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Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ISSN 1413-4969 Publicação Trimestral Ano XVI - Nº 4 Out./Nov./Dez. 2007 Revista de Inovação, cliente e marketing Ponto de Vista Pág. 132 Pág. 17 Das políticas de substituição das importações à agricultura moderna do Brasil Pág. 52 A recorrência de crises de endividamento agrícola e a necessidade de reforma na política de crédito Pág. 4 Dinâmica e agenda do setor sucroalcooleiro na próxima década Dinâmica e agenda do setor sucroalcooleiro na próxima década Pág. 86

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Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XVI - Nº 4Out./Nov./Dez. 2007

Revista de

Inovação, clientee marketing

Ponto de Vista

Pág. 132

Pág. 17

Das políticasde substituiçãodas importaçõesà agriculturamodernado Brasil

Pág. 52

A recorrênciade crises deendividamentoagrícola e anecessidade dereforma na políticade crédito

Pág. 4

Dinâmica e agendado setor sucroalcooleirona próxima década

Dinâmica e agendado setor sucroalcooleirona próxima década

Pág. 86

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ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XVI – Nº 4Out./Nov./Dez. 2007

Brasília, DF

Sumário

Carta da Agricultura

Prioridades para o agronegócio em 2008 ............................... 3Reinhold Stephanes

A recorrência de crises de endividamento agrícola e anecessidade de reforma na política de crédito ........................ 4Gervásio Castro de Rezende / Ana Cecília Kreter

Massificação das operações do seguro rural:O grande desafio brasileiro .................................................. 21Welington Soares de Almeida

Política de crédito para a agricultura brasileira:Quarenta e cinco anos à procura do desenvolvimento ......... 27Paulo Fernando Cidade de Araújo / Alexandre Lahóz Mendonça de Barros /

José Roberto Mendonça de Barros / Ricardo Shirota

Das políticas de substituição das importaçõesà agricultura moderna do Brasil ............................................ 52Ignez Vidigal Lopes / Mauro de Rezende Lopes / Fábio Campos Barcelos

Dinâmica e agenda do setor sucroalcooleirona próxima década............................................................... 86Marcos Sawaya Jank / Luciano Rodrigues

O programa Checkoff norte-americano e aviabilidade da sua implantação no Brasil .............................. 97Airdem Gonçalves de Assis / Leandro Antonio Borges /

Aloísio Teixeira Gomes / Alberto Duque Portugal

Biotecnologia na agricultura:Qual caminho o Brasil deve seguir? ................................... 114Alexandre Lima Nepomuceno / Derli Dossa / José Renato Bouças Farias

Bovinocultura de corte no Brasil ........................................ 121Kepler Euclides Filho

Análise de preços agrícolas ................................................ 129Antônio Salazar P. Brandão / Eliseu Alves

Ponto de Vista

Inovação, cliente e marketing............................................. 132Marlene de Araújo

Conselho editorialEliseu Alves (Presidente)

Edilson GuimarãesElísio ContiniHélio Tollini

Antônio Jorge de OliveiraBiramar Nunes LimaPaulo Magno Rabelo

Secretaria-geralRegina M. Vaz

Coordenadoria editorialMarlene de Araújo

Apoio AdministrativoMichele Duarte Barbosa

Mierson Martins Mota

Revisão de textoFrancisco C. Martins

Revisão de formataçãoCorina Barra Soares

Normalização bibliográficaVera Viana dos Santos

Projeto gráfico e capaCarlos Eduardo Felice Barbeiro

Editoração eletrônicae tratamento de imagens

Júlio César da Silva Delfino

Foto da capaBanco de fotos da Diretoria de

Agronegócios do Banco do Brasil

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica

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2Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria dePolítica Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, com a colaboração técnica da Secretariade Gestão e Estratégia da Embrapa e da Conab, dirigida atécnicos, empresários, pesquisadores que trabalham como complexo agroindustrial e a quem busca informaçõessobre política agrícola.

É permitida a citação de artigos e dados desta Revista,desde que seja mencionada a fonte. As matérias assinadasnão refletem, necessariamente, a opinião do Ministérioda Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Tiragem5.000 exemplares

Todos os direitos reservados.

A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Embrapa Informação Tecnológica

Revista de política agrícola. – Ano 1, n. 1 (fev. 1992) - . – Brasília :

Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacional de

Abastecimento, 1992-

v. ; 27 cm.

Trimestral. Bimestral: 1992-1993.

Editores: Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, 2004- .

Disponível também em World Wide Web: <www.agricultura.gov.br>

<www.embrapa.br>

ISSN 1413-4969

1. Política agrícola. I. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. II. Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento.

CDD 338.18 (21 ed.)

Interessados em receber esta revista, comunicar-se com:

Ministério da Agricultura, Pecuária e AbastecimentoSecretaria de Política Agrícola

Esplanada dos Ministérios, Bloco D, 5º andarCEP 70043-900 Brasília, DF

Fone: (61) 3218-2505Fax: (61) 3224-8414

[email protected]

Regina [email protected]

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaSecretaria de Gestão e Estratégia

Parque Estação Biológica (PqEB), Av. W3 Norte (final)CEP 70770-901 Brasília, DF

Fone: (61) 3448-4159Fax: (61) 3347-4480

www.embrapa.brMarlene de Araújo

[email protected]

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3 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Prioridades para o

agronegócio em 2008

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Reinhold Stephanes1

No Brasil, o agronegócio provoca profundoimpacto na economia e no PIB. É expressiva aparticipação do setor nos segmentos de produçãode alimentos, exportação e geração de empregos.Em função dessa representatividade, é preocupaçãoconstante do Ministério da Agricultura, Pecuáriae Abastecimento (Mapa) não apenas investir nadefinição e na execução dos projetos prioritáriosde curto, médio e longo prazo, mas também noacompanhamento e na avaliação constante, bus-cando aperfeiçoá-los ano a ano e adequá-los àsnecessidades do setor, em sintonia direta com ainiciativa privada.

Em 2007, os resultados do agronegócio foramreflexos evidentes da parceria público-privada.Some-se à agenda governamental positiva odesempenho excepcional dos produtores dosetor. Esta parceria gerou resultados expressivosno ano anterior, quando a participação dosegmento agrícola na economia representou23 % do PIB, 37 % das exportações e 37 % dosempregos gerados no País, colocando o Brasilcomo o segundo maior produtor e exportador dealimentos no ranking internacional.

Em 2008, pautado igualmente numa agendaassertiva, o Mapa trabalha na busca por resultadosde projetos prioritários que envolvam açõesdiretas do próprio Mapa, ou ainda de suporte àsinstituições que atuam em parceria.

Destacam-se ações com vista em atender:áreas de sanidade animal e vegetal, tornandooperacional sistemas zoofitossanitários de âmbitonacional; projetos de biossegurança destinadosà pesquisa e à regulamentação de alimentos trans-gênicos; projetos de agroenergia e de produçãode alimentos, em harmonia com o desenvolvi-mento sustentável, de forma a promover ocrescimento da produção e a ampliação demercado, sem provocar danos ao meio ambiente;negociações de comércio exterior e promoçãocomercial para criar mecanismos de incentivoe ampliação do mercado internacional paraos produtos brasileiros; e estabelecimento demecanismos capazes de minimizar os problemasde infra-estrutura e logística enfrentados pelosprodutores.

A execução dos projetos prioritários ocorreem parceria direta com organismos e instituições(nacionais e estrangeiras) associados ao setor, emespecial com aqueles vinculados diretamente aoMapa, como os que atuam nas áreas de pesquisa,armazenamento, abastecimento, biossegurançae defesa sanitária.

Os esforços para concretizar os projetosprioritários e obter resultados de excelência incluemo uso de instrumentos de comunicação integradae de gestão estratégica que permeiam e norteiamas ações e as tarefas de cada um dos projetos emexecução.

1 Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

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4Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Resumo – Este artigo analisa o problema recorrente das crises financeiras agrícolas no Brasil.As freqüentes crises financeiras da agricultura foram marcadas pela dificuldade do setor de honrarseus compromissos financeiros e pela pressão sobre o governo visando à renegociação das dívidas.Por meio da análise qualitativa e quantitativa, estudou-se a evolução do endividamento agrícoladesde 1995 e as implicações da Constituição de 1988, ressaltando a responsabilidade da políticatrabalhista agrícola pelas mazelas do sistema financeiro agrícola. Analisa também as implicações quea reforma da política de crédito agrícola deve gerar, simultaneamente, às necessidades de uma reformade política trabalhista agrícola. Enfatiza que a falta de inclusão da política trabalhista na reforma dapolítica de crédito agrícola levará à perda de dinamismo da agricultura. Conclui que, em períodomais recente, houve um forte crescimento do endividamento de longo prazo, decorrente deempréstimos para a compra de máquinas e equipamentos agrícolas. O endividamento atual se somouao endividamento preexistente, e a agricultura tornou-se detentora de dívidas de longo prazo. Ao seconjugar com o endividamento de longo prazo, a instabilidade de renda agrícola torna-se um problemamuito grave por elevar a sua dotação de capital físico, dando maior importância relativa do custo fixounitário no custo unitário total, reduzindo-se a elasticidade do preço de oferta agrícola agregada decurto prazo e dilatando-se o período de queda de preços agrícolas. A pressão dos compromissosfinanceiros de longo prazo forçam o agricultor a continuar produzindo, gerando o efeito de dilatar,no tempo, a duração de uma crise de demanda.

Palavras-chave: Endividamento agrícola; Política de crédito agrícola; Política trabalhista; Brasil.

A recorrência de crises

de endividamento

agrícola e a

necessidade de

reforma na política

de crédito1

Gervásio Castro de Rezende2

Ana Cecília Kreter3

1 Versões anteriores deste trabalho se beneficiaram de comentários de participantes de seminário apresentado no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), em Brasília, DF, e de Painel de Política Agrícola do Congresso da Sober, realizado em Londrina, PR, de 22 a 25 de julho de 2007. Agradecemos aos

comentários de Eliseu Alves, Roberto Rodrigues, Evandro Fazendeiro de Miranda, Paulo Levy, Fabio Giambiagi e Paulo Faveret Filho. Somos muito

gratos, ainda, à presteza com que o economista Virgílio Chevalier, do Departamento Econômico do Banco Central, tem atendido às nossas solicitações dedados e de esclarecimentos sobre esses dados, e ao estagiário Julio Cesar Barros, pelo excelente apoio prestado à pesquisa de que resultou este artigo.

2 Professor voluntário da Universidade Federal Fluminense (UFF), professor titular aposentadoda Universidade Federal Fluminense (UFF), ex-professorvisitante da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e técnico de planejamento aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

[email protected] Assistente de pesquisa do Ipea e doutoranda em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). [email protected].

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5 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Introdução

As freqüentes crises financeiras da agricul-tura brasileira, marcadas pela dificuldade do setorde honrar seus compromissos financeiros e pelapressão sobre o governo, visando à renegociaçãodas dívidas, têm sido responsáveis não só porelevados custos fiscais como também por umdesconforto político das partes envolvidas. Emface disso, cabe estudar melhor os fatores respon-sáveis por essas crises, visando à proposição demudanças de política com o objetivo de se evitarque esse “fenômeno” volte a se repetir no futuro.

Limitando-se à crise atual, que teve iníciono final de 2004, este trabalho procuraráargumentar que essa crise reflete, por um lado, oaumento do risco agrícola decorrente da maiorabertura da economia e da adoção do regime detaxa de câmbio flutuante; mas, por outro lado,ela reflete, também, maior dificuldade, por parteda agricultura, de lidar com esse maior risco,devido ao fato de que, ao endividamento anterior(reescalonado de longo prazo), acrescentou-se,no período mais recente, um endividamentoadicional, também de longo prazo.

Com efeito, esse endividamento adicionalrecente, em grande parte também de longo prazo– atrelado como foi à compra de máquinas eequipamentos agrícolas, tornou o setor agrícolamenos capaz de reagir, via contração da oferta, aquedas eventuais de preços decorrentes dereduções na demanda, por duas razões:

Em primeiro lugar, porque o maior estoquede máquinas e equipamentos faz aumentar ocusto fixo unitário agrícola, com o que se reduzo coeficiente de elasticidade preço da ofertaagrícola de curto prazo; isso faz com que umaqueda inesperada dos preços agrícolas, decorren-te de uma queda temporária da demanda, passea se estender por um período de tempo maior.

Em segundo lugar, porque a necessidadede cumprimento das obrigações financeiras,vinculadas a esses novos empréstimos de longoprazo, ao se somarem às obrigações financeirasde longo prazo decorrentes da dívida anterior (re-escalonada, mas não eliminada), também fez com

que a oferta passasse a reagir menos a uma even-tual queda de preços agrícolas puxada pelo ladoda demanda.

Lado a lado com essa maior imobilizaçãode capital fixo e correspondente maior endivida-mento de longo prazo, a agricultura tornou-se umsetor mais arriscado, após a abertura da economia,ocorrida ao longo da década de 1990, mas,sobretudo, após a mudança do regime cambial,em 1999. Assim, exatamente quando cresceu ainstabilidade de renda agrícola, com conseqüenteaumento do risco do investimento agrícola,tornou-se a agricultura menos capaz de lidar comesse risco.

A esse respeito, é interessante mencionarque Ferreira Filho et al. (2004) em seu estudodetalhado da produção de algodão no Centro-Oeste, constataram um elevado nível de mecani-zação acompanhado com um correspondentenível muito elevado de endividamento setorial.Na mesma linha dos argumentos a seremdefendidos neste trabalho, esses autores notaramque isso criava certa dificuldade para esse setorconviver com instabilidade de renda. Por isso,eles se perguntaram se “esse modelo pode serconsiderado ótimo”, e a resposta deles obviamentefoi negativa.

Incluindo-se a introdução, este artigocompreende nove itens. O item Crescimento dadívida agrícola e o papel do crédito de investi-mento apresenta a evidência de que o crédito deinvestimento tem sido responsável por boa partedo crescimento da dívida agrícola desde 1995.Por sua vez, o item A ameça das greves de 1980,as mudanças no crédito de investimento em 1990e os estímulos à mecanização agrícola explicaque essa maior concessão de crédito de investi-mento reflete a importância crescente que oBanco Nacional de Desenvolvimento Social(BNDES) passou a assumir no financiamento dosetor agrícola, em função das mudanças introdu-zidas na Constituição de 1988.

O item Risco agrícola, seu agravamento ea capacidade de enfrentamento apresenta umaevidência empírica, confirmando a expectativa deque a renda agrícola se tenha tornado mais volátil

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após a abertura da economia e a adoção doregime de câmbio flutuante.

Contudo, o item O “entorpecimento” dapercepção de risco dentro do sistema de créditorural, mostra que essa maior volatilidade da rendaagrícola, e mesmo as pesadas obrigações financei-ras pré-existentes – fruto de reescalonamentos dedívidas anteriores –, não restringiram à concessãode “nova” dívida agrícola, sobretudo de longoprazo. Como será argumentado nesse item, issofez aumentar a dificuldade de convivência dosetor agrícola com esse ambiente de maiorincerteza.

Ao considerar inadequada a atual políticade crédito agrícola, sobretudo em face da maneiracomo o risco agrícola (não) é levado em conta noâmbito do sistema financeiro agrícola, no itemSugestões de reforma do atual sistema de crédito

agrícola, este artigo apresenta uma proposta dereforma desse sistema. Essa reforma pretende fazercom que a política de crédito agrícola passe a levarem conta, de maneira mais efetiva, os fatores derisco que têm marcado a atividade agrícola, demaneira particularmente intensa, após a maiorabertura da economia e a adoção do regime decâmbio flutuante. Isso envolveria não apenas oprocesso de concessão do crédito, mas também aprópria forma de cobrança da dívida, já que, alémde estabelecer uma conexão entre o nível da rendaagrícola e o valor das amortizações e mesmo dosjuros devidos em cada ano como serviço da dívida,a responsabilidade pelo pagamento do crédito delongo prazo passaria a envolver, também, todosos segmentos da cadeia do agronegócio, e nãoapenas o agrícola. Isso seria uma mudança drásticaem relação à situação atual em que, embora todoo segmento do agronegócio beneficie-se com ofinanciamento de longo prazo para a agricultura,é somente o setor agrícola que vem tendo deresponder pelo pagamento da dívida e por todosos problemas que vêm dificultando o cumprimentodas obrigações financeiras derivadas dessa dívida.

O item Fundos públicos e os problemas da

concessão de empréstimos de longo prazopropõe a necessidade de se discutirem algumasquestões que vão além do âmbito estrito da

política agrícola, e que dizem respeito à análisede custo/benefício social, uma vez que os fundospúblicos hoje usados nessa política de créditoagrícola poderiam ter utilização alternativa,inclusive em benefício do próprio setor agrícola,como seria o caso, por exemplo, de investimentosem logística e em pesquisa agropecuária.

O item Política trabalhista agrícola e suasconseqüências pelos atuais problemas do sistemade crédito agrícola , argumenta que teria de seacoplar a essa reforma da política de crédito ruraloutra reforma, a de nossa política trabalhistaagrícola, com o objetivo de reduzir o custo damão-de-obra para o empregador, elevando, aomesmo tempo, a renda dessa mão-de-obra. Comoapontado neste item, a não adoção simultâneadessa reforma trabalhista agrícola inviabilizará aprópria reforma da política de crédito agrícola,em face da crise que, então, eclodiria naagricultura e que, com certeza, se estenderia aoresto da economia.

O item Conclusão enumera as principaisrazões do endividamento de longo prazo, naagricultura brasileira.

Crescimento da dívida agrícolae o papel do crédito de investimento

A Tabela 1 mostra que no período 1998–2007, ocorreu não apenas um forte crescimentoda dívida agrícola total, mas também que essecrescimento contou com uma expansão muitorápida do crédito de investimento. Pode-se notarque, entre 1999 e 2004, a dívida de investimentoquase dobrou, passando de R$ 17,9 bilhões paraR$ 34 bilhões, enquanto a dívida de custeiopassou de R$ 22,4 bilhões para R$ 30,8 bilhões,portanto, um crescimento muito menor. De fato,a dívida associada ao investimento igualou-se àdívida de custeio em 2002 e a superou daí emdiante.

Contudo, não se deve esquecer que, noperíodo objeto deste trabalho, o financiamentode custeio cresceu muito mais mediante o usode instrumentos como a cédula de produto rural(CPR), e não pelo crédito bancário propriamente

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dito. Como essa nova forma de crédito de custeio,é conectada à comercialização do produto,eliminou-se, também, a interligação custeio/comercialização, que marcava o sistema decrédito rural vigente até meados da década de1990. Até então, o crédito de comercialização,muito baseado em fundos públicos (como era ocaso dos empréstimos do governo federal (EGF),acabava servindo para o agricultor liquidar ocrédito de custeio. Chegou-se, inclusive, ao pontode o crédito de custeio ser sistematicamenteprorrogado até que a comercialização seprocessasse, de tal maneira que o prazo efetivodo empréstimo de custeio passou a ficar cada vezmaior. Além do mais, novos instrumentos dapolítica de preços mínimos, como os prêmios deequalização de preços (PEP), foram adotados pelogoverno, substituindo o instrumento de créditode comercialização e a formação de estoquespúblicos.4

Contudo, já em 2004, a inadimplência quepassou a ocorrer nesse tipo de transaçõesfinanceiras envolvendo a CPR, acabou fazendocom que o crédito de custeio no sistema oficialtivesse de se expandir mais rapidamente, nesseperíodo mais recente, como se nota na Tabela 1.De fato, erecursos adicionais de custeio passarama servir para liquidar dívidas lastreadas em CPRs.Além do mais, a inadimplência nesse segmentofora do sistema oficial de crédito rural acabousendo, rapidamente, objeto de uma renegociação.5

A Tabela 2 mostra que as fontes de recursosque permitiram esse crescimento tão rápido doendividamento agrícola se concentram nosrecursos obrigatórios, que consistem dasexigibilidades sobre os depósitos à vista dosbancos e sobre a caderneta de poupança doBanco do Brasil, e nos recursos repassados. Comoserá visto em maior profundidade depois, essesrecursos repassados têm esse nome porque não

Tabela 1. Saldos devedores rurais médios anuais

segundo a finalidade, 1995–2007. (Em R$ bilhões de

maio 2007, deflator: IPCA).

Finalidades

Anos Total Comercia-Custeio

Investi-lização mento

1995 42,3 8,4 19,7 14,2

1996 39,1 5,8 20,5 12,8

1997 37,1 6,0 18,5 12,6

1998 40,2 6,5 17,7 16,0

1999 44,2 3,9 22,4 17,9

2000 48,0 2,9 24,7 20,3

2001 51,7 3,5 25,7 22,5

2002 54,5 3,1 25,8 25,7

2003 62,2 4,0 28,6 29,6

2004 68,7 3,9 30,8 34,0

2005 74,4 3,0 33,5 37,9

2006 81,5 4,6 36,2 40,7

2007* 87,4 4,1 39,6 43,6

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

4 Todas essas mudanças são descritas em detalhes em Rezende (2003, cap. 5).5 Dias (2007) destaca a gravidade dessa inadimplência, ocorrida já em 2004, nos contratos privados de crédito com uso das CPRs. Segundo Dias (2007,

p. 82), “Não existe nada de novo no processo, exceto a transferência do crédito de fornecedores de insumos e traders para o Setor Público.” Aindasegundo Dias, “Tudo somado quer dizer que estamos de volta num novo episódio de maior incerteza sobre o cumprimento de contratos (...).” Para umaanálise detalhada desse problema de inadimplência nesses contratos privados lastreados com CPRs, inclusive dando os números da inadimplênciasegundo regiões e principais produtos, veja Pessoa (2006).

Tabela 2. Saldos devedores rurais médios anuais

segundo a fonte do recurso, 1995–2007. (Em R$ bilhões

de maio 2007, deflator: IPCA).

Fontes de recursos

Anos TotalLivres

Obriga- Repas-tórios sados

1995 42,3 12,0 17,6 12,7

1996 39,1 8,6 17,8 12,6

1997 37,1 5,8 16,9 14,5

1998 40,2 4,3 18,4 17,4

1999 44,2 5,1 21,4 17,7

2000 48,0 4,1 25,1 18,8

2001 51,7 3,8 27,5 20,4

2002 54,5 3,4 29,4 21,7

2003 62,2 3,3 33,1 25,8

2004 68,7 3,0 36,8 28,9

2005 74,4 3,6 37,3 33,6

2006 81,5 3,9 40,8 36,8

2007* 87,4 3,8 44,9 38,7

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

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8Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

se originam de captações do sistema bancário(como é o caso dos depósitos à vista ou dapoupança rural do Banco do Brasil), mas sim defundos públicos no caso, o Fundo de Assistênciaao Trabalhador e os fundos constitucionais), quesão, então, repassados a esses bancos, porintermédio, principalmente, do BNDES.

As Tabelas 3 e 4 mostram que essesrecursos repassados têm sido aplicados, quaseintegralmente, em crédito de investimento,enquanto os recursos obrigatórios vêm sendoaplicados, também quase totalmente, em créditode custeio. Assim, vale a pena notar que essesrecursos obrigatórios vêm crescendo rapidamentedevido ao fato de que, desde agosto de 2005, ostrês bancos oficiais têm tido de cumprir aexigência de 55 % do saldo da poupança, essaparcela tendo tido de subir até 65 % em 1º dejulho de 2007. Sobre isso, ver Wedekin (2005,p. 19). Com o forte crescimento da cederneta depoupança nos anos recentes, isso só pode tertornado mais generosa essa fonte de crédito rural,para desagrado, com toda a certeza, desses bancos,que poderiam estar participando mais intensa-mente do boom imobiliário recente, o que certa-

mente teria sido muito mais atraente para eles.Pode-se concluir que o crescimento da dívidaagrícola, que, como mostrou a Tabela 1, se deveuprincipalmente ao crescimento da dívida deinvestimento, teve por base uma fonte de recursosnova, criada pela Constituição de 1988, e imple-mentada logo depois, como será visto depois.

Já as Tabelas 5 e 6 apresentam a composiçãoda dívida por tipo de banco (público ou privado)e segundo a finalidade do empréstimo (comercia-lização, custeio ou investimento). Antes de maisnada, é de se notar o franco predomínio dosbancos públicos na concessão do crédito rural.De qualquer maneira, um fato de destaque é ocrescimento das aplicações de crédito de investi-mento também por parte dos bancos privados, oque se deve ao acesso que esses bancos passarama ter, também, aos recursos repassados. Isso émostrado na Tabela 7, na qual se vê que essesrecursos repassados passaram a se igualar aosrecursos obrigatórios como fonte de aplicaçõesrurais desses bancos privados.

Finalmente, a Tabela 8 mostra a importânciaque também assumiram, para os bancos públicos,esses recursos repassados. De 1995 a 2007, seu

Tabela 3. Recursos repassados – Saldos devedores

rurais médios anuais segundo a finalidade, 1995–

2007. (Em R$ bilhões de maio 2007, deflator: IPCA).

Finalidade

Ano Total Comercia-Custeio

Investi-

lização mento

1995 12,7 1,9 2,2 8,6

1996 12,6 1,8 3,2 7,6

1997 14,5 2,0 3,6 8,8

1998 17,4 2,1 4,4 11,0

1999 17,7 1,3 4,4 12,0

2000 18,8 0,5 4,8 13,5

2001 20,4 0,4 4,8 15,2

2002 21,7 0,3 3,8 17,7

2003 25,8 0,7 3,5 21,6

2004 28,9 0,5 2,3 26,0

2005 33,6 0,4 3,2 30,0

2006 36,8 0,4 3,2 33,1

2007* 38,7 0,6 2,5 35,6

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

Tabela 4. Recursos obrigatórios – Saldos devedores

rurais médios anuais segundo a finalidade, 1995–

2007. (Em R$ bilhões de maio 2007, deflator: IPCA).

Finalidade

Ano Total Comercia-Custeio

Investi-lização mento

1995 17,6 4,2 10,3 3,1

1996 17,8 2,8 11,9 3,2

1997 16,9 3,1 10,9 2,9

1998 18,4 3,2 10,9 4,3

1999 21,4 1,7 14,4 5,3

2000 25,1 2,2 16,8 6,1

2001 27,5 2,8 18,4 6,3

2002 29,4 2,6 20,3 6,5

2003 33,1 3,1 23,4 6,6

2004 36,8 3,1 27,1 6,6

2005 37,3 2,3 28,7 6,2

2006 40,8 3,4 31,4 6,0

2007* 44,9 3,3 35,2 6,3

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

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9 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Tabela 5. Bancos privados – Saldos devedores rurais

médios anuais segundo a finalidade, 1995–2007.

(Em R$ bilhões de maio 2007, deflator: IPCA).

Finalidade

Ano Total Comercia-Custeio

Investi-lização mento

1995 6,0 1,1 3,4 1,4

1996 7,3 1,3 4,5 1,5

1997 9,5 2,3 5,8 1,4

1998 10,2 3,0 4,4 2,8

1999 10,5 2,4 4,3 3,8

2000 12,0 1,9 5,2 5,0

2001 16,1 2,5 6,9 6,6

2002 16,6 2,2 6,9 7,5

2003 20,2 2,7 7,3 10,2

2004 22,1 2,7 7,1 12,3

2005 23,4 1,9 7,5 14,0

2006 26,0 2,7 8,5 14,8

2007* 28,5 2,8 9,8 16,0

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

Tabela 6. Bancos públicos – Saldos devedores rurais

médios anuais segundo a finalidade, 1995–2007.

(Em R$ bilhões de maio 2007, deflator: IPCA).

Finalidade

Ano Total Comercia-Custeio

Investi-lização mento

1995 36,3 7,2 16,3 12,8

1996 31,8 4,5 16,0 11,3

1997 27,6 3,7 12,7 11,2

1998 30,0 3,5 13,4 13,2

1999 33,7 1,5 18,1 14,1

2000 35,9 1,0 19,5 15,4

2001 35,6 1,0 18,8 15,9

2002 37,9 0,8 18,9 18,2

2003 42,0 1,3 21,3 19,4

2004 46,6 1,1 23,7 21,8

2005 51,1 1,2 26,0 23,9

2006 55,5 1,9 27,7 25,9

2007* 58,8 1,4 29,8 27,7

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

Tabela 7. Bancos privados – Saldos devedores rurais

médios anuais segundo a fonte do recurso, 1995–2007.

(Em R$ bilhões de maio 2007, deflator: IPCA).

Fonte de recursos

Ano TotalLivres

Obriga- Repas-tórios sados

1995 6,0 4,1 1,4 0,4

1996 7,3 3,4 2,1 1,8

1997 9,5 2,5 4,4 2,6

1998 10,2 2,3 5,0 2,8

1999 10,5 2,2 6,1 2,2

2000 12,0 1,4 8,2 2,4

2001 16,1 1,3 10,9 3,9

2002 16,6 1,0 10,5 5,1

2003 20,2 1,0 10,9 8,3

2004 22,1 0,5 11,8 9,7

2005 23,4 0,7 11,1 11,5

2006 26,0 0,6 12,9 12,5

2007* 28,5 1,2 14,3 13,0

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

Tabela 8. Bancos públicos – Saldos devedores rurais

médios anuais segundo a fonte do recurso, 1995–2007.

(Em R$ bilhões de maio 2007, deflator: IPCA).

Fonte de recursos

Ano TotalLivres

Obriga- Repas-tórios sados

1995 36,3 7,9 16,2 12,3

1996 31,8 5,2 15,7 10,9

1997 27,6 3,3 12,5 11,9

1998 30,0 1,9 13,4 14,6

1999 33,7 3,0 15,3 15,4

2000 35,9 2,6 16,9 16,4

2001 35,6 2,5 16,6 16,5

2002 37,9 2,4 18,9 16,7

2003 42,0 2,2 22,2 17,6

2004 46,6 2,5 25,0 19,1

2005 51,1 2,9 26,1 22,0

2006 55,5 3,2 28,0 24,3

2007* 58,8 2,6 30,5 25,8

* Dados até maio de 2007.Fonte: Dados internos do Banco Central, elaborados pelo Ipea.

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10Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

crescimento foi de mais de 100 %, ultrapassando,em termos percentuais, os recursos obrigatórios.

Cabe notar, ainda, que, segundo informa-ções obtidas no Banco Central, a importânciadesses recursos repassados está subestimada nessastabelas, uma vez que elas só incluem os recursosdo FAT (geridos pelo BNDES) e os do FundoConstitucional do Centro Oeste (administradospelo Banco do Brasil), não estão inclusas asaplicações rurais do Banco do Nordeste e doBanco da Amazônia com recursos dos FundosConstitucionais do Nordeste e da Amazônia,respectivamente.6

As ameaças de greve em 1980,as mudanças no crédito deinvestimento em 1990 e os estímulosà mecanização agrícola

Esses recursos repassados são originados doFundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que, porsua vez, foi criado pela Constituição de 1988,pela vinculação do PIS/Pasep. Contudo, a Consti-tuição de 1988 destinou ao BNDES 40 % desseFundo, sendo essa a principal fonte dos recursosrepassados no Sistema de Crédito Rural.

Para se ter uma idéia do volume de recursosgerados por essa vinculação do PIS/Pasep ao FAT,basta mencionar que o volume total arrecadadopelo PIS/Pasep, no período 1995–2005, foi deR$ 201 bilhões, com repasse devido ao BNDESdo montante de R$ 61 bilhões, e isso conside-rando a desvinculação parcial do PIS/Pasep, pormeio da Desvinculação de Recursos da União(DRU), uma das medidas adotadas pelo PlanoReal.7 Caso não tivesse havido essa desvinculaçãoparcial, o montante transferido para o BNDESteria sido de aproximadamente R$ 80 bilhões.Vale a pena observar, ainda, que até 1994 não

havia essa desvinculação parcial e as transferên-cias anuais para o BNDES eram maiores ainda.

No que tange aos fundos regionais (outrafonte de recursos aplicáveis em investimentoagrícola, criada pela Constituição de 1988), trata-se da vinculação de 3 % do Imposto sobreProduto Industrializado (IPI) e do Imposto deRenda (IR), que são distribuídos entre o Centro-Oeste, o Nordeste e a Amazônia, com maior pesopara as duas últimas regiões.

Não se pode subestimar a importância querepresentou para o setor agrícola essa maiordisponibilidade de recursos de investimento, emfranco contraste com o período anterior,encerrado na década de 1980. Como se sabe,até esse período anterior, o Tesouro Nacional eraa principal fonte de recursos para crédito deinvestimento agrícola, e a crise fiscal que eclodiuna década de 1980 e no início da de 1990 fezcom que essa concessão de crédito para aaquisição de máquinas e equipamentos agrícolassofresse uma descontinuidade abrupta e setornasse muito errática. Em conseqüência disso,entrou também em crise a indústria cuja insta-lação no Brasil tinha sido estimulada no contextodo modelo de industrialização via substituiçãode importações. Essa indústria teve de se voltarpara as exportações para amortecer a crise pelaqal teve de passar.

É interessante notar que essa instabilidadedo lado da oferta de fundos para a compra demáquinas e equipamentos agrícolas, junto como conseqüente envelhecimento da frota, levaramFerreira Filho e Costa (1999) a proporem a hipótesede que a adoção de plantio direto na agriculturabrasileira foi muito estimulada, na década de1980, por essa redução da frota e da potênciamédia das máquinas, fruto dessa restrição aocrédito.8

6 Note-se, ainda, que acrescentamos aos dados originais do Banco Central, a partir de agosto de 2001, montantes estimados como equivalentes às transferências,para o Tesouro, de “dívidas podres” então existentes nos bancos públicos. Essas transferências se deveram à Medida Provisória nº 2.196-3, de24/08/2001, que procurava atender aos requisitos do Acordo de Basiléia. Portanto, a partir dessa data, esses dados não incluem todas as variações quepodem ter ocorrido nessa parcela da dívida rural que foi transferida para o Tesouro.

7 Todas essas informações sobre os valores arrecadados pelo PIS/Pasep e os repasses para o BNDES foram obtidas em Taffner (2006).8 É verdade que, como apontado aos autores por Eliseu Alves, em comentário a este artigo, o plantio direto também poupa terra, não se podendo dizer que

seja uma técnica apenas poupadora de capital. Contudo, é mais provável que, na década de 1980, a necessidade de se reduzir o uso de máquinas eequipamentos agrícolas tivesse sido muito maior do que a de reduzir a quantidade de terra, e, assim, que o principal móvel da inovação representadapelo plantio direto tivesse vindo do lado do capital mesmo, como proposto por Ferreira Filho e Costa (1999).

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11 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Essa maior restrição à mecanização agrícolacontribuiu, também, para a eclosão de váriasgreves de trabalhadores rurais, o que tornou claropara os setores agrícolas mais atingidos (como ocafé, a laranja e a cana-de-açúcar), que estavamperante uma situação de muito risco, pois asgreves eclodiam exatamente na época da colheita.

Em face desse contexto, para fins de verifi-cação empírica, parece razoável admitir, quetenha havido muitas iniciativas no Brasil nessaépoca, tanto no Setor Privado como no SetorPúblico, visando à invenção de novas colheitadei-ras mecânicas, especialmente para a cana-de-açúcar e o café. Isso seria nada mais do que umoutro exemplo da atuação do mecanismo de“inovação induzida” proposto por Hayami eRuttan.9

Já na década de 1980, esse forte incentivoà geração de tecnologias “mecânicas” maiseficientes no Brasil se conjugou, na década de1990, com um mecanismo estável de financia-mento da compra de máquinas e de equipamentosagrícolas. Graças à retomada do crédito deinvestimento, teria havido não só a adoçãomassiva da tecnologia possivelmente criada nadécada anterior, como deve ter estimulado ageração e a adoção de novos modelos de máqui-nas e de equipamentos.10

Note-se que, no Brasil, o crédito de investi-mento em máquinas e equipamentos agrícolastem uma importância estratégica para o desenvol-vimento de nossa agricultura porque nossalegislação trabalhista agrícola, como apontado emRezende e Kreter (2007) e ainda será maisdiscutido neste trabalho, inviabiliza por completoa formação de um mercado de aluguel demáquinas e equipamentos agrícolas. Isso faz comque o agricultor, para adotar a técnica mecani-zada, tenha de adquirir as máquinas – e aí se

enredar no endividamento. É por isso que aadoção da técnica “mecânica” no Brasil tem umrequisito de expansão do crédito agrícola deinvestimento que, em outros países, não tem.

Note-se, também, que o setor agrícolabeneficiou-se do crescimento dos financiamentosdo BNDES para a “agroindústria”, agora comrecursos próprios do Banco. Assim, ao mesmotempo em que, graças ao FAT, cresciam osrecursos disponíveis para a venda financiada demáquinas e equipamentos agrícolas aos agricul-tores, o BNDES financiava, também, a expansãoda indústria de máquinas e equipamentos agrícolas(além de outros setores da agroindústria, natural-mente). Por exemplo, conforme mostrado emRezende (2003, p. 212-214), o BNDES emprestouà agroindústria nada menos do que R$ 18,5 bilhõesno período 1995–2002.11 Obviamente, uma coisapuxou a outra, ou seja, a viabilização do mercadointerno dessas máquinas e equipamentos agrícolaspermitiu a instalação dessas indústrias no Brasil,com aumento da demanda por financiamento doBNDES. Foi também a formação do mercadointerno para essas máquinas e equipamentosagrícolas, amparado nesse novo sistema de finan-ciamento, que fez com que essas indústrias setornassem exportadoras, com a vantagem que issosignifica em fase de crises do mercado interno.

O risco agrícola, seu agravamentoe a capacidade de enfrentamento

Assim, enquanto se expandiam as fontesde recursos de investimento e as conseqüentespossibilidades de endividamento adicional delongo prazo por parte da agricultura, expandiam-se, também, as fontes de variabilidade da rendaagrícola, sobretudo em razão da instituição, apartir de 1999, de novo regime cambial. Esseaumento do endividamento de longo prazo – e

9 Outra inovação que teria surgido, também nessa época, foi o “café adensado”, que reduz a incidência de ervas daninhas e com isso reduz a demanda demão-de-obra. Essa inovação foi apontada a um dos autores por Manoel Antonio Soares da Cunha, ex-coordenador-geral do Censo Agropecuário. SegundoManoel Antonio, ao poder poupar mão-de-obra, o setor cafeeiro conseguia tornar menos dramática a restrição do uso de tratores e máquinas agrícolas queele vinha enfrentando.

10 Sobre esse papel das greves estimulando a adoção da técnica mecanizada na agricultura brasileira, ver Ricci et al. (1994, p. 108) e Moraes e Pessini (2004,p. 49 e 58). Ver também Graziano da Silva (1997), que descreve de maneira detalhada como os sindicatos tinham intensificado sua atuação junto aos“bóias-frias” ao longo da década de 1980. Com a mecanização da colheita, essa atuação simplesmente perdeu toda a força que teve antes.

11 Para uma análise mais ampla da forte expansão do BNDES no financiamento da agropecuária e da agroindústria na década de 1990, ver Rezende (2003,cap. 6). Ver também Faveret et al. (2000).

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12Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

o aumento da dotação de capital físico naagricultura dele decorrente – tornaram o setoragrícola menos capaz de fazer face a essas crises,já que, como se argumentou no início destetrabalho, a elasticidade/preço da oferta agrícolaagregada caiu, dilatando-se no tempo o períodode ajuste a uma eventual queda da demanda.Contribuiu para isso, também, a pressão pelocumprimento das obrigações financeiras de longoprazo, tanto as provenientes das várias renegocia-ções anteriores como as decorrentes do novoendividamento, surgido a partir do final da décadade 1990.

Uma evidência interessante da forte instabi-lidade da renda agrícola no Brasil, sobretudo emcomparação com a renda industrial, é apresen-tada não Fig. 1.12 Ela mostra que o crescimentodo PIB agrícola tem sido muito mais instável doque o crescimento do PIB industrial.

Nessa figura, o que mais chama a atençãoé a “bolha” de crescimento do PIB agrícola a partirde 2001, e que se estendeu até o início de 2004,a partir de quando esse PIB agrícola simplesmentecaiu. Na fase de crescimento rápido, a elevaçãodos preços agrícolas foi acompanhada decrescimento do produto agrícola, enquanto nafase de derrocada, a redução dos preços dos

produtos agrícolas (acompanhada como foi dealta dos preços do petróleo e dos preços dosinsumos agrícolas derivados do petróleo) foiacompanhada de quebras de safra.

Como se sabe, em ambas as fases, o com-portamento da taxa de câmbio foi fundamental.Assim, uma mudança na política macroeconô-mica (adoção do regime de taxa de câmbioflutuante) que se esperava fosse favorecer o setoragrícola (já que se acreditava piamente, entre oseconomistas agrícolas, que a mudança do regimecambial anterior levaria uma desvalorizaçãocambial permanente), acabou sendo muito ruimpara o setor agrícola. Aqui, a agricultura brasileirapassou, mais do que em qualquer outra fase desua história, a ter de enfrentar riscos simultâneosde preços (de produtos e de insumos) e dequantidades (produtividade). Antes da aberturada economia e da mudança do regime cambial,eventos negativos de um tipo tendiam a ser com-pensados por eventos positivos de outro tipo; ouseja, quando havia quebras de safra, os preçosdos produtos agrícolas aumentavam compensato-riamente.

A Tabela 9 contém informações maisdetalhadas e que mostram a grande flutuação queocorreu, entre os períodos agrícolas 1995–1996e 2005–2006, nos preços, na quantidade produ-zida e no valor da produção de produtos agrícolasselecionados, e que deixam ver a alternância deboom e de derrocada que marcou a evoluçãoagrícola na década de 2000. Por sua vez, aTabela 10 mostra a evolução dos preços dosinsumos, que também acompanharam a alta dospreços agrícolas nos primeiros anos da décadade 2000.13

É interessante notar que esse risco associadoao setor agrícola só poderá aumentar, nessa novafase de expansão em direção aos biocombus-tíveis. No caso da cana-de-açúcar, a necessidade

12Note-se que o deflator usado neste trabalho para o PIB agrícola, assim como para as séries de saldos devedores agrícolas, é sempre o IPCA. O uso de umdeflator muito influenciado pelos próprios preços agrícolas e até mesmo pelos preços dos insumos agrícolas, como o IPA ou o IGP, acabaria por gerarmais um índice de quantum do que de renda; para medir esta última, é necessário levar em conta os ganhos ou perdas setoriais ligados às variações dospreços dos produtos e dos insumos agrícolas, e isso só se consegue com um deflator como o IPCA.

13Para uma análise ainda mais detalhada dessa seqüência de boom e de crise que marcaram o desempenho do setor agrícola no período sob análise, vejaPessoa (2007).

Fig. 1. Evolução do PIB agrícola e do PIB industrial(1999–2007).Fonte: IBGE – Elaboração Dimac/Ipea.

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13 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

de imobilização de capital nas usinas tornará osetor muito mais rígido, ou seja, muito menoscapaz de reagir a eventos inesperados; nisso, essesetor sucroalcooleiro distingue-se radicalmentedo setor de grãos que, não fosse por sua elevadaimobilização de capital na forma de máquinas eequipamentos e seu alto endividamento de longoprazo, poderia ajustar-se rapidamente a uma crisereduzindo a produção de grãos, realocando osrecursos para outras atividades, como a pecuáriabovina.

O “entorpecimento” dapercepção de risco dentrodo sistema de crédito rural

Toda essa discussão a respeito do maior riscoassociado ao setor agrícola – sobretudo após amudança da política cambial e ainda mais na faseatual da expansão dos biocombustíveis – levanta aseguinte questão: como conseguir que o setoragrícola conviva com essa maior instabilidade, semter de enfrentar crises financeiras recorrentes, afinalfontes de pressão de gastos sobre o Tesouro Nacio-nal, como tem acontecido até aqui?

Antes de mais nada, cabe apontar que essascrises financeiras intermitentes, em parte, decor-T

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Tabela 10. Índices de preços de insumos no âmbitodo produtor (deflator: IPCA).

Ano Combus- Fertili- Defen- Ser-agrícola* tíveis zantes sivos viços

1995–1996 48 68 68 791996–1997 45 70 66 741997–1998 47 66 67 731998–1999 47 65 69 731999–2000 62 81 86 752000–2001 68 78 86 742001–2002 77 83 88 772002–2003 95 95 100 872003–2004 100 100 100 1002004–2005 103 109 100 1022005–2006** 110 92 92 100

* Índice de preços médios relativo aos meses de plantio do respectivo ano.safra, em R$ de abril de 2006.

** Até abril de 2006.Fonte: FGV. Elaboração: Ipea/Dimac (Rezende; Silva, 2006).

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rem da capacidade de a agricultura se endividarusando fundos públicos – como os recursos doFAT e dos fundos regionais e mesmo de recursospróprios do BNDES. A razão é simples: em facedo poderio político ostentado pelo setor agrícola,não há razão para que um agricultor qualquer sepreocupe com riscos, ou seja, não há por que seesperar que o setor agrícola vá levar em conta,em suas decisões de investimento e de endivida-mento, a possibilidade de ocorrência de eventosadversos. Esses eventos adversos passam, então,a ser subestimados sistematicamente. Isso, que éum “fenômeno” corriqueiro em Economia,conhecido como “risco moral”, se deve à certeza,inclusive por parte dos bancos, de que cadaagricultor e, assim, o setor agrícola como umtodo, contará com os benefícios de uma renego-ciação de dívida, no caso de ocorrência de eventosdesfavoráveis. Assim, dá-se um “entorpecimento”da percepção de risco na agricultura, passando apredominar apenas expectativas otimistas. Note-se que a própria OCDE (2005, p. 12) chegou àmesma conclusão acima, ao afirmar que ossucessivos reescalonamentos criaram um riscomoral e levaram ao não-pagamento das obrigações,que provavelmente continuará em antecipaçãode novas concessões. Isso pode impedir novosempréstimos e como o reescalonamento da dívidaenvolve apoio orçamentário, pode tambémimpedir gastos públicos mais produtivos (comoo desenvolvimento de infra-estruturas).

Note-se que essa hipótese de “entorpeci-mento” implica que o problema da recorrênciade crises financeiras agrícolas não é tanto aexistência de risco na agricultura, ou mesmo afalta de medidas destinadas a reduzir as fontesdesse risco – como o incentivo ao seguro contraadversidades climáticas ou a maior adoção dehedging , mas simplesmente o fato de que o riscoagrícola simplesmente não é objeto de preocu-pação por parte dos agricultores, em face deexpectativas de que as conseqüências de eventosadversos serão contornadas graças à intervençãodo governo. Assim, o problema consiste nessasexpectativas de que eventos adversos não trarãoconseqüências negativas para as partesenvolvidas – como, por exemplo, perda de terra

dos agricultores dada em garantia aos emprésti-mos –, simplesmente porque o governo intervéme não deixa que isso ocorra.

Dias (2007) aponta ainda um aspectoparticular do atual sistema de crédito agrícola quecontribui adicionalmente nessa direção. Trata-sedo fato de que os produtores rurais, “como pessoasfísicas, não precisam revelar aos agentes financeiroso quadro geral de seu endividamento patrimoniale de sua capacidade de pagamento (cada contratorealiza suas próprias garantias), induzindo umcomportamento temerário dos grandes produ-tores”.

É interessante notar que a admissão de“bancos das montadoras” no Sistema BNDES,com as fábricas de tratores e máquinas agrícolastornando-se capazes de financiar as vendas deseus próprios produtos com os recursos prove-nientes do FAT, contribui também para esse“entorpecimento” geral do risco agrícola. Comefeito, antes de mais nada, basta que uma únicamontadora ingresse no Sistema BNDES, para quetodas as demais se vejam compelidas a seguir seuexemplo, por motivos óbvios. Por sua vez, comoem contraste com um banco qualquer, o bancoda montadora acopla uma operação de crédito auma operação de venda – essa última operaçãosendo seu objetivo principal, e que, inclusive,lhe dá uma grande vantagem em relação aosdemais bancos, de não-montadoras, é natural queesse tipo de banco tenda a subestimar o risco daoperação.

Deve-se notar, a este respeito, que, emborano papel, é da montadora o risco perante o BNDES(que, por sua vez, é o responsável perante o FAT).Na prática, toda montadora sabe que o risco maisrelevante, que é o sistêmico – quando a totalidadedos agricultores se torna inadimplente, comoaconteceu na crise agrícola recente –, acabará nãosendo acionado, até mesmo porque, se cadamontadora fosse assumir a dívida de todos osagricultores que ela financiou, ela iria à falênciae, naturalmente, tentaria pressionar os agricultoresque são os devedores em última instância. Alémdo mais, como apontou Pessoa (2007), o valor dasgarantias oferecidas a esses bancos, que

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consistem das próprias máquinas, ter-se-ia desva-lorizado e, portanto, eles acabariam tendo umgrande prejuízo.

Em face dessas considerações, não é à toaque, conforme mostraram Faveret Filho e Thibau(2002), esses “bancos das montadoras” passarama predominar na concessão desses empréstimos,já em 2001.

Note-se que as próprias aplicações nocrédito rural com base nas exigibilidades sobredepósitos à vista podem ser marcadas por esse“entorpecimento” da percepção de risco na agri-cultura, tanto por parte dos agricultores quantodos próprios bancos. A razão é que, como osbancos são obrigados a direcionar suas aplicaçõespara o setor agrícola, eles podem se sentir nodireito de recorrer ao governo, também visandoa renegociação da dívida agrícola, em épocas decrise.

Sugestões de reforma doatual sistema de crédito agrícola

Uma vez detectada a existência do proble-ma de subestimativa sistemática do risco naagricultura no sistema de crédito agrícola – tantopor parte dos agricultores como dos bancos –,problema esse que, em última análise, é o respon-sável pelas recorrentes crises de endividamento,cabe, então, propor medidas que pelo menosreduzam sua incidência.

Em primeiro lugar, contribuiria para melhoravaliação de risco a inclusão, como solidárias nadívida juntamente com os agricultores, dasindústrias de máquinas e equipamentos agrícolas,de maneira a ser ainda melhor estudada. Esseobjetivo implicaria a exclusão imediata dosbancos das montadoras do Sistema BNDES, jáque, no sistema atual, esses bancos têm razõesespecialmente fortes para subestimar o riscoagrícola.14

Em segundo lugar, é necessário introduzirum sistema de juros e amortizações flutuantes,com redução das taxas de juros e das amortiza-ções em fases de queda da renda agrícola eaumento das taxas de juros e das amortizaçõesem fases de bonança agrícola. Por exemplo, naatual conjuntura de elevação dos preçosagrícolas, o montante das amortizações e o valorda própria taxa de juros deveriam ser elevados,para que possam ser reduzidos em fases de quedada renda agrícola. A esse respeito, cabe aprendercom a experiência da Austrália, onde um sistemadesse tipo já opera há muito tempo.15

Em terceiro e último lugar, é necessárioviabilizar o acesso mais livre por parte do setoragrícola ao mercado financeiro privado e aomercado de capitais. Afinal de contas, entre operíodo em que a atual política de crédito agrícolafoi instituída (segunda metade da década de 1960)e a atualidade, muita coisa mudou na economiabrasileira e na própria agricultura, e já é tempode se substituir o atual sistema de crédito agrícola“direcionado” por um sistema mais livre.Contudo, esse é um objetivo ambicioso, em facedas reconhecidas dificuldades de fornecimentode garantias por parte da agricultura. Aliás, aprópria existência do sistema atual que, aomesmo tempo em que impõe aos bancos aobrigatoriedade de emprestar à agricultura, criauma fonte inesgotável de recursos, como os doFAT, desestimula que o setor agrícola se tornemais equipado (leia-se: mais capaz de oferecergarantias adequadas a servirem de colateral nosempréstimos agrícolas) para um relacionamentomais livre com o mercado financeiro.

Note-se que seria especialmenteinteressante que o setor agrícola conseguissepassar a captar recursos no mercado acionário –o que, por sinal, vem acontecendo de formamuito mais intensa nos últimos anos no Brasil, jáque são esses recursos, e não os que implicam

14 A esse respeito, é interessante notar que, em seminário no Ipea/Brasília, apresentado pelos autores, Benedito Rosa do Espírito Santo, ex-secretário dePolítica Agrícola do Ministério da Agricultura, informou que se tentou, de fato, quando da criação do Moderfrota, incluir uma cláusula como a propostaacima, mas a reação contrária foi muito forte.

15 Pessoa (2007) propôs, também, em detalhes, um fundo, “que contasse, na sua capitalização, com recursos do governo e dos próprios produtores. Sendoque estes últimos, nos períodos de maior rentabilidade, ampliariam suas contribuições, e nos períodos adversos, as dívidas seriam reduzidas.” Note-seque a falta de adoção de um mecanismo como esse, na renegociação das dívidas agrícolas passadas, foi criticada em Rezende (2003, p. 220-221).

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endividamento, os mais adequados para um setorde elevado risco, como o setor agrícola.

A chave para entender por que o setoragrícola, mesmo sendo um setor de elevado riscopossa ser atraente para aplicações de fundos depensões, se deve ao fato de que o risco agrícolaé de curto prazo, enquanto os fundos se interes-sam em performances de longo prazo, e a longoprazo as perspectivas da agricultura brasileira sãomuito atraentes.

Observa-se que esse maior acesso do setoragrícola ao mercado financeiro e ao mercado decapitais deveria incluir os pequenos agricultores,que hoje são virtualmente impedidos de teremacesso ao mercado financeiro privado pelaprópria Constituição de 1988. Essa exclusão dospequenos agricultores desse mercado financeiroprivado se deve à restrição que impõe à penhorada terra de propriedade dos pequenosagricultores. Não é por outra razão que essesagricultores, hoje, são totalmente dependentes docrédito oficial, como o Programa Nacional deAgricultura Familiar (Pronaf), de elevados custospara o Tesouro Nacional e que é um tipo decrédito que não estimula a eficiência, especial-mente no caso dos assentados da reforma agrária.Aliás, no caso dos assentados da reforma agrária,a situação de acesso ao crédito privado é aindamais grave, já que os assentados estão impedidosde adquirirem o título de propriedade das terrasque ocupam, o que é a mesma coisa que torná-los eternamente dependentes do governo.

Fundos públicos e os problemasda concessão de empréstimosde longo prazo

Cabe fazer referência, ainda, a outrasquestões que têm atraído a atenção de outrosautores, a respeito do atual sistema de financia-mento público que se utiliza de receita de

impostos, como é o caso do PIS/Pasep e do fundoque lhe corresponde, o FAT.

Conforme apontado por Arida (2005),caberia mencionar, em primeiro lugar, umaquestão de governança, uma vez que esses fundossão administrados por conselhos curadorestripartites, compostos por representantes dostrabalhadores, dos empregadores e do governo.Assim, embora se tratando de fundosprovenientes de impostos, aliás, péssimos doponto de vista dos princípios teóricos detributação, já que são cumulativos, as aplicaçõesdesses recursos não são definidas num processopolítico mais amplo, o que envolveria, natural-mente, a participação do Congresso via inclusãodesses fundos e de sua utilização dentro doprocesso orçamentário público. Com isso, asatuais decisões de aplicação desses recursosacabam passando por cima de outras necessida-des públicas, provavelmente muito maisrelevantes até mesmo do ponto de vista daagricultura, como seria o caso de investimentosem logística agrícola, por exemplo.16

Uma segunda questão entre as levantadaspor Arida (2005), e que é objeto de uma amplaliteratura, consiste do problema de “precificação”,representado pela cobrança, no Sistema BNDES,de uma taxa de juros a Taxa de Juros de LongoPrazo (TJLP) inferior à taxa Sistema Especial deLiquidação e de Custódia (Selic) que o governopaga para “rolar” a dívida própria. Uma vez quea Selic é de curto prazo e a TJLP de longo prazo,esse problema de “precificação” se tornaria aindamais grave, segundo Arida. Além do mais, comono caso específico do crédito de investimentoagrícola, freqüentemente o governo temconcedido redução do valor da dívida eprorrogações do prazo de pagamento.

Na realidade, seria o caso de essa políticade crédito rural, por envolver fundos públicoscom a concessão de pesados subsídios, ser objetode uma análise mais abrangente, do tipo de

16Note-se que esse âmbito mais restrito de tomada de decisão, sem passar pelo Congresso, deve ter facilitado a canalização de recursos para o financiamentoda mecanização agrícola. Não deixa de ser contraditório, como apontado por José Sidnei Gonçalves, do Instituto de Estudos Avançados (IEA), na palestrados atuais autores no Painel de Política Agrícola, no último Congresso da Sober, ocorrido em Londrina, PR, que um Fundo originalmente criado para gerarrecursos mais estáveis para a política de seguro-desemprego acabe sendo usado para financiar uma política que não contribui, muito pelo contrário, paraa geração de emprego da mão-de-obra mais pobre, que é a mão-de-obra abundante no Brasil.

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análise de custo/benefício social. Infelizmente,esse tipo de análise, que no passado já esteveem grande voga no Brasil,17 atualmente deixoude ser adotada, não obstante sua importância.Essas e outras questões envolvendo o uso defundos públicos derivados de impostos (como oPIS/Pasep, o FGTS e as parcelas do IR e do IPI,que formam os fundos regionais) foram objetode vários artigos recém-publicados em Pinheiroe Oliveira Filho (2007), e que são extremamenterelevantes para o debate sobre a atual política decrédito rural, muito dependente que ela tem sidodesses fundos públicos, sobretudo no que serefere ao investimento agrícola. Em particular,cabe mencionar o artigo de Giambiagi (2007), emque o autor faz uma análise quantitativa detalhadados impactos, tanto sobre o Tesouro quanto sobreo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômi-co e Social (BNDES), de uma estratégia de“desembraque” do BNDES em relação ao Fundode Assistência ao Trabalhador (FAT), ou seja, dediminuição da importância desse imposto nasatividades de empréstimo desse banco, que entãopassariam a ser financiadas por outros recursos –como os captados no mercado interno e extreno,deixando assim de depender de fontes que, narealidade, provêem do Tesouro Nacional, já quese trata de impostos – como é o caso do PIS/Pasepe das parcelas do Imposto de Renda e do IPI, quesão canalizadas para os fundos constitucionais.

Política trabalhista agrícola e suasconseqüências pelos atuais problemasdo sistema de crédito agrícola

Contudo, é necessário levar em conta quea reforma do atual sistema de crédito agrícola,proposta aqui, elevará o custo da aquisição

financiada dos bens de capital na agricultura, jáque, de uma forma ou outra, a taxa de juros doempréstimo deverá subir. Entretanto, tendo emvista o papel adverso que a atual política trabalhistaagrícola exerce atualmente, elevando o custo damão-de-obra para o empregador e induzindo àadoção da técnica mecanizada, cabe perguntarquais seriam as conseqüências de se elevar ocusto do financiamento agrícola, mantendo-se,essa política trabalhista agrícola e todas asmazelas que decorrem dela.18

Antes de mais nada, cabe notar que, de fato,a adoção da técnica intensiva em capital naagricultura não necessariamente requer umaimobilização de capital pelo agricultor – nãoimplicando necessariamente os problemas finan-ceiros aqui discutidos. Isso se deve à possibili-dade, muito freqüente em todo o mundo (comdestaque para nossa vizinha Argentina),19 de oagricultor se valer do mercado de aluguel demáquinas. No Brasil, essa possibilidade não existe,devido, exatamente, à nossa legislação trabalhistaagrícola.20 Assim, pode-se dizer que essa legislaçãotrabalhista agrícola é também responsável pelosproblemas financeiros que têm atingido a agricul-tura.

Note-se que essa necessidade de aquisiçãodas máquinas, já que não existe um mercado dealuguel de máquinas, acaba fazendo com que amecanização fique restrita aos grandes produtores,uma vez que os pequenos produtores não têmacesso ao crédito necessário. Por não poderemadotar a técnica mecanizada, os pequenos produ-tores acabam sendo muito mais afetados,negativamente, pela atual legislação trabalhistaagrícola, como argumentado em Rezende eKreter (2007).

17 No Brasil, o trabalho pioneiro de análise custo/benefício social no e que marcou época, foi o coordenado por Edmar Lisboa Bacha (BACHA et al., 1972),um dos primeiros projetos de pesquisa realizados no Ipea. É de se lamentar que esse tipo de preocupação tenha perdido muito de seu interesse, desdeentão.

18 Esse efeito de nossa política trabalhista agrícola, de desestimular a absorção de mão-de-obra na agricultura e estimular a mecanização, tornou-se maisdramático ainda nos últimos anos, com a intensificação da ação fiscalizatória do governo e as acusações de uso de “trabalho escravo” por parte dosagricultores. Isso é discutido em Rezende e Kreter (2007).

19 Cabe, novamente, citar Benedito Rosa do Espírito Santo que, também no seminário apresentado pelos autores no Ipea/Brasília, deu essa informação sobrea existência, na agricultura argentina, de um sistema bem eficaz de prestação de serviços (as nossas “empreitadas”), inclusive por meio de um mercadobem eficiente de aluguel de máquinas e equipamentos agrícolas. Esse mercado de aluguel de máquinas opera ao longo de todo o ano, do plantio àcolheita.

20 Isso é explicado em Rezende e Kreter (2007). A razão se deve ao fato de que a mão-de-obra requerida (inclusive a do próprio tratorista) não pode sercontratada pelo proprietário das máquinas, mas apenas pelo agricultor.

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É o caso, então, de se perguntar: dever-se-ia promover a reforma do crédito rural, deixandointacta a atual política trabalhista agrícola?

Naturalmente, a resposta, é não, podendo-se afirmar que uma reforma limitada à políticade crédito agrícola geraria uma crise de gravesproporções na agricultura, fazendo-nos voltar àdécada de 1980, com todas as mazelas jáapontadas aqui. Em face disso, a proposta aquidefendida, de reforma do sistema de créditoagrícola no Brasil, deve vir acompanhada de umareforma da política trabalhista agrícola, comoproposto em Rezende e Kreter (2007).

Note-se que não é apenas a políticatrabalhista agrícola que deveria ser reformada, seo governo quiser adotar uma política econômicacondizente com uma maior absorção de mão-de-obra pelo setor agrícola, sobretudo a mão-de-obra que, ao não conseguir emprego na agricul-tura, acaba migrando para as cidades, contribuindo,assim, para o aumento da pobreza urbana. Defato, como se apontou em Rezende (2006), nossapolítica fundiária também deveria ser reformada,de maneira a eliminar os vieses contrários aoarrendamento e à parceria contidos nessa legisla-ção – especialemente quando pequenos produtoressão envolvidos –, e que se estendem à atuaçãodo Judiciário, em seu afã de fazer “justiça social”.

Finalmente, é interessante notar que, aocontrário do que comumente se pensa, não éporque a agricultura depende de uma oferta demão-de-obra sazonal que ela tem de se mecanizar.De fato, esse mercado de trabalho sazonalapresenta muitos problemas, mas no Brasil elessão ampliados pela política trabalhista agrícola,devido a ilegalidade de atuação do “empreiteiroagrícola”. Aliás, o nome de “gato”, que se costumadar a esse personagem tão importante do mercadode trabalho agrícola brasileiro, já é expressivodessa estratégia sistemática de se inviabilizar a

atividade econômica desse agente. Se esse em-preiteiro agrícola tivesse sua atividade legalizada– especialmente no que tange ao seu direito àcontratação direta de mão-de-obra, o que hojelhe é proibido, então isso poderia neutralizar, pelomenos parcialmente, os problemas que asazonalidade da atividade agrícola cria para aoperação do mercado de trabalho agrícola.

O problema é que, ao inviabilizar a ativi-dade econômica desse agente, inviabiliza-se,também, o mercado de trabalho sazonal agrícola,o que impede que a agricultura possa contribuirpara a redução da pobreza no Brasil. Na reali-dade, o ataque jurídico e ideológico ao “emprei-teiro” faz parte da crença muito generalizada noBrasil de que uma maior absorção de mão-de-obra pela agricultura deve vir apenas por meioda reforma agrária e do desenvolvimento daagricultura familiar, e não pelo mercado de trabalhoagrícola. A razão seria que uma estratégia, comoa defendida neste artigo, de viabilização domercado de trabalho agrícola, levaria aofortalecimento do latifúndio, uma realidadehistórica que se acredita reinar ainda hoje e que,por isso, teria de ser combatida a todo o custo.21

Conclusão

Este trabalho procurou contribuir para aanálise do problema recorrente das crisesfinanceiras agrícolas no Brasil. Com esse objetivo,apresentou-se, inicialmente, uma análise daevolução do endividamento agrícola desde 1995,tendo-se concluído que ocorreu, no período maisrecente, um forte crescimento do endividamentode longo prazo, decorrente de empréstimos paraa compra de máquinas e equipamentos agrícolas.Como esse novo endividamento se somou aoendividamento de longo prazo preexistentes,vinculado às renegociações iniciadas em 1995,a conseqüência é que a agricultura tornou-se

21Essa crença na existência, ainda hoje, do velho latifúndio, manifestou-se na reação, até mesmo raivosa, de alguns de nossos principais economistas esociólogos rurais à análise que Xico Graziano apresentou no Congresso da Sober, occorrido em Juiz de Fora, MG. Segundo Xico, no Brasil, não existiriamais esse velho latifúndio e nisso, Xico, talvez sem o saber, fazia, então, a mesma crítica que o saudoso Ignácio Rangel, em seu tempo, e conformeconversas pessoais com o autor sênior do presente artigo, fazia aos que, em sua época, achavam que o latifúndio ainda existia no Brasil. Para Rangel, oproblema era que os que acreditavam na existência, ainda, no Brasil do final do século 20, do velho latifúndio, cometiam o erro de focalizar só o que nãomudava (a área física do “latifúndio”), deixando de ver o que mudava o interior das propriedades agrícolas, que tinha passado por uma verdadeirarevolução, fazendo com que a grande propriedade não tivesse mais nada que ver com o velho latifúndio.

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excessivamente detentora de dívidas de longoprazo, o que cria uma série de problemas, comoapontado neste artigo.

De fato, ao se conjugar com um excessivoendividamento de longo prazo, a instabilidadede renda agrícola acaba tornando-se um proble-ma muito mais grave pelas seguintes razões.

Em primeiro lugar, porque, ao elevar suadotação de capital físico, o setor agrícola tornamaior a importância relativa do custo fixo unitáriono custo unitário total, reduzindo-se a elastici-dade/preço de oferta agrícola agregada de curtoprazo. Isso dilata o período de queda de preçosagrícolas iniciado por uma eventual crise dedemanda.

Em segundo lugar, a pressão dos próprioscompromissos financeiros de longo prazo forçamo agricultor a continuar produzindo, gerando omesmo efeito de dilatar, no tempo, a duração deuma eventual crise de demanda.

Este trabalho procurou ressaltar, também,a responsabilidade de nossa política trabalhistaagrícola pelas mazelas de nosso sistema finan-ceiro agrícola. Isso implica que a reforma propostada política de crédito agrícola requer, simultanea-mente, a reforma de nossa política trabalhistaagrícola, um tema que é mais discutido em Rezendee Kreter (2007). Na falta de inclusão dessa políticatrabalhista, a reforma da política de créditoagrícola levará, em médio e em longo prazo, auma perda de dinamismo da agricultura, comconseqüências graves para a economia como umtodo.

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21 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Massificação

das operações

do seguro rural

O grande desafio brasileiro

Welington Soares de Almeida1

Resumo: o objetivo deste artigo é discutir o desenvolvimento do seguro rural brasileiro comoinstrumento de mitigação do risco na agropecuária. No Brasil, o seguro rural existe desde 1950, masainda é pouco utilizado. Além disso, os valores envolvidos são inexpressivos em relação à contribuiçãodo PID do agronegócio para a economia do País. Foram muitos os fatores que influenciaram noaprofundamento das barreiras na implantação do seguro rural, como desconhecimento, por parte dasinstituições governamentais, das peculiariedades de cada região produtora; instabilidade dasinstituições governamentais criadas para gerir, difundir e consolidar o seguro rural, no âmbito públicoe privado; ausência de cultura do produtor em contratar seguro; indisponibilidade de recursos; excessode riscos, impossibilitando a oferta de produtos de seguro com prêmios acessíveis e atraentes nosetor privado; entre outros. A análise qualitativa recorre a fatos históricos, fundamenta-se na legislaçãobrasileira especifica e nas diretrizes dos programas de governo para o setor. O processo analíticoresultou na compreensão dos desafios e obstáculos sendo eles, de ordem sociológica (especialmentecultural) e de demanda (ausência de oferta de produtos de seguro em todas as regiões produtoras).Este artigo conclui que a gestão do seguro rural deve ser aperfeiçoada no âmbito governamental,construindo parceria com o Setor Privado, atualizando a legislação, fortalecendo os sistemas deinformação e subsidiando no encaminhamento de políticas, visando atender produtores e agentes dosetor securitário.

Palavras-chave: Seguro rural; Proagro; e Proagro Mais.

Introdução

O seguro rural é um importante instrumentode mitigação de risco na agropecuária em todo omundo e há países, como os Estados Unidos, comaté 70 % de sua produção assegurada. O meca-nismo permite ao produtor proteger-se de perdasdecorrentes de fenômenos climáticos adversos oude doenças, além de, a exemplo dos países onde

ele é mais desenvolvido, garantir uma renda aoprodutor, em caso de sinistro. O seguro ruraltambém exerce papel preponderante na conces-são de crédito ao produtor, na medida em queminimiza a inadimplência deste com a instituiçãofinanceira.

O desenvolvimento satisfatório do segurorural só é possível com a participação efetiva dos

1 Diretor do Departamento de Gestão de Risco Rural do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

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governos, particularmente no tocante à subven-ção ao prêmio e à garantia contra eventos classifi-cados como catastróficos. Há ainda países quetambém subvencionam os custos administrativosdas seguradoras, os quais se encontram acima damaioria das demais modalidades de seguro emrazão do alto custo de acompanhamento dasoperações e regulação de sinistros.

No caso do Brasil, apesar de se tentar odesenvolvimento do seguro rural desde a décadade 1950, essa modalidade de garantia ainda épouco usada e seus valores quase inexpressivosfrente ao potencial que os números superlativosde seu agronegócio oferecem.

Para entender os principais desafios de umsistema de seguro rural eficaz, é importanteconhecer um pouco da história do setor em nossopaís.

Histórico

A Lei nº 2.168/54 (BRASIL, 1955) tentouestruturar o seguro rural no País, estabelecendonormas para o seguro agrário e criando aCompanhia Nacional de Seguro Agrícola (CNSA).Essa companhia, que contava com várias filiaisem todo o Brasil, falhou em seus objetivos, entreoutros motivos, por ofertar produtos sem levarem consideração as peculiaridades de cada regiãoprodutora. Em 1966, acabou sendo dissolvidapelo Decreto-Lei nº 73/66 (BRASIL, 1966), queinstituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados(SNSP).

Assim, 12 anos após a primeira tentativade se organizar a atividade securitária rural noBrasil, o Decreto-Lei n° 73/66 regulamentou asdiversas modalidades de seguro rural e instituiuo Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (Fesr),criado com a finalidade de garantir a estabilidadedas operações de seguro rural e atender à coberturasuplementar dos riscos de catástrofe. O Institutode Resseguros do Brasil (IRB) ficou responsávelpela administração desse fundo.

Para reduzir o custo do prêmio para oprodutor, o citado Decreto-lei garantiu ainda a

isenção tributária de quaisquer impostos outributos federais nas operações de seguro rural.Nessa nova fase, destaca-se a Companhia deSeguros do Estado de São Paulo (Cosesp), empresapública criada em 1969, que atuou durante30 anos no ramo de seguro agrícola, exclusiva-mente no Estado de São Paulo. Em 1999, a Cosespestendeu suas operações de seguro rural paraoutros estados, encerrando suas atividades noramo de seguro agrícola em 2004.

Programa de Garantia daAtividade Agropecuária (Proagro)

Em decorrência da ineficiência do FESR,que não conseguia ampliar a oferta de segurorural para outras Unidades da Federação, alémdo Estado de São Paulo, em 1973 foi criado, pelogoverno federal, o Proagro, instrumento depolítica agrícola destinado a garantir, principal-mente aos pequenos e médios produtores, opagamento do financiamento de custeio agrícolacujas lavouras tinham sido sinistradas por fenô-menos naturais, pragas e doenças. Além disso, oprograma garantia ainda a indenização de recursospróprios usados pelo produtor em seu empreendi-mento, quando ocorreressem perdas por essasrazões.

A partir de 1997, o enquadramento dasoperações de custeio no Proagro passou a sercondicionado à observância do zoneamentoagrícola de risco climático, pacote tecnológicolançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuáriae Abastecimento (Mapa) e que tinha por objetivoauxiliar o produtor rural na gestão de riscosclimáticos de seus empreendimentos agrícolas.

Para atender aos pequenos produtoresvinculados ao Programa Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar (Pronaf), nasoperações de custeio agrícola, em 2004 foi criadoo Proagro Mais. Diferentemente do Proagro, quegarantia o valor do financiamento e dos recursospróprios aplicados no empreendimento, oProagro Mais garantia, também, uma renda deaté R$ 1.800,00.

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Nova fase doseguro rural: subvenção

Por diversos motivos, sobretudo pelaindisponibilidade de seus recursos, o FESR nãoconseguiu dar a estabilidade necessária aodesenvolvimento do mercado securitário rural,de forma que, no período 1966–2005, ascontratações de seguro rural nas modalidadeshoje beneficiárias da subvenção tiveram fracodesempenho, além de se limitarem ao Estado deSão Paulo e à Região Sul do País. No período1995–2005, o setor amargou prejuízos da ordemde R$ 220 milhões. A receita média, que era daordem de R$ 38 milhões anuais, começou adeclinar chegando, em 2005, com pouco maisde R$ 23 milhões de prêmios. Algumas segura-doras deixaram de operar com seguro rural e partedos resseguradores internacionais encerraram suasoperações no País.

O Fundo de Estabilidade do Seguro Rural(FESR) não foi o único culpado pela situação emque se encontrava o setor em 2005. Contribuiupara isso, também, a ausência de cultura doprodutor em contratar seguro rural. A demandapor aquela modalidade de seguro ficava restritaàs regiões de climas mais instáveis ou às culturascom riscos mais elevados, como é o caso do trigoe do milho safrinha, afetando a carteira dasseguradoras pela seleção adversa do risco. Essaconcentração de risco impossibilitava as segura-doras de ofertarem produtos de seguro comprêmios mais acessíveis, aumentando o desinte-resse dos produtores em aderir àquela modalidadede garantia.

Reconhecendo que a agricultura brasileiranão poderia continuar prescindindo de umacobertura securitária privada, o governo federalelegeu o seguro rural como uma de suas priorida-des, dando início a uma reestruturação do setorcom o encaminhamento ao Congresso deproposta que se materializou na Lei no 10.823/2003,que autorizou a concessão de subvenção econô-mica ao prêmio do seguro rural. Ao regulamentaressa lei, o Decreto no 5.121/2004 (BRASIL, 2004)criou o Programa de Subvenção ao Prêmio doSeguro Rural (PSR).

Esse programa, cuja operacionalização foiiniciada no final de 2005, amparou naquele anosete culturas, com percentual de subvençãovariando de 30 % a 50 % e limite financeiro deR$ 7 mil para grãos e de R$ 12 mil para frutas.Naquele ano, foram contratadas 849 apólices, oque proporcionou uma cobertura securitária para68 mil hectares, garantiu recursos da ordem deR$ 126 milhões e foram usados R$ 2,3 milhõesem subvenção.

O avanço do programa de subvenção foipromovido sobretudo pelo Plano Agrícola ePecuário 2006–2007, cujas principais alteraçõesna área de seguro rural foram autorizadas peloDecreto nº 5.782, de 23 de maio de 2006 (BRASIL,2006) ampliação do escopo do programa,passando de sete culturas contempladas comsubvenção em 2005 para todas as culturas quecontam com seguro rural aprovado pela Superin-tendência de Seguros Privados (Susep); a inclusãodas modalidades de seguro rural pecuário,florestal e aqüícola como beneficiárias dasubvenção; a ampliação dos percentuais desubvenção para algumas culturas e elevação doslimites de subvenção, que eram de R$ 7 mil paraculturas periódicas e R$ 12 mil para culturaspermanentes, para R$ 32 mil para ambos os casos.

Além disso, o decreto elevou o valormáximo que o produtor poderá receber desubvenção, de R$ 26 mil para R$ 192 mil, eampliou em 15 % o limite do crédito de custeiopara os produtores que contratarem seguro ruralpara o empreendimento financiado. Outroavanço promovido para a safra 2006–2007 foi apossibilidade de o produtor receber subvençãodo Mapa e de outros governos estaduais e munici-pais para a mesma lavoura.

Com essas alterações, foi revertida atendência de queda do mercado brasileiro deseguro rural, que vinha se acentuando nos anosanteriores, nas modalidades atendidas pelo PSR.Em 2006, foram beneficiados com a subvenção16,6 mil produtores rurais na contratação de21,7 mil apólices. Foram aplicados R$ 31,1 milhõesem subvenção, arrecadados R$ 89,0 milhões em

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prêmios pelas seguradoras, garantidos R$ 2,9 bi-lhões de capital e propiciada a cobertura de umaárea de 1,5 milhão de hectares.

Para 2007, novas alterações foram efetua-das na regulamentação do PSR pelo Decretono 6002/2006, elevando os percentuais de sub-venção da maioria das culturas enquadradas namodalidade agrícola, que passaram a variar de40 % a 60 %.

As perspectivas para 2008 são de umcrescimento ainda maior da participação doseguro rural brasileiro no setor securitário. Estádisponível um orçamento de R$ 100 milhões paraa subvenção, montante que possibilitará segurarcapital de R$ 9 bilhões. Com esse valor, espera-se que a área segurada passe para 5 milhões dehectares e o número de produtores atendidos peloseguro rural chegue a 50 mil, em 70 mil apólicescontratadas. Como a área ocupada comagricultura temporária e permanente é de 63 mi-lhões de hectares, cerca de 8 % da área cultivadapoderá estar coberta pelo seguro rural privadoem 2008. Estima-se que o faturamento comprêmios do seguro rural atingirá o montante deR$ 250 milhões.

Desenvolvimento doseguro rural – desafios e obstáculos

Se, no Brasil o seguro rural foi criado hámais de 50 anos, quais os problemas queimpediram seu desenvolvimento? Existem doisproblemas básicos que dificultam o crescimentodo seguro rural no País: a falta de cultura doprodutor rural, em contratar essa modalidade degarantia, e a ausência de oferta de produtos deseguro em todas as regiões produtoras.

Tal cenário leva à seguinte dicotomia: oprodutor não contrata o seguro porque o prêmioé muito caro, e as seguradoras e resseguradoresnão têm como ofertar produtos de seguro comprêmios menores porque somente os produtoresde regiões de alto risco ou que desenvolvemculturas mais sensíveis a eventos climáticos, comoo milho safrinha e o trigo, se dispõem a contratarseguro.

A universalização da demanda e da ofertade produtos de seguro rural é o caminho paraalavancar o crescimento desse mercado. A massi-ficação da demanda dilui o risco assumido pelasseguradoras, o que permite reduzir o valor doprêmio das apólices. Por seu turno, a espaciali-zação da oferta gera uma natural concorrênciaentre as seguradoras, o que também contribuipara a redução dos prêmios.

Para atingir esses objetivos, o governo deuinício a uma série de medidas direcionadas aocrescimento sustentado do mercado, com açõesque possibilitam o equilíbrio do crescimento daoferta e da demanda.

No que diz respeito ao aumento na deman-da, as alterações no programa de subvenção aoprêmio, elevando os percentuais e os limites desubvenção, e incluindo novas modalidades deseguro rural como beneficiárias, foram apenasalgumas medidas adotadas. Outras medidastambém já foram adotadas, como a ampliação,em 15 %, nos limites de crédito para o produtorque se dispuser a contratar seguro rural e apossibilidade de o produtor ser beneficiáriosimultaneamente de subvenções concedidaspelos governos federal, estadual e municipal.

Também é preocupação do Mapa garantira disponibilidade de recursos para a subvençãonos montantes solicitados pelas seguradoras, alémde incentivar os estados a também instituirprogramas estaduais de subvenção. Assim, alémdo Estado de São Paulo, que concede essebenefício há algum tempo, Minas Gerais já contacom lei aprovada e está finalizando asprovidências para que seu programa seja iniciadoainda nesta safra 2007–2008. Entendimentospreliminares foram também mantidos com outrosestados que demonstraram interesse pelo assunto.

Outra medida de grande impacto nademanda – e que vem se disseminando – dizrespeito à experiência-piloto adotada pelo Bancodo Brasil na safra passada, que foi o condiciona-mento da concessão de crédito para soja emalguns estados à contratação de seguro rural. Paraa safra 2007–2008, o Banco do Brasil pretende

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não apenas ampliar essa condicionante paraoutras culturas, como também incluir novosestados.

Atentos a essa experiência do Banco doBrasil, outros bancos estão se preparando paraadotar idêntico procedimento, sendo que oSantander/Banespa pretende operar nesta safra de2007–2008 já condicionando seus créditos decusteio à contratação de seguro rural para asprincipais culturas.

É oportuno notar que essa medida não secaracteriza como venda casada, mas tão-somenteuma forma de mitigação do risco da carteira dosbancos, e está amparada pelo art. 58 da Leinº 8.171/91 (BRASIL, 1991), no qual se estabeleceque a apólice de seguro agrícola poderá constituirgarantia nas operações de crédito rural. O Manual

de Crédito Rural, além de também admitir essagarantia, autoriza o financiamento do prêmio doseguro.

No tocante ao aumento da oferta deprodutos de seguro rural, uma medida já adotadafoi a abertura do mercado de resseguros, objetoda Lei complementar 126/2007, em fase deregulamentação pelo Conselho Nacional deSeguro Privado (CNSP). A abertura resultará nãosó no aumento da capacidade de resseguroofertada, como no estímulo à concorrência nosetor de resseguros, resultando na redução dovalor dos prêmios e na melhoria dos produtos deseguro ofertados, pela incorporação de novastecnologias.

O risco de ocorrência de catástrofes,principalmente nas regiões de clima mais instável,constitui forte obstáculo ao desenvolvimento daoferta do seguro rural. Para viabilizar a expansãoda cobertura securitária para essas regiões, ogoverno está encaminhando ao Congresso Nacio-nal projeto de lei complementar, instituindo umfundo que dê cobertura às operações de segurorural contra efeitos climáticos classificados comocatastróficos. Esse fundo será constituído na formade um consórcio privado de seguradoras eresseguradores, que contará com subvençãoanual do Mapa e uma garantia da União, para

oferecer um resseguro suplementar a ser acionadona ocorrência de eventos catastróficos.

Essa garantia será constituída de títulos doTesouro Nacional que ficarão depositados numainstituição financeira federal à disposição doconsórcio. A gestão privada desse fundo dará aagilidade e eficiência operacional necessária aotempestivo aporte de recursos para cobrir asoperações sinistradas, sem comprometer asolvência das sociedades garantidoras dessesriscos. Esse fundo substituirá o Fundo deEstabilidade do Seguro Rural (FESR), que seráextinto.

Outro gargalo ao incremento da oferta deprodutos de seguro rural, e que afeta principal-mente o volume de capacidade de ressegurodisponibilizado pelos resseguradores internacio-nais, é a insuficiência de profissionais qualificadospara atuar na regulação de sinistros, seja noâmbito do seguro rural privado, seja no âmbitodo Proagro. Para minimizar esse problema, oMapa, em parceria com o Ministério do Desen-volvimento Agrário e o Banco Central do Brasil,está buscando caminhos para viabilizar a capaci-tação de profissionais para atuar na regulação desinistros.

Há ainda o desafio, já em planejamentopelo Mapa, de criação de um banco de dadosem parceria com o setor privado que reúna,ordene e sistematize as informações necessárias:aos produtores, para contratar suas apólices deseguro rural; ao setor securitário, para dar suporteà elaboração de seus produtos de seguro; e aogoverno, para subsidiar o encaminhamento depolíticas para o setor.

Conclusão

Notamos que, não obstante todas asdificuldades aqui mencionadas ou não, o SeguroRural Privado, o Proagro e o Proagro Mais devematender a um universo de 780 mil produtores nasafra 2007–2008, garantindo capitais da ordemde R$ 14 bilhões (50 mil produtores e R$ 9 bilhõespelo Setor Privado, e 730 mil produtores eR$ 5 bilhões pelo Setor Público).

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Referências

BRASIL. Decreto nº 5.121, de 29 de junho de 2004.Regulamenta a Lei 10.823, de 19 de dezembro de 2003,que dispõe sobre a subvenção econômica ao prêmio doSeguro Rural e dá outras providências. Diário Oficial [da]República Federativa do Brasil, Brasília, DF,30 jun. 2004.

BRASIL. Decreto nº 5.782, de 23 de maio de 2006.Aprova os percentuais e valores máximos da subvençãoao prêmio do seguro rural para o exercício de 2006.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 24 maio 2006.

BRASIL. Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966.

Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados,

regula as operações de seguros e resseguros e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, 22 nov. 1966.

BRASIL. Lei nº 2.168, de 11 janeiro de 1954. Estabelece

normas para instituição do seguro agrário. Diário Oficial

[da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro,

13 jan. 1955

BRASIL. Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991. Dispõe

sobre a política agrícola. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 jan. 1991.

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Política de crédito

para a agricultura

brasileira

Quarenta e cinco

anos à procura do

desenvolvimento

Paulo Fernando Cidade de Araújo1

Alexandre Lahóz Mendonça de Barros2

José Roberto Mendonça de Barros3

Ricardo Shirota4

Resumo: o objetivo principal deste estudo é analisar a política de crédito na agricultura brasileira noperíodo 1960–2005. É uma análise de longo prazo, focalizando um tema relevante da agricultura edo desenvolvimento econômico num contexto global. Na primeira parte, o estudo foca a evolução eos resultados da política de crédito rural e do produto da agricultura, no período 1960–1985, quandoa economia do País era uma economia fechada, caracterizada por uma política de comércio poucoagressiva, apesar da grande participação de alguns produtos brasileiros (açúcar, algodão, borracha,café, soja e gado) nas exportações agrícolas mundiais. Nesse período, o volume do crédito e o PIB daagricultura aumentaram rapidamente. Na segunda parte, a atenção é dirigida à análise do período1986–2005, quando a economia brasileira já havia iniciado – na década de 1990 – o processo deabertura comercial. Contrariamente ao observado no primeiro período, quando o PIB da agriculturaexperimentou expressiva tendência de crescimento, a oferta do crédito formal declinou no segundoperíodo. Na terceira parte deste estudo, é dada ênfase às mudanças da política macroeconômica queinfluenciaram não apenas no desempenho da política de crédito agrícola, mas também no crescimentoda economia brasileira. Além disso, são aqui apresentadas as principais conseqüências da aberturacomercial do Brasil sobre o setor. Na parte final, está a conclusão deste trabalho e algumas lições daexperiência brasileira.

Palavras-chave: Política de crédito rural; Agricultura brasileira; e Economia agrícola.

1 Professor aposentado da FEA/USP e diretor da MB Associados ([email protected])2 Professor Doutor da Faculdade de Economia da FGV/SP. [email protected] Professor aposentado da FEA/USP e diretor da MB Associados ([email protected])4 Professor Doutor da Esalq /USP ([email protected])

Introdução

No Brasil, a política de crédito agrícola éum caso único a ser examinado e avaliado,porque quantidades enormes de crédito foram

canalizadas à agricultura. Considerando-se aimportância atribuída pelas autoridades monetá-rias, a experiência brasileira de crédito podefornecer introspecções úteis sobre como outrospaíses se comportariam quando e se atribuíssem

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à oferta de crédito barato um papel tão impor-tante. Na verdade, muitos países em desenvolvi-mento – Índia, Jamaica, México, Filipinas,Colômbia, Peru e Chile, além do Brasil – seguiramo princípio de que os programas do crédito são oinstrumento principal para obter e acelerar odesenvolvimento rural (ADAMS et al., 1987;BNB; IICA, 1993).

Historicamente, o Brasil regulou (e aindaregula) seus mercados financeiros, visandoalcançar objetivos de desenvolvimentoeconômico (ARAÚJO; MEYER, 1977). Nasdécadas de 1960 e de 1970, as autoridades eco-nômicas foram ativas na criação de prescrições eregulamentos – convencionais e inovadores – nosmercados financeiros. Tetos e quotas, meca-nismos de desconto e redesconto, exigências naaplicação de reservas bancárias e taxas de jurospreferenciais (mais baixas) foram extensivamenteempregados para induzir os bancos a prestarserviços de crédito e financiamento aos fazendei-ros. Os objetivos dessa política intervencionistaincluíam a modernização e a eficiência dosistema bancário, via aplicação compulsória deserviços financeiros ao setor rural da economia(especialmente nas regiões mais pobres), eformação de capital nas atividades da agriculturacomercial.

O valor e a amplitude dessa estratégiasugeriam um direcionamento da oferta de recursosfinanceiros visando acelerar o crescimentoeconômico (PATRICK, 1966). Nesse contexto, aoanalisar a experiência do Peru, Alvarado (1993)faz uma breve descrição de duas possíveisaproximações teóricas para explicar a relaçãoentre crédito agrícola e desenvolvimento rural.A primeira trata o crédito como um insumoprodutivo essencial no modelo do tipo supplyleading. Os agricultores não conseguiriammelhorar a qualidade do produto, aumentar aprodutividade dos fatores e sua renda, em razãode não terem acesso aos insumos e processosprodutivos modernos. A falta do crédito poderiaentão explicar esse círculo vicioso. Sob essapercepção, o acesso ao crédito (e ao créditobarato) seria essencial ao desenvolvimento

agrícola. A segunda aproximação teórica trata ocrédito como um instrumento financeiro ou umrecurso nos mercados financeiros. Um mercadofinanceiro eficiente forneceria crédito a muitosagricultores com escassez de capital.

Por sua vez, o mercado financeiro poderiacaptar excedentes de capital, gerando mecanis-mos de depósitos de poupança e remunerandoesses depósitos – com juros – durante umdeterminado período de tempo. Ou seja, nesseprocesso de intermediação, é importante consi-derar os dois componentes do mercado, o créditoe a poupança. Entretanto, três fatores poderãocausar sérias restrições à difusão de mercadosfinanceiros no meio rural:

• Subsídio via taxa de juros.

• Presença de informação assimétricanesses mercados.

• Adoção de políticas pró-urbanização.

No Brasil, em larga escala, o sistema decrédito à agricultura é constituído pelas instituiçõesfinanceiras formais, com referência especial aosbancos comerciais, privados e oficiais. O BancoCentral, criado em 1964, e o Conselho MonetárioNacional (CMN) forneceram ao governo federalmeios eficazes de controlar o comportamentodesses bancos. Além disso, a maior parte da ofertade empréstimos rurais era (e ainda é) suprida peloBanco do Brasil.

Os objetivos do Sistema de Nacional deCrédito Rural (SNCR) foram assim estabelecidosem 1965, pela Lei no 4.829:

• Financiar substancial parcela dos custosoperacionais da produção e comerciali-zação.

• Promover a formação de capital.

• Acelerar a adoção e a difusão de tecnolo-gia moderna.

• Fortalecer a posição econômica depequenos e médios agricultores.

Implícito, mas também objetivo impor-tante, foi o uso do crédito subsidiado paracompensar os fazendeiros (especialmente o

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pequeno e pobre) das distorções macroeconômicase controles de preço e do câmbio, visando aindustrialização e o controle da inflação. Alémdisso, ajustes na política de crédito foram (e têmsido) usados para solucionar problemas de curtoprazo: preços elevados dos fertilizantes, geadasnos cafezais em 1975, choques do petróleo de1974 a 1978, e as recentes crises de endividamentodos fazendeiros de 1990 até esta data.

A combinação do crédito fácil compolíticas de preço dos produtos resultou numamplo sistema para influenciar o uso dos fatorese a produção na agricultura. Um vasto númerodas regras, regulamentos, programas e projetosforam executados pelo Banco Central (Bacen).Cada programa e projeto tinha objetivos, taxasde juros e esquemas de reembolso específicos.Entretanto, três características gerais da políticade crédito merecem destaque.

A primeira é que as taxas nominais de juroseram fixadas em níveis inferiores aos praticadosem outros empréstimos. Esses controles resulta-ram em taxas reais negativas, especialmente de1974 até 1993, em razão das altas taxas deinflação. A segunda é que houve inúmerosincentivos e controles para que os bancosemprestassem mais recursos aos agricultores,usando seus próprios depósitos (principalmentedepósitos à vista) e os fundos do Tesouro. Emterceiro lugar, as taxas nominais de juros dospequenos empréstimos, supostamente feitos apequenos agricultores, foram fixadas em algunspontos percentuais abaixo das taxas dos grandesempréstimos.

Oferta de crédito formal e PIB daagricultura no período 1960–1985

O primeiro e principal resultado da políticade crédito foi a expressiva expansão da oferta deempréstimos formais. A Tabela 1 mostra os

empréstimos feitos e os valores anuais do PIB daagricultura no período estudado.5 Os emprésti-mos de custeio, geralmente com 9 a 12 meses deprazo, representam aproximadamente 70 % donúmero e 60 % do valor dos empréstimos feitos.O restante do crédito é dividido entreempréstimos de comercialização, com prazos dealguns poucos meses, e empréstimos deinvestimento para maquinaria, animais e cultivospermanentes, com prazos de 2 a 8 anos.6

Os novos empréstimos feitos a cada anoaumentaram quase nove vezes, enquanto o PIBda agricultura mais do que triplicava nesseperíodo de 25 anos. A relação empréstimos decusteio – PIB da agricultura (coluna 5) cresceude 0,07 em 1960 a um pico de 0,45 em 1982,caindo para 0,25 em 1985, enquanto a relaçãode empréstimos totais – PIB do setor passou de0,13 a 0,84 em 1975, caindo a seguir para 0,35em 1985. Essas relações estão entre as mais altasencontradas na maioria dos países da AméricaLatina na década de 1960 (ADAMS, 1971).Os números parecem indicar uma correlaçãopositiva entre crédito e produto (Tabela 1).Também é evidente que o volume de créditocresceu mais rapidamente do que o produto daagricultura e, quando houve na oferta deempréstimos rurais, o PIB não declinou.

A Tabela 2 mostra o valor médio de em-préstimos agropecuários no período 1960–1985.Após apreciável declínio até 1973, o valormédio dos empréstimos de custeio aumentou deR$ 35 mil (US $ 17,5 mil), em 1960, paraR$ 48 mil (US$ 24 mil) em 1977, declinandoentão até R$ 27 mil (US$13,5 mil) em 1985.Os empréstimos totais médios apresentamcomportamentos similares. Contudo, deve-semencionar uma coincidência importante entremaiores empréstimos médios e a crise causadapelas geadas nos cafezais em 1975, no Paraná eno Estado de São Paulo.

5 Esses dados devem ser vistos com algum cuidado. No período 1960–1985, quantidades substanciais de empréstimos de comercialização beneficiarampessoas que não eram necessariamente agricultores. Portanto, o volume total de crédito de curto prazo obtido pelos agricultores deve estar subestimado,

enquanto a estimativa do crédito total está superestimada.6 Ao contrário de muitos países, no Brasil os dados estatísticos de crédito rural referem-se a empréstimos feitos no ano, e não a saldos devedores. Além disso,

as taxas de inadimplência no período 1960–1985 foram muito baixas. Logo, os apresentados neste trabalho devem representar os montantes dos novos

empréstimos oferecidos aos agricultores.

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30Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Tabela 1. Brasil: PIB agrícola anual em R$, valor* e número de contratos de crédito rural (custeio e total),

1960–2005.

Crédito rural(1)

Ano PIB Custeio Total

agrícola Número(2) Valor % PIB Número(2) Valor % PIB

1960 58.631 112 3.950 6,7 231 7.672 13,1

1961 60.823 184 4.074 6,7 285 7.648 12,6

1962 66.351 337 6.099 9,2 441 10.412 15,7

1963 62.584 416 5.478 8,8 549 9.027 14,4

1964 65.165 527 8.149 12,5 771 12.253 18,8

1965 64.994 509 7.118 11,0 666 10.537 16,2

1966 60.309 529 8.323 13,8 856 14.334 23,8

1967 60.558 633 11.229 18,5 1.029 18.540 30,6

1968 56.894 733 14.248 25,0 1.500 26.109 45,9

1969 59.832 675 11.937 20,0 1.145 25.698 42,9

1970 66.831 649 13.674 20,5 1.191 30.662 45,9

1971 79.083 686 15.433 19,5 1.253 35.465 44,8

1972 90.704 687 18.257 20,1 1.266 43.851 48,3

1973 114.175 771 26.479 23,2 1.400 62.007 54,3

1974 126.220 789 34.524 27,4 1.450 76.679 60,8

1975 133.347 1.077 48.999 36,7 1.856 111.793 83,8

1976 148.164 1.059 48.336 32,6 1.832 114.534 77,3

1977 184.668 1.011 48.354 26,2 1.722 102.258 55,4

1978 159.156 1.104 49.579 31,2 1.896 103.963 65,3

1979 166.396 1.375 65.162 39,2 2.373 129.557 77,9

1980 177.679 1.876 70.108 39,5 2.766 123.903 69,7

1981 165.352 1.944 63.027 38,1 2.613 107.468 65,0

1982 148.491 1.826 66.943 45,1 2.604 104.069 70,1

1983 167.901 1.670 48.856 29,1 2.470 78.573 46,8

1984 186.389 1.194 33.823 18,1 1.585 47.984 25,7

1985 197.568 1.805 48.654 24,6 2.271 68.426 34,6

1986 204.711 2.263 57.081 27,9 3.023 102.036 49,8

1987 181.021 2.242 56.430 31,2 2.660 80.435 44,4

1988 176.855 1.040 38.608 21,8 1.285 56.759 32,1

1989 156.491 665 41.456 26,5 792 51.831 33,1

1990 117.541 668 22.165 18,9 815 29.609 25,2

1991 117.108 797 25.114 21,4 928 30.546 26,1

1992 113.500 503 21.338 18,8 757 33.870 29,8

1993 112.827 444 16.172 14,3 695 29.088 25,8

1994 143.463 509 22.034 15,4 893 42.024 29,3

1995 144.839 472 11.296 7,8 795 18.231 12,6

1996 146.371 646 11.131 7,6 1.040 15.934 10,9

1997 145.723 724 16.294 11,2 1.010 23.086 15,8

1998 152.558 913 16.849 11,0 1.416 25.145 16,5

1999 145.783 1.025 16.209 11,1 1.396 23.912 16,4

2000 139.552 1.051 15.904 11,4 1.349 24.572 17,6

2001 144.271 1.070 17.121 11,9 1.469 28.991 20,1

2002 149.343 1.203 19.324 12,9 1.719 31.950 21,4

2003 160.202 1.440 21.970 13,7 2.100 36.057 22,5

2004 169.166 1.606 24.649 14,6 2.746 42.859 25,3

2005 145.829 1.635 23.273 16,0 3.243 41.976 28,8

* Os valores dos empréstimos são expressos em R$ milhão e como percentagem do PIB agrícola.(1)Todos os valores monetários foram deflacionados pelo IGP/DI (base de 2005) e expressos em R$ milhão.(2)Quantidade de novos créditos contratados ao longo do ano. Entre 1960 e 1968, os dados são do Banco do Brasil, responsável pela maioria dos

contratos de crédito rural. A partir de 1969, os dados são do Sistema Nacional de Crédito Rural – Bacen.

Fonte: Shirota et al. (1990) entre 1960 e 1985; Bacen (1986–2005).

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31 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

O Censo de 1970 mostra que terra econstruções respondiam por 68 % do total dosativos na agricultura, com 18 % em animaisprodutivos e de trabalho, 9 % em culturaspermanentes e apenas 5 % em maquinaria eveículos (IBGE, 1975). Surpreendentemente, noCenso de 1980, essas proporções eram de 74 %para terra e edifícios, 12 % para animais, 9,6 %para cultivos permanentes e 4,4 % para maqui-naria e veículos. Tais números indicam que terrae construções ainda comandavam grande partedo capital na agricultura, em razão dos aumentosda área cultivada e dos preços da terra. Os rápidosaumentos na oferta de crédito – em especial naexecução de programas e projetos de créditosubsidiado – podem ter sido capitalizados nospreços da terra.

A produção doméstica anual de tratorescresceu de 6.300 unidades em 1967, para 63.000em 1976, declinando depois até 44.687 unidadesem 1984 (CONJUNTURA ECONÔMICA, citado

por ARAÚJO; MEYER, 1977). As estatísticas decrédito agrícola apontam que mais de 50 % dototal dos empréstimos de investimento foramfeitos para compras de trator – quase dois terçosdesses empréstimos no Rio Grande do Sul, noParaná e no Estado de São Paulo, que somavammais de 70 % dos tratores existentes nos censosde 1970 e de 1980. Os compradores de tratoresmanufaturados no País tinham de 5 a 8 anos deprazo nos empréstimos (e 2 anos de carência); ataxa nominal de juros variando em torno de 15 %.Muito provavelmente, as compras de novasmáquinas estão altamente relacionadas com ocrédito para investimentos (SANDERS, 1973;BARROS, 1980).

No Brasil, a política de crédito agrícolaincentivou, também, a adoção de tecnologiabiológica na agricultura. Com efeito, programasde crédito foram estabelecidos para financiarinsumos modernos, incluindo sementes melhora-das, fertilizantes, calcário, produtos químicos erações de animais. As taxas nominais de jurosvariaram de 0 % a 7 % por muito tempo. O usode fertilizantes químicos cresceu de modestas380 mil toneladas métricas em 1966, até o picode 4,2 milhões de toneladas métricas em 1980,caindo para 3,3 milhões de toneladas métricasem 1984 (SHIROTA et al., 1990). Durante aexistência dos Funfertil e Fundação de Apoio àPesquisa Agrícola (Fundag), para promover o usode fertilizantes químicos e outros insumos, aquantidade de fertilizante supostamente financiadaem algumas regiões do Sul do País teria excedidoa quantidade realmente vendida (MEYER et al.,1973).

No Brasil, uma importante questão dapolítica de crédito foi seu efeito regressivo nadistribuição de renda dos agricultores. Quase90 % das fazendas não relataram nenhumempréstimo de fontes formais ou informais noCenso de 1970, e essa proporção teria caído para80 % em 1980. Mesmo admitindo-se possíveislimitações dos dados, o acesso ao uso de créditofoi muito menor do que se poderia antecipar.Aproximadamente um terço das fazendas nos trêsestratos de maior tamanho (acima de 100 ha)

Tabela 2. Brasil: valor médio de crédito rural (custeio

e total), em reais (R$) por contrato, 1960–2005.

Ano Custeio Total Ano Custeio Total

1960 35.269 33.211 1983 29.25 31.809

1961 22.143 26.835 1984 28.324 30.266

1962 18.098 23.61 1985 26.956 30.126

1963 13.168 16.442 1986 25.226 33.758

1964 15.462 15.892 1987 25.171 30.236

1965 13.984 15.822 1988 37.136 44.171

1966 15.733 16.745 1989 62.384 65.445

1967 17.74 18.017 1990 33.162 36.308

1968 19.438 17.406 1991 31.496 32.929

1969 17.688 22.439 1992 42.434 44.762

1970 21.064 25.754 1993 36.463 41.832

1971 22.498 28.308 1994 43.251 47.037

1972 26.57 34.633 1995 23.92 22.927

1973 34.363 44.301 1996 17.223 15.325

1974 43.731 52.868 1997 22.495 22.853

1975 45.515 60.229 1998 18.454 17.754

1976 45.633 62.512 1999 15.806 17.134

1977 47.81 59.381 2000 15.136 18.212

1978 44.928 54.846 2001 15.998 19.736

1979 47.376 54.585 2002 16.067 18.589

1980 37.361 44.794 2003 15.26 17.167

1981 32.415 41.13 2004 15.35 15.61

1982 36.666 39.964 2005 14.233 12.942

Fonte: Shirota et al. (1990) de 1960 a 1985; Bacen (1986–2006).

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32Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

relataram obter empréstimos. E apenas 4 % dosestabelecimentos nos estratos de menor tamanho(menos de 10 ha) acusaram obter empréstimos.Essa evidência suporta a teoria da “Lei do ferro”do crédito rural, aplicada às taxas de juros baixas(e negativas) no mercado financeiro rural dospaíses em desenvolvimento (GONZALEZ VEGA,1987).

As instituições financeiras do governoforneceram 87 % dos empréstimos totaisrelatados em 1980, comparados a 79 % em 1970.Isso sugere um efeito do tipo crowding out dasoutras fontes de crédito. Os dois estratos de menortamanho receberam muito menos crédito do quesua parte ou parcela (share) no número dasfazendas, enquanto os três grupos maioresreceberam muito mais. Assim, de acordo com oscensos de 1970 e de 1980, a política de créditonão conseguiu aumentar a parcela do créditoformal dos pequenos fazendeiros.

A distribuição dos empréstimos foi uma dasquestões-chave de diversos estudos (ARAÚJO;MEYER, 1978; KAGEYAMA; HOFFMANN, 1987;SHIROTA, 1988). Foi também fonte de conside-rável debate sobre os objetivos da política decrédito. O Banco do Brasil relata que, no período1980–1983, aproximadamente 80 % do númerototal dos empréstimos feitos por essa instituiçãodestinaram-se a mini e a pequenos agricultores.Entretanto, o valor de empréstimos foi altamenteconcentrado entre médios e grandes agricultores.Em 1980, esses dois grupos foram responsáveispor 20 % dos contratos e 59 % do valor dosempréstimos. Em 1983, a distribuição melhorouem favor dos grupos de menor tamanho, quereceberam 37 % do valor do crédito, enquantoos grupos de maior tamanho recebiam 48 % dovalor total.

Declínio do crédito formal,queda e recuperação do PIBno período 1986–2005

No início da década de 1980, muitoseconomistas consideravam as políticas da substi-tuição de importação uma opção ultrapassada de

política pública. Os problemas causados peloexcessivo endividamento no exterior impuseramdramática redução do fluxo de poupança einvestimento estrangeiros no País. A capacidadede poupança do governo brasileiro era quase nulae a inflação havia crescido muito, causando signi-ficativo stress social e político. Conseqüentemente,não havia sustentação política para a manutençãoda maioria das políticas macroeconômicasadotadas na década de 1970.

Dois impactos da inflação foram observa-dos na estrutura da oferta dos empréstimos rurais:a redução da proporção dos depósitos à vista novolume total do passivo dos bancos; e – comoanteriormente mencionado – a contração derecursos financeiros de fontes governamentais.A indexação (correção monetária) dos valores edos contratos, em toda a economia, alterou aspreferências de empresas e famílias, de ativosmonetários para os ativos não-monetários(OLIVEIRA; MONTEZZANO, 1981). Em 1972, osrecursos monetários (dinheiro e depósitos à vista),que representavam 37 % dos recursos financeirostotais de bancos comerciais, declinaram paraapenas 7,8 % em 1989. Durante esse mesmoperíodo, a participação relativa dos depósitos depoupança aumentou de 6,5 % para 24,5 % do total.

Na Tabela 1, o PIB da agricultura mostratendência de crescimento entre 1960 e 2005.Entretanto, o PIB experimentou forte redução de1986 a 1993. A recuperação ocorre com o PlanoReal e – de modo mais consistente – após adesvalorização da taxa de câmbio em 1999. Porsua vez, a oferta de crédito formal à agriculturadeclinou continuamente desde 1980, exceçãofeita à excepcional recuperação de 1986, porocasião do Plano Cruzado.

De 1986 a 2005, a proporção dos emprés-timos de custeio variou entre 50 % e 70 % donúmero de contratos e entre 52 % e 80 % dovalor dos empréstimos. O restante do crédito édividido entre comercialização e investimentos.Nesse período, o volume de novos empréstimosanuais caiu quase 60 %. O PIB da agriculturadeclinou 44 % entre 1986 e 1993, para depoisrecuperar 30 % de 1995 a 2005.

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33 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

A relação empréstimos de custeio e PIB daagricultura cai de 0,28 em 1986 para 0,16 em2005, enquanto no mesmo período a relaçãoempréstimos totais e PIB do setor cai de 0,50 para0,29. Esses resultados não suportam a existênciade uma relação positiva entre volume de créditoe produção do setor. Além disso, é evidente queo crédito tem queda mais acentuada do que PIBda agricultura, mesmo nos momentos difíceis daeconomia brasileira, na década de 1980 e naprimeira metade da década de 1990.

O valor médio dos empréstimos paracusteio da produção decresceu de R$ 25,2 mil(US$ 12,6 mil) em 1986 para R$ 14,2 mil(US$ 7,1 mil) em 2005 (Tabela 2). Os resultadosde valor total dos empréstimos são similares aosjá descritos. É oportuno informar que a tendênciadeclinante do tamanho médio dos empréstimosé explicada pelos números impressionantes doPrograma de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar (Pronaf) implantado em 1996. Esseprograma é prioridade no atual governo.

Os empréstimos do Pronaf – em valorestotais – aumentaram quase 11 vezes de 1996 a2005, mas os empréstimos de investimento paralavoura e pecuária mostram taxas de crescimentoainda maiores e até mesmo surpreendentes.O tamanho médio dos empréstimos do Pronaf émuito baixo. O mais importante é que o programasai de uma modesta participação de 3,9 % do valortotal dos créditos em 1996, para 13,8 % em 2005.

De 1960 a 1985, a principal fonte de recursosdo sistema institucional de crédito foi o governo(Tesouro Nacional), aplicações compulsórias dosdepósitos à vista e recursos próprios dos bancos.Em 1986, o Plano Cruzado extinguiu a ContaMovimento e, desde então, as autoridadesmonetárias têm feito esforços intensivos para criaroutras fontes não inflacionárias de recursosfinanceiros para suprir a oferta de crédito aosagricultores. A Tabela 3 apresenta as estatísticas devalor total dos empréstimos no período 1987–2005,por fontes de fundos. A conclusão geral é que asfontes de recursos sofreram muitas mudanças noperíodo. Mais recentemente, os recursos de fontes

governamentais ainda respondiam por quase 30 %do valor total dos empréstimos rurais.

Sobre as taxas de juros – Atualmente, astaxas médias de juros nos mercados de crédito àagricultura são bastante elevadas, mesmo consi-derandos os níveis diferenciados e mais baixosestabelecidos em alguns programas. Os recursoscompulsórios (27 % dos depósitos à vista) sãoainda uma das principais fontes de fundos e, nessecaso, a taxa cobrada é de 8,75 %. Essa é umataxa real positiva que deverá prevalecer por algumtempo, uma vez que a taxa anual de inflação éestimada em torno de 3,5 % a 4 %. A chamadaequalização de taxas (redução dos juros) só épossível para o Banco do Brasil e outros bancosoficiais. Quando prestam serviços de crédito agrandes e médios fazendeiros, os bancoscomerciais privados costumam fazer um mix derecursos financeiros: 60 % de seus própriosrecursos (livres) cobrando taxas de mercado; e40 % de depósitos à vista, à taxa oficial dasaplicações compulsórias (8,75 %). A taxa finalseria algo em torno de 17 % ao ano.

Nos programas BNDES/Finame, os fundospara investimento em máquinas agrícolas têmduas possíveis condições de custo anual: taxa ex-ante, 11.95 %; e taxa ex-post, TJLP atual mais 5 %a 6 %, dependendo do tamanho do empréstimo.O prazo, para esses empréstimos é de 5 anos.E o valor do principal costuma ser igual ao valorintegral da máquina.

Endividamento dos agricultores – Desde1990, outra questão importante da política decrédito tem sido a posição de endividamento(crescente) dos fazendeiros. Em 1996, pararesolver esse problema, o governo federal criouo Programa de Securitização para refinanciar, noprazo de 8 anos, a dívida dos agricultores até olimite de R$ 200 mil, sendo os Títulos do Tesourousados como garantia das operações doprograma. Para tratar das grandes dívidas dosfazendeiros, o Banco Central concebeu outroprograma, o Programa Especial de Saneamentode Ativos (Pesa). Os beneficiários do Pesa têmdébitos superiores a R$ 200 mil (US$ 100 mil)7.

7 O programa Pesa foi criado pela Resolução no 2.471, de 26/2/1998, do Conselho Monetário Nacional.

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34Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Nesses dois programas especiais, umaprática comum é a chamada renegociação dasdívidas em pacotes anuais aprovados peloCongresso e pelo governo. Essa renegociação temfavorecido os agricultores com a postergação dospagamentos anuais. Estimativas recentes sugeremque o débito total dos agricultores, junto aosbancos comerciais e indústrias, seria de aproximada-mente R$ 30 bilhões ou mais (US$ 15 bilhões).

A questão do subsídio

Subsidiar ou não tem sido uma questãocontroversa na experiência brasileira de crédito

rural. No período 19701993, as taxas nominaisde juros dos empréstimos rurais foram inferioresàs taxas de inflação. Alguns discutem que osubsídio de crédito pode ser aceito como formade compensar a agricultura, setor prejudicado poroutras políticas públicas. Também fornecemevidências de os preços agrícolas teremvolatilidade maior do que os preços industriais.Do mesmo modo, na maioria dos países desen-volvidos, a agricultura é bastante protegida esubsidiada por diferentes esquemas operacionais,incluindo até subsídios diretos nos preços deprodutos. Por sua vez, o crédito é seletivo (pordefinição) e tende a ser distribuído desigualmente

Tabela 3. Brasil: valor total dos empréstimos rurais por fonte de recursos, Bacen, 1987–2005.

Fonte de recursos 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Tesouro 30.004 14.251 12.427 7.911 7.306 7.781 7.756 11.391 3.591 555% – – – – – – – – – –Rec. obrigatórios 27.636 19.475 7.496 8.107 6.836 6.338 3.211 4.876 2.396 2.690% – – – – – – – – – –Poupança rural 18.149 21.237 26.767 5.925 9.865 15.419 12.571 14.666 6.575 1.455% 22,6 37,4 51,6 20,9 32,3 45,5 43,2 34,9 36,1 9,1Fundos constit. – – 404 1.323 985 1.066 1.605 2.099 1.642 2.374% – – 0,8 4,5 3,2 3,1 5,5 5,0 9,0 14,9Fat – – – – – – – – – 3.503% – – – – – – – – – 22,0BNDES/Finame – – – – – – – – – –% – – – – – – – – – –Outras fontes 4.681 1.817 4.761 6.343 5.474 3.265 3.944 8.992 4.027 5.357% 5,8 3,2 9,2 21,4 17,9 9,6 13,6 21,4 22,1 33,6Total 80.469 56.781 51.855 29.609 30.546 33.870 29.088 42.024 18.231 15.934% 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte de recursos 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Tesouro 347 418 27 5 467 536 685 1.642 909 555% 1,5 1,7 1,1 0,0 1,6 1,7 1,9 3,8 2,2 –Rec. obrigatórios 10.364 10.241 9.632 12.728 17.092 16.844 15.696 17.786 14.681 2.690% 44,9 40,7 40,3 51,8 59,0 52,7 43,5 41,5 35,0 –Poupança rural 1.944 3.274 4.498 3.524 2.992 4.025 8.414 11.019 11.980 1.455% 8,4 13,0 18,8 14,3 10,3 12,6 23,3 25,7 28,5 9,1Fundos constit. 1.302 1.770 1.775 1.438 1.752 2.199 1.994 2.731 3.819 2.374% 5,6 7,0 7,4 5,9 6,0 6,9 5,5 6,4 9,1 14,9FAT 4.254 3.987 3.884 3.123 2.891 3.251 3.125 1.869 3.242 3.503% 18,4 15,9 16,2 12,7 10,0 10,2 8,7 4,4 7,7 –BNDES/Finame 780 1.022 1.203 1.390 1.749 2.311 3.818 4.903 3.757 –% 3,4 4,1 5,0 5,7 6,0 7,2 10,6 11,4 9,0 –Outras fontes 4.093 4.435 2.893 2.365 2.047 2.783 2.326 2.910 3.587 –% 17,7 17,6 12,1 9,6 7,1 8,7 6,4 6,8 8,3 –Total 23.086 25.145 23.912 24.572 28.991 31.950 36.057 42.859 41.976 15.934% 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Bacen (1986–2006).

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35 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

entre tomadores individuais e regiões. Em conse-qüência, os subsídios via crédito favorecem deter-minados grupos / regiões (BARROS et al., 1987).Esse argumento implica que a distribuição docrédito tende a favorecer a concentração da rendae da riqueza entre os grupos econômicos deregiões mais desenvolvidas.

Shirota (1988) estimou as quantidades desubsídio total em Cr$ de 1988, apresentando duasrelações interessantes: subsídio/PIB da agriculturae subsídio/PIB total. No período 1970–1973, ossubsídios via taxas de juros eram pequenos. Em1974, com o aumento no volume dos fundos,aceleração da taxa de inflação e rigidez nas taxasde juros, ocorreu aumento significativo dosubsídio total. No período 1974–1978, o subsídiovariou entre 7 % e 11 % do PIB do setor. Issoseria equivalente a uma “entrada” de recursosfinanceiros na agricultura, flutuando entre 0,9 %e 1,5% do PIB total do País. Transferências aindamaiores ocorreram em 1979 e em 1980, quandoos valores do subsídio alcançaram 20 % do PIBda agricultura ou 2,1 % do PIB do País. Com aelevação das taxas de juros, de 1981 a 1983, osubsídio diminuiu, situando-se entre 9 % e 14 %do PIB agrícola e entre 1 % e 1,2 % do PIB total.No período 1984–1985, as taxas de juros foramajustadas em níveis próximos da taxa de inflação.

De fato, uma taxa positiva e real foi paga pelosagricultores e o subsídio mantido em nível muitobaixo em 1985. Aí, com a expectativa de estabili-zação da economia, em 1986, o Plano Cruzadoestabeleceu uma taxa de juros baixa e flat para ocrédito agrícola, gerando expressivo aumento novolume de empréstimos.

Esses resultados indicam quão sérias sãoas distorções econômicas causadas por políticaseconômicas instáveis, tais como os exemplos dapolítica de crédito. Deve-se considerar que, nocaso de juros nominais fixos, o subsídio só érealizado a posteriori, na liquidação do contrato.As razões pelas quais o governo não indexou astaxas de juros em função da variação dos níveisde preço não são bem compreendidas (SAYAD,1979; SHIROTA, 1988). A taxa do subsídio sópode ser estimada in advance por previsões depreços futuros. Uma alternativa teria sido aindexação dos juros (como aconteceu após 1983)que permitisse algum controle sobre o valor totaldo subsídio de crédito.

A partir da pesquisa de Almeida (1994), aFig. 1 mostra que, desde 1972, os subsídios foramapreciáveis – principalmente nos empréstimos decusteio. Depois de 1990, houve significativadiminuição, alcançando valores próximos de zero.

Fig. 1. Brasil: valor do subsídio estimado a partir das taxas reais de juros pagas pelos agricultores no créditorural, por tipo de empréstimo, 1970–1993, em R$ milhão de 2005 (deflacionados pelo IGP/DI).Fonte: Valores calculados a partir das estimativas de Almeida (1994).

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Em resumo, desde a década de 1980, ospolicy makers do País enfrentam o dilema de criarnovas fontes de crédito para a agricultura, numambiente típico de turbulência e ajustes macroe-conômicos. A inflação esteve fora de controle e,a partir da década de 1990, as taxas deinadimplência nos contratos de crédito elevaram-se muito. De 1991 a 1993, as taxas de inflaçãoatingiram níveis muito acima das expectativas dosagentes econômicos. Em 1994, o Plano Realintroduziu um complexo conjunto de medidaseconômicas para controlar a inflação eestabelecer um novo cenário de desenvolvimentosocial e econômico.

A política de crédito e aabertura da economia brasileira

Como visto nas seções precedentes, orelacionamento do Setor Público brasileiro coma agricultura sempre foi muito forte. É difícilcompreender a evolução do setor agropecuáriosem examinar os objetivos e resultados dasintervenções de política econômica do governocentral. Há, inclusive, uma vasta literatura voltadapara as questões da política agrícola brasileira,bem como de sua evolução8. Entretanto, vale apena enfatizar que, nos últimos 20 anos, o graude intervencionismo na agricultura foi substan-cialmente reduzido. Nesse período, as colunasmestras da política agrícola brasileira, construídasnas décadas de 1960 e de 1970, foram corroídasde tal modo que o novo modelo implantado nofinal de 1990 revela correlação muito baixa comos modelos anteriores.

As antigas tinham o objetivo principal degarantir – internamente – a estabilidade da ofertade alimentos, permitindo que o processo deurbanização da economia seguisse seu curso semmaiores pressões inflacionárias. Para isso, umconjunto de políticas foi construído para estimularo uso de insumos modernos na produção.O sistema foi baseado em políticas de créditosubsidiado e em mecanismos de estabilização darenda, como preços mínimos e política de

estoques reguladores. Associados com essesmecanismos de modernização, foram cobradosimpostos sobre produtos específicos, estabele-cidas quotas de importação e de exportação, ecriadas barreiras tarifárias sobre insumosagrícolas. Além disso, parte desse sistema detributação incluía alguns elementos do períodoem que a agricultura era relevante na formaçãoda taxa interna de poupança.

O complexo sistema de intervenções dogoverno federal (preços mínimos, crédito subsi-diados, impostos, barreiras alfandegárias, quotasde importação e de exportação, etc.) tornou difícilidentificar o resultado líquido das políticasagrícolas no Brasil. A combinação das políticaspara estimular a produção, com as de controlede preços dos alimentos, assim como as políticasde taxação sobre produtos da exportação acaba-ram gerando um ambiente em que o efeito daspolíticas públicas na produção do setor eradesconhecido.

O trabalho de Brandão e Carvalho (1990)constitui marco de referência para compreenderas distorções geradas pelas intervenções governa-mentais na agricultura, inclusive o papel compen-satório do subsídio no crédito rural. Os autoresempregam um modelo de equilíbrio parcial paraidentificar o sentido das forças de mercadorefletidas pelos movimentos de preços relativos.Seus resultados demonstram que a agriculturasofreu discriminação em conseqüência dasintervenções diretas e indiretas nos preços deprodutos. Excluída a política do crédito rural, osautores estimam que aproximadamente 8,9 % doPIB agrícola (média do período 1975–1983)foram transferidos do setor para outros setoresda economia. Essa transferência era conseqüênciade impostos e controles de preço, estabelecidosde modo complexo e não muito organizado.As mudanças nas políticas de controle de preçoseram freqüentes, dependendo dos problemas deinflação causados pela baixa produção, porexemplo. Goldin e Rezende (1993) proporcionamuma boa descrição dessas políticas.

8 Ver Barros (1999) para um levantamento e pesquisa.

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As distorções introduzidas nos preços dosprodutos acabavam reduzindo a quantidade dealimentos que seria produzida sob a condiçãode mercados mais competitivos. De acordo comBrandão e Carvalho (1990), a produção realestaria abaixo da produção prevista numasituação de comércio livre para todos os produtosanalisados (algodão, soja, milho, arroz e trigo).A produção do milho, por exemplo, estaria entre4 % e 39 % abaixo do que se poderia obter. Alémdisso, o segmento que produz alimentos foifavorecido no período. Por sua vez, os segmentosvoltados para a exportação enfrentaram preçosque, em média, eram 10 % a 30 % mais baixosdo que poderiam ser em mercados sem nenhumaintervenção. Essas distorções teriam reduzido aoferta total de produtos exportáveis em quase10 %. A desvantagem dos produtos exportáveisera conseqüência dos impostos sobre asexportações que visavam garantir a ofertadoméstica. Só os excedentes domésticos erampermitidos para exportação.

Embora as intervenções nos mercadostenham gerado uma drenagem de recursos dosetor, sinalizando um viés contra a agricultura, apolítica do crédito rural subsidiado seria umacompensação a esse movimento. Ainda de acordocom Brandão e Carvalho (1990), quando ossubsídios no crédito rural foram introduzidos naanálise, a agricultura recebeu na média o equi-valente a 8 % do PIB agrícola, no período1975–1983.

Essa inversão na direção do excedentetransferido pelo setor dá uma indicação damagnitude do valor fornecido pelo crédito entrea metade das décadas de 1970 e de 1980.9

Certamente, o padrão da acumulaçãogerado pela política de crédito rural foisignificativo. O volume dos recursos envolvidosno programa, assim como as taxas reais negativasde juros, originadas da aceleração do processo

inflacionário, provocaram um efeito não neutronos preços relativos dos insumos e dos produtos.Alguns mecanismos de políticas econômicasfavoreceram a adoção de insumos modernos,especialmente máquinas e equipamentos. Nesseperíodo, o crescimento da agricultura seguiu umpadrão extensivo, em que o funcionamento dapolítica de crédito rural estimulou o aumento daárea cultivada, associado ao uso de máquinas ede fertilizantes.

Embora tenha ocorrido uma ascensãosignificativa no uso de fatores modernos e na áreacultivada durante a década de 1970, os ganhosde eficiência produtiva foram relativamentebaixos (BARROS; DIAS, 1983; BARROS et al.,1987; BARROS; GRAHAM, 1978; GOLDIN;REZENDE, 1993). A quantidade de capitalinvestido no setor foi de tal valor que as taxas decrescimento de produção foram notáveis, alcan-çando incrementos anuais da ordem de 4 % a 6 %.Como pode ser visto na Fig. 2, a área total colhidacresceu significativamente nas décadas de 1960e de 1970. A área total colhida aumentou de22 milhões de hectares em 1960, para 45 milhõesde hectares no final da década de 197010.

Observação que será analisada maisadiante é que a área total deixou de crescer nadécada de 1980 e de 1990; a área total colhidaoscilou entre 45 milhões de hectares e 50 milhõesde hectares durante essas duas décadas. Só depoisde 1999, a área plantada voltou a crescer11.

A expansão da área durante as décadas de1960 e de 1970 foi acompanhada pela adoção edifusão de insumos modernos, como mencionadoantes. Até 1970, as vendas domésticas do tratorde rodas eram baixas e baseadas em máquinasimportadas. Com a implantação das fábricas detrator no Brasil, a produção doméstica aumentourapidamente. E, com a ajuda do créditosubsidiado, as vendas cresceram muito,alcançando o pico de quase 64 mil unidades em

9 Deve-se lembrar, entretanto, que parte do subsídio foi absorvida pelo produto industrial. A proteção concedida à indústria de insumos modernos nadécada de 1970, particularmente de fertilizantes e de maquinaria, fez com que o subsídio da taxa de juros fosse apropriado parcialmente por empresas

desse setor.10 Dados não disponíveis entre 1971 e 1972. Na Fig. 2, usamos a média dos dados entre 1970 e 1973.11 A partir da alteração da política cambial em janeiro de 1999.

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1976. As vendas oscilaram em torno de 40 milunidades anuais até meados da década de 1980,quando as vendas caíram novamente, para serecuperarem somente no final da década de 1990(Fig. 3).

Igualmente, o consumo de fertilizantescresceu muito durante a década de 1970. A Fig. 4mostra os dados de uso desse insumo, indicandoque, em 1968, atingiu cerca de 600 mil toneladas.No início da década de 1980, as vendas chegarama 4 milhões de toneladas e, durante toda adécada, manteve-se entre 3 e 4 milhões. Só nocomeço da década de 1990, o consumo domés-tico de fertilizantes se recuperou, expandindo-sedepois de 2000.

Ao contrário de maquinaria e fertilizantes,o número de trabalhadores na agricultura nãocresceu no período 1970–2002. O número detrabalhadores no setor teria oscilado entre 10 e12 milhões, com ligeira redução no final do

período. É importante observar que nas décadasde 1980 e de 1990, a economia brasileira cresceulentamente, seguindo um padrão mais ou menoserrático; nesse contexto, a demanda por trabalhono meio urbano variou bastante em função dasoscilações do PIB total, o que acabou afetando onível de emprego no setor agropecuário.

A Fig. 5 mostra a evolução do fator trabalhona agricultura brasileira. Nesse contexto, valedestacar, também, que a interrupção da elabo-ração – pelo IBGE – do Censo Agropecuário,desde 1995 a 1996, causou sérios problemas àpesquisa econômica no Brasil, particularmentesobre questões relacionadas ao uso dos fatoresprodutivos. Sabidamente, o mercado de trabalhona agricultura é caracterizado por imperfeiçõese assimetrias de informação. E apenas para

Fig. 2. Brasil: Área das culturas principais, de 1960 a2004 (em hectares).Fonte: IBGE (1987-2006, 2003, 2007).

Fig. 3. Brasil: vendas domésticas de tratores, de 1970a 2004 (em número).Fonte: Anfavea (IBGE, 2003, 2007).

Fig. 4. Brasil: consumo de fertilizantes, no período1968–2004 (em toneladas de N, P, K).Fonte: Anda (IBGE, 2003, 2007).

Fig. 5. Brasil: número de trabalhadores na agricultura(1973–2002).Fonte: IBGE (1986–1996, 2003) e Gasques et al. (2004).

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39 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

exemplificar quão divergentes são as informaçõessobre mercado de trabalho, apresentamos algumasestatísticas de fontes oficiais sobre pessoalocupado no período 1985–1998. Elas sugerem,também, acentuadas variações em períodosmuito curtos, e até mesmo uma apreciáveldivergência em 1995 (Tabela 4).

O desequilíbrio macroeconômico quecaracterizou a economia brasileira no começoda década de 1980 tornou impossível manter opadrão de crescimento via expansão da áreacultivada. A junção do segundo choque depetróleo com a crise do financiamento externode 1982 esgotaram a capacidade de o governocentral transferir recursos para o Setor Privado.A recessão e o ajustamento com cortes de despesapública, combinados com uma política monetáriarestritiva, afetaram o setor, reduzindo a amplitudedas políticas de preços mínimos e o crédito rural.Os preços de garantia dos produtos foramreduzidos progressivamente, aproximando-os dospreços de mercado.

Nesse cenário, se esperaria que umaredução tão drástica no volume do capitaltransferido à agricultura alteraria seu padrão decrescimento. O ritmo da acumulação de capitaldeveria diminuir. Esse fato é perceptível, ao seexaminar a evolução da área cultivada no País.

Conforme já observado na Fig. 2, a áreacolhida com culturas permanentes e temporáriaspermaneceu praticamente constante na décadade 1980, contrariamente ao fato de ter aumentadosempre desde 1960. A inflexão dessa tendência

ocorreu no início da década de 1980. Essa mu-dança tão repentina da série reflete a importânciado crédito oficial na expansão da área totalcultivada.

Outra maneira de se avaliar a redução dosinvestimentos é visualizada pela evolução doestoque de tratores na agricultura. Trabalhandocom dados de venda de tratores da roda, em1999, Barros construiu três séries temporais parao estoque de tratores no Brasil. Para estimar adepreciação econômica dos tratores o autor usoua série de preços de tratores de segunda mão.

Na função de depreciação, supôs umformato geométrico declinante, com taxas queoscilavam entre 6 % e 7 % ao ano, dependendodo modelo do trator. Tendo à disposição asvendas anuais de tratores de roda, por classe depotência, os dados do Censo Agropecuário e ataxa estimada de depreciação, o autor construiu,ano a ano, o estoque dos tratores de roda,segundo a potência (em cavalos-vapor), o número(em unidades), e o valor real (em R$ de 1995).Os resultados podem ser vistos na Fig. 6.

Merece destaque o processo do envelheci-mento do estoque de tratores no Brasil. O valorda frota alcançou seu pico no final da década de1980, quando era quatro vezes maior do que em1970. Entretanto, a partir daí, a tendência mudouconsideravelmente, reduzindo o valor em maisde 20 %. Conseqüentemente, as alterações nas

Tabela 4. Brasil: pessoal ocupado na agricultura,1985–1998.

Ano Número Variação %

1985 23.395 ...

1995 17.931 -23,56

1995 15.163 -15,50

1996 13.905 -8,30

1997 13.679 -1,62

1998 13.758 -0,57

Fonte: IBGE – Estatísticas Históricas do Brasil – Séries Estatísticas Retrospectivas,v. 3, Séries Econômicas, Demográficas e Sociais, 1950–1985, e Censo

Agropecuário de 1985 e 1995–1996 e IBGE – Diretoria de Pesquisas –

Departamento de Contas Nacionais (IBGE, 2003).

Fig. 6. Brasil: índices do estoque de tratores medidosem valor, número e força-motriz entre 1970 e 1997(1970=100).Fonte: Barros (1999).

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condições econômicas da década de 1980 afetarampesadamente os investimentos agrícolas. Note-se que o montante de investimentos em tratoresrealizados em 1995 é equivalente àquele de 1979.

A Fig. 6 mostra os movimentos relativos dasséries. A taxa de crescimento do valor do estoqueera maior do que a taxa de crescimento donúmero dos tratores do do início da década de1970, até meados da de 1980. Esse movimentoé típico de economias em expansão. Começandocom um estoque pequeno, os aumentos anuaisfazem o valor do estoque crescer mais do queproporcionalmente ao número de tratores. Entre-tanto, essa tendência é revertida e, por volta dadécada de 1980, a taxa de declínio do valor dafrota tornou-se mais acentuada do que aquela donúmero de tratores, indicando assim o envelheci-mento da frota.

Vale a pena notar que o estoque dostratores aumentou quase cinco vezes em númeroentre 1970 e 1990. Entretanto, o que mais chamaa atenção é a evolução da potência acumulada.Entre 1970 e 1994, o estoque de tratores, medidoem cavalos/vapor, aumentou mais de seis vezes,sugerindo elevação da potência média dostratores. Mesmo assim, percebe-se que todas asséries indicam tendências à redução do estoqueaté 1994, o que parece sinalizar um ambiente deincerteza em curtíssimo prazo.

Na década de 1970, e em meados da de1980, o processo de acumulação de capital naagricultura foi muito significativo. No Brasil, oaumento do número dos tratores fez o númerodos hectares cultivados por trator cair notavel-mente: em 1973, eram cultivados 165 ha portrator; em 1995, esse número caiu para 64 ha(Fig. 7).

A área cultivada e os tratores de roda sãoaqui usados como indicadores de um padrão decrescimento extensivo. A expansão desses doisinsumos, combinada com o nível de investimentospúblicos em estradas e uma política agrária queantecipava os direitos de propriedade nas terrasda fronteira – reproduzindo a elevada concentraçãoda posse da terra observada nas áreas mais velhas

de ocupação – acabaram induzindo ou estimu-lando expressivos ganhos de capital para umaparcela de médios e grandes fazendeiros.

Assim, se esperaria também que, com oabrupto corte das transferências intersetoriais derenda, a produção agrícola teria forte redução.Entretanto, o que ocorreu no final da década de1980 e durante toda a década de 1990, acabariasendo uma surpresa para muitos economistas.Apesar do ambiente macroeconômico instável eda contração no nível da atividade do setorindustrial, a produção agropecuária continuou emexpansão. A Fig. 8 mostra a evolução daprodução de grãos no período 1980–2004.Convém notar que essa produção passou de50 milhões de toneladas para 120 milhões oumais, em 2003. Tal crescimento é impressionante:

Fig. 7. Brasil: número de hectares cultivados por tratorentre 1973 e 1997.Fonte: Barros (1999).

Fig. 8. Brasil: evolução da produção de grãos (milhãode toneladas).Fonte: IBGE (2007).

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depois de 1999, a produção de grãos aumentou40 milhões de toneladas, num intervalo de4 anos.

Em resumo, entre os pontos principais adestacar estão:

i. No início da década de 1970, umconjunto de políticas foi implantadopara modernizar a agricultura brasileira.As indústrias de fertilizantes, agroquí-micos, maquinaria e sementes foramconstruídas e o crédito rural oficialgarantiu a demanda desses insumos. Nasdécadas de 1970 e de 1980, os agricul-tores aprenderam a usar os insumosmodernos. Junto às políticas de estímuloao uso de insumos, a criação do SistemaNacional de Pesquisa da Embrapa adap-tou variedades modernas e desenvolveuinovações tecnológicas para regiõestropicais.

ii. Num primeiro momento, a expansão douso de insumos modernos não se refletiu,como esperado, em aumento de produti-vidade na agricultura. A pesquisa agríco-la leva algum tempo para produzirresultados e, só na metade da décadade 1980, as novas variedades e técnicasde produção para o Cerrado tornaram-se disponíveis. Além disso, impostos,controle de preços e subsídios de créditodistorceram os preços de insumos eprodutos, reduzindo consideravelmentea eficiência econômica.

iii.Com a instabilidade macroeconômicada década de 1980 e as conseqüentesdificuldades fiscais, os subsídios nocrédito oficial foram reduzidos (oumesmo eliminados em alguns anos), e ovolume de crédito experimentousensível queda. Não havia mais créditooficial para financiar a expansão da áreasob cultivo. Os fazendeiros responderam

a essa restrição com ganhos daprodutividade. Naquele tempo (meadosda década de 1980), a tecnologia estavadisponível e pronta para levantar aprodutividade. Também, a menor inter-venção do governo ajudou reduzir asdistorções criadas pelos impostos e pelocontrole de preços do período prece-dente. O importante é observar que atémetade da década de 1980, o acúmulode capital foi intenso, aumentando oestoque de máquinas, a infra-estrutura ea fertilidade de solo. Ou seja, a base paraa expansão agrícola estava pronta parao que aconteceu na década de 1990.

A questão central dessa discussão é sabercomo seria possível o setor crescer num ambientetão desfavorável. Como será visto mais à frente,além das transformações já mencionadas, a agri-cultura foi o primeiro setor da economia brasileiraa se expor à competição internacional, enfren-tando um cenário de reavaliação das taxas decâmbio estabelecidas desde os meados da décadade 1980 e, particularmente, após o Plano Real.

Para se compreender essa dinâmicapeculiar da agricultura12, alguns fatores poderiamser examinados. Um primeiro conjunto de argu-mentos tem a ver com os ganhos de eficiênciamicroeconômica associados com as mudançassignificativas nos preços relativos dos fatores daprodução. O ponto principal a ser anotado é queos movimentos simultâneos da liberalização docomércio e das restrições aos recursos subsidia-dos (via crédito) acabaram forçando o aumentoda eficiência produtiva nas empresas maiscapitalizadas. Essa pressão por maior eficiênciaocorreu concomitantemente com uma evoluçãofavorável nos termos de troca da agricultura(produto/insumo), reforçando o movimentofavorável aos ganhos de produtividade. As fazendaspequenas com tecnologia tradicional e desubsistência (ou quase) estariam ameaçadas deserem excluídas desse processo de mudança.

12 Artigos de Dias (1988, 1989, 1990) sumarizam esses argumentos.

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Vários estudos analisam os ganhos daprodutividade da agricultura desde a década de1980 e, principalmente, na de 1990: Araújo et al.(2002), Ávila e Evenson (1995), Bonelli e Fonseca(1998), Dias e Bacha (1999) e Gasques eConceição (1998).

Em 1999, Barros estimou que os ganhosda produtividade total dos fatores (PTF) até 1987eram da ordem de 1,8 % a.a. Entre 1986 e 1996,a produtividade do trabalho aumentou a taxasmais elevadas: 2,7 % a. a. A produtividade daterra também aumentou significativamente entre1991 e 2004 (Fig. 9).

O índice construído separou o componenteagrícola do componente produção animal,considerando as nove principais culturas. Nesseperíodo, houve um aumento de 60 % na produti-vidade da terra.

Entretanto, o incremento do rendimento daterra não foi homogêneo entre as principaisculturas do País. As colheitas que apresentam osganhos mais elevados da produtividade da terrasão milho, feijão e soja. Os produtos milho efeijão são muito importantes no consumo daclasse de trabalhadores e das pessoas maispobres. Além disso, o algodão mostrou umaumento notável de rendimento em sua culturano período.

Em termos de crescimento de produtivi-dade, produtos de tradicional participação nomercado externo (cacau e café) não mostraram omesmo padrão de eficiência produtiva. Isso pode

ser parcialmente explicado pelos preços interna-cionais relativamente baixos em diversos anosconsecutivos. É oportuno destacar que a culturado feijão – a mais tradicional e típica de mercadointerno – mostrou o maior incremento deprodutividade.

Parte dos ganhos da produtividade podeser explicada pela correlação (elevada) com osinvestimentos na pesquisa e na extensão. Nadécada de 1970, várias instituições da pesquisaforam criadas no País (ALVES; CONTINI, 1992).Os avanços obtidos nessas instituições começarama ser disseminados por grande número de escolasde agronomia, engenharia florestal e medicinaveterinária. Em 1969, os cursos oferecidos por49 unidades adicionavam 1.008 vagas anuais.Em 1986, esse número atingiu 7.203 vagas em96 instituições (ALVES; CONTINI, 1992).Em 1994, havia 12.142 vagas disponíveis em177 instituições acadêmicas (ARAÚJO et al.,1996). Na década de 1970, o crescente númerode técnicos ligados ao setor passou a ser usadopelos centros de extensão criados pelo Estado, afim de divulgar a pesquisa e as técnicas modernasde cultivo. Os maiores investimentos em pesquisae desenvolvimento, bem como na dotação decapital humano para a agricultura, foram essenciaisàs mudanças estruturais para o crescimento dosetor (BARROS, 1979).

Sabidamente, os retornos aos investimentosem pesquisa, principalmente na agricultura, sãolentos. Existe um time lag entre a criação oudescoberta de um novo produto ou processoprodutivo nos centros de pesquisa e sua transfor-mação em inovações tecnológicas. O mesmoocorre com o processo de difusão das técnicasnovas. Leva algum tempo para que os produtorestomem conhecimento da nova tecnologia edecidam pela sua adoção. Os incrementos daprodutividade, que vêm do uso de técnicas novas(aprender fazendo), só aparecem depois de algumtempo. Assim, não seria surpresa se os ganhospotenciais de produtividade das tecnologias,criadas a partir da década de 1970, só produ-zissem efeitos positivos em escala comercial nadécada seguinte. Em outras palavras, esse período

Fig. 9. Brasil: índice de mudança da produtividadepara nove culturas principais (1991=100).Fonte: Estimativa dos autores.

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de espera serviria de base para o crescimento queviria mais tarde. Mesmo com a recessão da econo-mia brasileira na década de 1980, algumas funda-ções para o crescimento já tinham sido construídas.

Outro aspecto importante para compreenderos ganhos da eficiência do setor é a falta deinvestimentos em infra-estrutura de transporte atéa metade da década de 1980 (e até hoje): asprecárias condições de transporte terminaram porforçar a intensificação do uso do fator terra,usando áreas tradicionais próximas dos centrosurbanos e áreas novas do Centro-Oeste.

A pressão pelo aumento da área cultivadanão foi causada unicamente pela baixa eficiênciado sistema do transporte. Com efeito, os preçosrelativos dos fatores contribuíram para acentuaressa tendência. O processo de liberalização daeconomia da década de 1980 e da administraçãoCollor, na década de 1990, reduziu substancial-mente os preços dos insumos importados.

A crescente dependência da importação defertilizantes e de agroquímicos exerceu pressãosobre a liberalização das importações. A ascensãodas importações ocorreu no começo da décadade 1990, quando o governo federal promoveureduções de tarifas na importação (Tabela 5). Vejaque as tarifas sobre fertilizantes eram pratica-mente inexistentes até 1993. As tarifas nosagroquímicos estavam ao redor de 10 %. Só osetor de maquinaria e equipamentos mantevebarreiras protecionistas da ordem de 30 %.Ou seja, com a exceção do setor de maquinaria,pode-se dizer que os insumos usados pela agricul-tura tiveram seus preços ajustados (para baixo)no mercado internacional.

Além dessa reforma tarifária, que atingiutambém a importação de produtos agrícolas emgeral13, reformas complementares foramexecutadas com a finalidade de melhorar osistema da informação estatística no comérciointernacional e simplificar os mecanismos decontrole do comércio exterior. Um ágil sistemaeletrônico foi desenvolvido, permitindo que aimportação fosse centralizada e eficiente. Esses

mecanismos reduziram bastante os custos detransação das importações.

A liberação do mercado de insumosgarantiu melhoria significativa nos termos de trocaem favor da agricultura. Entre 1987 e 1998, oíndice dos termos de troca da agricultura (preçodo produto/preço do insumo) melhorou em 30 %(Tabela 6). Esses ganhos seriam mais expressivosnão fosse o índice registrado no subsetor deprodução animal. Enquanto as lavouras tiveram

Tabela 5. Brasil: Evolução da estrutura de tarifasde produtos agrícolas e insumos, em percentagem,1991–1993.

Produtos 1991 1992 1993

Fertilizantes 15 15Uréia 10Amônia, enxofre 0Nitratos 0Superfosfato 5-10Outros fertilizantes 0-10Tratores 30 (20)Equipamentos 20Produtos químicosMatérias-primas 10

Produtos finais 10

Fonte: World Bank (1993).

Tabela 6. Brasil: evolução dos termos de troca – Preçode produto/Preço de insumo, 1987–1999 (1987=100).

Termos de troca

Ano Produtos ProdutosAgricultura

agrícolas animais

1987 100,0 100,0 100,01988 118,1 92,1 109,51989 93,4 96,9 94,61990 122,0 119,6 121,2

1991 120,1 108,9 116,41992 121,2 102,8 115,21993 133,2 120,4 129,01994 149,4 127,5 142,21995 128,8 100,1 119,3

1996 122,5 90,2 111,81997 139,9 98,5 126,2

1998 145,7 97,7 129,9

Fonte: Dias e Barros (2000).

13 Ver Dias e Amaral (2000) para mais detalhes.

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aumento de 46 % nos termos de troca, o índicecorrespondente à produção animal teve umaredução de 3 %.

Entre os 20 produtos agrícolas analisados,quase todos experimentaram melhoria na relaçãoentre preços recebidos e preços pagos até 2000.Tais ganhos (significativos) permitiram a expansãoda oferta agrícola durante toda a década. Umponto importante, relacionado com a forma decalcular o índice dos preços pagos, precisa serdestacado. Na sua composição, estão as despesascom trabalho, fertilizantes, agroquímicos, máquinase combustível. Em conseqüência, o indicadorreproduz um padrão tecnológico que abrange aparcela das fazendas que adotam tecnologiasmais avançadas. Assim, embora seja impossívelquantificar ou até mesmo identificar quais osbenefícios dessas mudanças, possivelmente osprodutores – que não empregam insumosmodernos – não se apropriaram dos preçosrelativos favoráveis. Certamente, a situação dessesprodutores seria muito pior se os preços dosprodutos agrícolas tivessem caído em relação aopacote de consumo doméstico do pequenoprodutor.

A redução nos preços dos fatores daprodução possibilitou a redução significativa noscustos médios de diversas culturas (FERREIRAFILHO, 1997). A partir dos dados de custos deprodução do Instituto de Economia Agrícola doEstado de São Paulo (IEA), no período 1980–1994,o autor mostra apreciável redução nos custos demilho, arroz, feijão, algodão, mandioca, soja etrigo.

Entre 1981 e 1994, o índice cai de 100 para44 na produção de algodão, 43 no arroz, 22 nofeijão, 37 no milho, 59 na mandioca e 57 naprodução de soja. Ou seja, houve uma queda demais de 50 % nos custos médios de produção.Para a maioria dos produtos, essa redução foideterminada pela contração dos preços deinsumos modernos, em conseqüência da novapolítica de abertura ao comércio internacional.Os avanços tecnológicos contribuíram, também,para a redução dos custos médios de produção.

Mas, como já mencionado, a causaprincipal da redução de custos foi a queda dospreços dos fatores. Como Homem de Melo (1992)indica, na década de 1980, foi a queda dos preçosdos fertilizantes, dos agroquímicos e do combus-tível. Só os preços da maquinaria agrícola mostraramtendência de alta. Entretanto, paralelamente àredução dos preços dos fatores, houve queda depreços de quase todos os produtos até 1998.Conseqüentemente, valeria a pena saber se aqueda nos preços dos produtos seria de talmagnitude que mais do que compensaria asreduções dos custos médios.

A Tabela 7, extraída de Ferreira Filho(1997, p. 11), mostra a relação entre os índicesde preços recebidos e os correspondentes custospor unidade. Pode-se observar que apesar dodeclínio em certos anos, há uma tendência deelevação dos preços recebidos em relação aoscustos unitários, indicando a melhoria na situaçãoeconômica dos fazendeiros. A série mostraaumentos sistemáticos nas margens brutas noperíodo. A única exceção é a mandioca, queenfrentou contínua contração em sua margem.

A queda de preços relativos dos fertilizantesalterou radicalmente o caminho de crescimentoda agricultura brasileira. Durante toda a seqüência

Tabela 7. Brasil: índice da razão entre preço doproduto e custo médio de produção (1981–100).

AnoAlgo-

Arroz Feijão MilhoMan-

Sojadão dioca

1980 137 177 123 130 147 1791981 100 100 100 100 100 1001982 102 135 59 98 58 941983 94 147 86 136 72 1101984 108 127 108 121 99 1191985 119 186 37 141 101 110

1986 110 121 73 172 40 1471987 86 71 122 64 22 1111988 96 80 81 99 101 78

1989 47 59 122 81 56 591990 57 84 86 82 21 491991 61 122 144 114 19 781992 82 107 138 142 47 941993 148 172 252 204 75 125

1994 108 112 216 114 46 86

Fonte: Ferreira Filho (1998).

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de planos heterodoxos, para a estabilizaçãoeconômica, nas décadas de 1980 e de 1990,ocorreram oscilações nos preços da terra, geral-mente, em patamares relativamente elevados.Como vários estudos anuais atestam, em váriosmomentos, a terra serviu como um ativo dereserva do valor contra os sucessivos choques naeconomia. Esse fato terminou inflando o valorda terra e favorecendo a intensificação de seu uso.

A rota biológica da agricultura pode serapreciada na Fig. 10. Ela mostra a quantidade dosnutrientes (NPK) usados por hectare no Brasil de1973 a 2004. O uso mais intensivo de fertilizantesquímicos torna-semais acentuado. Em 2004,alcança o nível de 170 kg de nutrientes porhectare. E, de acordo com os dados da FAO(FAOSTAT), essa quantidade é similar àquela dosEstados Unidos.

A Fig. 10 ajuda a explicar o bom desempe-nho agregado da agricultura nas adversascircunstâncias macroeconômicas. O crescimentoconjunto da produtividade e dos termos de trocado setor garantiu a notável ascensão do poder decompra da agricultura. Por sua vez, as Fig. 11 eFig. 12 também reforçam esse argumento. Umindicador de lucratividade (ou do poder decompra) foi construído a partir da combinaçãodos ganhos da produtividade e dos termos detroca. O poder de compra é o produto do índicede produtividade pelo índice dos termos de troca.Elevações nos termos de troca (preços dos produtos/

preços dos insumos) e/ou na produtividade dasfazendas/empresas garantem o aumento do poderde compra ou da lucratividade.

Como pode ser visto na Fig. 11, houve umaumento no poder de compra do setoragropecuário expandido no período considerado.Esse ganho foi de aproximadamente 40 % entre1991 e 2004.

Em particular, as lavouras tiveram desem-penho muito bom no período. Seu poder decompra, considerando-se os preços dos fertili-zantes, cresceu 60 % entre 1991 e 2003. No anoseguinte, caiu fortemente, em razão de alta dospreços internacionais dos fertilizantes. Entretanto,os produtos de origem animal não registraramganhos de poder compra nesse período. Isso pode

Fig. 10. Brasil: evolução do uso de fertilizantes porhectare (em quilos de N, P e K).Fonte: Anda e IBGE (IBGE, 2007).

Fig. 11. Brasil: índices dos termos de troca, produtivi-dade e poder de compra da agricultura (lavouras epecuária), (1991=100).Fonte: Estimativa a partir de dados secundários.

Fig. 12. Brasil: índice da taxa real de câmbio (R$/US$,1990=100).Fonte: Bacen (1986–2006).

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ser explicado pela grande dependência de suademanda do mercado interno, que não aumentoumuito em conseqüência do pequeno crescimentoeconômico do País. Só depois de 1999, verifica-se crescimento das exportações desses produtosno total da produção doméstica 14. Se essa tendên-cia continuar em médio prazo, é de se esperarque os preços relativos deverão mudar o perfildo sistema produtivo no agronegócio brasileiro.

Quando medida em termos de produtivi-dade e relações da troca, essa vantagem é quepermitiu aos agricultores de alta tecnologia obterum tipo de financiamento alternativo ao tradicionalsistema de crédito rural. O ganho no poder decompra permitiu aumentar a lucratividade dosprodutores. Foi a maneira de os produtoresencontrarem financiamento para a produção,compensando a limitação financeira imposta pelaredução da capacidade fiscal do Estado, gerandoum sistema autônomo. É possível admitir que osretornos na atividade agrícola não permitem taxasmuito elevadas. Entretanto, o padrão observadode crescimento da oferta de produtos agropecuários,internamente, foi suficiente para atender à expan-são da demanda interna com os preços em queda.É importante observar que, nesse novo sistema,os produtores com baixa produtividade médiaestarão submetidos a um processo de diminuiçãode capital e gradualmente poderão deixar asatividades.

O autofinanciamento não explica comple-tamente como foi possível financiar o crescimentoda agricultura durante esse processo de mudançaestrutural. As transformações nas estruturas dacomercialização de alimentos devem ser tambémexaminadas. Conforme discutidas previamente,as limitações financeiras do Setor Público levarama uma redução progressiva dos preços mínimose dos mecanismos usados na política de estoquesreguladores. A entrada do Setor Privado foi umacompensação à retirada do governo no financia-mento e na comercialização da produção.

As indústrias processadoras de alimentos,os traders e os supermercados começaram a

desenvolver um sofisticado sistema informal definanciamento. A lógica atrás desse movimentotem a ver com a habilidade desses segmentos emcaptar e oferecer capital num ambiente macroe-conômico marcado pela instabilidade e por taxasde juros elevadas. Parte da indústria de alimentos– e os exportadores – começaram a captarrecursos no exterior, transferindo-os aos produ-tores devidamente integrados numa cadeiaprodutiva.

No caso da indústria de alimentos, nãosomente os recursos financeiros para a produção,mas também todo o material genético e atecnologia começaram a ser fornecidos aosagricultores. Essa ligação – construída no períodoem análise – constitui explanação adicional paraos ganhos de produtividade na agriculturabrasileira, em particular no segmento de criaçãode pequenos animais.

Até aqui, essa análise indica que os preçosrelativos (termos de troca) induziram aintensificação da produção, em razão da reduçãonos preços dos insumos, principalmente emconseqüência do processo de abertura daeconomia na década de 1990. Tambémimportante para a intensificação foi o desenvolvi-mento anterior de nova tecnologia: aumento daprodutividade devido aos retornos do processode “aprender fazendo” e ganhos de eficiênciaderivados da otimização do uso dos insumos. Emresumo, o sistema de produção estava pronto paracrescer rapidamente. O que faltava era umestímulo econômico mais forte.

Com o fim da inflação em 1994, embora oexpressivo ganho da renda real obtida peloscosumidores tivesse proporcionado forte impactono consumo, os preços agrícolas domésticosforam mantidos relativamente baixos pelo fatode a moeda nacional estar sobrevalorizada. Talprocedimento foi parte essencial da estratégia deestabilização do Plano Real: a idéia de acabarcom a inflação, mediante controle de preços dosprodutos transacionáveis, mantendo-a baixa comuma taxa de câmbio sobrevalorizada. A Fig. 12

14 A exportação de frangos é uma exceção.

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apresenta um índice da taxa real de câmbio,indicando a magnitude da valorização da novamoeda nacional, implantada no Plano Real em1994.

Como o professor Schuh nos ensinou emseu notável paper, a taxa de câmbio tem papeldefinitivo para explicar o desempenho daagricultura (SCHUH, 1974). Assim, mudançasrepentinas nas taxas de câmbio – nominais e reais– afetam consideravelmente o padrão de expan-são/crescimento da produção e da produtividade.Obviamente, o objetivo principal deste trabalhonão é explicar a história do Plano Real, mas umponto importante a observar é que, no final de1998, a moeda nacional foi desvalorizadarapidamente, forçando a elevação dos preços dosprodutos transacionáveis. Esse era o estímulo quefaltava para acelerar o crescimento.

Entretanto, uma coincidência ajudou afortalecer o efeito da taxa de câmbio favorável.Os preços da soja em grão aumentaram muito;parte em conseqüência da doença-da-vaca-louca:a demanda por proteína vegetal em substituiçãoà proteína animal na alimentação animalaumentou na Europa. Essa mudança repentina,inclusive nos preços relativos garantidos pela taxade câmbio, junto com uma oportunidade nomercado de soja em grão, deu um novo alento àexpansão da produção.

O rápido aumento da produção de grãos,liderado pela soja15, só foi possível com a presençade traders globais e empresas multinacionais nosetor dos agroquímicos. Eles tornaram-se funda-mentais no financiamento da agriculturabrasileira. Como anteriormente observado, umaconseqüência das dificuldades fiscais do governofederal foi a redução da oferta de crédito ruralformal (particularmente de fontes oficiais) emrelação às necessidades agrícolas. Algumas esti-mativas indicam que o crédito formal é suficienteapenas para cobrir de um quarto a um terço docapital financeiro necessário para uma safrano País.

A outra parte das necessidades financeirasvem do próprio capital do setor privado e dosrecursos próprios dos fazendeiros. Um mercadode crédito informal – entre traders e fazendeiros– foi desenvolvido durante a metade da décadade 1980 e principalmente após o Plano Real em1995. Há contratos de pré-comercialização: antesdo plantio, os comerciantes antecipam o capitalao agricultor (muitas vezes na forma de insumos,incluindo os fertilizantes) de modo a realizar ocultivo; em troca, os produtores assumem ocompromisso de entregar sua produção futura,após a colheita.

Esse sistema de crédito informal explicacomo a agricultura poderia crescer a despeito dodeclínio do crédito rural formal, a partir de 1986.Ele também mostra a importância do Brasil naestratégia dos traders globais: comprando grãosde soja brasileira (e da Argentina) quando EstadosUnidos e Canadá estão colhendo o produto (emsetembro) para garantir a oferta em março,abaixando consideravelmente o volume doestoque necessário para fornecer o produto adiferentes países.

Em resumo, entre os principais aspectos adestacar estão:

i. No início da década de 1990, a aberturaao comércio reduziu os preços dos insu-mos e aumentou os preços de exportaçãono setor agrícola brasileiro. Em termosde preços relativos, induziu o benefícioaos fazendeiros, fazendo-os intensificara produção, aumentando a produtivi-dade e abaixando o custo médio deprodução. Esses movimentos aumentarama lucratividade da produção agrícola.Os lucros foram importantes para explicarcomo a agricultura se expandiu, apesarda forte redução do sistema de créditoformal.

ii. A abertura comercial ajudou a expansãoda participação dos traders multinacio-

15 A soja é o produto mais importante da agricultura brasileira. Ela responde por mais de 40 % do consumo de fertilizantes no Brasil, que é o quinto maior

consumidor desse insumo em todo o mundo.

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nais na agricultura brasileira. Essascompanhias começaram a desempenharum papel definitivo em nossaagricultura. Parte do crédito necessárioao crescimento da produção veio dessasmultinacionais: o acesso ao capital debaixo custo permite aos tradersemprestar dinheiro aos agricultores, parafinanciar a produção de modo rentável.Esses movimentos compensaram,também, a redução da participação doSetor Público no financiamento daagropecuária. É importante observar quea agricultura brasileira moderna ébasicamente privada, isto é, a presençado Setor Público é relativamente baixa(crédito, subsídios, impostos, etc.).

iii.A presença nos mercados internacionaisfoi garantida pelos baixos custos deprodução. O processo de intensificaçãoque marcou a agricultura brasileira indu-ziu a busca de uma crescente eficiênciana produção de uma ampla variedadede produtos. Em muitos produtos, oBrasil tem custos de produção dos maisbaixos no mundo.

Conclusão

No período 1960–1985, o número e o valordos empréstimos formais a fazendeiros aumentaramsignificativamente. Contudo, a maioria dos agricul-tores do País não teve acesso ao crédito, e a parceladestinada aos pequenos agricultores foi pequena.Apesar disso, o produto agrícola e o uso de insumosmodernos cresceram bastante.

Considerando a possível existência de umefeito extensão para os fazendeiros que foram osprimeiros usuários de inovações tecnológicas(mecânicas e biológicas), a política de créditopoderia ser um fator importante para mudar eelevar a função de produção agregada daagricultura comercial. Entretanto, como o valorda produção é um critério para concederempréstimos, juntamente com a conhecidapropriedade de fungibilidade do dinheiro, torna-se difícil estabelecer, com segurança, uma linha

da causalidade entre crédito e desempenho daagricultura. Se isso for verdadeiro, sempre serápossível aceitar algum grau de substituição derecursos internos por recursos externos. E conse-qüências naturais dessa substituição serão osimpactos negativos no lado da eficiência tantona produção como na alocação de recursos.

A resposta dos bancos a distorçõesintroduzidas nos mercados financeiros do País écompreensível. Os mecanismos de compensaçãoe os custos/taxas adicionais aos juros são – econtinuarão a ser – usados extensivamente paraelevar os retornos dos empréstimos agrícolas.Com clara orientação ao lucro, os bancos sãorelutantes em aumentar os empréstimos agrícolasde longo prazo, e seus procedimentos operacio-nais na concessão de empréstimos rurais tendema aumentar os custos de transação para o devedor.

Duas importantes questões não respondidasemergem da experiência brasileira em políticaagrícola.

A primeira: qual seria a demanda porcrédito, se a agricultura fosse menos discriminada– como foi no passado – pelos controles de preços,

taxas de câmbio sobrevalorizadas e controles naexportação?

E a segunda: o desempenho dos bancos

teria sido melhor, especialmente em termos daeqüidade, se tivessem mais incentivos para fazerempréstimos agrícolas?

Essas perguntas parecem estar muitorelacionadas entre si. Uma justificativa para taxasde juros subsidiadas é a de compensar a discrimi-nação de outras políticas. Mas os controles dastaxas de juros reduzem a lucratividade dos bancos.Assim, uma tendência lógica para os bancos seriareduzir custos, emprestando preferencialmenteaos grandes fazendeiros e usando non price

métodos (extrajuros) para alocar o crédito. Nessecontexto, procedimentos mais simples e taxas dejuros flexíveis poderão ser essenciais paraaperfeiçoar o sistema de crédito. Linhas geraisde financiamento, em vez de complexos programase projetos especiais, deveriam ser criadas parafavorecer o desenvolvimento desse sistema.

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A experiência brasileira evidencia, também,o grande dilema que emerge das políticas decrédito agrícola e macroeconômica, especial-mente em termos dos objetivos das políticasmonetárias e fiscais, quando grandes quantidadesde subsídio são envolvidas. Prova disso foram assignificativas mudanças na política de crédito nasdécadas de 1980 e de 1990, em função dosajustamentos necessários ao cenário e às políticasmacroeconômicas. Os efeitos inflacionários, deenormes quantidades de crédito agrícola barato,não eram mais suportáveis. O desempenho daagricultura brasileira na década de 1980, eespecialmente no período pós-Plano Real, levantadúvidas para explicar o crescimento dos ganhosde produção e produtividade, apesar da enormequeda na oferta e na demanda do créditoinstitucional. Outras políticas dirigidas à agriculturativeram e provavelmente continuarão a ter papeldos mais expressivos para explicar o crescimentoe o desenvolvimento do País: políticas de preços,de comércio internacional, de investimento empesquisa, e de investimento em infra-estrutura.

A política de crédito deve gradualmente serajustada para se transformar num instrumento quedê maior liquidez ao agricultor para produzir,poupar ou investir, em vez de ser usada comoum insumo produtivo de curto prazo ou soluçãopara situações de caráter emergencial. Nessecontexto, duas questões são ainda negligenciadasno Brasil: o papel dos mercados financeirosinformais e os mecanismos para realizar edesenvolver a captação de poupanças no meiorural.

No atual estágio de desenvolvimento daagricultora brasileira, parece essencial desenvol-ver a idéia de finanças rurais, baseadas nacombinação de recursos próprios do agricultor(para autofinanciamento) com recursos externosobtidos em verdadeiros mercados de interme-diação financeira. Esses mercados deverão incluira intermediação formal (regulada pelasautoridades monetárias) e a associação entre osprodutores rurais e o capital financeiro de indús-trias, do comércio e das associações de produtos.Conseqüentemente, não deverá desconsiderar a

função dos mercados financeiros informais ousemi-informais.

Desde 1986, o sistema formal do créditoagrícola para a chamada agricultura comercialdeclinou, apesar de sua parcial recuperação nosúltimos 5 anos. No contexto dessa recuperação,parece ser prioridade do governo federal o usodo crédito, pequeno e barato, como instrumentoda distribuição de renda e promoção social daagricultura familiar e dos agricultores pobres.Examinando-se as estatísticas de anos recentes, aimportância do Programa de Fortalecimento daAgricultura Familiar (Pronaf), é uma evidênciainquestionável nesse sentido. Entretanto, todo ocrédito de programas especiais e seletivos deveser submetido a avaliação econômica periódicae, tanto quanto possível, examinado em termosde seus objetivos de médio prazo.

Logo após o Plano Real, em agosto de1994, foi observada grande instabilidade nosistema bancário. Os bancos comerciais obtinhamgrandes lucros com operações de curto prazo(floating) de tal maneira que não pareciampreocupados em fazer empréstimos, e tambémcom seus custos de transação. Entretanto, enfren-tamos agora um cenário completamente diferente.A indústria de bancos está se tornando cada vezmais sofisticada e altamente competitiva.

Quanto aos depósitos de poupança nomeio rural, a autorização das autoridades monetá-rias deve também ser estendida aos bancoscomerciais privados. Essa medida parece ter umgrande potencial, como fonte de fundos a seremaplicados na agricultura. Apesar de todas asrestrições impostas àqueles bancos, essa fonte derecursos financeiros representa – atualmente –quase 30 % do crédito formal para a agricultura.

No que se refere à política de crédito rural,deve-se evitar ou pelo menos minimizar algunsdos graves problemas observados (e comentados)neste artigo, quais sejam:

• Atentar para os riscos de uma possívelsituação de repressão financeira.

• Reduzir (ou até mesmo eliminar) progra-mas diferenciados e específicos dirigidosa grupos-alvo.

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• Reduzir custos da transação do crédito,com flexibilidade e eficiência alocativa,diminuindo a incerteza e o risco dospoupadores e dos tomadores.

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52Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Das políticas de

substituição das

importações à

agricultura moderna

do Brasil

Ignez Vidigal Lopes1

Mauro de Rezende Lopes1

Fábio Campos Barcelos1

Resumo: a experiência brasileira no processo de ajustamento, enfrentado pela agricultura, que saiude um regime de industrialização forçada, dentro de uma política de substituição de importações,não foi boa. O setor agropecuário pagou um preço muito elevado pela industrialização do País.Sofreu políticas discriminatórias de controles de preços e tributos na exportação. O Brasil, de grandeexportador mundial, tornou-se grande importador. Por meio do crédito rural subsidiado, o governocriou políticas compensatórias, que não resolveram os problemas de escassez de alimentos e acabaramconcentrando renda na agricultura. Entretanto, quando o Brasil estabilizou sua economia e removeuas políticas protecionistas para a indústria, passando para um regime de exportações mais livres edesgravadas, o setor rural mostrou toda a sua pujança nas exportações e no abastecimento interno.Nessa transição, os problemas de ajustamento enfrentados pelo País foram sendo gradualmenteresolvidos à medida que investimentos na pesquisa, fruto de um projeto de país, de ciência e tecnologia,aumentaram os rendimentos dos cultivos e da pecuária até o Brasil tornar-se um dos maioresexportadores de alimentos. O setor agrícola foi desafiado ao longo de quase 3 décadas e encontrouforças para sobreviver e competir com os avanços da tecnologia e a estabilização macroeconômica.

Palavras-chave: Políticas de substituição das importações; Proteção à indústria; e Desregulamentação.

Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar asexperiências brasileiras na transição das políticasde substituição de importações (PSI) para o regimeatual no qual prevalece a liberalização dosmercados agrícolas da intervenção do Estado.

O setor primário da economia passou por longoprocesso de ajustamento, desde os tempos emque vigoravam as políticas de proteção à indústrianascente, caracterizada pelo uso excessivo detarifas de importação de produtos industriais, quediscriminavam severamente o setor agrícola como objetivo de promover a industrialização.

1 Respectivamente, chefe do Centro de Estudos Agrícolas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Economia e

Sociologia Rural ([email protected]); pesquisador e membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV),ex-membro da equipe negociadora do Brasil na Rodada Uruguai e atualmente professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ([email protected]); e economista-

assistente de pesquisa, do Centro de Estudos Agrícolas (Ibre) ([email protected]).

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53 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

O processo de liberação dos mercadosagrícolas e a retirada do governo das pesadasintervenções na agricultura ocorreu recentemen-te. Nesse período, o governo adotou toda sortede controles de preços, com o suposto objetivode controlar a inflação.

Este trabalho enfatiza a natureza das diversasformas de proteção à indústria; as intervenções exabrupto nos mercados agrícolas e as supostascausas e pretensas justificativas; as conseqüênciasde todos esses processos que prejudicaram o setoragrícola, fazendo-o perder ímpeto e crescimento,a ponto de comprometer as exportações e oabastecimento interno; e o longo processo deajustamento pelo qual passou o agronegóciobrasileiro, num período de quase 5 décadas. Esseperíodo de transição encerra experiências queserão registradas neste texto. Por fim, a agriculturabrasileira, desafiada por tantas políticas que adiscriminaram, acabou por resistir e, com as atuaisreformas, em que houve uma mudança radical decomo os governos recentes tratavam o setor,tornou-se uma das agriculturas mais dinâmicas eexportadoras do mundo.

Políticas de substituiçãodas importações

Por cerca de 5 décadas, o Brasil perseguiuuma política de substituição de importação, queconsistia em proteger a indústria, com o objetivode transferir recursos (capital e trabalho,principalmente) do setor agrícola para o setorurbano-industrial, reduzindo os custos daindustrialização. Além disso, sob a alegação deque era necessário controlar a inflação, osgovernos intervieram na comercialização dosprodutos agrícolas com manipulação dosestoques públicos, vendidos com subsídios;promoveram a importação de alimentos paravenda com subsídios; controlaram de formadraconiana as exportações e os preços internos,com prolongados períodos de tabelamento. Essasmedidas tiveram efeitos devastadores sobre acapacidade da agricultura de exportar e alimentaros brasileiros. As conseqüências dessa longa sériede políticas são discutidas neste trabalho.

Quando o governo decidiu mudar, por forçade reiteradas crises de escassez e pelo absolutoesgotamento desses modelos de intervenção, aspolíticas em direção a um setor agrícola mais livrede peias e controles, já era até certo ponto muitotarde: os choques de oferta agrícola comprome-tiam o combate à inflação. Quanto mais osgovernos controlavam os preços agrícolas e maisrestringiam as exportações, tanto maiores e maisprofundas eram as crises de abastecimento.

Programas de incentivo à agricultura –A alternativa perseguida foi implementarprogramas de incentivo à agricultura com achamada política dos pólos de desenvolvimento(ocupação do Centro-Oeste), com o créditosubsidiado, farto e generoso (mas concentrado)e tantas outras políticas supostamente compensa-tórias. Apesar de algum crescimento na produção,a agricultura não respondeu à altura das necessi-dades de gerar divisas da exportação e alimentaros brasileiros. Os efeitos alocativos das políticasadotadas foram grandes. De grande exportador,o Brasil chegou a se tornar grande importador dealguns produtos (arroz, feijão, algodão e milho).A política second best, de impostos comsubsídios, havia produzido algum efeito naprodução, mas era altamente regressiva: preju-dicava a todos e protegia um pequeno grupo deprodutores que tinham acesso a subsídiosembutidos no crédito rural.

A recuperação da agricultura (que hojeostenta indicadores de desempenho dos maiselevados nas agriculturas do mundo todo) se deumuito mais tarde, a partir de meados da décadade 1990, com a estabilização da economia e asmedidas destinadas à abertura do comércioagrícola, combinadas com a gradual retirada dogoverno dos processos de intervenção. A agricul-tura brasileira só assumiu a posição que hojeocupa, de destaque entre as nações agroexpor-tadoras, a partir da estabilização da economia eda reforma unilateral no comércio com reduçãotarifária.

Políticas de compensação e subsídios –Durante as décadas de 1970 e de 1980 e atémetade da década de 1990, as intervenções

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freqüentes do governo na comercialização e narestrição às exportações criaram um aumentopouco favorável ao crescimento da agricultura.A área e a produção evoluíram a taxas medíocres.As intervenções tornaram a área plantada e ospreços instáveis ano a ano, choques freqüentesde oferta criavam inflação e privação social.Nesse período, os governos procuravamcompensar a agricultura lançando mão da políticade crédito rural. Diversos estudos mostraram queessa combinação de políticas de intervenção nosmercados e crédito barato foi altamenteregressiva. Dela, resultaram um grande númerode produtores com baixos níveis de renda epequeno contingente de produtores capitali-zados.

As políticas de compensações e subsídiosresultantes foram, de fato, como provam evidênciasempíricas, excludentes, uma vez que concentra-vam seus benefícios nos produtores de grandeporte e nas indústrias (dentro da Política deGarantia de Preços Mínimos (PGPM). Malogradostodos os esforços de conter a inflação por meiodo controle de preços de alimentos e proibiçãode exportação, o governo inicia reformasmacroeconômicas de estabilização da economiae de abertura do comércio a partir de 1989 e, empouco mais de 4 anos, o País promoveu umadrástica redução tarifária unilateral. Nesseperíodo, a agricultura sofreu a concorrência deimportações de produtos que já gozavam desubsídios na origem. Entretanto, apesar deprejudicada por reduções tarifárias a agriculturaacabou se beneficiando muito da estabilizaçãoeconômica e da redução da proteção à indústria,tendo sido a “âncora verde” do Plano Real. Pagouum preço por essa redução tarifária, mas, ao mes-mo tempo, também se beneficiou da estabilidadeda moeda e da abertura do comércio, na medidaem que a redução tarifária da indústria contribuiupara uma relativa desvalorização do câmbio emelhor remuneração das exportações.

Reformas macroeconômicas – Grandesreformas foram feitas, não motivadas pela faltade incentivos à agricultura, mas por outrosmotivos de absoluta exaustão da sociedade, em

relação aos modelos de tentativas infrutíferas decombate à inflação e do peso do impostoinflacionário, altamente regressivo – que haviaempobrecido a classe trabalhadora assalariada.As reformas macroeconômicas beneficiarammuito a agricultura. Com isso, ela alcançou umaposição de grande destaque entre as naçõesagroexportadoras. Contudo, como se verá, faltamuito para a agricultura poder afirmar que seudesempenho é sustentável em longo prazo.O Brasil logrou atingir a posição de primeiroexportador mundial de oito produtos agrícolas.Mas muitos são os problemas que perduram.Muitos deles sem horizonte de solução – comoo apagão logístico e a dívida agrícola, só paradar dois exemplos.

Assim, grandes problemas estão seacumulando no horizonte da agricultura.A combinação de avanço tecnológico com infra-estrutura pobre é uma combinação explosiva.“Represa” produtos no interior, faz com que seuspreços caiam em decorrência dos custos de fretes,diminui a remuneração do produtor e causagrande estrago no setor rural. A dívida agrícola éuma “espada de Dâmocles”, pendendo sobre a“cabeça” do setor. Sempre pensam em renego-ciar, nunca em celebrar um conjunto de medidasdestinadas a criar condições de pagabilidadedessa dívida – se é que existe esse termo. Seuvalor se aproxima perigosamente do PIB do setor.

Projeto de país – Com o real forte, osdesafios persistem, uma dívida agrícola que nãopára de crescer, uma infra-estrutura decadente, aincapacidade de se sustentar os investimentos empesquisa, tudo, enfim, representa uma ameaçapermanente de retrocesso nas conquistas logradaspelas reformas, etc. Portanto, a grande questão ésaber se conseguiremos sustentar os avançosalcançados. Vale notar que muito do que foiconseguido o foi porque havia um “projeto depaís”. Um projeto de ciência e tecnologia quenos deu os centros de excelência de formaçãode profissionais – tais como o InstitutoTecnológico da Aeronáutica (ITA), o InstitutoMilitar de Engenharia (IME), a UniversidadeFederal do Rio de Janerio (UFRJ) e a Universidade

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do Estado de São Paulo (USP), e, por fim, aEmpresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e aEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa). Na falta de um projeto assim, o Brasilpode perder o ímpeto de crescimento da agricul-tura e nos demais setores da economia. Estetrabalho termina com algumas conclusões a cercada falta que nos faz um projeto de país, como oque tivemos no passado.

Desafiada e discriminada, a agriculturasobreviveu. Com as reformas macroeconômicas,ela ressurgiu das cinzas. Mas os novos desafiossão ainda muito grandes. É possível – como ahipótese que adotamos neste texto – que, pelofato de não ter havido uma proteção tão grandequanto houve na indústria no passado, que essefator tenha contribuído para uma grandeagricultura no Brasil. Com tarifas e crédito farto ebarato, a proteção pode ser fator de entorpeci-mento do crescimento de um setor: foi isso queocorreu com a indústria. Já com a agricultura, asdificuldades e a competência dos agricultores,aliadas aos investimentos em tecnologia epesquisa, podem transformar um ambiente hostilem estímulo para romper barreiras e óbices aoseu crescimento.

Persistência das políticasapesar de seus efeitos negativossobre a produção

O Brasil virtualmente usou e abusou dosmecanismos de substituição das importações parauma industrialização artificial e forçada. Desde adécada de 1950, por cerca de 4 décadas, umconjunto de políticas consistiu em outorgar maiorproteção à indústria, em detrimento da agricul-tura, pois, pelo Teorema de Simetria de Lerner,quando se protege um setor, automaticamentese desprotege outro. Além da proteção tarifária àindústria, Brandão e Carvalho (1991) indicaramque outra forma de tributação indireta epersistente da agricultura, adotada por décadas,consistiu na sobrevalorização crônica da taxa decâmbio. Ainda mais, por um longo período detempo, o coeficiente de insumos comprados pela

agricultura, insumos importados, permaneceumuito reduzido.

De fato, a sobrevalorização não compensouos produtores em termos de insumos importadosmais baratos, e representou uma tributaçãoimplícita aos produtores. Isso resultou numadeterioração nos termos de troca na agricultura,como indicou Oliveira (1981, p. 267). Outra formade intervenção foram os impostos (diretos) deexportação, aplicados a partir do início da décadade 1960. Segundo estimativas feitas por Oliveira(1981), essa tributação chegou a atingir 50 % dovalor das exportações. Idêntico sistema detributação foi encontrado por Veiga (1974), parao caso das exportações de café, quando estudouo confisco cambial. Essa tributação, representadapela defasagem cambial, atingiu os principaisprodutos de exportação do Brasil na época, oalgodão, o arroz e o milho.

Queda na produção e na produtividade –Essa política teve efeitos alocativos ruins.A produção e a produtividade começaram a caire, como resultado da queda da produção, ogoverno recorreu a controles de exportação e depreços para controlar preços internos. Como issonão estava dando certo, foram adotados controlesà exportação, tais como licenciamentos prévios,restrições temporárias de exportação e virtuaisembargos que induziram quedas sucessivas aindamaiores na produção. O efeito sobre os preços,decorrente do controle de exportação, levaramo Brasil a ir perdendo competitividade nomercado internacional, tudo agravado pelasobrevalorização cambial (LOPES, 1977).As quedas sucessivas de produção levaram ogoverno a adotar uma política de compensação,por meio de subsídio outorgado, sob a forma detaxas de juros subsidiadas.

Uma avaliação feita por Lopes (1977)acerca dessa combinação de políticas que consis-tiu na combinação de imposto com subsídios –taxação por meio de políticas de preços esubsídios por taxas de juros subsidiadas e crédito,tudo isso reforçado por uma política de preçosmínimos, em que o governo protegia os produto-res – revelou que o “pacote” não surtiu efeito de

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sustentar um nível de produção suficiente paraabastecer o País e gerar exportações.

Quando os governos despertaram para ainadequação desse conjunto de medidas, o Brasiljá havia perdido sua posição de exportador ehavia se tornado importante importador dealgodão, de milho e de arroz, isso sem falar notrigo, na carne, e no leite em pó, etc. Mas essesprimeiros cultivos são justamente aqueles que oBrasil foi grande exportador no passado. Brandãoe Carvalho (1991) indicaram que o Brasil sóvoltou a ser uma nação agroexportadora recente-mente. Por cerca de quase duas décadas e meia,o País dependia de importações para alimentarseu povo. Segundo os autores, desde 1950, ogoverno estabeleceu um compromisso de manteruma política de comida barata, dentro daperspectiva de só exportar excedentes, após omercado interno estar inteiramente abastecido (aconhecida e surrada “teoria” do vent for surplus),que se provou inadequada em todo o mundo.

Restrições à exportação – Essa políticaconsistia em impor controle de exportação, naesperança de manter o produto abundante nomercado interno. Ela desestimulou fortemente aprodução doméstica. A imposição de restriçõesà exportação e só as permitir após o abasteci-mento do mercado interno, criou uma políticade reserva de mercado de matéria-prima para asindústrias domésticas, principalmente na áreatêxtil, com o algodão, na indústria de esmagamentode soja e na indústria do processamento de milho,etc. Mais tarde, essa política revelou-se umdesastre, porquanto entorpeceu a capacidadedessas indústrias de competirem no mercadointerno com as importações, sempre “anestesia-das” pela matéria-prima nacional mantidaartificialmente a preços baixos.

As proibições de exportação de milho e dearroz causaram freqüentes rupturas na produção,gerando escassez de alimentos. Sem remuneraçãoadequada e sem investimentos públicos empesquisa agropecuária, os produtores cortaramnos insumos, causando danos à produtividade detodos os cultivos. Schuh (1975) relatou que essapolítica havia gerado forte desestímulo à

produtividade na agricultura. Conforme relatouesse autor, em razão de o País dispor tanto deterra como de trabalho abundantes, as políticasnão seguiram o caminho do progresso tecno-lógico induzido, poupando terras com técnicaspoupadoras de terras (sementes e fertilizantes)onde a terra era cara, como no Sul; e tecnologiamecânica (tratores, colheitadeiras e herbicidas)onde o trabalho era escasso, como no Centro-Oeste.

Os preços haviam sido artificialmentemantidos baixos, representando um fator dedistorção do crescimento e da indução detecnologia num processo endógeno (HAYAMI;RUTTAM 1985). Schuh (1972) concluiu que, emvez de se alocar recursos de forma eficiente naagricultura, para aumentar a produtividade dosetor, a opção adotada de controle de preços erestrições quantitativas às exportações, com opropósito de reduzir os preços para osconsumidores urbanos (o viés urbano ou urbanbias) havia comprometido uma das agriculturasmais promissoras do mundo.

Transferência de renda para outros setoresda economia – As tributações explícitas eimplícitas e os desestímulos gerados para aagricultura levaram a uma posição de transfe-rência em massa de renda da agricultura paraoutros setores da economia, dentro das políticasde substituição de importação. Evidênciaempírica estabelecida indicou que essa taxa detransferência de renda para fora da agriculturaatingiu um pico de 48 %, em 1964, e caiu muitolentamente até 1974, mas sempre variando emtorno de 35 % (OLIVEIRA, 1981, p. 269).

No final da década de 1980, a política deextração de renda da agricultura começou aindicar que todas as políticas haviam atingido umnível de absoluta exaustão. A agricultura não eramais capaz de sustentar desempenho suficientepara manter as exportações, nem mesmo proveros consumidores de alimentos básicos. A taxaçãodas exportações e a política de comida barata,para manter relativamente baixos os saláriosurbano-industriais, e as intervenções nasexportações, para oferecer à indústria matéria-

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prima barata, haviam atingido um nível próximoao colapso. Para induzir a transformaçãotecnológica na agricultura, a política de créditosubsidiado, que se iniciou na metade da décadade 1960, não logrou atingir os objetivos decrescimento da produção via produtividade.Os controles de preços – que extraíam renda daagricultura – frustraram os propósitos da políticade crédito com subsídio.

É oportuno lembrar a importância dotrabalho apresentado pelo professor Schuh(1972). Ele advertiu o governo acerca da absolutanecessidade de fazer reverter a queda continuadada produtividade agrícola. À época, sugeriu queo governo considerasse seriamente os investi-mentos na pesquisa agrícola e pusesse fim àsintervenções nos mercados agrícolas, comoúnicas formas de reduzir os efeitos da escassezde alimentos que causavam privação social,causando também – pelo aumento de preços –surtos de inflação em razão de choques de ofertas.

Criação da Embrapa – Na verdade, asidéias do professor Schuh foram uma sementeque levou o governo a considerar seriamente osinvestimentos em pesquisa agropecuária. Esseestudo foi mostrado aos então ministros doPlanejamento, da Fazenda e da Agricultura.O impacto daqueles dados induziu o início doprocesso da criação da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa). De fato, essetrabalho foi uma semente para o desenvolvimentoda agropecuária no Brasil, mais tarde consolidadona oferta de tecnologias adaptadas ao climabrasileiro, por meio dessa Empresa. Assim, comovários outros profissionais, como o Dr. EliseuAlves, há testemunhas do impacto que essetrabalho teve à época.

Finalmente, a evidência dos fatos e osprotestos da realidade – contra a política decontrole das exportações e controles dos preçosinternos – levaram o governo a se convencer deque o modelo antigo havia se exaurido e eramnecessárias reformas na agricultura, sobretudo napesquisa. A intensidade da redução da oferta dealimentos foi tão profunda e extensa que durouaté o início da década de 1980, com choques de

ofertas que alimentaram a inflação. Se por umlado o governo acreditava haver chegado a horade suspender as intervenções, por outro, conti-nuava manejando com maestria os velhosinstrumentos de intervenção no comércio comoos controles quantitativos, o licenciamento prévioe a proibição de exportação. Sempre se refugiavana desculpa de que era necessário controlar ainflação, para manter as intervenções ex abruptonos mercados agrícolas.

Planos de estabilização da inflação – Nadécada de 1980, os governos empreenderamdiversas tentativas de controlar a inflação comos planos de estabilização. Apesar de estarconvencido de que as intervenções haviamlevado a queda substancial da produção agrícola,foram usados outros instrumentos, como reduçãode tarifas que favoreciam a importação deprodutos subsidiados na origem, importaçõesessas que exerciam concorrência ruinosa com aprodução local. Foram adotados instrumentos(heterodoxos), como a imposição de tetos depreços, controle de preços em nível de varejo,importações feitas pelo Estado e vendidassubsidiadas, todos os mecanismos supostamentejustificáveis dentro da ótica do controle dainflação. No caso do milho e do algodão, em vezde haver exportações permanentemente livres –sujeitas a suspensões temporárias – o governomanteve as exportações permanentementeproibidas com autorizações esporádicas para aexportação de excedentes de produção.

Na década de 1980, o modelo de créditosubsidiado também chegou ao seu limite. Cifrasastronômicas de recursos do Tesouro Nacional,lançadas na conta Movimento do OrçamentoMonetário, totalmente fora de controle dasautoridades monetárias, foram usadas paracompensar a agricultura, sem que a produçãoesboçasse reação compatível. Esse recurso teriaum destino pouco conhecido, pelo fato de osjuros serem muito baixos e por haver muitaarbitragem.

Para se ter uma idéia do que foi a políticade compensação pela tributação do setor, bastaverificar que, em valores constantes em reais, os

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recursos destinados ao Crédito Rural partiram depouco mais de R$ 10 bilhões em 1969 e, crescen-do persistentemente por 10 anos, atingiram cercade R$ 55 bilhões em 1979,quando houve aquebra da safra. A partir de então, os recursosdeclinaram para cerca de R$ 22 bilhões, em1989, e atingiram pouco mais de R$ 10 milhõesem 1999. Essa foi a trajetória de redução derecursos para a agricultura.

Os resultados da intervençãodos governos na agricultura

Há evidência estabelecida de que asintervenções levadas a cabo na agricultura criaramfortes desestímulos para o setor. O primeiroestudo feito por Lopes e Staab (1980), tentouresponder às perguntas: Quais foram asconseqüências das políticas que discriminarama agricultura? Qual era a verdadeira dimensãodas distorções dos incentivos econômicos sobrea agricultura brasileira? Após cerca de 3 décadasde políticas de intervenção de preços e expor-tações, dentro da política de substituição deimportação, quais tinham sido as conseqüências?

O estudo original (LOPES, 1992) testou aprimeira hipótese de uma coalizão da burocraciaestatal com a agroindústria processadora dealimentos e de matéria-prima agrícola: as distor-ções causadas por impostos diretos, controles deexportação, licenciamento prévio das exporta-ções e embargos levaram a preços nos mercadosdomésticos abaixo do custo de oportunidade dosprodutos no mercado internacional. Os preçosdomésticos teriam ficado abaixo da paridade deexportação. Foram usadas estimativas da Taxa deProteção Nominal. De acordo com essa hipótese,esperava-se que esses coeficientes de proteçãonominal fossem negativos para todos os produtos,exceto para o trigo que, em conseqüêcnia de umacoalizão que incluía os produtores, os consumi-dores, os bancos oficiais e os moinhos, deveriaapresentar coeficientes positivos, indicandoproteção a esse produto. Os coeficientes negativosindicariam que os setores de milho, arroz, soja ealgodão haviam sido taxados, de forma implícita,

pelas políticas de preços que deprimiramartificialmente a renda agrícola. O Box 1 descrevea metodologia usada.

Box 1. Proteção nominal e proteção efetiva.

Em termos percentuais, a Taxa de Proteção Nominal(TPN) mede a diferença entre o que o produtor

recebe, no âmbito do estabelecimento rural, e oquanto ele deveria receber, se não houvesse

distorções de política nos preços internos. A TPNde um produto é determinada pela razão entre seupreço doméstico e seu preço externo (FOB ou CIF)

em moeda doméstica, internalizado até o mesmoponto em que se obteve o preço doméstico. Se o

resultado dessa divisão foi negativo, temos umasituação na qual as distorções de política atuam

penalizando o produtor doméstico, pois esse recebeum preço menor de que receberia se tais políticasnão existissem, e o produto fosse livremente

transacionado. Um resultado maior do que zeroindica que as distorções causam um efeito oposto,

e os produtores são protegidos pelas políticasinternas.

A TPN permite estimarmos os efeitos das políticassobre o produto final e sobre o consumo e a

demanda. Mas, para observarmos como essasmesmas políticas atuam sobre todo o processo

produtivo, chegando aos seus efeitos em nível deprodutor, devemos calcular a Taxa de ProteçãoEfetiva (TPE). A TPE de um produto busca levar em

conta, além das distorções devidas a políticasdiscriminatórias contra o setor rural, apenas sob a

ótica do preço do produto. Elas também sãoconsideradas as distorções causadas pelos custos dos

insumos usados no processo produtivo, quando háproteção às indústrias dos insumos. Para isso,relaciona-se o valor adicionado de um produto a

preço de mercado doméstic, com o mesmo valormedido a partir de um preço FOB ou CIF.

Assim, um resultado negativo representa uma falta

de incentivo à produção do produto, por parte daspolíticas no que se refere a preços dos produtos ede uma tributação implícita do produtor,

representada pela proteção tarifária concedida aosinsumos usados na produção.

Um caso importante é o que ocorre quando a TPE é

maior – em valor absoluto – do que a TPN, sendoambas negativas. Nesse caso, temos uma tributaçãoem nível de produto mais a proteção à indústria

dos insumos (TPE) maior do que a tributação comrelação ao produto (TPN). Isto é, a tributação

representada pela proteção à indústria domésticatem efeito magnificado sobre uma tributação

implícita que já existe sobre os produtos. Nesse caso,o setor produtor tem que arcar com dois

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tributos implícitos: aqueles representados pelaspolíticas que prejudicam o produtor – que recebeum preço menor do que deveria receber, caso asexportações fossem livres da intervenção dosgovernos – e aqueles representados pelos queprejudicaram os produtores por causa da proteçãoda indústria.

Geralmente, esses indicadores são calculados devárias formas, como neste trabalho. Pode sercalculado o conjunto de indicadores às taxas decâmbio correntes ou com as taxas de câmbiocorrigidas pelo grau de sobrevalorização cambial.Os mesmos indicadores podem ser calculados comou sem impostos. A análise das comparações entreos indicadores medidos sobre essas diversas formaspermite isolar o efeito do câmbio, dos impostos, etc.sobre o prejuízo total do conjunto de produtosestudados. Um estudo completo sobre esses tiposde indicadores pode ser encontrado em Araújo(1997).

A segunda hipótese é de que haveria umacoalizão de forças políticas entre a burocraciaestatal e a indústria de insumos agrícolas. A buro-cracia rendeu-se a pressões por conferir tarifasde importação de insumos em níveis tais queprejudicaram o setor produtor doméstico. Esseteste foi conduzido mediante o cálculo dosCoeficientes de Proteção Efetiva, conforme émostrado no Box 1. Assim, esperava-se que ossinais dos coeficientes de proteção efetiva fossemnegativos. Isso indica que a proteção via tarifaselevadas dos insumos acabaram por acentuarainda mais a tributação havida nos preços dosprodutos.

Por causa da combinação de impostosdiretos e indiretos havidos na agricultura, os testesdos coeficientes de proteção nominal e efetivaforam conduzidos com e sem impostos diretosque incidem sobre a produção e a exportação(ICMS), e com e sem os impostos representadospela sobrevalorização cambial (a chamadadefasagem cambial). Esse teste adicional deveriaser feito para se verificar até que ponto os produ-tores rurais percebiam o quanto estavam sendotaxados de forma indireta pela sobrevalorizaçãocambial e o quanto os produtores conseguiam

perceber que estavam recebendo menos do quevaliam seus produtos no mercado internacional,em razão da incidência de impostos diretos naexportação (como no caso do ICMS na exporta-ção, que vigorou até 1996).

Assim, se os coeficientes de proteção nomi-nal apresentassem sinais negativos, isso indicaque os preços domésticos ficaram abaixo dospreços de paridade FOB (freight on board) deexportação, e não poderemos afastar a hipótesede que a agricultura foi desvalorizada no Brasil,em relação ao seu valor de oportunidade nomercado mundial. Entretanto, se os coeficientesde proteção nominal apresentassem sinalpositivo, isso indicaria que os preços domésticosrecebidos pelos produtores ficaram acima docusto CIF (custo + seguro + frete) de importação,o que indicaria que não podemos, pelo menoscom a evidência empírica disponível, afastar ahipótese de que o produto foi protegido (comose espera no caso do trigo). O período conside-rado foi de 1970 a 1992.

Os resultados estão na Tabela 1. Os coefi-cientes de proteção nominal estimados, com taxasde câmbio oficial e com os impostos, o algodãofibra-curta, o milho e o arroz de sequeiroconfirmam a hipótese de taxação quando medidaem termos nominais. O nível de taxação dosdemais produtos é maior.

Esses resultados ajudam a entender porque, até 1992, os produtores foram incapazes deidentificar as reais causas do seu empobreci-mento.

Os problemas reais começam a aparecerquando analisamos as linhas de proteção nominale efetiva sem os impostos que oneram a produçãoe a exportação (ICMS)2 e com a correção dadefasagem cambial. Quando calculamos as taxasde proteção efetiva, verificamos que a proteçãoconferida aos insumos também prejudica aagricultura, com os sinais negativos e valoreselevados na Tabela 1. Os preços domésticos, sem

2 O cálculo das paridades, decomposições FOB, sem o ICMS na exportação, eleva muito o preço que o produtor receberia na ausência desse imposto.

Logo, nesse caso, a tributação é muito maior.

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Tabela 1. Taxas médias de proteção nominal e efetiva dos produtos agrícolas entre 1970 e 1992.

Correção da Correção da

ProdutoCâmbio oficial Câmbio oficial sobrevalorização sobrevalorização

com impostos sem impostos das taxas de câmbio das taxas de câmbio

com impostos sem impostos

Algodão (fibra curta)

Sudeste

Taxa de proteção nominal -8,27 -17,15 -17,13 -28,15

Taxa de proteção efetiva -16,75 -25,72 -23,72 -35,23

Nordeste

Taxa de proteção nominal -6,61 -12,78 -13,60 -22,11

Taxa de proteção efetiva -26,77 -35,90 -35,51 -45,18

Algodão (fibra longa)

Sudeste

Taxa de proteção nominal -10,45 -21,07 -21,46 -32,07

Taxa de proteção efetiva -16,54 -28,89 -29,05 -39,92

Nordeste

Taxa de proteção nominal -12,46 -20,99 -21,72 -31,40

Taxa de proteção efetiva -41,25 -50,04 -49,96 -58,42

Soja

Sul

Taxa de proteção nominal -6,17 -17,14 -18,31 -29,85

Taxa de proteção efetiva -17,16 -22,46 -18,98 -30,69

Centro-Oeste

Taxa de proteção nominal -12,02 -24,61 -25,83 -36,84

Taxa de proteção efetiva -21,01 -26,26 -27,04 -38,09

Milho

Sul

Taxa de proteção nominal -2,14 -10,02 -10,43 -18,82

Taxa de proteção efetiva -27,73 -31,51 -26,44 -34,02

Nordeste

Taxa de proteção nominal -7,52 -13,28 -8,51 -13,68

Taxa de proteção efetiva -18,98 -26,03 -18,97 -25,73

Centro-Oeste

Taxa de proteção nominal -0,20 -4,25 -5,79 -12,69

Taxa de proteção efetiva -22,94 -25,45 -27,45 -32,37

Arroz irrigado

Sul

Taxa de proteção nominal -9,15 -12,30 -11,91 -17,28

Taxa de proteção efetiva -13,32 -16,32 -13,16 -18,04

Arroz de sequeiro

Centro-Oeste

Taxa de proteção nominal 0,00 -3,80 -2,52 -7,54

Taxa de proteção efetiva -28,41 -32,16 -17,90 -26,12

Trigo

Sul

Taxa de proteção nominal 34,79 36,45 21,45 22,85

Taxa de proteção efetiva 14,92 16,08 3,98 5,04

Fonte: Lopes (1992).

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impostos diretos, acabam ficando muito abaixodos preços de exportação (sem os impostos),mostrando que esses impostos diminuem, emmuito, a renda agrícola.

Por exemplo, o algodão de fibra longa e asoja – que eram ligeiramente tributados, no casodo câmbio oficial e com impostos – agora, sãopesadamente tributados. A redução da rendaagrícola desses produtos processa-se por meio deuma verdadeira exportação de impostos. No caso,podemos entender por que o algodão de fibralonga do Nordeste e o do Sudeste caíram deprodução de 1970 a 1992, e aos poucos o Brasilcomeçou a importar algodão em grandequantidade.

A conclusão do estudo original (LOPES,1992) pode ser resumida nas seguintes perguntas:Como podia a agricultura brasileira competir, sesuas alíquotas de importação eram baixas (emtorno de 10 %), o produto exportado tinhaImposto de Exportação maior do que as tarifas e,ainda por cima, os produtos importados nãotinham imposto compensatório contra subsídiosna origem? E, ainda por cima, o Brasil exportavaproteção à indústria de insumos? O Brasil tinhaum viés anti-exportação muito claro, pois protegiaos insumos, tributava as exportações e isentavaas importações subsidiadas. A Tabela 1 mostraainda mais uma coisa: o peso do ICMS na expor-tação, em termos de tributação, era maior do quea defasagem cambial.

Nos casos da soja e do algodão – que eramprodutos de exportação – eram aparentementepouco tributados em termos de proteção nominalcom impostos e câmbio oficial. Entretanto, quandose retiravam os impostos diretos que oneram asexportações (ICMS), os preços equivalentes FOBficavam muito acima dos preços que os produtoresrecebiam. No Centro-Oeste, a soja era tambémmuito taxada, em decorrência de um efeito detributação em cascata do ICMS, que incide sobretodas as etapas de produção, sobre os serviços e,finalmente, sobre o produto no porto. Essatributação da soja tinha quase zero de coeficientede evasão, pois incidia no porto.

Houve algum componente de economiapolítica nessas políticas todas. O Box 2 detalhaessa hipótese.

Box 2. A economia política das intervenções no

mercado.

A compreensão do processo de discriminação daagricultura e, sobretudo, a demora em reverter esse

processo, mesmo quando já eram visíveis os sinaisde esgotamento do modelo, depende de uma análisedo processo decisório da política agrícola e do papel

desempenhado pelo governo e pelos grupos deinteresse.Durante todo esse período, a agricultura

(oleaginosas, fibras, cereais e grãos) teve umaparticipação muito limitada no processo decisório

da política de comércio exterior de produtosagrícolas. Facilitava essa situação o fato de o poderdecisório da política agrícola ser muito concentrado

e estar fora do Congresso, dentro de um processoadministrativo e fechado, não legislativo e aberto.

Num processo administrativo fechado e fortementehierarquizado, as decisões de política agrícola,mesmo que implicassem no prejuízo de muitos em

benefício de poucos, eram sempre irrecorríveis. Astransferências de renda que podem ocorrer dentro

de um tal processo decisório – sobretudo quandomantido por um período prolongado – são

potencialmente muito expressivas. No caso dosalimentos, o governo tinha motivos para transferirrenda da agricultura para o setor urbano-industrial.

Além do apoio político urbano e do compromissocom os setores industriais de viabilizar seus

investimentos, por um salário real artificializado pelospreços baixos dos alimentos, o governo era umEstado Empresário interessado, também, em

viabilizar seus próprios projetos, lucros e investi-mentos. Essa política – o que é mais importante –

abria um espaço enorme para a criação de déficitpúblico. Podia se gastar perdulariamente que, mais

tarde, os efeitos eram neutralizados pelo controledraconiano dos preços (LOPES, 1992). A arquitetura

política ,desenhada pelo governo, para manter o

controle político das classes rurais, foi a combina-

ção de impostos com subsídios, levada a efeito com

a tributação do setor (inclusive na exportação),

combinado com os subsídios no Crédito Rural.O governo podia impor controles de exportação e

de preços internos, mas fatalmente não escaparia

da queda de produção, crises domésticas de escassez,

perdas de exportações, etc., a qual não ocorreria

com pesados subsídios à produção. A solução para

esse impasse foi a concessão do crédito ruralsubsidiado, com a roupagem de modernizar a

agricultura. Uma vez atendidos os interesses dos

industriais – que podiam se organizar e tinham força

política – cumpria cooptar os grandes produtores

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agrícolas que, sendo poucos e potencialmenteorganizáveis, também desfrutariam de poder

político. O processo beneficiava grupos reduzidosde industriais e produtores fortes, fazendo-se essa

combinação de impostos com subsídios.O que haviaera uma combinação dos interesses do governo edos industriais, unidos na industrialização, enquanto

cooptava os produtores de grande porte, neutrali-zando-os no seu potencial exercício de poder

político. Esses políticos trouxeram os produtores paradentro do jogo de interesses, desde que não seorganizassem e não pressionassem por mercados

mais livres e que não comprometessem a manipu-lação de preços. Enquanto houve dinheiro, foi

possível manter essa política. Quando o dinheiroacabou e o déficit público mostrou a irracionalidade

das políticas adotadas (em todos os setores), rompeu-se esse pacto.

Não se sabe ao certo se essa política dedar com uma mão e tirar com outra apresentouum balanço favorável. Sabe-se, sim, que todaintervenção no mercado, principalmente daforma como essa se processou, criou desperdícioeconômico. Visto por essa ótica, a política detaxar e subsidiar foi um desastre para a agriculturae para o Brasil. A agricultura da âncora verde doPlano Real e os resultados recentes na exportaçãomostram o desastre que foi essa política dopassado, ao impedir o potencial de crescimentodo setor por um período tão extenso.

Assim, a grande revolução na política agrí-cola principiou em 1985, com a elevação dospreços mínimos e a retirada do subsídio do créditorural, principalmente no tocante à quantidade derecursos alocados para os empréstimos daespécie. Em seguida, a segunda geração demudanças foi a desgravação tarifária de 1989 até1994. Nesses dois períodos, houve realmenteuma verdadeira revolução na condução dapolítica agrícola.

A desgravação tarifária do País como umtodo pôs fim à política de substituição de impor-tação. Se por um lado as tarifas agrícolas foramreduzidas em níveis muito baixos, por outro, astarifas dos insumos, via proteção da indústrianascente, também foram reduzidas (eliminandoparte da desproteção efetiva à agricultura). Forameliminados os controles de preços, os controles

quantitativos e de exportação. O Estado perdeua capacidade de intermediar recursos financeirospara emprestar para a agricultura (para quaisqueroutros setores da economia).

Foram duas medidas de grande alcance: aeliminação do Imposto sobre Circulação deMercadorias e Serviços (ICMS) na exportação(apesar de os governadores manterem ainda ainsaciável sede tributária, pretendendo, porvezes, retornar à tributação do passado dasexportações); e o câmbio flutuante, já maisrecentemente (reduzindo os riscos de umasobrevalorização artificial do câmbio comoocorreu no passado).

Enfim, sepultamos os anos de chumbo daintervenção do governo nos mercados agrícolas.Reduziram-se os subsídios e os impostos, elimi-nando-se as políticas que criaram um viésantiexportação. Estudos levados a efeito naCompanhia de Financiamento da Produção, àépoca, contribuíram para a reforma da política.No processo de discussão da Lei Agrícola, ficouclaro que o Estado deveria sair dos mercadosagrícolas. No dizer do então líder agrícolaRoberto Rodrigues, “se o Estado não puder ajudar,pelo menos não deve atrapalhar”.

O governo trocou os subsídios diretos àagricultura por pesados investimentos na área depesquisa. Mercê desses investimentos e de todasas reformas feitas, a reação da agricultura a todaessa mudança de políticas foi extraordinária.Pode-se ver isso no setor como âncora do PlanoReal de 1994 a 2004. A agricultura marca posiçãode destaque, colocando o Brasil na constelaçãodo reduzido número de grandes naçõesagroexportadoras. Para isso, contribuiu tambéma ascensão de forte poder político da agriculturacom a formação de uma bancada de deputadosfederais de grande expressão.

O Box 3 resume o padrão de intervençãodo governo nos mercados agrícolas, com suasprincipais características e suas conseqüências deperda substancial de produtividade e decompetitividade.

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Box 3. A intervenção do governo nos mercadosagrícolas.

Os grandes impactos no agronegócio brasileiro:o estresse competitivo

Políticas

• Controle das exportações*

• Sobrevalorização cambial

• Importações com subsídios

• Tributação nas exportações (ICMS)

• A proteção do governo – preços mínimos

• Grande proteção à indústria de insumos

Conseqüências

• A produtividade despencou

• A competitividade foi perdida

• O brasil importava subsídios e exportavaimpostos

• Começou a seleção natural (darwiniana)

* Licenciamento prévio, suspensão temporária e embargos.

A importação livre e desgravada deprodutos agrícolas, inclusive com subsídios naorigem, e a tributação das exportações para finsde conter os preços, gerou o grande paradoxobrasileiro. O Brasil importava subsídios eexportava impostos. Para conter os choques deoferta, o governo desenhou um conjunto depolíticas, os chamados pólos de desenvolvi-mento para a ocupação territorial, fortementeconcentrados em subsídios, para os produtoresque fossem para as fronteiras, com a conse-qüente distensão das linhas de suprimento,através das estradas, das principais BRs rumo aoCentro-Oeste.

O Box 4 resume a tentativa do governo deconter a elevação dos preços por meio depolíticas e subsídiose, como foi dito, foiconcedido o subsidio, mas não foi abandonadaa pratica da tributação no setor. Esse processoteve profundo impacto na agricultura.

Box 4. As tentativas de mitigar os efeitos dasintervenções.

O governo tenta aliviar os grandes choques de ofertae a escassez

• Programas pólos de ocupação do territórionacional

• Juros subsidiados para ocupação da fronteira

• Apoio do governo comprando a produção nafronteira

• A construção das estradas: BR-364, BR-163,BR-158; BR-242 e Belém–Brasília

• Qualificação da mão-de-obra (Senar)

• Investimento e custeio agrícola subsidiados*

• Investimentos em pesquisa: soja tropicalSe, porum lado, o governo subsidiava com o crédito rural,por outro lado, continuava taxando as exportaçõescom o ICMS

* Se, por um lado, o governo subsidiava com o crédito rurual,por outro lado, continuava taxando as exportações com o ICMS.

Lopes (1977) relata que o Imposto sobre asExportações era altamente regressivo, porque eratransferido a partir do exportador no porto parao interior e incidia exatamente sobre o produtorpobre, os velhos e aqueles que não podiam seevadir do imposto, forçando-os a se mudar paraa cidade. Esse imposto também era regressivoporque os grandes produtores – que recebiam amesma forma de tributação na exportação –podiam transferi-lo para a sociedade, que pagavaos subsídios. Esse mecanismo de transferênciafazia dos impostos diretos e implícitos naexportação um tributo regressivo. O ambientehavia se tornado muito hostil para os produtores,dando início a um processo de seleção darwiniana.3

Tal processo nada mais é que uma analogia naagricultura ao que se passava na natureza.

O Box 5 indica as conseqüências daprolongada intervenção do governo na agricul-tura. Hoje, vemos que milhões de agricultoresnão terão na agricultura solução para suasobrevivência. Apenas um número reduzido deprodutores produz a maior parcela do PIB daagricultura; entre esses dois grupos, existe ainda

3 De acordo com Darwin “A seleção das espécies é o processo segundo o qual o meio ambiente seleciona as espécies que vão sobreviver entre as

diversidades das espécies”.

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uma massa muito grande de produtores que estátentando sobreviver através do ProgramaNacional de Agricultura Familiar (Pronaf).

Box 5. O perfil da agricultura resultante da interven-

ção dos governos no setor.

O processo de seleção darwiniana

As conseqüências das políticas que discriminaram

a agricultura podem ser vistas nos resultados do

Censo Agropecuário de 1995–1996. Esse censoidentificou que, no Brasil, havia cerca de 4.859.863

estabelecimentos rurais. A maioria, cerca de 68,1 %,

possuía as características dos produtores público/

meta do Pronaf (a, b, 4c e d). Apesar de sua dimensão

em termos de número de estabelecimentos, esse

segmento contribui com pouco para o valor daprodução da agricultura. As propriedades

enquadradas no Pronaf responderam apenas por

23,6 % do valor da produção agropecuária no

País.Os demais estabelecimentos – médios e

grandes, não enquadráveis no Pronaf –, que

correspondem aos 31,9 % do número total deestabelecimentos, produziram 76,4 % do valor anual

de produção da agropecuária brasileira. As políticas

adotadas no Brasil haviam criado um enorme

contingente de agricultores com baixos níveis de

renda. Uma minoria de estabelecimentos rurais –

do segmento da agricultura comercial – eraresponsável por uma parte substancial da produção

agropecuária. Ainda mais, cerca de quase 82 % dos

estabelecimentos agropecuários brasileiros

apresentavam uma renda média anual abaixo dos

limites de renda definidos para a microempresaurbana. A pobreza foi resultado direto da política

de discriminação da agricultura por mais de

4 décadas.

Fonte: Lopes (2005).

As reformas macroeconômicase a liberação do comércio

Uma vez exauridas as políticas desubstituição de importações, as reformas empre-endidas pelo Brasil levaram o país a começar amudar suas políticas macroeconômicas e suaspolíticas setoriais, com o objetivo de estabilizara economia.

O Box 6 indica o conjunto de reformas quese iniciaram nas políticas da agricultura até aestabilização econômica em meados da décadade 1990.

Box 6. A estabilização macroeconômica e a aberturacomercial.

As grandes reformas levadas a efeito nessas linhas

foram feitas não para aliviar os desestímulo daagricultura, mas para combater a inflação. As maisimportantes reformas foram:

A. Investimentos pesados em pesquisa agrícola a

partir de 1974

B. Adoção de práticas de gestão dos estabelecimen-tos rurais (um choque de competência empresa-

rial)

C. Uma política destinada a reduzir as tarifas e aproteção não-tarifária em todos os setores daeconomia, com ênfase na agricultura, de 1989 a

1994

D. A eliminação gradual das empresas estatais deregulamentação e os marketing boards de produ-

tos como café, açúcar e trigo (desde 1990)

E. Definição clara de uma nova política destinada areduzir gradualmente a intervenção do governona comercialização agrícola (que se iniciou em

1994)

F. A gradual eliminação da política de preçomínimo, tanto nos empréstimos de comerciali-zação quanto nas compras governamentais diretas(desde 1995)

G. A eliminação dos impostos de exportação, achamada Lei Kandir (1996)

H. A decisão de reescalonar a dívida agrícola, que àépoca (1997) montava a US$ 27 bilhões

I. A adoção do regime de taxa de câmbio flutuante(1999)

J. O abandono do regime de importações governa-mentais vendidas com subsídios, a venda subsi-diada de estoques públicos e outras formas deintervenção nos mercados, que criavam riscoinstitucional, a partir de 1994 – risco para o qualnão há seguro

Toda a reforma de liberação do comércioculminou com a implementação do Mercosul,

4 Anexo C da Cacex – Um anexo da Carteira de Comércio Exterior, que elencava os ramos industriais do País, para efeito de julgamento de importações

específicas terem ou não similar nacional.

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em 1996. Entre seus estados membros, haviagrandes produtores de alimentos, como a Argen-tina e o Uruguai, e mais tarde o Paraguai passoua fornecer milho e trigo para o sudoeste do Paranáe para o oeste de Santa Catarina. O período deinício do Mercosul, denominado de euforiacomercial, facilitou a importação de produtosagrícolas para o abastecimento brasileiro.

A redução tarifária foi significativa no Brasil.A tarifa média do setor industrial foi reduzida de100 % para 13 % no período 1994–1997. Oscontroles quantitativos de importação e as autori-zações especiais da agência que controlava asimportações foram extintas (o chamado Anexo Cda Cacex)4,5.

Na redução tarifária, os produtos agrícolasforam os que tiveram maiores percentuais derebaixamento. A tarifa de arroz era 10 %, de trigoe milho 8 %, o algodão e o feijão tiveram tarifa 0,e, como até aquele momento o Brasil não detinhauma legislação que permitisse aplicação de direitoscompensatórios contra dumping e subsídios naorigem, o país teve grande quantidade de produtosimportados com subsídios na origem, notadamenteo algodão, o trigo, o leite em pó e o milho, até ofinal da década de 1990.

No início, essa redução tarifária teve efeitosnegativos sobre a agricultura. Por exemplo, oalgodão plantado no Paraná e no Estado de SãoPaulo praticamente desapareceu, tendodispensado cerca de 300 mil trabalhadores queeram empregados na colheita manual dessa fibra.Muitos produtos sofreram com a entrada deproduto com subsídios, principalmente osprodutores de leite. Entretanto, após esse primeirogrande impacto, a agricultura ressurgiu muitomais forte e mais competitiva. Nasceu um novoalgodão, plantado com tecnologia moderna ecolheita mecanizada. Quanto ao leite, houve umaseleção darwiniana e só ficou no ramo umnúmero bem menor de produtores, aqueles comalta produtividade. O que havia sido uma tragédiano começo, se tornou um fator de grande

estímulo para o aumento da competitividadebrasileira. Esse é um dos fatores por trás dosucesso do Brasil no mercado internacional: umsetor desafiado ou se torna competitivo ou some.

A despeito da abertura comercial após aestabilização, quando se estabeleceu a paridadede R$ 1,00 por US$ 1.00 no início, houve umaforte valorização do real, que atingiu R$ 0,86 pordólar. Esse fato causou uma deterioração nascontas externas brasileiras. Em agosto de 1996, aFundação Getúlio Vargas (FGV) estimou que asobrevalorização do câmbio em relação ao preçodo atacado era da ordem de 21 %, relativamenteao período 1988–1996. Outro indicador impor-tante foi a evolução dos índices de preços, detransacionáveis e não transacionáveis. Brandãoe Martini (1996) estimaram que, em agosto de1994, essa relação de preços transacionáveis enão transacionáveis no índice de preço doconsumidor caiu de 1 para 0,68.

Esses indicadores mostraram uma persis-tência da sobrevalorização cambial. Finalmente,em 1999, após o País haver perdido cerca de40 bilhões de dólares de um total de reservas depouco mais de 60 bilhões, o governo decidiuadotar o câmbio flutuante, o que levou a umaimediata desvalorização do real.

Foi quando começou a surgir uma novaagricultura no Brasil, fortemente impulsionadapela eliminação no Imposto de Exportação – pelaaprovação da Lei Kandir (eliminação do ICMSna exportação), pela pesquisa e por um dólar quecomeçou a flutuar. No início, o real sofreu fortedepreciação em janeiro de 1999, com o câmbioflutuante. Estavam plantadas as condições para aemergência de uma nova agricultura no País.

Crescimento recentee sua sustentabilidade futura

Os primeiros avanços

No Brasil, os investimentos em pesquisadispensam maiores comentários. Desde a criação

4,5Anexo C da Cacex – Um anexo da Carteira de Comércio Exterior, que elencava os ramos industriais do País, para efeito de julgamento de importações

específicas terem ou não similar nacional.

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da Embrapa, em 1973, seu orçamento foireforçado com um projeto inteligente de forma-ção de capital humano e investimentos emcentros de pesquisa. Com isso, o País dominou atecnologia de produção no Cerrado. Sem dúvidaalguma, esse foi um fator absolutamente impor-tante para o sucesso na agricultura brasileira.

O Box 7 resume algumas conclusões acercado processo pelo qual passou a agriculturabrasileira, com grande choque de estressecompetitivo e uma elevada resposta por parte dosprodutores aos estímulos de uma agricultura livree desgravada. Os produtores foram aos poucosquebrando paradigmas e realizando investimen-tos na fronteira. Só iriam permanecer na atividadeos produtores eficientes. Tudo isso conduzia oBrasil a uma posição de ser um dos maioresprodutores agropecuários do mundo. Como nãopoderia ser diferente, começaram a aparecer osprimeiros grandes problemas para a agriculturabrasileira.

Box 7. Crescimento recente.

Algumas conclusões preliminares:

• Tudo se iniciou com um estresse competitivo queforçou o produtor a sair da sua propriedade

• Quebrar paradigmas e modelos mentais e denegócios: um novo empresário

• Os produtos atingiram relativa maturidade emtecnologia e em gestão estratégica

• Promoveram choques de gestão (pois a aberturacomercial seleciona os mais eficientes)

• Com inteligência estratégica, começaram a seassociar a outros produtores, vencendo o isolacio-nismo: foram mudados os modelos de negócio

• Entenderam que: estamos virtualmente no mesmobarco, vamos ter que aprender uns com os outros.Começaram as primeiras parcerias com êxito

• Vamos ter que gerir nossos negócios com enormecompetência

• A pergunta passou a ser: o que podemos fazer juntosque seja melhor do que se fizéssemos separados?

• Começam a aparecer os primeiros consórcios econdomínios agrários, e os agriclusters

A dificuldade de sustentaçãodas estratégias de crescimento

A agricultura mostrou um notável avançoinicial. Contudo, há dificuldade na sustentaçãodo ritmo de crescimento do setor. Devido aosproblemas recentes, desde o inicio, vale ressaltarque há obstáculos à frente.

O Box 8 indica que o crescimento daagricultura estaria eventualmente ameaçado porvários fatores, entre eles o que havia de sedestacar eram os problemas na área de logística.Estradas sem manutenção haviam comprometidofortemente a competitividade da agriculturabrasileira. Na verdade, as deficiências logísticasde estradas, ferrovias e portos, gradualmenteiniciaram um processo de dissipar as vantagenscomparativas do Brasil nas exportações, impe-dindo que o país criasse vantagens competitivaspermanentes.

Box 8. Dificuldades de sustentação do crescimento.

Conseguiremos sustentar os avanços alcançados?

• As taxas de câmbio flutuantes que foram umavanço, hoje são um problema

• Altos níveis relativos de proteção à indústriaimpedem importações e contribuem para ocâmbio ficar defasado

• Governo deixa de criar Risco Institucional(PGPM). Mas pode voltar a qualquer horacomprando estoques. Isso seria um enormeretrocesso)

• Lei Kandir (1996): a eliminação de impostos deexportação foi um grande avanço, mas os estadospressionam para o retorno e cobram parte doimposto do produto exportado como se fosse parao mercado interno (cobram ICMS)

• Renegociação da Dívida Agrícola: o setor estácom grande endividamento, hoje próximo ao PIBagrícola

• Investimento em pesquisa, em vez de subsídios,foi uma grande troca. Mas, agora, os recursos parainvestimentos estão caindo

O Box 9 indica que as exportações sãoindispensáveis para a sustentação do avançotecnológico. Como será possível mantermos asconquistas feitas até agora, com a contribuição

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da ciência e tecnologia? Havíamos construído umprojeto de país, com a ocupação do Cerrado dasáreas da fronteira agrícola interior. Mas, com otempo, a infra-estrutura foi se deteriorando.

O Box 9 também resume os perigos que atecnologia enfrenta quando há forte influênciade uma infra-estrutura pobre. Uma deficiênciadessa natureza pode comprometer todos osesforços do produtor. O produtor incorporatecnologia mecânica e biológica e cria vantagemcomparativa; é nesse exato momento que eleprecisa, mais do que nunca, de condições deinfra-estrutura favoráveis. A tecnologia, que é omaior trunfo do produtor, pode se voltar contraele. Ele morre ou pode ir morrendo, lentamente,sendo eficiente.

Box 9. Os perigos da tecnologia sem infra-estrutura.

Importância das exportações para a sustentação doavanço tecnológico da agricultura:

• O impacto da tecnologia mecânica pode levar aodesemprego

• O impacto da tecnologia biológica aumenta aprodução, os preços caem e muitas fazendasquebram

• A maior vantagem comparativa do produtor éjustamente a tecnologia

• Porque o Brasil, com acesso ao mercado externo,se usar tecnologia e reduzir custos, exporta omáximo e os preços não caem. Quanto maisexporta, mais lucra

• Contudo, se tiver problemas de logística e decâmbio, o produto fica represado nas áreas deprodução e os preços caem mais ainda. Nessemomento, a tecnologia, que é o maior trunfo doprodutor, se volta contra ele. Ele morre sendoeficiente. A logística pobre e o câmbio defasadomatam os mais eficientes!

Indicadores de desempenhoda agricultura brasileira

No Brasil, a profundidade das reformas e,sobretudo, os investimentos feitos em pesquisa,certamente gerariam resultados positivos para aagricultura. Quanto a isso, não haveria surpresa.O que surpreendeu foi a intensidade do desem-

penho do setor agrícola nos mercados interna-cionais.

A partir de 1974, os investimentos feitosna Embrapa atingiram seu mais alto grau dematuração e geração de benefícios nos primeirosanos da década de 1990. Em cerca de 15 anos,os rendimentos do algodão dobraram, do arrozaumentaram 25 % e do milho mais do quedobraram. A conseqüência desse avanço dosrendimentos foi: enquanto a área cresceu 2 %a.a. de 1990 a 2006, a produção aumentou à taxade 5,5 % a.a. no mesmo período.

Em suma, o Brasil crescia com praticamentea mesma área, só devido aos ganhos de produtivi-dade e a competência de seus agricultores.O setor agrícola assumiu a liderança no cresci-mento do País, contribuindo para o crescimentodo PIB com a média que atingiu 5,27 % por anono período 2000–2004, enquanto o setorindustrial permaneceu praticamente estagnado,com uma taxa de crescimento anual poucosuperior a 1 %. O resultado do crescimento daprodução foi significativo: a quase totalidade dossuperávits comerciais do Brasil provinham daagricultura. O setor agrícola chegou a responderpor cerca de 94 % de todo superávit comercialdo País.

A partir de 1990, o Brasil cresceu de formasustentada no setor agrícola, tendo aumentadoseu ritmo a partir de 1994. A agricultura desafiada– e turbinada pela pesquisa – emergiu como forçapropulsora do progresso do País. Além disso, oBrasil renasceu como importante parceiro nosmercados mundiais e – não podemos esquecer– houve um período de preços internacionaisfavoráveis.

Posição do Brasil nasexportações mundiais

Em 10 anos, o Brasil se tornou um grandeexportador de produtos agrícolas. A Tabela 2mostra esse desempenho da agricultura brasileiranas exportações e na produção, no contextomundial.

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Esse quadro nos dá conta do impacto dasreformas e dos investimentos em pesquisa nocrescimento da agricultura brasileira. Essecrescimento não se limitou apenas a produtos dotipo commodities. O crescimento da produtividadedas matérias-primas resultou forte indutor docrescimento das exportações brasileiras emprodutos processados, semiprocessados ealimentos industrializados. A novidade correu porconta do fato de que, no período 2000–2006, ossetores de alimentos processados e industrializadoscresceram entre os concorrentes no mundo.

O sucesso da produtividade criou efeitos àjusante, fortalecendo uma integração avançada,criando uma cadeia de valor, adicionando valorao agronegócio brasileiro. Com a retaguardagarantida por matéria-prima abundante, dequalidade e barata, os dirigentes do agronegócioinvestiram e formaram uma das forças de vendamais competentes do mundo. Atualmente, oBrasil exporta esses produtos mencionados paramais de cem países. Isso a partir de umaagricultura penalizada por políticas que lhe eramadversas.

Nesse período, as exportações de commo-dities cresceram 8 % ao ano, comparado com9 % de crescimento no setor de produtos proces-sados e 5 % ao ano nos produtos semiprocessa-dos. Novos produtos na pauta das exportações

agrícolas brasileiras, os produtos hortícolas,frutícolas, vegetais, flores e plantas ornamentaiscresceram 10 % ao ano. Esse desempenho ocorreuapesar de não havermos conseguido nada naRodada de Doha e de todas as restrições impostasaos produtos brasileiros por parte dos paísesimportadores.

Em 2005, no campo interno, o agronegóciobrasileiro foi responsável por 27 % do PIB e 37 %do emprego na força de trabalho, com cerca de18 milhões de empregados no agronegócio.De 2000 a 2006, o Brasil sustentou uma taxa decrescimento no valor das exportações de 20 %ao ano. Nada visto até então, em nenhum setorda economia no passado recente, com toda apolítica de substituição de exportações.

A redução dos níveisde tributação na agriculturano período 1995–2005

Retomemos o tema das evidências empíricasque sustentam nossas hipóteses. Um resultadoimportante das reformas foi a redução gradualde praticamente todas as formas de tributação daagricultura. Os indicadores de incentivos à econo-mia começaram a melhorar, como conseqüênciadas reformas e das forças que haviam mantido aagricultura praticamente estagnada e declinante

Tabela 2. Posição do Brasil no mundo, na produção e na exportação.

Posição no Posição no ParticipaçãoExportações

Taxa de

Produtoranking das ranking das nas exportações

em 2005crescimento

exportações produção mundiais(US$ milhões)

2000–2005mundiais mundiais (%) (%)

Açúcar 1o 1o 42 3.919 20Etanol 1o 1o 51 766 79Café 1o 1o 26 2.533 11Suco de laranja 1o 1o 80 796 4Tabaco 1o 1o 29 1.380 15Bovinos 1o 2o 24 2.944 32Frango 1o 3o 35 3.770 31Soja 2o 2o 35 5.345 22Farelo de soja 2o 2o 25 2.865 13Suínos 4o 4o 13 1.252 40Milho 4o 3o 35 121 48

Fonte: dados coletados pelos autores.

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durante muitos anos. Uma maneira de medir apenalização do setor rural são os conhecidosPSEs, definidos no Box 10.

Box 10. Equivalência do subsídio ao produtor.

Equivalentes do subsídio ao produtor (PSE)

É um indicador anual, medido em nível de produtor,do valor monetário bruto referente às transferênciasfeitas pelos consumidores e os outros agentes quepagam os impostos do País, que resultam em subsídiosaos produtores rurais, como conseqüência de políticaspúblicas, desconsiderando sua natureza, objetivosou impactos na produção ou na renda rural.

O PSE calcula o suporte concedido por políticasvoltadas para a agricultura em relação a uma situaçãoonde elas (políticas) não existam, ou seja, onde osprodutores estão sujeitos apenas às políticas geraisdo País (incluindo econômicas, sociais, ambientaise fiscais). É também uma noção de assistência nomi-nal, significando que aumentos de custos associadosàs tarifas de importação de matérias-primas não sãodeduzidos.

O PSE inclui transferências implícitas e explícitas.O PSE percentual representa a proporção do PSEem relação ao valor total da receita bruta do produtor,medido pelo valor total da produção (em nível doprodutor) somado à proteção orçamentária.

Quando o PSE é negativo, há indicação de que osprodutores foram penalizados pelas políticas quediscriminaram contra os produtos, e houve transfe-rência de renda para fora do setor. Quando é positivo,indica que os produtores se beneficiaram de transfe-rência de renda devido a políticas que, em últimainstância, os beneficiaram.

Fonte: OECD (2005a).

Um estudo feito pela Organization forEconomic Co-operation and Development OECD(OECD, 2005a), que usou os PSEs, mostrou que,após as reformas econômicas, na macroeconomia,no comércio, inclusive com a desregulamentaçãodos mercados agrícolas, com a redução dataxação no setor agrícola e a saída do governodos mercados agrícolas, houve resultadossurpreendentes. A Tabela 3 mostra as medidasdos Equivalentes ao Subsídio ao Produtor (PSE)no período considerado, a partir das reformas de1994.

Conforme visto na Tabela 3, com exceçãodo açúcar – que permaneceu sob severo controle

do governo durante muitos anos – no regime decotas e restrições à importação (que aindaapresentou elevados níveis de tributação de 1995a 1999), tomando-se por base a coluna da médiado período, na direita da referida tabela, verificou-se que as pesadas tributações que prevaleceramno passado haviam perdido intensidade.

Quase não havia restado nenhuma, pelomenos naquela intensidade do passado. Aí estavauma das maiores razões para o crescimento daagricultura. Restavam as seguintes perguntas: porque fizemos o que fizemos no passado, com aspolíticas de substituição de importação e aparafernália das ferramentas que usamos? O queperdemos por uma escolha inteiramente equivo-cada de políticas? Por que hoje enfrentamos tantosproblemas sociais nas megalópoles brasileirascom a pobreza – uma pobreza rural que só haviamudado de endereço e hoje estava nas cidades?E hoje, virtualmente, com problemas sem solução?

Comparemos esses resultados dos PSEsdepois de 1994 com as Taxas de Proteção Nomi-nais (TNP) e as Taxas de Proteção Efetiva (TPE)da Tabela 1 e entendamos o que aconteceu coma agricultura – travada no passado e livre e desgra-vada a partir de 1994.

Para alguns produtos como o trigo, o milho,o algodão e o arroz, de certa forma ainda existealguma proteção na agricultura, a julgar peloscoeficientes de PSE positivos. À exceção dessesprodutos, pode-se afirmar que a tributação é zero.Essa é uma das razões por trás dos melhoresresultados do setor, nos anos recentes.

Principais problemasno período de transição

A volatilidade e a sobrevalorização

da taxa de câmbio

A Fig. 1 mostra o comportamento da taxade câmbio nominal, de 1994 a 2005, comparado-as com a taxa de câmbio real.

No período 1994–1999, verifica-se amanutenção de um câmbio quase fixo. Essarelativa estabilidade do câmbio nos custou cerca

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de 40 bilhões de dólares de reservas internacio-nais. Em janeiro de 1999, visto a perda de reservase a falta de sustentabilidade do regime vigente,adotou-se o câmbio flutuante. Até dezembro de2002, o câmbio foi depreciando, melhorandosubstancialmente as condições de competitivi-dade da agricultura brasileira.

Em 2003, com o advento da nova adminis-tração, a agricultura passou a enfrentar umproblema grave. À medida que a taxa de câmbiocaía, os produtores plantavam com câmbio alto,o que representava custos elevados dos insumos,e comercializavam a produção com o câmbio,no segundo semestre, mais baixo. Isso durou de

Tabela 3. Equivalentes ao subsídio ao produtor (PSE).

Produto 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Média

Trigo 0,07 0,11 0,14 0,26 0,15 0,14 0,06 0,07 0,05 0,06 0,11Milho 0,07 0,10 0,10 0,27 0,10 0,26 0,05 0,06 0,06 0,05 0,11Arroz 0,33 0,10 0,08 0,09 0,07 0,14 0,06 0,14 0,21 0,17 0,14Soja 0,04 0,07 0,05 0,07 0,06 0,04 0,03 0,03 0,02 0,02 0,04Açúcar (0,76) (0,36) (0,31) 0,02 (0,33) 0,04 0,03 0,02 0,02 0,02 (0,16)Algodão 0,11 0,15 0,17 0,18 0,15 0,09 0,07 0,11 0,21 0,05 0,13Café 0,01 0,05 0,03 0,04 0,05 0,03 0,03 0,03 0,04 0,02 0,03Leite 0,25 0,11 0,12 0,13 0,05 0,02 0,02 0,02 0,03 0,02 0,08Bovino 0,01 0,02 0,02 0,00 0,02 (0,01) 0,01 0,01 0,02 0,02 0,01Suíno 0,01 0,02 0,02 (0,02) 0,02 (0,04) 0,01 0,02 0,01 0,01 0,01Frango 0,01 0,01 0,01 (0,02) 0,03 (0,03) 0,02 0,02 0,01 0,01 0,01

Fig. 1. Taxa de câmbio nominal (R$/US$).Fonte: Dados compilados pelos autores.

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2002 até 2006. Com isso, a agricultura acumulouuma dívida agrícola praticamente impagável,agravada pela coincidência de três secas nas safrasde verão e de inverno nos últimos anos.

A taxa de câmbio que havia atingido o picoem dezembro de 2002, de R$ 3,81 por US$ 1.00,em 2007, atingiu o valor de R$ 1,90. Por incrívelque pareça, essa extrema valorização da moedateve impacto relativamente reduzido nas expor-tações agrícolas. Mas, o custo disso tudo foi umaacumulação de dívida agrícola muito grande.

As forças por trás dessa sobrevalorizaçãocambial são conhecidas. As políticas comerciais,o déficit público e o padrão de gastos do governo,principalmente em políticas sociais, que têm forteviés em favor de produtos não comercializados(non tradables), são responsáveis pela sobrevalori-zação cambial. Uma análise conduzida nessetrabalho, acerca da variação da taxa de câmbioreal e os fatores que a determinam está registradaabaixo. A evidência dos fatores que afetam ocâmbio parte da estimação da equação a seguir.Essa equação descreve o comportamento da taxareal de câmbio em forma logarítmica

onde e é a taxa de câmbio real; são os termos

de troca; tx são as tarifas de importação; t

m são as

tarifas de exportação; é consumo do governo

como porção da renda nacional; é o déficit

público financiado por meio de operação decrédito externo ou poupanças internas como umaproporção da taxa de câmbio; é a taxa decrescimento da oferta de moeda; é a taxa dedesvalorização nominal da taxa de câmbio noBrasil; é a inflação externa; e é a taxa decrescimento do PIB.

Nessa equação, a taxa de câmbio real foimedida como a taxa de câmbio nominal, multipli-

cada pelo quociente do índice de preços noatacado nos Estados Unidos, dividido pelo índicede preços ao consumidor no Brasil. Esse enfoquetambém foi adotado por Edwards (1989).O período incluído nessa estimativa vai de 1948a 1986, único período na história do Brasil ondehá relativa estabilidade, o que permite estimarvariáveis confiáveis para uma regressão.

Na Tabela 4, verificou-se que, tomando-sepor base as duas primeiras regressões, nas quaisa única diferença é a forma de medir o déficitpúblico, usando-se na primeira o conceito clássicoe na segunda como o valor da poupança dogoverno, todas as variáveis têm o sinal correto,exceto o sinal da variável de despesa pública.Entretanto, o coeficiente dessa variável não ésignificativamente diferente de zero.

Verificou-se, também, que um aumento nostermos de troca determina um fluxo de entradade moeda estrangeira e a taxa de câmbio realsobrevaloriza. Um aumento nos impostos deexportações contribui para uma apreciação dataxa de câmbio, considerando-se o sinal davariável 1 + t

m

. E um aumento nas tarifas de impor-tação restringe importações e contribui para asobrevalorização cambial. As variáveis maisimportantes que determinam a sobrevalorizaçãosão, certamente, as tarifas de importação, osimpostos de exportação e o efeito dos termos detroca medidos pelo preço dos produtos exportáveisdividido pelo preço dos importáveis.

A regressão mostra ainda que uma políticamonetária “frouxa” (fora de controle) tambémcontribui para uma apreciação da taxa de câmbio.O déficit público, medido em todas as regressões,também tem um impacto negativo sobre a taxade câmbio real no sentido de sobrevalorizá-la.Finalmente, uma política fiscal fora de controle,com o aumento da participação do governo noconsumo e na renda nacional, ambos contribuempara uma sobrevalorização do câmbio.

Esses resultados indicam que uma políticacomercial que tributa importações e protegesetores da economia causam severos prejuízospara a agricultura em termos de apreciação da

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taxa de câmbio, uma vez que o Setor Primário é100% constituído por produtos transacionáveisno mercado internacional. A proteção à indústriaprejudica a agricultura, impondo-lhe um impostoimplícito, segundo o teorema de simetria deLerner. A agricultura depende pesadamente dasexportações para geração de renda, parainvestimentos na sua base produtiva e para ocrescimento.

A agricultura se beneficia muito da estabili-dade macroeconômica, mas todas as demaispolíticas devem ser alinhadas, de tal maneira quenão deve prevalecer gastos públicos excessivose uma política comercial que tributa a agriculturae proteja a indústria. Desequilíbrios prevalecentesnas políticas macroeconômicas, as chamadasreformas incompletas, que se constituem no cha-mado unfinished business (reformas incompletas),podem causar sobrevalorização cambial, queafeta diretamente a capacidade produtiva daagricultura.

Analisando-se esse quadro retrospectiva-mente, não resta dúvida por que o Brasil levoutanto tempo para remover suas políticas macroe-conômicas que causaram não só inflação (impostoinflacionário altamente regressivo sobre as classesde renda mais baixas) e sobre o setor dinâmicoda economia: a agricultura de exportação, o únicoa gerar emprego em larga escala. A pobreza temnessas raízes uma de suas principais causas.

A conclusão que se chega, revendo-se aliteratura até agora, é que as políticas de interven-ção do governo na agricultura prejudicaram osetor de três formas muito claras:

• Criou uma discriminação contra o setorinjustificável, pois ele era gerador dereservas em moeda estrangeira, renda eemprego.

• Tiveram um efeito alocativo severo, namedida em que de exportador o Brasilse tornou grande importador mundial.

• As políticas de compensação, tais comoo crédito agrícola subsidiado, forampolíticas regressivas que beneficiaramum pequeno número de produtores quetinham acesso ao crédito, às custas demuitos produtores que não dispunhamdesse acesso e dos consumidores quepagaram subsídios.

Apesar de sempre advertidos, os governosnunca entenderam a idéia fundamental de que émais fácil abastecer um país exportando do queimportando. Abastecer um país exportando é tero preço interno igual ao preço internacional,menos o frete; e abastecer um país importando éter o preço interno igual ao preço internacionalmais o frete.

Acresce ainda que não há evidênciaestabelecida de que o câmbio sobrevalorizado

Tabela 4. Fatores que afetam o câmbio real.

Regressões ConstanteIn (termos

In (1+tm) In (1-tx)Déficit Consumo

(M–E–Pt–X ) F R2

de troca) público do governo

Regressão 4,556*** -0,5218** -0,9795 -0,7958** -0,0598** 0,0191 -0,002***6,51 0,63

(1) (3,79) (-2,431) (-0,808) (-2,204) -1,044 (-3,387)Regressão 4,706*** -0,4696** -0,7425 -1,1048*** -0,0337* 0,0006 -0,0027***

6,22 0,62(2)1/ (3,91) (-2,604) (-0,587) (-3,762) (-2,021) -0,033 (-3,252)Regressão 5,4437*** -0,6478*** – -0,7739*** -0,0526** – -0,0028***

9,25 0,6(3)2/ (7,80) (-3,961) – (-2,734) (-2,248) – (-3,468)Regressão 4,5642*** -0,4432** – -1,0361*** -0,0368** – -0,0027***

9,9 0,61(4)1/2/ (6,02) (-2,468) – (-3,978) (-2,248) – (-3,350)

*** Significante a 5 %.

** Significante a 2,5 %.

* Significante a 10,0 %.

(1) As regressões (2) e (4) usam a variável déficit público medida pelo conceito de poupança do governo.

(2) As regressões (3) e (4) suprimiram as variáveis cujos coeficientes não eram significativamente diferentes de zero.

Nota: os valores de t estão entre parênteses, abaixo dos coeficientes estimados.

Fonte: Lopes (2007).

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beneficiou a agricultura, devido ao fato de queas tarifas de insumos agrícolas protegeram asindústrias e impuseram uma sobrecarga, natributação implícita sobre a agricultura.

A falta da infra-estrutura adequada

As mais importantes artérias troncaisrodoviárias de transporte de produtos agrícolasforam construídas do final da década de 1950,até meados da 1960. Muito pouco mais, emtermos de quilometragem adicional paraescoamento da produção, foi construído a partirde então. A ocupação da fronteira agrícolaocorreu no início da década de 1970. As estradascomo as BR-364, BR-163, BR-158, BR-242 eBR-272, em Mato Grosso, na Bahia e no Paraná,foram construídas para ocupar as fronteirasagrícolas de então. As estradas mais importantesforam a BR-364, que liga Cuiabá a Porto Velho;a BR-163, que liga Cuiabá a Guarantã do Norte– Rurópolis e Santarém; a BR-158, que liga Barrado Garças a Querência; a BR-242, que liga o oesteda Bahia aos portos de Salvador e de Ilhéus; aBR-407, que liga Juazeiro, BA, e Petrolina, PE,ao Porto de Salvador, etc.

Ao longo dos anos, essas rodovias foramperdendo sua capacidade de oferecer serviços detransporte a custos razoáveis, devido à máconservação e à falta da imposição da “lei dabalança”. Há mais de uma década estão em péssi-mas condições. Em algumas, como a BR-242, queliga o oeste da Bahia a Salvador, o percurso de862 km, que poderia ser feito em cerca de12 horas, hoje leva 3 dias. Esse problema éconhecido como um dos componentes dochamado Custo Brasil.

Com isso, o Brasil foi perdendo sua capaci-dade de competir nos mercados externos e issotem sido constantemente mencionado pelo setoragrícola e pelos exportadores, com a advertênciade que, em longo prazo, se nada for feito pararecuperar as estradas, esse item do transporte iragarrotear as exportações – isso sem falar nascondições dos portos brasileiros, muito modestose incapazes de oferecer embarques na cadência

dos portos modernos, que existem nos países,com os quais competimos (inclusive a Argentina).

Devido à restrição financeira e ao controledo déficit público, o governo deixou de investirnesse setor. A cada ano são anunciados dispêndiose indicações de recuperação de estradas, mas osorçamentos no Brasil têm apenas valor indicativo,não é obrigatória a aplicação do recurso naquelarubrica específica. O fato é que, às vésperas daseleições, são feitos reparos, as chamadas operaçõestapa-buraco. A durabilidade de uma operação detapa-buracos é de um período até as chuvas, éde 1 a 2 anos.

O Brasil possui uma matriz de transporteinvertida. O transporte por estradas ocupa 60 %do volume de cargas, 21 % é feito por ferrovias e14 % por navegação fluvial e lacustre. As cargasde soja brasileira, 67 % são transportadas emcaminhões, enquanto nos Estados Unidos apenas16 %. Cerca de 28 % da soja é transportada porferrovia, enquanto nos 67 % esse percentualchega a 23 %. Finalmente, por transporte fluviale lacustre, apenas 5 % da soja brasileira étransportada nesse modal, enquanto 61 % da sojaamericana é transportadas por via fluvial.

Assim, os gastos do governo com infra-estrutura estagnaram e o Brasil perdeu emcompetitividade pelo fato da grande restriçãoimposta pela infra-estrutura às exportações. Em2004, 17 % das estradas eram consideradas emboas condições e 42 % estavam em condiçõespobres de conservação ou extremamente pobres.São as maiores restrições ao crescimento daexportação brasileira, ao lado de deficiências dearmazenagem, operações portuárias e portos emcondições de manter a competitividade do País.

Há casos, não tão esporádicos assim, emque a soja tem que percorrer cerca de 1.220 kmpara chegar até os portos (LOPES et al., 2006a).Casos recentes indicam que o custo do itemlogística nas exportações de soja no Brasil atingeem média 83 % mais alto que nos Estados Unidose 94 % mais alto do que na Argentina. Exatamentena logística principiam os maiores problemas parao Brasil no futuro. Retomaremos esse tema logoa seguir, com um estudo empírico.

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Outros componentes do Custo Brasil

As estradas são apenas um dos itens doCusto Brasil. Há três outros de grande importânciaque comprometem muito a competitividade doPaís no exterior. Um deles são os encargos sociais,o outro é o juro e, finalmente, os impostos. Estudoconduzido por Lopes (2002) demonstrou que ascadeias de café, de soja, de milho, de algodão,de açúcar e de leite (leite C), são cadeias forte-mente comprometidas devido ao Custo Brasil,representado por esses três componentes (alémda logística).

O estudo consistiu em trocar os juros, queà época estavam em 23 %, por um juro “civiliza-do” de cerca de 9 %, que é o padrão de referênciamundial; os encargos, que ultrapassavam 100 %da folha de pagamento, foram estimados em42 %, que é o encargo do contrato de trabalhopor tempo determinado; e os impostos se limitariamao Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMS),sendo eliminados todos os impostos em cascata,inclusive o Programa de Integração Social (PIS) ea Contribuição para Financiamento da SeguridadeSocial (Cofins). As cadeias citadas com essasmudanças recuperariam grande parte do seubaixo desempenho.

O estudo conduzido por Lopes (LOPES,2002), e o estudo do Ipea (IPEA, 2001), indicamque esses três componentes reduzem a rentabili-dade da cadeia do algodão em cerca de 49 %,do álcool em 68 %, da soja em 69 %, do açúcarem 65 % e o leite (leite C) em 83 %. Essa incidênciados impostos “decorrentes de elevadas altas dejuros, de impostos e de encargos sociais”. Portanto,o estudo mostra que não é necessário zerarencargos, impostos e juros, basta tê-los em níveis“civilizados” para se melhorar a rentabilidade dacadeia e evitar os pesados níveis de penalizaçãoa que ela se submete, devido aos níveis elevadosde juros, aos impostos em cascata e aos encargossociais, que descriminam contra o emprego nascadeias agropecuárias.

A competição da infra-estrutura rural coma infra-estrutura urbano-industrial num regime derecursos fiscais escassos6.

Como foi dito, a estabilização macroeconô-mica impôs disciplinas fiscais que reduziram osdispêndios na manutenção das estradas. Umestudo conduzido por Lopes et al. (2007) testoua hipótese de que a infra-estrutura rural estariaem desvantagem na prevalência de um regimefiscal apertado. Isto é, as estradas que serviam aomeio rural estariam em condição inferior em

6 Este estudo – aqui apenas resumido – foi conduzido em parceria com Geraldo de Souza, da Embrapa. Para analisar, em detalhe, os resultados desse

trabalho, ver Lopes et. al. (2007).

Tabela 5. Diferença entre a rentabilidade das cadeias agropecuárias decorrente do Custo Brasil.

Lucro líquido Lucro líquido TaxaCadeias agroindustriais a preços de a preços (%) (c) Ranking

mercado (%) (a) econômicos (%) (b) (c = (b-a)/b)

Farinha de trigo importada (Brasil) 25,00 25,70 2,72 1Carne de aves para exportação (SC) 41,50 44,30 6,32 2Carne de aves para mercado doméstico (SP) 30,50 34,10 10,56 3Farinha de trigo nacional (Brasil) 49,50 61,80 19,90 4Leite tipo B 24,00 31,40 23,57 5Café para exportação 39,20 53,40 26,59 6Café Conillon para mercado doméstico 27,70 40,30 31,27 7Algodão 15,40 30,70 49,84 8Álcool 7,90 25,40 68,90 9Soja para exportação 8,40 27,40 69,34 10Açúcar 6,80 27,70 75,45 11Leite tipo C 3,10 18,70 83,42 12

Fonte: Ipea (2001) e Lopes (2002).

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relação às estradas que servem os meios urbano-industriais. Quanto mais severa a restrição derecursos públicos, tanto menor a possibilidadede ser contemplada, nos gastos públicos, arecuperação das estradas que servem à agriculturano Brasil. E, pior, tanto menor o interesse do SetorPrivado em concessões e em Parcerias Público-Privadas (PPP). Para testar essa hipótese, foidesenvolvido um trabalho empírico.

Esse estudo-piloto foi feito no na Bahia.Foram analisadas seis estradas alternativas, emtermos de potencial de promoção do desenvolvi-mento local e de sustentabilidade econômico-financeira da região (que ajudaria a manter asestradas), em curto, médio e longo prazos. Nessametodologia, por hipótese, as estradas iriam com-petir por recursos públicos escassos em regimealtamente competitivo. As estradas deveriam serhierarquizadas de acordo com critérios de impactono desenvolvimento econômico e social das áreasde influência de cada uma delas. O estudo mostrouque só as estradas melhor posicionadas receberiamatenção em curto prazo, a prevalecerem as restri-ções de recursos e fundos públicos.

Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliardentro de um conjunto de opções de obras derecuperação em seis estradas da Bahia, quais asque teriam maiores chances de ser implementadas,ou quais as obras que contribuiriam mais decisiva-mente para o desenvolvimento de uma determi-nada região.

As estradas escolhidas foram duas degrande interesse de transporte urbano e atividadeindustrial, que cortam e servem o ComplexoCamaçari–Aratu. Essas duas estradas são aBR-324 (Feira de Santana a Salvador) e a BA-093(de Entre Rios a Simões Filho). Foi escolhidatambém uma via troncal de importância para oNordeste, a BR-116, no trecho Rio–Bahia. Trêsoutras estradas foram selecionadas, em decorrên-cia da sua importância para as exportaçõesagrícolas: a BR-242 (de Luiz Eduardo Magalhãesaos portos de Salvador), uma variante da BR-242,que vai diretamente a Ilhéus, e a BR-407, tambémconhecida como “estrada da fruta”.

A despeito de sua importância para aagricultura, essas três estão em péssimo estadode conservação. São essenciais para a realizaçãodas vantagens comparativas de áreas agrícolas degrande potencial competitivo e exportador, degeração de renda e de emprego no interior.

O desenvolvimento territorial ao longo daestrada depende principalmente do desenvolvi-mento setorial. Uma estrada que corta uma árearural – ou um corredor que liga uma área produtorade produtos agrícolas, de granéis agrícolas,ligados a um porto – tem um determinado peso,ao passo que uma estrada ligando um grandecomplexo industrial com portos e com umsistema articulado de transportes para, porexemplo, o Nordeste e o Sul do País tem outropeso relativo. São exemplos que refletem aestrada BR-242 e a BR-364, na Bahia, respectiva-mente. Qual das duas obras receberá prioridadepor parte da aplicação dos recursos do estado edo governo federal? Cada estrada tem as suaspeculiaridades em termos econômicos, sociais e,sobretudo, políticos. Além do mais, há que seconsiderar que granéis agrícolas são produtos debaixo valor específico, intensivos em uso da infra-estrutura (das estradas), e têm uma demandaelástica em relação ao custo dos pedágios cobradosdentro de uma PPP.

Em termos de informações básicas, paracada uma das seis estradas escolhidas pelapesquisa, foram levantados dados com relação adiversos índices. Cada índice representa umamédia de indicadores de diversas naturezas paratodos os municípios ao longo de cada uma dessasestradas, levando-se em consideração os municí-pios à direita e à esquerda de cada estrada, a umadistância máxima da estrada de cerca de 150 km,para ambos os lados. Essa é a faixa de domínioda estrada, definida na pesquisa.

O conjunto de dados contém seis dimensõesde indicadores:

• Indicadores demográficos, com 7 variá-veis.

• Indicadores econômicos, com 46 variá-veis.

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• Indicadores sociais, com 31 variáveis.

• Indicadores de infra-estrutura, com13 variáveis

• Indicadores de maturidade institucional,com 13 variáveis.

• Valores de investimento previstos egeração de emprego, com 22 variáveis.

Ao todo, somam-se 132 variáveis7.

Em cada uma das seis dimensões, aplicou-se a técnica de Análise de Componentes Princi-pais para reduzir o conjunto de variáveis presentesem cada dimensão a um único índice representa-tivo da dimensão. A redução de dimensão pormeio de medida de agregação é imperativa naatual aplicação, pois a consideração das 132 va-riáveis disponíveis sem agregação conduz aresultados espúrios do ponto de vista da classifi-cação de importância das estradas.

A idéia do uso da Análise de ComponentesPrincipais é a de transformar o conjunto devariáveis originais em novo conjunto de variáveisnão correlacionadas denominadas componentesprincipais. No contexto dessa transformação, éde particular interesse a primeira componente querepresenta a combinação linear das variáveisoriginais, com coeficientes com norma unitária,que tem variância máxima; isto é, que mais separaas estradas. Essa componente é que explica amaior parte da variabilidade observada noconjunto de dados e, nesse contexto, representa

a direção de maior associação com a maioria dasvariáveis envolvidas na análise. Os resultado sãomostrados na Tabela 6.

Note-se que a BR-324 é a estrada queobtém os maiores valores em todas as dimensões.Isso indica que essa estrada desfruta de umacondição ímpar de relevância em todos os indica-dores selecionados para classificar as estradas.Trata-se de uma estrada relevante para os propó-sitos do estudo, dados os valores estimados paratodos os indicadores considerados. Atravessaregiões importantes da Bahia e gera riqueza emtoda a sua faixa de domínio. Ao longo da estrada,há geração de valor adicionado (PIBs municipais)e há densificação da atividade econômica. Então,ela deveria ser prioritária para fins de recuperaçãoe de manutenção por parte dos gestores públicos.Sua eficiência tem efeito gerador de riqueza aolongo da via.

Para o Setor Privado, os municípios que amargeiam são valorizados pelo potencial deatração de grandes investimentos e pela existênciade massa crítica de atividade industrial.Em seuaspecto geral, desde logo esse quadro já ofereceuma orientação inicial acerca da importância decada estrada para a atividade econômica e paraas decisões dos gestores públicos no momentoda decisão de qual delas merece prioridade.

A BA-093 é um caso idêntico, com escoreselevados para todos os indicadores. Ela é umaestrada com alto padrão nos indicadores

7 Para mais detalhes da pesquisa, ver Lopes et al. (2007).

Tabela 6. Indicadores de importância das estradas.

Indicadores

EstradasDemográficos Econômicos Sociais

Infra- DesenvolvimentoInvestimento

estrutura institucionale emprego

BR-324 0,99241 0,99967 0,99674 0,99265 0,99534 0,9973BA-093 0,71446 0,9357 0,82819 0,45384 0,91223 0,8121BR-242 B 0,34404 0,30271 0,3361 0,44943 0,48778 0,41599BR-407 0,22561 0,27593 0,30944 0,36164 0,45899 0,23713BR-242 A 0,28538 0,25426 0,36967 0,33379 0,00081 0,27481BR-116 0,41533 0,23075 0,15008 0,38661 0,29696 0,25457

Fonte: Lopes et al. (2007).

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selecionados e em termos de promoção dedesenvolvimento. E o progresso que se processouem anos recentes ao longo da via, principalmentedas atividades econômicas, resultou em desenvol-vimento social – o que pode ser visto pelosvalores dos indicadores sociais. São elevados,também, os investimentos incentivados atraídospela rodovia.

Entretanto, a BR-242 – nas suas duasversões (A e B) – tem escores muitos baixos paratodos os indicadores. Isso indica, prima facie, quea despeito da importância dessa estrada para aagricultura, os indicadores de prioridade relativanão são favoráveis. Talvez em grande parteporque a estrada liga uma zona de produção aportos. As zonas de produção são das maisimportantes da agricultura brasileira, mas hápouca densificação da atividade econômica noentorno do trajeto da zona produtora até o porto.O que eventualmente demonstra que seria muitodifícil viabilizar a permanente recuperação e ma-nutenção da estrada em um regime de escassezde recursos públicos.

Surpreendentemente, a BR-116 apresentaescores relativamente baixos. Apesar dessaestrada ser uma artéria troncal de grande impor-tância para a integração regional, os escoresindicam que, ao longo de sua faixa de domínio,ela gera indicadores (de impacto) relativamentemodestos. Ao que tudo parece indicar, a BR-116é mais um corredor de transporte com impactomodesto nos indicadores considerados, compara-tivamente com a BR-324 e a BA-093 – as quaisapresentam grande impacto em todos os indica-dores eleitos. Apesar da sua importância para oagricluster de frutas do Vale do Rio São Francisco,a BR-407 também mais se parece com um corredorde transportes.

Assim, analisando-se dimensão por dimensão(indicador por indicador), já podemos ter umaexpectativa acerca da importância relativa decada estrada. Entretanto, até esse ponto, nãotemos condições de obter resultados conclusivose análises globais, comparando todas as estradasno seu conjunto. Podemos ter apenas indicaçõesde que em algumas dimensões (em alguns

indicadores), essas estradas têm resultadosmelhores numas e piores noutras. Entretanto,precisamos comparar todas as estradas, em seuconjunto, tomando-se a totalidade das dimensõesanalíticas (construtos). Isso é o que caracteriza acompetição por fundos públicos.

Em seguida, o estudo usou o método daanálise de fronteira de produção (DEA) numavisão multicritério. A medida de eficiência técnicade produção DEA que trataremos aqui é definidade acordo com a adaptação multicritério dametodologia do DEA, procedendo-se ao cálculode um índice de desenvolvimento para cada umadas estradas. Nesse contexto, a aplicação de DEAé conhecida na literatura (LETA et al., 2005,ANGULO MEZA et al. 2005, SOUZA et al. 2007)

e foi feita de duas formas. Primeiramente, tomam-se os construtos como inputs e a existência dasestradas como output. Isto é, considera-se output

unitário para cada estrada. Quanto maior aineficiência da estrada vista como unidadeprodutora num modelo DEA voltado para a pro-dução, maior sua importância. Nesse contexto,define-se o índice de importância da estradacomo sendo 1, menos a medida de eficiênciatécnica. Nessa ótica, intuitivamente, olham-se asestradas como produto do desenvolvimento.

Alternativamente, pode-se considerar ummodelo de produção onde um insumo unitárioestá associado a cada estrada tendo como output

múltiplo os indicadores dos construtos. Nessecaso, intuitivamente, olha-se a existência daestrada como criadora do desenvolvimento.A medida de eficiência resultante é o indicadorde importância da estrada. Como medida finalde importância, considera-se a média aritméticaentre as duas medidas de importância parciais.

O índice estabelece um padrão decompetitividade por recursos públicos. Nesseexercício, todas as estradas competem por recursospúblicos. Note que a alocação de insumos eprodutos a priori coloca as estradas inicialmenteem condições uniformes de avaliação. As diferen-ças surgem de modo ótimo, como resultado deum modelo de fronteira determinística.

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Por parte do Setor Privado, o significadodesse índice é a possibilidade de desenvolvimen-to da região originária da produção (riqueza) aolongo da área de influência da estrada, que atraiae justifique os investimentos dos agentes privados– e minimiza seus riscos de perdas financeirasnos investimentos.

Portanto, trabalhamos com um escorerepresentando duas percepções importantes parao processo de decisão:

• As estradas gerariam o desenvolvimento,medido pelos indicadores econômicose sociais.

• O desenvolvimento da área de influên-cia poderia sustentar as estradas, viabili-zando-as em longo prazo.

Usando esses dois enfoques, estabelecemosum contraste, como “teste” para minimizar o riscode a escolha de uma hierarquia de importânciadas estradas ser viesada na percepção dos gestorespúblicos e dos investidores privados, seja numadireção, seja em outra. Além disso, estar-se-átestando a importância relativa da assertiva deque as estradas estariam gerando o desenvolvi-mento na sua área de influência e, alternativamente,o desenvolvimento na faixa de domínio daestrada a sustentaria e a viabilizaria. Além disso,se não houvesse diferença entre os rankings dasestradas, através dos dois enfoques, chegar-se-iaà conclusão de que ambos os enfoques sãoequivalentes e o ranking das estradas em ordem

de eficiência não se alteraria com o enfoqueadotado.

A partir das duas medidas, calcularíamosuma média dos índices de eficiência, de acordocom os dois enfoques e poderíamos derivaralgumas conclusões acerca da hierarquia daimportância das estradas. Pode-se assimdeterminar um escore final que ordenasse asestradas em termos de eficiência. Os resultadosestão na Tabela 7.

A Tabela 7 apresenta os resultados maisimportantes da pesquisa. Ela resume os índices(escores) finais comparativos da importância e daeficiência relativa entre as estradas. A primeiracoluna contém a discriminação das estradas.A segunda coluna relaciona e hierarquiza osescores de acordo com o enfoque do insumounitário segundo o qual as estradas são insumosque produzem o desenvolvimento, por meio dosindicadores selecionados. A terceira colunadefine a eficiência técnica na fronteira invertidasegundo a qual os indicadores de desenvolvimen-to da faixa de domínio das estradas as sustentariamem longo prazo. A coluna Escore final é o resul-tado mais importante desse exercício. Representaa média dos escores das colunas 2 e 3.

Os resultados mostram que não temosrazões para afastar a hipótese de que as estradasBR-324 e BA-093 são as mais importantes emtermos de prioridades de conservação, manu-tenção e ampliação, enquanto a BR-242 e a

Tabela 7. Índice de importância das estradas.

Avaliação relativa da contribuiçãoAvaliação relativa da contribuição

EscoreEstradas

das estradas para o desenvolvimentodos indicadores econômicos

finalpara a sustentação das estradas

BA-093 0,935 (2)* 0,265 (2)* 0,600 (2)*BR-116 0,419 0,000 0,210BR-242/A 0,371 0,000 0,186BR-242/B 0,490 (3)* 0,149 (3)* 0,320 (3)*BR-324 1,000 (1)* 0,657 (1)* 0,829 (1)*BR-407 0,461 0,000 0,231

* Prioridade 1, 2, 3.

Fonte: Lopes et al. (2007).

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BA-407 estão posicionadas na hierarquia deprioridades em nível relativamente inferior, assimcomo a BR-116.

Para o Setor Privado, a implicação dessesresultados é uma indicação de que os investi-mentos na produção de produtos intensivos eminfra-estrutura e com uma elevada elasticidade/preço em relação a fretes deveriam ser avaliadoscom cautela ao longo das estradas BR-242 eBR-407, assim como ao longo da BR-116. Nãopodemos afastar a hipótese de que não há massacrítica de atividades econômicas e indicadoressociais – em termos de todos os indicadoresconsiderados ao longo destas (últimas) estradas.

Esse resultado tem uma implicação impor-tante para a produção agropecuária, no oeste daBahia e no agricluster de frutas de Juazeiro, BA,e de Petrolina, PE. Enquanto essas estradas perma-necerem como relativos corredores de exportação– como a BR-116 –, não haverá priorização deinvestimentos de recuperação, manutenção emelhorias substanciais nelas. Tampouco poder-se-á pensar numa PPP, porquanto granéisagrícolas não pagam pedágio. Quando cogitamosa hipótese de se fazer uma PPP ou uma concessão,os indicadores econômicos, assim como osdemais, são os que fazem fluxo de veículos.Há que se buscar então outras soluções para amanutenção desse tipo de estrada.

Os resultados sugerem ainda que nãopodemos afastar a hipótese de que as estradasdo tipo corredores de exportação, ou viastroncais, que ligam apenas as áreas de produçãoaos portos – e que não geram valor adicionadonas faixas de domínio –mais dia menos dia,apresentarão problemas de conservação, demanutenção e de ampliação (esse é um resultadoimportante para o Setor Privado).

Nessas estradas, os serviços oferecidos sãomais caros (R$/t/km) e as vantagens comparativasdas áreas de produção agropecuária serãodissipadas ao longo das vias. Perdem-se vantagenscompetitivas e as soluções são muito difíceis numquadro de escassez dos recursos públicos.

No que se refere à sustentabilidade emlongo prazo, o teste conduzido nessa linha tomoudois critérios de hierarquização das estradas, comambos os escores (e a média deles), como fatorde indução de desenvolvimento e dos indicadoreseconômicos como base de sustentabilidade dasestradas – verificou-se que a ordem de importân-cia das estradas não mudou em relação aoscritérios adotados, como demonstram as colunasdois, três e quatro, da Tabela 6. Nas colunas, osnúmeros entre parênteses, ao lado de cada escore,coincidem, mostrando que pelos dois critérios ahierarquia não muda. A ordem de importânciadas estradas não mudou, independentemente dahipótese formulada sobre o efeito da indução deestrada e desenvolvimento, e de desenvolvimentoe estrada.

Em outras palavras, a hierarquia das estradas,em ordem de importância, é invariante (não varia,não muda) em relação a qualquer um dos doiscritérios e hipóteses adotados. Esse é um testeimportante, porquanto há partidários de que asestradas geram o desenvolvimento e partidárioshá que advogam a idéia de que o desenvolvi-mento é que traz boa infra-estrutura (estradas).Sem os testes propostos, ambas as visões poderiamser válidas. Mas, mais importante que o efeitoindireto (em ambas as hipóteses) é o contexto dedesenvolvimento, medido pelos indicadores, poronde a estrada passa. Sem ele, fica difícil justificaro investimento nas estradas, no regime de dietade recursos públicos em que o Brasil se encontra.

Uma possível interpretação para esseresultado do teste realizado é que, na realidade,as estradas contribuem para o desenvolvimentotanto quanto o desenvolvimento contribui paraa sustentabilidade das estradas, até o ponto emque não é possível distinguir uma direção deindução e causalidade de uma hipótese emdetrimento da outra. Ambos os aspectos estãointimamente associados, havendo uma harmoniaextra-estradas (infra-estrutura) e desenvolvimento.

Independentemente das razões que possa-mos ter para acreditar que as estradas induzem odesenvolvimento ou que o desenvolvimento éque cria boas estradas, os resultados, em termos

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da hierarquia da importância das vias estudadas,não mudam. A posição relativa das estradas nãomuda dentro de um ou de outro critério. O con-junto dos contextos demográfico, social, econô-mico, de infra-estrutura social e de bens públicos,e da maturidade institucional é o que importa, sehá constrangimento de recursos públicos. Todosos resultados mostram que as estradas rurais estãoem desvantagem.

Incapacidade de sustentaçãode investimentos em pesquisa

As disciplinas fiscais impostas a partir daestabilização têm sido usadas como argumentopara um corte geral nas despesas públicas. Taiscortes atingiram os investimentos em pesquisa,quando comparados com anos anteriores e,sobretudo, quando comparado com o PIBagrícola. É de se esperar que quanto maior o PIB

agrícola, tanto maiores são as necessidades deinvestimentos em pesquisa. A Fig. 2 mostra queno Brasil, foi impossível sustentar um volume deinvestimentos consistente com o crescimento doPIB, sem falar nas necessidades de melhoria dascondições de saúde animal e condições fitossani-tárias, em nível condizente com um país que éum grande exportador no mundo e preza pelasaúde e a qualidade dos alimentos que seu povoconsome.

As conseqüências da queda dos investi-mentos na área de pesquisa só vão ser sentidasno futuro, quando outras nações suplantarem oBrasil em avanço tecnológico. Os Estados Unidosdedicaram cerca de 1,5 bilhão de dólares parainvestimento na produção de vários tipos deetanol provenientes da celulose e de outrosmateriais, com o objetivo de descobrir novasformas de produzir combustível de forma barata.

Fig. 2. Evolução do dispêndio da Embrapa, em relação ao PIB agropecuário.Fonte: IBGE/SCN e Embrapa/DAF. Elaboração: SGE.

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As barreiras ao comércio eas exportações brasileiras

Outro importante problema da agriculturabrasileira tem sido a impossibilidade do avançodas negociações da Rodada de Doha. O Brasil,como nação agroexportadora, depende,fundamentalmente, de resultados minimamentesatisfatórios nessa Rodada. Um recente estudo(LOPES, 2004) relatou que se fossem removidasas barreiras externas, tarifárias e não-tarifárias, deacesso do Brasil a mercados de países desenvol-vidos e em desenvolvimento, seria possívelconsolidar definitivamente as vantagens compara-tivas do Brasil nesses mercados, melhorando osvolumes de exportação de vários produtos, comdestaque para o complexo das cadeias das carnes.

Uma interpretação simétrica a essa é a deque, sem resultados satisfatórios na Rodada deDoha, todos esses prováveis benefícios que dela

decorreriam, caso fosse bem-sucedida a negocia-ção, são, na verdade, penalizações sobre asexportações brasileiras. O estudo tomou uma daspropostas postas à mesa de negociação na épocade seu início, em particular a proposta Harbinson,e fez uma simulação perguntando: quais seriamos benefícios para o Brasil nas exportações seaquela proposta fosse adotada na Rodada deDoha?

Para responder essa pergunta, o autor usouum modelo de equilíbrio parcial construído pelaFAO e conhecido como Agricultural Trade PolicySimulation Model (ATPSM). As simulaçõesincluem a redução de tarifas e subsídios deexportação, e o apoio às políticas internas(subsídios aos produtores internos dos paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento), de acordocom a proposta Harbinson. Os resultados dassimulações, com o modelo usado pelo autor,estão consignados na Tabela 8, que mostra os

Tabela 8. Efeitos sobre as exportações brasileiras de uma redução de tarifas e subsídios agrícolas.

Subsídio Subsídio

Produto Tarifa à produção à exportação

Variação (%)

Produtos animaisCarne bovina 116,01 -0,01 34,08Carne suína 104,92 -0,01 31,42Carne de aves 98,06 0 2,89Produtos lácteosLeite em pó 16,6 0 7,09Queijo 15,39 0 11,15Cereais e oleaginosasTrigo 6,46 -0,02 16,51Arroz 0,15 0,02 0,45Milho 7,6 -0,25 1,45Oleaginosas 5,02 0,01 -0,05Óleos vegetais 23,65 -0,02 1,11BebidasCafé verde 4,03 0 -0,01Café torrado 1,33 0 0Cacau em pó 4,99 0 0Outros produtosFumo em folha 6,86 0,73 0Manufaturados de fumo 23,79 0 0Algodão 2,86 0,4 0,88Açúcar 32,08 0 5,15Chocolates 15,93 0 0Total 37,63 0,09 3,6

Fonte: Lopes et al. (2004).

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cenários de referência de melhorias substanciaisnas exportações brasileiras, sob os três prismas:acesso ao mercado, subsídios internos e subsídiosà exportação.

Nessa tabela, verifica-se que o crescimentodas exportações, caso sejam reduzidas as tarifasde importação nos países desenvolvidos e emdesenvolvimento, atingiriam cerca de 100 % oumais na carne bovina, suína e de aves. O Brasilainda teria vantagens importantes em vários outrosprodutos, como no óleo de soja, manufaturas dofumo, açúcar e vários outros produtos. O totaldas perdas brasileiras é de cerca de 37 %, emtermos de valor, na prevalência de não havernenhum acerto na Rodada de Doha. Na verdade,não estamos falando em benefícios que o Brasilauferiria com a Rodada. Estamos falando noquanto o País está sendo penalizado por nãohaver um avanço nessa linha de negociações.

Além dessa constatação, duas outras sãoimportantes. A redução dos subsídios internos dospaíses desenvolvidos teria impacto praticamentezero no comércio hoje, de acordo com o modeloe as simulações feitas. Insistir na Rodada de Dohana eliminação dos subsídios internos seria deixarde lado o assunto mais importante, que é o acessoao mercado e redução de tarifas. Essa é uma visãomíope da importância das negociações para asexportações brasileiras, pois o impacto nessalinha seria zero no valor das exportações brasilei-ras e mundiais, praticamente.

No caso da redução dos subsídios à expor-tação, os benefícios para as exportações brasileirassão importantes apenas para a carne bovina e paraa carne suína, sendo que, no geral, não acarretaaumento substancial nessas exportações. Atéhoje, a insistência maior da negociação tem sidosobre questões dos subsídios internos das exporta-ções, mas não devemos nos iludir com esse tipode eventual resultado na Rodada: o que realmenteestá impedindo a melhoria da agricultura dospaíses que dela dependem é acesso a mercado ea eliminação das barreiras tarifárias, agravadaspelas barreiras não-tarifárias.

Em resumo, o ponto a enfatizar é que osresultados das negociações na redução aos subsí-

dios internos e às exportações seriam medíocres,comparados com os reais benefícios de aberturade mercado, acesso a estes e redução das tarifase barreiras não-tarifárias.

Até agora, não conseguimos entender porque essa negociação está no ponto em que está.Por que os países que mais precisam de acessoaos mercados agrícolas – como no caso do Brasil– são justamente os que menos concessões estãodispostos a fazer em compras governamentais,investimentos, propriedade intelectual, e ospaíses que mais demandam avanços em comprasgovernamentais, investimentos e propriedadeintelectual – como os Estados Unidos e a UniãoEuropéia – são justamente os que menosconcessões querem fazer em agricultura?

Conclusões e perspectivaspara o futuro

As conclusões mais importantes estão noBox 11, no qual figura a trajetória da agriculturabrasileira. As pesadas formas de tributação sobrea agricultura impuseram aos produtores ruraisperíodos longos de discriminação em relação aoutros setores da economia.

Box 11. Falta ainda muito para nos consolidarmoscomo nação agroexportadora.

Os grandes desafios na competitividade

• O Brasil como grande exportador mundial

• Proteção aos insumos para a produção

• Juros elevados

• Proteção tarifária remanescente

• Risco do retorno do ICMS na exportação

• Escassez de capital de longo prazo

• Câmbio

• Dívida agrícola

• Infra-estrutura

O Box 11 descreve o período de recupera-ção da agricultura no final do período. Comoresultado das reformas no comércio, no início dadécada de 1990, a agricultura brasileira experi-mentou um notável crescimento em termos de

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participação nos mercados mundiais. A liberali-zação das formas de intervenção do governo nasexportações deu um novo alento à agricultura ea fez crescer de forma sustentável, nos últimosanos.

Entretanto, permanecem os desafios.O Box 11 resume os desafios que a agriculturadeverá enfrentar em futuro próximo, para podercontinuar desempenhando o papel de destaqueque assumiu recentemente, nos últimos 10 anos.

A sustentabilidade do Brasil como naçãoagroexportadora – com um detalhe importante:com a apropriação dos produtores dos frutos deseus esforços e sem que a sociedade arque comdívidas da agricultura – vai depender da supera-ção dos obstáculos incluídos no Box 11.

A perspectiva do futuro depende de umataque frontal aos nossos pontos de estrangula-mento, como mencionados, sendo necessárioatacar rigorosa e vigorosamente todos eles,conforme mostra o Box 12.

Box 12. Superação de obstáculos à frente.

A superação de obstáculos dependerá de:

• Um projeto de país

• Inteligência estratégica

• Maturidade estratégica

• Um projeto de empresa agroindustrial

• Grande competência empresarial

• Choque de gestão

Todos nós fomos desafiados a fazer exatamente omesmo em nossas atividades

Olhando retrospectivamente, podemosentender por que o Brasil atingiu uma condiçãode liderança entre as nações agroexportadoras.O próximo box descreve como o crescimento daagricultura contribuiu para a economia brasileira,em diversas dimensões.

As perguntas que permanecem são: por quea agricultura chegou ao ponto em que chegou?Quais são as razões desse sucesso? O que estavapor trás do grande avanço da agricultura no Brasil?

O mesmo box mostra, também, a razãodesse desempenho: essencialmente a existênciade um projeto de país. Um projeto de país centradoem tecnologia, que nos deu, além da Embrapa, aEmbraer. A partir de institutos de formação decapital humano. Na Embrapa, foram treinadosmais de 3 mil pesquisadores no Brasil e noexterior. A mesma coisa aconteceu com o InstitutoTecnológico da Aeronáutica (ITA), que nos deua Embraer, hoje a quarta exportadora mundialde aviões, além de outros centros de excelência,como o Centro de Pós-Graduação de Engenhariada Universidade Federal do Rio de Janeiro(Coppe), o Instituto Militar de Engenharia (IME),diversos centros nas universidades brasileiras emSão Paulo e nas principaisUnidades da Feceração.Voltamos a falar desses centros porque eles nãopodem ser esquecidos.

Box 13. Projeto de país.

Há alguns anos, implantamos um projeto neste país.

Com esse projeto, conseguimos:

• Blindar as cadeias agroindustriais contra o CustoBrasil (juros, impostos e encargos)

• Gerar sucessivos superávits em moeda estrangeira

• Blindar o País contra uma crise externa, com reser-vas cambiais

• Saldar as dívidas com organismos multilaterais(FMI)

• Fornecer divisas para importação de maquináriaindustrial e equipamentos

• Colaborar na geração de recursos tributários

• Oferecer comida barata e aumentar a renda realdos trabalhadores rurais e urbanos

• Exportar produtos de alta tecnologia, pois soja emilho contêm alta tecnologia

• Manter as exportações (quando não se conseguiunada na OMC)

• Contribuir para a melhoria na distribuição de renda

• Aumentar a resiliência econômica da agricultura

• Poupamos o meio ambiente: sem produtividadeteríamos que desmatar para alimentar

Qual o nome desse projeto?

Ciência e Tecnologia! Mas, sem recursos, perdemosum grande projeto. Se não investirmos em tecnolo-gia, estaremos ameaçados.

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As perguntas que permanecem são: por quea agricultura chegou ao ponto em que chegou?Quais as razões desse sucesso? O que estava portrás do grande avanço da agricultura no Brasil?

O Box 13 mostra a razão desse desempenho:essencialmente a existência de um projeto depaís. Um projeto de país centrado em tecnologia,que nos deu, além da Embrapa, a Embraer.A partir de institutos de formação de capitalhumano, foram treinados na Embrapa, mais de3 mil pesquisadores no Brasil e no exterior.A mesma coisa aconteceu com o Instituto Tecno-lógico da Aeronáutica (ITA), que nos deu aEmbraer, hoje a quarta exportadora mundial deaviões, além de outros centros de excelência,como o Centro de Pós-Graduação de Engenhariada Universidade Federal do Rio de Janeiro(Coppe), o Instituto Militar de Engenharia (IME),diversos centros nas universidades brasileiras, noEstado de São Paulo e nas principais Unidadesda Federação. Voltamos a falar desses centrosporque eles não podem ser esquecidos.

Esse projeto de ciência e tecnologia, combi-nado com as reformas feitas no campo da economiae com os investimentos em pesquisa, explicamos resultados alcançados pelo Brasil. Se não tiver-mos um projeto de país, dificilmente teremoscondições de sustentar o desempenho que o Paísteve na última década. Na verdade, temos sentidoa falta desse projeto de país. Nas duas últimasdécadas, foram consideradas medíocres as taxasde crescimento do PIB per capita. Na falta de umprojeto de país, teremos mais décadas perdidas.

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86Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Dinâmica e agenda do

setor sucroalcooleiro

na próxima década

Marcos Sawaya Jank1

Luciano Rodrigues2

Resumo: o objetivo deste artigo é analisar e discutir algumas questões relacionadas à política degeração de energia, aspectos que precisam ser tratados pelo setor privado e pelo governo brasileiropara manter a competitividade e garantir o futuro do setor sucroalcooleiro, um dos mais dinâmicos epromissores da agricultura nacional, devido à busca mundial por alternativas energéticas seguraspara reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e combater os efeitos nefastos do aquecimentoglobal. Nos últimos 30 anos, no Brasil, a cana-de-açúcar avançou para muito além da produção dealimentos, entrando no universo da agroenergia, com a produção de combustível e eletricidadelimpos e renováveis. O estudo usou o método quantitativo e qualitativo de dinâmicas de mercado,como análise dos preços mensais de álcool (anidro e hidratado) recebidos por produtores no EstadoSão Paulo, no período 1989–2007; avaliou tendências do potencial de geração de energia elétrica apartir de biomassa da cana-de-açúcar de 2006 a 2013; comparou as diferentes matérias-primas naprodução de etanol; avaliou os preços de petróleo, dos alimentos e das matérias-primas agrícolas,além de outras análises. Conclui-se que a produção e o uso do etanol e da bioeletricidade de formasustentável e socialmente correta geram uma série de benefícios, como maior segurança energéticamundial, geração de empregos e a promoção do desenvolvimento rural nos países menos favorecidos,além de colaborar na redução e na emissão de gases causadores do efeito estufa.

Palavras-chave: Setor sucroalcooleiro; Agroenergia; Co-geração de bioeletricidade.

1 Presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única) e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidadede São Paulo (USP).

2 M.Sc. em Economia Aplicada e assessor econômico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única).

Introdução

A cana-de-açúcar tem quase 500 anos dehistória neste País, sendo que, nos últimos 30anos, a atividade avançou para muito além dopapel tradicional da agricultura como fontealimentícia, entrando no universo da agroenergiae se tornando novo paradigma da energia limpae renovável, na área dos combustíveis e daeletricidade.

O Brasil conseguiu sair na frente do restodo mundo na produção e no uso de energiasrenováveis, particularmente dos biocombustíveis.Hoje, o País é o segundo maior produtor de etanole o principal exportador mundial desse produto.A matriz energética brasileira é composta de 45 %de energia renovável, ante os 13 % no mundo eapenas 6 % nos países da Organização para aCooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE) (BRASIL, 2007).

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A experiência brasileira na produção deetanol, e mais recentemente, de bioeletricidadegerada a partir do bagaço e da palha da cana-de-açúcar tem despertado o interesse do mundo, quebusca alternativas seguras para reduzir a depen-dência dos combustíveis fósseis e combater osefeitos nefastos do aquecimento global.

O sucesso do Brasil traz consigo dosesadicionais de responsabilidade. É preciso tirarproveito desses mais de 30 anos de experiênciae, para isso, é necessário estabelecer prioridadespara aproveitar as oportunidades que se delineiamnesse universo do petróleo caro e escasso. Assim,este artigo procura apresentar e discutir os aspec-tos cruciais que precisam ser tratados pelo SetorPrivado e pelo governo brasileiro para manter acompetitividade e garantir o futuro do setor.

Mercado interno

Depois da cana-de-açúcar, o maior patri-mônio que o Brasil desenvolveu na rota doscombustíveis limpos é o automóvel flex, que já éresponsável por quase 90 % das vendas de carrosnovos (Fig. 1). O País saiu na frente na adição de

álcool anidro à gasolina e, desde 2003, assumiua liderança mundial no uso do álcool hidratadoem carros flex. Mas infelizmente boa parte dafrota de veículos flex não tem usado etanolporque várias Unidades da Federação não tiverama visão prospectiva do governo do Estado de SãoPaulo, colocando a alíquota do Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Prestação Serviços(ICMS) no mesmo nível do diesel e do gás naturalveicular (GNV), fato que possibilitou a geraçãode renda e de empregos no interior desse estado.

Além dessa desarmonia tributária entre osestados – que dificulta o consumo de álcool emmuitas regiões do País –, outro aspecto que merecedestaque é a volatilidade dos preços do etanol.Essa volatilidade é verificada não apenas ao longodos anos, em função da oferta de matéria-prima(ciclo de preços), mas, principalmente, no decorrerde um mesmo ano, coa a alternância de preçosde safra e entressafra, estabelecendo umaciclotimia permanentemente que nantém ohumor dos empresários e dos consumidores,variando entre a euforia e o desespero (Fig. 2).

As variações dos preços do álcool nosperíodos de safra e entressafra estão relacionados

Fig. 1. Mercado automotivo brasileiro: vendas de automóveis e veículos leves (ciclo Otto).Fonte: elaborada a partir de dados da Anfavea (2007).

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à própria sazonalidade da produção, que noCentro-Sul é realizada entre abril/maio a novem-bro/dezembro para ser comercializada o anotodo. Entretanto, a estrutura rígida do mercadode combustíveis e o número reduzido de players

no processo de distribuição dificulta a adoçãode mecanismos que poderiam reduzir essasazonalidade, como a manutenção de estoquesprivados, o estabelecimento de contratos delongo prazo e o desenvolvimento do mercadofuturo.

Outro fator relevante no mercado interno éa ausência de um planejamento estratégico para amatriz brasileira de combustíveis, com umadefinição clara da participação do etanol. É de seestranhar que um país como o Brasil, pioneiromundial na produção e na utilização em largaescala do etanol – e hoje visto como exemplo poroutros países – não tenha uma diretriz sobre acomposição da matriz de combustíveis em médioe em longo prazos. Nos Estados Unidos, que é

um player recente, a Energy Bill define os níveisde consumo de etanol até 2022, estipulandoinclusive um teto para o etanol produzido de milho.

O setor sucroalcooleiro tem aumentado suaeficiência produtiva ao longo dos anos, permitindoreduções expressivas no preço do álcool carbu-rante (Fig. 3). A eliminação das imperfeições nacomercialização do álcool combustível, a unifica-ção e a redução das alíquotas de Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMSincidentes sobre o produto, com a garantia deuma alíquota equivalente à menor aplicada aoscombustíveis de origem fóssil, bem como adefinição de uma diretriz clara para a matrizbrasileira de combustíveis são fundamentais parao desenvolvimento do mercado interno de etanol.

Bioeletricidade

O progresso impressionante do setorsucroalcooleiro observado no Brasil foi baseado

Fig. 2. Preços mensais do álcool anidro e do álcool hidratado recebidos pelos produtores no Estado de SãoPaulo.Nota: preços deflacionados para outubro de 2007 (IGP-DI); preços sem frete e sem impostos.Fonte: elaborado a partir de dados do Cepea (2007).

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no uso de apenas um terço do potencial energéticoda cana-de-açúcar: o caldo, usado na produçãodo açúcar e do etanol. Agora, estamos no limiardo uso em larga escala dos outros dois terços daplanta – o bagaço e a palha – para gerar eletrici-dade (conhecida como bioeletricidade) em curtoprazo, etanol de segunda geração e eletricidadea partir da lignina em médio e longo prazos.

Atualmente, montanhas de bagaço de canase acumulam nos pátios das usinas, hoje subutili-zado em caldeiras de baixa eficiência para gerara auto-suficiência energética das unidadesprocessadoras de cana. Com o avanço da colheitamecanizada, não só o bagaço, mas também apalha da cana-de-açúcar, podem ser utilizadospara gerar bioeletricidade.

A bioeletricidade é uma das maiores fron-teiras da indústria sucroalcooleira nacional e podegerar uma revolução de magnitude semelhante àobtida com o etanol, reduzindo fortemente anecessidade de projetos termoelétricos à base degás natural, óleo combustível e carvão, maiscaros, poluentes e com possíveis problemas deabastecimento.

A bioeletricidade se encontra disponívelpróxima dos principais centros de consumo,reduzindo os custos de transmissão. Além disso,ela é produzida durante a safra da cana, quecorresponde ao período seco, de maior demandapor eletricidade e maior custo de geração dosistema nacional, sendo altamente complementarà energia gerada pelas hidrelétricas.

A bioeletricidade possui ainda outrasvantagens: é energia totalmente renovável, debaixo impacto ambiental e com reduzido prazopara construção (inferior a 30 meses), além demovimentar uma pujante indústria de equipa-mentos, que se desenvolveu neste país.

De fonte alternativa de energia elétricapouco valorizada, a bioeletricidade pode setornar uma opção importante para a geração deenergia elétrica no País. O setor tem potencialpara suprir 15 % das necessidades brasileiras em2015, com a geração de mais de 11.500 MWmédios a partir do uso de 75 % do bagaço e 50 %da palha disponíveis nas usinas. Se todas as usinasusassem caldeiras mais eficientes, seria possívelgerar mais de 5.000 Mwmédios, como excedente

Fig. 3 . Álcool anidro: preços recebidos pelos produtores no Estado de São Paulo.Nota: preços deflacionados para julho de 2007 (IGP-DI); preços sem frete e sem impostos.Fonte: Elaborado a partir de dados do Cepea (2007) para período desregulamentado e Unica (2007) para o período regulamentado.

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para exportação ao sistema nacional na safra2012–2013, usando apenas 75 % do bagaçodisponível (Fig. 4).

Para se usar o potencial da bioeletricidade,basta desenvolver um programa adequado deajustes regulatórios e incentivos, envolvendo aconexão direta das usinas na rede de transmissão,a racionalização do processo de licenciamentoambiental e a valoração adequada dessa energia,limpa e renovável.

Mercado externo

No cenário internacional, o grande desafioé consolidar o etanol como commodity energéti-ca global na área dos combustíveis, por meio daampliação da produção, do consumo e do comér-cio do produto. Em 2006, a produção mundialde etanol foi de aproximadamente 51 bilhões delitros (F. O. LICHT’S, 2007), enquanto as importa-ções e exportações ficaram próximas de 5,5 bilhões,ou seja, algo em torno de 10 % da produçãomundial (ICONE, 2007).

O mercado mundial de biocombustíveisainda está dando seus primeiros passos e é preciso:

• Combater o protecionismo existentenesse mercado que, diferentemente domercado de combustíveis fósseis, éainda muito protegido.

• Estimular mecanismos mandatórios demistura do etanol à gasolina, pois é aforma mais rápida e fácil de usar com-bustíveis renováves.

• Estabelecer padrões universais para oetanol, com especificações aceitas mun-dialmente, sem que isso se transformeem barreiras técnicas à entrada doproduto em novos mercados.

Vários países têm estimulado a introduçãodo etanol na matriz energética a partir de misturasmandatórias. Contudo, ocorre que a maioria delesusa um sistema autárquico de produção auto-suficiente, a custos elevados, usando matérias-primas pouco eficientes.

Fig. 4. Biomassa de cana-de-açúcar: potencial de geração de energia elétrica para venda.Nota: potencial calculado a partir dos seguintes pressupostos:a) Geração na safra 2006–2007: valores reais.b) Geração na safra 2012–2013: valores obtidos a partir dos seguintes parâmetros à produção de 695 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, 1 t de cana-

de-açúcar produz 250 kg de bagaço e 204 kg de palha/ponta, 1 t de cana (só bagaço) gera 85,6 KWh para exportação, 1 t de cana (bagaço + palha/ponta)gera 199,9 KWh para exportação, PCI da palha = 1,7 PCI do bagaço, fator de capacidade = 0,5.

c) Geração de energia nos demais anos: valores estimados a partir de uma tendência de crescimento.

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Nos Estados Unidos, a Energy Bill propõeo uso de quase cerca 60 bilhões de litros de etanolaté 2012, chegando a mais de 130 bilhões delitros em 2022 (o etanol de milho é limitado a56 bilhões de galões). O país pratica uma tarifade US$ 0,14/L para o etanol importado, quecorrespondeu a cerca de 33 % do valor do etanolbrasileiro exportado para lá em 20073. Aquelepaís também incentiva a produção local a partirde créditos fiscais de US$ 0,13/L.

Na União Européia, a decisão da ComissãoEuropéia, anunciada em março de 2007, propôsa participação da energia renovável em 20 % doconsumo até 2020, sendo que no mínimo 10 %deverão ser com o uso de biocombustíveis.De forma semelhante aos Estados Unidos, o blocoeuropeu adota uma tarifa de importação de∈ 0,19/L para o etanol não desnaturado e∈ 0,10/L para o etanol desnaturado, e ofereceuma ajuda de ∈ 45,00/ha para as culturasdestinadas à produção de energia.

Nos Estados Unidos a expansão da produçãode etanol está baseada em milho e, na Europa, omodelo baseia-se em beterraba e em cereais(trigo, cevada, milho e centeio). Milho, colza,beterraba, etc., são commodities nobres, que têmimportância estratégica nas cadeias de produçãode carnes, lácteos e óleos vegetais, e não deveriamser usadas intensivamente na produção de bio-

combustíveis, podendo provocar distorções nosmercados de commodities agrícolas. O etanol decana-de-açúcar tem enormes vantagens compara-tivas em termos econômicos (menor custo deprodução) e ambientais em relação ao etanol demilho e de cereais (Tabela 1). Portanto, deveriaser usado de forma complementar à produçãolocal nos países desenvolvidos, reduzindoqualquer impacto sobre os preços dos alimentos,além de permitir a geração de renda para osagricultores de países em desenvolvimento, ondeestá localizada a maior parte da produção decana-de-açúcar (Fig. 5).

É necessário que os países entendam quesustentabilidade e aquecimento global são temassistêmicos que exigem um tratamento estratégicomundial. Argumentos como a garantia de segu-rança energética e a ajuda aos produtores ruraislocais não deveriam servir de anteparo paralimitar a importação de etanol, pois as melhoresplantas para produzir biocombustíveis são oriundasda Zona Tropical do planeta.

As mesmas barreiras que fazem do etanol umproduto altamente protegido no mercado inter-nacional também dificultam o comércio do açúcar,que é um componente fundamental da alimentaçãohumana, particularmente para centenas de milhõesde pessoas que estão deixando a linha de pobreza,principalmente na Ásia e na África.

3 O valor médio do etanol exportado pelo Brasil para os Estados Unidos, de janeiro a setembro de 2007, foi de US$ 436/m3.

Tabela 1. Comparação das diferentes matérias-primas para a produção de etanol.

CanaMilho Beterraba

Matéria-prima(Brasil)

(Estados (ComunidadeUnidos) Européia)

Produtividade(Litros de etanol/hectare) 6.800 3.100 5.500Balanço energético(1)

(Quantidade de energia contida no combustível/energia fóssil utilizada na sua produção) 9,3 1,4 2,0Emissões evitadas(2)

(Emissões de gases de efeito estufa evitadas como etanol substituindo a gasolina) 85 % 31 % 46 %

Nota: (1) são considerados combustíveis renováveis aqueles que apresentam balanço de energia fóssil maior que 1; (2)valores médios que representam aredução percentual da emissão de gases de efeito estufa quando o etanol substitui a gasolina.Fonte: elaborada a partir de dados do Worldwatch Institute (2006), International Energy Agency (2004), Macedo et al. (2008).

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92Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Os órgãos públicos e privados brasileirosprecisam trabalhar a favor da redução doprotecionismo nos mercados de açúcar e deetanol, incentivando o desenvolvimento denegociações multilaterais de comércio, daRodada de Doha e de acordos regionais ebilaterais, principalmente com os Estados Unidose a União Européia.

No caso do etanol, é preciso estabelecerum diálogo permanente da indústria nacionalcom o mundo, mostrando as vantagens compara-tivas do etanol da cana-de-açúcar em termos deprodutividade, custos e balanço energético, sociale ambiental, em relação aos seus concorrentesfósseis e aos não-renováveis. Deve-se pensar empromover uma longa batalha de convencimentode opinião pública, com representações junto aoLegislativo e ao Executivo das grandes nações eblocos econômicos, à mídia, às organizações não-governamentais, aos consumidores e aosformuladores de acordos comerciais.

Sustentabilidade socioambiental

Como qualquer outro produto, a produçãodo etanol também deve abranger os três pilares

do conceito de sustentabilidade: produto ambien-talmente adequado, socialmente justo e economi-camente viável.

Portanto, é fundamental que os setoresPúblico e Privado brasileiros adotem uma açãode protagonista ou uma ação de liderança nasdiscussões globais com governos, empresários eONGs sobre os problemas de aquecimento global,mudança climática, uso de créditos de carbono,economia de recursos naturais, biotecnologia eoutras pautas atuais, incluindo o debate sobremecanismos apropriados de certificação socioam-biental.

Vale ressaltar que a certificação é, pornatureza, um processo lento, que exige intensosdebates e negociações entre todos os agentesenvolvidos na produção, na comercialização eno consumo, num fórum equilibrado e balancean-do interesses econômicos, sociais e ambientais emtorno de uma agenda comum para que sejagarantida sua aceitação, abrangência e isenção.

Ainda na área socioambiental, é necessáriocombatermos mitos, exageros e preconceitos quecercam o setor sucroalcooleiro, quase semprebaseados em argumentos emocionais sem base

Fig. 5. Principais regiões produtoras de cana-de-açúcar no mundo.Fonte: British Sugar (2007).

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93 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

empírica, ou extrapolações de casos isolados quenão refletem o todo.

É preciso fazer com que a sociedadecompreenda que é possível produzir alimentos,bebidas, fibras, combustíveis e energia elétrica apartir de produtos agropecuários, de formacompetitiva e sustentável, afastando resquíciosneo-malthusianos que antevêem uma explosãode preços das commodities agropecuárias e oconseqüente aumento da fome.

Ocorre que as previsões catastrofistas, feitaspelo economista britânico Thomas Malthus, porvolta de 1800, subestimaram o poder do progressotecnológico, que explica a tendência de declíniodos preços reais dos produtos agropecuários emlongo prazo (Fig. 6).

O argumento sobre um possível aumentono preço dos alimentos, advindo da produçãobiocombustíveis ignora o fato de que nos 3 últimosanos os preços agrícolas subiram 16 %, enquantoos de petróleo aumentaram mais de 110 %, e queesse aumento acentuado dos preços de petróleoé, em grande parte, responsável pelo aumentonos preços dos alimentos (Fig. 7).

Portanto, erram grosseiramente aquelesque, desconhecendo a literatura pertinente,afirmam que as commodities agropecuárias terãoseus preços elevados na mesma proporção dopetróleo e de alguns minerais, justificando umataxação. Se o petróleo é cada vez mais escassoe, portanto, mais caro, as commodities agrícolassão por natureza renováveis e dispõem de novasfronteiras tecnológicas que permitirão novossaltos de produtividade e a continuidade daredução secular dos seus preços reais. No Brasil,a cana-de-açúcar ocupa cerca de 7,8 milhões dehectares (50 % para etanol e 50 % para açúcar),que representam ínfimos 2,3 % da área agricul-tável do País, cerca de três vezes menos que aárea com soja e quase 30 vezes menor que a áreade pastagens (Tabela 2 e Fig. 8).

O País tem uma grande fração do territórioem condições de sustentar economicamente aprodução agrícola, mantendo intactas as grandesáreas de floresta dos diferentes biomas e seminfluenciar a produção de alimentos. O Brasilpossui cerca de 200 milhões de hectares de pasta-gem, grande parte degradada ou subutilizada(a lotação média dessas áreas é menor que

Fig. 6 . Evolução dos preços das principais commodities agrícolas.Nota: valores deflacionados (CPI index – Estados Unidos), com base 100, em janeiro de 1990; para elaboração do gráfico, foi calculada a média móvelsemestral dos preços deflacionados.Fonte: elaborado a partir de dados do FMI (2007).

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94Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Produção agropecuária Milhões de hectares Área total (%) Terra arável (%)

Total Brasil 850 – –Áreas preservadas e outros usos* 510 (60 %) – –Área arável total 340 (40 %) – –Área cultivada com todas as culturas 63,1 7,4 18,6Soja 20,6 2,4 6,1Milho 14,0 1,6 4,1Cana-de-açúcar** 7,8 0,9 2,3Cana-de-açúcar para etanol*** 3,4 0,4 1,0Laranja 0,9 0,1 0,3Pastos 200,0 23,5 58,8Terra disponível (ag. e gado) 77,0 9,1 22,6

Nota: e = estimativa* inclui a Floresta Amazônica, áreas de proteção, conservação e reflorestamento, cidades, rodovias, lagos e rios** área cultivada*** área colhida para produção de etanol.Fonte: IBGE, Conab e Única (ÚNICA, 2007).

Tabela 2. Produção agropecuária no Brasil. Em milhões de hectares, 2007.

Fig. 7. Evolução dos preços do petróleo, dos alimentos e das matérias-primas agrícolas.Nota: valores nominais; índice com base 100 em 1995.Fonte: elaborado a partir de dados do FMI (2007).

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95 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

1 ua/ha4). É perfeitamente possível a intensificaçãodas áreas de pastagem com técnicas simples comorotação de pasto, adubação, integração lavoura/pecuária, manejo de aguadas, etc.

A partir da década de 1970, observou-seno País a expansão da soja, da brachiaria, dascarnes e do leite. Agora, a chegada da cana-de-açúcar marca o início de um novo ciclo de inten-sificação e diversificação do uso da terra. O valoroferecido para arrendamento de terras para canavai eliminar os últimos bolsões de ineficiênciana agropecuária, nas grandes e nas pequenaspropriedades. Soja, milho, algodão e cana-de-açúcar deverão competir pelo uso da terra emfunção de seus preços relativos, condições delogística e de rotação de culturas, com uma inevi-tável intensificação da produção de carnes e deleite, fato que já ocorreu no Estado de São Paulo.Portanto, a expansão da cana-de-açúcar deve servista como um fator de diversificação da rendado produtor e intensificação da atividade agrícolaem áreas ineficientes, e não como um fatornegativo para a produção de alimentos.

Finalmente, precisamos lembrar que a fomeno mundo não está relacionada à falta dealimentos. Como mostrou há 10 anos o indianoganhador do Prêmio Nobel, dr. Amartya Sen, afome não é resultado da produção insuficiente

de alimentos, mas de fatores como a baixa rendae o emprego que limitam o acesso aos alimentos.

Pesquisa, desenvolvimentoe infra-estrutura

A produção de etanol a partir da celulose(palha, forragens, restos de madeira, etc.), quevem recebendo grandes investimentos, principal-mente nos Estados Unidos, merece atençãoespecial do setor sucroalcooleiro, pois representaa próxima fase do etanol. E o Brasil já sai comvantagem, uma vez que a matéria-prima estádisponível na própria usina, como é o caso dobagaço, ou no campo, com a palha resultante dofim da queima controlada.

Em futuro próximo, testemunharemos osurgimento de novos termos e expressões, comobiorrefinarias e bioplásticos. Ao mesmo tempo,a produção de etanol poderá atingir novospatamares de produtividade graças às novasvariedades de cana (adaptadas às novas áreas deprodução, ao crescente uso do corte mecanizadoe resistentes a novas pragas e doenças) e ao cons-tante aperfeiçoamento do processo industrial.Tudo isso, sem expandir significativamente a áreacultivada ou ameaçar nossas florestas.

No País a tecnologia de produção de cana-de-açúcar e de etanol no avançou de modoimportante nos últimos 30 anos, permitindo quese obtenha uma produtividade agrícola quaseduas vezes maior (passou de 50 t de cana porhectare em 1975, para 82 t em 2006), e maisque duplicando a produção de etanol porunidade de área (Fig. 9). Para avançarmos maisnessa área, é necessário maior investimento e odesenvolvimento de parcerias e convênios comos setores público e privado, nacionais einternacionais.

No País, a expansão da produção de cana-de-açúcar também exige esforços redobrados paramelhorar a infra-estrutura nacional e integrar osdiversos modais logísticos, bem como apressar a

Fig. 8. Brasil: área cultivada com as principais culturas

e área de pastagem.Fonte: elaborada a partir de dados do IBGE (2007) – Estatísticas do século20 e censos agropecuários.

4 ua = abreviatura de unidade animal, que é uma medida utilizada para padronizar o peso dos animais de um rebanho (uma unidade animal correspondea um animal de 450 kg).

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96Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

construção de um alcoolduto, com prevalênciade controle privado, que interligue as áreasprodutoras ao litoral. “Certamente, a questãologística é um dos maiores entraves para o Brasil,exigindo esforços e ações intensas”.

Considerações finais

Neste artigo, procuramos discutir as princi-pais prioridades que devem ser analisadas parapermitir o desenvolvimento do setor sucroal-cooleiro brasileiro, nos próximos anos, sem ter apretensão de esgotar o tema, que é vasto e abran-gente.

Fica claro que a produção e o uso do etanole da bioeletricidade, de forma ambiental esocialmente correta, podem gerar uma série debenefícios, como a maior segurança energéticamundial, a criação de empregos e o desenvolvi-mento rural nos países menos favorecidos, semfalar na redução da emissão de gases causadoresdo efeito estufa e suas conseqüências sobre oaquecimento global e as mudanças climáticas.

O Brasil tem uma chance única de estar àfrente dos demais países na onda global dabioenergia, numa estratégia sólida que exige açõescomplementares nas áreas de infra-estrutura,tecnologia, tributação, co-geração de bioeletrici-dade, política comercial e investimento. Trata-sede um enorme desafio, que só será possível comcoordenação e organização.

Referências

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HENNIGES, O.; ZEDDIES, J. Economics of Bioethanol inthe Asia-Pacific: Australia-Thailand-China. In: F.O.LichtsWorld Ethanol and Biofuels Report, Ratzeburg,Germany, v. 3, n. 11, 2005.

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MACEDO, I. de C.; SEABRA, J. E. A.; SILVA, E. A. R.Green house gases emissions in the production and useof ethanol from sugarcane in Brasil: the 2005-2006averages and a prediction for 2020. Biomass & Bionergy.Disponível em: <http://www.elsevier.com/locate/biombioe>. Acesso em: 14 jan. 2008.

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WORLDWATCH INSTITUTE. Biofuels forTransportation: global potential and implications forsustainable agriculture and energy in the 21st century.Washington DC: 2006. p. 17.

Fig. 9 . Setor sucroalcooleiro brasileiro: evolução da

produtividade agrícola e industrial.Fonte: Unica (2007).

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97 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

O programa Checkoff

norte-americano e a

viabilidade da sua

implantação no Brasil1

Airdem Gonçalves de Assis2

Leandro Antonio Borges3

Aloísio Teixeira Gomes4

Alberto Duque Portugal5

Resumo: o presente estudo aborda mecanismo de promoção, pesquisa e desenvolvimento de produtosagropecuários mantido por contribuições compulsórias do setor produtivo. O estudo foi realizadoem duas etapas. A primeira constituiu-se de uma revisão do programa de promoção de produtosagropecuários nos Estados Unidos, mais conhecido como Checkoff, com o objetivo de conhecer amotivação que levou à sua instituição, à legislação que o respalda e à sua estrutura organizacional egovernança. A segunda diz respeito à análise da legislação brasileira pertinente que poderá darsustentação jurídica à criação e implementação de programa similar no Brasil. Concluiu-se que, à luzda legislação atual, é possível o estabelecimento do modelo Checkoff no Brasil, respaldado pelaConstituição Federal, utilizando-se do dispositivo tributário denominado Contribuição de Intervençãono Domínio Econômico (Cide) e do fenômeno da parafiscalidade, à semelhança do Sistema S (Senac,Senai e Senar). Em razão das diferenças entre os sistemas legais (brasileiro e americano), a trajetórialegislativa de criação do referido programa no Brasil deve ser diferente daquela adotada na suaorigem. Enquanto, nos nos Estados Unidos, uma lei geral de promoção agropecuária autoriza o ministroda Agricultura a criar tantos programas quantos forem os produtos de interesse, no Brasil, cada produtoconstitui um tributo e, por isso, deve ser objeto de lei específica.

Palavras-chave: Contribuição compulsória; Programa Checkoff; Promoção agropecuária e Cide.

1 Os autores agradecem o apoio financeiro da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) para a realização do presente estudo.2 Engenheiro agrônomo, Ph.D., gerente-executivo do Pólo de Excelência de Leite e Derivados, ILCT/Epamig, Juiz de Fora, MG,

[email protected] Advogado, bacharel, Ávila, Fassheber, Gomes & Borges. Av. Rio Branco, 2679, salas 710/711 – Juiz de Fora, MG. [email protected] Engenheiro agrônomo, advogado, Ph.D., Ávila, Fassheber, Gomes & Borges Av. Rio Branco, 2.679, salas 710/ 711 – Juiz de Fora, MG. [email protected] Engenheiro agrônomo, Ph.D., Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais. Praça da Liberdade s/n – Prédio Verde /

3º andar – Belo Horizonte, MG. [email protected].

Introdução

A partir da década de 1980, o grande

avanço do agronegócio brasileiro baseou-se no

aumento da produção por meio da produtividade

sem expansão significativa da área cultivada.

A adoção de tecnologias adequadas às condiçõesbrasileiras contribuiu para o abastecimento dealimentos a preços reduzidos, a interiorização dodesenvolvimento, a geração de empregos erenda, a preservação dos recursos naturais e aprodução de excedentes para exportação. Espera-

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98Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

se que, nos próximos anos, a produtividade conti-

nue sendo um vetor importante e que maioresganhos de competitividade ocorram por conta damodernização e do fortalecimento institucional

da agricultura em todos os seus segmentos.

Estudos realizados pela Organização paraCooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) e Food Agriculture Organization of theUnited Nations (FAO) estimam que de 2005 a2015, a produção agrícola global deverá crescer

o equivalente a duas safras de grãos e duas vezeso volume de carnes produzidas no Brasil (ABAG,

2006). Estimam ainda que o País será, dentre asnações agrícolas exportadoras, o principal forne-

cedor de commodities, superando os EstadosUnidos, nas oleaginosas, e a Austrália, na carnebovina. O sucesso do programa do álcool com-

bustível e a aceitação pelos consumidores docarro flex sinalizam que esse sucesso poderá

ocorrer, também, com o biodiesel ou com outrasfontes de agroenergia.

Para viabilizar essas oportunidades, umnovo modelo organizacional – construído com a

participação do governo e da iniciativa privada– deve ser estabelecido no Brasil. As parcerias

público-privadas serão fundamentais paraassegurar investimentos permanentes na melhoriae na ampliação da logística, na defesa sanitária,

na pesquisa agropecuária e no desenvolvimentode novos mercados e produtos. As negociações

comerciais, a conquista de novos mercados, avigilância sanitária e a pesquisa agropecuária são

processos contínuos de tomada de decisão quedependem de agilidade e de presteza, e nãopodem estar sujeitos à burocracia do Estado, às

crises conjunturais, aos contingenciamentosorçamentários e à descontinuidade de políticas

com as mudanças no Poder Executivo.

O fortalecimento da imagem da agriculturae de seus produtos são condições básicas para oexercício do poder eqüitativo dentro da sociedadebrasileira. As cadeias produtivas devem aprimorar,continuamente, sua comunicação com a sociedade.Os níveis avançados de gestão e tecnologia empre-gados no setor, e o papel fundamental que aagricultura exerce na interiorização do desenvolvi-

mento devem ser difundidos. Entretanto, a constru-ção e a manutenção de uma imagem forte, pormeio de um programa de promoção agropecuária,dependem de recursos adicionais que estão nacontramão da política fiscal corrente e futura.

Nos Estados Unidos, as organizações deprodutores, as cooperativas, os grupos de com-modities e as frentes parlamentares atuam forte econstantemente na valorização da agricultura,usando instrumentos variados de financiamentode programas de promoção agropecuária. Dentreeles, destacam-se os programas de contribuiçãocompulsória para promoção, pesquisa e informaçãode produtos agropecuários, conhecidos comoCheckoff. Nos Estados Unidos, o sucesso dosprogramas Checkoff motivou o presente estudo,aprofundando-se na sua legislação, na regulamen-tação e no funcionamento, e na viabilidade jurídicada criação de modelo semelhante no Brasil,visando o financiamento da promoção de cadeiasagropecuárias. Outros países de agriculturacompetitiva têm adotado mecanismos similares,mas também com contribuições do governo(sistema dollar-for-dollar), com o objetivo depromover e de fortalecer as cadeias produtivasde exportação, tais como na Austrália e na NovaZelândia (ALSTON et al., 2000, 2004).

O presente estudo teve por objetivo analisar,à luz da legislação atual, a viabilidade da criaçãoe do estabelecimento de programas de promoçãoagropecuária no Brasil, financiados por contribui-ções compulsórias recolhidas das cadeias produtivase administrados pelo Setor Privado. Para tanto,esse estudo foi desenvolvido em duas etapas:(i) análise da legislação que regulamenta a criaçãoe a implementação dos programas de promoçãonos Estados Unidos; e (ii) análise da legislaçãobrasileira, identificando dispositivos que respaldamo estabelecimento de fundos com contribuiçõescompulsórias para fortalecimento de setoresespecíficos da economia.

Programas de promoção

agropecuária nos Estados Unidos

A agricultura sempre exerceu papelpreponderante na economia dos Estados Unidos,

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99 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

tanto nos tempos do país colônia quanto depois

de sua independência. As organizações de

produtores e a influência que exercem sobre as

decisões dos poderes Legislativo e Executivo têmsido fatores fundamentais de fortalecimento da

agricultura naquele país (ASSIS et al., 2005). Nos

primórdios de sua democracia, os produtores

rurais americanos já participavam, mesmo que

de forma dispersa, das decisões políticas de

interesse do setor agrícola. Contudo, só após ainstituição da Lei Agrícola (Farm Bill), foi que o

setor passou a ter mecanismos formais de inserção

de seus interesses na legislação federal.

A primeira lei agrícola de maior relevânciafoi a Agricultural Adjustment Act (AAA), de 1933,

que regulamentou a produção, a comercialização

e o crédito rural nos Estados Unidos. Leis subse-

qüentes foram estabelecidas para ampliar a

abrangência e os benefícios da AAA. Os programas

federais de promoção agropecuária iniciaram-seem 1954, com a Lei Nacional da Lã e com uma

emenda na Lei Agrícola de 1937 (ARMBRUSTER;

NICHOLS, 2001), autorizando programas de

promoção genérica como parte das portarias de

comercialização de frutas, hortaliças e especiarias.Em meados da década de 1960, o Congresso

Americano aprovou uma série de estatutos, autori-

zando a implementação de programas de

promoção agropecuária para produtos específicos.

Esses programas foram e são ainda demandados,

administrados e financiados pelo setor privado,e conduzidos por meio de portarias aprovadas

pelo ministro da agricultura.

Os programas subsidiam atividades de

promoção genérica, educação do consumidor,informação nutricional, pesquisa de mercado e

desenvolvimento de novos produtos e mercados.

Essas atividades são financiadas por contribuições

compulsórias coletadas de produtores, processa-

dores ou importadores de produtos agropecuários,

cujos valores baseiam-se no volume ou no valordo produto comercializado. O propósito dos

programas é fortalecer a posição dos principais

produtos agropecuários no mercado, manter e

expandir os mercados doméstico e internacional,

e desenvolver novos usos e novos mercados para

matérias-primas específicas. Contudo, a lei nãodeve ser usada para impor controle sobre aprodução nem limitar os direitos dos produtorese processadores de divulgarem, individualmente,seus produtos ou marcas.

Na Lei Agrícola de 1996 (FARM BILL,1996), uma nova lei, denominada CommodityPromotion Law, Lei de Promoção de ProdutosAgropecuários (LPPA), foi aprovada para unifor-mizar a regulamentação e a implementação dosvários programas nacionais de promoção deprodutos de origem agropecuária (no Anexo I,tem-se uma súmula da LPPA). Esses programas,popularmente conhecidos como Checkoff,referem-se à promoção genérica de produtos, nãosendo designados para promoção de marcas oude produtores específicos. Além de ser a lei geralque autoriza o estabelecimento e a implementaçãode futuros programas de promoção genérica deprodutos agropecuários, a LPPA inclui leis públicasanteriores que deram origem aos vários programasem execução (Tabela 1). As contribuições com-pulsórias arrecadadas pelos principais programas

Tabela 1. Produtos agropecuários, valores das taxas

compulsórias e arrecadação anual dos conselhos

nacionais de commodities (Boards)(1).

ProdutoTaxa Arrecadação

compulsória(1) (US$ milhões)

Abacate 2,5¢/lb 25,3Algodão US$1/fardo (480 lb) 72,8Amendoim US$1/US$100 8,7Batata 2¢/100 lb 9,6Bovinos US$1/cabeça 44,6Cogumelos 0,24¢/lb 1,7Leite cru 15¢/100 lb 87,3Leite processado 20¢/100 lb 104,9Manga 0,5¢/lb 2,5Mel 1¢/lb 3,6Melancia 2¢ - 4¢/100 lb 1,6Milho-pipoca 6¢/100 lb 0,5Mirtilo US$12/t 1,3Ovinos 0,5¢/lb 2,4Ovos 10¢/caixa (30 dúzias) 20,4Soja 50¢/US$100 44,3Suínos 40¢/US$100 60,9

Total 492,40

(1) 1 libra (peso) = 453,592 g.

Fonte: relatórios anuais (2004–2005) dos respectivos conselhos de produtos

(USDA, 2006).

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geram cerca de US$ 500 milhões anuais, que sãoaplicados na ampliação de mercado para osrespectivos produtos agropecuários.

A novidade na Lei Agrícola de 1996, relativaaos programas Checkoff, é que era a primeira vezque uma lei agrícola delegava autoridade aoMinistério da Agricultura para criar programas depromoção para qualquer produto de origemagropecuária. Anteriormente, um programa depromoção financiado por contribuições compul-sórias não podia ser instituído antes da autorizaçãoexplícita do Congresso. Com a LPPA, o ministropassou a ter amplos poderes para estabelecernovos programas Checkoff, seja por sua própriainiciativa ou por demanda das cadeias produtivas.A Fig. 1 mostra a tramitação do processo deaprovação de um programa de promoção agrope-cuário nos Estados Unidos.

Os Checkoff são administrados peloNational Commodity Promotion Boards (conse-lhos nacionais) ou simplesmente Boards, formadospor representantes das cadeias produtivas, entreprodutores, processadores e, em alguns casos,importadores e representantes do público emgeral. Os membros dos conselhos são indicadospelo setor privado e nomeados pelo ministro, coma missão de conduzir projetos direcionados àpesquisa, educação do consumidor, propagandagenérica, promoções de venda, informações aoprodutor, desenvolvimento de mercado e melhoriada comercialização, distribuição e utilização dosprodutos da agricultura. Os valores das contri-buições que incidem sobre os segmentos daprodução, processamento ou da importação sãosugeridos pelos conselhos e fixados pelo ministro.Os conselhos são responsáveis pelo recolhimentodas contribuições das suas respectivas cadeiasprodutivas (BECKER, 1996).

A supervisão geral dos programas depromoção cabe ao Ministério da Agricultura(Usda). Por meio de portarias, o ministério aprovao estabelecimento de cada programa nacional e

supervisiona sua implementação. O ministroaprova, ainda, os orçamentos, os planos e osprojetos elaborados por conselho, delegandoessas responsabilidades a uma de suas agências,a Agricultural Marketing Service (MAS)6. Dentrodo AMS, a seção especializada no produtosupervisiona o respectivo programa. A aprovaçãoinicial e a continuidade dos programas são verifi-cadas por meio de referendos convocados peloministro, no universo dos produtores filiados aoprograma.

Pelo menos a cada 5 anos, cada conselhodeve submeter o programa – sob sua administração– à avaliação de eficácia por grupo independente,para verificar se esse conselho está alcançandoseus objetivos e gerando os benefícios previstos.Algumas universidades agrícolas americanaspossuem centros especializados para avaliar osimpactos socioeconômicos dos programasCheckoff, tais como o Cornell CommodityPromotion Research Program (CCPRP)7 e oNational Institute for Commodity PromotionResearch and Evaluation (NICPRE)8, e váriosrelatórios e artigos técnicos são produzidos sobreo assunto (KAISER; DONG, 2006; KAISER;REBERTE, 1996; DAVIS et al., 2001). O Usdasubmete relatórios anuais de desempenho técnico-financeiro de cada programa às Comissões deAgricultura da Câmara e do Senado. A Fig. 2mostra o processo de avaliação de desempenhodos programas Checkoff nos Estados Unidos.

Os programas Checkoff cresceram tantonos Estados Unidos que, na década de 1990, decada 10 produtores americanos, 9 contribuíampara algum tipo de programa de promoçãoagropecuária (voluntário ou compulsoriamente).Muitos grupos de produtores preferem o Checkoffcompulsório para evitar os “caronas”, produtoresque não contribuem, mas que são beneficiadoseconomicamente pelos programas financiadospor outros. Existe, também, a crença de queesforços voluntários têm sido ineficazes e com aglobalização dos mercados as contribuições

6 Usda/AMS http://www.ams.usda.gov/ .7 CCPRP http://commodity.aem.cornell.edu/index.htm.8 NICPRE http://commodity.aem.cornell.edu/nicpre/nicpre.htm.

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Fig. 1. Fluxograma ilustrando a tramitação do processo de

submissão e aprovação de um programa de promoção de

produtos agropecuários nos Estados Unidos.

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Fig. 2. Fluxograma do andamento do programa Checkoff nos

Estados Unidos e da avaliação do seu desempenho.

obrigatórias são importantes fontes de financia-mento para a promoção das commodities ameri-canas no exterior (BECKER, 2007).

Pedidos de autorização de novos Checkofftêm sido aprovados prontamente pelo Ministérioda Agricultura, para estimular a demanda porprodutos agropecuários. Com a globalização dosmercados agrícolas, o aumento da competiçãoestrangeira tem motivado produtores a procuraremnovas fontes de financiamento (públicas e privadas),

para a promoção de vendas de alimentos e produ-tos agropecuários no exterior (BECKER, 2004).

Atualmente, existem cerca de 18 programasCheckoff em plena atividade, contemplandodiversos produtos agropecuários. Entretanto,a partir de 2001, ações judiciais contra osCheckoff tornaram-se freqüentes, demandandoaprimoramentos na implementação da lei e naexecução dos programas. Alguns casos sãocitados a seguir.

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Ações judiciais contraos programas Checkoff

Produtores rurais atingidos pela LPPA têmquestionado os programas Checkoff, argumen-tando que a cobrança de taxas compulsóriasestaria forçando-os a apoiarem mensagens depropaganda que eles não concordam, violandoseus direitos de livre expressão (i.e., PrimeiraEmenda à Constituição Americana). De janeirode 2003 a maio de 2007, cerca de 14 casosjudiciais contra programas Checkoff estavampendentes em diversas cortes americanas (NALC,2007).

Geralmente, a Primeira Emenda proíbe ogoverno de controlar o conteúdo da “mensagemprivada” e pode impedi-lo que obrigue indivíduosa expressarem certos pontos de vista ou de pagarsubsídios por mensagem que eles reprovam.Entretanto, o direito de falar ou abster-se de falarnão é absoluto. Cortes de justiça podem analisaro contexto e o objetivo da mensagem, e permitirmaior controle do governo em alguns tipos demensagem do que em outras.

Considerando os questionamentos aosprogramas Checkoff, geralmente as cortes têmbaseado seus argumentos em três doutrinas:“mensagem comercial”, “mensagem forçada” e“mensagem governamental” (VIÑA, 2005), asquais têm criado jurisprudência para os casosrelacionados à violação da Primeira Emenda,cujos conteúdos são assim definidos:

• Mensagem comercial – É aquela quepropõe uma transação comercial ou queé relacionada exclusivamente com osinteresses econômicos do orador e suaaudiência. O governo pode controlarmensagens comerciais e mesmo banirmensagens enganosas ou falsas, oupropagandas de produto ilegais. Noentanto, as cortes têm resistido emcolocar os Checkoff unicamente dentrodesta doutrina.

• Mensagem forçada – A Primeira Emendatem sido interpretada como um salva-guarda contra ações do governo de

obrigar indivíduos a expressarem pontosde vista ou pagar subsídios para divulgarmensagens das quais eles discordam.Os casos contra os Checkoff têm sido,tradicionalmente, analisados dentro dessacategoria.

• Mensagem governamental – Geralmen-te, as cortes têm permitido ao governocontrolar o conteúdo da mensagemquando ele é o orador, ou quando eleseleciona entidades privadas para comu-nicar a sua própria mensagem. Desdeque o governo baseie suas ações emobjetivos legítimos, ele pode se expressarmesmo que cidadãos discordem doconteúdo da mensagem. Com rarasexceções, o governo pode difundir umamensagem de conteúdo orientado.Quando o governo se comunica, porexemplo, para promover suas própriaspolíticas, ele está sendo responsável porsua defesa diante do eleitorado e doprocesso político. Analisando se adoutrina “mensagem governamental” éaplicável aos casos Checkoff, as cortesconsideram a responsabilidade e o con-trole do governo sobre a palavra emquestão. Quanto mais controle o governoexerce, mais provavelmente ele estarádeterminado a ser o orador. Enquantonão se define o escopo da doutrina“mensagem governamental”, seu efeitocontinuará amplo e poderá prover imu-nidade aos programas Checkoff doescrutínio da Primeira Emenda.

Atento a essas questões legais, por meio daLPPA, o Congresso Americano, em sua seção 501,declarou que os programas de promoção genéricade produtos agropecuários são de interesse públiconacional e vitais para o bem-estar da economiaagrícola (FARM BILL, 1996). Declarou, ainda, quea lei não foi designada para restringir, proibir ousubstituir as atividades de promoção de quaisquerindivíduos ou de grupos de indivíduos. Com essessalvaguardas, o Ministério da Agricultura, emconjunto com os conselhos nacionais, tem cons-truído a defesa dos programas Checkoff.

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Dentre as ações jurídicas mais relevantes,destacam-se três casos pela contundência erepercussão das decisões da Suprema Corte(GOLDSTEIN, 2005; NALC, 2007; VIÑA, 2005).O primeiro diz respeito ao Checkoff das frutas(USDA vs. Wileman Brothers & Elliot Inc.), noqual, em junho de 1997, a corte decidiu que astaxas compulsórias para promoção dos produtos,estabelecidas na Lei Agrícola de 1937, eram legaise não violavam o direito constitucional de livreexpressão dos produtores. O segundo caso, oCheckoff dos cogumelos (United Foods vs. Usda),em junho de 2001, a Corte decidiu contra as taxascompulsórias, argumentando que violavam aPrimeira Emenda, por financiarem propagandasgenéricas que alguns produtores não concor-davam. Os produtores reclamantes preferiam usarseus recursos para promover seus próprios produtosindividualmente. Além disso, as atividades depropaganda genérica não provaram ser necessáriasou mais eficientes do que os anúncios individuais.Com essa decisão, o conselho que administra orespectivo Checkoff votou na redução do valordas taxas compulsórias e no remanejamento dosrecursos para atividades não promocionais, taiscomo pesquisa em atributos funcionais e nutricio-nais dos cogumelos. O terceiro caso de maiorrelevância é o do Programa de Promoção daCarne Bovina (Beef Checkoff), cujos resultadospoderão nortear futuras decisões da SupremaCorte.

Principais ações contrao Beef Checkoff

Charters versus Usda

O Beef Checkoff, autorizado pelo Beef Act,de 1985, foi estabelecido como um programa deauto-ajuda para apoiar as atividades de propa-ganda genérica, promoção, pesquisa e informa-ções sobre a carne bovina. Esse programa foicontestado por vários criadores do Estado de Mon-tana, nos Estados Unidos, que não apoiaram a men-sagem financiada pelo programa e alegaram queele era inconstitucional, pois estaria forçando-osa aderir a uma mensagem que eles não concor-davam.

Dois dos reclamantes, Steve e JeanneCharter, são criadores independentes de Montana,sujeitos ao pagamento da taxa compulsória do Beef

Checkoff. Como usam práticas diferenciadas decriação e comercialização de gado de corte,contrárias, segundo eles, às visões expressas nasmensagens do programa, eles decidiram questionara validade constitucional do Beef Act. Iniciaram odesafio recusando-se a pagar US$ 250 de taxasresultantes de duas vendas, totalizando 250 cabeças.Em agosto de 1998, o ministério entrou com umaação administrativa contra os Charter, para receberas taxas atrasadas, além de multas. Após audiência,o juiz ordenou o pagamento das taxas mais jurosde mora e multa, com base na decisão da corte,no caso Glickman versus Wileman Brothers &Elliot, Inc. (Checkoff das frutas). Os Charterapelaram internamente no ministério, mas oconsultor jurídico do ministério decidiu apoiar adecisão do juiz.

Os charters, então, entraram com umpedido de revisão judicial na Corte Distrital deMontana. Contudo, o processo na Corte Distritalficou pendente, aguardando a decisão daSuprema Corte, no caso United Foods vs. Usda.Seguindo a decisão da Suprema Corte contra oCheckoff dos cogumelos, os Charter emendaramsua petição, solicitando sua retirada do programae um reembolso por cobrança ilegal das taxascompulsórias passadas. A Corte Distrital permitiua inclusão de um grande número de criadorescomo co-apelantes por meio de moções, tendoem vista que eles também não concordavam comas mensagens produzidas pelo programa.

Em abril de 2002, as moções foramsubmetidas à Corte Distrital e, em novembro de2002, essa mesma corte emitiu opinião rejeitandoa petição dos Charter, declarando o Beef Act

constitucional e ordenando o pagamento dastaxas atrasadas mais juros e multa. Em dezembrode 2002, os Charter apelaram no Nono Circuitoda Corte de Apelação dos Estados Unidos e, em31 de março de 2004, a corte ouviu as partes esubmeteu a apelação dos Charter para decisão.Posteriormente, a corte resolveu aguardar overedicto da Suprema Corte no caso Livestock

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Marketing Association (LMA) vs. Usda e, em23 de maio de 2005, quando a Suprema Cortedecidiu a favor do Usda, a Corte de Apelaçãoanulou a pendência do caso Charter vs. Usda,porque as partes questionavam o Beef Act nosmesmos pontos de LMA vs. Usda.

Livestock MarketingAssociation (LMA) vs. Usda

Em LMA versus Usda, a Suprema Cortedecidiu por 6 a 3 votos, que o Beef Checkofffinancia a mensagem do próprio governo, nãosendo assim suscetível a um questionamento deinconstitucionalidade por subsídio forçado.A Corte reconheceu que tem aprovado pedidode inconstitucionalidade em casos envolvendo“mensagem forçada” e “subsídio forçado”, masnunca tinha considerado as implicações constitu-cionais9 do “subsídio governamental forçado” damensagem do próprio governo. Acrescentou queo governo pode promover programas e políticascom impostos recolhidos das partes protestantese que o financiamento obrigatório de mensagemgovernamental por si só não suscita preocupaçõesconstitucionais.

A Corte rejeitou o argumento de que oprograma Beef Checkoff não era “mensagemgovernamental”, ao contrário, enfatizou que ascampanhas promocionais e as mensagem divul-gadas são efetivamente controladas e estabeleci-das pelo próprio governo federal. A Corte chegoua essas conclusões, primariamente, porque:

• Congresso e ministro providenciam amensagem dominante do Beef Checkoff.

• Todas as mensagens promocionaispropostas são revistas e possivelmenterejeitadas ou reescritas pelos técnicos doMinistério da Agricultura.

• Os técnicos do ministério assistem àsreuniões e participam delas nas quais aspropostas são desenvolvidas. Observan-do-se o grau de controle do governo

sobre as mensagens promocionais, acorte declarou que a ação do governobaseia-se na doutrina “mensagem gover-namental” e que solicita a assistência defontes não-governamentais para divulgarmensagens específicas.

Finalmente, a Corte rejeitou o argumentode que os apelantes foram inconstitucionalmenteforçados a endossar uma mensagem com a qualeles discordam porque as promoções usaram orótulo America’s Beef Producer. A Corte declarouque tal argumento envolveu “mensagemforçada”, e não “subsídio forçado”. No entanto,opinou que uma causa de ação “mensagemforçada” não seria adequada se uma das partespudesse provar que uma propaganda contestávelfoi atribuída a ela, ou seja, mesmo se um estatutoé constitucional na sua essência, uma parte podeprovar que o governo o aplicou de uma maneirainconstitucional.

Possíveis implicaçõesda decisão da Suprema Corte

Em maio de 2005, a Suprema Corte decidiupela constitucionalidade do programa BeefCheckoff. A decisão foi baseada na doutrina“mensagem governamental”, pois o governosupervisiona todos os programas de promoção,controla a mensagem, nomeia todos os membrosdos conselhos nacionais, aprova orçamentos eprogramas e, portanto, as diretrizes são do gover-no, o qual pode falar, usando recursos privados,em nome da coletividade.

A decisão da Suprema Corte, baseada nadoutrina “mensagem governamental”, traráprovavelmente fortes implicações para os demaisprogramas Checkoff. O desfecho do caso LMAversus USDA fortifica a constitucionalidade dosCheckoff e fortalece o Congresso em prover apoiopromocional a mais produtos agropecuários. Essaregra certamente será usada para defender outrosprogramas contra as alegações de inconstituciona-lidade, reavaliar casos já decididos e embasar

9 No texto, o termo “constitucional” refere-se sempre à Primeira Emenda (First Amendment).

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futuras legislações para emendar ou criar novosprogramas Checkoff.

A Suprema Corte já anulou as decisões dascortes de apelação que invalidaram os programasCheckoff do leite e da carne suína, e reenvioucada caso, inclusive o Beef Checkoff , para recon-sideração à luz de sua decisão. Se for provadoque esses casos são análogos ao programa Beef

Checkoff, tudo indica que qualquer corte poderádecidir que esses programas são constitucionaissob a doutrina “mensagem governamental”.

Alguns críticos comentam que essa decisãopoderá induzir o Congresso Americano a reconsi-derar a autoridade e os propósitos dos programaspara conciliar algumas das preocupações levantadaspelas partes ou observadas pelas cortes. O Con-gresso poderá, por exemplo, considerar a isençãode pagamento das taxas compulsórias de certascategorias de produtos ou produtores que discor-dam das promoções genéricas, semelhantementeà isenção estabelecida pelo Congresso na Farm

Bill 2002 das pessoas que produzem e comercia-lizam 100 % de produtos orgânicos. Após esselongo período de debates e de ações judiciais,espera-se que mais atenção seja devotada àoperacionalidade dos programas Checkoff nosEstados Unidos.

Os programas Checkoffsob a legislação brasileira

No que se refere à legalidade de umprograma com essas características no Brasil,define-se o Checkoff como sendo um programade promoção de determinado produto agrope-cuário, por contribuições obrigatórias, cobradasda cadeia produtiva beneficiada no momento davenda do produto, e gerenciado pelo setor privado.Uma vez criado esse conceito, pode-se esboçaruma forma de enquadramento e interpretação detal assertiva à luz da legislação brasileira. Assim,doravante, toda análise feita será sob a ótica doconjunto de regras e princípios do DireitoTributário Brasileiro (AMARO, 2007; BALEEIRO,

2006). Ressalva-se, ainda, que não se pretende,com este documento, aprofundar ou esgotar asfiguras jurídicas, mas discorrer sobre um doscaminhos mais prováveis para a criação doprograma no Brasil.

Quando se menciona contribuição obriga-tória cobrada, se expressa a idéia de um tributo.O próprio artigo 3º do Código Tributário Nacional

(BRASIL, 1966) define bem o conceito de tributo:

Art. 3º – Tributo é toda prestação pecuniáriacompulsória, em moeda ou cujo valor nela se possaexprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,instituída em lei e cobrada mediante atividadeadministrativa plenamente vinculada.

Nesse dispositivo legal, nota-se a caracte-rística compulsória do tributo, ou seja, ausênciado “elemento vontade” por parte de quem vaipagá-lo, o que remonta o conceito de contribui-ção obrigatória cobrada (CARRAZZA, 2006).

O Sistema Nacional Tributário assenta-se,no que se refere a seus princípios básicos, espécies,competências e vedações, na Constituição Federal(CF) de 1988 (BRASIL, 2007), o que indica quetal sistema é estruturado pelas bases constitucio-nais. Para modificação de tal sistema, haverianecessidade de emenda constitucional, que é porexcelência o mais difícil mecanismo legislativode propositura e aprovação pelo CongressoNacional. Portanto, o desafio do presente trabalhoestá na identificação de instrumentos legais quepossibilitem o financiamento compulsório doprograma por permissões constitucionais jáexistentes.

Dentre as várias espécies tributárias consa-gradas de maneira taxativa pela CF (impostos,taxas, contribuição de melhoria, etc.), destaca-sea Contribuição de Intervenção no DomínioEconômico (Cide), por suas característicasespecíficas descritas no tópico seguinte. Comple-mentarmente, discutiu-se a existência de normasconstitucionais que indicam diretrizes paraplanejamento e execução da Política AgrícolaBrasileira e o fenômeno da parafiscalidade.

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Viabilidade jurídica definanciamento do programapor meio da Cide

Por suas características peculiares, a Cideenunciada no artigo 149 da CF de 1988 (BRASIL,2007) é a uma das vias legais mais adequadas aatender os objetivos de uma proposta de programade promoção de produtos agropecuários noBrasil. A Cide é um tributo instituído pela União,por lei, que tem como escopo de atuação as áreassociais de intervenção no domínio econômico ede interesse de categorias profissionais ou econô-micas.

Ao definir o que vem a ser Cide, a própriaCF descreve a vinculação obrigatória entre osrecursos arrecadados com tal tributo e a referidaárea de aplicação, ou seja, a lei que cria umadeterminada Cide apresenta sua finalidade edeclara que todo o recurso arrecadado será con-vertido para o cumprimento do objetivo explícitona própria lei. Essa obrigação legal garante que aarrecadação de uma determinada Cide não setransforme em verba disponível para o Orçamentoda União.

Outra questão importante é que, além davinculação com sua finalidade, a Cide permite agestão dos recursos tributários pelo Setor Privado.Para tanto, basta que a lei defina qual será o órgãoplanejador e executor do programa a ser financiadopor uma determinada Cide. Assim, no que tangea interesse de categoria profissional ou econômi-ca, a Cide pressupõe a existência de órgão espe-cializado, sendo factíveis a estruturação e a gestãopelo Setor Privado. Portanto, tal característica étípica do fenômeno da parafiscalidade, que serátratado de forma mais específica adiante. Valedestacar que, por se tratar de recursos fiscais, aentidade gestora passará por periódicas audita-gens do Tribunal de Contas da União (TCU).

Política agrícola e aparticipação do Setor Privado

O texto constitucional brasileiro foiconstruído dentro de uma lógica política, cuja

idéia central é desenhar o Estado Democráticode Direito a ser desenvolvido no País. No tocanteà Política Agrícola, a CF de 1988 destaca, numcapítulo próprio, suas diretrizes fundamentais aserem atingidas. O artigo 187 de nossa CartaMagna declara expressamente que

... a política agrícola será planejada e executada naforma da lei, com a participação efetiva do setor deprodução, envolvendo produtores e trabalhadoresrurais, bem como dos setores de comercialização,de armazenamento e de transporte...

De maneira específica, os incisos I, II e IIIdestacam os instrumentos fiscais, a garantia decomercialização e o incentivo à pesquisa e àtecnologia.

Adicionalmente, num contexto infraconsti-tucional, existem as leis no 8.171/91 e 8.174/91,que tratam da Política Agrícola, destacando aparticipação do Setor Privado na construção ena execução de políticas para o desenvolvimentodo Setor Primário.

O fenômeno da parafiscalidade

Com o advento do Estado, regido pelosmandamentos constitucionais, este assumiucompromissos sociais e econômicos a serempromovidos e realizados em todas suas dimensões.Entretanto, ao longo do tempo, o próprio Estadotem se mostrado insuficiente para concretizartodas as diretrizes a ele impetradas por ordemconstitucional. Assim, criaram-se meios dedescentralização de suas políticas, transferindo aórgãos específicos o direito de atuar em determi-nados setores. Um desses meios é a parafiscalidade.

A parafiscalidade é um mecanismo que visacriar e utilizar receitas extraordinárias de aplicaçãodirecionada, geridas por organismos interessadose beneficiados por essas receitas. Destacam-se asseguintes características desste fenômeno:

• A não-contabilização dos recursos noOrçamento da União.

• A aplicação especial e restrita dos recur-sos fiscais.

• O poder de planejar e de executar o usode recursos – delegado por lei –, por

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meio de órgãos descentralizados. Essesórgãos podem ser (e são em sua maioria)de caráter privado.

No Brasil, o maior exemplo desse fenôme-no é o chamado Sistema S (e.g. Senac, Senai eSenar). Nesse sistema, geralmente as contribui-ções incidem sobre a folha de salários das empresaspertencentes à categoria correspondente e sedestinam ao financiamento de atividades quevisem o aperfeiçoamento profissional. As receitasarrecadadas são repassadas a entidades privadasque devem aplicá-las conforme previsto nasrespectivas leis que as instituíram. Um exemplopróximo é o Serviço Nacional de AprendizagemRural (Senar), uma instituição de direito privado,paraestatal, mantida pela classe patronal rural.

Embora tradicionalmente as instituições doSistema S sejam voltadas para o aperfeiçoamentoprofissional, não há restrição legal para criaçãode outras instituições com outros objetivos. Umbom indicador disso é o Serviço Brasileiro deApoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),que tem como objetivo fomentar o desenvolvi-mento sustentável, a competitividade e o aperfei-çoamento técnico das micro e pequenas empresas,notadamente no campo da economia, adminis-tração, finanças e legislação. Ou seja, o Sebraetrouxe outro objetivo cujo foco não está direcio-nado ao aperfeiçoamento de mão-de-obraespecializada.

Considerações sobrea tramitação do Projeto de Lei

Para evitar possíveis embaraços jurídicose demandas nos tribunais, não se aconselha acriação de uma única pessoa jurídica como órgãogestor de um programa de produtos distintos. Sobo ponto de vista organizacional, um órgão centralcomo gestor de um programa nacional pareceser a estrutura ideal, mas sob o ponto de vistajurídico tributário, tal formatação poderia dar mar-gem a contestações. Com uma instituição única,haveria um fundo único, e, por isso, difícil de

evidenciar se cada cadeia produtiva estaria sendobeneficiada diretamente pela arrecadação do seurespectivo produto e se parte do valor arrecadadoestaria sendo destinado à manutenção da estru-tura única.

Considerando-se que no Brasil somente leipode criar tributo, cada projeto de lei deveráautorizar e especificar sobre qual produto incidirátributação e qual o objetivo desse tributo, isto é,promoção de promoção de um determinadoproduto agropecuário. Posteriormente, o projetoserá regulamentado por decreto. Portanto, porquestões legais tributárias, não seria prudentecriar um único programa nacional de promoçãode produtos, mas um programa para cadaproduto, devido à exigência de especificidade dotributo. Assim, cada lei deverá especificar oproduto a ser tributado, estabelecer o valor dacontribuição compulsória e autorizar a criaçãoda pessoa jurídica que deverá administrar orespectivo programa, como por exemplo:Seappa10, Café, Seappa – Carne Bovina, e Seappa– Soja, etc.

Deve-se ter em conta que, o projeto de leique dispõe sobre matéria tributária é de iniciativaprivativa do presidente da República, conformeartigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea b, da CF.O presidente da República pode solicitar urgênciapara apreciação do projeto e, caso não hajamanifestação nem da Câmara dos Deputados,nem do Senado Federal num prazo final de45 dias, todas as deliberações legislativas devemser paralisadas, com exceção das que tenhamprazo constitucional, até que o projeto seja votado.

Uma vez discutido, votado e aprovadonuma das casas legislativas, o projeto é enviadoe revisto pela outra, que pode aprovar ou rejeitar.Em caso de qualquer emenda, ele volta à casainiciadora. A casa (na qual tenha sido concluídaa votação) envia o projeto ao presidente daRepública que, aquiescendo, o sanciona.

A regulamentação é feita pelo PoderExecutivo, por meio de decreto assinado pelo

10Sugestão de nome do órgão especializado: Serviço de Apoio a Promoção de Produtos Agropecuários (Seappa).

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ministro da área competente, ou seja, Agricultura,Pecuária e Abastecimento (Mapa). Após a regula-mentação, conforme descrito em lei, é criada apessoa jurídica de direito privado que terá estatutopróprio a ser redigido e aprovado por seu ConselhoDeliberativo.

Conclusão

Do presente estudo, conclui-se que aslegislações que respaldam o Sistema S e a Cideaplicam-se, também, aos programas de promoçãode produtos agropecuários no Brasil, com oobjetivo de fortalecer o agronegócio nacional, pormeio de contribuições compulsórias do SetorProdutivo. Por isso, devido às diferenças entreos sistemas legais – brasileiro e americano –, atrajetória legislativa de criação do referido progra-ma no País deve ser diferente daquela adotadanos Estados Unidos. Enquanto, nos EstadosUnidos, uma lei geral de promoção autoriza oministro da Agricultura a criar tantos programasquantos forem os produtos de interesse, no Brasil,cada produto constitui um tributo, sendo por issoobjeto de lei específica.

Qualquer projeto de lei que dispõe sobrematéria tributária é de iniciativa do presidenteda República e como tal deve ser preparado peloPoder Executivo e encaminhado para apreciaçãoe votação do Congresso Nacional. Sendo aprovadonas duas casas, o presidente da República sancionaa lei que será regulamentada pelo Poder Executivo,por meio de decreto do ministro da Agricultura,criando-se, posteriormente, as pessoas jurídicasde direito privado que serão responsáveis pelagestão dos respectivos programas.

Referências

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do agronegócio para o próximo Presidente da República.São Paulo: Abag, 2006. 15 p. (Caderno Especial Abag.Encarte da Revista Agroanalysis, edição de maio, 2006,sobre o 5º Congresso Brasileiro de Agribusiness).

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Anexo I

Súmula da Lei de Promoçãode Produtos Agropecuáriosdos Estados Unidos

Introdução

O Título V da Lei Agrícola (Public Law 104–127, April 4 1996 – Federal AgricultureImprovement And Reform Act Of 1996 – Fair1996) trata da Promoção Agropecuária. Inseridanessa lei e no Código Civil dos Estados Unidos,está a Comodity Promotion Law, a Lei dePromoção de Produtos Agropecuários (LPPA)(FARM BILL, 1996), que regulamenta, emdetalhes, o estabelecimento e a execução deprogramas nacionais de promoção de produtosagropecuários, conhecidos como Checkoff.Portanto, são programas criados com respaldolegal do Congresso Nacional americano.

O Checkoff envolve várias atividades depromoção, pesquisa, e difusão de conhecimentose informações (técnica e mercadológica), paraprodutores, processadores, agroindustriais econsumidores, visando a expansão de mercadosdos produtos de origem agropecuária, seja pelaabertura de novos mercados ou pelo desenvolvi-mento de novos usos para os produtos. As atividadessão custeadas com recursos de fundos, específicospor produto, arrecadados das respectivas cadeiasprodutivas. São fundos advindos de taxas, cobradascompulsoriamente, dos produtores e, em algunscasos, da respectiva agroindústria e de importa-dores filiados ao programa.

Aspectos relevantes na criaçãoe no funcionamento do Checkoff

• A decisão foi do Congresso Nacionalamericano, que declarou ser de interessepúblico nacional e vital para a economiaagrícola dos Estados Unidos, a criaçãode programas de promoção, visandoexpandir mercados e desenvolver novosusos para os produtos agropecuários.

• No passado, era o Congresso que autori-zava o Poder Executivo a criar novosprogramas. Com o advento da LPPA, apartir de 1996, o ministro da Agriculturapassou a ter autonomia no estabeleci-mento de novos programas Checkoff.

• O programa é financiado por produtoresrurais e, em alguns casos, também pelaagroindústria e importadores que operamcom o produto.

• O programa viabiliza a divulgação deinformações sobre produção, processa-mento e valor nutricional dos produtosde origem agropecuária, com o objetivocentral de manter e expandir mercados,aumentar a demanda, desenvolver novosusos, sempre visando beneficiar oconjunto de produtores, processadorese importadores dos produtos contem-plados com o Checkoff.

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• Sob a supervisão do Ministério daAgricultura (Usda), os programas sãoestabelecidos com base na LPPA, procu-rando atender a objetivos e políticasnacionais para o setor agrícola, apoiandoa produção, o processamento e o marketingdo produto, sempre com vistas à expansãode mercado e ao fortalecimento dascadeias produtivas.

• Pequenos produtores também são bene-ficiados, em particular, dada a escassezde recursos que possuem, individual-mente, para custear atividades depromoção de seus produtos.

• Os programas são avaliados periodica-mente para medir o alcance de seusobjetivos. Essas avaliações são realizadaspor comitês externos e os resultados sãoapresentados ao Ministério da Agricul-tura e ao público em geral.

• Anualmente, o Ministério da Agriculturadivulga, para as Comissões de Agricul-tura do Congresso, todas as informaçõesrelativas às despesas realizadas e aosresultados alcançados.

Aspectos relevantes naregulamentação da lei

Do objeto

• Seu objeto é autorizar ao Ministério daAgricultura a estabelecer e implementarprogramas de promoção genérica, pesquisae marketing, visando o fortalecimento dascadeias produtivas, por meio da melhoriada imagem dos produtos, da expansão dosmercados e do desenvolvimento de novosusos para os produtos. Essa regulamentaçãonão veda o direito de qualquer indivíduode produzir, promover, comercializar ouimportar produtos.

Das portarias

• Ao Ministério da Agricultura é dada aliberdade de editar portarias de

abrangência nacional, aplicáveis aosprodutores, agroindustriais e/ou importa-dores de produtos agropecuários, casoesses estejam sujeitos a taxas compul-sórias.

• As portarias podem ter origem no minis-tério ou a ele submetido, seja por umaorganização de produtores ou por qual-quer cidadão que sinta afetado pela ediçãoda portarias do ministério. Antes da suaimplementação, toda portaria fica sujeitaà consulta pública e pode receberemendas.

Dos conselhos (Boards)

• Os conselhos para conduzir os Checkoffsão estabelecidos por portarias.

• Os membros dos conselhos, em númeroque varia para cada produto, são nomea-dos pelo ministro da Agricultura, ouvidaa cadeia produtiva, que faz a indicaçãode seus representantes; importadoressujeitos a taxas compulsórias tambémtêm representação no respectivo Con-selho.

• Os critérios de composição dos conselhossão estabelecidos em portaria, observandoa distribuição geográfica da produção eda importação do produto.

• De 3 a 5 anos, as estatísticas de produçãoe de importação são analisadas, visandoalterações na representatividade dosconselhos.

Da competência dos conselhos

• É estabelecida em cada portaria.

• Os conselhos devem se pautar pelasinstruções da portaria e realizar a coletadas taxas compulsórias.

• Estabelecer normas complementares erecomendá-las ao Ministério, visandoboa administração da portaria.

• Estabelecer e executar as atividades depromoção, pesquisa e difusão de conhe-

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cimentos e informações sobre o produto,contratando pessoas e consultores paraassisti-lo nessas atividades.

• No início de cada ano fiscal, submeter aoministro os valores das taxas compulsóriase o orçamento anual para cada atividadeque será executada no próximo ano.

• Contrair financiamentos para iniciar aimplementação da portaria e firmarcontratos ou acordos para conduzir suasatividades.

• Manter o ministro informado sobre aexecução dos orçamentos, as minutas dasreuniões e qualquer outra informaçãoque for solicitada em relação aosprogramas.

• Investigar e relatar ao ministro as recla-mações de violação da portaria.

É vedado aos conselhos

• Usar recursos para influenciar qualquerlegislação ou política e ações governa-mentais que não sejam para recomendaremendas à portaria.

• Se envolver em qualquer anúncio oupropaganda enganosa ou que deprecieoutro produto agropecuário.

Da execução do Orçamento

• As atividades, planos e projetos depromoção, pesquisa ou difusão de infor-mações e seus respectivos orçamentossão detalhados na portaria e devem sersubmetidos à apreciação do Ministério.

• O orçamento é submetido antes doinício do ano fiscal e – tão freqüentequanto for necessário –, durante o anofiscal.

• Os custos com a realização de referen-dos, bem como da implementação,administração e supervisão da portariadevem ser reembolsados ao Ministério.

• A portaria pode autorizar o ministro aconceder isenções de taxas a uma

quantidade mínima de produtos comer-cializados e o conselho, para pedirsalvaguardas contra o uso impróprio daisenção.

Das taxas compulsórias

• São pagas pelos produtores ou proces-sadores do produto agropecuárioproduzido e comercializado no País, epor importadores do produto motivo daportaria.

• São recolhidas pelo conselho, no tempoe forma prescritos na portaria.

• O valor da taxa é sugerido pelo conselhoao ministro e, depois de aprovada, entraem vigor por meio de portaria. A altera-ção no valor da taxa só é possível porreferendo.

• Multas e juros por atraso podem serprevistos na portaria.

• Recursos disponíveis podem ser inves-tidos em aplicações financeiras vincula-das ao Banco Central (Bacen).

• Entre a data de vigência da portaria e oresultado do referendo para execução doprograma, o conselho deve manter umaconta-garantia para possíveis reembolsosde taxas compulsórias, depositando oequivalente a 10 % dos valores recolhi-dos em taxas.

• Contribuintes podem reclamar, reivindi-cando o reembolso do valor pago emtaxa compulsória durante o tempo entrea vigência da portaria e o resultado doreferendo, caso não concordem com aportaria.

• A conta-garantia é encerrada com aaprovação do referendo e os fundosficam disponíveis para o conselho.

Dos referendos

• Pode ser prevista na portaria a realizaçãode um referendo inicial, para decidir seos contribuintes potenciais são favorá-

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veis a sua implantação durante um certoperíodo de tempo definido na portaria.A cadeia produtiva pode ser solicitadapelo Ministério a custear o referendo.

• Durante o período de vigência da portariae de funcionamento do programa, novosreferendos podem ser solicitados peloscontribuintes para votar pela continua-ção ou não da portaria, conforme nelaprevisto.

• Num referendo, uma portaria pode seraprovada pela maioria das pessoasvotantes, por pessoas que votaram pelaaprovação (e que representam o maiorvolume do produto agropecuário) oupela maioria das pessoas que votarampela aprovação e que também represen-tam o maior volume do produto agrope-cuário.

Da revisão das portarias, processosadministrativos, judiciais e penalidades

• Pode-se entrar com ações contra o Minis-tério, questionando-se as ilegalidades naportaria, requerendo sua modificação ouisenção da taxa nela prevista.

• Nos atos processuais, estão previstosrecursos à Corte de Apelação das comar-cas locais e à Suprema Corte.

• Os procedimentos sobre todos os ritose andamentos processuais seguemnormas previstas em lei, podendo envol-ver ou não a Corte Distrital, no caso deapelação, e a Procuradoria-Geral da

União, no caso de violação da lei ou desua regulamentação.

• O Ministério da Agricultura tem autori-dade e poderes para aplicação de multasao contribuinte que violar a portaria ounorma por ele editada. As penas sãoaplicadas para cada violação e por diade descumprimento da portaria.

Das investigaçõese do poder de intimação

• O Ministério da Agricultura tem poderespara realizar investigações que considerarnecessárias quando ocorrer qualquerviolação da LPPA ou de sua regulamen-tação.

Da suspensão ou doencerramento de portarias

• Se uma portaria não for aprovada noreferendo, o ministro deve suspender ouencerrar o recolhimento das taxas dentrode 180 dias, após a decisão, e encerraras atividades daquele programa.

Dos efeitos sobre outras leis

• A LPPA e sua regulamentação nãodevem sobrepor qualquer outra leifederal ou estadual, visando a promoçãoou pesquisa relacionada ao produto.

• Ministro da Agricultura pode editar tantosregulamentos quantos forem necessários,no exercício de suas funções, paraadequar a execução do programa.

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114Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Biotecnologia

na agricultura

Qual caminho

o Brasil deve seguir?

Alexandre Lima Nepomuceno1

Derli Dossa2

José Renato Bouças Farias1

Resumo: o presente artigo tem o objetivo de discutir a indefinição do uso da biotecnologia na agriculturabrasileira. Desde a descoberta da estrutura da molécula de DNA, em 1953, a aplicação da biotecnologiana medicina, na indústria e no agronegócio tem permitido a criação de soluções para vários problemasda humanidade, assim como a agregação de valor e desenvolvimento de novos produtos que atendamas necessidades da população mundial. Atualmente, praticamente 80 % da insulina humana,consumida no Brasil e no mundo, é obtida com organismos geneticamente modificados (OGM),permitindo produção em escala, com pureza e maior eficiência biológica. A qualidade e a reduçãode custos beneficiaram o consumidor. Além da insulina, vários outros produtos – usados na saúdehumana e animal – são hoje obtidos por engenharia genética como hormônios de crescimento, oFator de Coagulação Sanguínea XI, anticorpos para tratamentos de câncer, além de várias vacinas.Por meio da pesquisa de produtos geneticamente modificados (PGM), análise da produção e usodesses produtos, desde 1994, foi feita uma análise empírica sobre seus impactos e benefícios até omomento. Consultaram-se vários autores nacionais e estrangeiros com o propósito de conhecer adinâmica e a evolução do uso dos PGMs até o momento. A análise dos fatos leva ao autor recomendarque o Brasil procure respostas e definições sobre sua posição no assunto, ao custo de se tornar umespectador permanente e colocar em risco sua competitividade produtiva e comercial.

Palavras-chave: Produtos geneticamente modificados (PGM); e Biotecnologia.

Introdução

Desde a descoberta da estrutura damolécula de DNA, em 1953, por Watson e Crick,a aplicação da biotecnologia na medicina, naindústria e no agronegócio tem permitido acriação de soluções para vários problemas dahumanidade, assim como a agregação de valore/ou o desenvolvimento de novos produtos queatendam as necessidades da população mundial.

Por exemplo, até a década de 1970, toda insulinautilizada por diabéticos era obtida a partir depâncreas de bovinos e de suínos. A partir dadécada de 1980, o uso da tecnologia do DNArecombinante alterou isso. Hoje, praticamente80 % da insulina humana consumida no Brasil eno mundo é obtida por meio de organismosgeneticamente modificados (OGM), permitindoprodução em escala, com pureza e maioreficiência biológica. Assim, a qualidade e a

1 Pesquisador da Embrapa Soja, Londrina, PR.; [email protected] Assessoria de Gestão Estratégica do Mapa.

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redução de custos beneficiaram o consumidor.Além da insulina, vários outros produtos usadosno tratamento da saúde humana e animal são hojeobtidos por engenharia genética, como hormôniosde crescimento, o fator de coagulação sangüínea XI,anticorpos para combater câncer, além de váriasvacinas.

No Brasil, a vacina recombinante contrahepatite B, produzida pelo Instituto Butantan(INSTITUTO BUTANTAN, 2007), permitiu aogoverno brasileiro elaborar um programa devacinação em massa para recém-nascidos, jovense profissionais de risco. Na indústria, a biotecno-logia também está presente no nosso dia-a-dia.Atualmente, boa parte do queijo produzidoindustrialmente é coagulado com o uso daenzima quimosina, obtida por meio de OGM(VAN DEN BERG et al., 1990). Também váriasmarcas de sabão em pó apresentam, em suacomposição, enzimas como amilases, proteases,celulases, entre outras, responsáveis peladecomposição de resíduos de sujeira das roupas,sendo muitas obtidas e purificadas por meio deOGM (BAECK et al., 1997).

PGM na agricultura

Na agricultura, o uso da biotecnologia émais recente. Em 1994, a primeira plantageneticamente modificada (PGM), um tomate(Flavor-Savor®), com maior vida de prateleira, foilançada no mercado americano. De 1994, atéagora, passaram-se mais de 12 anos de usocomercial de PGM na agricultura. Nesse período,foram introduzidas comercialmente no mundoplantas com características que permitem resistên-cia a herbicidas (e.g. glifosato, genes CP4 EPSPS,

2mEPSPS; glufosinato de amônia, genes bar e par;etc), resistência a insetos (e.g. genes Cry1Ab,

Cry1Ac, Cry2, Cry3, genes Bt obtidos da bactériaBacillus thuringiensis), resistência a vírus (e.g.gene CMV-CP, Cucumber Mosaic Virus Coat

Protein; gene PRV-CP, Papaya Ringspot Virus

Coat Protein; etc), com características queretardam a maturação de frutos e flores (e.g. genesACC, Aminocyclopropane; gene SAM – S-

Adenosylmethionine; gene PG – Polygalacturonase),

com características que melhoram a qualidadede óleo (e.g. GmFad2-1, aumenta teores da ácidooléico) ou que introduzem novas cores em flores(e.g. genes envolvidos em produção de antocia-ninas). Vinte e dois países plantaram lavourasgeneticamente modificadas (GM), comercialmente,em 2006. Vinte e nove outros países num totalde 51 concederam, desde 1996, aprovaçõesregulatórias para produtos GM serem importados,utilizadas em alimentos e forragem e liberadasno meio ambiente. Um total de 539 aprovaçõesforam concedidas para 107 eventos em21 culturas. Assim, produtos GM podem ser impor-tados, usados em alimentos e forragem, eliberados no meio ambiente em 29 países,inclusive nos maiores países importadores dealimentos como o Japão, que não planta lavourasGM. Dos 51 países que concederam aprovaçõespara o plantio de lavouras GM, os Estados Unidoslideram a lista, seguidos por Canadá, Coréia doSul, Austrália, Filipinas, México, Nova Zelândia,União Européia, e China (JAMES, 2007). O milhoé a espécie com o maior número de liberaçõescomerciais, num total de 35. Essas liberaçõescompõem várias marcas comerciais como, porexemplo, os milhos YieldGard®, YieldGardPlus®,

Herculex®, HerculeXtra®, com resistência àinsetos, e Liberty Link®, Roundup Ready®

Roundup Ready II®, resistentes a herbicidas,assim como as combinações entre essas e outrascaracterísticas no mesmo material comercial.O algodão é a segunda espécie em número deliberações comerciais, totalizando 19 liberaçõescomerciais.

Entre as marcas comerciais de algodão,estão BollGard®, WideStrike®, VipCop®, comresistência a insetos, individualmente, ou emcombinação com resistência a herbicidas (Liberty

Link®, Roundup Ready®, Roundup Ready II®).Canola é a terceira espécie em número deliberações (14) seguida da soja com (7). Plantasgeneticamente modificadas de mamão, batata,melão, arroz, tomate, entre outras, também jáestão disponíveis comercialmente. Espéciesimportantes como o eucalipto e a cana-de-açúcarjá possuem eventos em fase pré-comercial sendotrabalhados.

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Assim, cada vez mais, novas característicastêm sido introduzidas no mercado. Em 2006 eem 2007, os Estados Unidos, o Canadá, a Austráliae as Filipinas autorizaram o uso comercial doprimeiro milho GM com altos teores de lisina(High Lisine Corn). O gene CordapA (obtido dabactéria Corynebacterium glutamicum) introdu-zido no milho, permite o aumento em mais de10 vezes teores de lisina, que normalmente ficamem torno de 100 ppm. A nova tecnologia poderáreduzir os custos na produção de rações animaisà base de milho, tendo em vista que normalmentenecessitavam adição de lisina artificialmente.

Em 2006, já entrando na segunda décadade comercialização das lavouras GM, a área globaldas lavouras continuou a crescer pelo décimo anoconsecutivo, a uma taxa de 13 % em relação aoano anterior, alcançando um total mundial de102 milhões de hectares (JAMES, 2007). A Fig. 1mostra os países que usaram PGM comercialmente

na agricultura. O desenvolvimento de variedadescomerciais GM pelo setor público nesses paísesainda é tímido, mas os ganhos sendo obtidospelos produtores, meio ambiente e a sociedadeem geral devem ser considerados.

Após mais de 10 anos de plantio comercialda soja Roundup Ready® (RR, resistente aoherbicida glifosato) no mundo, nenhum danograve à saúde humana, animal, ou ao meioambiente foi observado como sendo causadopelo plantio, produção ou consumo de soja RR.Ao contrário, os países produtores que utilizama tecnologia da soja resistente ao herbicidaglifosato, em 2005, observaram uma redução de10 mil toneladas no total de herbicidas aplicadosem lavouras. Desde 1996, 4,1 % a menos deingredientes ativos herbicidas deixaram de serusados em lavouras de soja GM no mundo,correspondendo a uma redução no período de51 mil toneladas (BROOKES; BARFOOT, 2006).

Fig. 1. Países que usam PGM comercialmente na agricultura.

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No Brasil, os ganhos econômicos com aadoção da soja RR variam de produtor paraprodutor, mas estão estimados em torno deR$ 200,00/ha de redução no custo de produção.Caso os 20,6 milhões de hectares de sojaplantados na safra passada (2006/2007) fossemtodos utilizando esta tecnologia, o ganho do setorprodutivo estaria em torno de R$ 4,1 bilhões.

Benefícios das PGMs

Nas PGM com resistência a insetos, a reduçãono consumo de inseticidas também tem sidoconsiderável. O uso de algodão geneticamentemodificado com genes Bt permitiu reduçãosubstancial do número de aplicações de insetici-das, o que pode significar benefícios ao ambientee à saúde humana e animal (CARPENTER et al.,2002; EDGE et al., 2001; JAMES, 2002).

Nos Estados Unidos, produtores obtiveramreduções de mais de 800 toneladas de ingredienteativo inseticida somente em 2001 (GIANESSIet al., 2002). Na China, as aplicações de insetici-das foram reduzidas em média 67 %, sendo quea redução em volumes de ingrediente ativoinseticida foi de 80 % (HUANG et al., 2002).Na África do Sul, as reduções ficaram em tornode 66 % (ISMAEL et al., 2002). No Brasil, a culturado algodão é uma das que mais se aplicamprodutos químicos, com pulverizações que giramem torno de 20 aplicações por lavoura, por safra.

O uso de tecnologias, como o algodão e omilho Bt resistentes a insetos, pode impactarpositivamente a preservação de populações deorganismos não-alvo e insetos benéficos, facilitan-do o manejo integrado de pragas da lavoura(HEAD et al., 2001; SMITH, 1997; XIA et al.,1999; BENEDICT; ALTMAN, 2001).

Adicionalmente, a adoção de tecnologiasque reduzam pulverizações de produtos químicosnas lavouras pode favorecer a obtenção debenefícios secundários, como a redução de usode matéria-prima na produção de agrotóxicos, naconservação de combustíveis utilizados paraproduzir, distribuir e aplicar tais agrotóxicos, epela eliminação da necessidade de uso e descartede embalagens de agrotóxicos (LEONARD;SMITH, 2001).

Os ganhos econômicos obtidos pelo setorprodutivo também são evidentes, mesmo levandoem conta o custo do uso da tecnologia. Na Tabela 1são apresentados os ganhos anuais de renda deprodutores americanos utilizando milho Bt noperíodo de 1996 a 2005, que representou umbenefício acumulado no período de U$ 1,92 bilhão.Os ganhos de renda dos produtores, pelo uso datecnologia Bt, na cultura do milho, só em 2005,em relação à produção total americana,apresentou ganho de 1,37 % em produtividade.

Na Argentina, o ganho obtido pelo uso demilhos Bt em 2005, quando em 62 % da área

Tabela 1. Impacto na renda do produtor em função do uso de milho Bt nos Estados Unidos (1996–2005).

Redução de custosAumento da renda Aumento na renda nacional

Ano(U$/ha)

do produtor em âmbito de produtores como % do valornacional (U$ milhões) da produção nacional

1996 15,50 8,76 0,03

1997 15,50 70,47 0,27

1998 15,50 167,58 0,77

1999 15,50 206,94 1,04

2000 15,50 146,76 0,71

2001 15,50 155,87 0,72

2002 15,50 240,61 0,96

2003 15,50 291,45 1,14

2004 15,88 328,13 1,27

2005 15,88 306,28 1,37

Adaptado de Brookes e Barfoot (2006).

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plantada foi usada a tecnologia, correspondeu aU$ 31 milhões. Desde 1997, quando a Argentinaadotou a tecnologia, o ganho acumulado foi deU$ 157 milhões obtidos principalmente porganhos em aumento de produtividade e reduçãode custos de produção (BROOKES; BARFOOT,2006).

É inegável o potencial da biotecnologia naagricultura para auxiliar na solução de problemase na agregação de valor aos produtos agrícolas.O Brasil, como segundo maior produtor de grãosdo mundo e que, potencialmente, é o único comcapacidade de dobrar sua produção e tornar-se omaior fornecedor de alimentos, de matérias-primas para indústria e combustíveis renováveispara o mundo, não pode ficar à margem dessatecnologia.

Cabe ressaltar, ainda, que as mudançasclimáticas previstas para as próximas décadaspoderão reduzir as áreas agricultáveis no planeta.A Fig. 2 compara as estimativas do aumento dapopulação brasileira com as reduções das áreaspotenciais para produção de grãos em função doincremento da temperatura de 1 oC a 5,8 oC, naspróximas décadas, para quatro culturas comer-ciais. Caso se confirmem as previsões sobre

mudanças climáticas, tecnologias sendo desen-volvidas nesse momento, como a de PGMtolerantes à seca e/ou a temperaturas extremas,e/ou capazes de produzir em solos degradados,serão imprescindíveis no futuro próximo(SCHIERMEIER, 2006; SHINOZAKI; YAMAGUCHI-SHINOZAKI, 2007).

Novos paradigmas e novas visões

Novos paradigmas também estão surgindocom a introdução de genes em plantas que permi-tem melhorar a qualidade nutricional dos alimentosou mesmo transformar as plantas em biofábricaspara produção de medicamentos. Em 2000, aliberação comercial da soja nos Estados Unidose no Canadá, com altos teores de ácido oléico(AGBIOS, 2007), fez com que o óleo dessa sojaGM ficasse similar, em termos de qualidade, aoóleo de oliva, ou a autorização em junho de 2007pelo Departamento de Agricultura Americano(Usda), para plantio de plantas de arroz GMproduzindo compostos para a indústria farmacêu-tica (albumina, lactoferrina e lizoenzima; compostosbactericidas e antifúngicos presentes no leite materno)(USDA, 2005, 2007), são alguns dos exemplos dopotencial da tecnologia do DNA recombinante.

Fig. 2. Compensação das estimativas do aumento da população brasileira com as reduções das áreas potenciaispara produção de grãos em função do incremento da temperatura nas próximas décadas.

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119 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

A comunidade científica mundial é pratica-mente unânime quanto à importância do uso dabiotecnologia na agricultura. E está ciente que abiossegurança e o “Princípio da Precaução”devem estar sempre à frente no desenvolvimentode PGM. Entretanto, como sabiamente disse adesembargadora federal Selene Maria Almeidaem seu relato na decisão que reconheceu,após 6 anos de discussão na Justiça (ApelaçãoCível nº 1998.34.00.027682-0/DF, Processo:199834000276820), a competência da ComissãoTécnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)para fazer a análise de risco da soja RR:

[...] o uso do “Princípio da Precaução” não implicana proibição de se utilizar tecnologia nova, aindaque tal compreenda a manipulação de OGMs.O princípio não pode ser interpretado, à luz daConstituição Brasileira, como uma proibição do usode tecnologia na agricultura porque a Constituintede 1988 estabeleceu que a política agrícola levaráem conta, principalmente, o incentivo à pesquisa eà tecnologia (art. 187, II, da CF/88).

Disse ainda a desembargadora:

...sob o enfoque da Epistemologia não há certezacientífica absoluta. A exigência de certeza absolutaé algo utópico no âmbito das ciências. A questãoda verdade científica é um tema recorrente emEpistemologia porque a ciência busca encontrar ofato real. Todavia, há muito se percebeu que oabsoluto é incompatível com o espírito científico eque na área das ciências naturais as pretensões hãode ser mais modestas [...] (BRASIL, 2004).

Conclusão

Nenhuma empresa pública ou privada,nenhum cientista, deliberadamente, colocaria emrisco a saúde humana, animal ou o meio ambiente,sabendo das implicações legais, econômicas,sociais e morais que acidentes poderiam causar.Todo o ferramental tecnológico e conhecimentosdisponíveis na atualidade têm sido utilizados paraidentificar possíveis riscos e impactos do uso deOGM na agricultura. Entretanto, o risco da não-adoção da tecnologia tem sido pouco discutido,principalmente no Brasil. Quais os riscos para apreservação do meio ambiente, da saúde humanae animal, para a economia e a nossa capacidadecompetitiva na agricultura nas próximas décadas,

caso continuemos postergando o uso de PGM naagricultura brasileira?

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121 Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

Bovinocultura

de corte no BrasilKepler Euclides Filho1

Resumo: o objetivo deste artigo é avaliar a bovinocultura de corte no Brasil. O sistema de produçãode gado de corte é um conjunto de tecnologias e práticas de manejo, tipo de animal, propósito dacriação, a raça ou grupamento genético e a ecorregião onde a atividade é desenvolvida. Ao definir-se um sistema de produção, deve-se, ainda, atentar para os aspectos sociais, econômicos e culturais,uma vez que esses têm influência decisiva, principalmente, nas mudanças que poderão ocorrer paraque o processo seja eficaz e as transformações alcancem os benefícios esperados. Por meio de dadosqualitativos, este estudo avaliou o potencial da produção por Unidade da Federação; analisou asperspectivas de atuação da pesquisa e desenvolvimento no setor; analisou, também, a perspectiva decrescimento do negócio em relação ao mercado de frango e de carne suína, entre outros. Conclui-seque o setor está crescendo de importância e que melhorias devem ser feitas, como a implantação demecanismos que garantam transparência e permitam o rastreamento em todo o processo de produçãode alimentos. Outros atributos importantes demandarão a capacidade de auditagem, como ambiente,bem-estar animal, mercado justo, presença/ausência de organismos geneticamente modificados (OGM),direitos trabalhistas, e ingredientes funcionais. Entre as várias recomendações, o autor enfatizaestratégias para impulsionar os sistemas de produção do Brasil, que encontram-se em descompassocom tais necessidades, como a implantação da práticas de produção pecuária (BPP) e análise deperigo e pontos críticos de controle (APPCC/Campo).

Palavras-chave: Bovinocultura no Brasil; e Sistema de produção de gado de corte.

Introdução

Nos últimos anos, a pecuária de cortebrasileira se como importante produtora dealimentos e se inseriu no mercado internacionalcomo ator competitivo. Nesse contexto, essaatividade transformou-se, também, em importanteelemento na captação de divisas para o País, aomesmo tempo em que sofre as pressões resultantesda posição ocupada. Apesar desse avanço, sãonecessárias melhorias nos aspectos gerenciais enos índices zootécnicos e econômicos para garantirsua competitividade e conseqüente permanênciacomo empreendimento economicamente atraente.

Além dessas dificuldades impostas pelaglobalização da economia, somam-se outrasrelacionadas com a maior exigência dos consumi-dores; o acirramento das disputas por mercado;e as preocupações com o bem-estar animal, coma conservação ambiental e com os aspectossociais dos sistemas produtivos e demais segmentosda cadeia produtiva.

Adicionalmente, o envelhecimento dapopulação brasileira e o maior esclarecimentocom relação aos cuidados que devem ser dedi-cados à alimentação devem ter reflexos profundosna economia nacional, influenciando, em parti-

1 Engenheiro agrônomo, Ph.D., pesquisador da Embrapa – Parque Estação Biológica (PqEB) – Av. W3 Norte (final), CEP 70770-901, Brasília, DF.

[email protected]

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122Ano XVI – Nº 4 – Out./Nov./Dez. 2007

cular, o setor agrícola pela demanda por alimentosde boa qualidade, além de requerimentosespecíficos que podem ser atendidos diretamentepela alimentação, evitando-se ou reduzindo-se ouso de suplementação alimentar de qualquerespécie.

A demanda por qualidade imporá, cada vezmais, a necessidade de produção de alimentosque, além de apresentarem características intrín-secas adequadas, sejam livres de resíduos e ofer-tados por cadeias produtivas sustentáveis nosaspectos ambientais e sociais.

Além disso, expande-se a transformação nacomposição da força de trabalho da família. Cadavez mais, não só as mulheres, mas também osfilhos, estão participando do mercado de trabalho.Assim, é de se esperar o fortalecimento do hábitode se alimentar fora de casa e, conseqüentemente,o aumento na demanda por alimentos de fácilpreparo, semiprontos, bem como a entrega decomida pronta, além do crescimento do númerode cozinhas industriais.

O trabalho realizado pelo Instituto dePesquisa Econômica Aplicada – Ipea (IPEA, 1997)prevê que, para 2020, mais de 80 % da populaçãobrasileira estarão vivendo em área urbana. Asso-ciado a esse fato, têm-se os resultados de Delgadoet al. (1999) que sugerem o que esses autoresdenominaram de Revolução Animal, que consisteno aumento do consumo de alimentos de origemanimal, particularmente pelos países em desen-volvimento. Esses fatos representarão pressõesadicionais por aumento de eficiência do setoragrícola como um todo e, em particular, do setorde produção de carne bovina, principalmentepela relação direta que o consumo desse produtorepresenta no poder aquisitivo do consumidor,por apresentar elasticidade de renda relativa-mente alta.

Ao aproximar as economias de diferentespartes do mundo, a abertura de mercado possibi-litou não só a entrada de produtos oriundos dosmais diversos países, mas também passou a exigir,dos vários setores da economia nacional, maiorcompetitividade como requisito para sua sobrevi-vência.

Mais recentemente, a produção de alimen-tos se vê frente a outro desafio adicional, qualseja produzir energia a partir da agricultura. Nesseparticular, as cadeias da produção animal terãotambém sua contribuição pela transformação dosebo e da gordura animal em fonte alternativa deenergia. Outra contribuição importante da pecuáriabovina de corte surge como resultado da integra-ção de sistemas de produção, particularmente ossistemas agropastoris, silvipastoris e agrossilvipas-toris que têm, potencialmente, a capacidade decontribuir para a melhoria das característicasfísico-quimícas do solo, podendo ainda ser coad-juvantes no processo de redução das pressões deampliação da fronteira agrícola, pela maiorintensificação da produção e pelo aumento daeficiência, além de possibilitarem maior competi-tividade pela melhor exploração da logística jáinstalada. É importante ressaltar ainda os aspectospositivos resultantes de uma pecuária conduzidasob a ótica das boas práticas de produção notocante à menor emissão de metano e ao seqüestrode carbono.

Para se ajustar a tais mudanças, a pecuáriade corte brasileira tem procurado se estabelecerem novos patamares. Para isso, vem se transfor-mando e se alicerçando, cada vez mais, em tecno-logia. Nesse contexto é que, segundo EuclidesFilho (1996), a pecuária afasta-se, inexoravel-mente, daquele empreendimento extrativista etransforma-se em empreendimento no qual agestão e a qualificação de pessoal tornam-seelementos diferenciadores. Nessas condições,ainda segundo esse autor, aumenta-se o risco ediminui-se a margem de lucro. Assim, qualquertomada de decisão tem de ser muito bem avaliada.

Rebanho bovino e geografiada produção no Brasil

A falta de comprometimento com os recur-sos naturais – que sempre foi atitude inerentedessa atividade e que muito contribuiu, e aindacontribui para o desequilíbrio planta/solo/animalcom conseqüências desastrosas para o meioambiente e para a própria atividade – vai aospoucos sendo lembrança do passado.

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No Brasil, nas últimas 3 décadas, verificou-se grande transformação do rebanho bovino decorte, com expansões significativas dos efetivosnos estados das regiões Norte e Centro-Oeste(Tabela 1) que se caracterizam pelo uso efetivode conhecimentos e de tecnologia. Na RegiãoNorte, a mola propulsora tem sido novas cultiva-res de gramíneas mais produtivas associadas àmelhoria da genética e dos manejos sanitários,do rebanho e do pastejo. No Centro-Oeste, alémdesses aspectos, ressaltam-se as tecnologias quepermitiram a incorporação do Cerrado ao processoprodutivo de forma competitiva. O Cerrado, quesegundo Vilela et al. (2005) possui aproximada-

mente 205 milhões de hectares, permaneceupraticamente intocado até a década de 1970. Atéaquela época, esse bioma não representava umambiente com potencial para produção agrícola,particularmente em função de seus solos pobres,deficientes em P (fósforo) e com altos teores deAl (alumínio). Nessa região, a atividade que domi-nava era a pecuária extensiva numa exploraçãoda vegetação natural, ou seja, pastagens nativas.Nessas condições, os índices zootécnicos erambastante baixos, necessitando de grandes áreaspara viabilizar a atividade como empreendimentoeconômico atrativo, o que resultava numa médiade taxa de lotação igual a 0,3 UA/ha (unidadeanimal por hectare), aproximadamente, com idadede abate por volta de 48 a 50 meses. No final dadécada de 1960 e início da de 1970, a pecuáriainicia um processo de transformação importantecomo resultado, especialmente, da combinaçãode três fatores, quais sejam:

• Introdução da Brachiaria.

• Criação do Programa Pólo Centro.

• Trabalho do Conselho Nacional deDesenvolvimento da Pecuária (Condepe).

Ainda merece destaque a criação daEmbrapa nesse período que, com esses trêsfatores, construiu a alavanca que contribuiu parao desenvolvimento do bioma Cerrado.

Inserção no mercado internacional

Na última década, a bovinocultura de cortebrasileira foi favorecida por eventos sanitárioscomo a ocorrência da Encefalopatia EspongiformeBovina (BSE) em países da Europa, nos EstadosUnidos e no Canadá, e da febre aftosa na Argentinae em países da Europa. Além disso, verificaram-se o direcionamento do mercado exportador daAustrália para a Ásia, a política interna do governoargentino voltada para o incentivo do consumointerno com redução do volume de carne bovinaexportada. Contudo, esses fatos per se não produ-ziriam o resultado observado se, paralelamente,não se verificasse a disposição de a cadeia produtivada carne bovina – por meio de seus diversos seg-mentos – capitalizar nessas oportunidades de

Tabela 1. Rebanho bovino brasileiro por Unidade daFederação.

Região 1990 1995 2000 2005

Norte 13.317 19.183 24.518 41.489RO 1.719 3.928 5.664 11.349AC 400 471 1.033 2.313AM 637 806 843 1.197RR - 282 480 507PA 6.182 8.058 10.271 18.064AP 70 93 83 97TO 4.309 5.544 6.142 7.962Nordeste 26.190 23.174 22.567 26.969MA 3.900 4.162 4.094 6.449PI 1.974 2.135 1.779 1.827CE 2.621 2.266 2.206 2.299RN 956 722 804 978PB 1.345 1.054 953 1.053PE 1.966 1.362 1.516 1.909AL 891 834 779 985SE 1.030 797 880 1.005BA 11.505 9.841 9.557 10.463Sudeste 36.323 37.168 36.852 38.944MG 20.472 20.146 19.975 21.404ES 1.665 1.968 1.825 2.027RJ 1.924 1.905 1.959 2.093SP 12.263 13.148 13.092 13.421Sul 25.326 26.641 26.298 27.770PR 8.617 9.389 9.646 10.153SC 2.994 2.993 3.051 3.377RS 13.715 14.259 13.601 14.240Centro-Oeste 45.946 55.061 59.641 71.985MS 19.164 22.292 22.205 24.504MT 9.041 14.154 18.925 26.652GO 17.635 18.942 18.399 20.727DF 106 123 112 102Brasil 147.102 161.228 169.876 207.157

Fonte: Conselho Nacional de Pecuária de Corte (2007).

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forma eficiente pela incorporação efetiva deconhecimentos e tecnologias.

O resultado da combinação desses fatorespode ser observado na Tabela 2. Verifica-se que,de 1994 a 2007, foram obtidos incrementosimportantes na população bovina que passou de,aproximadamente, 160 milhões de cabeças paramais de 200 milhões, com incremento de 25 %no efetivo. Contudo, a taxa de abate aumentou,aproximadamente, 36 % e o número de animaisabatidos mais de 70 %, numa demonstração clarada melhoria da eficiência dos sistemas produtivos.Ressalta-se ainda incremento de mais de 70 %na produção de carne.

Outro aspecto importante, que pode serdepreendido da Tabela 2, é a indicação demelhoria da qualidade do produto ofertado, o quepode ser verificado tanto pelo incremento dovolume quanto pelo valor do produto exportado.Enquanto a exportação passou de 378 miltoneladas de equivalente carcaça, em 1994, parauma estimativa de 2.420 milhões, em 2007,representando aumento de, aproximadamente,40 %; o valor do produto exportado sofreuincremento de, aproximadamente, 94 %. Assim,ressalta-se que o valor da unidade exportadaaumentou 25 %, passando de US$ 1.500,00 em1994, para US$ 1.880,00 em 2007.

É importante ainda observar a tendência deprodução e de consumo de carne bovina nos

principais países conforme Fig. 1 e 2. Enquantoos Estados Unidos e a União Européia consomemvolumes superiores àqueles produzidos, sendoportanto, país ou bloco importadores; o Brasil ea Argentina são países com excedente de produção,enquanto a Austrália não figura entre os paísesnos quais o consumo de carne bovina representapercentual importante do volume produzido.Na Fig. 3, está representados o consumo percapita de alguns países.

Sistemas de produção equalidade do produto ofertadoem mercado globalizado

Segundo Euclides Filho (2000), o sistemade produção de gado de corte pode ser entendidocomo sendo o conjunto de tecnologias e práticasde manejo, bem como o tipo de animal, o propó-sito da criação, a raça ou grupamento genético ea ecorregião onde a atividade é desenvolvida.Ao se definir um sistema de produção, devem-seconsiderar, ainda, os aspectos sociais, econômicose culturais, uma vez que esses têm influênciadecisiva, principalmente nas modificações quepoderão ser impostas por forças externas e,especialmente, na forma como tais mudançasdevem ocorrer para que o processo seja eficaz eas transformações alcancem os benefíciosesperados. Permeando todas essas considerações,devem-se levar em conta a definição do mercado

Tabela 2. Balanço da pecuária de corte no Brasil.

Item 1994 1998 2002 2006 2007*

População (mi.) 153,70 161,90 174,90 185,20 187,70Rebanho (mi.) 158,20 157,80 179,20 204,70 207,20Taxa de abate (%) 16,43 19,14 19,82 21,67 21,72Abate (mi.) 26,00 30,20 35,50 44,40 45,00Produção(1) 5.200,00 6.040,00 7.300,00 8.950,00 9.200,00Consumo per capita(2) 32,60 35,80 36,60 36,60 36,70Consumo interno(1) 5.017,50 5.797,40 6.394,70 6.780,00 6.880Exportação(1) 378,40 377,60 1.006,00 2.200,00 2.420,00Importação(1) 195,90 135,10 100,70 30,00 100,00Exportação (US$ mi.) 573,40 588,50 1.107,30 3.800,00 4552,00Importação (US$ mi.) 230,50 220,00 84,00 63,00 210,00

(1) mil toneladas de equivalente carcaça.(2) quilogramas de equivalente carcaça.* estimativa.

Fonte: adaptado de informes do Conselho Nacional de Pecuária de Corte (2007).

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e a demanda a ser atendida, ou seja, quais são ecomo devem ser atendidos os clientes ou consu-midores.

Assim, torna-se evidente que o estabeleci-mento ou a adequação de um determinadosistema de produção não depende unicamentedo desejo do produtor, mas deve estar intimamenterelacionado com as condições socioeconômicas

e culturais da região e da sua possibilidade e/oucapacidade de promover investimentos. Outroaspecto decisivo é a necessidade de que o sistemaseja estruturado com base em objetivos bemdefinidos que, ao serem estabelecidos, devemlevar em conta as demandas do mercado consu-midor.

Considerando-se que no Brasil há grandediversidade em todos esses aspectos mencio-nados, e ainda o fato de que a atividade tem deser, antes de tudo, um empreendimento econômicocomo tal, deve gerar lucros como premissa básicapara que se desenvolva e prospere, pode-seconcluir que, noPaís, dificilmente existirá um sis-tema de produção de gado de corte único. Assim,o uso isolado ou combinado das tecnologias dispo-níveis deve ser analisado dentro de cada contextoparticular. Essa visão integrada é também defundamental importância no próprio desenvolvi-mento de novas tecnologias.

A superação dessas dificuldades, em quepese a importância da eficiência dos diversossegmentos que compõem as cadeias da produçãoanimal, quais sejam, setor de insumos; sistemasde produção e setores de transformação,distribuição e comercialização, requer esforçointegrado no complexo segmento de ciência,

Fig. 1. Produção de consumo de carne bovina empaíses selecionados.Fonte: Abiec (2007).

Fig. 2. Produção de consumo de carne bovina empaíses selecionados.Fonte: Abiec (2007).

Fig. 3. Consumo per capita de carne bovina em paísesselecionados.Fonte: Abiec (2007).

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tecnologia e inovação (CT&I), uma vez que essessão os instrumentos capazes de promover as trans-formações necessárias, ao mesmo tempo em quepodem assegurar a sustentabilidade dessas cadeiasprodutivas em seu sentido amplo (econômica,social e ambiental). No entanto, é fundamentalque se aumente a interação desse segmento comos demais que compõem as cadeias produtivasde proteína animal, de modo a transformá-lo emprocesso integrante do macroprocesso deprodução de alimentos de origem animal.

Contudo, como foi ressaltado por EuclidesFilho (2006), nesse processo, não se pode deixarde reconhecer a importância da qualificação depessoal. À medida que se move o foco da geraçãoe da comunicação de uma tecnologia de formaisolada para a geração e a comunicação de tecno-logias num contexto de cadeia produtiva e/ou decluster (Fig. 4), cresce a demanda pela habilidadede trabalhos em rede e aumenta-se a necessidadede visão mais abrangente por parte dos profissio-nais envolvidos, sendo esses requisitos fundamen-tais para os diversos atores, desde a pesquisa até

quem recebe a tecnologia pronta, passando pelocomunicador e pelo multiplicador. Assim, a for-mação de pessoal deve também dar atençãoespecial a esses requisitos, de modo a se prepararemprofissionais mais ajustados a esse enfoque.

Conforme mostra a Fig. 4, à medida que apesquisa é desenvolvida com foco mais abran-gente, saindo do desenvolvimento de uma tecno-logia isolada para sua geração e/ou adequaçãoem sistemas mais complexos, aumenta-se o graude complexidade, crescendo, simultaneamente,a demanda sobre a qualificação e sobre a especia-lização dos profissionais envolvidos. Ressalta-seque, num enfoque de integração, requerem-seprofissionais capazes de interagir e de desen-volver trabalhos complementares em parcerias.Além disso, os avanços do conhecimento e datecnologia exigem pessoas com maior nível deespecialização e maior capacidade técnica. Essashabilidades são necessárias tanto para ospesquisadores quanto para aqueles que fazem acomunicação tecnológica e para o usuário datecnologia.

Fig. 4. Perspectivas de atuação de P&D.Fonte: Euclides Filho (2006).

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Simultaneamente, o desenvolvimento depesquisa em cadeias produtivas e/ou em clusters

tem como pressuposto o estabelecimento dealianças estratégicas e de construções de arranjosinstitucionais. Como resultado, tem-se produtoscom maior valor agregado e com mais potencialde promover o desenvolvimento. É importantenotar que o avanço verificado ao se deslocar ofoco da tecnologia isolada para o cluster é frutodas imposições colocadas pelos consumidores epela competição.

Qualidade do produtofinal e sistemas de produção

Independentemente do tamanho daatividade, o desenvolvimento do produtor e oatendimento das suas aspirações só se concretizarãose se estabelecerem relações favoráveis com omercado comprador de seu produto. É importanteressaltar que a atividade rural de pequena escala,particularmente ruminantes para corte, não temsua sobrevivência garantida somente pela eficiênciade produção, uma vez que o fato de ser eficientenão garante sua capacidade de crescimento, poisnão assegura sobra de capital para investimentosadicionais.

Nesse contexto, as perspectivas sugeremque tais aspirações serão atendidas se as cadeiasda produção animal forem capazes de, em setornando mais eficientes, mais competitivas eofertando produtos de qualidade, produzir deforma sustentável, respeitando o ambiente eeliminando ou reduzindo o risco de resíduosindesejáveis, tanto para o ambiente, quanto noproduto final. Assim, o conceito de produto dequalidade passa a ser entendido não mais comoproduto portador de boas qualidades organolép-ticas, exclusivamente.

O conceito moderno requer que o produtofinal seja resultante da adição de qualidade obser-vada em todas as fases e em todos os segmentosda cadeia agroindustrial, sendo ainda resultantedo conceito amplo de sustentabilidade queengloba não só o cuidado ambiental, mas tambéma necessidade de serem atividades socialmente

justas e economicamente viáveis. Esses atributosterão que ser assegurados e, por isso, haveránecessidade de se desenvolverem mecanismosque dêem transparência e permitam o rastreamentoem todo o processo de produção de alimentos.Nessa ótica, os atributos importantes em cadeiasagroalimentares – que demandam a capacidadede auditagem –são aqueles relacionados com:

• Ambiente.

• Bem-estar animal.

• Mercado justo.

• Presença/Ausência de organismosgeneticamente modificados (OGM).

• Direitos trabalhistas.

• Ingredientes funcionais.

Uma das estratégias para impulsionargrande parte dos sistemas de produção do Brasil– que se encontram em descompasso com taisnecessidades – e contribuir para sua inserçãonessa pecuária moderna é a ampla divulgação ea incorporação das denominadas Boas Práticasde Produção Pecuária (BPP). Segundo EuclidesFilho (2005), uma das etapas mais importantesna estruturação de uma cadeia produtiva eficientee competitiva é alcançada por meio da incorporaçãodas BPPs, que se constituem nos passos necessá-rios para a produção de acordo com as demandasdos consumidores, enfatizando-se os aspectosambientais e sociais, sem perder a perspectivaeconômica do empreendimento.

Ainda segundo Euclides Filho et al. (2002),tais práticas devem ser introduzidas por etapasna propriedade e se constituem no primeiro passopara incorporação do sistema de Análise dePerigo e Pontos Críticos de Controle (APPCC-Campo). As boas práticas abrangem diversasetapas da produção e devem ser abordados desdeos aspectos de escolha da área até os aspectossociais, passando-se por observações sobre aescolha da forrageira, o manejo dos pastos – edos animais –, além do manejo sanitário; oscuidados com a alimentação e a construçãoadequada das instalações. É fundamental,também, dedicar-se atenção à qualificação do

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pessoal cujo desempenho exerce papel vital nosucesso do empreendimento.

A perspectiva de crescimento da impor-tância do negócio dos produtos de origem animalno País é ainda suportada pelo incremento deconsumo desses produtos, que vem sendo obser-vado nos últimos anos, conforme mostra a Fig. 5.

EUCLIDES FILHO, K. A pecuária de corte brasileira noterceiro milênio. In: SIMPÓSIO SOBRE O CERRADO, 8.;INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON TROPICALSAVANNAS, 1., 1996, Brasília, DF. Biodiversidade eprodução sustentável de alimentos e fibras nos cerrados:anais. Planaltina, DF: EMBRAPA-CPAC, 1996. p.118-120.

EUCLIDES FILHO, K. Supply chain approach tosustainable beef production from a Brazilian perspective.Livestock Production Science, Amsterdam, v. 90,p. 51-63, 2004.

EUCLIDES FILHO, K. Achievements of research in thefield of beef cattle. In: Animal Production and AnimalScience Worldwide, WAAP book of the year 2005.Roma: Wanegingen Academic Publishers, 2005.p. 137-142.

EUCLIDES FILHO, K. Produção de bovinos de corte e otrinômio genótipo-ambiente-mercado. Campo Grande,MS: Embrapa Gado de Corte, 2000. 61 p. (Embrapa Gadode Corte. Documentos, 85).

EUCLIDES FILHO, K.; ALENCAR, M. M.; CEZAR, I. M.;FÁVERO, J. A.; VASCONCELOS, V. R.; COLLARES, R. S.Cadeias produtivas como plataformas para odesenvolvimento da ciência, da tecnologia e dainovação: estudo da cadeia da produção animal. CampoGrande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2002. p. 133.

EUCLIDES FILHO, K.; CORRÊA, E. S.; EUCLIDES, V. P.B. Boas práticas de produção de bovinos de corte.Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2002.p. 25. (Embrapa Gado de Corte. Documentos, 129).

EUCLIDES FILHO, K. Produção animal no biomaCerrado: uma abordagem conceitual. In: REUNIÃOANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA,43., 2006, João Pessoa. Anais… João Pessoa, PB: SBZ,2006. p. 116-137.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada.O Brasil na virada do milênio: trajetória do crescimentoe desafios do desenvolvimento. Brasília, DF, 1997. 2v.

VILELA, L.; MARTA JÚNIOR, G. B.; BARIONI, L. G.;BARCELLOS, A. O.; ANDRADE, R. P. Pasturedegradation and long-term sustainability of beef cattlesystems in tha Brazilian Cerrado. In: SYMPOSIUMCERRADO LAND-USE AND CONSERVATION;ANNUAL MEETING OF THE SOCIETY FORCONSERVATION BIOLOGY, 19., 2005, Brasília, DF.Brasília : UnB: Conservation International, 2005.

Fig. 5. Consumo per capita de carnes no Brasil.Fonte: Abiec (2007) e Conselho Nacional de Pecuária de Corte (2007).

Referências

ABIEC. Exportações de carne bovina brasileira por paísexportador. Disponível em: <www.abiec.org.br/estatiscas.asp>. Acesso em: 14 out. 2007.

CONSELHO NACIONAL DE PECUÁRIA DE CORTE.Rebanho bovino brasileiro por federação. Disponívelem: <www.cnpc.org.br>. Acesso em 14 out. 2007.

DELGADO, C.; ROSEGRANT, M.; STEINFELD, H.; EHUI,S.; COURBOIS, C. Livestock to 2020:the next foodrevolution. [Washington, DC]: International Food PolicyResearch Institute, 1999. (Food, Agriculture and theEnvironment. Discussion paper, 28).

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Análise de

preços agrícolasAntônio Salazar P. Brandão1

Eliseu Alves2

Recentemente, muitos analistas vêm sededicando a examinar o crescimento dos preçosde commodities. A Tabela 1 mostra que temhavido aumentos de preços expressivos paracommodities agrícolas. Entre 2004 e 2007, opreço do trigo aumentou 48 %, o do milho 33 %e o do arroz 23 %. A soja – que já estava compreços elevados em 2004 – subiu mais 4 %.Os óleos vegetais, a soja e a palma, tambémmostraram aumentos importantes: 23 % e 50 %,respectivamente, entre 2004 e 2007. O açúcaratingiu o preço mais elevado em 2006, mascontinua com seu preço 20 % acima do valoralcançado em 2004.

Entretanto, alguns preços permaneceramestáveis ou caíram, como são os casos das carnese do farelo de soja.

1 Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).2 Assessor do diretor-presidente e pesquisador da Embrapa.

Apesar dos aumentos expressivos notadospara muitos produtos agrícolas, nenhum deles ésuperior à variação do Índice Geral de Preços deCommodities (IGPC) calculado pelo FMI, mostradona última coluna da tabela, que inclui os combus-tíveis e os metais, além dos produtos agrícolas.Conclui-se que o crescimento dos preços agrícolas,ainda que expressivo, não está descolado docomportamento das demais commodities.

Por um lado, o fenômeno se deve ao cresci-mento da economia mundial nos últimos anos,que impulsionou a demanda por todas as commo-

dities. Ressalte-se, também, o comportamento daChina com compras substanciais de diversosprodutos. Por outro lado, fatores específicostambém influenciaram o comportamento dospreços agrícolas. Problemas climáticos provocaram

Tabela 1. Preços reais de produtos agrícolas selecionados e índice geral de preços de commodities.

Ano Arroz Milho Soja Trigo Óleo de soja Óleo de palmaUnidade US$/t US$/t US$/t US$/t US$/t US$/t

2004 254 116 287 162 611 450

2005 288 98 223 152 496 368

2006 294 118 211 186 534 404

2007 313 154 298 240 752 676

AnoCarne Carne Carne Farelo

AçúcarÍndice

Unidadebovina suína de frango de soja

UScents/librageral(*)

UScents/libra UScents/libra UScents/libra UScents/libra 2005 = 100

2004 118 73 78 266 8 83

2005 119 68 74 206 10 100

2006 112 62 67 188 14 117

2007 111 60 74 248 9 127

(*) Inclui todas as commodities.

Fonte: Deflacionado pelo autor.

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quebras na safra de trigo nas principais regiõesprodutoras. Em grande parte, demanda crescentee estoques baixos explicam o comportamento dopreço do arroz. Analogamente, o aumento dademanda para produção de bioenergia justificaos aumentos observados nos preços dos óleos depalma e de soja, bem como no do milho. Os doisprimeiros são matérias-primas para produção debiodiesel e o milho é a principal matéria-primausada na produção de etanol nos Estados Unidos.

O estímulo para a demanda por bioenergiaadvém da tendência crescente dos preços dopetróleo, bem como da mobilização mundialpara redução da emissão de gases causadores deaquecimento global. Cana-de-açúcar, milho,óleos (de palma, de soja e de canola) estão entreas matérias-primas usadas na produção de etanole de biodiesel. O óleo de canola, cujas cotaçõesde preços não estão disponíveis na fonte aquicitada, também vem apresentando alta em seuspreços.

Apesar da crescente demanda mundial poretanol, seu preço – que não aparece na tabelaacima – não apresentou elevação tão fortequando das outras commodities agrícolas usadasna produção de biocombustíveis. Nem mesmo oaçúcar, que, no Brasil, compete com o etanol porcana-de-açúcar, apresenta comportamentodiferente de seu padrão histórico. O menorcrescimento do preço do etanol está associadoao fato de que há uma expressiva expansão daprodução de cana-de-açúcar, que, além disso,essa expansão não ocorre em áreas de produçãode grãos, mas principalmente em áreas de pasta-gens, principalmente aquelas com baixo nível deutilização. Ao mesmo tempo, no Brasil, a pecuáriaestá se modernizando e usando menores quanti-dades de terra por unidade produzida.

Já nos Estados Unidos, a expansão da pro-dução de milho se faz à custa de áreas ocupadascom outros grãos, em especial a soja. Lá, o custode oportunidade da terra é mais alto do que noBrasil, simplesmente porque aquele país temmenos áreas novas, ou com produtividade daterra muito baixa, para explorar. Os elevadosinvestimentos que fizemos no setor sucroalcoleiro

estão garantindo a expansão da produção deetanol, sem avançar nas áreas ocupadas comgrãos.

Os países europeus também têm severaslimitações de terra para expandir a produção dematérias-primas usadas para biodiesel.

É interessante ainda observar que o preçodas carnes mantém-se com pequena tendênciade queda. Pode-se argumentar que, se por umlado, a crescente produtividade desse segmentono Brasil está contribuindo para isso, por outrolado, o farelo de soja – importante insumo parao setor – apresentou substancial queda de preçoaté 2006. Apesar de ter apresentado algumarecuperação em 2007, a queda do preço poderáperdurar. Isso ocorrerá a despeito do aumentodo preço da soja, pois o maior consumo do óleopara fins energéticos deve induzir esmagamentodo grão acima do crescimento da demanda porfarelo advinda da produção de carnes. Como oóleo e o farelo são produzidos conjuntamente, ébem provável que os preços deste possam cair.

Será que os preços dos grãos vão continuarnesses patamares mais elevados ou vão diminuir?Como a volatilidade dos mercados é elevada,certamente irão ocorrer períodos de preçosbaixos. O desaquecimento da economia mundialpoderia vir a provocar queda de preços neste anoe no próximo.

Entretanto, é importante distinguir entrevariações cíclicas dos preços e sua tendência. Emrelação a esta última, existem elementos queapontam no sentido de elevação. Os principaisdeles são:

• A crescente demanda mundial por bioe-nergia.

• Disponibilidade relativamente pequenade terras para expansão da agriculturano mundo.

• O número crescente de restrições denatureza ambiental para que o solo sejausado na produção agrícola.

O efeito conjunto desses três itens poderámanter os preços ao longo de uma tendência

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crescente, em termo dos respectivos produtos,mas não em termos do IPGC.

Entretanto, não pode ser ignorado o fatode que existem elementos que continuarãopressionando os preços ao longo de uma tendên-cia de queda. As descobertas e a geração detecnologias guiadas pela ciência têm provocadoo crescimento da produtividade da terra, que éum fator dominante para explicar o crescimentoda oferta. À medida que a Revolução Verde sedifundiu em todo mundo, a oferta de alimentos,fibras e energéticos se expandiu a taxas maiselevadas que a demanda, sendo isso responsávelpela tendência declinante do preço.

Esses elementos ainda estão atuando enovas tecnologias capazes de sustentarem ocrescimento da oferta vão surgir. Quando ospreços são favoráveis, expande-se a produçãocom o uso de mais insumos modernos, comofertilizantes e defensivos, terras em pousio retornamà produção e aperta-se a supervisão em todas asfases do ciclo produtivo. Em seguida, costumamentrar em cena tecnologias que se mostrarampouco lucrativas no passado, e que, quase sempre,têm grande poder de expandir a produção. Ainda,os cientistas são estimulados a terminarem maisrapidamente os projetos em andamento e a seaventurarem em assuntos mais difíceis. Tudo isso,mais o apetite de lucro dos agricultores, estimu-lado por preços elevados, contribui para a ofertacrescer.

Raul Prebisch, economista argentino queviveu entre 1901 e 1986, argumentou em diversos

trabalhos, a maioria deles escritos entre 1940 e1970, que haveria uma tendência para os preçosdos produtos agrícolas declinarem relativamenteao preço das manufaturas. Quando Prebischescreveu seus trabalhos não existiam restriçõesambientais significativas ao uso do solo e nãohavia demanda por matérias-primas agrícolas comfins de produção de energia. Inúmeros testesestatísticos foram feitos para verificar a validadeda hipótese e a maioria deles rejeitou a existênciade uma tendência decrescente3. Contudo, nenhumtrabalho mostrou uma tendência crescente dospreços agrícolas.

Os fatos ocorridos nos últimos anos indicamque há novas forças poderosas impulsionando ospreços para cima e é bem provável que elassuperem os efeitos baixistas que estiveram à frenteda dinâmica dos preços no século passado. Aindahá um elemento novo na demanda decombustíveis: ela não está sujeita aos limites doestômago, e, sendo assim, a elasticidade renda nãoconverge para zero com o incremento da renda.Contudo, a história tem demonstrado a enormecapacidade da ciência de fazer a oferta crescermais que a demanda. As lições do passado vãoprevalecer em face das restrições que pesam sobrea expansão da fronteira agrícola? Ou, ainda, asrestrições ambientais vão resistir ao aumento dospreços dos alimentos? A saída confortável, semconflitos com as tendências preservacionistasmodernas, é investir mais em ciência e tecnologia,principalmente em engenharia genética, investirno agricultor e em infra-estrutura.

3 Uma resenha recente sobre a hipótese de Prebisch e uma atualização dos testes para os termos de troca no Brasil pode ser encontrada em Brandão,Antônio Salazar P. The terms of trade: the debate revisited again: the case of Brazil, trabalho apresentado no simpósio Towards Global Food and

Agricultural Policy for an Open International Economy, realizado em homenagem ao Prof. G. Edward Schuh, Minneapolis, 2 de maio de 2007.

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Inovação, cliente

e marketing

Ponto

de V

ista

Marlene de Araújo1

1 Especialista em administração de marketing, mestre em gestão e política de C&T, e editora desta revista.

Todo ponto de vista costuma refletiropiniões ou conhecimentos consolidados pelotempo. Este, em especial, é calcado na experiênciaprofissional. Em 1994, respondendo a um apelodo Setor Público, atendi a um edital para contratarum especialista em planejamento estratégicoorientado para o mercado. Certamente, quemencomendara o concurso ao Centro de Seleção ede Promoção de Eventos (Cesp/UnB) não tinha aexata dimensão da função de um especialista emmarketing, especialmente em planejamentoestratégico orientado para mercado. Finalmente,fiz as provas, que estavam extremamente adequa-das à referida função. O que fez o pretendenteem questão acreditar que a empresa já haviaimplantado o marketing tático e, por isso, deveriaempreender inteligência competitiva, isto é,analisar e monitorar todos os fatores de mercado.Passei no concurso em primeiro lugar, sendocontratada com certa brevidade.

Na ocasião, entre a compreensão do queera atividade de marketing na prova em relaçãoà realidade, a lacuna foi surrealista. A equipeacreditava que o profissional deveria fazerpropaganda, belas apresentações em power

point, fazer mala-direta, além de organizar ereceber visitantes em feiras. Não é que eu tenhaaversão às atividades táticas do marketing,certamente alguém tem que fazer essas tarefas;mas o cargo era de especialista em planejamentoestratégico orientado para mercado. Nessecenário profissional, só são possíveis duas saídas:

deixar a empresa imediatamente ou encarar odesafio de tentar ensinar aos seus superiores eaos seus iguais o que significa aquela função,correndo-se o risco de os receptores não deseja-rem saber de nada. A pior hipótese é sempre aque se torna real. Em síntese, empresas públicasnão estão aptas a implantar o processo de admi-nistração de marketing por vários motivos, entreeles:

• Dificuldade de implantar métodos degestão que envolvam conceitos e tarefascomplexas e relacionais. Tendem arejeitar o uso de modelos ou modelagemna gestão, por acreditarem que gestão éuma tarefa simples e, por isso, não exigeespecialistas.

• Entendem que o conceito de inovaçãoestá separado do de processo produtivo,como se a inovação fosse algo a ser geren-ciado por ilhas de excelência. A inovaçãodeve permear toda a empresa.

• O desconhecimento de competênciastécnicas que possui e cujo uso nãomaximiza.

• A incompreensão de que o marketingsó existe porque a vida em sociedade éimpossível sem a realização de trocas,mesmo que essas trocas sejam gratuitas.

• O desconhecimento dos públicos-alvoleva à não-dominação do processo

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comunicativo para gerar relacionamento.A carteira de produtos é tratada comobula de remédios, em formulários friose padronizados nas páginas da internet,sem nenhum recurso da comunicaçãomercadológica e persuasiva, e semtratamento da linguagem para cadapúblico. Isso ocorre, também, porquedesconhecem o valor do produto e doserviço para o cliente. Nem sempre têmclareza sobre em que parte da vida oudo negócio do cliente seu produto ouserviço agrega valor. Falta gestão deportfólio, de produtos e de serviços.

• Tendem a acreditar que espalhar o mix

de marketing pela empresa, semnenhuma coordenação central, podegerar resultados, o que não acontece,porque as premissas básicas para que obom relacionamento com o mercadoocorra são negligenciadas.

As atividades de planejamento orientadopara o mercado compreendem: atividades deinventário das necessidades dos clientes e usuários;e conhecimento das preferências e exigências dosclientes e usuários. Os executivos precisam ter emmente que os clientes e os mercados estão empermanente evolução, o que determina anecessidade de um acompanhamento contínuo ecuidadoso por segmentos, e não apenas um estudode tendências gerais, que é mais adequado paraplanos diretores de escopo mais amplo. Planejare executar a concepção de produtos e serviços aponto de ir ao encontro da satisfação das necessi-dades inventariadas, e não ao gosto dos profissionaisde pesquisa e desenvolvimento, e monitorar o graude satisfação do produto ou do serviço, semconfundir com balanço social e pesquisa deopinião púbica para mensurar a imageminstitucional, o que é próprio das relações públicas,tarefa esta que não deixa de ser uma atividaderelacionada ao marketing, mas não pode ser aúnica. Manter-se atento às exigências do mercado-alvo não implica perder o hábito de inovar, mesmoporque produtos e serviços devem ter desempe-nhos superiores aos conseguidos pelos produtos

concorrentes, a fim de permitir que o relaciona-mento entre a organização e seus clientes sejaduradouro.

A filosofia de gestão de marketing implica,de forma simultânea, o conhecimento profundoe contínuo das forças que integram o microcon-texto ou específico que envolve os produtos eserviços da empresa (concorrentes atuais,potenciais ou futuros e os produtos substitutos,fornecedores e clientes). Quando a empresa écomposta por grande quantidade de unidades denegócios, essa estratégia deve permear cada umadessas unidades, sem se descuidar das influênciase das principais tendências de evolução domacrocontexto, no qual se incluem as dimensõesdemográficas, políticas, tecnológicas, econômi-cas, culturais, sociais e ambientais, etc.

As estratégias globais de expansão nomercado nacional e internacional devem consi-derar as atividades de informações de mercado,como também necessitam da implantação daestratégia de cooperação e integração entre asunidades de negócio no país de origem, para darsuporte às unidades instaladas no exterior; paraisso, o mapeamento e o banco de habilidades éde fundamental importância para o sucesso dasoperações da empresa, especialmente parareduzir custos com consultorias externas e zelarpelo precioso dinheiro público.

A cada planejamento estratégico formu-lado, descobrimos que temos que resolver osmesmos problemas de 11 anos atrás. Isso ocorreporque na primeira vez em que a mesma estratégiafoi formulada, não se teve patrocínio suficienteda alta direção para que o projeto de implantaçãoda estratégia fosse executado e protegido, alémde blindado, por ser uma escolha de alto valorpara o desenvolvimento institucional.

Estamos sempre relembrando que é precisoresgatar antigos valores, ter disciplina, descobrire compreender a essência das coisas prioritárias,sejam elas simples ou complexas. Conhecer ospúblicos-alvo, os mercados e ter estratégias quepossam ser gerenciadas e medidas é uma delas.

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Instrução aos autores

1. Tipo de colaboração

São aceitos, por esta Revista, trabalhos que se enquadrem nasáreas temáticas de política agrícola, agrária, gestão e tecnologiaspara o agronegócio, agronegócio, logísticas e transporte, estudosde casos resultantes da aplicação de métodos quantitativos equalitativos aplicados a sistemas de produção, uso de recursosnaturais e desenvolvimento rural sustentável que ainda não forampublicados nem encaminhados a outra revista para o mesmo fim,dentro das seguintes categorias: a) artigos de opinião; b) artigoscientíficos; d) textos para debates.

Artigo de opinião

É o texto livre, mas bem fundamento sobre algum tema atual e derelevância para os públicos do agronegócio. Deve apresentar oestado atual do conhecimento sobre determinado tema, introduzirfatos novos, defender idéias, apresentar argumentos e dados, fazerproposições e concluir de forma coerente com as idéiasapresentadas.

Artigo científico

O conteúdo de cada trabalho deve primar pela originalidade, istoé, ser elaborado a partir de resultados inéditos de pesquisa queofereçam contribuições teórica, metodológica e substantiva parao progresso do agronegócio brasileiro.

Texto para debates

É um texto livre, na forma de apresentação, destinado à exposiçãode idéias e opiniões, não necessariamente conclusivas, sobretemas importantes atuais e controversos. A sua principal carac-terística é possibilitar o estabelecimento do contraditório. O textopara debate será publicado no espaço fixo desta Revista,denominado Ponto de Vista.

2. Encaminhamento

Aceitam-se trabalhos escritos em Português. Os originais devemser encaminhados ao Editor, via e-mail, para o endereç[email protected].

A carta de encaminhamento deve conter: título do artigo; nomedo(s) autor(es); declaração explícita de que o artigo não foi enviadoa nenhum outro periódico para publicação.

3. Procedimentos editoriais

a) Após análise crítica do Conselho Editorial, o editor comunicaaos autores a situação do artigo: aprovação, aprovação condicionalou não-aprovação. Os critérios adotados são os seguintes:

• adequação à linha editorial da revista;

• valor da contribuição do ponto de vista teórico, metodológico esubstantivo;

• argumentação lógica, consistente, e que ainda assim permitacontra-argumentação pelo leitor (discurso aberto);

• correta interpretação de informações conceituais e de resultados(ausência de ilações falaciosas);

• relevância, pertinência e atualidade das referências.

b) São de exclusiva responsabilidade dos autores, as opiniões eos conceitos emitidos nos trabalhos. Contudo, o editor, com aassistência dos conselheiros, reserva-se o direito de sugerir ousolicitar modificações aconselhadas ou necessárias.

c) Eventuais modificações de estrutura ou de conteúdo, sugeridasaos autores, devem ser processadas e devolvidas ao Editor, noprazo de 15 dias.

d) A seqüência da publicação dos trabalhos é dada pela conclusãode sua preparação e remessa à oficina gráfica, quando então nãoserão permitidos acréscimos ou modificações no texto.

e) À Editoria e ao Conselho Editorial é facultada a encomenda detextos e artigos para publicação.

4. Forma de apresentação

a) Tamanho – Os trabalhos devem ser apresentados no programaWord, no tamanho máximo de 20 páginas, espaço 1,5 entre linhase margens de 2 cm nas laterais, no topo e na base, em formatoA4, com páginas numeradas. A fonte é Times New Roman, corpo12 para o texto e corpo 10 para notas de rodapé. Utilizar apenas acor preta para todo o texto. Devem-se evitar agradecimentos eexcesso de notas de rodapé.

b) Títulos, Autores, Resumo, Abstract e Palavras-chave (key-words) – Os títulos em Português devem ser grafados em caixabaixa, exceto a primeira palavra ou em nomes próprios, com, nomáximo, 7 palavras. Devem ser claros e concisos e expressar oconteúdo do trabalho. Grafar os nomes dos autores por extenso,com letras iniciais maiúsculas. O resumo e o abstract não devemultrapassar 200 palavras. Devem conter uma síntese dos objetivos,desenvolvimento e principal conclusão do trabalho. É exigida,também, a indicação de no mínimo três e no máximo cinco pala-vras-chave e key-words. Essas expressões devem ser grafadasem letras minúsculas, exceto a letra inicial, e seguidas de doispontos. As Palavras-chave e Key-words devem ser separadaspor vírgulas e iniciadas com letras minúsculas, não devendo conterpalavras que já apareçam no título.

c) No rodapé da primeira página, devem constar a qualificaçãoprofissional principal e o endereço postal completo do(s) autor(es),incluindo-se o endereço eletrônico.

d) Introdução – A palavra Introdução deve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda. Deve ocupar, no máximo duaspáginas e apresentar o objetivo do trabalho, importância econtextualização, o alcance e eventuais limitações do estudo.

e) Desenvolvimento – Constitui o núcleo do trabalho, onde que seencontram os procedimentos metodológicos, os resultados dapesquisa e sua discussão crítica. Contudo, a palavra Desenvol-vimento jamais servirá de título para esse núcleo, ficando a critériodo autor empregar os títulos que mais se apropriem à natureza doseu trabalho. Sejam quais forem as opções de título, ele deve seralinhado à esquerda, grafado em caixa baixa, exceto a palavrainicial ou substantivos próprios nele contido.

Em todo o artigo, a redação deve priorizar a criação de parágrafosconstruídos com orações em ordem direta, prezando pela clarezae concisão de idéias. Deve-se evitar parágrafos longos que nãoestejam relacionados entre si, que não explicam, que não secomplementam ou não concluam a idéia anterior.

f) Conclusões – A palavra Conclusões ou expressão equivalentedeve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda dapágina. São elaboradas com base no objetivo e nos resultados dotrabalho. Não podem consistir, simplesmente, do resumo dosresultados; devem apresentar as novas descobertas da pesquisa.Confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas na Introdução, sefor o caso.

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g) Citações – Quando incluídos na sentença, os sobrenomes dosautores devem ser grafados em caixa-alta-e-baixa, com a dataentre parênteses. Se não incluídos, devem estar também dentrodo parêntesis, grafados em caixa alta, separados das datas porvírgula.

• Citação com dois autores: sobrenomes separados por “e” quandofora do parêntesis e com ponto-e-vírgula quando entre parêntesis.

• Citação com mais de dois autores: sobrenome do primeiro autorseguido da expressão et al. em fonte normal.

• Citação de diversas obras de autores diferentes: obedecer àordem alfabética dos nomes dos autores, separadas por ponto-e-vírgula.

• Citação de mais de um documento dos mesmos autores: não hárepetição dos nomes dos autores; as datas das obras, em ordemcronológica, são separadas por vírgula.

• Citação de citação: sobrenome do autor do documento originalseguido da expressão “citado por” e da citação da obraconsultada.

• Citações literais que contenham três linhas ou menos devemaparecer aspeadas, integrando o parágrafo normal. Após o anoda publicação acrescentar a(s) página(s) do trecho citado (entreparênteses e separados por vírgula).

• Citações literais longas (quatro ou mais linhas) serão desta-cadasdo texto em parágrafo especial e com recuo de quatro espaçosà direita da margem esquerda, em espaço simples, corpo 10.

h) Figuras e Tabelas – As figuras e tabelas devem ser citadas notexto em ordem seqüencial numérica, escritas com a letra inicialmaiúscula, seguidas do número correspondente. As citaçõespodem vir entre parênteses ou integrar o texto. As Tabelas e Figurasdevem ser apresentadas no texto, em local próximo ao de suacitação. O título de Tabela deve ser escrito sem negrito eposicionado acima desta. O título de Figura também deve serescrito sem negrito, mas posicionado abaixo desta. Só são aceitastabelas e figuras citadas efetivamente no texto.

i) Notas de rodapé – As notas de rodapé devem ser de naturezasubstantiva (não bibliográficas) e reduzidas ao mínimo necessário.

j) Referências – A palavra Referências deve ser grafada com letrasem caixa-alta-e-baixa, alinhada à esquerda da página. Asreferências devem conter fontes atuais, principalmente de artigosde periódicos. Podem conter trabalhos clássicos mais antigos,diretamente relacionados com o tema do estudo. Devem sernormalizadas de acordo com a NBR 6023 de Agosto 2002, daABNT (ou a vigente).

Devem-se referenciar somente as fontes utilizadas e citadas naelaboração do artigo e apresentadas em ordem alfabética.

Os exemplos a seguir constituem os casos mais comuns, tomadoscomo modelos:

Monografia no todo (livro, folheto e trabalhos acadêmicos

publicados).

WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. Trad. de LeônidasHegenberg e Octany Silveira da Mota. 4. ed. Brasília, DF: EditoraUnB, 1983. 128 p. (Coleção Weberiana).

ALSTON, J. M.; NORTON, G. W.; PARDEY, P. G. Science under

scarcity: principles and practice for agricultural research evaluationand priority setting. Ithaca: Cornell University Press, 1995. 513 p.

Parte de monografia

OFFE, C. The theory of State and the problems of policy formation.In: LINDBERG, L. (Org.). Stress and contradictions in modern

capitalism. Lexinghton: Lexinghton Books, 1975. p. 125-144.

Artigo de revista

TRIGO, E. J. Pesquisa agrícola para o ano 2000: algumasconsiderações estratégicas e organizacionais. Cadernos de

Ciência & Tecnologia, Brasília, DF, v. 9, n. 1/3, p. 9-25, 1992.

Dissertação ou Tese

Não publicada:

AHRENS, S. A seleção simultânea do ótimo regime de

desbastes e da idade de rotação, para povoamentos de pínus

taeda L. através de um modelo de programação dinâmica.

1992. 189 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná,Curitiba.

Publicada: da mesma forma que monografia no todo.

Trabalhos apresentados em Congresso

MUELLER, C. C. Uma abordagem para o estudo da formulaçãode políticas agrícolas no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DEECONOMIA, 8., 1980, Nova Friburgo. Anais... Brasília: ANPEC,1980. p. 463-506.

Documento de acesso em meio eletrônico

CAPORAL, F. R. Bases para uma nova ATER pública. SantaMaria: PRONAF, 2003. 19 p. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br/ater/Docs/Bases%20NOVA%20ATER.doc>.Acesso em: 06 mar. 2005.

MIRANDA, E. E. de (Coord.). Brasil visto do espaço: Goiás eDistrito Federal. Campinas, SP: Embrapa Monitoramento porSatélite; Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2002. 1CD-ROM. (Coleção Brasil Visto do Espaço).

Legislação

BRASIL. Medida provisória nº 1.569-9, de 11 de dezembro de1997. Estabelece multa em operações de importação, e dá outrasprovidências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p. 29514.

SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 42.822, de 20 de janeiro de1998. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo,v. 62, n. 3, p. 217-220, 1998.

5. Outras informações

a) O autor ou os autores receberão cinco exemplares do númeroda Revista no qual o seu trabalho tenha sido publicado.

b) Para outros pormenores sobre a elaboração de trabalhos aserem enviados à Revista de Política Agrícola, contatar diretamentea coordenadora editorial, Marlene de Araújo, em:

[email protected]: (61) 3448-4548