, o en los actos anteriores, tal agravio pudo ser solu-

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cionado, o también pudo el administrado, a través de la sucesión de actos,haber verificado la corrección de la decisión administrativa, o viceversa. Porsupuesto que la posibilidad de impugnar aquel agravio lo es sólo en la medidaen que el acto consecuente se encuentre perjudicado por el vicio que afectóal antecedente. No se podría impugnar, con ocasión del acto consecuente, alantecedente (por más razones que tenga el administrado) si el consecuente noguarda ninguna relación con aquel vicio, o bien dicho vicio no es determinante”.33 ROSSI, A. Extensión del alcance de la doctrina de los actos coligados en elámbito del procedimiento contractual administrativo, LL, 1996-C, 6. El autoragrega que se trata de un dispositivo limitador de la cosa juzgada administra-tiva en el contexto de un procedimiento contractual que se encuentra sujetoa la verificación de, al menos, dos condiciones: a) que se trate de actos ad-ministrativos; b) que el acto antecedente tenga al menos “vocación” de causarefectos jurídicos en el acto consecuente.34 MAIRAL, H. A. Algunas reflexiones sobre la utilización del derecho extranjeroen el derecho público argentino. En AA.VV. Estudios de Derecho AdministrativoII. Buenos Aires: Ciencias de la Administración, 1992. Esa lectura resulta im-prescindible para comprender la realidad de nuestro Derecho Administrativo.35 Hasta principios del siglo XX rigió en la jurisprudencia del Consejo de Es-tado francés la teoría de la incorporación, conforme la cual el contrato admi-

decir, la posibilidad de impugnar tanto al acto antecedente comoal acto consecuente con lo cual se opera, desde el punto devista práctico, un beneficioso alongamiento del plazo de impug-nación bajo circunstancias determinadas33.

Ahora bien, en lo personal creo que existen ciertas in-consistencias en la interpretación que ha efectuado nuestradoctrina y jurisprudencia de la teoría francesa de la separabili-dad, y ello ocurrió a un precio altísimo, en tanto su aplicaciónha tenido como principal efecto restringir el control judicial dela actividad administrativa. Es, creo, un ejemplo más del graveperjuicio que puede causar la importación de una regla extran-jera sin previamente analizar su compatibilidad con el sistemajurídico al cual se la traslada34.

En efecto, en Francia, el surgimiento de la teoría de losactos separables en la jurisprudencia del Consejo de Estadotuvo por finalidad otorgar una vía de impugnación a los partici-pantes en el procedimiento de selección, a través del recursopor exceso de poder, que permitiera invocar la afectación unmero interés -quedando el derecho subjetivo reservado para elcontratista- y asimismo anular el acto viciado sin que con élcaiga el contrato35. O sea, su principal efecto fue ampliar la le-

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nistrativo formaba con los actos que le servían de base o soporte un ‘todo in-divisible’. En ese contexto y dado que los actos anteriores se incorporaban alcontrato, una vez que se anulaba alguno de ellos, el contrato debía caer. Enun primer momento, esa doctrina fue acompañada de una legitimación amplia,permitiéndose utilizar en esa materia el recurso por exceso de poder a todointeresado, sujeto o no al vínculo contractual. Pero, luego, una modificaciónde la jurisprudencia decidió reservar la condición de legitimados procesalesa las partes del contrato, quienes difícilmente pedirían su nulidad por viciosocurridos durante la celebración. El resultado de ese cambio fue la desapari-ción de toda posibilidad de impugnar el contrato, o indirectamente sus actossoportes, mediante el recurso por exceso de poder, quedándose sin vía deacción jurisdiccional los interesados ajenos al vínculo contractual. Esa disva-liosa situación empujó el Consejo de Estado al abandono de la teoría del todoindivisible y trajo como consecuencia la disociación del contrato ya perfeccio-nado de sus actos soportes de naturaleza unilateral (Macera, B.-k. Pasado,presente y futuro de la teoría de los ‘actos separables’ en el derecho francésde la contratación pública. R.D.A., n. 32. Buenos Aires: Depalma, 1999. p.276-280; Boquera Oliver, J. M. La selección de contratistas. Madrid: Institutode Estudios Políticos, 1963. p. 182-186.36 Los primeros elementos de esa construcción jurisprudencial del Consejo deEstado francés aparecen a comienzos del siglo XX, con motivo de las conclu-siones contenidas en los arrêts Commune de Gorre, del 11 de diciembre de1903, y Martín, del 4 de agosto de 1905, de Laubadère, A.; Venezia, J.-C.;Gaudemet, y. Traité de Droit Administratif. Tome 1, 15. ed. París: LGDJ, 1999.p. 546. Sobre el último precedente, Long, Weil y Braibant comentan: El señorMartín, consejero general del departamento de Loire et Cher, ejerció un re-curso contra varios actos adoptados por el consejo general de ese departa-mento sobre la concesión de tranvías. El prefecto del departamento consideróque la vía y el juez competentes eran los del contrato. El Consejo de Estado,al admitir el recurso, se pronunció implícitamente sobre un recurso contra unacto separable del contrato (Long, M.; Weil, P.; Braibant, G. Les grands arrêtsde la jurisprudence administrative. Paris: Sirey, 1956. p. 53).37 Por otro lado, es menester señalar que en el derecho español, al cual tam-bién somos adeptos, la teoría de los actos separables tuvo por finalidad permitirla impugnación de los actos dictados durante el procedimiento licitatorio en loscontratos privados de la administración ante el juez con competencia en lo con-tencioso administrativo. Sobre ese sistema, GARCíA DE ENTERRíA, E.; FER-NÁNDEz, T. R. Curso de Derecho Administrativo. t. I, 10. ed. Madrid: Civitas,

gitimación procesal para permitir la impugnación de los actosprecontractuales y a la vez privilegiar la eficacia sobre la lega-lidad, en tanto el contrato continuaba siendo válido, indepen-dientemente de la nulidad de los actos que le servían de baseo soporte, que pasaban a ser separables, dejándose de lado laidea del todo indivisible36 37.

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Empero, en lo que al punto interesa, la Corte Supremaargentina sostiene -en posición que aquí no se discute- que loscontratos administrativos son nulos cuando existen vicios gra-ves en el procedimiento de selección (concepción propia deltodo indivisible o aún de la coligación)38, pero por otro ladoafirma que todos los actos administrativos, ya sean dictados du-rante la celebración o ejecución del contrato, deben impugnarseen forma autónoma (posición sólo compatible con la teoría delos actos separables) y con sujeción a los plazos de caducidadprevistos en el art. 25 del decreto-ley 19.54939.

De esa forma, en primer término, se arriba al resultadode aplicar la teoría de la separabilidad al propio contratista y noya al simple oferente -solución que es por demás dudosa en elpropio país de origen de la teoría-40 generando los riesgos queella misma vaticinó en Mevopal41. Pero además, y por efecto

2000. p. 692-693; GARRIDO FALLA, F. Tratado de Derecho Administrativo. t.II, 9. ed. Madrid: Tecnos, 1989. p. 73-75. Esa concepción encuentra su consa-gración positiva en el art. 9 inc. 3º de la ley 13/1995, de Contratos de las ad-ministraciones públicas, conforme el texto refundido por el real decretolegislativo 2/00, que estabelece: “El orden jurisdiccional civil será el competentepara resolver las controversias que surjan entre las partes en los contratos pri-vados. No obstante, se considerarán actos jurídicos separables los que se dic-ten en relación con la preparación y adjudicación del contrato y, enconsecuencia, podrán ser impugnados ante el orden jurisdiccional contencioso-administrativo de acuerdo con la normativa reguladora de dicha jurisdicción”.38 CSJN, Stamei S.R.L. c. Universidad Nacional de Buenos Aires, 1987, Fallos,

310:2278; Mas Consultores Empresas Sociedad Anónima c. Provincia de San-

tiago del Estero (Ministerio de Economía), 2000, Fallos, 323:1515; El Rincón

de los Artistas S.R.L. c. Hospital Nacional Profesor A. Posadas y otro, 2003,

Fallos, 326:3700; Ingeniería Omega Sociedad Anónima c. Municipalidad de la

Ciudad de Buenos Aires, 2000, Fallos, 323:3924; entre muchos otros. 39 CSJN, Gypobras S.A. c. Estado Nacional (Ministerio de Educación y Justi-

cia), 1995, Fallos 318: 441; Alcántara Díaz Colodrero, Pedro c. Banco de la

Nación Argentina, 1996, Fallos, 319:1476; Nava, Alberto Emilio c. Estado Na-

cional (Secretaría de Inteligencia del Estado - SIDE), 1996, Fallos, 319:1532. 40 BOqUERA OLIVER, op. cit., p. 186. Téngase en cuenta, además, que en el de-recho francés esa diferencia de trato encuentra su fundamento en que las partesdel contrato disponen de un cauce propio para impugnar todas las cuestiones vin-culadas con dicha relación, el recurso de plena jurisdicción ante el juez del contrato.41 CSJN, Mevopal SA, 1985, Fallos, 307: 2216. Allí sostuvo que los actos admi-nistrativos, aun unilaterales, referentes a la celebración, ejecución o modifica-ción de un contrato administrativo, en principio no pueden considerarse en

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forma aislada, con abstracción del contrato al cual acceden en cuanto determi-nan los derechos u obligaciones emergentes de aquél, por lo que se rigen poridénticas pautas a las del contrato, ajenas, por ende, al marco contemplado enlos artículos 23 y 24 de la ley 19.549 y al sistema de impugnación de su artículo25. Pero lo que aquí realmente interesa es que a renglón seguido afirmó que“una interpretación contraria llevaría a que durante la relación contractual yfrente a la emisión por la Administración de cualquier acto unilateral, el admi-nistrado tuviera que iniciar, en cada caso, un juicio contra su contraparte. Ellosignificaría un dispendio jurisdiccional inusitado y provocaría un resentimientoen el espíritu de colaboración que debe existir entre la Administración y quienejecuta el contrato”.42 CFed. CA, en pleno, Petracca e Hijos SA, 1986, LL, 1986-D, 10. El segundopunto decide, en doctrina obligatoria para los jueces del fuero, que: “No es ad-misible la acción de cobro de pesos o indemnización de daños sin impugnar,dentro del plazo del art. 25 de la ley 19.549, la legitimidad del acto administrativoque ha desestimado la misma pretensión o cuyo contenido excluye el pago delo reclamado”. Esa solución fue criticada por JEANNERET DE PéREz COR-TéS, M. Reflexiones sobre la admisibilidad de la acción por cobro de pesos oindemnización de daños sin impugnar, dentro del plazo del art. 25 de la ley19.549, la legitimidad del acto administrativo que ha desestimado la misma pre-tensión o cuyo contenido excluye el pago de lo reclamado. R.D.A., n. 3. BuenosAires: Depalma, 1990. p. 114-117. Sobre la relación entre Mevopal, Petracca y

Gypobras, con distintas posiciones, ver TAWIL, G. S. Administración y justicia.t. II. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 193-195; MONTI, L. M. La aplicación dela ley de procedimientos administrativos 19.549 en el ámbito de los contratosadministrativos. JA, 1996-IV, p. 801.43 Ampliar infra, punto VII.Sin embargo, cabe recordar que Mairal advierte reiteradamente acerca del errorde importar reglas extranjeras sin compatibilizarlas previamente con nuestro

del legado contenido en el segundo punto resuelto en Pe-

tracca42, el transcurso del referido plazo de caducidad excluyela posibilidad de exigir la reparación de daños y perjuicios.

Desde esa perspectiva, parece que la aplicación de la te-oría de la separabilidad encuentra en nuestro medio, como únicofundamento, posibilitar la aplicación de los plazos de caducidadestablecidos en el referido art. 25 para lograr los efectos indicados.Más allá de las críticas que pueda recibir esa posición, lo cierto esque la jurisprudencia de la Corte Suprema y de la Cámara Con-tencioso Administrativa Federal exige la impugnación de los actosadministrativos en forma autónoma y dentro de los perentorios pla-zos de caducidad, requisito que deberá cumplir tanto el oferentecomo el contratista si no desea ver frustrados sus derechos en elmarco de las relaciones con la administración43.

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sistema constitucional. Desde esa perspectiva, no puede dejar de observarseque un autor de la talla de Rivero reconoce que la doctrina francesa se vio obli-gada a adoptar el método de establecer principios generales en el derecho ad-ministrativo -más aún, el intento de estructurar toda esa rama del derecho,otorgándole carácter autónomo, sobre una sola idea basal, v. gr. la noción deservicio público o el concepto de acto administrativo- debido a “un problemapráctico: delimitar las competencias administrativas y judiciales. Para guiar allitigante (y al juez mismo) en la opción que le imponía la coexistencia de losdos órdenes de jurisdicción, no bastaba multiplicar las soluciones de cada caso:era necesaria, evidentemente, una regla simple”. Era necesario, continúa, fijar“un criterio, un signo infalible que permitiera a cada quien reconocer la situaciónregida por reglas ‘derogatorias del derecho común’, y por lo mismo en caso dediscusión contenciosa elegir el juez”. Además, ese destacado jurista agrega queello sucedió en cierto modo para justificar la continuidad de la doble jurisdicciónaún cuando su razón política original había perdido actualidad (Rivero, J.¿Existe un criterio de Derecho Administrativo? Trad. de Herán Guillermo AldanaDuque. En: Páginas de Derecho Administrativo. Bogotá: Temis y Universidaddel Rosario, 2002. p. 28. Reconociendo que dichos problemas no tienen cabidaen el marco institucional que impone la Constitución argentina en los arts. 109y 116, no queda más que otorgarle la razón a Bosch (op. cit.) en cuanto propo-nía, haciendo suyas las palabras de Cortés, que “no despreciemos las ense-ñanzas de la escuela francesa, a cuya influencia tanto debe el progreso denuestra ciencia del derecho administrativo; pero cuidémonos de ‘la manía deaplicar las instituciones francesas, como leyes reglamentarias de una Constitu-ción formada a imitación de la de Estados Unidos, cuyos principios fundamen-tales son enteramente diversos y frecuentemente opuestos’ [...] No perdamosnunca de vista la Constitución nacional, fuente primera y fundamental, única sobrela cual nos está permitido elevar la fábrica del derecho administrativo argentino”.44 La PTN ha dictaminado que “existiendo en el Pliego de Bases y CondicionesGenerales normas específicas para la presentación de impugnaciones duranteel trámite del procedimiento de selección, la aplicación supletoria del citado ar-

articulación del sistema de impugnación en el régimen decontrataciones

Supuestos de impugnaciónDel art. 48 del decreto 436/00 surge la posibilidad de

impugnar cualquier acto dictado por la administración duranteel procedimiento de selección, más allá de los supuestos expre-samente previstos en su normativa o en los pliegos44. A tales

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tículo 48 sólo podría estar destinada a viabilizar planteos o reclamos distintosa los que tienen mecanismos específicos previstos en el Pliego referido. Enotros términos: la vía que prevé el mencionado artículo 48 no puede ser utilizadacomo medio para atacar actos emitidos durante el Concurso que cuentan concarriles de impugnación expresamente establecidos a ese efecto. Lo contrarioimplicaría vulnerar gravemente el principio de igualdad que debe regir en losconcursos y una violación de las previsiones del Pliego de Bases y CondicionesGenerales (Dictámenes, 248-354).45 Ampliar infra, punto V.46 La PTN ha dictaminado que “Las Comisiones de Preadjudicaciones constitu-yen un servicio administrativo técnico de asesoramiento (permanente o ad-hoc),cuya competencia técnica consultiva se traduce en la preadjudicación, que esuna propuesta o asesoramiento al órgano administrativo que debe adjudicar; yque, aún cuando sea un dictamen u opinión, está sometido a requisitos de pu-blicidad siendo susceptible de impugnación (conf. Dict. 206-364). El asesora-miento de la Comisión de Preadjudicación debe contener: a) el detalle de todoslos elementos y recaudos de cada uno de los posibles candidatos a la adjudi-cación; b) el de las ofertas admisibles y las inadmisibles; c) la indicación de losmotivos fundados que las hacen desestimables, así como cuáles son las que

fines, allí se prevé la aplicación supletoria de las disposicionesdel decreto-ley 19.549 y su decreto reglamentario. El tenor dela norma confirma la posición expuesta en los puntos anterioresen el sentido que todo acto que tenga efectos jurídicos directosy que en algún modo pueda condicionar la adjudicación es im-pugnable, ya sea por los procedimientos especiales previstosen el Régimen de contrataciones, en aquellos supuestos expre-samente regulados, o bien por medio de la normativa generalque establece el procedimiento administrativo impugnatorio.

Entre los supuestos que tienen expresa regulación enel régimen del decreto 436/00 se destaca la impugnabilidad deldictamen emitido por la Comisión de Evaluación (art. 80), entanto constituye una excepción a la norma contenida en el art.80 del decreto reglamentario 1759/72, que veda la posibilidadde deducir recursos contra los dictámenes, en tanto trasuntanuna actividad interna de la administración que no tiene efectosjurídicos frente al administrado45 46. El sistema se complementacon lo dispuesto en el art. 82 en cuanto a que las impugnacionescontra el dictamen de evaluación de las ofertas serán resueltasen el mismo acto que disponga la adjudicación. La norma adoptauna solución acertada que tiende a privilegiar la economía, sen-cillez y eficacia que debe gobernar el procedimiento de selección

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responden a las especificaciones del llamado, destacando en cada una laseventuales ventajas de lo ofrecido con fijación del orden de mérito que corres-ponda según la evaluación realizada. La circunstancia de que la Comisión dePreadjudicaciones no haya evaluado todas las solicitudes presentadas permiteconcluir que la Administración actuó en forma arbitraria, en violación de los prin-cipios de igualdad, de equidad y de transparencia que deben regir en todo pro-cedimiento de selección del co-contratante estatal; en consecuencia el actoadministrativo no configura el resultado de un proceso lógico ajustado al pro-cedimiento pertinente (Dictámenes, 234-472).47 En contra, FARRANDO, I. El efecto suspensivo de las impugnaciones en el Ré-gimen de Contrataciones. En: AA.VV. Cuestiones de procedimiento administra-

tivo. Buenos Aires: Rap, 2006. p. 177.48 GORDILLO, A. Tratado de derecho administrativo. t. 2, 8. ed. Buenos Aires: FDA,2006. p. XII-21, donde sigue lo expuesto por BOqUERA OLIVER, op. cit., p. 148.49 “Todas las presentaciones destinadas a cuestionar tanto las ofertas de otrasparticipantes como las calificaciones y análisis efectuados por los cuerpos téc-nicos competentes del organismo licitante formuladas con posterioridad a lapreadjudicación, resultan inadmisibles en el marco del proceso concursal, porlo que no corresponde acceder a su tratamiento” (PTN, Dictámenes, 242-571).50 He analizado ese tipo especial de licitación, junto con VOCOS CONESA, J.M.; CORDEIRO, M. L. En: Licitación pública por etapa múltiple y el rumbo delsistema de concesión vial. EDA, p. 635, 2004. Se trata de aquellas licitacionesen las que, por el alto grado de complejidad de su objeto, se realiza en dos omás fases la evaluación y comparación de las calidades de los oferentes, losantecedentes empresariales y técnicos, la capacidad económico-financiera, lasgarantías, las características de la prestación y el análisis de los componenteseconómicos de las ofertas, mediante preselecciones sucesivas. Se encuentraestablecida en el art. 26, inc. a) ap. 2º del decreto 1023/01.

en tanto concentra adecuadamente sus actos procesales47.Por su parte, el art. 83 remite a las disposiciones del ré-

gimen general contenido en el decreto-ley 19.549 y su decretoreglamentario 1759/72, especialmente el Título VIII, y se refierea la impugnación del acto de adjudicación. Sobre el punto, se hadestacado que la falta de reclamación contra la adjudicación pro-visional (dictamen de la Comisión de Evaluación) no puede tenerla consecuencia de hacer perder la posibilidad de impugnar laadjudicación definitiva. La pasividad de los interesados no tienepor qué significar el consentimiento de un acto que todavía noexiste, ni tampoco ser una prueba de su legalidad48. No obstante,se debe ser cauteloso, puesto que la PTN no siempre ha acep-tado ese criterio amplio49.

Para el supuesto del procedimiento de selección poretapa múltiple50, el art. 108 del decreto 436/00 establece que

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los oferentes podrán impugnar la precalificación y que las im-pugnaciones planteadas serán resueltas por la autoridad com-petente para aprobar la contratación, dentro del plazo quedetermine el pliego, el que se computará desde el vencimientodel término para impugnar el acta de precalificación.

Para asegurar el derecho a impugnar los actos dictadosdurante el procedimiento de selección, el art. 19 del decreto1023/01 establece la posibilidad de tomar vista de las actuacio-nes en cualquier momento, aunque con ciertas limitaciones51.No obstante ello, en ese punto se debe tener presente que lanorma dispone que la vista del expediente no interrumpirá losplazos, apartándose de lo establecido en la materia por el art.76 del decreto 1759/72.

Requisitos de admisibilidad y trámite. Garantías de impugnación

Desde el punto de vista procesal -dado que se trata deun procedimiento que nace signado por la necesidad de cumplirsu finalidad en un tiempo razonable - es lógico que existan plazospara impugnar, que por lo general, en el decreto 436/00, son decinco días. Pero la concepción al respecto debe ser la inversa dela que se plasma en las normas: amplios plazos para que el ad-ministrado impugne y breves plazos para que la administraciónresuelva. De esa forma se evitan demoras que sólo sirven pararealizar actos de lobbing que desnaturalizan el sentido de la lici-tación pública52. Lo mismo ocurre con las formalidades para lapresentación de las impugnaciones, que deben ser mínimas y

51 Art. 19: “Toda persona que acredite fehacientemente algún interés, podrá encualquier momento tomar vista de las actuaciones referidas a la contratación,con excepción de la información que se encuentre amparada bajo normas deconfidencialidad, desde la iniciación de las actuaciones hasta la extinción delcontrato, exceptuando la etapa de evaluación de las ofertas. La negativa infun-dada a dar vista de las actuaciones se considerará falta grave por parte del fun-cionario o agente al que corresponda otorgarla. La vista del expediente nointerrumpirá los plazos”. Esa cuestión, aunque con anterioridad a la vigencia deldecreto 1023/01, ha sido analizada en profundidad en CFed. CA, Sala I, Fin-

meccanica Spa Aerea Alenia Difesa c. Ministerio de Defensa, LL, 1999-B, 517.52 MAIRAL, 2006. punto 4.2.1., en prensa.

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53 MAIRAL (op. cit.) afirma que, en realidad, la superabundancia de recaudosformales tiende a demostrar, ante personas poco familiarizadas con los trámiteslicitatorios, el celo de los funcionarios intervinientes, permitiendo así diluir deci-siones cuestionables en un fárrago de documentación frecuentemente innece-saria y demorando durante semanas, decisiones que, de ser imparcialespodrían tomarse rápidamente, pero que, al no serlas, llevan a que la demorasea utilizada con propósitos de posicionamiento político de algunos oferentes.54 GORDILLO (2006, p. XII- 16 y ss) destaca que “Hace décadas que vienenlevantándose voces contrarias al excesivo formalismo en la licitación, p. ej. encuanto hace a defectos de la oferta, respecto a los cuales es pacífico que susaneamiento no altera el principio de igualdad, del mismo modo que se admitela presentación de piezas complementarias con ulterioridad a la oferta y en ge-neral el saneamiento de vicios de forma”.55 COMADIRA, J. R. Procedimientos administrativos. Ley Nacional de Procedi-mientos Administrativos anotada y comentada, con la colaboración de Laura M.Monti. t. I. Buenos Aires: La Ley, 2002. p. 63.56 HUTCHINSON, T. Ley nacional de procedimientos administrativos. Regla-mento de la ley 19.549. t. 2. Buenos Aires: Astrea, 1988. p. 258.57 Aunque en reiteradas oportunidades la PTN ha sostenido doctrinas que im-plican una perjudicial concepción antagónica de los principios de concurrenciae igualdad, también ha dictaminado que “Es indispensable destacar la impor-

subsanables53. Además, en el procedimiento licitatorio no sólotiene plena vigencia el principio del informalismo a favor del ad-ministrado, sino que tiene la concreta finalidad de apuntar unode sus pilares fundamentales: la necesidad de preservar la con-currencia54.

En ese punto adquiere importancia la concepción delprocedimiento como garantizador no sólo del debido procesoadjetivo reconocido a los oferentes, sino también de la legalidady eficacia del accionar administrativo55. En el caso particular queaquí analizamos se debe destacar que todo procedimiento re-cursivo es un medio idóneo para hacer efectivo el control o fis-calización en la administración pública56 y, por ese motivo, laposibilidad de instrumentación de esos procedimientos porparte de los interesados debe ser interpretada en forma ampliaa fin de coadyuvar a la obtención de la solución que mejor secompadezca con los intereses en juego57.

Empero, se debe tener presente que el decreto1105/89, reglamentario de la ley 23.696 de reforma del Estado,generalizó la práctica de exigir en los pliegos la presentaciónde garantías, normalmente fijadas en un porcentual del monto

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de la oferta, como condición para deducir impugnaciones58 59.Se ha criticado esa exigencia sobre la base de que atenta con-tra el derecho de defensa, el principio de gratuidad del procedi-miento administrativo60 y contradice la idea de considerar aloferente como un colaborador de la administración61. La justifi-cación que se otorga a ese tipo de cláusulas -que resguardan laseriedad de las impugnaciones - aparece insuficiente a la luz de

tancia que reviste el principio de concurrencia en el proceso licitatorio, en tantopermite a la Administración un mayor cotejo de las condiciones ofertadas. Elloasí, para la interpretación de los pliegos no debe perderse de vista el criteriorector de que los procedimientos de selección del contratista del Estado hansido establecidos básicamente en beneficio del Estado mismo, en resguardode sus conveniencias económicas, financieras y técnicas, por lo cual todo aque-llo que tienda a una fundada competencia entre los oferentes y a una mayorconcurrencia de propuestas no debe ser desalentado por ritualismos formalese interpretaciones limitativas” (Dictámenes, 213-147).58 Así lo recuerda Comadira, J. R. La licitación pública. Buenos Aires: Depalma,2000. p. 34. En efecto, el art. 18 establecía: “[…] f) Existirá una garantía de im-pugnación, que deberá constituir quien formule impugnaciones, que le será de-vuelta en caso de ser acogida favorablemente su pretensión, o que perderá enla misma medida en que tal pretensión sea rechazada [...] j) Las impugnacionesa la adjudicación, que deberán ser también garantizadas en la forma previstaen este reglamento, tramitarán por expediente separado formado por las copiaspertinentes, sin interrumpir la ulterior tramitación del expediente principal, ex-cepto que se configuren las situaciones previstas por el último párrafo del artí-culo 12 de la Ley Nacional de Procedimientos Administrativos 19.549”.59 Ese tipo de norma suele estar redactada, por ejemplo, para obras públicas,en los siguientes términos: “En todos los casos junto con el escrito que planteala impugnación y como requisito para su consideración, deberá acompañarseuna garantía, que no excederá el 1% del Presupuesto Oficial, constituida me-diante certificado de depósito de dinero en efectivo, en el Banco de la NaciónArgentina a favor del licitante. En los casos de etapa múltiple, deberá consti-tuirse esta garantía en todos los supuestos de impugnación. La garantía serápor tiempo indeterminado, irrevocable y se perderá de pleno derecho y sin ne-cesidad de trámite alguno en caso que la presentación sea rechazada. En casode que se haga lugar a la impugnación, se dispondrá la inmediata devoluciónde la garantía al Proponente”.60 HUTCHINSON, T. ¿Las costas en el procedimiento administrativo son a cargodel Estado? LL, 1996-B, 467, donde agrega, en la nota 9, que: “Con este régi-men se ha abolido el principio de gratuidad del procedimiento administrativo,se vulnera la defensa en juicio y se evitan impugnaciones a las adjudicaciones-no siempre transparentes. Por ello no es de extrañar los resultados de ciertasprivatizaciones”.61 COMADIRA, op. cit., p. 35.

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62 Ampliar en Alonso Regueira, E. M.; Cardaci Méndez, A. El fin de las garantíasde impugnación. LL, Sup. Adm. 2006 (diciembre), p. 54.63 MONTI, L. M. Las categorías jurídicas de la preadjudicación y la precalifica-ción en el ámbito de la licitación pública. LL, 2000-C, 112.64 Había sostenido, sistemáticamente, que “La inclusión de la garantía de impug-nación en el Pliego de Bases y Condiciones permite a los oferentes efectuar lasnecesarias previsiones, debiéndose entender que al no haber formulado la ofe-rente oportunamente, ni observaciones, ni impugnaciones a la referida norma,que conocía en todos sus términos, la aceptó y consintió, excluyendo en conse-cuencia la posibilidad de impugnación posterior […} La aplicación de lo precep-tuado en el Pliego de Bases y Condiciones, en relación a la garantía deimpugnación, constituye una necesaria consecuencia del principio de igualdadde los oferentes en el procedimiento de la licitación, derivado del principio cons-titucional de igualdad ante la ley (conf. Dict. 202-151). La restitución de la garantíade impugnación sólo procede cuando la impugnación se resuelva favorablementerespecto de todos los planteos, en cuyo caso, se efectiviza dentro de los tres díasde dictada la resolución que haga lugar a la impugnación” (Dictámenes, 234-69).65 PTN, Dictámenes, 257-151. Un profundo análisis de esa cuestión puede en-contrarse en ALONSO REGUEIRA; CARDACI MéNDEz, op. cit.66 AMPLIAR, EN ESA OBRA, COMENTARIO AL ART. 8 DEL DECRETO 1023/01.67 MATA, op. cit., p. 1235.

los principios y derechos en juego62.Además, tal como lo señala Monti63, existe la posibilidad

de afectar el interés público, ya que la exigencia de constituciónde una garantía desalienta las impugnaciones que podrían con-ducir a una rectificación oportuna por parte de la autoridad ad-ministrativa cuando se ha incurrido en algún error o defecto enel procedimiento de selección.

Afortunadamente, la PTN ha modificado su criteriosobre el punto64 y se ha manifestado en contra de la inclusiónde ese tipo de exigencia en los pliegos de la licitación65.

Supuestos de observaciones al proyecto de pliego66

El Régimen de contrataciones reserva el término “ob-servaciones” para los supuestos de cuestionamiento de los pro-yectos de pliego. Esa posibilidad implica un gran avance en loque se refiere a la participación pública en la etapa diseño delos pliegos a efectos de lograr una adecuada configuración dela demanda por parte de la administración67.

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En efecto, la preparación unilateral y reservada de lospliegos por la administración, sin previa publicidad ni posibilidadde conocimiento e intervención igualitaria de los futuros posiblesoferentes para acercar al debate, en la etapa preparatoria, sumejor conocimiento de la realidad del mercado, lleva a frecuen-tes desconocimientos del medio hacia el cual planea lanzar supedido de ofertas y ello, por diversos motivos, no hace sino en-carecer las ofertas68.

En ese sentido, el art. 8 del decreto 1023/01 disponeque cuando la complejidad o el monto de la contratación lo jus-tifique, a juicio de la autoridad competente, el llamado deberáprever un plazo previo a la publicación de la convocatoria, paraque los interesados formulen observaciones al proyecto depliego de bases y condiciones particulares, conforme lo deter-mine la reglamentación. Sin perjuicio del alto grado de discre-cionalidad que se advierte en su redacción, es evidente que lanorma busca lograr una amplia participación en la etapa inicialde diseño69, por lo que toda persona puede ser un “interesado”en solución que satisface con mayor vigor los principios de par-ticipación, publicidad y eficacia70.

68 GORDILLO, op. cit., p. XII-22.69 A tales efectos, el art. 11 del decreto 436/00 establece que el proyecto depliego de bases y condiciones particulares quedará a disposición del públicodurante todo el lapso previsto para la formulación de observaciones que esta-blezca la autoridad competente para autorizar la contratación, según la com-plejidad de la misma, el cual no será inferior a cinco días. Además, se prevéque el organismo contratante pueda convocar a reuniones para recibir obser-vaciones al proyecto de pliego o promover el debate entre los interesadosacerca del contenido del mismo. De los temas tratados en esas reuniones y delas propuestas recibidas se labrará acta que firmarán los asistentes que quisie-ren hacerlo. Las observaciones al proyecto de pliego que formularen por escritolos interesados, así como también las actas mencionadas, se agregarán al ex-pediente. Con una lógica que tiende a la transparencia, la norma dispone queno se realizará ninguna gestión, debate o negociación ni intercambio de opinio-nes entre funcionarios del organismo contratante e interesados en participar enla contratación fuera de los mecanismos expresamente previstos, a los que ten-drán igual acceso todos los interesados.70 MATA, op. cit., p.1233.

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71 Para una descripción de cada una de las posiciones indicadas y de los auto-res que las sostienen, ver CASSAGNE, J. C. El contrato administrativo. 2. ed.Buenos Aires: LexisNexis, 2005. p. 95-96; GóMEz SANCHIS, D. Pliego de Con-diciones. En: AA.VV. Contratos administrativos. Buenos Aires: LexisNexis, 2002.p. 212 y ss. 72 Rejtman Farah, op. cit., p. 138.

Impugnación de cláusulas de los pliegos

Con relación a los pliegos de la licitación, la cuestión esun poco más compleja. No es este el lugar indicado para analizaren profundidad su naturaleza jurídica, ya sea que se trate de lospliegos generales o los particulares. Aquí alcanza con referir quela doctrina los considera, según los casos, normas en sentido es-tricto, actos de alcance general, pero sin contenido normativo oactos administrativos individuales71. Más allá de ello, creemos queasiste razón a Rejtman Farah cuando sostiene que estos instru-mentos -pliegos generales y especiales- tienen una naturaleza ju-rídica compleja: en algunos supuestos con características de actonormativo, de regulación del procedimiento para la selección delcontratista otros, de estipulación precontractual o contractualsegún el caso. Por ello, en cada oportunidad habrá que analizarselas previsiones de distinto tipo de los pliegos para determinar elrégimen jurídico aplicable72. En ese sentido, cabe señalar que, porlo general, las “bases” son las reglas de juego de la selección y eltérmino “condiciones” se refiere al contenido del futuro contrato ya la forma de su cumplimiento.

Lo que sí es un hecho a tener en cuenta es que, sí en tan-tas décadas de desarrollo doctrinario sobre esa materia no se ob-tuvo consenso sobre el punto, difícilmente dicha concordancia selogrará al momento de plantearse el conflicto concreto, es decir, laimpugnación de una cláusula de alguno de los pliegos que rigenla licitación. Ello es así, puesto que la impugnación de los pliegostiene una estrecha vinculación con la naturaleza jurídica que seotorgue a los mismos. En ese contexto, sería adecuado que tantofuncionarios como oferentes sean cautelosos al momento de ana-lizar la oportunidad y pertinencia de la impugnación de las cláusu-las de los pliegos y que los primeros tengan siempre en vista, alresolver esa clase de planteo, los principio generales de legalidad

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y transparencia, y los especiales de igualdad y concurrencia.En concreto, las situaciones conflictivas que se pueden

plantear son las siguientes: a) que exista una cláusula que esta-blezca que la presentación de la oferta significará, de parte deloferente, el pleno conocimiento y aceptación de todas las dispo-siciones de los pliegos; b) que no se establezca dicha cláusula;y c) que el impugnante aún no haya presentado la oferta o nohaya comprado el pliego. Veamos.

Existencia de cláusula que impone la aceptación

Ese supuesto es el que con más frecuencia se plantea,puesto que el Régimen de contrataciones prevé, expresamente,que la presentación de la oferta implica el consentimiento de lascláusulas de los pliegos73. Se debe tener en cuenta, especial-mente, que sobre el punto la PTN sostiene que la circunstanciade que se presente la oferta sin que se hayan efectuado reparosa las cláusulas del pliego excluye la admisibilidad de las impug-naciones posteriores por su extemporaneidad74. Pero, más aún,es criterio inveterado de la Corte Suprema que el voluntario so-metimiento al régimen jurídico del pliego de condiciones com-porta un inequívoco acatamiento de sus reglas75.

Ello quiere decir que el oferente debe deducir las im-pugnaciones contra los pliegos -sean generales o particulares-cuando adquiere la condición de tal, es decir, al momento depresentar la oferta, con lo cual dicha instancia se transforma en

73 El art. 67 del decreto 436/00 establece: “Efectos de la Presentación. La pre-sentación de la oferta significará de parte del oferente el pleno conocimiento yaceptación de las cláusulas que rigen el llamado a contratación, por lo que noserá necesaria la presentación de los pliegos con la oferta”. Por su parte, el art.9 de la Resolución 834/00 del Ministerio de Economía avanza un paso más dis-poniendo que “La presentación de la oferta, importa de parte del oferente el plenoconocimiento de toda la normativa que rige el llamado a contratación, la evalua-

ción de todas las circunstancias, la previsión de sus consecuencias y la acepta-

ción en su totalidad de las bases y condiciones estipuladas, sin que pueda alegar

en adelante el oferente su desconocimiento, por lo que no será necesario la pre-sentación de los pliegos con la oferta”. El destacado no está en el original.74 PTN, Dictámenes, 115-410, 119-184, 150-52, 233-94.75 CSJN, Fallos 305:826, 307:358 y 432.

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76 COMADIRA, op. cit., p. 123-124.77 MATA, op. cit., p. 1250.78 FIORINI; Mata, op. cit., p. 81.

preclusiva sobre el punto. Pero como el supuesto de oferta eimpugnación simultánea implica, normalmente, el incumpli-miento actual o futuro del pliego en sus aspectos impugnados,la alternativa considerada implica el riesgo de que, cuando laautoridad competente para admitir o calificar la oferta no seaautora del pliego cuestionado, rechace aquélla por inadmisible,lo cual, de suceder, obliga al oferente a sumar a su impugnacióninicial una nueva contra el acto de rechazo76. Es evidente quetodo ello genera un círculo vicioso, de dudosa legitimidad, queredunda en un claro exceso ritual77.

Sin dejar de reiterar que sobre el punto se debe ser pru-dente y evaluar cuáles son las posibilidades de éxito al mo-mento de plantear esas impugnaciones y sopesarlas con elpeligro de la inadmisibilidad de la oferta -aunque por supuestoambas presentaciones deben efectuarse por separado- se debetener en cuenta que la pretensión de aceptación de las cláusu-las del pliego sólo podría tener valor cuando se trata de pliegostotalmente claros e inequívocos, pero, por supuesto, esas vir-tudes recién pueden comprobarse una vez concluido el contratosin tropiezos. Además, el oferente no tiene por función controlarla legitimidad de los actos de la administración78. Lo que sípuede hacer -y así creemos que debería estructurase el sis-tema- es impugnarlo cuando la administración pretende aplicarla cláusula inválida.

En conclusión, es claro que teorías que suenen bien enel plano de las ideas, al momento de su aplicación, sólo contri-buyen a generar situaciones de injusticia e iniquidad, que son elcaldo de cultivo para la corrupción administrativa. Téngase encuenta que, en definitiva, se pueden estar legitimando cláusulasleoninas que no son beneficiosas para el interés público, ni aúncuando se las establece y mantiene con el fin honesto de prote-ger los intereses de la administración -que como lo destacó Gor-dillo, no siempre coincide con el interés público- porque si losoferentes saben que se aplicarán las cláusulas abusivas seria-mente, elevan considerablemente los precios de la contratación.

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Lo que a primera vista parece favorecer los intereses públicos,en realidad termina dañándolos79 80.

Inexistencia de cláusula que impone la aceptación

En esos casos, siempre que se interprete que los pliegosconstituyen normas generales, por aplicación de la idea de am-plitud impugnatoria que rige en materia de reglamentos, el ofe-rente puede impugnar el pliego, directa o indirectamente -esdecir, ante el acto de aplicación-, incluso después de la presen-tación de la oferta81. Aunque, lamentablemente, esa interpreta-ción tampoco es pacífica82.

En tanto se conciba a los pliegos como actos particula-res, la cuestión vuelve a complicarse, puesto que se sostieneque deben ser impugnados en forma directa al momento de pre-

79 MAIRAL, 2006.80 Por ejemplo, la Corte Suprema decidió que la cláusula de un pliego que obli-gaba a los oferentes a acompañar en su presentación un escrito dirigido al or-ganismo en el que se desistía, de manera total e incondicional, de todos losrecursos administrativos y judiciales que se hubieren interpuesto contra susactos, es inconstitucional por violar el art. 18 de la CN y el derecho a la tutelajudicial efectiva reconocido por los tratados internacionales, pero, además,atenta contra los principios básicos de los procedimientos públicos de seleccióncomo la licitación y el concurso, en especial los de libre concurrencia e igualdad,que no sólo tienden a resguardar el derecho de los oferentes o participantes enprocedimientos de ese tipo, sino también el interés público comprometido en ladebida elección de quienes resultarán adjudicatarios (CSJN, Astorga Bracht,Sergio y otro c. COMFER – Decreto n. 310/98, del 14 de octubre de 2004).81 COMADIRA, op. cit., p. 124.82 La PTN sostuvo que “El mero hecho de presentarse a una licitación engendraun vínculo entre el oferente y la Administración y lo supedita a la eventualidadde la adjudicación lo que presupone una diligencia del postulante que excedela común y su silencio hace presumir lisa y llanamente la aceptación de los tér-minos fijados por la Administración (conf. Dict. 167-447; 211-370). El voluntariosometimiento a un régimen jurídico sin reservas expresas, comporta un inequí-voco acatamiento que determina la improcedencia de su ulterior impugnacióncon base constitucional (conf. Dict. 202-151). Si la recurrente durante todo eltranscurso del proceso licitatorio ajustó su comportamiento al Pliego, estuvo so-metida a sus disposiciones y, por ende, al plazo de impugnación impuesto enél, su cuestionamiento posterior es manifiestamente improcedente y suponeuna conducta encontrada con su accionar anterior” (Dictámenes, 224-119).

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83 COMADIRA, op. cit., p. 124. 84 PICCOLI, P. Algunas reflexiones acerca de la impugnación de cláusulas depliegos licitatorios. R.D.A., n. 11. Buenos Aires: Depalma, 1992. p. 608 y ss.85 COMADIRA, op. cit., p. 125-126.86 Por ejemplo, la CFed. CA, Sala II, en los autos Torello, Susana T. c. InstitutoNac. de Servicios Sociales para Jubilados y Pensionados, LL, 2000-B, 275, connota de Beltrán Gambier, “Civismo y amparo”, tratándose de una acción de amparoiniciada por una afiliada, decidió que era nula la cláusula de un pliego de bases ycondiciones para la selección de las empresas gerenciadoras del régimen de co-bertura médico asistencial del PAMI, que establecía una indemnización exorbitantepara el supuesto de rescisión anticipada del contrato, pues ello forzaría al mante-nimiento del mismo ya que de lo contrario se pondría en riesgo su patrimonio yfuncionamiento, con los consiguientes perjuicios para los afiliados en cuanto a loseventuales riesgos que tal situación podría provocarles en su salud.

sentar la oferta83. O, peor aún, se afirma que sus cláusulasdeben ser impugnadas dentro de los plazos previstos para re-currir los actos administrativos, a contar desde el momento enque se adquirió el pliego, acto que tendría las cualidades de lanotificación personal en esos supuestos84.

Legitimación para la impugnación

La legitimación para impugnar los pliegos es amplia. Esdecir, la posibilidad impugnatoria corresponde no sólo a los ofe-rentes, sino también a quien aún sin haber formulado oferta y ha-biendo o no comprado el pliego puede demostrar su derecho aparticipar en el procedimiento de selección convocado por la ad-ministración, sobre la base de una argumentación que, teniendoen cuenta sus antecedentes, permita vislumbrar que se encuen-tran en condiciones objetivas de presentar una oferta en la con-vocatoria en cuestión85.

También se encuentran legitimados para impugnar lospliegos, de igual forma, los usuarios que se vean afectados porsu aplicación ulterior86 y las asociaciones que tutelan derechosde incidencia colectiva, ambos conforme lo dispuesto por el art.42 de la CN. En todos los casos, en tanto se den los supuestosexigidos por el art. 43 de la CN, procederá la acción de amparo.

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Aplicación del decreto-ley 19.549

Hemos visto que aquellos supuestos de impugnaciónque no están expresamente regulados por el Régimen de con-trataciones demandan la aplicación supletoria del régimen ge-neral de procedimientos administrativos. También se hadestacado que el régimen especial prevé la posibilidad de im-pugnar el dictamen evaluación. Ahora bien, ese es un supuestode excepción en lo que se refiere a la posibilidad de cuestiona-miento de los actos preparatorios de la voluntad administrativa.En efecto, el art. 80 del decreto reglamentario 1759/72 esta-blece que las medidas preparatorias de decisiones administra-tivas, inclusive informes y dictámenes, aunque sean derequerimiento obligatorio y efecto vinculante para la administra-ción, no son recurribles. Ello es así puesto que dichas actua-ciones, en sí mismas consideradas, no otorgan ni nieganderecho alguno al administrado.

Los actos preparatorios están exentos de eficacia jurí-dica directa o inmediata, y tienen un régimen jurídico propio.En efecto, no rige el principio de estabilidad, son insusceptiblesde impugnación y no requieren notificación en sí mismos, másallá de la publicidad propia de las piezas expediente adminis-trativo y el derecho al libre acceso a éste por las partes. Asípuesto, la función ejercida por los órganos consultivos es unaactividad preparatoria de las decisiones de los órganos activosde la administración87.

87 Gordillo afirma que para que la noción de acto administrativo sea útil debeestar referida en particular a los problemas de validez y contralor de la actividadadministrativa. En ese contexto, destaca que los problemas de validez e im-pugnación de la actividad administrativa giran en torno a un principio: que puedeatacarse mediante un recurso administrativo o acción judicial a aquel acto dela administración que produzca efectos jurídicos inmediatos respecto del im-pugnante; todo acto de la administración que de suyo no produzca efectos ju-rídicos no es todavía directamente impugnable en cuanto a su validez. Lanoción de acto administrativo debe entonces restringirse a aquellos actos queproducen efectos jurídicos directos, en forma inmediata. Agrega que si se dijesesimplemente que es una declaración que produce efectos jurídicos, estaríamosabarcando los casos en que el efecto jurídico surge indirectamente del acto. Eldictamen vinculante que la administración esté obligada a seguir es un acto

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productor de efectos jurídicos, en cuanto el orden jurídico establece un nexoentre su emisión y determinados efectos jurídicos. Pero no es un acto adminis-trativo en el sentido propio del término, porque los efectos jurídicos no surgendirectamente del acto, sino indirectamente. Es, pues, un acto de la administra-ción o preparatorio, no un acto administrativo, a pesar de ser un dictamen vin-culante. Es esencial, pues, al concepto de acto administrativo, que los efectosjurídicos sean inmediatos, es decir, que surjan del acto mismo (Gordillo, A. Tra-tado de derecho administrativo. t. 3, 6. ed. Buenos Aires: FDA, 2003. p. II-2-3).88 COMADIRA, 2002, p. 189.89 Entre otros, DICTÁMENES, 202-151.90 GORDILLO, op. cit., p. II-9.91 MAIRAL, 1984, p. 238.

Ahora bien, aún antes de la sanción del Régimen de con-trataciones, ya se sostenía -en posición que comparto- que enlos casos en que las preadjudicaciones se sujetan a la condiciónde que el oferente cumpla determinados requisitos, esenciales ono, se trata de verdaderos actos administrativos, con todas lasconsecuencias que de ello se derivan, en especial en el plano delos medios impugnatorios. En efecto, del cumplimiento o no delos condicionamientos impuestos en la preadjudicación se deri-van efectos jurídicos directos para los destinatarios, los que pue-den variar desde el desplazamiento del procedimiento hasta laobtención misma de la adjudicación. De esa forma, el acto con-sultivo deja de ser tal si, per se, genera derecho u obligacionespara los administrados88. La PTN ha aceptado esa posición89.

Superada esa cuestión, cabe advertir que la exigenciade que el acto productor de efectos jurídicos sea “definitivo” hatraído algunas complicaciones en la práctica. Ello se debe aque la ambigüedad del término puede producir confusión al mo-mento de ser utilizado por los operadores jurídicos. No es co-rrecto, en la inteligencia de nuestro derecho positivo, asimilar “actoadministrativo definitivo” con “acto administrativo impugnable”. Losactos definitivos son aquellos que resuelven sobre el fondo delproblema planteado, que en forma definitiva definen el negocioante la administración90, independientemente que sean o no la ex-presión de voluntad de la máxima autoridad competente91.

En efecto, el decreto 1759/72 excluye del ámbito de losrecursos las medidas preparatorias, pero no exige que deba haberun acto definitivo; al contrario, admite expresamente la proceden-cia de recursos contra los actos que denomina “interlocutorios o

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de mero trámite”. En consecuencia, sólo quedan excluidos del con-cepto de acto administrativo (y del recurso administrativo) aquellosactos que no producen un efecto jurídico directo: informes, dictá-menes, etc., que serán los únicos actos calificables como prepa-ratorios. Los actos que producen efectos directos e inmediatos sonsiempre actos administrativos y, por lo tanto, recurribles92.

Si bien es cierto que el decreto 1759/72 establece que elrecurso jerárquico -que es el que agota la vía administrativa- esprocedente únicamente contra actos definitivos o asimilables93 yla PTN ha sido particularmente estricta en cuanto a la aplicaciónde ese precepto94, también lo es que la jurisprudencia ha permitidola impugnación judicial de actos que, a pesar de no ser definitivos,de algún modo pueden tener entidad suficiente como para condi-

92 GORDILLO, op. cit., p. II-12.93 Por tales, entiéndase aquellos que, a pesar de no expedirse sobre el fondode la cuestión planteada a la administración, impiden totalmente la continuidaddel procedimiento administrativo.94 Ha sostenido, en Dictámenes, 224-119, que “La Resolución por la cual se de-negara -en el marco de un procedimiento licitatorio- el pedido de prórroga delplazo para impugnar el informe de precalificación de la Comisión Técnica deEvaluación, la ampliación del término de vista de las actuaciones, y la suspen-sión del procedimiento durante el lapso de ampliación de vista solicitado, debeser recurrida por la vía del recurso de reconsideración (art. 84 de la Reglamen-tación de la Ley de Procedimientos Administrativos), pero no por la del jerár-quico. El recurso de reconsideración aludido debe ser resuelto por el Ministrodel Interior, contra cuya decisión, de ser adversa al recurrente, no será proce-dente ningún otro recurso. El acto que deniega el pedido de prórroga del plazopara impugnar, la ampliación de la vista y la suspensión del procedimiento, nopuede ser considerado como definitivo, porque no resuelve una cuestión defondo, sino una cuestión procedimental. Tampoco puede ser considerado unacto equiparable a definitivo, porque la denegatoria que se recurre no impide‘totalmente la tramitación del reclamo o pretensión del administrado’. El actoadministrativo definitivo es aquel que resuelve directa o indirectamente la cues-tión de fondo planteada, importando una decisión que cierra el procedimiento(conf. Dict. 192-24; 114-376; 125-205; 210-205). Los actos administrativos equi-parables a definitivos son aquellos que sin resolver expresamente el fondo dela cuestión debatida, directa o indirectamente impiden totalmente la tramitacióndel reclamo o pretensión del administrado (conf. Dict. 192-24). Los actos inter-locutorios o de mero trámite son los que producen efectos jurídicos directos,pero sobre el trámite, y no sobre el fondo del asunto; se refieren solamente acuestiones de procedimiento, y, en tanto no sean equiparables a definitivos queimpidan totalmente la pretensión o reclamo del interesado, no son impugnablespor la vía del recurso jerárquico (conf. Dict. 192-24)”.

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95 Sobre el punto, Cassagne expone que si bien los actos antecedentes del pro-cedimiento no pueden calificarse como actos definitivos, es posible admitir su im-pugnación separada tanto en sede administrativa como en la judicial. Esos actosno necesariamente son siempre actos interlocutorios ni de mero trámite, hay actosprevios, que preceden al acto definitivo, que, ya sea por su incidencia directa ysustancial en el fondo del asunto o por ocasionar la ineficacia o imposibilidad deproseguir el procedimiento, o bien por la conculcación grave del derecho de de-fensa, deben considerarse asimilables a los actos definitivos (Cassagne, J. C. Elamparo en las provincias: su procedencia respecto de actos dictados durante elprocedimiento licitatorio. Nota a CS Tucumán, Diavil SRL, 1987, ED, 126-133).96 En el marco de una licitación internacional, mientras se estaban evaluandolas ofertas y frente a la publicación de una nota periodística que manifestabaque cierta documentación del procedimiento licitatorio podría favorecer a unade las empresas intervinientes, uno de los oferentes efectúo una presentacióntendiente obtener copias certificadas de las actuaciones administrativas elabo-radas por la Comisión de evaluación. Por medio de una nota del presidente dela Comisión se accedió sólo parcialmente a lo solicitado, denegándoseles lasrestantes con fundamento en la opinión expuesta en el dictamen jurídico. Dichanota ordenó, asimismo, la reserva de las actuaciones. Ante esa situación, eloferente solicitó judicialmente el dictado una medida cautelar autónoma dirigidaa ordenar al órgano licitante que se abstenga de dictar cualquier acto que im-porte la exclusión arbitraria de la empresa en la licitación. Peticionó, además,una medida conservativa con la finalidad de requerir la exhibición y entrega in-mediata de copias autenticadas de todos los informes, dictámenes, papeles detrabajo o actuaciones que se hayan elaborado con motivo de la evaluación delas ofertas presentadas. El juez de grado hizo lugar sólo a la medida conserva-tiva. La mayoría de la Sala interviniente sostuvo que la reserva dispuesta por laComisión y el servicio jurídico no era legítima, puesto que no había mediadoacto administrativo emanado de las autoridades previstas en el art. 38 del de-creto 1779/72, por lo que la negativa a conceder la vista era irrazonable. Asi-mismo, afirmó que no puede aceptarse que el conocimiento al que acceden laspartes durante el trámite licitatorio pueda afectar el resultado final de la adjudi-cación e indicó que los perjuicios que puede acarrear a la administración otorgarla vista son generalmente mucho menores que los alegados por los funcionariosa cargo del trámite. Aclaró que en el caso no se había declarado la confiden-cialidad de las actuaciones, toda vez que la nota referida no podía considerarsecomo un acto administrativo fundado que dispusiese el carácter reservado osecreto de todo o parte del expediente de la licitación, ya que dicha nota carecíade carácter decisorio, puesto que ella sólo podía tener relevancia en tanto sucontenido se incorporase al acto administrativo respectivo, situación no concu-rría en el caso, CFed. CA, Sala I, Finmeccanica Spa Aerea Alenia Difesa c. Mi-nisterio de Defensa, 1998, LL, 1999-B, 517.

cionar la adjudicación95. Asimismo, se ha admitido la intervenciónjudicial en el caso de conductas que impliquen irregularidades enel procedimiento que, en definitiva, pueden tener el mismo efecto96.

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Por último, cabe destacar que la aplicación supletoriadel decreto-ley 19.549 parece dejar abierta la puerta para que,en el supuesto de que se hayan vencido los plazos para im-pugnar establecidos en el Régimen de contrataciones o en lospliegos, se interponga una denuncia de ilegitimidad, aunquecabe advertir que la PTN se ha pronunciado en contra de esaposibilidad97. Además, se debe tener en cuenta que la jurispru-dencia de la Corte Suprema y del fuero Contencioso Adminis-trativo resultan particularmente restrictivas en lo que se refierea la posibilidad de reabrir la discusión en sede judicial a travésde una denuncia de ilegitimidad98. Por último, conforme lo es-tablece el art. 48 del decreto 436/00, la denuncia debería sertramitada fuera del expediente de la contratación, lo que limitaconsiderablemente las posibilidades de éxito99.

EFECTOS DE LAS IMPUGNACIONES y MEDIDAS CAUTELARES

Efecto suspensivo de las impugnaciones previstas en el Régimen

La cuestión relativa a los efectos que se otorgue a lasimpugnaciones en el procedimiento de selección tiene una im-

97 “Corresponde desestimar la denuncia de ilegitimidad articulada pues el ofe-rente al promover su denuncia lo hace inadecuadamente en los términos de laLey de Procedimientos, cuando debió ajustarse al procedimiento establecidoen el Pliego de Bases y Condiciones Generales” (Dictámenes, 234-452).98 Han sostenido que la decisión administrativa que desestima en cuanto alfondo un recurso extemporáneo, tramitado en el caso como denuncia de ilegi-timidad, no es susceptible de ser impugnada en sede judicial porque, al haberdejado vencer el interesado el término para deducir los recursos administrativos,ha quedado clausurada la vía administrativa, requisito insoslayable para la ha-bilitación de la instancia judicial (CSJN, Gorordo, 1999, Fallos, 322:73 y CFed.CA, en pleno, Romero, 1999, LL, 1999-C-192).99 La PTN ha sostenido que “Si bien resulta evidente el derecho de todo admi-nistrado de formular denuncias simples, su tratamiento no debiera tener comoconsecuencia la suspensión del trámite licitatorio, salvo que tal medida fueradecidida por la propia administración por existir vicios determinantes de la nu-lidad absoluta del acto” (Dictámenes, 202-151).

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100 Farrando, op. cit., p. 177. 101 Arts. 80 y 82 del dec. 436/00. En igual sentido, art. 20 de la Resolución834/00 del Ministerio de Economía.102 Farrando (op. cit.) afirma que ese sistema contradice el art. 30 del decreto1023/01, del cual se deduce que las impugnaciones previstas en la reglamen-tación tienen efecto suspensivo, por lo que no debería tenerse por vigente laparte del art. 82 del decreto 436/00 correspondiente al párrafo indicado y, porende, habría que resolver antes de la adjudicación las impugnaciones al dicta-men de evaluación.103 Art. 83 del decreto 436/00 y 20 de la Resolución 834/00 del Ministerio deEconomía.104 Farrando, op. cit.

portancia práctica relevante, puesto que evidencia la tensiónque existe entre la necesidad de contratar en tiempo oportunoy la rigidez del principio de legalidad, en lo que se refiere a laobservancia de la regularidad del procedimiento. El art. 30 deldecreto 1023/01 parece haber optado por el efecto suspensivopara aquellas impugnaciones específicamente reguladas porel decreto 436/00 o los pliegos100. Cualquier otra impugnaciónu observación distinta a las allí previstas se regirá por las dis-posiciones del decreto-ley 19.549 y su reglamento y en conse-cuencia no tendrá per se efectos suspensivos.

Desde esa perspectiva, el panorama sería el siguiente:a) Las impugnaciones al dictamen de evaluación deberán serresueltas en el mismo acto que disponga la adjudicación101. Porende, en realidad, no tendrían de hecho efecto suspensivo, yaque no se resuelven antes de la adjudicación, sino con ellamisma, en un solo acto102; b) los recursos contra el acto de ad-judicación presentan cierta dificultad, puesto que más allá deestar expresamente previstos en la reglamentación, se esta-blece para su trámite al aplicación del régimen general de pro-cedimientos administrativos, que en su art. 12 prevé sólo elefecto no suspensivo de los recursos103. Se ha interpretado quese debe reconocer el efecto suspensivo por aplicación directay específica del referido art. 30, que prevalece sobre la normageneral y abstracta del art. 12 del decreto-ley 19.549104, aunqueesa posición no es pacífica; c) en la impugnación a la precali-ficación, en el sistema de doble sobre, se prevé que las impug-naciones planteadas sean resueltas por la autoridad

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competente para aprobar la contratación dentro del plazo quedetermine el pliego105.

Efecto no suspensivo y las medidas cautelares

En el resto de los supuestos no previstos expresamente,el Régimen nos pone necesariamente frente al art. 12 del de-creto-ley 19.549, que faculta a la administración a ejecutar susactos por sus propios medios106 e impide que los recursos queinterpongan los administrados suspendan su ejecución y efectos,salvo que una norma expresa establezca lo contrario107.

Hemos tenido la oportunidad de criticar la solución adop-tada por la norma108 en tanto presupone que si la impugnación

105 Art. 108 del decreto 436/00.106 A menos que una ley o la naturaleza del acto exigieren la intervención judicial,aclara la norma.107 Antes de que esta norma fuera sancionada en el año 1972 existía en nuestradoctrina nacional un fuerte enfrentamiento con relación a los efectos que co-rrespondía otorgar a los recursos administrativos en aquellos casos en los quela ley no establecía un régimen especial, principalmente por la influencia quetuvo Sayagues Laso en nuestro derecho administrativo, quien siguiendo a losautores italianos sostenía que en caso de silencio el recurso carecía de efectosuspensivo. Pero, por otro lado, reconocía que la ejecución muchas vecespuede crear situaciones irreparables, “lo que lleva a atemperar el principio delcumplimiento inmediato”. y termina concluyendo que “No pueden darse reglasabsolutas a ese respecto siendo recomendable que la administración obre conprudencia y sentido de justicia” (SAyAGUES LASO, E. Tratado de derecho ad-

ministrativo. t. I, 4. ed. Montevideo: s/ed., 1974. p. 476-477). En la posición dia-metralmente opuesta, LINARES, J. F. Efectos suspensivos de los recursos antela administración. LL, 85:906; y GORDILLO, A. Procedimiento y recursos ad-

ministrativos. Buenos Aires: Ed. Jorge Alvarez, 1964. p. 104 y ss.108 CARRILLO, S. R. Las medidas cautelares contra el Estado en la RepúblicaArgentina. ResPublica Argentina, Ediciones Rap, n. 2006-2, p. 37 y ss., repro-ducido en LóPEz OLVERA, M. A.; VILLASANA RANGEL, P. (Coords.). Las me-

didas cautelares en el procedimiento administrativo en Iberoamérica, México,2006, en prensa. Allí efectuamos un desarrollo de los motivos por los cualesconsideramos que el art. 12 del decreto-ley 19.549 debe ser modificado esta-bleciéndose como principio el efecto suspensivo de los recursos o bien otor-gando efecto positivo al silencio de la administración ante el pedido desuspensión, sin perjuicio de las regulaciones especiales en las que se establez-can excepciones cuando la materia, por su desarrollo u operatoria, requiera laejecución inmediata de los actos administrativos.

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109 “Antes que nada debe recordarse que la justicia administrativa se hizo paraproteger al individuo contra el Estado y no al Estado contra el individuo” (LINA-RES, op. cit.).110 De más está decir que esta es una decisión política y no jurídica, es decir,no hay una supuesta “naturaleza” que mande dichas condiciones en un actoadministrativo, es una característica contingente. En ese sentido, es de la-mentar que los autores de la ley no hayan fundado expresamente la decisiónque adoptaron sobre ese punto en particular, ya que se limitaron a sosteneren la exposición de motivos que “En el Título III adoptamos, en lo esencial,las opiniones expuestas por el doctor Miguel S. Marienhoff, en el Tomo II desu Tratado de Derecho Administrativo en materia de acto administrativo” (En:CANOSA, A. N. Ley nacional de procedimientos administrativos. Comentaday actualizada – 2005. Buenos Aires: Ediciones Rap SA, 2005. p. 28). Muybien, pero los autores se olvidaron de poner en la ley, o aclarar en la exposi-ción de motivos, que Marienhoff -quien efectivamente creía que los recursosy acciones carecen, por sí mismos, de efecto suspensivo, lo cual ya es undato meramente anecdótico- también sostenía que: i) para que un acto admi-nistrativo goce del privilegio de la ejecutoriedad, debe ser perfecto, de lo con-trario no es ejecutorio, porque es “inaplicable”. La autotutela, que constituyeun verdadero privilegio para la administración, requiere indispensablementeesa perfección; y ii) “La suspensión del acto por ilegitimidad manifiesta notiene límite alguno, es absoluta. Demostrada la ilegitimidad, procede la sus-pensión. En un Estado de Derecho es inconcebible que la Administración Pú-blica actúe al margen de la legalidad” (MARIENHOFF, M. S. Tratado de

Derecho Administrativo. t. II, reimp. de la 3. ed. actualizada. Buenos Aires:Abeledo-Perrot, 1988. p. 377 y 381; y ______. Tratado de Derecho Adminis-

trativo. t. I, 4. ed. actualizada. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 663).111 A pedido de parte interesada o de oficio y por razones de interés público opara evitar perjuicios graves al interesado o cuando se alegar fundadamenteuna nulidad absoluta. Para hacer justicia con Escola -uno de los autores dela ley- cabe apuntar que, más allá de las críticas a Linares y Gordillo, que enmodo alguno comparto, en tanto sostenían que los recursos debían tener

de los actos administrativos suspendiera sus efectos y ejecuto-riedad, se paralizaría la acción de la administración; ello porquelos administrados, ante cada negación de una petición, presen-tarían un recurso. Creemos que no necesariamente ello es así,con lo cual, en realidad, parecería que se busca proteger al Es-tado de sus ciudadanos109 y ello ya no es posible en un Estadodemocrático de derecho110.

Es cierto que la última parte del art. 12 establece que laadministración podrá suspender la ejecución del acto ante deter-minados supuestos111, pero dicha facultad ha sido interpretada

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mayoritariamente como meramente discrecional112, por lo cual, enlos hechos, ha sido prácticamente neutralizada, ya que la admi-nistración sistemáticamente evita resolver los pedidos de suspen-sión de la ejecución de sus actos113 o, en algunas oportunidades,el planteo es desestimado al rechazar el recurso que, en el caso,es lo mismo que no resolver.

En las licitaciones públicas es necesario que el recursodeducido contra el acto de adjudicación y la eventual demandajudicial de impugnación tengan efecto suspensivo. Tal como lopropone Boquera Oliver, la forma más efectiva de evitar las com-

efectos suspensivos, parece haber estado convencido de que el sistema desuspensión por la administración funcionaría correctamente en la práctica, apunto tal que esboza un procedimiento -que califica de sencillo y rápido-, queculminaría con una decisión fundada, con la sana intención de reglar la cues-tión: nada más alejado de la realidad. Ver ESCOLA, H. J. Tratado general de

procedimiento administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1973. p. 288. Las crí-ticas aludidas están en las p. 289-294.112 La posición de la PTN al respecto es clara: “Resultan inadmisibles aquellaspresentaciones orientadas a obtener la suspensión de los trámites concursalescon sustento en la iniciación de acciones judiciales y en la supuesta comisiónde irregularidades, por cuanto la mera interposición de una acción judicial notiene entidad suficiente para interrumpir el cronograma de la licitación. La dene-gatoria de un pedido de suspensión del procedimiento en el marco de una lici-tación pública constituye un ejercicio adecuado de la potestad de laAdministración de conducir el proceso licitatorio con arreglo a lo establecido enel Pliego (conf. Dict. 224-119). Por tal motivo, la inexistencia de una orden judi-cial dictada en tal sentido, habilita al órgano licitante a continuar con el procedi-miento licitatorio que se tramita a menos que, por razones de oportunidad, méritoy conveniencia, su titular disponga lo contrario, ponderación que se halla reser-vada a su exclusiva incumbencia” (PTN, Dictámenes, 242-571, entre otros).113 La Sala V de la Cámara de Apelaciones en lo Contencioso AdministrativoFederal, con una franqueza sorprendente, aseguró que “Desafortunadamente,la experiencia indica que cuando ese pedido de suspensión de los efectos delacto es planteado en el procedimiento administrativo, la Administración guarda,sencillamente, silencio. Ello obliga al administrado a recurrir ante la justicia paraque sea ésta quien suspenda los efectos del acto recurrido en aquel procedi-miento” (CFed. CA, Sala V, 7/XI/01, Gas Nea S.A. c. Enargas). 114 La cuestión más grave es encontrarse ante la nulidad absoluta del acto deadjudicación luego de que el contrato se encuentra en marcha, o bien ya hasido ejecutado. Además, de esa forma, se evitaría regularmente -y sin tenerque recurrir a normas de dudosa constitucionalidad- que el Estado quede antela eventualidad de tener que pagar daños y perjuicios por irregularidades co-metidas durante el procedimiento licitatorio.

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115 BOqUERA OLIVER, op. cit., p. 224-226.116 Con claridad meridiana se ha resuelto: “El objeto del presente pleito estáconstituido por la petición de declaración de nulidad de todo el procedimientolicitatorio para la provisión de un sistema de cobro de peaje. De tramitar el juicioen el marco de un proceso ordinario, bajo el resguardo de una medida cautelar,como se sugiere curiosamente a fs. 670 vta. (el propio Estado Nacional), se pa-ralizaría la obra hasta la conclusión de dicho proceso -normalmente extenso,por más que no requiera prueba- lo que en sí mismo es un disvalor notable,sea cual fuera el resultado del pleito. Eso quiere decir que la vía debe ser acep-tada predominantemente por el interés público. La cuestión tiene su trascen-dencia, porque al no ser la vía excepcional del amparo una prerrogativaprocesal exclusiva del actor en virtud de la inminencia del agravio de éste, seneutralizan requisitos que le son exigidos para, justamente, poder defender suderecho de modo sumarísimo. Así, el comportamiento estatal ya no debe sermanifiestamente arbitrario o ilegal para acoger la demanda, porque si éste esel único proceso apto, rechazarlo porque el agravio no es manifiestamente ilegalimporta reconocer que puede ser ilegal de modo simple. y ello sería absurdo,porque ya hemos dicho que en esos casos el juicio ordinario es profundamentedisvalioso en sí mismo, por su natural prolongación temporal, de modo que noserviría para corregir aquella arbitrariedad o ilegalidad no manifiestas, en tantotal corrección recién se produciría una vez afectado el interés público de modoirreparable” (JNFed. CA, nro. 4, Servotron SA c. Consorcio Autopista del Oestey otros, 1996, LL 1997-F, 297).117 BOqUERA OLIVER, op. cit., p. 225.

plicaciones que se plantean en esta materia114 es que, antes deque se perfeccione el contrato, la justicia conozca y resuelvatodas las impugnaciones presentadas contra los actos del pro-cedimiento de selección que se estimen viciados115. Claro que sedirá que ello atenta contra el “interés público”, que se encuentracomprometido en la celebración del contrato respectivo, pero sise previese un proceso ágil y expedito -o si se habilitase la víadel amparo sin las cortapisas del decreto-ley 16.986-,116 el lapsoque demanda la intervención judicial podría, razonablemente, serprevisto junto con los tiempos de la licitación. Téngase en cuentaque en los casos de acreditada urgencia se prescinde del proce-dimiento de selección -contratándose en forma directa- por lo queel problema que tratamos de resolver ni siquiera se plantea117.

Es evidente que con ese sistema se lograría la tan an-siada seguridad jurídica, dado que la ejecución del contrato re-cién comenzaría cuando exista plena certeza de la validez delprocedimiento licitatorio. y en caso de que la urgencia se pre-sente durante la sustanciación de la selección, el régimen podría

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118 Sólo a modo de ejemplo, CSJN, Iribarren, 1992, LL, 1993-B, 264.119 En lo que aquí interesa, el art. 230 del Código Procesal regula la prohibiciónde innovar y el art. 232 establece las medidas cautelares genéricas, norma quese adoptó como fuente para el dictado de las medidas cautelares positivas. Elart. 199 establece la necesidad de presentar una adecuada contracautela. Enambos casos, se exige que: a) El derecho sea verosímil; b) existe el peligro deque si se mantuviera o alterara, en su caso, la situación de hecho o de derecho,la modificación pudiera influir en la sentencia o convirtiera su ejecución en in-eficaz o imposible; c) la cautela no pudiese obtenerse por medio de otra medidaprecautoria; y d) presentación de una adecuada contracautela, que atendiendoa las circunstancias del caso, podrá ser juratoria o real. Cabe aclarar que en elcaso del art. 232 la norma dispone que debe concurrir el peligro de sufrir un“perjuicio inminente o irreparable” y, por otro lado, conforme pacífica jurispru-dencia, es requisito para el despacho favorable de una medida cautelar contrael Estado que no afecte el interés público.120 Parte de la doctrina ha entendido que, en esos supuestos, las medidas cau-telares deben evaluarse conforme los requisitos establecidos en el art. 12, infine, del decreto-ley 19.549; hemos analizado esa cuestión en Carrillo, S. R.Las medidas cautelares contra el Estado en la República Argentina. ResPublica

Argentina, Ediciones Rap, n. 2006-2, p. 22 y ss.

prever que por medio de una decisión fundada se otorgue efectono suspensivo a las impugnaciones.

Pero como nada de ello sucede, la medida cautelar pi-diendo la suspensión de los efectos del acto de adjudicación apa-rece como la única salida viable en ese universo, ya que tiene lavirtualidad de suspender la marcha del procedimiento, preser-vando el derecho sustantivo. Las medidas cautelares están re-guladas con detalle en el Código Procesal Civil y Comercial dela Nación y la jurisprudencia de los tribunales federales118 haaceptado pacíficamente su aplicación119, permitiendo la suspen-sión de los efectos de los actos administrativos antes o despuésde iniciado el proceso120.

Ese tipo de pretensión cautelar puede ser tanto una pro-hibición de innovar como una medida innovativa, según el puntode vista desde el cual se la analice. En efecto, el acto adminis-trativo tiene efectos jurídicos inmediatos desde que es notificadoo publicado -según sea de alcance individual o general- por loque, desde el punto de vista jurídico, la suspensión de sus efec-tos siempre implicará una modificación en la esfera jurídica deladministrado y, en ese contexto, se la puede considerar innova-tiva. Pero, por otro lado, en cuanto a los hechos, ello dependerá

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de cuál sea el objeto del acto que se suspende y si éste ya fuecumplido o no. Por ejemplo: si se suspende el acto de adjudica-ción, impidiendo el cumplimiento de los actos sucesivos de per-feccionamiento del contrato, la medida será de no innovar entanto se mantiene el statu quo. Ahora bien, si se ordena caute-larmente la suspensión del acto que denegó la vista del expe-diente durante una licitación, y se ordena que ésta sea conferidaen forma inmediata, se trata de una medida innovativa.

En cuanto a la oportunidad para solicitarlas, el art. 195del Código Procesal establece que podrán ser solicitadas anteso después de deducida la demanda, lo que ha permitido la crea-ción pretoriana de las medidas cautelares autónomas121. Con-siste, básicamente, en solicitarle al juez que ordene lasuspensión de los efectos del acto administrativo recurrido hastaque la administración resuelva el recurso que agota dicha vía122.Mientras tanto, el administrado obtiene tutela aparentemente sinforzar el sistema de agotamiento de la vía administrativa previay sin un perjuicio mayor para la administración, quien, con su pro-pia diligencia, determina la duración de la medida cautelar dic-tada en su contra resolviendo el recurso123.

Una cuestión interesante relativa a los requisitos de ad-misibilidad es que la Cámara Contencioso Administrativa Federalviene afirmando -como jurisprudencia ya consolidada- que amayor verosimilitud del derecho menor será la exigencia en la

121 Ampliar en GALLEGOS FEDRIANI, P. O. Las medidas cautelares contra laAdministración Pública. Buenos Aires: Ábaco, 2002. p. 143 y ss.; CASSAGNE,J. C. La tutela cautelar otorgada en forma anticipada o autónoma. LL, 2000-F,837.122 Gordillo, quien ha elogiado la creación de ese tipo de medida cautelar, afirmaque “es un indudable progreso en materia jurídica, aunque tal vez ahora falteel paso inmediato siguiente, en que se acepte la suspensión de pleno derechodel acto administrativo que causa gravamen, por la mera interposición del re-curso administrativo -como parte de la doctrina propugna-, y sin necesidad deacudir a la vía judicial en una cautelar autónoma. Con la cautelar autónoma seresuelve algo del problema; con reconocer el efecto suspensivo del recurso ad-ministrativo contra el acto que causa gravamen se resolvería todo el problema(GORDILLO, A. Cautelar autónoma. LL, 1996-D. 127, del mismo autor y conigual título, LL, 1999-A, 142).123 zAMBRANO, P. Medidas cautelares ‘autónomas’ y la garantía de defensaen juicio: ¿Por el artículo 230 del Código Procesal o por el artículo 12 de la ley

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19.549? LL, 1998-C, 344.124 La jurisprudencia en ese sentido es abundante: a título de ejemplo, algunasde las pioneras, Cam. Nac. Federal, Banco Popular de La Plata, LL, 120: 763y Gobierno Nacional c. NN, LL, 125: 633, 1966; y más actuales CFed. CA, SalaII, 4/IV/92, Continental Illinois National Bank And Trust Company of Chicago c.Banco Central y Sala IV, 31/III/92, O.S.P.E.G.Y.P.E. c. Ministerio de Salud y Ac-ción Social. Ver también GALLEGOS FEDRIANI, P. Las medidas cautelarescontra la administración nacional (Principios jurisprudenciales). LL, 1996-B,1052.125 Guglielmino expone que, en su experiencia como magistrado, en determi-nadas ocasiones un traslado previo ha beneficiado a los peticionantes de lasmedidas cautelares que han visto así robustecida su posición, que pasa a ad-quirir un estatus superior al de la apariencia (GUGLIELMINO, O. C. Exposiciónen Los grandes temas del Contencioso Administrativo. Jornadas sobre DerechoProcesal Administrativo, Rap, 270, p. 14).126 Esa cuestión puede ser ampliada en DIANA, N. ¿Otra vez el enigma de lahabilitación de instancia? (Sobre las cenizas de Cohen). LL, 2006-A, 60; REJT-

gravedad e inminencia del daño y viceversa, cuando existe la evi-dencia de un daño grave e inminente, el rigor acerca del fumus

bonis iuris se debe atenuar124, aunque esa interpretación no au-toriza a prescindir de ninguno de los requisitos legales, sino sóloa atemperar el rigor de uno cuando el otro se presenta en formaacentuada.

Por último, si bien en el ámbito del derecho procesal civilrige con plenitud el principio establecido en el art. 198 del Códigoprocesal, relativo a que las medidas precautorias se decretan ycumplen sin audiencia de la otra parte, en el procedimiento ad-ministrativo esa regla debe ser matizada. En efecto, en algunossupuestos es imposible conocer las consecuencias que en defi-nitiva puede tener la concesión de la medida cautelar sin contarcon un informe previo del organismo o, al menos, con el expe-diente administrativo en el que se dictó el acto impugnado125. Porsupuesto, todo ello dependerá de las posibilidades que otorgueel peligro en la demora.

Habilitación de la instancia: el plazo de caducidad126

En ese punto se plantea otra cuestión crucial con relacióna la tutela judicial efectiva, que requeriría un profundo análisis que

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MAN FARAH, M. La consagración legal de la habilitación de instancia de oficio:su inconstitucionalidad. En: AA.VV. Derecho Procesal Administrativo. Homenajea Jesús González Pérez. t. 1. Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 917 y ss.; Tawil,op. cit., p. 193 y ss.; JEANNERET DE PéREz CORTéS, op. cit., p. 114-117.127 En realidad, tal como afirma Luqui (op. cit., p. 49), en las licitaciones públicasson pocos los planteos judiciales, por lo general las quejas terminan en sedeadministrativa. Tal vez ello sea así por el costo de la tasa de justicia, o para evi-tar el riesgo de tener que pagar elevados honorarios, o por el temor a enemis-tarse con el “poder” de turno perdiendo contrataciones futuras. No obstante, laprogresiva ampliación de la procedencia de la acción de amparo ha disminuidolos costos judiciales y los riesgos que siempre genera la incertidumbre sobre elresultado del pleito.128 Si bien ello es así, lo que no es razonable es que existan plazos generalesde caducidad, puesto que ello no tiende a proteger ningún interés público, sinoque tiene la finalidad de que el Estado no sea demandado (BIANCHI, A. B. Entreel agotamiento de la instancia y el plazo de caducidad (¿A quién protege el pro-cedimiento administrativo?). En: AA.VV. Cuestiones de Procedimiento Adminis-

trativo. Buenos Aires: Ediciones Rap, 2006. p. 869). El sistema requiere serurgentemente depurado en ese punto, creo que la magnitud de los derechosen juego justifica ese sacrificio del legislador. Tal como lo afirma Mairal, hay su-puestos en los que es posible instrumentar ese instituto -v. gr. procedimientossancionatorios, en los que el administrado cuenta con un amplio marco de de-fensa y posibilidad de asistencia letrada- pero ello no autoriza su instauracióngeneralizada. Ampliar en MAIRAL, H. A. Los plazos de caducidad en el derechoadministrativo argentino. En: AA.VV. Derecho Procesal Administrativo. Home-naje a Jesús González Pérez. t. 1. Buenos Aires: Hammurabi, 2004b. p. 882 yss. No obstante, la Corte Suprema ha aceptado que la existencia de términospara demandar a la administración se justifica por la necesidad de dar seguridadjurídica y estabilidad a los actos administrativos, a fin de evitar una incertidum-bre continua en el desenvolvimiento de la actividad de la administración, puesde lo contrario se afectaría el principio constitucional de la seguridad jurídica,que constituye una de las bases principales de sustentación de nuestro orde-namiento, cuya tutela innegable compete a los jueces (CSJN, Gypobras SA,1995, Fallos, 318:441). La Corte agrega que los plazos de caducidad constitu-

excede las posibilidades de ese comentario. No obstante, expon-dremos algunas cuestiones básicas sobre el tema127.

Es cierto que, culminado el procedimiento licitatorio, seimpone tener certeza sobre la validez del acto de adjudicación aefectos de que el contrato pueda ser ejecutado sin contratiemposgenerados por impugnaciones tardías. Desde esa perspectiva,resulta razonable -en esa materia- que exista un plazo de cadu-cidad a fin de que en un tiempo previsible para la administraciónésta pueda tener certeza sobre la validez del procedimiento deselección128.

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yen una prerrogativa procesal propia de la administración pública, consecuenciadel denominado “régimen exorbitante del derecho privado”, que impera en larelación ius administrativa (CSJN, Serra, Fernando Horacio y otro c. MCBA,1993, Fallos, 316:2454). En contra, sosteniendo que el sistema no viene im-puesto por el principio de división de poderes, sino más bien todo lo contrario(BIANCHI, a. B. ¿Tiene fundamentos constitucionales el agotamiento de la ins-tancia administrativa? LL, 1995-A, 397). Además, si no hay plazo para deman-dar la inconstitucionalidad de una ley y ello no produce per se inseguridadjurídica, no se alcanza a comprender por qué deben los actos del Poder Ejecu-tivo gozar de un estatus preferencial frente a la ley (MAIRAL, 1984, p. 384).129 Gordillo ha señalado el error de concebir al interés público como un ente abs-tracto, como una estela de bienestar que se esparce insensiblemente entre elpueblo; como una noción mágica que implica todo lo bueno y mejor y a la cualdeben doblegarse las pretensiones jurídicas de los particulares. Además, de-mostró que el interés público no es el interés de la administración. Concluye,en posición que compartimos, que sólo hay interés público cuando de entre unamayoría de individuos cada uno puede escindir del mismo su interés individual:El “interés público” en que cada individuo no pueda encontrar e identificar suporción concreta de interés individual es una simple falacia (Gordillo, A. Rees-tructuración del concepto y régimen jurídico de los servicios públicos. LL, 106-1187, año 1962, reproducido en LL, Páginas de Ayer, 2004-10, 29). No obstante,la doctrina de la PTN sobre el punto conlleva serios riesgos: “No se debe justi-ficar la lesión de los derechos de los particulares con la sola invocación de losintereses de la comunidad; pero tampoco se pueden perturbar los objetivos delEstado, que deben ser los del conjunto de la sociedad, por un excesivo rigo-rismo interpretativo en el alcance de las garantías individuales (conf. Dict. 164-82; 202-48)” (Dictámenes, 217-115, el destacado no está en el original). Pornuestra parte, hemos analizado la cuestión de la determinación del interés pú-blico en “Jueces, interés público y Cuota Hilton,” La Ley Actualidad, del 21-26/X/2004, p. 1 y 3, también publicado en El Dial (elDial.com), news letter n.1834 y en “El interés (del) público en el Régimen Federal de pesca” ResPublicaArgentina (Ediciones Rap), n. 2006-1, p. 77 y ss.130 MAIRAL, 2006.

En esa delicada materia -que conlleva el terrible efectode limitar el acceso a la justicia de los administrados- las dis-posiciones legales deben fundarse en verdaderas razones deinterés público, el que debe ser evaluado caso por caso, y nocomo una noción abstracta sin contenido específico129. Pero ensu defensa de lo que él entiende es el interés público, el Estadoargentino sacrifica una y otra vez el Estado de derecho130.

Ello, sumado al respecto que debe existir en el Estadodemocrático de derecho a la tutela judicial efectiva, impone quese revise legislativamente esa materia y se establezcan plazosde caducidad sólo en aquellos casos en que realmente existan

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131 Además, las razones de seguridad jurídica que se invocan para defender elsistema general de caducidad pueden ser valederas en Francia, donde los efec-tos de la sentencia anulatoria se extienden erga omnes, ya que sería injustoque los beneficiarios del acto impugnado por ilegítimo continuaran durante añosen la incertidumbre acerca de la validez y estabilidad de tales beneficios, perono tienen igual peso en el régimen argentino, en el que rige el efecto relativode la cosa juzgada (MAIRAL, 2006, p. 383; MAIRAL, 2004b, p. 882 y ss).132 Bianchi (op. cit., p. 868) ha efectuado una importantísima observación sobreesa cuestión: afirma que el examen del derecho comparado revela que el le-gislador argentino optó, entre las varias soluciones allí disponibles, por la másrestrictiva para el acceso a la jurisdicción, esto es, la que exige primero agotarla vía administrativa para someter luego la demanda a un plazo de caducidad,todo con carácter general.133 Nunca debe olvidarse que el art. 76 del decreto 1759/72 (t.o. 1991) estableceque: “Si a los efectos de articular un recurso administrativo, la parte interesadanecesitare tomar vista de las actuaciones, quedará suspendido el plazo pararecurrir durante el tiempo que se le conceda al efecto, en base a lo dispuestopor el artículo 1º, inc. e), apartados 4º y 5º, de la Ley de Procedimientos Admi-nistrativos. La mera presentación de un pedido de vista, suspende el curso delos plazos, sin perjuicio de la suspensión que cause el otorgamiento de la vista.En igual forma a lo estipulado en el párrafo anterior suspenderán los plazosprevistos en el artículo 25 de la Ley de Procedimientos Administrativos”.134 La irrazonabilidad de ese sistema legal, que impone al juez sustituir la vo-luntad de una de las partes del proceso, surge palmaria de la lectura de los ar-gumentos expuestos en precedentes de la propia Corte Suprema, donde sedestacó que la evaluación de oficio de los requisitos de admisibilidad viola elderecho de defensa, la igualdad de las partes en el proceso y el principio pro-cesal de congruencia (ver CSJN, Cohen, Rafael c. Instituto Nacional de Cine-matografía, 1990, Fallos, 313:228 y Construcciones Taddía SA. C. EstadoNacional (Ministerio de Educación y Justicia), 1992, Fallos, 315:2217). No obs-tante, en los autos Resch, Héctor Juan c. Ministerio del Interior - Policía FederalArgentina, 2004, Fallos, 327, a través de un obiter dictum, la Corte ha sentadolas bases para volver a la doctrina acuñada por dicho tribunal en Cohen. Al res-pecto, ampliar en Diana, op. cit..

razones de seguridad jurídica que justifiquen limitar los dere-chos de los administrados131 132.

En ese contexto, y de acuerdo al estado actual de la le-gislación, el oferente debe cumplir estrictamente con la presen-tación de la demanda judicial dentro del plazo de caducidad de90 hábiles judiciales, tal como lo exige el art. 25 del decreto-ley19.549133 puesto que, conforme lo dispone el art. 31, el juez debeevaluar de oficio in limine litis la concurrencia de los requisitosde habilitación de la instancia y en caso de no encontrarse cum-plidos, se ve impedido de darle curso a la demanda134.

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A modo de epílogo, quiero recordar, una vez más, lassabias palabras de Bosch, quien afirmaba que la “buena vía”en esa materia debe tener como punto de partida la Constitu-ción nacional -más que las construcciones propias de otros sis-temas jurídicos- y de allí deben arrancar todos los estudiossobre el tema del control judicial de la actividad administrativaque se realicen en Argentina135. Ojalá el eco de sus palabrassea escuchado por el legislador136.

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BIANCHI, a. B. ¿Tiene fundamentos constitucionales el agota-miento de la instancia administrativa? LL, 1995-A, 397.

135 BOSCH, op. cit.136 A quien cada uno de nosotros, desde su lugar, debe ayudar a actuar con me-sura (ver BIANCHI, A. B. La Cámara de Diputados no es un club privado. LL,del 5/6/2006, p. 1).

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ILUSTRÍSSIMA SENHORA ESCRIVÃ CRIMINAL DA COMARCADE RIALMA-GO

Autos n. 8700268364AÇÃO PENAL Sentenciado: JOÃO ELEOTÉRIO MENDES

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS,pela Promotora de Justiça que subscreve esta, vem à presençade Vossa Senhoria, com fulcro nos artigos 639 e seguintes doCódigo de Processo Penal, requerer a extração de

CARTA TESTEMUNHÁVEL,

tendo em vista os motivos a seguir alinhavados.

01 Às fls. 167/171 foi exarada sentença pelo ilustre ma-gistrado titular desta Comarca, na qual, alegando a ocorrênciada prescrição em perspectiva ou virtual, foi declarada extinta apunibilidade de João Eleotério Mendes.

02 O MINISTÉRIO PÚBLICO foi intimado da referida de-cisão no dia 16/04/2009, conforme atesta a certidão de fl. 172,sendo que no dia 22/04/2009 ingressou com recurso em sen-tido estrito por não se conformar com a referida decisão, opor-tunidade em que pugnou por vista dos autos, no prazo legal,para o oferecimento das razões recursais (fl. 173).

03 Ocorre que o referido recurso teve seu seguimento in-justamente denegado, conforme decisão das fls. 178/179, naqual restou consignado que o prazo para a interposição do re-curso em comento teria se findado no dia 21/04/2009.

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04 Entretanto, conforme se verifica do informe extraído dosite do Tribunal de Justiça de Goiás em anexo, dia 21/04/2009foi feriado, razão pela qual, nos termos do artigo 798, §3º, doCódigo de Processo Penal, o prazo que terminar em dia fe-riado considerar-se-á prorrogado para o dia útil imediato,que no presente caso foi o dia 22/04/2009, dia em que foi inter-posto/protocolizado o recurso em sentido estrito.

05 Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer queVossa Senhoria, conforme ordena a lei, extraia a respectivacarta testemunhável, com o fito último de ser processado o re-curso em sentido estrito, injustamente denegado, remetendo-se o mesmo ao Tribunal de Justiça de Goiás.

06 Após aberta vista ao recorrido, consoante determina oartigo 643 c/c artigo 588 do Código de Processo Penal, deveráser o presente recurso concluso ao MM. Juiz Sentenciante,para que possa exercer o juízo de retratação, conforme pre-ceitua o artigo 643 c/c artigo 589 do Código de Processo Penal.

07 Caso o MM. Juiz Sentenciante não reforme sua de-cisão, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer o traslado das se-guintes peças para formação da carta testemunhável:

a) Sentença de fls. 167/171;b) Certidão de intimação de fl. 172;c) Recurso em sentido estrito de fl. 173;d) Decisão recorrida, a qual denegou o seguimento dorecurso em sentido estrito, sob o pressuposto da in-tempestividade, de fls. 178/179.

08 Nestes termos, pede deferimento.

Rialma, 09 de junho de 2009.

Renata Dantas de Morais e MacedoPROMOTORA DE JUSTIÇA

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARAÚNICA DA COMARCA DE RIALMA-GO

Autos n. 422910-95.2009.809.0136Inquérito Policial n. 064/2009Indiciado: YUSTRICK DA SILVA ROSAVítima: SAMARA PEREIRA DOS SANTOS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS,pela Promotora de Justiça que subscreve esta, no uso de suasatribuições constitucionais e legais, vem à digna presença deVossa Excelência manifestar-se nos termos que seguem.

- I -

01 Cuida-se de Inquérito Policial instaurado mediante Autode Prisão em Flagrante de YUSTRICK DA SILVA ROSA, presoem flagrante delito, no dia 9 de outubro de 2009, por infraçãoem tese ao disposto no artigo 217-A do Código Penal.

02 Segundo consta, no dia 9 de outubro de 2009, por voltada 00h30min, policiais militares flagraram o indiciado, junta-mente com a sua namorada Samara Pereira dos Santos, de 12anos de idade, dentro do veículo Ford/Scort, placa CPS-8866,estacionado na praça do Fórum, momento em que ambosestavam parcialmente despidos, praticando atos libidinososdiversos da conjunção carnal.

03 No curso das investigações foram ouvidas a vítimaSamara Pereira dos Santos (fls. 7/8) e as testemunhas Arleteda Silva Cardoso (fl. 5), Rosana Freitas Godoi (fl. 6), GleidyRibeiro dos Santos (fls. 23/24), Ismael Pires da Silva (fl. 30),Lauri Ribeiro dos Santos (fl. 31) e Elenice Gonçalves deAlmeida (fl. 32).

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04 Às fls. 36/38, anexou-se o Laudo de Exame de ConjunçãoCarnal.

05 O inquérito foi concluído e seu relatório final encontra-se nasfls. 40/43.

- II -

06 Em análise detida dos autos não subsistem elementossuficientes a ensejar o oferecimento de denúncia, visto que aconduta do agente não foi suficiente para afetar significativa-mente o bem jurídico tutelado, implicando na atipicidade penal.

07 A Lei 12.015/2009 introduziu importantes alterações noCódigo Penal, especialmente no Título VI, antes denominado“Dos crimes contra os costumes”, agora intitulado “Dos crimescontra a dignidade sexual”.

08 Dentre as mudanças observadas, houve a introdução dodenominado estupro vulnerável, no artigo 217-A, alocado noCapítulo II, que passou a ser “Dos crimes sexuais contravulnerável”, artigo este que possui a seguinte redação:

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso

com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

09 Dessa forma, alterou-se por completo o sistema deimputação típica para os casos antes abrangidos pela pre-sunção de violência. Anteriormente, se o agente mantivesseconjunção carnal com mulher “não maior de 14 anos”, aocorrência do estupro dependia da combinação do artigo213, que tipificava o crime de estupro, com o artigo 224,ambos do Código Penal, sendo que este último previa a pre-sunção da violência quando a vítima não era maior de 14 anos:

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Estupro

Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência

ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Revogado pela Lei n. 12.015,

de 2009)

Presunção de violência

Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima:

a) não é maior de catorze anos;

b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;

c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (Revo-

gado pela Lei n. 12.015, de 2009)

10 Agora, entretanto, com o advento da Lei 12.015/2009,abandona-se por completo o regime de presunção e insere-setipo penal denominado “estupro de vulnerável”. Assim, ashipóteses de presunção de violência passam a ser elementaresde um novo tipo penal, de forma que, atualmente, manter con-junção carnal ou praticar outro ato libidinoso, com menor de 14anos, é crime de estupro de vulnerável, o qual, diga-se depassagem, é apenado mais gravemente que o novo crime deestupro, tipificado no artigo 213 do Código Penal, para o qualé prevista pena de 6 a 10 anos de reclusão, enquanto para ocrime de estupro de vulnerável a pena cominada em abstratoé de 8 a 15 anos de reclusão.

11 Ademais, é de se ressaltar que, seguindo a mesmasistemática aplicada para o crime de estupro, atualmente tipi-ficado no artigo 213 do Código Penal como “Constranger al-guém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunçãocarnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outroato libidinoso” (grifos meus), no caso do artigo 217-A doCódigo Penal também houve a junção da antiga figura docrime de atentado violento ao pudor. Porém, no referido tipopenal tipificou-se como crime de estupro de vulnerável a con-duta de “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso

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com menor de 14 (catorze) anos” (grifos meus).

12 Assim, como o artigo 217-A não contém em sua descriçãotípica o emprego de violência, doravante a menoridade da vítimapassa a integrar o tipo penal, não cabendo qualquer discussãosobre a sua inocência em assuntos sexuais.

13 Nesse sentido, inclusive, já se manifestou o SuperiorTribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA

MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO. IRRELEVÂNCIA. RE-

VOGAÇÃO PELA LEI N. 12.015/09. NOVATIO LEGIS IN PEJUS.

ABOLITIO CRIMINIS INEXISTENTE.

1-A presunção de violência, anteriormente prevista no art. 224, alí-

nea a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como

instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de qua-

torze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrele-

vante o seu consentimento para a formação do tipo penal do

estupro.

2-Embora a Lei n. 12.015/09 tenha retirado do texto penal incrimi-

nador a figura da violência presumida, não se verifica, na espécie,

-hipótese de abolitio criminis, já que o novo texto legal, que substi-

tuiu o art. 224, alínea a, do Código Penal, impõe uma obrigação

geral de abstenção de conjunção carnal e de ato libidinoso com me-

nores de 14 anos – art. 217-A, do mesmo Diploma Repressivo.

3. Ordem denegada.

(STJ – Min. Laurita Vaz, Habeas Corpus-MG 83.788)

14 Outrossim, não se pode olvidar que transparece dotexto legal o desejo por vezes até exagerado do legislador ememprestar especial proteção aos menores de 14 anos contracrimes sexuais.

15 Assim, no intuito de proteger a pessoa em tal condição,de forma a garantir um desenvolvimento pessoal completo esaudável, o legislador entendeu por bem tornar expressa a ili-

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citude da prática de atividades sexuais por menores de 14,independentemente de sua escolha, tomando-se por irrele-vante seu assentimento para que se configure consumado odelito por parte de quem com ela pratique atividade sexual.

16 Não obstante a intenção do legislador, é bom frisar quepara a caracterização de qualquer crime é necessário que aconduta ofereça dano ou perigo concreto ao bem jurídico tute-lado, no caso tratado nos autos a dignidade sexual.

17 Com efeito, ainda que a conduta do agente se amoldeà descrição contida no artigo 217-A do Código Penal, há quese perscrutar, para verificar a tipificidade da conduta, se houveafetação ao bem jurídico penalmente tutelado pelo Estado.

18 Tal dedução se extrai da constatação de que o sistemapenal é parte do controle social institucionalizado pelo Estado,visando as ações ilícitas que mereçam esse controle. Nenhumtipo penal é instituído para existir por si mesmo, sem um sen-tido finalístico definido. A criação de tipos em direito penal édeterminada pelo princípio da imprescindibilidade da existênciado tipo incriminador como meio de proteger certos bens jurídi-cos essenciais.

19 Dessa feita, a afetação de bens jurídicos exigida pela tipi-cidade penal requer sempre alguma gravidade, posto que nemtoda ofensa mínima ao bem jurídico é capaz de configurar aafetação requerida pela tipicidade penal.

20 Assim, nos dias atuais não se pode afirmar que umapessoa, no período de vida correspondente à pré-adolescência,continue a ser uma insciente das coisas do sexo. Nesse diapasão,a quantidade de informações, de esclarecimentos, de ensinamentossobre sexo flui rapidamente e sem fronteiras, dando às pessoasaté com menos de 14 (quatorze) anos de idade uma visão teóricada vida sexual, possibilitando-lhe rechaçar as propostas e agres-sões que nessa esfera se produzirem e a uma consciência bemclara e nítida da disponibilidade do próprio corpo.

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21 Sob pena de conflitarem lei e realidade social, não sepode mais afirmar que se exclui completamente, nos crime sexuais,a apuração do elemento volitivo da ofendida, de seu consentimento,sob o pretexto de que continua não podendo dispor livremente deseu corpo por faltar-lhe capacidade fisiológica e psicoética.

22 Assim, quando a vítima menor de 14 anos de idade deixaclaro e patente ter maturidade suficiente para exercer a sua capaci-dade de autodeterminar-se no terreno da sexualidade, certamenterestará excluída tipicidade material da conduta, pois esta não tem ocondão de violar a dignidade sexual daquela.

23 Ora, no nosso contexto, restou patenteado que a condutado agente não afetou o bem jurídico tutelado pela norma dispostano artigo 217-A do Código Penal, qual seja, a dignidade sexual deSamara Pereira dos Santos.

24 Com efeito, conforme asseverado pela suposta vítima,ela já havia iniciado sua vida sexual aos 11 (onze) anos deidade, com outra pessoa, mantendo com Yustrick da Silva Rosa,desde o início do namoro cerca de dois meses antes do fla-grante, relações sexuais frequentes. Samara, à fl. 8, declarou,inclusive, que a ideia de chamar YUSTRICK para terem relaçõessexuais foi de sua iniciativa.

25 Ademais, corroborando as informações prestadas peloindiciado, diversas testemunhas confirmaram que ele e Samaraestavam namorando com o consentimento da mãe desta e co-nhecimento de todos os amigos e conhecidos, inclusive já fa-zendo uso de aliança de compromisso.

26 Registre-se que a própria mãe de Samara, a Sra. GleidyRibeiro dos Santos, ouvida às fls. 23/24, confirmou que tinhaconhecimento do relacionamento amoroso entre sua filha eYustrick da Silva Rosa, tendo consentido com o namoro. Namesma oportunidade, a Sra. Gleidy confirmou que Samara jáhavia iniciado sua vida sexual aos 11 anos de idade, com pessoadesconhecida da declarante.

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27 Ademais, o Sr. Lauri Ribeiro dos Santos, tio de Samara,ao ser inquirido à fl. 31, asseverou que a mãe de Samara, irmãdo declarante, o havia procurado para pedir sua opinião sobreconsentir ou não com o namoro de sua filha, tendo o depoentelhe dito que sabia que Yustrick era uma pessoa trabalhadora ehonesta, assim como toda a sua família, e que em seu entenderela deveria consentir com o namoro.

28 As demais testemunhas ouvidas, a saber, Ismael Pires daSilva (fl. 30) e Elenice Gonçalves de Almeida (fl. 32), confirmaramque o namoro de Yustrick e Samara era público e notório, queambos usavam aliança de compromisso e tinham a permissãoda mãe de Samara.

29 Portanto, resta patenteado que a suposta vítima Sa-mara Pereira dos Santos, apesar da tenra idade, apenas 12anos, apresentava maturidade suficiente para exercer a suacapacidade de autodeterminar-se no terreno da sexualidade,não havendo como subentender que a conduta do indiciado demanter conjunção carnal e praticar outros atos libidinososdiversos da conjunção carnal com a mesma tivesse o condãode violar sua dignidade sexual.

30 Em verdade, tendo ficado provado que a suposta vítima,insista-se, apesar da tenra idade já possuía conhecimentos eexperiência sobre o ato sexual, a conduta do indiciado de comela manter relações sexuais e praticar outros atos libidinososafeta apenas irrisoriamente o bem jurídico tutelado, qual seja, adignidade sexual da suposta vítima.

31 Assim, sendo a conduta do agente insuficiente paraconfigurar a afetação requerida pela tipicidade penal, resta afas-tada a tipicidade da conduta, posto que a ordem normativa contidano artigo 217-A do Código Penal persegue finalisticamente a pre-servação da dignidade sexual, não afetada significativamente napresente hipótese.

32 Não tendo a conduta do agente alcançado a necessidade

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dessa resposta por parte do Estado, pois a afetação do bemjurídico tutelado não representou qualquer gravidade para elaou para a sociedade, impõe-se o arquivamento do presenteapuratório, eis que evidenciada a atipicidade da conduta.

- III -

33 Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO, em face da ati-picidade da conduta, requer, nos termos do artigo 28 do Códigode Processo Penal, o arquivamento do presente apuratório.

34 Pede deferimento.

Rialma, 11 de janeiro de 2010.

Renata Dantas de Morais e MacedoPROMOTORA DE JUSTIÇA

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ExcElEntíssimo sEnhor Doutor Juiz DE DirEito Davara DE FazEnDas Públicas Da comarca DE itum-biara-Go

A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro

de selvageria com sérias conseqüências para o Estado de Direito.

Estou a relembrar que o Estado de Direito é aquele no qual

não existem soberanos. nesse caso não vejo como justificar

a inércia legislativa e a inoperância das decisões desta corte.

Comungo das preocupações quanto à não-assunção pelo Tribunal

de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não-

atuação no presente momento já se configuraria uma espécie

de omissão judicial.

[...]

Estamos diante de uma situação jurídica que, desde a promulgação

da Carta Federal de 1988 (ou seja, há 17 anos), remanesce sem

qualquer alteração, isto é, mesmo com as modificações implemen-

tadas pela Emenda n. 19/1998 quanto à exigência de Lei ordinária

específica, o direito de greve dos servidores públicos ainda não

recebeu o tratamento legislativo minimamente satisfatório para ga-

rantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com os im-

perativos constitucionais. Por essa razão não estou a defender

aqui a assunção do papel de legislador positivo pelo supremo

tribunal Federal. Pelo contrário, enfatizo tão-somente que,

tendo em vista as imperiosas balizas constitucionais que

demandam a concretização do direito de greve a todos os

trabalhadores, este tribunal não pode se abster de reconhecer

que, assim como se estabelece o controle constitucional sobre

a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos

de inatividade ou omissão do legislativo (trecho do voto do Mi-

nistro Gilmar Mendes proferido no MI 670, grifos meus)

O ministÉrio Público Do EstaDo DE GoiÁs,por meio de seu órgão de execução, a 3ª Promotoria de Jus-tiça de Itumbiara, Curadoria de Defesa do Patrimônio Público,faz uso das prerrogativas conferidas pelo arts. 127, 129, II, III

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da Constituição Federal, bem como de outros diplomas legaisindicados no corpo desta petição, e vem ajuizar o presente

MANDADO DE INJUNÇÃO EM DEFESA DA VALORIZAÇÃODOS SERVIDORES CONCURSADOS DO MUNICÍPIO DE

ITUMBIARA E PELA GARANTIA DE PERCENTUAL DE SER-VIDORES EFETIVOS EM CARGOS COMISSIONADOS NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (art. 37, V, CF/88)

Em desfavor de:

José Gomes da rocha, brasileiro, casado, RG710.994, SSP-GO, CPF 130.793.951-15, PREFEITOMUNICIPAL, produtor rural, filho de Saul Gomes Pe-reira e de Dionária Rocha da Silva, nascido aos12/04/1958, natural de Itumbiara-GO, residente à Ave-nida Planalto, n. 141, Centro, Itumbiara-GO, com en-dereço profissional na Prefeitura Municipal deItumbiara, Rua Paranaíba, n. 117, Centro, Itumbiara-GO, como representante do Município de Itumbiara.

Pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos:

1 Dos fatos

Nos termos da investigação realizada pelo MinistérioPúblico do Estado de Goiás por sua 3ª Promotoria de Justiçana Comarca de Itumbiara, consubstanciada no ProcedimentoAdministrativo 024/07, de 28 de novembro de 2007, constatou-seque o Poder Executivo Municipal e o Poder Legislativo Municipalcriaram inúmeros cargos comissionados em suas estruturas

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organizacionais, mas em tempo algum prestigiaram o provi-mento de tais cargos com servidores efetivos.

Restou provado que, conforme recente informação daSecretaria de Administração do Município de Itumbiara,301(trezentos e um) cargos comissionados encontram-sepreenchidos no Poder Executivo, sendo que em apenas 6(seis) deles há servidores efetivos investidos.

Na Câmara Municipal de Itumbiara, por sua vez, con-forme informação do contador daquela casa, há 77 (setentae sete) cargos comissionados, nenhum deles preenchidos porservidores efetivos.

A anomalia do excesso de servidores estranhos aoquadro permanente da Administração Pública em Itumbiaraprovoca distorções e transtornos de toda ordem, contribuindo,desde a realização das campanhas eleitorais, para que nãose tenha uma administração pública eficiente, com reflexospara toda a população.

Conforme certidão da Câmara Municipal juntada aosautos, não há lei municipal que defina o percentual mínimo deservidores efetivos que devam ocupar os cargos comissionadosna Administração Municipal, apesar do apregoado pelo comandoconstitucional do art. 37, V, da Constituição Federal, na redaçãoque recebeu nos termos da Emenda Constitucional 19/1998.

Em 04 de junho de 2008, daqui a menos de um mês1,completar-se-ão 10 (dez) anos da Emenda Constitucional19/1998, sem que o Município venha a ver aprovada a lei exi-gida no referido art. 37, V, da Carta Magna.

Ante a inércia do Poder Executivo Municipal em enca-minhar o projeto de lei à Câmara de Vereadores, o MinistérioPúblico do Estado de Goiás recorre ao Poder Judiciário para quegaranta desde já regra de direito a ser aplicável ao caso em tela,enquanto não houver a legislação exigida na Constituição Federal.

Em 05 de outubro de 2008 completam-se 20 anos daConstituição Brasileira de 1988, a Carta Cidadã, que já previaa preferência para a ocupação de cargos comissionados porservidores efetivos.

1 Peça publicada em 13 de maio de 2008.

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2 Do Direito

2.1 Considerações preliminares acerca das partes, daadequação da via eleita, do procedimento e do objetoda ação

a) Da legitimidade ativa do Ministério Público

O Ministério Público tem legitimidade ativa para a formu-lação da presente ação. Extrai-se tal assertiva do art. 129, inc. III,da Constituição Federal. Além disso, a Lei n. 8.625/93 (art. 25, inc.IV, alínea “a”), a Lei n. 7.347/85 (art. 1º, inc. IV, c/c o art. 5º, caput),e a Lei Complementar Estadual n. 25/98 (art. 46, inc. VI, alínea “a”)deixam clara a possibilidade de ajuizamento de ações, pelo Mi-nistério Público, para a defesa de qualquer interesse coletivo.

A Constituição Federal, em seu art. 127, enuncia: “OMinistério Público é instituição permanente, essencial à fun-ção jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa daordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociaise individuais indisponíveis”.

Por sua vez, o inc. II, art. 129 da Carta Magna, estabe-lece ao Ministério Público a função de: “promover o inquéritocivil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio pú-blico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusose coletivos. (grifos meus).

No caso dos autos, tem-se que a presente ação tantoage em defesa do grupo de servidores efetivos do Municípiode Itumbiara (e assim tutela um interesse coletivo de um grupodeterminado), como age em nome de toda coletividade e decada cidadão que espera uma administração honesta e eficiente(interesses difusos) em nome da defesa do direito fundamentalà boa administração, assim conceituado por Juarez de Freitas2:

2 FREITAS, J. de. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à

boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 20 e 96.

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[...] o direito fundamental à boa administração pública, que

pode ser assim compreendido: trata-se do direito fundamen-

tal à administração pública eficiente e eficaz, proporcio-

nal e cumpridora de seus deveres com transparência,

motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à partici-

pação social e à plena responsabilidade por suas condutas

omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a

administração pública observar, nas relações administrati-

vas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais

que a regem. [...] direito à administração eficiente e eficaz, pro-

porcional cumpridora de seus deveres, com transparência, moti-

vação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação

social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e

comissivas. (grifos meus)

A legitimidade do Ministério Público para a Defesa doPatrimônio Público foi sumulada pelo Superior Tribunal de Jus-tiça nos termos seguintes:

súmula 329. o ministério Público tem legitimidade para propor

ação civil pública em defesa do Patrimônio Público. Data de

Julgamento 02/08/2006. Data da Publicação DJ 10.08.2006 p.

254.

Precedentes: AGA 51098 SP, RESP 174967 MG, RESP 631408

GO, RESP 620354 RJ, RESP 409279 PR, RESP 440178 SP, RESP

440178 SP, RESP 173414 MG, RESP 468292 PB, RESP 403135

SP, ERESP 77064 MG, RESP 226863 GO, RESP 67148 SP.

b) Da adequação da via judicial eleita: a ação constitucional domandado de injunção

É pacífico o entendimento doutrinário de que a Lei7.347/85 e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, sur-gem no ordenamento jurídico pátrio como um microssistema de

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292

processo civil coletivo. Isso se dá especialmente pelas referênciashavidas em ambos, conforme artigo 90 do CDC, que deu a redaçãoseguinte ao art. 21 da Lei 7.347/85, verbis: “Aplicam-se à defesados direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no quefor cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Có-digo de Defesa do Consumidor”.

E é no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90,que encontramos dispositivo que dá aos legitimados ampla possi-bilidade de recorrer ao Poder Judiciário para agir em defesa dosinteresses metaindividuais. Observe: “Art. 83 - Para a defesa dosdireitos e interesses protegidos por este código são admissíveistodas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequadae efetiva tutela”.

Conclui-se daí que não há óbice ao Ministério Públicopara que, na defesa de interesses metaindividuais, faça manejoda ação constitucional do mandado de injunção.

Contudo, eis que o art. 6º da Lei Complementar75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União, previuexpressamente:

Lei Complementar 75/93.

Art. 6° Compete ao Ministério Público da União:

[...]

VIII – promover outras ações, nelas incluindo o mandado de injunção

[...]. (grifos meus)

A Lei Orgânica do Ministério Público da União é aplicávelao Ministério Público dos Estados no que couber nos termosdo art. 80 da Lei 8.625/93, que prescreve que “Aplicam-se aosMinistérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normasda Lei Orgânica do Ministério Público da União”.

O mandado de injunção é ação constitucional cuja pre-visão é encontrada no artigo 5°, inciso LXXI, que dispõe: “LXXI- conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta denorma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos eliberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacio-nalidade, à soberania e à cidadania”.

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293

O mestre José Afonso da Silva3 indica os pressupostosdo mandado de injunção nos termos seguintes:

Os pressupostos do remédio são: (a) falta de norma regulamenta-

dora do direito, liberdade ou prerrogativa reclamada; (b) ser o impe-

trante beneficiário direto do direito, liberdade ou prerrogativa que

postula em juízo. O interesse de agir, mediante mandado de injun-

ção, decorre da titularidade do bem reclamado, para que a sentença

que o confira tenha utilidade direta para o demandante.

Passamos a discorrer sobre a presença de tais pressu-postos na presente ação.

Temos, no caso em tela, a falta de norma regulamenta-dora, in casu a ausência de norma prevista no art. 37, V, daConstituição Federal, verbis:

Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta, indireta de qualquer dos Po-

deres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, morali-

dade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servi-

dores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a

serem preenchidos por servidores de carreira no casos, condições

e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atri-

buições de chefia e assessoramento; [...] (grifos meus)

Em norma de repetição à Constituição Federal, a LeiOrgânica do Município de Itumbiara traz dispositivo de mesmoteor em seu art. 82, inciso V, na redação que lhe conferiu aEmenda à Lei Orgânica n. 05, de 07 de abril de 1999.

A norma faltante que impede o exercício do direito dos

3 SILVA, J. F. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 449.

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servidores efetivos de ocupar a maioria dos cargos em comissãoé a enunciada e destacada no inciso V já citado. Não resta dúvidade que a expressão “previstos em lei” está a indicar a necessidadede criação de lei para a garantia do direito, classificando-se, nostermos da doutrina de José Afonso da Silva como “norma de efi-cácia limitada”. Não excede lembrar também que, no tocante aorganização político-administrativa, o município é autônomo (art.18, caput4, da CF), exsurgindo daí o reconhecimento de que aedição da norma faltante invocada é, in casu, de competênciaprivativa local do município, nos termos do art. 30, I (poderexpresso) e V(poder implícito)5 da CF de 1988.

O impetrante deve ser beneficiário do direito, o quenão é empecilho para que o Ministério Público aja como legi-timado extraordinário, eis que devidamente autorizado pelaConstituição Federal, pelas Leis Orgânicas do MP (nacional,da união e estadual), pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Có-digo do Consumidor, conforme enunciado na seção anterior.Nesse sentido, a lição de Pedro Lenza6:

Qualquer pessoa poderá ajuizar mandado de injunção, quando a

falta de norma regulamentadora estiver inviabilizando o exercício de

direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à so-

berania e à cidadania. O STF, inclusive, admitiu o ajuizamento de

mandado de injunção coletivo, sendo legitimadas, por analogia,

as mesmas entidades do mandado de segurança coletivo. [...]

Precedentes citados: MI 20-DF DJU 22.11.96, MI 73-DF (DJU

19.12.94), MI 361-RJ (RTJ 158/375).

4 CF 88. Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa

do Brasil compreende a União, os Estados e os Municípios, todos autônomos,

nos termos desta constituição.5 CF 88. Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de inte-

resse local [...] V – organizar e prestar, diretamente [...] os serviços públicos de

interesse local [...].6 LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método,

2007. p. 764

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É essa também a conclusão de Rodrigo Reis Mazzei7,que faz longa e percuciente análise do tema e conclui da formaseguinte:

[...] o mandado de injunção coletivo poderá ser impetrado não só

pelos legitimados do artigo 5º, inciso LXX, como também pelo Mi-

nistério Público, em razão de interpretação sistemática que há de

ser feita, extraindo-se a condução permissiva dos artigos 127, 129,

II da Constituição Federal e do artigo 6º da Lei Complementar

75/93.

A utilidade do bem reclamado também está presenteno caso em tela, uma vez que, tão logo conferido o direito,abrir-se-ão imediatamente vagas para que sejam preenchidaspelos servidores efetivos, que há muito se veem alijados doexercício das funções comissionadas em nosso município.

c) Da competência da Justiça Estadual Comum, do juízo daComarca de Itumbiara com competência para julgar as causasda Fazenda Pública

A Constituição Federal definiu os casos em que a com-petência para o julgamento do mandado de injunção é do STF,STJ e TSE8, admitindo seu julgamento pelos demais órgãos dajurisdição. Deixou também a faculdade para que os Tribunaisde Justiça dos estados se organizassem e fixassem suascompetências, de acordo com o art. 125, § 1º.

No caso do Estado de Goiás, a constituição estadualdefiniu que ao Tribunal de Justiça do Estado caberia somenteo julgamento dos mandados de injunção impetrados contra au-toridades estaduais, nos termos do art. 46, ‘l’ da Constituição

7 MAZZEI, R. R. Mandado de Injunção. In: DIDIER JR., F. (Org.). Ações consti-

tucionais. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 1828 Ao STF, art. 102, I, “q” e “a”. Ao STJ art. 102, II, “a” e “h”. Ao TSE, art. 121, § 4º, V.

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do Estado de Goiás9 10. Por conseguinte, prevalece a regra geralde competência dos juízos de primeira instância para os demaiscasos, surgindo, outrossim, a competência do juízo de primeirograu para o julgamento de mandado de injunção em face deomissão legislativa municipal, tal como nos casos de mandadode segurança em que não se explicita competência por prerro-gativa de função11.

Firmada a Justiça Estadual Comum da Comarca deItumbiara como competente, a Lei de Organização Judiciária doEstado de Goiás indica a 2ª Vara Cível como a competente para

9 “Os Estados-Membros poderão estabelecer, em suas Constituições, hipóteses de

competência para o processo e julgamento do mandado de injunção contra omissão

do Poder Público estadual ou municipal. É o caso de Minas Gerais, cuja Constitui-

ção, em seu artigo 106, I, f, dispõe ser da competência do Tribunal de Justiça pro-

cessar e julgar originariamente o mandado de injunção, quando a elaboração da

norma regulamentadora for atribuição de órgão, de entidade ou de autoridade es-

tadual da administração direta ou indireta. Ressalte-se que a Constituição do Estado

de Minas Gerais prevê competência de Juiz de Direito, portanto, de órgão mono-

crático (art. 113, parágrafo único), para julgar mandado de injunção, quando a ela-

boração da norma regulamentadora for atribuição do Prefeito, da Câmara Municipal

ou de sua Mesa Diretora, ou de autarquia ou fundação pública municipais” (Carva-

lho, G. K. Direito Constitucional. 16. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.442).10 “[...] podem as Constituições dos Estados instituir mandado de injunção no plano

estadual [...] não haveria inconstitucionalidade em atribuí-la aos juízes do primeiro

grau em determinadas hipóteses, notadamente quando a omissão fosse em relação

a norma municipal” (Barroso, L. R. O controle de constitucionalidade brasileiro. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 114).11 Cumpre registrar que Rodrigo Mazzei noticia um dos estudos de juristas da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo(USP) na colaboração dou-

trinária para a edificação do Código Brasileiro de Processo Civil Coletivo. (Man-

dado de injunção coletivo: Viabilidade diante dos (falsos) dogmas. In: Direito

Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de processos coletivos.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 352). Nesse estudo é previsto, no art. 47,

verbis, “Competência – É previsto para o mandado de injunção coletivo: [...] IV – da Justiça

Estadual de primeira instância, quando a elaboração da norma regulamentadora

for atribuição do Prefeito, da Câmara de Vereadores, do Tribunal de Contas,

órgão, entidade ou autoridade municipal, da administração direta ou indireta”.

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julgar as causas movidas em face de Fazenda Pública Munici-pal, seja por sua condição de ré (art. 94 CPC), seja por havertambém competência decorrente da Lei 7.347/85, em virtudedo local do dano (art. 2º da Lei 7.347/85).

d) Do procedimento previsto para o mandado de injunção

No mandado de injunção 107, que teve por relator o Mi-nistro Moreira Alves, surgiu, com base no art. 5º, parágrafo 1ºda Constituição Federal de 1988, a autoaplicabilidade do man-dado de injunção, ainda que não houvesse norma procedimentalespecífica (DJU, de 21/09/1990), o que por si só já exigiria aatuação do Poder Judiciário.

Ocorre que a Lei 8.038, de 28 de maio de 199012, previuque no STF e STJ, até que se edite norma procedimental es-pecífica para o mandado de injunção, sejam observadas as nor-mas do mandado de segurança, interpretando-se, por analogia,que também tal deva ser observado nas instâncias inferiores. Aredação do trecho da lei é a seguinte:

Capítulo V

Outros Procedimentos

Art. 24. Na ação rescisória, nos conflitos de competência, de

jurisdição e de atribuições, na revisão criminal e no mandado de

segurança, será aplicada a legislação processual em vigor.

Parágrafo único. no mandado de injunção e no habeas data

serão observadas, no que couber, as normas do mandado de

segurança [...]. (grifos meus)

12 Essa lei possui como ementa : “Institui normas procedimentais para os pro-

cessos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tri-

bunal Federal”.

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e) Do objeto do mandado de injunção

O histórico do posicionamento do STF acerca do objetoe dos efeitos do mandado de injunção foi tortuoso e longo, nãocabendo aqui reviver a história. Por muito tempo prevaleceu amalograda posição não concretista13, que nada acrescentava àrealização da constituição14.

Entretanto, a partir dos julgamentos havidos no se-gundo semestre de 2007, novos rumos foram dados ao instituto.Conforme recente lição do Ministro Gilmar Ferreira Mendes empalestra proferida no dia 28 de janeiro de 2008, em encontro doInstituto Luso Brasileiro de Direito Constitucional, realizado emLisboa:

Em 25 de outubro de 2007, o Tribunal, por maioria, conheceu dos

mandados de injunção (MI 670, Red. p/ o Ac. Gilmar Mendes; MI

708, Rel. Gilmar Mendes; e MI 712, Rel. Eros Grau) e reconhecendo

o conflito existente entre as necessidades mínimas da legislação

para o exercício do direito de greve dos servidores públicos de um

lado, com o direito de serviços públicos adequados prestados de

forma contínua de outro, bem assim, tendo em conta que ao legis-

lador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, po-

dendo tão somente dispor sobre a adequada configuração de sua

disciplina, reconheceu a necessidade de uma solução obrigatória

da perspectiva constitucional e propôs a solução para a omissão le-

gislativa com a aplicação, no que couber da Lei n. 7.783/1989, que

dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada (Os

Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio

limitavam a decisão à categoria representada pelos respectivos sin-

dicatos e estabeleciam condições específicas para o exercício das

paralisações).

Assim, o Tribunal, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada

13 Diz-se posição não concretista aquela em que “a decisão apenas decreta a

mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente sua inércia” (LENZA, op.

cit., p. 766). 14 Leading case MI 107-DF.

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no sentido de estar limitado à declaração da existência de mora le-

gislativa para a edição de norma regulamentadora específica, pas-

sou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica,

função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma moderada

sentença de perfil aditivo (As sentenças aditivas ou modificativas

são em geral aceitas quando integram ou completam um regime

previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução

adotada pelo Tribunal incorpora solução constitucionalmente obrigatória),

introduzindo modificação substancial na técnica de decisão do mandado

de injunção.

Foram fixados, ainda, os parâmetros institucionais e constitucionais

de definição de competência, provisória e ampliativa, nos âmbitos

federal, estadual e municipal. No plano procedimental, vislumbrou-

se a possibilidade de aplicação da Lei n. 7.701/1988, que cuida da

especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos

coletivos, para apreciação de dissídios de greve instaurados entre

o Poder Público e os servidores com vínculo estatutário.15

Não resta dúvida, outrossim, que as decisões do STFnos Mandados de Injunção 670, 708 e 712 posicionaram-se deforma até inesperada pela doutrina junto à teoria, alinhada à de-nominada Teoria das independências de poderes16:

Pela teoria da independência jurisdicional, a natureza da sentença

proferida em mandado de injunção deve possuir caráter constitutivo

erga omnes, pelo qual caberia ao órgão judiciário editar uma norma

geral, escapando à regulamentação do caso concreto. A decisão ju-

dicial se estenderia abstratamente até mesmo para aqueles que não

pediram a tutela jurisdicional, substituindo, assim, em todos os ter-

mos, o órgão responsável pela edição da norma faltante.17

15 MENDES, G. F. In: Revista Direito Público, 19, Jan./Fev. 2008, IOB e IDP.16 As outras teorias que tentam explicar a essência do mandado de injunção

são a teoria da subsidiariedade e da resolutividade. Essa classificação didática

é atribuída a Regina Quaresma na obra O mandado de injunção e a inconstitu-

cionalidade por omissão: teoria e prática (Rio de Janeiro: Forense, 1999), con-

forme explicita Rodrigo Mazzei na obra anteriormente indicada.17 Mazzei, 2006, p.157.

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Portanto, decorre que, diante do contorno jurídico esta-belecido pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão que se plei-teia ao Poder Judiciário é aquela em que o juízo, por meio desentença (moderada sentença de perfil aditivo, conforme Min.Gilmar Mendes), edite a norma faltante.

f) Da legitimidade passiva do município de Itumbiara e daCâmara Municipal

Sobre os legitimados para figurar no polo passivo domandado de injunção, recorremos à lição de Hely LopesMeirelles: “São partes no mandado de injunção o interessadona norma faltante – pessoa física ou jurídica – e a autoridadecompetente para expedi-la”. Em nota de rodapé, o autor des-taca:

No pólo passivo [...] somente podem figurar a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, pois a eles compete a edição de

atos normativos, não se admitindo o litisconsórcio passivo com

particulares supostamente beneficiados pela inércia legislativa

(STF, MI n. 502-8-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, RT 729/110).18

No mesmo sentido a lição de Pedro Lenza19:

No tocante ao pólo passivo da ação, somente a pessoa estatal po-

derá ser demandada e nunca o particular (que não tem o dever de

regulamentar a CF). Ou seja, os entes estatais é que devem regu-

lamentar as normas constitucionais de eficácia limitada, como o

Congresso Nacional.

18 MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública,

mandado de injunção, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação

declaratória de constitucionalidade e arguição de preceito fundamental. 25. ed.

São Paulo: Malheiros, 2003. p. 25819 LENZA, op. cit., p. 764.

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Conforme noticia Vanice Regina Lírio do Valle, o Minis-tro Sepúlveda Pertence, nos autos de MI 468 sustentou que “[...]creio já haver manifestado minha tolerância quando, embora di-zendo que o mandado de injunção se dirige contra a União, apetição deixa explícito que a omissão é do Congresso Nacio-nal”. A escritora se posiciona quanto à legitimidade passiva nomandado de injunção nos termos seguintes:

[...] da mesma forma que na via do mandado de segurança se en-

tendeu que a indicação errônea da autoridade coatora – salvo erro

grosseiro – não deveria comprometer a apreciação daquela garantia

constitucional; seria de se entender pela possibilidade de aprovei-

tamento máximo da injunção ofertada, eis que ali se cogita a prote-

ção contra a não concretização de direitos e liberdades

constitucionais.20

Cumpre frisar que, a partir das decisões nos MI’s 670,708 e 712 e o acolhimento da Teoria da Separação dos Poderesem mandado de injunção, não se exaurem as discussões tra-vadas acerca da legitimidade passiva no mandado de injunçãoque se discutia quanto à adoção das Teorias da resolutividadee da subsidiariedade21. Em resumo, discute-se se no polo pas-sivo deve figurar, além da pessoa estatal a quem é imputada aomissão do ato regulamentador, também a pessoa (privada oupública) que irá sofrer os efeitos da decisão.

No caso em tela, a falta de edição da lei decorre da au-sência de atuação do Poder Executivo Municipal e da CâmaraMunicipal, que são os mesmos que devem suportar os efeitosda decisão, a menos de um. É que também a Fundação de So-lidariedade (FUNSOL), fundação pública municipal, contém car-gos comissionados em sua quase totalidade não preenchidospor servidores efetivos e, quanto a esta, não se pode imputar

20 VALLE, V. R. L. do A construção de uma garantia constitucional: Compreen-

são da Suprema Corte quanto ao mandado de injunção. Rio de Janeiro: Lúmen

Júris Editora, 2005. p. 7021 Sobre o tema, ver a discussão de Rodrigo Mazzei no artigo “Mandado de In-

junção”, op. cit., p. 183 e 184.

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omissão na criação da lei, uma vez que ela não tem competên-cia para participar do processo legislativo.

Ultimamente, na grande maioria dos mandados de in-junção ajuizados no STF, têm-se indicado no polo passivo ape-nas o Congresso Nacional ou o Presidente da República,vejamos por quê.

No caso em estudo há de se ressaltar que a iniciativado projeto de lei em falta é exclusiva do prefeito municipal, oque modifica um pouco a análise do polo passivo do mandadode injunção. Nos termos do art. 61, § 1º, inciso II “a” e “c” daConstituição Federal, verbis:

Constituição Federal.

Artigo 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a

qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Se-

nado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da Repú-

blica, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao

Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos

casos previstos nesta Constituição:

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

[...]

II – disponham sobre:

a) a criação de cargos, funções ou empregos públicos na adminis-

tração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

[...]

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,

provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

(grifos meus)

Também em norma de repetição à Constituição Federal,a Lei Orgânica do Município de Itumbiara traz dispositivo degrande semelhança em seu art. 46, inciso I22.

22 Lei 1159/90, Lei Orgânica do Município de Itumbiara. Art. 46 – São de inicia-

tiva exclusiva do Prefeito as leis que disponham sobre: I – criação, transforma-

ção ou extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração

direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.

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Pelo princípio da simetria com o centro, a lei municipalque trata de cargos e seu regime jurídico é de iniciativa privativado prefeito municipal23 e, por conseguinte, se até hoje nãohouve sua iniciativa para encaminhamento do projeto de lei emfalta, entendemos que o prefeito municipal deva figurar tambémcomo autoridade impetrada do presente mandado de injunção,na esteira da lição de Nagib Slaibi Filho24, que expressa que “sea norma regulamentadora que deveria existir for ato complexoou composto, haverá litisconsórcio entre órgãos públicos a quea ordem jurídica, constitucional ou legal, deu tais atribuições”.Isso importaria em que se figurasse, no caso em tela, o Presi-dente da Câmara Municipal e o Prefeito Municipal.

Ocorre que, conforme explicado por Luiz Alberto DavidAraújo e Vidal Serrano Nunes Júnior25:

O Supremo Tribunal Federal entendeu que, nos casos de iniciativa

reservada do Presidente da República, o sujeito passivo da injunção

23 Nesse sentido: “organização do quadro de pessoal e vício formal. Por en-

tender usurpada a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para ini-

ciar projeto de lei que disponha sobre servidores públicos, seu regime jurídico

e aumento de sua remuneração (CF, art. 61, § 1º, II, a e c), de observância ob-

rigatória pelos Estados-membros, em face do princípio de simetria, o Tribunal

julgou procedente o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador

do Estado de Santa Catarina para declarar a inconstitucionalidade da Lei Com-

plementar estadual 178/99, de iniciativa parlamentar, que modificou a estrutura

organizacional do quadro de pessoal da Secretaria de Segurança Pública es-

tadual. Precedentes citados: ADI 3051/MG (DJU de 28/10/2005); ADI 2705/DF

(DJU de 30/10/2003); ADI 2742/ES (DJU de 25/03/2003); ADI 2619/RS (DJU

de 05/05/2006); ADI 1124/RN (DJU de 08/04/2005); ADI 2988/DF (DJU de

26/03/2004); ADI 2050/RO (DJU de 02/04/2004); ADI 1353/RN (DJU de

16/05/2003). ADI 2029/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 04/06/2007. Plenário

(Informativo n. 470) (Ferreira Filho, R. R. (Org.). Principais julgamentos do STF.

Salvador: Editora Podivm, 2008. p. 96).24 Slaibi Filho, m. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 527.25 Araújo, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de Direito Constitucional. 5.

ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 159-160.

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é o Chefe do Poder Executivo e não o Congresso Nacional. O

responsável pelo encaminhamento da norma, no caso da inicia-

tiva da norma, é quem deve responder pela injunção, na hipótese

de processo legislativo ordinário ou complementar. (STF, 2ª T.,

RE 161.342-SE, Rel. Min. Néri da Silveira, j. em 05/04/1994)

Luís Roberto Barroso cita que “O Supremo TribunalFederal já decidiu que nos casos de a iniciativa de uma leiser privativa do Presidente da República (CF, art. 61, § 1°),não pode a omissão legislativa ser imputada ao CongressoNacional, que será, nesse caso, parte passiva ilegítima (DJU14/03/90, p. 1.778, MI 142-1-SP)”26.

E, mais recentemente, em entendimento confirmadopor José dos Santos Carvalho Filho27:

[...] não pode figurar como sujeito passivo do mandado de injun-

ção o órgão que não tem incumbência de deflagrar o processo

de formação do ato regulamentador. Por exemplo, se a lei que

deve regulamentar certo mandamento constitucional, e se essa

lei é da iniciativa do Presidente da República, é esta autoridade

que deve ser chamada ao processo, e não a Câmara dos Depu-

tados ou o Senado Federal, já que estes só podem atuar se o

Presidente der início ao processo legislativo. STF(MI n. 157-7,

Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 30/03/1990.

Isso nos impõe de curvar-nos ao entendimento denossa Corte Constitucional e limitar-nos a indicar como auto-ridade impetrada no presente mandado de injunção apenas oPrefeito Municipal.

Este entendimento, se em parte simplifica o rito do man-dado de injunção e seu desfecho, por outro lado poderá, conformeo conteúdo da sentença aditiva (supondo a edição de norma semsanção expressa), ajuizar outras ações judiciais para que se ga-

26 BARROSO, L. R. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 7.

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 25727 CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Ja-

neiro: Lúmen Júris, 2005. p. 835,

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ranta o seu cumprimento. Nessas figurarão, no polo passivo, aspessoas privadas ou públicas que devam suportar os efeitos de-correntes da inovação do ordenamento jurídico gerado pela sen-tença lavrada no mandado de injunção.

Cumpre registrar que, tal como no mandado de segu-rança, a indicação como impetrado da autoridade indicada importareconhecer que a pessoa jurídica a que pertença é quem, de fato,ocupa o polo passivo do mandamus. Nesse sentido:

A nosso ver, a razão está com Seabra Fagundes, Castro Nunes e Te-

místocles Cavalcanti; a parte passiva no mandado de segurança é a

pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade

apontada como coatora [...] o ato do funcionário é ato da entidade pú-

blica a que ele se subordina. Seus efeitos se operam em relação à pes-

soa jurídica de direito público. E, por lei, só esta tem capacidade de ser

parte do nosso Direito Processual Civil.28

No entanto, há posicionamento em contrário29.

Não há motivos para que se entenda de forma divergenteo mandado de injunção, pois, em verdade, é à pessoa política aquem se atribui a responsabilidade pela omissão na edição danorma municipal ausente.

28 Barbi, C. A. Do Mandado de Segurança. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

p. 154. João Batista Lopes noticia que se alinham a posição de Celso Agrícola

Barbi, Marco Aurélio Greco, Celso Bastos, Seabra Fagundes, Pires dos Santos,

Themístocles Brandão Cavalcanti, Lúcia Valle Figueiredo e Pontes de Miranda

(O Sujeito passivo no mandado de segurança. In: Aspectos polêmicos e atuais

do mandado de segurança 51 anos depois. São Paulo: RT, 2002. p. 414 e 416).

Ele próprio conclui no mesmo texto que “O sujeito passivo no mandado de se-

gurança é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade de quem

emanou o ato impugnado” (p. 420).29 Em sentido contrário, entendendo que a pessoa jurídica é assistente litis-

consorcial do coator, ver LOPES, H. Mandado de Segurança. 20. ed. São

Paulo: Malheiros, 1998. p. 53. Essa posição que não alcança mais a maioria

da doutrina.

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306

2.2 Do direito dos servidores efetivos de concorrerem à indicaçãoem cargos comissionados em situação preferencial a terceiros,estranhos à administração pública

A Constituição Federal de 1988, em sua redação inicial doart. 37, inciso V, previa:

Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta, indireta de qualquer dos Pode-

res da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obe-

decerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e, também, ao seguinte:

[...]

V – Os cargos em comissão e as funções de confiança serão exerci-

dos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira

técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei.

Já se indicava ali um princípio pelo qual os servidoresefetivos deveriam ocupar, preferencialmente, a maioria dos car-gos em comissão como regra geral. Posteriormente, com aemenda 19, o poder constituinte derivado deu nova redação aocaput e ao mesmo inciso na chamada reforma administrativa doEstado e explicitou a forma como tal preferência se daria ao in-dicar a necessidade de se exigirem percentuais mínimos, verbis:

Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta, indireta de qualquer dos Po-

deres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores

ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preen-

chidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais

mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições

de chefia e assessoramento; [...]

No catálogo dos princípios tópicos da interpretação

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constitucional, J. J. Canotilho30 expressa, ao abordar o princípioda máxima efetividade, que “a uma norma constitucional deveser atribuído o sentido de maior eficácia lhe dê”. No mesmosentido, Juarez de Freitas31 enuncia que “o intérprete deveguardar vínculo com a excelência ou a otimização máxima daefetividade do discurso normativo da Constituição”. CitandoKonrad Hesse, afirma:

Dado que a Constituição pretende ver-se atualizada e uma vez que

as possibilidades e condicionamentos históricos dessa atualização

modificam-se, será preciso, na solução dos problemas, dar preferên-

cia àqueles pontos de vista que, sob as circunstâncias de cada caso,

auxiliem as normas constitucionais a obter máxima eficácia.32

Luís Roberto Barroso33 esclarece que

[a] efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho

concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo

dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima

como possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

A Emenda 19 introduziu a eficiência como princípio daadministração pública no art. 37, caput. Toda ela se fez nosentido de buscar a profissionalização da administração pú-blica (ver adiante). Não há dúvida que o trecho destacado doinciso V do art. 37 da CF insere um direito dos servidores efe-tivos, a garantia de sua preferência, não da forma frouxa-mente marcada pela expressão “preferencialmente”, mas deforma concreta e exata através da expressão “percentuais mí-

30 CANOTILHO, J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed.

Coimbra: Almedina, s.a. p. 1208.31 FREITAS, J. A interpretação sistemática do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros,

2002. p. 197.32 FREITAS, op. cit., p. 198.33 BARROSO, op. cit., p. 85.

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nimos”. A esse direito constitucional se exige do intérprete amáxima efetividade, que só se consegue com o alcance damaioria dos cargos. Há de se reconhecer também que a modifi-cação do inciso V do art. 37 visou também aumentar a eficiênciana administração pública quanto ao preenchimento dos cargosem comissão. Em ambos os propósitos, seja da garantia da pre-ferência, seja do aumento da eficiência, deve-se atribuir-lhe má-xima efetividade. Decorre disso, então, o entendimento de que aúnica interpretação aceitável é a de que o uso da expressão “per-centuais mínimos” está a exigir um percentual acima de 50%.Uma lei que impusesse percentual menor que 50% será incons-titucional e burlaria o comando constitucional. O constituinte de-rivado explicitou regra de preferência por meio da exigência depercentuais mínimos. A preferência só se consolida quando osservidores efetivos ocupem a maioria (50% ou mais) dos cargoscomissionados em toda a administração pública.

Também na linha do pensamento exposto é a liçãocontida na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles34:

[...] pela EC 19, o preenchimento de uma parcela dos cargos em co-

missão dar-se-á unicamente por servidores de carreira, nos casos,

condições e percentuais mínimos previstos em lei (art. 37, V). Por-

tanto, nestas hipóteses o provimento não será totalmente livre, como

ocorre com os não servidores, isto é, os sem vínculo efetivo anterior

à nomeação. A lei ali referida será de cada entidade pública, mas es-

pecialmente na fixação dos percentuais mínimos deverá ser obser-

vado o princípio da razoabilidade, sob pena de fraudar a

determinação constitucional.

Paulo Bonavides35 ressalta a “fórmula feliz, concisa elapidar”, da decisão do Tribunal Constitucional alemão em de-cisão de 16/03/71 acerca do princípio da proporcionalidade:

34 MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 420.35 BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros,

2003. p. 409/410.

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O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário

para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com

seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário,

quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente

eficaz, mas que não limitasse ou limitasse de maneira menos sensível

o direito fundamental.

Ora, a fixação em lei de percentual mínimo de 50%para a ocupação dos cargos em comissão pelos servidoresefetivos se mostra adequado porque alcança o objetivo de ga-rantir-lhes a preferência e favorece o princípio da eficiência eo da profissionalização do serviço público. A fixação do refe-rido percentual em lei se mostra também necessária, seja por-que cumpre mandamento constitucional, o que não pode serrealizado de outro modo, seja porque não limita de forma sen-sível o direito dos servidores efetivos de preferência.

Na recente ADI-4055, ajuizada em 18/03/2008 no Su-premo Tribunal Federal pelo Procurador-Geral da República(PGR) Antônio Fernando Barros Silva de Souza, foi impugnadaemenda à Lei Orgânica do Distrito Federal que buscava abrir ex-ceção à regra do preenchimento de pelo menos 50% dos cargosem comissão por servidores de carreira no Distrito Federal. Napeça, o PGR exalta a força normativa do comando constitucionale inadmite “a existência de qualquer classe de cargos comissio-nados acerca dos quais não se possa exigir percentual mínimode servidores de carreira”, sob pena de “desvirtuamento de pa-drão constitucionalmente regulado”.

Em comento ao referido direito dos servidores efetivosconvém colacionar importantes lições de Lúcia Valle Figueiredo36:

36 FIGUEIREDO, L. V. Cargos em Comissão e funções de confiança. In: Direito

Público, Estudos, Belo Horizonte, Fórum, p. 287, 2007. O livro indicado é uma

coletânea de trabalhos da jurista. Nessa obra há a referência de que se trata

de Aula proferida no Conselho de Justiça do Superior Tribunal de Justiça, em

Brasília, em 12/03/1991. Publicado em: Revista de Direito Público, v. 99, p. 23-

31, 1991; Revista Jurídica de Osasco, v. 1, p. 21-30, 1994; Synthesys: Direito

do Trabalho Material e Processual, v. 20, p.173-175, 1995.

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O professor Dallari diz – e com isso não concordo – que este inciso

v, do art. 37, que determina a preferência para a ocupação dos

cargos em comissão por aqueles que integram a carreira, en-

quanto não vier a lei, será mera recomendação.

De fato, não poderia sê-lo, até por força do art. 5º, do texto constitu-

cional, que diz que os direitos e garantias ali enumerados não são

exaustivos, e possibilitou o mandado de injunção exatamente

para aqueles direitos que não pudessem ser implementados por

falta de lei.

Não me parece que exista qualquer disposição na Constituição sobre a

qual se possa afirmar que sua serventia sirva apenas de recomendação

moral. Mas todas as disposições constitucionais têm sim muito mais do

que uma recomendação: são dotadas de eficácia. (grifos meus)

Nota-se que, já no ano de 1991, Lúcia Valle Figueiredovislumbrava a possibilidade da garantia do direito de preferênciana investidura dos cargos comissionados por meio de mandadode injunção, exatamente o que ora propomos.

É imperioso consentir que, de maneira geral, no Brasil,o excesso de cargos comissionados é uma mazela na admi-nistração pública, primeiro pelo fato de que inúmeras pessoasestranhas ao serviço público, muitas vezes sem qualquer ex-periência na administração, mas com experiência em auxiliaro agente político em sua campanha eleitoral, recebem o cargocomo prêmio ao seu empenho na campanha.

Todo investimento em treinamento que neles venha aser feito se esvai no momento de suas exonerações, mormentequando os convites partem de detentores de mandato eletivode vínculo temporário com a administração. Tal conduta preju-dica a profissionalização da administração pública.

Os cargos comissionados providos por pessoas semvínculo efetivo com a administração, ocupando o lugar de servi-dores efetivos, são fator fundamental de desestímulo ao servidorconcursado, principalmente quando este se prepara por anospara assumir uma posição de chefia e assessoramento, quepode significar o aumento de sua remuneração por meio dasgratificações próprias pelo exercício de cargos de chefia, e sevê preterido por um estranho à carreira pública.

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Enfim, o descumprimento do preceito constitucionalprevê que a preferência da ocupação de cargos comissiona-dos por servidores efetivos é fator de distorção na eficiênciada administração pública e viola o direito dos servidores efetivos.

Régis Fernando de Oliveira37 anota outras duas fina-lidades da regra constitucional em comento:

A reserva de cargos destinada aos funcionários de carreira tem o fim

específico de cercear a discricionariedade do administrador.38 Revela-

se, no entanto, determinante para o gigantismo da máquina adminis-

trativa, porque não se busca restringir, quantitativamente, o número

de cargos em comissão, apenas acrescentando, sobre um número

qualquer, uma nova quantidade de nomeações obrigatórias.

Arguta a expressão de Oded Grajew39 em artigo jor-nalístico que colacionamos aos autos:

As normas que regem o funcionamento do Estado brasileiro permitem

que a cada novo governo, a cada quatro anos, troque milhares de

funcionários (os chamados cargos de confiança) por critérios que, em

geral, atendem a interesses pessoais, familiares, políticos e partidá-

rios, e não a critérios de competência para o cargo.

Qualquer empresa iria à falência em pouco tempo se seguisse as

mesmas regras.40

E arremata, “Esperar que a classe política promova areforma política e a do Estado, eliminando tais distorções é

37 OLIVEIRA, R. F. de. Servidores Públicos. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 21.38 Em sentido contrário, entendendo que a pessoa jurídica é assistente litiscon-

sorcial do coator, ver LOPES, H. Mandado de Segurança. 20. ed. São Paulo:

Malheiros, 1998. p. 53. Essa posição não alcança mais a maioria da doutrina.39 Oded Grajew, 63 anos, empresário, é um dos idealizadores do Movimento

Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de

Empresas de Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial

e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do

presidente da República (2003).40 Agenda prioritária para a sociedade brasileira. In: Jornal Folha de São Paulo,

opinião, edição de 03 de abril de 2008.

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crer que nossos políticos tenham vocação suicida, pois é essemesmo sistema que lhes permite seguir sua carreira”.

A edição de norma que garanta a preferência e maioriado preenchimento dos cargos em comissão por servidores con-cursados não resolve definitivamente a questão do excesso dosservidores comissionados, eis que há de haver uma análise cri-teriosa para fiscalizar se todos os cargos comissionados estãosendo corretamente criados (o que, aliás, é objeto de outro pro-cedimento administrativo), e isso seria um passo significativopara a moralização da administração pública municipal de Itum-biara, como mostram os números adiante.

Ademais, é assegurar que pelo menos 50% dos cargoscomissionados sejam ocupados por servidores efetivos, na liçãode Marcelo Dias Ferreira, ao lado de outras “significativas altera-ções” decorrentes da Emenda Constitucional 19/98, que comple-tam um processo de profissionalização no serviço público. Taisalterações, segundo ele, “terão de ser, mais cedo ou mais tarde,implementadas”41. Que sejam por meio do Poder Judiciário.

41 “O processo de profissionalização preconizado na Emenda Constitucional n.

19/98 baliza-se por significativas alterações quanto ao ingresso no serviço público,

ocupação de cargos e qualificação profissional, quando (a) permite o acesso a

estrangeiros a cargos, empregos e funções públicas, desde que expressamente

previstos em lei – art. 37, I; (b) permite a regulamentação em lei de procedimentos

para a realização de concursos públicos, considerando de forma diferenciada as

características relativas à natureza e complexidade de cada cargo ou emprego –

art. 37, II; (c) prevê a ocupação das funções de confiança exclusivamente por ser-

vidores detentores de cargo efetivo, e a fixação de percentual mínimo dos cargos

em comissão, para servidores de carreira – art. 37, V; (d) obriga a destinação des-

tes cargos e funções mencionadas para o exercício de atribuições de direção,

chefia e assessoramento – art. 37, V e (e) provê a manutenção de Escolas de Go-

verno, instituições com atribuições específicas de formação e treinamento de ser-

vidores e prerrogativas de habilitação para efeito de promoção nas carreiras (art.

39, § 2°). (Ferreira, D. M. Carreiras Típicas de Estado: Profissionalização - o ser-

viço público e a formação do núcleo estratégico. In: PAIVA, L. Direito Administrativo

(temas atuais). Leme, SP: LED – Editora de Direito Ltda., 2003. p. 360). O autor

também se refere, adiante, à necessária instituição do Conselho de Política de

Administração e Remuneração de Pessoal.

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2.3 Dos números colhidos na administração municipal quanto aopreenchimento dos cargos em comissão por efetivos

O Poder Executivo Municipal de Itumbiara, Adminis-tração Direta e Administração Indireta (FUNSOL), conformeinformação do Secretário de Administração expressou ter:

PODER EXECUTIVO MUNICIPAL

A) 599 cargos comissionados criados por lei.

B) 301 dos cargos comissionados ocupados.

C) 5 dos cargos comissionados preenchidos por servidores efetivos.

Conclusão: O número de cargos comissionados preenchidos por ser-

vidores efetivos é de apenas 1,66% (Um vírgula sessenta e seis por

cento)

PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL

A) 77 cargos comissionados criados por lei.

B) 77 cargos comissionados ocupados.

C) Nenhum dos cargos comissionados preenchidos por servidores

efetivos.

Conclusão: O número de cargos comissionados preenchidos por ser-

vidores efetivos é de apenas 0% (zero por cento)

Os números apresentados se expressam por si só: a regraconstitucional é solenemente descumprida tanto no legislativoquanto no poder executivo em Itumbiara.

2.4 Do decreto no âmbito do governo da União

O Congresso Nacional também não editou a referidanorma de preferência de servidores efetivos no âmbito fede-ral, porém o Decreto Presidencial 5.497, de 21 de julho de2005, juntado aos autos, “dispõe sobre o provimento de car-gos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Supe-

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riores – DAS, níveis 1 a 4, por servidores de carreira, no âm-bito da administração federal. Esclarece-se que na Adminis-tração Federal os cargos em comissão variam de DAS 1 (menor escalão ) a DAS 6 ( comissionados de maior hierar-quia)”.

No referido Decreto estabeleceu-se que “serão ocupadospor servidores de carreira, 75% (setenta e cinco por cento) doscargos em comissão DAS, níveis 1, 2 e 3 ), artigo 1º, inciso I e;50% (cinqüenta por cento) dos cargos em comissão DAS, nível 4”.

Embora não seja um primor de ato normativo, até mesmopela grave inconstitucionalidade em não prever percentuais paraos cargos DAS nível 5 e 6, o ato pode servir de parâmetro paraque este juízo edite a norma faltante no âmbito local.

Conforme resumo que elaboramos ao final do proce-dimento, o Poder Executivo Municipal apresenta as seguintescategorias de cargos em comissão: DS1, DS1-A, DS-2, CC1,CC2, CC3, CC4, CC5, CC6 e CC7.

3 Dos pedidos

Quando o déspota esclarecido Frederico II da Prússia, na conhecida

estória do moleiro de Sans Souci, pretendeu destruir o moinho, que

lhe tirava a vista do Castelo de Potsdan, movido, pois, por interesse

pessoal e não público, resistiu o súdito a tal ameaça governamental,

exclamando enérgico e confiante: ‘Há juízes em Berlim’.42

Em face do exposto, requer o Ministério Público doEstado de Goiás que Vossa Excelência se digne a:

a) Receber e determinar a autuação do presente mandado de in-junção, impondo ao processo o rito previsto na Lei 1.533 de

42 WALINE, Droit Administratif, 9°, 1963 apud Reis, N. Mandado de Segurança.

Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 65.

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31/12/1951 (Lei do Mandado de Segurança) c/c Lei 8.038/90 art.24, parágrafo único;

b) Reconhecer que o mandado de injunção terá prioridade sobretodos os atos judiciais, salvo habeas corpus (Lei 1.533, art. 17);c) Notificar a autoridade apontada como omissa nesta peça, en-tregando-lhe a via apresentada com as cópias dos documentosa fim de que, no prazo de 10(dez) dias, preste as informaçõesque achar necessárias (Lei 1.533, art. 7º);

d) Determinar ao serventuário em cujo cartório corre o feito quejunte aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao impe-trado, bem como a prova da entrega a eles ou de suas recusasem aceitá-los ou dar recibo (Lei 1.533, art. 9º);

e) Dispensar a oitiva de representante do Ministério Público, eisque já figura como impetrante43;

43 “[...] a missão do custos legis e do autor da ação civil pública não há [...] inconci-

liabilidade. O órgão legitimado a promover, por exemplo, a ação de nulidade de ca-

samento não atua na defesa de um interesse “[...] a missão do custos legis e do

autor da ação civil pública não há [...] inconciliabilidade. O órgão legitimado a pro-

mover, por exemplo, a ação de nulidade de casamento não atua na defesa de um

interesse particular de uma pessoa contra outra, mas sim na defesa do interesse

indisponível de que se declare a nulidade se ela realmente existe ou de que não

se declare se os fatos que lhe dão corpo não estão suficientemente comprovados.

A situação é semelhante à do autor da ação penal pública: só interessa a conde-

nação se há prova do crime e da autoria; se não o promotor pede a absolvição. Isto

mostra com clareza que tanto na ação civil, como na penal pública o ministério

Público assume formalmente a posição de autor, sem perder, contudo, na es-

sência, a condição de fiscal, de imparcial na apreciação dos fatos e do interesse

deles emergente. Daí que, instaurado o processo civil pelo ministério Público,

o próprio órgão oficiante cumprirá o papel de fiscalizador da regularidade pro-

cedimental e qualidade da prova realizada (mesmo quanto aos fatos que hi-

poteticamente levem à improcedência do pedido), de sorte a não haver a

mínima necessidade de que intervenha outro órgão para, automaticamente,

cumprir seu mister”. (grifos meus) (Costa Machado, A. C. A intervenção do Ministério

Público no processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 572)

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f) Decidir no prazo de 05 (cinco) dias, tenham sido ou não pres-tadas as informações pela autoridade impetrada (Lei 1.533/51art.10);

g) Reconhecer a mora do Município de Itumbiara por falta de leique regulamente o direito de preferência de servidores efetivosno preenchimento de cargos públicos comissionados através depercentuais mínimos, em atendimento ao comando constitucionaldo art. 37, inciso V, da Constituição Federal, na redação dadapela Emenda Constitucional 19 de 04 de junho de 1998 (portantoquase 10 anos de omissão);

h) Lavrar sentença aditiva na qual contenha norma direcionadaà Administração Pública Municipal de Itumbiara, aos PoderesLegislativo e Executivo e também à Administração Indireta(FUNSOL), que atenda aos comandos do art. 37, inciso V, daConstituição Federal, estabelecendo de forma cogente, sobpena de multa diária por descumprimento, ao chefe do poderou autarquia municipal que não atender ao percentual mínimoestipulado dentre os cargos em comissão ocupados, preenchi-dos por servidores efetivos. Percentuais esses que devem serfixados por analogia (mas sem os seus vícios) ao Decreto Pre-sidencial 5.497/2005 em: 75% para os cargos comissionadosde categoria CCn e 50% para os cargos comissionados de ca-tegoria DSn (direção superior);

i) Transmitir em ofício, por mão do oficial do juízo ou pelo correioou fac-símile, mediante registro com recibo de volta, ou telefo-nema, o inteiro teor da sentença à autoridade impetrada (Lei1.533/51 art.11);

j) Autorizar a execução provisória, enquanto sejam os autos re-metidos à superior instância para o duplo grau de jurisdição (Lei1.533/51, art. 12), onde deverão ser levados a julgamento na pri-meira sessão que se seguir à data em que, feita a distribuição,forem conclusos ao relator (Lei 1.533, art. 17 in fine);

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Dá-se à presente o valor de R$ 283.500,0044.

Termos em que pede deferimento.

Itumbiara, 13 de maio de 200845.

reuder cavalcante mottaPromotor de Justiça

44 Supondo que entre 50% a 75% dos (301+77) cargos em comissão hoje preen-

chidos passem a ser ocupados por servidores efetivos; e que a cada vaga em

cargo em comissão que venha ser ocupada por servidor efetivo se atribua um

valor da causa de R$1.000,00.45 Data em que se comemora a abolição da escravatura no Brasil.

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