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Comissão

Permanente

dos Médicos

daCEE Por se ter revestido de aspectos especialmente importantes, considero oportuno dedicar a primeira parte

deste Editorial à reunião da Comissão Permanente dos Médicos da CEE, que se realizou em Madrid, nos dias 26 e 27 de Maio. Tratava-se da reunião dos Chefes de Delegação mas, como é costume, cada país era representado por dois ou mais Delegados. Assumiu a Presidência o actual Presidente do Conselho Geral de Colégios de Médicos de Espanha, Dr. Alberto Berguer, também Presidente da Comissão Permanente de Médicos da CEE e que desem­penhou as suas ru·nções de maneira brilhante, com grande conhecimento de todos os «dossiers» a ser discutidos, com ponderação e tendência para o consenso que, aliás, foi conseguido em todos os pontos. Dentro dos assuntos que mais preocupam a Comissão Permanente contam-se a demografia e migração dos médicos, o «numerus clau­sus», o desemprego e a reconversão dos médicos. Foi constituída uma Comissão «ad-hoc», de que faço parte, para se reunir durante um dia, no princípio de Setembro, a fim de elaborar um documento que será apresentado na Assembleia Geral da Comissão Permanente que se reune, também em Madrid, no mês de Novembro. A seu tempo será dado conhecimento aos Colegas Portugueses, nesta Revista, das propostas da Comissão.

Durante a discussão àcerca da necessidade de adopção do «numerus clausus», chegou-se à conclusão de que, a partir do ano em que se inicia a livre circulação (1993), não faz sentido que uns países tenham um «numerus clausus» instituído legalmente quando outros não o têm. O reflexo desse facto far-se-à especialmente sentir nos países em que foi adaptada a limitação do número de alunos que se arriscam a ser «invadidos» pelo grande excesso de médicos de outros países da CEE. E foi referido também que não basta existir «numerus clausus». É necessário estabelecer uma forma de ensino, especialmente no ciclo clínico, em que estudantes e docentes, este último com aptidão para o ensino e por ele motivados, constituam equipas de trabalho nos Serviços. Da mesma forma é neces­sário estabelecer qual o número suficiente de camas que estão adstritas ao ensino de modo a permitir aos alunos uma experiência de bom nível durante a permanência pré-graduada nos serviços clínicos. A idoneidade para o ensino de um Serviço depende do número de camas, das várias facilidades que existam, do acesso à biblioteca, do número de docentes responsáveis e de outros factores como o «débito» do trabalho, os tipos de patologias nele tratadas, a organização da consulta externa, etc. Mas a idoneidade não pode ser estabelecida de maneira vaga. Tem de se considerar não só se o Serviço é idóneo, mas também qual o número de estudantes que pode receber. Deverá seguir-se a mesma ideia que já se aplica ao internato geral, ou mesmo ao internato complementar, assim como ao internato voluntário. A capacidade formativa dos serviços deve ser condicionada pela avaliação de todos os parâmetros interligados e os voluntários só poderão ser aceites para as vagas «sobrantes». Desta forma, a ati­tude e o pensamento condutor será idêntico no ensino pré e pós-graduado.

No fim da Presidência Aberta, desta vez «aberta aos Açores», coincidindo com o dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, realizou-se uma Sessão Solene no Teatro Micaelense de Ponta Delgada em que foi, pela primeira vez, atribuído o Prémio Luís de Camões. Um júri Luso-Brasileiro de alto nível escolheu, por unanimidade, Miguel Torga para receber esse Prémio, no valor de dez mil contos. Teve esta Revista ocasião de publicar um texto inédito de Miguel Torga no número dedicado ao cinquentenário da Ordem dos Médicos. Realça-se agora o discurso de agradecimento do grande Poeta e Escritor Português, perfeito monu­mento da arte e engenho literário do nosso Colega Transmontano que vive em Coimbra. O discurso de Sua Exce­lência o Presidente da República encerrou a Sessão. Foi uma verdadeira alocução de Homem de Estado num dia certamente festivo mas que, acima de tudo, comemora a história de um Povo que se distinguiu no passado e conti­nuará, num futuro difícil e de desafio, a mostrar a sua qualidade.

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RôVISTA

Director Manuel E. Machado Macedo

Redactores Artur Manuel Osório Morais de Araújo

Pedro Correia da Silva

Isabel Cristina Pires

Rui Pato

José Germano Rego de Sousa

JUNH0/89

Depósito Legal n.º 7421/85

Propriedade, Administração e Redacção:

Ordem dos Médicos Avenida Almirante Reis, 242, 2.0 Esq.

Te ler. 80 54 12 - 1000 LISBOA

Preço avulso: 200$00

PUBLICAÇÃO MENSAL

27 500 exemplares

Execuçiio gráfica:

Sogapal, Lda. Casal da Fonte/Porto de Paiã

Telefs. 47901 42/49 - 2675 ODIVELAS

Comunicado do CNE - As conclusões do CNE após a análise

do projecto de Decreto-Lei proveniente do Ministério da Saúde e

que visa rever o Decreto-Lei n.0 310/82 sobre Carreiras Médicas.

Cancro Cutâneo- Um artigo

da autoria dos Drs. A. Pinto

Soares e J. Campos Lopes. Vem

ao encontro da campanha do

Conselho da Europa, que decla­

rou 1989 como Ano Europeu de

Informação Contra o Cancro.

-1:"\_,�...,...,l L '�li., f

O Serviço de Urgência - Passado, Presente e Futuro -Um oportuno e interessante trabalho do Prof. Jaime Celestino da

Costa, já publicado na Revista da Ordem dos Médicos de Jan./Fev.

No entanto, e atendendo às falhas então verificadas, repete-se neste

número a sua publicação.

EDITORIAL 3 CANCRO CUTÂNEO 11

COMUNICADO DO CNE 6 SERVIÇO DE URGÊNCIA 22

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COMUNICADO DO CNE Da análise do projecto de Decreto-Lei proveniente do Ministério da Saúde que

visa rever o Decreto-Lei n.0 310/82 sobre Carreiras Médicas, o Conselho Nacio­nal Executivo da Ordem dos Médicos chega às seguintes conclusões:

A - Na generalidade

a) Face ao Decreto-Lei n.º 310/82 quepretende substituir e que aliás tinha sido fortemente contestado por esta Ordem quando da sua feitura, não apresenta qualquer vantagem na medida em que acentua fortementeos aspectos negativos que possuía, além de lhes acrescentar outros, e graves, ex. novo. Assim:

6

1. Ressalta em primeiro lugar aintenção, explícita ou tacitamente mal disfarçada, de generalizar o regime de dedicação exclusiva tor­nando-o se não claramente obriga­tório, pelo menos rodeado de con­dições tão leoninas que na prática oresultado será o mesmo.São bem demonstrativos de tal in­tenção nítida: - o padrão de vencimento ser odesse regime; - a determinação do regime de trabalho na abertura dos concur­sos, que sem imaginação desmedida pode vir a ser interpretado como,com facilidade, passar a ser cor­rente ou universal a condição de dedicação exclusiva; - os critérios de nomeação deDirector de Serviço em que é im­posta como condição;- o desaparecimento do regime detrabalho completo prolongado que cria um fosso financeiro entre o re­gime de tempo completo e o regimede dedicação exclusiva. Considera este Conselho Nacional Executivo que a linha de orientação escolhida é extremamente infeliz pois fere de forma insanável a liber­dade de trabalho dos médicos e a ser generalizada terá como resul­tado global uma perda de indepen­dência da profissão médica com os inerente inconvenientes para a população. Poder-se-á legitima­mente pôr a interrogação se não será este, de facto , o efeito preten­dido. 2. Acresce que o regime de dedica­ção exclusiva para que se aponta está longe de ser transparente e abre, em termos pouco claros, apossibilidade de exercício de clínica privada, embora cingida a Chefes de Clínica e Directores, e Conven­cionada a pessoas nesse regime.

A nosso ver tal orientação cria um regime de promiscuidade facil­mente gerador de efeitos perversos, além da perturbação do funciona­mento hospitalar com discrimina­ção quer de pessoal quer de doentes dentro da mesma Instituição que levou ao seu abandono em vários países em que foi tentado. 3. É mantida e acentuada a separa­ção entre a obtenção de graus e oprovimento de lugares já existentes no Decreto n.º 310/82. Tal sistema, que julgamos ser original pois nãoconseguimos observá-lo em ne­nhum outro país, tem dado resulta­dos práticos bastante negativos pois gera conflitos de competência e hie­rarquia que dificultam o funciona­mento dos serviços, pelo que umarevisão deveria ser no sentido da sua supressão.Ao contrário, o presente projectoao institucionalizar estes fenóme­nos criando uma categoria intermé­dia de assistente graduado irá, con­certeza, agravá-los mais ainda. Efectivamente a natureza do tra­balho médico não se coaduna com uma hierarquia profissional tão pesada, ou seja, na prática comquatro categorias só com paralelo na carreira militar. Aliás, é uma tendência simplificadora que severifica na generalidade dos países europeus. Se se pretende progres­são remuneratória poder-se-ão adaptar outros esquemas que nãoimpliqµem hierarquização técnica, ou seja, um sistema de fases hori­zontais.4. Não se descortina qualquer alte­ração no espírito e esquema remu­neratório da Carreira de Clínica Geral na linha que anteriomente tinha sido esboçada, ainda que deforma a nosso ver incorrecta e insu­ficiente, de remuneração por acto médico e relação desburocratizada de médico/doente. Faz-se notar que já no dia 4 deOutubro de 1988, a Ordem dos Médicos entregou ao Ministério daSaúde uma proposta de alteração da Carreira de Clínica Geral, quenão foi minimamente acolhida no presente projecto.5. O projecto é omisso na fase deformação, que consideramos fun­damental, e na mecânica e tipo de

concursos e exames que remete para legislação complementar de regulamentação. Afigura-se que num projecto de Carreira, estes aspectos são mais relevantes e determinantes da apre­ciação que se possa fazer do que as exaustivas discrições do conteúdo funcional das várias categorias que não deixam de revestir um carácter um pouco literário.

6. Parece que um projecto destetipo deveria obrigatoriamente inse-rir o esquema remuneratório, pelomenos na sua estrutura, ainda que não fosse possível atribuir de momento os valores concretos

.para poder ser comparado com actual e com carreiras semelhantes.

7. Para terminar, mas fundamen-tal do ponto de vista da Ordem dos Médicos, a existência dum con­curso de habilitação a nível nacio­nal e da designação do 1. º grau como de Especialista, faz prever que se mantenha e agrave a querela da dupla titulação apesar de todosos protestos em contrário produzi­dos pelo Governo.

b) Dada a relevância de todos estesaspectos gerais, parece desnecessá­rio entrar na análise do ante-pro­jecto na especialidade embora mui­tos fossem os pontos susceptíveis de levantar reparos.

c) Acresce que para além destes des­méri tos, e ainda que méritostivesse, uma proposta de alteraçãde Carreiras de carácter tão pr fundo nunca poderia ser aceite desenquadrada de uma revisão econhecimento prévio da política geral de saúde.

d) Por tudo o exposto, o ConselhoNacional Executivo da Ordem dos Médicos, propõe: 1. que seja comunicado ao Minis­tério da Saúde a rejeição em blocodo projecto fundamentando-o com a presente crítica;

2. a divulgação larga à ClasseMédica e ao público das razões que levaram a tal posição;

3. a adopção de medidas de todosos tipos quer autónomos, quer em conjunto com outras estruturas médicas, que de uma forma tenaz edecidida impeçam a adopção do projecto proposto dadas as nefastasconsequências que teria para a Medicina Portuguesa.

Inf

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VII CONGRESSO NACIONAL DE MEDICINA 19 DE NOVEMBRO - DOMINGO

18.00 horas - SESSÃO DE ABERTURA

Presidida por sua Excelênciao Presidente da República

- INAUGURAÇÃO DE EXPOSIÇÕES- História da Medicina- Arte Médica- Livros Médicos Históricos

20 DE NOVEMBRO - SEGUNDA-FEIRA

TEMA: A MEDICINA NOS DESCOBRIMENTOS E OS DESCOBRIMENTOS DA MEDICINA

MANHÃ:

09.30 horas - Mesa Redonda: - A Medicina nos Descobrimentos

- Os Descobrimentos Portugueses e a Medicina- O Hospital Real de Todos os Santos- Garcia de Orta- Amato Lusitano- Hospitais de Além-Mar e Assistência Sanitária

às Armadas- A Medicina e o Ensino Médico em Goa- A Medicina dos «Bárbaros do Sul»

TARDE: 14.30 horas - Mesa Redonda:

Composição: 17-butiroto de hidrocortisona o 0,1 %

- Os Descobrimentos da Medicina- Medicina Espacial- Engenharia Genética- Novas Tecnologias Médicas- Implicações Jurídico-éticas da Medicina do Futuro

21 DE NOVEMBRO - TERÇA-FEIRA

TEMA: POLÍTICA DE SAÚDE

MANHÃ:

09.30 horas - Mesa Redonda: - Integração Europeia

11.30 horas - Mesa Redonda: - Ética Médica

TARDE:

14.30 horas - Mesa Redonda: - Sistemas de Saúde

e Independência Profissional

16.30 horas - Mesa Redonda: - Política de Saúde

22 DE NOVEMBRO - QUARTA-FEIRA

MANHÃ:

- CONCLUSÕES- ENCERRAMENTO

Escolha terapêutica com

Alta Aceitabilidade Cosmética

fist-b 'Ocades AV FERREIRA GODINHO - CRUZ QUEBRADA

Deoom;ooçôo e Sede Sodoia GIST-BROCAOES, LDA. R. He,óe de f<orn;o, 846- MATOSINHOS Capital Social 1 000 000 000$00 • Conservatória do Reg. Com. do Porto • Mot. n.0 13 596

Cont. n.' 500 268 177

Apresentação e preços: bisnagas de 30 g

CUSTO C.M.D.T. • li g) Indicações: dermatoses cortico-sensiveis e mais particularmente nos lesões sub-agudas P.V.P Estado/Utente Estado/Utente ou crónicos e secas localizadas ém regiões sensíveis. Posoloqio: 2 o 4 aplicações por dia.

399$0 200$0/199$0 6$7/6$6 • C.M.D.T. - Cuslo Médio Trotamento Dia

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CANCRO �

CUTANEO -

O Conselho da Europa declarou 1989 como o Ano Europeu da Informação Contra o Cancro. Este interesse resultou em grande medida de constatação que em 1988 um em cada quatro óbitos registado no Velho Continente foi determinado por doença Oncológica. O combate contra o Cancro deverá ser desenvolvido simultaneamente em duas frentes: o da inves­tigação, na procura de novos medicamentos cada vez mais activos e também mais específicos, com ensaios comparativos apoiados nos grupos cooperativos, e também o desenvolvimento de novas e mais sofisticadas técnicas diagnósticas e de esta­diamento.

Por outro lado é fundamental que a educação médica e da população em geral no sentido de obter um diagnóstico tão pre­coce quanto possível e promover e difundir métodos profiláticos, pois só deste modo se poderá pensar em reduzir a mortali­dade e a mortalidade da doença oncológica.

DR. A. PINTO SOARES

- Director do Serviço de Dermatologia do Hospital do Desterro - Hospitais Civis de Lisboa

DR. J. CAMPOS LOPES

- Assistente Hospitalar Graduado de Dermatologia do Hospital do Desterro - Hospitais Civis de Lisboa

A frequência, morbilidade e mor­talidade atribuídas aos tumores malignos cutâneos colocam-nos em

•sição relevante entre as preocupa­es dos dermatologistas. Abordare­os os T. malignos epiteliais mais fre­

quentes (Carcinoma Baso Celular e Carcinoma Espino Celular) e o Mela­noma pelo peso que possuem nas esta­tísticas oncológicas.

São múltiplas as condicionantes apontadas na etiopatogénese destas situações: ambientiais, geográficas, raciais, hábitos e ocupações, suscepti­bi l idade individual geneticamente determinada, etc.

O reconhecimento dos factores ambienciais remonta a 1775 quando Percival Pott descreve carcinomas do escroto em limpa chaminés, relacio­nando-os com o contacto com carcino­génios derivados do alcatrão.

Igualmente o conteúdo em Arsénico da água de certas regiões foi incrimi­nado na génese de neoplasias malignas cutâneas desde 1888. Do mesmo modo o uso industrial de derivados arseni­cais, bem como a utilização farmaco­lógica de sais inorgânicos de arsénico

trivalente para o tratamento de pso­ríase, epilepsia e sífilis e ainda a incor­poração do arsénico em tónicos e pre­parações homeopáticas é apontado como agente carcinogénio cutâneo (e igualmente ligado a diversas neopla­sias internas).

Os factores rácicos relacionam-se com o fotótipo (diferente capacidade de reacção às radiações solares com especial relevância para a porção de espectro entre os 290 e 330 mm (U.V.B.).

No capítulo de fotoindução tumoral há que considerar dois tipos de situa­ções: o efeito solar cumulativo com o consequente fotoenvelpecimento (der­matoheliose) particularmente resul­tante de exposições determinadas por actividades profissionais ao ar livre. Por outro lado há a exposição mais ocasional de índole recreativa causa­dora de queimaduras solares. Com a primeira (exposição continuada) rela­cionam-se os T. Melignos Epiteliais e com a segunda o Melanoma.

As condicionantes geográficas da carcinogénese dizem respeito à inexis­tência da uniformidade no atingi­mento da crosta terrestre pelas radia-

ções solares. A quantidade e qualidade das radiações dependem da quanti­dade de ozono da estratosfera, humi­dade atmosférica, latitude, superflcies reflectoras, etc.

No que se refere aos hábitos, um exemplo paradigmático é o uso de bra­zeiras e a sua relação com neoplasias atribuídas a radiações ·intravermelhos de maior comprimento de onda que os U.V.B.

A influência de factores genéticoscondicionando particular susceptibili­dade aos agentes carcinogénicos é bem exemplificada no Xeroderma Pigmen­tosum em que existem alterações gene­ticamente determinadas para a repara­ção e replicação do D.N.A. alterado pelas radiações actínicas.

Factores constitucionais sem base genética conhecida podem ser relevan­tes na associação a múltiplos tumores malignos viscerais no sindroma de Torre.

A fotoindução pelas radiações U. V. de neoplasias cutâneas é hoje em dia inquestionável e é particularmente importante em indivíduos mais fotos­sensíveis. A fotossensibilidade relacio­na-se com características morfológicas

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como cor de iris e cabelo e mais ainda com a tendência para fazer queima­duras solares, daí a conveniência de classificar os indivíduos consoante o fotótipo:

Fotótipo 1 - queima-se sempre e nunca se bronzeia

Fotótipo 2 - queima-se sempre e pouco se bronzeia

Fotótipo 3 - queima-se esporadica­mente e adquire bron­zeamento gradual

Fotótipo 4 - raramente se queima e bronzeia-se sempre

Fotótipo 5 - não se queima, pele for­temente pigmentada

A queimadura solar consiste em eritema doloroso, edema e por vezes vesiculação seguida em geral de desca­mação e deve-se essencialmente aos U.V.B. (Radiações entre 290 e320mm).

As radiações de maior comprimento de onda (U.V.A. - 320 a 400mm) estão mais relacionadas com o bron­zeamento, tendo papel mais modesto na carcinogénese. No entanto são rele­vantes no fotoenvelhecimento ou der­matoheliose já que têm maior poder de penetração até à derme. Poderão tam­bém actuar como co-carcinogénicos.

A consequência mais evidente da queimadura solar é a formação de Efe­lides, frequentemente encaradas como «sinais de saúde» mas que são na reali­dade o sinal menor de fotoagressão. Devem-se ao aumento da síntese de melanina sem proliferação de melano­citos e portanto praticamente desapa­recem meses depois de cessar a fotoex­posição. Fotoagressões mais intensas e/ ou mais duradouras determinam máculas hiperpigmentadas permanen­tes - Lentigo Solar (Queratose Senil) em que já se verifica uma proliferação benigna de melanocitos.

A exposição crónica às radiações solares altera as fibras elásticas da derme - elastose solar - aspecto amarelado com acentuação das marcas cutâneas e formação de comedões e grãos de milia sendo a expressão máxima a Cutis Romboidalis obser­vada mais frequentemente no pescoço e nuca bem como dorso das mãos onde a pele tem menor elasticidade, é mais seca, rugosa e atrófica.

QUERATOSE ACTÍNICA

É a dermatose pré-cancerosa mais frequente, consiste inicialmente numa mancha acastanhada de limites irregu­lares e mal definidos, plana ou discre­tamente saliente, superfície lisa ou um pouco rugosa por vezes descamativa. Evolui lentamente, espessando-se e tornando-se mais infiltrada de bordos mais salientes e nítidos. Pode erosio­nar-se na porção central ou adquirir uma espessa camada córnea.

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Fig. I - Queratoses Actínicas múltiplas

As queratoses actínicas são em regra múltiplas e localizam-se preferencial­mente nas áreas fotoexpostas como o dorso das mãos, antebraços e face e sobretudo na fronte, regiões temporais e genianas (Fig. 1). Igualmente o couro cabeludo com alopécia é uma área vul­nerável.

Como dermatoses pré-cancerosas que são, podem originar carcinomas Espino Celulares e menos frequente­mente Baso Celulares pelo que se impõe a terapêutica atempada das queratoses actínicas com criocirurgia ou 5 F. U. tópico com bons resultados tanto do ponto de vista clínico como cosmético. Esta terapêutica deverá ser complementada com adequada foto­protecção.

QUEILITE ACTÍNICA

Equivalente mucoso da queratose actínica afecta com mais frequência o lábio inferior, anatomicamente mais predisposto a danos actínicos. Con­siste numa placa esbranquiçada - leu­coplaquia- com superflcie lisa atró-

fica por vezes descamativa e fa� mente erosionada.

A infiltração facilmente detectável à palpação bem como a erosão consti­tuem evidência clínica da transforma­ção carcionamatosa - em regra um carcinoma espinocelular agressivo com potencial metastático considerável (Fig. 2).

Poder-se-á pois histologicamente encontrar na queilite actínica uma variedade de aspectos histológicos que vão da displasia epidérmica in situ ou mesmo ao carcinoma Espino Celular invasivos. Portanto a excisão cirúrgica com margem de segurança deve ser praticada.

CARCINOMA ESPINO CELULAR

Neoplasia maligna originada na epi­derme ou seus anexos cujas células evi­denciam grau variável de diferenciação no sentido da queratinisação. O gr' de diferenciação condiciona diferent potenciais de malignidade (tanto maior quanto menos diferenciados

Fig. 2 - Carcinoma Espino Celular sobre Queilite A clínica

15

60

Cu

QUIMIF

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forem as suas células) podendo infil­trar as estruturas adjacentes ou metas­tizar por via linfática com compro­misso da sobrevida do doente. Pode localizar-se em qualquer ponto da superficie cutânea (incluindo palmas e plantas) sendo frequente a localização nas mucosas.

Atinge os dois sexos em proporções equivalentes com excepção da localiza­ção labial onde o predomínio mascu­lino é bem evidente.

Raramente surge em pele sem lesão pré-existente. Múltiplos carcinogénios actuando isoladamente ou em con­junto podem ser incriminados na génese do C.E.C., se bem que as radia­ções actínicas ocupem lugar de desta­que já que são responsáveis directos pelas queratoses actínicas como se referiu anteriormente. Igualmente, em tempo não muito distantes, profissio­nais de radiodiagnóstico bem como doentes tratados com RX em que se desenvolviam radiodermites estavam parcialmente sujeitos a este tipo de Neoplasia.

O contacto habitual com hidrocar­bonetos policíclicos, cicatrizes de diversas etiologias (queimaduras, her­pes vulgar, etc.) bem como ulcerações de evolução tórpida (úlcera de perna) são igualmente situações potencial­mente condicionantes ao carcinoma Espino Celular. Este pode também complicar diversas genodermatoses como Albinismo ou Xeroderma Pig­mentosum. Naquele há alterações do mecanismo de fotoprotecção e neste defeito na reparação do D.N.A. alte­rado pelas radiações U. V .. A oncogé­nese virai é também apontada como importante na etiopatogenia do C.E.C. vírus do grupo PAPOVA quepodem estar na base dos CarcinomasVerrucosos.

O reconhecimento precoce de for­mar in situ de C.E.C. (doença de Bowen e Eritroplasia de Queyrat) é condição fundamental para uma tera­pêutica eficaz.

DOENÇA DE BOWEN

Carcinoma intraepidérmico habi­tualmente único, pode localizar-se em qualquer área, com predomínio nas pernas, dorso das mãos e face. É uma placa eritemato escamosa bem limi­tada e pouco saliente, facilmente con­fundida com lesões benignas como eczema mumular ou placa de psoríase.

Surge em regra em pele com sinais de dermatoheliose devendo pensar-se na etiologia arsenical no caso de lesões múltiplas.

Do ponto de vista histológico os achados na doença de Bowen são de carcinoma in situ com paraqueratose, acontose e sinais de displasia. A arqui­tectura epitelial está desorganizada e há perda da maturação celular, pleo-

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morfismo nuclear e citoplasmático, aumento da actividade mitótica a vários níveis da epiderme.

ERITROPLASIA DE QUEYRAT

É a variante mucosa da doença de Bowen. Em geral trata-se de uma placa eritemato"sa vermelho vivo, de limites bem marcados, superficie aveludada e brilhante e totalmente assintomática.

A ausência de diagnóstico e terapêu­tica atempada conduz à evolução para C.E.C. invasivo.

NO CARCINOMA ESPINO CELULAR INVASIVO

Clinicamente, em fases precoces do seu desenvolvimento é possível reco­nhecer a queratose actínica que lhe deu origem (lesão que sofreu aumento do diâmetro e espessura, se infiltrou tor­nando-se os bordos mais salientes e vegetantes, ou sofrendo ulceração).

Fig. 3 - Carcinoma Espino Celular nodular

O C.E.C. é relativamente pouco polimonfo descrevendo-se essencial­mente duas formas clínicas: Nodular e Ulcerada.

O C.E.C. Nodular tem crescimento exofitico, cor vermelha rosada, super­ficie irregularmente crostosa ou ero­sionada, consistência dura elástica com sensação de infiltração em pro­fundidade (Fig. 3). Por vezes observa­se um conjunto de proliferações neo­plásicas confluentes de superficie irre­gular e queratósica podendo atingir dimensões consideráveis.

A forma ulcero-vegetante é a mais frequente e característica, tem base anfractuosa, margem elevada, firme e irregular.

A ulceração tem dimensões e con­tornos variáveis, fundo vegetante e sangrando facilmente.

Entre os dois tipos limite, no que respeita ao grau de malignidade

(Doença de Bowen e C.E.C. invasivo) situa-se o C.E.C. verrucoso que pode ter localização.na mucosa oral- Papi­lomatose Oral Florida, na área genito­-anal - Condiloma Gigante de Buschke Lowenstein ou palmo plantar - Carcinoma Cuniculatum.

São variedades de C.E.C. em que hágrande evidência da etiopatogenia virai, têm crescimento lento são invasi­vos localmente mas com menor ten­dência para metastizar.

Embora nos C.E.C. o prognóstico seja reservado há localização particu­larmente temíveis (como a mucosa labial, pavilhão auricular, couro cabe­ludo, e aqueles que se desenvolvem em pele aparentemente sã. O tipo histoló­gico (grau de anaplasia) igualmente condiciona o prognóstico.

A metastização viceral é menos fre­quente que a ganglionar e atingem pr� ferenciamente o pulmão e em men� grau, figado e osso.

A terapêutica é cirúrgica com esva­seamento ganglionar impondo-se a quimioterápia citostática adjuvante nas formas metastizadas.

CARCINOMA BASE CELULAR -HASALIOMA

Tumor maligno cutâneo cuja desi­gnação advém da semelhança. da sua celularidade com as células da camada basal da epiderme. Tem origem prová­vel em células epiteliais pluripoten­ciais. Os ninhos de células basaloides que constituem o tumor estão envolvi­das por um estroma de tecido conjun­tivo dérmico, sem o qual não são viá­veis. Este facto poderá ser uma das razões porque o Basiloma raramente matastiza. É o tumor maligno mais frequente na raça caucosiana, maligni­dade que se situa nos aspectos histopa­tológicos e no poder invasivo local condicionando por vezes importantes

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Fig. 4 - Basa/iama com pérolas epiteliomatosas e pigmento

destruições locais, nomeadamente na face onde predomina.

Atinge de igual modo os dois sexos com maior incidência a partir da 4_a década sendo as radiações actínicas acumuladas ao longo dos anos factor etiopatogénico de realçar já que a inci­dência do Basalioma varia na razão inversa do grau de pigmentação cutâ­nea, sendo excepcional na raça Con­goide. Também carcinogénios quími­cos, sais inorgânicos de arsénico, outras radiações ionisantes são facto­res a considerar. Factores genéticos estão na base do síndroma dos Basa­liomas Nevoides (sindroma de Gorlin) no qual surgem múltiplos basaliomas progressivamente a partir da infância, acompanhados de «picotado» paleno plantar, anomalias esqueléticas, ao S.N.C., etc.

Contrastando com a rápida progres­são e pequeno polimorfismo clínico do C.E.C. o Basalioma cresce lentamentee possui notável variedade de aspectosclínicos relacionáveis com volume damassa terminal, intensidade da reac­ção dérmica no sentido da cicatrizaçãoe do maior ou menor poder invasivo.O polimorfismo que caracteriza estaneoplasia dificulta a classificação embases clínicas. Há, no entanto, um ele­mento clínico quase constante caracte­rístico - pérola epiteliomatosa­pápula ou pequeno nódulo hemisfé­rico, eritemaso, translúcido de superfí­cie lisa regular e consistência dura elás­tica.

Também a existência de finas telan­gectasias e ponteado melânico são ele­mentos constituintes habituais (Fig. 4).

Tipos clínicos da Basalioma:

a) Nodular - o mais frequente noqual a ponção central do tumor se mantém inalterável até fases avança­das da evolução, podendo confundir­-se com quistos benignos dada a

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dimensão que pode atingir em progres­são lenta e assintomática. No caso de ocorrer ulceração constitui um subtipo clínico: Basalioma Nodular Ulcerado (Fig. 5).

b) Ulcuns Rodens ou BasaliomaTerebrante - é uma uluração ab ini­tio, indolor, podendo passar ignorada pelo doente longo tempo. Possui o bondo talhado a pique com pérolas e telangectasias, sangra facilmente ao toque, forma crosta mas sem eviden­ciar tendência para a cura.

A este tipo pertencem as formas terebrontes, responsáveis por grandes destruições, incluindo cartilagem e osso.

c) Basalioma Superficial - ocorrepreferencialmente no tronco e quando múltiplo leva a pensar na etiologia arsenical. É uma placa avermelhada escamosa, de escama aderente pouco saliente se bem que com o decorrer do tempo possa evoluir para formas mais

invasivas. Para o diagnóstico clínico deste tipo de Basalioma é fundamental a identificação na margem, rolada, de pérolas epiteliornatosas e telonjecta­sias.

Quando os basaliomas possuem intensa reacção fibrosa adquirem um aspecto particular com áreas de atrofia e aspecto cicatricial retractil - sub­-tipo Plano-cicatricial.

d) Basalioma Morfeiforme (esclero­dermiforme) é uma forma variante menos frequente, que põe problemas particulares de terapêutica já que há dificuldade em estabelecer os limites reais do tumor. Também há dificulda­des diagnósticas já que não parece um tumor mas uma placa, dada a grande reacção fibrosa peritunural - placa de superfície irregular com esclerose retractil limitada (mal) por um bordo

&filiforme onde existem pérolas epite• liomatosas. A lesão progride insidiosa­mente.

e) Basalioma pigmentado - não émais do que uma variante que podem assumir os tipos acima descritos no qual a característica clínica mais em evidência é a existência de quantidade variável de pigmento melânico, o que pode conduzir a problemas de diag­nóstico diferencial com o Melanoma (Fig. 6).

Pelo potencial destrutivo que pos­suem são necessárias medidas terapêu­ticas efectivas após confirmação histo­lógica do diagnóstico clínico, exame que permite classificar o Basalioma de acordo com critérios anátomo patoló­gicos, verificar a profundidade de invasão terminal bem como a quanti­ficação de relação massa tirmural/ /estroma, aspectos que devem ser pon­derados na escolha do método tera­pêutico. Nesta escolha deverá se tomada em conta igualmente o tipo

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Fig. 6 - Basa/iama- pigmentado

-línico, a dimensão, a localização,estado do doente bem como as capaci­dades técnicas do médico. A cirurgia

- convencional, a cirurgia microscopica­mente controlada, criocirurgia, elec­trocirurgia com crititagem, a pnimio­terapia típica ou radioterapia, são métodos que, quando criteriosamente seleccionados e executados, permitem curar na ordem dos 95 por cento de doentes.

MELANOMA

Nos últimos anos tem-se assistido a um interesse crescente em redor do melanoma não apenas pelo aumento da incidência e da mortalidade atribuí­veis a esta neoplasia como pelo facto de atingir grupos etários baixos. A incidência do melanoma cresce muito nos últimos anos:

Na década de 60 duplicou na Escan­inávia e na Austrália, onde existem 2 e 32 novos casos por 100 000 mil

habitantes por ano nesses países. Nos E.U.A. houve em 1986 23 000

novos casos e em 1987 25 000. Mantendo-se o ritmo de crescimento

poderá prever-se que no ano 2000 um em cada 100 a 150 americanos poderá ter um melanoma no decorrrer da sua vida. Justifica-se pois a existência de campanhas de educação médica e da população em geral promovendo a prevenção e o diagnóstico precoce já que a terapêutica em fases iniciais é a única que permite a cura. Devem ser identificados os grupos de maior risco (raça cancesiana, fototipos mais baixos, antecedentes de queimaduras solares, antecedentes pessoais e/ou familiares de melanoma, portadores de lesões percussoras, etc.). Nestes é vital incentivar a adequada fotoprotec­ção e exercer vigilância médica.

Para que a maior parte dos metano­mas surjam «de novo» (em pele apa­rentemente normal) um terço surge em

associação estreita com Nevus funcio­nais pré-existentes.

Sabendo-se que a maioria dos adul­tos cancesianos têm mais de vinte Nevus Melanocíticos tornar-se-á impraticável a exerese profiláctica de todos eles. No entanto, aquela atitude justifica-se em certas condições: Nevus melanocíticos congénitos de grandes dimensões, pesando as consequências cosméticas de excisão profiláctica, mas está indicada a fotopretecção efectiva. Nevus displásicos - reconhecida a forma familiar desde os anos 70 em que membros de famílias possuem Nevus melanocíticos com característi­cas particulares dos pontos de vista clí­nico e histológico. Têm bordo irregu­lar e mal definido, variações de colora­ção, superfície por vezes saliente e rugosa, predominam no tronco e áreas menos fotoexpostas, com diâmetro superior a 1 cm, lesões que continuam a surgir de novo após os 35 anos de idade (Fig. 7).

Em 1980 foram descritos casos não familiares de Nevus com característi-

Fig. 7 - Nevus displásico

cas semelhantes às formas familiares descritos pelo grupo de Clark, igual­mente com risco de transformação em melanoma (embora alguns autores defendam que são desde o início mela­nomas in situ). Histologicamente há hiperplasia intra-epidérmica de mela­nocitos atípicos.

É importante considerar não apenas as características clínicas das Nevus Melanocíticos mas as alterações que eles podem sofrer e que podem ser sinais de transformação maligna. São mais relevantes as modificações consi­gnadas na mnemónica ABCDE

Assimetria Bordo (irregular) Coloração (alteração desta) Diâmetro (aumento) Elevação da lesão

O melanoma metastiza precoce­mente por via linfáctica e possui tam­bém metastisação hematogénia sendo os órgãos mais frequentemente afecta­dos a pele, cérebro, osso. O diferente comportamento quanto à evolução e as diferentes formas clínicas conduzi­ram Clark em 1969 a propor uma clas­sificação anatomo-clínica em três tipos: Lentigo, Maligno ou Melanoma de Dubreuilh, Melanoma de Cresci­mento Superficial e Melanoma Nodu­lar. Reed em 1976 acrescenta a esta classificação um quarto tipo: Mela­noma acrolentiginoso.

a) Lentigo Maligno - É um Mela­noma in situ, com forte predomínio em áreas fotoexpostas da face com danos actínicos e na 6.ª e 7 _a décadas da vida, e crescimento muito lento. Representa menos de 10% dos mela­nomas e é uma mácula hiperpigmen­tada a tonalidades variáveis, castanho escuro a negro podendo conter áreas avermelhadas ou azuladas, de limites irregulares havendo interrupção das marcas cutâneas.

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Fig. 8 - Melanoma de Crescimento superficial

Cresce lentamente ao longo dos anos como um borrão de tinta. O apa­recimento de nódulos no seio da mácula é a tradução 'clínica da passa­gem à fase invasiva com a propagação dos melanocíticos atípicos à derme.

b) Melanoma de Crescimento Su­perficial (Fig. 8) - É o tipo mais fre­quente (50 a 60% dos melanomas) pre­dominando na 3.ª e 4.ª décadas de vida, localizando-se preferencialmente ao tronco e membros inferiores. Ini­cialmente é lesão pigmentada pouco elevada de coloração variável, cas­tanha escura podendo conter áreas avermelhadas e/ou azuladas. Nele se verificam também a interrupção das marcas cutâneas e áreas de inflamação perilesional. Pode pois ter aspecto sobreponível aos Nevus displásicos.

Embora não seja nodular desde o início pode na sua evolução surgir um

• ódulo assimétrico que pode ulcerar etraduz a fase invasiva com capacidade de metastizar.

c) Melanoma Nodular (Fig. 9) -Representa 25 a 30% dos melanomas tendo desde o início uma componente de invasão vertical, distribuição ubi­quitária, tanto em áreas fotoexpostas como cobertas. O aspecto clínico maishabitual é o de um nódulo saliente avermelhado com pigmento em quan­tidade e com distribuição variáveis. Aulceração e hemorragia é com frequên­cia o motivo que leva o doente ao médico.

São nodulares a maioria dos Mela­nomas Amelanóticos o que põe parti­culares problemas de diagnóstico em fase precoce.

d) Melanoma Acrolentiginoso(acromelanoma) - É uma variedademenos frequente com largo predomí­nio nas plantas dos pés. Inicia-se de forma idêntica ao Lentigo Maligno e evidencia um comportamento bioló-

gico mais agressivo com crescimento vertical e metastização precoce. De iní­cio é lesão plana de contornos e distri­buição pigmentar muito irregulares. Decorrido pouco tempo torna-se saliente e nodular. Incluem-se neste grupo os melanomas subungueais que põem problemas de diagnóstico dife­rencial com o hematoma subungueal (que raramente possui pigmento no rebordo ungueal ao contrário da que ocorre em regra no melanoma).

O acromelanoma tem incidência considerável nas raças congóide e mongólica (acromelanoma representa quase 50% dos melanomas registados no Japão).

Perante a suspeita de Melanoma impõe-se a biopsia excisional não ape­nas para confirmar o diagnóstico clí­nico mas também para estabelecer o estadiamento e consequentemente cri­térios de prognóstico .

a) Níveis de Clark indicam o graude invasão (nível I para o melanoma in

Fig. 9 - Melanoma Nodular

situ até nível V com infiltração do tecido celular subcutâneo.

b) Índice de Breslow baseado naespessura do tumor medida da parte mais superficial da granulose até ao limite inferior da lesão. Assim, tumo­res com espessura inferior a O, 75 mm têm prognóstico favorável (com 97,4% de sobrevida aos 5 anos) e tumores com índice de Breslow superiores a 1,5 mm estão associados a um mau prognóstico. Outros parâmetros são igualmente úteis como o índice mitó­tico de Braun Falco (número de mito­ses por campo com ampliação de 300 vezes), subtipo histogénico, grau de pleomorfismo, presença ou ausência de infiltrado linfocitário, localização do tumor, existência de ulceração no seio do tumor e finalmente a existência de adenopatias.

A terapêutica é essencialmente cirúrgica com margem de segurança e eventual esvazeamento ganglionar.

A Quimioterapia é adjuvante nas formas disseminadas e metastáticas (entre nós utilizamos essencialmente a Dacarbazina associada ao Interferon).

Concluindo, importa destacar dois pontos relevantes com vista à modifi­cação do panorama actual da oncolo­gia cutânea:

A fotoprotecção que deverá ser ini­ciada precocemente e de preferência acompanhada de informação ade­quada aos grupos etários mais baixos, não esquecendo os estratos populacio­nais de maior risco.

Por último, mas não menos impor­tante o diagnóstico precoce. Sendo a pele de fácil observação, não fará sen­tido protelar o reconhecimento de lesões pré-malignas e malignas cutâ­neas comprometendo a terapêutica efi­caz.

Parafraseando B. Ackerman, dire­mos, «não há razão para se morrer de Melonoma.

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O SERVIÇO DE URGENCIA *PASSADO, PRESENTE E FUTURO

• PROF. DR. JAIME CELESTINO DA COSTA

A perplexidade em que vive a classe médica e a indefinição duma política de saúde causam grande

perturbação no espírito do público leigo, particularmente na área da urgência, erradamente conside­

rada como o fúlcro da questão. Na realidade, os serviços de urgência que temos são apenas o espelho da desorganização e da incapa­

cidade do nosso sistema de saúde, não a sua causa.

Para esta apreciação crítica

poderíamos ter considerado base

suficiente 50 anos de vivência do

problema, mas desejámos ir mais

longe e adquirir uma perspectiva

actual, real, da situação. Isso nos

levou a visitar, pessoalmente, os

maiores serviços de urgência do

país. No Porto, o Hospital de

S. João (H. S. Jo.) e o Hospital

de Santo António (H. S. A.), em

Coimbra o Hospital da

Universidade (H. U. C.) e em

Lisboa os Hospitais de Santa

Maria (H. S. M.) de S. José

(H. S. Je.) e o de São Francisco

Xavier (H. S. F. X.); colhemos

ainda informações directas do

H. Distrital de Beja.

Recebidos com a maior gentileza

fomos também informados com

a maior honestidade, mas os

números que apresentamos

devem ser considerados como

estimativas: não são números

registados. Completou-se assim a

nossa perspectiva histórica do

problema e fortaleceu-se-nos a

convicção de não ser possível

mudar a medicina portuguesa,

sem desmistificar esse fantasma

do passado - o Banco.

Atendendo às falhas verificadas no número de Janeiro/Fevereiro,

neste número da Revista da Ordem dos Médicos repete-se o artigo

«O Serviço de Urgência, Passado, Presente e Futuro», da autoria

do Prof. Jaime Celestino da Costa. Ao Autor e a todos os leitores

apresentamos as mais sinceras desculpas.

• Tema de abertura do XIII Curso Internacional de Cirurgia Digestiva, organizado pelo Prof. Araújo Teixeira - Porto - 22.1.89.

22

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1. O PADRÃO SETECENTISTA DA URGÊNCIA (Fig. 1)

De origem longínqua pois remonta ao ano de 1663 e ao Hospital de Todos­-os-Santos e se perpetuou através do seu sucessor - o Hospital de S. José­influencia ainda hoje, de forma signifi­cativa, todo o sistema hospitalar por­tuguês.

Duas enfermarias principais - a dos feridos e a dos males- representavam naquele hospital, respectivamente, a cirurgia e a medicina. À primeira estava ligada um local a que se chamou «banco» por razões que não foram nunca esclarecidas, mas cujas funções estavam perfeitamente definidas.

Ao «banco» competia a admissão de .a.eridos e casos urgentes e, igualmente, a 9cepção por transferência dos doentes

que nas enfermarias careciam de cuida­dos urgentes ou especiais.

Mas ao pessoal do «banco» competia também fazer a admissão geral do Hos­pital (através da Junta Consultiva).

Três outros hospitais - S. Lázaro, Desterro e Estefânia- estavam asso­ciados ao hospital principal e, através do «banco», dele recebiam e para ele enviavam doentes carecidos de cuida­dos especiais.

O «cirurgião do banco» era o respon­sável pelo funcionamento do serviço e os seus ajudantes depressa se transfor­maram em médicos residentes, vivendo no hospital, única maneira de se garan­tir a assistência médica nas 24 horas. O cirurgião, contudo, após a visita e admissão de doentes, ficava livre às 11 horas da manhã; mas podia ser cha­mado a passar visita nos hospitais asso­ciados, nas faltas dos respectivos clí-

•icos.Pouco evoluiu o padrão até ao

século XIX. Ser-se «cirurgião doBanco» era o primeiro passo na car­reira hospitalar e não exigia sequerdemonstração particular de competên­cia. Por lá passaram cirurgiões ilustresda época: Lourenço da Luz, Bernar­dino António Gomes, Alves Branco,António Maria Barbosa, ArantesPedroso, Eduardo Motta, ManuelBento de Sousa, Curry Cabral, Oli­veira Feijão, José António Serrano,etc.

Mas a função do cirurgião do Bancoera profissionalmente indefinida:médicos notáveis, como Sousa Mar­tins, Miguel Bombarda e Câmara Pes­tana, começaram por ser cirurgiões doBanco.

Só por decreto de 1884 passou aadmissão dos cirurgiões a ser feita porconcurso de provas práticas (no cadá­ver e clínica) e documentais. Tambémeste esquema de concurso se prolon­gou até aos nossos dias.

PADRAO SETECENTISTA DA URGÊNCIA

-'- 1663 -

HOSPITAL DE TODOS OS SANTOS - HOSPITAL DE S. JOSÉ

ENFERMARIA DOS FERIDOS 1

ENFERMARIA DOS IAALES

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HOSPITAL DE S LAZARO

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• - CIRURGIAO DO BANCO

-- BANCO

HOSPITAL -------­ MÉDICOS RESIDENTES .... DO DESTERRO ·-----�T �-----.--·· .. �-�·--- - - -

--;;-HOSPITAL DA ESTEFÂNIA

ADMISSAO GERAL

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FERIDOS CASOS URGENTES Fig. 1

2. OS PADRÕES DESTE SÉCULO

Com a reforma universitária de 1911 e a ênfase na especialização em medi­cina ser-se cirurgião do Banco é então uma posição profissional, ligada à car­reira cirúrgica.

Pela transformação do Hospital de Santa Marta em Hospital Escolar (1910) nascem clínicas universitárias,libertas do padrão setecentista, num novo estilo de clínica, com capacidade de investigação, que deixou marca na história da medicina portuguesa.

Mas o Banco de S. José mantém-se como paradigma de escola cirúrgica,particularmente na era áurea em que José Gentil o dirigiu (entre 1920 e 1930). Exercendo um controlo eficaz, por disciplina férrea e educação cirúr­gica inteligente, José Gentil, como todos os grandes «patrões» desta terra, tinha compreendido que para dirigir era necessário associar o medo à persuação.

Foi o início dos grandes e famosos concursos para cirurgião da época moderna que deram origem a uma série de homens competentes e presti­giados. Por razões de brevidade não os irei nomear.

A força daquela escola era tão grande que se manteve a tradição de se concorrer a cirurgião dos hospitais antes de se concorrer a Professor da Faculdade.

O Concurso de provas públicas a que tínhamos de nos sujeitar era o mais difícil de todos, na carreira médica portuguesa, e obedecia, como já dissemos, a um padrão secular.

Encontrei uma lista de pontos duma prova de cadáver, elaborada um século antes do meu concurso, perfeitamente semelhante à que tive de executar. Se cito este facto é apenas para realçar a força duma tradição que nos fazia jul­gar por operações obsoletas, já sem qualquer significado na nossa época, mas que ninguém queria mudar. Quando publiquei, já nos anos 60, um artigo crítico intitulado «Porquê o Farabeuf?» houve homens inteligentes que me criticaram, pois não queriam ver o passado alterado.

Porque nos devemos admirar então de ver médicos responsáveis querer manter o sistema de urgência ances­tral, anacrónico, quase criminoso, que herdámos?

A visão do meu tempo do Serviço de Urgência dos H. C. L. decorre de 1938 a 48, como interno e voluntário, e de 1948 a 1958, como cirurgião-chefe duma equipa do Banco.

Nesse período, chefiavam as equipas de Banco os l O cirurgiões mais novos dos H. C. L. Com pouco mais de 30 anos tinha aos meus ombros a urgên­cia de toda a cidade e era responsável por uma gama de soluções terapêuticas que iam da trepanação à cesariana e à versão, passando pela grande cirurgia abdominal, do ventre agudo, por alguma cirurgia do tórax, pela cirurgia dos membros, osteoarticular e vascu­lar, pela cirurgia infantil, etc.

A experiência que vivi como cirur­gião do Banco de S. José mostrou-me à evidência, que não nos tínhamos

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libertado do passado. Mantinham-se os defeitos graves:

a) Concentração da assistência hos­pitalar num só lugar - o Banco: ao qual estavam ligados 7 hospitais que para ali transferiam os doentes graves ou urgentes. As enfermarias ficavam desertas de médicos a partir do almoço, concentrados a partir d·essa hora nas equipas do Banco. Estes médicos aqui escalados podiam então ser chamados (independentemente dos serviços e hospitais onde trabalhavam) para dar assistência aos doentes de vários hospitais, (num esquema tera­pêutico que oscilava entre a coramina e a morfina) ou então para verificarem os óbitos.

b) O Banco mantinha-se como agrande zona de atendimento da cidade, para os doentes externos e, era, simultaneamente, a grande zonade internamento dos 7 hospitais. O Director do Banco fazia, de manhã, perante o mapa geral de vagas, a admissão dos doentes que lhe eram directamente enviados e a distribuição dos doentes acumulados nos corredo­res, pelos diversos hospitais e para ser­viços que não eram consultados para os aceitar. O Director podia ainda mandar «armar camas», ou seja, exce­der a lotação dos serviços quando as vagas não chegavam. À tarde e durante a noite o mapa de vagas estava na posse do cirurgião de serviço que tinha, então, a seu cargo a distribuição dos doentes para qualquer serviço hos­pitalar, num sistema de triagem mais do que primitivo.

Como sub-director nos anos 50 con­segui dois triunfos: que a urgência pediátrica médica e a obstétrica deixas­sem de ser admitidas pelo Banco de S. José: era um espectáculo verdadeira­mente dantesco ver tudo reunido no balneário comum da urgência! Conseguiu-se assim um ambiente mais humano e menos traumatizante para as crianças e houve que concordar ser um parto nocturno não uma urgência mas um acto fisiológico e banal na vida duma maternidade.

Com certa surpresa verifiquei agora que só há meses, em dois grandes hos­pitais do Norte, a urgência pediátrica foi separada - tão grande é a força dos hábitos adquiridos.

c) Os operados no Banco eramtransferidos directamente para os vários serviços de cirurgia dos outros hospitais (um «pós-operatório» de ambulância) ou, numa fase mais recente do processo, para um Serviço de Operados do Banco (S.O.B.) situado no próprio S. José. Ali se con­centravam operados de mais de 40 cirurgiões diferentes (pertencentes às 10 equipas de Banco) em condições

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tétricas de assistência pós-operatória ( ou melhor, de não assistência). Valiam aos doentes excelentes equipas de enfermagem que tentavam suprir as lacunas médicas.

d) Neste sistema a cirurgia (e a medi­cina) eram vistos apenas sob o ânguloda urgência com visão distorcida dahistória natural das doenças. Não havia «follow-up» nem registos orga­nizados dos operados e casos raros ou especiais, observados durante as 24 horas de serviço, perdiam-se na trans­ferência indiscriminada para os vários hospitais.

O Banco nunca publicou os seus resultados. Por tudo isto trabalhava mais como «oficina» do que como «escola».

Mantinha-se, assim, a estrutura básica setecentista, o mesmo padrão de assistência.

Como nota pos1t1va deste sistema errado, o Banco era o único lugar de residência dos H.C.L.: no Banco «vivia-se», aos serviços «ia-se» e ape­nas de manhã.

Se quiser definir o meu «senti­mento» final em relação ao Banco de S. José quero afirmar que, apesar detodas as limitações, os 10 anos decirurgião do Banco foram o períodomais feliz e mais realizado da minhavida profissional: vivi no Banco 24horas de dedicação exclusiva, salveimuitos doentes, ensinei muitos médi­cos e fiz amigos.

Mas não perdi a minha lucidez. Em l 959, logo após deixar o serviço, lan­cei, no Porto, uma mensagem crítica, na perspectiva da abertura de dois novos grandes hospitais: para que se modificasse o sistema e não se repetis­sem os erros. Não resultou: ninguém a,profeta na sua terra! •

3. A VISÃO A PARTIR DOS ANOS 60

Nos anos 60 dois grandes hospitais tinham surgido na cena médica portu­guesa: Hospital de Santa Maria em Lisboa e Hospital de S. João no Porto.

Apesar de todos os avisos e da justa resistência à abertura de novos servi­ços de urgência em regime de porta aberta para a rua, em hospitais conce­bidos para uma admissão referen­ciada, serviços daquele tipo foramcompulsivamente abertos.

Embora se tivesse estabelecido um critério de urgência por serviços e paraum só hospital este esquema (que, de resto, tínhamos vivido, com êxito, em Santa Marta) não chegou a ser com­pletamente testado porque, contempo­raneamente, se deu uma completatransformação das condições de assis­tência cujos pontos principais passa­mos a enumerar:

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SUPREMO TR18Utiol.t t

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A) Falência de medicina periférica:A medicina de bairro estava transfor­mada e desacreditada; as caixas de pre­vidência e seus postos, mesquinha­mente concebidos e dotados, substi­tuiam os médicos de família, na sua acção clínica, por burocratas da medi­cina, sem ligação com os médicos dos hospitais, num tipo de medicina des­personalizada.

Esta situação contrasta, por com­pleto, com a que vivi como cirurgião do Banco, na época em que nos eram conhecidos todos os médicos de bairro e dos concelhos limítrofes, e estes nos enviavam, por carta, os seus doentes urgentes. Mais tarde esses médicos assistentes apareciam no Banco par verificar o diagnóstico e ter informa­ção da terapêutica (que transmitiam à família dos doentes). Era uma verda­deira aprendizagem contínua.

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MEDICINA

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Na situação actual o doente deixou de ter um médico conselheiro e, na ausência de medicina periférica orga­nizada e de consultas hospitalares acessíveis, dirige-se sozinho e esponta­neamente, perante a mínima moléstia, aos serviços de urgência dos hospitais centrais.

Se compararmos este procedimento insólito ( esta «marcha da medicina») com a «marcha da justiça», vemos como é diferente (fig. 2). O cidadão que necessita duma solução jurídica procura um advogado - um conse­lheiro - e num enorme número de casos resolve o seu problema extra­-judicialmente. Se não o conseguir o advogado leva-o às várias instâncias (que culminam no Supremo Tribunal de Justiça).

Já alguém imaginou o simples cida­llll/l}lo dirigir-se sozinho e directamente • Supremo? Pois é o que faz o doente

em relação ao Hospital Central. De resto, os portugueses sempre gostaram mais de viver de expedientes do que de princípios: têm os seus estratagemas para ir ao Banco e lá ficarem - os transportes são hoje fáceis. Qualquer doente tem um táxi ou uma ambulân­cia à sua disposição.

Esta situação real é a demonstração cabal da não existência dum «sistema de saúde» em Portugal. Os doentes andam à deriva, não têm qualquer tipo de orientação ou apoio. E, no entanto, continua a falar-se, nos ministérios e noutros lugares, do «Serviço Nacional de Saúde» que nem sequer no papel está esquematizado.

B) Assim se assistiu à massificaçãodo atendimento nos Serviços de Urgência. Num estudo recente para a Área Metropolitana de Lisboa (A.M.L.) pode constatar-se a subida

Autal dos atendimentos entre 1960 e �82 (Fig. 3). No total verificamos

uma variação de 152000 para 1 391000 atendimentos/ano, ou seja, + 815%. Esta variação não é proporcional à da população da mesma área, cujo au­mento até 1990 é estimado em + 70 % (Fii. 4).

E esta massa de doentes que bate à porta dos Hospitais Centrais e, ou é recambiada, ou é admitida, a monte, para serviços sem diferenciação. É que o próprio Hospital Central é de funçãoindefinida, misto de H. Concelhio H.Distrital para a sua área e H. Centralpara a sua região (Fig. 5) não tem aestrutura e as valências completas dumgrande hospital de referência.

Se encararmos o atendimento e o internamento nos 6 hospitais centrais visitados, num quadro de estimativa de números, podemos constatar a situação deplorável em que nos encon­tramos:

O atendimento diário na urgência é, no total, de 3283 doentes (800 doentes

URGÊNCIAS - ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA NÚMERO DE ATENDIMENTOS (1960 · 1982)

ANO 1960 1982 VARIAÇÃO

SERVIÇO

HOSPITAIS CENTRAIS 112 000 579000 +417%

HOSPITAIS DISTRITAIS 12000 36 3 000 + 2,925%

SUB-TOTAL 124 000 942 000 +6 60 %

HOSPITAIS CONCELHIOS 28000 128000 +357%

SAP - 321 000 -

SUB-TOTAL 28000 449 000 + 1.50 4%

TOTAL 152 000 1 391 000 +815%

Fonte: GPSML.

ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (milhares)

Fig. 3

POPULAÇÃO PRESENTE

1960 1970 Variação 1981 (censo) (censo) 1960/70) (censo)

1.627,5 1.950,1 + 19.8% 2.582.6

Fonte: GPSAML. INE.

diários em cada um dos hospitais do Porto) o que corresponde a um atendi­mento anual de cerca de 1.198. 295 doentes - número suficiente para desacreditar um sistema e um país (Fig. 6 ).

Como informação unânime dos 6 hospitais aquela afluência desmedida é quase toda da iniciativa do próprio doente - do doente espontâneo. A percentagem de transferências de outros hospitais é diminuta. Os cuida­dos primários são inexistentes como elementos de triagem.

HOSPITAL CENTRAL

HOSPIT. DISTRITAL

H. CONCELHIO

CONSULTAS

Fig. 5 (segundo H. Flores)

Variação Variação 1990 Variação 1960/90 1970/81 196Q/81 (projec.) (estimativa)

+ 32.4% + 58.7°0 2.770.0 + 70.2°-o

Fig. 4

Curiosamente quando comparamos a percentagem de atendimentos em relação à população duma área urbana (A.M.L.) com um distrito periférico (Beja) (Fig. 7), pode constatar-se uma marcada diferença. Na área metropoli­tana de Lisboa temos 1.391.000 aten­dimentos para 2.582.600 habitantes, ou seja, uma percentagem de 53,8%; quer dizer na A.M.L. tudo se passa como se metade da população fosse uma vez por ano a um Banco. Na área do distrito de Beja há 6 5.000 atendi­mentos para uma população de 160 .000 habitantes, ou seja, 34,2%.

Dentro das várias explicações possí­veis para esta discrepância uma nos parece evidente: o melhor conheci­mento e a mais íntima relação entre médicos e população permite a esta receber muito mais conselho médico extra-hospitalar e assim evitar idas inúteis ao Hospital.

Na realidade nos grandes centros - Porto, Coimbra, Lisboa - dagrande massa de doentes que se dirigeao Banco para atendimento, «grossomodo», 75% dos doentes não sãointernados e os 25% que o são chegampara bloquear a admissão pelas con­sultas e invadir os serviços de interna­mento por uma turba de doentes nãoseleccionado. É ainda uma informaçãocomum aos 6 hospitais.

Outro dado obtido nos hospitais e que constitui uma situação relativa­mente mais recente: a admissão médica é muito superior à cirúrgica - de 3 para 1 - em grande partedevida a grande número de velhos caquéticos, A.V.e., neoplasias em

25

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ESTIMATIVA DA URGENCIA

6 HOSPITAIS CENTRAIS ( 1989 )

ATENDIMENTO ATENDIMENTO DIARIO ANUAL

HSM /4 73• 172.645

HSJc 650 237.250

HSFX 330 120.450

HSJo 800 292.000

HSA 800 292 000

HUC 230 83 950

TOTAIS 3 283 1198 295

----- ---..

• Com exclusão da urgência, pediatria' e obstetricia

INTERNADOS

299.57 /4 (25',)

NAO INTERNADOS

898 7 2 1 I 7 5�.)

estado terminal, doenças crónicas irre­cuperáveis, etc. Muitos internamentos são devidos ao abandono de doentes pelas ambulâncias, na porta do Banco, ou a razões humanitárias, derivadas das actuais condições sociais e das difi­culdades provenientes da transforma­ção da vida familiar.

Mas ninguém fala na criação de Centros de Geriatria que substituam os deploráveis lares e evitem o depósito humano nos serviços de medicina, dando aos velhos uma melhor quali­dade de vida. Este tão importante pro­blema não é urgência - é assistência social e cobertura sanitária do país; contudo é um dos elementos mais importantes na discussão da nossa urgência, da urgência falsa que liquida os nossos hospitais.

Quando 6 hospitais têm de atender anualmente 1.198.295 doentes, recam­biar 898.721 e internar 299.573 das quais uma enorme percentagem não tem problemas urgentes (Fig. 6), pode compreender-se qual o panorama dos nossos serviços de urgência: este aten-

Fig. 6

dimento indiscriminado e macisso de doentes leva à promiscuidade e à acu­mulação de macas (chegam a ser 80 macas no H.S.Je.). Quando vejo este espectáculo penso que o homem doente foi duplamente castigado: por Deus com a doença e pelo homem com a maca ...

Mas no mesmo local encontram-se escaladas equipas médicas e de enfer­magem numerosas e há muito outro pessoal auxiliar, o que aumenta a con­fusão, (são 900 funcionários para o Banco de S. José). Não admira que os doentes se percam das famílias e o pes­soal que vive nesta confusão se torne impaciente, intolerante e malcriado para a população.

Alguns hospitais (H.S.A., H.S.Jo.) pensam reduzir o atendimento com SAP's, ao lado da porta do Banco ou nas imediações, utilizando, inclusiva­mente, pessoal das Administrações Regionais de Saúde (A.R.S.).

O afluxo brutal de doentes aos servi­ços de urgência põe problemas de transporte e circulação da maior

COMPARAÇAO DE ATENDIMENTOS EM AREA METROPOLITANA E DISTRITO RURAL

AML

26

Atend. anual 1.391.000

. ·- - i -, - ' Atend. anual

65.000

DISTRITO RURAL

Fig. 7

importância para a vida da cidade, para a segurança nas estradas e, sobre­tudo, para os doentes transportados. Não são habitualmente considerados como devem.

Se encararmos a situação numerica­mente temos cifras aterradoras: nos 6 hospitais centrais consultados em várias zonas do país pode calcular-se para o atendimento e volta (750Jo) 2.097.016 transportes anuais (Fig. 8); para a totalidade da A.M.L. o número que se pode calcular é de 2.434.250 (Fig. 9).

Quanto trânsito, quanta gasolina, quantas buzinas ou sereias, quantos sustos e angústias!

Mas se considerarmos o transporte de doentes sob o ponto de vista quali­tativo a visão dos vários hospitais é também desfavorável: o transporte em ambulâncias é selvagem, alarma doente, a cidade e as estradas e é, p si só, e nas condições em que é reali­zado, um perigo público. Não existe um transporte de qualidade, tutori­zado, indispensável para os doentes mais graves.

DOENTES TRANSPORTADO S no

ACTUAL SISTEMA de URGENCIA

Estimativa anual

de 6 Hospitais Centrais ( 88/89 ):

Atendimento (ida). __

Na.o internados (volta) ....

N'total transportado ....

Fig. 8

1.198.295

898.721

2.097.016

As redes de ambulâncias, sem liga­ção ou comunicação com os serviços hospitalares, não têm nexo. Para além dos doentes que vão e vêm dos hospi­tais, há transporte dos serviços de urgência que servem simultaneamente vários hospitais (da urgência para os hospitais e vice-versa); ou de hospitais para centros de diagnóstico ou trata­mento privados ou, ainda, (e isto é diário e repetido) de doentes que começam o tratamento (ou a observa­ção) num hospital e vão acabar noutro ou noutros hospitais, com novos médi­cos e novas equipas: é uma situação grave e indisculpável.

Repare-se, o transporte é uma causa de incómodo, de sofrimento e de risco para os doentes. Todos sabemos como custa sair da cama com uma simples gripe; imagine-se agora um doente grave aos baldões numa ambulância de hospital para hospital, de maca para maca, de médico para médico.

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Por isso nos espanta que se fale do transporte com a maior naturalidade e irresponsabilidade: como se se tratasse de mercadoria e essa mesmo sem o rótulo de «frágil».

Outra faceta da questão: o trans- . porte é uma grande fonte de receita (e distracção) para as várias corporações que o realizam: entre elas lutam por esse filão! E por isso desejam a manu­tenção do «statu quo».

DOENTES TRANSPORTADOS no

ACTUAL SISTEM A de URGENCIA

Estimativa anual da

A. METROP. de LISBOA ( 81 /82 ):

endimentos (ida) .......

Nâo internados (volta).

N' total transportado

Fig. 9

1.391.000

1.043.250

2.434.250

C) Elemento fundamental de trans­formação foi a especialização e dife­renciação da medicina a partir da década de 60, num novo conceito hos­pitalar:

1) A equipa médica alterou-se: émais numerosa e mais complexa. Asua chefia é mais dificil de definir e os locais da urgência tendem a disper­sar-se.

2) O controlo das funções vitais, areanimação, (shock e insuficiência res­piratória) conheceu a partir da guerra do Vietnam uma nova eficiência (cor-

cção da volémia, respiradores de olume) centralizada em Unidades de

Cuidados Intensivos (U.C.l.) ou nos « recovery-room».

3) A tecnologia moderna não inva­siva dos anos 70 e 80 tornou-se tão necessária no diagnóstico das situações críticas como nas situações não urgen­tes, mas é difícil duplicá-la ou fazê-la aplicar em serviços afogados de doen­tes não triados nem diferenciados para os receberem.

E que hospitais temos e vão encon­trar os doentes que em tão grande número procuram atendimento e são transportados até à porta da urgência?

Nos Hospitais Centrais que visitá­mos havia uma organização a que cha­mámos de tipo A (Fig. 10):

1) Atendimento predominantementede doentes espontâneos: pelo seu número, pela amálgama de patologias (sem triagem prévia) os doentes acumulam-se numa recepção onde a

-1:'"'\....,� ....... l "'�1:!..I

HOSPITAL CENTRAL MODELO A

OE FUNÇAO MATINAL

SERV. INTº

Si DEPART. DIFERENCIADOS UCI Ni'iO DIFERENCIADAS Si QUAílTOS INDIVIDUAIS

IMAGIOL. LABOR.

INCOMPLETOS OU DISPONIVEIS P OUCAS HOílAS

BLOCOS OP.

Ni'iO DIFERENCIADOS NEM NUMEíllCAMENTE SUFICIENTES

OE HOílARIO MATINAL

SERVIÇO DE

URGENCIA

SiCANAIS ESPECIAIS TRIAGEM S.O. COM UCI POLIVALENTE BLOCO OPPRIVATIVO SECÇi'iO INTERNAMENTO

Fig. 10

DOENTE

própria triagem intra-hospitalar é difí­cil. Não há assim canais, corredores, especiais para um internamento dife­renciado.

2) Desta situação resulta a tendênciapara grande concentração de esforçosnos locais da urgência, com conse­quências importantes quer a nível de pessoal quer a nível de instalações:

a) Grandes equipas médicas concen­tram-se à porta da rua, no Banco, (por vezes em número exorbitante) dei­xando os serviços de internamento esvaziados de médicos e sem assistên­cia contínua.

b) As instalações do Banco tendementão a ser aumentadas (só o H.S.A.nos declarou formalmente querer reduzir o Banco) e a adquirir uma certa autonomia de funcionamento, criando zonas de internamento e blo­cos operatórios privativos, de que podemos dar alguns exemplos:

No H.S.Je. há 268 camas de inter­namento urgente e 4 salas de opera­ções privativas. Por outro lado no H.S.Jo. há um projecto para um ser­viço autónomo, de cirurgia de urgên­cia de 80 camas. No H.S.A. há 2 salas de operações para a urgência, mas usam também o Bloco Central e no mais moderno grande hospital (H.U.C.), com excelente e acessível bloco operatório central, construiu-se uma nova sala de operações na urgên­cia.

O não aproveitamento sistemático dos Blocos Operatórios Centrais é explicado pela dificuldade de neles integrar os doentes da urgência. Mas se formos ver o fundo da questão verifica-se ter a totalidade das salas de operações apenas funcionamento matinal e uma baixa rentabilidade, em geral (1, 2 doentes por sala e por dia). Por outro lado o número de doentes operados na urgência não é excessivo (variação de 5 a 8 por dia nos vários hospitais). Curiosamente foi esse número (de 5 a 8 op./dia) que encon-

ESPONTANEO

tro nos meus registos pessoais da equipa de Banco.

3) As U.C.I. tem uma distribuição euma função muito variável nos vários hospitais. Pode não haver U.C.I. , junto às camas cirúrgica (como acon­tece no S.O. do H.U.C. e na Unidade de Urgência Cirúrgica do H.S.Je.) ou não haver zonas especiais para admis­são directa e reanimação (apenas as achámos no H.S.A., H.S.M. e H.S.F.X.). Na generalidade as U.C.l. são polivalentes (predominantemente médicas ou respiratórias) e podem localizar-se fora do Banco (H.S.A. e H.U.C.) ou apenas em certos sectores (Urgência Neurocirúrgica e Unidade de Urgência Médica do H.S.Je.).

A não existência de U.C.I. nos ser­viços de internamento ou o seu carác­ter polivalente, não especializado, conduz a uma certa tendência a con­centrar os doentes no S.O. ou na U. C.I do Banco, sobretudo nos perío­dos longos, em que os serviços estão vazios de médicos. O mesmo acontece para operações à tarde ou à noite: doentes dos serviços vêm operar-se ao Banco.

Há assim uma circulação em curto­-circuito, dentro do próprio hospital, dos serviços para salas de operações do Banco ou para a U. C. l. da Urgência e vice versa.

4) Os serviços de internamento nãoestão organizados em departamentos diferenciados; podem repetir a mesma valência terapêutica ou haver lacunas importantes na gama de valências de um hospital central. Por outro lado recebem casos não triados, admitidos em massa. É frequente assim recebe­rem doentes duma certa patologia para a qual não estão preparados (quando ao lado há outro serviço com vasta experiência dessa patologia que a não recebe e vice-versa), nem tem médicos escalados para assistência contínua. Arriscamo-nos assim a ver doentes chegarem a serviços onde não podem

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ser convenientemente tratados por falta de competência, falta de cober­tura ou falta de meios.

5) Os meios diagnóstico são outrapedra de toque da organização da urgência: Laboratórios de patologia clínica, ECO, TAC, RMN, Angio digi­tal, endoscopia são tão necessários nas situações agudas como nas rotinas electivas.

Porque não é fácil nem aconselhável duplicá-las devem estar organizados de forma a poder servir as situações urgentes nas 24 horas.

Se para o laboratório parece haver uma cobertura suficiente nos vários hospitais o mesmo não podemos dizer para a imagiologia. ECO e TAC, aces­síveis, nas 24 horas, existem em H.S.M., H.S.A. e H.S.F.X. Mas nou­tros hospitais ou tem acesso precário (H.S.Jo.) ou por chamada (H.U.C.). O caso mais grave é o do H.S.Je. cuja unidade de traumatizados do crânio (131 camas) praticamente não tem TAC acessível (cerca de 20 doentes transportados diariamente a outros centros) e todo o serviço de urgência só possui ECO na Unidade Médica.

6) Tipo de Urgência: dos 6 hospitaisvisitados 4 têm urgência por serviços e para um só hospital, em forma não homogénea de cobertura das várias especialidades. Mas 2 hospitais man­têm a urgência por equipas vindas de vários hospitais: H.S.Je. e H.S.F.X.

Se S. José tem o peso duma tradição secular (fantasma de que não consegue libertar-se, para mal de todo o sistema HCL) parece-nos extraordinário como foi possível criar um serviço de urgên­cia novo, num hospital novo, mantendo-lhe todos os vícios da tradi­ção, como aconteceu em S. Francisco Xavier.

Hospital pequeno, de 220 camas, proveniente duma clínica de excelente concepção (que se deveu a Jorge Girão), pretendeu-se nele abrir um novo Banco, para servir uma impor­tante área. Com instalações modernas e agradáveis, com equipamento sofisti­cado, generosamente concedido, criou-se-lhe um «Banco» desmesurado para a dimensão do hospital e, por isso, associando a urgência de mais três hospitais: Egas Moniz, Santa Cruz e os Hospitais Ortopédicos da linha de Cascais.

Vemos então os operados transpor­tados no pós-operatório imediato de um hospital para outro, médicos dum hospital deslocados para o Banco de outra instituição e, o que é mais grave, patologias de grande responsabilidade, como são os poli traumatizados, sem as valências de que carecem (Neurocirur­gia e Ortopedia). É inaceitável, sobre­tudo num hospital que não tem sobre si o peso duma tradição obsoleta e parece comprazer-se afinal na «com-

28

petição de atendimentos»: já vai em 330 diários!

Perante esta situação alarmante e de grande repercussão pública, que temos vindo a analisar, claramente resultante da falência da medicina periférica e da ausência duma organização hospitalar correcta e diferenciada, verifica-se paradoxalmente a tendência para con­centrarem-se as atenções nos serviços de urgência.

Sempre que há problemas mais notórios ou escandalosos os Gover­nantes visitam os Bancos e fazem declarações inconsistentes: na reali­dade eles vêm apenas a aparência duma realidade complexa subjacente que lhes escapa.

A reforma directa dos Serviços de Urgência ou o aumento do seu número surgem sempre como forma de se

remediar a situação. Curiosamente aqui não parece haver grandes diver­gências entre médicos e ministérios. Todos parecem aceitar que é nos servi­ços de urgência que se deve achar a solução para a posição desastrosa da medicina portuguesa: procura-se corri­gir o efeito (a «urgência») sem análise nem correcção das causas que residem na medicina periférica (cobertura sani­tária do país) e na medicina hospitalar (diferenciação dos hospitais).

Num imparável «retorno ao pas­sado» quer os Bancos por equipas (ser­vindo vários hospitais simultanea-. mente) quer os Bancos por Serviços (servindo um só hospital) mostram a tendência para manter ou voltar ao Banco concentrado ou autónomo: à criação duma instituição dentro da ins­tituição, esquecendo todos os condi­cionalismos da medicina actual.

4. AS TENTATIVAS PARA RESOLVER ASITUAÇÃO FORAM DE EFEITO PRECÁRIO

Na Comissão para a A.M.L., de que fiz parte, e no seu relatório de 1984 ( que não redigi) apontou-se, timida­mente, a necessidade de se melhorar e transformar os cuidados primários, através dos Serviços de Atendimento Permanente (S.A.P.) com manifesta resistência burocrática dos represen­tantes desse sector e sem qualquer con­sequência prática. Mas mesmo que haja um certo alívio no número de doentes que entram no Banco, os SAP não são mais do que um «pis-allern. Como serviços apenas de atendimento permanente, não são mais do que zonas periféricas da urgência, e não as zonas de rotina que deveríamos encon­trar em Centros de Saúde ou Postos Clínicos, com os seus clínicos gerais e as suas consultas completadas com o atendimento permanente nas horas mortas, nos fins de semana, nos feria­dos.

A reforma dos cuidados primários depende de dois factores associados: 1. º a educação de clínicos gerais e suapreparação para uma das tarefas maisaliciantes e mais complexas da medi­cina. Os clínicos gerais - os médicosde família- não são internistas desegunda, nem se fazem no papel porsimples decisão ministerial ou comtabelas de ordenados; devem poderdesempenhar a sua função no espíritoda função liberal, embora com apoiobásico do Estado. 2. º esta acção, nostempos correntes, não pode exercer-sesem o apoio de Centros de Saúde ouPostos Clínicos, suficientemente ape­trechados para funcionarem como umconsultório moderno.

Só assim haverá resolução extra­-hospitalar do maior número de pro­blemas ou envio, referenciado, de doentes a hospitais seleccionados pelas suas valências. O médico periférico é o conselheiro e orientador para serviços diferenciados cujo nível conhece - é a triagem pré-hospitalar.

Outra recomendação do relatório de 1984 foi a de se aumentar o número de serviços de urgência. Assim viria a sur­gir o do Hospital S. Francisco Xavier, congregando o Hospital Egas Moniz, o Hospital de Santa Cruz e os hospitaisortopédicos da linha de Cascais, comredistribuição das áreas de urgênciaLisboa, a que já me referi.

Mas o problema não é quantitativo nem pode resolver-se apenas no papel. A definição de áreas geográficas num mapa com mais ou menos cores por área, com setas e estrelas marcando a localização dos hospitais - como se fossem repartições de finanças ou conservatórias - não chega para resolver o problema. «É ou não da área?» - como tão afanosamente se pergunta na admissão do Banco - não tem sentido inúmeras vezes.

O problema é qualitativo: que estru­turas devem ser organizadas fora dos hospitais (à periferia, a nível de cuida­dos primários) e que tipo de hospital deve servir as várias áreas do país? Áreas de conhecimento ou diferencia­ção tecnológica (versus áreas geográfi­cas) representando as valências dos vários hospitais, valências que não são sempre sobreponíveis.

A essas áreas não se pode chegar senão por triagem prévia, não podem

mui ou aut mal

5.

qu

re ur co es tal

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ficar entregues à exclusiva decisão dos cidadãos (doente espontâneo) ou de ambulâncias cegas: tem de ser racio­nalmente organizadas no conjunto dos hospitais.

Sem diferenciação hospitálar, a multiplicação de serviços de urgência ou a sua organização como entidades autónomas só servem para agravar o mal e distribuí-lo por mais aldeias.

5. OS HOSPITAIS QUEDEVERÍAMOS TER

O MODELO B (Fig. 11)

A reforma da assistência médica e, implicitamente, do conceito da urgên­cia, depende assim da reforma simul­

Anea, de dois sectores: a dos cuidados �imários e a dos hospitais. Estes não

poderão renovar-se sem que a periferia seja completamente transformada.

Na reforma hospitalar a primeira medida de vulto a tomar-se deve ser a da transformação do «Serviço» de urgência em «admissão» urgente com reanimação elementar e triagem para canais especiais que conduzam aos ser­viços mais diferenciados ou especiali­zados. Basta-lhe um grupo muito pequeno de médicos para essa função.

Os serviços de internamento, prefe­rivelmente organizados segundo um esquema de departamentos, devem incluir as especialidades fundamentais (o que pode ser variável de hospitalpara hospital) e ter assistência contí­nua termo que, duma vez para sempredeve substituir a designação inade­quada de «urgência interna».

Veremos então os serviços com o •úmero suficiente de médicos escala­

Ws - médicos residentes - que asse­

guram a assistência aos internados e recebem os doentes admitidos de urgência. São os doentes que vão. ter com os médicos aos serviços e não estes que os vão ver à porta do hospi­tal.

As Unidades de Cuidados Intensi­vos estão a conhecer uma evolução que as torna diferentes das criadas nos anos 60 e ainda se encontram, nalguns dos novos hospitais. Pensamos que elas evoluem para Unidades Especiais, de cuidados mais ou menos intensivos, nas quais o factor dominante é o da própria patologia que servem.

A filosofia duma unidade de quei­mados é totalmente diferente duma unidade de cirurgia cardíaca; uma uni­dade coronária é completamente dife­rente da respiratória ou da gastro ente­rológica, etc. Parece-nos ser este o caminho do futuro.

Temos um certo orgulho em pensar que, de certo modo, influímos nessa evolução no H.S.M.

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HOSPITAL CENTRAL MODELO B

ASSISTFNCIA CONTINUA NAS 24 H DEPARTAMENTOS OIFERFNCIAOOS UCI DIFfRENCIAOAS F MULTIPLAS OUART' INDIVIDUAIS IOFOICAÇilO EXCLUSIVA)

COMPLFTOS F OISP ONIVflS NAS 24 H

OIFERENCIADOS E FM N' SUFICIFNTF COM HORAnlOS E XTFNSIV OS ZONAS OE URGF'NCIA

REANIMAÇÁO F CANAIS

Tnt.�GFM HOSPITALAR OIFFRENCIADA

SFRV. INT'

IMAGIOL. LAAORAT'

BLOCOS OP.

ADMISSÁO UílGENTF CONSULTAS

OOFNTFS RFFFnlOOS TRIAGFM PRF-HOSP.

Fig. 11 CLINICOS GF.RAIS

MEDICOS OE FAMILIA CUIDADOS PRIMARIOS

Presentemente o seu quadro de uni­dades especiais é o seguinte:

UCIM (Medicina) UCIGE (Gastro-enterologia) UCIR (Respiratória) UTIDI (D. infecciosas) Nefrologia Hematologia

Serviços de Cirurgia

Unidade Neurocirúrgica Unidade Cardiotorácica Unidade Queimados

Serviços de Medicina

UTIC (Coronários)

Mais tarde, com dupla triagem, pré­-hospitalar e hospitalar, a «admissão urgente» poderá enviar directamente, por canais da urgência, os doentes

S[RVIÇO OE EMERG[IICIA MtDICA

A URG[NCIA DIFERENCIADA

- Organização esquemática dum serviço de emergência médica:

1) Urgência diferenciada em algumas das suas valências principais representadas por uni­dades ou sectores especializados;

: ,A'ISPORTE

Fig. 12

2) Organização racional e global de transpor· tes, com triagem eficazmente controlada em ligação com as ambulâncias/helicóp­teros e com as unidades especializadas.

29

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para as unidades mais indicadas Fig. 12).

A urgência é especializada. Não é uma especialidade.

Por isso insistimos que uma nova grande especialidade deve ser criada nos nossos hospitais: o TRAUMA no seu sentido lato.

Não existem unidades de trauma nos hospitais portugueses.

No quadro (Fig. 13) encontram-se os números amavelmente cedidos pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (P.R.P.), não será necessário outro comentário: 2450 mortos nas estradas em 1988 (24: 100.000 hab. quando em Inglaterra morrem 4: 100.000 hab.) e 13.100 feridos graves que podem au­mentar posteriormente os números de mortes e representam uma taxa de morbilidade terrível, de aleijados e diminuídos físicos, por falta de organi­zação e especialmente de reabilitação.

Prevenção, educação e investigação terão de ser completados com organi­zação do transporte (incluindo o trata­mento pré-hospitalar) de Centros ou Unidades de Trauma e reabilitação.

Na sequência das condições necessá­rias a estes hospitais de tipo B (Fig. 11) os Blocos Operatórios devem ser dife­renciados e funcionarem de manhã e à tarde, com áreas reservadas para a urgência, ou seja, para um funciona­mento possível nas 24 horas.

A imagiologia e o laboratório deve­rão estar disponíveis nas 24 horas quer para doentes admitidos pela urgência quer para doentes internados que tam­bém estão doentes à tarde e à noite!

Neste regime os doentes têm um per­curso linear dentro do hospital com médicos à espera deles e o seu « follow­-up» pode ser impecável: ao terem alta ou voltam à consulta externa ou são enviados ao médico assistente que con­tinua a segui-los na periferia (Fig. 11).

Ponto fundamental deste programa é a existência de Quartos Particularesjunto aos serviços. Não é uma novi­dade: desde 1811 houve quartos parti­culares no Hospital de S. José. Sempre funcionaram bem e em regime de clí­nica livre e não há razão para que hos­pitais bem concebidos (como o HUC) não ponham os seus quartos em fun­cionamento.

Os cirurgiões (ou os médicos) mais diferenciados não podem ser condena­dos a não operar ou tratar doentes pri­vados das áreas mais delicados e a não ganharem os honorários correspon­dentes à sua categoria profissional -certamente uma das mais importantes profissões na sociedade actual.

Não abordaremos o problema damedicina privada não estatal. É dema­siado longo para ser aqui tratado, mas

30

O TRAUMA EM PORTUGAL

CASUÍSTICA DOS ACIDENTES DE VIAÇÃO (PRP)

MORTOS

FERIDOS GRAVES

FERIDOS LIGEIROS

1987

2.347

12.771

42.819

1988

2.450

13.100

46.200

Crescimento

+ 4,4%

+ 2,8%

+ 7,9%

Fig. 13

é outro aspecto fulcral da questão. Poderá até ser, nos anos próximos, um dos parâmetros mais importantes de toda esta problemática.

Mas não podemos deixar de acen­tuar que a organização aqui proposta terá profundas consequências educa­cionais, nos seus dois polos: o perifé­rico para os generalistas e o central para os especialistas. Haverá então uma luta pela competência profissio­nal (e não pela categoria burocrática): uma reforma das mentalidades, da formação e até dos ganhos.

Conseguidas as transformações que preconizamos haverá então possibili-

1 TRANSPORTE

1 EQUIPE

zação e não um lugar, um «sítio», à maneira do «Banco».

A regra de ouro da urgência/eme6 gência médica é (Fig. 14): �

- um transporte- uma equipa médica- um hospital

Eis um problema aliciante e um pro­grama prioritário para um político se tiver visão e cometimento social.

Sim, porque todo este problema (em que nem sequer inclui o das «grandes catástrofes») é um problema funda­mentalmente político.

Nas querelas político-profissionais

+

-

Fig. 14 1 HOSPITAL

dade de se organizar uma emergênciamédica baseado num sistema de comu­nicação e transporte que não existe: nenhum dos nossos hospitais centrais tem linhas especiais de comunicação com ambulâncias ou outros hospitais mais periféricos (exceptuando uma linha no sector da Pediatria). Para ter­minar, direi que só um dos hospitais visitados (HSM) tem helioporto autên­tico, embora se fale sempre de helicóp­teros.

A emergência médica é uma organi-

não o vejo analisado nem, muito menos, equacionado. Fala-se de coisas bem diferentes. mas não será este o fulcro do problema da medicina por­tuguesa?

A dois passos da abertura das fron­teiras europeias deixaremos de traba­lhar no interior dum espaço protegido e isolado que consentiu o actual estado de coisas e teremos de apresentar uma medicina competitiva. Será que vamos apresentar o padrão setecentista como a solução nacional escolhida?

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