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ual a ligação que uma instituição que atua na áreade ciência e tecnologia e de saúde pública deve ter comas discussões que envolvem o tema violência? Para al-guns, o vínculo com o tema não deveria figurar na lista de

prioridades em pesquisa de uma instituição com esse perfil. Trata-sede um equívoco. Estudar os diferentes aspectos da violência, oscomponentes sociais que a originam e os impactos na área de saúdepública, é tão relevante quanto as pesquisas para se chegar a umavacina e à produção de uma nova classe de medicamentos.

Por si só, marcadores como os homicídios, que cresceram 115%nas últimas duas décadas, consubstanciam a nossa tese. Por isso éque a Fiocruz tem o maior orgulho de abrigar, desde a década de1980, um dos centros de estudos mais atuantes no Brasil na produçãode reflexões sobre a violência: o Centro Latino-Americano de Estudossobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves). Esta edição da Revistade Manguinhos traz como um dos temas centrais a divulgação dealguns dos recentes estudos do nosso Claves.

Outro destaque é a reportagem sobre a Escola Politécnica JoaquimVenâncio, a melhor escola da rede pública do país segundo a avaliaçãodo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), do Ministério da Educação.É o setor público dando mais uma prova da sua eficiência e do compro-misso com a educação de qualidade.

Excelência que também pode ser percebida em outras páginasdesta edição: a obtenção nos laboratórios da Fiocruz do primeiromosquito transgênico da América Latina, a incorporação de mais umcentro de referência, agora na área de genética, o novo recorde deexportação de vacinas e os 30 anos de Biomanguinhos, os indicadoresde sobrevida em Aids obtidos por uma de nossas unidades de assistên-cia em saúde. Mas há muito mais do que isso, como provam as pági-nas a seguir.

Por fim, quero destacar o lançamento recente da Comissão Nacionalsobre Determinantes Sociais da Saúde, instituída por decreto do presiden-te Luiz Inácio Lula da Silva, e também incluído nesta edição. A Fiocruzteve ativa participação na elaboração desta Comissão, que pretendetrazer para o centro das discussões nacionais os impactos das desigualda-des sociais. E certamente a questão da violência, referida aqui inicialmen-te, estará entre um dos temas prioritários a ser examinado.

Boa leitura.

Paulo Marchiori BussPresidente da Fundação Oswaldo Cruz

EDITORIAL

foto fogos castelo

Q

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Entomologia21

Perfil

Pesquisa10

6 Notas

18 Pesquisa

Referência em genética

19 Educação

Um gibi para a hanseníase

Um olharpara os pobresO trabalho dohumanista Victor Valla

8

O primeiromosquitotransgênicoFiocruz-Minas avançana fronteira da genética

Os múltiplosaspectosda violênciaEstudos da Fiocruz buscamos porquês da situação

PresidentePaulo Marchiori Buss

Vice-Presidente de Serviçosde Referência e AmbienteAry Carvalho de Miranda

Vice-Presidente deDesenvolvimento Institucionale Gestão do TrabalhoPaulo Gadelha

Vice-Presidente de Ensino,Informação ComunicaçãoMaria do Carmo Leal

Vice-Presidente de Pesquisa eDesenvolvimento TecnológicoReinaldo Guimarães

Chefe de GabineteArlindo Fábio Gómez de Sousa

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 9 - JUNHO/2006

Coordenação: Christina Tavares

Edição: Wagner de Oliveira

Redação e reportagem:Adriana Melo, Catarina Chagas,Pablo Ferreira, Ricardo Valverde,Sarita Coelho e Wagner de Oliveira

Colaboradores: Bel Levy, Bruna Cruz,Fernanda Buarque, Luiz Hagen,Paula Lourenço, Raquel Aguiar, RenataFontoura e Roberta Monteiro

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita

Fotografia: Ana Limp.

Administração CCS: Beatriz Ayres

Apoio administrativo/Eventos:Assis Santos

Secretaria: Inês Campos e Sílvia Roza

Mensageiro: Daniel Lima dos Santos

O que você achou desta ediçãoda Revista de Manguinhos?Mande seus comentários para:

Av. Brasil, 4365 - Manguinhos -Rio de Janeiro - CEP: 21045-900

e-mail: [email protected]: (21) 2270-5343

ÍNDICE

20 Controle

Armadilhas para omosquito do dengue

22 Diagnóstico

Um mapa da peste brasileira

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Educação

Resenha

Os 20 anosda OitavaUm marco do movimento social

Fio da História44

32

Vacinaspara o mundoBiomanguinhos baterecorde de exportação

Imunobiológicos24

Pasteur eOswaldo CruzLivro aborda cooperaçãode referência

42

ExcelênciacomprovadaPolitécnica obtémprimeiro lugar do Enem

Entrevista: Gaudêncio FrigottoFilósofo e educador falasobre a escola brasileira atual

23 Medicina tropical

Nova perspectiva para otratamento de Chagas

28 Serviços de saúde

Enfrentando a Aids

30 Políticas públicas

Os determinantes da saúde

31 Pesquisa

Um novo ganho daterapia anti-hipertensiva

CAPA:Aluna daEscola PolitécnicaJoaquim Venâncio

foto:Ana Limp

43 Resenhas

Novos livros eperiódicos da Fiocruz

46 Artigo

Ministro da Saúdeaborda Inovacinas

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NOTAS

Instituto deTerapia Celular

Diante dos resultados positivos até omomento e com o desenvolvimento deestudos para tratamento de doençascrônico-degenerativas com células-tronco,a exemplo do mal de Chagas e da cirrosecrônica, a Bahia dá um passo importantepara a ampliação do procedimentoterapêutico à população com o lançamen-to do Instituto de Terapia Celular (ITC). OInstituto tem a sua sede no Centro de Pes-quisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidadeda Fiocruz na Bahia.

O Instituto de Terapia Celular da Bahiaé uma iniciativa que reúne a Secretaria deCiência, Tecnologia e Inovação da Bahia(Secti), a Fundação de Amparo à Pesquisado Estado da Bahia (Fapesb), a Fiocruz e aFinanciadora de Estudos e Projetos (Finep)que vai criar condições para viabilizar arealização de procedimentos cirúrgicoscom células-tronco numa escala maior,envolvendo diversos grupos clínicos naBahia e em outros estados da Federação.Com recursos iniciais da ordem de R$ 5milhões, o ITC já conta com laboratóriosno CPqGM e hospitais participantes paraa preparação de células-tronco a seremutilizadas nos procedimentos cirúrgicos,assim como vai reunir pesquisadores parao desenvolvimento de novas técnicas deutilização de células-tronco em diabetes,esclerose lateral amiotrófica, doenças auto-imunes e neurológicas, dentre outras en-fermidades crônico-degenerativas.

O impacto de um potencial sur-to de gripe aviária em populaçõesde áreas densamente povoadas deuma cidade da América do Sul, abusca por novas formas de preven-ção de doenças transmitidas porinsetos, como malária e dengue, ede produtos para o combate à he-patite C, contra a qual ainda nãoexistem vacinas, e ao Mycoplasmapneumoniae, uma das principaiscausas de pneumonia em adultosjovens, são alguns dos objetivos deum acordo de cooperação entre oInstituto de Bioinformática daVirgínia (VBI), do Instituto Politécnicoda Virgínia e da Universidade Esta-dual da Virginia, nos Estados Uni-dos, e a Fiocruz.

O acordo inicial, com duração detrês anos, facilitará o desenvolvimento

(foto bio)

Parceria com os Estados Unidos

de medicamentos, vacinas, diagnós-ticos e outras tecnologias necessári-as para a redução da carga globalde doenças infecciosas. A colabora-ção inclui iniciativas de pesquisa e de-senvolvimento tecnológico de produ-tos para a atenção em saúde emcasos de dengue, hepatite C, HIV/Aids, gripe, malária e pneumonia porMycoplasma pneumoniae.

Os projetos iniciais previstos noacordo abrangem quatro áreas: mo-delagem e simulação de surtos epi-dêmicos de doenças infecciosas; pes-quisa em vetores de doenças;respostas a surtos epidêmicos; e ace-leração do desenvolvimento de me-dicamentos, vacinas e reativos paradiagnósticos, facilitando a migraçãodo conhecimento da bancada dos la-boratórios para a clínica.

(foto gonçalo)

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HomenageadosEm alusão ao Dia Mundial da

Saúde (7 de abril), que este anoteve como tema os trabalhado-res anônimos que atuam no se-tor, a Fiocruz homenageou funci-onários de suas unidades comoparte dos festejos da data institu-ída pela Organização Mundial deSaúde (OMS). Os homenagea-dos: Alexandre Silva Muniz(INCQS), Célia Landmann (Cict),Clara Yoshida (IOC), Cleuza Bal-bino Martins (Cecal), Ítalo Sher-lock (CPqGM), Jorge Luiz da Sil-va (Diplan), José Geraldo Simeão(Presidência), José Marcos MaltaLima (CpqAM), Maria Alice Fran-co de Souza (IFF), Maria da LuzFernandes Leal (Biomanguinhos),Maria Emília Leopoldo (Ensp),Nelson Portugal (Dirac), OlgaD’arc Pimentel (CPqLMD), Sebas-tião Roberto de Oliveira (EPSJV),Silvia Lacouth Motta (Direh), So-lange Alves da Cruz (Ipec),Sueleny Silva Ferreira (CPqRR),Vania Buchmuller (COC), Victori-no Morais dos Santos (Farmangui-nhos) e Walcyr Silva Ferreira(Dirad).

Aedes aegypti em filmeO documentário O mundo macro e

micro do mosquito Aedes aegypti, pro-duzido pelo Setor de Produção e Trata-mento de Imagem do Instituto OswaldoCruz (IOC), já rodou o mundo divulgan-do informações sobre o inseto vetor dodengue. Dirigido por Genilton JoséVieira, o vídeo foi solicitado e enviadopara diversos estados brasileiros, paraEuropa e Estados Unidos. O curta-metragem confere um conceito dinâ-mico à divulgação científica ao repre-sentar o ciclo de vida do mosquito porimagens – reais e virtuais – em movi-mento. Em junho, o vídeo participarádo Festival de Cine y Vídeo CientíficoMIF-SCIENCES en la Habana, em Cuba,onde será oficialmente apresentado aprodutores de filmes científicos.

A produção precisou adquirir o Cer-tificado de Produto Brasileiro (CPB), do-cumento concedido pela Agência Naci-onal de Cinema (Ancine) que permitea gravação do curta-metragem em DVDe sua distribuição. Para isso, foi precisoo reconhecimento, também pela Anci-ne, da Fiocruz como uma produtoraaudiovisual. “Esses certificados garan-tem direitos autorais a qualquer materi-al audiovisual produzido pelas unidadesda Fundação”, avalia Genilton. “Isso éimportante porque incentiva a produçãoaudiovisual para divulgação científica,ainda incipiente no Brasil.”

Gripeaviária

Atendendo a uma solicitação daOrganização Pan-Americana da Saú-de (Opas), o Instituto Oswaldo Cruz(IOC) recebeu representantes de seispaíses da América Latina para treina-mento em técnicas moleculares dedetecção do vírus influenza H5N1,agente etiológico da gripe aviária.A Oficina Internacional de Diagnósti-co Molecular de Influenza foi realiza-da no Laboratório de Vírus Respirató-rio e Sarampo que participa da redede vigilância montada pelo Ministérioda Saúde para prevenir a entrada dovírus no Brasil e é responsável pelodiagnóstico em amostras humanas.Cientistas de Costa Rica, Colômbia,Paraguai, Peru e Venezuela aprende-ram com os pesquisadores brasileiros.

Anti-retroviral contra AidsUma nova classe de medicamento

anti-retroviral tem mostrado resultadospromissores, ainda que preliminares, notratamento de indivíduos infectadoscom HIV resistente a múltiplas drogas.Dos 167 pacientes tratados com a MK-0518, droga produzida por uma indús-tria farmacêutica, 80% baixaram osníveis de HIV no sangue para menosde 400 cópias por mililitro - uma redu-ção de 99%. Essa é a primeira avalia-ção dos ensaios clínicos feitos com adroga, apresentada pela médica BeatrizGrinsztejn, do Instituto de Pesquisa Clí-nica Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz,na 13ª Conferência em Retroviroses eInfecções Oportunistas, o evento maisimportante da área, que ocorreu emDenver, no estado americano doColorado. Os resultados foram publi-cados na seção de notícias da revistaScience em fevereiro.

Ana Limp

José Simeão recebe o diplomado presidente Paulo Buss

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PERFIL

Uma vidadedicadaa entenderos pobres

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em saber nada sobre o Bra-sil, um jovem americanofiliado à congregação ca-tólica dos Irmãos de San-ta Cruz desembarcou no

país num momento em que muitos es-tavam fugindo: logo após o golpe mili-tar de 1964. Com grau zero depolitização e em crise com a sua voca-ção religiosa, o californiano Victor Valladecidiu vir para cá numa tentativa defugir da influência de seus colegas decongregação. Hoje, Victor Valla é pes-quisador titular da Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp) da Fiocruz, ten-do acumulado, ao longo destas déca-das, uma enorme experiência de en-gajamento político e de trabalho comos pobres, em diversos estados. ParaVictor, os pobres, mais do que apren-der, têm muito a ensinar às elites.

Victor nasceu em agosto de 1937em uma família extremamente católi-ca. Eles moravam perto de Hollywood,num lugar chamado Studio City. Ter-ceiro de quatro filhos, Victor, aos 12anos, sentiu aquilo que muitos identifi-cam como o “chamado para a voca-ção religiosa”. Victor nunca foi – e nemquis ser – ordenado padre ou frei, masfoi irmão religioso. Ele fez os votos ca-racterísticos dos que seguem a vidasacerdotal católica, mas não celebra-va os sacramentos. Queria dar aulas eassim foi preparado na faculdade. Hou-ve momentos em que passou pela suacabeça deixar de ser irmão, mas elese manteve. Como a insatisfação, como passar dos anos, era crescente, Victorcomeçou a pensar em sair dos EstadosUnidos para escapar dos religiosos.Decidiu, então, vir para o Brasil.

Victor chegou ao Brasil em agos-to, já com o golpe militar de 1964 napraça. Ele foi para o Centro de For-mação Internacional, administradopelos franciscanos, em Petrópolis.“Foi uma grande vivência, porque láeu me politizei. Fiz curso de históriacom dom Pedro Casaldáliga”, diz ele,lembrando do “bispo vermelho” quefoi seu colega.

Depois do curso ele foi designadopra trabalhar no Colégio Notre Dame,em Campinas. “Quando cheguei lá,em 1965, havia um encontro clandes-tino da União Nacional dos Estudantes

Em 1984, quando o regime militarse aproximava do fim, a Ensp abriu con-curso. Victor obteve o primeiro lugar. Elevou a favela para a Ensp. “Passei ater um contato bem próximo com ascomunidades, desde a criação do Cen-tro de Estudos da População daLeopoldina. Era uma idéia nossa de quedeveria haver um centro em que osmoradores obtivessem conhecimentopara reivindicar direitos. Nosso papel erao de oferecer embasamento técnicosobre saneamento, saúde e educação”.

Um AVC mudaa vida de Victor

Discreto sobre sua vida pessoal,Victor não gosta de comentar os seustrês casamentos. A atual esposa é afotógrafa e artista plástica Kita. Ela éeducadora e atualmente trabalha noSenac Rio – Centro de Cultura e Co-municação e na Escola de Artes Visu-ais do Parque Lage, onde é professorado curso de fotografia. É ela – a maiorpaixão da vida de Victor – que temdado a ele um grande apoio desde quesofreu um acidente vascular cerebral(AVC), em setembro de 2001. A recu-peração tem sido boa e surpreendidoos médicos, tanto que um mês depoisVictor voltou a trabalhar, após passarum período igual no hospital.

Andando bem devagar devido aoAVC, Victor passou a caminhar pelasruas muito cedo, por volta das 6h30,quando elas ainda estão vazias. Eledá uma volta nos quarteirões próxi-mos à sua residência, compra o jornale vai a um botequim tomar café. De-pois volta para casa, toma banho eespera o táxi que o leva à Fiocruz. “Noinício caí três vezes e fiquei com medo.E esse medo me inibe um pouco”, dizVictor, um pesquisador que fez docorreto entendimento dos valores enecessidades dos menos favorecidosuma razão de viver.

(UNE). Um dos que faziam parte eraFrei Betto, então secundarista. Foi im-portante porque eu estava ouvindo dis-cursos sobre as mudanças no país. Nãoadianta atacar pobreza, tem que mu-dar estruturas. Era o que todos diziam”.

O choque de realidade brasileiralevou Victor a abandonar a ordem. An-tes, porém, os irmãos o enviaram paraSantarém e em seguida para os Esta-dos Unidos. Ele passou um ano emseu país, juntando dinheiro, e entãoretornou. Ao chegar foi para São Pau-lo e lá procurou a União Cultural Bra-sil-EUA, onde conheceu um homemque havia se formado no InstitutoTecnológico da Aeronáutica (ITA) eque o indicou para uma vaga de pro-fessor de inglês.

No Instituto, onde trabalhou entre1967 e 1973, Victor viveu a sua segun-da fase de politização e isso o levou afazer mestrado em história do Brasil,na USP – onde também faria o douto-rado. O mestrado, onde muitos cole-gas pertenciam a grupos clandestinos,seria a terceira fase de politização.

Rumo ao Nordeste,carregando esposa

e filhos

Victor se casou com Lúcia Helena,uma professora. Tiveram três filhos: aeducadora Claudia Maria, hoje com 38anos, o fisioterapeuta André Ricardo,de 36, e o comerciante HenriqueEduardo, de 34. Victor tem dois netos,filhos da primogênita. E tem outra fi-lha, a estudante de biologia Daniela,do segundo casamento. Depois do ca-samento Victor pediu demissão do ITA.Com a família, foi para Ilhéus, ondetrabalhou como conselheiro de umaescola de agricultura.

Ao mesmo tempo em que a expe-riência baiana o pôs em contato com ateologia da libertação – uma correntecatólica formada por bispos, padres eleigos imbuídos da análise marxista dasociedade –, ela o afastou em definiti-vo da Igreja institucional. O motivo foiuma briga com um padre que não re-zava pela mesma cartilha progressista.

Depois de dois anos na Bahia, Victorfoi trabalhar no curso de história da Uni-versidade Federal Fluminense (UFF), em1975. Foi sua quarta fase de politização.

S

Este perfil pode ser lido naíntegra no site da AgênciaFiocruz de Notícias: http://

www.fiocruz.br/ccs/especiais/valla/especial_valla.htm.

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Conheça os últimostrabalhos da Fiocruzsobre o fenômenoda violência

PESQUISA

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violência no país aumentou consideravelmente nos últimos 25anos. As mortes por homicídio, maior marcador de violência

para os cientistas, cresceram 115%. Compreender asrazões pelas quais esse fenômeno ocorre e o impacto do

mesmo na saúde e na qualidade de vida da população são objeti-vos do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e SaúdeJorge Careli (Claves), ligado à Fiocruz. A equipe multidisciplinar éde referência internacional na pesquisa sobre violência em seusmúltiplos aspectos. Seus últimos trabalhos destacam questõescomo as agressões sofridas por policiais, idosos, deficientes e

adolescentes, e as razões que levam ao uso de drogas. Linhasde pesquisa que também não perdem de vista os compo-

nentes sociais que determinam o aumento daviolência na sociedade brasileira.

A

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Um estudo pioneiro no Bra-sil analisou as taxas de mor-te e agravos à saúde poracidentes e violência entrepoliciais durante e fora de

sua jornada de trabalho. É a primeiravez no país que se investiga essa cate-goria profissional pelo ponto de vistada saúde do trabalhador. As pesquisa-doras Edinilsa Ramos de Souza e Ma-ria Cecília de Souza Minayo, do Cen-tro Latino-Americano de Estudos deViolência e Saúde Jorge Careli (Claves)da Escola Nacional de Saúde PúblicaSergio Arouca da Fiocruz (Ensp), fize-ram um levantamento de dados de po-liciais civis, militares e da guarda civildo Rio de Janeiro, em um período com-preendido entre 1994 e 2004. A pes-quisa, que constata um crescimento daviolência nas três categorias, foipublicada na revista científica Ciênciae Saúde Coletiva da Associação Brasi-leira de Pós-Graduação em SaúdeColetiva (Abrasco).

Nas três categorias, houve um au-mento da exposição à violência, sobre-tudo considerando-se as lesões não fa-tais, com relevância para 2003 e 2004.A Polícia Militar é a que mais sofre agres-sões. A taxa de mortalidade na popula-ção geral do Brasil foi de 26,7 por 100mil habitantes em 2000. Na capital doRio de Janeiro, o índice sobe para 49,5/100.000. No mesmo período, a mortali-dade por agressão na Polícia Militar doRio de Janeiro chegou a 356,23/100.000– 13,34 vezes maior do que na popula-ção geral. O risco de morte entre polici-ais militares também é maior do queentre agentes de outros órgãos de segu-rança: 6,44 vezes o da Guarda Munici-pal e 1,72 o da Polícia Civil.

De acordo com o estudo, as agres-sões a guardas municipais costumamser menos letais. Em geral, eles sãovítimas de pauladas e pedradas. Já ospoliciais militares e civis são mais agre-didos com armas de fogo. Quanto aospoliciais civis, houve um aumento da

taxa de morte principalmente entre osanos de 2003 e 2004. Os que mais so-frem violência são os detetives (53,1%)e os carcereiros (10,9%).

Mereceu atenção especial na pes-quisa o elevado percentual de violên-cia sofrida por agentes de segurançaem suas folgas. Segundo as especialis-tas do Claves, uma das explicaçõespossíveis seria o grande número depoliciais que têm um segundo empre-go na área da segurança privada –portanto continuariam expostos ao ris-co em seu tempo livre. Elas apontamainda o envolvimento de policiais emconflitos de bairros ou de trânsito natentativa e aplacar uma briga, pormotivo de sua função social; e as em-boscadas, das quais muitos são vítimas.

Profissão: policialPesquisa avalia a exposição de policiais à violência

A culpaé da mídia?

A imagem da polícia é mal con-ceituada. Para policiais, o principal res-ponsável seria a mídia, que insistiria emdivulgar de forma negativa as açõesda polícia. Para os especialistas no es-tudo sobre violência, outros fatos tam-bém podem explicar a rejeição à polí-cia pela população, embora sejaimportante investigar até que ponto amídia influencia nesse processo.

Um estudo sobre o papel da mídiabrasileira na construção da imagem dospoliciais foi conduzido pela pesquisado-ra Kathie Njaine e sua equipe do Cla-ves, com o apoio da Secretaria Nacio-nal de Segurança Pública do Ministérioda Justiça. A equipe analisou notíciaspublicadas em jornais que circulam nasquatro capitais de maior índice de ho-micídio no país (Rio de Janeiro, São Pau-lo, Vitória e Recife). Por enquanto, ospesquisadores estão aprofundando osdados da análise dos periódicos do Riode Janeiro e de São Paulo. Foram avali-adas nas duas cidades 1.675 matériassobre ações policiais, entre outubro e

novembro de 2005, publicadas nos ca-riocas Povo e O Globo e nos paulistanosDiário de S. Paulo e Folha de S. Paulo.

De modo geral, cerca de 85% dasmatérias tinham caráter factual e nãotraziam imagem positiva ou negativados policiais. Aproximadamente 14%apresentavam uma imagem negativadas polícias ou dos policiais, pela suaconstrução discursiva, a partir do uso deexpressões estereotipadas ou deprecia-tivas e pela simples divulgação de umato policial socialmente condenável.Cerca de 1,5% das notícias tinha caráterpositivo, com a publicação de fatos po-sitivos que a polícia havia feito para asociedade. Quase 90% das matériasfalam de ações legais da polícia, contra8% que narram ações ilegais.

“Embora a imprensa não atuedeliberadamente no sentido de cons-truir uma imagem negativa ou positivadas ações policiais, as matérias queapresentavam aspectos negativos dainstituição policial ou de seus operado-res, do ponto de vista simbólico, tive-ram o poder de provocar uma reaçãogeneralizante e bombástica na socie-dade. Esse efeito é decorrente de umdiscurso em torno das ações policiais,onde a escolha de palavras ou expres-sões como ‘banda podre’ ou de fotosde flagrantes de ações violentas deno-tam um sentido negativo dessasatuações das polícias”, explica Kathie.

“Além disso, a simples divulgaçãode atos condenáveis envolvendo res-ponsáveis pela segurança da popula-ção, como os homicídios, a conivênciacom a criminalidade, a corrupção, osmaus-tratos contra os cidadãos e todaa ordem de abuso de poder têm im-pacto muito mais devastador”.

Imagens da violência:sensacionalismo

Das matérias de caráter factual,cerca de 15% divulgavam o fato deforma um pouco mais analítica, abor-dando o investimento das instituições

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com a exposição de corpos feridos,por exemplo, causam um efeito soci-al ampliado, pela dimensão do sen-sacionalismo presente nesse jornal”,diz a pesquisadora.

Os acontecimentos mais noticiadosforam prisões, acusações, apreensões desuspeitos, acusados ou criminosos, queconfiguram, de acordo com os pesqui-sadores, fatos publicáveis, mas que pou-co contribuem para um debate públicosobre as raízes da violência, suas mani-festações e suas conseqüências do pontode vista individual e coletivo.

“As matérias que ultrapassam ocaráter noticioso e que fornecem, alémde dados, um debate aprofundado so-bre a questão da violência têm o poderde levar à reflexão e à discussão amplia-da desse problema social que vemafetando gravemente a sociedade bra-sileira. A mídia tem um importante pa-pel na sociedade e um grande potencialnas ações de redução e prevenção detodas as formas de violência”, conclui aequipe de pesquisadores do Claves.

Atividade noturnapiora saúde de policiais

O policial sofre por diversos fato-res no exercício de sua atividade. Otrabalho noturno é mais um agravan-te na ocorrência de riscos à saúde. Estaé a principal conclusão de um outroestudo conduzido pelo Claves. O alu-no de iniciação científica Thiago deOliveira Pires cruzou dados sobre tur-nos de trabalho (noturno e diurno) econdições de saúde de policiais civispara chegar a esta conclusão.

“Tomei como referência não só suaatividade regular, mas também o tra-balho fora da corporação, que gera des-gaste físico e mental”, diz Pires. “Oscálculos a partir de dados de 1.458 po-liciais civis do Rio de Janeiro mostra-ram que a chance de encontrar homensno trabalho noturno é maior; nesse tur-no de trabalho eles têm mais chancede ter constipação, de serem fuman-tes, obesos e de estarem insatisfeitoscom o lazer”, completa.

de segurança pública na formação dospoliciais, como a capacitação na áreade direitos humanos. No total, forampublicadas 620 matérias no Povo, 449em O Globo, 440 no Diário de S. Pauloe 166 na Folha de S. Paulo. Ainda quededique pouco espaço para notíciasenvolvendo ações policiais, as matéri-as da Folha de S. Paulo trouxeram umcaráter mais analítico (20%). Do totalde notícias, apenas 1% apresentavaum caráter mais propositivo, de modoa oferecer ao leitor um quadro maisaprofundado sobre a complexidade daquestão da segurança pública, suasinstituições e seus operadores.

As principais fontes das notíciasforam os delegados de polícia e au-toridades militares. Segundo Kathie,isso sugere o pouco espaço disponí-vel para as diferentes vozes envolvi-das nos eventos dessa natureza. Doconjunto de jornais, o Povo foi o quemenos publicou fotos. “Analisadassob a lógica simbólica, no entanto,as imagens exibidas neste periódico,

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pesar de concebida pelosenso comum como umainstituição predominante-mente masculina, a Polí-cia Civil do Estado do Rio

de Janeiro admite também mulheresentre seus servidores. Em suas ativida-des diárias, elas relatam enfrentar difi-culdades, frustrações e cobranças. Umestudo realizado pelo Claves questionou2.746 policiais, dos quais cerca de 19%eram mulheres, e descobriu que elasapresentam mais sofrimento psíquicoque seus colegas de trabalho.

“Sofrimento psíquico é um conjun-to de condições psicológicas que, ape-sar de não caracterizar um doença, geradeterminados sinais e sintomas queindicam sofrimento” explica a psicólo-ga Edinilsa Ramos de Souza, coorde-nadora do projeto. O problema podeser causado por diversos fatores, inclu-sive as condições de trabalho, comofalta de instalações adequadas, estressee falta de preparo para a função. “Nodia-a-dia, o policial precisa continuarcom o seu trabalho e não pode demons-trar fragilidade”, acrescenta. “Isso au-menta o sofrimento e, muitas vezes,

Sofrimento psíquicoem policiais civis:uma questão de gênero

A

faz com que o profissional somatize asquestões psicológicas em problemas desaúde, como pressão alta, insônia edores de cabeça”.

Assim, Ednilsa alerta para a dificul-dade de se relacionar os problemas en-frentados ao trabalho desenvolvido. Oestresse ocupacional não pode ser fa-cilmente medido e controlado, pois évivido de forma diferente por cada indi-víduo. Para avaliar a presença de sofri-mento psíquico entre os policiais, a equi-pe do Claves avaliou questionáriospreenchidos pelos policiais com ques-tões sobre distúrbios psicóticos e não-psicóticos. Além disso, foram feitas per-guntas sobre saúde, condições detrabalho e qualidade de vida. A análisefoi feita em função de três grupos ocu-pacionais: setor operacional (policiaisque trabalham no atendimento direto àpopulação em delegacias), setor técni-co (responsável por desenvolver laudose perícias científicas para apoiar as in-vestigações) e setor administrativo.

Mulher policial:sofrimento maior

Cerca de 20% dos policiais, inde-pendentemente do sexo, relataram so-frimento psíquico. O grupo lotado nasdelegacias apresenta a maior porcen-tagem de funcionários com o proble-ma (22,1%). Já entre as mulheres, as

do setor técnico relataram mais sofri-mento que as outras. “Devemos essediferencial à sua maior capacitaçãoprofissional”, conta Souza. “Elas têmmais consciência de sua condição e deseus problemas”. Além disso, são asque mais exercem outras atividadesremuneradas fora da polícia e, portan-to, têm maior carga de trabalho. Osetor abriga o maior número de mu-lheres entre os três grupos – em tornode 36% do total de funcionários.

Em todos os setores, as mulheresrelataram mais sofrimento psíquico queos homens. Segundo a pesquisadora,isto pode estar relacionado ao fato deque as mulheres são mais sozinhas,dizem ter menos apoio social e apre-sentam uma visão mais pessimista desua vida sexual e afetiva. Ednilsa res-salta, ainda, um agravante cultural parao sofrimento enfrentado pelas mulhe-res que trabalham na polícia: “Elasdesenvolvem atividades que, na socie-dade, são vistas como exclusivamentemasculinas”, diz. “Nesse sentido, aquestão de gênero ultrapassa a ques-tão do sexo. Enquanto o sexo é umacondição biológica, o gênero é umacondição cultural. A própria instituiçãopolicial tem regras voltadas aos homens.A polícia ainda não se adaptou total-mente para a chegada das mulheres”.

A pesquisa nasceu de um grandetrabalho realizado pelo Claves junto à

Os fuzilamentos do 3 de maio - Francisco Goya, 1814 (óleo sobre tela)

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m 2000, 13.436 idososmorreram por acidentesou violência no Brasil –37 por dia. Outros 92.796foram internados por le-

sões ou envenenamentos no mesmoperíodo. Os homens representaram66,12% do total de óbitos, númeroque confirma o padrão de maior riscode morte por causas violentas para osexo masculino também entre os ido-sos. Parte das mortes por acidentes detransporte e quedas são provocadaspor negligência ou por falta de res-peito. Arrancadas bruscas dos ônibuse falta de paciência quando atraves-sam a rua são algumas das queixasmais freqüentes dos idosos. E o maisgrave é que os especialistas estimamque 70% das lesões e traumas sofri-dos pelos velhos não chegam a fazerparte das estatísticas.

Uma pesquisa realizada no Clavesanalisou esses dados. O levantamentofoi feito por meio das duas instituiçõesque prestam assistência ao idoso noestado do Rio de Janeiro – a Delegaciado Idoso e o Núcleo Especial de Atendi-mento à Pessoa Idosa (Neap). As infor-mações obtidas foram classificadas emfunção do tipo de crime, das caracterís-

ticas sócio-econômicas e demográficas,e das características do agressor.

Paralelamente ao levantamentodos dados, um questionário foi apli-cado a idosos (pessoas com mais de60 anos) que vivem nas comunidadesde Manguinhos, bairro do Rio de Ja-neiro onde se localiza a Fiocruz. Fo-ram selecionados 72 idosos – seis decada uma das doze comunidades quecercam a Fundação – para respondera um questionário sobre suas condi-ções sociais, econômicas e demográ-ficas. As principais queixas dos idososdisseram respeito a maus-tratos físi-cos ou psicológicos, sobretudo noambiente doméstico, à negligência, aoabandono, ao estelionato e à apropri-ação indébita de bens.

A rede de proteção ao idoso aindaé muito frágil. Só existe uma delegaciaespecializada em atendimento a idososem todo o estado do Rio de Janeiro,número claramente insuficiente. A di-vulgação dos centros de atendimento éprecária. “Na comunidade de Mangui-nhos, poucos idosos sabiam da existên-cia do Neap”, diz Edinilsa Ramos, pes-quisadora do Claves. E mesmo naspoucas instituições existentes para oatendimento aos idosos, foi observadoque os funcionários não haviam sidodevidamente treinados para atendê-los.Além disso, não há articulação entreessas instituições nem continuidade nosprogramas de atendimento aos idosos.Eles nascem e desaparecem ao sabordos programas políticos do momento.

Morando como inimigo

Sabe-se que cerca de dois terçosdos agressores são parentes – 40% dasqueixas são contra filhos, netos ou côn-juges e outros 7% referem-se a outrosparentes – mas muitos idosos ainda têmmedo de prestar queixa da violênciadoméstica. “Eles temem que os paren-tes que os maltratam possam sofrerretaliações, tanto por parte das autori-dades legais como dos traficantes daárea”, diz Edinilsa.

A maioria dos idosos é independen-te para exercer atividades do dia-a-dia.Grande parte da renda das famíliasvem da sua aposentadoria ou pensão.

Eles reclamam da relação com as ge-rações mais novas. “A queixa é de fal-ta de respeito dos jovens em relação aeles”, diz Edinilsa.

Apenas 25% dos idosos brasileirosganham três salários mínimos ou mais.Ou seja, 75% deles são pobres ou mi-seráveis e moram com famílias igual-mente pobres. Alguns deles não têmdocumentos como carteira de identi-dade, título de eleitor e certidão de nas-cimento, mesmo tendo mais de 60anos. A escolaridade dos idosos deManguinhos é muito baixa, com altoíndice de analfabetismo. “A ausênciade direitos é, em si, uma violência. Aviolência não se resume a ações vio-lentas praticadas contra os idosos. Elatambém está presente na impossibili-dade de o idoso buscar seus direitos”,diz Edinilsa.

Cliente preferencial?

As queixas mais comuns por partedos idosos foram em relação a servi-ços como transporte – a gratuidade aque têm direito nem sempre é respei-tada – e saúde. Os entrevistados fo-ram convidados a dar notas para vári-as instituições públicas e as piores notasforam obtidas pela classe política e pelapolícia. A Fiocruz, por outro lado, éreconhecida como uma instituição pre-sente e eficaz.

As leis de proteção ao idoso exis-tem – estão na Constituição e no Esta-tuto do Idoso –, mas prevêem uma sériede diretrizes que não são cumpridas.Direitos garantidos por lei, comogratuidade nos transportes e priorida-de no atendimento à saúde, nem sem-pre ocorrem na prática. Muitas vezes,a reivindicação desses direitos resultaem constrangimento e humilhação.

Se não forem tomadas providênci-as, a situação tende a piorar. De 1991a 2000, a população brasileira commais de 60 anos aumentou 35%, en-quanto a população mais jovem cres-ceu apenas 14%. “Não só os transpor-tes e os serviços de saúde, mas tambémoutros setores da sociedade, terão quesofrer mudanças para acolher o núme-ro crescente de idosos. É necessário seadaptar à realidade – a população estáenvelhecendo”.

E

Situação deidosos preocupa

Polícia Civil do Estado do Rio de Janei-ro - publicado em 2003 sob o títuloMissão investigar: entre o ideal e a re-alidade de ser policial (Editora Gara-mond), e já começa a dar frutos. De-pois de chegar à conclusão de que apolícia não possui um programa espe-cífico para apoio emocional e psicoló-gico aos funcionários, a equipe propôsum modelo que está sendo implemen-tado experimentalmente em diferentesdelegacias. Os primeiros resultados dotrabalho devem ser divulgados no iníciode 2006. Paralelamente, os pesquisa-dores desenvolvem um estudo seme-lhante junto aos policiais militares. “Va-mos insistir nesses trabalhos porque esseé um tema muito pouco explorado”,justifica Souza. “Já se estudou muito ainstituição, mas não os policiais”.

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Saiba maissobre o Claves

Criado em 1989 pela EscolaNacional de Saúde Pública (Ensp)da Fundação Oswaldo Cruz (Fio-cruz), o Centro Latino-Americanode Estudos de Violência e SaúdeJorge Careli (Claves) é dedicadoà pesquisa, ao ensino e à assesso-ria na investigação do impacto daviolência sobre a saúde da popu-lação brasileira e latino-america-na. Atua em colaboração com oInstituto Fernandes Figueira (IFF) ecom o Centro de Informações Ci-entíficas e Tecnológicas (Cict), uni-dades da Fiocruz. Seu nome, Jor-ge Careli, é uma homenagem aum funcionário da Fiocruz, mortopor engano após uma ação da De-legacia Anti-Seqüestro (DAS) doRio de Janeiro.

Um traço dacovardiaPesquisadores estudam o riscode maus-tratos contra pessoascom deficiência

duro de acreditar – e deaceitar –, mas portadoresde deficiências apresen-tam um elevado risco desofrerem maus-tratos. Nos

Estados Unidos, crianças com dificul-dades de aprendizagem sofrem 3,5vezes mais abuso sexual do que aque-las com desenvolvimento normal. NoBrasil, o tema não tem tanta visibilida-de e a produção acadêmica tambémé escassa. Um estudo sobre o assuntoestá sendo desenvolvido por uma equi-pe multidisciplinar formada por especi-alistas da Fiocruz lotados no Claves e noInstituto Fernandes Figueira (IFF) e porparceiros da Universidade Veiga deAlmeida (UVA) e da Fundação Munici-pal Lar Escola Francisco de Paula (Funlar),da prefeitura do Rio de Janeiro.

O estudo tem como foco investi-gar um grupo em situação de risco so-cial com três vulnerabilidades: ser cri-ança ou adolescente, ser portador dedeficiência e estar em situação de po-breza. A idéia é identificar situaçõesde risco, analisar os efeitos dos maus-tratos e propor ações preventivas.Como o tema é delicado e envolvequestões de direitos humanos e cida-dania, uma outra pesquisa simultâneairá detectar situações de violação dedireitos e propor estratégias paranortear políticas.

O grupo trabalha com pessoas de0 a 24 anos, portadoras de diferentestipos de deficiências – visual, auditiva,motora, mental, múltipla, paralisia ce-rebral, autismo, psicose infantil e aque-las que são dependentes de aparelhos.As crianças e jovens são atendidos emsetores de assistência do IFF e da UVAe em programas de reabilitação comu-nitária e de desinstitucionalização dapessoa com deficiência.

Por enquanto, os pesquisadoresestão terminando a fase de coleta de

É

dados. Mas uma análise preliminar jápode identificar algumas tendências.“Aparentemente, o padrão de violên-cia contra deficientes no Brasil é se-melhante ao já observado em paísesde língua inglesa”, diz a pesquisadoraFátima Gonçalves Cavalcante, coorde-nadora dos dois estudos.

Trabalhos internacionais revelamdados como a ocorrência de abuso se-xual em 42% das 150 crianças commúltiplas deficiências investigadas nosEstados Unidos. De forma geral, pode-se dizer que meninos com distúrbio so-frem mais violência física e as meni-nas sofrem mais abuso sexual. “Aviolência está intimamente ligada à si-tuação de desigualdade de poder.Quanto maior é a severidade da defi-ciência, maior é a assimetria de po-der e maior o risco da criança”, lem-bra Fátima. “A deficiência podemascarar sinais de maus-tratos e tor-nar seu portador uma presa fácil desituações de abuso”.

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Pelo menos ¼ da popula-ção mundial usa algumtipo de droga, segundouma pesquisa publicadaem Nova York. No Brasil,

a motivação para o uso de substânciasilícitas foi investigada em dois estudosmulticêntricos, que contaram com aparticipação de especialistas da Fio-cruz. As pesquisas que abordam fato-res associados ao uso de drogas na ado-lescência e ao uso de cocaína nospresídios foram divulgadas recente-mente nos periódicos científicos Revis-ta de Saúde Pública da Universidadede São Paulo (USP) e Ciência e Saúde

Coletiva da Associação Brasileira dePós-Graduação em Saúde Coletiva(Abrasco), respectivamente.

Para cada ano a mais que se passana prisão, a chance de usar cocaínaaumenta em 13%. A conclusão é deum estudo realizado pela médica Már-cia Lazaro de Carvalho, da Escola Naci-onal de Saúde Pública Sergio Aroucada Fiocruz (Ensp), em parceria com pes-quisadores da mesma unidade, comdados da Secretaria de Justiça do Esta-do do Rio de Janeiro. Foram seleciona-dos 1.314 indivíduos que cumpriam penano sistema penitenciário do Rio de Ja-neiro em 1998. A análise do questioná-

Fazendo acabeça dosadolescentes

De forma geral, os fatores de riscopara o uso de drogas estão mais liga-dos a características individuais dos ado-lescentes. Alguns estudos sugerem queo cigarro e o álcool funcionam comoponte para um progressivo envolvimen-to com drogas mais pesadas. Outrosmostram que adolescentes que usamcom freqüência drogas mais leves (comomaconha) não necessariamente irão usaras mais pesadas (como cocaína). Espe-cialistas falam em uma relação de pro-babilidade e não de causalidade.

Em relação à família, o risco para oadolescente usar drogas está associa-do, de forma combinada, a fatores comoausência de união entre pais e filhos,envolvimento materno insuficiente, prá-ticas disciplinares inconsistentes e exces-siva permissividade, entre outros. Ou-tros fatores citados são a falta demotivação para estudos, o absenteísmona escola e o mau desempenho esco-lar. A disponibilidade e a presença dedrogas na comunidade de convivênciatambém são vistas como facilitadorasdo uso de drogas entre adolescentes.

A pesquisa ainda investigou os fa-tores de proteção para o uso de drogas.As características individuais considera-

rio respondido pelos detentos revelouque o ambiente carcerário, o uso deálcool, de maconha e o tempo de cum-primento de pena são fatores estimu-lantes para o uso de cocaína na prisão.

Os usuários de cocaína na prisãoapresentaram maior freqüência de teremsido jovens infratores, de terem visitadoalguém na prisão, de serem reinciden-tes no crime e de já terem cumpridomaior parte da pena. O uso de cocaínana prisão também esteve associado aouso de outras drogas, como álcool, ma-conha e tranqüilizantes, ao consumo si-multâneo de diferentes substâncias en-torpecentes e à história de DST.

Drogas: por que te quero?Identificados fatores que levam ao uso de drogas entre adolescentes e presidiários

das protetoras foram a auto-imagem po-sitiva e capacidade de lidar com pro-blemas de forma ativa. Em geral, ado-lescentes que têm objetivos definidos einvestem no futuro apresentam probabi-lidade menor de usar droga. No âmbitoda família, é importante o apoio dos pais,o monitoramento e o estabelecimentode normas para comportamento sociais,incluindo-se o uso de drogas.

É nesse grupo - o de pessoas de 10a 19 anos - que as manifestações daviolência provocam maior impacto.Adolescentes e jovens são os que maismorrem por conseqüência de agressõese são também os que mais cometematos de violência. Além do uso de ál-cool e drogas, outros comportamentose situações de risco relacionados à vio-lência juvenil são a participação cons-tante em brigas, o porte de armas, ocultivo da masculinidade violenta e avida em comunidades com alto índicede criminalidade e baixo capital soci-al. Dados de 2004 do Ministérioda Justiça mostram que, entreos adolescentes internados nosistema socioeducativo brasi-leiro, 94% são homens, 76%têm entre 16 e 18 anos, 60%são afrodescendentes, 87%não concluíram o ensino fun-damental e 6% são analfa-betos, 51% estavam fora daescola quando cometeram oato de infração e 66% pro-

vêem de famílias comrenda inferior a dois sa-lários mínimos. O con-sumo de drogas é altoentre os internos - 86%- e divide-se entre ma-conha (67,1%), álco-ol (32,4%), cocaína(31,3%) e inalan-tes (22,6%).

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s avanços da medicina naárea da genética médicamostram que pacientesde algumas doenças he-reditárias já conseguem

conviver com elas de forma mais bran-da, graças aos tratamentos que pro-porcionam o alívio de alguns sintomase melhoram a qualidade de vida. O Ins-tituto Fernandes Figueira (IFF), unida-de materno-infantil da Fiocruz, é refe-rência para o tratamento de doençasgenéticas e de patologias consideradasde alta complexidade clínica, como aosteogênese imperfecta, a fibrosecística, também conhecida como mu-coviscidose e a mucopolissacaridosetipo I. Agora, o IFF passa a ser centrode referência para mais uma anoma-lia genética, a doença de Pompe.

O Departamento de Genética Mé-dica vem se organizando em três esfe-ras: assistência, ensino e pesquisa. Noano passado, foram contabilizadas 3.500consultas ambulatoriais, das quais 900eram pacientes de primeira vez. Os es-tudos foram tema de três publicações e20 trabalhos apresentados em congres-sos nacionais e internacionais no anode 2005. Além disso, o IFF se destacapor manter um programa de pós-gra-duação Lato-sensu e Strictu sensu naárea da Genética Aplicada a Saúde daMulher e da Criança. Desde dezembrode 2005, o IFF passou a tratar pacientesda doença de Pompe, problema here-ditário decorrente de um erro inato dometabolismo (glicogenose tipo II), queatinge uma criança em cada 40 mil nas-cimentos em todo o mundo. Entre a po-pulação afro-descendente a relação pas-sa a ser uma em cada 14 mil nascidos.

De acordo com o chefe do Depar-tamento de Genética Médica do IFF,Juan Llerena, atualmente existem cer-ca de 400 crianças com a doença dePompe recebendo o tratamento emcaráter experimental em todo o mun-do. A previsão é de que até dezembrodeste ano o uso da medicação estejaoficializado junto ao Ministério da Saú-

de. No IFF, desde que passou a ser cen-tro de referência para o tratamento fo-ram identificados três novos casos dadoença. “Os pacientes que apresentamcaracterísticas clínicas descritas emPompe podem e devem procurar o Ins-tituto para serem diagnosticados e sub-metidos ao protocolo experimental detratamento, que consiste em reposiçãoenzimática com a enzima alfa-glucosi-dase ácida humana recombinante, duasvezes ao mês no próprio Instituto”, ex-plica Llerena.

A doença é caracterizada por umdistúrbio metabólico que, na forma deinstalação precoce, leva ao acúmulo deglicogênio (açúcar) nos músculos e co-ração, impedindo o bom funcionamen-to destes. O diagnóstico deve ser reali-zado o mais rápido possível, pois aexpectativa de vida é de aproximada-mente sete meses sem o tratamentoadequado. São sintomas da forma de

Excelência em genética confirmada

instalação precoce a musculatura mui-to flácida (hipotonia), problemas respi-ratórios progressivos e o aumento docoração (cardiomegalia grave). A prin-cipal causa de morte é por insuficiên-cia cardio-respiratória.

Segundo Llerena, a doença tam-bém pode ser diagnosticada tardia-mente. Neste caso, ela pode se mani-festar em indivíduos entre 2 e 60 anos.Embora seja o mesmo defeito enzi-mático, o geneticista explica que oquadro clínico difere muito da fase deinstalação precoce, e tem como prin-cipais sintomas a fraqueza dos mem-bros superiores e inferiores, o compro-metimento muscular esquelético e aredução da mobilidade. “Como nafase tardia os sinais são semelhantesaos de outras doenças musculares, oproblema pode nunca ser detectadoou ser tratado como outra doença”,destaca o médico.

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PESQUISA

Unidade da Fiocruz passou a ser referência no tratamento de distúrbios metabólicos

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Saúde emquadrinhos

istórias em quadrinhos(HQs) fazem e fizeram par-te do cotidiano e da infân-cia de muita gente. Difícilencontrar alguém que não

tenha lido, ou pelo menos dado umafolheada, em algum gibi, o nome po-pular dos quadrinhos. O que pouca gentesabe é que as HQs não servem somen-te para entreter, mas também para edu-car. É o que demonstram os primeirosresultados da dissertação de mestradoda bióloga Karina Saavedra Acero,intitulada A parceria ciência e arte:historinhas em quadrinhos (HQS) paradivulgação de hanseníase.

Juntamente com seu orientador, otambém biólogo Milton Ozório Moraes,e o ilustrador Bruno Eschenazi, Saave-dra criou uma HQ abordando a hanse-níase para ser lida por crianças do en-sino fundamental. “Evidente que asHQs jamais substituirão os livros, masservem de motivação para abordar te-mas e despertar a curiosidade das cri-anças”, afirma a pesquisadora. A es-colha da hanseníase justifica-se por sero Brasil o país com a maior prevalênciano mundo.

De modo sucinto, a HQ conta a his-tória de dois amigos, que ao encontra-rem uma colega com manchas, ques-tionam-se o que seria aquilo. De modofantástico, aparece o Micobac (apeli-do para Mycobacterium leprae) que ex-plica o que vem a ser a hanseníase eleva as duas crianças em uma viagemimaginária pelo interior do corpo hu-mano para conhecer a doença.

Testes em escolas - Antes deaplicar a HQ, Saavedra fez um levan-tamento em duas escolas do estado doRio de Janeiro para verificar o nível deinformação sobre a hanseníase. Per-guntas foram realizadas para alunos de5a e 6a séries - com idades entre 10 e12 anos - no Colégios Estadual Viscon-

de de Itaboraí e noInstituto São Franscis-co de Sales (Salesi-ano), localizado nacidade do Rio de Ja-neiro. A biólogaescolheu a escolade Itaboraí por setratar de uma re-gião endêmicaem hanseníase, esperando-se,assim, melhor nível de informação emrelação aos alunos do Rio.

Alguns dos resultados - 90%dos alunos de Itaboraí responderam quejá tinham ouvido falar da hanseníase,contra 31% do Salesiano; se reconhe-ciam os sintomas da doença, 90% dis-seram sim em Itaboraí, apenas 19%no Salesiano; e se a enfermidade temcura, 90% em Itaboraí afirmaram sim,contra 16% no Rio.

Durante aulas de biologia no Sa-lesiano, Saavedra distribui então suaHQ em três turmas de 5a e 6a séries.Deixou que as crianças lessem livre-mente o gibi durante 30 minutos. Aofim, gravou os depoimentos das cri-anças sobre a HQ. Constatou que pra-ticamente todas gostaram e entende-ram a mensagem. Verificou que quasetodas sabiam o que causava a molés-tia, que ela tinha cura e quais seussintomas. E se emocionou ao ver al-gumas crianças explicando e esforçan-do-se por explicar detalhes sobre ahanseníase. “Ao final, fui bombarde-ada de perguntas, confirmando a ca-pacidade de uma HQ de despertar acuriosidade nas crianças”, diz.

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EDUCAÇÃO

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uso de armadilhas paracapturar os ovos do mos-quito do dengue ajudou aretirar mais de dez mi-lhões de ovos de Aedes

aegypti de seis bairros do Recife, semprecisar usar inseticidas químicos. Sãoas chamadas “ovitrampas”, pequenosbaldes com palhetas de eucatex, águae larvicida biológico (Bacillus thuringi-ensis israelensis), onde as fêmeas dosinsetos depositam os seus ovos. Essaspalhetas são incineradas e substituídaspor novas a cada dois meses. Aatividade está sendo realizada peloCentro de Pesquisa Aggeu Magalhães(CPqAM), unidade técnico-científica daFiocruz em Pernambuco, com a parce-ria da Prefeitura do Recife e do Exérci-to, e pode servir de modelo para o con-trole do vetor do dengue em outrasregiões do país.

O trabalho começou, em abril de2004, com a instalação de 580 ovitram-pas em caráter sentinela, ou seja, vol-tadas para os objetivos da pesquisa, decontrole da densidade do mosquito ede reunir informações dos seis bairros

Ovitrampas ajudam a controlarmosquito do dengue

Ocom características ambientais esocioeconômicas diferentes, para en-tender situações que antecedem ossurtos de transmissão do dengue, co-muns no período de janeiro a maio.Tudo vem sendo acompanhado de ummodelo estatístico, o Sistema de Infor-mação Geográfica (SIG), que tem ca-pacidade de prever aumentos signifi-cativos da população do Aedes aegypti.Com o SIG, é possível, por exemplo,analisar se a altitude, nos níveis doRecife, tem alguma influência na den-sidade do mosquito.

Na segunda etapa, a equipe doCPqAM iniciou o trabalho de instalaçãode aproximadamente 3,6 mil ovitram-pas no bairro do Engenho do Meio, naZona Oeste do Recife, com a ajuda dossoldados do Exército e dos técnicos doConselho de Vigilância Ambiental (CVA)da Prefeitura, que realiza a incineraçãodos ovos. No local, o método ajudou areduzir em 60% a população do A.aegypti. O uso das ovitrampas, inclusi-ve, tem tido a aprovação dos morado-res das áreas. Uma análise preliminarrealizada nos bairros de dezembro de

2004 a fevereiro de 2005 mostrou quea aceitação chega a mais de 90% dosmoradores. “Achei ótimo minha casater sido escolhida para participar dapesquisa. Depois que colocaram a ar-madilha, é difícil escutar que alguémficou doente com dengue aqui por per-to”, relatou a manicure Maria AparecidaFerreira de Lima, que foi infectada pelovírus dengue há oito anos e é moradorada localidade.

O trabalho do CPqAM tem a coor-denação da bióloga Leda Régis, pes-quisadora do Departamento de Ento-mologia. Ela explicou que, se foridentificado o período crítico de cresci-mento populacional dos vetores, serápossível aplicar uma estratégia de con-trole mais eficaz, pois os dados funcio-narão como um sistema de alarme paraque as autoridades sanitárias tenhamcondições de reduzir o risco de epide-mias. Com término previsto para agos-to deste ano, o estudo é financiado peloConselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq) como Ministério da Saúde, para onde se-rão encaminhados seus resultados.

CONTROLE

Militar instala armadilhaspara a captura de mosquitos:

experiência de controle dodengue em seis bairros do Recife

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Centro de Pesquisa RenéRachou (CPqRR), unidadeda Fiocruz em Minas Ge-rais, anunciou a criação doprimeiro mosquito genetica-

mente modificado na América Latina.A conquista representa o primeiro pas-so em busca de uma nova estratégiacapaz de bloquear a transmissão doparasita da malária. A idéia é criar mos-quitos transgênicos, do gênero Anophe-les spp. (transmissor da malária) quesejam resistentes (ou se tornem “imu-nes”) à infecção pelo protozoárioPlasmodium spp, parasita da doença.

De acordo com a Organização Mun-dial da Saúde (OMS), a malária (tam-bém conhecida como paludismo) é adoença tropical e parasitária que maiscausa problemas sociais e econômicosno mundo e só é superada em númerode mortes pela Aids. No Brasil, em 1999e 2000, a Fundação Nacional de Saúde(Funasa) detectou mais de 600 mil ca-sos clínicos anuais, havendo uma redu-ção nos anos posteriores. Em 2005, no-vamente 591 mil novos casos foramregistrados no país.

O pesquisador Luciano AndradeMoreira, coordenador do projeto noCPqRR, afirma que o mosquito trans-

gênico representa uma alternativa pro-missora de combate à doença, já quetanto o protozoário parasita quanto omosquito têm se mostrado resistentesaos medicamentos e inseticidas, res-pectivamente. Soma-se a estas dificul-dades a ausência de uma vacina efi-caz para o controle da doença.

Em 2001, pesquisadores america-nos descobriram que uma enzima (afosfolipase A2), presente no veneno deabelhas, era capaz de servir como uma“vacina” para o mosquito da malária,impedindo que o parasita da doença sedesenvolvesse no seu organismo. A equi-pe do Laboratório de Malária do CPqRR,em colaboração com a UniversidadeJohns Hopkins, dos Estados Unidos, as-sumiu o desafio de introduzir no genoma(código genético) do mosquito uma for-ma modificada da proteína fosfolipaseA2 de modo que ele próprio passasse aproduzir a enzima de proteção, até en-tão produzida pela abelha.

“Por isto o chamamos de mosquitotransgênico, pois seu organismo produzuma proteína que não é própria dele. Ageração de mosquitos transgênicos en-volve a microinjeção de embriões, umatécnica de ponta na pesquisa genéticaque requer equipamentos específicos e

O primeiromosquitotransgênicoda AméricaLatina

que foram financiados pela OMS”, ex-plica Moreira.

Nesta primeira fase, afirma o pes-quisador, “conseguimos, pela primeiravez na América Latina, gerar mosqui-tos transgênicos da espécie Aedesfluviatilis, que é utilizado no modelo damalária aviária, transmitida peloPlasmodium gallinaceum. Escolhemoscomeçar o estudo dos transgênicos coma malária em galinhas pela facilidadede obtermos o ciclo completo desteparasita em laboratório e pela semelhan-ça do P. gallinaceum com o plasmódioque infecta o homem, o Plasmodiumfalciparum. Já possuímos uma criaçãode mosquitos transmissores de maláriahumana, da espécie Anopheles aqua-salis, e com o apoio da tecnologia es-peramos em breve obter as primeiraslarvas transgênicas desta espécie”.

Assim que se obtiver os mosquitosexpressando a proteína de bloqueiofosfolipase A2, eles serão testados emáreas endêmicas de malária no Ama-zonas e em Rondônia. Será feita umaalimentação artificial, utilizando sanguede pacientes com malária, a fim deconfirmar se houve inibição do desen-volvimento do parasita no organismodo mosquito transgênico.

O

ENTOMOLOGIA

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DIAGNÓSTICO

uas técnicas molecularescom nomes que podemsoar enigmáticos para osleigos – a MLVA-PCR e aeletroforese em gel de

campo pulsado (PFGE) – estão sendotestadas na diferenciação das cepasbrasileiras da Yersinia pestis, bactériaque provoca a peste. Embora o Gover-no Federal tenha desenvolvido um tra-balho de controle e vigilância da do-ença ao longo das últimas cincodécadas, ainda não é possível saber sea linhagem do país sofreu mutações

com o passar do tempo, ou até mes-mo de um foco para outro. Resultadosiniciais do projeto, que está sendo rea-lizado pelo Centro de Pesquisas AggeuMagalhães (CPqAM), unidade da Fio-cruz em Pernambuco, mostram queambas são bastante sensíveis e apre-sentam diferenças entre as amostrasanalisadas.

Segundo a coordenadora do estudoe pesquisadora do Departamento deMicrobiologia do CPqAM, Tereza CristinaBalbino, é um grande risco não ter umatécnica capaz de identificar as diferen-

Um mapa da peste brasileira

D

ças entre as linhagens daYersinia pestis originadas dediferentes focos, pois, nes-sas condições, seria quaseimpossível identificar, porexemplo, a introdução deuma nova espécie no país.A bióloga conta que, ape-sar de estudos do próprioCPqAM já terem testado vá-rias técnicas para identifica-ção e diferenciação dasamostras do focos brasileirosde peste, elas não demons-traram diferenças entre ascepas isoladas em diferen-tes períodos, locais e reser-vatórios. “Não consegui-mos, até hoje, estabeleceruma correlação entre as ce-pas e as características epi-demiológicas dos materiaisisolados”, comentou.

O desenvolvimento deum método de diferencia-ção das cepas brasileirastambém reforçaria a parce-ria do CPqAM com a Se-cretaria de Vigilância emSaúde (SVS) do Ministérioda Saúde, junto com a qualatua nas atividades de di-agnóstico e controle da pes-te nos focos brasileiros. Oprojeto tem duração dedois anos e foi recentemen-te aprovado pelo ProgramaEstratégico de Apoio à Pes-

quisa em Saúde (Papes) IV da Fiocruz.No Brasil, a incidência de peste

declinou na década de 1990, mas, emfevereiro de 2005, foi registrado umcaso humano no Ceará, o que mostraque a vigilância ainda é necessária emtodos os focos. A doença está incluí-da entre as re-emergentes devido àocorrência de epidemias em váriospaíses e do surgimento de cepas re-sistentes. Transmitida ao ser humano,ao entrar em contato com roedores esuas pulgas, a doença exige notifica-ção obrigatória.

A pesquisadora Tereza Balbino em ação: testes para identificar mutações da bactéria da peste

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mportantes contribuiçõespara o estudo da doençade Chagas, especialmen-te sobre a patogênese dasalterações cardíacas e neu-

rológicas associados à enfermidade,estão sendo desen-volvidas por pesqui-sadores do InstitutoOswaldo Cruz (IOC).Buscando identificarmecanismos de re-gulação criados pelopróprio organismoque estão envolvi-dos no controle doprotozoário causa-dor da infecção, oTrypanosoma cruzi,foram investigadas amiocardite e a me-ningoencefalite as-sociadas à infecçãochagásica em estu-dos experimentaiscom primatas e ca-mundongos. Os re-sultados apontamnovas perspectivasterapêuticas.

As bases do me-canismo responsávelpela migração de cé-lulas inflamatóriaspara o tecido cardí-aco durante a infec-ção pelo T. cruzi, quedá origem à miocar-dite, começam a serdesvendadas. “Amais importante mo-lécula envolvida nes-te processo é aCCR5”, apresenta opesquisador Cristia-no Marcelo Espínola Carvalho, que es-tuda o tema como sua tese de douto-rado no Laboratório de Pesquisas emAuto-imunidade e Imuno-regulação doIOC. O processo ocasiona a miocardi-te, inflamação do músculo cardíaco

que atinge de 20 a 30% dos pacien-tes na fase crônica da infecção e é aprincipal causa de óbito da doença.

Mais rara, a meningoencefalite –inflamação do sistema nervoso central(SNC) que acomete principalmente

indivíduos abaixo de 2 anos de idade– também é alvo de estudos. Apesqusia verificou que existem molé-culas distintas envolvidas na formaçãoda miocardite e da meningoencefali-te. Iniciado em 1995, o estudo usou

Enigmas do mal de Chagas

I

MEDICINA TROPICAL

como modelos experimentais camun-dongos de diferentes linhagens.

“Observamos que a entrada de cé-lulas inflamatórias no SNC, assim comoo controle do parasito, são independen-tes das moléculas CCR5 e CCR1”, escla-

rece a pesquisadoraAndréa Alice da Sil-va, doutoranda noIOC. Estas moléculasforam descritas ante-riormente pelo grupodo laboratório comoimportantes para amigração celular parao tecido cardíaco du-rante a infecção peloT. cruzi, resultandona miocardite. Noentanto, não estãoessencialmente en-volvidas na respostaimune que controla oparasito. Assim, mos-tram-se um potenci-al alvo terapêuticopara o controle da in-flamação cardíaca.

Para Joseli Lan-nes, chefe do Labo-ratório de Pesquisasem Auto-imunidadee Imuno-regulação,onde as pesquisassão desenvolvidas,os estudos abrem apossibilidade de tes-tar novas drogascom o objetivo demelhorar a qualida-de de vida dos paci-entes com mal deChagas. “Estamostentando contribuirpara o avanço na

busca de alvos terapêuticos na doen-ça”, resume. A doença de Chagas éendêmica no Brasil, não tem cura ouvacina e acomete cerca de seis milhõesde brasileiros, segundo dados do Mi-nistério da Saúde.

Estudo avalia osmecanismos de atuaçãodo T. cruzi, o causadordo mal de Chagas

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ara a histórica missão foinecessário fretar um aviãosó para o transporte dasvacinas e diluentes. A car-ga, transportada de Bio-

manguinhos para o Aeroporto doGaleão por uma caravana de nove ca-minhões, seguiu para o Peru em umBoeing 767-300 carregado com aproxi-madamente 45 toneladas. Até aquelemomento, o maior carregamento tinhasido uma exportação de três milhões dedoses da vacina contra febre amarelapara a Colômbia, em março de 2005.

Desde que a vacina contra febreamarela de Biomanguinhos foi pré-qua-lificada pela Organização Mundial daSaúde (OMS) em 2001, a participaçãoda Fiocruz no mercado internacionaltem crescido a cada ano. Se em 2002foram perto de cinco milhões de dosesexportadas, a estimativa para 2006 éde que haja um salto para 28 milhões.Um aumento de 560% nas exporta-ções anuais.

Alguns dos países que receberamvacinas da Fiocruz, além do Peru, sãoAngola, Argentina, Bahamas, Barba-dos, Bermuda, Bolívia, Colômbia,Cuba, El Salvador, Equador, Etiópia,

Vacinas para o mundoavião que decolou do Rio de Janeiro no último dia 13 de março rumo ao Peru levava um

carregamento especial: 4,5 milhões de doses de vacinas contra a febre amarela parabarrar o avanço da doença naquele país. O precioso carregamento, mais que uma ajuda

a um país vizinho do Brasil, significou um marco para a Fiocruz. Tratava-se da maiorexportação já feita pelo Instituto de Tecnologia em imunobiológicos – Biomanguinhos, unidade daFundação dedicada à produção e desenvolvimento de vacinas e kits de diagnóstico.

IMUNOBIOLÓGICOS

P

OFilipinas, Gâmbia, Guiana, Guiné, GuinéEquatorial, Honduras, Jamaica, IlhasMaldivas, México, Montserrat, Nicará-gua, Panamá, Paquistão, Quênia, San-ta Lucia, Sudão, Trinidad-Tobago eVenezuela.

Exportaçãogera produção

Apesar de ser recente a aberturade mercados estrangeiros para o pro-duto nacional, desde 1937 a Fiocruz jáproduz a vacina antiamarílica, adquiri-da na época por uma transferência detecnologia com o Instituto Rockfeller,dos Estados Unidos. Em 1976, a pro-dução do Laboratório de Febre Ama-rela passou a ser responsabilidade darecém-criada unidade Biomanguinhos.Contudo, até 2001, a produção aindanão tinha a pré-qualificação da Orga-nização Mundial da Saúde.

A entrada de Biomanguinhos nomercado externo de vacinas só foi pos-sível pelo planejamento em longo pra-zo e pela implementação de um rigo-roso sistema de garantia e controle daqualidade. Foi com a otimização deprocessos, constantes e rigorosas audi-

torias internas e investimento em trei-namento de técnicos e outros profissi-onais envolvidos na produção que oganho em qualidade e produtividadenão apenas proporcionou a pré-quali-ficação pela OMS - exigência para aparticipação em licitações internacio-nais - como gerou excedente de pro-dução capaz de atender a grandesdemandas de órgãos internacionais.Como uma unidade da Fiocruz, Bio-manguinhos deve atender com sua pro-dução prioritariamente as demandasdo Ministério da Saúde.

Para Artur Roberto Couto, vice-diretor de Gestão de Biomanguinhos,a entrada no mercado externo temimportância estratégica para o Institu-to, que busca aproveitar ao máximo acapacidade de produção para minimi-zar os custos fixos. “A oportunidade determos plantas de produção qualifica-das de nível internacional e o ganhode escala de produção sempre sãoimportantes quando se atua nesta área.A produção de imunobiológicos é umnegocio de custos fixos muito eleva-dos. Portanto, o aproveitamento da

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capacidade, otimizando a produção, ea conquista de novos mercados, é sem-pre importante porque dilui estes cus-tos fixos”, explica Artur.

Essa experiência positiva motivouBiomanguinhos a tentar incluir novosprodutos de exportação, aumentandoo ganho de recursos para ser reinvestidono parque tecnológico e no desenvolvi-mento. A credibilidade conquistada porBiomanguinhos com a vacina contrafebre amarela, hoje exportada para maisde 50 países, credencia o Instituto a dis-putar espaço no mercado externo. Paraisso, o próximo passo será a pré-qualifi-cação de novos produtos pela OMS.

Gerente do Departamento de Re-lações com o Mercado, CristianeFrensch sabe da importância e das di-ficuldades para se colocar outra vaci-na na pauta de exportação. “Constaem nosso planejamento estratégico aentrada de mais dois produtos nos pró-ximos três anos. Para tanto, temos quebuscar a qualificação das áreas junto àOMS e garantirmos escala de produ-ção para suprir o mercado interno eexportarmos o excedente”, diz Frensch.

Outro fator que dificulta a pré-quali-ficação é o fato de que ela não funcionapor produto, mas por linha de produto.Ou seja, para exportar a vacina contrafebre amarela em dez doses, mesmo queseja a mesma vacina que já é exportadaem frascos de cinco doses, é necessáriotoda uma readequação das instalações,

que são complexas, e submeter nova-mente o pedido à OMS.

“A expertise adquirida por Bioman-guinhos na produção da vacina contrafebre amarela, tornando-o maior pro-dutor mundial deste produto, a serie-dade com que o Instituto trata seus cli-entes, cumprindo datas e prazosestabelecidos rigidamente, e o fato deque produzimos com alta qualidade acustos competitivos são um excelentecartão de visitas”, avalia Artur.

Exportaçõesplanejadas

Os novos produtos que estão napauta de Biomanguinhos, esperando apré-qualificação para serem exporta-dos, são as vacinas contra febre ama-rela em apresentação dez doses (a va-cina exportada atualmente tem cincodoses), o imunizante contra sarampoem apresentação de cinco doses e avacina dupla contra sarampo e rubéo-la, também em apresentação de cincodoses. Na área de reativos para diag-nóstico, o produto a ser pré-qualifica-do é o teste rápido para HIV 1 e 2,capaz de realizar triagem para detec-ção do vírus da Aids (tipos 1 e 2), dan-do resultado em até dez minutos.

A intenção é que, em seguida, oschamados biofármacos, como eritropo-etina e interferon-alfa, também pas-

iomanguinhos completou30 anos de criação emmaio de 2006. A unidade,que herdou a missão de pro-duzir imunobiológicos estra-

tégicos para os programas de imuniza-ções, ainda produz kits para diagnósticolaboratorial e biofármacos. Atualmen-te, a unidade tem capacidade para fa-bricar, por ano, até 200 milhões dedoses de vacina, dois milhões de kitsde diagnóstico e está iniciando sua pro-dução em biofármacos.

O caminho, no entanto, não foi sim-ples. Antes de sua criação, o panora-ma da saúde brasileira que encontra-mos hoje, com algumas doenças quaseerradicadas e outras sob controle, erabem diferente. Nenhum dos modernosprocessos de fermentação, desenvol-

Os 30 anos de Bio vidos no pós-guerra, haviam sido intro-duzidos no Brasil. O país ainda impor-tava grandes quantidades de vacinaspara atender ao Programa Nacional deImunizações, criado em 1973. As pou-cas vacinas produzidas na Fiocruz, con-tra herpes, gripe, cólera, pertussis edifteria eram manufaturadas em algunslaboratórios do Instituto Oswaldo Cruz(IOC), que não tinham a capacidadede produção em grande escala. Ape-nas as vacinas contra varíola, em pro-cesso de declínio de produção por contada erradicação mundial da doença, em1977, e a antiamarílica, eram produzi-das na Fiocruz em escala industrial.

Ainda na década de 1970, um surtoepidêmico de meningite atingiu o Brasil.Somente em São Paulo, foram registra-dos 2.575 casos de óbito em um ano. Adoença deveria ser combatida com umprograma de imunização em massa.Porém, nenhuma empresa no mundo

teria capacidade de produzir a quanti-dade de vacinas necessárias para a imu-nização contra a meningite: cerca de 80milhões de doses para os tipos A e C.

Em 1975, a Fiocruz iniciou umaparceria com Instituto Mérieux, daFrança. A empresa francesa construiuuma nova fábrica para produzir a quan-tidade de vacina contra meningite A eC necessária para o programa brasilei-ro. Em troca, foi instalada em Mangui-nhos uma unidade piloto de vacinaantimeningocócica, sendo os técnicosbrasileiros treinados para assumir a pro-dução da Unidade.

Em 4 de maio de 1976 foi oficial-mente criado o Instituto de Tecnologiaem Imunobiológicos, e em 1978, quan-do houve novo surto de meningite, aepidemia já foi controlada com vaci-nas produzidas em Biomanguinhos.

Contudo, adquirir a tecnologia paraprodução em grande escala de vacinas

B

sem a ser exportados. A eritropoetinatrata a anemia associada à insuficiên-cia renal crônica, Aids e quimioterapia,enquanto o interferon alfa auxilia notratamento de hepatites virais e algunstipos de tumor.

Se é certo que ainda deve levar umalgum tempo para esses produtos seremexportados, por outro lado há uma pers-pectiva futura de também encaminhá-los ao exterior. “Neste momento,estamos concentrados em atender aomercado interno de forma a suprir todaa demanda nacional. Se tivermos exce-dente de produção e o mercado estabi-lizado, com certeza esses são produtosque podem entrar na pauta”, diz Artur.

Representando medicamentos dealto valor agregado, a industria mundi-al de biofármacos é uma das que maiscrescem, movimentando por ano maisde R$ 88 bilhões, com previsão de queem 2010 chegue a R$ 198 bilhões. Tra-tamentos de pacientes que requerembiofármacos custam em média R$ 21mil por ano por cada paciente, além derepresentarem um mercado externo al-tamente atrativo e disputado.

Mas as boas novidades não parampor aí. O crescimento da produção devacinas e reativos em Biomanguinhos e oconseqüente aumento da participação nomercado externo, somado à produção dedois novos produtos - os biofármacos eri-tropoetina e interferon alfa - deverão pro-vocar ainda mais mudanças no Instituto.

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bacterianas foi o primeiro passo. Tam-bém faltava incorporar as tecnologiaspara produção de vacinas do calendá-rio básico, como as contra o sarampo ea poliomielite. Em 1980, por acordoscom o Instituto Biken, de Osaka, e oJapan Poliomielite Research Institute, deTóquio, Biomanguinhos conseguiu atransferência de tecnologia para produ-ção das vacinas virais contra sarampo epólio, respectivamente.

Em 1998, Biomanguinhos assinounovo acordo de transferência de tecno-logia. Dessa vez com a multinacionalGlaxoSmithKline, para a produção davacina contra a bactéria Haemophilusinfluenzae tipo b (Hib), que pode provo-car um tipo de meningite. Ainda com aGlaxo, em 2003, o Instituto assinou atransferência de tecnologia da vacinatríplice viral, contra sarampo, caxumbae rubéola, a última vacina do calendáriobásico que ainda era importada.

As obras para a construção do pré-dio do Centro de Protótipos, Reativose Biofármacos começaram em janeirode 2005. Quando finalizado, vai con-centrar a produção de reativos para di-agnóstico e dos biofármacos Interferone Eritropoetina, além de uma impor-tante etapa do desenvolvimentotecnológico, a produção de lotes-pilo-tos na área de Protótipos.

O Centro de Armazenamento deProdutos Acabados (Cepa) terá ampli-ada sua capacidade atual para garan-tir espaço para estocagem do futuropotencial de produção de Biomangui-nhos. Inaugurado em 2001, este Cen-tro tem atualmente 600 metros qua-dros e destina-se às atividades dearmazenamento e distribuição da pro-dução de Biomanguinhos. Seu volumede estocagem é de aproximadamente15 milhões de doses de vacinas con-geladas, 11 milhões de doses para va-cinas resfriadas e 18 milhões de dosesde diluentes. Após as obras, a capaci-dade deve aumentar em 100% paravacinas resfriadas e 30% para vacinascongeladas.

“Toda exportação envolve um com-plexo sistema de logística e não mexeapenas com uma área e determinadopessoal. Todos em Biomanguinhos es-tão envolvidos direta ou indiretamen-te, por isso que as bem sucedidas ope-rações dependem do esforço de todos”,lembra Cristiane Frensch.

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Altos índices desobrevida em

SERVIÇOS DE SAÚDE

Aids

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m dos indicadores da qua-lidade dos serviços de saú-de relacionados ao trata-mento de pessoas com Aidsé o cálculo da sobrevida dos

seus usuários. Entre as estratégias usa-das para fazer esse tipo de avaliação, amais comum é verificar o período com-preendido entre o diagnóstico da doen-ça e o óbito do paciente. Em estudorealizado no Instituto de Pesquisa Clíni-ca Evandro Chagas (Ipec), uma unida-de da Fiocruz, a epidemiologista DaysePereira Campos concluiu que a sobrevi-da dos pacientes atendidos pela insti-tuição é alta em relação a outros dadosnacionais e internacionais.

O primeiro passo do trabalho foidefinir os critérios a serem adotadospara considerar um caso de Aids. “Oindividuo que apresenta HIV positivopode continuar assintomático por al-gum tempo, então não temos comosaber com exatidão o momento emque ele foi infectado”, explica Cam-pos. Para definir os casos de Aids emindivíduos HIV positivos, foi utilizadoo critério estabelecido pelo Ministérioda Saúde (MS) em 2004, que ponde-ra três condições: presença de sinaise sintomas de algumas doenças, con-tagem de linfócitos CD4 abaixo de 350células por mm3 ou presença de do-ença definidora, ou seja, de uma oumais doenças oportunistas que se es-tabelecem quando o sistema imuno-lógico se encontra fragilizado.

Para possibilitar a comparação dosresultados com estudos internacionais,a pesquisadora decidiu utilizar, além docritério do MS, o parâmetro definidopelo Centro de Controle e Prevençãode Doenças (CDC) dos Estados Unidosem 1993 – contagem de linfócitos CD4abaixo de 350 células por mm3 e doen-ça indicativa como tuberculose pulmo-nar, pneumonias recorrentes e câncercervical invasivo. “Assim, pudemos fa-zer uma análise adequada à realidadedo país e, ao mesmo tempo, compararnossos resultados aos de trabalhos in-ternacionais que, geralmente, utilizamo critério do CDC”. Foram incluídos napesquisa os 1.415 pacientes soropositi-vos do Ipec que evoluíram para Aids atéo final de 2003, segundo pelo menosum dos critérios de definição.

Resultado promissor - Cerca de75% dos portadores da doença – se-gundo o critério do MS – permaneci-am vivos 31 meses após o diagnósticoda Aids. Depois de 41 meses de obser-vação, a proporção de óbitos ainda nãohavia alcançado a metade dos pacien-tes. “Esse resultado é animador em re-lação a outros estudos feitos com da-dos nacionais”, comemora Campos.

Considerando apenas os 679 paci-entes com primeiro atendimento na ins-tituição após 1995, verificou-se que81% permaneceram vivos até o fim do

estudo. O resultado expressa o aumen-to expressivo da estimativa de sobrevi-da após a introdução da terapia anti-retroviral altamente potente (Haart, nasigla em inglês), conjunto de medica-mentos popularmente conhecido comocoquetel, mas também a excelência doatendimento no Ipec.

Acesso imediato àsterapias amplia índices

de sobrevida

“Outro estudo, com dados de todoo Brasil, concluiu que, entre 1995 e1996, os pacientes tinham 50% dechance de sobreviver por 58 mesesapós o diagnóstico de Aids”, conta apesquisadora. “Enquanto isso, os paci-entes do Ipec diagnosticados após 1996tinham 86% de probabilidade de so-breviver 60 meses após o diagnóstico”.

Além do tratamento com Haart,um dos principais fatores associados

a uma maior probabilidade de sobre-vida foi a ausência de doença opor-tunista no diagnóstico da Aids e, uti-lizando o critério do MS, o estágioinicial do caso. Segundo a epidemio-logista, o resultado sugere que oacompanhamento precoce e o aces-so às terapias e profilaxias no momen-to indicado permitem alcançar maiorsobrevida. “Como os anti-retroviraissão distribuídos gratuitamente pelogoverno a todas as instituições de as-sistência, o diferencial do Ipec estáno atendimento de qualidade, nos la-

boratórios sempre disponíveis para fa-zer exames complementares e no for-necimento de medicamentos comoantibióticos e vitaminas”.

Desde 1986, o Ipec acumula ex-periência no atendimento a pessoascom Aids. Foi um dos pioneiros nadistribuição gratuita dos anti-retroviraise oferece com regularidade aos paci-entes as profilaxias recomendadas con-tra doenças oportunistas. Atualmente,conta com um banco de dados comquase 2.500 indivíduos com HIV ca-dastrados, utilizado para realizar es-tudos como o de sobrevida. Entre ospróximos projetos estão as análises damorbidade das doenças que ocorremcom mais freqüência entre os pacien-tes, da mortalidade e das causas deóbitos dos usuários dos serviços do Ipece da sobrevida dos pacientes em rela-ção ao subtipo do HIV com que estãoinfectados.

U

Sede do Ipec, nocampus da Fiocruzno Rio de Janeiro

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Um efeito positivo da tera-pia anti-hipertensiva, atéentão desconhecido, aca-ba de ser identificado porpesquisadores do Instituto

Oswaldo Cruz (IOC). Um estudo reali-zado em parceria com o Instituto Na-cional da Saúde e da Pesquisa Médi-ca da França (Inserm, na sigla emfrancês), a ser publicado no AmericanJournal of Hypertension, demonstrouque, além de diminuir a pressão arte-rial, a terapia anti-hipertensiva contri-bui para o funcionamento adequadoda microcirculação sangüínea. Respon-sável pela distribuição de oxigênio pelocorpo e pela irrigação de órgãos comocérebro, coração e rins – consideradosórgãos-alvo no tratamento da hiperten-são –, a microcirculação é afetadadiretamente pela doença e pode oca-sionar até mesmo derrames cerebrais.

“A hipertensão arterial é caracte-rizada pela rarefação da microcircu-

lação sangüínea, isto é, pela perdade vasos capilares, que leva ao au-mento da pressão arterial”, explica ocoordenador da pesquisa no Brasil,Eduardo Tibiriçá, chefe do Laborató-rio de Farmacologia Neuro-Cardiovas-cular do IOC. “Os capilares da micro-circulação são responsáveis pelairrigação de importantes órgãos e seucomprometimento pode resultar emdoenças graves associadas à hiperten-são arterial, como acidente vascularcerebral ou isquemia do miocárdio. Porisso, o ideal é que a terapia anti-hipertensiva não só abaixe a pressãodo paciente, mas também atue de for-ma positiva sobre a microcirculação.”É justamente este fato que o estudoacaba de comprovar.

Prevenção de doenças - Paraavaliar se o tratamento disponível hojeexerce tal efeito, a equipe da pesquisana França comparou clinicamente a

Uma nova vantagem daterapia anti-hipertensiva

PESQUISA

microcirculação cutânea de três gruposde pessoas: 70 indivíduos com pressãoarterial normal, 24 hipertensos que nun-ca passaram por tratamento e 76 paci-entes em situação controlada há pelomenos 12 meses. O resultado confir-mou que a rarefação capilar é maiorentre hipertensos não tratados e que aterapia anti-hipertensiva exerce efeitopositivo sobre a microcirculação, con-tribuindo, portanto, para a prevençãode doenças decorrentes da hiperten-são arterial.

Como os pacientes hipertensos sãotratados por uma associação de medi-camentos, a pesquisa não pôde preci-sar quais drogas são responsáveis peloefeito sobre a microcirculação. Essaquestão poderá ser respondida por umestudo experimental de avaliação doefeito de drogas específicas sobre a mi-crocirculação de camundongos, emcurso no Laboratório de FarmacologiaNeuro-Cardiovascular do IOC.

Pesquisa do IOC descobriu novos benefícios da terapia anti-hipertensiva

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POLÍTICAS PÚBLICAS

erar informações e conhe-cimentos sobre determi-nantes sociais da saúde,contribuir para a formula-ção de políticas que con-

siderem seus efeitos positivos e nega-tivos sobre a saúde e mobilizardiferentes instâncias do Governo e dasociedade para enfrentar as desigual-dades sociais. Esses são os principaiseixos de atuação da Comissão Nacio-nal sobre Determinantes Sociais da Saú-de (CNDSS), instituída recentementepor decreto do presidente Luiz InácioLula da Silva.

O coordenador da Comissão é osanitarista e presidente da Fiocruz, Pau-lo Buss. A Comissão tem representan-tes de diferentes segmentos da socie-dade brasileira. De acordo com osespecialistas, as condições econômicae social refletem a saúde e a doençade um povo. Para se ter uma idéia, amortalidade infantil no Brasil atingeuma média de 25 por mil nascidos vi-vos (NV), no entanto, enquanto em al-guns municípios do Sul e Sudeste taltaxa não passa de dez por mil, em áreasmais pobres, como no Nordeste, os ín-dices ultrapassam 50 por mil NV.

Esse é apenas um exemplo decomo falhas na distribuição de rendaprejudicam a saúde da população. E,ao contrário do que se imagina,

Determinantesda saúde

não apenas as classes pobres sãoafetadas: um estudo comparativoentre estados dos Estados Unidos re-velou que indivíduos vivendo em lu-gares com alta diferença social têmsaúde pior do que aqueles que vi-vem em locais mais igualitários. Issoindica que grupos de renda médiaem países com grandes diferençasde renda vivem pior do que gru-pos de renda até mesmo inferior,que habitam países mais igualitá-rios.

A Comissão é composta porrepresentantes de vários segmen-tos da sociedade, como o médi-

co Adib Jatene, a cantora Sandrade Sá, a atriz Lucélia Santos, o presi-dente da Federação das Industrias doRio de Janeiro, Eduardo EugênioGouveia, o reitor da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro, Aloísio Teixeira,o consultor da OMS, Cesar Victora, ocartunista Jaguar, o advogado DalmoDallari, a professora da USP ElzaSalvatori Berquó, um dos fundadoresdo Centro Brasileiro de Estudos de Saú-de (Cebes) e da Associação Brasileirade Pós-Graduação em Saúde Coletiva(Abrasco), Jairnilson Paim, o secretá-rio-executivo do Instituto de Estudos daReligião (Iser) e secretário-executivo doViva Rio, Rubem César Fernandes, oescritor e médico Moacyr Scliar, odiretor da entidade ambientalista Ami-gos da Terra, especialista em questõesamazônicas, Roberto Smeraldi, a psi-cóloga e doutora em ciência políticada Fundação Getúlio Vargas SôniaMaria Fleury, a coordenadora nacionalda Pastoral da Criança, Zilda Arns, e areitora da Universidade Federal de Mi-nas Gerais, Ana Lúcia Gazzola.

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Excelência no ensino EDUCAÇÃO

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira(Inep) do Ministério da Educação disponibilizou um levantamentoinédito das médias obtidas pelos participantes do Exame Nacionaldo Ensino Médio (Enem) em 2005, por escola e por município.

O levantamento mostrou que a Escola Politécnica de Saúde JoaquimVenâncio (EPSJV) é a melhor escola pública do Brasil. A EPSJV obteve a melhornota entre as instituições públicas de ensino, alcançando 79,02 pontos(numa escala de zero a cem). Ao todo, 21.990 escolas compõem o cadastrodo Inep: 15.974 públicas e 6.016 privadas.

Única escola federal do país voltada exclusivamente para a educaçãoprofissional em saúde, a EPSJV foi oficializada em agosto de 2004 comoCentro Colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS) para aeducação de técnicos em saúde. Criada em 1985, a escola tem comoobjetivo articular o ensino, a pesquisa e a cooperação técnica em benefí-cio da melhoria da qualidade dos serviços da saúde. Os cursos de educa-ção profissional de nível básico e técnico abrangem as áreas de vigilân-cia em saúde, atenção à saúde, gestão em saúde, informação emsaúde e procedimentos de laboratório. Algumas habilitações técnicassão cursadas de forma articulada e concomitante ao ensino médio.

Como Centro Colaborador da OMS, a escola participa de projetosinternacionais de educação técnica em saúde; de formação dedocentes de cursos técnicos em saúde; de consultoria para odesenvolvimento local de educação de técnicos em saúde; e deelaboração de materiais educacionais para o desenvolvimentode professores e de técnicos em saúde, entre outros. Em 2004a EPSJV ganhou uma nova sede no campus de Manguinhosda Fiocruz: um edifício de cinco mil metros quadrados com23 laboratórios, salas de aula e restaurante.

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técnico

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lgumas semelhanças po-dem ser verificadas nodesempenho da estudan-te Tatiana Vitória deMoraes e dos formandos

da Escola Politécnica de Saúde Joa-quim Venâncio (EPSJV), instituição naqual ingressou em 2006 para estudarno Curso Técnico de Nível Médio emSaúde. A aluna ingressante, de 14anos, e os alunos formandos dessaunidade da Fiocruz obtiveram o me-lhor desempenho nos exames públicospelos quais foram avaliadas em 2005.Enquanto Tatiana conquistou o primei-ro lugar no processo seletivo ao cursotécnico de nível médio em saúde, osoutros alunos levaram a Escola Politéc-nica a obter a maior nota entre as ins-tituições públicas de ensino médio nopaís, avaliadas pelo Instituto Nacionalde Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep), do Ministério daEducação (MEC).

Cursando atualmente a habilita-ção Laboratório em Biodiagnóstico emSaúde, a caloura da EPSJV surpreen-deu-se com sua classificação. “Não es-

perava passar em primeiro lugar. Nãofiz cursinho, nem estava desesperada.O que me importava mesmo era con-seguir uma vaga numa instituiçãoonde pudesse me dedicar às áreas desaúde e pesquisa, que sempre me in-teressaram”, explica Tatiana, que ape-sar de ter os requisitos para ser con-templada pelo sistema de cotas, emque 50% das vagas são destinadas aestudantes provindos de escolas pú-blicas, com a alta pontuação alcan-çada foi a primeira classificada inde-pendentemente desse sistema.

A notícia da conquista do melhordesempenho entre as escolas públicasde ensino médio também foi recebidacom surpresa e satisfação pela direçãoda Escola Politécnica. Segundo seusprofissionais, não existe uma preocu-pação com o vestibular, o Enem ououtro sistema de avaliação, mas os re-sultados podem ser vistos como frutode um projeto político pedagógico queestá sendo bem conduzido. “Quandoos alunos apresentam um bom desem-penho em um exame desta natureza,sem que a Escola tenha uma preocu-

pação finalística com este exame, oucom qualquer outro, porque a preocu-pação fundamental é com a formaçãointegral da pessoa humana, significaque nosso projeto está cumprindo coma sua proposta”, afirma a vice-diretorade Ensino e Informação, Marise Ramos.

Proposta pedagógica

O projeto ao qual refere-se a vice-diretora baseia-se na formação de pro-fissionais para atuar no Sistema Únicode Saúde (SUS) e tem como princípiosfundadores o trabalho, a ciência e acultura. Neste sentido, a EPSJV ofere-ce aos alunos do curso técnico de nívelmédio em saúde, além das disciplinasespecíficas do ensino médio e das qua-tro habilitações técnicas (gestão emsaúde, laboratório em biodiagnósticoem saúde, registro e informações emsaúde e vigilância em saúde), aulas deteatro, música, artes plásticas e des-porto. Ao longo do ano letivo, o estu-dante ainda participa de oficinas e de-bates em eventos e projetos como oArte e Saúde e o Cinemargem – cine-clube da Escola.

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Como estímulo à iniciação científi-ca, a unidade tem dois projetos: o Pro-grama de Vocação Científica (Provoc)e Projeto Trabalho, Ciência e Cultura(PTCC). Enquanto o primeiro é volta-do para estudantes de outras institui-ções, públicas e privadas, o segundoconfigura-se como componente curri-cular do curso técnico de nível médioem saúde. Com a participação de qua-se todos os professores da escola, alémde pesquisadores da Fiocruz, o PTCCprocura possibilitar aos estudantes ado-lescentes a vivência da investigaçãocientífica. Ao longo dos três anos docurso o aluno desenvolve projetos depesquisa que serão apresentados, aofinal do processo, em forma de mono-grafias para uma banca constituída porprofissionais de referência da área.

Um bom indicador da qualidadedesse projeto foi o reconhecimento ob-tido com a conquista do quarto lugarentre os dez classificados no 1º Con-curso Mercosul: Experiências Inovado-ras em Educação Tecnológica, promo-vido, em 2005, pela Secretaria deEducação profissional e Tecnológica do

MEC. Uma das explicações para estereconhecimento foi dada pelo coorde-nador do PTCC, o professor MárcioRolo. “É uma experiência inovadoraque procura pautar a inteligência críti-ca e a autonomia como referenciaismaiores da educação”, justifica.

Característicasdo curso técnico

Outras características que apon-tam para o bom desempenho dos alu-nos no último Enem são lembradaspelo coordenador do curso técnico denível médio em saúde, o professorCláudio Gomes. “Temos professoresmuito qualificados, instalações muitopropícias ao desenvolvimento do es-tudo e do ensino e à viabilização depropostas educativas alternativas per-tinentes e criativas, além do tempo emque o aluno fica na escola, que tam-bém deve ser considerado”, ressalta,referindo-se à carga horária da mo-dalidade integrada do curso, na qualos estudantes têm aulas de discipli-nas da formação geral do ensino mé-dio, durante a manhã, e de discipli-

nas específicas das habilitações técni-cas, na parte da tarde.

Quanto à qualificação dos docen-tes citada pelo coordenador, pode-severificar que cerca de 70% possuemmestrado e alguns chegam à titulaçãode doutorado. Quase todos os 50 inte-gram o Programa de Aperfeiçoamen-to do Ensino Técnico (Paetec), ummodelo de fomento ao desenvolvimen-to da pesquisa científica entre docen-tes da educação profissional em saúdee que constitui parte da política de in-centivo às atividades de pesquisa edesenvolvimento tecnológico da Esco-la. O principal desafio do Paetec édescentralização do seu objetivo – deinstituir e qualificar a pesquisa e o de-senvolvimento tecnológico – para asdemais escolas do SUS.

A ex-aluna Cíntia Moreira recordaoutra particularidade de seus antigosmestres. “Esta escola tem o professorde matemática que pode até dar aulade história. Aí está o diferencial”, sinte-tiza Cíntia, que se formou em 1989 etrabalhou, de 1996 a 2003, na Coorde-nação do curso técnico em serviços de

Em salas especialmente projetadas, alunos da EPSJV aprendem técnicas de laboratório

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saúde da EPSJV. Assim como a atualtécnica em administração hospitalar eservidora da Secretaria de Estado deSaúde do Rio de Janeiro, outro ex-estu-dante da instituição, o biólogo MarcoEduardo Rocha, também confere à Es-cola Politécnica uma grande importân-cia na sua formação. “Na verdade, abase para as grandes escolhas que eufiz tem origem na minha vivência noPolitécnico. A formação generalista emultidisciplinar implementada por estaescola foi de grande valia na minha vidapessoal e profissional”, afirma Marco,que é pesquisador e mestre em biolo-gia celular e molecular.

No que se refere à infra-estrutura,a EPSJV também apresenta boas con-dições. Desde 2004, a EPSJV estásediada num prédio de cinco mil me-tros quadrados distribuídos em três an-dares, onde os alunos contam com 14salas de aula; auditório de 160 luga-res; biblioteca, com cerca de seis milvolumes; e três laboratórios de biodi-agnóstico, equipados com 35 micros-cópios e três de manutenção. O labo-ratório de informática tem cerca de 30computadores. No Núcleo de Tecnolo-gias Educacionais funcionam cinco ilhasde edição, além de quatro filmadoras,que possibilitam aos estudantes, com asupervisão de profissionais especializa-dos, desenvolver produtos audiovisuaiseducativos. No momento, o prédio pas-sa por obras de ampliação.

Uma escolaem movimento

Além do reconhecimento da boaqualidade do curso técnico de nívelmédio em saúde, vários são os exem-plos da expressiva atuação da EPSJV emnível nacional e internacional. A Escolaé a Secretaria Técnica da Rede de Es-colas Técnicas do Sistema Único deSaúde (RET-SUS); edita o periódico ci-entífico Trabalho, Educação e Saúde;sedia a Estação de Trabalho Observató-rio dos Técnicos em Saúde; coordena oPrograma de Formação de Agentes Lo-

cais de Vigilância em Saúde (Proformar),em todo o território nacional; dedica-seà criação e implantação da BibliotecaVirtual em Saúde - Educação Profissio-nal em Saúde (BVS-EPS).

Outros destaques de sua atuação:elabora, coordena e executa projetosde ensino e de pesquisa nas áreas deeducação profissional em atenção, vi-gilância, gestão, informações e regis-tros, técnicas laboratoriais e manuten-ção de equipamentos de saúde; ecoordena ainda o curso de pós-gradu-ação lato sensu em educação profissi-onal em saúde.

Oficializada em agosto de 2004como Centro Colaborador da Organi-zação Mundial de Saúde (OMS) paraa educação de técnicos em saúde eem setembro de 2005 como sede da

Secretaria Executiva da Rede Interna-cional de Técnicos em Saúde, a EPSJVvem desde então promovendo parce-rias internacionais baseadas na forma-ção e educação dos técnicos de saú-de e na elaboração de materiaiseducativos voltados para estes profis-sionais. Em agosto deste ano, a Esco-la organizará e promoverá, junto aoutras instituições de saúde, o FórumInternacional de Educação de Técni-cos em Saúde, que ocorre no âmbitoda programação do 8º Congresso Bra-sileiro de Saúde Coletiva e do 11ºCongresso Mundial de Saúde Públi-ca, no Rio de Janeiro.

Os variados projetos desenvolvidospela instituição compõem uma missãomaior: a consolidação e o fortalecimentode uma educação profissional em saú-de politécnica, pública e estratégica. Aoser questionado sobre as perspectivascom relação ao reconhecimento obtidopela escola, o diretor André Malhãodemonstra como pensa cumprir essamissão. “Se possível, se estiver dentroda nossa capacidade, transformar empolítica nacional o estímulo a investi-mentos em escolas politécnicas, não sóna área da saúde, e expandir a forma-ção de docentes através de mestradosque tenham a educação profissional apartir desses referenciais. São projetose expectativas que a EPSJV está dispo-nível para tentar ajudar e contribuir semnenhuma arrogância ou petulância”.

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nspirados no trabalho de-senvolvido por JoaquimVenâncio, um técnico de la-boratório que durante anosserviu à pesquisa científica

no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), umgrupo de profissionais da Fiocruz fun-dou o Curso Politécnico da Saúde Joa-quim Venâncio (CPSJV), em agosto de1985. O Politécnico, que mais tarde setornaria Escola Politécnica de Saúde Jo-aquim Venâncio (EPSJV), tinha comoprincipal meta a formação de profissi-onais de nível médio nas áreas de pro-dução tecnológica, pesquisa biológicae serviços de saúde pública.

Inicialmente foram delineadas trêsmodalidades: cursos que compreendi-am aulas destinadas a trabalhadoresatuantes na rede saúde; cursos ofereci-dos segundo demanda dos serviços desaúde; e outros regulamentados pelosistema formal de ensino, com habilita-ções técnicas de segundo grau – atualcurso técnico de nível médio em saúde.Em 1987, ocorre um marco na constru-

I

A trajetóriada Escola

ção do projeto pedagógico da Escola, arealização do seminário Choque Teóri-co. O evento propiciou uma frutíferadiscussão entre intelectuais da educa-ção, como Demerval Saviani, Gaudên-cio Frigotto, Miriam Jorge Warde, NildaAlves e Zaia Brandão. Este debate pro-porcionou a definição dos princípios daEPSJV: promover a educação profissio-nal em saúde, prioritariamente para tra-balhadores de nível médio do SistemaÚnico de Saúde (SUS), por meio de ati-vidades de ensino, pesquisa e coopera-ção técnico-científica, centrada no tra-balho como princípio educativo.

Na década de 90, a Escola Politéc-nica consolida-se como unidade técni-co-científica da Fiocruz destinada a pro-mover a educação profissional emsaúde. Em 5 de agosto de 2004, suaatuação foi ampliada para o nível in-ternacional. Nesta data a unidade foireconhecida como Centro Colaboradorda Organização Mundial de Saúde(OMS) para a Educação de Técnicosem Saúde. No ano seguinte, ocorreoutro marco na história da instituição.Em 8 de setembro de 2005, a EPSJVtorna-se sede da Secretaria Executivada Rede Internacional de Educação deTécnicos em Saúde (Rets).

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ENTREVISTA / GAUDÊNCIO FRIGOTTO

Um panoramada educaçãoescolarbrasileira

U m dos autores do livroFundamentos daeducação escolar doBrasil contemporâneo,recentemente publica-

do pela Editora Fiocruz, o filósofoe educador Gaudêncio Frigotto foitambém um dos idealizadores daproposta pedagógica da EscolaPolitécnica de Saúde Joaquim Ve-nâncio (EPSJV). Presente num dosencontros marco na história daEscola, o seminário Choque teórico,realizado em 1987, Frigotto estevena Fiocruz entre os dias 3 e 5 de maioúltimos, durante o seminário homôni-mo ao livro, que reuniu intelectuaisde renome nacional e internacional.O educador aborda, nesta entrevista,as temáticas que apresentou duranteo evento, como a visão ontocriativado trabalho, e avalia a contribuição dapublicação e do seminário para discussãosobre a educação escolar brasileira atual.

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ssim como explicita emseu artigo, “o trabalhocomo princípio educa-tivo não é em Marx eGramsci uma técnica

didática ou metodológica no pro-cesso de aprendizagem, mas umpressuposto ontológico e ético-po-lítico no processo de socializaçãohumana”. Nesse sentido, como po-deríamos perceber uma das diretri-zes apontadas durante o semináriode que a educação escolar deve tero trabalho como princípio educati-vo dentro da lógica capitalista, naqual ele é tido como um meio deprodução de alienação e de acumu-lação do capital por parte dos de-tentores dos meios de produção?

Gaudêncio Frigotto: Nós po-demos encarar o trabalho como prin-cípio educativo quando entendermosa visão ontocriativa. Não existe vidahumana sem transformação de natu-reza, sem ação-trabalho. Trabalho es-cravo, alienado, livre, de colaboração,enfim, sempre vai existir. O trabalhocomo princípio educativo é uma com-preensão, que Marx e Engels trouxe-ram, de que, como todo ser humanoprecisa de metabolismo entre ele e anatureza, é fundamental que desdea infância a criança e o jovem socia-lizem a idéia do direito e do dever dotrabalho. Mesmo dentro do capitalis-mo, o trabalho não é pura negativi-dade. O trabalho é uma categoria on-tológica anterior ao capital e vai serposterior a ele. Por isso que Marx viamais valor na burguesia enquanto tra-ço histórico do que na aristocracia enas sociedades em que o escravo tra-balha para o senhor, enquanto estese dedica apenas às atividades do in-telecto. Ele via na burguesia uma clas-se revolucionária porque ela trabalha.Portanto, os autores que acreditamque o trabalho como princípio educa-tivo não pode existir numa sociedadecapitalista enxergam-no a partir deuma visão determinista, porque esteraciocínio leva a crer que o capitalis-mo será eterno. Mas ele tem contra-dições e se assim fosse não teria sen-tido a gente lutar para tornar menosalienado o trabalho.

De acordo com o seu texto nãoseria plausível separar a técnica, atecnologia e a ciência, uma vez queesta separação permite ao capita-lismo uma segmentação do traba-lho, que limita ou impede o traba-lhador de compreender a unidadedestas dimensões do trabalho.Como podemos pensar esta situa-ção no caso da educação profissio-nal no Brasil?

Frigotto: Quando coloco quetécnica, tecnologia e ciência, cada umatem sua particularidade, mas elas sãounidades do diverso, isso significa queno processo do ser humano elaborarformas de produzir os seus meios devida e responder a suas necessidades,ele vai produzindo determinadas téc-nicas e vai aperfeiçoando determina-dos processos. Como os gregos diziam:o ser humano pensa porque tem mãos.Ele ao fazer, tem que pensar. A técni-ca tende a ser um aperfeiçoamentodentro da mesma linha de processoprodutivo, de um determinado estágiotécnico; a tecnologia é quando há umainovação qualitativa; e a ciência é umaforma sistemática de buscar tanto ino-vações técnicas quanto tecnológicas,mas também se alimenta de proces-sos técnicos e tecnológicos. O que que-ro dizer é que não podemos fazer umaanálise linear desse processo. O queacontece com a educação profissionalé que na sociedade capitalista a edu-cação tende a ter duas funções: ade-quar a força de trabalho às funções daeconomia e produzir ideologicamentee politicamente uma consciência alie-nada. Desde que o capitalismo surgiuhouve o discurso da igualdade em to-dos os campos, mas na verdade ele sópode existir e prosperar na desigualda-de. Então nós vamos ter sistemas duaisda educação: um que vai prepararaqueles que vão ser dirigentes, numaescola geral, clássica e longa; e outropra quem tem pouco tempo pra estu-dar, pois tem que enfrentar o duro exer-cício do trabalho. O grande drama dahistória da educação brasileira é que,como mostra o livro Fundamentos daeducação escolar no Brasil contempo-râneo, temos um capitalismo de mar-ca mais violenta, em que a educação

profissional está dissociada da educa-ção básica. Aqui o adestramento é ain-da mais perverso, pois não existe soci-edade que cobre a educação básica.Então a força de trabalho é semi-letra-da e adestrada.

O senhor participou do seminá-rio Choque teórico, em 1987, con-siderado um importante encontropara a construção do projeto peda-gógico da Escola. Após este even-to, houve grandes transformaçõespolíticas, econômicas e sociais noBrasil. Quais as mudanças com re-lação a discussões e debates do se-minário Choque teórico para o Fun-damentos da educação escolar doBrasil contemporâneo?

Frigotto: O seminário Choqueteórico teve características muito pe-culiares e conjunturais na sociedade bra-sileira. O encontro ocorreu em plenadécada de travessia da ditadura mili-tar para a democracia, quando haviauma potente crítica presente na socie-dade, especialmente entre os educa-dores, e uma idéia de recuperar o quea ditadura cerceou. Nesse contexto, oscursos de pós-graduação começam aincorporar um referencial mais crítico,histórico e dialético, com aportes mar-xistas, de Gramsci e de Althusser. En-tão, se começa a pensar uma propos-ta de educação como direito, de umaeducação básica, omnilateral, que leveem conta todas as dimensões da cri-ança, do jovem e do adulto também.Ou ainda uma educação politécnica,que é aquela que não dá a fórmula,mas a base do entendimento das coi-sas: da física, da química, da eletrici-dade; mas também da sociedade, dosseres humanos, da psicologia, da artee da cultura. O Choque teórico serviupara nós nos colocarmos de acordo coma proposta pedagógica sobre a qual aEscola Politécnica se desenvolveria, queé o próprio conceito de politecnica,educação democrática, unitária. Erauma disputa política, mas com a idéiade tornar isto uma generalização. En-tão a Escola teve um poder emblemá-tico. Agora, era um debate restrito aoseducadores, filósofos e sociólogos, quetinham a mesma perspectiva. Hoje,

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olhando pelo retrovisor, vejo que falta-ram naquele debate elementos paraanalisar que tipo de capitalismo e deburguesia brasileira nós tínhamos, quenega até a educação ao nível capita-lista. Já o seminário de hoje foi realiza-do numa outra conjuntura. Aquelasidéias da travessia dos anos 80 foramviolentadas não por um golpe militar,mas por um golpe da burguesia paravender o país. As reformas do governoCollor pra cá, justamente no governoFernando Henrique Cardoso, rifaram oBrasil. Este contexto nos obrigou a pen-sar que o tecido onde a gente disputauma educação para a classe trabalha-dora, que não seja para aguçar o olhoe adestrar a mão, é muito mais duro,porque se trata de uma sociedade cujaburguesia é a vanguarda do atraso e oatraso da vanguarda, como diz Chicode Oliveira. E mais que isso: é um pro-jeto orgânico de um capitalismo depen-dente e associado, baseado no desen-volvimento desigual e combinado.

Em que medida acredita que arealização de eventos como o se-minário Fundamentos da educaçãoescolar do Brasil contemporâneo e

a publicação do livro homônimopodem contribuir para a construçãode uma nova pedagogia da hege-monia, como configura-se uma dasdiretrizes apontadas pelo docu-mento síntese que está sendo fina-lizado pelos organizadores?

Frigotto: Uma das conclusõesque o livro traz é a de que existe umaluta contra-hegemônica instalada noBrasil. Sempre existiu, e que bom! Sóque ela não tem expressão quantita-tiva e por isso também pouco qualita-tiva. Aliás, duplamente não qualitati-va: uma porque se nega à grandeparte da sociedade brasileira o direitoelementar de letrar-se. Outra porquepoucas mentes e corações percebemeste “ornitorrinco”, do qual fala Chicode Oliveira (no livro Crítica à razãodualista - O ornitorrinco), ou seja, estemostrengo social. Então, como Miriam(Limoeiro, uma das autoras do livroFundamentos da educação escolar doBrasil contemporâneo) coloca, o pa-pel do conhecimento crítico e da edu-cação básica que dê a base para par-ticipar, para emancipar, para perceber,para produzir sujeitos coletivos, é

crucial. Sendo assim, o seminário temum sentido germinal e um sentido dedisseminação extraordinário. Não sópela audiência que teve. Mas porqueele tem um instrumento potente: umlivro. Um livro bem feito é a extensãomelhor do que pode existir no campoda educação. Só pra dar uma idéia,esta publicação acabou de sair e eujá a utilizei para um concurso, em quetive de dar uma aula, onde havia 60pessoas me assistindo e, com certe-za, pelo menos umas 20 vão ler o li-vro. Enfim, ele pode atingir dez, 20,50 milhões de pessoas. E como é umlivro denso mas com textos que nãosão longos, ele tem um potencial enor-me. Então, cumpre um papel contra-hegemônico. É a batalha das idéias.É a batalha de leitura, na verdade.Como diz o Veríssimo, ler a realidadeé complexo. Então é um instrumentopra leitura da realidade em aberto.Agora mesmo encerrei um curso (depós-graduação em educação profissi-onal em saúde, na EPSJV) em que to-dos os alunos têm este livro e eu dissea eles: o compromisso ético-políticode vocês é ler o livro e entender asociedade brasileira.

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Editora Fiocruz lançou acaprichada edição LouisPasteur & Oswaldo Cruz,que narra a trajetória decooperação entre o Insti-

tuto Pasteur e a Fiocruz ao longo doséculo 20 – considerada uma das maisbem-sucedidas experiências da histó-ria das relações científicas entre a Eu-ropa e o Brasil. Desde Oswaldo Cruz

Louis Pasteur e Oswaldo CruzCarlos Chagas Filho, que passou peloPasteur e foi um grande incentivadorda cooperação com os franceses é lem-brado no capítulo seguinte. A primeiraparte do livro é concluída com um ca-pítulo sobre a história da saúde públi-ca no Brasil, reconstituída desde o sé-culo 19 até a década de 30 do século20. O capítulo trata ainda das relaçõesentre o imperador dom Pedro 2º eLouis Pasteur, as campanhas deOswaldo Cruz e a fundação de institui-ções de pesquisa biomédica no Brasil,como o Instituto Soroterápico Federal– que se transformaria na Fiocruz – e oInstituto Pasteur de São Paulo.

Na segunda parte o foco são o pre-sente e as perspectivas abertas com asnovas parcerias. Também se debate ofato de que menos de 10% dos recur-sos investidos em saúde em todo omundo se destinam a doenças que sãoresponsáveis por 90% do total das en-fermidades.

Os estudos feitos no InstitutoPasteur sobre a Aids e a síndrome res-piratória aguda severa (SRAS), além dapreocupação com o recrudescimentoda tuberculose e da malária, ocupampapel de destaque no livro, bem comoa pesquisa sobre cânceres, doençasgenéticas e neurodegenerativas. As ra-mificações internacionais da instituiçãofrancesa – e que levaram à criação daRede Internacional de Institutos Pasteur– e sua histórica relação com outras ins-tituições mundo afora são narradas apartir dos momentos fundamentais des-sa parceria planetária. O acordo Amsud/Pasteur, que solidificou a colaboraçãocom 50 instituições representativas dacomunidade científica sul-americana, édescrito com detalhes e o autor do ca-pítulo comenta os primeiros projetos depesquisa desse convênio, que voltam-se para doenças transmitidas por insetosvetores e têm caráter multidisciplinar.O fecho do livro trata do modelo do Ins-tituto Pasteur, que foi seguido porOswaldo Cruz ao dirigir o InstitutoSoroterápico Federal.

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RESENHAS

Louis Pasteur e Oswaldo CruzEditora Fiocruz, (21) 3882-9093

as trocas entre as duas instituições fo-ram freqüentes. Quando o então jovemmédico brasileiro se mudou para Parisem 1897, para estudar bacteriologia,abriu uma estrada que foi trilhada pormuitos outros. A edição, que é bilín-güe, tem textos de 11 autores, france-ses e brasileiros.

No primeiro capítulo o livro abordaos primeiros trabalhos de Pasteur.

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Fundamentos daEducação Escolar do BrasilContemporâneoJúlio César França Lima e LúciaMaria Wanderley Neves (org.)Editora Fiocruz, (21) 3882-9093

Nos últimos anos, cresceu o de-semprego na população geral(inclusive entre os mais instruí-

dos), ao mesmo tempo em que amelhora da escolaridade acompanhou o aumento de

postos de trabalho de baixos salários. Diante desse quadro,como pensar a educação escolar e a formação técnico-profissi-onal numa época em que a educação já não garante um bomemprego? Esta é a questão central da coletânea Fundamentosda educação escolar do Brasil contemporâneo, publicada pelaEditora Fiocruz. O livro reúne oito artigos escritos por especia-listas de expressão internacional no assunto. Criada em come-moração aos 20 anos da Escola Politécnica de Saúde JoaquimVenâncio (EPSJV), a obra pretende atualizar o debate sobre osprincípios e diretrizes da educação.O modelo que caracteriza a sociedade em que vivemos atualmentefoi tema dos três capítulos iniciais, que abordaram o capitalismo,

o neoliberalismo e os problemas da economia brasileira, respecti-vamente. A socióloga Miriam Limoeiro Cardoso revisitou autoresclássicos que formularam teorias sobre o capital para traçar umpanorama sobre o assunto e propor possíveis políticas educacio-nais para o Brasil. A economista Leda Paulini recuperou a históriado neoliberalismo para mostrar que tal política precarizou o traba-lho formal. Tanto ela como outro economista, Márcio Pochmann,defendem que houve uma estagnação da economia e indagamque influência isso teve na educação.Os três capítulos subseqüentes discutem o desenvolvimentodas relações de poder no Brasil. Os filósofos Roberto Romanoe Carlos Coutinho e a historiadora Virgínia Fontes analisam as“bases do controle” do Estado brasileiro a partir de reflexõessobre a ditadura, dos processos da abertura política e demobilização da sociedade. Para eles, a educação política e aeducação escolar têm um papel fundamental na formação eorganização dessa sociedade.Por fim, os dois últimos ensaios analisam os “fundamentosético-políticos” e técnico-científicos das relações de trabalho eeducação no Brasil. Os filósofos Gaudêncio Frigotto e JoaquimSeverino apontam o papel estratégico da escola na contesta-ção do modelo hegemônico de sociedade brasileira, reafirman-do o conhecimento como arma indispensável no enfrentamentode vários problemas sociais.

Bioética, riscos e proteçãoBioética, riscos e proteçãoBioética, riscos e proteçãoBioética, riscos e proteçãoBioética, riscos e proteçãoFermin Roland Schramm, Sergio Rego, Mar-lene Braz e Marisa PaláciosEditora Fiocruz, (21) 3882-9093

Temas como o uso de células-tronco, aescolha do sexo dos fetos e a utiliza-ção de animais em experimentos la-boratoriais mexem, em comum, com

o que se pode denominar de bioética. Comoresultado das discussões ocorridas no 1o Congresso de

Bioética do Estado do Rio de Janeiro, surge o livro Bioética,riscos e proteção, organizado por Fermin Roland Schramm,Sergio Rego, Marlene Braz e Marisa Palácios. O livro traz 15artigos escritos por 20 autores, entre estrangeiros e brasilei-ros, filósofos, médicos, pedagogos, biólogos, sociólogos edemais pesquisadores e professores.

Rondônia: anthropologia - ethnographiaRondônia: anthropologia - ethnographiaRondônia: anthropologia - ethnographiaRondônia: anthropologia - ethnographiaRondônia: anthropologia - ethnographiaEdgard Roquette-PintoEditora Fiocruz, (21) 3882-9093

Livro escrito quando da viagem deRoquette-Pinto à Serra do Norte, regiãolocalizada entre os estados de Rondôniae Mato Grosso, a publicação é alvoagora de uma caprichada sétima edi-ção por parte da Editora Fiocruz. Con-

vidado por Cândido Rondon a acompanharuma expedição ao local citado, em 1917, Roquette-Pintoobservou indígenas locais e produziu numerosos registros,afinados com o que de mais moderno havia em termos deantropologia e etnografia da época. A edição apresenta otexto original de 1917, acompanhada de desenhos, fotos eaté partituras com músicas indígenas.

Precariedades do excesso: informaçãoPrecariedades do excesso: informaçãoPrecariedades do excesso: informaçãoPrecariedades do excesso: informaçãoPrecariedades do excesso: informaçãoe comunicação em saúde coletivae comunicação em saúde coletivae comunicação em saúde coletivae comunicação em saúde coletivae comunicação em saúde coletivaLuis David Castiel e Paulo Roberto Vasconcellos-SilvaEditora Fiocruz, (21) 3882-9093

Com o objetivo de realizar uma análise crítica dastransformações proporcionadas pelo surgimentodo que pode se chamar de “tecnologias de infor-

mação e comunicação” (com a internet e a telefo-nia celular como elementos mais marcantes), Luis David

Castiel e Paulo Roberto Vasconcellos-Silva trazem o livro Precariedadesdo excesso: informação e comunicação em saúde coletiva. A publicaçãobusca refletir sobre a velocidade, cada vez maior, nas mudanças do mun-do tecnológico, que, na opinião dos autores, alia tanto uma idéia devantagem, quanto a de desperdício, escassez e excesso de informação.

TTTTTrabalho, Educação e Saúderabalho, Educação e Saúderabalho, Educação e Saúderabalho, Educação e Saúderabalho, Educação e SaúdeEPSJV (21) 3865-9850

A Escola Politécnica de SaúdeJoaquim Venâncio (EPSJV) daFiocruz acaba de lançar o primeironúmero do quarto ano da revistaTrabalho, Educação e Saúde. Oobjetivo desta edição é explorar

as múltiplas relações entre a educaçãoe saúde, como campos de conhecimentos e práticas

relacionados a formas de sociabilidade e institucionali-zação vigentes. Tendo em vista este foco, a publicaçãoreúne diversos formatos de texto como artigos, debatese resenhas que tratam da relação educação-saúde.

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depois das prisões, das torturas, dos“desaparecimentos” –, se reaglutinarados escombros e vinha estabelecendoum diálogo frutífero com a sociedadecivil e com os seus representantes, de-batendo propostas para um novo e li-vre Brasil.

Dentro desse quadro social e polí-tico, um lugar de destaque era ocupa-do pelos militantes da saúde pública –com o sanitarista Sergio Arouca nocentro do movimento. A força de seusargumentos, de suas utopias e de suavocação de pensador (e realizador) le-varam o então presidente da Fiocruz aser indicado, em 1985, presidente da8ª Conferência Nacional de Saúde

E

FIO DA HISTÓRIA

ste ano completam-se 20anos da realização da 8ªConferência Nacional deSaúde, um evento quemobilizou e ajudou a mu-

dar o Brasil naquele momento em queo país se redemocratizava. Mais doque isso: a Oitava virou um marco domovimento sanitário brasileiro e demudanças na área de saúde públicado país, como o fim do comércio desangue e hemoderivados, processo fun-damental para impedir que a Aids eoutras doenças transmissíveis pelo san-gue se tornassem um problema aindamais grave. A Oitava também lançouas bases para a universalização do aces-

Quase 100 grupos de trabalho reunidos para discutir a saúde pública: delegados de todos os segmentos da sociedade participaram da 8ª

so à saúde; ou seja, todos os brasilei-ros, com carteira de trabalho assinada,teriam direito à assistência médica.

A primeira metade da década de80 viu surgir um Brasil diferente, comuma população que ia às ruas reivindi-car seus direitos e ocupar o espaço quelhe era negado. A ditadura, desmora-lizada, já não tinha como frear o movi-mento pela redemocratização que var-ria o país e mobilizava milhões debrasileiros onde quer que houvesse al-guém disposto a contribuir com a der-rota do regime opressor. Os políticosde oposição ganhavam voz e mais ca-deiras no Congresso Nacional. A inte-lectualidade – ou o que sobrou dela

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conferências estaduais, preparatóriasda Nacional. Ele esteve em todas elas,participando ativamente das discussões– sem abdicar de suas funções comopresidente da Fiocruz. Foram essas con-ferências, juntamente com as munici-pais, que disseminaram pelo país odebate sobre a reforma sanitária e aimportância de se ter uma CNS popu-

lar. Um conceito que os pensadores dasaúde já discutiam há alguns anos, eminstituições como o Centro Brasileiro deEstudos da Saúde (Cebes) e a Associa-ção Brasileira de Pós-graduação emSaúde Coletiva (Abrasco). No entan-to, a primeira convocação pública daOitava deu-se em um meio até entãomal visto por grande parte da intelec-tualidade nacional. Quem inicialmen-te chamou a atenção dos brasileiros

(CNS) pelo ministro Carlos Sant’Anna.Arouca faria uma revolução e criariaum marco histórico.

Conhecida pelos militantes da re-forma sanitária pela alcunha de “oita-va”, a Conferência reuniu em Brasíliamais de quatro mil delegados de todasas regiões e classes sociais, divididosem 98 grupos de trabalho, em jorna-das que avançavampela madrugada e che-gavam a se prolongarpor até 14 horas. O so-nho de Arouca se torna-ra realidade: a CNS con-seguia pela primeira vezem quase 45 anos dehistória ser verdadeira-mente popular. Sim, por-que da primeira (em1941) à sétima (em1980), os debates se res-tringiam às ações gover-namentais, com a parti-cipação exclusiva dedeputados, senadores eautoridades do setor. Aintenção de Arouca eraa de abrir mesmo, e as-sim ouvir as incontáveisexperiências na áreaque existiam Brasil afo-ra. Reunir brasileirospara saber e discutir como vivem, quaisas suas condições de saúde, quemelhorias almejam. Deixar de contara saúde pelos números e passar a en-xergar cidadãos.

Nasce o SUS - Presidente da Fio-cruz – cargo que assumiu em 1985 –,Arouca já mostrara as suas credenciaisdando à Fundação um sopro de reno-vação, pondo-a novamente em movi-mento (acelerado, diga-se). Liderandoa instituição, militante histórico da saú-de pública, seu nome apresentara-sequase que naturalmente como de con-senso para presidir a 8ª CNS. O fato deser comunista de carteirinha tambémnão o atrapalhou, mostrando que oBrasil, finalmente, vivia dias mais tole-rantes. Ao assumir e decidir que a Con-ferência deveria refletir o momentoefervescente pelo qual o país passava,Arouca roda o país acompanhando as

para a CNS foi o padre Albano, o sa-cerdote progressista vivido pelo atorCláudio Cavalcanti na novela RoqueSanteiro, de Dias Gomes, exibida pelaRede Globo. A ficção abordava o reale dava uma força fundamental para osucesso que viria a ser a CNS.

Os debates da CNS foram abertosnuma segunda-feira, 17 de março de1986, pelo presidente José Sarney.Arouca disse que aquele era “o even-to mais significativo em termos de de-bate da política de saúde já aconteci-do na história do país”. Um dosgrandes momentos da Oitava foi o con-senso obtido em torno da criação doSistema Único Descentralizado de Saú-de (Suds), que depois se transformariano SUS. A interdependência entre po-lítica social e econômica e a conceitu-ação dos serviços de saúde como pú-blicos e fundamentais para a populaçãoforam outras importantes definiçõesfeitas pela CNS. Mas o legado maisprecioso da Conferência foi a consoli-

dação da idéia da Reforma Sanitária –que voltaria à agenda, com força, du-rante a Constituinte (1987-88). Naque-la ocasião, a da feitura de uma novaCarta Magna que simbolizaria oredemocratizado Brasil, Arouca, dan-do provas mais uma vez do seu poderde síntese, fez a defesa popular – tidacomo brilhante por quem assistiu – dostextos da Oitava, que subsidiaram adiscussão sobre o setor da saúde.

Cartaz emdefesa daqualidadedo sangue:emblema domovimentosocial (artede Ziraldo)

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ARTIGO

Vacinas e desenvolvimento

EJosé Agenor Álvares da Silva*

“O Inovacinas permitiráque agreguemos a

nossa auto-suficiênciana produção devárias vacinas.”

nsina a economia política que o desenvolvimento não é fruto deuma evolução automática e reflete, sobretudo, o processo deorganização das forças sociais que interagem na sociedade atentasaos desafios de seu tempo histórico. O debate sobre a importânciade substanciar um projeto nacional relacionado ao fortalecimento

da indústria pública de vacinas no Brasil foi iniciado em 2003, como parteintegrante do Projeto Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz.

No momento, importantes investimentos na área de vacinas estão em curso noMinistério da Saúde. Além do lançamento de editais para apoio a projetos depesquisa e desenvolvimento tecnológico, em parceria com o Ministério daCiência e Tecnologia, no segmento de reagentes diagnósticos, fármacos emedicamentos na ordem de R$ 63 milhões a serem investidos nos próximosdois anos, o Programa Nacional de Competitividade em Vacinas (Inovacinas)receberá investimento inicial de R$ 16 milhões. O Inovacinas é uma iniciativaestruturante do setor industrial de produção de vacinas no Brasil, e tem porobjetivo garantir a meta de auto-suficiência na produção de vacinas incluídasno calendário anual de vacinação.

O Inovacinas permitirá que agreguemos a nossa auto-suficiência na produçãode vacinas contra tuberculose, febre amarela, hepatite B, influenza, sarampo erubéola, aquelas necessárias às ações de vacinação contra poliomielite, febretifóide e rotavírus (responsável por 40 mil internações e 950 óbitos no Brasil acada ano), e outras consideradas como entre aquelas estratégicas para ocumprimento dos Objetivos do Milênio.

Além de recursos orçamentários - financeiros o Inovacinas contará com umaCâmara Técnica de Imunobiológicos sob a coordenação da Secretaria deCiência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE).Esse colegiado gestor do programa será constituído por representantes daSCTIE, da Secretaria de Vigilância à Saúde, da Secretaria de Atenção à Saúde,da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anivsa), da Fiocruz(Biomanguinhos), do Instituto Butantan e da Fundação Ataulpho de Paiva(FAP), os quais deverão se reunir a cada dois meses.

Competirá à Câmara Técnica de Imunobiológicos atuar nas vertentes centraispara a ampliação da competitividade no setor, ou seja, na pesquisa,desenvolvimento e inovação em saúde, na produção, comercialização eavaliação de preços de imunobiológicos e na qualidade e sustentabilidadeeconômica dos projetos a serem desenvolvidos.

Contudo, a iniciativa do Ministério da Saúde em promover um programa doporte do Inovacinas, vocacionado a ser elemento de política de Estado, sóadquire plenitude e conseqüência na dimensão social se articuladotransversalmente com instituições relacionadas à inovação tecnológica. Nessesentido, o programa deverá necessariamente se constituir em açãointerministerial, com a incorporação dos ministérios e agência afeitos ao tema,como os ministérios da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento, Indústria eComércio e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), pormeio de seus fóruns específicos de inovação e competitividade.

* José Agenor Álvares da Silva é ministro da Saúde do BrasilA íntegra deste artigo está no site www.fiocruz.br/ccs

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O Pavilhão Mourisco, como é mais conhecidoo prédio central da Fiocruz, começou a ser construídoem 1905, pelo arquiteto português Luiz Moraes Júnior,com base em desenhos do próprio Oswaldo Cruz.

O ensaio do fotógrafo André Az marca umaimportante data deste que é um dos símbolosda ciência e da saúde pública brasileiras.

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