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1 Revista da Escola de Música da UEMG Ano V - n. 6 - maio 2008

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Revista da Escola de Música da UEMGAno V - n. 6 - maio 2008

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Conselho Editorial

Antônio Carlos Guimarães UFSJ - São João del-Rei, Minas Gerais

Felipe de Oliveira AmorimFEA - Belo Horizonte, Minas Gerais

Guilherme PaolielloUFOP - Ouro Preto, Minas Gerais

Luciana Monteiro de CastroUFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Mary Angela BiasonMuseu da Inconfidência - Ouro Preto, Minas Gerais

Maria Betânia Parizzi FonsecaUFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Oilian José LannaUFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Paulo Henrique Campos SilvaUEMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Regis DupratUSP - São Paulo, São Paulo

Rodrigo Miranda de QueirozUCONN - Storrs Mansfield, Connectitut, USA

REVISTA MODUS – ANO V / Nº 6ISSN: 1679-9003

Publicação da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMGCampus de Belo Horizonte

[email protected]

Elaborada por: Marcos Antônio de Melo Silva - Bibliotecário CRB/6: 2461

Modus : revista da Escola de Música da UEMG / Universidade do Estado de Minas Gerais – Ano 5, n. 6, (maio 2008) – Barbacena MG : EdUEMG, 2008. 74 p.

Semestral. ISSN 1679-9003.

1. Música – Periódicos. I. Universidade do Estado de Minas Gerais. II. Título.

CDU: 78

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Revista da Escola de Música da UEMGAno V - n. 6 - maio 2008

ISSN: 1679-9003

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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 6ISSN: 1679-9003

Editor responsávelJosé Antônio Baêta Zille

Capa e Projeto gráficoCentro Design - ED/UEMG

ESCOLA DE MÚSICA DA UEMG

Rua Riachuelo, 1.321 - Padre EustáquioBelo Horizonte - CEP: 30720-060

DiretoraGisele Maria Marino Costa

Vice-DiretorRogério Bianchi Brasil

Coordenador do Centro de PesquisaJosé Antônio Baêta Zille

EdUEMGEDITORA DA UNIVERSIDADEDO ESTADO DE MINAS GERAIS

CoordenaçãoFuad Kyrillos Neto

Preparação de Textos e RevisãoDaniele Alves Ribeiro

DiagramaçãoMarco Aurélio Costa Santiago

http://[email protected](32) 3362-7385 - ramal 105

UNIVERSIDADE DO ESTADODE MINAS GERAIS

ReitoraJanete Gomes Barreto Paiva

Vice-ReitorDijon de Moraes Júnior

Pró-Reitora de Ensino e ExtensãoNeide Wood Almeida

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-graduaçãoMagda Lúcia Chamon

Pró-Reitor de Planejamento, Gestão e FinançasAntônio Dianese

Diretora Geral do Campus de Belo HorizonteSantuza Abras

Tiragem: 400 exemplaresRevista semestral

Linha Editorial

A revista MODUS é uma publicação semestral edi-tada pelo Centro de Pesquisas da Escola de Música da UEMG com o propósito de estimular a reflexão e a atuação crítica em contextos culturais diversos. Procura ser um agente catalisador do desenvolvi-mento da produção e do intercâmbio de conheci-mentos relacionados à música. Dentro dessa pers-pectiva, abrange a produção de cunho científico, teórico ou histórico, que envolve a musicologia e as áreas que colocam a música, direta ou indire-tamente, frente à educação, à tecnologia, à perfor-mance e a outros sistemas de linguagem.

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EDITORIAL

DESCRIÇÃO DO PROCESSO DECATALOGAÇÃO DO ACERVO CHICO ANICETODomingos Sávio Lins Brandão, Ludmila Ribeiro da Costa,Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos

ENTRE A SONORIDADE E O SENTIDO: A FALA TEATRAL NOS ENCENADORES DO SÉCULO XX Cristiano Peixoto Gonçalves

EXPEDITO VIANNA: UM FLAUTISTA À FRENTEDE SEU TEMPO Fernando Pacífico Homem

A TRANSFERÊNCIA COMO BASE DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E FATOR CATALISADORDO APRENDIZADO José Antônio Baêta Zille, Eliana Olimpio

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

SUMÁRIO

55MÚSICA POPULAR E APRENDIZAGEM:ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ana Carolina Nunes do Couto

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MODUS

Com esta edição, a revista Modus entra no seu quinto ano de publicações. Esse fato vem mostrar a sua capacidade de romper os inúmeros desafios que vem encontrando para manter -se como um espaço de divulgação e socialização dos diversos saberes produzidos na ampla e rica área das ciências. Tais desafios resultam da incompreensão por parte de muitos quanto à importância de se ter um espaço aberto e construtivo em que se estabelece o diálogo no universo da produção de conhecimentos e também entre essa produção e aqueles que dela usufruem. Incompreensão que, infelizmente, vem, não raro, daqueles que se colocam na posição de disseminadores de conhecimentos.

Alheios aos percalços, a Modus mantém-se firme na crença da importância de propiciar e complementar o esforço coletivo de redimensionar, estruturalmente, as atividades de busca e construção de novos conhecimentos. Assim, sustenta-se no propósito de possibilitar momentos de troca, crítica e debate, tendo como ponto de partida a música, mas nunca desconsiderando o complexo contexto sociocultural a que pertence e em que se configura como uma rede implicada de infinitas possibilidades.

Dando continuidade ao seu propósito, a Modus trás nesse número uma série de artigos que refletem sua intenção de ser um agente catalisador da diversidade, do desenvolvimento e do intercambio da produção de conhecimento. Domingos Sávio Lins Brandão, Ludmila Ribeiro da Costa e Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos apresentam o processo de organização e de catalogação pelo qual vem pasando o importantísimo acervo de partituras do maestro Francisco Aniceto (1886-1972), da cidade mineira de Piranga. O acervo é abordado sob uma perspectiva brasileira da Musicologia.

Em seguida, Cristiano Peixoto Gonçalves faz uma interessante abordagem da fala teatral, comparando a relação entre sentido e sonoridade das palavras e o tipo de musicalidade que resulta dessa relação. Para isso, o autor toma como ponte de partida, as obras de alguns dos principais encenadores do século XX.

O flautista Expedito Vianna é o tema do artigo de Fernando Pacífico Homem que apresenta a metodologia para o estudo da flauta transversal proposta por Vianna. O autor demonstra a validade das técnicas de utilização de fonemas, deslocamento rítmico e transposição propostas por esse professor e flautista que teve significativa atuação em Belo Horizonte e Salvador nas décadas de 1960 a 1980.

José Antônio Baêta Zille e Eliana Olímpio transitam pelo processo de desenvolvimento humano a fim de esclarecer os diversos aspectos envolvidos na relação educador/educando, de forma a favorecer os processos de ensino-aprendizagem. Os autores, considerando as especificidades próprias na infância e na adolescência, chegam ao conceito psicanalítico da transferência, que propõem como base para as relações professor/aluno.

EDITORIAL

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MODUS

Por fim, Ana Carolina Nunes do Couto apresenta uma rica discussão a respeito da, ainda polêmica, utilização de uma “pedagogia da música popular” para o ensino da música num contexto formal. Para tal, se fundamenta em pensadores contemporâneos do ensino da música que defendem a ideia de que se deve considerar o contexto sociocultural no qual a música é produzida, consumida e transmitida.

Indiferente a uma possível redundância, a Modus agradece aos colaboradores e ao valioso conselho editorial deste número. Além disso, espera poder contar novamente com essa participação e com o apoio daqueles que possam e queiram contribuir para que ela continue atingindo seus objetivos.

José Antônio Baêta Zille

Editor

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Maio de 2008

DESCRIÇÃO DO PROCESSO DECATALOGAÇÃO DO ACERVO CHICO ANICETO

Domingos Sávio Lins Brandão

Mestre em sociologia; doutorando em História e especialista em Música Brasileira pela Uni-versidade Federal de Minas Gerias (UFMG); professor de História da Música, História da Música Brasileira, Estética Musical e Flauta Doce na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (Esmu/UEMG). Coordenador do Centro de Pesquisa e diretor do

Grupo de Música Antiga (Esmu/UEMG).

[email protected]

Ludmila Ribeiro da Costa

Licenciada em História pela Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS); graduanda em Li-cenciatura em Música com habilitação em Flauta Doce pela Universidade do Estado de Minas

Gerais (UEMG) e colaboradora do Acervo Chico Aniceto.

[email protected]

Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos

Músico formado pelo Centro de Formação Artística do Palácio das Artes (CEFAR); graduado em Licenciatura em Musica/Habilitação em Contrabaixo pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Professor no ProMusic Escola de Musica e atua em diversos grupos

na cidade de Belo Horizonte (MG).

[email protected]

ResumoFrancisco Aniceto (1886-1972), músico e maestro da cidade de Piranga (MG), foi responsável pela posse e manutenção de significativa coleção de documentos musicais. Este ar-tigo descreve o processo de organização e consequente cata-logação desses documentos. A catalogação do Acervo Chico Aniceto mostrou-se como uma oportunidade de relacionar o desenvolvimento do trabalho sob a perspectiva e os parâ-metros da Musicologia Brasileira. Este trabalho evidencia as particularidades e a importância histórico-musical da coleção de obras.

Palavras-Chave: Musicologia; Chico Aniceto; acervo musi-cal; catalogação; música em Minas Gerais.

REVISTA MODUS – ANO V / Nº 6 – Belo Horizonte – Maio 2008 – p. 9-17

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MODUSDESCRIÇÃO DO PROCESSO DECATALOGAÇÃO DO ACERVO CHICO ANICETO

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Introdução

Natural de Piranga (MG), o maestro Francisco Solano Aniceto (1886-1972), popularmente conhecido como Chico Aniceto, iniciou seus estudos musicais com familiares e desenvolveu atividades como regente, compositor, professor e alfaiate. Durante sua carreira profissional, tra-balhou como professor de música na cidade de Ubá (MG). Pesquisas realizadas pelo escritor piranguense Marcus de Nilo confirmam que um de seus alunos naquela cidade foi Ary Barroso.

Chico Aniceto foi professor e regente da Banda do Recorde na cidade de Alto Rio Doce (MG), regente do Coral da Igreja Imaculada Conceição em Ouro Preto (MG), professor e regente da Banda de Música Imaculada Conceição fundada por sua família em Piranga (MG) e regente do Coral Nossa Senhora da Conceição na mesma cidade. Como compositor, pos-sui um acervo de peças de caráter popular como dobrados, valsas, polcas e outras de cunho religioso como domine, salve-rainha e ladainha.

Outra função exercida pelo maestro e de extrema importância para a propagação de seu tra-balho foi a atividade de copista. Antes da invenção da máquina fotocopiadora, a única manei-ra de reproduzir e perpetuar o conteúdo de um documento era através de cópias manuscritas. Muitas das informações sobre a vida pessoal de Chico Aniceto foram obtidas em entrevistas com familiares, sobretudo através de seu neto Antônio Aniceto, músico clarinetista integrante da Orquestra Sinfônica da Polícia Militar de Minas Gerais.

Em exames feitos no acervo, foram encontrados originais e cópias de obras de reconhecidos com-positores como Emerico Lobo de Mesquita, Padre José Maurício Nunes Garcia, Carlos Gomes, do próprio maestro Chico Aniceto, além de outras inéditas para o cenário da música brasileira.

Boa parte dos documentos do acervo são obras compostas para banda de música. Tais for-mações instrumentais tiveram uma importância ímpar para a história musical brasileira e continuam, em muitas cidades interioranas, como única opção de formação e ensino musi-cal junto à população. No cenário artístico, importantes instrumentistas, sobretudo os de instrumentos de sopro, tiveram saudosos mestres de banda como primeiros professores. Por essa contribuição e valor artístico-social, eles merecem a atenção do meio acadêmico como reconhecimento da importância de sua função para a cultura musical.

Os documentos de Chico Aniceto foram doados à Escola de Música da Universidade do Es-tado de Minas Gerais (UEMG), em 2004, pela família do maestro. A partir daí, eles passaram a receber devido tratamento para sua conservação. As peças do acervo foram submetidas a um processo de limpeza, separação e pré-organização. Inicialmente foi constatado que as obras de-veriam ser organizadas em sua totalidade para maior clareza e facilidade de acesso e para con-sulta, futura digitalização e editoração. Futuramente a transcrição digital das partituras será de extrema importância, pois evitará o contato manual constante com as partituras frágeis ou danificadas. De imediato, viu-se necessária a organização geral do acervo dentro de uma or-dem estabelecida em formato de catálogo. Os critérios utilizados quanto à forma de armazena-mento e classificação das peças levaram em conta a especificidade e singularidade do acervo.

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Maio de 2008 Domingos Sávio Lins Brandão, Ludmila Ribeiro da Costa,Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos

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Trabalho musicológico

Há grandes discussões quando se trabalha com partituras antigas, pois a análise dessas peças envolve atividades como: deciframento da escrita manual, estudo das formas de apresentação de manuscritos e impressos, identificação de erros, reconciliação de variantes etc. De acordo com Castagna (2004), a Musicologia compreende uma série de disciplinas ou vertentes metodológi-cas representadas pelas seguintes divisões: método histórico, método teórico e analítico, crítica textual, pesquisa arquivística, lexicografia e terminologia, organologia e iconografia, práticas in-terpretativas, estética e crítica. É fundamental não esquecer que, em uma análise primária, a peça musical é um documento. Sendo assim, todas as informações contidas no mesmo necessitam passar por procedimentos já existentes para que possam ser codificadas futuramente.

Um acervo não cessa sua produção de conhecimento quando catalogado por completo. Com o andamento da pesquisa, as obras transformaram-se e deixaram de ser somente números para obterem uma nova identidade, única e de características peculiares. Anterior ao processo de catalogação atual, a coleção de peças podia ser comparada a um enorme quebra-cabeça. Na medida em que o trabalho evoluiu, as peças foram sendo agrupadas e organizadas para se chegar a um resultado coerente e prático.

A metodologia de pesquisa utilizada obedeceu a normas preexistentes, porém no decorrer da catalogação houve exceções por surgirem necessidades e respostas únicas dentro desse proces-so, evidenciando as particularidades e identidade próprias de uma coleção de obras tal como ocorrido no Acervo Chico Aniceto. Optou-se pela organização das peças em dois grandes grupos (música sacra e música não sacra) ao invés de utilizar a organização dos compositores por ordem alfabética como ocorre em outros acervos.

Muitas obras do acervo encontram-se incompletas, pois as partes não possuem identificação alguma quanto à instrumentação, nome do compositor ou qualquer outra informação que facilite o acesso.

Dessa maneira, o trabalho musicológico precisa ser cuidadoso, sempre aberto a reavaliações e reconsiderações. Catálogos já editados podem sofrer modificações ao longo dos anos, depen-dendo do esforço e empenho de quem coordena o trabalho. Novas edições levam a um novo panorama e, por consequência, surge um novo resultado teórico e prático musical. É possível que, posteriormente, encontre-se, no próprio acervo ou em outro, partes que complementem a obra até então incompleta.

Neste trabalho, a ponderação sobre as atividades e resultados obtidos foi de fundamental importância. Dessa forma, o artigo descreve todo o processo de catalogação do acervo sob a atual perspectiva da Musicologia brasileira.

Arquivologia musical

Uma definição fundamental para o entendimento do trabalho aqui discutido é o conceito do que é um documento:

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MODUSDESCRIÇÃO DO PROCESSO DECATALOGAÇÃO DO ACERVO CHICO ANICETO

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qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico pelo qual o homem se expressa. É o livro, o artigo [...], a tela, a escultura, [...] o filme, o disco, a fita magnética [...], enfim, tudo o que seja produzido por razões funcionais, jurídicas, científicas, técnicas, culturais ou artís-ticas pela atividade humana (BELLOTTO, 1991, p. 14).

No decorrer da pesquisa foi necessário o enfoque documental, visto que partituras são docu-mentos e possuem dados dos contextos sociais, culturais, históricos e políticos nos quais foram criadas e inseridas. Segundo Cotta e Blanco,

a pesquisa documental, notadamente na área de musicologia históri-ca tem seus fundamentos na musicologia positivista do século XIX e que se transformaram ao longo do século seguinte. Entretanto, desde meados do século XVIII já existiam trabalhos dedicados a de-scrição e a catalogação de fontes do campo da música. No Brasil, a pesquisa documental tem sua origem nos trabalhos de Curt Lange que formou uma importante coleção de manuscritos musicais das cidades mineiras produzidos nos séculos XVIII e XIX. Vale res-saltar que a pesquisa acaba por proporcionar a aproximação entre patrimônio musical e a Arquivologia. Teoria e técnicas arquivísticas se consolidam reafirmando a necessidade de organização de docu-mentos musicais (COTTA; BLANCO, 2006, p. 9).

Para a compreensão total do conceito de documento, é preciso entender o conceito da ar-quivística, que é o ciclo de vida dos documentos. Como um ser vivo, os documentos têm um período vital, desde seu surgimento até seu desaparecimento. Num passado recente, as ativi-dades musicais encontravam-se vivas, em andamento, e as partituras estavam em pleno uso funcional constante e, portanto, mantidas próximas aos seus intérpretes músicos. Atualmente e temporariamente, os documentos não têm mais uso funcional, mas precisam ser mantidos e preservados devido aos vários aspectos ligados às atividades praticadas no passado.

Mesmo que a prática musical tenha se encerrado, é fundamental que se arquive e armazene o material para futura pesquisa. Uma nova partitura editada de uma antiga recria a memória musical, reavivando-a.

É preciso que se tenha atenção no tratamento técnico dado aos manuscritos musicais, não os olhando somente como peças musicais, mas como documentos musicais. Tal prática pode causar equívocos e fazer com que se percam informações valiosas para a pesquisa. Esse olhar pode enriquecer o entendimento e contexto da peça, levando em conta as informações par-ticulares e específicas do universo musical sobre o autor, o copista, o proprietário da peça, datação e aspectos morfológicos musicais.

Sobre esse posicionamento, afirma Biason: “As informações recolhidas nos documentos mu-sicais servem para alargar nosso entendimento sobre as práticas musicais, tirando o acervo da condição de simples ‘ajuntamento’ de papéis e sua catalogação focada somente nos aspectos musicais” (BIASON, 2008, p. 25).

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Maio de 2008Domingos Sávio Lins Brandão, Ludmila Ribeiro da Costa,

Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos

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Descrição da catalogação do acervo

Existem regras específicas para a construção de um catálogo musical tais como as Rules for Cataloguing Music Manuscripts (GOLLNER, 1975) e as normas do RISM (Répertoire Inter-national des Sources Musicales, 1996). São exigidas informações mínimas de descrição como: nome do autor, título uniforme e forma musical, título próprio, manuscrito autógrafo ou impresso, tipo do documento, incipit musical, nome da biblioteca ou arquivo, cidade e país/ assinatura. As peças foram catalogadas segundo as normas citadas acima, tendo também como base outros catálogos publicados como, por exemplo, os do Acervo Maestro Balthasar de Frei-tas (Instituto Centro-Brasileiro de Cultura de Goiânia-GO), de A Música Sacra em Viçosa (Centro de Documentação Musical de Viçosa-MG), do Acervo de Manuscritos Musicais da Coleção Curt Lange (Setor de Música do Museu da Inconfidência de Ouro Preto-MG), e do Acervo do Maestro Vespasiano Gregório dos Santos (Centro de Pesquisa da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte-MG).

Com a análise inicial do Acervo Maestro Chico Aniceto e a divisão de suas peças em sacras e não sacras, procurou-se reunir os conjuntos correspondentes a um mesmo grupo, dando organicidade e praticidade de consulta. Essa divisão ocorreu num primeiro instante e acabou tornando-se definitiva. Dentro dessa classificação, houve ainda uma posterior subdivisão ba-seada em gêneros musicais. As peças foram agrupadas em envelopes que por sua vez compõem uma pasta. Cada pasta contém uma identificação com três letras do gênero que representa e o número correspondente à sua ordem. Exemplo: MIS-01 (Peça Sacra; Missa; pasta 01). Assim, os gêneros encontrados foram dispostos em pastas na seguinte ordem:

Música Não-Sacra: Dobrado 01-07, Marcha 01-02, Valsa 01-02, Dança 01-02, Fantasia 01, Passo-Doppio 01, Ópera/Sinfonia/Concerto 01, Piano 01, Cânticos/Canção 01, Hino 01 e Variadas 01.

Música Sacra: Missa 01-05, Domine 01-02, Semana Santa 01-02, Ladainha 01, Domingo de Ramos 01, Ó Salutaris/Tantum Ergo 01, Credo 01, Moteto 01, Responsório Fúnebre 01, Maria 01, Te Deum 01, Vários 01 e Raros 01.

O número total é de 690 peças, sendo 501 peças não sacras e 189 sacras. Todas as informações coletadas foram registradas em um banco de dados digital, sendo o mesmo fundamental para a compreensão e utilização do acervo físico. Abaixo uma reprodução de dois exemplos de peças já catalogadas, gênero não sacro (Dobrado) e sacro (Missa):

Pasta Envelope GêneroTítulo

daobra

Compositor Copis-ta

Data presente na

obraInstrumen-

taçãoObs

DOB-01 01 Dobrado Abolicionista Não consta Não consta

Não consta Req, pist I e II, sax Bb

MIS-01 514 MissaMissa do Pe. João de Deus (Kyrie; Fuga; Glória; Laudamus; Domine; Sanctus)

Pe. João de Deus

Não consta

11/1893, Pedra do Antares

20/01/1900

TB, vl I, vla, fl II, cl III

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MODUSDESCRIÇÃO DO PROCESSO DECATALOGAÇÃO DO ACERVO CHICO ANICETO

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Vale ressaltar que há divergências quanto à abreviação referente à instrumentação. Por ex-emplo, para o instrumento “trompa” observam-se abreviaturas diferentes em três catálogos. No catálogo do Acervo de Manuscritos Musicais do Museu da Inconfidência usa-se “cor”. No catálogo do Centro de Documentação de Viçosa usa-se “Tpa”. No catálogo do Acervo do Maestro Balthasar de Freitas adota-se “Tp”. Para o instrumento “trombone”, usa-se nos mesmos três catálogos a abreviatura “Tbn”.

Posto isso, utilizou-se na catalogação do Acervo Maestro Chico Aniceto a abreviação mais condizente com as peculiaridades da instrumentação das obras. Exemplo disso são alguns ins-trumentos de percussão como o “prato” (prt), que não aparece nos catálogos citados, porém é encontrado no Acervo Chico Aniceto.

No entanto, para a catalogação do Acervo Maestro Chico Aniceto, foi levado em conta o princípio de respeito aos fundos ou princípio de proveniência, tornando único o seu proces-so de catalogação. Baseado no entendimento de Cotta e Blanco (2006), o princípio de respeito aos fundos é o que diferencia um tratamento arquivístico musical para um tratamento biblio-gráfico. Com o trabalho bibliográfico, as técnicas de tratamento podem se basear em critérios aleatórios como ordem alfabética, cronológica, temática, sem a preocupação da proveniência, o contexto e o processo de acumulação do material documental. Isso ocorre de maneira dife-rente no tratamento arquivístico musical, que privilegia as técnicas mencionadas e a descrição cuidadosa das fontes trabalhadas, tendo como fundamento o princípio de respeito aos fundos. Como descreveu Cotta no I Colóquio Brasileiro de Arquivologia e Edição Musical:

o trabalho de descrição consiste na elaboração de uma represen-tação cuidadosa das unidades documentais de um acervo, por meio da extração, análise e organização de toda informação que sirva identificá-las, assim como para identificar o acervo como um todo, explicitando o seu conteúdo e o contexto em que foi produzido/acumulado. É o processo de registrar os diversos elementos informa-cionais que permitirão um controle eficiente dos documentos que constituem o acervo e, ao mesmo tempo, a sua plena acessibilidade e o intercâmbio de informação sobre eles. Permitirão também ao pesquisador um conhecimento prévio das fontes de modo que possa localizar com precisão documento necessário antes mesmo de visitar pessoalmente o arquivo (COTTA, 2004, p. 112).

Não podemos deixar de citar que o Acervo Chico Aniceto além de peças musicais, contém uma pasta de documentos, cartas, textos pessoais da família, do próprio maestro e outra com métodos para instrumentos, textos e exercícios de teoria musical. Muitos documentos, apesar de não serem referentes à música, são registros de uma história de vida e estão ligados à for-mação do acervo.

Considerações finais

Além do trabalho metodológico desenvolvido, o procedimento de catalogação permite a visu-alização do perfil do Acervo Chico Aniceto: número de peças, tipo de repertório, composi-

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Maio de 2008 Domingos Sávio Lins Brandão, Ludmila Ribeiro da Costa,Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos

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tores, abrangência dos períodos musicais, relação de copistas e editoras, relação das cidades envolvidas no fazer musical etc. Isso permite o reconhecimento do acervo como um meio importante de conhecimento, e toda essa perspectiva dá margem a novas pesquisas e reflexões, além de enriquecer e viabilizar diferentes e futuros estudos tanto musicológicos como históri-cos, culturais, sociológicos etc.

Por vezes a visão que se tem sobre um acervo é de sua importância material e documental como algo estático, definido, acabado. São contabilizadas as peças, analisadas suas condições físicas, criando-se valores apenas qualitativos e quantitativos do conjunto. No entanto, com o decorrer das análises, foi percebido que o aspecto humano inerente ao Acervo Chico Aniceto transparecia e evidenciava o significado do seu conteúdo. É extremamente trabalhoso iniciar um processo de catalogação musical sem que se leve em conta as relações sociais que foram responsáveis pela formação de um acervo.

Nesse sentido, vê-se que o maestro Chico Aniceto agregou grande número e diversidade de partituras e obras por influência de sua família e também por sua desenvoltura social. Muitos desses dados são confirmados pelos indícios constatados através da construção do banco de dados digital, trazendo a possibilidade de compreensão da formação desse acervo dentro de sua importância social, histórica, cultural e musicológica. Seria então um processo de análise parcial e incompleta dentro de um acervo, se não fosse percebida a relevância desses fatores socioculturais.

O trabalho musicológico, quando bem realizado, apresenta-se comprometido com as múlti-plas facetas que a pesquisa gera. Sendo assim, concluiu-se que para futuras edições de obras, é necessário o entendimento por completo de um acervo como um pré-requisito obrigatório e que fundamentará o restante do trabalho.

A conclusão da catalogação alcançou o objetivo de tornar a consulta ao Acervo Chico Aniceto acessível aos estudiosos e demais interessados. Isso devido a sua importância patrimonial e cultural, já que sua divulgação poderá vir a preencher as lacunas ainda presentes na história do passado musical brasileiro e especialmente mineiro. Dessa maneira, o Acervo Chico Aniceto revela-se como uma oportunidade muito especial para a realização de reflexões sobre os pro-cedimentos envolvidos na atividade de catalogação e de outros tópicos relativos ao tratamento de acervos musicais e documentais, bem como a democratização de informações. Afinal, man-ter, organizar e disponibilizar um arquivo musical de inestimável valor é um “desafio que se traduz em conciliar ações que preservam a história com a tecnologia que antecipa o futuro” (CARVALHO; VASCONCELOS, 2007).

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MODUSDESCRIÇÃO DO PROCESSO DECATALOGAÇÃO DO ACERVO CHICO ANICETO

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Description of Chico Aniceto Music Collection cataloging process

AbstractFrancisco Aniceto (1886-1972), musician and maestro from Piranga (MG), was responsible throughout his life, for the possession and maintenance of a substancial collection of musical documents. This article describes the process of organization and the methods used to catalog those docu-ments. Chico Aniceto Music Collection cataloging process showed itself as an opportunity to relate its development un-der the parameters and perspectives of Brazilian Musicology. This research presents the historical and musical significance of that music collection.

Keywords: Musicology; Chico Aniceto; music collection; catalog; music in Minas Gerais.

Domingos Sávio Lins Brandão, Ludmila Ribeiro da Costa,Yan Frederico Kononov de Latinoff Vasconcellos

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ENTRE A SONORIDADE E O SENTIDO: A FALATEATRAL NOS ENCENADORES DO SÉCULO XX

Cristiano Peixoto Gonçalves

Mestrando em Teatro pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); graduado em Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Música pela UEMG. Diretor da montagem de formatura do Curso Técnico de Formação de Atores do

CEFAR e professor de Expressão Vocal para atores da mesma instituição.

[email protected]

ResumoEste trabalho visa contribuir para a compreensão das pos-sibilidades da fala teatral no Teatro Contemporâneo através do estudo da utilização da voz e da palavra pelos encenadores do século XX: Constantin Stanislavski, Jerzy Grotowski e Peter Brook. O foco investigativo consiste em comparar e analisar como se processa a relação entre o sentido e a so-noridade das palavras no trabalho desses encenadores e o tipo de musicalidade que resulta dessa relação.

Palavras-Chave: Voz; fala; palavra cênica; musicalidade da

fala; palavra e teatro.

1 A fala teatral: entre a sonoridade e o sentido

A fala teatral pronunciada em cena possui algumas peculiaridades que a diferencia do texto teatral, que está circunscrito no terreno da literatura. Tanto do ponto de vista sonoro quanto do ponto de vista semântico, a fala do ator é ação e provoca uma transformação em quem fala e em quem ouve. A palavra em cena ganha novos níveis de discurso, estabelecendo, voluntari-amente ou não, um dialogo com o público, a encenação e a própria tradição teatral. A fala cênica pode ter como objetivo a condução da fábula, a materialização do subtexto do autor (assim como do ator e diretor), a ativação de potencialidades vocais presentes no corpo do ator, dentre outros tantos objetivos.

Ao observar a fala teatral principalmente em encenadores como Stanislavski, Jerzy Grotowski e Peter Brook, é possível perceber as diversas possibilidades de utilização da fala cênica advin-das da articulação entre “o sentido das palavras” (o que se diz) e sua “sonoridade” (como se diz). Essas duas instâncias da palavra, sua sonoridade e seu sentido, podem ser consideradas como linhas de discurso da fala teatral, já que carregam consigo a possibilidade de criar leitu-ras autônomas para o espectador.

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Para abordar a diferença entre linguagem verbal e música, SCHAFER (1991, p. 240) cons-trói um esquema onde aparecem duas setas apontando para sentidos opostos: de um lado o máximo significado e de outro o máximo som.

Máximo significado <----------------------------------------------------------------> Máximo som

A voz do ator é um elemento artístico e como tal possui funções e características diversas da fala utilizada no cotidiano. Como parte constituinte da representação, ela ocupa um espaço entre a materialidade das vibrações (máximo som) e o discurso semântico (máximo signifi-cado) da fala.

Esse esquema é muito útil como ponto de partida para a compreensão das diversas aborda-gens da utilização da fala pelos encenadores, porém possui fragilidades se pensado como um esquema fechado em si mesmo. O primeiro risco é o estabelecimento de uma relação di-cotômica entre sentido e sonoridade, que não ocorre nos encenadores estudados. Stanislavski, Grotowski e Brook privilegiam as duas vertentes, mas, para a abordagem da voz e da fala, partem de pontos distintos dentro do esquema citado. Outro risco é considerar a vocalização ou a música (para o qual esse esquema foi criado) como ausente de sentido. Isso não é ver-dade: a sonoridade possui um sentido em si que se aproxima mais de um sentido musical que de um sentido racional. Em outras palavras, a sonoridade organizada também é passível de transmitir um discurso.

Tendo em vista que ambos os elementos característicos da fala são linhas de discurso e que a sonoridade das palavras contém em si a possibilidade de significação, depreende-se que essas linhas ou vozes podem estabelecer entre si uma relação dialógica. Essa relação pode explicitar ou não a autonomia das instâncias discursivas através de uma estratégia em que essas vozes se apresentaram em uníssono (como se estivessem fundidas em um discurso apenas) ou como linhas independentes que se relacionam através de uma polifonia de discursos. A possibilidade polifônica do uso da fala cria em si um significado e pode ser utilizada como uma possibili-dade de interpretação. Monofonia e polifonia seriam, assim, estratégias para a produção de significados através da fala – ao explicitar ou mascarar uma das vozes, o ator está revelando ou não uma relação dialógica intrínseca, entre o sentido das palavras e suas construções sonoras possíveis.

Barros, investigando a polifonia em Bakhtin comenta:

os textos são dialógicos porque resultam do embate de muitas vozes sociais; podem, no entanto, produzir efeitos de polifonia, quando essas vozes ou algumas delas deixam-se escutar, ou de monofonia, quando o diálogo é mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir (BARROS, 1999, p. 6).

Barros fala de um dialogismo presente não somente nos texto de Dostoievski, mas em toda organização linguística, em todo signo em que, segundo Bakhtin, se desenvolve a luta entre as linhas de discurso. Como a polifonia é uma condição da língua, pode-se depreender que

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ENTRE A SONORIDADE E O SENTIDO: A FALATEATRAL NOS ENCENADORES DO SÉCULO XX

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também a fala teatral é dialógica já que se localiza entre o sentido e a sonoridade.

2 Constantin Stanislavski e Jerzy Grotowski

Esses encenadores teatrais do século XX abordaram o trabalho sobre a palavra e a voz em con-sonância com suas propostas técnicas, estéticas e éticas. É interessante notar que todos esses encenadores consideram a fala como uma relação dialógica em que o sentido e a sonoridade são discursos simultâneos quando buscam procedimentos pedagógicos. No entanto, no trato final com a cena, assumem estratégias ora monofônicas, ora polifônicas para a fala.

Tendo como ponto de partida os significados explícitos e ocultos no texto do autor como apregoa Stanislavski, ou partindo das possibilidades vocais contidas nos ressonadores corpo-rais como afirma Grotowski, a produção de sentido se dá através da sutil e tensa relação entre os signos linguísticos reconhecíveis e o desenho melódico-rítmico da voz.

Para Stanislavski, a transmissão das intenções que emergem do texto do autor é uma das características da ação verbal. Portanto, ele inicialmente se dirige ao significado presente no texto (e por trás do texto) para depois se direcionar à sonoridade das frases. Uma vez captado o sentido do texto e construído o subtexto do ator, o texto é então trabalhado em suas caracterís-ticas sonoras: seu desenho melódico e suas variações rítmicas e de intensidade serão profunda-mente trabalhadas com o intuito de servir e tornar vivo o texto do autor. Para esse diretor, a própria transmissão do pensamento contido nas entrelinhas do texto é ação, “se dirigido” ao parceiro de cena e “se justificado” pelas ações e reações do personagem.

Em Grotowski, a transição da lógica discursiva para a lógica sonora cria “[...] efeito de signi-ficação derivado da entonação em lugar dos significados mais controlados produzidos pelo discursivo” (DAVINI, 2007, p. 71.). Davini afirma, no entanto, que tal prática não retira a palavra do domínio da lógica linguística, da esfera do discurso. Dessa forma, pode-se aferir que tanto a palavra como a voz se manifestam na vocalização como um processo de produção de sentido.

Grotowski explicita a relação dialógica entre som e sentido na fala ao valorizar a potenciali-dade sonora através do estudo dos ressonadores corporais. O encenador polonês trabalha por meio da colisão do texto do autor (detentor da linguagem verbal) e a ação vocal do ator, que não se relaciona com o tema do texto, mas com as imagens e associações do atuante. A relação dessas duas instâncias é polifônica.

A relação, o objetivo e o modus operandi em Grotowski são completamente distintos daqueles de Stanislavski. O diretor polonês praticamente trilha o caminho contrário ao de Stanislavski, não só partindo da sonoridade, mas mergulhando nela a ponto de considerá-la porta-voz da construção de sentidos para o espectador.

Stanislavski e Grotowski utilizam terminologias similares para conceituar suas ideias no cam-po da fala teatral. Para Stanislavski, a utilização da fala em situação de representação é definida como “ação verbal”. Grotowski, por sua vez, prefere o termo “ação vocal” para definir o uso da

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voz em cena. As diferenças e semelhanças na utilização das duas terminologias revelam muito sobre os procedimentos, conceitos e princípios por trás da abordagem dos dois encenadores. Ambos acreditam que a palavra em cena é ação, capaz de agir e causar uma transformação em si e no receptor, seja este o parceiro de cena ou o espectador. Grotowski afirma que:

a voz é uma extensão do corpo, do mesmo modo que os olhos, as orelhas, as mãos: é um órgão de nós mesmos que nos estende em direção ao exterior e, no fundo, é uma espécie de órgão material que pode até mesmo tocar (GROTOWSKI, 2001, p. 159).

Grotowski, ao definir a voz como uma “força material”, revela a propriedade tátil da palavra, capaz de tocar o espectador pela sua materialidade sonora.

Tanto Stanislavski como Grotowski incluíram em suas pesquisas os veículos de expressão da fala citados no início deste texto: o significado (o sentido do texto) e a sonoridade. Porém, parece que os pontos de partida e seus objetivos foram diferentes. Stanislavski parte do sig-nificado, materializado no texto do autor, e a partir dele busca a construção sonora da frase. Grotowski parte da voz como potencialidade sonora, quase fisiológica, que será confrontada com o texto. O significado será construído a partir da encenação em um processo cuja monta-gem é realizada na mente do espectador: uma série de fragmentos de um ou mais atores que, justapostos e lapidados, criam, junto ao texto, um sentido de totalidade ou de uma história linear para o espectador. Para Stanislavski, a construção e desenho melódico e sonoro da fala devem ajudar na transmissão do subtexto do autor. Assim, Stanislavski assume uma estratégia monofônica na abordagem do texto: mesmo aceitando e trabalhando sobre as características sonoras da fala, estas exercem a função de acompanhamento - reforçando os sentidos implíci-tos no texto.

Vislumbra-se então o trabalho de Stanislavski como uma tentativa de realçar uma “musicali-dade da fala” através da analise da ação, da compreensão do subtexto do autor e da utiliza-ção dos matizes sonoros da voz para reforçar as intenções e movimentos que o texto sugere. Grotowski, por outro lado, busca criar uma “musicalidade na fala” através do contraponto que tem, por um lado, o texto e, por outro, a vocalidade, que nasce e têm como referência tanto as ações, associações e memórias do ator quanto a aceitação do corpo como potencialidade orgânica.

3 Peter Brook

A partir das considerações feitas sobre os encenadores supracitados e sobre a relação entre sen-tido e sonoridade como veículos de expressão da fala no teatro, pode-se compreender melhor a abordagem de Peter Brook, que através da sonoridade intrínseca da palavra irá buscar seu significado.

Peter Brook, encenador inglês com influência Shakespeareana, é tido como um dos reforma-dores do teatro do século XX. Sua pesquisa se norteia pela Comunicação Direta: a comuni-cação como experiência em oposição à informação. Outro importante elemento da pesquisa

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de Brook é o que ele chama de “instante habitado”. O evento teatral só ocorre no presente e sua força está, precisamente, em seu caráter efêmero: o teatro só existe quando acontece. Brook acredita que a “[...] única coisa que distingue o teatro de todas as outras artes é que ele não tem nenhuma ‘permanência’” (BROOK, 1970, p. 137).

Para Brook, uma palavra não nasce como um sinal escrito, codificado. “[...] é o produto final iniciado com um impulso, estimulado por atitude e comportamento, por sua vez ditados pela necessidade de expressão” (BROOK, 1970, p. 5). Dessa forma, a palavra é a ponta visível e legível de um conjunto muito maior e invisível que é a representação dramática. Sob essa perspectiva, o espetáculo teatral encontra-se latente no texto, no seu significado, no ritmo de suas palavras, na melodia das frases.

Para o encenador o teatro é “[...] um meio de comunicação muito mais potente do que qualquer padrão social” (BROOK, 1995, p. 180). Devido a isso, ele dedicou grande parte de sua pesquisa à comunicação através do teatro.

Começamos com a comunicação direta através de sinais, que logo se estendeu dos signos da conversação aos signos poéticos, penetrando em seguida naquela estranha zona onde aquilo que, para alguém que ouve, é uma vibração sonora, para uma pessoa surda é um movimento vibrátil. Ambos se tornaram o mesmo e único canal de expressão (BROOK,1995, p. 180-181).

A “comunicação direta” é a possibilidade de estabelecer uma relação mais profunda, na me-dida em que a mensagem é captada por canais sensoriais mais sutis que o entendimento cere-bral. Através de seu teatro, Brook busca criar momento de experiência compartilhada entre os atores e a plateia, que intensifica a experiência teatral. O teatro é um ponto de encontro e o espetáculo “[...] uma expressão da essência desse encontro” (BROOK, 1995, p. 181).

A pesquisa sobre a “comunicação direta” e as possibilidades de expressão do ator levaram Brook e toda sua companhia a empreenderem uma excursão de três meses e meio à África, vivendo em acampamentos improvisados e atuando para os africanos.

Com essa empreitada, Brook objetivava “[...] obter um novo entendimento sobre o que é o teatro e sobre o que ele poderia ser”(CROYDEN, 2003, p. 109, tradução do autor). Na ocasião, Brook questionava-se sobre as possibilidades de comunicação entre o mundo dos atores e o dos africanos em suas tribos, que não dividem entre si códigos de comunicação nem signos linguísticos. Para improvisar entre os africanos, Brook desenvolveu o que ele chamou de “carpet theater”, isto é, um tapete colocado sobre o chão que limitava e definia a relação: dentro do tapete é teatro e fora do tapete é público.

Através desse tipo de experiências, Brook começa a desenvolver bases importantes de seu modo de pensar o teatro e a fala. Descobre que certos gestos, formas, posições, ações e sons possuíam um conteúdo imagético e simbólico capaz de afetar, de forma igual, culturas bem distintas como a europeia e a africana. Brook relata uma experiência em que seu grupo tra-

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balhava com sons vocais diante de uma plateia de africanos e que, na ocasião, houve um momento de grande entendimento entre atores e público, causando uma comunicação ins-tantânea. Os atores do Centre International de Recherche Théâtral (CIRT) concluíram então que certos sons que o corpo produz correspondem a uma emoção determinada. Esse som vocal não foi um som falado de maneira inteligível através de uma língua específica, mas um som emocional, carregado de significado. Nas palavras de Brook:

o mais comovente que descobrimos foi que a relação mais direta que estabelecemos em África foi através de certos sons, ou certos movi-mentos que seriam chamados abstratos, mas um tipo de som vocal articulado de maneira especial. Isto constituiu o final de uma longa busca de uma relação entre a respiração e a produção de um som que correspondesse exatamente com um som que faz uma tribo africana (CROYDEN, 2005, p. 121, tradução do autor).

Através do carpet theater, Brook também descobriu que “[...] contar histórias, em qualquer de suas manifestações, é o meio de contato mais poderoso que existe” (CROYDEN, 2005, p. 197). Dessa forma, para atingir um interesse comum, compartilhado por atores e plateia, a história é o meio mais poderoso. Através de certos ritmos e danças, exploração de sons e modos de comportar-se e de colocar-se no espaço, o ator desenvolve o instrumental necessário para criar uma história compartilhada com o público.

Essa possibilidade de se estabelecer uma relação de comunicação entre atores e público a despeito de códigos básicos de comunicação em comum, como a língua ou qualquer outra forte referência da cultura ocidental, se mostrou para Brook como uma possibilidade potente de investigação teatral. A “comunicação direta” é o termo utilizado pelo diretor para nomear a tentativa de se estabelecer uma experiência de comunicação entre atores e público. Para Brook, a forma mais potente para que a “comunicação direta” se estabeleça são as narrações de histórias, personificadas na figura do griot africano ou contador de histórias. Para Brook, existem muitas formas de narrar. “Quando um narrador conecta com um público, intenta com tudo aquilo que dispõe para elevar este público até um mundo imaginário, sem que ele mesmo desapareça” (CROYDEN, 2005, p. 240).

O ator de Brook é um narrador e, por isso, não necessita desaparecer diante do público, se anular por detrás do personagem. O diretor acredita que o que mantém um interesse vivo na história que está sendo contada é o fato de que o público se vê, sem subterfúgios, na pessoa que conta a história e, assim, pode estabelecer uma relação de cumplicidade com ela.

De fato a comunicação engloba elementos bem mais amplos que a lógica de ideias contidas no discurso. A oralidade, por exemplo, é um suporte importe de comunicação em diversas sociedades. Constitui uma base de elaboração e transmissão do conhecimento tradicional. A voz, nas comunidades tradicionais, é um importante recurso da oralidade, porém se articula de maneira mais ampla, incluindo “[...] modos de emissão sonora, o uso de recursos expres-sivos do corpo e a interação com o ambiente social” (PEREIRA, 2007, p. 107). A oralidade se relaciona com o sujeito social que possui o corpo e a voz impregnados da história de sua

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comunidade e, através de ambos, narra as histórias de seu povo.

Nesse sentido, depreende-se que a oralidade não se limita às impressões desencadeadas pela voz, mas evoca também a expressividade e capacidade de comunicação do corpo. Os gestos e movimentos que acompanham a fala auxiliam a articulação da oralidade, são um suporte de comunicação. O enunciado então se torna um sistema complexo de vozes simultâneas que englobam desde o discurso propriamente dito até os elementos resultantes de significações culturais. O caráter polifônico da oralidade se relaciona com todos os elementos gestuais, espaciais e simbólicos ligados à presença1 do emissor.

A oralidade implica, portanto, uma relação de presença, que aproxi-ma o falante de sua platéia e vice-versa. Os conteúdos são dispostos para a platéia mediante o emprego dos recursos materiais da voz e do corpo, bem como do local onde se desenvolve a cena comunicativa (PEREIRA, 2007, p. 108)

Brook intenciona forjar um ator-narrador que seja capaz de transmitir, compartilhar uma ex-periência não só através da articulação verbal de seu discurso, mas da combinação do discurso com a presença do ator. Para Brook, o narrador é uma testemunha da história que conta e, como tal, não está completamente fora, mas também não está totalmente envolvido.

4 Os encenadores teatrais e a ideia de musicalidade

Vislumbra-se então o trabalho de Stanislavski como uma tentativa de realçar uma “musi-calidade para a fala” através da analise da ação, da compreensão do subtexto do autor e da utilização dos matizes sonoros da voz para reforçar as intenções e movimentos que o texto sugere. Grotowski, por outro lado, busca criar uma “musicalidade na fala” pelo contraponto que tem, por um lado, o texto e, por outro, a vocalidade, que nasce e têm como referência tanto as ações, associações e memórias do ator quanto a aceitação do corpo como potenciali-dade orgânica. Para Grotowski, vocalidade e texto são entidades autônomas, estruturas inde-pendentes e juntas criam um terceiro significado através do ajuste do texto com a partitura física e vocal do ator. Peter Brook assinala que o desenho melódico da fala, da palavra, pode conter em si a semente de seu significado. Dessa forma, sugere que o próprio texto, pela sua articulação prosódica, indica a forma como deve ser dito. A busca de Brook se aproxima da busca por uma “musicalidade da fala”, já que, para ele, as palavras contêm em si a semente de seu significado.

1 Para Pavis, a presença é algo que provoca a imediata identificação do espectador, “[...] dando-lhe a impressão de viver em outro lugar, num eterno presente. [...] A presença estaria ligada a uma comunicação corporal ‘direta’ com o ator que esta sendo objeto de percepção” (PAVIS, 1999, p. 305)

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ENTRE A SONORIDADE E O SENTIDO: A FALATEATRAL NOS ENCENADORES DO SÉCULO XX

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The voice and the word in directors of century XX

AbstractThis work aims to contribute to the understanding of the possibilities of theatrical speech in the Contemporary Thea-ter through the study of the use of voice and word of the director of the twentieth century: Constantin Stanislavski, Jerzy Grotowski, Peter Brook . The investigative focus of this article consists in compare as if of the relation between sense and the words sonority in the work of these directors and the kind of musicality that results of this relation.

Keywords: Voice; talks; ccenic word; speech musicality; word and theater.

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Cristiano Peixoto Gonçalves

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EXPEDITO VIANNA: UM FLAUTISTAÀ FRENTE DE SEU TEMPO

Fernando Pacífico Homem

Mestre em Performance Musical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); foi bolsista pela Fundação VITAE para estudos de aperfeiçoamento no Staatliche Hochschule für Musik Karlsuhe, Alemanha, como aluno convidado. Professor do curso de Bacharelado da Es-cola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e flautista da Orquestra

Filarmônica de Minas Gerais.

[email protected]

ResumoExpedito Vianna foi um flautista e professor com expressiva atuação em Belo Horizonte (MG) e Salvador (BA) entre as décadas de 60 a 80 do século XX. Através de um trabalho de pesquisa pioneiro no Brasil, propôs metodologias até então inéditas para o estudo da flauta transversal. Técnicas de uti-lização de fonemas, deslocamento rítmico e transposição fo-ram inéditos no Brasil não somente em seu tempo, mas con-tinuam a fornecer ainda hoje importantes ferramentas para seus ex-alunos em atividade profissional. Expedito Vianna esteve à frente de seu tempo e dos colegas brasileiros de sua geração. Suas ideias continuam atuais. Ainda hoje diversos flautistas e professores ao redor do mundo vêm utilizando práticas pedagógicas e técnicas semelhantes.

Palavras-Chave: Flauta; Expedito Vianna; sonoridade; mecanismo e pedagogia.

Introdução

Expedito Vianna, nascido em 1928, natural de Visconde do Rio Branco (MG), foi flautista, cantor e professor. Responsável pela formação de vários flautistas no Brasil, tornou-se conhe-cido pela bela e inconfundível sonoridade obtida na flauta através de seu trabalho de pesquisa. Vianna veio de uma tradicional família de músicos. Iniciou seus estudos no flautim aos sete anos de idade, em sua cidade natal, com o irmão Sebastião Vianna. Transferindo-se para Belo Horizonte (MG), ingressou na Orquestra Sinfônica da Polícia Militar em 1954.

Em 1958, foi estudar em Salvador (BA), nos Seminários Livres de Música, idealizados por Hans Joaquim Kollreutter. Ali cursou flauta com Armin Guttman, canto com Hilde Sinnek e matérias teóricas com Kollreuter. Retornando a Belo Horizonte, iniciou o curso de bachare-lado em flauta transversal no antigo Conservatório, hoje Escola de Música da Universidade

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Federal de Minas Gerias (UFMG), vindo a concluí-lo em 1964, na classe do professor Fausto Assumpção. Ainda em 1964, Expedito Vianna voltou aos Seminários Livres de Música da Bahia, desta vez como professor e flautista da orquestra por um ano. De volta a Belo Hori-zonte, assumiu o cargo de professor da Escola de Música da UFMG, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1992, tendo ainda atuado, de 1981 a 1988, como primeiro flautista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG).

Após pesquisar a vida e a obra de Expedito Vianna levantamos suas quatro principais propos-tas pedagógicas para o ensino e o estudo da flauta transversal:

- A alteração dos timbres através da utilização das vogais;- A aplicação dos exercícios de Marcel Moyse1 no estudo de trechos difíceis do repertório;- A utilização do reagrupamento de notas para o estudo de dificuldades técnicas;- O estudo de tonalidades baseado na transposição de melodias fáceis.

Como demonstramos neste estudo, tais propostas revelaram-se importantes técnicas utiliza-das por seus ex-alunos e outros flautistas da atualidade.

Nosso objetivo é resgatar e validar o trabalho desenvolvido por Vianna através da comparação com autores recentes que vêm trilhando o mesmo caminho. Através de experimentos e da análise comparativa das técnicas supra mencionadas, procuramos demonstrar que Vianna propôs uma pedagogia que enfocava aspectos até então não utilizados por flautistas brasileiros.

Neste trabalho, por questão de espaço, optamos por abordar apenas a técnica de alteração do timbre na flauta transversal através do uso das vogais. As demais propostas poderão ser detal-hadas em publicações posteriores.

A alteração do timbre na flauta transversal através da utilização das vogais

Em suas pesquisas, Expedito Vianna utilizou empiricamente as modificações na cavidade oral, lábios, língua e garganta produzidas pela mudança das vogais para variação de timbres no som da flauta. A prática da utilização de fonemas nos instrumentos de sopro relacionada à articulação é bastante antiga. Já em 1752, na primeira edição de seu tratado sobre como se tocar a flauta transversa, Quantz (2001) já discorria sobre o tema, sugerindo combinações de fonemas para se obter diferentes tipos de articulações.

O flautista e professor brasileiro d’Avila (2000) aborda detalhadamente o uso dos fonemas e sílabas como meios para obter diferentes formas de articular os sons. Sua obra “A articulação na flauta transversal moderna” (2000) reúne importante coletânea de autores antigos e moder-nos discorrendo sobre o tema articulação. São abordagens bem distintas. Vianna propõe a utilização da ressonância das vogais direcionadas à sonoridade. Os resultados obtidos através dessa técnica mostram-se extremamente úteis quando utilizados pelo flautista como recurso

1 Marcel Moyse (1889-1984) - Flautista e professor francês, autor de vários estudos e exercícios para o instrumento. Foi fundador da Mal-boro Music School nos Estados Unidos. Seu estilo francês de tocar influenciou toda a atual geração de flautistas.

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expressivo, possibilitando alterações de dinâmica e mudança de timbres.

Todo som musical contém uma frequência fundamental e parciais harmônicos. As frequências destes parciais harmônicos são múltiplas da fundamental. Esse é um fenômeno bastante simples de se compreender. Quando, por exemplo, pinçamos uma corda de um violão, ela vibra simul-taneamente em sua extensão total e em subdivisões regulares, também chamadas de modos de vibração. Essas subdivisões vibram com mais velocidade, produzindo frequências mais altas do que a vibração fundamental, gerando sons mais agudos que chamamos de harmônicos.

No campo da percepção auditiva, o ouvido humano geralmente responde à presença desses harmônicos detectando apenas um som: a fundamental. Esse fenômeno é hoje facilmente de-tectado e estudado através da análise espectrográfica que produz uma espécie de “fotografia” do som. Essa “fotografia” é a representação gráfica do conjunto e da intensidade das frequências fundamentais, harmônicos e ruídos presentes. Ela inclui todos os elementos que juntos formam a impressão de um determinado som. Cada instrumento ou voz possui sua composição especí-fica de harmônicos e ruídos que são fatores determinantes na definição do timbre.

Foi o cientista alemão Hermann von Helmholtz (1954) que, em torno de 1860, revolucionou o conhecimento sonoro ao sistematizar a relação entre o timbre de um determinando som e os elementos espectrais que o compõe. Um som mais claro ou estridente revelaria mais fortes os parciais mais altos, ao passo que o mais escuro revelaria tais parciais muito mais fracos ou quase ausentes.

A pesquisa de Vianna sobre sonoridade na flauta transversal foi intimamente relacionada ao canto e à manipulação dos harmônicos. Como excelente tenor, Vianna detectou alterações provocadas pela mudança das vogais nos harmônicos presentes na voz. Relacionando com o som da flauta, Vianna observou que a mudança no formato da cavidade oral, provocada pela alternância entre as vogais, provocava também mudanças no timbre de um mesmo som do instrumento. Nesse caso, as vogais não são pronunciadas concomitantemente com a produção do som na flauta. Apenas a forma da cavidade oral, alterações nos lábios, garganta e língua originadas por determinada vogal são conservadas ao se soprar. Variações sutis no timbre e intensidade de uma mesma nota aparecem com o uso dessa técnica. Tais variações constituem importantes ferramentas de interpretação para os flautistas, considerando a limitada capaci-dade de variações de dinâmica na flauta quando comparada a outros instrumentos. Como na época não dispunha de aparato científico para a análise dos resultados obtidos, Vianna baseou-se apenas em sua aguçada percepção auditiva.

Indagado sobre o que motivou suas pesquisas, Vianna relatou que ouvindo o tenor Beni-amino Gigli2, identificou harmônicos na voz que coincidiam com a pronúncia de determi-nadas vogais. Impressionado com a descoberta, ele passou a praticá-la, mesmo como cantor, alternando as vogais na produção de um mesmo som e observando os harmônicos originados através dessa mudança. O próximo passo foi aplicar o mesmo processo no estudo de sonori-

2 Beniamino Gigli (1890-1957) - Tenor italiano internacionalmente famoso como cantor de ópera, sendo considerado o sucessor de Caruso. Seu estilo um pouco sentimental adequava-se especialmente à música de Puccini. Apresentou-se várias vezes no Brasil.

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dade da flauta. O processo é relativamente simples:

Pronuncia-se a vogal sem o instrumento com a voz plena. Em seguida, conservando-se a mesma abertura interna da boca e da cavidade nasal, toca-se uma nota no registro grave da flauta sustentando-a até a expiração completa. Verifica-se auditivamente o timbre obtido (maior ou menor presença de harmônicos). Inicia-se novamente o mesmo processo com cada uma das vogais (a, e, i, o, u, ê).

Em recente master class apresentada no VI Encontro Internacional de Flautistas realizado pela Associação Brasileira de Flautistas (ABRAF), em Salvador (BA), o flautista sueco Anders-Ljungar Chapelon apresentou séries de vogais a serem aplicadas em notas específicas para facilitar a emissão e melhorar a qualidade do som. As vogais foram divididas em dois grupos: vogais básicas e vogais nasais. Nesse caso, a forma dos lábios, a posição da língua e a cavidade oral estão diretamente relacionadas a fonemas exemplificados pelo autor através de palavras extraídas da língua francesa.

O método, apesar de evocar os mesmos princípios utilizados por Vianna, nos parece mais difícil de ser aplicado e menos adequado à realidade brasileira. Em primeiro lugar, temos a diferen-ça do idioma que impõe dificuldades na pronúncia dos fonemas apresentados. Em segundo, verificamos que a abordagem de Vianna é mais simples, uma vez que utiliza apenas as vogais A,E,I,O,U,Ê, exatamente como pronunciadas na língua portuguesa, indistintamente para qualquer nota ou região do instrumento. Não há necessidade de se memorizar vogais específicas para notas específicas. Cabe ressaltar que não foi apresentada, no referido encontro da ABRAF, qualquer comprovação científica sobre a eficácia da técnica ensinada pelo flautista sueco.

FIGURA 1- Quadro com vogais classificadas por Chapelon como básicas e nasais na língua francesa. São utilizadas palavras para exem-plificar a pronúncia das vogais at-ravés de fonemas. As combinações de vogais são aplicadas a notas es-pecíficas com a finalidade de facili-tar e melhorar a emissão do som.Fonte: CHAPELON, 2004.

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O flautista, linguista e professor escocês Mike MacMahon, em recente artigo divulgado na internet³, aborda uma técnica muito semelhante à de Vianna. Recomenda pronunciar cada vogal (A,E,I,O,U) separadamente com a voz, sem a flauta, na frente do espelho, observando as mudanças ocorridas nos lábios, língua e garganta. Em seguida, repete-se o processo, ainda sem a flauta, utilizando a mesma abertura da cavidade oral utilizada para cada vogal, em silêncio. Finalmente, toca-se um mesmo som na flauta alternando-se as vogais. Diferentes nuances e coloridos no som podem ser criados utilizando-se esse processo. Cabe ressaltar que no artigo pesquisado, MacMahon trata da velocidade do ar e do ângulo da coluna de ar relacionada à posição da mandíbula do flautista quando se alternam as vogais. A influência da ressonância das vogais no som não é diretamente mencionada.

Escopo teórico e científico

O pesquisador norte americano Robert Cogan (1998) desenvolveu importantes trabalhos sobre a análise espectrográfica dos timbres da voz humana e dos instrumentos musicais. Com-provou através desse método que vogais estridentes como o (é) e (i) são diferenciadas das vogais mais suaves como (a) e (u) pelos seus parciais mais altos. Cogan detectou diferenças nos parciais de um mesmo som ao se alterar as vogais na voz feminina.

Com o objetivo de verificar essas possíveis alterações nos parciais presentes no som da flauta alternando-se as vogais, gravamos três ex-alunos de Expedito Vianna. Com esse experimento, buscamos aferir a eficácia da técnica e parâmetros comuns entre os três flautistas. O registro foi feito em maio de 2004, no estúdio da Escola de Música da Universidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG), com a participação dos flautistas e professores Maurício Freire Garcia, Arthur Andrés e Fernando Pacífico. Foram escolhidas as notas Re 5, Sol 4 e Re 3 como amos-tras dos registros grave, médio e agudo do instrumento.

Cada flautista gravou todas as notas escolhidas alternando as vogais A,E,I,O,U,Ê4. Foi feita a

3 Mike MacMahon é professor de fonética da Glasgow University e membro do Conselho da International Phonetic Association. É flautista e picolista da Glasgow Symphony Orchestra. Disponível em: http://www.larrykrantz.com/mike.htm4 A vogal “Ê” fechada tal como se pronuncia “vez” era também utilizada por Vianna.

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FIGURA 2 - Detalhe do espectro de uma mesma nota cantada por voz feminina alternando as vogais é,i,a,u. As linhas numeradas indicam os parciais. Nota-se que as vogais (é) e (i), classificadas por Cogan como mais estridentes, apresentam maior intensidade relativa nos parciais mais agudos.Fonte: COGAN, 1998, p. 10.

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análise espectrográfica das amostras sonoras registradas. Analisamos 54 espectrogramas rela-tivos às gravações dos três flautistas, tocando cada uma das notas escolhidas e alternando-se as vogais. Em cada espectrograma analisado, constatamos significativas diferenças na presença e intensidade dos parciais quando os flautistas alternavam as vogais. Tal fato ocorreu indistin-tamente com todos os três flautistas pesquisados. Entretanto, não foi possível estabelecer um padrão espectral para cada vogal comum aos três instrumentistas.

Para exemplificar e comprovar o experimento, demonstramos três dos espectrogramas analisa-dos (GRAF. 1). Nos gráficos abaixo, o eixo vertical da esquerda indica a frequência em escala logarítmica, o eixo vertical da direita representa a intensidade relativa dos parciais através de cores. O eixo horizontal representa a duração de cada nota emitida. Podemos notar que em todos os três exemplos, há uma estreita coluna vertical no gráfico intercalando cada som. Isso se explica porque os flautistas, antes de “tocar cada vogal”, pronunciaram a mesma em voz alta apenas para efeito de identificação.

GRÁFICO 1 - Análise espectrográfica computadorizada da nota Ré 5 (registro agudo), alternando-se as vogais a,e,i,o,u,ê tocada pelo flautista Arthur Andrés.

1) Escala logarítmica representando a frequência da nota em Hertz2) Tempo 3) Intensidade relativa representada em cores que vão do violeta - menor in-tensidade - ao vermelho - maior intensidade4) Espectro da voz do flautista ao anunciar cada e vogal nota antes de tocá-la 5) As seis linhas coloridas representam a fundamental ou primeiro parcial de cada uma das seis vogais utilizadas: a,e,i,o,u,ê. Notamos que a maior alteração de intensidade acontece entre as vogais (a) e (e) como demonstrado pela varia-ção na cor vermelha

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6) A intensidade do segundo parcial varia em cada uma das vogais. Notamos a variação da escala de cores em todas as seis linhas.7) A variação da intensidade do terceiro parcial é menor do que no caso anterior 8) O quarto parcial praticamente não aparece nas vogais (a) e (u). Nas demais sua presença oscila, mas a intensidade se mantém9) A intensidade do quinto parcial é baixa em todas a vogais, mas sua presença oscila quase desaparecendo nas vogais (i) e (ê)

GRÁFICO 2 - Análise espectrográfica computadorizada da nota Sol 4 (registro médio), alternando-se as vogais a,e,i,o,u,ê tocada pelo flautista Mauricio Freire. 1, 2, 3 e 4 idem ao gráfico anterior

5) As variações de intensidade no primeiro parcial são discretas ao se alternar as vogais. Ocorrem principalmente na vogal (u), onde a cor amarela presente indica menor intensidade em relação ao vermelho das demais6) O segundo parcial está presente apenas na vogal (a) com pouca intensidade indicada pela cor azul. Nas demais praticamente não aparece7) A maior intensidade do terceiro parcial é verificada na vogal (a), represen-tada pela cor verde. Nas demais há variações mais discretas. A presença desse parcial oscila nas vogais (e) e (i)8) A maior intensidade do quarto parcial pode ser notada nas vogais (a), (e), (o), (ê), onde a cor verde predomina. Nas vogais (i) e (u) esse parcial aparece com menor intensidade, mas não oscila9) O quinto parcial aparece apenas na vogal (a) e com pouca intensidade. Nas demais, ele está praticamente ausente10) Verificamos a discreta presença do sexto parcial nas vogais (a), (e), (o), (ê) com oscilações, tendendo a se estabilizar na vogal (ê)

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GRÁFICO 3 - Análise espectrográfica computadorizada da nota Ré 3 (registro grave), alternando-se as vogais a,e,i,o,u,ê tocada pelo flautista Fernando Pacífico. 1,2,3 e 4 idem aos gráficos anteriores

5) O primeiro parcial aparece em todas as vogais com baixa intensidade6) Segundo parcial aparece com intensidade bem maior que o primeiro nas vogais (a), (e), (o), (ê), como indicado pela cor amarela esverdeada. Na vogal (i) aparece com baixa intensidade e oscila. Na vogal (u) aparece com baixa intensidade, mas permanece estável7) O terceiro parcial está presente com maior intensidade na vogal (u). Na vogal (e) aparece com baixa intensidade e oscila. Nas demais, aparece estável e com baixa intensidade8) O quarto parcial aparece com baixa intensidade em todas as vogais, com oscilações nas vogais (a) e (o)9) O quinto parcial aparece com intensidade média em praticamente todas as vogais10) O sexto parcial aparece com intensidade média nas vogais (o) e (ê). Nas demais aparece estável, porém com baixa intensidade.

Analisando os três exemplos apresentados, concluímos que em todos os casos houve alteração na presença e intensidade dos parciais contidos em cada nota tocada ao se mudar as vogais. Tal fator ocorre nos três registros (agudo, médio e grave) e também ocorreu em notas tocadas por três diferentes flautistas que dominam a técnica.

Essa experiência valida a teoria de Expedito Vianna sobre a possibilidade de utilização das vogais para se alterar a intensidade e presença dos harmônicos no som da flauta, abrindo várias possibilidades para a interpretação musical através da mudança de timbres no som do instrumento.

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Os ex-alunos

Como forma de aferir a utilização e a continuidade do trabalho desenvolvido por Vianna, elaboramos um questionário que foi enviado a doze ex-alunos do mestre.

Verificamos que 100% dos entrevistados utilizam as técnicas aprendidas de Vianna não só no estudo individual, como também em atividades pedagógicas.

FIGURA 3 - Expedito Vianna tocando no quarteto de flautas formado por ele e seus alunos. Da esquerda para direita: Fernando Pacífico, Expedito Vianna, Arthur Andrés e Marilena Horta na reitoria da UFMG, março de 1982.Fonte: Arquivo da família Vianna

Conclusão

A primazia total dada à sonoridade fez de Expedito Vianna um diferencial em relação aos de-mais flautistas. Não foi possível determinar de maneira científica, no escopo deste trabalho, a natureza exata dos mecanismos que causam alterações no colorido do som quando o flautista utiliza-se da técnica da mudança de vogais, uma vez que inúmeros fatores podem contribuir para essas mudanças. O que podemos concluir, através dos experimentos realizados, é que tais alterações existem e estão sendo cada vez mais exploradas pelos flautistas. Neste sentido, o presente trabalho constitui um convite à pesquisa científica do tema para especialistas em acústica, fisiologia da voz e demais interessados.

Na época em que o acesso à informação era extremamente difícil, Expedito Vianna trilhou seu caminho quase sozinho, chegando a conclusões ainda hoje válidas não só no Brasil, como

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também em outras partes do mundo.

Através dos depoimentos tomados, concluímos que os estudos idealizados por Vianna cons-tituem importantes ferramentas utilizadas até hoje por seus ex-alunos e para os alunos destes. Hoje, o grande número de ex-alunos ocupando posições de destaque no cenário musical brasileiro confirma a eficácia do trabalho e o legado deixado pelo mestre.

Em um mundo onde as mudanças e transformações ocorrem em uma velocidade cada vez maior, as pesquisas realizadas nos levam a crer que as ideias de Expedito Vianna continuam atuais e em sua época eram muito pouco disseminadas. Esse é o diferencial que fez dele “um flautista à frente de seu tempo”.

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Expedito Viana: a flutist in advance of your time

AbstractExpedito Vianna was an extremely active and influential flutist and teacher in Belo Horizonte, MG (Brazil) and Sal-vador, BA (Brazil) from the 1960’s to the 1980’s. Through pioneer research, he proposed methodologies for the study of the flute, which were before their time in Brazil. Some of his techniques, such as the use of phonemas, rhythmic deslocation, and transposition, once considered innova-tive, still serve as important tools for his former students in their professional lives today. Expedito Vianna was not only ahead of the Brazilian flutists of his generation, but his ideas were so ahead of his time that even today they remain current. Many flutists and teachers around the world today utilize similar techniques and pedagogic practices.

Keywords: Flute; Expedito Vianna; sonoroussnes; mecha-nism and pedagogy.

REVISTA MODUS – ANO V / Nº 6 – Belo Horizonte – Maio 2008 – p. 29-40

EXPEDITO VIANNA: UM FLAUTISTAÀ FRENTE DE SEU TEMPO

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A TRANSFERÊNCIA COMO BASE DA RELAÇÃOPROFESSOR-ALUNO E FATOR CATALISADOR

DO APRENDIZADO

José Antônio Baêta Zille

Doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Pau-lo (PUC-SP); mestre em Tecnologia pelo Centro Federal de Educação Tecnologia de Minas Gerais; especialista em Adolescência pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Professor de Comunicação e Semiótica na Escola de Design e de Metodologia da Pesquisa na

Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

[email protected]

Eliana Olimpio

Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva e especialista em Adolescên-cia pela Faculdade de Ciências Medicas de Minas Gerais. Psicóloga da Fundação Mendes Pi-mentel e professora de cursos de especialização da Escola de Música da UEMG e Faculdade

de Ciências Medicas de Minas Gerais.

[email protected]

ResumoO presente artigo abordará aspectos do desenvolvimento humano que estão diretamente relacionados com sua com-preensão. Assim, busca-se contribuir para a boa estruturação da relação educador/educando de forma a refletir positi-vamente no processo de aquisição de conhecimentos. Para dar cabo dessa proposta, inicialmente, serão elucidados os conceitos de afeto e afetividade, denunciando os mal-enten-didos que os envolvem. Em seguida, serão abordados esses conceitos frente ao desenvolvimento psíquico e cognitivo humano e ao aprendizado. A partir dessa explanação, será trabalhado o processo instaurado na relação entre professor e aluno por meio do desenvolvimento do conceito psica-nalítico de “transferência”. Sob essa perspectiva serão elu-cidados os aspectos da transferência na criança e no adoles-cente, cada qual com suas particularidades, pontuando esse processo na relação professor-aluno.

Palavras-Chave: Relação professor-aluno; transferência; desenvolvimento humano; afeto e afetividade.

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Introdução

As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em de-masia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores. (Cláudio Saltini)

As sociedades contemporâneas vêem passando, de forma veloz, por uma espécie de mudança estrutural que tem afetado profundamente vários de seus aspectos. Esse é um processo que tem provocado inúmeras reflexões acerca de valores e princípios norteadores do pensamento e das ações humanas. Paradigmas e valores estão sendo contestados, modificados ou substituí-dos por outros que influenciam enormemente a estrutura social.

Ao considerar que o mundo se encontra num momento crítico de transformações, há de se considerar também que tais transformações pontuam reflexos diretos ou indiretos na edu-cação. Dentro dessa dinâmica, as discussões em torno do processo educativo como um todo têm sido cada vez mais frequentes. Mais especificamente no Brasil, no que tange a pais e educadores, temas como: aquisição de conhecimento, a chamada “falta de limites” e questões relacionadas à banalização da sexualidade e da violência – questões que envolvem crianças, adolescentes e a família – são pontos de convergência nas discussões.

Dentro desse contexto, percebe-se que há uma carência, por parte dos professores e pais, quanto ao entendimento de como se dá o processo de desenvolvimento humano e de como esse entendimento possibilitaria uma melhor relação com o aprendizado, principalmente em se tratando do sujeito adolescente. Percebe-se também que as relações educacionais, em es-pecial aquelas que envolvem professores e alunos, têm se apresentado de forma conturbada, refletindo negativamente no processo de ensino e aprendizagem.

Partindo desse universo, o presente artigo transitará pelos substratos do desenvolvimento hu-mano focando, principalmente, aqueles que incidem sobre a relação educador/educando1 de forma a esclarecer os aspectos envolvidos nessa relação. Assim, o estudo poderá proporcionar uma importante contribuição para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem, bem como elucidar aspectos importantes quanto às relações educacionais. Afetividade e o desenvolvimento psíquico

Por ser percebida como intimamente ligada aos processos de vida do ser humano, a afetividade vem sendo objeto de estudos de diversos pensadores. Desde Platão, passando por Baruch de Spinoza, Charles Darwin, Sigmund Freud, Jacques-Marie Lacan, Lev Semionovitch Vygotsky, Jean Piaget, Humberto Maturana, Antonio Damásio, esse tema tem sido recorrente. Cada qual com seu olhar atribui aos afetos, às emoções e aos sentimentos, como sendo norteadores da vida que estimulam ou desestimulam a pessoa a viver.

1 Entende-se por educador todo indivíduo que promove o aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas, ou seja, de sua capaci-dade física, intelectual e moral, visando não só a formação de habilidades, mas também do caráter e de questões emocionais (ARANHA, 1997).

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A TRANSFERÊNCIA COMO BASE DA RELAÇÃOPROFESSOR-ALUNO E FATOR CATALISADORDO APRENDIZADO

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No senso comum, afetividade é entendida como comportamentos que expressam sentimentos - por exemplo, o amor - acompanhados por alegria, agrado, satisfação e direcionados a outra pessoa. No entanto, a ideia de afeto possui um caráter dual, pois está relacionada com aquilo que afeta, causa efeito (afecção), como a própria etimologia da palavra indica. É nesse sentido que não só a alegria, mas também a tristeza, o amor e o ódio; a coragem e o medo são todos sentimentos pertencentes ao universo afetivo.

Segundo Spinoza (1979), o corpo2 está sujeito a ser afetado. Se afetado, o estado do corpo pode vir acompanhado de variações. Essas variações, mudanças ou transições de um estado (do corpo afetado) a outro denominam-se afetos (affectus) ou sentimentos.

É nesse sentido que o autor afirma que “o corpo humano pode ser afetado de numerosas ma-neiras pelas quais a sua potência de agir é aumentada ou diminuída; e, ainda, por outras que não aumentam nem diminuem sua potência de agir” (SPINOZA, 1979, p. 155). Além disso, “o corpo humano pode sofrer numerosas transformações e conservar, todavia, as impressões ou vestígios dos objetos, e, conseqüentemente, as imagens das coisas” (SPINOZA, 1979, p. 155). Assim, o potencial de afetar e ser afetado encontra-se no âmbito das mais diferentes for-mas, possibilitando na maioria das vezes, o movimento de um estado inferior de “perfeição” para um superior ou vice-versa. Na primeira situação, pode-se dizer que os afetos envolvidos são “positivos”, constituindo-se primariamente em alegria (que está vinculado à satisfação), e na segunda, tem-se envolvidos afetos “negativos”, constituindo-se primariamente em tristeza (que está vinculado à frustração).

Dentro desse contexto, há de se considerar ainda que existem diferenças importantes na ca-pacidade individual para responder às diversas situações a que cada indivíduo é submetido. Sob essa perspectiva, a dicotomia intrínseca ao universo afetivo está intimamente relacion-ada com essa capacidade, o que refletirá diretamente em todos os aspectos da vida de um indivíduo.

Para Freud (1959a), a afetividade é componente básico para a estruturação psíquica de um indivíduo, advindo daí, todas as estruturas mentais, relacionais e motivacionais e, consequen-temente, suas patologias. Em sua obra, Freud teoriza que a afetividade tem sua gênese no contato da criança com o outro. A expressão da afetividade se apresenta já nos primeiros cuidados prestados ao bebê quando ele nasce. Através da relação cuidador-bebê3, a afetividade será internalizada pela criança e fará parte do seu desenvolvimento ao longo da vida.

Freud (1980d) ainda diz que a finalidade da vida está diretamente ligada ao princípio do prazer que domina o funcionamento do aparelho psíquico desde os primeiros momentos de vida. Nesse sentido, o ser humano procura obter a satisfação, aqui entendida como expe-riência intensa de sentimentos de prazer. O mesmo autor também aponta que alguns sujei-tos visam certo tipo de satisfação que funciona como uma compulsão em repetir e obter o desprazer “[...] imaginam sentir-se desprezados mais uma vez, obrigam o médico a falar-lhes

2 Para esse autor, o corpo e a alma são a dupla expressão de uma única realidade, são “uma só e mesma coisa expressa de duas maneiras diferentes” (SPINOZA, 1979).3 Aqui se utiliza do termo “cuidador” para designar a pessoa que atende as necessidades básicas para a sobrevivência do infante.

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José Antônio Baêta Zille, Eliana Olimpio

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severamente e a tratá-los friamente [...]” (FREUD, 1980d, p. 32).

E ainda,

[...] estritamente falando, é incorreto falar na dominância do princí-pio do prazer sobre o curso dos processos mentais. Se tal dominância existisse, a imensa maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada pelo prazer ou conduzir a ele, ao passo que a expe-riência geral contradiz completamente uma conclusão desse tipo. O máximo que se pode dizer, portanto, é que existe na mente uma forte tendência no sentido do princípio de prazer, embora essa tendência seja contrariada por certas outras forças ou circunstâncias, de ma-neira que o resultado final talvez nem sempre se mostre em harmonia com a tendência no sentido do prazer (FREUD, 1980d, p. 19).

É importante destacar que a afetividade não se dá somente por contato físico, mas também através de demonstração de interesse e reconhecimento por parte daquele que cuida. Dessa forma, a afetividade se desenvolve pelos toques carinhosos ou agressivos, representados aí por “carícias ou maus-tratos”, e ainda, por elogios ou reprovações dirigidos ao sujeito. É nesse sentido que Lacan (2005) afirma que os significantes – os nomes e rótulos que são dirigidos aos outros ou a nós mesmos – são carregados de afeto. Assim, antes mesmo do nascimento do bebê, os afetos estão presentes nos significantes que lhe são dirigidos.

Considerando que todos os seres humanos estão em desenvolvimento, Erikson (1987) propôs que ao longo da vida, um sujeito deve passar por estágios psicossociais4. Nesse sentido, um indivíduo deve transpor uma sequência de etapas e resolver, progressivamente, conflitos de caráter bipolar e demandas psíquicas e sociais, adquirindo posturas e habilidades que propi-ciam sua evolução no sentido de atingir a maturidade.

Romper uma etapa significa lidar com os aspectos psicológicos individuais e, por outro lado, com as relações socioculturais a que cada um está sujeito. Ou seja, o desenvolvimento de cada indivíduo está diretamente ligado aos afetos a que ele está sujeito, da forma com que tais afetos são introjetados e de como se manifestará socialmente. Isso denota que a expressão das emoções advém de construções sociais, de um conhecer, em que os sujeitos aprendem regras ou convenções que diferem em cada cultura.

Afetividade como base do desenvolvimento da aprendizagem

Pesquisas em neuropsicologia evidenciam que as emoções como atividades neuronais são inseparáveis da cognição. Damásio (1996; 2000) sugere que os estados mentais e estados corporais são indissociáveis e interligados. Piaget e Greco (1974), por sua vez, afirmam que, paralelamente ao desenvolvimento anatômico, fisiológico e psicológico do ser humano, o seu

4 Tais estágios são: confiança básica ou desconfiança básica, que ocorre no primeiro ano de vida; autonomia versus vergonha ou dúvida, que ocorre entre o segundo e terceiro anos de vida; a iniciativa e a culpa, de três aos seis anos de idade; laboriosidade e inferioridade dos seis aos 12 anos; identidade se contrapondo com confusão de identidade que surgem entre 12 e vinte anos de idade; intimidade ou isolamento que se confrontam dos vinte aos quarenta anos de idade; produtividade e inatividade que surge entre os quarenta e sessenta e cinco anos de idade e por fim, integridade e desespero.

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raciocínio passa por um desenvolvimento cognitivo que pressupõe uma série de mudanças ordenadas, previsíveis e em etapas5. Para esses autores, o sujeito em interação com o ambiente opera princípios básicos segundo sua maturidade fisiológica. Isso equivale a dizer que a criança não pensa como o adulto, bem como a um adolescente, posto que cada um se encontra num estágio muito próprio do desenvolvimento humano.

Sob essa perspectiva, Piaget e Greco(1974) acrescentam que a afetividade pode funcionar como energia atuante e necessária para que o desenvolvimento cognitivo vá em direção à ação de aprender, porém, não modificando a estrutura de funcionamento da inteligência. Nesse sentido, “a ação, seja ela qual for, necessita de instrumentos fornecidos pela inteligência para alcançar um objetivo, uma meta, mas é necessário o desejo, ou seja, algo que mobiliza o su-jeito em direção a este objetivo e isso corresponde à afetividade” (DELL’AGLI; BRENELLI, 2006, p. 32).

Segundo Vygotsky (1982), as interações sociais contribuem para o processo de desenvolvi-mento cognitivo do sujeito desde o seu nascimento. Nesse processo, as relações sociais vão sendo tecidas através dos contatos afetivos iniciais que a criança estabelece com as pessoas que a cercam e que vão determinar, em grande parte, seu pensamento por toda a vida. Dessa forma, as potencialidades do sujeito são transformadas em situações que ativam nele esquemas processuais cognitivos ou comportamentais, num processo dialético contínuo. Dentro dessa perspectiva, Vygotsky (1982), Piaget (1945) e Wallon (1845) estabelecem que afetividade e inteligência são aspectos indissociáveis, intimamente ligados e influenciados pelas relações so-ciais. Portanto, pode-se afirmar que condição neurológica, pensamento, afetividade e fatores socioculturais estão estritamente correlacionados para a construção do conhecimento.

Estrutura das relações transferenciais – base da relação professor-aluno

Segundo Lacan (1990), a transferência é uma prática que remonta a Platão e que foi sendo elaborada por Freud ao longo dos anos de sua prática analítica.

A transferência é um fenômeno essencial, ligado ao desejo como fenômeno nodal do ser humano, que foi descoberto antes de Freud. Ele foi perfeitamente articulado – empreguei uma grande parte de um ano consagrado à transferência para demonstrar isto – com o mais extremo rigor, num texto em que se debate sobre o amor, no-minalmente O Banquete de Platão (LACAN, 1990, p. 219).

A transferência é a repetição da relação vivida com os cuidadores da infância e que, num outro momento, será revivida pelo sujeito e aqueles que ocuparam o lugar daqueles cuidadores, tendo sido esses os pais ou qualquer pessoa que tenha desempenhado essa função (Freud, 1980a). Os lugares anteriormente ocupados pelas figuras parentais ou Outro6 serão então ocupados por outros sujeitos também investidos de afeto, substitutos daqueles.

5 As etapas seriam: Período sensório-motor (de zero a aproximadamente dois anos), período operatório que se divide em Pré-Operatório ou Intuitivo-simbólico (aproximadamente dos dois aos sete anos) e Operatório Concreto (aproximadamente dos sete aos 12 anos) e finalmente o período Formal ou Hipotético-Dedutivo (aproximadamente dos 12 anos em diante).6 A psicanálise designa as figuras investidas de afeto como Grande Outro, aqui representado por Outro, com “O” maiúsculo.

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Estando a transferência intimamente ligada aos afetos que permeiam as relações - sejam elas entre médico e paciente, professor e aluno, parceiros ou outras - poderão ser qualificadas como positiva ou negativa, segundo sejam percebidas como amável ou hostil. Isso porque os afetos nessa nova relação não serão, necessariamente, amorosos e de aceitação, uma vez que a relação primária, da infância, também pode ter sido permeada por afetos rancorosos e de rejeição.

Lidar com o afeto que envolve uma relação transferencial, seja ela qual for, não é algo real-mente simples. Quanto a isso, Freud apresenta a seguinte questão:

todo principiante em psicanálise provavelmente se sente alarmado, de início, pelas dificuldades que lhe estão reservadas quando vier a “interpretar” as associações do paciente e lidar com a reprodução do reprimido. Quando chega a ocasião, contudo, logo aprende a encarar estas dificuldades como insignificantes e, ao invés, fica convencido de que as únicas dificuldades realmente sérias que tem de enfrentar residem no “manejo” da transferência (FREUD, 1980b, p. 163).

Em se tratando de uma relação em que estão envolvidos professor e aluno, não poderia ser diferente. Manejar a transferência em uma relação professor-aluno não é algo simples, prin-cipalmente considerando-se que os afetos ali envolvidos são aqueles que, com certeza, foram investidos outrora na relação cuidador-cuidado ainda na primeira infância7. Segundo Freud, “é verdade que o amor consiste em novas adições de antigas características e que ele repete reações infantis. Mas este é o caráter essencial de todo estado amoroso. Não existe estado deste tipo que não reproduza protótipos infantis” (FREUD, 1980b, p. 169).

A resposta às questões colocadas aos partícipes de uma relação transferencial vai depender da subjetividade de cada um. Isso porque cada sujeito possui uma capacidade própria para responder afetivamente a cada situação. Tais respostas se limitam, muitas vezes, à aceitação ou à rejeição do afeto que lhe é dirigido. Cabe ao professor, aqui especificamente, utilizando-se da transferência, conduzir o aluno a vivenciar uma experiência afetiva calcada na aceitação. Esse tipo de transferência é substitutivo de afetos já experimentados pelo aluno e não é menos real que as suas experiências anteriores.

Lacan (1992) denuncia a sugestão transferencial presente em toda transferência. O autor res-salta que, uma vez que um indivíduo ocupa um lugar afetivo como cuidador, seja na relação professor-aluno ou em outras relações transferenciais8, esse indivíduo será investido de autori-dade. Isso é possível porque a “autoridade”, juntamente com o “afeto” e o “saber”, é parte da estrutura que sustenta uma relação transferencial.

Essa é a síntese da “relação transferencial”: afeto/saber/autoridade. Segundo Lacan (1992), o saber, na relação transferencial, pode tomar lugar de autoridade e ser utilizado pelo professor como um aparelho de influência calcado na afetividade.7 Primeira infância é a fase da vida que vai do nascimento aos três anos de idade. Segundo Ruiz (1991), a primeira infância se caracteriza pela formação de núcleos de conhecimentos estáveis. Estes núcleos influirão sobre a maneira de elaborar outras experiências posteriores.8 Cabe aqui ressaltar que numa relação analista/paciente a posição do analista não deve se valer da sugestão.

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Para o aluno, o professor é aquele que, assim como as figuras parentais, vai saber “cuidar dele”. Nesse sentido, a autoridade natural dos pais, professores, parceiros etc só se torna possível porque tem o afeto positivo (aquele que remete à satisfação) como base. Em situações em que a autoridade é imposta, o afeto que circula naquela relação são sentimentos de medo, im-potência, não raros acompanhados de rancor e ódio. Nesse caso, deixa de ser autoridade para dar lugar ao que é denominado como autoritarismo ou despotismo, que devem ser evitados.

Relação professor-aluno na infância

Através de regras, leis, horários, avaliações etc, a escola introduz limites que funcionam como organizadores para a criança. Esses limites, segundo Lacan (1992), impõem contenções ao desejo de prazer ilimitado, absoluto, presente desde o nascimento. Uma vez que a criança consegue permitir-se frustrada em suas investidas de busca ao prazer, ela poderá se colocar no lugar do outro e inserir-se no grupo humano, adaptando-se às demandas de sua cultura. O professor aqui, como substituto das relações parentais, também contribuirá com signifi-cantes que moldarão o desempenho do aluno. A subjetividade nessa relação professor-aluno versus conhecimento se evidencia a partir do momento em que o aluno se submete à lei do desejo do professor, que é, presumivelmente, o de transferir conhecimentos e informações. Nesse contexto, o professor é aquele que detém o saber que lhe confere autoridade.

Nessa circunstância, a criança transfere seus afetos conferidos aos pais/cuidadores para a figura do professor e dependendo de como foi sua relação com os seus cuidadores da infância, sentirá o professor também como um “cuidador” suficientemente adequado ou não. Ao professor é atribuído um saber e ele deverá dosar o saber e a autoridade com zelo. É através desse zelo que se estabelece a transferência nas relações. Essa transferência é permeada por todo tipo de afeto que poderá fomentar o processo educativo ou causar-lhe transtornos.

Portanto, na infância, os professores são herdeiros diretos da relação primária cuidadores/cuidados. Em decorrência, se não for estabelecido nada parecido com a relação transferencial, dificilmente se dará uma aprendizagem de forma adequada. Quando se diz que é sobre a transferência que se dá o conhecimento, está se referindo ao fato do aluno transferir os afetos das figuras parentais para o professor, e, por causa disso, aprende ou não.

A adolescência e a relação professor-aluno

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPS), a adolescência compreende a faixa etária entre 10 e 20 anos. Inicia-se com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários próprios da puberdade e segue até o apogeu do crescimento, passando por transformações físicas e psicossociais que culminam com a 9 Apesar do início da adolescência ser bem definido com o início das mudanças puberais, o final da adolescência tem sido motivo de estudos por parte de vários autores e considerado um período bastante impreciso. Isso se deve ao fato de que o finalizar da adolescência, além do amadurecimento da sexualidade, prevê independência afetiva e familiar, autodeterminação, responsabilidade e a consolidação da identidade (OMS, 1995; OPS, 1995). O cumprimento de todos esses quesitos passa então a depender de fatores que estão muito além daqueles puramente orgânicos.

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maturidade do adulto9.

Ao deparar-se com as primeiras mudanças, essencialmente corporais, o jovem sente dificuldades na assimilação de aspectos ligados a sua autoimagem, influenciando na sua autoestima e con-strução de sua identidade10. É um estágio em que, segundo Aberastury e Knobel (1981), ocorre a elaboração de lutos: perda do corpo e da identidade infantil, perda dos pais da infância e perda da bissexualidade. Freud (1946) postula que para elaborar essas perdas, o adolescente desenvolve mecanismos de defesa tais como negação das transformações corporais, ambivalência emocional entre crescer ou permanecer infantil e acentuada agressividade manifestada em revolta e ques-tionamento sobre a família e o mundo. Nessa fase, o sujeito pode ainda se isolar na tentativa de compreender o momento que está vivendo. Isso acontece através da interiorização ou então ele parte ao encontro de outros indivíduos que vivenciam o mesmo processo.

Aberastury e Knobel (1981) destacam algumas características como próprias da adolescên-cia e as denominam como Síndrome Normal da Adolescência. Isso porque algumas dessas características se confundem com aspectos psicopatológicos, apesar de serem extremamente comuns e necessárias para o desenvolvimento do sujeito. Algumas dessas características são: pensamento mágico, aderência e influência do grupo, aspirações sexuais e profissionais ideali-zadas, dificuldade de comunicação com a família, postura de rebeldia.

Segundo Piaget (1971), grande parte dessas características se torna possível devido ao fato de o pensamento do adolescente já ter adquirido a forma conceitual capaz de efetuar raciocínios ab-stratos sem o apoio das percepções concretas. Assim, numa forma hipotético-dedutiva, em que há o predomínio do imaginário, tal pensamento possibilita ao sujeito planejar o futuro. Através desse tipo de pensamento, os indivíduos desenvolvem a capacidade de utilizar as operações de generalização, análise e síntese, podendo deduzir as conclusões, antecipar os resultados das ações e buscar alternativas e soluções para a problemática que lhes é apresentada.

Por outro lado, apoiados pelo pensamento mágico e onipotente que lhe é peculiar, o adolescente acredita que seu pensamento é o mais correto em detrimento dos demais. Além disso, o adoles-cente, por sua natureza autorreflexiva, encontra-se num processo de interiorização de valores e conceitos que se expandem ao encontro dos valores do grupo ao qual pertence numa permuta recíproca com seus iguais.

O corpo do adolescente se desenvolve no sentido de se preparar para o exercício da sexuali-dade genital e para a reprodução. Concomitantemente a essas transformações e às possibili-dades alcançadas com o desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo, o adolescente vivencia a construção de uma nova identidade que permeia a compreensão desse novo sujeito em que está se transformando.

A identidade é a combinação de características da personalidade e estilo social, por ela o su-jeito se define e é reconhecido pelo seu ambiente cultural. É também o sentimento subjetivo de coerência e de continuidade da personalidade. É a possibilidade do adolescente se ver ao 10 Segundo a proposta de Erikson (1987), o ser humano, em seu desenvolvimento, deve passar por uma série de etapas psicossociais bipolares, a adolescência estaria compreendida em duas dessas fases: identidade versus confusão de papéis e intimidade versus isolamento.

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longo da sua história, integrando passado e presente e visualizando perspectivas futuras. É ver-se e sentir-se reconhecido.

Essa é a fase em que o sujeito desloca os afetos anteriormente dirigidos à família para os grupos sociais, uma vez que passa por um processo de questionamento dos valores colocados pelos seus cuidadores da infância. É o momento em que o sujeito, buscando se compreender, se identifica com os seus iguais. Assim, é estabelecido um processo inconsciente que resultará em desbancar a cultura social vigente e, com isso, destituir os próprios pais numa tentativa de superá-los e separar-se deles. Como consequência, na adolescência, é comum se desenvolver uma admiração por um líder que encarna a figura de autoridade antes ocupada pela figura paterna e pelo professor da infância.

Freud (1959b) destaca que, ao entrar para um grupo, o sujeito abandona a sua subjetividade e se identifica com o seu líder e com os seus ideais, copiando e imitando-o. Essa identificação aparece em forma de fascinação amorosa e é isso que unifica o grupo. O mesmo autor ainda afirma que os membros de um grupo, independente de como ou porque se agregaram, se sentem possuidores de uma espécie de “alma coletiva” que os fazem sentir, pensar e agir de uma maneira inteiramente diferente de como sentiria, pensaria e agiria cada um deles isola-damente. Esses membros, coletivamente, cedem a instintos que, como indivíduos isolados, forçosamente refreariam. Citando Le Bon, Freud aponta:

mas se a multidão necessita de um chefe é preciso que ele possua determinadas aptidões pessoais. [O chefe] Deverá achar-se empol-gado por uma fé intensa numa idéia para poder criar a mesma fé na multidão. Ao mesmo tempo deverá possuir uma vontade potente e imperiosa, suscetível de animar a multidão, carente, por si mesma de vontade (LE BOM apud FREUD, 1959b, p. 17).11

O autor ainda postula que um líder é considerado por seus liderados como um sujeito oni-potente, invencível, capaz de amar igualmente a todos os membros do grupo, neutralizando as diferenças, homogeneizando-os e, principalmente, defendendo-os dos perigos. O líder, tal qual o hipnotizador, exerce uma fascinação, uma influência sobre um sujeito impotente e sem defesa, sendo capaz, inclusive de paralisar e inibir a racionalidade do indivíduo ou dos seus liderados. Citando ainda o mesmo autor, Freud continua: “A personalidade consciente desa-parece; a vontade e o discernimento ficam abolidos. Sentimentos e pensamentos são então ori-entados no sentido determinado pelo hipnotizador” (LE BOM apud FREUD, 1959b, p. 11)

Sob essa perspectiva, frente a adolescentes, a posição do professor de representante direto das figuras parentais deve ser substituída pela figura de um líder. Pode-se dizer que na infância, o processo de transferência se dava de forma “linear”. Ou seja, por ter “afeto” pelo outro, o sujeito atribui a ele um “saber” e ao mesmo tempo, por causa desse “saber”, investe nele uma “autoridade”. No entanto, dadas as características peculiares desenvolvidas na adolescência, a relação transferencial, sob a mesma estrutura afeto/saber/autoridade, se processa, de certo modo, de forma aleatória. Assim, segundo Lacan (1998), na adolescência, esse processo pode

11 LE BOM, G. Psicologia das multidões. Paris: F. Alcan, 1921.

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iniciar pelo “saber” que é conferido ao líder e a partir daí, triangular os outros pilares da trans-ferência, o “afeto” e a “autoridade”. Também poderá se iniciar pela “autoridade” representada pelo status que esse indivíduo ocupa, dirigindo-se então para o “afeto” e o “saber”. Ou ainda, nos moldes do que acontece na infância, originando-se pelo “afeto” e fechando a estrutura transferencial com os pilares “saber” e “autoridade”.

Nessa circunstância, grande parte do sucesso do aprendizado de um adolescente está dire-tamente ligada à capacidade do professor se colocar-se como líder. Dessa forma, o professor enquanto líder, zeloso para com seus liderados, poderá substituir os representantes parentais da infância do adolescente. Ora, enquanto líder, o zelo que o professor deverá dispensar ao adolescente deverá, também, ser capaz de sustentar a relação transferencial e fomenta o pro-cesso educativo.

Considerações finais

No universo da educação, é possível ver pais e profissionais da área imersos em dilemas aparentemente insolúveis frente às situações que são reflexos das transformações pelas quais o mundo vem passando. Dentro desse contexto, está o ser humano e suas relações que não pas-sam ilesas em face dessas transformações. Nesse sentido, emerge uma necessidade de melhor compreender o ser humano e seu desenvolvimento, bem como suas relações, para que possam reposicioná-los no contexto contemporâneo. Tal necessidade se torna mais premente quando se trata de relação educador/educando, uma vez que a humanidade necessita do processo educacional para se manter como tal.

Nesse sentido, procurou-se, ao longo desse artigo, mostrar que no decorrer da vida, o ser humano repete a relação primária da infância, cuidador/cuidado, em suas relações transfe-renciais. Essas relações têm como estrutura básica a tríade afeto/saber/autoridade. Portanto, sendo a relação professor/aluno uma relação transferencial, ela tem essa tríade como sua es-trutura básica.

Os afetos são resultantes dos estímulos aos quais o sujeito é submetido. Tais estímulos, que podem ser os mais diversos, possibilitam afetos também diferentes, dependendo de como cada sujeito os traduz. Assim, dado estímulo poderá ser traduzido distintamente por sujeitos diferentes de forma a proporcionar prazer, satisfação – o que aqui foi denominado de “afetos positivos” – ou desprazer, insatisfação – a que foi denominado de “afetos negativos”.

Sob esse ponto de vista, cabe ao professor, entre outras coisas, saber adequar os estímulos que cada indivíduo requer para que resulte em “afetos positivos”. Esses afetos serão os responsáveis em transmitir ao aluno a sensação de zelo necessária para fortalecer a relação e refletir positi-vamente no processo de ensino e aprendizagem.

Em se tratando do universo infantil, o professor é herdeiro direto da relação cuidador/cuidado da primeira infância e, portanto, deve basear a relação a partir do “afeto”. Já no âmbito da ado-lescência, o professor, que até então era representante parental direto, deve ser substituído pela figura do líder, destituindo os primeiros. Será na posição de líder que o professor deverá ser capaz

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de perceber qual estímulo será traduzido em “afeto positivo” pelo adolescente, considerando a individualidade de cada elemento do grupo. Tal afeto refletirá o zelo que o sujeito demanda nessa fase do desenvolvimento e, consequentemente, no processo de ensino e aprendizagem.

Devemos salientar que a tentativa infrutífera do professor em se transformar em um ado-lescente não fará com que ele se coloque como líder frente aos adolescentes. O líder ocupa essa posição através de instauração da relação transferencial afeto/saber/autoridade, que na adolescência tem um caráter aleatório. O líder é aquele que consegue zelar pelos seus lidera-dos, abrandando as diferenças frente ao grupo, tratando todos igualmente, ao mesmo tempo em que está atento à individualidade de cada um. E ainda, o líder é aquele que, imbuído da crença por uma ideia, empolga-se por ela e cria essa mesma crença nos seus liderados.

Além disso, o professor, atuando como tal em qualquer etapa da vida, deve buscar administrar seus próprios afetos de forma suficientemente adequada para que eles não interfiram negativa-mente na relação com seus alunos. Assim, evitará o desenvolvimento de uma relação em que, ao invés de autoridade, se instaure o autoritarismo gerador de afetos negativos e, portanto, não desejáveis.

Finalmente, considerando as rápidas transformações pelas quais o mundo vem passando, principalmente no que tange ao conhecimento, tecnologia e informação, verifica-se um abalo em um dos pilares da relação transferencial professor/aluno, o “saber”. A autoridade por mui-to tempo vinha sendo legitimada pelo saber adquirido e pela experiência de vida. Atualmente, essa condição vem sofrendo arranhões. Isso ocorre no momento em que essa experiência, gradativamente, dá lugar à capacidade de reter e manipular as informações num mundo cada vez mais repleto de saberes tecnológicos dinâmicos.

Uma vez que o jovem tem conseguido adaptar-se com maior facilidade às novas exigências do mundo, ele passa a ter maior acúmulo de conhecimento tecnológico que os pais ou profes-sores. Baseado nessa capacidade dos jovens, os pais ou professores perdem a sua autoridade em detrimento do “maior saber dos filhos”, ignorando o conhecimento de vida e valorizando, indiscriminadamente, o “saber lidar com novas tecnologias”. Assim, cada vez mais, torna-se necessário o professor investir não só em novos conhecimentos, mas também na relação transferencial como um todo, assumindo integralmente a enorme responsabilidade que lhe é requerida enquanto educador.

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Transfer as the basis of teacher-student relationshipand catalyst factor of learning

AbstractThis article will address aspects of human development that are directly related to their understanding. With this we ex-pected to contribute to the proper structuring of relation-ship of educator / learner to reflect positively in the process of acquisition of knowledge. To implement this proposal, the concepts of affection and affectivity will be elucidated, in order to denouncing the misunderstandings about them. Next, Then, these concepts will be discussed in relation to human psychic and cognitive development and the lear-ning. From this explanation, the process established in the relationship between teacher and student through the de-velopment of the psychoanalytic concept of Transfer will be worked From this perspective, aspects of the transfer in chil-dren and adolescents, each with its particularities, pointing out that process in the relationship of teacher-student, will be elucidated.

Keywords: Teacher-student relationship; transfer; human development; affection and affectivity.

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A TRANSFERÊNCIA COMO BASE DA RELAÇÃOPROFESSOR-ALUNO E FATOR CATALISADORDO APRENDIZADO

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MÚSICA POPULAR E APRENDIZAGEM:ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ana Carolina Nunes do Couto

Mestre e Especialista em Educação Musical pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); graduada em Licenciatura em Música pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR). Professora da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas

Gerias (UEMG).

[email protected]

ResumoEste artigo expõe o pensamento de alguns pesquisadores sobre a “pedagogia da música popular” dentro de contex-tos formais de ensino. O argumento central parte do pres-suposto de que a inclusão do repertório popular dentro da aprendizagem formal de música necessita considerar tam-bém o contexto social e cultural no qual ele é produzido, consumido e transmitido. São discutidas algumas práticas de aprendizagem informal e seu uso, consideradas essenciais para a aprendizagem desse repertório, buscando assim con-tribuir para um pensamento reflexivo sobre a prática peda-gógica da música popular.

Palavras-Chave: Música popular; aprendizagem e pedagogia.

Introdução

A educação musical tem se beneficiado grandemente com a promoção de debates envolvendo a dicotomia música popular X música clássica. Após muitas pesquisas e debates sobre o tema, a inclusão da música popular como conteúdo nas aulas de música, dentro dos mais diferentes níveis, já é vista com maior naturalidade. No entanto, questões relativas à pedagogia do reper-tório merecem um olhar mais atento. A literatura aponta que ao incluir um tipo de música que durante muito tempo esteve às margens de sistemas formais de ensino musical, como é o caso da música popular, é preciso pensar em metodologias que sejam mais apropriadas à situação (ARROYO, 2001; SANDRONI, 2000).

Diversos autores refletem sobre essa problemática e apontam algumas soluções para o ensino da música popular em ambientes formais de ensino de música. Tais propostas levam em con-

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sideração o contexto cultural e social desse repertório. Dentre alguns autores que discutem o assunto, podemos citar Arroyo (2001), Björnberg (1993), Dunbar-Hall e Wemyss (2000), Green (1997, 2001, 2006), Hebert e Campbell (2000), Jaffrus (2004), Sandroni (2000) e Small (2003).

Apesar da discussão sobre o tema já existir há algum tempo, Green (2006) afirma que apenas recentemente as estratégias de ensino estão efetivamente mudando. Compreender os contextos nos quais a música popular acontece, bem como suas formas de transmissão de conhecimen-tos, práticas, valores, filosofia e conceitos, torna-se de suma importância para que o trabalho do professor e o uso dessa música sejam significativos. Nesse sentido, o que passa a ter maior importância não é apenas o “produto” em si, ou seja, o conteúdo; o que realmente importa é o “processo”, ou seja, a “autenticidade da aprendizagem musical” (GREEN, 2006, p. 114).

Ensino tradicional e a adoção da música popular: conflitos

Para compreender melhor o que a literatura traz a respeito da “pedagogia da música popular”, as comparações com a educação no contexto tradicional se fazem relevantes e necessárias. Isso porque quando aqueles que estão ensinando música popular advêm de contextos do universo da música clássica, sem experiência na área, o trabalho pode se tornar um problema (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000; SMALL, 2003).

O modelo de ensino tradicional de música que se difundiu pelo Ocidente enfatiza o domínio da leitura e escrita musicais, assim como a aquisição de informações históricas e teóricas e a técnica para a execução de um instrumento, privilegiando quase sempre o repertório dos grandes com-positores do universo clássico (GREEN, 2001; DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000).

Para Feichas (2006), esse tipo de aprendizagem favorece o individualismo e geralmente o conhecimento musical é transmitido de maneira compartimentada e mais abstrata, de forma que muitas vezes o aluno não faz relação entre o que aprende e sua vida cotidiana. Trabalhar dessa forma com a música popular seria uma atitude “irrefletida”, pois “[...] pode levar a pensar que é possível tratar as músicas populares como conteúdos a serem incorporados aos currículos de música, mas ensinados segundo métodos alheios a seus contextos originais [...]” (SANDRONI, 2000, p. 20).

Outro ponto a ser considerado quando se propõe o ensino da música popular é aquele ligado aos critérios estéticos com os quais se tecem os julgamentos e as avaliações desse repertório. Quando um sistema educativo está habituado a lidar com “identidade musical”, “técnica”, “originalidade”, “estilo” e “qualidade” nos termos da música clássica, existe a necessidade de se atentar para o fato de que usar dos mesmos critérios para julgar tais elementos dentro da música popular não seria adequado, segundo Small (2003).Alguns autores argumentam que, assim como é o caso das músicas pré-tonais, pós-tonais, e atonais, a música popular requer outros modelos analíticos, distintos daqueles empregados pela clássica (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000).

Björnberg (1993) afirma que a ideia de que todas as músicas podem ser ensinadas, avaliadas REVISTA MODUS – ANO V / Nº 6 – Belo Horizonte – Maio 2008 – p. 55-68

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e julgadas pelos mesmos critérios, considerando os conceitos musicais isoladamente de seus contextos culturais, é característica de um conflito imposto pela tradição do Conservatório. Dunbar-Hall e Wemyss (2000) acreditam que esta atitude se equipara ao imperialismo cul-tural. Similarmente, o uso de caminhos não ortodoxos, comuns à prática de música popular, os quais sejam divergentes daqueles praticados para o repertório clássico, poderia gerar ex-periências de aprendizagem que pareceriam “enganosas” aos olhos de quem os desconhece (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000, p. 24).

Pedagogia e autenticidade

Na cultura da música popular existe a crença, equivocada, da não necessidade de estudo para a sua aprendizagem, atribuindo-se a aquisição de conhecimentos e habilidades musicais ao talento, ou ao dom divino – principalmente por ser um repertório marginalizado durante muito tempo por instituições de ensino formal de música. Tal fato dificultou a visualização de seus processos de aprendizagem, mas isso não significa que não existam (SANDRONI, 2000).Green (2006) demonstra que existe algo fundamental e essencial na aprendizagem do reper-tório popular, algo responsável pelo desenvolvimento de habilidades e conhecimentos musi-cais nesse contexto. A autora afirma que os músicos populares estão engajados nas chamadas “práticas de aprendizagem informal de música” (GREEN, 2001, p. 5; 2006, p. 106). Essas práticas são analisadas em uma pesquisa que resultou no livro “How popular musicians learn” (GREEN, 2001), no qual participaram 14 músicos populares, de iniciantes a profissionais. Green (2001) procurou conhecer a trajetória da aprendizagem desses músicos e aspectos a ela relacionados.

As práticas informais englobam aspectos como: a escolha do repertório, diretamente ligada a músicas de que muito se conhece e das quais se tenha grande afetividade, e as práticas aurais1 como o copiar de ouvido músicas de gravações. Também há o fato de a aprendizagem acon-tecer em grupos, de maneira consciente ou inconsciente, através da interação com parentes, colegas e outros músicos que atuam sem a função formal de um professor. Também, como aspecto diretamente ligado ao aprendizado de músicos populares, existe a integração entre compor, tocar e ouvir com grande ênfase na criatividade.

Juntamente com as práticas de aprendizagem informal, há também o processo de encultu-ração, no qual a “aquisição de habilidades e conhecimento musical [acontece] por imersão diária em música e em práticas musicais de um determinado contexto social” (GREEN, 2001, p. 22). Tais práticas envolveriam o tocar, o compor e o ouvir músicas do contexto no qual o indivíduo está inserido. Assim, inaugura-se uma nova maneira de ver a “pedagogia da música popular”, na qual as práticas de aprendizagem informal se fazem indispensáveis ao trabalho do professor com esse repertório, tornando isso algo coerente e significativo.

Green (2006) afirma que quando o professor não é capaz de incorporar as práticas de aprendi-zagem informal dentro da “pedagogia da música popular”, ele se torna um “fantasma” dessa música em sala. A autora argumenta que a utilização das práticas de aprendizagem informal

1 A palavra aural é de origem inglesa, e está relacionada a práticas musicais baseadas na audição, independentemente de notação musical.

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nas aulas poderia oferecer aos alunos certo grau de autonomia com relação a seus professores, aumentando suas capacidades para seguir com o aprendizado de forma independente, encora-jando futuras participações no fazer musical além da sala de aula.

Para a autenticidade da prática pedagógica de música popular torna-se crucial que as formas de produção e transmissão do meio cultural, onde esse repertório vive, conduzam a aprendizagem e não apenas que sejam incluídos como recurso pedagógico. O uso das práticas de aprendizagem informal é fundamental para a música popular a ponto de tornar a sua aprendizagem autêntica ou não. As práticas de aprendizagem informal e seu papel serão analisados na sequência.

As práticas de aprendizagem informal de música

1. A escolha do repertório

A conquista de espaço das músicas populares em sala de aula aconteceu como decorrência de alguns fatores. Nos EUA e Grã-Bretanha essa inclusão iniciou-se em meados da década de 1960, visando a atender à preferência musical dos alunos. Porém, tal atitude escondia outra intenção: a de conduzi-los a um conhecimento eleito pelos professores como mais im-portante, ou seja, como um meio de levá-los à música clássica, não considerando a música popular como um repertório digno de grande atenção (CROSS, 1988; GREEN, 2001, 2006; TRIMILLOS, 1988).

No Brasil, o processo de inclusão da música popular num ambiente tradicionalmente ligado à música clássica – a saber, o Conservatório – é descrito por Arroyo (2001). Segundo o au-tor, esse processo foi advindo da “pressão dos alunos” manifesta através da grande evasão dos mesmos ao não encontrar essa música naquele ambiente.

A explicação para esses fatores pode estar no conceito antes mencionado neste trabalho: a enculturação. Desde a popularização do rádio, na primeira metade do século XX, a música popular tornou-se muito difundida. Atualmente, com os meios de comunicação levando- a para todos os lugares, a imersão das pessoas nesse tipo de música é constante e quase ine-vitável, o que justifica tal sensibilidade para esse tipo de música.

Green (2001) relata a importância da enculturação no processo de aprendizagem da música popular. Para a autora, ouvir muito determinada música é um dos motivos para se gostar dela, e nos processos envolvendo a aprendizagem da música popular, os alunos costumam escolher as músicas ouvidas com muita frequência.

A música e seus significados para o indivíduo

O envolvimento das pessoas com a música vai além da noção de enxergá-la como uma coleção de sons e silêncios; existem significados cercando-a que afetam o entendimento e a preferência para determinados tipos de músicas. Green (1997; 2006) elabora uma teoria sobre dois tipos de significados musicais que colaboram para a compreensão desse evento: os chamados “signi-ficados inerentes” e os “significados delineados”.

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MÚSICA POPULAR E APRENDIZAGEM:ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

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Os significados inerentes são aqueles que lidam com “a maneira que os materiais inerentes à música – sons e silêncios – são combinados um em relação ao outro” (GREEN, 2006, p. 102). Eles dependem diretamente da capacidade de cada ouvinte para perceber essas combinações que são desenvolvidas histórica e socialmente. “Eles são ‘inerentes’ porque estão contidos no material sonoro, e têm ‘significados’ uma vez que são relacionados entre si” (GREEN, 1997, p. 28).

Os significados delineados se referem “aos conceitos extramusicais ou conotações que a músi-ca carrega, isto é, associações sociais, culturais, religiosas, políticas ou outras” (GREEN, 2006, p. 102). Eles afetam a maneira pela qual aceitamos ou não determinados tipos de música.

Esses dois significados ocorrem em todo tipo de experiência musical, quer percebamos ou não, e podemos ter respostas positivas ou negativas para cada um deles (GREEN, 2006). Respondemos positivamente aos significados inerentes de uma música quando entendemos sua linguagem e temos determinado nível de familiaridade com o estilo, a ponto de perceber o que acontece musicalmente ali. Mas quando isso não ocorre, ou seja, quando não estamos familiarizados com o estilo musical, a ponto de sermos incapazes de compreender a sintaxe, respondemos negativamente aos significados inerentes.

Em se tratando dos significados delineados, eles receberão uma resposta positiva quando “[...] as delineações correspondem, sob nosso ponto de vista, com as questões que nos fazem sentir bem” (GREEN, 2006, p. 103). Essas questões referem-se à classe social, vestimenta, valores políticos e/ou religiosos, etnia, gênero etc. Mas também podemos responder negativamente aos deline-ados “[...] quando nós sentimos que aquela música não é nossa; por exemplo, se ela pertence a um grupo social do qual nós não nos identificamos [...]” (GREEN, 2006, p.103).

Responder positivamente aos significados inerentes e aos significados delineados de uma deter-minada música conduz à “celebração” daquela música. Responder negativamente para ambos os significados leva à “alienação”. E finalmente, ter uma resposta positiva para um, mas negativa para o outro leva à “ambigüidade” (GREEN, 2006, p. 103). Para exemplificar, a autora cita:

[...] uma pessoa pode não estar familiarizada com os significados inerentes de Mozart porque ele ou ela nunca o tocaram ou canta-ram, e ouviram apenas raramente esta música. Por isso, ele ou ela são relativamente incapazes de reconhecer detalhes da sintaxe, da forma, das suas mudanças harmônicas ou rítmicas, e ouve a música como algo rebuscado, enfadonho ou superficial. Mas, ao mesmo tempo, ele ou ela gosta das delineações envolvidas na trama operís-tica, o evento social de sair para a ópera com os amigos, e assim por diante (GREEN, 2006, p. 103).

Nesse exemplo, o tipo de envolvimento com o contexto em relação à obra de Mozart é “am-bíguo”, pois ao mesmo tempo em que não aprecia a linguagem musical da obra de Mozart por não estar familiarizada a ela, a pessoa gosta do evento social em torno da mesma. Se a

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resposta fosse positiva aos significados inerentes e delineados, a resposta seria de “celebração” ao estilo em questão. Porém, poderia ser de total “alienação” se a resposta fosse negativa tanto aos inerentes quanto aos delineados.

A influência dos significados musicais para a aprendizagem

Os tipos de respostas para cada um dos significados musicais influenciam a “educação musi-cal” no sentido em que “[...] a resposta para um aspecto do significado pode se sobrepor, in-fluenciar ou até mesmo alterar o outro” (GREEN, 2006, p. 103). Muitas vezes as inclinações negativas aos significados delineados são tão fortes para o indivíduo que tornam difícil seu acesso à linguagem para determinados estilos musicais. Para Green (1997), as reações das pes-soas não estão relacionadas apenas com suas habilidades musicais; elas seriam resultados de uma “[...] série de precedentes sociais e afiliações a uma variedade de diferentes grupos sociais” (GREEN, 1997, p. 34).

Quando se faz a opção pelo repertório a ser trabalhado em sala de aula, o educador deve estar consciente de que as delineações que os alunos têm sobre determinada música poderiam se sobrepor aos significados inerentes, comandando a predisposição destes em aceitar ou não determinados tipos de músicas. Segundo Green (1997):

se os alunos demonstram repulsa aos significados inerentes da música, aparentemente pode parecer simples a tarefa do professor torná-los mais familiarizados, ensiná-los algumas coisas a respeito dos significados inerentes da música, e aos poucos eles a entende-rão – talvez até acabem gostando dela. Entretanto, quão difícil será fazê-lo se os alunos já responderem negativamente aos significados delineados dela!(GREEN, 1997, p. 34).

Assim, a escolha dos alunos para determinadas músicas pode ser melhor compreendida, pois está situada numa rede de acontecimentos complexos que requerem atenção. Tais compreensões seri-am úteis para o trabalho do professor, pois podem mudar sua pedagogia em relação ao repertório trazido pelo aluno (GREEN, 2006, p. 114). Ao argumentar sobre a postura dos educadores em relação ao trabalho com a música popular, Small (2003) acredita que esse trabalho deve envolver as músicas que são importantes para os alunos e não apenas para o professor.

2. Tocar de ouvido

De todos os aspectos envolvidos no processo de aprendizagem da música popular, o aural é con-siderado o mais importante, pois é através dele que os músicos adquirem o conhecimento e as habilidades musicais (FEICHAS, 2006). As práticas aurais envolvem o fazer-musical de ouvido, ou seja, “criar, atuar, lembrar e ensinar músicas sem o uso de notação escrita” (LILLIESTAM, 1995, p. 195). A partir de atividades como copiar músicas de ouvido de gravações ou observar e imitar colegas e parentes, os músicos populares adquirem suas capacidades para improvisar e criar. Também desenvolvem o ouvido harmônico, rítmico e melódico.

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Trimillos (1988) tece uma análise sobre os aspectos mais importantes dentro de cada cultura musical que ajuda na compreensão da importância das práticas aurais na aprendizagem da música popular. O autor demonstra que em cada cultura existem aspectos considerados “críti-cos”, “desejáveis” e aqueles que são apenas “casuais”. Como exemplo o autor cita a cultura da Orquestra Sinfônica:

numa orquestra, a afinação uniforme é crítico. Cada violinista deve afinar suas cordas a partir do Lá 440 Hz, em alguns casos 442 Hz. Entretanto, é apenas desejável que todos os arcos da 1º sessão dos violinos se movam na mesma direção. A falha desse aspecto não invalida a performance ou compromete a identidade da peça exe-cutada. Finalmente, é casual – embora tradicional – que os homens usem ternos, as mulheres usem longos vestidos, tendo como cor predominante o preto [...]. Então, para esta tradição a altura é o crítico, a coordenação de movimentos é desejável e a vestimenta é casual (TRIMILLOS, 1988, p. 12, grifo nosso).

O papel desses três aspectos muda de cultura para cultura musical. Considerando a música popular como pertencente a uma cultura distinta daquela da música clássica, Arroyo (2001) argumenta que:

assim, é possível considerar que a notação musical ocidental é um as-pecto crítico na cultura musical erudita européia, por ser indispensáv-el à sua produção e aprendizagem. Para a cultura da música popular, a notação seria desejável e até mesmo casual, por não ser determinante na sua produção e aprendizagem. Aqui o crítico é a oralidade, que, por sua vez, na música erudita é desejável (ARROYO, 2001, p. 65).

O ensino tradicional de música dá grande ênfase ao desenvolvimento da capacidade de domi-nar os códigos da escrita musical. Para a prática e perpetuação do repertório clássico, onde se almeja reproduzir as peças musicais tal qual o compositor idealizou, a escrita faz-se realmente indispensável. Porém, a hegemonia desse tipo de ensino tornou natural a noção de que o conhecimento em música reside na capacidade de ler notação musical e no domínio da teoria dessa tradição, segundo Lilliestam (1995).

Embora a notação musical não seja um aspecto indispensável para a prática de música popu-lar, não deixa de ser uma vantagem para os músicos. A notação musical de músicas populares é facilmente encontrada em revistas, songbooks, internet e outros meios. A produção dessas partituras geralmente apresenta o básico da peça, frequentemente a letra (no caso de canções), uma linha melódica e a progressão de acordes – que são representados por símbolos como, por exemplo, as letras do alfabeto e denominados por cifras ou o desenho do braço do violão.

Transformar esse tipo de notação, que é pouco exato, numa performance requer dos músicos diversas habilidades: eles necessitam conhecer regras, limitações de seu instrumento, exercitar quais decisões tomar em relação à inversões, encadeamentos, bem como estruturar a peça, criar inflexões rítmicas entre versos, assim como fraseados. Essa prática desenvolve diversos benefícios

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como a confiança na improvisação, a vivência da música como som mais do que como notação, atividade mais do que passividade, conhecimento e manipulação estilísticos (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000). Por essa razão, o tratamento dado às partituras é outro elemento importante.

Botelho (1997) analisa as verdadeiras funções que as partituras de músicas populares carregam dentro dessa cultura. A autora diz que a não “obrigatoriedade” da fidelização do intérprete à obra do compositor é característica própria desse tipo de repertório. É muito comum encontrar diversas regravações com adaptações livres de interpretes diferentes. Uma partitura de determi-nada música popular representaria apenas a “cristalização” de certa interpretação, visto que ela já pode ter sido muitas e muitas vezes regravada com diferentes interpretações em vários aspectos musicais. Assim sendo, a autora propõe “a não aceitação de um primeiro impulso que um texto musical possa indicar” (BOTELHO, 1997, p. 86). Isso porque a gravação da peça verificando nuances e diferenças rítmicas, melódicas e harmônicas, por exemplo, pode ser significativa.

Para Lilliestam (1995, p. 196), “dever tocar assim como as notas dizem” é característica de uma má pedagogia. Considerando os aspectos inerentes ao fazer musical popular, existem aqueles como, por exemplo, “sonoridade e timbre, micro intervalos e ‘blue notes’, e sutilezas rítmicas que não podem ser capturadas pela notação” (LILLIESTAM, 1995, p. 198).

Abordagens para o ensino aural

Por estar tão relacionada à ideia de autodidatismo, de talento ou mesmo de dom divino, e por estar cercada de preconceitos, a capacidade para ensinar a tocar de ouvido pode parecer impossível para alguns. Alguns autores ajudam a desmistificar um pouco essa questão e ofe-recem uma série de sugestões a respeito do assunto. Priest (1993) sugere que isso pode ser desenvolvido no aluno através da memória cinestésica, ou seja, relacionada aos movimentos. Nessa memória a experiência sensório-motora de se produzir determinado som passa a ser mais valorizada. Dessa forma, o autor sugere atividades através do experimento com sons e movimentos: repeti-los e deles lembrar sempre, assim como na “Caixa de Skinner”2. Essa atividade deve ser contínua, pois é trabalhosa, muitas vezes baseada em tentativas de erros e acertos, e o professor precisa auxiliar como modelo (PRIEST, 1993).

Além da memória cinestésica, Lilliestam (1995) defende o trabalho com mais três memórias nessa atividade: a auditiva, relacionada à capacidade de perceber uma música de ouvido, lem-brar o que se ouviu e reproduzir isso com voz ou instrumento; a memória visual, relacionada à capacidade de se lembrar como se parecem, por exemplo, as fôrmas de mãos e/ou dedos ao instrumento quando se está tocando e a verbal, relacionada à capacidade para nomear dife-rentes fenômenos musicais, incluindo imitação de outros instrumentos, ritmos e sons que se ouvem como, por exemplo, quando alguém demonstra um modelo rítmico com a voz.

Outra sugestão desse autor é que o professor disponha do uso de “fórmulas” musicais. Estas 2 B. F. Skinner (EUA, 1904-1990) criou um sistema para a observação do comportamento de ratos que ficou conhecido como “Caixa de Skinner”. Nele, um rato é colocado dentro de uma caixa fechada que contém apenas uma alavanca e um fornecedor de alimento. Quando o rato aperta a alavanca sob as condições estabelecidas pelo experimentador, uma bolinha de alimento cai na tigela de comida, recompensando assim o rato. Após o rato ter fornecido essa resposta, o experimentador pode colocar o comportamento do rato sob o controle de uma variedade de condições de estímulo. Procurou, assim, demonstrar o poder das recompensas e do esforço para moldar o comportamento.

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“[...] são motivos musicais característicos ou padrões, os quais têm um núcleo reconhecível” (LILLIESTAM, 1995, p. 203). Elas existem em todos os elementos da música: melodia, se-quência de acordes, ritmo, padrões rítmicos de acompanhamento, letras, formas etc. Ao ser capaz de associar determinado som a determinado movimento para produzi-lo, assim como desenvolver o seu raciocínio para a construção lógica de uma música, por mais simples que ela seja, o professor auxilia na construção da habilidade de tocar de ouvido de forma mais segura, pois depender apenas da memória cinestésica seria muito arriscado, por ser esta extremamente frágil quando só (KAPLAN, 1987, p. 71).

Green (2006) defende o uso das práticas aurais como uma estratégia pedagógica que possibilita a ampliação na escuta musical dos alunos. Para a autora, ao engajar-se na tentativa de copiar auditivamente músicas de gravações, o aluno passa por uma experiência que o permite “mergul-har” para dentro dos significados inerentes da música, e, por um momento específico, ele estaria “livre” das delineações que muitas vezes o atrapalham no processo de compreensão musical.

3. Tocar em grupo

Uma característica marcante da música popular é o fazer musical em grupos. O músico popu-lar está engajado em atividades coletivas, as quais são significativas para o desenvolvimento musical nesse contexto. Além do treino individual, a interação com outras pessoas - como amigos, irmãos e familiares - favorece a aprendizagem musical, seja de forma consciente ou in-consciente (GREEN, 2001). A aprendizagem dentro de um grupo pode acontecer através das instruções compartilhadas diretamente de alguém próximo para uma ou mais pessoas daquele grupo, atuando sem a função formal de um professor, e também pela própria interação entre os membros desse grupo através de suas práticas (GREEN, 2001).

A prática musical em grupos acontece já nos primeiros estágios de aprendizagem de músicos populares. Isso porque quando as bandas se formam, geralmente, seus integrantes são muito jovens, às vezes ainda não sabem tocar quase nada e possuem sequer os instrumentos (GREEN, 2001, p. 78). Vale mencionar que um “grupo” não existe somente quando há um número grande de integrantes, mas a interação musical entre apenas dois indivíduos, havendo a prática, as trocas de informações e a mútua observação, já é considerada como prática musical em grupo.

A aprendizagem musical em grupo também fornece um ambiente favorável ao desenvolvimento da criatividade tanto individual quanto coletiva. Diferentemente de ambientes formais de en-sino, não há a figura de um professor que supervisione o trabalho por possuir conhecimentos e habilidades superiores. Feichas (2006) argumenta que a ausência da figura do professor como autoridade detentora do conhecimento nos ensaios e reuniões desses grupos musicais oferece uma boa chance de trabalhar questões criativas sem inibição e com mais liberdade.

4. Criatividade

Os atos de tocar, compor e ouvir fazem parte da trajetória da aprendizagem da música popular e são considerados práticas fundamentais para a aquisição de habilidades e conhecimentos musicais, sendo parte da rotina dos músicos (FEICHAS, 2006; GREEN, 2001). Geralmente,

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essas atividades ocorrem entrelaçadas entre si. Assim, o tocar é o ato de explorar sonoramente um instrumento ou a própria voz, e o compor inclui diversas atividades criativas. A prática de ouvir encontra-se implícita nessas anteriores. Muitas vezes essas três atividades complemen-tam-se, tornando, algumas vezes, difícil distingui-las.

A prática da improvisação dentro da pedagogia de um instrumento musical é vista como algo passível de ser realizado já no primeiro dia de aula, independentemente do nível técnico ou de conhecimentos teóricos prévios. Swanwick (1994) fornece nove pontos sobre as virtudes e a natureza dessa atividade para a prática de música popular, do ponto de vista de músicos de Jazz:

• Qualquer um pode improvisar desde o primeiro dia com o ins-trumento;• O princípio básico é ter algo fixo e algo livre, o que é fixo podendo ser uma escala, riff 3, acorde, seqüência harmônica, e principalmente – a pulsação;• É possível fazer boa música em qualquer nível técnico;• Use métodos, mas tome cuidado com estratégias de ensino fixas e rígidas;• Imitação é necessária à invenção, e tocar de ouvido é um esforço criativo;• Improvisar é como resolver um problema, é uma interação pessoal de alto nível;• Não existe um consenso sobre como as pessoas podem ser ajudadas a estudar improvisação – o envolvimento leva ao auto-aprendizado, e a motivação é o “prazer”;• Improvisar é autotranscendente e não auto-indulgente; o produto final é muito importante; fazemos contato com algo além de nossas experiências triviais: a nossa improvisação cria novas demandas na nossa maneira de escutar;• O segredo de tocar jazz é a construção auditiva de uma “biblioteca dinâmica” (SWANWICK, 1994, p. 11).

O processo de criação musical pode ocorrer individualmente. Entretanto, é característica da música popular a criação partir do aspecto individual para o coletivo (GREEN, 2001; LILLI-ESTAM, 1995). Durante o processo de criação, as ideias musicais são apresentadas ao grupo, e o trabalho feito a partir de então envolve a improvisação sobre tais ideias. Depois de impro-visar, os músicos escolhem algumas dessas ideias e nelas trabalham até que surja uma canção ou padrões para serem utilizados em composições (FEICHAS, 2006).

O uso das práticas de aprendizagem informal de música

As recentes mudanças nas estratégias de ensino da música popular na Grã-Bretanha, através da inclusão das práticas de aprendizagem informal dentro da sala de aula, vêm transformando a educação formal. Os jovens estudantes aumentaram a capacidade para realizar conexões entre o conhecimento que adquiriram dentro da sala de aula com suas práticas informais, que costumam correr paralelamente ao aprendizado formal (GREEN, 2001; 2006).3 Frase repetida em jazz ou música popular americana (N.T.).

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Contudo, tais mudanças ainda são muito recentes e ocorrem de maneira lenta. Em 2006, Green coordenou um projeto em 21 escolas da Inglaterra, envolvendo alunos com idades entre 13 e 14 anos. Foi proposta a inclusão de uma série de estratégias pedagógicas com a música popular, que incluíram as práticas de aprendizagem informal, como: (1) permitir que os alunos escolhessem as músicas; (2) aprender ouvindo e copiando gravações; (3) aprender entre grupos de amigos com o mínimo de condução adulta; (4) aprender através de descobertas, quase que “ao acaso”; (5) interação entre o ouvir, o tocar, o cantar, o improvisar e o compor (GREEN, 2006). Como resultado, os alunos tornaram-se capazes de ouvir mais criticamente e atenta-mente as músicas, além de estarem mais felizes e empolgados (GREEN, 2006).

Como extensão dos benefícios trazidos por essa experiência, os alunos também puderam ex-perimentar mudanças positivas inclusive em suas respostas às músicas clássicas. Por meio da manipulação direta com os significados inerentes das músicas do repertório clássico, através do uso das práticas de aprendizagem informal, as respostas aos significados inerentes se sobre-puseram às respostas aos significados delineados que eles possuíam anteriormente com esse repertório, ampliando suas escutas musicais (GREEN, 2006, p. 114).

Contudo, as adaptações ao uso de diferentes estratégias de ensino ainda podem encontrar muitas barreiras por parecerem estranhas a um sistema já instituído. Abrir caminho para as práticas de aprendizagem informal requer “[...] uma quantia considerável de coragem, e até um pouco de fé” (GREEN, 2001, p. 186). Os alunos estão habituados a receberem de seus professores a transmissão de novos conhecimentos e habilidades. Ao depararem-se com uma postura aparentemente mais passiva do que ativa do professor, algo incomum até então, eles poderiam ter um estranhamento difícil de ser justificado (GREEN, 2001).

Outros motivos para a não utilização das práticas de aprendizagem informal em sala de aula apontados por Green (2001) teriam relação com a formação dos professores e suas posturas. Os músicos populares que se tornam professores, inclusive aqueles que se consideram auto-didatas e que vivenciaram amplamente as práticas informais, não conseguem ensinar seus alunos usando as mesmas práticas com as quais aprenderam, imaginando-as indignas para a sala de aula. Assim, acabam adotando os antigos métodos tradicionais em suas abordagens. No caso de professores advindos do meio formal, o não uso das práticas informais aconteceria devido ao fato de eles nunca terem vivenciado tais práticas (GREEN, 2001, p. 180).

Conclusão

A “pedagogia da música popular” já vem sendo estudada como um aspecto diferenciado e merecedor de pesquisas e abordagens específicas que considerem as características inerentes ao contexto social e cultural nas quais esse repertório está inserido. Tal conscientização permite incluir determinadas práticas de aprendizagem musical que permaneceram durante muito tempo às margens do ensino de música formal.

Este artigo procurou expor o que alguns pesquisadores da área da “pedagogia da música popu-lar” acreditam sobre o papel que cada uma dessas práticas desempenha dentro de uma aula

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que inclua a música popular em suas atividades. Demonstramos que negligenciá-las durante as abordagens pedagógicas poderia comprometer a autenticidade da aprendizagem musical desse tipo de repertório (GREEN, 2006).

Por serem recentes, as transformações pedagógicas com esse repertório aparecem como uma tarefa árdua que ainda requer o empenho e a dedicação dos personagens envolvidos no cenário educacional. Isso para que se possam transpor os obstáculos impostos pela falta de informação e pelo preconceito.

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Popular music and learning: some considerations

AbstractThis article approaches the idea of some authors about Po-pular Music Pedagogy inside formal learning environments. The main argument believes that the inclusion of popular music in the formal learning environments needs to consi-der the social and cultural contexts where it is produced, consumed and transmitted. It discusses some informal lear-ning practices and their use, essential to the learning of this repertoire, in attempt to contribute for a reflexive thinking about the pedagogical practice of popular music.

Keywords: popular music; learning and pedagogy.

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15. Gráficos e figuras (estritamente indispensáveis à clareza do texto) deverão estar numerados. As legendas devem vir acima deles. Assinalar, no texto, pelo número de ordem, os locais onde devem ser inseridos.

16. Os quadros deverão ser acompanhados de cabeçalho que permita compreender o significado dos dados reunidos, sem necessidade de referência ao texto. Assinalar, no texto, pelo número de ordem, os locais onde os quadros devem ser inseridos.

17. As citações literais curtas deverão ser inseridas no texto, entre aspas, seguidas de parênteses com sobrenome do autor em caixa alta, ano da publicação e número da página de onde foram retiradas (cf. NBR 10520/2002 da ABNT). Exemplo: (MARTIN, 1988, p. 321-322). As citações com mais de três linhas deverão ser digitadas sem aspas, com um recuo de 4 cm da margem direita e corpo 11. Entre parênteses, informar o sobrenome do autor em caixa alta, o ano da publicação e o número da página de onde foram retiradas.

18. A lista com as referências bibliográficas completas, por ordem alfabética de sobrenome do autor, com apenas a inicial do nome, deve vir ao final do texto, obedecendo à NBR 6023/2002 da ABNT.

19. As colaborações devem ser enviadas para o endereço da revista MODUS.

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MODUS

Nome do avaliador:

Tipo de artigo: Título do trabalho:

1 - O trabalho se encontra em acordo com as normas de publicação da revista?( ) Sim ( ) Não

2 - O conteúdo é adequado à revista?( ) Sim ( ) Não

3 - O título expressa o conteúdo do trabalho?( ) Sim ( ) Não

4 - O resumo apresenta os aspectos fundamentais do trabalho?( ) Sim ( ) Não

5 - O título e o resumo foram traduzidos para o inglês de modo satisfatório?( ) Sim ( ) Não

6 - As palavras-chave são adequadas?( ) Sim ( ) Não

7 - A linguagem empregada é clara e apropriada?( ) Sim ( ) Não

8 - O texto está bem organizado?( ) Sim ( ) Não

9 - Os argumentos e as conclusões estão bem justificados?( ) Sim ( ) Não ( ) Não se aplica

10 - Há coerência entre o objetivo proposto e as conclusões?( ) Sim ( ) Não ( ) Não se aplica

11 - O autor utiliza as referências necessárias e adequadas?( ) Sim ( ) Não

12 - O texto apresenta erros grosseiros de gramática ou ortografia?( ) Sim ( ) Não

Formulário de Avaliação

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13 - As figuras ou tabelas estão claras e com legendas apropriadas?( ) Sim ( ) Não ( ) Não se aplica

14 - A extensão do texto é compatível com seu conteúdo científico?( ) Sim ( ) Não

15 - Qualidade da apresentação:( ) Excelente ( ) Boa ( ) Regular ( ) Insuficiente

16 - Qualidade geral do trabalho:( ) Excelente ( ) Boa ( ) Regular ( ) Insuficiente

17 - Recomendação:

18 - Observações/comentários:

Publicar sem alteraçõesPublicar após pequenas alteraçõesReescrever e submeter novamente para avaliaçãoRecusar

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MODUS

Esta revista foi composta em Belo Horizonte para aEditora da Universidade do Estado de Minas Gerais - EdUEMG

e impressa em off-set, em papel reciclado, na tipologia Adobe Garamond,corpo 9, entrelinha 9,6, capa em papel triplex 250g, em maio de 2008.