historia da economia - revista interdisciplinar
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Histria eEconomia
Revista Interdisciplinar
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Histria eEconomia
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HISTRIA E ECONOMIA - revista interdisciplinar.
Brazilian Business School. - v. 7, n. 1, (2010). - So Paulo:
Meca Comunicao, 2010
Semestral
ISSN 1808-5318
1. Histria - Peridicos 2. Economia - Peridicos 3. Finanas -
Peridicos 4. Brasil - Peridicos I. Brazilian Business School.
CCD 330.981
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Expediente
Histria e EconomiaRevista Interdisciplinar
BBS Brazilian Business School
Editor:John Schulz
Vice editor:Adalton Francioso Diniz
Secretrios gerais:Roberta Barros Meira, Rafael Balan Zappia
Secretrio adjunto:Anderson Floriano
Conselho editorial:
Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Csper Lbero;PUC- SP) Andr Villela (EPGE/FGV) Antnio
Penalves Rocha (USP) Carlos Eduardo Carvalho (PUC/SP) Carlos Gabriel Guimares (UFF)
Flavio Saes (USP) Gail Triner (Rutgers University) Jaime Reis (ICS - Universidade de Lisboa)
John Schulz (BBS) Jonathan B. Wight (University of Richmond) Jos Luis Cardoso (ICS - Uni-
versidade de Lisboa) Marcos Cintra (Unicamp) Pedro Carvalho de Mello (ESALQ) Renato Leite
Marcondes (USP/Ribeiro Preto) Ricardo Feij (USP/Ribeiro Preto) Steven Topik (University of
California Irvine) Vitoria Saddi (INSPER)
Agradecimento aos pareceristas externos:
Rogrio Arthmar (UFES)
Luiz Eduardo Simes de Souza (UFAL)
Alexandre Queiroz Guimares (PUC - MG)
Wilson Luiz Rotatori Corra (UFSJ)
Fausto Saretta (UNESP)
Jnia Furtado (UFMG)
Antnio Juc (UFRJ)
Projeto grfco e arte: Meca Comunicao Estratgica Tel. 55 11 2447-0681
Apoio editorial: Denise Freitas
Diagramao: Valter Luiz de Freitas
Tiragem:1.000 exemplares
Impresso: Neoband
BBS Brazilian Business School
Al. Santos, 745 1 andar So Paulo SP Brasil
Tel. 55 11 3266-2586 Fax 55 11 3289-3345
[email protected] www.bbs.edu.br
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Sumrio
Apresentao
O momento de Histria e Economia
The moment of Histria e Economia
Conselho editorial.....................................................................................................................................9
Nota do editor
Editors note
John Schulz.............................................................................................................................................11
Artigos
In Hoc Signo Vinces: moeda e poder da monarquia na poca moderna
Grasiela Fragoso da Costa.......................................................................................................................13
A parte onde cria aquele onde menos ouro se v: ouro e crdito em Minas Gerais durante o
sculo XVIII
Raphael Freitas Santos...........................................................................................................................31
Poltica econmica e crises cambiais: A gesto fnanceira do Imprio do Brasil nos primrdios
do padro-ouro (1846-1858).
Jos Tadeu de Almeida............................................................................................................................49
Cmbio: uma questo da poltica
Esther Kuperman....................................................................................................................................67
Regimes Cambiais: A Teoria na Prtica
Joo Basilio Pereima / Marcelo Curado.................................................................................................87
Roteiro para submisso de artigos....................................................................................109
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O Pas e as Disciplinas
e propores continentais, o Brasil
se fechou em si mesmo ao longo da
segunda metade do sculo 20. A in-
dustrializao tardia do Pas materializada sob a
forma de substituio de importaes foi o tema
dominante nesse perodo. Durante a ltima dca-
da, entretanto, a viso do Brasil mudou de forma
signicativa. Tal episdio teve tambm repercus-
so na academia, observando um movimento no
qual tanto a esquerda quanto a direita passa-
ram a buscar novas idias de fora do Pas. Os his-
toriadores e economistas procuraram entender omundo inclusive em reas nas quais o Brasil pos-
sua pouco contato prvio. Atualmente, a Cora
do Sul e a ndia podem ser modelos para o Brasil.
Neste nterim, o Brasil, que liderou o
mundo em termos de crescimento econmico
por diversas dcadas e, recentemente, superou
um processo de pr-hiperinao, tem muito a
contar para o mundo. Ao nosso ver, Histria e
Economia um frum multilingustico para es-
tudiosos brasileiros e de outros pases. Tambm
entendemos que esta revista uma forma na qual
os pesquisadores do Brasil podem expressar suas
experincias a acadmicos e demais interessados
no exterior.
Os estudos interdisciplinares estiverem
em voga, no mnimo a partir da publicao dosAnnalles em 1929. Os historiadores, em sua
grande maioria, apesar de serem inuenciados
por idias de reas distintas, raramente produzi-
O momento de Histria e Economia
The moment of Histria e Economia
D
The Country and the Disciplines
f continental proportions Bra-
zil looked predominantly inwards
throughout most of the second halfof the twentieth century. Import substitution and
autarky dominated thinking accross the politi-
cal spectrum. Over the past decade the outlook
changed dramatically with both the left and
the right searching outside for new ideas and
for material fulllment. Historians and econo-
mists seek to understand the world including ar-
eas with which Brazil had little previous contact.
Today South Korea and India may be role modelsand are at least benchmarks for Brazil.
Meanwhile Brazil, which led the world
in economic growth for a number of decades,
and which recently overcame near hyperina-
tion, has something to tell the rest of the world.
We view Histria e Economia as a multi-
lingual forum for both Brazilian and internation-
al scholars. We also see our journal as a means
by which Brazilian researchers communicate the
Brazilian experience to academics and other in-
terested parties abroad.
Interdisciplinary studies have been in
vogue at least since the appearance of the An-
nales in 1929. In practice, historians, although
inuenced by ideas from many elds, rarely un-
dertake research in conjunction with scholars
trained in other disciplines. Collective studies
tend to be by groups of historians. Brazil has a
O
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ram trabalhos em co-autoria com acadmicos de
outras disciplinas. Esforos coletivos tendem a
incluir apenas historiadores. Esta revista preten-
de ser um frum de propagao de idias ino-
vadoras de historiadores e economistas. De fato,o Brasil tem um grande nmero de economistas
cujos trabalhos de histria econmica possuem
reconhecimento internacional e contriburam
para o avano da histria. Tal tradio teve incio
nos anos 50 com Celso Furtado, seno antes. As-
sim, usando da credibilidade desses acadmicos
brasileiros, o intuito da revista o de estimular
a pesquisa e a comunicao por acadmicos das
duas disciplinas.
A revista abarca trs reas: histria eco-
nmica geral, histria nanceira e histria das
idias econmicas. Em histria nanceira inclu-
mos moeda, instituies e instrumentos nan-
ceiros e nanas pblicas. A histria das idias
econmicas abrange as adaptaes que econo-
mias, como as do Brasil e de Portugal, termina-
ram por implementar no pensamento econmicotradicional.
Ser por meio do encontro entre histria
e economia e do Brasil com o mundo que esta
revista dever fazer sua contribuio.
Conselho editorial
large number of outstanding economists whose
work on economic history is recognized around
the world. This tradition started with Celso
Furtado in the fties if not earlier. We intend to
take advantage of this existing situation to en-courage research and communication by schol-
ars of both disciplines.
Histria e Economia dedicates itself to
three areas: General Economic History, Finan-
cial History and the History of Economic Ideas.
Within Financial History we include money, -
nancial institutions and instruments, and public
nance. The History of Economic Ideas encom-passes the adaptations that relatively backward
economies, such as Brazil and Portugal, have
made of economic thought from the advanced
countries.
It is on the intersections of history and
economics and of Brazil and the world where we
wish to make our contribution.
Editorial board
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ince the medieval bill of Exchange,
exchange has been a major preoccu-
pation for international businessmen.
Brazil suffered exchange problems almost atbirth as her currency fell by two thirds during
the countrys rst decade. Once the separatist
movements terminated, the imperial authori-
ties turned their attention to exchange policy
including a lengthy debate on the virtues of
convertible currency. Although the country only
adopted the gold standard in 1906, the system
which prevailed during the previous two genera-
tions gave the economy most of the advantages
of the gold standard and price stability while al-
lowing a oat during periods of low commodity
prices. World War I and the Depression together
destroyed the gold standard, and the Vargas
Government of the 1930s imposed stringent ex-
change controls. These controls survived longer
in Brazil than they did in most other states. Bra-
zils currency became convertible only in 1989while even today exporters and investors face a
good deal of bureaucracy to close exchange.
The BBS Historia e Economia Seminar
on Exchange, held last August 13, had as key-
note speakers Arnim Lore and Celina Arraes.
My friend Arnim was the director of the Central
Bank who presided over the dismantling of ma-
jor exchange controls in 1989. Today he the vice
president of the FIESP (Federation of Industriesof So Paulo) Committee on International Trade.
Celina served as international director of the
Nota do editor
Editors note
Sesde o perodo medieval, as letras de
cmbio tm sido uma grande preocu-
pao dos empresrios internacionais.
O Brasil teve problemas de cmbio praticamentedesde o nascimento, quando a sua moeda caiu
em dois teros durante a primeira dcada do pas.
Uma vez que os movimentos separatistas foram
encerrados, as autoridades imperiais voltaram
sua ateno para a poltica de cmbio, incluin-
do um longo debate sobre as virtudes da moeda
convertvel. Embora o pas s adotasse o padro
ouro em 1906, o sistema que prevaleceu durante
duas geraes anteriores deu economia a maio-
ria das vantagens do padro-ouro e a estabilida-
de dos preos, permitindo uma utuao durante
o perodo de preos baixos das commodities. A
I Guerra Mundial e a Depresso em conjunto
destruram o padro-ouro, e o Governo Vargas
da dcada de 1930 imps controles rigorosos
no cmbio. Esses controles sobreviveram mais
tempo no Brasil do que na maioria dos outrosestados. A Moeda tornou-se conversvel no Bra-
sil apenas em 1989, embora os exportadores e os
investidores ainda hoje enfrentam uma boa dose
de burocracia para fechar cmbio.
O Seminrio BBS Histria e Econo-
mia sobre o Cmbio, realizada em 13 de agosto
passado, teve como palestrantesArnim Lore e
Celina Arraes. Meu amigo Arnim foi diretor do
Banco Central, que presidiu o desmantelamen-
to dos controles de cmbio em 1989. Hoje, ele
vice-presidente da FIESP (Federao das In-
D
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Nota do editor
dstrias de So Paulo) - Comisso do Comrcio
Internacional. Celina atuou como diretora inter-
nacional do Banco Central no governo que acaba
de terminar. Ela liderou iniciativas para criao
de um mecanismo de compensao da AmricaLatina que utilizasse moedas locais e diminusse
o trabalho dos exportadores. As duas participa-
es nos honraram profundamente.
Nosso seminrio foi aberto com uma
histria geral de cmbio no Brasil apresentada
por Andr Villela, professor da Fundao Getu-
lio Vargas no Rio de Janeiro e um dos membros
de nosso conselho editorial.
Tivemos tambm cinco apresentaes
que publicaremos nesta edio. Duas so rela-
cionados com a circulao de ouro e de crdito
durante o perodo colonial, uma na tentativa de ir
do padro-ouro no ano 1846-1858, e duas sobre
as polticas de troca contempornea. Como sem-
pre, estamos ansiosos por comentrios e crticas.
O conselho editorial gostaria de expres-
sar seu agradecimento a Roberta Barros Meira
pela coordenao deste seminrio e desejar-lhe
sorte na organizao de nosso seminrio para
este ano que ser: Sustentabilidade: Dimenses
histricas e econmicas.
Central Bank in the government which
just ended. She led initiatives to establish a
Latin American clearing arrangement which
utilizes local currencies and to reduce paper
work for exporters. Their participation honorsus profoundly.
Our seminar opened with a general his-
tory of exchange in Brazil delivered by Andr
Villela, a professor at the Fundao Getulio Var-
gas in Rio de Janeiro and one of the members of
our editorial board.
We also had ve presentations which weare publishing in this issue. Two are related to
gold, circulation, and credit during the colonial
period, one on the attempt to go on the gold stan-
dard in the years 1846-1858, and two on con-
temporary exchange policies. As always we look
forward to comments and criticism.
The editorial board would like to express
its appreciation to Roberta Barros Meira forcoordinating this seminar and wish her luck in
organizing our seminar for this year which shall
be: Sustainability: Historical and Economic
Dimensions.
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In Hoc Signo Vinces
moeda e poder da monarquia
na poca moderna
Grasiela Fragoso da CostaMestrado/UFRJ/[email protected]
Resumo
Por que criar uma Casa da Moeda na Amrica Lusa em nais do sculo XVII?
Para compreendermos o terreno dessa discusso, analisaremos a situao do meio circulante e as diculdades econmicas advindas
da falta de numerrio nas principais praas comerciais da Amrica Lusa no sculo XVII. Num segundo momento, examinaremos
duas fases dessa instituio: a Casa da Moeda Itinerante, na qual essa instituio circulou pela Capitania da Bahia, do Rio de Ja-
neiro e de Pernambuco entre 1694 a 1702, com o objetivo de se cunhar a moeda provincial, uma moeda especca para a Amrica
Lusa, com cunho e valor diferentes das do reino; e a Casa da Moeda Denitiva, que se inicia em 1703 na capitania do Rio de Janeiro,
fruto de uma outra paisagem poltica, com maior peso na complicada trama de formao da Monarquia Portuguesa.
.
Palavras-chaves:Moeda metlica, Casa da Moeda, Rio de Janeiro, sculo XVIII
Abstract
Why create a mint in Portuguese America in the late seventeenth century?
To comprehend this discussion, we analyzed the situation of the currency and the economic difculties that were consequences of
the lack of cash in the main business centers of Portuguese America in the seventeenth century. Then, we examined two phases of
this institution: 1- the Itinerant Mint, which moved among three captancies: Bahia, Rio de Janeiro and Pernambuco between 1694
and 1702. The mints goal was to produce the provincial currency: a specic currency for Portuguese America, with different values
from that of continental Portugal Kingdoms one), and 2- the Permanent Mint, which opened in 1703 in Rio de Janeiro, the result ofa new political landscape, with more importance to the development of the Portuguese Monarchy.
Key words:Currency, Mint, Rio de Janeiro, Eigtheenth Century
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O
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna
Moeda e metais preciosos
So as moedas uns documentos com queigualmente se autorizam as histrias; porque,
por elas, se entra no conhecimento da grandeza
e do poder dos soberanos, pela riqueza dos me-tais e pela diversidade dos cunhos. 1
btidos pela fora, pela conquista de
novos territrios e, na maioria das ve-
zes, pelo comrcio, os metais precio-
sos, personicados nas moedas, desempenharam
um importante papel nas economias modernas.
Alm de matria-prima para a fabricao domeio circulante, eram eles ingredientes indispen-
sveis no exerccio de poder e de soberania real,
na medida que compunham o que Eli Heckscher
denominou de entesouramento, de potncia -
nanceiranas mos do prncipe (HECKSCHER,
1983, 654).
Segundo o mesmo autor, as reservas de
metais preciosos existentes dentro de um reino
eram uma das bases mais importantes de poder
da Monarquia, pois sua soberania, sua autono-
mia frente s outras Monarquias se traduzia por
sua capacidade de entesouramento, ou seja, na
reserva de objetos caros e de fcil realizao,
guardados para serem utilizados num momento
de necessidade sbita e inesperada, como uma
m colheita ou mesmo uma guerra:
Um prncipe deve contar com umgrande tesouro, e tambm seus sditos, para
fazer frente a todas as eventualidades. (...) Se
tivssemos guerra ou uma m colheita, como
temos tido, ou se necessitssemos de uma ar-
tilharia, armas ou outra ajuda do estrangeiro,
no a moeda que atualmente dispomos que
poderia nos abastecer disso. E o mesmo ocor-
reria se padecssemos de uma grande penria
de trigo dentro do pas... Nossas mercadorias
no poderiam, tampouco, em caso de sensvelescassez, contrastar essa situao, nem sequer
1 SOUZA, C. Histria Genealgica da Casa Real Portugueza e dosDocumentos, Lisboa:Rgia Ofcina Sylviana e Academia Real, 1749,p.100.
nos anos de abundncia no bastam para pro-
curarmos a quantidade suciente de artigos ne-
cessrios. Portanto, se se juntassem a guerra e
uma m colheita, como outras vezes ocorreu,
o que teramos de fazer? Nos veramos, indu-
bitavelmente, em uma situao muito difcile expostos a um grande perigo por parte do
estrangeiro.Em troca, se existisse um tesouro
acumulado dentro do pas, estaramos, apesar
da guerra e da m colheita, em condies de
lhes fazer frente durante dois ou trs anos. (...)
O dinheiro , por assim dizer, uma despensa na
qual se armazenam todas as mercadorias apete-
cveis. (HECKSCHER, 1983, 657)
Esse texto, datado do sculo XVI, nosd uma boa amostra de como era sabido que a
falta de um tesouro poderia tornar vulnerveis
as defesas de um reino. Nesse mesmo trecho, o
autor descreve o dinheiro como uma dispensa,
na qual se armazenam todas as mercadorias.
Percebemos com isso mais uma funo da mo-
eda: alm de poder ser utilizada como uma re-
serva de valor, a moeda se constitui tambm em
instrumento que viabiliza e agiliza as trocas. Em
outras palavras, a moeda, em especial as cunha-
das em metal precioso, ouro ou prata, funciona
como o equivalente geral das trocas, ou seja, a
mercadoria especca pela qual todas as outras
mercadorias comparam e medem o seu valor, e
pela qual se pode adquirir qualquer outra merca-
doria. (MARX, 1983, 31-149)
Demonstrando o quo vital representava
a moeda para os reinos, no perodo compreen-
dido em nossa anlise era comum que a moeda
aparecesse em documentos, relacionada ima-
gem do sangue, vital elemento que, ao circular,
d vida s partes do corpo. A carta do Governa-
dor do Brasil, Cmara Coutinho, de 1694, um
bom exemplo:
Toda a opresso, e runa que se teme,
nasce da falta do dinheiro, que aquele nervo
vital do corpo poltico, ou o sangue dele, que
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derivando-se e correndo pelas veias deste cor-
po, o anima e lhe d foras... 2
Ao circular, a moeda ativava as trocas
comerciais e nutria o corpo poltico da Monar-
quia, mantendo a vitalidade de sua economia e
sua fora perante o estrangeiro. Essa fora, trans-
gurada no poder de compra da moeda cunhada
sob a efgie e as armas do monarca em exerccio,
estava ligada reserva interna de metais, o en-
tesouramento, pois nas trocas feitas entre dife-
rentes reinos a moeda era cotada por seu valor
intrnseco, ou seja, pela quantidade de metal
precioso nela existente. Logo, quanto mais metaldisponvel para a cunhagem, maior o nmero de
moedas e maior a quantidade de metal precio-
so no seu toque. Ao contrrio, se houvesse uma
baixa nas reservas de metais, a Monarquia tinha
de promover a alterao do seu valor nominal,
ou de face, para compensar a escassez. Todavia,
essas alteraes aumentavam o poder de compra
dessa moeda somente no interior de seus do-
mnios, desvalorizando-as perante as trocas noestrangeiro.3
A partir disso, podemos perceber como a
imbricao moeda-metal precioso era, na viso
mercantilista, signo de poder e de soberania real,
uma vez que proporcionava Monarquia o sus-
tento do seu corpo poltico e sua capacidade de
reiterao no tempo.4
Para impor sua poltica monetria no es-
trangeiro frente s outras Monarquias e interna-
mente frente a seus sditos, o monarca contava
com o empenho de uma instituio em particular,2 Fragmento da carta do Governador do Brasil, Antnio LusGonalves Cmara Coutinho de 1692. Apud Anais da BN do RJ vol.LVII, 1935, pp.147-153. BRAUDEL, F. A Moeda In: ____.Civilizaomaterial, Economia e Capitalismo, sculo XV-XVIII, vol 1, So Paulo:Martins Fontes, 1997, p.399-437.3 Essa prtica era denominada de levantamento da moeda. Esses levan-tamentos, na verdade, rebaixavam o valor da moeda, pois consistiam
num aumento do seu valor extrnseco, ou valor nominal, sem alterar aquantidade de metal precioso existente no seu toque, ou seja, seu valorintrnseco.4 Para saber mais sobre o assunto: DEYON, P. O Mercantilismo. SoPaulo: Editora Perspectiva, 1992; FALCON, F. J. C. Mercantilismo eTransio, So Paulo: Brasiliense, 1996.
a Casa da Moeda. Criada para zelar pela quali-
dade e delidade do dinheiro em circulao, a
Casa da Moeda tinha o monoplio da emisso
das moedas e da cotao dos metais preciosos
em circulao.5
Seus membros, denominadosem geral de moedeiros, possuam privilgios es-
peciais e juravam na sua cerimnia de sagrao
f e lealdadeno servio Coroa.
A primeira Casa da Moeda instalada
na Amrica Portuguesa data de 1694. Ao ana-
lisarmos o contexto poltico-econmico desse
perodo, vemos como a moeda, ou melhor, sua
escassez e aviltamento, era um problema de pri-meira grandeza. Problema esse que afetava no
s a sede da Monarquia, como tambm suas
conquistas na Amrica Lusa. O sculo XVII foi
um perodo de grande diculdade para a Monar-
quia Portuguesa, uma vez enredada por conitos
internos que marcaram a separao das Coroas
de Espanha e Portugal, a Monarquia Restaurada
teve de lidar com um estado crescente de di-
culdades nanceiras, advindas das despesas deguerra e da montagem do novo governo.6
No ultramar, a ofensiva holandesa e
inglesa contribuiu para o agravamento da situ-
ao. No Oriente, a entrada desses novos perso-
nagens nas transaes comerciais gerou a perda
do monoplio portugus sobre o comrcio das
especiarias, resultando numa forte queda nos
rendimentos do Estado da ndia. No Ocidente, os
holandeses conseguiram tambm atrapalhar dois
dos principais negcios lusos no Atlntico: a pro-
duo de acar com a tomada de Pernambuco,
Olinda e Recife, nos anos de 1620 e o comr-
cio de escravos com a conquista de Angola por
5 Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar naCasa da Moeda, Lisboa, 1687. Apud GONALVES, C. B. A Casa daMoeda do Brasil, 290 anos de sua histria. Editora: Casa da Moeda,RJ, 1989, p.113-137.
6 Sobre as guerras de restaurao em Portugal: GODINHO, V. M. 1580e a Restaurao In: ____. Ensaios II, Sobre Histria de Portugal, Lis-boa: Livraria S da Costa Editora, 1978, p. 257-291. Sobre a situaonanceira no reino nesse perodo: HESPANHA, A. M. A Fazenda In:____. (Org.) Histria de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: EditorialEstampa, 1998, pp. p.203-238.
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volta de 1640.7
A situao se complicou ao longo do
sculo. O acar brasileiro nesse momento um
dos principais produtos de reexportao do qualPortugal dependia para pagar as importaes es-
senciais sobrevivncia de sua economia es-
tava em baixa no continente europeu, devido s
guerras do norte da Europa e da concorrncia da
produo aucareira das Antilhas holandesas e
inglesas.8
Essa instabilidade econmica se re-
etia nos constantes desequilbrios da balanacomercial lusa. O numerrio j escasso nessa
poca, em parte por causa do declnio das im-
portaes de prata vinda da Amrica espanhola,
esvaa-se para fora do Reino. Conforme obser-
vou Thomas Maynard, cnsul-geral ingls em
Lisboa, em 1671:
Todo o acar deles que chegou este
ano, com todos os produtos que este Reino pdeexportar, no pagar sequer metade das merca-
dorias que so importadas, portanto, todo dinhei-
ro sair do Reino deles dentro de poucos anos 9
O colapso nanceiro acabou por gerar
uma crise monetria. A moeda j escassa passou
a sofrer sucessivas deterioraes. Para remediar
a carncia e o aviltamento da moeda metlica,
a monarquia portuguesa tomou algumas medi-das. Uma das mais polmicas foram as leis de
levantamento da moeda. O que signicava esse
7Sobre a ofensiva holandesa e inglesa no ultramar: ALENCASTRO,L. F. As guerras pelos mercados de escravos In: ____. O Trato dosViventes, So Paulo: Cia. das Letras, 2000, p.188-246. BOXER, C.R. A luta global com os holandeses In ____. O Imprio MartimoPortugus. 1415-1825. So Paulo: Companhia das Letras, 2002,p.120-140. CHAUDHURI, K. A Concorrncia Holandesa e Inglesa In:BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (Orgs.) Histria da ExpansoPortuguesa, Do ndico ao Atlntico, Lisboa: Crculo de Leitores, 1998,vol 2, p.82-106. MELLO, E. C. Olinda Restaurada, Guerra e Acar noNordeste, 1630-1654. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
8Refere-se a importao de produtos como: cereais, tecidos e outrosprodutos manufaturados. GODINHO, V. M. Flutuaes econmicas edevir estrutural do sculo XV ao sculo XVII; Portugal, as frotas doacar e as frotas do ouro In: ____. Ensaios II... p.177-205 e 425-448,respectivamente.9 Apud BOXER, C. R. O Imprio Martimo Portugus... p.164.
levantamento?
Os levantamentos da moeda
Levantar moeda consistia em reco-
lh-la e fundi-la novamente ou simplesmentecarimb-la com um novo valor, mais alto do que
o anterior. O levantamento, na verdade, era um
rebaixamento do valor da moeda, pois se referia
a um aumento do seu valor extrnseco, ou valor
nominal, sem alterar a quantidade de metal pre-
cioso existente no seu toque, ou seja, seu valor
intrnseco.
Esses levantamentos eram tambm ummeio de se arrecadar impostos, pois, a cada re-
marcao, uma pequena parte do metal precioso
era conscada pela Coroa.10Conforme Rita de
Sousa, entre 1640 e 1688, contam-se seis des-
valorizaes para o ouro e cinco para a prata,
que se traduziram no montante de 243% e 133%
respectivamente:
No perodo compreendido entre 1640e 1688, a poltica monetria caracterizou-se por
intensas desvalorizaes que, sobretudo, visa-
ram um aumento das receitas do Estado atra-
vs das receitas de senhoriagem. Um conjunto
de medidas legislativas refere explicitamente
a canalizao dos lucros das recunhagens e
contramarcaes para as despesas de guerra.
(SOUSA, 1999, 76-115)11
10LEVI, M. B. Elementos para o Estudo da Circulao da Moeda naEconomia Colonial In: Estudos Econmicos, 13 (n especial), FEA/USP, p.825-840, 1983. Para saber mais sobre o assunto: SAMPAIO, A.C. J. Crdito e circulao monetria na Colnia: o caso fuminense,
1650-1750. Anais do V Congresso Brasileiro de Histria Econmicae 6 Conferncia Internacional de Histria de Empresas. ABPHE, 20.FARIAS, S. de C. Moeda In: VAINFAS, R. (Dir.) Dicionrio do BrasilColonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.403-405. VIEI-RA, D. T. A Poltica Financeira. In: Holanda, S. B. (Dir.) Histria Geralda Civilizao Brasileira - I. A poca Colonial - 2. Administrao,Economia e Sociedade. So Paulo: Difel, 1985, p.340-351.11 O imposto de senhoriagem cobrado aos particulares na Casa daMoeda, sempre que estes a ela se dirijam para transformar metais emmoeda ou recunhar moedas que no cumprem as devidas condieslegais. A diferena estabelecida na lei entre o preo do metal em barra eo preo do metal em moeda igual ao imposto de senhoriagem, sendo o
montante anual deste imposto funo quer da taxa, quer do volume anu-al de amoedao. No caso da cunhagem no ser gratuita, a existnciadeste imposto faz com que os particulares se dirijam Casa da Moedaapenas quando o valor monetrio excede o valor metlico./Essa tese jse encontra disponvel na verso impressa pelo Instituto Nacional, Casada Moeda, Lisboa, ano de 2006.
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna
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Alm destas medidas que desvaloriza-
vam a moeda, diminuindo seu poder de compra
no estrangeiro12, o dano do cerceio tinha se tor-
nado uma verdadeira calamidade. O cerceamento
da moeda consistia na raspagem de suas bordascom o intuito de extrair fragmentos do seu metal,
para a cunhagem de novas moedas. (MADEIRA,
1993, 33-34) A prtica do cerceio, que alterava o
peso da moeda, e as constantes remarcaes que
mudavam seu valor nominal acabaram por faci-
litar a falsicao, tanto por meio do aviltamento
da liga como na alterao do valor nominal da
moeda.
A Amrica Lusa tambm sofria com essa
escassez e deteriorao do meio circulante. A
soluo encontrada para minimizar tal problema
foram os aumentos nominais nas moedas, pe-
las Cmaras. Em 1643, o Governador da Bahia
decretou o aumento de 25% e 50%, respectiva-
mente, para as moedas de ouro e de prata, nestas
includas as patacas de origem peruana.13 Uma
consulta do Conselho Ultramarino de 1681 nosinforma que pela lei de 23 de maro de 1679El
Reymandava marcar, em um ms, todas as pata-
cas no Estado do Brasil e que essas passassem a
correr por 640 ris.14
Esta lei, porm, no foi executada na Ca-
pitania do Rio de Janeiro. A justicativa para esta
exceo, fornecida pelo Mestre de Campo Pedro
Gomes, que estava governando a referida Capi-tania, que, em 1676, a Cmara e os povos da-
quele Estadohaviam acrescentado dois vintns
nas patacas e um vintm na meia pataca, para ver
se o dinheiro se conservava nessa Capitania.15
12 Diminua o seu poder de compra, pois no comrcio com o estran-geiro a moeda deveria correr a peso, ou seja, pelo seu valor intrnseco.HECKSCHER, E. Las Relaciones de Cambio com El Extranjero In: Lapoca Mercantilista..., p.680-706.13 MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlntico, 1570-1670, vol. 2,
Lisboa: Editorial Estampa, 1988, p.175.14 Arquivo Histrico Ultramarino, Coleo Castro Almeida, Rio deJaneiro Doravante AHU CA RJ doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 33-34. Proviso de 23 de maro de 1679, relativo ao Carimbo Coroado de640 ris sobre oito reales.15 Idem.
Alm desses aumentos, uma srie de me-
didas foi ordenada pelo Conde de bidos, Vice-
Rei do Brasil, para conter a anarquia monetria.
O Regimento por ele escrito, datado de 1663,
previa, por exemplo, a recunhagem de todasas moedas de ouro e prata e o consco das que
no estivessem de acordo com as prescries do
referido Regimento.16Tudo indica, porm, que
pouco resultado teve tal intento. Por carta de 2
de janeiro de 1687, enviada ao Governador da
Capitania do Rio de Janeiro, Joo Furtado de
Mendona,El Reyrelatou os males que padecia
o meio circulante:
Joo Furtado de Mendona, eu El Rey
vos envio muito saudar. O dano do cerceio da
moeda se introduziu de sorte neste Reino que
desejando dar todo remdio conveniente e ne-
cessrio a to perigoso delito e de que resulta
tanta confuso e perda Repblica, fui servido
mandar publicar uma lei com pena de morte a
todos os que cerceassem moeda (...) e sendo as
patacas o que recebiam o maior dano por terem
mais capacidade para o cerceio, [estando] forado Reino j cerceadas, por ser moeda que no
nacional com que receba em si o maior preju-
zo por ser em benefcio dos estrangeiros para
se lhe dar o remdio de que necessitam, man-
dei publicar a lei que com esta se vos remete
e porque acabada a reduo das patacas se h
de passar a dar remdio a moeda nacional para
que ela se acabe de todo este delito do cerceio,
se considera tanta a importncia de perda que
no bastam o cabedal da Fazenda Real para se
satisfazer as partes cando por minha conta 17
A lei a que tal carta faz aluso a de
1686, que ordenava o recolhimento das moedas
para que lhes fossem postos cordes e marcas,
com a nalidade de dicultar a prtica do cer-
ceio, to perigoso delito e de que resulta tanta
16 SOMBRA, S.Historia Monetria do Brasil colonial: repertriocronolgico com introduo, notas e carta monetria.Rio de Janeiro:
Laemmert, 1938, p. 81-84. BARROS, M. D. de. O Regimento do Condede bidos diante da histria e da legislao monetria. Rio de Janei-ro: Anais do Museu Histrico Nacional, vol.IV, 1943. Edgar ArajoRomero. O Regimento do Conde de bidos, 7 /7/1693. Revista Casada Moeda, n9-14, mai-jun de 1948 a maro-abril 1949.17 AHU CA RJ - doc 1766 a 1769, cd 1, 1687, f. 34-36.
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confuso e perda Repblica.18 Os prejuzos
eram de tal monta, que no bastavam os recursos
da Fazenda Real para socorr-los, tendo o Rei de
dispor de seus prprios meios para trazer alvio
vida de seus sditos.
Nesse perodo, Portugal se encontrava
com seu stock de metais em baixa, devido aos
constantes desequilbrios da balana comercial,
que faziam com que o pouco numerrio de que
dispunha corresse para fora do Reino.19E o que
lhe era mais caro, o parco numerrio existente no
Reino e nas terras da Amrica Lusa, eram as pa-
tacas castelhanas. Logo, essa abundncia de mo-edas estrangeiras nas terras pertencentes ao Rei
de Portugal, que, devido escassez de numerrio
haviam se tornado a principal moeda disponvel
para as trocas, mexia com a soberania da Mo-
narquia Portuguesa, no s pelo fato de serem
falsicadas, mas tambm por demarcarem certa
dependncia lusa frente prata castelhana. To
importantes eram essas patacas para a economia
da Amrica Lusa, que o levantamento de 1688,
no qual se ordenava que essas passassem a correr
a peso, foi embargado na Bahia, em Pernambuco
e no Rio de Janeiro.
O dito levantamento ordenava que o au-
mento fosse de 20% no valor de face das moedas
de ouro e prata. Sendo que as patacas castelhanas
passariam a correr pelo peso, com a oitava a 100
ris. Esse era o ponto mais polmico do levanta-
mento, pois somente as patacas de sete oitavas,
raras em terras brasileiras, receberiam alguma
vantagem, mas no chegariam aos 20% previs-
tos na lei. As demais patacas cerceadas de menor
valor intrnseco as de quatro a seis e meiaoita-
vas estavam fora do acrscimo, por terem seus
pesos adulterados. Contudo, esse era o gnero de18 Idem. Para uma viso mais ampla sobre a circulao monetria nas
demais capitanias no sculo XVII vide : GALANTE, Lus Augusto Vicen-te. Uma histria da circulao monetria no Brasil do sculo XVII. Tese(Doutorado em Histria)-Universidade de Braslia, Braslia, 2009.19 Nesse contexto do XVII, no s Portugal sofria com a escassez demetal precioso como tambm toda a Europa. VILAR, P. O Ouro e a Mo-eda na Histria-1450-1920, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, passim.
moeda de que dispunha a Amrica Lusa para as
suas transaes. (AZEVEDO, 1947, 328, 349)
Pela lei de 1679, todas as patacas, inde-
pendentemente do seu peso, estavam correndo a640 ris; logo, o fato de correrem a 100 ris a
oitava implicava numa perda para seus possui-
dores, pois no mximo elas valeriam 600 ris.
Afora isso, a multiplicidade de valores intrnse-
cos, devido a variaes de peso, causaria muita
confuso no comrcio; primeiro, pela necessida-
de de se pesar cada uma, e, depois, pela falta de
troco. A reclamao foi geral. Por volta de 1690,
o Rio de Janeiro em Cmara protestava ao Rei,descrevendo os prejuzos que viriam da execu-
o de tal lei:
a primeira runa e prejuzo irreparvel
que dentro de um ou dois anos se h de sa-
car e tirar todo este gnero de moeda nas frotas
que vierem e forem e car totalmente a terra
exausta de toda a dita moeda, porque como o
acar est na baixa (...) e tem pouca sada (...)
remeteram os comissrios e mercadores destaterra, em cuja mo est e vai parar toda a dita
moeda para o Reino pois tenha o mesmo valor
que c tendo o lucro certo sem o risco de perde-
rem no acar. Tanto assim que nas frotas de
1688 e 1689 se levaram mais de 400 mil cruza-
dos desta cidade (...) faltando o dinheiro, como
certo e precisamente h de faltar, se ho de des-
fabricar os engenhos (...) porque no ho de ter
os senhores com que fornecer e fabricar os seus
engenhos e partidos porquanto a mais principalfbrica dos engenhos conta de escravos e de
bois os quais se compram sempre a dinheiro e
os no querem vender os donos e credores de
outra maneira (...) no s se ameaa e se se-
gue esta runa e prejuzo dos moradores e povo
desta cidade mas tambm que se segue a fa-
zenda Real de Sua Majestade, certa e infalvel
perda porque os contratos e rendas reais viram
diminudas e se ande arrematadas por menor, a
metade do que at agora andavam (...) se aca-
bar a nova colnia do Sacramento porque no
h de haver dinheiro para se lhe acudir assim
para os socorros para os soldados como com os
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna
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mantimentos necessrios (...) at os hospitais
se no admite nem querem admitir os soldados
e mais pobres doentes por no haver dinheiro e
nem efeitos com que se curam...20
O documento acima nos mostra como a
moeda era um problema de primeira grandeza na
conjuntura do sculo XVII. A escassez de nume-
rrio, combinada com a produo de um acar
de segunda pela Capitania do Rio de Janeiro,
num cenrio de diminuio da procura desse g-
nero no estrangeiro, comprometia a reiterao de
sua economia, essencialmente baseada na produ-
o vinda dos engenhos.
Com a queda do preo do acar, as
frotas vindas do Reino preferiam negociar suas
mercadorias em troca de moedas. Isso signica-
va, para o Rio de Janeiro, uma diminuio das
suas exportaes e uma diminuio de sua ca-
pacidade de investimentos, devido evaso do
meio circulante. Essa queda nas vendas do a-
car, ou sua comercializao por preos muitobaixos, colocava em risco o funcionamento dos
engenhos, a principal unidade produtiva da eco-
nomia da Amrica Lusa, signo de poder e prest-
gio; por conseguinte, colocava em risco a prpria
organizao social presente na Amrica Lusa,
que tinha no topo de sua hierarquia a nobreza da
terra, formada principalmente por senhores de
engenhos de acar. (FRAGOSO, 2002)
Cmara Coutinho, Governador do Brasil
na poca, especialmente preocupado com as di-
culdades nanceiras vividas pela Amrica Lusa,
enviou ao Rei D. Pedro II uma representao da-
tada de 4 de julho de 1692, na qual destacava
as graves consequncias da falta de numerrio.
Nessa mesma carta, ele sugere ao soberano a
20 AHU CA RJ doc 1766 a 1769, cd 1, 1691. Conrmando os prejuzos
advindos do cumprimento da lei de 1688, somam-se as certides passa-das nessa mesma poca pelas principais autoridades da Capitania: osirmos do Colgio da Cia. de Jesus, o Prior do Convento N. Sr. do Car-mo, o frei Francisco da Cruz, guardio do Convento de So Francisco,o Provedor da Santa Casa de Misericrdia e o Ouvidor Geral. AHU CARJ 1766 a 1769, cd 1, f. 20-32.
cunhagem de dois milhes de moedas provin-
ciais, que seriam distribudas pela Bahia, Per-
nambuco e Rio de Janeiro.
Assim, em face das inmeras represen-taes provenientes das diferentes Capitanias do
Brasil, por suas Cmaras e seus Governadores,
somando-se a estas o pedido de Cmara Couti-
nho, o Rei de Portugal, entendendo a necessi-
dade de se criar uma moeda prpria Amrica
Lusa com cunho e valor diferentes da moeda
do Reino21e que circulasse somente nessas ter-
ras instituiu em 8 de maro de 1694 a primeira
Casa da Moeda no Brasil, para a cunhagem daprovincial: a Casa da Moeda Itinerante.
A moeda provincial trazia, pois, em suas
razes, o embate em torno da questo do valor da
moeda, ocorrido no sculo XVII entre Amrica
Lusa e Lisboa.
Neste panorama, a escassez de numerrio
provocava iniciativas das Capitanias na tentativade se amenizar o problema. Algumas Cmaras
com apoio dos seus Governadores, mesmo sem
autorizao rgia promoveram, aumentos no-
minais nas moedas que circulavam na Amrica
Lusa, como a ocorrida em 1643, na Bahia, e em
1676, no Rio de Janeiro.22Estas aes indepen-
dentes e a anarquia monetria vivida tanto aqui
quanto no Reino, levou a Monarquia a demons-
trar sua fora, por meio da lei de 1688. Esta lei,que no foi amplamente aceita pelas principais
Capitanias da Amrica Lusa, como evidenciado
pela documentao da poca, se tornou alvo de
protesto das Cmaras.
A proximidade de algumas datas sugere
uma relao entre esses eventos apresentados e
a criao da Casa da Moeda Itinerante. Por vol-
ta de 1690-91, partem da Cmara do Rio de Ja-neiro reclamaes contra o cumprimento da lei
2110% a mais sobre o acrscimo anterior de 20%.22AHU CA RJ doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 33-34.
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de forma a favorecer seus vassalos da Amrica
Lusa, em especial os da praa uminense. A
Casa cou temporariamente no Rio at 1700,
passando para Pernambuco nesse mesmo ano
e funcionando por l at 1702. J em 1703 elaretorna, agora de maneira denitiva, para o Rio
de Janeiro.
Esta Casa da Moeda que circulou pela
Bahia em 1694, pelo Rio de Janeiro em 1698 e
por Pernambuco em 1700, denominada de Itine-
rante foi a resposta dada pela Coroa Portuguesa
para o problema da escassez e do aviltamento do
numerrio vivida pela Amrica Lusa no sculoXVII. Com a abertura desta Casa na Bahia, bus-
cava a Monarquia Lusa aliviar a crise nanceira
advinda da falta de numerrio e, no mesmo sen-
tido, a evaso das moedas para o Reino.
Mas o sculo XVIII coloca a Casa da
Moeda numa nova paisagem poltica. Se at en-
to o papel desempenhado pela Casa Itinerante
foi a cunhagem da moeda provincial, a desco-berta das minas de ouro conferiu um novo peso
poltico a essa instituio, que passou a ser um
dos canais de administrao e envio do ouro para
o Reino.
A Casa da Moeda do Rio de
Janeiro 1703
A Casa da Moeda que se instalou no Rio
de Janeiro no alvorecer do sculo XVIII teve umpeso diferente da Casa da Moeda Itinerante. No
s pelo tipo de moeda cunhada mas, sobretudo,
pela importncia que essa Casa adquiriu na ma-
lha poltica da Monarquia Portuguesa. Antes de
investigarmos em pormenores essa Casa da Mo-
eda do Rio de Janeiro, vale a pena analisarmos
um pouco a viragemque o sculo XVIII empre-
endeu nos rumos da Monarquia Lusitana.
Antes mesmo do to sonhado ouro bra-
sileiro ser descoberto, a Amrica Lusa j vinha
desfrutando de uma crescente importncia na
cartograa poltica do Imprio. Segundo Be-
thencourt, uma srie de medidas militares e ad-
ministrativas vinham sendo postas em prtica
por Portugal para assegurar suas possesses noAtlntico Sul. A articulao entre as duas partes
do Atlntico, costa brasileira e costa africana, co-
meou a tomar contornos expressivos no XVII.
To estratgico se mostrava o domnio sobre os
portos de comercializao de escravos em Luan-
da, que Salvador Correia de S e Benevides le-
vantou tropas no Rio de Janeiro para tirar Angola
do jugo holands. Se no incio do XVII a situa-
o do Brasil na balana econmica do Imprioera de inferioridade se comparada ao Oriente, ao
nal do mesmo sculo a situao se inverteu, e
as rendas da Amrica Lusa a superaram as do
Oriente. (BETHENCOURT, 1998, 320-335;
ALENCASTRO, 2000; BOXER, 1973)
Esta guinada, de fato, foi dada em de-
corrncia dos descobrimentos do ouro. Segun-
do Boxer, a Coroa Portuguesa soube jogar coma vaidade dos paulistas, quando solicitava seu
auxlio na prolongada procura por metais pre-
ciosos. Por volta de 1690, o Monarca autorizava
explicitamente o Governador do Rio de Janeiro
a induzir os principais paulistas a reunirem-se
s buscas de minas, atravs de promessas se-
gundo as quais eles seriam feitos gentis-homens
da casa real e cavaleiros das trs ordens mili-
tares, de Cristo, de Avis e Santiago. (BOXER,
2000, 61)26Esse esforo por achar ouro e prata
na regio sudeste da Amrica Lusa se relaciona
com o fato de as economias de So Paulo e Rio
de Janeiro estarem margem das plantations
nordestinas, fabricantes do produto-rei. Para o
Rio de Janeiro, cujo acar o comrcio reinol
preteria, as investidas no serto eram a tentati-
va de melhorar a reproduo de sua sociedade.Afora isso, mesmo que houvesse incentivos da
Coroa, as expedies foram custeadas, em parte,26 mais precisamente nota 9.
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pela fazenda dos sertanistas da nobreza da ter-
ra. Com isso, a faanha da descoberta, embora
empreendida por vassalosDel Rey, foi entendida
como uma conquistadesses sertanistas, do local.
(GRAGOSO, 2002, 52-53)27
As descobertas dos veios aurferos
consolidaram o interesse da Coroa portuguesa
no Atlntico Sul, sobretudo a partir do scu-
lo XVIII. A explorao do ouro produziu uma
tremenda mudana na paisagem geopoltica no
centro-sul da Amrica Lusa. (BOXER, 2000,
163-189) Com a necessidade de se abastecer as
regies mineradoras, rotas de fornecimento e co-mrcio foram criadas. (SCHWARTZ, 1998, 86-
120; BOXER, 2000, 57-86; RUSSEL-WOOD,
1998, 471-525) Nesse novo contexto, o Rio de
Janeiro emergiu como uma das pedras mais pre-
ciosas da Coroa do Rei de Portugal, o ponto de
convergncia de embarcaes e circuitos mer-
cantis. (SAMPAIO, 2003, 139-184; BICALHO,
2003) No por acaso, foi nessaporta de entrada
das minasque se instalou, de maneira denitiva,a Casa da Moeda.
Segundo Noya Pinto, as notcias cada
vez mais alvissareiras sobre a produo aurfera
e seu confronto com os minguados quintos ar-
recadados impulsionaram a Coroa a tomar uma
postura administrativa de cerco ao ouro. Em
1702, foi criada uma Casa de Fundio no Rio
de Janeiro, ao mesmo tempo em que se instalava
a Casa da Moeda. E, dois anos aps, duas Casas
de Registro foram fundadas: uma em Santos e
outra em Paraty. (PINTO, 1979, 39-112)28
27 Mais precisamente nota 26 onde o autor cita a Carta de GasparRodrigues Paes AHU, CA, doc. 3.093.28 Tambm no incio do sculo XVIII foi aprovado o Regimento paraas Minas de Ouro, 19/4/1702; em 1709 foram criadas as Capitanias deSo Paulo e Minas do Ouro, com a jurisdio separada da Capitania doRio de Janeiro. SALGADO, G. (Org.). Fiscais e meirinhos: a adminis-
trao no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Parasaber mais sobre a estrutura administrativa e scal imposta em Minaspara o recolhimento dos direitos e tributos reais recomenda-se o recentetrabalho de CAMPOS, M. V. Governo de mineiros: de como meter asMinas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado 1693 a 1737. SoPaulo, 2002, Tese. (Doutorado em Histria) USP, FFLCH.
Conforme pesquisas de Michel Morine-
au29 retomadas em trabalhos de Rita de Sousa,
podemos constatar que grande parte do ouro que
chegava a Portugal era ouro em moeda. A anli-
se realizada pela autora da composio de duasfrotas, em momentos temporalmente diferentes,
nos permite conrmar a predominncia do trans-
porte de ouro j amoedado. Diversas notcias da
Gazeta de Lisboa relatam as grandes quantidades
de ouro em moeda que chegavam ao Reino. Por
exemplo: em julho de 1718, a frota sada do Rio
rumo a Lisboa levava em sua carga 432.052 mo-
edas; em agosto de 1721, a frota sada da Bahia
rumo a Lisboa levava 24.773 moedas para SuaMajestade e 283.487 moedas para particulares.
Para que possamos contextualizar a represen-
tatividade desses nmeros, em 1718 a Casa da
Moeda de Lisboa havia cunhado apenas 162.167
moedas de ouro, emisso, portanto, muito aqum
das 432.052 vindas apenas do Rio.
Os estudos de Leonor Costa, Maria Ma-
nuela Rocha e Rita de Sousa demonstram que asCasas da Moeda do Brasil, sobretudo a do Rio
de Janeiro, e a Casa da Moeda de Lisboa, fun-
cionavam como espaos de amoedao comple-
mentares.30 Conforme os dados indicados por
essas autoras, as emisses de moeda portuguesa
de ouro no Rio, se confrontadas com as emisses
de ouro em Lisboa no perodo de 1730 a 1794,
foram signicativamente mais elevadasdo que
as da ocina monetria da capital do Reino.
A carta rgia de 1702, que ordenou a29 Morineau encontra-se a realizar um trabalho a partir dos livros dosManifestos da Casa da Moeda de Lisboa, em que procura determinaros montantes de moedas cunhadas no Brasil e legalmente chegadas emPortugal. SOUSA, R. M. O Brasil e as emisses monetrias de ouro emPortugal (1700-1797), Penlope, Fazer e Desfazer a Histria, n23,2000, p.89-107.30 Essa complementaridade descrita pelas autoras se refere aos uxosde emisso entre as Casas da Moeda. Se havia uma queda nas emissesda ocina monetria de Lisboa, era porque ocorrera um aumento nasemisses das ocinas da Amrica Lusa. Alm disso, outro trao distin-
tivo entre as Casas da Moeda era os destinatrios de suas emisses.Nas Casas da Amrica Lusa a maior porcentagem de moedas cunhadasia para os particulares enquanto a Casa da Moeda de Lisboa emitiaem maior quantidade para o Estado. COSTA, L., ROCHA, M. M. R.,SOUSA, R. M. O Ouro Cruza o Atlntico In: Revista do Arquivo PblicoMineiro, Belo Horizonte, Ano XLI, p.71-83, Julho-Dezembro de 2005.
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transferncia da Casa da Moeda de Pernambuco
para Rio de Janeiro, deu tambm um novo ca-
rter a essa instituio, ao ordenar que nela se
lavrassem as moedas de ouro correntes no Reino
e fossem para ele destinadas.31
A Casa da Moedaque reaberta na da Bahia em 1714 e a criada em
Minas em 1725, mais especicamente em Vila
Rica, tambm cunharam moedas nacionais as
que corriam no Reino. Pelo pouco que se sabe,
essas emisses so menores do que as da Casa do
Rio. Alm da mudana no tipo de moeda a ser la-
vrada pela Casa, a importncia que essa institui-
o vai adquirindo, na primeira metade do sculo
XVIII, pode tambm ser percebida nos variadosemprstimos feitos por ela para a manuteno
e viabilizao da administrao, da defesa e da
prpria urbanizao da Amrica Lusa.
Quadro 1: Emprstimos feitos pela Casa
da Moeda do Rio de Janeiro
Esses dados, embora pouco numerosos
e incompletos, so uma boa pista de uma outra
faceta dessa instituio: a contribuio dada pela
Casa da Moeda para a organizao e viabilizao
da administrao lusa na Amrica. Sua presena
no Rio de Janeiro trouxe tambm ganhos para a
localidade. Como vimos no quadro acima, seus31 CALMON, P. Histria do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria JosOlympio, vol. III, 1971, p 893. Cunhar moedas nacionais para o Reinoera a principal funo da Casa, mas isso no implica em dizer queela no cunhava moedas para particulares e que tambm no emitia amoeda provincial.
rendimentos foram aplicados em obras na Cadeia
e na Cmara, em pagamentos de naus guarda-
costas e postos militares na Capitania, contri-
buindo assim para a prpria defesa local.
A partir da anlise de um conito ocor-
rido em 1755, provocado pela interferncia do
Intendente Geral do Ouro nos assuntos da Casa
da Moeda32, pudemos perceber que a Casa do
Rio funcionou como um centro a partir do qual
os materiais necessrios fundio dos metais
eram redistribudos. Pensando nos aspectos tc-
nicos necessrios transformao e ao reno do
ouro, ter nas mos o canal de comunicao depedido e recebimento dos tais materiais era ter o
controle sobre a converso da matria bruta em
produto comercializvel: as moedas e as barras.
Isso, obviamente, se analisado dentro dos aspec-
tos legais.
Segundo Rita de Sousa, essa prtica da
Casa da Moeda socorrer as despesas da Monar-
quia Lusa acontecia tambm no Reino.
Na dcada de [17]30, poca dos coni-
tos na colnia do Sacramento, so numerosos os
avisos dirigidos ao Tesoureiro da Casa da Moeda
para que este entregasse ao Conselho Ultramari-
no determinados montantes, destinados a pagar
32AHU CA RJ doc 18492, 1/2/1755.
ANO QUANTIA FINALIDADE
1699 ___ Pretenso dos ociais da Cmara em comprar uma casa para os Governadorese reedicarem o edifcio da cmara.
1701 ___ Obras no edifcio da cmara e cadeia.1712 ___ Pagamento de postos militares.1713 275:194 cruzados Resgate da cidade.1723 100:000 cruzados Destacamento para Montevidu.1737 92:000 cruzados Destacamento para Sacramento.1756 40:000 cruzados Custeamento de nau guarda costa.
Fontes: Fundo Secretaria do Estado do Brasil, Provedoria da Fazenda, Cdice 60 v 12 169, AHU C.A. RJ doc4502, cd 2, 23/8/1724, doc 9742, cd 3, 10/7/1737.
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
24/11124 Histria e Economia Revista Interdisciplinar
fornecimentos de munies, fardas, plvora e di-
versos materiais de guerra, que se destinavam ao
Rio de Janeiro, a Nova Colnia, a Pernambuco e
a Paraba. (COSTA, 2006)
Esse prestgio acabou por incitar o cime
de alguns setores no Reino, que tramavam contra
o funcionamento das Casas da Moeda no Brasil
no plural, pois vale lembrar que em 1725 tnha-
mos funcionando aqui, alm da Casa da Moeda
do Rio de Janeiro, a da Bahia, aberta em 1714, e
a de Minas, em 1725.
A correspondncia de Manuel de Sousa,um dos Provedores da Casa da Moeda do Rio
de c.1700 a 1721, j alertava para as intrigas ur-
didas em Lisboa contra as Casas da Moeda no
Brasil; teriam estas escapado no ano passado da
extino, mas neste no sei se lograro a mesma
fortuna, (BOXER, 1965, 28)dizia o Conselhei-
ro Ultramarino Antnio Rodrigues da Costa, em
1716.
Procuramos analisar at aqui algumas
questes que envolveram a abertura de uma Casa
da Moeda na Amrica Lusa em nais do XVII,
bem como suas diferentes fases. Nossa ateno
agora, se voltar para o interior da Casa da Mo-
eda do Rio de Janeiro, para a compreenso do
seu funcionamento, suas legislaes internas,
sua hierarquia.
Sobre a organizao das
Casas da Moeda
Existem dois balizadores para a organi-
zao das Casas da Moeda na Amrica Lusa: 1- o
Regimento de 9 de setembro de 1687, o mesmo
da Casa da Moeda de Lisboa, e 2- a instruo
feita por Rocha Pita, na poca Chanceler da Re-
lao do Brasil e primeiro Superintendente da
Casa da Moeda aberta na Bahia.
O Regimento de 1687 foi o segundo a
ser observado pela Casa da Moeda de Lisboa, da-
tando o primeiro de 1498, reinado de D. Manuel
I. Pelas primeiras linhas do novo Regimento,
cam patentes os motivos de sua reformulao:
por estar hoje impraticvel o antigo porque elaat agora se governava, tanto pelas alteraes
do tempo, como pela nova forma que se deu
ao lavramento do dinheiro.33 Segundo Rita de
Sousa, a nova forma do lavramento do dinheiro a
qual o texto se refere so as alteraes ocorridas
na tcnica produtiva em nais do seiscentos que
modicaram a cunhagem da moeda. Esta deixou
de ser feita pelo uso do martelo passando a ser
realizada pela tcnica do balanc.34Essa altera-o tcnica feita na produo da moeda par-
te das medidas tomadas pelo Estado Portugus
para manter a qualidade da moeda em circulao,
pois, como vimos anteriormente, o dano do cer-
ceio tinha se alastrado pelo reino e pela Amri-
ca Lusa, pondo em risco a utilizao do pouco
dinheiro sonante disponvel para as transaes
comerciais.
O Regimento de 1687 traz algumas al-
teraes em relao ao anterior, mormente a per-
da da importncia dos Moedeiros no plano pro-
dutivo e o desmembramento do ofcio de Juiz,
dando origem ao cargo de Provedor e de Tesou-
reiro. (SOUSA, 1999, 44-45) Relacionando os
ofcios s suas correlativas funes no tocante
s fases de fabrico da moeda, temos o seguinte
quadro organizacional:
33 Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar naCasa da Moeda, Lisboa, 1687. Apud GONALVES, Clber Batista. ACasa da Moeda do Brasil..., 1989, pp.113-137.34 balanc era uma prensa de parafuso com um brao terminado porpesos horizontalmente xado na extremidade superior do referido
parafuso. Acionado pelo brao humano, usualmente dois a quatrohomens, esse veio-parafuso, em cuja extremidade inferior era colocadoum cunho, descia rapidamente, esmagando o disco metlico contra umoutro cunho xo aposto na parte central do balance e na perpendiculardo cunho mvel, obtendo-se assim a moeda cunhada. Apud SOUSA,Rita Martins de. Moeda e Metais Precisos... p.34.
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
25/11125Histria e Economia Revista Interdisciplinar
Quadro 1: Os ofcios segundo as suas
funes
Segundo o Regimento, o principal ofcio
da Casa da Moeda era o deProvedor. Tinha este
por obrigao dar notcia ao Conselho da Fazen-
da sobre qualquer alterao na moeda dos reinos
vizinhos, para se saber os preos pelo quais cor-
riam os cmbios, e tambm sobre toda novidade
a propsito da moeda no reino e nas conquistas.
Era ele igualmente responsvel pela scalizao
do trabalho da Casa e pela assistncia s poss-
veis faltas dos materiais necessrios ao lavra-
mento da moeda. Era ele tambm incumbido da
eleio dos 104 moedeiros, aos quais passaria
suas cartas, am de que o Conservador osarmas-
se e dessejuramento.
Ao Provedor tambm caberia requerer
por escrito aos Corregedores e Juzes do Crime
para que o assistissem nas execues do ouro e
prata dos ourives ou quaisquer outros que perten-
cessem Moeda. Tinha ele tambm permisso
para pr ou suspender verbas nos ordenados dos
ociais da Casa, aos que no estivessem satis-fazendo as suas obrigaes, fazendo autos que
remeteria ao Conservador. Esses autos no po-
deriam ser feitos contra o Tesoureiro, Escrives,
Fundidores e Juzes da Balana, porque contra
estes no procederia antes de dar conta ao Rei
pelo Conselho da Fazenda. Poderia, tambm, fa-
zer autos que seriam remetidos ao Conservador
de quaisquer pessoas que dissessem palavras in-
juriosas a algum ocial da Moeda.
Era o Provedor aconselhado a chamar
Casa da Moeda os homens de negcio que lhe
parecessem necessrios para saber das notcias
que fossem interessantes ao bom funcionamento
da Casa.
Depois do Provedor, o ofcio mais im-
portante era o de Tesoureiro. Ele no s cen-tralizava todo o processo de amoedao, como
tambm se relacionava com as partes (os particu-
lares) na entrega do metal amoedado. (SOUSA,
1999, 46) Pelas palavras do Provedor da Casa da
Moeda do Rio de Janeiro, Jos da Costa Matos,
em 1751 se conrma a importncia deste ofcio
na hierarquia da Casa: Este ofcio tem de orde-
nado trezentos mil rs por ano. E sendo na srie
do Regimento o primeiro depois do meu lugar, o mais inferior no ordenado aos ociais da
Mesa do Despacho...35Essa Mesa era formada
pelo Provedor, pelo Tesoureiro, pelos Escrives
e pelos Juzes da Balana. Curiosamente, nos or-
denados declarados em 1759 na Casa da Moeda
de Lisboa, o Tesoureiro era o ocial da Casa com
o ordenado mais elevado; recebia o Provedor,
900.000 ris/ano e, o Tesoureiro, 1.200.000 ris/
ano.
35 AHU CA RJ doc 15144, cd 5, 1751. Grifo nosso.
Direo Provedor
Tesouraria Tesoureiro
Contabilidade Escrivo da Receita
Escrivo da Conferncia
Guarda Livros
Controle da
Quantidade
Fiel do Ouro e ajudante
Fiel da Prata e ajudante
Guarda do Cunho
Controle da
Qualidade
Juzes da Balana (2)
Ensaiadores (2) e ajudantes
Fabricao Fundidor
Abridor dos Ferros ou Cunhos
Moedeiros (104)
Auxiliares Serralheiro
Porteiro
Contnuo
Meirinho
Fonte: SOUSA, Rita. Moeda e Metais Precisos no PortugalSetecentista (1688-1797). Lisboa: Universidade Tcnica deLisboa, 1999, Anexo 2.1, p.283. (Tese de Doutorado Indita).
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
26/11126 Histria e Economia Revista Interdisciplinar
O Escrivo da Receita & Despesa e o
Escrivo da Conferncia eram os responsveis
pelos registros contabilsticos da Casa, poden-
do o Escrivo da Receita substituir o Provedor
quando necessrio. Isso ocorreu na Casa do Rionos anos de 1721 a 1723, quando o ento Prove-
dor, Manuel de Sousa, regressava para o reino,
deixando a direo da Casa por conta de Fran-
cisco da Silva Teixeira, o Escrivo da Receita &
Despesa.
O Guarda Livrosera responsvel no s
por acomodar os livros nos armrios, como tam-
bm pelo recolhimento daqueles que registramas diversas fases do fabrico da moeda, designa-
dos por livros daEmenta.
OFiel do ouro ou da prataera o respon-
svel por receber e dar feito em moeda todo o
ouro que se lhe entregar. Devendo conrmar o
justo peso das moedas, antes de chegarem ao
controle da qualidade realizado pelo Juiz da Ba-
lana. Feita a entrega da moeda, deveria o Fielapresentar a parte em sizalhas 36 ao Fundidor
para nova fundio, enquanto a escovilha 37era
de sua pertena. O Regimento, no captulo 62,
exigia a separao dos ofcios de el, fundidor e
guarda-cunho,pois no deve o ocial que faz a
moeda fundir o metal de que se obra, nem ter em
seu poder os ferros com que se cunha.
Os Juzes da Balana e os Ensaiadoreseram os responsveis pelo controle da qualida-
de da moeda. Aos Juzes da Balana competia
a aferio do peso das moedas, sendo a balana
mais importante a que se encontrava na Casa do
Despacho, onde se fazia a entrega do dinheiro
j amoedado. Embora houvesse esse controle no
legtimo peso das moedas, admitia-se legalmente
uma pequena variao, para mais, as febres(so-
36 As sizalhas so os resduos das barras de metal. In: SOUSA, RitaMartins de. Moeda e Metais Precisos... nota 33, p.47.37 A escovilha corresponde s partculas de metal precioso que cavamnos utenslios onde se realizava a fundio do metal. In: SOUSA, RitaMartins de. Moeda e Metais Precisos... nota 34, p.47.
bra) ou para menos, os fortes (falta).
J aos Ensaiadores cabia o exame da
qualidade do metal de que era composta a mo-
eda. O dinheiro deveria sair com a devida lei: aprata deveria ter de lei onze dinheiros e o ouro
vinte e dois quilates. O ltimo ensaio ocorria j
depois da moeda feita, para se prevenir dos casos
em que o dinheiro tivesse sido adulterado.
Da fabricao participavam o Fundidor,
os Abridores dos Ferros ou Cunhos e os Moe-
deiros. O Fundidor, alm de responsvel pela
fundio dos metais, que deveria ocorrer semprecom o conhecimento do Provedor, a m de que
este nomeasse um dos Ensaiadores para Guarda
da Fundio, cabia-lhe tambm a compra de todo
o ouro que circulava pela Casa da Moeda. Por
isso, este ofcio deveria andar sempre em pessoa
de cabedal e crdito. OsAbridores dos Ferros ou
Cunhoseram os ociais incumbidos da perfeio
da marca da moeda, que continha o nome do So-
berano, as Armas e a Cruz.
Os Moedeiros no tinham o estatuto de
ociais da Casa da Moeda, pois o trabalho que
prestavam nela era descontnuo. No poderiam
ser mais do que 104, sendo repartidos em doze
Tiradores, dezoito Fieiros, quinze Cunhadores e
quinze Contadores, sendo os restantes quarenta e
quatro encaminhados pelo Provedor para as ati-
vidades que lhe parecessem mais convenientes.Segundo Rita Martins de Sousa, essas atividades
podiam ser a compra de ouro e prata, sobretudo
quando a falta de metais preciosos era excessi-
va na Casa da Moeda; como foi o caso de 1685
na Casa da Moeda de Lisboa, como a compra de
moedas com o peso fora da lei; como ocorreu em
Lisboa em 1733. Devido ao cerceamento da mo-
eda de ouro, os Moedeiros foram enviados para
as cabeas das comarcas para comprarem as mo-
edas com falta de peso. (SOUSA, 1999, 51)
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
27/11127Histria e Economia Revista Interdisciplinar
Os Moedeiros deveriam ser sempreo-
ciais de tenda aberta, morador da cidade e, em
nenhum caso, poderia ser nomeado Moedeiro
um ourives. Eles eram escolhidos pelo Provedor
e enviados para o Conservador do Cabido parase armarem moedeiros. Consta que, no ritual
de sagrao, o Moedeiro portando um capacete,
de joelhos prestava o juramento solene sobre os
Santos Evangelhos e recebia do Provedor o grau
que lhe era conferido atravs de duas leves pan-
cadas sobre o capacete, dadas com uma espada
namente lavrada. Essas pancadas signicavam
f e lealdade e dedicao ao trabalho. (GON-
ALVES, 1948, 3-14) Para gozarem de seus pri-vilgios era necessrio ter uma certido e o nome
constar no Livro da Matrcula da Casa da Moe-
da; para tanto, tinham de pagar 4.000 ris cada
um que se armasse moedeiro: 2.000 iriam para
o Conservador e, os outros 2.000, para a Corpo-
rao. Afora essas condies, os Moedeiros no
poderiam falir de crdito, pois, se isso ocorresse,
era-lhes retirada a carta e seu lugar era ocupado
por outro. (SOUSA, 1999, 51)
Completando o quadro da Casa, temos
os Auxiliares. O Serralheiro era o responsvel
por acudir qualquer conserto nos engenhos. Ao
Porteiro cabia zelar pela Casa durante o dia e,
de noite, lhe servir de guarda, devendo residir
na prpria Casa da Moeda. O Meirinhodeveria
servir de carcereiro da priso que havia na Casa
da Moeda. J o Contnuoera incumbido da cor-
respondncia da Casa da Moeda.
Na verdade, a instalao da Casa na
Bahia no tomou a amplitude que tal Regimento
permitia. D. Pedro II, Rei de Portugal, passou al-
gumas instrues ao Provedor da Casa da Moeda
da Bahia, orientando que: no se embarace mui-
to com o Regimento, porque tem algumas coisas
impraticveis, quando se possa ajustar com ele
no essencial, no deve reparar nas circunstn-
cias e acidente. (GONALVES, 1989, 112)
Com a vinda daCasa da Moeda Itineran-
te para o Rio de Janeiro em 1698, Joo da Ro-
cha Pita, atendendo a vontade de Sua Majestade
escreveu uma instruo, constando de dezoito
apontamentos, para que por ela se guiasse o Su-perintendente da Casa no Rio de Janeiro, o De-
sembargador Miguel de Siqueira Castelo Bran-
co. Essa Instruo38versava, dentre outras coi-
sas, sobre o direito de nomeao do Tesoureiro,
que deveria ser eleito pelo Senado da Cmara,
tal qual havia ocorrido na Bahia; sobre os preos
que deveriam ser pagos na compra dos metais
preciosos pela Casa; sobre a importncia do Pro-
vedor e do Ensaiador Manuel de Sousa dentroda Casa da Moeda, faltando por algum caso a
pessoa de Jos R Rangel, servir em seu lugar
Manuel de Sousa que vai por ensaiador, homem
de muita verdade e percia na sua ocupao, e
que para administrar a casa tem toda a sucin-
cia necessria. (GONALVES, 1989, 155-157)
O primeiro Provedor da Casa da Moeda
do Rio de Janeiro foi Jos Ribeiro Rangel. Estej havia servido de Juiz da Moeda39 na Casa
da Bahia em 1694, juntamente com Manuel de
Sousa, que desempenhava na poca o ofcio de
Ensaiador. Em 1700, a Casa da Moeda situada
no Rio de Janeiro foi transferida juntamente com
os seus ociais para Pernambuco. Seria Ran-
gel a exercer ali o ofcio de Provedor; porm,
ele seguiu para o Reino, passando a Manuel de
Sousa a administrao da Casa de Pernambu-
co. Com a volta da Casa para o Rio de Janeiro
em 1702, agora de maneira denitiva, Manuel
de Sousa continuaria na sua direo at 1721,
quando retornaria ao Reino. Manuel faleceu em
1722. Foi Francisco da Silva Teixeira, o ento
Escrivo da Receita & Despesa, que assumiu a
direo da Casa interinamente at 1723, quando
38 Instruo que mandou o Dr. Joo da Rocha Pita ao Superintendentedo Rio de Janeiro Desembargador Sindicante Miguel de SiqueiraCastelo Branco. Apud, GONALVES, C. B. A Casa da Moeda doBrasil...1989, p.155-157.39 De incio os Provedores eram denominados Juzes e agregavam asfunes que depois seriam do Tesoureiro e do prprio Provedor.
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
28/11128 Histria e Economia Revista Interdisciplinar
seguiu para as Minas para servir nas Casas de
Fundio e Moeda. Ficou em seu lugar, Manuel
de Moura Brito, Escrivo da Receita & Despesa.
Manuel de Moura Brito foi Provedor Interino at
1726, quando se teve uma nova proviso para ocargo. Concorreram para este o prprio Manuel
de Moura Brito, Dionsio Batista Mendona, o
j citado Francisco da Silva Teixeira e Joo da
Costa Matos. Designado por proviso real em 25
de junho de 1725, o novo Provedor efetivo, Joo
da Costa Matos, foi empossado em 24 de maro
de 1726.40
Consideraes FinaisA Casa da Moeda Itinerante foi fruto da
negociao vivida no sculo XVII entre Amrica
Lusa e Lisboa sobre a moeda, sua escassez, seu
aviltamento e a alterao do seu valor. Essa Casa
Itinerante representou tambm mais uma oportu-
nidade de participao de autoridades locais na
administrao rgia.
Se de incio a funo da Casa Itineran-te aberta na Bahia em 1694 foi a cunhagem da
moeda provincial que signicou uma conquista
para as principais famlias da terra, por assegu-
rar as exportaes de acar, afastando assim o
perigo da paralisao da economia pela falta de
numerrio e pela desfabricaodos engenhos
dentro do contexto das descobertas e explorao
dos veios aurferos essa instituio foi ganhando
um novo peso dentro da geopoltica do Imprio
Ultramarino. Agora marcadamente voltado para
o Atlntico Sul.
Juntamente com essa mudana da con-
juntura poltica que deu uma nova feio Casa
da Moeda do Rio de Janeiro, ocorreu tambm
uma alterao no perl dos Provedores que esti-
veram frente da Casa de 1702 a 1750. Manuel
de Sousa veio do reino para a Casa da Bahia em
1694 no cargo de Ensaiador, passando a Prove-
40 AHU CA RJ doc 4135, cd 2, 1725.
dor em Pernambuco em 1700 e Provedor da Casa
do Rio de 1702 a 1721. Pela sua correspondncia
nota-se uma estreita ligao com membros da
alta administrao lusa, como o Marqus de Ma-
rialva, seu compadre, e o Conselheiro do Ultra-marino Antnio Rodrigues da Costa. Diferente
de Joo da Costa Matos, que inaugurou uma li-
nha sucessria dentro da Casa. Este foi Provedor
de 1725 a 1750, seu lho Jos de 1750 a 1811
e depois seu neto tambm Joo da Costa Ma-
tos. Se Manuel guardava estreitas relaes com
membros da administrao lusa, Joo tem na sua
trajetria um histrico de participaes no local:
foi Escrivo dos Quintos do Ouro, Almoxarifeda Fazenda, Capito de Fortaleza e casado duas
vezes com moas nascidas no Rio de Janeiro.
Essa mudana no perl dos Provedores pode ser
fruto de um rearranjo poltico entre a Monarquia
e asprincipais famliasda terrapara um melhor
controle sobre os canais de envio do ouro para o
reino, at porque Joo da Costa Matos exerceu
concomitantemente ao cargo de Provedor e de
Superintendente das Casas de Fundio em Mi-
nas, substituindo Eugnio Freire de Andrade.
In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na poca moderna
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29/11129Histria e Economia Revista Interdisciplinar
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31/11131Histria e Economia Revista Interdisciplinar
A parte onde cria aquele ondemenos ouro se v:
ouro e crdito em Minas Gerais durante o sculo XVIII
Resumo:
O costume de vender ado e a frequncia com que se recorria a operaes de crdito so referncias constantes em relatrios de fun-
cionrios da coroa portuguesa, no que tange a economia mineira setecentista. O objetivo desse artigo , a partir do escopo terico-
conceitual da histria social e da anlise de fontes de origem cartorial, compreender a dinmica do crdito cotidiano praticado pela
populao mineira durante o sculo XVIII. O uso de tal metodologia capaz de ampliar as interpretaes sobre crdito, elucidando
questes relativas s trocas cotidianas; e, o uso de tais fontes, de ter um maior conhecimento sobre as prticas dos indivduos em
sua vivncia no mercado.
Palavras-chave:Crdito, Prticas Creditcias, Colnia, Minas Gerais
Abstract:
The custom of selling on credit and the frequency of credit transactions are constant references in the reports of Portuguese colonial
ofcials concerning eighteenth-century Minas Gerais. The aim of this article is understand the dynamics of everyday credit practiced
in Minas Gerais during the eighteenth century. This article was based on the methodology of Social History and the analysis ofnotarial documents. The use of such methodology and sources helps understand the concept of credit, claries issues about daily
trade; and informs about the market practices of the people..
Keywords: Credit, credit practices, colony, Minas Gerais.
Raphael Freitas SantosProfessor Assistente Temporrio/UFOP e doutorado em Histria Econmica/UFF
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
32/11132 Histria e Economia Revista Interdisciplinar
A parte onde cria aquele onde menos ouro se v:ouro e crdito em Minas Gerais durante o sculo XVIII
citao que d nome ao artigo capaz
de ilustrar a relao entre ouro e cr-
dito em Minas Gerais durante o scu-
lo XVIII. O trecho foi retirado de uma carta do
governador da capitania, escrita em 1720. Nela,D. Pedro de Almeida se espantava com o fato de
sendo este pas [as Minas] a parte onde cria,
aquele onde menos ouro se v.1(grifo nosso).
Se, assim como no restante da Amrica Portu-
guesa, em Minas Gerais faltavam moedas, como
teria sido possvel ter desenvolvido ali um mer-
cado relativamente importante, em um contexto
de precria circulao monetria? Talvez a res-
posta para essa questo possa estar nas operaescotidianas de crdito praticadas pela populao
da regio, na vivncia do mercado.
A historiograa tradicionalmente salien-
tou a escassa liquidez pela qual passava a econo-
mia da Amrica Portuguesa, como uma das ex-
plicaes para as limitaes do desenvolvimento
de um mercado auto-centrado no Brasil colonial.
Alis, salientou Arruda, a carncia de moedasna colnia sempre se constituiu num problema
srio, a ponto de, em vrios momentos, ter se ins-
titucionalizado a circulao de bilhetes de extra-
o ou de permuta. (ARRUDA, 1980, 346) 2
De acordo com Russell-Wood, a escas-
sez de dinheiro lquido teria sido uma das razes
para o declnio da prosperidade na Bahia a partir
do sculo XVIII: em 1712 o conselho municipalestimou que a quantidade total de moeda circu-
lante da Bahia no ultrapassava 500.000 cruza-
dos. (RUSSEL-WOOD, 1981,53) Ktia Matto-
so sugeriu, ainda para a Bahia, que essa falta
de numerrio que se traduzia quase sempre pela
falta de moeda divisionria tinha uma inuncia
muito grande e decisiva sobre as modalidades de
compra e venda de mercadorias quer se tratasse
1 APM Seo Colonial: Caixa 4, 802-806.2 Como foi o caso, por exemplo, dos bilhetes de extrao que circula-ram como moeda no Distrito Diamantino durante o perodo da RealExtrao. Ver: FURTADO, Jnia F. O livro da capa verde. O regimentodiamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no perodo da RealExtrao. So Paulo: Annablume, 1996, p. 152.
de operaes do tipo grossistas ou do tipo reta-
lhistas. (MATTOSO, 1978, 261)
A circulao decitria de moedas no
teria sido muito diferente ao sul da Amrica por-tuguesa. Segundo Nazzari, como a economia
paulista do sculo XVII sofria de uma escassez
de moeda, certas mercadorias, como o tecido
de algodo, eram com frequncia usadas local-
mente para o pagamento de dvidas. (NAZZA-
RI,2001,92) Tamanha era a escassez de moedas
no Rio de Janeiro que, como em muitos outros
lugares, o mercado acabou gerando moedas
substitutas. Para tanto, produtos de grande circu-lao acabaram tomando o lugar do dinheiro nas
transaes comerciais. Um desses substitutos foi
o acar. De acordo com Sampaio, sua utiliza-
o como moeda uma constante na documenta-
o seiscentista. (...) Alm disso, o acar apare-
ce constantemente nas escrituras do sculo XVII
como meio de pagamento, sobretudo nas vendas
rurais (SAMPAIO, 2003). Mesmo durante o se-
tecentos, o dinheiro parecia pouco participar dodia-a-dia dos indivduos da sociedade uminen-
se. (SAMPAIO, 2002)
De acordo com a historiograa, apesar
de todo ouro extrado em Minas Gerais, a situa-
o ali no deveria ter sido muito diferente: seja
pela dinmica do sistema colonial que canalizava
o ouro para a Metrpole, seja pela especializa-
o da produo que consumia todos os recursos
extrados. (NOYA PINTO, 1979) Mas, se por
um lado a historiograa vem atribuindo como
caracterstica marcante de todo o perodo colo-
nial brasileiro a precria circulao monetria
mesmo na capitania de Minas Gerais, apesar de
toda a extrao de ouro , trabalhos recentes vem
buscando relativizar essa mxima. Nesse sentido
ngelo Carrara (2010), em artigo recente, ar-
gumentou que a to propalada falta de moeda,
presente inclusiva na prpria documentao do
Arquivo Histrico Ultramarino, nada mais era do
A
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7/21/2019 Historia Da Economia - Revista Interdisciplinar
33/11133Histria e Economia Revista Interdisciplinar
que o reconhecimento das diculdades existen-
tes em uma das unidades monetrias praticadas
na capitania: a oitava do ouro em p.
Segundo o autor, no restam dvida queo destino natural do ouro extrado de Minas Ge-
rais era os mercados atlntico e, principalmen-
te, europeu. No entanto, antes de percorrer este
caminho que esteve predestinado, boa parte do
ouro que no teria sido enviado as casas de
fundio imediatamente ao momento de sua ex-
trao, mas sobretudo no momento em que era
preciso remet-lo para fora da capitania circu-
lou de mo e mo sob sua forma de p e gros.(CARRARA, 2010)
Como j apontava Pandi Calgera
(1960, 11-12), ao contrrio de muitas outras re-
gies da Amrica portuguesa, alm das moedas
de prata coloniais, do bilho de cobre e das bar-
ras de metal, nas Minas, o ouro em p circulou
durante muito tempo livremente e acabou se tor-
nando a principal moeda nas trocas comerciaiscotidianas. Em relatrio enviado a Coroa portu-
guesa, Jos Joo Teixeira ilustra com preciso
essa prtica monetria. Segundo o funcionrio
da Coroa,
So inmeras as quantias de ouro em
p, que giram na Capitania de Minas e inni-
tos os pagamentos que se fazem com ele. Est
calculada a perda que costuma haver nestes pa-
gamentos midos em cinco por cento, porque a
experincia tem mostrado que toda pessoa que
tiver cem oitavas de ouro e as for gastando em
pagamentos midos, vem a perder cinco; parte
deste ouro ca pegado nas balanas, parte nos
papis em que se embrulha e parte se desen-
caminha com o ar, o que acontece s partcu-
las mais sutis. (COELHO. Apud. ZEMELLA,
1990,164)
importante ressaltar que a circulaode ouro em p no teve impacto apenas na capi-
tania de Minas Gerais. Segundo Carrara (2010,
237), a circulao mercantil constituda pela
produo de our