revista brasileira de historia da educação

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Revista Brasileira de

História da Educação

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Revista

Conselho Diretor 

Dermeval Saviani (UNICAMP); Marta Maria Chagasde Carvalho (PUC-SP); Ana Waleska Pollo CamposMendonça (PUC-Rio); Libânia Nacif Xavier (UFRJ).

Comissão Editorial 

Ana Maria de Oliveira Galvão (UFMG-MG); DislaneZerbinatti Moraes (USP); José Gonçalves Gondra(UERJ); Maurilane de Sousa Biccas (USP).

Secretaria – Lilianne Souza Magalhães

Conselho Consultivo 

Membros nacionais: 

Álvaro Albuquerque (UFAC); Ana Chrystina VenâncioMignot (UERJ); Ana Maria Casassanta Peixoto (SED-MG); Clarice Nunes (UFF e UNESA); Décio Gatti Jr.(UFU e Centro Universitário do Triângulo); DeniceB. Catani (USP); Ester Buffa (UFSCAR); Gilberto LuizAlves (UEMS); Jane Soares de Almeida (UNESP); José

Silvério Baia Horta (UFRJ); Luciano Mendes deFaria Filho (UFMG); Lúcio Kreutz (UCS); MariaArisnete Câmara de Moraes (UFRN); Maria deLourdes de A. Fávero (UFRJ); Maria do AmparoBorges Ferro (UFPI); Maria Helena Camara Bastos(PUCRS); Maria Stephanou (UFRGS); Marta Mariade Araújo (UFRN); Paolo Nosella (UFSCAR).

Membros internacionais: 

Anne-Marie Chartier (França); António Nóvoa (Por-tugal); Antonio Viñao Frago (Espanha); Dario

Ragazzini (Itália); David Hamilton (Suécia); NicolásCruz (Chile); Roberto Rodriguez (México); RogérioFernandes (Portugal); Silvina Gvirtz (Argentina);Thérèse Hamel (Canadá).

Revista Brasileira de História da EducaçãoPublicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE

COMERCIALIZAÇÃO

Editora Autores AssociadosAv. Albino J. B. de Oliveira, 901CEP 13084-008 – Barão Geraldo

Campinas (SP)

Pabx/Fax: (19) 3289-5930e-mail : [email protected]

Sociedade Brasileira de História da

Educação – SBHE

A Sociedade Brasileira de História da Educação(SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999, é umasociedade civil sem fins lucrativos, pessoa jurídicade direito privado. Tem como objetivos congregarprofissionais brasileiros que realizam atividades depesquisa e/ou docência em História da Educação eestimular estudos interdisciplinares, promovendointercâmbios com entidades congêneres nacionaise internacionais e especialistas de áreas afins. Éfiliada à ISCHE (International Standing Conferencefor the History of Education), a Associação Interna-cional de História da Educação.

Diretoria Nacional 

Presidente: Diana Gonçalves Vidal (USP)Vice-presidente: Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG)Secretária: Maria Elisabeth Blanck Miguel (PUC-PR)Tesoureiro: Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPEL)

Diretores Regionais Norte: 

Titular: Andréa Lopes Dantas (UFAC)Suplente: Clarice Nascimento de Melo (UFPA)Nordeste: 

Titular: Jorge Carvalho do Nascimento (UFSE)Suplente: Diomar das Graças Motta (UFMA)Centro-Oeste: 

Titular: Maria de Araújo Nepomuceno (UCG)Suplente: Regina Tereza Cestari de Oliveira (UFMS)Sudeste: 

Titular: José Carlos de Souza Araújo (UFU)Suplente: Cláudia Maria Costa Alves (UERJ)Sul: 

Titular: Flávia Werle (UNISINOS)Suplente: Norberto Dallabrida (UDESC)

Secretaria

Rev. Bras. de História da EducaçãoFaculdade de EducaçãoUniversidade de São PauloAv. da Universidade, 308 – Bloco A – sala 219

CEP 05508-900 – São Paulo-SPTel.: (11) 3091-3195 – ramal 282E-mail: [email protected]

Indexada em/Indexed in: 

BBE – Bibliografia Brasileira de Educação (Brasil, Inep)EDUBASE (Brasil, FE/UNICAMP)

Versão on-line/version online: 

http://www.sbhe.org.br/ 

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Revista Brasileira de

HISTÓRIAEDUCAÇÃO

SBHE

Sociedade Brasileira de História da Educação

da

janeiro/abril 2007 no 13

ISSN 1519-5902

A publicação deste no 10 da Revista Brasileira de História daEducação contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – EntidadeGovernamental Brasileira Promotora do Desenvolvimento Científicoe Tecnológico.

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EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA.Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira

Av. Albino J. B. de Oliveira, 901Barão Geraldo – CEP 13084-008Campinas-SP – Pabx/Fax: (19) 3289-5930e-mail: [email protected]álogo on-line: www.autoresassociados.com.br

Conselho Editorial “Prof. Casemiro dos Reis Filho” Bernardete A. GattiCarlos Roberto Jamil Cury

 Dermeval SavianiGilberta S. de M. Jannuzzi

 Maria Aparecida Motta

Walter E. Garcia

Diretor ExecutivoFlávio Baldy dos Reis

Coordenadora EditorialÉrica Bombardi

Assistente Editorial Aline Marques

RevisãoCyntia Belgini AndrettaEdson Estavarengo Jr.Cristina Oliveira Dornelas

Diagramação e Composição DPG Ltda.

Projeto Gráfico e CapaÉrica Bombardi

Arte-finalÉrica Bombardi

Impressão e AcabamentoGráfica Paym

Revista Brasileira de História da Educação

ISSN 1519-5902

1º NÚMERO – 2001Editora Autores Associados – Campinas-SP

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Sumário

CONTENTS 7

EDITORIAL 9

ARTIGOS

A arte de construir o invisível: o negro na historiografia educacional brasileira 11 Marcus Vinícius Fonseca

Poder e cultura escolar na Primeira República em Mato Grosso 51 Dimas Santana Souza Neves

Pesquisa historiográfica em instituições educativo-musicais: fundamentose reflexões 71

 Rita de Cássia Fucci Amato

Políticas públicas de interiorização da educação em Goiásnas décadas de 1930 e 1940 97

 Maria de Araújo Nepomuceno e Maria Teresa Canesin Guimarães

Interpretação das estatísticas de educação: um espaço de disputas simbólicas 121 Natália Gil

Memória e apropriações da memória:perfis do educador Thales Castanho de Andrade 153Fernando Luiz Alexandre

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TRADUÇÃO

Permanências e mutações dos liceus franceses, do Primeiro Impérioao início do século XXI 193

 Jean-Noël Luc Maria Helena Camara Bastos e Sabina Ferreira Alexandre Luz (tradução)

RESENHAS

Sociabilidades, política, cultura e história: a corte imperial e osespaços públicos 217Por Marileide Lopes dos Santos

ORIENTAÇÃO AOS COLABORADORES 223

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EDITORIAL 9

ARTICLES

The art of building the invisible: the black people in Brazilianeducational historiography 12

 Marcus Vinícius Fonseca

Power and school culture in the First Republic in Mato Grosso 52 Dimas Santana Souza Neves

Historiographic research in musical educational institutions:basis and reflections 72

 Rita de Cássia Fucci Amato

Public politics of interiorization of education in Goias during 1930and 1940 decade 98

 Maria de Araújo Nepomuceno, Maria Teresa Canesin Guimarães

Interpretation of educational statistics: the space of symbolical disputes 122 Natália Gil

Memory and memory’s appropriation: educator Thales Castanhode Andrade’s profiles 154Fernando Luiz Alexandre

TRANSLATION

Permanency and mutation of the French secondary school, from theFirst Empire to the beginning of XXI century 194

 Jean-Noël Luc Maria Helena Camara Bastos, Sabina Ferreira Alexandre Luz (translation)

Contents

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BOOK REVIEW

Sociabilidades, política, cultura e história: a corte imperial e osespaços públicos 217

 By Marileide Lopes dos Santos

GUIDES FOR AUTHORS 223

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Editorial

Com o número 13 da Revista Brasileira de História da Educação, damosprosseguimento aos objetivos iniciais de nossa publicação, quais sejam: acom-panhar o desenvolvimento da produção científica e acolher artigos de pesquisa-dores da área, criando, desse modo, espaços de interlocução e de abertura denovas perspectivas investigativas.

Neste número apresentamos seis artigos e uma tradução, além de uma re-senha crítica. Dois artigos discorrem sobre modelos de inteligibilidade e proce-

dimentos de pesquisa em história da educação e quatro examinam questões edu-cacionais específicas. Maria Helena Camara Bastos e Sabina Ferreira AlexandreLuz brindam-nos com a tradução do artigo de Jean-Noël Luc “Permanências emutações dos liceus franceses, do Primeiro Império ao início do século XXI”.Com essa tradução, contemplamos o objetivo de manter o intercâmbio com aprodução historiográfica internacional.

Marcus Vinícius Fonseca, no ensaio “A arte de construir o invisível: onegro na historiografia educacional brasileira”, efetua um pequeno e inspirador

estudo historiográfico dos trabalhos sobre a educação de negros, buscando com-preender as diversas abordagens teóricas, as formas de incorporação desses ato-res sociais nas narrativas históricas educacionais, além de indicar alternativasde estudos sobre o tema. Rita de Cássia Fucci Amato, no texto “Pesquisa histo-riográfica em instituições educativo-musicais: fundamentos e reflexões”, abor-da questões relevantes a respeito da metodologia de pesquisa com fontes orais esugere caminhos para a escrita da história das instituições de ensino musical,

temática em processo de consolidação na área de história da educação.Dimas Santana Souza Neves, no artigo “Poder e cultura escolar na Primei-ra República em Mato Grosso”, discute os mecanismos de disciplinarização noprocesso de escolarização em Mato Grosso, centrando o estudo nos textos dosexames de concurso para provimento de cargos de professores; documentaçãoinstigante, ainda pouco analisada no campo da história da educação. Maria de

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10 revista brasileira de história da educação n° 13 jan./abr. 2007

Araújo Nepomuceno e Maria Teresa Canesin Guimarães, no artigo “Políticaspúblicas de interiorização da educação em Goiás nas décadas de 1930 e 1940”,expõem os resultados de pesquisa sobre a política educacional do governo de

Goiás, explicitando a natureza das relações entre Estado, educação e sociedadenesse recorte espaço-temporal. Ressalta-se a atenção do estudo aos relatórios degoverno, à imprensa oficial e aos escritos relacionados ao debate educacional,como os anais do VIII Congresso de Educação, ocorrido em Goiás em l942 e a Revista de Educação e História.

Natália Gil analisa, no artigo “Interpretação das estatísticas de educação:um espaço de disputas simbólicas”, textos exemplares publicados na  Revista

 Brasileira de Estatística entre l940 e l941, ressaltando o poder simbólico queestá em jogo nas lutas pelas interpretações legítimas dos dados estatísticos doensino. O texto retrata um importante debate envolvendo os educadores Teixeirade Freitas e Lourenço Filho e traz significativa contribuição para a história dasidéias e dos intelectuais, na medida em que os dois participaram de forma deci-siva na constituição do campo educacional brasileiro.

Fernando Luiz Alexandre, no texto “Memória e apropriações da memória:perfis do educador Thales Castanho de Andrade”, apreende o processo de cons-

trução de imagens acerca do escritor, conhecido pela sua dedicação à literaturaescolar infantil. Para tanto, efetua o exame de três volumes encadernados derecortes de jornais da Biblioteca Pública Municipal de Piracicaba. No trabalho,apresenta fonte inédita e ponto de vista fértil para compreender as redes desociabilidade nas quais se deu a construção da memória histórica do educador.

Nesta edição publicamos ainda a resenha elaborada por Marileide Lopesdos Santos sobre o livro  As transformações dos espaços públicos: imprensa,atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840), de MarcoMorel. Esse livro apresenta a versão revisada da sua tese La formation de l’espace public moderne à Rio de Janeiro (1820-1840): opinion, acteurs et sociabilités,defendida na Universidade de Paris I em 1995.

Por último, gostaríamos de fazer uma errata sobre o editorial apresentadona revista anterior, n. 12, quando na apresentação do artigo de Eva Maria S.Alves e Patrícia Rosalba Moura Costa nos referimos à história da cadeira desociologia em Recife e o texto trata da implantação da disciplina no estado de

Sergipe. Pedimos às autoras que nos desculpem pelo equívoco e solicitamos aosleitores que anotem a correção. O erro situa-se no Editorial; no corpo do textoas informações estão corretas.

Boa leitura. A Comissão Editorial

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A arte de construir o invisível

o negro na historiografia educacional brasileira

Marcus Vinícius Fonseca*

Resumo:

Este artigo tem como objetivo tentar apreender a forma como osnegros vêm sendo tratados nas narrativas da historiografia edu-cacional. A análise foi construída a partir da problematizaçãodas três correntes que marcam a história da educação brasileira

e que são denominadas a partir dos paradigmas teóricos que seencontram subjacentes à maneira de construir a sua escrita –tradicional, marxista e história cultural. Procuramos realizar umaproblematização em cada uma dessas correntes com um focorelativamente centrado na maneira como alguns de seus repre-sentantes tematizaram a presença dos negros nas escolas. A par-tir dessa questão, procuramos apreender a forma como os ne-gros foram incorporados às narrativas históricas que interpretamos processos educacionais.

Palavras-chave:

historiografia; história; educação; negros.

* Mestre em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e douto-rando em educação pela Universidade de São Paulo (USP).

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The art of buildingthe invisible

the black people in Brazilianeducational historiography

Marcus Vinícius Fonseca

Abstract:

This article has as its aim to try a understanding in the way theblack people have been treated in narratives of the educationalhistoriography. An analyzes was built facing the problematic of three different trends, which are the remarks in Brazilian

educational history and are nominated from the point of theoretical paradigms view, which found underneath ways of building its writing – traditional, Marxist and cultural history. Itwas tried to realize the problematic in each of these trends,focussing centered in the way how some of the representativeparty deal with the presence of the black people in schools. Fromthis issue, it is tried, here, an understanding in which ways theblack people were framed to the historical narratives whichinterpret the educational processes.

Keywords:

historiography; history; education; black people.

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a arte de construir... 13

Introdução

Tratar da invisibilidade dos negros na historiografia educacio-nal brasileira é uma tarefa que entendemos como fundamental, pois,no Brasil, esse tem sido um tema freqüente dos debates educacio-nais e das ciências humanas, mas ainda não mobilizou os pesquisa-dores em história da educação. Este artigo tenta traçar um brevepanorama dessa questão no interior da história da educação e pro-cura avaliar a importância de considerar os negros sujeitos nas nar-rativas que tratam do desenvolvimento histórico dos processos edu-cacionais.

Para enfrentar essa dupla tarefa, o artigo divide-se em duas partes:a primeira procura realizar uma análise teórica que trata das dife-rentes configurações da história da educação e a maneira como cadauma delas lidou com os negros em suas formas de construção danarrativa; a análise é realizada a partir de obras que foram escolhi-

das em função da sua importância dentro da historiografia educa-cional, ou pela forma como se referem à população negra. Na se-gunda parte, tomamos para análise a província de Minas Gerais eprocuramos explorar um conjunto de fontes documentais que regis-tram um predomínio dos negros nas escolas do século XIX (e iníciodo século XX) e que caminham em direção contrária a uma idéiarelativamente consolidada na historiografia educacional, que con-

cebe a escola como um espaço privilegiado do grupo racial repre-sentado pelos brancos.A partir do contraponto entre o padrão de narrativa da historio-

grafia educacional e a produção de um perfil racial das escolas mi-neiras, sobretudo no século XIX, tentamos problematizar o sentidoadquirido pela invisibilidade dos negros e a necessidade de sua su-peração dentro do movimento de transformação que vem reconfi-

gurando a história da educação.

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14 revista brasileira de história da educação n° 13 jan./abr. 2007

A constituição da história da educação e a construçãode um padrão de abordagem em relação aos negros1

A historiografia vem cada vez mais problematizando as formas deabordagem sobre os negros e contestando a maneira como eles foramtradicionalmente tratados nos processos de escrita da história. Esse pro-cesso vem constituindo-se a partir de um movimento de crítica a umpadrão de abordagem, que teve sua origem nas interpretações relativasà sociedade escravista, cuja principal característica foi a negação dosnegros como sujeitos e sua redução à condição jurídica dos escravos:

O negro foi freqüentemente associado na historiografia brasileira à condição

social do escravo. A menção ao primeiro remete-se quase automaticamente à

imagem do segundo. Negro e escravo foram vocábulos que assumiram cono-

tações intercambiáveis, pois o primeiro equivalia a indivíduos sem autono-

mia e liberdade e o segundo correspondia – especialmente a partir do século

XVIII – a indivíduo de cor. Para a historiografia tradicional, este binômio(negro-escravo) significa um ser economicamente ativo, mas submetido ao

sistema escravista, no qual as possibilidades de tornar-se sujeito histórico,

tanto no sentido coletivo como particular do termo, foram quase nulas [Correa,

2000, p. 87].

As concepções, que durante muito tempo imperaram na historiogra-

fia, reduziram os negros à condição de objetos. Um ser em situação deabsoluta dependência, ao qual tudo era negado e que não possuía nenhu-ma capacidade de ação e reação dentro da sociedade escravista e patriar-cal. A sua condição de sujeito não foi simplesmente negada, mas absolu-

1. O conceito de negro é produto de uma construção teórica que se liga às experiên-cias sociais vivenciadas entre o final do século XIX e o século XX. Antes desseperíodo, o termo negro era raramente empregado e o que encontramos é uma plura-lidade de denominações como pretos, pardos, crioulos, cabras, mulatos, mestiços,africanos etc. Embora cada um desses termos tenha um sentido específico (e quemerece ser problematizado), neste artigo agregaremos essa pluralidade de denomi-nações ao conceito de negro com objetivo de potencializar a comparação em rela-ção às diferentes formas de escrita da história da educação e para avaliar as possí-veis transformações em seus padrões de análise.

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a arte de construir... 15

tamente desconsiderada em favor da descrição de um quadro que delimi-tava lugares sociais muito precisos para eles enquanto grupo racial.

Essas abordagens vêm sendo modificadas no interior da históriasobre a escravidão e vêm provocando transformações dentro da histo-riografia como um todo, que cada vez mais tem revelado o interesse deapreender os negros – escravos ou não – como sujeitos (Chalhoub, 1990).Essa mudança de postura vem possibilitando a descrição de um quadrodiferente da ação desse grupo e de suas relações no interior do processode constituição da sociedade brasileira2.

Essa transformação que vem caracterizando a historiografia maisrecente ainda não foi absorvida pela história da educação que, apesar deter modificado significativamente seus padrões de análise, continua aconviver com uma visão tradicionalmente construída sobre a populaçãonegra. Isso pode ser constatado a partir da forma como a história daeducação tratou a relação entre os negros e a escola, que, em geral, éconcebida como um espaço onde a presença deles é considerada prati-

camente nula, ou algo esporádico e casual.Pode-se dizer que esse padrão de tratamento se encontra na origemdo movimento de constituição da história da educação e foi sendorealimentado dentro dos processos de transformação que a reconfiguraram.

Segundo Diana G. Vidal e Luciano M. Faria Filho (2005), a históriada educação constituiu-se como uma disciplina cuja finalidade estavapraticamente restrita à formação de professores. Isso lhe deu a confor-

mação de uma disciplina voltada para a compreensão da evolução das

2. Silvia Hunold Lara (1998) aborda essa questão em relação à historiografia quelidou com a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e afirma que: “As-sim, a abundante historiografia sobre a transição, apesar de sua diversidade, efetuaum procedimento comum: pretende estabelecer uma teoria explicativa para a pas-sagem do mundo da escravidão (aquele no qual o trabalho foi realizado por serescoisificados, destituídos de tradições pelo mecanismo do tráfico, seres aniquiladospela compulsão violenta da escravidão, para os quais só resta a fuga ou a morte)para o universo do trabalho livre assalariado (no qual poderíamos encontrar sujei-tos históricos). Em sua modalidade mais radical, a historiografia da transição pos-tula a tese da substituição do escravo pelo trabalhador livre; com o negro escravodesaparecendo da história, sendo substituído pelo imigrante europeu” (Lara, 1998,p. 27, grifos do original). Ver também: Queiróz (1998).

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16  revista brasileira de história da educação n° 13 jan./abr. 2007

idéias pedagógicas e a deixou em uma relação muito estreita com a filo-sofia da educação. A partir de sua condição de disciplina e da relaçãocom a filosofia da educação, a história da educação tinha como um dosseus principais objetivos realizar um julgamento do passado e estabele-cer orientações para o futuro, fixando um código de conduta que deveriadeterminar a prática dos educadores em direção aos avanços da educaçãopopular. Em conseqüência disso, ocorreu um relativo distanciamento dosdebates travados no interior da historiografia e um baixo nível de proble-matização em relação à compreensão das práticas educativas:

A criação do curso de Pedagogia na Faculdade Nacional de Filosofia, em

1939, e a lei Orgânica para o Ensino Normal, de 1946, unificando as maté-

rias do segundo ciclo do curso para todo Brasil, incluindo história e filosofia

da educação como uma única disciplina, ministrada na terceira série, vieram

consagrar o modelo. Essa integração reforçou o afastamento da escrita da

história da educação da prática dos arquivos, estimulando as interpretações

que pretendiam conferir-lhe uma importância moral. Tida como disciplinaescolar, em geral em proximidade com a filosofia da educação, impregnada

de uma postura salvacionista e tribuna de defesa de um ideal de educação

popular, à história da educação foi delegado o lugar de ciência auxiliar da

pedagogia [Vidal & Faria Filho, 2005, p. 96, grifo do original].

Esse tipo de abordagem descrito por Vidal e Faria Filho (2005) pode ser

percebido com clareza no livro  História da educação brasileira, de JoséAntônio Tobias (1972)3. Essa obra possui a estrutura de um manual destina-

do à formação nos cursos de pedagogia e tem como objetivo demonstrar as

principais características da educação e suas linhas de desenvolvimento4.

3. O livro de José Antônio Tobias é um manual para o ensino de história da educaçãoutilizado em cursos de formação de professores durante as décadas de 1970 e 1980.

Não se trata de uma obra de referência para o campo representado pela história daeducação, mas podemos conferir a ele um sentido emblemático pela forma comose refere à população negra. É exatamente por esse motivo que o tomamos comouma das obras analisadas neste texto.

4. “A literatura historiográfica sobre a educação soma poucos títulos nacionais até osanos 30 e 40. Até essas décadas, preponderaram os títulos estrangeiros (traduzidos

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O livro possui cerca de quinhentas páginas e aborda os mais dife-rentes assuntos relativos à educação brasileira. Contrariando a maioriadas publicações da época, a educação dos negros é definida como umdos tópicos do livro e ocupa três páginas. Nessas encontramos basica-mente a seguinte afirmação:

O negro era o escravo e, para tal fim, chegou ele no Brasil. O jesuíta foi

contra a escravidão, mas não pôde vencer a sociedade da Colônia e da Me-

trópole que, na escravidão, baseavam sua lavoura e economia. Por isso, o

negro jamais pôde ir a escola. Com dificuldade, conseguiam os missionários

que, aos domingos, pudessem os escravos assistir à missa, rezada na capela

dos engenhos ou em outro lugar [Tobias, 1972, p. 97, grifos meus].

Depois dessa afirmação em que a escravidão não é minimamenteproblematizada e é reduzida a um conjunto de práticas que não se dife-renciam no tempo nem no espaço, o autor avança em direção ao século

XIX afirmando que “mesmo depois da proclamação da independência emesmo com negros libertos, não lhes será, muitas vezes em mais deuma província, permitido freqüentar escolas” (idem, ibidem).

Essa obra foi reeditada em 1986 e o autor acrescentou na nova edi-ção as províncias em que, segundo ele, era proibido aos negros freqüen-tarem escolas: Rio de Janeiro, Alagoas, Minas Gerais e Rio Grande doSul. Acrescentou também a fonte de onde retirou tais informações: o

livro A instrução e as províncias: subsídios para a história da educação(1834-1889), de Primitivo Moacyr (1939, 1940).

ou não), preferencialmente os franceses e poucos manuais nacionais escritos paraas escolas normais (em regra, simplificações de obras estrangeiras). Nesses casos,a história da educação brasileira é reduzida a um capítulo, apêndice ou anexo.Somente a partir dos anos 50, registra-se o surgimento de um novo tipo de escrito

historiográfico, no qual a educação brasileira é elevada à condição de objeto dahistória. Entre 50 e 70, aumentam significativamente os títulos traduzidos e osnacionais; nos cursos normais e de pedagogia, passa a ser regra a utilização de doisou três manuais – os traduzidos para cobrir a ‘história geral da educação’ e osnacionais para, em continuidade, dar conta da parte referente ao Brasil” (Warde &Carvalho, 2000, p. 22).

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18 revista brasileira de história da educação n° 13 jan./abr. 2007

Ao consultar a fonte utilizada por Tobias (1972), constatamos quesua interpretação opera a partir de uma série de generalizações que permi-tem problematizar a forma como a educação dos negros foi pensada nointerior da história da educação. No Rio Grande do Sul, parece que haviao impedimento de os negros freqüentarem escolas. No livro de PrimitivoMoacyr – que apenas descreve documentos oficiais relativos à instruçãopública –, encontramos em relação a essa província a seguinte determina-ção em uma lei de 1837: “são proibidos de freqüentar as escolas públicas:1o. as pessoas que padecerem de moléstias contagiosas; 2o. Os escravos epretos ainda que sejam livres ou libertos” (Moacyr, 1940, p. 431).

A primeira generalização que constatamos em Tobias (1972) foi ade estender para várias províncias do país uma determinação que sereferia ao Rio Grande do Sul, ignorando as diferenças entre as regiõesdo Império. Isso fica claro quando contrapomos a situação do Rio Gran-de do Sul às outras províncias citadas pelo próprio Tobias (1972). EmMinas Gerais, a lei proibia a freqüência de escravos às escolas e não de

pretos livres ou libertos. Em relação a Minas Gerais, havia uma lei, de1835, que era muito clara na sua redação: “somente as pessoas livrespoderão freqüentar as escolas públicas” (Moacyr, 1940, p. 66).

A diferença entre o que determinou a província de Minas Gerais e ado Rio Grande do Sul está longe de ser desprezível. É a diferença que,no século XIX, correspondia aos modos de existência que são a chavepara entender a sociedade daquele período, ou seja, a condição de livre

e de escravo. No entanto, ao comparar as duas províncias, a narrativahistórica de José Antônio Tobias nivelou as duas condições, como se oque foi determinado para o Rio Grande do Sul fosse tido como válido,no entendimento da escolarização dos negros, em Minas Gerais e emoutras províncias.

Em relação à província de Alagoas, não encontramos no livro deMoacyr (1940) qualquer referência relativa à impossibilidade de os ne-

gros freqüentarem escolas. O que encontramos foi uma fala do presi-dente da província afirmando sobre a inconveniência de educar, no mes-mo espaço, as crianças libertas pela Lei do Ventre Livre e as demais.Essa apreciação ocorreu em 1875 quando o presidente da província deAlagoas tratava da obrigatoriedade do ensino elementar, referindo-se

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claramente às dificuldades de incorporar as crianças nascidas após a leide 1871 nos espaços educacionais:

Prevejo as dificuldades da execução, porém será resultado considerável si,

no primeiro ano, pelo menos, mil menores, 500 até 100 deles forem por este

meio arrebatados á ignorância: com a sucessão dos tempos é de esperar que

este preceito se transforme em costume – Esta medida deve alcançar os li-

bertos e os filhos livres de mulher escravas, maiores de 7 e menores de 15

anos, nas escolas noturnas, abertas gratuitamente por alguns professores,

como já autorizei ao diretor geral da instrução, que no seu relatório lembra a

admissão dos mesmos nas aulas diurnas juntamente com meninos livres, o

que, por certo, não me parece prudente. É para recear que a admissão de

menores escravos nas escolas diurnas afugente dali os menores livres [Moacyr,

1939, p. 604, grifos meus].

O presidente da província de Alagoas apresenta uma oposição en-

tre crianças livres e escravas, mas não se refere à impossibilidade denegros freqüentarem escolas. Ao contrário, sugere que as crianças bene-ficiadas pela Lei do Ventre Livre e os libertos freqüentassem escolasnoturnas, pois isso impediria o surgimento de dificuldades que, no en-tendimento dele, poderiam afugentar as crianças livres que freqüenta-vam as aulas no período diurno5.

Em relação ao Rio de Janeiro, encontramos uma passagem em que

o presidente da província, em 1836, fala sobre a criação de uma escolavoltada para o atendimento de crianças órfãs e veta a possibilidade de osescravos serem admitidos como alunos: “A administração seria cometi-da a um pedagogo encarregado ao mesmo tempo de ensinar a ler, escre-ver e contar as quatro operações, os escravos não poderão ser admitidosainda que seus senhores se queiram obrigar pela despesa”. Logo em

5. Pode-se dizer que a Lei do Ventre Livre (1871) é um dos pontos de referência sobrea discussão da educação dos negros no Brasil, pois, durante seu processo de constru-ção e execução, houve um intenso debate que envolveu diversos setores da socieda-de, gerando o que pode ser chamado de uma política pública para a educação dos ex-escravos e seus descendentes. Para uma análise desse processo, ver Fonseca (2002a).

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seguida, no ano de 1837, a reforma do ensino estabeleceu restrições queatingiram os escravos e os africanos, mas não os negros de modo geral,pois “eram proibidos de freqüentar a escola: os que sofressem de molés-tias contagiosas e os escravos e os pretos africanos, ainda que livres elibertos” (Moacyr, 1939, pp. 194-195).

Portanto, em Minas Gerais, Alagoas e no Rio de Janeiro, não en-contramos nada que se compare à situação estabelecida no Rio Grandedo Sul6. Isso revela a improcedência de universalizar a determinaçãodessa província para as demais regiões do Império. Em contrapartida,revela que José Antônio Tobias (1972) tratou negros e escravos comouma só coisa deixando de considerar inúmeras situações que distinguiamos variados modos de existência para essas duas condições, tanto naColônia como no Império.

Apesar dos limites e equívocos que destacamos em José AntônioTobias (1972), ele é um dos poucos autores a fazer referências explíci-tas à educação dos negros em abordagens de natureza histórica. Por

mais que tenhamos de considerar que a obra de Tobias (1972) não é umareferência para a área de história da educação, é possível detectar nelaum padrão de abordagem que se faz presente em boa parte das interpre-tações a respeito dos negros e da educação brasileira. Na maioria dasobras de história da educação, a questão não aparece de forma explícitacomo em Tobias (1972), porém uma análise cuidadosa revela que o pa-drão não é muito diferenciado. Parece que esse padrão de entendimento

se estabeleceu na historiografia educacional no seu nascedouro e vem

6. A situação do Rio Grande do Sul, onde a lei impedia pretos de freqüentarem esco-las, merece uma investigação específica, pois pode ser que o termo preto signifi-que africano. No século XIX, era absolutamente comum a utilização dessa termi-nologia em relação aos africanos. Esse uso particular da terminologia  pretodesapareceu da linguagem nos períodos posteriores e freqüentemente não éproblematizada na historiografia. Além disso, deve-se considerar que impedir ne-

gros livres de freqüentarem escolas era inconstitucional e as discussões sobre aimprocedência desse tipo de restrição não era incomum no século XIX, como podeser constatado em Grinberg (2002). Portanto, pode ser que essa determinação sereferia exclusivamente aos africanos que – embora com implicações raciais – te-riam sido deslocados para a condição de estrangeiros, como acabamos de demons-trar em relação à província do Rio de Janeiro.

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sendo permanentemente atualizado. Pode ser que essa capacidade deatualização esteja relacionada com o fato de ser essa interpretação umelemento que compõe uma obra fundante da área e que se tornou matricialpara a historiografia educacional, A cultura brasileira: introdução aoestudo da cultura no Brasil, de Fernando de Azevedo (1963). Nela, nãoencontramos uma abordagem direta das questões relativas à educaçãodos negros, mas quando a consideramos a partir de sua estrutura e desua fundamentação conceitual, constatamos que trata os negros a partirde uma perspectiva semelhante à que detectamos em Tobias (1972).

 A cultura brasileira é uma obra de referência para a história da edu-cação, pois nela figuram algumas interpretações, fatos e temas que passa-ram a compor a forma tradicional de entendimento do desenvolvimentoda educação brasileira. Segundo Marta Maria Chagas de Carvalho (1998):

As representações sobre a educação no Brasil e sua história, articuladas na

obra de Azevedo, não foram ainda suficientemente desarticuladas e criticadas,

enquanto dispositivos de produção de rígidos esquemas de enquadramentoda disciplina. Estruturando-se monumentalmente como obra de síntese,  A

cultura brasileira é uma espécie de compêndio em que se apagam as posi-

ções da enunciação e, por isso, é sem dúvida um lugar no qual a “memória

dos renovadores é erigida em conhecimento histórico”. Na medida em que,

por seu tamanho e formato editorial, é obra de consulta destinada a pesquisa-

dores, ganha especial relevância a análise dos dispositivos textuais que, nela,

definem o que é pertinente ao campo da história da educação a ser narrada,prefigurando os elementos da intriga e constituindo seu sentido [Carvalho,

1998, p. 331, grifos do original].

Para Carvalho (1998), Fernando de Azevedo teve a capacidade decriar em seu livro uma estrutura argumentativa que operava a partir doconfronto entre tradicionalistas e renovadores. Nesse processo, destaca a

“marcha ascensional do novo” em direção a um processo de criação deum sistema nacional de ensino, que seria uma carência da sociedade bra-sileira e que deveria ser corrigida a partir de um processo de moderniza-ção liderado pelo próprio Azevedo. Essa condição do autor e da obra éapresentada da seguinte forma por Libânea Nacif Xavier (1998, p. 80):

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Como podemos observar, insistindo em analisar cada contexto histórico a

partir do que deveria ter sido feito em matéria de organização do ensino, no

sentido de formulação de um sistema nacional, Azevedo traça e retraça as

bases de um projeto modernizador, passível de ser enquadrado na política

centralizadora do Governo Vargas, mas que, no entanto, só se revela através

do movimento educacional que ele próprio liderava.

Logo início do seu livro, que tem uma estrutura argumentativa quelhe confere a condição de um documento em favor de um determinadoconjunto de reformas na educação brasileira, Fernando de Azevedo(1963) apresenta dois conceitos que são fundamentais em sua análise eque são estruturantes do padrão de abordagem que organiza a obra e,conseqüentemente, a forma como ela trata a população negra: civiliza-ção e cultura7. Com o objetivo de produzir uma síntese da cultura brasi-leira, Azevedo fundamenta seu conceito de cultura a partir da distinçãoentre este e o conceito de civilização. O conceito de civilização refere-

se à base material da sociedade e o de cultura ao universo simbólico:

[...] parece-nos aceitável a distinção estabelecida por G. Humboldt, quando

define civilização por tudo que, na ordem material, no desenvolvimento dos

costumes e na organização social, tem por efeito tornar os povos mais huma-

nos nas suas instituições e na sua mentalidade, consideradas em relação a

essas instituições, e reserva a palavra Kultur para designar uma nuança de

refinamento, marcado pelo estudo desinteressado das ciências e das artes[Azevedo, 1963, p. 36].

A partir dessa perspectiva conceitual, Azevedo considera de formarelativamente separada dois níveis da sociedade:

A vida da sociedade reduz-se, certamente, a um sistema de funções que ten-

dem à satisfação de suas necessidades fundamentais, e entre as quais a fun-

7. Segundo Libânea Nacif Xavier (1998, p. 76): “Cultura e civilização: são estes, doisconceitos essenciais na interpretação do autor, na medida em que são entendidoscomo elementos reguladores das relações dos indivíduos e grupos entre si, e destescom o todo – Estado ou nação”.

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ção econômica visa atender às necessidades materiais e a função política

(para darmos apenas dois exemplos) tem por fim defender a existência da

sociedade, tomada como conjunto e também como reunião de grupos entre

si, e destes com o todo, Estado ou nação. Mas uma sociedade, se quer preser-

var a sua existência e assegurar o seu progresso, longe de contentar-se com

atender as exigências de sua vida material, tende a satisfazer às suas necessi-

dades espirituais, por uma elite incessantemente renovada, de indivíduos sá-

bios, pensadores e artistas que constituem uma certa formação social, acima

das classes e fora delas [idem, ibidem].

Para construir uma síntese da cultura brasileira, Fernando de Aze-vedo não deixa de apresentar um conjunto de considerações em rela-ção à base material da sociedade, pois entende que esta influencia aelaboração do nível representado pela cultura. A primeira parte do livroapresenta uma série de considerações sobre diversos aspectos do de-senvolvimento social e político do país, abordando temas como raça,

trabalho, evolução urbana e evolução política. Nessa abordagem, en-contramos com freqüência o tratamento da questão relativa à escravi-dão e sua influência no processo de constituição da sociedade brasilei-ra. A partir de uma apropriação do pensamento de Gilberto Freyre, osnegros são tratados como um grupo que, como trabalhadores servis, foifundamental na construção do país. Mas essas influências estão restri-tas ao mundo do trabalho e à capacidade de submeter-se ao comando e

à ordem dos brancos.

É, certamente, graças à capacidade colonizadora dos portugueses e de seus

descendentes brasileiros, de um lado, e de outro, à capacidade de trabalho e

de submissão desses 1.500.000 escravos importados para os canaviais e os

engenhos, que se multiplicaram os núcleos de produção, atingindo a 238

fábricas um século depois de estabelecido o primeiro engenho no Brasil, e

que coube ao Brasil, já no século XVII, a primazia da produção do açúcar nomundo [Azevedo, 1963, p. 90].

Ao tratar do processo de constituição da sociedade brasileira, Aze-vedo faz referências constantes aos negros como escravos e à sua capa-

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cidade de submeter-se ao projeto de colonização dirigido pelos “portu-gueses e seus descendentes brasileiros”.

A proposta de Fernando de Azevedo era de construir sua interpreta-ção da cultura brasileira a partir de um trabalho de síntese. SegundoMaria Rita de Almeida Toledo (1996), essa síntese valeu-se das maisdiferentes obras de consulta, pois o propósito de Azevedo era o de con-frontar perspectivas teóricas diferenciadas e, a partir desse confronto,extrair as idéias que eram comuns a diferentes autores. Os elementosque eram comuns a autores de diferentes perspectivas teóricas podiamser tomados como verdadeiros. Dessa forma, ele incorpora em sua in-terpretação da cultura brasileira uma idéia muito comum no pensamen-to da época, presente em vários intelectuais e que reconhecia os negroscomo seres ativos apenas no mundo do trabalho8.

A primeira parte do livro de Azevedo está repleta de abordagensque apresentam os negros como seres ligados ao mundo do trabalho etutelados pelos brancos; no restante da obra, cujo objetivo é tratar da

cultura enquanto expressão das “necessidades de um povo”, os negrosnão encontram espaço nas abordagens. Nesse sentido, a escola comoinstrumento de transmissão da cultura é abordada como uma instituiçãoda qual os negros estiveram praticamente à margem, pois foram seresativos na dinâmica econômica, mas encontravam-se fora do universocultural que, para ficar nos dizeres do autor, “tende a satisfazer às neces-sidades espirituais através de uma elite incessantemente renovada, de

indivíduos, sábios, pensadores e artistas que constituem uma certa for-

8. Incorpora também uma idéia muito comum no pensamento da época e que acredi-tava que os negros eram parte de um grupo que estava condenado ao desapareci-mento: “a análise da constituição antropológica de nossa população, de 1835 a1935, demonstra que, segundo cálculos aproximados, a percentagem de mestiços(18,2%) e de negros (51,4%), atingindo a 69,6 % sobre 24,4% de brancos, em

1835, baixou a 40% (compreendendo somente 8% de negros) para 60% de brancossobre o total da população; as raças negras e índia estão desaparecendo, absorvidaspelo branco, ou, para empregar a expressão pitoresca de Afrânio Peixoto, ‘há, cres-cente, albumina branca para refinar o mascavo nacional’” (Azevedo, 1963, p. 76).Para uma análise sobre as referências teóricas utilizadas por Fernando de Azevedoem A cultura brasileira, ver Toledo (1996).

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mação social, acima das classes e fora delas” (Azevedo, 1963, p. 36).Apesar de não tratar explicitamente da questão relativa à educação dosnegros, o tema está subentendido na narrativa e nas escolhas concei-tuais do autor que reafirma a condição dos negros como escravos e de-limita lugares sociais bastante precisos para esse grupo. Entre esses lu-gares, não considera a escola.

Esse padrão de análise, que aparentemente não aborda a questãoreferente à educação dos negros, é, em geral, o mais freqüente nas obrasrelativas à história da educação. Não podemos esquecer que, no Brasil,a escravidão foi uma instituição que perdurou por quase quatro séculose que se fez a partir de uma importação massiva de africanos. Em meioa esse processo, os africanos e seus descendentes penetraram em todasas dimensões da sociedade estabelecendo influências que sempre carac-terizaram o Brasil como nação. Desse modo, é praticamente impossívelàs narrativas históricas, entre elas a da educação, não levar em conta osnegros. O que, de maneira geral, distingue essas narrativas é a forma como

esse grupo racial é incorporado à escrita da história. No caso da chamadahistória da educação tradicional – da qual Fernando de Azevedo é um dosprincipais representantes –, os negros estão alocados em lugares vincula-dos ao trabalho e às margens do processo de escolarização.

A história da educação marxista como

prolongamento de uma tradiçãoOs anos de 1970 caracterizam-se por terem produzido uma histo-

riografia educacional sob forte influência das teorias marxistas. Essasteorias começaram a ser utilizadas como uma das referências concei-tuais para a elaboração de um tipo de abordagem em que a educaçãodeixou de ser considerada algo em si mesma para ser situada em relação

a outras dimensões da sociedade.Sob a influência das teorias marxistas, houve uma modificação dosprocedimentos de análise da história da educação, passando-se a valori-zar novas fontes e novos objetos de pesquisa, que, por sua vez, propicia-ram certo nível de reelaboração à historiografia educacional. Essas mo-

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dificações não chegaram a alterar o papel atribuído à história da educa-ção em sua versão mais tradicional, pois permaneceu a sua condiçãomoral de julgamento dos processos sociais que envolviam a educação.Segundo Eliane Marta Teixeira Lopes e Ana Maria de Oliveira Galvão(2001), esse movimento não mais se dava na perspectiva de classifica-ção entre tradicionalistas e renovadores, mas manteve uma dualidadesemelhante à que encontramos na matriz azevediana:

Se a História da Educação Tradicional buscava julgar os grandes pensadores

ou os movimentos educacionais, essa tendência não desapareceu, mas assu-

miu um outro contorno, quando a área tornou-se campo fértil das influências

do marxismo de vulgarização. Desta vez, o desejo de colocar-se a favor das

camadas populares fez com que alguns pesquisadores [...] julgassem alguns

movimentos, classificando-os como progressistas ou conservadores, come-

tendo, mais uma vez, o anacronismo e atribuindo à História o papel de juíza

[Lopes & Galvão, 2001, p. 38].

Nesse tipo de historiografia, houve uma excessiva valorização daidéia de contexto histórico, passando-se a conferir grande destaque aosaspectos econômicos e políticos, sobretudo ao antagonismo entre domi-nador-dominado que foi elevado à categoria de elemento explicativo dasdiversas dimensões do fenômeno educacional. Sob o impacto das teoriasmarxistas, a história da educação foi transformada em uma “teoria da

práxis”9

, que tinha como objetivo fixar um modelo de ação e condutaque deveria permitir aos educadores identificar os avanços da educaçãopopular em direção à proposta do marxismo de realização plena do gêne-ro humano dentro do desenvolvimento da história. A ênfase na noção declasse social deu origem a um padrão de narrativa que privilegiava asabordagens dos fenômenos estruturais diluindo diferentes grupos sociais –entre eles os negros – na oposição entre dominantes e dominados. Por

utilizarem uma dualidade conceitual semelhante à de Azevedo (1963),que opunha o mundo material (civilização) e o universo simbólico (cul-

9. Cf. Lopes e Galvão (2001).

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a arte de construir... 27 

tura), as abordagens marxistas – centradas nos conceitos de infra-estru-tura e superestrutura – talvez tenham acionado um mecanismo que aca-bou por reafirmar a condição da história da educação na sua versão tradi-cional, ou, como afirmam Warde e Carvalho (2000, p. 25):

É na produção acadêmica dos anos 70 e 80 que se faz possível verificar o

funcionamento dos dispositivos discursivos acionados por Azevedo, através

da reposição da sua modelagem historiográfica nos estudos de corte prepon-

derantemente marxista. Esses escritos não produziram rupturas nos objetos,

nas periodizações, nas formas de conceber a história e o tempo herdados da

historiografia dos renovadores, oficializada por Fernando de Azevedo. Ao

contrário, levaram às últimas conseqüências o sentido moralizador da educa-

ção e da história.

É representativo desse padrão de abordagem o livro  História daeducação brasileira: a organização escolar , de Maria Luísa S. Ribeiro

(1984), publicado pela primeira vez em 1977 e que foi amplamente di-fundido por uma série de reedições. O fato de ter sido amplamente utili-zado na formação de educadores indica a importância dessa obra e acapacidade que teve de difundir um padrão de interpretação sobre oprocesso de desenvolvimento da educação brasileira. Nela, a educaçãoé abordada desde o processo de colonização até o século XX e é vistacomo um fenômeno da superestrutura social que se encontrava condi-

cionada pela base material da sociedade. Os modelos explicativos sãoconstruídos a partir de uma confrontação dialética entre infra-estruturae superestrutura e por meio de uma tentativa de apreensão do movimen-to das classes sociais.

Não há uma abordagem específica sobre as questões relativas aosnegros, pois estes se encontram subsumidos no tratamento dado às clas-ses dominadas e, como em Azevedo (1963), somente são registrados

quando são feitas referências à escravidão ou ao mundo do trabalho: “aeducação profissional (trabalho manual), sempre muito elementar dian-te das técnicas rudimentares de trabalho, era conseguida através do con-vívio, no ambiente de trabalho, quer de índios, negros ou mestiços queformavam a maioria da população colonial” (Ribeiro, 1984, p. 29). Ape-

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nas em uma passagem aparecem questões que remetem às tensões raci-ais vividas na sociedade e que se manifestaram na educação. Trata-se deum episódio que ocorreu em 1689 e que foi denominado de “questãodos pardos”: “esta questão surge da proibição, por parte dos jesuítas, damatrícula e freqüência de mestiços por serem muitos e provocarem ar-ruaças. Como eram escolas públicas, pelos subsídios que recebiam fo-ram obrigados a readmiti-los” (idem, ibidem)10.

Mesmo tendo registrado conflitos raciais em estabelecimentos edu-cacionais já nos primeiros estágios do processo de colonização, a temá-tica racial não recebe desdobramentos no desenvolvimento da obra. Ofato de, em 1689, os chamados pardos serem numerosos e de mobiliza-rem-se para obter acesso à escolarização não é considerado um indicativodo comportamento desse grupo em direção a uma tentativa de afirma-ção no espaço social. Dentro do padrão de narrativa construído a partirdas categorias marxistas, questões como essa não são problematizadas.Os negros são diluídos em meio às classes dominadas e não são consi-

derados um grupo que possuía demandas específicas em relação à edu-cação ou ao mundo social como um todo. Portanto, tendo como referên-cia o livro de Maria Luísa S. Ribeiro (1984), pode-se dizer que asmudanças que ocorreram na história da educação a partir de sua apro-priação das teorias marxistas não permitiram uma modificação em rela-ção ao tratamento da questão racial e não foram capazes de retirar osnegros da invisibilidade que se encontravam nas narrativas oriundas de

uma versão mais tradicional da historiografia educacional.

A nova historiografia educacional: a renovação apartir da conservação de uma velha tradição

Durante os anos de 1990, a história da educação passou por uma

nova reconfiguração nos procedimentos de construção de sua narrativa.

10. Embora Ribeiro (1984) não cite a fonte de consulta sobre esse evento, é provávelque seja um dos autores que também foi largamente utilizado por Azevedo (1963):Gilberto Freyre.

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Esse movimento foi impulsionado por uma relação cada vez mais es-treita com a chamada nova história cultural.

Tendo como referência Peter Burke (1991), pode-se dizer que essetipo de historiografia educacional produzida a partir dos aportes concei-tuais fornecidos pela história cultural não possui um padrão. Ela podeser compreendida muito mais pela crítica em relação às outras correntesdo que necessariamente a partir de uma unidade nas suas formas detratamento da narrativa. Essa crítica contesta o caráter utilitário das abor-dagens históricas, a ênfase excessiva na evolução das idéias pedagógi-cas, as abordagens centradas na longa duração e o lugar reservado àhistória da educação em meio aos saberes pedagógicos.

Há uma recusa em admitir a história da educação como um camporestrito à formação de professores e que tem como objetivo demonstrara evolução das idéias pedagógicas a partir de lições recolhidas na histó-ria. No processo de reconfiguração de suas fronteiras, essa nova posturaprocura demarcar o lugar da história da educação a partir da sua capaci-

dade de produzir conhecimentos e de estabelecer formas de compreen-são da educação no mesmo nível de outros saberes que se encontramrelativamente consolidados dentro do campo da pedagogia – como so-ciologia, psicologia e filosofia da educação.

Esse movimento ampliou consideravelmente o campo de investi-gação da história da educação, colocando-a muito além dos limites dahistória das idéias pedagógicas. Segundo Carvalho (1997, p. 57):

As transformações que nos últimos anos vêm reconfigurando a historiogra-

fia educacional brasileira deixam às suas margens a História da Pedagogia.

Novos interesses, novos problemas e novos critérios de rigor científico fa-

zem que a antiga história das idéias pedagógicas – uma das zonas mais fre-

qüentadas pela produção historiografia anterior – seja abandonada. As ra-

zões de tal abandono são múltiplas e se inscrevem no quadro das mudanças

de paradigma que, sob impacto das transformações sociais deste fim de sécu-lo, redesenham o perfil das chamadas ciências humanas.

Além da ampliação das fronteiras de investigação, ocorreram tam-bém mudanças metodológicas que passaram a balizar a escrita da histó-

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ria a partir do trabalho meticuloso com fontes primárias. Esse procedi-mento propiciou uma ampliação do conceito de fontes e tem possibilita-do um tratamento inovador dos temas tradicionalmente abordados, en-tre eles, a escola. Os novos critérios de rigor científico também sãoencontrados na elaboração de problemas e no recorte do objeto de pes-quisa que, em geral, é tratado em um período delimitado, cujo examerecorre à utilização de uma bibliografia pertinente ao objeto, ao tema ea um crescente diálogo com outras áreas do saber.

Os trabalhos produzidos a partir dessa nova orientação passaram aconcorrer diretamente com as outras correntes da historiografia educa-cional e têm propiciado mudanças significativas na compreensão dosmais diferentes aspectos da educação, chegando mesmo a promover umarevisão dos processos e marcos históricos tradicionalmente celebrados.Como exemplo, podemos citar a revisão realizada no período que serefere ao Império, que deixou de ser visto como uma “idade das trevas”para ser apontado como o período responsável pelo início da estrutura-

ção da educação pública:

A historiografia consagrada sempre concebe a educação primária do século

XIX confinada entre a desastrada política pombalina e o florescimento da

educação na era republicana. Tempo de passagem, o período imperial não

poucas vezes é entendido também, como a nossa idade das trevas ou como

um mundo onde, estranhamente, as idéias estão, continuamente, fora do lu-

gar. Os recentes estudos a respeito da educação brasileira no século XIX,particularmente no período imperial, têm demonstrado que havia em várias

províncias uma intensa discussão acerca da necessidade de escolarização da

população, sobretudo as chamadas camadas inferiores da sociedade. Ques-

tões com a necessidade e a pertinência ou não da instrução dos negros (li-

vres, libertos, ou escravos), índios e mulheres eram amplamente debatidas e

intensa foi a atividade legislativa das Assembléias Provinciais em busca do

ordenamento legal da educação escolar [Faria Filho, 2000, p. 135, grifos dooriginal].

Os avanços caminham em diversas direções e refletem-se na quali-dade e quantidade das pesquisas produzidas. Manifesta-se também na

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presença cada vez mais efetiva da história da educação nos programasde pós-graduação, no processo de estruturação do campo – que passou acontar com uma série de grupos, eventos (regionais, nacionais e inter-nacionais) – e no mercado editorial, que cada vez mais conta com publi-cações que dão visibilidade à produção.

No entanto, essa historiografia da educação construída a partir derecortes de objetos de pesquisa, de tempo e de espaço mais circunscri-tos, possibilitando um aprofundamento em vários aspectos do processoeducacional, alterou muito pouco as interpretações tradicionalmentefeitas em relação aos negros e à educação. As análises são construídas apartir de objetos bastante específicos que são interpretados a partir dadelimitação de aspectos da educação e da sociedade, mas na maioria dasvezes a questão racial não é considerada. Essa atitude mantém vivo cer-to imaginário que pressupõe a escola como espaço privilegiado da po-pulação branca e pouco tem contribuído para desmistificar a generaliza-ção responsável pela associação do negro com o escravo11.

Para constatar o padrão de tratamento dos negros no interior dessanova historiografia educacional, não é possível dirigir a análise parauma obra que possa ser tomada como representativa de suas formas deabordagem, pois ocorreram mudanças de ordem qualitativa e quantitati-va que tornam impossível esse tipo de operação. Multiplicaram-se aspesquisas e os temas tratados e estes geralmente não contemplam a evo-lução da educação brasileira ao longo de toda sua história. Em geral, os

trabalhos estão circunscritos em períodos de curta duração e voltam-separa o exame de um tema específico, que se articula no que poderíamoschamar de subáreas – entre elas poderíamos citar a história da profissãodocente, história do cotidiano e da cultura escolar, história da imprensae dos impressos educacionais, história da alfabetização, história daspolíticas educacionais, história das instituições escolares e história dainfância. Diante dessa fragmentação de tempos e de temas, não é possí-

11. Para Miriam J. Warde e Marta M. C. Carvalho (2000, p. 19): “pode-se supor que –e há fortes indícios de uma retomada dos paradigmas anteriores – essas transfor-mações se venham dando pelas margens da produção anterior, deixando intocadosos seus velhos objetos, temas e problemas”.

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vel proceder como no momento em que abordamos a versão tradicionale a marxista, que possuem obras que podem ser reconhecidas comorepresentativas de seus padrões de abordagem e que foram amplamentedifundidas nos espaços de formação e debate sobre educação. Para ava-liar o posicionamento da corrente que se convencionou denominar denova historiografia educacional, modificaremos o padrão de análise eutilizaremos como referência a produção realizada sobre um espaço es-pecífico e um tempo delimitado. A partir daí, tentaremos compreender otratamento dispensado aos negros nesse tipo de escrita da história.

O lugar do negro na história da educação sobreMinas Gerais

Para implementar o padrão de análise que foi exposto anteriormen-te, escolhemos a província de Minas Gerais, pois entendemos que ela se

constitui em um bom exemplo dentro dos objetivos deste artigo. Issoporque a educação na província de Minas Gerais é objeto de investiga-ção de várias pesquisas e também porque se trata de uma região e umperíodo em que encontramos uma população composta predominante-mente por negros. Confrontar a produção mais recente sobre MinasGerais com o perfil de sua população é uma das formas que temos paratentar entender como essa nova historiografia educacional vem lidando

com as questões que se referem aos negros.A história da educação sobre Minas Gerais tem conferido grandedestaque ao século XIX, que deixou de ser caracterizado como um perío-do em que a preocupação com as questões educacionais não se encontra-va entre os propósitos do governo, para ser apontado como um períodocorrespondente ao início do processo de escolarização. As novas aborda-gens têm destacado o alcance que os debates educacionais atingiram na

província e vêm demarcando esse período como o início da discussão eda implementação de políticas públicas com objetivo de educar o povo.Uma das questões que vem sendo permanentemente reafirmada pe-

los trabalhos voltados para esse período é a articulação entre o processode constituição do Estado e a progressiva implementação de políticas edu-

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cacionais. Esse padrão de abordagem é uma das características dos váriostrabalhos de pesquisa realizados sobre Minas Gerais e tem, segundo FariaFilho (1999, p. 117), o objetivo de buscar “as inter-relações existentesentre o processo de estruturação do Estado na província mineira e aquelesde estruturação do serviço de instrução de elementar”.

Essa articulação é construída a partir de análises que se voltam paradiferentes temas, como a constituição de uma política de instrução pú-blica (Sales, 2005), o estabelecimento da obrigatoriedade e da gratuidadeescolar (Faria Filho & Gonçalves, 2003), ou ainda a estruturação dosmecanismos de controle dos espaços educacionais por meio de visitadorese inspetores (Veiga, 1999). Em todos esses trabalhos, há um padrão deabordagem que articula de forma sistemática a conformação do Estadoe a educação como movimentos paralelos e necessários para a com-preensão da própria sociedade mineira.

Além dessa produção centrada na articulação entre a formação doEstado e sua permanente preocupação com a educação, há um conjunto

de trabalhos que toma essa questão como ponto de partida, mas que sepropõe a investigar aspectos mais específicos do processo educacional,como as transformações em relação aos métodos de ensino.

A questão sobre os métodos de ensino é tratada como um desdobra-mento e uma conseqüência das questões referentes à educação do povoe está ligada a ela na medida em que se referia tanto a uma dimensãomais técnica quanto aos modos de se efetivar, de forma ampla, eficaz e

com baixos recursos, a educação de um contingente cada vez maior dapopulação mineira. As pesquisas revelam que havia uma idéia que setornou hegemônica no século XIX e que preconizava a necessidade deestruturar a educação como algo que deveria ir além da constituição deum aparato legal. Isso implicava a necessidade de encaminhar medidastécnicas que permitissem a otimização dos recursos investidos – sobre-tudo no que se referia à formação de professores – e a implementação de

métodos eficazes para a educação de um número cada vez maior deindivíduos. Nesse sentido, foram construídas análises voltadas para exa-minar as origens da profissão docente e o surgimento da escola normal(Rosa, 2001), as modificações que ocorreram no cotidiano das escolasde primeiras letras a partir da difusão dos novos métodos educacionais –

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método mútuo, simultâneo e misto (Inácio, 2004) – e a representaçãodas crianças pobres contida nos pressupostos que orientavam os méto-dos de ensino (Jinzenji, 2004).

Além desse conjunto de trabalhos que foi construído a partir darelação sistemática entre a educação e a formação do Estado na provín-cia de Minas Gerais – seja no que se refere aos aportes legais dos servi-ços de instrução elementar, ou às questões pedagógicas –, há um con-  junto de trabalhos dirigido a outros aspectos como a infância, que étematizada a partir da condição de pobreza dos alunos que freqüenta-vam as escolas durante o século XIX (Veiga, 2004a), ou aspectos comoa tentativa de avaliar a construção da identidade das crianças a partir dasua condição de aluno (Gouvêa, 2003). Há ainda trabalhos relacionadoscom a questão de gênero e que procuram compreender a diferenciação,no atendimento escolar, em relação a meninas e meninos (Durães, 2002),a inserção das mulheres no espaço escolar e suas relações com a educa-ção vivenciada no mundo privado (Muniz, 1997), a produção de uma

identidade dos índios a partir dos processos de escolarização (Silva,2004), e a difusão da prática de leitura a partir da construção de espaçosestratégicos como as bibliotecas (Morais, 2004).

Considerando que nos referimos apenas ao período relativo ao Im-pério, é necessário reconhecer a diversidade e quantidade de trabalhos depesquisa voltados para a compreensão das questões relativa à educaçãona sociedade mineira. São pesquisas criteriosas do ponto de vista dos

novos padrões de rigor científico e, por isso, constituem-se como referên-cia na produção da historiografia educacional brasileira. Contudo, quan-do analisamos esses trabalhos a partir da questão racial – especificamenteem relação aos negros – constatamos que esse tema não é problematizadopelas pesquisas. Aparece apenas em Gouvêa (2003) e Veiga (2004), queconstataram em alguns documentos da instrução pública o registro decrianças negras em escolas de primeiras letras. As duas pesquisadoras

chamaram a atenção para o fato e ressaltaram a necessidade de investiga-ções mais aprofundadas sobre o significado dessa presença.Em “Crianças negras e mestiças no processo de institucionalização

da instrução elementar, Minas Gerais, século XIX”, Veiga (2004b) reto-mou a questão e ampliou o nível de problematização, afirmando que tal

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fato estava na base da própria precariedade com que se construiu a ins-trução pública, ou seja, era por atender a uma clientela pobre, negra emestiça que a instrução foi sendo organizada a partir de um quadro ab-solutamente deficiente na sua estrutura pedagógica e material. Apontoutambém a necessidade de uma reelaboração teórica ao mesmo tempoem que reafirma a necessidade de as pesquisas em história da educaçãodestacarem a diversidade de sujeitos no interior das escolas:

As investigações desenvolvidas nos levam a confirmação da hipótese inicial

de que no que se relacionou com a ampliação da escolarização aos diferentes

grupos sociais, não houve exclusão das populações negras e mestiças, desde

que livres [...] os diferentes registros nos levam a indagar sobre a precarieda-

de do funcionamento e da manutenção das aulas públicas onde a maioria das

crianças nada aprendia; o problema da freqüência, causado principalmente

devido ao trabalho infantil; e as limitações da aprendizagem. Talvez seja

possível pensar esses problemas relacionados a sua clientela, ou seja, alunos

pobres, negros e mestiços e as expectativas e o imaginário produzido pelaselites em relação as condições de educação desses grupos sociais. De qual-

quer forma, tem-se como conclusão fundamental que a história da educação

e a história da escola não se faz sem uma problematização de seus sujeitos,

alunos e professores e isso implica necessariamente a investigação de seus

sujeitos [Veiga, 2004b, p. 18].

Embora tenha atingido um nível de problematização que coloca emdestaque os sujeitos do processo de escolarização, os trabalhos da pes-quisadora Cynthia Greive Veiga constituem-se em exceção dentro dahistoriografia educacional sobre Minas Gerais, pois a grande maioriados pesquisadores opera a partir de uma noção abstrata de sujeito quegeralmente não leva em conta aspectos raciais. Isso mantém vivo umcerto imaginário que tende a conceber a escola como espaço privilegia-

do dos brancos, desconsidera a luta encaminhada pelos negros na tenta-tiva de utilizar a educação como instrumento de afirmação no espaçosocial e ignora os mais diferentes aspectos ligados à questão racial que,ao contrário do que se pensa, está ligada a elementos básicos dos pro-cessos colocados em curso na educação.

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Problematizando a nova historiografia educacionalsobre Minas Gerais

Ao considerarmos dados sobre a população mineira, somos leva-dos a crer na necessidade de integração da categoria raça nas análisesque se voltam para o entendimento da educação e também a acreditarque há um descompasso entre a literatura sobre a historiografia educa-cional e o perfil da população em Minas Gerais.

Segundo Clotilde Andrade Paiva (1996), a população livre de Mi-nas Gerais, nos anos de 1830, girava em torno de 269.916 indivíduos etinha a seguinte composição racial:

Fonte: Adaptado de Paiva (1996).

Os negros (pardos, crioulos, africanos) representavam a maioria dapopulação livre da província, com um total de 59% dos habitantes. Quan-

do acrescentamos a essa população os dados que a pesquisadora apre-senta sobre o plantel de escravos – 127.366 indivíduos, quase a metadeda população livre! – não resta dúvida quanto ao predomínio dos negrosem meio à população mineira. Essa supremacia dos negros livres e es-cravos é um indicativo da necessidade de considerar os aspectos relati-

Distribuição da População Livre

de Minas Gerais (1831/1838) por cor

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vos à essa população em meio às abordagens que se voltam para o en-tendimento da educação em Minas Gerais. Somente a desconsideraçãodos negros como sujeitos pode manter viva a crença de que essa supre-macia demográfica não teria impacto nos espaços educacionais. Pois,embora distantes dos padrões de organização coletiva que emergiramno século XX, os negros possuíam a capacidade de articulação em nomede seus interesses e, a partir das mais diferentes estratégias, agiram nosentido de transpor os limites de uma sociedade marcada pela hierar-quia e o preconceito racial12.

Mas é preciso ir além dessa contraposição mecânica entre o padrãode abordagem da historiografia educacional e o perfil da população.Para avançar nessa direção, podemos utilizar alguns dados do censo quetentou contabilizar a população mineira em 1831 e que contém registrosde crianças que freqüentavam a escola13. Os dados contidos nesse censorevelam que havia uma tendência do público da escola em acompanharo perfil racial da população da província. No distrito de Itaverava, fo-

ram registradas 49 crianças na escola de primeiras letras, sendo 19 bran-cos, 25 pardos, 3 crioulos e 2 cabras, ou seja, 61% de negros, contra39% de brancos. No distrito de Matosinhos, pertencente à Vila de Sabará,foram registradas 38 crianças na escola de primeiras letras: 3 brancos,

12. “Universo móbil, sociedade de muitas facetas, campo de muitas oportunidades. ACapitania das Minas Gerais era, concomitantemente, afro, barroca e mestiça. Como

vim afirmando, a região transformou-se durante os setecentos, sobretudo suas vi-las e arraiais, em terreno de distinções e de hibridismo culturais onde libertos eescravos desempenharam papéis realmente importantes. Muitos deles, sobretudoas mulheres, conseguiram demarcar espaços sociais bastante importantes e, assim,se fazer respeitados, reconhecidos, às vezes temidos, às vezes tomados como refe-rência pelos companheiros forros ou de cativeiro e, também, pela camada senho-rial branca. A ascensão econômica incentivou essa mobilidade e ajudou a consolidá-la no dia-a-dia” (Paiva, 2001, p. 94).

13. Essa documentação diz respeito ao período pré-estatístico e está entre as primeiras

tentativas de contagem da população de Minas Gerais e do Brasil. Em Minas Gerais,foram realizados dois censos, em 1831 e 1838, que tinham objetivo de contabilizartoda a população da província. Essa documentação encontra-se no Arquivo PúblicoMineiro e está organizada por distritos. Em alguns deles, encontramos o registro dascrianças que estavam nas escolas de primeiras letras e os estudantes que se encontra-vam nos níveis mais avançados do processo de escolarização.

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29 pardos, 4 crioulos e 2 cabras – 92% de negros para apenas 8% debrancos. No distrito de Passagem, pertencente à Mariana, encontramos31 crianças registradas freqüentando a escola de primeiras letras: 5 bran-cos, 18 pardos e 8 crioulos – 84% de negros e 16% de brancos. Nodistrito de Santa Luzia, pertencente a Sabará, encontramos 92 criançasregistradas na escola de primeiras letras: 15 eram brancas, 65 pardas, 7crioulas e 5 cabras – os mesmos 84% de negros para 16% de pardos14.

A superioridade que encontramos nesses quatro distritos é acompa-nhada pela maioria dos demais, para os quais encontramos dados sobrea escola de primeiras letras. Esse perfil é confirmado por alguns docu-mentos sobre a instrução pública, em que há algumas listas feitas porprofessores e que registram o pertencimento racial dos alunos15. Essaslistas são de diferentes distritos e geralmente os alunos negros encon-tram-se em número superior aos brancos e isso tanto em aulas públicascomo em particulares.

Quando consideramos os dados do censo de 1831, em relação aos

níveis mais avançados da educação, ou seja, que se referem aos estu-dantes que se encontravam nos estudos intermediários, encontramos umainversão na composição racial do público da escola. A documentaçãocensitária – e também a da instrução pública – revela que nos níveis deensino que se encontravam acima da instrução elementar havia um predo-mínio absoluto do alunado branco. Isso revela que havia uma composi-ção racial inversa nesses dois níveis do processo de escolarização, ou

seja, enquanto as escolas de primeiras letras eram dominadas por umpúblico negro, os níveis mais avançados do ensino eram monopoliza-dos pelos brancos. Essa inversão revela que a questão racial estava nabase do sistema educacional que existia em Minas Gerais e que havia

14. Arquivo Público Mineiro: Inventário sumário dos mapas de população, documen-

to microfilmado, rolo 01, caixa 01.15. Essa documentação encontra-se no Arquivo Público Mineiro e diz respeito a umadeterminação estabelecida pelo governo provincial que passou a exigir dos profes-sores o envio das listas de alunos que freqüentavam aulas públicas e particulares.Entre 1823 e 1835, encontramos algumas listas que registram o pertencimento ra-cial dos alunos. Arquivo Público Mineiro: IP 3/2, caixa 01 e IP 1/42, caixa 01.

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um filtro racial que, de alguma forma, possibilitava uma predominânciados negros nos níveis mais elementares, mas que não se manifestava emníveis mais elevados do processo de escolarização.

Quando consideramos outras fontes, como os relatos de viajantesque estiveram em Minas Gerais durante a primeira metade do séculoXIX, também encontramos indícios que reafirmam a descrição cons-truída a partir da documentação censitária. Nesse sentido, é importanteregistrar uma passagem do alemão Hermann Burmeister (1980, p. 271,grifos meus):

[...] à medida que penetramos no interior do país, porém, aumenta a prepon-

derância da população negra e mista e numa povoação bem afastada já pode-

mos ver um subdelegado ou juiz de paz, um mestre-escola ou um cura mula-

to ou preto... em Congonhas, vivia um mestre-escola preto, que gozava de

toda a consideração, mas seu instituto era particular e freqüentado por crian-

ças de cor.

A presença dos negros é registrada na condição de alunos e tambémna de professor. Pode-se dizer que isso gerava um estranhamento aoolhar europeu, mas tratava-se de uma realidade que, ao que tudo indica,fazia-se presente nos mais diversos pontos da província.

Nos primeiros anos do século XX, encontramos um panorama queparece não se distanciar desse que acabamos de descrever em relação ao

século XIX. Isso pode ser percebido na fala do educador mineiro Auré-lio Pires, que, em 1909, na condição de paraninfo das alunas da EscolaNormal de Belo Horizonte, dizia às normalistas sobre o exercício daprofissão que escolheram:

Não pensem que encontrarão nas escolas crianças louras e dóceis como pom-

bas, tereis, pois, que vos avir, não raro, com alunos grosseiros, rebeldes,

bravios, em cujo coração haverá explosões súbitas e formidáveis da feroci-dade primitiva de antepassados selvagens. Pois bem, são precisamente estes

que mais necessitam que inoculeis nas almas o marífico leite da ternura hu-

mana, [de] que nos falou o bondoso Machado de Assis [Pires, 1909, p. 17,

grifos do original].

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O educador Aurélio Pires faz uma referência indireta ao públicodas escolas mineiras e apresenta a perspectiva etnocêntrica que deveriamarcar a prática das jovens professoras: o enfrentamento de uma popu-lação tida como originária de antepassados selvagens e primitivos, que,ao que tudo indica, ainda em 1909, predominava nas escolas. Indicatambém que as professoras eram formadas a partir de uma perspectivaque se encontrava distante do perfil racial da população mineira. Noentanto, as considerações de Aurélio Pires não se encaminham em dire-ção a uma crítica ao processo de formação das normalistas. Ele apenaschama a atenção para o processo de mediação que as jovens professorasdeveriam empreender no sentido de obter êxito quanto à estratégiacivilizacional que a educação deveria cumprir. Os alunos não eram “crian-ças louras e dóceis como pombas”, mas deveriam, através da educação,atingir a condição mais próxima possível desse ideal.

No diário escrito por Helena Morley, que, entre outras coisas, narrasuas experiências como estudante na Escola Normal de Diamantina, du-

rante os anos de 1893 a 1895, encontramos uma passagem que caminhaem direção ao que foi revelado pela documentação censitária em relaçãoà superioridade numérica dos negros nas escolas e ao etnocentrismo quese encontra registrado na fala de Aurélio Pires. Helena Morley descrevesua primeira experiência como professora, aos 15 anos, quando foi subs-tituir uma mestra e registra sua percepção da escola destacando a condi-ção racial dos alunos: “o que será de mim se for obrigada a largar a

Escola, estudo, minhas colegas e tudo para ir ensinar a meninos pretos eburros no Rio Grande?” (Morley, 1998, p. 275). A inexperiência e baixaexpectativa da normalista em relação aos alunos fizeram com que elanão resistisse a um único dia de aula. Ao comunicar à mestra da escola –que era também sua tia – que não tinha condições de lhe substituir, obte-ve a seguinte resposta quando propôs o nome de uma outra professoracomo substituta: “O quê? Não volta? Então quer me desiludir e me con-

vencer de que uma mulata como Zinha é mais capaz do que você?” (idem,p. 279). A professora de nome Zinha foi quem se tornou a substituta datia de Helena Morley na escola e, pelo menos durante o período da subs-tituição, tivemos uma situação idêntica à descrição do viajante Burmeister:alunos negros que tinham uma professora da mesma condição.

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Em 1935, uma educadora chamada Georgina Machado da Cruzdefendia uma postura que também pode ser relacionada à maneira comoAurélio Pires se referiu às normalistas no seu discurso de 1909. Emartigo publicado na Revista do Ensino, editada pela Secretaria de Edu-cação e Saúde de Minas Gerais, a professora Georgina Machado da Cruzdefendia a importância do canto nas escolas e discorria sobre a sua ca-pacidade de moldar a identidade de um povo. Mas, segundo ela, nãocabia à escola legitimar qualquer canto como prática cultural, pois

O canto orfeônico ou coral constitui proveitoso atrativo e manifestação vibran-

te dos sentimentos raciais, que assinalam as qualidades características de um

povo... nos tangos, e maxixes, nos sambas e extratos de revista, concentram-se

quase sempre, palavrões e termos baixos que debilitam na alma da criança, a

ânsia irresistível de perfeição, de beleza e de verdade. Não representando cabedal

valioso e meio educativo, essas peças devem ser banidas das escolas que vi-

sam triunfo completo da educação [Cruz, 1935, pp. 5-7, grifos meus].

Sambas, maxixes e manifestações culturais afins, que certamentechegavam às escolas pelos alunos, não deveriam integrar os procedi-mentos pedagógicos. Ao contrário, deveriam ser combatidos em favorda construção de uma identidade que reafirmasse o interesse de conso-lidar, pela escola, os vínculos com uma cultura eurocêntrica que deviaser estranha à maioria da população mineira.

Questões como essa remetem-nos ao depoimento do sr. José de Je-sus Pereira que, no ano de 2000, quando foi publicado pelo jornal Estadode Minas, vivia nos arredores de Conceição do Mato Dentro (MG), tinha62 anos e se declarava filho de uma escrava chamada Maria Raimundade Jesus Pereira. Ele nasceu quase na metade do século XX, mas tinha namemória e na própria vida as marcas da escravidão. Não acreditamosque sua mãe fosse escrava; no máximo poderia ter sido uma criança nas-

cida livre de mulher escrava, pois era impossível a uma mulher nascidaantes de 1871 vir a conceber um filho em 193816. Embora haja uma in-

16. Após a Lei do Ventre Livre, as crianças passaram a ter a condição, pelo menosformal, de liberdade. Mas, mesmo desconsiderando os aspectos formais da lei, é

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coerência nas datas, o que verdadeiramente importa é que a narrativa dosr. José de Jesus Pereira é marcada por um nível de proximidade com aescravidão, pois descreve situações e vivências típicas dos trabalhadorescativos. Ele teve algumas relações com a educação formal e possuía lem-branças muito negativas das práticas vivenciadas na escola:

Nasci lá no pé da serra, onde tem um córrego, perto da cachoeira. Aos 8 anos

comecei a trabalhar na enxada. Essa fazenda, de primeiro, era a mesma coisa

de um arraial. Até missa era celebrada na casa do Alfredo Zuzino. Aqui vivia

muita gente. Isto vinha desde o tempo dos escravos. Minha mãe lembra mui-

to. Aos domingos a gente brincava de roda. Minha professora na escola cha-

mava Ilda, filha de Ana Militão. Vive até hoje em Belo Horizonte. Pelejei,

pelejei. Não aprendi nada. A professora dava reguada, apertava. Eu acho que

ela judiava. Larguei aquilo tudo e fui trabalhar com meu pai, na enxada. Acá,

amigo, sei, sim senhor, que faz muita falta saber ler. Se soubesse, podia tra-

balhar como caxeiro. Facilitava para saber o número do carro para viajar.

Não é, amigo? [Estado de Minas, 2000].

O sr. José de Jesus Pereira registra as dificuldades que vivenciavano cotidiano, relacionando-as à sua frustrada experiência escolar. Issose evidencia na compreensão acerca da falta que lhe fez o domínio dashabilidades de leitura, o que marcou sua existência e o deixou em umasituação, como trabalhador, muito próxima à de seus antepassados es-

cravizados. Em sua narrativa, demarca muito claramente que pelejoucom a escola. Porém, em um cotidiano e em uma memória marcada pelaescravidão, as “reguadas” e os “apertões” da professora – que, segundoele, era filha do antigo senhor de sua mãe – parece que o remetiam alembranças da condição dos escravos. A sala de aula reproduzia rela-ções que haviam ficado para trás com o fim da escravidão e isso o sr.José de Jesus Pereira não se dispôs a aceitar. Entre a educação pela

difícil acreditar que uma mulher que tenha nascido antes de 1888 possa ter conce-bido um filho em 1938. Independente disso, é necessário reconhecer a marca que aescravidão possui na memória do sr. José de Jesus Pereira, pois sendo de fato filhode escrava ou não, é como um descendente destes que ele se vê.

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escola e a enxada do pai, escolheu esta última. Escolhas como essa apon-tam para uma tensão vivenciada pelos negros nas escolas e sugerem queesses conflitos carregam significados que nos remetem a questões denatureza racial que precisam ser avaliadas pelas análises históricas.

Em uma perspectiva ampla dos procedimentos educacionais colo-cados em curso durante os séculos XIX e XX, podemos dizer que oprocesso civilizatório recebeu, na sociedade brasileira, uma dimensãodistinta daquela que marcou a experiência européia. A questão racialestá na base dessa distinção. Essa é uma das conclusões a que chegouCynthia Greive Veiga, que, a partir da racialização de suas pesquisas,reelabora as perspectivas teóricas em relação à história da educação:

Neste sentido, o discurso da educação, fator universalmente constituído na

modernidade como possibilidade de uma homogeneidade cultural, pré-re-

quisito para o progresso, possuiu no Brasil uma singularidade em relação a

outros países, ou seja, foi tomado em negativo. Ao afirmar as associações

entre educação e civilização, as elites indicavam para a existência de umabarbárie que não estava na Igreja, ou ainda apenas nas supertições, nos ges-

tos e nos hábitos da população, mas antes na sua cor de pele, na sua origem

étnico-racial [Veiga, 2003, p. 42].

Portanto, a partir de indícios recolhidos em diferentes registros,podemos afirmar que a questão racial está ligada à educação, em Minas

Gerais, em vários aspectos: está presente em aspectos macroestruturais,como a composição racial da população e a predominância de negrosnas escolas de primeiras letras, como demonstramos a partir da docu-mentação censitária e da documentação relativa à instrução pública; estáligada ao perfil do magistério, como testemunhou o relato do viajanteBurmeister; ao processo de formação de professores, como foi demons-trado pelas interpretações do discurso de Aurélio Pires e do diário de

Helena Morley; relaciona-se às práticas pedagógicas, como pudemosver a partir da percepção de Georgina Machado da Cruz; aos conflitosvivenciados no interior das escolas, como sugere o depoimento do sr.José de Jesus Pereira; e ao discurso civilizacional que marcou a educa-ção brasileira, como revela as análises de Cynthia Greive Veiga (2003).

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Isso indica que a questão racial é um elemento intrínseco da constitui-ção da educação e requer um nível de abordagem que a torne elementoconstitutivo da historiografia educacional.

A partir da situação que traçamos para Minas Gerais e que certa-mente encontra paralelo em outras regiões do país17, podemos dizer quehá a necessidade de rever as posturas que têm conduzido as pesquisasem história da educação e que é necessário uma atitude mais contun-dente no sentido de retirar a invisibilidade que vem tradicionalmentemarcando os negros. Isso não quer dizer que deva haver mais uma subáreana historiografia educacional que se volte para construção de uma his-tória da educação dos negros. Tendo como referência Minas Gerais,pode-se dizer que não devemos apenas pleitear uma história da educa-ção dos negros, mas, sim, uma incorporação plena dos negros nas abor-dagens históricas que se voltam para a problematização e compreensãodo fenômeno educacional.

Conclusão

O processo de renovação da historiografia educacional não avançouno sentido de desnaturalizar o lugar tradicionalmente ocupado pelos ne-gros, tampouco construiu um padrão de narrativa que os incorporasse àhistória da educação. Nesse sentido, o processo de renovação, que alte-rou os procedimentos de análise e escrita da história da educação, não

produziu o mesmo efeito no tratamento dispensado aos negros, que ain-da não foram elevados à condição plena de sujeitos nem ocuparam o seudevido lugar nas problematizações que conduzem as pesquisas.

É preciso reconhecer que, nos últimos anos, houve um aumento daprodução de pesquisas sobre a educação dos negros. Essa produção vemcrescendo no interior dos programas de pós-graduação e vem cada vezmais obtendo visibilidade e influência na disseminação do tema na acade-

17. As pesquisas que revelam uma preocupação com a questão relativa à presença dosnegros nas escolas indicam que o caso de Minas Gerais não é uma exceção. ParaSão Paulo, ver Barros (2005); para o Rio de Janeiro, Silva (2000); para o RioGrande do Sul, Peres (2002).

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mia18. Mas é ainda necessário um esforço para conjugar a renovação dahistoriografia com a conquista de avanços que possibilite uma nova escri-ta da história da educação, que ocorra a partir de uma operacionalizaçãoda categoria raça, concorrendo para uma nova descrição da educação e dasociedade em que os negros não sejam apenas um fenômeno residual.

Essa é a conclusão a que chegamos e é ela partilhada por pesquisa-doras como Eliane Peres, que a partir da discussão sobre a presença denegros nas escolas em Pelotas (RS) e da problematização acerca de umpossível silêncio das fontes afirma que:

Para concluir e retomar a discussão da questão do silêncio das fontes da histó-

ria da educação em relação ao pertencimento étnico-racial dos sujeitos, é ne-

cessário dizer que, se chegamos a um consenso de que a problematização ne-

gros x educação é fundamental no campo da pesquisa educacional, em geral, e

histórica, em especial, urge, mais do que ampliar o conceito de fontes, reinven-

tar formas e estratégias de tratamento dessas fontes; ousar e criar; operar com

uma boa dose de sensibilidade e intuição, de persistência e paciência. Umahistória da presença-ausência das comunidades negras em processos de educa-

ção-escolarização remete-nos e possibilita-nos fazer e pensar uma outra histó-

ria da educação no contexto brasileiro [Peres, 2002, p. 101, grifos do original].

A categoria raça não é negligenciável e não pode ser entendida ape-nas como algo que se encontra dentro do universo das possíveis escolhas

18. De acordo com o que pudemos avaliar, o primeiro texto de história da educaçãoque trata da população negra foi publicado em 1989, por Zeila Demartini, e refere-se às experiências ocorridas no início do século em São Paulo. Durante toda adécada de 1990, o tema é praticamente ignorado e/ou tratado de forma periférica,começando a ganhar força efetivamente na década seguinte. Isso pode ser atestadopela publicação, em 2002, do primeiro dossiê da Revista Brasileira de História daEducação, editada pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE),cujo tema foi “Negros e Educação”. No ano seguinte, o Grupo de Trabalho Educa-ção e Relações Raciais, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa emEducação (ANPEd), realizou um minicurso cujo tema foi a história da educaçãodos negros no Brasil. Em 2005, atendendo a uma demanda dos professores doensino fundamental e a partir das necessidades colocadas pela implementação dalei n. 10.639, o Ministério da Educação e Cultura publicou um livro específicosobre o assunto, cujo título é A história da educação dos negros e outras histórias.

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de como conduzir uma investigação, tampouco como algo que se limite aexprimir a visão de mundo daquele que empreende uma pesquisa, comose o fato de racializar fosse uma escolha que apenas remeteria à subjetivi-dade do pesquisador. A categoria raça, e dentro dela os negros, é elemen-to-chave no processo de constituição da sociedade brasileira e guarda umnível estreito de relação com os processos educacionais. Essa relação pre-cisa ser tematizada e problematizada pelas pesquisas e, em boa medida,ser enfrentada pela historiografia educacional. Essa é uma condição paraque seu processo de renovação possa convergir com avanços em direçãoa novas narrativas e à superação de uma tradição que ainda imprime mar-cas na sua maneira de descrever a educação e a sociedade brasileira.

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Endereço para correspondência:Marcus Vinícius Fonseca

Rua Itacoatiara, 427 – apto. 303Bairro Sagrada Família – Belo Horizonte-MG

CEP 31035-400E-mail: [email protected]

Recebido em: 22 out. 2005Aprovado em: 20 ago. 2006

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Poder e cultura escolarna Primeira República

em Mato Grosso

Dimas Santana Souza Neves*

Resumo:

Este texto enfoca a questão do governo dos sujeitos a partir deprática de exame em concurso para professores, enquanto dis-positivos de normalização, construídos e aplicados por repre-sentantes da ordem política que objetivaram delimitar certo re-

gime de verdade. Uma única “prova” de concurso paraprofessores possibilitou problematizar e tornar pensável práti-cas disciplinadoras, e, nessa orientação teórica, emprega umacompreensão de partes do pensamento de Foucault. Por isso, otexto analisa como as tecnologias de poder atuaram em tornodos professores inculcando ações para instrumentalizá-los, nosmodos e procedimentos, em atividades pedagógicas escolaresem busca da consolidação de uma outra ordem social.

Palavras-chave:exames; disciplinarização; confissão; poder; práticas.

* Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), bolsista Coorde-nação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES)/UNEMAT. Douto-rando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPED) da Universidade doEstado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa emHistória da Educação (NEPHE-UERJ).

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Power and school culturein the First Republic

in Mato Grosso

Dimas Santana Souza Neves

Abstract:

The emphasis of this text is on the quarrel about the people’sgovernment through the examination of the teachers’ selectionprocesses that served as normalization devices, built and utilizedby representants of the public order that had as objective the

delimitation of a truth regime. The material used in this search,only one teacher’s “test”, made possible to think disciplinarypractices and brought up some questions about this theme. As atheoretic orientation, this search utilizes parts of Foucault’sthoughts. For that reason, this text analyses the way the powertechnologies acted around teachers, imposing actions in orderto provide them with the instruments necessaries, concerningtheir behavior and procedures, in pedagogical school activitiesin search of the consolidation of a different social order.

Keywords:

exams; disciplinary; confessions; power; practices.

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poder e cultura escolar... 53

Introdução

Durante a construção do modelo escolar republicano, observa-se apresença de dispositivos disciplinares em práticas e representações, bus-cando tornar efetivas a existência e a consolidação de um paradigma demodernidade a partir das leis esparsas ou codificadas, em atos de diri-gentes e em processos de normalização. Muitas dessas atividades foramobjetivadas em regulamentos da instrução pública, os quais, por suavez, dentre outros aspectos, procuravam fixar as maneiras de exercíciodas relações entre direção e professores. Tais práticas de poder visavamproduzir e reproduzir modos de vida exemplares na esfera da escola,pois, tendo o modelo objetivado, buscavam construir determinados pro-cessos de subjetivação que gerassem culturas escolares, a partir das idéiase atividades de olhar, e examinar, ou seja, produzir juízos, valoração eclassificação. Com isso, efetivaram práticas de controle e vigilância naescola por meio de um agente estatal que disseminou esses mecanis-

mos, configurando um desejo de reproduzir na escola a miniatura dasociedade panóptica (Foucault, 1999b).Alguns desses mecanismos, em suas formas e maneiras de atuação,

foram utilizados para aperfeiçoar e fazer acentuar as práticas disciplina-doras dessas tecnologias nas escolas. Para efeito de análise, neste textodestacaram-se os exames de concurso para professores do ensino pri-mário. Esses instrumentos foram potencializados como “armas” de po-

der disciplinar que, diante das circunstâncias de desbloqueio dos proce-dimentos de poder e da efetivação dos mecanismos de seleção e controledos saberes e da população, tinham objetivos de tornar os escolares in-divíduos dóceis, obedientes, disciplinados, observadores e pacientes(idem) e compreensíveis da existência “natural” da diferença por meiodas hierarquias. Para isso, os dirigentes utilizavam-se de diversas estra-tégias, entre elas textos prescritivos com conteúdos moralizantes e

indutores de práticas rotineiras de morigeração, cujo objetivo era fazera moldagem da conduta dos escolares, de professores aos alunos. Nessemesmo sentido, eram utilizadas leis como os regulamentos da instruçãoque produziram práticas de representação de poder por meio das visitas,muitas delas sem aviso prévio, e exigência de prova de capacidade por

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meio de exames em concursos, com disseminação e aplicação de con-teúdos moralizantes para controle das pessoas e dos conteúdos dos sa-beres a serem ensinados. Por meio do procedimento de examinar, acre-ditavam estar disseminando, por entre a população escolar, os saberesregulados que deveriam exigir de alunos e professores, os quais deve-riam se tornar conformados por práticas dos conteúdos e conhecimen-tos ensinados.

Para o inspetor escolar, o trabalho definido pelos regulamentos de-veria ser de normalizar rotinas, tornando onisciente e onipresente a re-presentação do poder do Estado, encarnado no papel dos governantes,e, assim, realizar as intermediações entre a organização hierárquica dogoverno e dos agentes estatais com a população escolar e entre os pró-prios escolares. Portanto, possuía certo tipo de poder para que pudesserealizar um olhar, efetivar uma espécie de vigilância contínua na escola,verificando o trabalho pedagógico dos professores, assim como avaliaro resultado do trabalho de escolarização, ou seja, esses agentes estavam

investidos do poder de avaliar uma suposta verdade no que se refere aoproduto das ações dos professores, analisando a quantidade e a qualida-de dos saberes difundidos pelos professores em um período1.

Com base nesses dispositivos de disciplinarização, com essas for-mas de exercício do poder, procurava-se moldar os modos de viver,prevenir ações de desvios e criar noções de valores que pudessem nor-malizar o modelo social, em construção no interior da maquinaria esco-

lar e do processo educativo, existente na escola como, por exemplo, orespeito e a obediência hierárquica. A partir do texto de um concurso,pensou-se aqui tornar compreensível os mecanismos pelos quais as pes-soas são induzidas a ver e ver-se, julgar e a julgar-se, tendo em vista um

1. O poder, para afetar, traz à luz, fala e obriga a falar, julga. O ver, o dizer e o julgar

são, desse ponto de vista, parte das operações de constituição do que é afetado. Asmáquinas óticas, os regimes discursivos e os padrões jurídicos são inseparáveisdos procedimentos de fabricação de sujeitos obedientes à lei, normais enormalizados, atentos a si mesmos. Por isso, o caráter constitutivo com respeito àexperiência de todas essas operações de visibilidade, de enunciação e de juízodeve ser analisado do ponto de vista das relações de poder (Larrosa, 2000, p. 79).

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ritual de comparação com formas de administrar2. Nesse sentido, esteartigo analisa um desses instrumentos desenvolvidos pelos agentes es-tatais, uma prova de capacidade desse exercício, em cujo modelo deavaliação do saber de professores estabelecia-se uma relação de ordempela qual deveriam configurar mecanismos entre as práticas dos agentesestatais e a questão dos modos, meios e instrumentos de disseminaçãoentre escolares de diferentes hábitos e saberes, cujos procedimentosdeveriam visar reformulação de práticas sociais dos escolares.

Disciplinando e normalizando pelo exame deprofessores

Apresentamos aqui um único texto de um exame de concurso paraprovimento de profissionais do ensino, produzido nos primeiros anosdo período republicano em Mato Grosso, no momento em que três pro-

fessores disputavam uma cadeira do magistério primário. Por esse frag-mento da produção narrativa, pode-se notar como as criações discipli-nares colocavam em funcionamento uma mecânica de poder diversificadona qualidade do seu conteúdo e no estabelecimento de suas finalidades.Primeiramente, os professores foram submetidos ao exame escrito, ge-ralmente aplicado em forma de “cópia” de texto ou por intermédio dodenominado “ditado”. Assim, pode-se compreender que os professores

sequer tiveram oportunidade para tecer suas próprias considerações, paraapresentar seus conhecimentos científicos, mostrar seus saberes escola-

2. As pessoas são induzidas a julgar-se com vistas a certa administração, governo etransformação de si. A pessoa tem de fazer algo consigo mesma em relação à lei, ànorma e ao valor. E isso, uma ação, um fazer que afeta algo, um afetar, é justamen-te a definição foucaultiana de poder. O poder é uma ação sobre ações possíveis.

Uma ação que modifica as ações possíveis, estabelecendo com elas uma superfíciede contato ou, às vezes, capturando-as a partir de dentro e dirigindo-as, seja impul-sionando-as, seja contendo-as, ativando-as ou desativando-as. As operações de podersão operações de conter ou impulsionar, incitar ou dificultar, canalizar ou desviar.A estrutura de poder, então, implica algo que afeta (uma ação), algo que é afetado(um conjunto de ações) e uma relação com elas (Larrosa, 2000, p. 78).

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res, como eventualmente poderia acontecer em uma redação a respeitodo tema. O texto não tinha a intencionalidade de provocar o pensamen-to, por sua forma e sequer por seu conteúdo, como se notará, tendo emvista que a mesma narrativa fora aplicada aos três concorrentes, sendoque alguns copiaram ou escreveram mais palavras e outros menos.

Pelos argumentos pontuados no texto, nota-se, com atenção espe-cial para estes fragmentos apresentados, que os professores demonstra-ram em seus escritos que os exames aplicados pelos dirigentes governa-mentais tinham objetivo definido, devendo fazer com que os candidatosconfessassem, julgassem e aprendessem, buscando, por meio desse re-curso, normalizar procedimentos pedagógicos dos futuros mestres es-colares. Ao mesmo tempo, produzindo assujeitamento dos professoresàs formas, aos mecanismos e conteúdos de saberes, tendo por base essemodelo disseminado e representado pelos agentes do Estado. Examecomo confissão, concurso como julgamento e conteúdos como meio dedisciplinarização do modo de vida em seu cotidiano. Dos inspetores aos

professores e destes aos alunos e dos alunos aos pais, criando assim, umprocesso de disseminação de formas de viver do interior da sala de aulapara a prática social.

O texto deixa entendido que para ser considerado um “bom profes-sor”, na concepção desses mecanismos de poder, os concorrentes te-riam de cumprir algumas regras básicas, inclusive, com recomendaçõesmoralizantes, como é possível aqui identificar. Ao dissertar a respeito

da questão da pontualidade, a professora deveria associar esse tema aoreconhecimento que teria em torno das leis, particularmente do Regula-mento da Instrução Pública do período:

Pontualidade e zelo do professor. Pontualidade. A pontualidade é uma das

qualidades mais necessárias ao professor, isto é, uma escrupulosa exatidão

no cumprimento dos seus deveres, no tempo presente e de conformidade

com a lei. O homem incumbido de ter para com uma multidão de criançasdiversos e numerosos cuidados, não pode excluir-se bem de tão laborioso

encargo sem fazer emprego do tempo. Um regulamento devia prever a este

grande interesse e, efetivamente o fez, pelo menos em parte, determinou os

dias de descanso e de trabalhos, a hora e duração da aula, a ordem e impor-

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tância relativa aos exercícios. Não havendo porém, tal regulamento ou sendo

mal executado, andava tudo ao acaso, haverá confusão e nada progredirá se o

professor tiver como regra os seus comandos ou caprichos, compreenderá

muitos estudos ao mesmo tempo e nenhum chegará a compreender, omitirá

ora esta ora aquela cousa, fará isto em precipitação aquilo com morosidade;

empreenderá tempo considerável em exercício de utilidade secundária para

o qual seu gosto o atrair, e negligenciará com o que deveria constituir objeto

principal de seu ensino. Talvez até chegará a ocupar-se de negócios pessoais

durante a hora da aula, a fechar a escola muitos dias na semana, a abreviar a

duração da aula, ou, pelo menos a transferir o dia de santo sem estar para isso

autorizado. Ninguém poderá negar que um tal procedimento e fetichismo da

escola que não poderá de ter conseqüência necessária a lentidão do progres-

so [Farias, 1894].

Nesse documento de avaliação da capacidade e qualidade de ensi-no, percebe-se que a professora, ao realizar a prova, escreve e partilha

de determinadas representações da lei, ordem e algumas atitudes neces-sárias para um profissional do ensino que deveria ter “bom procedimen-to”. O texto do exame quis fazer compreender a necessidade da pontua-lidade como forma do cumprimento dos deveres, submetendo aprofessora a uma diferente ordem temporal. Isto é, o conteúdo tinhafinalidade de produzir na professora obediência a um procedimento e auma rotina afinados com as características do cargo, na visão dos gover-

nantes, sendo que o cargo de professora deveria ser prioritário diantedas demais ocupações.Esse é um texto que informa e forma, dando sentido daquilo que a

professora não se poderá ocupar em seus afazeres pessoais em detri-mento da aula, com a conseqüente necessidade de respeitar a legislaçãoexpressa nos regulamentos e, em ato contínuo, a obrigação de ocuparbem o tempo dos alunos e da própria mestra. Assim, o concurso servia

para a professora realizar um “auto-exame” ou “exame de consciência”em torno das suas responsabilidades profissionais, devendo exercer suasatividades de acordo com esses preceitos e não mais de acordo com osseus conhecimentos práticos frutos de experiência. Nada disso. A exi-gência desses procedimentos constituía-se como estratégia de seleção

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que visava controlar o ingresso das pessoas para o cargo de professoresno processo de produção da escola, também inculcar formas de pensar ede agir para as ações de escolarização das crianças, futuros alunos dessesprofissionais3. Ao demonstrar como deveria ser um “educador” e seucomportamento na sala de aula em relação à criança escolarizada, a nar-rativa do concurso possibilitou conjugar seleção com formação dos pro-fessores buscando estender seus efeitos para a relação pedagógica dasala de aula, moldando o modo de atuar dos professores nesse ambiente.Um concurso que se assemelha a uma instituição de formação de pro-fessores, uma exigência para a época em Mato Grosso.

O exame prestado pelos professores evidencia uma analogia entrea necessidade do exemplo do professor e a imitação das atitudes pelosalunos nas formas de expressar a relação dos escolares com a ordem e adisciplina na sala de aula. No entendimento do texto ditado pelo inspe-tor, haveria oportunidade na qual a atitude exemplar do professor deve-ria levar o aluno a outros comportamentos, a condutas que denomina-

ram de “exatas”. O que poderia em outras palavras significar atitudesperfeitas, certas, corretas, exemplares e de acordo com a lei e a “civili-zação” emergente com o modelo republicano. A partir daí, pode-se com-preender que o poder dos inspetores acaba evidenciando que de nadaadiantariam as palavras dos professores sem percursos e orientações aserem seguidos ou imitados. Política e técnica fundem-se no sentido deexplicar a responsabilidade de cada escolarizado na organização e defi-

nição do papel social tanto do professor quanto do aluno e principal-mente da relação pedagógica de ensino, gerando uma cultura escolarque deveria ser transmitida e disseminada, mas também inculcada. Essasituação pode ser amplamente verificada e compreendida na continui-dade do mesmo fragmento de exame de concurso:

Além de que apercebendo-se os alunos de que o mestre não presta-se suas

funções a devida seriedade, não deixará de imitar humilhante negligencia,

3. Modelo de recrutamento e profissionalização, tal qual evidenciado na Corte noperíodo imperial, estudados por Garcia (2002).

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tornar-se-ão menos assíduos, virão a escola sem prazer, trabalharão nela sem

entusiasmo, em uma palavra desaparecerão um tempo, cujo valor nada lhes

fará conhecer. Ainda mais funestos efeitos produzem a falta de exatidão quando

compromete a segurança ou a moralidade dos meninos. É este uma escolha a

que se expõem os mestres que por privados motivos ausentar-se da aula du-

rante os exercícios, ou que quando não mora na mesma casa da escola só ai

chegam depois de reunidos os meninos. Tais ausências são quase sempre

prejudiciais a boa ordem e a disciplina, a elas se aproveitam muitas vezes os

meninos para fazerem travessuras injuriar e mesmo jogarem pancadas. E

poderá o professor julgar-se isento de exprobações por tais desordens? É ele

o verdadeiro culpado pois é o responsável por tudo o que se passar na aula e,

se as crianças que lhe foram confiadas faltaram ao seu dever, é porque foi ele

o primeiro a descuidar-se dos seus. É evidente, portanto, que o professor não

poderá sair sem falta de assiduidade ou pontualidade sem acarretar sobre si

uma terrível responsabilidade. Os regulamentos universitários também lhe

impõem rigorosa obrigação de jamais deixar seus alunos fora de sua vigilân-

cia. Dela acabamos de ver quanto a pontualidade é necessária ao professor,mas essa qualidade não será de grande quilate se não for acompanhada de

zelo, a qual é esse entusiasmo refletido e perseverante que o homem empre-

ga no desempenho de seus deveres, afim de cumpri-los sempre o melhor

possível. Por diversos caracteres se faz ele conhecido [Farias, 1894].

Pode-se perceber que um dos objetivos do texto do exame era ava-

liar o grau de disciplina dos professores, isto é, fazer a professora dar-sea ver, confessar os princípios e critérios que comungava em sua consti-tuição pessoal para o papel profissional de ser professora. A confissão,por meio do exame de como deveria agir no cotidiano da vida ou daspráticas escolares, possibilitava o registro do governo de si, uma dascondições para que a professora pudesse ser recrutada4. Uma racionalida-

4. A experiência de si implicada na constituição da subjetividade na dimensão de julgar-se seria, então, o resultado da aplicação a si mesmo dos critérios de juízodominantes em uma cultura. O sujeito só pode pôr-se a si mesmo como sujeitoreflexivo na medida em que está constituído por sua sujeição à lei, à norma ou aoestilo. Desse ponto de vista, a experiência de si, aquilo que a pessoa “vê” de si

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de que alterou o sentido do ser mulher, mãe e mestra para a construçãorepublicana do profissional do ensino, posição social essa de quem deve-ria levar a profissão em primeiro lugar, devendo ser a atividade de profes-sora mais importante que qualquer outra possibilidade do cotidiano.

Pelo texto, os professores eram induzidos a compreender que alémde realizar todo um controle e vigilância com os alunos, deveriam co-nhecer-se, controlar-se para manter as formalidades exigidas. Assim, opoder disciplinar, por meio dos inspetores, tendo como mecanismo osexames dos concursos e como tecnologia os conteúdos ensinados, gera-va culturas escolares que deveriam levar a população estudantil às mes-mas práticas de obediência e à aceitação desses saberes e do poder dasautoridades de dizer aos professores o que consideravam “verdades”. Oprofessor era responsável exemplar pela ordem e desordem, pela disci-plina e indisciplina no ambiente escolar por meio do fortalecimento e dadisseminação desses conhecimentos. E, pela aplicação da noção de tem-po, com horas predeterminadas, conforme dispunham os regulamentos

e que o texto fez exigência de conhecimento. Assim, os professores de-veriam cumprir com assiduidade, pontualidade, demonstrando exemploprático e rotineiro. Opção fundada para alcançar os objetivos de educar,instruir e ensinar, entrelaçados a partir da normalização das ações deprofessores a alunos, da convivência escolar ao cotidiano das famíliase, extensivamente, à sociedade, pois não bastava comportamento isola-do, segundo fez compreender as autoridades escolares. Situação

configuradora de padronização das práticas no ensino e de homogenei-zação de atitudes. Durante a escrita desse mesmo texto de exame deconcurso, os inspetores demonstram outras necessidades interligadas:

Primeiramente o mestre que for animado de verdadeiro zelo, jamais entrará

na aula sem ter provado as suas lições. Não concebemos que um mestre bem

capaz que e supondo, para ensinar com bom êxito, e sem perda de tempo o

mesma quando se julga e aquilo que a pessoa “expressa” de si mesma no ato deenunciação de seu juízo, é algo que se constitui e se determina na operação mesmado juízo, naquilo que os sistemas criteriais, que possibilitam o juízo, produzemcomo seu campo de aplicação (Larrosa, 2000, p. 77).

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que se não tiver preparado. Consiste esta preparação não só em por em or-

dem os objetos materiais necessários ao ensino, como principalmente em

compor, ou pelo menos em escolher os assuntos diversos em que deve ser

executada cada classe de aula, em cientificar-se pelo exame das notas e dos

temas se a respeito de tal ou tal ramo da instrução, será mais conveniente por

adiante ou mais vantajoso estacionar por algum tempo, em modificar um

processo que não tenha apresentado todos os resultados esperáveis; em to-

mar nota da infração que mais se tenha repetido, em procurar um meio que

deverá observar quando achar-se em uma conjuntura delicada; um quarto de

hora de semelhante preparação vale para os alunos muitas horas de trabalho.

Uma vez começado os exercícios da aula, deve o mestre que for zeloso estar

sempre ocupado com seus alunos, esforçar-se-á por tornar-lhes atrativo os

estudos, só dando-lhes a propósito algumas animações; já respondendo as

suas perguntas sem manifestar-se nem embaraçoso, nem enfadado, já final-

mente evitando que se vejam eles em dificuldades que só servissem de fatigá-

los [Farias, 1894].

O fragmento anterior exemplifica como um conjunto de fórmulas/ discursos pedagógicos, de comportamentos pessoais e sociais, foi ex-plicitado e exigido no início do período republicano, uma vez que sedeveriam constituir em procedimentos de ensino, práticas geradoras decostumes escolares de ordem, disciplina e obediência para o aprendiza-do. Como uma formação pelo concurso, foi evidenciado também que os

professores deveriam tomar conhecimento da necessidade de práticasde realização do autogoverno; isto é, conhecer e fazer acontecer deter-minações regulatórias que buscavam normalizar o comportamento e aconduta dos professores, não somente em sala de aula ou no cotidianoescolar, mas também fora dela, funcionando exemplarmente para a so-ciedade. Essa forma de recrutamento, nas atividades de escrita ou rees-crita de texto, aparece como um importante dispositivo que insistiu em

atuar na configuração do “bom mestre”5

.

5. Mas, em virtude do fato de que ler e escrever são essencialmente atividades solitá-rias, a cultura alfabética implica uma individualização crescente da relação com osaber, do mesmo modo que supõe e favorece também a abstração, o afastamento

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A condição de concurso criava exigências não apenas intelectuais.Pode-se verificar preocupação com práticas civilizadoras, sociabiliza-doras como a de “não gritar” e situações nas quais o professor deveriaproduzir conhecimentos e relações pedagógicas com os alunos não maiscom aspectos punitivos e dureza na aprendizagem, mas sim no sentidodo convencimento, para o prazer dos estudos e, nesse sentido, a práticado olhar foi difundida para fazer com que os gestos fossem compreendi-dos durante a atividade pedagógica. À noção de indivíduo isolado foiacrescida a idéia de que as crianças, em processo de escolarização, ti-nham direitos de atenção do professor de maneira igualitária. Manifes-tação, portanto, da idéia de sociabilidade, de cidadania, de igualdade.

O conceito de “zelo” foi desenvolvido no sentido de tentar fazer aprofessora realizar um conjunto de atividades que a levaria a organizare ministrar aulas com cuidados para que não “embaraçasse” os alunos,nem se mostrasse “embaraçado” ou “enfadado”. Em outras palavras,que jamais se mostrasse cansado ou em situação de “não saber” ou “au-

sência de domínio de conhecimento”. E, para que isso não ocorresse,deveria preparar as aulas, de modo que “jamais entraria em aula sem terprovado suas lições”, o que objetivava não somente profissionalizar aprofessora, mas torná-la uma técnica responsável, com verdades cientí-ficas, objetivas, a serem pronunciadas e inculcadas no cotidiano escolarda criança escolarizada. Na prática, buscava-se abandonar o conheci-mento científico conjugado com explicações religiosas e experiências

de vida como no Império. Na continuidade desse exame, esse aspectofica explicitado melhor:

Para as suas explicações toda clareza possível, repetindo, exprimindo deste

ou daquele modo que não tiver sido compreendido. Abster-se-á gritar uma

em relação à experiência imediata, o enfraquecimento da ligação entre o indivíduoe o mundo natural e social. Tais são precisamente os traços que caracterizam, se-gundo Young, os saberes de status elevado, aqueles privilegiados atualmente pelacultura acadêmica, e em função dos quais constroem-se as definições do sucesso edo fracasso escolar mais conformes com os sistemas de valores e com a preserva-ção dos interesses dos grupos socialmente dominantes (Forquim, 1993, p. 93).

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vez sequer, pois deve saber que o homem que grita, ou gesticula, perde toda

a gravidade, mas fará com que seu olhar, sua animação e seu gesto, tornem

aquela atitude que retira constantemente a atenção. Isento da vaidade, abster-

se-á de imitar esses mestres que no interesse de suas reputação cultivam

especialmente os alunos de mais inteligência. Todos os alunos tem direito a

solicitude do professor, deve este, pois, repartir com eles iguais cuidados.

Finalmente, o zelo de ser perseverante se o professor vir que os seus esforços

têm sido coroados de bom êxito, deve atentar ante para o que lhe resta a fazer

do que para aquilo que já fez, se ao contrário, apenas tem conseguido fracos

resultados, deve recordar-se de que o trabalho pertinaz vence todos os obstá-

culos, e que um homem de coração em presença de dificuldades e que sente

aumentar-se-lhe o ânimo, e que um mestre cristão depara nesses trabalhos

com um meio de preencher e santificar os seus dias. Tal deverá ser no meio

dos seus discípulos o professor que for animado de verdadeiro zelo. Grande

erro porém seria pensar que nada mais lhe resta fazer depois de findos os

exercícios escolares. Não basta que durante o dia ele tenha cumprido o seu

dever, também é preciso que pelo estudo se ponha em estado de sempre de-sempenha-lo bem; pois sem estudo o professor que tinha a precisa capacida-

de no começo da sua carreira, etc. [Farias, 1894].

Nesse entendimento, essas manifestas exigências tinham objetivoconcreto de controlar a mente, o coração e os corpos dos professores,produzindo efeitos de normalização nos indivíduos que deveriam ensi-

nar desde a situação de estar em sala de aula até a de cuidar de criançasescolarizadas. Assim, as práticas de leitura e escrita desses textos nosconcursos fazem-nos pensar nas “práticas de si” ou “tecnologias do eu”6

6. Exames, classificações, promoções e tratamentos de recuperação estabelecem pa-drões “normais” de expectativas. Esse poder desenvolvido pelo seu exercício é

usado para produzir o que Foucault chama de indivíduos normalizados. As normasque são estabelecidas, os exames, as classificações e as punições disciplinares sãotodos partes dessa noção de governo. O exame ocupa um papel-chave tambémpelo fato de que expõe para o indivíduo sua própria identidade, seu verdadeiro“eu”. Em Vigiar e punir , Foucault localiza a escola, decididamente, no campo dasdisciplinas (Marshal, 1999, p. 25).

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que deveriam produzir um modelo de professor, com diferentes formasde exercer a atividade de ensino, mas que deveriam estar conjugadas, eque, fundamentalmente, dessem conta do controle e da vigilância a res-peito dos aspectos comportamentais dos escolarizados.

Considera-se que os dispositivos de controle e vigilância, por meiodessas práticas, desejavam realizar a “formação” ao demonstrarem comodeveriam ser realizados a qualificação e o preparo das crianças a partirdas atividades pedagógicas desenvolvidas pelos professores. Por isso,no texto, buscaram fazer com que os candidatos ao ensino repensassemsuas práticas escolares, produzindo, assim, a idéia de uma cultura esco-lar com responsabilidade, auto-avaliação e competição, tanto pelo dis-curso da pontualidade quanto pelo zelo do professor, bem como pelasações pedagógicas de observação, dos gestos, enfim, do comportamen-to profissional do próprio professor e dos alunos. Esse regime de verda-de, dito dessa forma, desejava construir/inventar um modelo de profes-sor, eis a inteligibilidade permitida aqui, uma vez que na compreensão

de Marshal (1999, p. 26) “Ao dizer a verdade, a pessoa conhece a siprópria e torna-se conhecida para os outros num processo que é terapêu-tico, mas, também, controlador”.

Há profundos efeitos de poder nesse tipo de leitura. E, a implicaçãoexigente de uma leitura como a desse texto, presentes em forma de exa-me/concurso, foi levada para que os profissionais fizessem experiênciada maneira do trabalho que desempenhavam, produzindo o que os pen-

sadores denominaram de experiências de si historicamente construídas:

Se a experiência de si é histórica e culturalmente contingente, é também algo

que deve ser transmitido e ser aprendido. Toda cultura deve transmitir um

certo repertório de modos de experiência de si, e todo novo membro de uma

cultura deve aprender a ser pessoa em alguma das modalidades incluídas

nesse repertório. Uma cultura inclui os dispositivos para a formação de seus

membros como sujeitos ou, no sentido que vimos dando até aqui à palavra“sujeito”, como seres dotados de certas modalidades de experiência de si.

Em qualquer caso, é como se a educação, além de construir e transmitir uma

experiência “objetiva” do mundo exterior construísse e transmitisse também

a experiência que as pessoas tem de si mesmas e dos outros como “sujeitos”.

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Ou, em outras palavras, tanto o que é ser pessoa em geral como o que para

cada uma é ser ela mesma em particular [Larrosa, 1999, p. 45].

Nessa oportunidade, o autor faz pensar as práticas de escolarização,que por uma diversidade de dispositivos produzem e transmitem esse co-nhecimento para o cotidiano. No caso dos professores, no ambiente esco-lar, a partir da relação estabelecida na sala de aula para que se pudessechegar ao dia-a-dia da criança nas práticas culturais de um grupo ou dasociedade. Ou seja, o indivíduo, ao tomar algo como verdade, forma,interioriza mecanismos e instrumentos, buscando realizar as mesmas prá-ticas nas suas atividades com outras pessoas. Como diz o autor do texto,atuar no dia-a-dia escolar para “preencher e santificar os seus dias”.

A sujeição ao modelo deveria produzir a mudança no comporta-mento, construindo disposição para atitudes próximas do que eram, nosignificado do texto e entendimento dos governantes, ações práticas erotineiras de ser professor. Esse foi, nesse entendimento, o objetivo do

exame: submeter os profissionais a um conjunto de procedimentos re-gulatórios e normalizadores para seu cotidiano como professor e comoser social.

Ao realizar uma análise de projetos envolvendo professores na con-temporaneidade, esse pensador contribuiu também com a reflexão deatividades desenvolvidas no século XIX, pois ao considerar que essesinstrumentos atuam na formação de valores que permanecem no imagi-

nário, na subjetividade das pessoas, possibilitando a constituição de sa-beres escolares, estabelece uma compreensão plausível como afirma:

De que se trata aí é de definir, formar e transformar um professor reflexivo,

capaz de examinar e reexaminar, regular e modificar constantemente tanto

sua própria atividade prática quanto, sobretudo, a si mesmo, no contexto des-

sa prática profissional. As palavras-chave desses enfoques sobre a formação

do professorado são reflexão, auto-regulação, auto-análise, autocrítica, toma-da de consciência, autoformatação, autonomia, etc. Por outro lado, é impor-

tante advertir que os motivos da auto-reflexão não incluem apenas aspectos

“exteriores” e “impessoais”, tais como as decisões práticas que se tomam, os

comportamentos explícitos na sala de aula, ou os conhecimentos pedagógicos

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que se têm, mas, sobretudo, aspectos mais “interiores” e “pessoais”, como

atitudes, valores, disposições, componentes afetivos e emotivos, etc. Dito de

outro modo, o que se pretende formar e transformar não é apenas o que o

professor faz ou o que sabe, mas fundamentalmente, sua própria maneira de

ser em relação ao seu trabalho. Por isso a questão prática está duplicada por

uma questão quase-existencial e a transformação da prática está duplicada

pela transformação pessoal do professor [Larrosa, 1999, pp. 49-50].

Assim, entende-se que a experiência de si que os professores deve-riam realizar está presente. Da mesma forma, que se confessar, julgar-se, ver-se e compreender-se, dentro das proposições que Larrosa anali-sa, coincidem com essas práticas da primeira década republicana emMato Grosso. A singularidade encontrada foi a forma, o tema dos escri-tos, o fundamento teórico existente. Os objetivos são idênticos ou se-melhantes, talvez diferentes, mas não opostos.

Por meio dos inspetores escolares, eram intensos o controle, a vigi-

lância, a necessidade de fazer-se o cuidado de si e desenvolver agovernamentalidade tanto que, em relatórios e mensagens de autorida-des republicanas, proliferavam queixas relativas à qualidade das ativi-dades de inspeção que verificavam o nível de formação dos professores.No entanto, no conjunto do exame, pelo texto do concurso, não há apossibilidade de verificar a reflexão do examinado acerca do que o pro-fessor pensava ou considerava ser um bom profissional. Reclamações,

questionamentos, considerações e queixas dos professores em relaçãoàs condições de trabalho eram desconsideradas. Ao contrário, tentava-se inculcar um conjunto de procedimentos para que se pudesse refletir arespeito das práticas que o professor adotava, ao mesmo tempo objetivavainculcar aos professores a possibilidade de verificação, conhecimento eaprendizagem de outras formas de relacionamento pedagógico que de-veria diferenciar-se das propostas metodológicas produzidas, principal-

mente, por setores ligados à Igreja, durante o período imperial. Ao mes-mo tempo que se buscava fazer o professor refletir a respeito das suaspráticas e não das práticas dos governantes, das políticas públicas.

Pelo modo de escrever, ainda houve valorização de referenciais nãoestritamente ligados à linguagem escrita. No resultado do concurso, pode-

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se conhecer que essa professora obteve, nas provas escritas, notas me-nores que os demais concorrentes. No entanto, a professora foi selecio-nada para o cargo porque sobressaiu na avaliação oral. Ao valorizar aprática oral, os inspetores escolares fizeram uma opção pelo professorque “falasse bem”, que tivesse o “domínio da fala”. Uma complexamanifestação, uma vez que no período republicano se procurava valori-zar muito mais a escrita das crianças do que a oralidade. Afinal, apositividade das aulas dava ênfase às escritas. Mas o concurso tinhatambém função de fazer professor e inspetor escolar aprenderem a jul-gar7 e a julgarem-se, pois ao poder definir critérios e condições deadmissibilidade se estabelecia e se fazia conhecer valores culturais pre-sentes nas possíveis ações dos professores como escrever e “falar bem”.

Conclusão

Ao considerar que esse período é a mudança da sociedade da sobe-rania para a sociedade disciplinar nesse Estado, houve também umaespécie de desbloqueio dos procedimentos de poder. A existência, o for-talecimento e as práticas de alguns dispositivos, entre eles a criação doscargos de inspetores escolares, estavam inseridos nessa nova economiado poder. Acontecimentos que provinham da Europa dos séculos XVIIIe XIX, e que se caracterizaram naquele continente, foram apropriados

pelos governantes no Brasil. Particularmente em Mato Grosso, foramreapropriados8 de uma forma consistente na produção de um regime de

7. Aprender a julgar é racionalizar o juízo, conferir-lhe uma ratio, estabilizar suafragilidade, absorver sua indeterminação, prevenir seus erros. É estabilizar os cri-térios de verdadeiro e falso, de bom e mau, de obediência e transgressão, de normale anormal, de belo e feio (Larrosa, 2000, p. 81).

8. “[...] Isto é, procedimentos que permitem fazer circular os efeitos de poder de for-ma, ao mesmo tempo continua, ininterrupta, adaptada e ‘individualizada’ em todoo corpo social. Estas novas técnicas são ao mesmo tempo muito mais eficazes emuito menos dispendiosas (mesmo caras economicamente, menos aleatórias emseu resultado, menos suscetíveis de escapatórias ou de resistências) do que as téc-nicas até então usadas [...]” (Foucault, 1999a, p. 8).

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verdade voltado para maior vinculação ao mundo da ciência e da racio-nalidade, da vigilância e do controle estatal da população.

Na perspectiva das práticas desses agentes estatais, pode-se afirmarque a função e os encargos dos inspetores escolares não eram e sequerestavam vinculados a ações pessoais, isoladas, a partir de suas expe-riências de vida. Ao contrário, eram normatizados pelos regulamentos econstituíam-se como práticas de representação do poder central que de-veriam permitir, efetivar e fazer acontecer perenemente uma circulari-dade do poder. A economia realizada com a não remuneração dos inspe-tores, portanto com as práticas de olhar9, observar, controlar, vigiar epunir dessa tecnologia, fazia com que o poder circulasse pelo corposocial sem custo. Nesse sentido, a finalidade da existência e da práticadesses agentes para o Estado e para a localidade geopolítica era de fazertransitar o poder por meio do olhar10, vigilante, cotidiano, rotineiro, con-tínuo, ininterrupto. Práticas de poder no olhar e na governamentalidadenos exames, como diz Foucault (1999, 1999a, 1999b), dispositivos que

levariam as estruturas de poder e as tecnologias do eu, no significado deLarrosa (2000), para o cotidiano de professores, de alunos e para a po-pulação. Práticas do olhar que, em Mato Grosso, não somente diminuí-am os custos do processo de escolarização como, e ao mesmo tempo,valorizavam o poder político dos dirigentes como os coronéis, que porindicação dos seus nomes ou seus partidários para o cargo de inspetorescolar11 faziam com que os governantes mantivessem intenso controle

e vigilância dos seus correligionários e da população.

9. Para ampliar essa compreensão consultar Vidal (1999).10. “Já o olhar vai exigir muito pouca despesa. Sem necessitar de armas, violências

físicas, coações materiais. Apenas um olhar. Um olhar que vigia e que cada um,sentindo-o pesar sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo,sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e contra si mesmo. Fórmula

maravilhosa: um poder contínuo e de custo afinal de contas irrisório” (Foucault,1999a, p. 219).11. Maiores detalhes e números desse processo e seus mecanismos consultar os traba-

lhos intitulados Expressão de poder em Mato Grosso e As armas e as almas; dis- positivos disciplinares em Mato Grosso e a inspeção escolar , ambas dissertaçõesde mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFMT.

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Finalizando, entende-se que a análise dos concursos públicos paraprofessores auxilia a conhecer as estratégias do poder para controlar onível, a capacidade, a qualidade e, sobretudo, quem poderia entrar narepresentação do Estado na esfera escolar, em um espaço minúsculo depoder, mas importante para governantes. Esse tipo de texto esclarececomo as atividades, concebidas pelas representações do poder, chega-ram às condutas rotineiras para que fossem estabelecidas as estratégiasgovernamentais para as relações de ensino-aprendizagem. Aqui se com-preende o porquê e o como professores e alunos se submeteram às re-gras das leis, às condições de assujeitamento pela aceitação à vigilânciacontínua e à fiscalização para controle da práxis escolar.

No mesmo sentido, essa construção narrativa do exame permite ve-rificar que, apesar de controlados e vigiados, não obstante o profundosilêncio pela obediência hierárquica, os professores disputaram o poderpor meio dos concursos em busca de uma aproximação cultural com osaber e a constituição social da época. Ainda que temerosos dos olhares

nas visitas, das correções nos exames, das punições em eventuais repro-vações e, mesmo sendo aprovados, pela necessidade de conviver compossibilidades de perseguições, desafiaram o poder a construir e revisarculturas escolares. Pois, ao final do século XIX, em um Estado aindanecessitado de profissionais do ensino, os professores disputavam os lu-gares sociais, com isso, também influenciaram para que os agentes esta-tais repensassem formas e conteúdos a serem aplicados nos concursos,

tentando interferir na compreensão do que seria um “bom professor”.

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência:Dimas Santana Souza Neves

Universidade do Estado de Mato Grosso – SedeFaculdade de EducaçãoAv. Tancredo Neves, s/n

Bairro Cavalhada – Cáceres-MTCEP 78200-000

E-mail: [email protected]

Recebido em: 14 mar. 2006Aprovado em: 20 set. 2006

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Pesquisa historiográficaem instituições

educativo-musicais

fundamentos e reflexões*

Rita de Cássia Fucci Amato

**

Resumo:

O presente trabalho objetiva contribuir para o estudo historiográ-fico de instituições de ensino musical, apresentando alguns con-ceitos que podem vir a ser utilizados nesse tipo de investigação,tais como aqueles introduzidos pela Nova História e pela Histó-ria Oral. Visa também apresentar alguns procedimentos metodo-

lógicos relativos às fontes (documentos iconográficos e entrevis-tas) e às abordagens possíveis dentro do conceito apresentado.Discute ainda a análise da rede de configurações socioculturaisdo corpo docente e discente e do modelo de ensino praticado pelainstituição. Essas reflexões e fundamentações revelam um pro-cesso de múltiplas abordagens – socioeconômicas, historiográfi-cas, culturais e educacionais – que se interagem no meio históri-co-investigativo.

Palavras-chave: pesquisa em educação; escrita historiográfica; memória; his-tória oral; história de instituições educativo-musicais.

* O presente artigo deriva da tese de doutorado Memória musical de São Carlos:retratos de um conservatório, defendida no Programa de Pós-Graduação em Edu-cação da Universidade Federal de São Carlos (PPGE/UFSCAR), área de concentra-ção: Fundamentos da Educação, em março de 2004, contando com o apoio finan-ceiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Todavia,

não se trata de uma síntese da tese, mas de reflexões derivadas dela.** Doutora e mestra em educação (UFSCAR), especialista em fonoaudiologia (Univer-

sidade Federal de São Paulo – UNIFESP) e bacharel em música com habilitação emregência (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP). Professora da Faculda-de de Música Carlos Gomes e do Insituto de Artes da Universidade Estadual Pau-lista (UNESP).

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Historiographic researchin musical educational institutions

basis and reflections

Rita de Cássia Fucci Amato

Abstract:

The aim of this paper is to study the history of institutions of musical teaching. It was investigated some concepts introducedby the New History and the Oral History. In addition to this, it ispresented the methodological proceedings related to the sources

(iconographic documents and interviews) and the possibleapproaches regarding to the presented concept. It also discussesthe analyses of the social and cultural network configurations of the teaching staff and the student body and of the teaching modelapplied in the institution. These reflections and basis reveal aprocess of multiple approaches – socioeconomics, culturals andeducationals – that joint each other in the process of thehistoriography research.

Keywords:research in education; historiography writing; memory; oralhistory; history of musical educational institutions.

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pesquisa historiográfica... 73

Introdução

O presente trabalho visa elaborar reflexões acerca da escrita da his-tória de instituições de ensino musical, no intuito de alargar os funda-mentos teóricos e metodológicos que são utilizados na reconstrução doarcabouço histórico de tais entidades. A relevância desses estudos per-mite contribuir para ampliar o conhecimento dos processos educacio-nais, para estabelecer relações na sua rede de configurações sociocultu-rais e para conferir visibilidade pública de documentos e concepçõeseducacionais, por vezes esquecidos e não revelados.

O entendimento da palavra “história”, na sua origem do grego anti-go historie, como “procurar saber”, “informar-se”, estabelece uma am-pla diretriz para a realização dessa empreitada. Schaff (1995) lembraque a reconstrução histórica deve constituir-se em um processo multi-disciplinar, em que conhecimentos diversos se inter-relacionam formandonão um conjunto de conhecimentos nem modificações quantitativas do

saber, porém conceitos qualitativos na visão da história. Também nessadireção, Le Goff (1996) discursa que a história não é puramente umaciência, mas sim uma vivência constante na sociedade, por meio dememórias e lembranças: muito do que um dia foi concretizado é históriae grande parte dessa história é guardada na memória de indivíduos e dasociedade.

Esse processo de reconstrução da memória é delicado e demanda

tempo e espaço em nossa mente, como bem revelam as elaborações deSanto Agostinho, no livro X de suas Confissões:

Chego aos campos e vastos palácios da memória onde estão tesouros de inu-

meráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie. Aí está também

escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou até

variando de qualquer modo os objetos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz

aí tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda o nãoabsorveu e sepultou. [...] Quando lá entro mando comparecer diante de mim

todas as imagens que quero. Umas apresentam-se imediatamente, outras fa-

zem-me esperar por mais tempo, até serem extraídas, por assim dizer, de

certos receptáculos ainda mais recônditos. [...] Tudo isto realizo no imenso

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palácio da memória. [...] É lá que me encontro a mim mesmo, e recordo as

ações que fiz, o seu tempo, lugar, e até os sentimentos que me dominavam ao

praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, apren-

didos ou pela experiência própria ou pela crença no testemunho de outrem

[Agostinho, 1973, p. 2.000].

Desse modo, o presente artigo busca constituir-se em uma contri-buição multidisciplinar à escrita historiográfica e à conceituação de seusfundamentos teóricos e metodológicos, estabelecendo alguns processose concepções que assistam o pesquisador na sua investigação.

Um novo conceito de história

O âmbito da pesquisa histórica foi intensamente renovado na suaconcepção teórico-metodológica nas últimas décadas, superando uma

historiografia com a descrição de fatos acentuadamente políticos, mol-dados em uma tradição positivista, a qual incrementava análises compredominância narrativa de aspectos econômicos da vida social, emdetrimento de outras competências da leitura do aspecto socioistórico.Essa renovação concebeu o fazer histórico a partir de análises econômi-cas, sociais e culturais, agregando novos elementos à leitura tradicionale compreendendo o ser social e sua vivência a partir de sua complexida-

de e singularidade.Essa concepção de história tradicional foi rompida com a Escolados Annales, a qual contribuiu para a reelaboração do  fazer histórico,incorporando procedimentos relativos às fontes de pesquisa e mudan-ças nos conceitos de história, mais especificamente, da Nova História.

As elaborações feitas por Le Goff (1998, p. 21) caminham no sen-tido de que a  Nova História, “embora postule a necessidade de uma

reflexão teórica, ela não depende de uma ortodoxia ideológica. Ao con-trário, ela afirma a fecundidade das múltiplas contribuições, a pluralida-de dos sistemas de explicação para além da unidade problemática”. Emais ainda: “Ela pretende ser uma história escrita por homens livres ouem busca de liberdade, a serviço dos homens em sociedade” (idem,

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ibidem). Essa visão da multiplicidade de contribuições ampliou e des-cerrou variantes para outras reflexões aqui descortinadas.

O entendimento de que o discurso historiográfico deixou de servisto como uma justaposição de fatos, uma descrição dos eventos, epassou a ter um fio condutor com novas propostas metodológicas emcampos de investigação múltiplos, ampliando os objetos e estratégiasde pesquisa e realizando a reivindicação do individual, do subjetivo, dosimbólico como dimensões pertinentes à análise histórica, tornou-se umfato essencial ao historiador. A Nova História critica a noção de fato etempo históricos e propõe uma historiografia problematizadora, e nãoautomática, em que o presente seja compreendido pelo passado e a com-preensão deste surja das necessidades do presente.

A dimensão proposta pela Nova História é imensa e tenta dar res-postas às nossas mais inquietantes questões, incluindo nesse repertório aconstituição escrita de memórias de sujeitos que participaram de institui-ções que não existem mais, mas que fecundaram alterações de padrões

culturais e sociais. Esse fato releva-se, pois, como bem coloca Le Goff (1998, p. 51), em um mundo no qual a sociedade se torna cada vez maisacelerada, a memoração do passado e das verdadeiras raízes culturais decada indivíduo constitui-se em uma louvável busca. O autor lembra quea tentativa para reconstituir o passado cada vez mais analogamente à suarealidade revela a intensa procura por respostas diante de fatos contem-porâneos. Por isso, a história tem um papel formador do ser, proporcio-

nando-lhe novas reflexões acerca do meio em que vive e interage.

A escrita da história de instituições educativo-musicais

A elaboração de uma problemática relativa à história de uma institui-

ção educativa cria a possibilidade de objetivar a construção de uma histó-ria de instituição de ensino musical com densidade acadêmica. Faz-seimprescindível destacar que a história de instituições educacionais vemtornando-se deveras presente no cenário da pesquisa em educação no Bra-sil, apesar dos obstáculos diante de fontes em precária organização.

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Ao inventariar as principais linhas de renovação da historiografiada educação, Magalhães (1998) considera a história das instituiçõeseducativas um desafio interdisciplinar, ampliando o matiz investigativohistoriográfico: nesse tipo de pesquisa, as análises sociológicas, organi-zacionais e curriculares compilam-se com o objetivo de uma reconstru-ção historiográfica de valor. O autor ainda coloca que, a partir dos Annales, passou-se a buscar uma reconstrução do cotidiano individual einstitucional, contextualizando-se a instituição pesquisada no cenáriopolítico, social, cultural e educacional em que ela se desenvolveu. “Masa história das instituições educativas tomadas na sua relação ao contex-to e no seu percurso histórico é também uma meta-narrativa que(en)forma a hermenêutica das fontes de informação, ainda que indiciáriase fragmentárias” (Magalhães, 1998, p. 59).

A instituição educativa é, assim, apresentada com suas ações peda-gógicas e organizacionais no complexo binômio espaço/tempo, em quese inter-relacionam elementos materiais e humanos. Um conjunto de

categorias conceituais pode ser percebido e analisado dentro da estrutu-ra escolar, tais como o tempo, o calendário escolar, o currículo, os espa-ços, os professores, os manuais escolares, a interação educativa.

O sentido histórico de uma instituição educativa pode ser desvela-do, segundo reflexões de Magalhães (1998), com a inclusão das infor-mações sobre dois pilares básicos: os alunos e sua configuração sociocul-tural e os professores com seus históricos pessoais e seus modelos

pedagógicos. Todavia, o autor coloca que os sujeitos não são apenas osdiscentes e os atores não são apenas os docentes e gestores: há umainteração complementar entre as ações de cada um no processo históri-co-educativo. Dessa maneira, a investigação “constrói-se entre a mate-rialidade, a representação e a apropriação. As instituições educativas epor conseqüência a sua história constituem a representação discursiva,memorística e antropológica das mais complexas dialécticas educacio-

nais” (idem, p. 64).Assim, a escrita historiográfica dessas instituições tem privilegiadoum roteiro de pesquisa com algumas preocupações delimitadas, como acriação e o desenvolvimento dessas instituições, a arquitetura do prédioescolar e sua organização espacial, os docentes, os discentes e o saber

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veiculado nessas instituições de ensino. No caso de instituições educati-vo-musicais, o fio condutor é semelhante, dependendo sempre da abor-dagem da leitura social que o músico-pesquisador enseja privilegiar.Como sugestão de questões que podem guiar a investigação, cabe res-saltar algumas que parecem surgir como um fio condutor para a proble-mática essencial advinda dos questionamentos e inquietações que inva-dem o campo de pesquisa:

• Qual era o perfil socioeconômico e cultural predominante no cor-po discente da instituição? Qual era a real intenção almejada pelosalunos em obterem a qualificação e certificação proporcionadaspor ela: seguir uma carreira profissional, tornar-se um educadormusical ou agregá-las a outros valores culturais e de prestígio?Qual a influência da instituição na vida profissional e artística deseus ex-alunos e ex-professores?

• Como essa instituição e suas práticas se inseriram no cenário local,

regional, estadual e nacional? Quais as razões de seu sucesso? Quaisfatores sustentaram a sua existência?• Quando o caso: quais circunstâncias e fatores provocaram a sua

decadência ou escassez de alunos; em que momento histórico issose realiza de maneira crucial e decisiva?

• Como a cultura musical nacional, à época analisada, influenciou abusca pelo aprimoramento musical em instituições especializadas?

Como a escola incentivou ou não o estudo da música? Essa maté-ria constava dos currículos e era efetivamente ministrada? Quaisos impactos dessas configurações na instituição (seu estabeleci-mento, suas práticas, sua filosofia de ensino etc.)?

Ressalta-se que, quanto ao percurso metodológico, a escrita histo-riográfica de instituições educativo-musicais particulariza-se por sua

multiplicidade de métodos de investigação, caracterizando, segundo anatureza dos dados coletados, como qualitativa. Em relação a seus obje-tivos, esse tipo de estudo classifica-se como exploratório, pois busca,além de oferecer novos elementos para análises futuras, investigar múl-tiplos aspectos, muitos dos quais pouco abordados no meio científico.

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No que diz respeito aos procedimentos de coleta de dados, a investiga-ção consiste em um estudo de caso, visando, a partir da análise de umaexperiência individual, colaborar na compreensão da problemática abor-dada. Os dados também podem ser coletados a partir de uma pesquisadocumental, que fornece, a partir de fontes primárias (periódicos locais,programas de concertos e outras) e secundárias (levantamento biblio-gráfico), informações que podem complementar aquelas obtidas poroutros meios (entrevistas, por exemplo), colaborando na elaboração denovas perspectivas para o estudo.

A pesquisa documental

Na realização das investigações acerca de instituições de ensinomusical são desvendadas informações de natureza variada, presentesem fontes orais, documentais, arquitetônicas, hemerônimas, audiovi-

suais e iconográficas, entendidas como uma forma de preservação damemória educacional e, ainda, como produtoras de inovação nas inter-pretações interdisciplinares possíveis dentro da história da educação.

A memória aplicada ao passado histórico significa o reconhecimento/apro-

priação de todas as formas de vida (estruturas sociais e culturais, de mentali-

dades etc., além das tipologias do sujeito humano, seus saberes, suas lingua-

gens seus sentimentos etc.) que povoam aquele passado; o reconhecimentodas suas identidades, suas condutas, suas contradições, a reapropriação de

seu estilo, de sua funcionalidade interna, de sua possibilidade de desenvolvi-

mento. [...] além da paixão pelas diversas formas de vida (pelo pluralismo do

humano, podemos dizer), a memória está sempre carregada de escatologia;

carga que torna o presente projetado para o possível, para o enriquecimento

de sentido e para a finalização (mesmo que seja constantemente atualizada),

isto é, aberto sobre si mesmo, problemático e envolvido na sua transforma-ção, na sua – sempre radical – construção/reconstrução [Cambi, 1999, p. 36].

Nesse sentido, algumas construções teóricas se fazem imprescindí-veis na reconstrução de uma história de instituição educativa. As refle-

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xões de Certeau (1982) são proeminentes ao compreender o lado prag-mático do fazer história, com lugar e tempo articulados e desvendadospela escolha do pesquisador. O autor elabora reflexões sobre o trabalhoe a manipulação de documentos, que podem ser assim sintetizadas: apesquisa inicia-se com a coleta, reunião, classificação e ordenação domaterial pesquisado, de forma que o “produza”, por exemplo, por meiode transcrições e fotocópias, preparando-o para o início da análise. As-sim, deve-se “isolar” o corpo documental e “desfigurá-lo”, de formaque se componha uma reconstituição histórica e se preencham as lacu-nas nesse processo. O pesquisador forma a sua “coleção”, interagindocom ela nas suas concepções, suas idéias e seus métodos ao longo dapesquisa realizada, dando-a características particulares e individualmentecaracterizadoras (Certeau, 1982).

O questionamento sobre a escolha dos dados (fontes primárias esecundárias) é muito bem posto pelo autor e amplia a permissão que édada ao historiador de realizar a sua coleção e, portanto, a partir dessa

escolha, revelar a sua trajetória pessoal e seu envolvimento com seuobjeto de pesquisa, algumas vezes bastante denso, outras nem tanto.Assim, a subjetividade é revelada e autorizada, desde que justificada.

Com relação aos registros fotográficos, Carneiro (1993, pp. 277-279) coloca:

Os registros fotográficos emergem como “incentivo”, alimentando a narrati-

va, aguçando a recuperação das lembranças, reconstituindo detalhes do coti-diano e completando os “não-ditos”. A explicação dada a cada uma das ima-

gens deve ser considerada como uma extensão da narrativa. A entrega destas

ao entrevistador, para que este possa reproduzi-las, ultrapassa o ato da

confiabilidade: o oralista se completa como “guardião da memória”, deposi-

tário das lembranças de cada um. [...] Através da fotografia, torna-se possível

fazer um inventário de informações acerca do passado de cada colaborador,

pois ali encontram-se gravados dados multidisciplinares.

Dessa forma, a relevância da pesquisa documental acentua-se nainvestigação histórica, uma vez que os documentos se derivam e regis-tram fatos das sociedades que o produziram, das épocas em que foram

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criados, dos tempos em que permaneceram esquecidos, de quando fo-ram (re)descobertos, de tudo o que ocorreu ao seu redor antes e, princi-palmente, depois de sua criação, já que não são só frutos e retratos dopassado, mas também monumentos do futuro (Le Goff, 1996).

A história oral e a memória coletiva

Outra face investigativa de grande destaque na escrita historiográ-fica de instituições aborda as indagações relativas à memória coletiva, à

história oral e às suas acepções.Os fundamentos teóricos da memória coletiva são pertinentes na com-

preensão da história das instituições e de seus desdobramentos. Esse en-tendimento faz-se importante na medida em que, na maioria dos trabalhosque utilizam as entrevistas como fonte de dados e investigam instituiçõeseducativas, são utilizados questionários semi-estruturados ou totalmenteestruturados, com a perspectiva da leitura do social a partir da vivência de

seus atores. Assim, o registro e a análise das memórias de indivíduos en-trevistados objetivam reprovar, comprovar e completar certas informa-ções colhidas acerca da instituição analisada (Halbwachs, 1990).

À medida que o conhecimento da instituição por parte do pesquisa-dor for maior, principalmente quando participou em dado momento his-tórico da entidade, ele deve utilizar como primeiro meio de investiga-ção a sua própria memória, complementando-a com as pesquisas

(entrevistas) realizadas (idem). Nesse caso, o pesquisador passa a bus-car não somente a reconstrução da memória de uma instituição, mas oreconhecimento e a reelaboração de suas lembranças individuais.

Nesse âmbito, as considerações feitas por Halbwachs (1990) ratifi-cam as lembranças dos entrevistados e definem como é realizado o pro-cesso da reconstrução das histórias de vida compartilhadas e datadas,registradas ou memorizadas. Entende-se que a construção da história de

instituições musicais encontra vigas concretas nas semelhanças e, atémesmo, nas contradições dos depoimentos. O autor lembra que, quandoo pesquisador utiliza a sua memória como complementação das entre-vistas com outros sujeitos, a ocorrência de consideráveis pontos de con-tato (lembranças em comum) entre elas é essencial para uma reconstru-

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ção historiográfica fiel. Desse modo, o pesquisador passa a analisar nãosomente a memória de indivíduos isolados, mas uma memória coletiva,que caracteriza, pelo menos genericamente, um grupo social, represen-tado pelos entrevistados.

Uma outra importante consideração, quando de um levantamentohistoriográfico de instituições, deve ser feita no que se refere à lembran-ça individual e sua especificidade no limite das superposições coletivas.Halbwachs (1990) lembra que as memórias de um grupo, quando anali-sadas individualmente, muitas vezes não são as mesmas e que a memó-ria individual deve ser analisada como um  ponto de vista da memóriacoletiva, já que cada indivíduo, apesar de muitas vezes ocupar o mesmopapel social, pode não ter ocupado o mesmo papel histórico na entida-de. Muitas vezes, cada sujeito tem uma lembrança distinta de uma mes-ma situação, e, quando analisada em grupo, essa lembrança pode reve-lar o papel histórico de cada indivíduo (idem).

A complexidade da reconstrução das lembranças do passado com o

empréstimo de dados do presente reflete que em cada época existiu umarelação íntima dos hábitos, da significação do grupo e do aspecto doslugares. A memória, na definição de Lowenthal (1998, p. 78), “impreg-na a vida”. O autor recorda que é comum dedicarmos grande parte dotempo presente para lembrarmos fatos do passado e que, somente quan-do estamos concentrados em uma atividade que consideramos de gran-de importância, conseguimos controlar a “emissão” de lembranças.

Mas as lembranças que permeiam o presente estão agrupadas numa hierar-

quia de hábito, recordação e memento. O hábito abrange todos resíduos men-

tais de atos e pensamentos passados, sejam ou não conscientemente

relembrados. A recordação, mais limitada que a memória comum, mas ainda

assim impregnante, envolve consciência de ocorrências passadas ou condi-

ções de existência. Mementos são recordações preciosas propositadamente

recuperadas da grande massa de coisas recordadas. [...] À semelhança deacervo de antiguidades, nosso repertório de lembranças preciosas está em

fluxo contínuo, novas lembranças sendo adicionadas constantemente, as ve-

lhas sendo descartadas, umas emergindo à superfície da consciência presen-

te, outras submergindo sob a atenção consciente [idem, ibidem].

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Uma relevante vinculação entre memória e identidade foi abordadapor Lowenthal (1998) ao afirmar que relembrar o passado nos imprimeum sentido individual de caracterização: “[...] saber o que fomos confir-ma o que somos. Nossa continuidade depende inteiramente da memó-ria; recordar experiências passadas nos liga a nossos ‘selves’ anteriores,por mais diferentes que tenhamos nos tornado” (idem, p. 83).

Nesse sentido, o grupo social também mobiliza lembranças coleti-vas para sustentar identidades duradouras, e esse sentimento de perten-ça pode ser percebido por vários dos entrevistados. A partilha de lem-branças confirma o sentimento de grupo e mais: “As lembranças inspiramconfiança porque acreditamos que elas foram registradas na época; elastêm status de testemunha ocular. E as lembranças em geral são dignasde crédito ‘prima-facie’ porque são consistentes” (idem, p. 87).

Mas uma inquietação que se desponta é a maleabilidade de nossasrecordações: as lembranças, a cada vez que são recordadas, alteram-se,ao contrário do que normalmente se define como imutável. Quando

relembramos algo, o analisamos a partir de outras experiências que ti-vemos, muitas vezes sem relação com o fato recordado, como bem co-loca Lowenthal (1998). O autor ainda coloca que a memória objetivanão preservar o passado, mas sim enriquecer e vivenciar o presente comas experiências adquiridas, fornecendo subsídios para a sua compreen-são. Segundo sua concepção, lembranças não são reflexões advindas dopassado, mas sim recordações que são analisadas por idéias que defi-

nem o indivíduo no presente: as recordações são arquivadas em formade códigos, a serem decifrados posteriormente.Nesse sentido, Halbwachs (1990) enuncia que nossas lembranças

são, em grande parte, coletivas, já que, apesar de muitas vezes outraspessoas não terem participado do momento recordado, vivemos em umasociedade e, além de quase nunca estarmos sozinhos, somos frutos deum grupo de indivíduos, de uma coletividade.

Outros motivos teóricos relacionados à historiografia oral são es-senciais para embasamento metodológico no uso das entrevistas comofontes primárias. No entendimento de Thompson (1992), a complexida-de da realidade é bem abordada pela história oral e permite que se recriea multiplicidade original de pontos de vista.

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Ressalta-se ainda a reflexão feita por Lang (1993), no tocante àspossibilidades de análise do documento oral e à construção de uma vi-são social por meio dos vários depoimentos individuais, que, somados,adquirem força e consistência. A autora coloca que o documento oral seconstitui em uma fundamentação para a análise sociológica, dado que ahistória pessoal do indivíduo em si não consiste no objeto de estudo dopesquisador de uma instituição educativa, mas os relatos colhidos e ana-lisados em conjunto representam um grupo social, com papéis, funçõese trajetórias delineadas em dado momento histórico (Lang, 1993).

Outra elaboração pertinente à utilização de entrevistas é postuladapor Becker (1996) ao considerar que a história oral não constitui umacategoria particular de fontes, mas está incluída em “arquivos provoca-dos”, no dizer de Jacques Ozouf (apud Becker, 1996). Esses “arquivosprovocados” podem ter a forma escrita ou oral, indiferentemente. A pos-tura de que a forma oral conduz a uma espontaneidade maior que aescrita não se sustenta, uma vez que, geralmente, as pessoas interroga-

das em uma pesquisa oral ao menos refletiram acerca do que iam dizer,exceto quando as entrevistas são realizadas de improviso. Desse modo,os “arquivos provocados” pertencem à mesma categoria das recorda-ções, porém são responsáveis por reconstituir o passado de uma formaque pretende ser mais fidedigna, apesar de, bem como as memórias, seralterado com o tempo e modificado em função de ideais posteriormenteformados e atitudes posteriormente adotadas (Becker, 1996).

Assim, os documentos orais e escritos não devem ser entendidoscomo documentos sobre o passado, mas também, e especialmente, comodocumentos sobre o presente, já que as dificuldades em saber como osentrevistados se sentiram no passado são inevitáveis e seus sentimentosdo presente sobre o passado são absolutamente possíveis.

Sobre a realização das entrevistas

A entrevista constitui-se em um momento particular da pesquisahistoriográfica em instituições educativas e educativo-musicais, sendouma etapa de coleta de um grande volume de dados sobre a instituiçãopesquisada, suas inter-relações com a sociedade e sua configuração so-

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ciocultural. Desse modo, exige uma preparação peculiar por parte dopesquisador, podendo compor-se de várias etapas básicas.

Nesse sentido, faz-se imprescindível a realização de uma investiga-ção documental prévia acerca da instituição para revelar dados essen-ciais de sua história e suscitar questões relativas a seu modelo pedagó-gico. Esse levantamento pode ser realizado, por exemplo, por meio detrabalhos que já trataram da instituição (especificamente ou generica-mente), quando existentes, ou pela pesquisa documental em acervospúblicos ou privados. Os dados obtidos permitirão a construção de umroteiro de entrevistas que apure com maior detalhamento a história daentidade, compreendendo suas nuances e particularidades. A partir dessesprocedimentos, a seleção dos entrevistados, de modo que abranja o má-ximo possível do período da existência da instituição, contribuirá parauma construção mais fiel de sua história. O registro audiovisual dosentrevistados e, especialmente, de suas interpretações também podeconstituir um rico material de pesquisa e documento histórico.

Cabe destacar que o roteiro de investigação acerca de uma institui-ção educativo-musical pode abordar questões relativas a múltiplas con-figurações: históricas, sociais, econômicas, educativas e culturais. As-sim, como auxílio ao pesquisador dessas instituições, inclui-se a seguiralguns elementos que podem compor um roteiro de entrevistas (adapta-do de Fucci Amato, 2004):

• informações básicas: dados da entrevista e do entrevistado, histó-rico escolar e musical (formal e extracurricular), dados sobre a es-trutura e ocupação profissional dos familiares, ascendência mater-na e paterna;

• informações socioculturais: influências e práticas de apreciação eexecução artística familiares e sociais, ídolos e artistas admirados,motivos pessoais/valores sociais e familiares que levaram à fre-

qüência da instituição, perspectivas profissionais e artísticas pro-porcionadas pela qualificação e certificação obtida na instituição/ valor do diploma, valor socioeconômico do estudo de música, pre-ferências musicais, vida social/musical da região, críticas ao mo-delo socioeconômico da época;

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• informações educativo-musicais: importância dada à música na vidaescolar (pública e privada) à época, repertório trabalhado e execu-tado, importância dos compositores nacionais no repertório, mo-delo pedagógico adotado pela instituição (aspectos positivos e ne-gativos), comparação entre o ensino musical hoje e à épocapesquisada (nível nacional e global), críticas ao modelo educacio-nal e musical da época;

• informações históricas: narrativa sobre o histórico da instituição,obras executadas, panorama musical e artístico da época, grandesmúsicos que teve a oportunidade de ouvir, apoio do poder públicoe privado à instituição, intercâmbio com outras instituiçõescongêneres, histórias divertidas e casos tristes (lembranças que fi-caram), relato a respeito dos professores, espaço aberto para co-mentários diversos.

O envolvimento do pesquisadorDependendo do objeto de investigação, o pesquisador pode ter um

envolvimento denso ou pouco denso com a sua pesquisa. Pode, por exem-plo, ter freqüentado a instituição pesquisada ou conhecer pessoas que afreqüentaram.

Nessa perspectiva, Halbwachs (1990, p. 47) comenta que, quando

o pesquisador desempenhou algum papel no fato histórico,

Acontece com muita freqüência que nos atribuímos [as lembranças] a nós

mesmos, como se elas não tivessem sua origem em parte alguma senão em

nós, idéias e reflexões, ou sentimentos e paixões, que nos foram inspirados

por nosso grupo. Estamos então tão bem afinados com aqueles que nos cer-

cam, que vibramos em uníssono, e não sabemos mais onde está o ponto de

partida das vibrações, em nós ou nos outros.

Também comentando sobre o envolvimento do pesquisador na in-vestigação, Febre, citado por Le Goff (1996), lembra que a história nãoé concretizada apenas com documentos escritos, mas também com o

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pensamento de quem os investiga: é desse indivíduo o papel de “fazer”,relatar, “criar” a história, por meio de suas pesquisas e de suas idéias,reconstituindo a presença, as atividades, os gostos e os modos de indiví-duos que participaram de um momento histórico.

Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho de histo-

riadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mu-

das, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não dizem sobre os homens,

sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre

elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entreajuda que supre a ausência

do documento escrito? [Febre apud Le Goff, 1996, p. 540].

Carr (1982) também comenta que, inevitavelmente, o ponto de vis-ta do historiador faz parte de qualquer relato historiográfico, o qual éatingido pela relatividade: a visão historiográfica varia conforme as con-cepções de mundo, de vida e de história do pesquisador, não se consti-tuindo em uma visão totalmente pura e original da realidade, porém em

uma análise que pretende compreender e dominar seu objeto de pesqui-sa. O historiador filtra da experiência do passado, ou do tanto de expe-riência do passado que lhe é acessível, aquela parte que ele reconhececomo sujeita à explicação e interpretação racionais e dela tira conclu-sões que podem servir como um guia de ação (Carr, 1982).

Dessa forma, Nora (1989) conclui que o historiador deve trabalharo seu envolvimento com a pesquisa de forma que o transforme não emum obstáculo, mas sim em uma ferramenta de compreensão do seu ob- jeto de estudo. Como colocam Lüdke e André (1986, p. 25), a validadecientífica da pesquisa depende do controle e da sistematização das aná-lises, implicando a “existência de um planejamento cuidadoso do traba-lho e de uma preparação rigorosa do observador”.

A análise sociológica na pesquisa historiográfica

A análise das redes de configuração socioculturais formadas pela ins-tituição pesquisada constitui-se em um ponto de particular relevância na

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pesquisa historiográfica. Dessa forma, objetiva-se apresentar alguns con-ceitos que podem ser úteis na análise dessa configuração: para compreen-der a trajetória dos entrevistados do trabalho, faz-se essencial analisar asentrevistas por meio de categorias sociológicas (Fucci Amato, 2005).

O entendimento do sucesso ou insucesso da instituição pesquisadapode ser visto pelo vértice da cultura estabelecida à época que se preten-de analisar, conferindo ênfase ao grau de prestígio que era associado aodiploma e agregado a outros saberes distintivos de valores sociais e,especialmente, familiares. Elias (1999) aborda essa questão com pro-priedade ao elaborar que uma das funções relevantes da obra de arte seconstitui em uma forma de a sociedade exibir-se enquanto grupo. Oautor enfatiza que a cooperação dos integrantes de um grupo é efetivadapor meio de tal união, em que sentimentos e ações são canalizados paraa ação artística coletiva.

Até mesmo o uso do uniforme da instituição, quando for o caso,pode revelar o prestígio e o status conferido pela sociedade a esse aces-

sório, representante de um grupo institucional de valor social. Esse graude coesão é abordado por Elias e Scotson (2000) como “fonte de dife-renciais de poder entre grupos inter-relacionados”, os estabelecidos e osoutsiders. Na interpretação dos autores, um establishment é um grupoque se identifica e é reconhecido como uma “boa sociedade”, influente,melhor e construída sobre os pilares da tradição, da autoridade e dainfluência, presentes decisivamente nessa identidade social; em

contraparida, os outsiders são concebidos como os não-membros de talsociedade, aglutinados em um agrupamento heterogêneo e difuso comrelações interpessoais de menor intensidade que os establishment . As-sim, a categorização dos grupos estabelecidos passa por um carismagrupal, do qual todos os que estão inseridos no grupo participam e sesubmetem às regras mais ou menos rígidas estabelecidas, bem destaca-das por Elias e Scotson (2000), com o sacrifício da satisfação pessoal

em prol do fortalecimento e coesão da coletividade.A disciplina rigorosa e o estudo com afinco e dedicação tambémestão incluídos na participação do carisma grupal: por exemplo, dife-rentemente de alunos de música popular, os quais eram consideradosamadores, uma vez que não necessitavam conhecimentos teórico-musi-

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cais profundos, os alunos de uma instituição de ensino musical eruditopodem ser considerados establishment , inseridos em uma configuraçãode carisma grupal.

O aclaramento da rede de configurações estabelecidas por (ex)alunose (ex)professores da instituição que se pretende estudar pertence a refle-xões historicamente datadas, em virtude da flexibilidade das relaçõessociais e suas novas e possíveis configurações que se estabelecem nodecorrer do tempo. Uma figuração estabelecidos-outsiders é mutáveldependendo da dinâmica da sociedade, que pode provocar alternânciasna forma como os indivíduos estão inseridos nela, o que, nas palavrasdos autores Elias e Scotson (2000), revela “uma complexa polifonia domovimento de ascensão e declínio dos grupos ao longo do tempo”. Apartir dessas reflexões, pode-se categorizar a instituição analisada emum dos dois grupos apresentados, definindo seu papel e seu valor derepresentação social, ao menos em dado momento histórico.

Outras mediações lançam intensidade na história de instituições

educativo-musicais, ainda na perspectiva sociológica, com as conside-rações de Bourdieu (1974, 1983, 1986, 1996, 1998), que concebe a so-ciedade de duas formas indivisíveis: por um lado, as instituições,revestidas, na forma física, de monumentos, livros, instrumentos etc., e,por outro lado, as disposições adquiridas, “as maneiras duráveis de ser ede fazer que se encarnam nos corpos – habitus”. Nessa perspectiva, oautor chama atenção para a dificuldade de estabelecer padrões de análi-

se individual, pois esse corpo socializado é uma das existências da so-ciedade e não se opõe a ela (Bourdieu, 1983).A principal exposição temática bourdieuniana, para o entendimen-

to polifônico da trajetória do corpo discente e docente de uma institui-ção educativo-musical, faz referência à transmissão do capital culturalno seio familiar e às suas conseqüências na vida dos indivíduos. Bourdieu(1974, 1983, 1986, 1996, 1998) coloca que as condições de cultivo de

hábitos e atitudes promovidas pela família acompanham o desempenhoescolar, cultural e profissional de seus descendentes com acentuada re-levância.

Assim, o processo de desigualdade que se estabelece ante a escolae a cultura é, muitas vezes, tratado como natural, e não como socialmen-

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te criado. O entendimento de Bourdieu é que a família transmite a seusfilhos um sistema de valores implícitos e profundamente interiorizado –ethos – além de um certo capital cultural, que contribui para definir,entre outros aspectos, as atitudes diante do capital cultural e da institui-ção escolar. Para o autor, uma avaliação com maior refinamento dasvantagens e desvantagens transmitidas pelo meio familiar, quer social-mente, quer culturalmente, é essencial para que a pesquisa realizadapossa atingir os seus objetivos (Bourdieu, 1998).

Na intenção de ampliar essas análises sociológicas, destacam-se ospercursos escolares, musicais e profissionais dos entrevistados, especi-ficando outros dados a respeito de seus familiares. Ao elenco de todosesses dados, a carreira escolar por eles vivenciada pode definir suasconfigurações socioculturais. Quanto às suas configurações socioeco-nômicas, refletidas, por exemplo, por meio da investigação das opiniõessobre os custos do ensino oferecido pela instituição, as elaborações per-tinentes de Bourdieu (1998) são que as crianças das classes médias de-

vem à sua família não só os encorajamentos e exortações ao esforçoescolar, mas também um desejo de ascensão social e cultural. O autorpondera ainda que o “gosto” ou a “vocação” dos indivíduos refletem aação transfigurada das condições de vida objetivadas por cada um (idem).

Cabe destacar conclusivamente que, de fato, a análise sociológicaconstitui-se em uma grande aliada na busca por uma pesquisa históricaeducacionalmente relevante acerca das instituições educativo-musicais,

podendo revelar as nuances socialmente configuradas nesse processo.

O modelo de ensino praticado pela instituição

A análise dos conceitos educacionais exercidos e difundidos pelaestância educativo-musical pesquisada releva-se pelo fato de possibili-

tar a identificação de pontos de similaridade e divergência entre os mo-delos praticados pela instituição em dado momento e as práticas educa-tivo-musicais difundidas em outros períodos históricos, criando-se assimmeios para o aperfeiçoamento do ensino atualmente realizado.

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No caso da análise do plano de ensino de um conservatório musical,uma pesquisa recentemente realizada (Fucci Amato, 2004) destaca os se-guintes pontos relativos ao ensino pianístico praticado pela instituição.

O plano de ensino adotado estabeleceu uma divisão metodológicano ensino musical referente aos estudos técnicos, aos métodos e à exe-cução de obras musicais. A liberdade do professor era respeitada me-diante a escolha de números de estudos e peças, sempre privilegiando aexecução de obra de um compositor nacional.

Apesar de procurar-se equilibrar o estudo do repertório nacionalcom o estudo do repertório europeu, o programa acabava por definircerto descaso com a produção musical contemporânea. A ausência des-sa contemporaneidade na perspectiva musical pôde provocar um desco-lamento da real atividade do músico, o qual era formado sem uma defi-nição de sua finalidade específica dentro do tipo de sociedade que seapresentou cotidianamente a esse indivíduo.

O programa refletia a adoção de uma pedagogia tecnicista, na qual

professor e aluno ocupavam uma posição secundária, de executores deum programa cuja concepção, planejamento, coordenação e controleestavam a cargo de especialistas habilitados: ao professor competia aresponsabilidade de transmitir os saberes e conhecimentos durante oprocesso de aprendizagem, enquanto ao aluno competia adquirir as ha-bilidades necessárias para a execução instrumental. Com essa intenção,os programas davam primazia à prática instrumental e os conteúdos eram

compartimentados em disciplinas organizadas de modo linear(Esperidião, 2003).Cabe salientar que uma investigação sobre as práticas educativo-

musicais difundidas atualmente pode constituir-se em um fundamentoessencial para a sua comparação com as práticas difundidas pela insti-tuição analisada ou por outras em diferentes contextos históricos. A in-clusão de relatos sobre as metodologias de ensino adotadas pelos pro-

fessores e sistematizadas pela instituição poderá também revelar a íntimarelação do saber/fazer musical, fornecendo elementos para a compreen-são das atividades desenvolvidas pela entidade (exames, recitais anuais,audições) e seus objetivos, tais como a busca pelo prestígio e reconheci-mento da qualidade do ensino oferecido.

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A leitura possível de uma instituição educativa especializada noensino de música também revela o caráter interdisciplinar do processode ensino-aprendizagem, que, na área artística, peculiariza-se pela con-cepção de que a emoção e a sensibilidade são buriladas a partir de umaestreita relação mestre-aluno, pois o desenvolvimento performático éfruto de admiração mútua e competências específicas.

Dessa forma, todo esse processo de análise do modelo de ensinopermite desvelar as concepções educacionais e musicais praticadas pelainstituição investigada, definindo diversas relações significativas e/oucontradições na matriz pedagógica adotada.

Considerações finais

Baseadas no arcabouço de reconstrução de uma memória educati-vo-musical, as instituições de ensino de música podem representar cate-

gorias socioeducacionais que não se fazem presentes na educação ofe-recida por professores particulares. Nessas entidades, geralmente ocorrea concessão de diplomas reconhecidos por instâncias superiores da edu-cação, vinculada, em muitos casos, a um valor de representação social.Uma nova ordenação do tempo e do espaço educativo também pode serdesvelada, muitas vezes por meio das graduações dos currículos, dosmétodos de ensino adotados e da arquitetura dos espaços educativos. Outro

fator de destaque na pesquisa constitui-se na compreensão das práticasculturais (principalmente musicais) exercidas externamente à instituiçãopesquisada (por exemplo, na educação básica pública ou privada).

Cabe aludir, no âmbito da reconstrução historiográfica relacionadaà história oral, à possibilidade de sistematizar e reescrever as trajetóriasde vida dos indivíduos entrevistados durante a investigação, imprimin-do-lhes um sentido cultural e social historicamente datado. O estudo

realizado poderá revelar, desse modo, de que forma os ensinamentostransmitidos pela instituição fazem-se ou não presentes na vida dos en-trevistados até os dias atuais, destacando o número de egressos que per-maneceram em atividades musicais e que são responsáveis pela trans-missão dos saberes específicos atualmente. Essa continuidade na

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reprodução de saberes musicais permitirá compreender e avaliar o graude informação e de dedicação que esses sujeitos cultivaram ao terem aoportunidade de desenvolver suas habilidades musicais.

Os fundamentos teóricos referentes aos novos conceitos de escritahistoriográfica têm um papel fundamental para a análise dos dados deuma forma mais contributiva para a apresentação de resultados conclu-sivos que faça alusão ao cotidiano escolar e suas interfaces e inter-rela-ções. A partir da compreensão desses múltiplos aspectos que podemcompor uma investigação historiográfica em instituições educativo-musicais, é possível analisar as particularidades e similaridades presen-tes entre as instituições, em níveis locais, regionais ou nacionais, contri-buindo-se, dessa forma, para a enunciação de novos conceitos e práticasno cotidiano educativo. A reconstrução do passado desses objetos deestudo desvela-se como uma elogiável busca por uma visão interdisci-plinar dos métodos, processos e configurações inerentes ao rito educati-vo-musical.

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Endereço para correspondência:

Rita de Cássia Fucci AmatoAv. Ibijaú, 45 – apto. 123

Moema – São Paulo-SPCEP 04524-020

E-mail: [email protected]

Recebido em: 6 fev. 2006

Aprovado em: 30 mar. 2006

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Políticas públicas de interiorizaçãoda educação em Goiás nas décadas

de 1930 e 1940

Maria de Araújo Nepomuceno*

Maria Teresa Canesin Guimarães**

Resumo:

Este trabalho expõe os resultados de pesquisas históricas que vi-saram reconstituir e analisar, criticamente, a política de interiori-zação da educação do governo de Goiás nas décadas de 1930 e1940, buscando explicitar a natureza das relações que se fortale-

ciam entre o Estado, a educação e a sociedade desse tempo. Essapolítica, entendida como processo social de intervenção delibera-da nas tendências da vida social, visando modificá-las conformeum determinado tipo de interpretação da realidade, foi focalizadaem dois períodos distintos e indissociáveis: 1930-1937 e 1937-1945. Para analisá-los, recuperou-se o “novo” sentido atribuído àeducação contido nas fontes oficiais e na prática política do Esta-do, passando a partir daí a expor as medidas do governo para osetor educacional.

Palavras-chave:

  política educacional; educação; história da educação; Goiás1930-1945.

* Doutora em história e filosofia da educação pela Pontifícia Universidade Católicade São Paulo (PUC-SP). Professora titular do Departamento de Educação e doMestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás.

** Doutora em história e filosofia da educação pela Pontifícia Universidade Católicade São Paulo (PUC-SP). Professora titular do Departamento de Educação e doMestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás.

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Public politics of interiorization of education in Goias during 1930 and

1940 decade

Maria de Araújo NepomucenoMaria Teresa Canesin Guimarães

Abstract:

This article presents results of historical research aimed atreconstructing and critically analyzing the educational processin Goiás in the 1930s and 40s. It explicitates the nature of therelationships incurred and strengthened between the State,

education and the society of that time. This policy, understoodas a social process of deliberate intervention in social life trendswith the aim of modifying them in accordance with a certaintype of interpretation of reality, received particular emphasis overtwo distinct yet indissociable periods: 1930-1937 and 1937-1945.In order to analyze both of these, the “new” meaning attributedto education in official sources and in State political practicewas reclaimed and through this government measures for theeducation sector were explained.

Keywords:

educational policy; education; history of education; Goiás from1935 to 1940.

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políticas públicas de interiorização... 99

1. Introdução

O presente trabalho expõe resultados de pesquisas históricas1 quetiveram como objeto de estudo a política de interiorização da educaçãodesenvolvida por Pedro Ludovico Teixeira, em Goiás, entre 1930 e 1945.Entendendo a educação como instrumento privilegiado de “renovação”,o referido governo dispôs-se a criar condições de intervenção delibera-da em várias esferas da vida social e política, inclusive e especialmentena educacional, com a finalidade de modificá-las, em consonância comum projeto de interiorização assentado num discurso nacionalista emoralizador.

Essa política, aqui entendida como processo social de intervençãodeliberada nas “tendências da vida social com a finalidade de modificá-las, conforme um tipo de interpretação da realidade” (Martins, 1975,pp. 54-55), foi focalizada em dois períodos distintos, mas indissociá-veis: 1930-1937 e 1937-1945. Para analisá-los, buscou-se recuperar o

“novo” sentido atribuído à educação nas fontes oficiais e na prática po-lítica do Estado. A partir daí, passou-se a expor as medidas do governono setor educacional.

Os documentos oficiais que tratavam dessa temática foram as princi-pais fontes desta pesquisa2. Deles extraíram-se os dados mais expressi-vos, tal como foram registrados. Classificados e articulados, eles pude-ram falar a partir das questões a eles feitas. Ouvir as vozes aparentemente

inaudíveis emanadas dessas fontes e realizar a exposição dos dados nelasdisponíveis o mais rente possível dos fatos, como “ação e pensamento éuma maneira de buscar a verdade e de mostrá-la” (Ianni, 1986, p. 9).

1. Para maior conhecimento dos resultados das pesquisas que deram origem a estetrabalho, bem como das fontes primárias que constituem sua base empírica e dasreferências historiográficas por ele utilizadas, cf. Canesin e Loureiro (1994) e

Nepomuceno (1994).2. Correio Oficial, relatórios do governo (1933, 1939, 1942), mensagem de 1936,coleção dos atos do governo (1931 a 1945), discursos oficiais, periódicos oficiais,anais do VIII Congresso de Educação (1942). Todas as fontes mencionadas nestanota estão indicadas nas “Referências bibliográficas e fontes” deste trabalho e po-dem ser encontradas no Arquivo Histórico do Estado de Goiás.

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Os espaços vazios do discurso oficial investigado, entendido comoideológico, foram preenchidos em busca da verdade neles contida. Po-rém, sabe-se, é impossível transformar o discurso ideológico em discur-so verdadeiro pelo preenchimento de seus brancos. Fazer falar o silên-cio que sustenta o discurso ideológico propicia a produção de “umcontra-discurso da ideologia, pois o silêncio, ao ser falado, destrói odiscurso que o silenciava” (Chaui, 1980, p. 25). Logo, infere-se, tal dis-curso ao mesmo tempo revela e oculta a verdade histórica da realidadeque lê e para a qual constrói e realiza propostas.

Utilizou-se ainda o testemunho da época. Esse modo de buscar averdade consiste em permitir que os sujeitos históricos que vivenciaramos problemas estudados falem. Ainda que não tenham clareza de tudoaquilo que dizem, fornecem dados significativos para a compreensãodos problemas focalizados, revelando as relações e as estruturas maisíntimas de tais problemas. Assim, os sujeitos investigados “podem apa-recer como personagem e a história pode adquirir os seus movimentos

reais” (Ianni, 1986, p. 10).As pesquisas referidas e que deram origem a este estudo partiramdo seguinte pressuposto: em nome de uma educação renovadora da so-ciedade, a política educacional do Governo Ludovico foi delineada como intuito de aprofundar as relações de Goiás com o Centro-Sul do país,servindo, associada às demais políticas implementadas, aos interessesdo formato do capitalismo que se configurava nacionalmente.

2. Estado e política educacional: 1930-1947

No Brasil, o movimento “revolucionário”3 que depôs WashingtonLuiz e levou Getúlio Vargas ao poder, em 1930, instaurou as condições

3. O termo revolucionário apareceu aspeado no texto, visando tornar claro que asautoras deste trabalho têm consciência da natureza polêmica que assumiu na histo-riografia brasileira a caracterização do Movimento de 1930 como revolucionário,bem como têm consciência da produção intelectual de autores reconhecidos, comoOctávio Ianni (1986) e Francisco de Oliveira (1977), que o focalizaram nessa pers-

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de formação de um Estado de conciliação, que se viu obrigado a con-templar os setores populares urbanos emergentes. O Estado, ideologica-mente “legitimado” como defensor da paz social, deveria corrigir os“desvios” da sociedade sem, porém, destruí-la. É curioso observar quenos discursos oficiais do Governo Provisório o Estado apareceu comoárbitro justo e neutro a serviço de toda a sociedade que, por sua vez,apareceu como homogênea e coesa. Assim, em seu discurso de posse, ochefe desse governo afirmou:

No fundo e na forma, a Revolução escapou, por isso mesmo, ao exclusivismo

de determinadas classes. Nem os elementos civis venceram as classes arma-

das, nem estas impuseram àquelas o fato consumado. Todas as categorias

sociais, de alto a baixo, sem diferença de idade ou de sexo, comungaram em

um idêntico pensamento fraterno e dominador: — a construção de uma Pá-

tria nova, igualmente acolhedora para grandes e pequenos, aberta à colabora-

ção de todos os seus filhos [Vargas, 1948, p. 69].

Esse Estado de conciliação assumiu a tarefa de redimir a sociedade,atribuindo à educação o papel de redentora. Isso supunha o fim do analfa-betismo e a criação de uma escola “nova” capaz de superar o “atraso”,papel que a escola academicista vigente até então não conseguira realizar.

A política da educação, como processo de intervenção deliberadana realidade social, é própria dos anos que se sucederam a 1930, pois aconcretização do novo padrão de acumulação do capital de base urba-

no-industrial foi exigindo, além da reprodução dos quadros dirigentes,a criação de “um exército de trabalho para o bem da Nação” (leia-separa o bem do capital)4. O estado de Goiás, resguardada sua especifici-

pectiva, por entenderem que tal movimento rompeu, simultaneamente, com as ba-ses que constituíram o Estado oligárquico e instaurou as condições necessárias àconstituição do Estado burguês. À luz, portanto, dos objetivos delineados pelas

pesquisas que fundamentam a discussão feita neste trabalho, a escolha desse perío-do justifica-se por ter sido ele um tempo histórico de importantes modificações nasestruturas de poder e nas estruturas burocráticas do Estado, que passou, especial-mente a partir dos anos de 1930, a exercer com predominância o poder executivo.

4. A expressão entre aspas é do ministro da Educação de Getúlio Vargas, GustavoCapanema (apud Freitag, 1977, p. 45).

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dade histórica como totalidade concreta, expressou a realidade nacio-nal. O Estado que se estrutura em Goiás na década de 1930 não diferedo anterior em termos de seu conteúdo de classe5. O que se deu foi aperda da hegemonia da oligarquia Caiado e a instalação, na direção po-lítica do Estado, de oligarquias dissidentes6 afinadas com os interessesdo capital que se expandia nas regiões Sul e Sudoeste de Goiás.

Apesar de o movimento “revolucionário” de 1930 não se traduzirem mudanças substanciais na sociedade goiana, e representar, do pontode vista político, a simples alternância de oligarquias no poder, ele am-pliou certas condições para adequar o Estado às novas formas de expan-são do capitalismo. Em relação ao mercado nacional, a inserção do esta-do de Goiás tornou-se mais significativa, principalmente, a inserção dasregiões Sul e Sudoeste, locais de origem e de formação das oligarquiasdissidentes que, então, ocuparam o poder. Nessas regiões, especialmen-te, ocorre com mais vigor a expansão dos investimentos e maior mer-cantilização dos produtos agrícolas.

As oligarquias dissidentes goianas que assumiram o poder em 1930fizeram-no com o argumento de que, ao derrotar o grupo caiadista, esta-riam exterminando o despotismo oligárquico em Goiás. Nesse sentido,Ludovico apresentou um discurso moralizador que, segundo ele, pre-tendia romper basicamente com a familiocracia, as práticas administra-tivas corruptas e a mentalidade reacionária. Visando instaurar um novo

5. “É óbvio que o Estado oligárquico foi uma modalidade de Estado burguês. Cabe adistinção, no entanto, na medida em que o Estado oligárquico implicou uma moda-lidade singular de organização do poder político-econômica, em termos de estrutu-ras de dominação-subordinação. Nota-se, por exemplo, que ele era bastante deter-minado, pela economia primária exportadora” (Ianni, 1986, pp. 25-26).

6. O termo oligarquias deve ser entendido, no contexto das pesquisas que deram ori-gem a este trabalho, como o “conjunto de forças sociais ligadas, por seus interessesobjetivos, por suas formulações ideológicas (revestidas ou não do brilho liberal) e

por sua prática política, a uma economia assentada na produção agropecuária. Logo,o que se deu em 1930 foi o rompimento das oligarquias que se formaram no Sul eSudoeste do estado de Goiás (áreas economicamente ocupáveis e que foram colo-nizadas ao longo do século XIX) com as oligarquias ligadas ao setor pecuáriooriginadas em torno da antiga capital (Cidade de Goiás), e outras áreas colonizadasa partir do século XVIII” (Nepomuceno, 1994, p. 42).

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momento político, o discurso propalado apelava para uma administra-ção científica, planejada e progressista. Ele afirmou, no relatório queenviou ao chefe do Governo Provisório, o seguinte:

Combatendo, dia a dia, a rotina estacionária, vamos infiltrando no seio do povo

e das administrações as idéias de progresso, consubstanciando-as em atos con-

cretos que servem de exemplo, trazendo alguns resultados imediatos. As for-

midáveis reservas naturais de que Goiaz é dotado, dão a quem o dirige a espe-

rança de, dentro de tempo não muito remoto, ver este Estado situado

economicamente entre os primeiros do Brasil [Relatório de 1933, p. 5].

No âmbito da legislação, o sistema educacional fora regulamenta-do, em fevereiro de 1930, nos níveis primário, complementar e Normal.Com a instalação do governo intervencionista, somente os cursos Com-plementar e Normal sofreram, na esfera estadual, nova regulamentação.Afirmar isso significa dizer que, no que se referia ao ensino superior e

ao secundário, caberia apenas a iniciativa de fazer cumprir as determi-nações traçadas pela Reforma Francisco Campos de 1931. Segundo talreforma, o ensino universitário tinha como fim “elevar o nível da cultu-ra geral; estimular a investigação científica; habilitar ao exercício deatividades que [requeriam] preparo técnico e científico superior...”(Romanelli, 1982, p. 133).

Seguindo, pois, as diretrizes emanadas dessa reforma, o governo de

Goiás, pelo decreto n. 1.740 de 28 de dezembro de 1931, reabre as por-tas da Faculdade de Direito, fechadas desde 1926, dotando-a, com êxi-to, das condições indispensáveis à sua equiparação, tanto que, em 1936,o Governo Vargas equiparou o ensino por ela ministrado ao dascongêneres do país.

A Reforma Francisco Campos, como se sabe, traçou uma políticade educação que atingiu, essencialmente, o ensino superior e o secundá-

rio. Aos governos estaduais caberia apenas a elaboração de uma políticaeducacional complementar. O governo de Goiás cuidou, então, de to-mar medidas para alcançar os setores educacionais não contemplados.O decreto n. 800 de 11 de março de 1931 criou o Conselho de Educa-ção, que centralizou todas as funções consultivas, administrativas e

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deliberativas da educação que deveriam ser desenvolvidas dessa dataem diante. No Relatório de 1933, página 21, o interventor referiu-se aesse órgão assim: “faltava ao sistema educacional do Estado um órgãotécnico que lhe resolvesse as dificuldades e lhe indicasse os caminhosnovos da pedagogia”.

Composto já na sua origem por alguns membros não ligados direta-mente à educação, o Conselho de Educação vai paulatinamente tendoessa característica acentuada, especialmente após 1937. Infere-se, daí,que a educação, especialmente depois dessa data, começou a adquirirum conteúdo político específico como elemento essencial do formatodo capitalismo que se configurava nacionalmente. Enfim, ao Conselhode Educação, como espaço educativo criado pelo Estado intervencio-nista, cabia planejar, pôr em prática, coordenar, supervisionar, avaliar...Em síntese, pensar e fazer a educação, conforme objetivos e meios quegeralmente escapavam ao controle dos próprios educadores, isto é, fa-zia-se necessário, entre outros encargos, continuar formando os qua-

dros administrativos e burocráticos do Estado.Formar tais quadros não era uma tarefa simples. Supunha a existên-cia de condições materiais e educacionais que o Estado não possuía. NoRelatório de 1933, páginas 9 e 10, o interventor fala do “atraso” doEstado e aponta a educação como caminho para alcançar o “progresso”material próprio das sociedades urbano-industriais, por meio destas pa-lavras:

Os Países vanguardeiros da civilização moderna [...] estão empenhados na

educação integral do homem de amanhã, esmerando-se em dotá-lo de conhe-

cimentos intelectuais [...] robustez física e mental [...] que o tornem apto a

exercer uma ação humana e útil no seio da sociedade... Dessa febre educati-

va [...] deriva [...] a renovação pedagógica, o aperfeiçoamento do ensino, a

dinamização dos métodos escolares...

Goiás tinha também necessidade de formar professores que pudes-sem trabalhar para poder reduzir o índice de analfabetismo, e, ainda,tinha necessidade de democratizar a escolarização visando, com essasmedidas, concretizar, pelo menos em tese, os fins proclamados pelo go-

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verno de então. Segundo o Correio Oficial n. 2.484, de 29 de maio de1933, o ensino primário era modelarmente ministrado apenas na capi-tal, inclusive por falta de professores qualificados. A quase inexistênciade docentes para executar essa tarefa levou o governo à apreciação donovo Regulamento do Ensino Normal posto em vigor pelo decreto n. 659,de 28 de janeiro de 1931. As diretrizes da política educacional que de-veriam vigorar a partir dessa data foram delineadas nesse regulamen-to e detalhadas no Relatório de 1933.

A nova regulamentação do curso Normal sustentou-se nas seguin-tes justificativas: necessidade de formação de professores competentespara a difícil tarefa de alfabetização e de redução do baixo nível deensino ministrado nas escolas. Em termos de política educacional, oalto índice de analfabetismo em Goiás justificava a necessidade de in-centivar a formação urgente de professores. Nessa tarefa, o ensinoNormal foi situado, no discurso oficial, como fundamental na reduçãodesse índice. Nesse sentido, afirmou-se:

Em Goiás deve ser dispensado um carinho especial com o ensino normal e

isto porque, com uma proporção de 80% de analfabetos, disseminados em

um território superior a 700.000 km2, forçosa é a conclusão de que só pode-

remos combater eficientemente o analfabetismo no dia em que houvermos

arregimentado um professorado numeroso e capaz. E este só poderá ser ofe-

recido pelas Escolas Normais [Honorato, 1932, apud Canesin & Loureiro,

1994, p. 75].

A ênfase na Escola Normal resultou em uma preocupação em regu-lamentar o curso Normal e em expandi-lo. Um dos objetivos do regula-mento foi estimular e facilitar a criação de escolas Normais no interiordo estado. Diferentemente do regulamento anterior, no novo não se exi-giu do estabelecimento de ensino um patrimônio mínimo. Além disso,

de acordo com ele, deixou de ser obrigatória a mesma orientação didá-tica da Escola Normal Oficial para equiparação. Essas medidas favore-ceram a expansão da Escola Normal da rede particular.

Um dos aspectos da política educacional do Governo Ludovico foia expansão e a interiorização das Escolas Normais. Na concepção do

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governo, era necessário promover o aparecimento de novas EscolasNormais sem onerar os cofres públicos. Entre criá-las às expensas dessescofres, o que lhes acarretaria ônus superiores à apoucada capacidade deque dispunha o erário público, e estimular a ação da iniciativa particu-lar, sempre que esta pretendesse fundar estabelecimento de ensino Nor-mal, escolheu-se a segunda opção por ser a que mais coadunava com apenosa situação financeira do Estado.

Além disso, a educação, no seu papel de redentora da sociedade,deveria reclassificar os indivíduos de diferentes origens sociais confor-me seus talentos inatos, o que exigia uma escola “nova” capaz de supe-rar o atraso e promover o “progresso”. Nessa perspectiva, de valoriza-ção dos “dons” e “talentos”, é que se argumentava a necessidade de umensino secundário mais seletivo. Alegava-se que o Estado deveria pro-porcionar ensino secundário aos mais “competentes”.

Afirmava-se a existência de eminentes pedagogos partidários da doutrina

moderníssima de que o Estado deve proporcionar a educação a todos, masem correspondência com as aptidões de cada um. Se o educando [revelasse]

capacidade excepcional de assimilação, [possuísse] predicados reais de me-

mória e de inteligência, [devia] o Estado determinar-lhe o ramo científico em

que [seria] mais seguro e profundo o seu desenvolvimento e dar-lhe assistên-

cia permanente, até o mais alto curso superior. Se o aluno [fosse], porém,

desatento ou [apresentasse] baixo quociente intelectual, [devia] o Estado res-

tringir-lhes-ia, por inúteis, as oportunidades de ingresso ao secundário, ten-tando encaminhá-lo para o tipo de aprendizagem mais adequado aos seus

pendores e condições personalíssimas [Relatório de 1933, pp. 9-10, grifos do

original].

Essa postura diferenciada do governo em relação ao Liceu e às Es-colas Normais explica-se, respectivamente, pelas funções preenchidas

por tais escolas na sociedade goiana da época, ou seja,

pelo Liceu passaram os maiores vultos que Goiaz já teve em todos os tem-

pos. Foi o berço admirável de onde partiram, em longo vôo, figuras de desta-

que do Estado e que alcançaram projeção nacional. Financistas, generais,

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poetas, escritores, administradores, médicos, advogados, juristas, estadistas,

 jornalistas, políticos, todo esse caudal passou pelo Liceu de Goiaz...

O Colégio Sant’Anna pouco mais de 30 anos tinha de existência. Era conside-rada como o viveiro das grandes virtudes para a formação do lar goiano. A

Escola Normal, a poucos anos criada, é um estabelecimento modelar, centro de

concentração pedagógica, com irradiação em todo o Estado, núcleo construtor

de professores que se espalharam nos estabelecimentos de ensino na maioria

dos municípios de Goiaz [Correio Oficial n. 3.912, ago. 1939, p. 28].

Pode-se inferir da leitura desses trechos, que foram posteriormentereproduzidos num laudo do concurso de língua portuguesa, promovidopelo diretor geral do Interior entre os alunos da 3ª e 4ª séries do Liceu deGoiás, que o Liceu era entendido como lócus de formação das elites,isto é, dos quadros burocráticos do Estado, e que o Colégio Sant’Annaera considerado lócus de preparação das jovens virtuosas para as ativi-dades de “mãe” e de “esposa”, bem como deixa claro o papel da Escola

Normal Oficial como lócus e modelo pedagógico para as outras EscolasNormais de Goiás.

Pelo exposto, em Goiás, a idéia da educação como elemento dereconstrução da sociedade “apareceu” como algo dado. Expandir as opor-tunidades educacionais passou a ser, então, um imperativo. O interventordedicou o primeiro capítulo do Relatório de 1933 à educação, assina-lando aí a iniciativa dos países “vanguardeiros da civilização” no senti-do de promover a educação, realçando que do empenho educativo dessespaíses derivava a necessidade da renovação pedagógica. Somando, por-tanto, sua voz à dos defensores dessas idéias proclamou: “O governorevolucionário goiano tem procurado tornar fácil a projeção desse mo-vimento no ambiente social do Estado” (Relatório de 1933, p. 10).

O governo criou dois outros recursos educativos para assegurar oêxito da divulgação das “modernas” teorias educacionais e dos procedi-mentos pedagógicos e metodológicos delas decorrentes: a  Revista deEducação e História, criada pelo decreto n. 3.482 de 12 de junho de1933, e o Cinema Educativo, criado pelo decreto n. 3.771 de 12 de maiode 1933.

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A Revista de Educação e História foi criada “nos moldes da revistacongênere de Minas Gerais” (Decreto n. 3.482, jun. 1933, pp. 115-116).Entre as razões apontadas para criá-la, o decreto apontou a importânciada revista para veiculação “das teses pedagógicas mais palpitantes” daépoca, e a transmissão de todas as “resoluções oficiais que interessas-sem à instrução”; assinalou ainda que os baixos rendimentos do profes-sorado os impediam de assinar revistas especializadas, que pudessemcolocá-los “a par dos progressos da pedagogia” daquele tempo. Nessesentido, e simultaneamente, preparou terreno para dividir com o profes-sorado o ônus do periódico, na medida em que não se ateve apenas à suacriação, mas tratou, ainda, de assegurar a obrigatoriedade de sua leiturapor todo o corpo docente. Tanto foi desse modo, que o artigo 4º doreferido decreto foi redigido assim: “A assinatura da revista é obrigató-ria para todos os professores de institutos primários, secundários e su-perior, que deverão contribuir com a importância mensal de hum milréis (1$000) descontado em folha” (grifos nossos). Pode-se, portanto,

deduzir da leitura desse artigo que nem os professores do ensino parti-cular puderam sentir-se desobrigados da aquisição dessa revista e, con-seqüentemente, de seu estudo, pelo menos em tese.

Os poucos números a que as pesquisadoras tiveram acesso trazemresoluções oficiais atinentes à educação, programas de ensino, artigosde educadores de Goiás e de outros estados do país. Esses artigos, alémde tratarem de assuntos diretamente ligados aos processos de ensino e

de aprendizagem (conteúdos, metodologia, avaliação, recursos didáti-cos etc.), exaltavam a “escola nova” e a importância da educação nocombate ao “atraso” e à “ignorância” a que os brasileiros estavam sub-metidos. O periódico transmitia ainda informações sobre os aconteci-mentos culturais e artísticos de Goiás 7 (Cf. Nepomuceno, 1994, p. 155).

7. Poucos exemplares desse periódico, já danificados, podem ser encontrados no Ar-quivo Histórico do Estado. Ele foi reorganizado pelo decreto-lei n. 186 de 24 denovembro de 45 e pelo decreto-lei n. 490, de 2 de dezembro de 58. Vários volumes,que circularam após 1945, podem ser encontrados na Secretaria de Educação doEstado e na biblioteca da Universidade Católica de Goiás. Ainda não foi tomadacomo objeto de estudo.

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políticas públicas de interiorização... 109

Apesar de criada em 1933, a Revista de Educação e História só foiregulamentada e posta em circulação após 1937, no interior do I Con-gresso de Ensino Rural, evento programado como espaço de discussãoe preparação dos educadores de Goiás para o VIII Congresso Nacionalde Educação, que deveria ocorrer em Goiânia em 1942. Em discursoproferido no interior daquele I Congresso, o então prefeito de Goiânia,Venerando de Freitas Borges, considerou-a o “liame que [...] [deveriaunir] todos os estabelecimentos de ensino debaixo de uma única orien-tação...” (Borges, 1937).

Além da Revista de Educação e História , no Governo Ludovico foicriado e regulamentado o Cinema Educativo, conforme já se assinalou.Embora sua criação se assentasse no mesmo espírito que deu origem àrevista, os considerandos que fundamentaram e justificaram sua criaçãosinalizavam na direção de objetivos que iam além dos traçados para operiódico, pois visavam atingir, além dos docentes, os alunos e suasfamílias, por meio de determinados conteúdos e práticas que pretendia

divulgar. O decreto n. 3.771 afirmou:

a) considerando que, dentre os fatores de educação mais modernos [...] avulta

hoje, o cinema educativo;

b) que, no século em que vivemos, progressivamente vai-se abandonando o

estudo pelos compêndios;

c) que, não só os conhecimentos de zoologia, anatomia, botânica, educação

física, química, como os de comércio, indústria, pecuária e agriculturapoderão [...] com maior alcance [contribuir] para o futuro do nosso Esta-

do [...], foi criado e oficializado o Cinema Educativo [...] [e o cargo de

operador...].

Vale ainda dar destaque a mais dois dos artigos do decreto que deuorigem ao Cinema Educativo: o 2º, que autorizava sua utilização nas

Escolas Normais e nos grupos escolares, bem como em sessões recrea-tivas extra-escolares, e o 13º, que proibia a exibição de filmes que nãofossem fornecidos pela Diretoria do Interior. A Mensagem de 1936, emsua página 13, registrou a aquisição de três projetores e algumas deze-

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nas de filmes instrutivos. Amália Hermano8, em seu depoimento de 4 desetembro de 1990, informou que o

Cinema Educativo muito ajudou [na] fase de inovações [...] nos anos trinta.

Adultos e crianças assistiam aos filmes [que] mostravam as atividades dos

Clubes Agrícolas pioneiros [de Minas, Rio] [...] as atividades das fazendas,

dos campos, a vida ao ar livre, a paz, o sossego, a fartura [Nepomuceno,

1994, p. 155].

Além das medidas apontadas, entre 1930 e 1937, o governo de Goiásexpandiu a rede escolar primária do Estado: de 16 grupos escolares e161 escolas isoladas em 1929, esse número passou a 38 e 152 em 1936.Outro dado revelador da importância estratégica que a educação assu-miu para esse governo se refere aos percentuais a ela destinados. O Re-latório de 1933 (p. 23) informa que aos 10,25% destinados à educaçãoforam adicionados 14,7%, “perfazendo um total de 24,32%, ou seja,

quase ¼ da sua despesa geral”. Até 1937, o investimento ficou em tornode 20%. Após, caiu para 15%. O Relatório de 1939 (p. 39) apontoucomo justificativa desse declínio as despesas com a transferência dacapital da Cidade de Goiás para Goiânia em 1933.

Sintetizando, as medidas expostas constituíram os traços principaisdo projeto político-pedagógico do governo entre 1930 e 1937. No bojodesse projeto, a criação de Escolas Normais e a formação de professo-

res, bem como a expansão e interiorização da rede escolar, ganharamexpressão, cabendo realçar que a maior parte das escolas criadas de 1930a 1937, e dessa última data até 1945, localizou-se nas regiões economi-camente mais desenvolvidas do Estado: Sul, Sudeste e Sudoeste, re-giões atingidas pelas frentes pioneiras de expansão9.

8. A professora Amália Hermano fez parte dos quadros burocrático-administrativos do

Governo Ludovico. Teve importância ímpar na divulgação do escolanovismo em Goiás.9. Essas frentes integram-se na economia de mercado de dois modos: “pela absorçãodo excedente demográfico, que não podia mais ser contido dentro da fronteira eco-nômica e pela produção de excedentes que se realiza como mercadoria na econo-mia de mercado. Desse modo, a frente de expansão está integrada na formaçãocapitalista” (Martins, 1975, apud Nepomuceno, 1994, p. 42).

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3. Estado Novo e política educacional: 1937-1945

Em 1937, em clima de disputa eleitoral, Vargas, com o pretexto deque o comunismo ameaçava o país, deu o golpe a 10 de novembro.Diante do fato, o governo outorgou uma Constituição redigida por Fran-cisco Campos, inspirada no fascismo. A nova Carta extinguiu o parla-mento, as assembléias estaduais e as câmaras municipais e possibilitoua intervenção nos governos estaduais e a suspensão das liberdades ci-vis; enfim, estabeleceu a ditadura pela instituição do Estado Novo. Essamodalidade de Estado erigiu-se na forma de um Estado centralizado,que pôs fim à autonomia das unidades da federação.

No plano econômico-político, faziam-se necessárias medidas eco-nômicas que viabilizassem o planejamento da expansão do setor indus-trial. Iniciou-se, pois, a aplicação de medidas destinadas a propiciar adiversificação e a expansão do setor industrial brasileiro. Estimulou-seo setor de bens de capital, como a metalurgia e a siderurgia, de forma

que modernizasse o desenvolvimento. Era preciso um Estado forte, quearcasse com investimentos modernizantes da economia, para subsidiara burguesia nacional em seu projeto de afirmação econômica e de cons-trução de hegemonia.

Nesse projeto, em que o Estado se tornou o centro nacional maisimportante das decisões sobre a política econômica, os interesses indus-triais e oligárquicos articulam-se. “O que os unificava era o fato de que

os investimentos na indústria dependiam da acumulação de capitais naagricultura, canalizados sob a forma de créditos e de financiamentos,por meio do sistema bancário, que lhe servia de mediador” (Ianni, 1971,p. 62).

Uma das vertentes da ideologia desenvolvimentista, em que se fun-damentou esse Estado, denominou-se “Marcha para o Oeste”. De acor-do com a política econômica delineada pelo governo varguista, era ne-

cessário incluir as áreas agrícolas na lógica de uma produção maissintonizada com a produção industrial. Exigia-se nesse processo maisáreas de povoamento que significassem novas frentes de penetração docapital. Enfatizava Vargas:

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Tornou-se imperioso localizar no centro geográfico do país poderosas forças

capazes de irradiar e garantir a nossa expansão futura. Do alto de nossos

chapadões infindáveis, onde estarão amanhã os grande celeiros do país, de-

verá descer a onda civilizadora para as planícies do oeste e do noroeste [Vargas,

1948, p. 164].

A “Marcha para o Oeste” expressava o desejo de intervenção dogoverno federal na expansão da frente pioneira. Dentro do plano deavançar pelo Oeste até a Amazônia, o Governo Getúlio fundou a Colô-nia Agrícola Nacional de Goiás em 1941, na região do Mato Grosso deGoiás. Foi criada também, nessa época, a Fundação Brasil Central coma finalidade de estimular núcleos de povoamento no Planalto Central.Completando, pois, a iniciativa do governo central, o Governo Ludovicoincentivou a expansão das redes ferroviária e rodoviária. “Segundo osdocumentos da época e a historiografia do período, em 1927, Goiáscontava aproximadamente com 3.500km de estradas construídas. Esse

número salta para 7.181km, em 1935, e para 24.000km, vinte anos de-pois” (Nepomuceno, 1994, p. 107); transferiu a capital do estado deGoiás da Cidade de Goiás para Goiânia (1933); descobriu o “valor es-tratégico da educação (principalmente na dimensão ruralista que passoua assumir após 1937) como elemento consolidador das mudanças ocor-ridas” (idem, ibidem) após 1930.

Os estímulos da “Marcha para o Oeste” e a criação de Goiânia fo-

ram acontecimentos que se coadunaram plenamente com a ideologia doEstado Novo. Os anseios nacionalistas de Vargas tinham suas expres-sões nas realizações de Pedro Ludovico. Nesse sentido, Vargas eLudovico irmanavam-se. Diz Chaul que Ludovico e o Estado Novo secomplementavam: pelo lado de Ludovico, o regime servia como supor-te de sua mais alta realização política, sua e dos grupos oligárquicos doSul e do Sudoeste; pelo lado do Estado Novo, Goiânia servia como con-

cretização dos ideais do momento, como símbolo que encarnava, naprática, o nacionalismo apregoado pelo regime (cf. Chaul, 1988).O Estado que se organizou após os anos de 1930 colocou como

prioridade a questão do planejamento e, para a sua realização, o levan-tamento estatístico dos dados que colaborassem para uma administra-

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ção competente, capaz de solucionar os problemas do país, bem como amanutenção da ordem social. Nesse projeto, apelos constantes foramfeitos à área educacional para colaborar com o plano de reorganizaçãodos serviços públicos do Estado.

Inúmeros temas educacionais destacaram-se com a implantação doEstado Novo. Entre eles podem ser mencionados a necessidade de orga-nização do trabalho, a eficiência, a ordem e o ensino rural, todos elesfundamentados em campanhas nacionalistas que traduziam os interes-ses da ordem política que se estruturava. O cultivo do “corpo e do espí-rito” deveria constituir-se o eixo do projeto educacional. Assim, a Cons-tituição de 1937 estabeleceu, no artigo 131, que a educação física e ostrabalhos manuais seriam obrigatórios nas escolas primárias Normais esecundárias; e, no artigo 133, permitiu que fosse contemplado, comomatéria de curso ordinário, o ensino religioso. A reação ao “MovimentoNacional dos Profissionais de Educação” torna-se evidente nos docu-mentos oficiais:

Com o ensino cívico e religioso, deixamos os atalhos e encruzilhadas do

modernismo, de intenções ocultas, para voltar ao roteiro certo das nossas

tradições. Com a educação física e os trabalhos manuais, defendemos os

músculos, o sistema nervoso, a atenção e os pendores vocacionais. A valori-

zação do corpo e do espírito, eis o sistema educacional do Estado Novo [Cor-

reio Oficial n. 3.753 apud Canesin & Loureiro, 1994, p. 82].

A realização do VIII Congresso Nacional de Educação, em Goiânia,expressou as intenções do Estado Novo para com o Centro-Oeste.

Acontecimentos de alta importância para o nosso Estado, que até a pouco era

desconhecido, representa tal decisão do novo regime um formidável impulso

que a nação imprimiu ao Brasil Central, principalmente a Goiaz... O grande

conclave que o Estado Novo fará realizar em Goiânia reunirá todas as forçasmorais e culturais do Brasil, no centro geográfico de seu território, em uma

zona agrícola por excelência, para a discussão do sentido que deve nortear a

educação dos brasileiros... Com tal acontecimento, inicia-se a “Marcha para

o Oeste” que inaugurará no Brasil uma vida renovada... O Congresso Nacio-

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nal de Educação, em Goiânia, realiza-se em obediência ao Plano da Grande

Marcha. Getúlio Vargas e Pedro Ludovico ambos produto do determinismo

histórico..., unidos num só sentimento de grandeza nacional [...] são

edificadores da Pátria e se guiam iluminados pela mesma tocha inspiradora

da educação [Correio Oficial n. 3.808, dez. 1938].

Dentro dos propósitos de desencadear a “Marcha para o Oeste”, oensino na área rural passou a ser amplamente defendido e difundido,associado à necessidade de orientar os alunos para o trabalho e comoantídoto no combate ao êxodo rural. A educação rural era, pois, defendi-da como forma de fazer do homem unidade produtiva e como forma deromper com o atraso tecnológico da produção agrícola. Goiás, como umEstado agrícola que deveria inserir-se na lógica da expansão capitalista,deveria ser, por excelência, o lócus de implantação do ensino rural.

Apesar desse tipo de ensino propriamente dito ter sido implantandono Estado Novo, principalmente por meio da Lei Orgânica do Ensino

Agrícola, a ideologia da ruralização da educação, como mecanismo re-novador da sociedade, era bem anterior. A preocupação e a iniciativa,em termos de educação rural, nasceram quando nasceu a orientação go-vernamental de conter o êxodo rural e fixar o homem no campo. A pró-pria Constituição do Estado de Goiás, aprovada em 1935, estabelece, noseu artigo 109, que criaria escolas ambulantes para adultos analfabetosdas zonas rurais. Essa ênfase dada, em Goiás, ao ensino na zona rural

coincide com a preocupação dos educadores de todo o país.A Associação Brasileira de Educação (ABE), no seu comunicado n.IV, abordou a questão, defendendo a expansão do ensino na zona rural,por ser específica e merecer uma educação e uma escola específicas. Nessesentido, ela defendeu a necessidade de descentralização e de acordo entreos estados e a União, especialmente de convênio na área agrícola em be-nefício da educação rural. Dentro dessa preocupação de fixar o homem à

terra, os educadores propõem a valorização e a divulgação dos costumese das crenças do homem rural. Assim, a ABE defende a importância doprofessor primário na divulgação do folclore nacional, citando, inclusive,o exemplo dos Estados Unidos, onde o papel do professor primário éfundamental para as “comunas rurais”.

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Por meio da lei n. 261, de 7 de agosto de 1937, o governador doestado instituiu uma Escola Normal Rural com sede nas proximidadesde Goiânia, destinada ao preparo do magistério rural, fixo ou itinerante,no estado de Goiás. Segundo essa lei, a Escola Normal Rural seria ins-talada em primeiro de janeiro de 1939.

O VIII Congresso Brasileiro de Educação, realizado de 18 a 28 de junho de 1942, como parte do programa cultural que assinalou a inau-guração oficial de Goiânia, reforçou teses em que a preocupação enfáti-ca era com um ensino rural que pudesse responder às expectativas dedesenvolvimento do país. O evento situava a Escola Normal como ele-mento de mediação na configuração desse tipo de ensino, tanto que asteses defendidas pelos participantes do VIII Congresso enfatizavam que,de acordo com o programa da “Marcha para o Oeste”, nada era maisoportuno do que a instalação de uma Escola Normal que formasse pro-fessores capazes de promover um ensino que atendesse às peculiarida-des regionais.

A ênfase no ensino agrícola entendido como propulsor da “Marchapara o Oeste” intensificou-se com a implantação da Colônia Agrícola deCeres. Ele foi especialmente estimulado em Goiás pela Escola Profis-sional Rural, em Rio Verde, que nasceu como estabelecimento particu-lar subvencionado pelo Estado e pela Escola Agrícola Dom Bosco,mantida pela Congregação Salesiana, com a finalidade de promover“gratuitamente instrução e pensão aos jovens pobres”. Segundo regis-

tros dessas escolas, o ensino agrícola visava ministrar a escolarizaçãoprimária combinada com “noções científicas e técnicas”, visando repa-rar os alunos para serem “bons práticos” e capazes em relação aos co-nhecimentos agrícolas.

A preocupação em combater o analfabetismo, por meio da formaçãode professores primários, ocorreu localmente, com medidas específicasno bojo do projeto de ruralização. O comunicado, enviado pela Bandeira

Paulista de Alfabetização ao interventor em Goiás, solicitou que fossedecretada no estado a obrigatoriedade para todos os municípios de aplica-rem, no mínimo, 20% de sua receita com a educação do povo.

A Cruzada Nacional de Educação, fundada em 1932, tornou-se pre-sente em Goiás a partir de 1937, quando se fundou em Goiânia a Direto-

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ria Regional da Cruzada Nacional de Educação. Essa diretoria sugeriuque Goiás criasse, nas sedes dos municípios, a “Casa do Aluno” parahospedar os alunos da área rural, visando com essa iniciativa criar ascondições necessárias para uma alfabetização completa.

A Cruzada Nacional de Educação fez uma campanha, em todo opaís, para que cada município construísse três escolas primárias. Osmunicípios goianos aderiram à campanha e, além de construírem trêsescolas rurais, instalaram novos grupos escolares. A Diretoria Geral doInterior enviou circular aos prefeitos goianos dizendo do interesse e satis-fação do interventor do Estado em inaugurar escolas no dia 13 de maioem cumprimento à Campanha da Cruzada Nacional de Educação. O nú-mero de escolas inauguradas excedeu as expectativas governamentais.Por esse êxito, o governo recebeu telegramas de congratulações, até mes-mo do presidente da cruzada. Depois da campanha, ele continuou expan-dindo a rede escolar por meio da criação de escolas por decreto.

Para além disso, com a implantação do Estado Novo, inúmeros te-

mas educacionais ganharam espaço, como, por exemplo, a necessidadeda organização e da ordem, bem como o do ensino rural. Esse tipo deensino em Goiás relaciona-se com a “Marcha para o Oeste”, bem comocom o ideário escolanovista. A fixação do homem do campo no campo,por meio do ensino rural delineado no plano nacional, em Goiás vai ad-quirir características próprias, ou seja, vai incluir a necessidade de au-mentar a mão-de-obra no campo para atender à expansão do capitalismo.

A integração de Goiás como área agrícola na expansão capitalistanacional, expressa em eventos como a construção de Goiânia, a “Mar-cha para o Oeste”, a ampliação da estrada de ferro, da rede rodoviária eoutros empreendimentos, repercutiu na expansão quantitativa das Esco-las Normais. De sete estabelecimentos em 1930, esse número elevou-separa 19 em 1939. A Escola Normal pública continuou como institutooficial do Estado, servindo de modelo às demais; as restantes eram de

administração particular, subvencionadas, na maioria, pelo Estado.Infere-se, pois, do exposto as estreitas vinculações entre as políti-cas educacionais do pós-1930 e o formato de inserção de Goiás na lógi-ca de expansão do capitalismo. A “Marcha para o Oeste”, iniciada antes,mas somente assumida como política pública a partir de 1937, signifi-

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cou a incorporação de novas áreas do território ao movimento de expan-são do capitalismo. Goiás a ela integrou-se como produtor de alimen-tos, contribuindo, ainda, para que os espaços urbanos congestionadosfossem duplamente aliviados pelo basta que essa “Marcha” daria aoêxodo rural, responsável pelo crescimento desordenado das grandes ci-dades, e pelo direcionamento que daria ao excedente demográfico con-tido nos centros dinâmicos da economia. A estratégia política do gover-no, para direcionar esse excedente para novas áreas do território nacional,apoiou-se no argumento da segurança nacional, sob o pretexto de que ocomunismo ameaçava o país. Foi, pois, em nome dessa “segurança” eda “igualdade entre os brasileiros” que Goiás intensificou sua integra-ção à economia de mercado.

Nesse ponto, deve-se realçar, de passagem, que a educação, isola-damente, não podia fazer avançar o capitalismo, como pensavam osescolanovistas. Porém, se associada às demais dimensões do processode avanço do capitalismo pode e, de fato, contribui para isso. O discurso

oficial da política educacional, por ter caráter ideológico, possui umaeficácia que é de todos conhecida. Foi, pois, no seio da “Marcha para oOeste” que “apareceu” a educação como instrumento “renovador” dasociedade e sua versão ruralista como instrumento de contenção doscampesinos no seu lugar de origem, onde deveriam formar-se para aexecução das atividades agrícolas.

Assim, para o objetivo proposto, importa fixar que as políticas de

interiorização da educação, viabilizada pelo governo nos anos de 1930e de 1940, nortearam-se pelas atividades em que se assentava a econo-mia goiana e para a formação de uma mentalidade rural sustentadora davocação agrícola “inata” de Goiás. Em nome dessa mentalidade, pois,promoveram-se eventos, expandiram-se as redes escolares e implanta-ram-se os clubes agrícolas10.

Os clubes agrícolas, na concepção de Amália Hermano, eram as

instituições modelares da escola nova, por permitir o aperfeiçoamento

10. Os Clubes Agrícolas “foram instituições extra-escolares destinadas a modificar oambiente tradicional do ensino” (Nepomuceno, 1994, p. 153).

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da pedagogia rural e ser o elemento ativo de articulação da escola com afamília, concorrendo para a “formação de uma mentalidade agrícola”que seria capaz de propiciar ao país dias melhores (Correio Oficialn. 3.300, 3 out. 1933). Na sua feição ruralista, articulada às demais po-líticas, a política educacional foi, pois, um dos meios usado para conso-lidar a expansão da agricultura e intensificar a integração de Goiás aomovimento de avanço do capitalismo.

Vale reforçar que a expansão do setor agrícola e, em decorrência, ofortalecimento da participação de Goiás no mercado inter-regional dotrabalho, passaram a exigir, dos anos de 1930 em diante, uma políticaeducacional que pudesse ir secundando o avanço e a concretização docapitalismo. As políticas implementadas a partir dessa época – incluin-do a educacional – foram, pois, garantindo para Goiás sua integração econtinuidade definitiva no mercado nacional, como consumidor de ma-nufaturados e fornecedor de produtos agropecuários baratos, necessá-rias à sobrevivência e permanência do Centro-Sul como área hegemôni-

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120 revista brasileira de história da educação n° 13 jan./abr. 2007

RELATÓRIO apresentado ao Interventor pelo atual Secretário Geral, Interino, Dr.José Honorato. Correio Oficial, Goiás, 17 dez. 1932.

RELATÓRIO

apresentado ao Ex. S. Dr. Getúlio Vargas, d. d. Chefe do GovernoProvisório, e ao povo goiano, pelo Dr. Pedro Ludovico Teixeira, InterventorFederal neste Estado. Goyaz (capital): Secção de Obras da Imprensa Official,1930-1933.

RELATÓRIO apresentado ao Exmo. Snr. Presidente da República pelo Dr. PedroLudovico Teixeira. Goiânia: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, 1939.

RELATÓRIO apresentado ao Excelentíssimo Senhor Doutor Getúlio Dorneles

Vargas, Digníssimo Presidente da República pelo Doutor Pedro LudovicoTeixeira, Interventor Federal do Estado de Goyaz, 1940-1942.

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Endereço para correspondência:Maria de Araújo Nepomuceno e Maria Tereza Canesin Guimarães

Programa de Pós-Graduação em Educaçãoda Universidade Católica de Goiás

Av. Universitária, 1069Setor Universitário – Goiânia-GO

Caixa Postal 86CEP 74695-010

E-mail: [email protected]/[email protected]

Recebido em: 1 ago. 2005Aprovado em: 20 ago. 2006

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Interpretação dasestatísticas de educação

um espaço de disputas simbólicas

Natália Gil*

Resumo:

A partir da análise de textos exemplares de alguns dos modosconcorrentes, pelos quais se realizava no início da década de1940 a interpretação das estatísticas educacionais brasileiras,buscou-se explicitar que a compreensão das informações quan-

titativas não é conseqüência objetiva da existência de dados exa-tos e corretos, mas antes objeto da disputa simbólica entre osprofissionais envolvidos na produção, análise e divulgação des-sas informações com vistas à imposição de uma interpretaçãolegítima.

Palavras-chave:

estatísticas educacionais; discurso sobre educação; poder sim-bólico; evasão escolar; repetência.

* Mestre em educação e doutoranda em educação pela Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo (FEUSP).

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Interpretation of educational statistics

the space of symbolical disputes

Natália Gil

Abstract:

Starting from the analisys of some exemplary texts related tosome concurrent means, from which the interpretation of Brazilian educational statistics were produced in the beginningof the 1940’s, we sought to explicitly express that the

understanding of the quantitative information is not an objectiveconsequence of the existence of accurate and correct data. It israther the object of the symbolical dispute among theprofessionals involved in the production, analisys and divulgationof the referred information aiming to impose a legitimateinterpretation of these data.

Keywords:

educational statistics; educational speech; symbolical power;

drop-out; repetition.

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interpretação das estatísticas... 123

O texto aqui apresentado toma por fonte quatro artigos em que sãoexaminados dados estatísticos educacionais e que foram publicados en-tre 1940 e 1941 no periódico do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE), a Revista Brasileira de Estatística1. Trata-se da inter-pretação de dados quantitativos do ensino apresentada por Teixeira deFreitas, então diretor do Serviço de Estatística de Educação e Saúde eSecretário Geral do IBGE, e debatida por Lourenço Filho, então diretordo Instituto Nacional de Estudos Pedagógico (INEP). Fica evidente, pelaanálise do material, que a revista serve de espaço para movimentosdiscursivos que pretendem fixar uma determinada maneira de compreen-der os números do ensino. A partir de um estudo amplo de autoria deTeixeira de Freitas2, Lourenço Filho elabora algumas críticas que, porsua vez, suscitam uma longa resposta de Teixeira de Freitas no intuitode rebater tais críticas. O que se pretende aqui ressaltar é o fato de que asestatísticas, obtidas a partir de procedimentos científicos, longe de ex-pressarem uma compreensão objetiva e universal do que descrevem,

atrelam-se a uma determinada interpretação que lhes confere inteligibi-lidade. Essa interpretação, por sua vez, é objeto de disputa entre os pro-

1. Embora a história das estatísticas educacionais brasileiras seja ainda pouco estuda-da na área de história da educação, é importante destacar algumas iniciativas quenos últimos anos têm contribuído para reverter essa situação. Nesse sentido, valerelembrar a mesa-redonda “Alfabetização, escolarização e processos de contageme ordenação de populações na construção do Estado moderno: os casos do Brasil e

de Portugal” que se realizou no IV Congresso Luso-Brasileiro de História da Edu-cação em 2002 (Porto Alegre) e da qual participaram Denice Barbara Catani, CynthiaPereira de Sousa e Luciano Mendes de Faria Filho. Outro elemento importante foia publicação em 2005 do livro  Modernidade, educação e estatísticas na Ibero-

 América nos séculos XIX e XX: Estudos sobre Portugal, Brasil e Galiza, organiza-do por António Candeias. Embora publicado em Portugal, o livro traz vários arti-gos de autores brasileiros. Além disso, há alguns trabalhos dispersos em periódicose eventos da área, notadamente de autoria de Luciano Mendes de Faria Filho, quetem insistido sobre a necessidade de ampliar tais estudos. Por fim, vale dizer que

eu mesma desde o mestrado e também no doutorado tenho trabalhado sobre essetema sob orientação da professora Denice Barbara Catani.

2. A maior visibilidade de Teixeira de Freitas nesse debate – e, por conseqüência, nopresente artigo – deve-se exatamente, e apenas, à extensão de suas explicações.Como se verá adiante, não há entre os debatedores diferença significativa quanto àlegitimidade de que gozam quando o tema são as estatísticas de educação.

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fissionais envolvidos na produção, análise e divulgação das estatísticasdo ensino. É possível vislumbrar, nas diferentes considerações feitas apartir dos mesmos números, interesses que conduzem a atenção paraaspectos diversos da situação descrita, levando a conclusões – e poden-do indicar decisões políticas – diferentes.

Essas diferentes interpretações, em torno das estatísticas oficiais deensino, remetem à consideração do poder simbólico que está colocadoem jogo nas lutas em torno das representações. Tais lutas são travadaspelo monopólio do poder de estabelecer, nas estruturas mentais do gru-po social, a percepção da realidade reconhecida como a mais adequada.Conforme indica Bourdieu (1998, p. 108), “o móvel de todas essas lutasé o poder de impor uma visão do mundo social através do princípio dedivisão que, tão logo se impõem ao conjunto de um grupo, estabelecemo sentido e o consenso sobre o sentido”. Trata-se, neste artigo, portanto,de contribuir para avançar a compreensão sobre as maneiras pelas quaiso poder simbólico é exercido. De acordo com Bourdieu (2004), os siste-

mas simbólicos, entre os quais se encontram as representações, cum-prem com uma função política de impor e legitimar a dominação, ouseja, ao estabelecerem os modos de conceber o mundo social de acordocom os interesses do grupo dominante, exercem uma violência simbóli-ca que contribui para assegurar a dominação de um grupo sobre outros.

Para compreender o poder simbólico que as estatísticas – sendoinstrumentos provenientes da intersecção do campo do poder3 e do campo

científico – exercem, é preciso analisar como nesses campos se constróia legitimidade das representações elaboradas e como essas elaboraçõesse impõem também a outros campos. Bourdieu afirma que a produçãosimbólica é sensivelmente influenciada pelo Estado que impõe como“natural” a representação “oficial do oficial”. É preciso considerar ofato de que o Estado resulta de um processo de concentração de vários

3. O campo do poder é aqui “entendido como o espaço de jogo no interior do qual osdetentores de capital (de diferentes tipos) lutam particularmente pelo poder sobre oEstado, isto é, sobre o capital estatal que assegura o poder sobre os diferentes tiposde capital e sobre sua reprodução (notadamente por meio da instituição escolar)”(Bourdieu, 1996, p. 100).

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tipos de capital – econômico, de força física, simbólico –, concentraçãoesta que leva ao surgimento de um capital propriamente estatal, permi-tindo exercer poder sobre os diversos campos. Assim, segundo Bourdieu,“o Estado, que dispõe de meios de impor e de inculcar princípios durá-veis de visão e de divisão de acordo com suas próprias estruturas, é olugar por excelência da concentração e do exercício do poder simbóli-co” (Bourdieu, 1996, pp. 107-108). A construção do Estado é acompa-nhada do estabelecimento de formas estatais de classificação, entre asquais estão as categorias utilizadas para produção das estatísticas, quedefinem, por sua vez, categorias de percepção comuns e enquadram aspráticas. Já a ciência, pela objetividade descritiva que se auto-atribui,participa das lutas de representação afirmando, por meio de um discur-so visto como neutro e desinteressado, as possibilidades objetivas deexistência da realidade descrita. Para Bourdieu,

ao consagrar um estado das divisões e da visão das divisões, o efeito simbólico

exercido pelo discurso científico é tanto mais inevitável quanto, em meio àslutas simbólicas pelo conhecimento e pelo reconhecimento, os chamados cri-

térios “objetivos” (os mesmos conhecidos pelos eruditos) são utilizados como

armas: eles designam os traços sobre os quais pode fundar-se a ação simbólica

de mobilização com vistas a produzir a unidade real ou a crença nessa unidade

(tanto no seio do próprio grupo como junto aos demais) [1998, p. 113].

No Brasil, o avanço pelo qual passaram as estatísticas de educaçãoapós 1930, ao mesmo tempo em que as tinha consolidado como umrecurso informativo a mais para a tomada de decisões políticas, tinhatambém tirado a possibilidade de contestar a existência – ou a gravida-de – de determinados problemas educacionais recorrendo-se à negaçãoda credibilidade dos números que apontavam tais problemas. Tratava-se agora de enfrentar as dificuldades ou, pelo menos, estabelecer uma

compreensão acerca da situação descrita pelas estatísticas que fosse fa-vorável aos encaminhamentos pretendidos pelo governo. Afirmar a in-terpretação adequada das estatísticas colocava em jogo a própria re-presentação da escola e, portanto, conduzia à aceitação ou não daspolíticas pensadas, naquele momento, para a educação nacional. O que

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está, portanto, em questão é o poder de consolidar um determinado modode ver, que conduziria a expectativas diferentes quanto às ações de go-verno, ao mesmo tempo em que se consolida a própria autoridade dosdebatedores para discutir tais temas.

Antes, porém, de iniciar efetivamente a análise proposta, cabe men-cionar brevemente a posição dos artigos examinados no conjunto dostemas discutidos no periódico e a inserção da publicação no meio edu-cacional. A Revista  Brasileira de Estatística foi criada pelo IBGE, em1940 – apenas dois anos após o estabelecimento do próprio instituto –,como “Órgão oficial do Conselho Nacional de Estatística e da Socieda-de Brasileira de Estatística”. A relevância desse periódico, no conjuntode materiais editados pelo IBGE, pode ser percebida tanto pela pronti-dão com que foi criado, como por sua regularidade4 de publicação. Arevista é apresentada como material especializado da área de estatística,propondo-se, fundamentalmente, a divulgar informações sobre a esta-tística brasileira e contribuir na formação dos profissionais da área. Na

apresentação ao primeiro número, José Carlos de Macedo Soares, entãopresidente do IBGE, assim se pronunciava acerca dessa iniciativa edito-rial: “Dado o papel relevante da imprensa especializada no soerguimentodo padrão mental dos obreiros da estatística, a publicação de uma revis-ta de educação e propaganda estatística teria de ser o complemento lógi-co da ação cultural do Instituto” (1940, p. 4). Da publicação, esperava-se que pudesse fazer chegar informação aos locais mais distantes dos

centros políticos, podendo “enviar à legião dos profissionais, impedi-dos de visitar a sede da corporação a que pertencem, os estímulos deque carecem para se manterem à altura da penosa missão que lhes foiconferida e que não poderão exercer à revelia da cultura mínima exigívelde um verdadeiro profissional” (idem, p.5).

Embora se apresentasse como uma publicação especializada, tinha,nos primeiros anos em que circulou, um caráter bem mais generalista do

que a leitura da apresentação ao primeiro número faz crer. Não tarda,porém, a aumentar a presença de artigos que se ocupam de questões

4. Convém acrescentar que a Revista Brasileira de Estatística tem inicialmente pe-riodicidade trimestral. Em janeiro de 1957, a publicação passa a ser semestral.

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específicas e de complexidade crescente acerca da atividade estatística.Nos primeiros anos, os artigos especializados dividem espaço com ou-tros de caráter mais geral, que propõem o debate sobre as políticas desaúde ou sobre os rumos da educação nacional, por exemplo. Progressi-vamente essas discussões de interesse mais amplo desaparecem da pu-blicação e o que aí se encontram são apenas temas específicos, comgrande destaque para a divulgação e o debate das técnicas e métodos detratamento de dados. Se nos primeiros anos era possível que a publica-ção tivesse por leitores – e também como colaboradores – pessoas cujaatuação principal fosse em outras áreas, com o tempo vai ficando cadavez mais improvável que a autoria dos artigos e a leitura da revista sedêem fora do meio estatístico. Os artigos aqui analisados situam-se, evi-dentemente, em um período em que eram freqüentes discussões de inte-resse mais geral. No entanto, mesmo que de início a publicação tratassecom alguma recorrência da educação nacional, não parece que tenhacirculado com presença marcante no meio educacional. É provavelmente

por isso que Lourenço Filho não aprofunda ali suas opiniões sobre educa-ção, restringindo-se à apreciação dos números e à contestação de sua in-terpretação, como se a produção das estatísticas e a política de educaçãofossem domínios decididamente distintos. Interessava, ao que parece, re-forçar o caráter “técnico” das estatísticas e apresentá-las no meio educa-cional como ferramentas de uso, cuja origem científica permitiria afastarqualquer dúvida sobre sua pertinência. Ora, é exatamente o oposto disso o

que se percebe no debate aqui analisado. Longe de ser inconteste e neutra,a estatística é aqui objeto de disputas simbólicas. Não parece, assim, queseja por acaso que este debate tenha sido publicado em um impresso daárea de estatística e não da área de educação. Se por um lado interessavaengajar-se em uma luta pelo sentido dos números apresentados – entreaqueles que produziam e divulgavam tais dados –, por outro, era igual-mente importante preservar (ou antes criar), no meio educacional, a ima-

gem das estatísticas como recurso objetivo, neutro e indiscutível5

.

5. Vale ressaltar que essas são, por ora, hipóteses que têm, no entanto, orientado aspesquisas que desenvolvo atualmente no sentido de compreender as relações entreo campo educacional e o campo estatístico naquele momento.

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A má qualidade do ensino: desloca-se o problemaeducacional

Por ocasião do IX Congresso Brasileiro de Geografia, Teixeira deFreitas (1940a) apresenta uma tese intitulada “Dispersão demográfica eescolaridade”. Essa mesma tese foi aprofundada e desenvolvida em cer-tos pontos para ser apresentada em sessão pública da Sociedade Brasi-leira de Estatística, em novembro de 1940, com o título de “A evasãoescolar no ensino primário brasileiro” (1940b). Nesses trabalhos, o au-tor, a partir da análise de dados estatísticos, propõe a conclusão de que oproblema da educação brasileira não estaria na falta de escolas, e sim namá qualidade do ensino então ministrado. Embora reconhecesse a difi-culdade para o atendimento escolar do total da população em função dadispersão das famílias pelas regiões rurais, o que mais o preocupava erao fato de que, segundo a interpretação que fazia dos dados, a maioriadas crianças que chegava à escola na década de 1930 dela se evadia sem

ter completado as três primeiras séries da escola elementar.Teixeira de Freitas comenta que a questão da dispersão demográficaque caracterizava o país – ainda predominantemente rural – era motivode debates controvertidos acerca da capacidade da escola primária co-mum em educar todas as crianças. Como introdução à sua argumenta-ção, o autor afirma a necessidade de examinar essa questão em basescientíficas, que no caso significava recorrer a dados estatísticos que apoi-

assem as conclusões sobre o assunto. Se nas décadas anteriores tinhamexistido dúvidas acerca da confiabilidade das informações quantitativassobre educação, que dificultavam a construção desse tipo de argumen-tação, naquele momento o autor comemorava a possibilidade de “cálcu-los já agora retificáveis à luz de mais seguro material estatístico e demelhores métodos” (Freitas, 1940a, p. 497).

Nesse sentido, a partir da análise dos números educacionais refe-

rentes ao período compreendido entre 1932 e 1937, identificava-se umgrave problema relativo ao movimento escolar dos alunos do nível pri-mário. De acordo com o autor, embora fosse evidente que a matrículageral tivesse aumentado, era também notória a manutenção das “ano-malias de distribuição do discipulado pelas três séries” (idem, p. 510)

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interpretação das estatísticas... 129

da escola elementar. As diversas tabelas presentes no artigo permitiamevidenciar que os fenômenos de repetência e evasão escolar ocorriam“não só em todos os anos do período estudado como em todas as trêsséries, sem qualquer tendência regressiva ou progressiva” (idem, ibidem).O fato de tais ocorrências manterem-se em níveis estáveis não tranqüi-lizava o autor, cuja preocupação era alertar para algo que consideravanão ter sido ainda percebido pelos governantes e que tenderia a repro-duzir-se em tantas escolas quantas fossem criadas. Teixeira de Freitasafirmava que a incógnita do problema educacional não se encontravaonde se supunha. Pare ele, a dispersão demográfica, que impedia que arede escolar chegasse a todas as crianças brasileiras, era uma dificulda-de menor em vista do desafio de revitalizar o aparelho escolar já exis-tente. Assim, “de um modo geral, porém, o que importa e é forçosoreconhecer, é que o problema crucial do Brasil, em matéria de educaçãoprimária, já não consiste em multiplicar escolas, mas principalmenteem melhorar a escola” (idem, p. 523, grifos do original).

Tratava-se, para o autor, de empreender um esforço de propagandae coerção que atraísse para os bancos escolares as crianças, com idadesuperior a 7 anos, que nunca tivessem freqüentado uma instituição deensino ou que dela se tivessem evadido. Durante alguns anos, tal cha-mada educacional obrigaria a escola a funcionar acima do seu limiteideal, mas, uma vez garantido o acesso das crianças de 7 anos à 1ª série,seria possível regularizar o fluxo escolar da população infantil. De acor-do com Teixeira de Freitas,

esgotado o stock  dos verdadeiros retardados, isto é, dos que não se

escolarizaram na 1ª série, pela primeira vez aos 7 anos, normalizar-se-á o

ritmo de variação do discipulado de cada série, cujas flutuações decorrerão,

de um lado, das oscilações (de pequena amplitude num regime normal) nas

massas de repetentes, e doutra parte, do crescendo mais ou menos uniforme

da curva dos efetivos demográficos em cada ano de idade [Freitas, 1941,

pp. 568-569, grifos do original].

Tal campanha, acreditava-se, traria ao menos duas vantagens: emalguns anos, garantiria uma população adulta totalmente alfabetizada ereverteria a heterogeneidade de idades que então caracterizava a escola.

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Teixeira de Freitas pretendia identificar a capacidade apresentadapela escola brasileira para atender à população infantil. Nesse sentido,ressaltava que “a escola não mede sua capacidade pelo efetivo do seudiscipulado total. Nem por simples declaração legal de sua lotação oupelo efetivo do magistério. Nem ainda pelo número dos seus bancos oupela amplitude de suas salas” (Freitas, 1940a, p. 498). Segundo o autor,um ensino normalizado mede sua capacidade em função das matrículasna 1ª série, que projetam o quantitativo das séries subseqüentes. Assim,

a capacidade virtual de uma escola, em cada uma das séries ulteriores à pri-

meira, seria teoricamente a mesma da série inicial, mas na prática – isto é,

na prática, no bom sentido de uma escola eficiente – há de determinar-se por

um quantitativo que abrangerá – deduzidos os óbitos – todos os alunos da

série precedente, no ano anterior, que não houverem sido reprovados, e mais

os seus próprios alunos que, reprovados, devam repetir o ano [idem, ibidem,

grifos do original].

O que Teixeira de Freitas pretende denunciar é que essa capacidadevirtual, que em 1937 representava 81% do limite teórico do discipuladoglobal do ensino fundamental comum, atingia de fato apenas 44% desselimite em decorrência da evasão dos alunos. O autor ressalta, ainda, queapenas 6,58% das crianças, que deveriam cursar a 1ª série, não tinham aescola a seu alcance por estarem suas habitações dispersas pelo territó-

rio nacional. Segundo ele, já se contava, em 1937, com 96,71% da po-pulação total vivendo em área escolarizada. Então, o autor reafirma suasconsiderações acerca do problema da escola brasileira que, ressalte-se,eram indicadas não como opinião sua, mas sim como evidência apre-sentada pelos dados quantitativos: “O ponto de partida dessas conclu-sões político-sociais foi a revelação da estatística educacional sôbre aexata situação do ensino primário brasileiro, a qual, como demonstram

os números, já não clamava tanto por ‘novas escolas’, quanto por ‘esco-las melhores’” (Freitas, 1940b, p. 698).Nesse aspecto, destaca-se a necessidade de distinguir a suficiência

da escola de sua eficiência. Segundo o autor, para que se conhecesse asuficiência da rede escolar, seria preciso comparar a quantidade de crian-

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ças de 7 anos com o efetivo de matrículas na 1ª série, porque essa sérieé que indicaria a possibilidade que a escola brasileira apresentava deatender a todas as suas crianças. Se fosse possível matricular toda apopulação de 7 anos nessa série, então, considerando-se um movimentoescolar regularizado (que a escola brasileira não teria ainda alcançado),as séries seguintes teriam igual lotação e em três anos ter-se-ia cumpri-do com a obrigação de escolarização daquela geração: “A falha ou insu-ficiência da escola em relação ao seu objetivo nacional, reside, sim,estatisticamente falando, no fato de não oferecer a seu primeiro ano onúmero de lugares que assegure a escolarização regular de toda a massainfantil” (Freitas, 1940a, p. 500). Isso porque, uma vez atendida essademanda, considerava-se que automaticamente seria expandida a capa-cidade real da escola, visto que, conforme acreditava o autor, nenhumgovernante deixaria de atender – nem a população permitiria isso –, atéo final da escolarização básica, as crianças que já se encontrassem nainstituição de ensino.

Teixeira de Freitas aponta, ainda, como um equívoco pretender-seaferir a suficiência do aparelho escolar pela comparação entre a matrí-cula geral e a população em idade escolar, sobretudo pela dificuldadeem definir o último termo da comparação. Havia regiões em que o ter-mo designava a idade indicada pela legislação para a entrada na escola;em outras circunstâncias, quando se falava em idade escolar, estava-sereferindo à população que correspondia às idades admitidas para matrí-

cula em qualquer das séries do curso primário, de onde decorria a possi-bilidade de aí se incluírem indivíduos desde os 6, 7 ou 8 anos até os 12,14, ou mesmo 18 anos. O autor alertava para as distorções que a utiliza-ção de um critério tão variável podia acarretar:

Ora, se se tiver em vista que, além da heterogeneidade da situação brasileira

em tal assunto, o curriculum de ensino primário fundamental comum é variá-

vel de 1 a 5 anos, sentir-se-á logo o absurdo da comparação. Porque, numahipótese, não se tem a base completa para a relação a deduzir, e na outra

computam-se erradamente como crianças que precisam de novas escolas,

não somente as que já se matricularam e abandonaram a escola, tendo-a to-

davia à sua disposição, mas ainda – o que é mais grave – quer alguns grupos

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de crianças que no seu Estado, e pela idade em que se acham, já não mais

poderiam ser admitidas nas escolas, quer os próprios ex-alunos que já con-

cluíram normalmente os estudos, isto é, aquele curso que escolheram ou que

estava ao seu alcance, seja êste de um, dois, três, quatro ou cinco anos [idem,

p. 499, grifos do original].

Uma vez considerada a questão da suficiência da escola primáriabrasileira, coloca-se o problema da sua eficiência. A quantidade virtualde alunos para o ensino primário, ou seja, as crianças que, uma vez ma-triculadas na 1ª série, freqüentariam a cada ano uma série subseqüente,não correspondia ao corpo discente efetivamente sob influência da esco-la em virtude de desvios do movimento escolar. Havia aquelas que, ten-do a escola a seu alcance, nela se matriculavam, mas deixavam defreqüentá-la durante o ano letivo e havia ainda aquelas que, tendo fre-qüentado a escola durante todo o ano, dela se retiravam antes dos exa-mes finais ou depois de uma reprovação. Teixeira de Freitas distinguia,

nesse caso, a capacidade escolar não aproveitada daquela mal aproveita-da. A primeira corresponderia ao abandono escolar durante o ano letivo eà negligência observada na ausência de matrícula das crianças em idadede estudar, por tratar-se de indivíduos que tinham a escola acessível, masnão a freqüentavam; já a segunda referia-se a reprovações e abandono daescola ao final de um ano letivo, visto que representavam um contingen-te de alunos para o qual, em maior ou menor grau, o ensino foi ministra-

do. De acordo com o autor “em relação aos que repetiram o ano o seunão aproveitamento foi verificado, e quanto aos retirados da escola oaproveitamento não ficou comprovado e houve interrupção de um cursoque podia ser continuado e já motivou um onus à Nação, poder-se-á con-siderar o quantitativo de todo êsse grupo como expressão de um ensinomal aproveitado” (idem, p. 501). Por fim, há ainda que se considerar quea diferença, entre a população de 10 anos e as aprovações na 3ª série,

correspondia a uma deficiência do rendimento do sistema escolar. Inde-pendentemente dessa deficiência ser representação da insuficiência daescola, da evasão ou da repetência, era necessário buscar meios de saná-la “afim de que o Govêrno venha a cumprir integralmente o seu primor-dial dever em face das novas gerações” (idem, ibidem).

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Um aspecto que chama a atenção é a afirmação da duração adequa-da para a escolarização básica. Se, como atesta Teixeira de Freitas, arealidade diferia muito em cada região do país, ora os debates tendiampara a alegação das possibilidades reais como critério para estabelecer aescolaridade que a população estaria obrigada a ter, ora predominavamas afirmações do ideal de tempo para a aprendizagem e o domínio daescrita6. Teixeira de Freitas assume, em seus estudos, como período mí-nimo desejável de escolarização obrigatória, três anos e então constróios cálculos de suficiência da escola, procurando identificar se o Brasilestaria apto a oferecer um ensino primário com essa duração a todas ascrianças. Embora considerasse conveniente a organização de uma esco-la elementar de duração mais longa no país, afirmava que “constituiriaabsurdo tomar como padrão um ensino mais extenso, pois seria utopiaquerermos passar, de súbito, da impotência em relação a um ensino ge-neralizado de 3 anos, para a prática geral de um outro, também genera-lizado, de 4 ou 5, e ainda menos de 6 ou 7” (Freitas, 1941, p. 567)7.

Entre as crianças de 7 anos que não se encontravam matriculadasna escola, havia uma parte considerada imediatamente suprível, porquecorrespondia àquela população residente em regiões onde existiam es-colas. Nesse caso, seria necessário proceder-se a uma campanha queatraísse essa parcela da população infantil, que deixava de freqüentar aescola por fatores externos, e, ao mesmo tempo, adaptarem-se, para essefim, as unidades escolares já existentes. Teixeira de Freitas acreditava

que as escolas

 já se acham em condições de atender ao discipulado correspondente à sua

capacidade. Não lhes faltam alunos porque lhes falte o aparelhamento. Con-

sigam elas atrair o discipulado virtual do respectivo perímetro de influência

6. Vale citar como exemplo a proposta da escola primária de dois anos, feita porSampaio Dória em São Paulo, que deu origem a acirradas discussões entre educa-dores de todo o país em torno da questão (Carvalho, 2003).

7. Note-se que, tão afastado estava o país em relação ao plano de oferecer escolaprimária a toda a sua população, o autor, mesmo em termos ideais, não mencionamais do que sete anos de duração da escolarização elementar.

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e não lhes faltarão por certo os prédios suficientes, os professores que bas-

tem e o equipamento necessário. É, como já vimos, uma simples questão de

ajustamento, a que proverão os departamentos estaduais de ensino, com os

recursos normais ou extraordinários ao seu alcance [Freitas, 1940a, p. 502].

No entanto, Teixeira de Freitas admitia que havia também uma par-te insuprível de crianças não escolarizadas pela escola de tipo comum.Entre estas, uma parte poderia ser atendida pela construção de novasescolas em regiões onde a quantidade de crianças justificasse o em-preendimento. Segundo ele, tal esforço vinha efetivamente sendo feito,mas “precisa intensificar-se e para isso é-lhe indispensável uma baseestatística” (idem, p. 503). No que se refere à parcela da população,cujas habitações se encontravam dispersas pelo território nacional, aquestão apresentava-se mais complexa. Por um lado, havia a preocupa-ção de manter essas populações rurais fixas em suas regiões de origem,por outro existia a responsabilidade do Estado com relação à educação

de todos. O autor afirmava sua posição nesse sentido, ressaltando que

a educação primária é um benefício que a Nação deve a todos os seus filhos.

Se estes não podem vir recebê-lo onde o Estado o pode ministrar nas escolas

de tipo comum, e se a escola também não pode ir até o pequeno círculo dos

seus lares dispersos, será preciso encontrar uma solução pela qual o Estado

leve às regiões em que essas populações se achem – e que não devem despo-

voar – educandários de tipo especial [idem, ibidem].

A proposta do autor é a criação de colônias-escolas, que emboraorganizadas artificialmente manteriam as características da região deorigem dos indivíduos, em que as crianças sozinhas, ou junto com suasfamílias, receberiam “assistência educacional”.

Uma vez afirmado que o problema crucial do ensino brasileiro não

era a falta de prédios escolares, Teixeira de Freitas propõe-se a estudar opercurso educacional de uma geração de alunos a fim de identificar suasdistorções. O autor pretendia verificar o que tinha acontecido, no perío-do de seis anos, com um grupo de dez mil indivíduos do efetivo teóricodas crianças que, em 1932, deveriam matricular-se na 1ª série do ensino

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interpretação das estatísticas... 135

primário8. A partir desse estudo, Teixeira de Freitas atesta o baixo rendi-mento da escola brasileira conforme havia postulado:

Essa escola abrigou, em 1932, nada menos de 63,71% do efetivo teórico do

seu discipulado na 1ª série. Dois terços quasi, veja-se bem, computados aquí –

não todos os que ela poderia ter acolhido por se acharem na área escolarizada –

mas apenas os que a procuraram espontaneamente. Entretanto, pela sua inca-

pacidade social e pedagógica, deixou a escola brasileira sem aquele mínimo de

educação aquém do qual sua obra não tem sentido, nada menos de 88,22% da

geração escolar a que em 1932 abrira as suas portas. Ou, em outros têrmos.

Podendo estar educando, desde 1932, nunca menos de 63,71% das crianças a

escolarizar a cada ano, apenas conseguia dar (e pouco mais estará fazendo

atualmente) a precaríssima educação de três anos que a opinião pública bem

conhece, a 1.158 infantes do grupo representativo sob exame, o que correspon-

de a um resultado global de 11,58% da geração escolar considerada, ou 18,18%

do efetivo realmente escolarizado naquele ano [Freitas, 1940b, p. 711].

Mesmo que se assumisse como alfabetizados já aqueles alunos quetivessem sido aprovados pelo menos na 1ª série (que, segundo o autor,corresponderia a 28,33% da geração de 1932), ainda assim suas conclu-sões eram bastante negativas. Teixeira de Freitas indica que, a dependerda escola primária, a taxa de alfabetização da população, em vez dedecair, estaria ampliando-se. Isso porque qualquer que seja o índice as-

sumido (e o mais favorável, por ele apontado, é de 28,33%) referente àalfabetização das novas gerações, este apresenta-se inferior a 35,06%,que corresponde ao total de alfabetizados na população brasileira se-gundo o censo de 1920. Segundo Teixeira de Freitas, portanto,

se não fôra a alfabetização do ensino supletivo, combinada com a instrução

que o lar – realizando, aliás, notável obra educativa – ainda proporciona em

8. Vale ressaltar que o autor oscila, em seus artigos, entre considerar como base decálculo – para as explicações que tece e nos valores percentuais que apresenta – ageração de crianças que tinham 7 anos em 1932 ou o total de crianças matriculadasna 1ª série (de idades diversas) naquele ano. Tal oscilação resulta em significativaconfusão que, inclusive, foi criticada por Lourenço Filho, como se verá adiante.

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larga escala às crianças brasileiras; – se, por conseguinte, tivesse o Brasil o

preparo de suas novas gerações confiado exclusivamente à escola de ensino

fundamental comum que os seus governos lhe conseguiram dar, – encontrar-

se-ia êle neste momento em regressão cultural, mantendo-se francamente

ascencional a sua curva de analfabetos – tanto a absoluta quanto a relativa. Tal

está acontecendo – ainda que pareça um paradoxo – não “por falta de escolas”

mas “por falta de ensino”, pois as nossas escolas deixam-se esvaziar de alunos,

esvaziando-se, por conseguinte, do seu verdadeiro sentido social [idem, p. 718].

O que Teixeira de Freitas aponta é a importância, a despeito dodiscurso republicano que há pelo menos quatro décadas alardeava a prio-ridade da escolarização da população, de uma educação tutelada poroutras instituições. Percebe-se, para todo o país, de algum modo, a si-tuação indicada por Faria Filho, em estudo sobre a instrução em MinasGerais no século XIX, quando a aprendizagem raramente era garantidapelas escolas oficiais. De acordo com esse autor, não se pode “conside-

rar que apenas aqueles, ou aquelas, que freqüentavam uma escola forado ambiente doméstico tinham acesso às primeiras letras. Pelo contrá-rio, temos indícios de que a rede de escolarização doméstica, ou seja, deensino e aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, mas sobretudodaquela primeira, atendia a um número de pessoas bem superior ao darede pública estatal” (Faria Filho, 2000, pp. 144-145, grifos do origi-nal). Embora as escolas se tenham multiplicado durante a República,

nos anos de 1930, não parecem ter sido as únicas responsáveis pelaalfabetização da população. Candeias, em análise realizada acerca daquestão em Portugal, aponta para a distinção – cuja pertinência pareceaplicar-se também ao Brasil – entre alfabetização e escolarização. Esseautor identifica, para o caso português, uma alfabetização na virada doséculo XIX ao XX pela qual a escola, pouco difundida ainda, não pode-ria responder completamente e afirma que é possível considerar que “a

forma como uma parte substancial dos portugueses acedem às letras atéperto de meados deste século [XX], passa por caminhos não inteira-mente consonantes com o modelo escolar dominante na Europa e noOcidente a partir dos finais do século XIX, ou seja, a ‘escola de massas’do Estado, laica, gratuita e obrigatória” (Candeias, 1999, p. 17).

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Autoridade dos debatedores: as disputas no campo

Em um período em que o governo se pautava na idéia, bastantecompartilhada, acerca da necessidade de novas escolas no Brasil paraorientar uma política de expansão da rede escolar e do número de matrí-culas, as conclusões apresentadas por Teixeira de Freitas não se confi-guravam como as mais favoráveis. Desse modo, abria-se espaço parauma nova interpretação dos mesmos dados, mais adequada à políticaque vinha sendo desenvolvida pelo governo federal. É nesse sentidoque Lourenço Filho procede ao comentário da tese apresentada e, aindaque ressaltando a inequívoca autoridade de Teixeira de Freitas no que serefere ao aspecto técnico do tratamento dos dados quantitativos, lançaum novo olhar aos números chegando a conclusões diferentes das pri-meiras e mais conformes aos encaminhamentos administrativos pensa-dos para a educação do país.

Para que se possa analisar esses movimentos discursivos que apon-

tam para interpretações diferentes dos mesmos números, valeria reafir-mar a existência, nesse caso, de disputas que remetem à consideraçãodo funcionamento dos campos. De acordo com Bourdieu, “para que umcampo funcione, é preciso que haja objetos de disputas e pessoas pron-tas para disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no conheci-mento e no reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos dedisputas etc.” (Bourdieu, 1980, p. 89). Tal confronto de interpretações

só é possível – sobretudo com o destaque dado – porque ambos osdebatedores ocupam posições centrais no campo em questão. Assim,quando Lourenço Filho contesta as conclusões de Teixeira de Freitas,não o faz sem antes destacar o reconhecimento da autoridade do mesmono que se refere à produção e análise dos dados estatísticos: “Ninguémestudou tão seriamente, tão profundamente e tão exhaustivamente êsteassunto, quanto o nosso querido mestre dr. Teixeira de Freitas, em seu

livro O que dizem os números sôbre o ensino primário” (Lourenço Fi-lho, 1941, p. 549).Também Teixeira de Freitas, quando contesta as observações feitas

por Lourenço Filho, expressa o reconhecimento da autoridade do crítico:

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Se conseguirmos mostrar, porém, como esperamos, que as dúvidas suscitadas

se podem dissipar, deixando de pé as afirmações ou conclusões a que os nossos

números chegaram, isto não esmaecerá de nenhuma forma a profunda signifi-

cação do estudo do professor Lourenço Filho, onde foram muito acertadamen-

te indicadas as passagens em que a nossa exposição não apresentava suficiente

clareza, ou os fatos aludidos e ainda o próprio raciocínio pareciam revelar-lhe

falhas, equívocos ou incoerências [Freitas, 1941, pp. 555-556].

Vale considerar que, naquele momento, não se tinha no país umaestrutura escolar que respondesse pela formação daqueles que produzi-am e analisavam as estatísticas9. A especialização nessa área dava-sequase sempre no ambiente de trabalho e são, freqüentemente, os funcio-nários dos órgãos públicos, muitos alocados em postos de comando,que, enquanto realizam suas atividades executivas, produzem tambémsaberes acerca das questões relacionadas à sua atuação político-profis-sional. A definição de alguns dos espaços de atividade intelectual esteve

relacionada antes às prerrogativas do Estado, assim como a vinculaçãodos próprios intelectuais a áreas de saber muitas vezes deveu-se, menosa inclinações de gosto, e, decisivamente, à sua alocação inicial nos qua-dros burocráticos. A formação acadêmica não tinha ainda diferencia-ções tais que distribuísse profissionais para áreas específicas e o ingres-so na alta burocracia dava-se, quase sempre por indicação política, ondehouvesse algum posto vago independentemente da área.

No que se refere à estatística, assim como no campo educacional,houve um processo de especialização que precedeu ao de outros domí-nios profissionais, em virtude da especificidade dos saberes requeridospara atuação nesses espaços (Miceli, 1979). Algumas das figuras dedestaque na burocracia educacional tinham freqüentado o curso Normalou a Faculdade de Filosofia, que então respondiam pela formação do-cente. Esse é o caso de Lourenço Filho, que tinha cursado a Escola Nor-

9. Apenas em 1953, foi criado o primeiro curso superior de formação de estatísticos,sob responsabilidade do IBGE, na Escola Brasileira de Estatística – que, em 1954,passa a chamar-se Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE, 1953, p. 87).

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interpretação das estatísticas... 139

mal Primária de Pirassununga, onde se titulou professor em 1914, emais tarde complementado seus estudos na Escola Normal da Praça daRepública em 1917. No início de sua carreira, em São Paulo, trabalhouem alguns órgãos de imprensa, entre eles em O Estado de São Paulo ena Revista do Brasil, neste último sob direção de Monteiro Lobato. Em1925, formou-se bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo. Lou-renço Filho, cujos pais eram imigrantes, não contava com o capital deprestígio próprio das famílias tradicionais brasileiras que, mesmo emdecadência, tinham favores políticos a reaver e assim asseguravam aseus filhos postos importantes na burocracia pública. Diferentementede muitas das figuras de destaque nos quadros administrativos em seutempo, Lourenço Filho valeu-se de sua especialização na área educa-cional – incomum àquela época –, proveniente em parte de sua forma-ção escolar, para conquistar posições de relevo entre a elite profissionalque decidia os rumos da educação brasileira. Começou sua carreira comoprofessor de grupo escolar no interior, mas não tardou a ocupar, já na

capital, a cadeira de psicologia na Escola Normal. Em 1922, foi convi-dado para dirigir a Instrução Pública no Ceará, onde conduziu a reformado ensino primário. Foi, em seguida, diretor da Instrução Pública emSão Paulo, chefe de gabinete de Francisco Campos no Ministério deEducação e Saúde, diretor e professor do Instituto de Educação do Riode Janeiro, a convite de Anísio Teixeira, e, posteriormente, da Faculda-de Nacional de Filosofia e da Universidade do Brasil. Esteve à frente da

Diretoria Nacional de Educação quando, então, coordenou a criação eorganização do INEP, sendo seu primeiro diretor. No que se refere à pro-dução e análise das estatísticas de educação, área na qual atuou ativa-mente e sobre a qual tinha muitos conhecimentos, é possível supor quetenham sido as atividades de administração pública por ele desempe-nhadas que impulsionaram a busca de saberes técnicos específicos aesse respeito.

De fato, o mais comum era que os indivíduos aprendessem a desen-volver as atividades sob sua responsabilidade no âmbito da atuação prá-tica. Miceli identifica “a abertura de cargos especializados – técnicos deeducação, de organização, assistentes e ajudantes técnicos etc. – quesão preenchidos pelos detentores de uma competência estrita em cam-

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pos do conhecimento que a essa altura não dispunham de um mercadode trabalho próprio” (idem, p. 157). Esse foi o caso do percurso profis-sional de Teixeira de Freitas, assim como de vários “economistas, esta-tísticos, geólogos, cientistas sociais, educadores que, muitas vezes, in-gressam nos escalões inferiores do setor público mas que de algum modofazem valer sua presença e ascendem na hierarquia graças à raridade desuas qualificações” (idem, ibidem). Teixeira de Freitas ocupou cargosde grande importância na burocracia oficial e desenvolveu trabalhosestatísticos considerados relevantes em seu tempo. Conduziu a Direto-ria de Informação, Estatística e Divulgação do Ministério da Educaçãoe Saúde. Participou ativamente também da criação do IBGE, do qual foio primeiro secretário-geral, tendo permanecido no cargo até 1948. Emartigo em sua homenagem publicado na Revista Brasileira de Estatísti-ca, por ocasião de seu falecimento em 1956, afirma-se que “coube-lheconceber, planejar e consolidar a atual organização estatística brasileira,imprimindo-lhe não sòmente as marcas de seu espírito como a capaci-

dade de realização que impôs ao respeito da opinião pública nacional efirmou-a no conceito das entidades internacionais” (IBGE, 1956, p. 50).Em que pese o caráter marcadamente laudatório próprio de artigos des-sa natureza, é certo que Teixeira de Freitas teve participação políticarelevante na estruturação das estatísticas brasileiras. Sua carreira desen-volveu-se toda no âmbito estatal, onde teve lugar sua formação estatís-tica. Formado bacharel em direito, em 1908, pela Faculdade de Ciên-

cias Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, ingressou na Diretoria Geralde Estatística do Ministério da Viação como funcionário concursado.Nesse órgão, começou a desenvolver trabalhos e estudos acerca dosdados numéricos e, em 1920, reconhecido por seu desempenho nessaárea, foi convidado por Bulhões Carvalho para ser delegado geral dorecenseamento em Minas Gerais. Concluídos os trabalhos censitários, opróprio governo mineiro convidou-o a elaborar e conduzir a atividade

de estruturação da estatística estadual. Em 1930, após a mudança políti-ca pela qual passou o Brasil, foi então convidado pelo Governo Vargasa participar da organização do Ministério da Educação e do IBGE.

Assim, tanto Lourenço Filho quanto Teixeira de Freitas já tinham,àquela altura, afirmado sua competência no que se refere à produção e

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análise das estatísticas. Daí decorrem os reiterados elogios e o cuidadocom que as críticas mútuas são expressas. No entanto, Teixeira de Freitas,por ter sido quem apresentou a tese, depois debatida por Lourenço Fi-lho, estava claramente em posição de defesa. Cabia a ele sustentar suasafirmações e é isso que faz longamente no artigo em que expressa osesclarecimentos em vista dos comentários de Lourenço Filho. Cabe, defato, destacar o tamanho de tal artigo, extremamente extenso (são 90páginas, sendo que a primeira tese tinha 30 páginas, sua versãoreformulada, 25, e comentários de Lourenço Filho, 13), que traz muitomais informação em cada item do que os estudos que deram início àdiscussão. Outro aspecto de interesse é que Teixeira de Freitas iniciasua resposta a Lourenço Filho citando um relatório de 1886, apresenta-do pela Seção Estatística da Secretaria de Estado dos Negócios do Im-pério, no qual se afirmava que o número de escolas era então suficiente,sendo necessário empregarem-se esforços para que estas fossem me-lhor aproveitadas. Recorre, assim, o autor, a conclusões – que são seme-

lhantes às suas – apontadas por um antigo “comentador dos números”,querendo sugerir que, por sua antigüidade, seriam estas mais argutas.Outra estratégia discursiva, que pretende reforçar a legitimidade das con-clusões às quais seu estudo conduz, está na opção de “imprimir formaexpositiva muito singela à nossa argumentação, evitando as demonstra-ções algébricas, de maneira que as nossas razões possam ser apreendi-das, em seus diferentes aspectos, mesmo pelos que não possuírem espe-

cialização estatística ou matemática, desde que atentos e possuidores dealguma cultura geral” (Freitas, 1941, p.556). Em outra passagem, o au-tor afirma ainda:

A exposição que acabamos de fazer foi talvez excessivamente minuciosa,

para justificar os padrões que adotamos para a normalidade desejável da es-

cola brasileira. Mas não a destinamos apenas ao professor Lourenço Filho,

que é um mestre no assunto e conhece tudo isto muito melhor do que nós.Temos em vista a conveniente vulgarização dos fundamentos do nosso traba-

lho, afim de que os esclarecimentos que estamos prestando possam ser bem

apreendidos até pelos espíritos menos afeitos às investigações como esta que

tentamos [idem, p. 570].

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Ora, afirmar que as explicações seriam apresentadas de maneirasimples tinha vantagens evidentes. Primeiramente, é preciso considerarque eram poucos aqueles cuja especialização permitia compreender de-monstrações estatísticas complexas e, para que sua argumentação pu-desse contar com a necessária adesão dos agentes dominantes no campoburocrático – mas também, em alguma medida, no campo do poder – ,era necessário tornar a explicação acessível aos não-especialistas. Teixeirade Freitas pretendia responder à argüição de um profissional reconheci-damente competente para o debate, mas era fundamental que outras pes-soas de relevo no campo burocrático ficassem convencidas da pertinên-cia de sua tomada de posição, sob pena de perder a prerrogativa deautoridade no assunto e de ver enfraquecida sua própria posição no cam-po. Além disso, afirmando a intenção de tornar a explicação acessível aquem não fosse especialista na questão, era possível elaborar seu dis-curso a partir de raciocínios bem óbvios àqueles que trabalhavam comestatísticas – mas fundamentais para a compreensão das idéias defendi-

das –, sem correr o risco de ofender o debatedor, ou seja, sem que ficas-se a impressão de que ele estava pondo em dúvida sua capacidade deentender aspectos básicos do assunto.

O debate em torno dos números

Para Teixeira de Freitas, as diferentes interpretações das estatísticasde educação – a dele e a de Lourenço Filho10 – seriam decorrentes doângulo diverso utilizado por cada um dos debatedores para apreciaçãodos números: “Íamos dizer: o professor Lourenço Filho não tem razãoneste ponto. Todavia, o professor Lourenço Filho tem sempre algumarazão. Bem pensadas as cousas, êle tem até toda a razão... sob o ponto

10. Excede os objetivos propostos neste artigo a análise aprofundada das idéias deLourenço Filho sobre educação. A proposta aqui é de apenas acompanhar os argu-mentos mobilizados por esse eminente educador, cuja obra e pensamento são bas-tante conhecidos na área educacional, na contestação da interpretação dada aosnúmeros por Teixeira de Freitas.

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de vista em que se colocou, mas que não é o da nossa comunicação. Oque faz com que, sem embargo, os nossos números continuem tendo,êles também, toda a razão” (Freitas, 1941, pp. 581-582).

O que aparece no trecho indicado é, portanto, a possibilidade deque diferentes pontos de vista resultem no estabelecimento de compre-ensões distintas acerca dos mesmos números. Pensar as condições deprodução dos discursos sobre as estatísticas de educação remete à análi-se das lutas travadas em torno da interpretação legítima do mundo so-cial. A esse respeito, Roger Chartier ressalta, por meio do conceito derepresentação, que os discursos instauram a realidade e, desse modo,pode-se considerar que o “real”, que as estatísticas pretendem explici-tar, encontra-se menos nos dados numéricos, aos quais freqüentementese atribui objetividade inequívoca, mas principalmente nos discursosconcorrentes construídos em torno das cifras. Para esse autor, “as lutasde representações têm tanta importância como as lutas econômicas paracompreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta im-

por, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e oseu domínio” (Chartier, 1991, p. 17). O que está em questão aqui é,portanto, o fato de que os números se prestam a compreensões diversasem virtude daquilo que se queira destacar.

Retomando o que já se disse, o estudo de Teixeira de Freitas haviaindicado um rendimento baixíssimo da escola brasileira, visto queconcluíam, segundo ele, os três primeiros anos da escola elementar, ape-

nas 18,18% das crianças escolarizadas naquele ano. O autor destaca,então, os fenômenos perversos que responderiam por essa situação: arepetência, sobretudo da 1ª série, e a evasão. O autor afirma, então, combase nesses dados, que a escola brasileira vinha sofrendo de uma “ina-creditável incapacidade social e pedagógica”, uma vez que não conse-guia manter e bem ensinar as crianças que a ela se dirigiam.

Umas das significativas divergências entre os referidos autores, de

fato, dizia respeito aos índices de repetência. Cabe ressaltar que esseproblema ainda não aparecia indicado com a gravidade com que se pas-sou a mencioná-lo na segunda metade do século XX. Há certa “natura-lização” dessa ocorrência, assim como também da evasão. Desse modo,se Teixeira de Freitas aponta a evidência de uma acentuada melhoria de

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rendimento da 2ª série em relação à 1ª e também da 3ª comparada à 2ª,embora esta última diferença seja mais fraca, não deixa de ressaltar que“essa melhoria, no entanto – cumpre assinalar –, não deve ser interpre-tada como elevação rápida do nível mental do discipulado, nem comoeficiência maior do ensino nas séries superiores. É óbvio que ela decor-re da progressiva seletividade com que se constituem as séries ulterioresà primeira, em virtude do próprio êxodo verificado, que vai natural-mente eliminando do corpo discente os menos aptos ou menos aplica-dos” (Freitas, 1940a, p. 504, grifo meu). Decorre dessa afirmação, aincoerência, apontada por Lourenço Filho, em utilizar-se, no estudo es-tatístico apresentado, um índice de evasão igual para cada uma das dife-rentes séries da escola primária, bem como a opção em desconsiderar aocorrência de repetição da mesma série por mais de uma vez. LourençoFilho critica, por não ser o que se observava de fato, o “critério adotado,que foi o de computar a repetência por uma só vez no 1º ano, por duasno 2º, e por três no 3º” (Lourenço Filho, 1941, p. 543). De acordo com

esse autor, o que se percebe é que “as mais elevadas taxas de repetênciasimples, ou de sua incidência múltipla, apresentam-se justamente nasprimeiras séries ou graus do curso. E estas, como é óbvio, conteem osmaiores efetivos” (idem, ibidem) e completa afirmando que “como sepode ver em publicações oficiais, a repetência por três, quatro e até cin-co vêzes, no 1º ano escolar, existe mesmo nos sistemas escolares dascidades, como o Distrito Federal” (idem, ibidem).

Na resposta que dá a essa crítica, Teixeira de Freitas afirma, embo-ra muito polidamente, que Lourenço Filho teria observado mal a tabelaapresentada no estudo:

Mas releia o nosso caro professor Lourenço Filho, a tabela em causa, repa-

rando no sentido das abreviaturas. E então verá que não se encontra na tabela

o que supôs, senão exatamente “a abstração do caso particular da repetência

múltipla da mesma série”. Vejamos, por exemplo, o movimento da 3ª sérieem 1936. As três parcelas que lá se encontram aludem, certo, a repetentes;

mas não são repetentes da série (a 3ª) mais de uma vez, e sim novos  ou

repetentes da 3ª série pela primeira vez, mas que foram anteriormente repe-

tentes – de uma, de outra ou de ambas as séries precedentes (a 1ª e a 2ª),

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nunca, entretanto, mais de uma vez em cada uma delas – talqualmente o

pressuposto estabelecido [Freitas, 1941, p. 572, grifos do original].

Esclarecido que o que parecia se referir a repetições múltiplas damesma série não o era, caberia ainda questionar por que o autordesconsiderou esse fenômeno em sua análise. Segundo ele, como nãohá estudos nem dados que correspondam a todo o país no que se refereà ocorrência de repetências múltiplas, optou-se por utilizar um recursotécnico, qual seja, fazer uma substituição, com erro desprezível, consi-derando-se todos os repetentes como simples. Teixeira de Freitas argu-menta que “estatisticamente, nos é lícito considerar tais efetivos senãoequivalentes do modo rigoroso, ao menos tão minimamente discrepan-tes que se possam na prática considerar iguais” (idem, p. 578). Paraproceder desse modo, o autor alega que, para o objetivo do estudo, queera saber o momento em que, cada geração teria se desligado da escola,esse artifício seria satisfatório. No intuito de reforçar a credibilidade de

sua explicação, o autor ressalta a relatividade das medidas:

As medidas astronômicas desprezam frações de milhar de quilômetros cúbi-

cos ou de anos-luz. Medindo uma peça de tecido, não se levam em conta

frações de centímetro. Mas em trabalhos de relojoaria, um décimo de milí-

metro tem significação. Em conseqüência, há-de considerar-se sempre a jus-

ta relatividade das cousas. E dentro dessa relatividade, o método que adota-

mos não oferece senão um êrro despiciendo [idem, p. 580].

O que se depreende dessa explicação é que Teixeira de Freitas con-siderava que a repetência múltipla não tinha tanta significação que fos-se preciso considerá-la. Vale lembrar que as conclusões, que esse autortira de seu estudo estatístico, apontam primordialmente para o problemada evasão. Logo, o que ele quer ressaltar é que as crianças saem da

escola antes de completar a escolaridade, por ele considerada, o mínimoadmissível para aquele período. Nesse sentido, é razoável que ele dêpouca importância à multirrepetência, visto que, seguindo o seu raciocí-nio, é de convir que, em vez de se manterem na escola refazendo amesma série várias vezes, a maior parte das crianças, consideradas re-

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provadas pela escola, com maior ou menor resistência, dela acabavaretirando-se sem concluir o curso.

Outra das objeções, feita por Lourenço Filho à análise apresentadapor Teixeira de Freitas, refere-se ao fato de que, na sua opinião, seriapreciso considerar que os dados, que aparecem indicados como repro-vações no 1º ano, nem sempre têm a significação pedagógica de umareprovação de fato. Isso porque, segundo ele, “na verdade, não temosem nossas escolas uma primeira série a realizar-se, normalmente, emum ano de estudos” (Lourenço Filho, 1941, p. 544). Disso decorre que,em algumas regiões, tenha-se um primeiro ano “atrasado” e outro “adi-antado”. Assim, o autor questiona a propriedade das análises, pois se“para os efeitos da estatística, num ou noutro caso, os alunos que pas-sam por essa subseriação, não atingindo logo o 2.º ano, figuram comoreprovados”, deve-se considerar que “para os alunos, para os pais, epara o efeito da apreciação do trabalho dos próprios professores, muitasvêzes, a passagem dos alunos de um 1º ano A, para um 1º ano B, ou do

atrasado para o adiantado; significa promoção” (idem, ibidem).A essa crítica, Teixeira de Freitas rebate afirmando não se tratarefetivamente de uma falha de seu estudo: “Como nos seria agradávelreconhecer êrro nosso nesse ponto, elevando assim sensivelmente a ex-pressão numérica do rendimento da escola primária brasileira! Infeliz-mente não o podemos. Bem a nosso mal grado, não nos é possível negarrazão aos números que alinhamos” (Freitas, 1941, pp. 581-582). Teixeira

de Freitas ressalta que, do ponto de vista pedagógico, assumido por Lou-renço Filho, faz todo sentido considerar que há casos em que a não-aprovação não chega a ser reprovação, como na situação já indicada das“aprovações” de uma classe atrasada para outra adiantada. Porém, comoos números serviram ao estudo do rendimento da escola brasileira e,portanto, também de suas deficiências no que se refere ao padrão míni-mo admissível de três anos de escolaridade básica, era desejável que

dessem a ver “os afastamentos entre o rendimento efetivo da escola e arealização integral daquele curso por toda a geração escolar considera-da” (idem, p. 582). Assim, quem não foi aprovado no 1º ano não cum-priu, no tempo padrão, aquela etapa escolar e, se envida novos esforços

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para completar aquele nível do currículo, é um “repetente”11. Isso por-que “aluno da classe A, B ou C, da classe adiantada ou atrasada, êlerepete os esforços de um ano letivo, de aprendizagem escolar, procuran-do galgar o terço médio do curso. Não há como contá-lo no ativo daspromoções à 2ª série” (idem, ibidem). Teixeira de Freitas argumenta,ainda, que – e isso corresponde a uma dura crítica à organização doensino – se está estabelecido que um ano é o tempo adequado para quese cumpra cada etapa do currículo, então só se podem considerar asrepetências como exceções e, então, pergunta: “Será, todavia, que, diantedas considerações do professor Lourenço Filho, se deva concluir queestá mal organizado o ensino? Será que a atual matéria de um curso de 3anos é de fato para um curso mais extenso, com a 1ª série, por exemplo,desdobrada em duas ou três?” (idem, ibidem).

Uma outra crítica, formulada por Lourenço Filho ao estudo realiza-do por Teixeira de Freitas, refere-se ao critério adotado paracontabilizarem-se as conclusões de curso. No estudo em questão, foram

consideradas evadidas crianças que freqüentaram escolas de programasde um ou dois anos apenas. Lourenço Filho destaca que “de todas asescolas que possuíamos, em 1932, com efeito, 4% davam ensino de umano, apenas; 18%, davam-no de dois. Mais de um quinto das unidadesescolares, portanto, trabalhavam fora do plano que se tomou por assen-tado, isto é, o de 3 anos” (Lourenço Filho, 1941, p. 545). O debatedorargumenta, então, que “as crianças que nelas tenham concluído o curso

não podem ser consideradas como evadidas. Deixaram de freqüentar aescola como um imperativo da organização escolar. E o número de con-clusões de curso dêsse tipo, consignados pelo registro estatístico, não éde desprezar-se” (idem, ibidem).

Quanto a essa crítica, Teixeira de Freitas afirma que, embora for-malmente se deva considerar conclusão de curso a aprovação no 1º ou2º anos de escolas que só oferecem essas séries, estatisticamente é pre-

ciso fazer uma distinção. Assim, se for levado em conta o “curso consi-

11. Teixeira de Freitas destaca, porém, que seu estudo não contabilizava os “reprova-dos”, antes estabelecia distinção entre os “aprovados” e os “não-aprovados”.

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derado típico no país, e de duração mínima para a obra educacional deque êle carece, não poderíamos considerar as chamadas conclusões de 1ou 2 anos” (Freitas, 1941, p. 584). Para Teixeira de Freitas, se é verdadeque não seria totalmente apropriado chamar de “evadidos” aqueles alu-nos de regiões em que a escola só oferece 1 ou 2 anos, poder-se-ia inver-samente considerar a escola “evadida” de sua função. O autor argumen-ta que, para os objetivos do estudo, é indiferente o fato de que os alunosnão prossigam os estudos porque não tenham onde estudar: “Os núme-ros procuram demonstrar a minimidade do rendimento do aparelho bra-sileiro do ensino primário, a sua quase nulificação no cotejo entre o quefaz êsse aparelho e o que deveria fazer” (idem, p. 585).

Já no que se refere ao aspecto metodológico, Lourenço Filho criticaa correspondência que se faz entre a geração de 7 anos em 1932 e oconjunto de crianças (na verdade com idades variadas) que, naqueleano, foram matriculadas na 1ª série da escola primária. O problema estáno fato de Teixeira de Freitas, em seu estudo estatístico, ora tecer afir-

mações acerca da capacidade que a escola brasileira vinha mostrandoem manter e bem educar os alunos que a ela se apresentaram em 1932,o que expressaria sua eficiência, ora estender tais conclusões a toda ageração que tinha 7 anos em 1932 (que não foi de fato estudada), indi-cando, pela diferença entre os dados de movimento escolar e a quanti-dade de crianças daquela geração, a ineficiência (e não a insuficiência)do ensino para essas crianças. Lourenço Filho alerta que “há, no caso,

dois fenômenos bem distintos, e que deverão ser também distintamenteexpostos: um problema de eficiência, pedagógica e social da escola,representada pela maior ou menor capacidade de reter os alunos, ou dese opor à evasão; outro, o da suficiência da rede escolar, ou do númerode postos do ensino” (idem, p. 542, grifos do original). O autor, então,afirma que o trabalho de Teixeira de Freitas responde pelo primeiro tipode análise indicado, mas estende, de maneira inadequada, as conclusões

ao segundo ponto. Teixeira de Freitas, por sua vez, reconhece que suasconclusões sobre o movimento escolar só poderiam ser estendidas àgeração de 7 anos se se admitisse a premissa de que toda essa geraçãotivesse sido matriculada na 1ª série naquele ano. Afirma, porém, queesse foi um equívoco de compreensão das afirmações que fez, visto que

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“o curriculum vitae que a comunicação expôs não é o das crianças de 7anos em 1932, mas o da geração escolar ou turma daquele ano, naheteróclita composição com que ela de fato se apresentou” (Freitas, 1941,p. 563, grifos do original). Assim, reafirma que as conclusões tiradas doestudo não têm nada a ver com grupos de idade e esclarece que conside-rar as matrículas novas na 1ª série como correspondente a toda a gera-ção de 7 anos é expressão de uma situação desejável e não uma descri-ção do real. De qualquer forma, Teixeira de Freitas considera que

os números absolutos que a comunicação alinha são resultado do movimen-

to escolar e não sofrem nenhuma alteração se o leitor quiser compará-los,

não com o efetivo dos infantes que deviam ser escolarizados como novos na

1ª série de 1932, isto é, 1.292.033, e sim com as 823.159 crianças efetiva-

mente escolarizadas como tal no mesmo ano. Destarte, mudado o têrmo de

referência, só os números relativos se alterariam [idem, p. 571, grifos do

original].

Ao analisar algumas interpretações sobre dados estatísticos educa-cionais produzidos na década de 1930 e ao explicitar parte do debatesobre essas interpretações, o que se pretendeu foi contribuir para a com-preensão acerca da maneira como se organizaram e se articularam osdiscursos educacionais no Brasil. O movimento discursivo aqui exami-nado é exemplar do processo pelo qual se buscou, na primeira metade

do século XX, afirmar a legitimidade das estatísticas e assegurar seupapel de orientação das decisões tomadas na esfera política. Como seevidenciou, as divergências, no caso examinado, não decorrem de umamanipulação indevida dos dados (inclusive porque as cifras não são ofoco dos questionamentos). A disputa está antes na análise desses da-dos, na forma de discursos que, pela combinação que fazem dos núme-ros na argumentação que apresentam, pela exclusão de valores conside-

rados irrelevantes em um dado momento, pelo confronto cominformações qualitativas sobre a mesma questão, entre outros recursos,objetivam consolidar uma determinada maneira de entender a situação“descrita” pelas cifras – maneira esta que se afirma como a mais ade-quada através de uma luta de representação. O estudo aqui empreendido

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quis, portanto, colocar em destaque que a compreensão das informaçõesquantitativas não decorre objetiva e exclusivamente de estatísticas exatase corretamente produzidas, mas é, sobretudo, objeto de disputas que sepode acompanhar pelo estudo dos discursos sobre essas estatísticas.

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Endereço para correspondência:Natália Gil

Rua Frei Caneca 461, apto 52São Paulo-SP – CEP 01307-001E-mail: [email protected]

Recebido em: 14 mar. 2006

Aprovado em: 10 jun. 2006

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Memória e apropriaçõesda memória

perfis do educadorThales Castanho de Andrade

Fernando Luiz Alexandre*

Resumo:

O propósito deste trabalho é analisar o processo de construçãodos diferentes perfis do educador e escritor de literatura infanto-

 juvenil Thales Castanho de Andrade. O ponto de partida destapesquisa foi o exame de três volumes encadernados de recortes

de jornais da Biblioteca Municipal de Piracicaba “Ricardo Ferrazde Arruda Pinto”, referidos como pastas – denominação conferidapela biblioteca pública – e relativos à memória do autor. Paraverificar os perfis de Thales Castanho de Andrade e de outraspersonalidades piracicabanas, foram analisados os discursos daimprensa local, recortados na seleção elaborada para a hemero-teca, que continham temas eleitos pelos articulistas como rele-vantes na formação das facetas que contribuíram para tornar oautor uma referência para a cidade.

Palavras-chave:

memória; literatura infanto-juvenil; imprensa; educação.

* Pedagogo, formado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo(FEUSP), e mestrando do Programa de Pós-Graduação da FEUSP na linha de pesquisa“História da Educação e Historiografia”.

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Memory and memory’s appropriation

educator Thales Castanhode Andrade’s profiles

Fernando Luiz Alexandre

Abstract:

The purpose of this work is to analyse the construction processof educator and infant-juvenile literature writer Thales Casta-nho de Andrade’s different profiles. The starting point of thisresearch was the examination of three bound tomes of newspaper

clippings, at “Biblioteca Pública Municipal de Piracicaba‘Ricardo Ferraz de Arruda Pinto’”, referred like folders,denomination conferred by the public library, relating to theauthor’s memory. To verify the Thales Castanho de Andrade’sand other city important people’s profiles, were analysedspeeches by local press journalists who had elected pertinentsubjects which contributed to the making of author’s memoryand to make him a reference to the city.

Keywords:memory; infant-juvenile literature; press; education.

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memória e apropriações... 155

1. Apresentação

O objetivo do presente texto é contribuir, na perspectiva da históriada educação, para um estudo da obra do escritor de literatura infanto- juvenil e educador Thales Castanho de Andrade, demonstrando, nos li-mites deste trabalho, a construção de determinados aspectos de sua me-mória que delineiam os seus perfis mais conhecidos e divulgados,partindo de informações coletadas e organizadas pela Biblioteca Muni-cipal de Piracicaba “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”. Os conteúdosprincipais da análise são remetidos aos discursos dos cidadãos piracica-banos divulgados pela imprensa e ao autor em questão.

O material, objeto das observações discutidas neste texto, formaum conjunto de três volumes da hemeroteca da referida biblioteca e serádenominado, de agora em diante, de Pastas de Recortes de Jornais1.

Esses recortes organizados sob a disposição de  pastas adquiremum novo estatuto. Não são mais tão-somente textos jornalísticos. Re-cortados dos seus antigos suportes, passam a constituir outra materiali-dade, um novo objeto cultural, o qual guarda marcas da sua produção edos seus usos enquanto material de imprensa (Biccas & Carvalho, 2000,p. 63). Não são, porém, um impresso. Os percursos de produção e distri-buição de impressos, apontados pelas autoras em seu texto, são inverti-dos na configuração de  pastas. Teriam ocorrido antes, ainda, quandoeram jornais. Mas agora, reunidos aleatoriamente sem ordenação temá-tica ou cronológica, por exemplo, aparecem como uma coletânea redu-zida a um único assunto, Thales de Andrade, e organizada pelos funcio-nários da instituição municipal.

Ao contexto de produção das pastas, soma-se outra forma de apro-priação dos conteúdos gerando novos produtos culturais pela via das pastas e não pelo caminho dos acervos dos jornais originais. Tem-se,então, outro objeto da cultura, que é algo como um impresso reconfigu-rado, sendo oferecido como uma nova fonte à pesquisa.

1. Inicialmente, os recortes eram acondicionados em pastas A-Z. Com o passar dotempo, foram reorganizados em volumes encadernados. Entretanto, a antiga deno-minação de pastas perseverou entre os funcionários da biblioteca e assim conti-nuam a serem identificados.

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As pastas assim compostas também apresentam especificidades noque diz respeito ao seu uso. Em virtude da sua localização, pública eacessível, a Biblioteca Municipal, pode-se dizer que elas ocupam umlugar privilegiado no que se refere à criação de uma estratégia, a saber,a de deixar ler, na delimitação do tema, uma seleção de discursos quecolaborariam na formação da memória de Thales de Andrade. Além dis-so, os conteúdos desses textos também oferecem indícios para a apreen-são das possibilidades de consultas do acervo.

As questões, decorrentes da abordagem relativa aos perfis recupe-rados a partir dessa fonte, ou seja, as Pastas de Recortes de Jornais dahemeroteca da Biblioteca Pública Municipal de Piracicaba, apresentam,neste artigo, algumas características semelhantes àquelas identificadasàs especificidades das poliantéias, conforme nos informa Catani (1998)em relação à Polianteia Comemorativa do 1º Centenário do Ensino Normal em São Paulo. A autora, no texto em que a estuda, mencionasuas funções de celebração do campo educacional e de colaboração “paraa instauração de uma memória harmônica do espaço profissional” (1998,p. 124). No caso das pastas, utilizadas na presente análise, ocorre fatosemelhante, se bem que, dessa vez, com a memória construída a respei-to do escritor e educador Thales de Andrade e não apenas relacionadaao campo educacional2.

Assim, se, por um lado, há a celebração do autor, conforme seráaveriguado em alguns dos textos examinados, por outro lado, tambémserá possível vislumbrar, em alguma medida, as práticas pedagógica eliterária do educador Thales de Andrade, ainda utilizando como fonte omesmo material. Thales, embora tenha sido a um só tempo professor eescritor de literatura infanto-juvenil, teve projetado mais o seu trabalholiterário do que o seu legado como educador. Entretanto, na leitura dostextos selecionados para as pastas, depara-se com comentários e depo-imentos de ex-alunos sobre as suas aulas, fato que permite o levanta-mento de questões a respeito do seu pensamento e da sua atuação relati-vos às questões da educação escolar.

2. O conceito de campo, tal como foi definido por Pierre Bourdieu (1983), é utilizadoneste trabalho para auxiliar a caracterização das duas esferas de atuação de ThalesCastanho de Andrade: educação e literatura.

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Além das pastas, na verificação dos perfis de Thales de Andrade,foi consultada a bibliografia referenciada e o arquivo de jornais do Ins-tituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP) para completar elocalizar as informações que aparecem truncadas nos recortes.

2. Thales de Andrade: escritor de literaturainfanto-juvenil e educador

A partir da segunda década do século XX, um novo escritor de litera-tura infantil apresentava-se ao seu público. Tratava-se de Thales Casta-nho de Andrade, ao lançar, em 1919, o conto, publicado pelo  Jornal dePiracicaba, A filha da floresta. No mesmo ano, viria à luz Saudade, suaobra mais conhecida. Quais novidades traziam esses livros e quem eraesse novo autor?

 A filha da floresta apresentava a descrição de uma situação de de-

vastação das matas e alertava para sua necessária proteção, para a pre-servação das fontes, dos animais e das plantas. Por sua vez, Saudadereporta-se ao tema da opção pelo campo em detrimento da vida no mun-do urbano. Retrata o cotidiano de uma família que se vê obrigada avender sua fazenda e se mudar para a cidade. A nova moradia se apre-sentará à família de Mário, o protagonista da história, como um localrepleto de diversidades, as quais os incentivarão a retomar o seu destino

original, o retorno ao campo.Em artigo no Jornal de Piracicaba de 23 de julho de 1970, Thalesafirmou que escreveu Saudade em 1917 (algumas notícias informamque a primeira edição data de 1918, outras de 1919)3 e que teria sidomotivado, além de sua vida pregressa nos sítios de seus avós lavradores,por sua atuação em 1912 na Escola Rural da Estação Banharão (Jaú) e

3. Silvio Ferraz de Arruda. “Perfis II – Thales Castanho de Andrade”. Jornal de Pira-cicaba, 7 maio 1974, (P597, pp.10-11). Nessa matéria do  Jornal de Piracicaba,Arruda informa que a 1ª edição de “Saudade”, em 1919, teve 1500 exemplares efoi publicada, por conta do governo de São Paulo, em dezembro, com capa deWash Rodrigues.

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pela crítica feita por seus alunos, nesta escola, do livro “achicalhador doroceirinho”, uma das obras apresentadas em aula4.

A obra de Thales tinha como leitor idealizado as crianças e os jo-vens em processo de escolarização, pois como sugere Leonardo Arroyo(1968, p. 163), em fins da década de 1960, já seria o livro Saudade umaobra destinada às leituras escolares5. Esse pesquisador, reproduzindocomentários de críticos e escritores da época, comenta os motivos pelosquais o livro teria ficado famoso: a linguagem próxima à das crianças, atemática nacional, em uma época em que gradativamente se deixavamas traduções européias em detrimento da literatura infantil produzida noBrasil, e, ainda, a “qualidade superior” da obra, se considerada outrasproduzidas no período (Arroyo, 1968, pp. 187-189).

Ao verificar-se nas pastas os depoimentos daqueles que leram Sau-dade na condição de crianças e escolares, é possível constatar certa nos-talgia semelhante à explicitada no próprio conteúdo do livro. Muitosdos depoimentos colhidos das pessoas que conheceram o autor, seja

como escritor, seja como professor, revelam o carinho com que é recor-dado e muitas vezes demonstram a influência – do professor ou do es-critor – em sua vida ou carreira profissional.

Outros estudos sobre literatura infantil que mencionam o períodoem torno dos anos vinte do século XX incluem o nome e a obra deThales de Andrade destacando a sua produção daquele momento, espe-cialmente Saudade, e a sua temática mais comum, o mundo rural.

Coelho (1991) atribui o sucesso de Thales ao contexto do mundopós-guerra (1914-1918). A busca das pessoas por um mundo melhor,mais simples, identificar-se-ia ao conteúdo de Saudade e assim justifi-caria o seu êxito (pp. 223-224).

4. Não se sabe o nome desse livro e não foi localizado para este trabalho.

5. O autor classifica Saudade como um livro nascido na fase da “literatura escolar”.Em outro momento do texto, o pesquisador argumenta que esse tipo de literaturaestá intimamente ligado à literatura infantil, entretanto, surgiu “nos bancos escola-res” e vinculado ao sistema de educação. No Brasil, em razão do nosso processo deformação cultural (fundação de escolas, formação de professores, advento de li-vros de texto), a literatura escolar seria a gênese da literatura infantil (p. 65).

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Lajolo e Zilberman (2002), em um de seus trabalhos, ao apontar a“euforia rural” no conteúdo da obra de Thales, detalham alguns aspec-tos de Saudade, salientando que seria intenção do autor propagar “aimagem de um Brasil que encontra na agricultura sua identidade cultu-ral, ideológica e econômica” (p. 40).

Ao informarem dados do autor e de sua obra, em outro texto, asautoras mencionam a denominação “evangelho rural brasileiro”, expres-são comum em diversas referências à Saudade (Zilberman & Lajolo,1993, p. 55).

Outros críticos identificam, conforme se verá no decorrer do texto,as obras e atuações do autor à bandeira do ruralismo, embora essas ob-servações não dêem conta do trabalho de apreciação geral da obra. Nes-se sentido, caberiam dois questionamentos ainda não elaborados pelacrítica: estaria Thales de Andrade, em sua produção literária e na suaação pedagógica, reduzido ao ruralismo? Essa reiterada visão que setem do autor a respeito do ruralismo foi construída desde suas primeiras

obras?A bibliografia consultada concentra suas análises nos aspectos re-lativos à questão da tradição literária na produção de obras destinadasao público infantil, noutros termos, atenta para a história das transfor-mações desse tipo de literatura, tendo Thales como um dos agentes dosetor. No entanto, sabe-se que, ao mesmo tempo, o autor foi professorformado pela Escola Normal de Piracicaba e que, durante grande parte

de sua carreira, atuou na educação. Em um de seus textos a respeito doeducador Lourenço Filho, Hilsdorf (2002) apresenta Thales como pro-fessor e menciona a sua ligação com o grupo de docentes que esteve, emPiracicaba, participando de um dos momentos de implementação daReforma Sampaio Dória.

Assim, contemplado o aspecto literário, resta salientar, pela suges-tão anterior, a ação docente de Thales de Andrade. Em alguma medida,

a busca por fontes alternativas de informações poderia sanar essa lacu-na. Após a consulta a uma bibliografia básica, foi empreendida umaprimeira pesquisa na cidade natal do educador, a qual ofereceria novaoportunidade de conhecimento e de aprofundamento das questões rela-tivas à educação.

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3. Em busca das fontes sobre Thales de Andrade:expectativas e perspectivas

Ao chegar a Piracicaba, o pesquisador, em um primeiro momento,ao buscar material relativo ao autor em locais públicos de fácil acesso,naturalmente encontrará, na Biblioteca Municipal, o lugar mais indica-do. Ali, em questão de minutos, terá em suas mãos as pastas da hemero-teca contendo recortes de jornais locais.

Organizada por temas variados, a hemeroteca dispõe de recortesque tratam desde questões referentes à história de Piracicaba, de suaspersonalidades e demais assuntos correlatos até problemas do cotidia-no. O material é recolhido durante o ano e selecionado em virtude desua relevância. Se considerado pertinente, pelos funcionários, é confec-cionada uma nova pasta.

Em algumas delas, é possível colher muitas informações acerca deThales, considerando que a imprensa local serviu de base para a guarda

de parte relevante de sua memória.A projeção nacional e internacional que ganhou o autor não deixoualheios os piracicabanos que, embora não tenham produzido muitos tra-balhos específicos sobre ele – visto que os localizados resultam das pró-prias pesquisas nos jornais da cidade –, mantêm vestígios de sua pre-sença em algumas referências locais: busto em praça pública, livrospublicados, datas comemorativas. Desse modo, todo esse contexto de

informação e rememoração pode ser facilmente remetido às pastas, oumateriais a elas análogos, perfazendo dessa maneira um significativoconjunto de dados que encerra a memória relativa a Thales de Andrade.Memória essa entendida como aquelas formas descritas por Jacques LeGoff (2003), dentre as quais estariam previstas “a comemoração, a cele-bração através de um monumento comemorativo de um acontecimentomemorável”, enfim da inscrição do autor, mas também a memória que

considera o “documento/monumento” como suporte (pp. 427-429).Ampliando o conceito, a memória, ainda segundo esse mesmo autor, évista como um “fenômeno individual e psicológico” vinculado à vidasocial, variando de acordo com a presença ou a ausência da escrita esendo

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memória e apropriações... 161

objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços de qualquer acon-

tecimento do passado, produz diversos tipos de documento/monumento, faz

escrever a história, acumular objetos. A apreensão da memória depende des-

te modo do ambiente social e político: trata-se da aquisição de regras de

retórica e também da posse de imagens e textos que falam do passado, em

suma, de um certo modo de apropriação do tempo [Le Goff, 2003, p. 419].

3.1. Descrevendo as pastas de recortes de jornais 

Não foi possível determinar o início preciso da prática da hemerotecanem das pastas dedicadas ao tema Thales de Andrade, embora a concen-tração de matérias dos anos de 1970 indique ser essa a época provável.Nesse sentido, não há quaisquer registros que mencionem a data de tom-bamento das pastas, até porque os próprios números de tombamentovariam de acordo com as determinações dos funcionários que substituí-ram os anteriores no sistema de rodízio realizado junto a esse setor.

Assim, pode-se dizer que, apesar de tratar da memória da cidade, nãohouve a preservação da própria memória do acervo. A hemeroteca étambém caracterizada por sua transitoriedade. Esta é justificada pelosfuncionários da biblioteca em virtude de fatores como limitação do es-paço físico e ausência de recursos que pudessem conservar todo o mate-rial, como a microfilmagem ou a digitalização. Dessa forma, determi-nou-se o critério da seleção do acervo da hemeroteca: os recortes são

preservados enquanto forem considerados relevantes e apresentarematualidade, sendo descartados tão logo os temas dos quais tratam apare-çam em outros tipos de publicações, exceção feita às notícias sobre Pi-racicaba, dentre os quais aparecem os concernentes a Thales de Andrade.

Os recortes sobre Thales, encadernados em três volumes espiralados6

em tamanho ofício e encapados em plástico transparente e preto – capa

6. Identificados na biblioteca conforme relação a seguir: P597, com 50 páginas nu-meradas no canto inferior direito; P598, com 30 páginas sem numeração; P599,sem numeração até a página 13 e numeradas a partir daí até a página 30. A letra “P”identifica os volumes com textos relativos à Piracicaba e os números identificam aordem de tombo. Esses volumes estavam, na ocasião da primeira visita à bibliote-

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e contracapa, respectivamente – são, até onde foi possível verificar, de jornais piracicabanos publicados entre os anos 1970 e 1996, sendo quedezenove textos datam dos anos de 1970, época do falecimento de Thalesde Andrade, em 2 de outubro 1977. Outro período rico em informação éa década de 1980, com quinze textos, nove dos quais pertencentes auma série sobre o autor escrita por Newton Nebel dos Santos e seiscompostos para outra série a cargo de João Chiarini. O ano das come-morações do centenário do nascimento do autor, 1990, deixou dezesseisregistros escritos sobre Thales nas pastas consultadas. Apenas um delestem data de 1996. Portanto, apesar do início de sua carreira profissionalter sido nos anos de 1920, os registros datam das décadas de 1970, 1980e 1990. Encontra-se nas pastas somente uma matéria datada de 20 demaio de 1919, mesmo assim, essa data é uma referência ao dia em quefoi escrita e não o de sua publicação. Posteriormente, ao ser confronta-do com o jornal, arquivado no IHGP, foi possível verificar a sua origem:trata-se do texto “A filha da floresta”, de autoria de dr. Ozório de Souza,

publicado na edição de 22 de maio de 1919 da Gazeta de Piracicaba.Há 18 textos sem registro de datas, alguns deles sem identificaçãode origem, dificultando, dessa maneira, a determinação do dia da publi-cação ou do veículo.

No conjunto de recortes, encontram-se 96 matérias escritas. Sãoartigos (a maior parte deles), crônicas, notícias, notas, pequenas repor-tagens, poesias, cartas remetidas ao autor, a reprodução de uma página

de um dicionário de autores paulistas com biografia de Thales e, emoutras quatro folhas, a mesma informação datilografada, um editorial,repetido cinco vezes com diferentes datas, um discurso do presidente daCâmara Municipal de Piracicaba, um cartão postal e outros textos deautores não identificados. As pastas contam também com algumas ilus-trações, sugerindo páginas de rosto de matérias, de cadernos e de suple-

ca, entre os dias 19 e 21 de julho de 2004, identificados pelos números 2842, 2845,2846 na folha de rosto de cada um deles. Em visita mais recente – entre os dias 18 a21 de julho de 2005 –, foi constatada a substituição desses números por essa outraforma de identificação. Por ocasião da redação deste artigo, em nova consulta aosfuncionários da biblioteca soube-se que a numeração havia novamente sido alterada.

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mentos especiais sobre o tema. Um ou outro texto é acompanhado porilustração ou fotografia.

As fotografias, por sua vez – das quais não se tratará aqui –, somamum total de 32 e apresentam como tema recorrente homenagens ao au-tor. Assim como os registros escritos, ocorrem as repetições das foto-grafias e ilustrações. Parcela significativa delas tem como motivo o ros-to de Thales o qual, repetido em duas ou três versões diferentes, constituium dos ícones do autor e da sua obra.

O primeiro volume, P597, contendo 50 folhas, numeradas no cantoinferior direito à caneta e identificado da mesma forma pelo número 1ao cabeçalho, apresenta na página de rosto uma biografia datilografadado autor, intitulada “Thales Castanho de Andrade”. A sua procedência éindicada pela referência ao final da folha e reproduzida da seguinte for-ma: “MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Pau-lo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. p. 58”.Cópias da mesma informação são distribuídas por dois dos três volumes

como se segue: P597, p. 1, 3; P599, p. 47

(nesse caso, como cópia im-pressa da página do dicionário com o verbete mencionado), 9 e 20. Con-sultada a respeito, a bibliotecária informou desconhecer a procedênciadessas páginas datilografadas com a biografia do autor. No entanto, éinquestionável a escolha do verbete desse dicionário como página ini-cial da pasta para a legitimação e autenticação da expressividade deThales de Andrade e do valor da sua obra, como um autor das letras

paulistas.São ainda do volume P597 três matérias assinadas pelo próprioThales, sendo que duas delas são identificadas como parte de uma sériedenominada “Fumaças...”. Outros autores piracicabanos se destacampelo número de textos nesse primeiro conjunto de recortes: Silvio Ferrazde Arruda, Hugo Pedro Carradore, Helly de Campos Melges, Mário Pi-res e o já citado Newton Nebel dos Santos apresentam dois cada, sendo

que deste último estão os dois primeiros de uma série de nove textos

7. Consideradas as inconstâncias da numeração das páginas, as referências seguirão aordem crescente a partir da página de rosto nas três pastas consultadas.

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distribuídos entre o volume P597 e P599. Os textos de João Chiarini,em um total de sete desse conjunto, também compõem uma série rela-cionada a Thales.

O segundo volume, P598, é identificado, na página de rosto, porPiracicaba – Thales Castanho de Andrade “Personalidades” – 1990.Contém 30 páginas sem numeração. Tem como destaque a repetição,por três vezes, do editorial de Losso Netto, denominado de “Os oitentae três anos de Thales de Andrade”. Originalmente, o texto foi escritopara o Jornal de Piracicaba em 15 de novembro de 1973. Há duas re-produções datadas de 26 de agosto de 1990 e uma sem data. Outro textorepetido é “O Centenário de Thales de Andrade”, de Adriano Nogueira,artigo da edição de maio de 1990 do encarte “Linguagem Viva” do jor-nal A Tribuna Piracicabana e publicado também pelo Jornal de Piraci-caba no dia 27 do mesmo mês e ano.

Nesse mesmo volume, há diversos recortes de 15 de setembro de1990. Trata-se do caderno denominado “Presença”, editado em come-

moração ao centenário do nascimento de Thales de Andrade. Apesar dorecorte com o subtítulo “Suplemento Cultural do Jornal de Piracicaba –n. 14 ano II” e ilustrações à página 7, marcando o início da publicação,os textos não se encontram identificados, nem por nome do jornal nempor data, dificultando determinar quais deles fariam parte do mesmomaterial. Somente se pôde identificar a origem e verificar a ordem dasmatérias, de acordo com a edição original, a partir da confrontação com

um exemplar completo localizado posteriormente em mãos de uma auto-ra do suplemento. Na ocasião, foi possível observar que todos os textosdesse caderno, apesar de recortados, estavam reorganizados na pasta nomesmo sentido de diagramação do jornal, exceção feita a uma caricaturado autor e ao título do suplemento, ausentes no conjunto de recortes.

No terceiro volume, P599, há a reprodução em xerox de quatrocartas manuscritas de alunas de uma escola pública de São Paulo, co-

mentando e elogiando o livro A filha da floresta, escritas em 5 de junhode 1919, conforme as datas de duas delas. Essas cartas não estão acom-panhadas de qualquer informação que possa identificar a sua origem.Ao lado de uma delas, há uma reprodução de um marcador de página,identificado como tal, impresso pela Companhia Melhoramentos de São

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Paulo, anunciando a coleção Encanto e Verdade8 e uma pequena notaque acusa o recebimento do conto “A filha da floresta”. Junto à outramissiva, observa-se uma pequena notificação relatando a publicação dealguns livros de Thales. Em ambas, não há menção de autor, nome do jornal ou data de publicação.

Posteriormente, em consulta ao acervo do IHGP, foi possível veri-ficar a origem das cartas a partir da leitura de um texto do  Jornal dePiracicaba tratando justamente do seu envio ao autor9. Por essa via, foipossível saber que, na ocasião, o jornal selecionou (com Thales deAndrade?) três missivas recebidas e as publicou, são elas as de autoriadas alunas Maria de Lourdes Fonseca, Lygia de Aquino e Silva e EbbeAngelotte. As duas últimas constam na referida  pasta acompanhadasdas cartas de Alexandrina Barretti e de Antonietta Calline. Dessa forma,somando-se todas, chega-se a um total de cinco cartas recuperadas.

Marcam também esse volume peculiaridades como as duas últimasreproduções do editorial já citado de Losso Netto, o texto do dr. Ozório

de Souza, “A filha da floresta”, datado – conforme confrontação com oartigo original da Gazeta Piracicabana no IHGP – de 22 de maio de1919, sete crônicas da série “Fumaças” de Thales de Andrade e os oitotextos seriados de Newton Nebel dos Santos.

3.2. Os usos das pastas de recortes 

No que se refere aos usos das pastas de recortes para a presente aná-lise, observou-se algumas das opções feitas por Silva (2004) em seu tra-balho A Reforma Fernando de Azevedo: tempos escolares e sociais (Riode Janeiro, 1927-1930). Ao realizar o seu estudo, Silva afirma que duas

8. A coleção Encanto e Verdade, da qual resultaram 25 livros, nasceu, segundo oautor, juntamente com o seu primeiro conto, “A filha da floresta”, lançado pelo

 Jornal de Piracicaba em 1919. Posteriormente, seria publicada pela Editora Me-lhoramentos e ilustrada por Francisco Richter. Em 1967, a coleção foi reeditada emum único volume, dessa vez, entretanto, apenas como uma seleção de seis contos:

 A filha da floresta, El-Rei Dom Sapo, Dona Içá Rainha, O mistério das cores, Osono do Monstro e Caminho do céu (Andrade, 1967).

9. “A filha da floresta”, Jornal de Piracicaba, 27 ago. 1919.

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motivações o levaram a utilizar notícias de periódicos: “(1) os periódicosenquanto instrumentos de construção de representações [...]; (2) os perió-dicos como veículos de circulação de representações” (2004, pp. 16-17).

Tanto a primeira quanto a segunda opção são também passíveis deserem aplicadas ao caso desta verificação de possibilidades de constru-ção do perfil de um autor. No caso de Silva, as consultas em recortes de jornais e revistas serviram para dar voz às pessoas que construíram re-presentações acerca da educação, sendo que havia uma grande diversi-dade de profissionais naquela empreitada: educadores, médicos, enge-nheiros, arquitetos etc. Em relação à observação do potencial deconstrução de perfis de Thales de Andrade, também é possível verificaruma considerável diversidade de pessoas escrevendo a respeito de um sóassunto, ainda que dessa vez não seja, como no caso do autor do Rio deJaneiro, a educação, e sim um educador e escritor de literatura infantil.

Da mesma forma, os veículos consultados sugerem que foram atin-gidos os objetivos de fazer circular as representações e de fazer emergir

diferentes apropriações – formas, maneiras de ler e outros produtos deleituras. As matérias publicadas pelos diversos jornais, presentes nessacoletânea organizada pelos funcionários da Biblioteca de Piracicaba,dão o testemunho de como esse material foi realimentando e consoli-dando visões sobre Thales de Andrade, por meio dos discursos de seusconcidadãos e, por conseqüência, por sua cidade.

Nesse aspecto, observou-se um determinado tom repleto de elogios

e homenagens, o qual, aparentemente, não é o reflexo de uma seleçãointencional como no caso verificado pelo trabalho de Silva, quandomenciona que os recortes de jornais, doados por Fernando de Azevedoao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), devem ter passado pelo crivo desse educador antes de serem en-tregues ao instituto (Silva, 2004, p. 18). No caso do conjunto de recortestemáticos referentes a Thales – provavelmente sem a sua interferência –,

o resultado poderia estar mais identificado com o próprio trabalho decoleta desse material, com as opções metodológicas utilizadas para oseu preparo e, possivelmente, com a disponibilidade dos jornais piraci-cabanos – eleitos para a confecção das Pastas de Recortes – que sededicaram ao tema Thales de Andrade.

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Uma última observação relativa à utilização da conceituação, men-cionada por Silva, diz respeito ao caráter subjetivo dos discursos. Oselementos que servem à reflexão são compostos, afirma o autor, noembricamento das informações da memória individual com outras pers-pectivas oferecidas sobre a época. O assunto Thales de Andrade apre-senta, nesse sentido, uma peculiaridade ao se tentar estabelecer um diá-logo com o texto de Silva. Neste, têm-se discursos que, embora caminhemfavoravelmente no sentido da divulgação da Reforma da Instrução deAzevedo, encontram uma voz dissonante10 que propicia, já a partir des-se momento, a matização das informações dadas. O mesmo parece nãoocorrer quando se aborda o assunto Thales de Andrade. Todos os dis-cursos, independentemente do fato de terem sido gerados por veículosdiferentes, parecem convergir para a formação de um único bloco derepresentações do que significou a presença desse autor como educadore como escritor de literatura infantil para a cidade. Nessa perspectiva,parece mesmo ser um discurso único da própria Piracicaba em relação a

Thales Castanho de Andrade11

.Essa convergência de pronunciamentos poderia indicar uma estra-tégia de formação de ações solidárias e de fortalecimento dos laços en-tre os agrupamentos de intelectuais piracicabanos? É possível observaresse mesmo movimento feito por Thales ao fazer homenagens às perso-nalidades da região em seus textos – destacados a seguir – também pu-blicados pela imprensa da cidade? E, posta a questão dessa maneira, em

que medida estaria o próprio autor colaborando para a elaboração dos

10. Trata-se de uma crítica de Jayme Pombo Bricio Filho, professor de química do queera anteriormente a Escola Normal e que foi, na administração de Azevedo, afasta-do do cargo. O professor posiciona-se contra a reforma, utilizando-se do jornal OGlobo, no qual tinha uma coluna (Silva, 2004, pp. 19-21).

11. Considerando o trabalho de Silva, talvez fosse possível realizar um levantamento

das mesmas marcas de construção de um discurso da cidade em relação a Azevedo.O seu objetivo, entretanto, é outro, o de considerar as representações dos temposescolares, idealizados em virtude das mudanças empreendidas no Rio de Janeirona década de vinte do século passado, para a análise e discussão do que esteveenvolvido nas divergências de propostas de reestruturação escolar no período e noambiente urbano daquela cidade.

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seus perfis? Essas questões indicam alguns dos caminhos a serem per-corridos na análise desses recortes e da sua composição como docu-mento de consulta e pesquisa.

A síntese de vozes dessas construções discursivas será retratadanos jornais e posteriormente nas pastas, mas sem deixar de estar marca-da por sua origem na educação – ex-alunos, professores e demais ele-mentos da carreira do magistério – e na literatura que também, em últi-ma instância, está imbricada com os agentes do campo da própriaimprensa. Em outras palavras, pode-se dizer que, na construção dos perfisrelativos a Thales de Andrade, mediada pela imprensa, encontra-se umdeterminado número de pessoas que se aproximou do autor por cami-nhos que convergiram para a sua produção literária, para a sua práticapedagógica ou, ainda, para ambos os campos de atuação, à medida queuma se tornou conseqüência da outra.

4. O autor nas Pastas de Recortes: quem constrói ecomo se constroem os perfis?

4.1. O discurso da cidade/Biblioteca

É notório que a História é feita de fatos que são perpetuados por meio de

monumentos, objetos, documentos, manuscritos, livros e principalmente, de

depoimentos dos próprios personagens que deles participaram. Os dados

apresentados em nossos “Perfis” são colhidos exatamente dos depoimentos

pessoais das personalidades e dos currículos por eles apresentados. Portanto,

invadir a nossa seara, qual seja a da pesquisa histórica e não científica, para

formular críticas atinentes a dados que nos foram diretamente fornecidos e

em hipótese alguma posteriormente alterados, não tem qualquer fundamento

[Arruda, 7 maio 1974, p. 11]12.

12. Silvio Ferraz de Arruda. “Perfis II – Thales Castanho de Andrade”. Jornal de Pira-cicaba, 7 maio 1974, (P597; p. 11).

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A quem é dirigida essa crítica, escrita por Silvio Ferraz de Arrudaem 1974 para a série Perfis II? Provavelmente, a resposta a essa pergun-ta seria encontrada a partir do acompanhamento das edições do Jornalde Piracicaba ou de outro periódico da imprensa local que indicasse aseqüência das discussões relativas à apresentação desses “perfis”. En-tretanto, é de outra ordem o problema que se pretende destacar. Em vezde solucionar a questão, é possível argumentar que a dificuldade de ob-ter essa resposta está justamente no fato de ser o referido artigo o resul-tado de uma seleção composta pelo novo contexto das pastas de recor-tes definida pelo tema Thales Castanho de Andrade.

Pode-se também questionar a visão positivista do autor, quandodefende a não intervenção ou análise interpretativa de dados apresenta-dos. Mas, também aqui, não interessa essa discussão a não ser para sa-lientar que as informações vindas a público estão a serviço da apresen-tação de “perfis”, como os nomeia o autor. É nesse sentido que ganharelevância a asserção de Arruda, pois oferece indícios das formas de

construção dos perfis sugeridos e demonstrados reiteradamente.O texto de Arruda, embora esteja completo na P597, recebeu – comomuitos outros das pastas – nova composição em decorrência do recortedo jornal: há antes do título “Thales Castanho de Andrade” o nome “Per-fis” seguido do numeral “II”, o que indica obviamente uma seqüência.Dentro dos limites impostos pela seleção, foi impossível verificar qualteria sido o “perfil” anterior, se houve outro a seguir, quantos foram

escritos ou ainda, quais seriam as personalidades objeto dessas produ-ções. De qualquer modo, o conteúdo do texto é semelhante a diversosoutros encontrados nas três  pastas: apresenta a biografia de ThalesAndrade; sua trajetória profissional, como professor e escritor; e os te-mas eleitos pelo autor presentes em suas diversas publicações, comopor exemplo, o destaque para o tema rural. Nesse sentido, também sãoobjetos desta e de outras matérias os epítetos que vão sendo atribuídos a

Thales: “alma de criança”, “a maior criança grande do Brasil”; e à suaobra Saudade: “O evangelho do Ruralismo”.O termo “perfil” surgira já em outra voz da imprensa piracicabana

e na mesma pasta P597, na notícia publicada pelo jornal O Diário em

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11 de novembro de 197313. Sob o título de “O II Concurso de Poesias‘Thales de Andrade’” lê-se, além dos dados referentes ao acontecimen-to em sua segunda edição, no subtítulo “Perfil de Thales”, uma pequenasíntese biográfica seguida de informes sobre as ações do autor comodiretor – nos anos de 1930 – do “Grêmio Normalista do ‘Sud Mennucci’”,uma das entidades promotora do evento.

Portanto, trilhando esse caminho, do acolhimento de matérias quese assemelham por apresentar e reapresentar idéias, em processos dereiteração e atualização os quais solicitam legitimação em informaçõesanteriormente publicadas expandindo os limites da memória, talvez sejapossível sugerir, como hipótese, a possibilidade da sedimentação de perfisconstruídos com base em um mesmo tipo de discurso originário da im-prensa piracicabana. Nesse sentido, a cidade representada por jornalis-tas, escritores, artistas, enfim intelectuais que, de alguma forma, delimi-tam o espaço de atuação em sua própria urbe, contribuiria para aedificação de uma de suas personalidades. Daí o conceito de discurso

da própria Piracicaba em relação a um dos seus concidadãos, conformese tentará verificar nos exemplos a seguir.Ao desembarcar do trem da Companhia Paulista na estação de São

José do Rio Preto às dezenove horas e trinta minutos, meia hora adian-tado ao horário combinado, um senhor observa que na referida estaçãoninguém o está aguardando. Do outro lado da rua vê, através de uma janela, uma sala de aula e uma professora escrevendo em um quadro

negro. Atravessa a rua, chega até à porta e observa o interior da sala. Aprofessora volta-se e indica-lhe a carteira onde deve sentar-se enquantoaguarda os procedimentos para a sua matrícula. O senhor assim proce-de. Após alguns minutos, chegam à sala diversas autoridades, entre elaso delegado de ensino e o prefeito da cidade. A professora exclama que éuma honra recebê-los em visita a sua classe. O prefeito lhe informa,então, que ali estão todos, pois vieram ao encontro do senhor secretário

da Educação, o professor Thales Castanho de Andrade, o qual se encon-tra de pé no fundo da sala.

13. “O II Concurso de Poesias ‘Thales de Andrade’”, O Diário, 11 nov. 1973 (P597, p. 9).

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O relato encontra-se no livro Thales de Andrade: uma história ver-dadeira, de Hugo Pedro Carradore (2004), escritor piracicabano e umdos memorialistas de Thales de Andrade. A sua narrativa identifica-secom as informações apresentadas pelos demais veículos de informaçãode Piracicaba, ao referir-se ao escritor e educador Thales de Andrade.Ademais, as fontes subsidiárias para o livro de Carradore são, de manei-ra geral, as diversas publicações da cidade reproduzidas nas pastas, alémde sua própria memória, já que esse escritor se tornou amigo do autor,como informa ao leitor no mesmo livro:

Conheci Thales em São Paulo em 1940, no terceiro ano do curso primário do

Colégio Rio Branco, quando minha inesquecível professora dona Soledade

Santos colocou-me nas mãos um livro chamado SAUDADE.

Depois, nos idos de 1950, em Piracicaba, tive a ousadia de me apresentar a

Thales e me tornar seu amigo [2004, p. 17].

Noutra passagem, salientando o caráter de seu texto, Carradoremenciona a sua preocupação em ser o mais didático possível a fim defacilitar a leitura dos jovens e que “A crítica da produção literária conti-nente [do livro], é uma antologia de depoimentos feito por educadores,escritores, poetas, jornalistas, em suma, de figuras nomeadas nas letras,nas artes e na educação” (idem, p. 18).

Qual memória é trazida pelo registro anterior? Certamente, nãoapenas a de Carradore. Embora esse autor tenha convivido com Thales,o evento descrito se passa noutro tempo e é relatado por outras pessoas.Pode ser lido como um texto de memória coletiva e também a respeitode um campo em formação, conforme as indicações no texto de Catani(1994), “Memória e biografia: ‘O poder do relato e o relato do poder’ nahistória da educação”. Esse trabalho oferece subsídios para essa análise

na medida em que faz sobressair perfis de educadores, ao abordar dire-tamente a questão da profissionalização docente no Brasil republicano eo processo de constituição do campo educacional. Esses temas tambémsurgem no decorrer deste artigo, embora de maneira periférica, já quenão serão aprofundadas as questões concernentes aos campos ou à for-

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mação docente, mas sim as representações em relação à posição – e àspráticas – de um determinado sujeito em, pelo menos, dois campos emformação, a educação e a literatura.

Catani também discorre sobre a “sacralização” do processo de cons-tituição do campo educacional e de categorias de interpretação aplica-das ao trabalho docente, verificadas a partir da análise de dois escritosbiográficos – o de João Lourenço Rodrigues, Um Retrospecto: algunssubsídios para a história pragmática do ensino público em São Paulo eo de José Feliciano de Oliveira, O Ensino em São Paulo: algumas remi-niscências – e um documento de celebração, a Poliantéia Comemorati-va do Primeiro Centenário do Ensino Normal em São Paulo (1846-1946). Catani demonstra algumas representações de perfis de educadorese sugere o tom de celebração e sacralização presente nas representaçõesdiscursivas. Da mesma forma, os testemunhos sobre a vida escolar e acelebração do autor e educador Thales de Andrade também colaborampara a “instauração de uma memória harmônica”, se não do espaço pro-

fissional do educador, ao menos das representações construídas a res-peito do autor de Saudade, o seu livro de maior expressão.No caso de João Lourenço Rodrigues, assim como seus contempo-

râneos, há o discurso nostálgico de um período anterior, no qual a edu-cação brasileira teria atingido o seu ápice, a virada do século XIX para oséculo XX, e conseqüentemente a instauração da visão do seu tempo, asduas primeiras décadas do século XX, visto como “um período um pou-

co obscuro”, como “anos de penumbra”. Essa nostalgia fornece para-digmas de análise dos problemas educacionais da época e reafirma aexistência de tradições a serem cultivadas ou celebradas, fortalecendoos limites do espaço profissional que então era organizado (Catani, 1994).

No que se refere às análises dos recortes de jornais que compõemas pastas sobre Thales de Andrade, vê-se uma outra faceta, mais vincu-lada à memória do professor, se bem que fragmentada nos diversos tex-

tos verificados. Memória que, por sua vez, vincula-se à exaltação e àsacralização do autor e educador e, portanto, relacionada à representa-ção de um indivíduo, em conformidade com a que irá aparecer do pró-prio João Lourenço na poliantéia anteriormente mencionada, e daexaltação de professores feitas por José Feliciano ao construir perfis de

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educadores do seu tempo, como os de Maria Guilhermina Loureiro deAndrade, de Miss Márcia Browne, de Carlos Escobar, Artur Breves eGabriel Prestes (Catani, 1994).

Na grande maioria dos textos presentes nas pastas, percebe-se umtom de exaltação à figura de Thales de Andrade. Exemplo típico é oeditorial do jornalista piracicabano Losso Netto14, no qual são feitoscomentários comparando Saudade com o Cuore do escritor italianoD’Amicis, “pela poesia que ressuma, pela pureza que destila, pela ins-piração quase divina de sua mensagem”. A comparação, já anteriormen-te realizada, dentre outros, por Monteiro Lobato15 em 1920, serve tam-bém para atribuir à obra uma dimensão universal. Essa recorrência aolivro do autor italiano surge em diversos outros textos como exemplo desimilaridade em qualidade ou do modelo literário surgido no Brasil.

Ainda no editorial, à exaltação o autor adiciona um elementohomólogo ao conteúdo de Saudade, a reminiscência a respeito da re-gião, das crianças e da escola: “Não é exagero dizer-se que Thales de

Andrade é uma instituição piracicabana”, afirma Losso Netto, dessa vezenfatizando o caráter regional da obra sem descuidar, todavia, do alcan-ce geográfico, pois segue afirmando que Thales, “professor predestina-do – alma ingênua [...] conseguiu o milagre da comunicação com todasas crianças brasileiras [...]”. Informa ser Saudade um livro no qual Pira-cicaba está retratada em seus ribeirões, casas, terreiros, nas “caçadasingênuas dos meninos pelas capoeiras” e onde a escola Luiz de Queiroz

“ali se encontra enquadrada carinhosamente como a ‘mais importanteescola agrícola da América’”.A atenção às crianças e à escola Luiz de Queiroz aparece em diver-

sos outros textos, como no caso de “Thales – O piracicabano de dimen-são nacional”16, escrito por Helena Rovay Benetton – na época diretora

14. Losso Netto. “Os 83 anos de Thales de Andrade”, Jornal de Piracicaba, 26 ago.1990,

“Estante” (P598, p. 5); Jornal de Piracicaba, 26 ago. 1990 (P598, p. 9); Jornal de Pira-cicaba, 15 set. 1973 (P599, p. 13); Jornal de Piracicaba, 15 nov. 1973 (P599, p. 29).

15. Monteiro Lobato. “Saudade”. Jornal de Piracicaba, 24 fev. 1920.16. Helena Rovay Benetton. “Thales – O piracicabano de dimensão nacional (cognome

que lhe deu o Jornal de Piracicaba)”.  Jornal de Piracicaba, 12 ago. 1990 (P598,p. 4); Jornal de Piracicaba, 12 ago. 1990 (P599, p. 24).

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do Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes –, no qual lem-bra a admiração de Thales pela Escola Superior de Agronomia “Luiz deQueiroz” e os muitos alunos que ali estudaram estimulados por seuslivros. Além de resgatar as trajetórias de vida e profissional do autor,elemento comum à grande maioria dos textos, Benetton menciona aparticipação de Thales na Revolução Constitucionalista de 193217, assuas atividades como promotor da “Festa do Milho” e sua iniciativa paraa fundação do curso de “Alfabetização de Adultos”. “Com os seus alunosnormalistas promoveu o lançamento da “Histórias de História” (livro fei-to com o conjunto da turma e que foi publicado graças ao empenho doautor). Cita ainda a sua faceta “ecológica”, descreve algumas das home-nagens e lista uma série de livros publicados por Thales de Andrade.

No mesmo artigo, Benetton recorre também a um procedimento jáapontado neste texto, a saber, o de aproveitamento de informações ante-riormente citadas. Nesse caso, trata-se da utilização da série de textos deNewton Nebel dos Santos. Esse articulista, por sua vez, relata que o

envolvimento de Thales na fundação do clube infantil de horticultura“ensejou à Sociedade de Alberto Torres, a Instituição Nacional dos Clu-bes Agrícolas Escolares”, que entre as décadas de trinta e quarenta,multiplicar-se-iam de forma significativa. Santos descreve o empreen-dimento de Thales na criação da revista O Colibri, órgão voltado para adivulgação dos clubes18.

Observou-se que o termo ecologia, relacionado ao escritor, surge em

muitas das produções dos autores locais. Segundo o comentário de JoséMaria Ferreira, no texto “Thales de Andrade: escritor e mestre-escola”19,isso indicaria o seu posicionamento em relação às coisas da terra. Nesse

17. Newton Nebel dos Santos também informa no artigo “Thales Castanho de Andrade –III”, publicado na Tribuna Piracicabana em 2 out. 1983: “Em 1932, Thales deAndrade, foi membro do M.M.D.C., de Piracicaba. Como voluntário serviu no

Batalhão dos Professores durante o período todo da ‘Revolução Constitucionalista’”(P599, p. 33).

18. Newton Nebel dos Santos. “Thales Castanho de Andrade – IV”, TribunaPiracicabana, 6 nov. 1983 (P599, pp. 40-41).

19. J. M. Ferreira. “Thales de Andrade: escritor e mestre-escola”, Linguagem Viva,ago. 1990 (P599, pp. 25- 26).

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sentido, ecologia para Thales demonstraria a um só tempo a sua defesa domeio ambiente e de uma “agricultura racional”. Adriano Nogueira, em“Thales de Andrade – Centenário de Nascimento”20, tratou do tema deforma semelhante. Ao mencionar A filha da floresta, afirma que o autor,“em linguagem singela”, mostra ao seu público “o mal que causam asderrubadas, a necessidade da proteção aos animais e às aves, o carinhocom que devem ser tratadas as árvores, as fontes, e a natureza”. Seguindoa uma das marcas recorrentes nas pastas, a de atualização dos temas, épreciso salientar que o termo ecologia referido a Thales começa a aparecernos recortes datados a partir da década de 1970, estando, a maior parte doscomentários, nas matérias do ano de 1990. Antes desses períodos, as refe-rências à terra e às coisas da terra são remetidas a interesses como a defesadas matas e incentivos ao reflorestamento, à organização dos clubes dehorticultura, à festa do milho e àqueles identificados com o ruralismo21.

Outro expediente é utilizado em um dos recortes para a consolida-ção da imagem do autor. Trata-se da menção a uma personalidade reco-

nhecida. No texto “Thales de Andrade – centenário de nascimento”22

,

20. Adriano Nogueira. “Thales de Andrade – Centenário de Nascimento”, LinguagemViva, maio 1990 (P599, p. 28).

21. A verificação acerca do tema pode ser feita pelo recente trabalho de MarlyTherezinha Germano Perecin (2004) Os passos do saber: a Escola Agrícola Práti-ca Luiz de Queiroz, texto no qual, segundo a autora, o ruralismo se apresentava,durante a Primeira República, como a reação às mudanças estruturais pelas quaispassava o país. O processo de valorização das sociedades européias e norte-ameri-canas, servindo de modelo de civilizações industriais, modernas, urbanas, em con-traposição ao Brasil, país destituído de escolas, mergulhado em crises, sugeria aosagrossenhores a apresentação do campo como local no qual a modernização erapossível e factível. A produção seria levada a cabo pela agroindústria, vocação edestino nacionais, a agricultura, seria regenerada pela ciência. Jorge Nagle (1974),em seu texto Educação e sociedade na Primeira República, por sua vez, indicaparâmetros semelhantes. Menciona maior influência dessa corrente de idéias sobredesenvolvimento do nacionalismo do que sobre a educação, embora não negue

algum alcance em relação às práticas escolares, e aborda outro aspecto do concei-to, mais presente do que a ruralização: a regionalização do ensino – processo noqual o esforço seria no sentido de ajustes dos padrões culturais e de ensino àsparticularidades da vida social na qual a escola estivesse inserida.

22. Adriano Nogueira. “Thales de Andrade – Centenário de Nascimento”, LinguagemViva, maio 1990 (P599, p. 28).

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Adriano Nogueira comenta a fala de Antonio Cândido, em 1985, em umevento promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE), a respeitoda memória de sua formação intelectual:

[...] sobre os livros que mais influenciaram na sua formação intelectual citou

“Saudade”, e sobre a obra e seu autor – Thales de Andrade – proferiu pala-

vras carinhosas, recordando quanto de prazer, na sua adolescência, a leitura

desse livro lhe proporcionou.

4.2. As agremiações de intelectuais 

Na observação dos conteúdos das pastas, considerou-se a possibili-dade de articulações em torno do grupo de intelectuais piracicabanos,do qual fazia parte Thales de Andrade, no sentido da produção de dis-cursos que reforçasse a perspectiva de construção de perfis do autor.

Essas vozes da cidade, refletidas nas pastas de recortes da biblioteca23

,apresentam exemplos de aproximação de Thales com o Jornal de Pira-cicaba e alguns indícios de como pode ter sido utilizado esse veículopara a divulgação de seu trabalho literário, além da sua aproximaçãocom outro campo de atuação diferente da educação, a própria imprensa.

No editorial já mencionado24, Losso Netto aponta a ligação históri-ca daquele autor com o jornal, pois além de realizar a primeira edição de

Saudade, o periódico o tinha como colaborador, ao lado de SudMennucci, Leo Vaz, Pedro Crem, João Silveira Melo, Pedro Krahenbuh,André Tarsia e Lourenço Filho.

J. M. Ferreira25, em reportagem posterior, reafirma os laços de ami-zade e solidariedade que unia no grupo que denominou de Bloomsbury

23. A coleção de recortes e, portanto, a Biblioteca Municipal de Piracicaba, também se

manifesta como uma dessas vozes na medida em que dá visibilidade a um conjuntode documentos reforçando os diversos discursos e, assim, recriando o seu próprio.

24. Losso Netto. “Os 83 Anos de Thales de Andrade”, Jornal de Piracicaba, 15 set.1973 (P599, p. 13).

25. Jose Maria Ferreira. “Thales de Andrade e o Bloomsbury Caipira”, Jornal de Pira-cicaba, 15 set. 1990. Presença. (P598, pp. 10-11).

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Caipira26; além de Thales de Andrade, Marcelino Ritter, Leo Vaz, SudMennucci, Lourenço Filho, Breno e Pedro Ferraz do Amaral, CincinatoBraga, Hélio Damante, Octacílio Silveira de Barros, Hélio Hoeppener eJacob Diehl Neto. Lista a seguir uma segunda geração – Bloomsbury II –destacando Mário Neme, Antonio Oswaldo Ferraz e Jaçanã Altair Pe-reira Guerrini. Inclui ainda, para não deixar incompleto tal agrupamen-to, os maestros Fabiano Lozano e Benedito Dutra Teixeira, tendo esteúltimo composto uma valsa utilizando Saudade como tema, AlípioDutra – ilustrador da primeira edição de A filha da floresta – e PáduaDutra, pintores. Ferreira ainda acrescenta, em nota de rodapé, como com-ponentes da segunda geração do Bloomsbury, os autores de Histórias ehistória, livro de contos realizado por eles, quando alunos de Thales, apartir de suas aulas e que faria parte da celebração do Centenário daIndependência. Compunham o grupo Mercedes Dias de Aguiar, BentoLordello, Virgínia Del Nero e Orlandina Pereira Sodero27.

O artigo ainda traz uma informação relevante para a apreciação das

relações de Thales de Andrade junto a esse grupo. O jornalista informaque, no início, Thales era visto com certa reserva pelos outros. Aponta,como provável razão para isso, aspectos relacionados com sua aparên-cia, o seu temperamento – “ar bonacheirão” – e “o seu horroroso (eprovavelmente cultivado) sotaque caipira [...]”28.

Neste ponto, seria conveniente lembrar o sociólogo francês PierreBourdieu (2004), que ao se referir à noção de campo explica que estes

“são lugares de relações de forças que implicam tendências imanentes e

26. O termo “Bloomsbury” refere-se a uma afirmação do jornalista J. M. Ferreira, nosuplemento cultural do Jornal de Piracicaba de 15 de setembro de 1990: [Os inte-lectuais piracicabanos] “compunham um ‘Bloomsbury caipira’, pois a intensa vidacultural e artística que desenvolviam, além de referências culturais comuns, eraatravessada por laços de parentesco, amizade e compadrio que garantiam a coesão

e a solidariedade mútua, como acontecia no famoso grupo londrino”.  Jornal dePiracicaba, 15 set. 1990 (P598, p. 10).27. Idem, ibidem (P598, p. 11).28. J. M. Ferreira indica que essas informações foram colhidas de “Marcelino Ritter

no ‘rodapé’ de Literatura do Suplemento literário de O Estado de S. Paulo da edi-ção de 23 jan. 1951" (idem, ibidem, P598, p. 11).

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probabilidades objetivas”. A seguir afirma: “Entre as vantagens sociaisdaqueles que nasceram num campo, está precisamente o fato de ter, poruma espécie de ciência infusa, o domínio das leis imanentes do campo,leis não escritas que são inscritas na realidade em estado de tendências ede ter o que se chama em rugby, mas também na Bolsa, o sentido do jogo” (2004, p. 27, grifos do original). Bourdieu ainda menciona o fatode que um campo, qualquer que seja ele, é objeto de luta, quer seja emsua representação ou em seu caráter real. “Os agentes sociais estão inse-ridos na estrutura e em posições que dependem do seu capital e desen-volvem estratégias que dependem, elas próprias, em grande parte, des-sas posições, nos limites de suas disposições” (2004, p. 29). Essasestratégias visam à conservação ou à transformação da estrutura e aspessoas a ela vinculada tendem a conservá-la, enquanto conservam suaprópria posição.

Thales de Andrade era, na ocasião, professor recém-formado eempossado na Escola Rural em Porto Ferreira, na Estação do Banharão.

Em outras palavras, acabara de adentrar no campo educacional e de-monstrava, em seguida, suas pretensões literárias ao grupo “bloomsbo-riano”. Essa intenção poderia estar relacionada, inicialmente, ao artigo“Instrução e Agricultura” publicado em 1911 no jornal O Monitor da“Escola Complementar de Piracicaba, onde então estudava” (Arroyo,1968, p. 191). Thales, nesse sentido, procuraria adentrar nos campos daliteratura e da imprensa apresentando aos seus companheiros, Sud

Mennucci e Lourenço Filho – que inicialmente quiseram se ver livresde tal encargo –, a versão manuscrita do seu livro Saudade29. Os ami-gos – já conhecidos desde 1915 quando lecionavam juntos no GrupoEscolar de Porto Ferreira – reconheceram o valor daquele livro e, a exem-plo do espírito que prevalecia no grupo, fizeram muito pela divulgaçãoda obra, especialmente Sud Mennucci, tecendo críticas elogiosas, sali-entando o valor literário e destacando um assunto que lhe era caro, “a

excelência da vida agrícola sobre a vida urbana” (idem, p. 189).

29. Jose Maria Ferreira. “Thales de Andrade e o Bloomsbury Caipira”, Jornal de Pira-cicaba, 15 nov. 1990 (P598, p. 10).

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4.3. Academias de Letras 

As referências da aproximação ou identificação de Thales de

Andrade aos intelectuais piracicabanos também surgem nos registrosrelativos aos seus vínculos com as entidades institucionalizadas em Pi-racicaba e em São Paulo. A Academia Piracicabana de Letras surge comoreferência no texto de Evaldo A. Vicente de O Diário, publicado em197230, no qual o autor informa que, por ocasião de sua instalação31, poriniciativa do folclorista João Chiarini, um dos 85 acadêmicos, SilvioFerraz de Arruda escolheu Thales Castanho de Andrade para patrono. O

próprio Arruda, em outro artigo, comenta o posicionamento do autorem relação à academia:

Por ocasião da constituição da Academia Piracicabana de Letras [Thales]

abdicou de sua cadeira em prol de nosso nome “para estimular o ingresso da

 juventude” naquele novel sodalício. Sem o querer mais uma vez confirmava

o feliz epíteto criado pelo saudoso professor Joaquim do Marco: Imortaliza-

do sem academia32.

Em outro texto selecionado para as pastas, o acadêmico da entida-de paulista, Pedro Ferraz do Amaral, em sessão de 13 de outubro de1977, ao prestar homenagens ao escritor e educador Thales de Andrade,menciona o seu “pioneirismo” em relação à produção da literatura in-fantil no Brasil. Afirma que “ A filha da floresta antecedeu de três anos a

publicação de ‘Narizinho Arrebitado’ que é de 1921 (aliás, a edição do‘Jornal’ [de Piracicaba, o qual publicou o conto] é de 1918)”. O registrotambém salienta a ausência do autor naquela casa ainda que, nas pala-

30. Evaldo A. Vicente. “Thales por que você deixou Piracicaba?”, O Diário, 19 mar.1972 (P597, pp. 6-7). Data verificada posteriormente junto ao IHGP. No volume

P597, apenas partes do nome e da data desse jornal piracicabano estão legíveis notopo da página.31. Segundo a edição de O Diário, 14 mar. 1972, verif. IHGP, a instalação da Acade-

mia Piracicabana de Letras ocorreu em 11 mar. 1972.32. “Thales de Todas as crianças”. Tribuna Piracicabana, 12 out. 1977 (P597, p. 26).

Na pasta sem indicação de data ou jornal. Verif. IHGP.

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vras do escritor e jornalista Pedro Ferraz do Amaral, “a Academia Pau-lista de Letras – soube cultuar a memória de Thales de Andrade, umescritor que teria ingresso ali, se sua modéstia não o tivesse impedido delhe bater às portas”33.

Outras referências esparsas nos recortes relacionam Thales às aca-demias. Seguem dois exemplos delas: uma anunciando homenagensrecebidas por ele na Academia Paulista de Letras e na União Brasileirade Escritores, no texto de Adriano Nogueira, O centenário e a obra deThales de Andrade34; e outra reportando uma sessão magna em home-nagem ao autor, na qual seria dada a posse a trinta novos acadêmicos35,na Academia Piracicabana de Letras.

4.4. Textos de Thales de Andrade nas Pastas daHemeroteca

Aos diversos tipos de materiais relacionados nas  pastas, que vão

erguendo e mantendo, pelas referências cruzadas, os perfis de Thales deAndrade, pode-se acrescentar a sua própria memória descrevendo suasexperiências pregressas de aluno, de professor e de autor de literaturainfantil. Acrescente-se a essas memórias pessoais, descrições e home-nagens, feitas a pessoas de sua convivência, ou evocações de figuras dopassado em diversas homenagens. Assim, o próprio autor aparece comoum dos “construtores” de perfis.

Da mesma forma que os jornalistas citados anteriormente destacama figura de Thales como um homem das letras, esse autor salienta aspec-tos que considera relevante nos perfis que ele próprio constrói em textosescritos para jornais da cidade. A série “Fumaças...”, publicada princi-palmente no Jornal de Piracicaba , abrange o período de 22 de fevereirode 1970 a 23 de julho de 1970, segundo a ordem a seguir:

33. Pedro Ferraz do Amaral. “Thales de Andrade – o iniciador da literatura infantil noBrasil”, Jornal de Piracicaba, 25 nov. 1977 (P597, p. 29).

34. Adriano Nogueira. “O centenário e a obra de Thales de Andrade”. Jornal de Pira-cicaba, 15 set. 1990, Presença, n. 14, ano II, p. 6 (P598, p. 15).

35. “Thales de Andrade, imortalizado sem Academia”. O Diário, 16 fev. 1978 (P597, p. 30).

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A maior parte dessa produção, oito dos dez textos identificados –três inseridos no volume P597 e sete no volume P599 –, foi publicada

no ano de 1970. Um dos textos não está datado no volume P599, embo-ra tenha uma diagramação semelhante às outras, o que também poderiaindicar o seu pertencimento ao mesmo período. A última matéria rela-cionada como sendo de autoria de Thales é datada de 1975.

Assim, suas produções, recortadas para as pastas, originaram-se, demaneira geral, em uma mesma época, sugerindo que, em certa medida, asdescrições de determinados elementos de seus próprios perfis foram por

ele produzidos ou resultariam, em alguns casos, das diversas e reiteradasproposições atribuídas ao autor e à sua obra desde os anos de 1920.

As homenagens, uma das características básicas dos textos, são elei-tas como um dos temas considerados relevantes ao autor e assim sur-gem como referência: à produção agrícola, quando se menciona JoséVizioli e Mário Dedini; à música, no caso dos maestros Luiz Dutra eAntão Fernandes; à escola, quando em “Candura” relembra o diretor do

36. Não é identificado como parte da série “Fumaças”, entretanto, tem o mesmo obje-tivo: relembrar pessoas que considerava dignas de homenagens. Em questão, a ex-aluna Antonieta Losso.

Veículo impresso Título Data

O Diário Um valente 22 fev. 1970

 Jornal de Piracicaba Maestro ao mestre-maestro 26 fev. 1970 Jornal de Piracicaba Um salvador 18 mar. 1970

 Jornal de Piracicaba Candura 4 abr. 1970

 Jornal de Piracicaba Supremo 13 maio 1970

 Jornal de Piracicaba Bem-aventurado! 4 junho 1970

 Jornal de Piracicaba Templo do saber 12 julho 1970

 Jornal de Piracicaba Gratidão 23 julho 1970

 Jornal de Piracicaba Diamante-brilhante Não consta

 Jornal de Piracicaba Saudades sempre vivas36 5 fev. 1975

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colégio em que estudou as suas primeiras séries do ensino primário e aomencionar o diretor geral do Departamento de Educação, José MárioPaes (sic) Azanha. Amadeu Castanho, combatente florianista, tambémrecebe uma homenagem, estando o tema, dessa vez, identificado aosvalores nacionalistas.

No texto “Templo do saber”, a respeito da Escola Complementarde Piracicaba, Thales de Andrade faz uma aproximação com o ruralismo,se bem que por via indireta. No momento em que narra o encontro da“Noiva da Colina” – Piracicaba – com um “Senhor” – “Pretérito, Pre-sente, Porvir” –, este último lhe diz: “Convido-a para visitarmos umaESCOLA de sua PIRACICABA – Constituição, Meca do Ruralismo,Terra do Amor ”37.

Nessa mesma matéria, outro tema caro ao autor aparece com clare-za. Passeando pela cidade, as duas personagens visitam “O Templo dosaber”, a escola que tornou possível a formação de milhares de pessoasmencionadas, por suas diversas profissões, no texto. Por suas portas,

assistem à saída de numerosos jovens “exprimindo júbilo, apresentandopergaminhos nas mãos levantadas”. São os “ELEITOS para o MAGIS-TÉRIO”. Ao final da narrativa, segue-se um cálculo aproximado dequantos alunos o autor teria formado como professor considerando oseu tempo de magistério. Conclui, em nota, que ignora “o número dediplomas, desde a primeira turma [formada na escola], em 1900” e afir-ma a seguir: “o autor destas linhas, no curso primário, secundário, nor-

mal e de contabilidade, deu aulas a 5.200 alunos”38

.Thales de Andrade, noutro texto, aborda mais claramente as suasintenções ruralistas articuladas com o tema da educação. Em “Grati-dão”, de 23 de julho de 197039, descreve a sua trajetória como professore também os motivos da escolha dos temas que desenvolveria em seus

37. Thales Castanho de Andrade.“Templo do Saber”,  Jornal de Piracicaba, 12 jul.1970, grifos do original (P597, p. 4).38. Thales Castanho de Andrade.“Templo do Saber”,  Jornal de Piracicaba, 12 jul.

1970 (P597, p. 4).39. Thales Castanho de Andrade.“Gratidão”, Jornal de Piracicaba, 23 jul. 1970 (P597,

p. 5).

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textos. Conta que, ainda no 4o ano da Escola Normal primária de Piraci-caba, em 1911, escreveu para “O mentor”, a revista escolar, um artigo“lembrando a conveniência de haver algum entrosamento, nas escolasda zona rural, entre INSTRUÇÃO E AGRICULTURA”. A seguir, afir-ma que o fato de ser neto de lavradores, de haver passado temporadasem sítios e ainda de “nutrir desejo de cursar a ‘Luiz de Queiroz’, possi-velmente influíram de modo a simpatizar-me pela gente e pelas coisasdos campos”. Acrescenta observações acerca da convivência entre crian-ças campesinas e dos alunos da cidade.

Em Jaú, ao iniciar o magistério, na “Escola Rural da Estação doBanharão”, o autor afirma que teve “para a leitura dos meninos o livroachincalhador do roceirinho”. Embora não tenha prevenido a sua tur-ma, constata “o espanto, a indignação e os ‘estrilos’ contra a ‘mentirosa’caçoada que os atingia”, relembrando a observação que fez da “exclu-são de crianças campesinas nos livros escolares infantis”. Dessas refle-xões nasceria o livro que faria essa inclusão. Ele próprio fala do êxito de

Saudade: “Publicado em 1919 e adotado, a seguir, nas escolas do paísinteiro, consagram-no moções, medalhas, músicas, poesias, teatraliza-ções, comemorações, festas, versões para Braille, Latim e Tirolês” (idem,ibidem).

Esse êxito também pode ser medido no assunto referente ao título dotexto. O seu objetivo seria fazer um agradecimento ao então diretor geraldo Departamento de Educação do Estado de São Paulo, o educador José

Mário Paes (sic) Azanha. Na oportunidade, o livro Saudade foi escolhido“por uma comissão de doutos vernaculistas” que o examinou e “acolheu-o, extraiu-lhe trecho para texto de exame de Português à admissão aosginásios estaduais” (idem, ibidem). Assim, o resgate da trajetória profis-sional do autor e do livro, nessa ocasião, foi apresentado para ilustrar asua importância que, após “MEIO SÉCULO” (destaque do autor) de exis-tência continuava a servir como material de trabalho para a educação.

Em “Candura”40

, o autor recorre à memória da infância para, a umsó tempo, descrever seus primeiros anos no Grupo Escolar de Piracica-

40. Thales Castanho de Andrade.“Candura”, Jornal de Piracicaba, 04 abr. 1970 (P599,p. 15).

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ba e homenagear o diretor daquela época. Ele teria salvado Thales deuma situação vexatória. Após o período de férias do primeiro ano, viu-sena mesma série anterior, sendo encaminhado pelo diretor que entrou nasala de aula, na qual Thales se recusava a sentar-se, para a nova turma:

[...] autor de PLANTAS, ótimo livro de leitura “suplementar” em escolas

primárias. [...].

Um educador perfeito!

Padrão de candura!

Descer às crianças para ouvi-las, auscultar-lhe a “alma”, atender-lhe os quei-

xumes, perdoar-lhes as peraltices, defende-las em suas razões e direito, guia-

las, enfim, humana e cristãmente.

Cândido Corte Brilho, o diretor, novamente seria lembrado quando, “‘uma

boa estrela’ [...] permitiu [a Thales de Andrade] tornar o benquisto PATRONO

DO GRUPO ESCOLAR TÍPICO RURAL DE CHICÓ”41.

Outras homenagens são encontradas nos textos “Supremo”42, “Bem-aventurado”43 e “Diamante-brilhante”44, todos os três dedicados à me-mória de Mário Dedini, um imigrante italiano que, nos anos de 1920,tornou-se um dos pioneiros da indústria açucareira e, segundo o autor,“foi Patrono e Benemérito de meio milheiro de instituições culturais,científicas, literárias, artísticas, pias, noticiosas, beneficentes...”. Thalessalienta que, “depois de ardorosas lutas para a conquista do poder e dariqueza”, Mário Dedini ainda “se ateve ao ideal de Bilac: ‘Ser forte paraser bom. Ser rico para ser generoso!’”45.

41.   Jornal de Piracicaba, 4 abr. 1970. Destaques do autor. Lembramos que Thalesocupou os cargos de inspetor do Ensino Rural; assistente técnico do Ensino Rural;diretor geral do Departamento de Educação e, no governo de Ademar de Barros,atinge o ápice da carreira, em 1948, sendo nomeado para secretário de Estado dosNegócios da Educação.

42. Thales Castanho de Andrade.“Supremo”, Jornal de Piracicaba, 13 maio 1970 (P599, p. 16).

43. Thales Castanho de Andrade.“Bem-Aventurado”, Jornal de Piracicaba, 4 jul. 1970(P599, p. 27).44. Thales Castanho de Andrade.“Diamante-Brilhante”, Jornal de Piracicaba (P599,

p. 18). Não consta data na pasta.45. Thales Castanho de Andrade.“Bem-Aventurado”, Jornal de Piracicaba, 4 jul. 1970

(P599, p. 27). Destaques do autor.

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memória e apropriações... 185

“Um valente”46 presta homenagem a Amadeu Castanho, o primeiroeditor da Gazeta de Piracicaba, que em sua juventude havia fugidopara São Paulo “a fim de enfileirar-se com os voluntários florianistas”.

“Maestro ao mestre-maestro”47 homenageia Luiz Dutra, maestro da“Banda Azarias de Mello”, em um tempo em que “a gente só ouviamúsica e canto, diretamente dos próprios músicos tocando e cantorescantando”. O autor narra a chegada à cidade de um outro maestro, AntãoFernandes, e a homenagem ao seu antigo mestre, o citado Luiz Dutra.

Finalmente, em “Um salvador”48, Thales de Andrade cita o nomede José Vizioli, a quem um dono de engenho na região de Itaicoaraatribui o sucesso dos empreendimentos em torno da produção açucareira.Vizioli é identificado, nas palavras desse proprietário, como o “SAL-VADOR”, pois foi “quem reergueu os canaviais decadentes pelo mosai-co”. O nome de José Vizioli foi também relacionado à Escola Superiorde Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), pois a Estação Experimentalde Cana junto à essa instituição assim seria denominada. Thales relembra

o fato e dessa forma presta a sua homenagem também à escola agrícola,atualizando a importância da instituição ao mencionar a instalação deum novo órgão a ela vinculado.

Enfim, considerando as descrições do próprio Thales, as inferên-cias que faz em relação à sua obra literária e às suas ações como educa-dor, verifica-se certo grau de identificação nos conteúdos das demaismatérias das pastas, tanto aquelas “construtoras” dos perfis, quanto as

que se referem às homenagens.Talvez a série “Fumaças...” tenha devido o seu nome em virtude dabusca de Thales pelo resgate de uma memória que se desvanecia. Mas éevidente que ao fazê-lo, nos artigos da série, o autor adota um procedi-mento que inverte o sentido do título atribuído a esse conjunto de tex-tos. Em vez de deixar desvanecer, esses escritos contribuíram para a

46. Thales Castanho de Andrade. “Um valente”, O Diário, 22 fev. 1970 (P599, p. 17).47. Thales Castanho de Andrade.“Maestro ao Mestre-Maestro”, Jornal de Piracicaba,

26 fev. 1970 (P599, p. 19).48. Thales Castanho de Andrade.“Um Salvador”, Jornal de Piracicaba, 18.03.1970,

(P599, p. 20).

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construção da sua futura memória. Muitos dos temas desenvolvidos peloautor vão sistematicamente se repetindo nos demais textos encontradosnas pastas. Seus autores incorporam novos conceitos, como o de ecolo-gia, às representações acerca de Thales de Andrade, reelaborando ereatualizando os assuntos que o escritor desenvolveu em suas produ-ções para o Jornal de Piracicaba . Seria, nesse sentido, ele próprio, indi-retamente, o “autor” ou mentor das produções que contribuiriam paraos empreendimentos dos perfis, dele e de outras personalidades queadquiriram certa relevância para a história da cidade.

5. O autor e a cidade

As pastas da hemeroteca que foram apresentadas caracterizam-sepela fragmentação da informação, do significado e, em certa medida,por sua descontextualização. São recortes de jornais agrupados em vo-

lumes artesanalmente elaborados, formando, assim, uma outra materia-lidade organizada sobre novo suporte. As dispersões de vozes dessesdiscursos transcritos adquirem novos sentidos ao receberem a ordena-ção proposta nas pastas. Tornam-se diferentes porque serão, necessaria-mente, parciais em relação ao seu suporte anterior. Tem-se, portanto,um material que, muitas vezes, não guarda traços de identidade com aspublicações originais. Ao ser formatado nas pastas, como outro veículo

de comunicação, perde sua característica inicial, ou porque informa-ções de identificação foram omitidas, eliminadas ou esquecidas, ou por-que no novo suporte adquiriu outra dinâmica em decorrência de umritmo diferente de apresentação, pois oferece de modo inédito, em rela-ção à sua origem, uma seqüência ininterrupta à leitura de informaçõessobre Thales de Andrade.

Considerada essa caracterização, algumas questões se impuseram

na confecção deste texto que pretendeu indicar as possibilidades dereordenação de recortes – observadas pelo historiador da educação inte-ressado em um autor e educador – na demonstração de discursos volta-dos a um determinado sentido: a elaboração de perfis surgidos das ma-térias impressas pelos jornais piracicabanos. Uma delas apresentou-se

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na explicação dessas construções e representações dentro de um quadroconfiável de verificação bibliográfica. Algumas matérias recortadas dei-xaram de ser fragmentos soltos apenas após confrontação com os arqui-vos dos jornais do IHGP. Outra questão se interpôs pela constante repe-tição de diversos textos. Nesse aspecto, o conjunto de  pastas tambémajuda a consolidar um novo sentido, dessa vez pela reiteração. A mesmainformação poderia sugerir ao leitor que aquela notícia reapresentadaconstituiria um texto relevante e que, justamente por isso, deveria serapreciado com mais vagar. Além dos textos reproduzidos diversas ve-zes, os conteúdos das informações e apreciações sobre Thales tambémse repetem nos recortes.

O próprio material colhido e o tratamento a ele dado impõem al-guns limites importantes a serem observados na análise e provocamquestionamentos significativos. Particularmente, no que diz respeito aosperfis, seria prudente considerar que o seu delineamento não avançaalém das representações circunscritas ao grupo de autores piracicaba-

nos. Alguns elementos do material investigado, se confrontados comoutros, de diferentes origens, para contrastá-los com a convergência dasvozes anunciadas nos recortes, redimensionariam-nos tanto no que dizrespeito às construções discursivas quanto ao que se refere à elaboraçãodas facetas das personalidades tratadas.

Dois exemplos podem ilustrar essa proposição: o primeiro referen-te à discreta presença do autor nas agremiações literárias, ao menos na-

quelas em que ele é citado, a Academia Paulista de Letras e a AcademiaPiracicabana de Letras. Por meio de alguns textos das pastas, verificou-se o sutil afastamento do autor de Saudade dessa última entidade. Omotivo seria “estimular o ingresso da juventude”, tal como descreveSilvio de Arruda? Se não esse, qual outro? Estaria relacionado a umaatitude “caipiracicabana”, como afirmaram o próprio Arruda49, Ferreira,Melges, entre outros, e, nesse sentido, funcionando como uma estraté-

49. O termo, evidentemente, é elaborado com a mistura das palavras caipira e Piracica-ba. Arruda o explica dando exemplo de expressões freqüentes como “baita” e “simsenhor” (P597, p. 10).

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gia discursiva? E por que declinar de espaço tão significativo para suaprópria carreira como escritor?

O segundo exemplo pode ser colhido em torno das construções defacetas do autor, especialmente a que destaca, no contexto das pastas,as assertivas do ruralismo e da tendência “ecológica”, a serviço de umdeterminado modelo social agrícola. Posto dessa maneira, o livro Sau-dade seria, em virtude das suas características, uma dessas sugestões daidentificação de Thales de Andrade, ora como ruralista, ora como umdos pioneiros da ecologia no Brasil. Os clubes agrícolas e de horticulturatambém colaborariam, nessa perspectiva, para o reforço dessas marcas.

Tanto a primeira quanto a segunda assertiva receberiam novos ma-tizes ao serem confrontadas a outras fontes de informações externas àcidade. Entretanto, essas mesmas fronteiras estabelecidas – quer sejapelos diversos textos constantes das pastas, quer seja pelos escritos doautor no mesmo conjunto de documentos – indicam o seu pertencimen-to à Piracicaba. Trata-se, portanto, de uma coesão discursiva, a qual

explicita as relações de Thales com sua cidade, no que se refere às suasatuações junto aos diversos grupos com os quais conviveu: os intelec-tuais, a escola, a academia. A projeção da própria carreira literária, ou asua atuação como educador, nesse sentido, ficaria em segundo plano,pois ao mesmo tempo em que sua menção funciona para informar aoleitor da importância de Thales, reafirma o seu lugar como interlocutorde outras vozes de expressão local. Da mesma forma, ao determinar as

marcas de atuação circunscritas ao seu lugar social, todos os autores,incluindo Thales de Andrade, contribuem para o fortalecimento da idéiade sua própria monumentalização.

As reflexões, em torno das pastas envolvendo o autor e educadorThales de Andrade, indicaram também que ele próprio contribuiu paraa construção do seu perfil – ainda que em uma época tardia em relaçãoà sua produção literária e carreira profissional –, ao mesmo tempo em

que elaborava os perfis de outras personalidades, pela recorrência àsua própria memória e de outros. Indicaram ainda as possibilidades elimites de confecções de perfis em recortes de jornais e demonstraramo papel dos próprios jornais, servindo como veículos na reafirmaçãodessas construções.

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Por fim, encontram-se no conjunto de documentos verificados, in-dependentemente de elaborações de perfis e/ou de seus graus deaprofundamentos, os relatos das facetas de Thales de Andrade comoescritor e como educador. Como escritor, deu a sua contribuição para ahistória da literatura, pois sua obra se constituiu em um dos marcos paraas primeiras décadas do século XX. Como educador, além de sua práti-ca, pôde ser consultado por meio de seus livros que tinham como públi-co leitor as crianças escolarizadas. E, na perspectiva das pastas de re-cortes aqui destacadas, Thales também foi educador na medida em queconstruiu sua própria memória e de outras personalidades em seus arti-gos. Memória esta que, ao ser apropriada, voltou a circular nas décadasseguintes sob a identidade de outros autores.

6. Referências bibliográficas

6.1. Fontes Primárias Biblioteca Pública Municipal de Piracicaba “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto” –Hemeroteca: Pastas de Recortes de Jornais sobre o tema: Thales Castanho deAndrade. Vol.: P597; P598; P599.

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6.2. Livros 

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ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças. 4. ed. São Paulo:

Global, 1993.Endereço para correspondência:

Fernando Luiz AlexandreRua Giuseppe Tartini, s/n – Rua 09, Casa 211

Cj. Res. Palmares, Jardim dos Manacás – São Paulo-SPCEP 04847-900

E-mail: [email protected]

Recebido em: 31 jan. 2006Aprovado em: 10 set. 2006

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Permanências e mutações dos liceusfranceses, Do Primeiro Império ao início

do século XXI*

Jean-Noël Luc**

Tradução: Maria Helena Camara Bastos***

Sabina Ferreira Alexandre Luz****

Resumo:

A criação do liceu por Bonaparte, em 1802, resulta de uma escolhapolítica que inaugura o ensino secundário público de Estado. Oliceu constitui a peça mestra e o modelo do sistema escolar encarre-gado de formar os futuros quadros e de contribuir para o governodas mentes. Mas se a influência napoleônica marcou, por um longo

período, a organização do liceu, ela não o modelou. Esse artigoestuda as reinvenções, parciais ou totais, no curso dos grandes capí-tulos de sua história: uma criação contínua (1802 –anos de1870), asubstituição pelo liceu moderno do modelo napoleônico (1880 –reforma de 1902), as premissas da democratização (1925 e 1945)até a emergência do liceu de massa (depois dos anos 1960).

Palavras-chave:

história; França; liceu; ensino secundário; política escolar; refor-ma escolar; democratização da educação; educação das mulheres.

* Texto enviado especialmente para a Revista Brasileira de História da Educação –Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), com o título “Permanenceset mutations des lycées français, du Premier Empire au début du XXIe siècle”, emabril de 2006.

** Professor de história contemporânea da Sorbonne-Université Paris IV. Endereço: 1 rueVictor Cousin. 75230 Paris – França Cedex 05. E-mail: [email protected].

*** Doutora em educação – história e filosofia da educação (Universidade de São Pau-

lo – USP); professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); pesquisadora do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

****Aluna do quinto semestre do curso de história da Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul (PUC-RS). Bolsista de iniciação científica do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/PUC-RS.

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Permanency and mutationof the French secondary school, From

the First Empire to the beginning of XXIcentury

Jean-Noël Luc

Translation: Maria Helena Camara BastosSabina Ferreira Alexandre Luz

Abstract:

The creation of the lycée by Bonaparte, in 1802, is the result of a political choice, that inaugurates the public State secondaryeducation. The lycée is a master part and the schoolar modelsystem in charge of forming the future board and of contributingfor the government of the minds. But if the Napoleonic influencemarked, for a long period, the organization of the lycée, it didnot shape it, in deed, of exclusive form. This article study thediscovery of its claims, partialy or totaly, in the course of thestudies great chapters of its history: a continuous creation (1802 –years 1870), the substitution for the modern lycée of theNapoleonic model (1880 – reform of 1902), the premises of thedemocratization (1925 and 1945) until the emergency of the masslycées (after years 1960).

Keywords:history; France; lycée; secondary education; pertaining toschool politics; pertaining to school reform; democratization of the education; education of the women.

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“Absolutamente remarcável”! De uma plumada, Lucien Febvre atri-bui o triunfo ao ensino secundário francês do fim do século XIX: “eleera verdadeiramente, do ponto de vista pedagógico, nosso todo podero-so Império do meio” (Febvre, 1939). Mas esquecemos freqüentementea data do elogio: 1939. Sem as tensões que acompanham a especializa-ção desse ensino desde a belle époque, o forte crescimento de sua clien-tela a partir de 1930, o ilustre observador teria situado seu apogeu umsemi-século mais cedo? Não limitemos seu julgamento a um simplesreflexo nostálgico: até o final do século XIX, a preponderância do se-cundário é incontestável. Durante décadas, o ensino primário deparou-se com as numerosas lacunas da escolarização, que persistiram em partedepois do voto da obrigação escolar. Muito modesto até os anos de 1880,o ensino superior das ciências e das letras depara-se, em seguida, com aorganização das faculdades, depois das universidades. O secundário, aocontrário, dispõe, no final do século XIX, de uma rede de estabeleci-mentos, de uma clientela, de uma tradição pedagógica: enfim, de uma

verdadeira identidade.A imagem forjada por Lucien Febvre deve, no entanto, ser explici-tada para previnir o leitor de qualquer interpretação anacrônica. O lugarcentral atribuído ao ensino secundário do final do século XIX corres-ponde à supremacia institucional e intelectual que lhe dispensamos, enão à posição média nos cursos escolares que ocupará em seguida sob onome de ensino de segundo grau1.

Do ensino secundário ao ensino de segundo grau

Na França, a instrução que podemos qualificar, retrospectivamen-te, de secundária nasceu no fim da Idade Média, quando alguns colé-gios, fundados para acolher os estudantes bolsistas, absorvem o ensino

1. Esse panorama da história do ensino secundário e dos liceus foi realizado com aajuda dos seguintes trabalhos: Caron (1996); Caspard, Luc e Savoie (2005); Compère(1985); Gerbod (1965); Gontard (1984); Mayeur (1977, 1981); Prost (1968, 1981).

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das faculdades de artes. Freqüentemente organizados segundo o mode-lo jesuítico, seus herdeiros do século XVIII, chamados colégios da hu-manidade, dedicavam um lugar predominante ao ensino das línguas an-tigas e das belas-letras. A lei de 11 floreal ano X (1° de maio de 1802),que organiza os liceus, menciona também as “escolas primárias” e as“escolas secundárias”, determinando que essas últimas ensinem “as lín-guas latim e francês, os primeiros princípios da geografia, da história edas matemáticas” (artigo 6). A identidade desses estabelecimentos dis-tintos de escolas primárias é reforçada pela criação, entre 1806 e 1808,da universidade imperial, a nova corporação laica encarregada de asse-gurar o ensino público e de fiscalizar o ensino privado. Todo estabeleci-mento privado que ensine latim é cosiderado uma instituição diferentede uma escola primária e, obrigatoriamente, sujeita ao imposto univer-sitário. A noção de “ensino secundário”, no sentido moderno do termo,aparece somente por ocasião dos debates da Restauração em torno dadistinção entre três graus de ensino: uma “instrução primária”, limitada

e destinada ao povo, um “segundo grau ou instrução secundária” (nosliceus, nos colégios, nos estabelecimentos privados) e uma “instruçãosuperior” (nas faculdades e nas escolas do governo), reservadas, uma eoutra, às classes abastadas. Mas se a expressão de ensino primário élargamente empregada, a de instrução ou de ensino secundário se im-põe, somente a partir dos anos de 1830, nos discursos administrativos ena linguagem corrente (Chervel, 1998). Devemos, no entanto, saber que

essas duas expressões não remetem mais à idéia de graus escolares su-cessivos: elas designam sistemas paralelos, constituídos progressiva-mente e denominados também ordres, a partir dos anos de 1880, quan-do elas atingem sua expansão máxima.

A ordre primária reúne as instituições pré-elementares (as salas deasilo, que se transformam, a partir de 1881, em escolas maternais), asescolas primárias elementares, as escolas primárias superiores (EPS,

previstas pela Lei Guizot de 1833, reorganizadas nos anos de 1880 e deonde surgem, a partir de 1892, os estabelecimentos mais profissionais,que se transformam nas escolas práticas de comércio e indústria), oscursos complementares (instituídos em 1886, para ministrar um ensinoprimário superior mais curto), as escolas normais de professores primá-

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rios (ENI), abertas a partir de 1810, e as de professoras, criadas a partirde 1879, e, no topo do edifício, as escolas normais superiores (ENS) deFontenay-aux-Roses (1880) e de Saint-Cloud (1882), encarregadas deformar os quadros. Esse ensino primário é sancionado, em último recur-so, pelo diploma superior (preparado nas EPS e nas ENI) e pelo diplo-ma de aptidão ao professorado nas EPS e nas ENI (preparado nas ENS),que não permitem, diferentemente do baccalauréat 2, o acesso ao ensi-no superior. Ele dispensa uma formação curta e com uma vocação prá-tica, bem adaptada às expectativas das famílias populares e das classesmédias inferiores, que lhes permanecem fiéis depois da abertura do en-sino secundário a partir de 1925. Próximo ao primário, do qual se separaem 1892, mas onde recruta sempre os alunos, o ensino técnico é vincu-lado à instrução pública em 1920, quando reagrupa as escolas nacionaisprofissionais, as escolas práticas de comécio e indústria, e outros esta-belecimentos profissionais.

O ensino público secundário acolhe sua clientela nos liceus, nos

colégios e nos estabelecimentos privados, laicos ou eclesiásticos. Gra-ças às suas classes primárias (da décima primeira à nona) e às suas clas-ses elementares (a oitava e a sétima), às vezes complementadas pelasclasses infantis, funciona largamente segundo o princípio do auto-re-crutamento. Para dar uma educação comum às elites sociais, dispensauma cultura geral abstrata e desinteressada, fundamentada nas humanida-des, preparando, ao mesmo tempo, uma parte dos seus alunos para o ba-

charelado, indispensável para entrar na faculdade e nas “escolas do go-verno”, chamadas freqüentemente de “grandes escolas” a partir de 1880.A lógica do sistema é tanto social quanto cultural. No primário, os

estudos são parcialmente gratuitos até 1881 e, a partir dessa data, total-mente gratuitos. No secundário, os estudos são sempre pagos, inclusivepara os externos. Ora, os bolsistas, previstos por Bonaparte, continuamraros por um longo tempo: 5% dos inscritos, no fim do Segundo Impé-

rio, e 11%, no fim do século XIX, menos do que nos leva a crer o elogiorepublicano da meritocracia. Pode-se dizer, então, que apenas uma elite,

2. N.T. Exame de conclusão dos liceus.

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selecionada sobretudo pelo seu nascimento e sua fortuna, beneficia-sedo ensino secundário público: 2,2% da população dos dois sexos, entre10 e 17 anos, em 1856, e 3,1%, em 1921. Nessas condições, é normalque a proporção de meninos de 19 anos recebida no baccalauréat sejaínfima: menos de 1%, no século XIX, e 3,6% em 19263. Até a democra-tização do ensino secundário, iniciada com a instituição de sua gratuidadea partir de 1930, a dualidade escolar contribui, salvo exceção, para re-produção das classes dirigentes em um sistema fechado.

Desde a belle époque, e mais ainda depois da agitação social pro-vocada pela Grande Guerra, os partidários da “escola única” condenamesse dispositivo em nome da democracia e da racionalidade. A burgue-sia, comenta em 1925 o filósofo Edmond Goblot (1967, p. 84), “neces-sita de uma instrução que permaneça inacessível ao povo, que lhe sejafechada, que seja a ‘barreira’”. Lógica e simples na aparência, a unifica-ção do sistema escolar deveria sustentar múltiplos obstáculos, políticos,sociais, corporativos e culturais. Iniciada por Édouard Herriot, em 1926,

acaba, um meio século mais tarde, com a criação, em 1963, dos colégiosde ensino secundário, destinados a reagrupar todas as ramificações doprimeiro ciclo; depois com a unificação, em 1976, das classes de sexta equinta séries, é que se descobre que ela não resolve todos os problemascolocados pela heterogeneidade das aptidões e das necessidades. Nesseprocesso interminável, uma das implusões decisivas é dada por JeanZay em 1936 e 1937. Para substituir a lógica da escolaridade única e

progessiva àquela das ramificações paralelas, o ministro do Fronte Po-pular cria três novas direções, respectivamente, encarregadas do ensinodo “primeiro grau”, do ensino do “segundo grau” e do ensino superior.As classes infantis e elementares, dos colégios e dos liceus, são associa-das à primeira; as EPS, que recebem seus alunos a partir dos 13 anos(idade de entrada na quarta série do antigo secundário), passam para aautoridade do segundo grau, e as ENS, de Saint-Cloud e de Fontenay,

para aquela do superior. Essa reforma coloca as bases do sistema esco-

3. Salvo menção contrária, as estatísticas citadas nesse artigo pertencem às seguintespublicações: Buisson (1911); INSEE (1971); Maillet (1974); Prost (1968).

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lar atual, no qual o ensino do segundo grau, herdeiro de uma parte doantigo secundário, não constitui mais que uma etapa obrigatória paratodos os alunos que continuam seus estudos no ensino superior.

O nascimento de um modelo: o liceu

Os colégios de humanidades desaparecem na Revolução no ritmoda dispersão de seu patrimônio e de seu pessoal religioso. A 7 ventôseano III (25 fevereiro 1795), um decreto da convenção termidoriana, subs-titui-os pelas escolas centrais, pelos externatos laicos independentes.Encarregadas, dentro da tradição dos enciclopedistas, do “ensino dasciências, das letras e das artes”, essas novas escolas reduzem o lugar dashumanidades, multiplicam as cadeiras professorais e propõem cursosopcionais de matemática, física, química, ciências naturais, história, lín-guas vivas e desenho. Mas os problemas e as críticas se acumulam. O

dinheiro e os locais, às vezes, fazem falta; a ausência de internatos pe-naliza os alunos do meio rural; os docentes continuam sendo de quali-dade variada. Apesar das verdadeiras vitórias, as escolas centrais sãosuprimidas pela “lei geral sobre a instrução pública”, de 11 floral ano X(1° de maio de 1802), que organiza os liceus.

Por reação contra o espírito liberal das escolas centrais, o primeirocônsul suprime a autonomia dos responsáveis locais, dos professores e

dos alunos. Estritamente regulamentados e controlados, os liceus sãoprovidos de um corpo, nacional, de administradores e de professores,nas carreiras perfeitamente codificadas. Eles voltam-se às tradições doscolégios de humanidades, onde recuperam o sistema de internato, a ló-gica do estabelecimento, caracterizada pela sucessão de classes segun-do um curso imposto (dois anos de “gramática”, dois de “humanida-des”, um de “retórica”), as longas horas de estudo e, muitas vezes, os

locais. A perda, antiga, da sociabilidade juvenil e do desenvolvimentofísico do adolescente e imposição de uma disciplina monástica,emprenhada de um espírito militar – os alunos usam uniforme, vivemno ritmo dos tambores e marcham – também estão presentes. A tradiçãoinspira ainda o conteúdo do ensino: o estatuto de 19 de setembro 1809

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rompe o equilíbrio das letras e das ciências em prol das línguas antigase do dever escrito. A educação religiosa é restaurada graças à nomeaçãode um padre para as rezas coletivas e à missa dominical. “Essa caserna,resume o historiador Alphonse Aulard, era também um convento”(Aulard, 1911).

A primazia do liceu no sistema escolar – e nas memórias – não devenos fazer esquecer que não possui o monopólio da instrução secundária.Depois da lei de 1802, como depois dos textos orgânicos da universida-de imperial, em 1806 e 1808, essa instrução é ministrada, simultanea-mente, pelas “escolas secundárias” comunais (chamadas colégios nodecreto de 1808, depois colégios comunais em 1815), pelas escolas se-cundárias privadas (chamadas institutos ou pensões em 1808) e pelasescolas diocesianas preparatórias ao estado eclesiástico. Mas se o liceunão tem a exclusividade do ensino secundário, ele pode legalmenteministrá-lo até a preparação do baccalauréat , então em sua integralidade.Ao contrário, antes da aplicação liberal do monopólio universitário dos

anos de 1830, depois sua abolição em 1850, pela lei Falloux, o nível e anatureza dos estudos secundários são teoricamente limitados nos esta-belecimentos concorrentes e, especialmente – à exceção dos colégioschamados “pleno exercício”, como Stanislas ou Sainte-Barbe –, naque-les do setor privado, que devem enviar seus alunos para alguns cursosnos liceus ou no colégio vizinho. A hierarquia da universidade imperialreflete essa posição privilegiada: o liceu figura em segundo lugar, de-

pois das faculdades, e antes dos colégios, dos institutos e das pensões.A criação desse estabelecimento resulta de uma escolha política,que inaugura o ensino secundário público do Estado. Para a glória daRevolução e restauração da potência do país, o primeiro cônsul necessi-ta de servidores fiéis e competentes. Estratégica, a formação dessa eliteretém sua atenção desde suas primeiras etapas. O liceu é um dos cristaisdessas “massas de granito”, que coloca sobre o solo da França, segundo

sua expressão, para consolidar o novo regime e sua base social. Consti-tui a peça principal e o modelo do sistema escolar encarregado de for-mar os futuros quadros e de contribuir com o governo dos espíritos. Aabertura, desde a origem, de classes elementares, primárias e infantis,no incío do curso escolar, e de classes preparatórias nas grandes escolas

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científicas, no seu resultado, acaba com essa especialidade. Reunindoem um único estabelecimento toda a oferta educativa da ordem secun-dária, o liceu constitui uma instituição sem equivalente em qualqueroutro ramo do ensino.

Presente pela primeira vez em um discurso regulamentar em 1802,seu nome pertence a uma série de termos de origem grega, na modadesde o fim do Antigo Regime, como museu ou pritaneu. Designa, ori-ginalmente, um bairro de Atenas colocado sob proteção de Apolo Lykeose, por extensão, a escola de Aristóteles instalada nesse lugar em 335a.C. Em reação contra a obra imperial, a Restauração batiza a institui-ção collège royal, substitui o hábito pelo uniforme, e o sino ao tambor.Em 1848, por iniciativa de Hippolyte Carnot, a Segunda República res-tabelece a denominação original (às vezes completada pelo adjetivo “na-cional”), o uniforme e os exercícios militares. O Segundo Império acres-centa a qualificação de imperial, que a Terceira República suprime, sema substituir. No começo do século XXI, duzentos anos depois da lei de

1802, o nome liceu designa ainda o principal estabelecimento de ensinodo segundo grau, que é administrado por um provisor, um provisor ad-  junto (herdeiro do censor, instituído em 1802), um gestor ou agentecontábil (sucessores do procurador-gerente, depois do ecônomo, queaparecem, respectivamente, em 1802 e em 1809) e os conselheiros deeducação (descendentes dos inspetores gerais, presentes desde a origemem alguns liceus parisienses, mas mencionados somente nos textos re-

gulamentares a partir de 1845).

A unidade de uma instituição perene

A estabilidade da instituição liceu transparece, durante muito tem-po, através do conjunto dos estabelecimentos. Até 1939, o aumento do

número de liceus de rapazes não é considerável, apesar de algumas épo-cas de forte crescimento a qual contribui à transformação de alguns co-légios. Contamos 36 estabelecimentos em 1810, 38 em 1830, 56 em1850 (depois da criação de uma quinzena nos anos de 1840), 83 em1870 (depois de uma nova expansão no Segundo Império), 85 em 1882,

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100 em 1887, depois 111 em 1900 (ou seja, uma inauguração a cada 20meses, em média, entre a belle époque e a Segunda Guerra Mundial).Em longa duração, uma vez ultrapassadas as dificuldades dos primeirosrecrutamentos, o efetivo dos alunos aumenta por etapas até o começodo século XX, sem conhecer grandes modificações com exceção da ero-são do internato. Contamos em torno de 20 mil inscritos (internos eexternos), em 1842 e ainda em 1854, 37 mil em 1870, 46 mil em 1880,depois 50 a 60 mil do final do século XIX até 1913, e em torno de 75 milao longo dos anos de 1920.

A oferta de instrução secundária é muito mais ampla, pois se apóiaem uma rede, mais densa, de colégios comunais (267 para 85 liceus, em1882) e de estabelecimentos privados (702 em 1882), que recebem, atéos anos de 1870, mais alunos que o conjunto de estabelecimentos públi-cos. Mas a população escolarizada fora dos liceus continua, também,relativamente estável depois de um forte aumento no meio do século.Os colégios comunais acolhem 25 mil alunos em 1854, 33 mil em 1865

e 34 mil no fim do século. Nas mesmas datas, o setor privado, em que oforte crescimento dos estabelecimentos confessionais, a partir dos anosde 1850, não deve encobrir o declínio simultâneo das instituições laicas,recebe 64 mil alunos, depois 78 mil e 77 mil. Se estendermos a compa-ração até o ano de 1925, ou seja, antes da chegada dos alunos, em menornúmero, nascidos durante a Grande Guerra, que falseia a perspectiva,constatamos uma verdadeira estagnação dos efetivos do ensino, pro-

priamente secundário, dos rapazes, tanto público quanto privado, a par-tir do começo da Terceira República. A forte demanda de ensino pós-elementar nas famílias populares e na pequena burguesia é, no entanto,atestada, no mesmo momento, pelo desenvolvimento do ensino primá-rio superior masculino, cujos efetivos são multiplicados por três, apenasnas EPS, entre 1881 e 1931. Mas muitos obstáculos desviam essa clien-tela do ensino secundário e, particurlarmente, do caminho elitista dos

liceus: a entrada precoce, em torno dos 10 anos, portanto antes de qual-quer candidatura ao certificado de estudos primários, a duração do cur-so (7 anos, contra quatro nas EPS), a retribuição dos estudos, a parcimôniadas bolsas e a ausência de formação prática. A dualidade escolar canali-za a demanda de instrução e o desejo de promoção para uma ramifica-

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ção curta, que não ameace as hierarquias sociais tradicionais. Até osanos de 1930, conclui Antoine Prost (1968, p. 331), “o malthusianismodo ensino secundário é uma verdadeira política”.

A estabilidade do liceu está ligada também à perenidade da sançãodo seu ensino. No início do século XXI, ainda prepara seus alunos aobaccalauréat , o primeiro grau das faculdades, segundo o decreto de 17março de 1808, em que as provas se baseiam sobre o programa dasgrandes classes depois das instruções de Victor Duruy em 1864. Essediploma resistiu à denominação recorrente de sua preparação – lebachotage4 – e do peso de sua organização, como aos projetos de su-pressão apresentados depois de 1968. Com algumas modificações, àsvezes contraditórias, continua a ser o coroamento do ensino secundárioe do bilhete de entrada nas faculdades – sempre privadas do direito decontrolar o fluxo de estudantes do primeiro ano.

No começo do século XXI, podemos ainda assinalar a continuidadedo recrutamento da elite dos professores de liceu pelo concurso de agre-

gação. Instituído, em 1766, para resolver a crise de recrutamento dosmestres nos colégios parisienses, depois da expulsão dos jesuítas, esseconcurso é abandonado sob a Revolução. Teoricamente restabelecido pelodecreto orgânico da universidade imperial de 17 de março de 1808, só érealmente organizado a partir de 1821, com um recrutamento para asciências e dois para as letras, segundo o nível das classes. É, em seguida,progressivamente especializado entre 1828 e 1840 (a agregação de histó-

ria e de geografia aparecendo em 1830), depois novamente entre 1857 e1869, após o restabelecimento das duas séries de provas – uma para asletras, outra para as ciências – por Fortoul. A proporção de agregadosdentre os professores de liceus (onde exercem também os licenciados eos titulares do certificado de habilidade para o ensino das línguas vivas)eleva-se a 51% em 1842, na época dos colégios reais, 36% em 1865 e48% em 1876. Com a chegada, no fim dos anos de 1870, de um verdadei-

ro ensino superior de letras e de ciências, a agregação, que recebe, em1885, sua organização moderna baseada em longas composições e em

4. N.T. Preparação intensiva para o baccalauréat .

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grandes lições, transforma-se na via normal de recrutamento. Os agrega-dos representam 55% dos professores das classes secundárias dos liceusem 1887, em torno de dois terços na belle époque e até três quartos nomeio dos anos de 1920. O crescimento do número de professores dosecundário nos anos de 1930, na época das premissas da democratização,depois a integração das escolas primárias superiores no segundo grau,sob o nome de colégios modernos, em 1941, reduzem consideravelmenteessas proporções antes mesmo da instituição, em 1950, do certificado dehabilidade ao ensino secundário (CAPES). Mantido em torno de 25% até1958, a porcentagem de agregados, entre o conjunto de professores dosegundo grau, cai para 16% em 1965, 12% em 1970, 7% em 1992 e 11%em 2002. Nessa última data, eleva-se no entanto a 30% em relação so-mente aos professores titulares dos liceus (Verneuil, 2005, p. 140 e p. 239).Podemos estimar que a elite do corpus professoral desses estabelecimen-tos é recrutada, desde o fim do século XIX, por um concurso que sancio-na geralmente uma formação de alto nível em uma dada disciplina.

Em 1968, alguns observadores da instituição sublinhavam tambéma resistência do seu ensino, que eles associavam a um modelo napoleônicorebaixado. Na realidade, os programas e as práticas pedagógicas do li-ceu dos sixties enraizavam-se nas iniciativas inovadoras dos responsá-veis republicanos entre 1880 e 1902. Os reformadores tinham, então,questionado o sistema herdado do colégio de humanidades, que reser-vava o essencial das classes, de uma duração de dez horas, à correção

do trabalho pessoal efetuado durante os estudos e à distribuição de no-vos exercícios. Com certa dificuldade, eles tinham imposto ou generali-zado os cursos magistrais de uma hora, efetuados em princípio pelosprofessores especializados, um emprego de tempo preciso, as classeshomogêneas em relação ao nível e à idade dos alunos, a nota de 0 a 20 eo livro escolar. Sobre o plano pedagógico, não se contentaram de consa-grar a chegada de um ensino moderno; reagindo contra a memoriação, a

retórica e o exercício do discurso, eles tinham privilegiado, por um lado,o método experimental, a observação e a análise dos fatos, e, por outrolado, a explicação do texto, a dissertação e a versão. Enfim, haviamconsagrado, em 1902, a chegada do curso clássico dando um grandeespaço às ciências e ao ensino moderno, sem latim.

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No fim do século XIX e em alguns estabelecimentos até os anos de1930, a vida cotidiana dos alunos do liceu podia parecer imutável. Ins-talados, na metade dos casos, até os anos de 1970, nos prédios dos anti-gos colégios, os liceus mantinham seus alunos afastados do mundo dassalas, às vezes inconfortáveis, e dos cursos obscuros. A vida comum érude, particularmente para os internos, a higiene deplorável e a discipli-na severa. Em 1888, o filósofo Henri Marion, um dos relatores da co-missão encarregada, sob a presidência de Jules Simon, de refletir sobreuma reforma, pergunta-se “como modificar o modelo militar sobre oqual o liceu foi concebido, ao ponto de fazer uma escola de autonomiapara os voluntários?” (apud Prost, 1968, p. 345). A reflexão resultarásomente em medidas de detalhes, como a permissão de falar durante osdeslocamentos e no refeitório, ou a supressão do seqüestro em uma cela!Mas, na belle époque, a vida cotidiana do pensionato Maurice Genevoixainda era ritmada pelas batidas dos tambores, restabelecido em 18485.“De Iéna à batalha de Marne, a vida cotidiana nos liceus e nos colégios

não modifica nada, a não ser por detalhes insensíveis”, conclui PaulGerbod no fim de seu estudo – o primeiro do gênero – sobre as condi-ções de existência nos liceus do século XIX (Genevoix, 1980, p. 74).

O peso do internato no protótipo do liceu e nas lembranças nãodeve, no entanto, mascarar seus limites, nem seu recuo a partir do finaldos anos de 1860. Próximo de dois terços dos alunos no meio do Impé-rio, a proporção desses pensionistas evolui entre 40% e 50% do início

da Restauração ao meio do século, atinge às vezes 56% nos anos de1860, depois diminui regularmente ao longo das décadas seguintes: 51%em 1872, 44% em 1890, 38% em 1898 e 29% em 1908. A nova sensibi-lidade dos pais os conduz a privilegiar a fórmula do externato, maisprecisamente do externato vigiado, que permite conciliar a escolariza-ção no liceu e a vida de família. Outros indícios de evolução e de dife-renciação transparecem em filigramas das observações precedentes so-

bre a permanência da rede de estabelecimentos, do bacharelado, dosensinos e do modo de recrutamento dos professores. Se a influência

5. Maurice Genevoix, Trente mille jours, Paris, Le Seuil, 1980, p. 74.

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napoleônica marcou, por um longo período, a organização do liceu e suaimagem, ela não o modelou, uma vez por todas, de forma exclusiva. Ob-servando mais particularmente as rudezas do panorama, descobrimos umaoutra história, ritmada pelas diferenças e pelas descontinuidades.

Metamorfoses e diversidade dos liceus

As transformações dos liceus obedecem a causas múltiplas – políti-cas sociais, demográficas, culturais – muitas vezes estreitamente liga-das. Para entrever esse processo, evocaremos algumas grandes etapasdas mudanças do quadro institucional, da oferta de ensino e do público.

No século XIX, para uma grande parte da opinião, os valores morale intelectual do humanismo antigo justifica a primazia de seu estudo,que já inspirava o ensino dos colégios do Antigo Regime. Os adversá-rios dessa preponderância a reprovam de ignorar os progressos das ciên-

cias e das técnicas, as necessidades da sociedade contemporânea e asexigências da preparação aos concursos das grandes escolas científicas.Herdeira das Luzes, depois renovada, na época do debate em torno daquestão da escola única, pela denúncia do papel da barreira socialexercida pelo latim, a controvérsia persiste até o século XX. Na suaversão original, o liceu napoleônico estabelecia um equilíbrio entre asletras e as ciências, mas a Restauração, em 1809, a preeminência das

línguas antigas, inaugura um processo que Françoise Mayeur (1977,p. 504) chama justamente o “movimento pendular”. Ao longo das refor-mas, as ciências, conservam um lugar importante apenas nas classespreparatórias às grandes escolas. Fora disso, elas são tratadas como umacessório, repelidas para além da retórica (atual primeira série), ou dis-tribuídas mais equitativamente ao longo do curso, às vezes em compa-nhia das línguas vivas e da história, que se beneficiam da abertura mo-

mentânea dos programas. Mas nenhuma inovação, nenhum retornoao passado, consegue impor-se duravelmente. Nessas condições, a for-mação dos quadros médios da indústria e do comércio é muito parcial-mente assegurada por um modesto ensino especial, que apareceu sob aRestauração e, freqüentemente, integrado pela Monarquia de Julho às

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escolas primárias superiores, anexadas a certos liceus. Reorganizada porVictor Duruy, entre 1863 e 1865, sob o nome de “ensino secundárioespecial”, essa ramificação pretende dispensar uma formação útil, ouaté mesmo profissional, estrangeira à cultura do secundário tradicional,e formar o espírito sem recorrer às humanidades clássicas. Ela encontraum grande sucesso.

No fim do Segundo Império, o estabelecimento principal do ensinosecundário contém, então, não mais dois, mas três cursos diferentes: umensino literário, baseado na cultura clássica e sancionado pelo bachare-lado em letras; das classes preparatórias às grandes escolas, que condu-zem eventualmente ao bacharelado em ciências dos alunos retirados dasúltimas classes da ramificação literária; e um ensino especial, que pre-para mais rapidamente para as carreiras industriais e comerciais. Aolongo das duas últimas décadas do século XIX, a crise das humanidadese o desenvolvimento de um verdadeiro ensino superior literário e cien-tífico impõem reformas mais profundas. Os responsáveis republicanos

que renovam, como vimos, a pedagogia do liceu, especializam tambémseus ensinamentos, institucionalizando definitivamente a ramificaçãoordenada ao lado das humanidades clássicas. Dotado em 1882 de seupróprio bacharelado, batizado “moderno” em 1891, o ensino especial éprogressivamente integrado ao secundário tradicional. A reforma de 1902termina a evolução afirmando a unidade do ensino secundário, reparti-do entre dois ciclos, cujas diversas seções comportam estudos iguais em

duração e em valor. No segundo ciclo, a partir da segunda série, trêsseções clássicas (entre as quais uma atribui um lugar importante às ciên-cias) e uma seção moderna (sem latim) conduzem a um bachareladoúnico, com quatro opções. Mas o lustro durável das letras antigas, comoas tentativas do ensino do francês nessa língua, torna ilusória a paridadeteórica dos cursos. Em 1925, uma reforma tenta aproximá-los unifican-do os programas científicos do segundo ciclo e reunindo os alunos das

diferentes seções em cursos comuns de francês. Sua reforma não resultaem soluções duráveis e a ramificação moderna continua inferior, na suaimagem e no seu recrutamento, até a ascensão das seções científicas apartir dos anos de 1950. O novo interesse das escolas de comércio e dasfaculdades de medicina para as ciências matemáticas ilustra a mudança

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progressiva da hierarquia das ramificações escolares, com um fundo dediscurso modernizador e de elogio da formação científica. Em 1965, aespecialização crescente das seções do segundo ciclo e das séries – teo-ricamente iguais – do bacharelado favorece, de fato, a orientação debons alunos para a seção C, cuja seleção é feita pelas matemáticas. Onovo critério impõe-se mesmo aos hypokhâgneux6, a elite literária, den-tre a qual aumenta a proporção de titulares de um bacharelado C ou deum bacharelado D (a antiga série ciências experimentais).

Os reformadores republicanos, do fim do século XIX, provocaramuma outra ruptura ao se interessar por uma clientela até então negligen-ciada pelo Estado, salvo sob o ministério de Victor Duruy: as mulheres.A Lei Camille Sée, de 21 de dezembro de 1880, institui os externatossecundários femininos, para os quais a ENS de Sèvres, criada em 1881,deve fornecer uma elite de professores. A nova rede desenvolve-se pro-gressivamente: 16 liceus e colégios de meninas existem em 1887, 57 em1893, 103 em 1906, 154 em 1921 e 172 (sendo 79 liceus) em 1939

(INSEE, 1971, pp. 27-28). Destinados à preparação de um simples diplo-ma de conclusão de estudos secundários, os liceus femininos não con-duzem suas alunas à universidade. O que não as impede de transforma-rem-se no crisol das humanidades, fundadas sobre o estudo do francês,das ciências, de uma língua viva, da história e da geografia. Mas elesnão resistem indefinidamente à ascensão do protótipo masculino e datradição clássica. O decreto de 25 de março de 1924 inaugura uma série

de textos que aproxima o ensino secundário feminino de seu homólogomasculino e que autoriza a preparar oficialmente para o bacharelado.Nessa mesma época, os liceus entram, ainda muito timidamente,

em uma nova etapa de sua história: a democratização7. Em 1926, a che-gada à idade da escolaridade pós-elementar, das classes de alunos me-nos numerosos nascidos durante a Grande Guerra, toca particularmenteo secundário, já em concorrência com o primário superior e o setor pri-

vado. As medidas tomadas para frear a queda dos efetivos dos colégios

6. N.T. Letras, curso de preparação à ENS.7. Esse desenvolvimento é baseado em Briand, Chapoulie e Péretz (1979, pp. 391-421).

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e dos liceus – aumento do número de bolsas, anexação de várias EPS,facilitação da seleção – alargam um pouco sua clientela. Nos liceusmasculinos, os bolsistas representam 16% dos alunos das classes secun-dárias em 1921, mas 28,5% em 1930. Depois de estagnado entre 75 mile 78 mil alunos durante os anos de 1920, os efetivos desses estabeleci-mentos aumentam a partir de 1930 e não param de crescer até chegar aototal de 125 mil alunos em 1938-1939. Simultaneamente, as taxas deescolarização masculinas no conjunto das sextas séries públicas, situa-das entre 4,2% e 4,6% antes de 1926, ultrapassam 6%, a não ser porduas exceções. Os liceus saem de um longo período de malthusianismopara entrar em uma fase de crescimento durável. Esse crescimento, quese encontra no conjunto do secundário público, resulta da chegada dasgerações, mais numerosas, do pós-guerra e da supressão, entre 1928 e1933, da retribuição escolar nas classes secundárias públicas. Conjugadacom a saturação das EPS, a gratuidade do externato facilita o acesso aoliceu de alguns alunos das classes médias inferiores. No entanto, o espí-

rito de distinção não desapareceu do uso social desses estabelecimen-tos. Privadas de um corpo docente específico em 1925, mas semprepagos, salvo exceção, as classes elementares (e infantis) dos liceus demeninos e meninas acolhiam 40.400 crianças, em 1938, ou seja, 22%do efetivo total dos alunos.

Pela hostilidade ao espírito da escola única, o regime de Vichy apro-xima a gratuidade do segundo ciclo e o professorado das classes ele-

mentares pela Lei Carcopino de 15 de agosto de 1941. Mas, paradoxal-mente, essa lei continua a ampliar a clientela do ramo secundário,transformando as EPS e as escolas profissionais em colégios modernosou técnicos. Para consolidar o ensino secundário e simplificar o traba-lho de gestão, o Estado francês escolheu associar ao primeiro os princi-pais estabelecimentos encarregados de satisfazer a demanda de escola-rização pós-elementar da pequena burguesia e dos meios populares. Na

Liberação, o restabelecimento da gratuidade do segundo ciclo e a su-pressão oficial do “pequeno liceu” – que não desaparecerá antes dosanos de 1960 – relançam o antigo processo de democratização na suaglobalidade. A ruptura mais importante na história da instituição do li-

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ceu produz-se durante as três décadas seguintes, as “Trinta Gloriosas”,sobre fundo de expansão e de democratização massiva da escolarização.

O futuro do liceu de massa

No curso da “explosão escolar”, segundo a fórmula empregada, desde1961, pelo diretor do instituto pedagógico nacional Louis Cros (1961), onúmero de alunos dos liceus triplica entre o fim dos anos de 1940 (326mil) e o ano de 1961a 1962 (1.009.000). Em seguida, e quando essesestabelecimentos perdem suas classes de primeiro ciclo a partir de 1963,a população do seu segundo ciclo longo dobra praticamente entre 1961 e1962 (353 mil alunos) e 1971 e 1972 (684 mil). Muitos fatores alimen-tam esse crescimento espetacular e contínuo: o crescimento durável danatalidade depois de 1945, a necessidade de empregar uma mão-de-obramais instruída, especialmente em razão do desenvolvimento do comér-

cio terciário, o prolongamento, em 1959, da escolarização obrigatóriapara 16 anos, a elevação do nível de vida, o desejo de promoção.As múltiplas transformações favorecem ou acompanham essa ex-

pansão. Simultâneas ou sucessivas, modificam profundamente a identi-dade do liceu herdada da Terceira República e mesmo, para seus com-ponentes, da forma napoleônica. A rede dos liceus aparecerá estável seaproximarmos os 1.244 liceus de 1968 ou os 1.139 liceus de 1985 dos

1.319 estabelecimentos de 1939 dos quais descendem (liceus, colégios,EPS e estabelecimentos técnicos)8. Mas essa permanência mascara, pelomenos, duas mudanças. O tamanho dos estabelecimentos aumentou bas-tante para absorver o excedente da clientela: um milhão de alunos, emmédia, em 1968 contra 350 em 1939. Sobretudo, a criação, a partir de1963, dos colégios de ensino secundário (CES) priva progressivamenteos liceus das classes de primeiro ciclo, e até mesmo seus edifícios histó-

ricos diante de um liceu novo, circulado de espaços verdes, de canchas

8. Fontes estatísticas desse desenvolvimento: Ministério da Educação Nacional (1969a,p. 21 e p. 36 ; 1969b, p. 14 e p. 263); BUS (s.d., p. 41).

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de esporte e de estacionamentos, abandona seus velhos locais a um CES.A metamorfose da instituição repousa agora na diversidade de seu ensi-no e de suas denominações. A partir da Liberação, o liceu não preparamais somente seus alunos para um bacharelado literário (série filosófi-ca) ou científica (série matemática), herdeiros dos diplomas do séculoXIX, mas também aos bacharelados das ciências experimentais (1946),matemática e técnica (1947), técnica e economia (1954). E, a essas sé-ries gerais (denominadas, após reagrupadas, A, B, C, D, E), o decreto de10 de junho de 1965, que organiza a situação do segundo ciclo por 20anos, adiciona ainda as séries F, G e H do novo bacharelado de técnico.Os qualificativos oficiais utilizados até os anos de 1970 refletem os es-forços de adaptação às evoluções da economia, da sociedade e do siste-ma educativo. Aos liceus “clássicos” e “modernos”, herdeiros da refor-ma de 1902 e rebatizados liceus “de ensino geral”, acrescentam-se osliceus “técnicos” (nome dado, em 1959, às escolas nacionais profissio-nais e aos colégios técnicos), os liceus “agrícolas” (instituídos pela lei

de 1960 e o decreto de 1961), os liceus de “ensino profissional” (nomedado, em 1976, aos colégios de ensino técnico), depois os liceus de“ensino tecnológico”.

Os liceus mudam também, e não somente em suas origens sociais,mais amplas, e na sua idade, mais elevada depois do desaparecimentodo primeiro ciclo em 1963. O liceu para todos é o liceu de todos osníveis, no qual a heterogeneidade aumentada das capacidades e das ex-

pectativas dos alunos coloca delicados problemas pedagógicos e admi-nistrativos. O liceu, depois de 1968, é um espaço de vida mais liberal,onde os adolescentes, maiores com 18 anos desde 1974, elegem os dele-gados, militam, flertam, ao passo que a distribuição de prêmios, a asso-ciação de antigos alunos e outros vestígios de velhos ritos comunitáriosacabam por desaparecer. O liceu dos seventies ainda é aquele “misto”,instituído no segundo grau em 1957 para responder à penúria de locais

de ensino e de professores, imposto em todos os liceus novos a partirdessa data, mas generalizado somente no segundo ciclo, depois do aba-lo de 1968. Tanto a fundação do liceu de moças havia sido discutida,que a escolha oficial do sistema misto, três quartos de século mais tarde,não parece ter suscitado muita emoção. A evolução dos costumes prepa-

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rou suficientemente o terreno? Ou a ausência de projeto educativo ex-plícito impediu qualquer grande debate?

Uma nova transformação na história dos liceus produz-se no meiodos anos de 1980. Depois da instalação de um governo de esquerda, em1981, uma grande reflexão nacional é organizada sobre o sistema esco-lar. Presidida por Antoine Prost, professor da Sorbonne, uma comissãofoi encarregada de redefinir o liceu “na porta do século XXI”. Seu pro-grama está à altura da jogada: imaginar como essa instituição, logobicentenária, pode assegurar o duplo desafio de “conseguir um ensinode massa, sem comprometer, e até mesmo ao contrário melhorando, aqualidade dos estudos” (Prost, 1983, p. 274). Concretamente, três deci-sões engajam o herdeiro do estabelecimento napoleônico em uma novafase de transformação e de crescimento. Jean-Pierre Chevènement, no-meado ministro em julho de 1984, convida-o a conduzir, no ano 2000,80% de uma faixa etária ao nível do bacharelado. Conservada por todosos governos seguintes, essa ambição impõe ampliar ainda mais o jogo

dos ensinos e revalorizar mais as ramificações tecnológicas e profissio-nais. A Lei Carraz, de 23 de dezembro de 1985, empenha-se em reafir-mar essa dignidade criando um bacharelado profissional, preparado es-pecialmente nos liceus “profissionais”, colocados em igualdade com osoutros estabelecimentos. A evolução coloca a polivalência das estrutu-ras: os novos liceus, “de ensino geral e tecnológico ou de ensino tecno-lógico e profissional”, reagrupam os dois tipos de formação. Simulta-

neamente, a descentralização posta em prática melhora o quadro materialda instituição. Transformados em estabelecimentos públicos de ensinopela lei de 22 de julho de 1983, os liceus são, em seguida, postos sob aautoridade das regiões, para tudo aquilo que concerne aos seus prédiose seu funcionamento, pelo decreto de 30 de agosto de 1985. Ora, ascoletividades regionais assumem plenamente suas novas responsabili-dades financiando as grandes obras de construção – perto de 250 liceus

novos aparecem antes do fim do século – e de renovação.Essa rápida mirada na história dos liceus revela uma amálgama depermanências, de mudanças e de rupturas. Sem dúvida, as transforma-ções anteriores aos anos de 1930 parecem mínimas se comparadas àstransformações do século XX. Sem dúvida, podemos assinalar, antes

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disso, a resistência de várias estruturas ou o caráter marginal de algu-mas modificações. Mas o estabelecimento legado por Napoleão não fi-cou tão imóvel quanto nos fazem crer as imagens, cômodas, da escola-caserna ou da escola-prisão. Nenhuma instituição escolar fica, aliás,indefinidamente impermeável às evoluções da sociedade, da cultura edos costumes. Fortemente marcado pelo tamanho original, o liceu é vá-rias vezes retocado, ou até mesmo transformado, nos seus prédios, fun-cionários, professores e alunos. Podemos ler sua história como uma su-cessão de reinvenção, parciais ou totais: uma criação contínua (1802 –anos de 1870), a substituição pelo liceu moderno do modelo napoleônico(1880 – reforma de 1902), as premissas da democratização (1925 e 1945)até a emergência do liceu de massa (depois dos anos de 1960).

***Em 2002, a celebração do bicentenário dos liceus dá um novo im-

pulso à sobreguarda dos recursos, à pesquisa e às publicações. Novasmonografias sobre o estabelecimento foram publicadas ou colocadas no

campo. O Service d’histoire de l’éducation (SHE/Institut National deRecherche Pédagogique-Centre National de la Recherche Scientifique –INRP-CNRS) consagrou ao ensino secundário um número especial darevista Histoire de l’éducation9. Várias manifestações ocorreram em Pa-ris. Uma jornada de estudos sobre os arquivos e as coleções de objetosdos liceus, organizada pelo Centre Historique des Archives Nationales,testemunhou o trabalho recentemente empreendido para preservar e

inventoriar esse vasto patrimônio (Charmasson & Le Goff, 2003). Co-organizado na Sorbonne pelo Centre Roland Mousnier (CNRS e a Uni-versidade Paris IV-Sorbonne) e o SHE (INRP-CNRS), o colóquio“Lycées et lycéens en France, XIXe-XXe siècles” reuniu alguns pesqui-sadores em torno da invenção de um estabelecimento secundário deEstado e de suas mutações. O congresso anual da  Association  Internationale d’Histoire de l’Éducation (International Standing

Conference for the History of Education – ISCHE), reunido na Sorbonne

9. Com uma reflexão, na introdução, sobre a problemática do assunto: “L’établissementsecondaire et l’histoire de l’éducation”.

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e no liceu Louis-le-Grand, com a promoção do SHE e da UniversidadeParis IV, debateu sobre a história institucional, cultural e social do ensi-no secundário em 26 países, cuja metade era não-européia10. Enfim, umcolóquio internacional sobre “La création des lycées et la politiquescolaire de Napoléon”, organizado pelo Institut Napoléon e pela biblio-teca Marmottan, reuniu mais de vinte intervenções sobre a aplicação dalei de 1802, o funcionamento da universidade, a vida nos liceus e aexportação do modelo napoleônico na Holanda, na Itália, na Espanha eno ducado de Varsóvia (Boudon, 2004). Publicados em 2005, os atos docolóquio da Sorbonne apresentam, na introdução, um vasto panoramahistoriográfico e bibliográfico sobre os liceus franceses dos anos de 1860aos nossos dias (Luc in Caspard, Luc & Savoie, 2005).

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10. Algumas intervenções foram publicadas em Mineke van Essen e Rogers (2001) eem Savoie, Bruter e Frijoff (2004).

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Endereço para correspondência:Maria Helena Câmara Bastos e Sabina Ferreira Alexandre Luz

PPGE-PUC-RSAv. Ipiranga, 6681, Prédio 15, sala 382

Porto Alegre-RS

CEP 90619-900E-mail: [email protected]

Recebido em: 19 maio 2006Aprovado em: 29 set. 2006

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Resenhas

Sociabilidades, política, cultura e história:a corte imperial e os espaços públicos

autor Marco Morelcidade São Pauloeditora Hucitecano 2005

A pesquisa apresentada neste livro por Marco Morel1 é versãorevisada da sua tese La formation de l’espace public moderne à Riode Janeiro (1820-1840): opinion, acteurs et sociabilités, defendidana Universidade de Paris I (Pantheón-Sorbonne) em 1995.

Morel, em “As transformações dos espaços públicos: imprensa,atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial, 1820-1840”,

apresenta-nos várias chaves de leitura para um período histórico efer-vescente do Brasil – o primeiro reinado e as Regências. Com esselivro, o autor traz para pesquisadores e pesquisadoras, especialmen-te do âmbito da história, importantes contribuições para o debatedesse campo. O livro também é um convite para quem quer conhe-cer mais sobre a multifacetada constituição do Estado brasileiro.

O trabalho de Morel requer leitura atenta, porém prazerosa, poissua escrita possibilita interação com o leitor. A opção de manter as

transcrições dos documentos originais – mesmo em francês, sem atradução – não prejudica o entendimento do texto, uma vez que háum trabalho muito bem feito na construção textual, de modo quesomos sempre remetidos às transcrições trabalhadas.

Com a “Cidade Imperial” do Rio de Janeiro como recorte geográ-fico, no período de 1820 a 1840, o autor conduz o leitor a uma “nave-gação” inquiridora por um mar de situações complexas. Nessas

situações, a imprensa e os agentes políticos fizeram parte de redes desociabilidades, modificando os espaços por onde se fizeram presentes.

1. Marco Morel é professor do Departamento de História da Universidade Esta-dual do Rio de Janeiro (UERJ).

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O autor estruturou o livro em três núcleos: “As palavras emcena, ou como edificar uma nação após a Revolução (Francesa)”,“Os construtores da opinião: um perfil coletivo” e “Formas de so-

ciabilidade”. A primeira parte é composta de três capítulos: “As re-voluções nas prateleiras da Rua do Ouvidor”, “Identidades políticas:além das intrigas da Corte” e “As três soberanias: Exaltados, Mode-rados e Restauradores”. A segunda parte dividiu-se em: “Rio de Ja-neiro, cidade imperial”, “Trajetórias da ‘nobreza cultural’” e “Emnome da opinião pública: a gênese de uma noção”. Na terceira parte,os capítulos “A Voz Popular através dos manuscritos, gritos e ges-

tos”, “ Luzes, sombras e divisões entre maçonarias” e “Dinâmica dasassociações”, são a essência da pesquisa.É entorno do movimento das palavras, atores políticos e socia-

bilidades que o trabalho se desenvolve de modo que envolva o leitornas tramas dos espaços públicos embasadas em um referencial teó-rico-metodológico alicerçado em cinco eixos (Habermas, Koselleck;Rosavallon; Chartier, Roche, Bordieu; Agulhon, Farge; Guerra), quepermitiram ao autor imersão na história política e cultural.

A atuação do livreiro e editor francês, Pierre Plancher, no Rio deJaneiro conduz-nos, inicialmente, para um trabalho de fôlego que severificará ao término da leitura. Ao percorrer os ambientes de sociabi-lidades desse livreiro – na França e no Brasil –, o autor identifica suaatuação no círculo de comercialização de impressos e as relações es-tabelecidas com as elites das cortes francesa e brasileira. Esse livreiroé considerado agente cultural e comercial por ter exercido papel im-portante nas esferas privada, pública, literária e do Estado.

A relevância dos impressos para compreender os universos cul-tural, educacional, político e histórico tem sido cada vez maisenriquecedora na pesquisa histórica. Com esse trabalho, Morel vemcorroborar ainda mais, de forma clara e objetiva, ao trabalhar comos jornais (impressos de circulação mais ampla). Ele parte da hipó-tese de que uma das facetas desse instrumento de formação de opi-nião teria funcionado como estratégia para a construção do Estado

nacional. Nesse processo, “as identidades políticas” forjaram-se emum intenso debate em que os jornais foram lócus privilegiado.Essas identidades, permeadas de complexidade, recebem de

Morel tratamento meticuloso na análise de documentos como osenviados pelos diplomatas franceses para seus superiores: as “cor-

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respondências diplomáticas do Quai D’Orsay”. Esses documentospossibilitaram ao autor apreender uma visão externa do debate naconstituição política brasileira no período, uma vez que esses diplo-

matas foram atentos observadores da cena política brasileira. Outroponto importante levantado foi o vocabulário utilizado pelos grupospolíticos – Exaltados, Moderados e Restauradores – para autodeno-minarem-se e a seus adversários. Esses grupos empregavam metá-foras, em que animais, monstros e atribuições de anomalias fizeramparte de um léxico político, que exacerbava atritos e disputas pelopoder, em uma permanente tensão que envolvia “códigos locais e

vocabulários políticos”, em uma clara evidência de tentativas deenquadrar, controlar e dominar.Uma das teses do autor é a de que teria ocorrido no Brasil uma

herança2 da Revolução Francesa em que os impressos exerceram im-portante papel mediador de idéias advindas das luzes. Ponto significa-tivo levantado foram os valores dos livros e periódicos negociadospela livraria; do editor e livreiro francês Pierre Plancher. Foi tentandoentender o que as pessoas liam que o autor chegou aos catálogos dessa

livraria, em sua análise, conseguiu conhecer diversos grupos letradosdo Rio de Janeiro no período, apreendendo “seus gostos, pontos deinteresse, profissões, padrões culturais”, em que novas formas de so-ciabilidades se constituíam pós-abdicação de d. Pedro I.

A opinião pública que aí se erguia, na construção dos espaçospúblicos, funcionou como “instrumento de legitimidade política”.Na formação dessa opinião, diversos sujeitos transitaram por espa-ços em que se circunscreveram médicos, jornalistas, bacharéis dedireito, dentre outros.

Na cidade do Rio de Janeiro, que tinha como uma das suas ca-racterísticas espaços públicos tradicionais, nos quais diferentes ato-res circularam, Marco Morel problematiza a geopolítica culturaldesses espaços em que a rua foi um espaço privilegiado para “fazerpolítica”, em que todos, incluindo-se aí aqueles que não tinham in-fluência nas decisões do poder, tinham, de certa forma, uma partici-

pação. As ruas, desse modo, repletas de uma diversidade histórica,

2. O autor trabalha com a noção de “herança” e não “influência” francesa, por con-siderar que a noção de influência submete uma lógica de passividade dos gruposque entram em contato com a cultura francesa, idéia da qual não compartilha.

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social, cultural, econômica e política, figuraram como importantesespaços para a “organização da nacionalidade” que se instituía.

Chamados de formadores de opinião pública, os “homens de

letras” agiram de forma contundente na imprensa, participando ati-vamente do processo de formação nacional. Na cidade imperial,esses homens, oriundos principalmente de cursos universitários por-tugueses, franceses e ingleses, com formação predominante em di-reito e medicina, puseram em prática suas idéias e visões de mundona busca de um “progresso para o Brasil”. Seus percursos mostra-ram como suas vidas foram marcadas por momentos de alternância

entre certo “enquadramento político” e a “liberdade” de manifestarsuas opiniões. “Estes homens de letras apresentavam-se como ci-dadãos e escritores ativos, como construtores da opinião que alme-

  java levar a sociedade a algum tipo de progresso e de ordemnacional” (p. 218).

Na terceira parte do livro, é trabalhado o ponto essencial doestudo, as “sociabilidades”. Apesar de não conceituar explicitamen-te sociabilidade, o autor apresenta alguns elementos para entender-

mos essa noção, como a proliferação de associações, o estudo deagentes históricos, o movimento associativo, o espírito filantrópicoe a base quantitativa. Aspecto que muito vem contribuir para o de-senvolvimento na atualidade de pesquisas que voltam o olhar paraessa dimensão que, décadas atrás, tinha essa problemática como algopraticamente marginal. É na construção das tipologias das sociabili-dades, que o leitor é presenteado com uma refinada análise permeadade apontamentos para continuidades possíveis de pesquisas no Bra-sil. O teatro e a rua, sociabilidades “informais”, e as associações,“sociabilidades formais”, mereceram atenção especial do autor. Nesseponto, destacam-se as associações maçônicas, que corresponderama 42% das associações identificadas. É interessante observar a cir-culação dos maçônicos por outras instituições nas quais demarca-ram pertencimentos múltiplos em que permearam nesses outrosespaços maneiras outras de pensar.

Pensar as estratégias de grupos das elites brasileiras, para man-terem-se ao mesmo tempo ligadas ao poder imperial, e com algumaliberdade de expressão da opinião em suas alianças, alarga nossoentendimento desses grupos, particularmente pelo fato de muitasvezes tendermos a vê-los de forma homogênea. Além disso, no caso

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do Primeiro Reinado, para manter certa coesão desses grupos, oimperador não abriu mão de lançar mecanismos, como as condeco-rações, para tentar agradar determinados grupos, que de certo modo

os colocava sob seu olhar disciplinador, mostrando redes de nego-ciação na busca por uma legitimidade.

Vale indicar também outros livros do autor que ajudam no“desbravamento” da história do Brasil. Frei Caneca, entre Marília ea Pátria (1987); Cipriano Barata na sentinela da liberdade (2001);Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil doséculo XIX – este em co-autoria com Mariana Gonçalves Monteiro

de Barros (2003) – e O período das Regências (2003).

 Marileide Lopes dos Santos Mestranda no Programa de Pós-Graduação: Educação

Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora

do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação(GEPHE ). Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq).

Endereço para correspondência:Rua Geraldo de Oliveira, 56 – Vila Fazendinha

Belo Horizonte-MG

CEP 30250-458

E-mail: [email protected]

Recebido em: 29 nov. 2006Aprovado em: 4 dez. 2006

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Orientação aos Colaboradores

A  Revista Brasileira de História da Educação publica arti-gos, resenhas e notas de leitura inéditos no Brasil, relacionados àhistória e historiografia da educação, de autores brasileiros ouestrangeiros, escritos em português ou espanhol, reservando-se odireito de encomendar trabalhos e compor dossiês. Os artigos devemapresentar resultados de trabalhos de investigação e/ou de refle-xão teórico-metodológica. As resenhas devem discorrer sobre o

conteúdo da obra e efetuar um estudo crítico, podendo versar so-bre textos recentes ou já reconhecidos academicamente. As notasde leitura devem trazer uma notícia de publicação recente.

Seleção dos trabalhos

Os artigos recebidos serão submetidos anonimamente a doispareceristas ad hoc, sendo necessária a aprovação por parte de am-bos. No caso de divergência dos pareceres, o texto será encaminhado

a um terceiro parecerista. A primeira página deve trazer o título doartigo, sem indicar nome e inserção institucional do autor. Deve con-ter também o resumo em português ou espanhol, o resumo em inglês(abstract ) e cinco palavras-chave em português ou espanhol e eminglês. Em folha avulsa, o autor deve informar o título completo doartigo em português ou espanhol e inglês, seu nome, titulação e insti-tuição a que está vinculado, projetos de pesquisa dos quais participa.

Deve constar ainda o endereço, telefone e e-mail que serão divulga-dos pela revista. Caso estes dados não forem os mesmos para o rece-bimento de correspondência, favor notificar à secretaria.

As resenhas e notas de leitura são avaliadas no âmbito da Comis-são Editorial.

 Normas gerais para aceitação de trabalhos

Os originais devem ser encaminhados em três vias impressas e

uma cópia em disquete, observando-se o formato: 2,5cm de margemsuperior e inferior e 3cm de margem direita e esquerda; espaço entre-linhas de 1,5; fonte Times New Roman no corpo 12.

Os trabalhos remetidos devem seguir a seguinte padronização:

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Extensão mínima e máxima, respectivamente:

• Artigos – de 30 mil caracteres a 60 mil caracteres com espaços

(aproximadamente de 15 a 25 páginas);• Resenhas – de 8 mil caracteres a 15 mil caracteres com espa-

ços (aproximadamente de 4 a 8 páginas);• Notas de leitura – de 2 mil caracteres a 4 mil caracteres com

espaços (aproximadamente de 1 a 2 páginas);• Resumos e abstracts – de 700 caracteres a 800 caracteres com

espaços (aproximadamente 10 linhas);• As indicações bibliográficas, dentro do texto, devem vir no

formato sobrenome do autor, data de publicação e número dapágina entre parênteses, como, por exemplo: (Azevedo, 1946,p. 11). As referências no final do texto devem seguir as nor-mas da ABNT NBR 6023: 2000. Notas de rodapé, em nume-ração consecutiva, devem ter caráter explicativo;

• As citações devem seguir os seguintes critérios: a) citaçõestextuais de até 3 linhas devem vir incorporadas ao parágrafo,transcritas entre aspas, seguidas do sobronemo do autor da ci-

tação, ano da publicação e número da página, entre parêntese;b) citações textuais com mais de três linhas devem aparecerem destaque em um outro parágrafo, utilizando-se recuo (4cmna margem esquerda), em corpo 11, sem aspa.

A Comissão Editorial só aceitará artigos apresentados com asconfigurações acima descritas, trabalhos fora deste padrão serão re-cusados automaticamente.

A revista não devolve os originais submetidos à apreciação. Osdireitos autorais referentes aos trabalhos publicados ficam cedidospor um ano à Revista Brasileira de História da Educação.

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