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ISSN 0034-7183 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 1-183, jan./abr. 2000. jan./abr. 2000 Volume 81 197 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEP RBEP RBEP RBEP RBEP

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1ISSN 0034-7183R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 1-183, jan./abr. 2000.

jan./abr. 2000 Volume 81

197REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEPRBEPRBEPRBEPRBEP

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DIRETORIA DE GESTÃO E PLANEJAMENTOSolange Maria de Fátima Gomes Paiva Castro

COORDENAÇÃO-GERAL DE LINHA EDITORIAL EPUBLICAÇÕESAntonio Danilo Morais Barbosa

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO EDITORIALRosa dos Anjos Oliveira

COORDENAÇÃO DE PROGRAMAÇÃO VISUALF. Secchin

EDITORJair Santana Moraes

PARECERISTAS AD HOCAndrea Puppin (UFF)Belarmino César da Costa (Unimep)Carmem Lúcia Guimarães de Mattos (Uerj)Diana Gonçalves Vidal (USP)Fernando Lo Monaco (USP)Geraldo Romanelli (USP)Inês Pereira de Souza Bragança (Uerj)Isilda Palangana (UEM)Jane Soares Almeida (Unesp/Araraquara)Jeferson Mainardes (UEPG)João Bosco Pitombeira (PUC-Rio)José Gonçalves Gondra (UERJ)Luciano Mendes de Farias (UFMG)Luzia Marta Bellini (UEM)Marcos da Fonseca Elia (UFRJ)Marcus Vinícius da Cunha (Unesp/Araraquara)Maria Tereza Dejuste de Paula (Univap)Marília Pinto de Carvalho (USP)Mary Rangel (UFF)Mirtes Alonso (PUC-RS)Reynaldo Matias Fleury (UFSC)Rosilda Arruda (UFPE)Ruth da Cunha Pereira (Uerj)Tânia Campos (PUC-SP)Yolanda Lima Lobo (UFF)

REVISÃOAntônio Bezerra FilhoEveline de AssisMarluce Moreira Salgado

NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICAMaria Ângela Torres Costa e SilvaRegina Helena Azevedo de Mello

A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusiva

responsabilidade dos autores.

PROJETO GRÁFICODanilo BarbosaF. Secchin

CAPAMarcos Hartwich

COORDENAÇÃO DO PROJETO ILUSTRAÇÃOProf. Auresnede Pires StephanFaculdade de Belas-Artes de São PauloCurso de Desenho Industrial

ILUSTRAÇÕESCoordenação: Milton Koji NakataDepartamento de Desenho Industrial da Faculdadede Arquitetura, Artes e Comunicaçãoda Universidade Estadual Paulista (Unesp)Luís Renato do NascimentoTatiane FerrinhoElias de Carvalho SilveiraFabrício José Aguiar de MiraVanessa Prezoto de MoraesErika NakamuraDaniel Bruson MorettiIan Correia SampaioAline Luciano da SilvaDavid Lucas DesidérioRicardo Martins

DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINALMarcos Hartwich

TIRAGEM3.500 exemplares

EDITORIAInep/MEC – Instituto Nacional de Estudose Pesquisas EducacionaisEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I,4º Andar, Sala 418CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61)224-7092, 321-7376Fax: (61)224-4167e-mail: [email protected] [email protected]

DISTRIBUIÇÃOCibec/Inep – Centro de Informações e Bibliotecaem EducaçãoEsplanada dos Ministérios, Bloco L, TérreoCEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFone: (61)323-3500e-mail: [email protected]://www.inep.gov.br

PUBLICADA EM MAIO DE 2002

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.

v. 1, n. 1, (jul. 1944 - ). – Brasília : O Instituto, 1944 -.

Quadrimestral. Mensal 1944 a 1946. Bimestral 1946 e 1947. Trimestral 1948 a 1976.

Suspensa de abr. 1980 a abr. 1983.

Publicada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, até o v. 61, n. 140, set. 1976.

Índices de autores e assuntos: 1944/1951, 1944/1958, 1958/1965, 1966/1973, 1944/1984.

ISSN 0034-7183

1. Educação-Brasil. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.

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197REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEPRBEPRBEPRBEPRBEP SUMÁRIO

ESTUDOS

As lutas femininas por educação, igualdade e cidadaniaJane Soares de Almeida (Unesp/Araraquara)

A família como um locus educacional:perspectivas para um trabalho psicoeducacional

Heloisa Szymanski (PUC-SP)

O dispêndio com a instrução elementar no ImpérioBeatrice Laura Carnielli (UCB)

Cultura do narcisismo e educaçãoSueli Soares dos Santos Batista (USP)

Entre o perene e o novo:a arte de compreender o modismo educacional

Ademir José Rosso (UEPG)Núbio Delanne Ferraz Mafra (UEL)

Quando as diferenças são um “problema”?Ana Lúcia Eduardo Farah Valente (UFMS)

A promoção automática na década de 50:uma revisão bibliográfica na RBEP

Cláudia de Oliveira Fernandes (PUC-RJ)

A Geometria via ambiente LogoRaimundo Benedito do Nascimento (UFCE)

Por que investir em pesquisa qualitativa?Ormezinda Maria Ribeiro (Uniube)

SEGUNDA EDIÇÃO

O problema da educação de adultosLourenço Filho

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AVALIAÇÃO

Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará(Spaece) na vertente da avaliação do rendimento escolar

Maria Iaci Cavalcante Pequeno (Seduc)

Avaliação escolar no contexto de novas competênciasIza Locatelli (Inep)

ESTATÍSTICA

A metodologia de amostragem do SaebMarcus M. Riether (Sesi)

Raíssa Rauter (Inep)

CIBEC

Trajetória intelectual e identidade do educador:Anísio Teixeira (1900-1971)

Clarice Nunes (Unesa)

Teses e dissertações recebidas

Lançamentos editoriais em educação

INSTRUÇÕES PARA COLABORAÇÃO

Instruções aos colaboradores

Instruções para a elaboração de resumos Reduc

Instruções aos ilustradores

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ESTUDOS

Jane Soares deAlmeida

Palavras-chave: mulheres;educação; feminismo;cidadania.

As lutas femininas por educação,igualdade e cidadania

Quero poder ocupar na Sociedade umlugar igual ao do meu companheiro.Iguais no nascer e no morrer havemostambém de ser iguais no viver...

A Voz FemininaLisboa,1868.

As mulheres semprelutaram por direitos que lhesforam negados num mundoconstruído sob a autoridademasculina. Os vários movimentosfeministas mostraram que nessas

lutas, além do direito político aovoto, as mulheres reivindicarameducação, instrução, igualdade ecidadania, o que lhespossibilitariam o trânsito da esferadoméstica para o espaço público.Este artigo realiza uma brevetrajetória sobre esse movimentobaseado nas reivindicaçõesfemininas, e conclui que, apesardas conquistas que foramefetivadas, ainda resta muito porfazer nesse plano, no qual aeducação desempenhaimportante papel.

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A conquista do direito ao voto reivin-dicado pelas primeiras sufragistas em prin-cípios do século 20, principalmente nosEstados Unidos e Inglaterra, embora te-nha ocorrido com maior ou menor intensi-dade, em nível mundial poucas modifica-ções foram introduzidas no cotidiano dasmulheres na época. Na realidade, o aces-so das mulheres à educação e instrução,com vias a uma possível profissionalizaçãofoi muito mais relevante, do ponto de vistade sua emancipação, do que o voto, nosvários países em que o movimento se dis-seminou. Embora as lutas sufragistas te-nham ocorrido de formas diversificadas etivessem uma extremada conotação polí-tica, variando em intensidade nos diferen-tes locais, as reivindicações por educaçãoforam uníssonas: as mulheres viam noacesso ao letramento e ao conhecimentoo caminho mais direto para a liberação fe-minina das limitações a que estavam su-jeitas, considerando que a educação e ainstrução promoveriam avanços significa-tivos na existência feminina.

As feministas consideravam que so-mente através da conscientização, pro-porcionada pelo conhecimento daopressão e dominação a que eram sub-metidas, poderiam organizar-se, resistire lutar para escaparem do jugo masculi-no e das regras sociais injustas. Essaconscientização era, pois, um avançosignificativo se compararmos com o si-lêncio e rigor das épocas anteriores, emque raras mulheres conseguiam romperas barreiras impostas ao seu sexo, sen-do marginalizadas e ridicularizadasquando se expunham no espaço públi-co e pretendiam se fazer ouvir.

As feministas inglesas e norte-ameri-canas promoveram verdadeiras batalhasurbanas pela conquista do voto. O mesmonão ocorreu, por exemplo, com as portu-guesas e as brasileiras que adotariam umdiscurso emancipatório ameno, empresta-do das formulações ideológicas da classedominante. Oriundas principalmente des-ta classe, obtiveram aliados masculinos,embora as inevitáveis resistências de seto-res sociais conservadores. Apesar de de-sejarem a igualdade de direitos, com oobjetivo de participarem dos acontecimen-tos políticos dos respectivos países, a ne-cessidade de educarem-se e instruírem-seera muito mais importante, tendo em vistaos papéis de esposas e mães a serem de-sempenhados futuramente nos lares.

O século que se iniciava exigia umnovo tipo de mulher que se opunha aospadrões vigentes da mulher inculta, igno-rante dos avanços de seu tempo ou somen-te versada em amenidades domésticas. Amulher educada era o esteio da família e oalicerce da pátria, a reprodutora da raça eformadora dos futuros cidadãos, premis-sas essas que vinham há algum temposendo exaltadas pelos republicanos dese-josos de romper com a concepção educa-cional arcaica dos tempos da monarquia.

Conscientes dos receios masculinos(e também femininos), de que a mulhereducada abandonaria a sagrada missãoa ela destinada como mãe e esposa, e queo excesso de instrução interferisse na suasaúde e capacidade reprodutiva, apres-saram-se as feministas em declarar que aeducação da mulher só traria benefíciospara a sociedade: "não haja temores vãos:a mulher ficará no lar, sempre que possafazê-lo, porque é essa a sua tendência na-tural", declarava Emília de Sousa Costa,escritora e educadora portuguesa, emconferências realizadas no Instituto deMúsica no Rio de Janeiro em 28 de junhoe 4 de julho de 1923, posteriormentepublicadas em forma de livro, intitulado:A mulher – educação infantil, dedicado aJúlia Lopes de Almeida, "amiga illustre eescriptora insigne".

O pensamento da escritora sintetizavaaquilo em que acreditavam as feministas sul-americanas, francesas e portuguesas, en-tre outras, reforçando, dessa forma, a ade-são de muitos homens ao movimento, já queesse não se constituía propriamente numaameaça à hegemonia do sexo masculino.Mesmo declarando-se feminista convicta,Emília de Sousa Costa considerava o ho-mem possuidor de "maior profundidade deraciocínio, maior serenidade no perigo,maior valentia de ânimo, maior largueza devistas". Tais atributos masculinos serviriamprincipalmente, para "atenuar com dedica-ção, com escrúpulo, com probidade, asnaturais deficiências na esposa, na mãe, nairmã, na noiva ou filha" (Costa, 1923, p. 32).

Esse discurso feminista caracterizava-se, portanto, dentro dos princípios e dosconceitos da ideologia dominante, sendoveiculado por mulheres que tinham opor-tunidade de acesso à cultura letrada. As-sim, em vez de partir para a luta e o con-fronto, conforme o fizeram as americanase inglesas, se valiam da persuasão e doconvencimento, ressaltando a importância

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da domesticidade em suas vidas. Comesse procedimento, o ideário burguês queimpregnava fortemente a sociedade daépoca, era absorvido e o movimento adap-tava-se aos seus princípios. O resultadocostumava ser positivo, pois a naturezafeminina, sua doçura e submissão nãoeram questionadas, mas aceitas; das mu-lheres se esperava que em vez de inteli-gência, tivessem alma, em vez de ideais,professassem a fé, e nisso a Igreja Católi-ca desempenhava um papel determinanteatravés do apelo à aproximação com oarquétipo da Virgem. Nessa perspectiva,a educação era vista como disciplinadoradas mulheres e não mais como sua perdi-ção, conforme se acreditava em décadasanteriores.

O movimento feminista, que eclodiuno início do século 20 na América do Nor-te e Europa e teve repercussões na Amé-rica Latina, encarregou-se de sepultar de-finitivamente a visão medieval que via aeducação feminina como contaminadorada sua consciência, perigosa para a pu-reza de seu corpo e da sua alma. Ao ali-ar-se ao discurso social vigente sobre aeducação da mulher, em vez de nociva,ser um inegável benefício para a socie-dade burguesa e principalmente para avida em família, o movimento feminista,liderado por mulheres da elite intelectuale econômica, detentoras de poderes noespaço privado, o que indiretamente lhesdava poder no espaço público, revelavaum raro sentido de argúcia e sensatezbuscando aliados políticos entre o sexomasculino, pelo menos é o que sedepreende dos textos publicados nos jor-nais da época, através dos artigos deautoria feminina (Almeida, 1998a).

As mulheres engajadas no movimen-to, normalmente letradas e bem nascidas,viam a possível saída para romper com osmecanismos de dominação e opressão doseu sexo: a educação e a instrução. Atra-vés da educação, alcançariam a liberda-de, os direitos sociais e políticos, aprofissionalização e até o poder econômi-co que proporcionaria uma relativa auto-nomia, dentro dos limites que a vida soci-al urbanizada impunha ao sexo feminino.Apesar disso, o acesso à educação, queacabou por ser conquistado, revelou-secomo mais um mecanismo de opressão.As escolas normais e os liceus, criadospara dar instrução e profissionalizar as jo-vens, repetiam as normas e a imagética

social de uma educação feminina voltadapara o espaço doméstico. À medida que aeducação das mulheres possibilitou conser-var tanto nos lares como nas escolas e nasociedade a hegemonia masculina, esta foiuma faca de dois gumes: detentores dopoder econômico e político, os homens tam-bém apropriaram-se do controle educacio-nal e passaram a ditar as regras e anormatizar a educação feminina segundoseu modo de agir e pensar. Assim, educa-dores, intelectuais, governantes e legislado-res se encarregaram de elaborar as leis edecretos, criaram os regimentos das esco-las normais e liceus femininos, compuse-ram seus currículos e programas, escreve-ram a maioria dos livros didáticos e dosmanuais escolares. Já haviam feito isso naeducação básica e superior, sendo os prin-cipais conhecedores das regras e das nor-mas educacionais. Assim, as escolas paramoças também estariam sob seu domínio,como as demais instâncias da sociedade ese perpetuaria o mesmo estado de coisasvigente nas décadas anteriores. Primeira-mente, idealizariam a organização e o fun-cionamento dos liceus femininos, dos colé-gios, dos internatos e da escola normal, dis-cutiriam a permissão ou a proibição dacoeducação dos sexos em nome do queera conveniente no momento histórico epolítico; influenciariam na organização doscurrículos e dos programas, atendendo amesma ideologia domesticadora, enfim, di-tariam as regras e os rumos da educaçãoescolarizada feminina.

Tendo em vista o direcionamento quea ideologia masculina imprimiria à educa-ção das mulheres, esta continuou um pro-longamento daquilo que era ministrado noseio da família e ensinar piano, bordado,puericultura, línguas, pintura, música, culi-nária continuaria a fazer parte do currículodas escolas de meninas e moças. Agoranão mais seriam vistas como as procria-doras incultas, como na Colônia e Impé-rio, eram as futuras esposas educadas,conhecedoras das necessidades do mari-do e dos filhos, os alicerces confiáveis dolar cristão e patriótico, responsáveis pelasua segurança, harmonia e perenidade.

Porém, logo se evidenciou que edu-car as mulheres apenas nas prendas do-mésticas não era suficiente. As da classeelevada sempre poderiam garantir-se finan-ceiramente através da fortuna familiar oudo marido. Mas havia aquelas de poucos

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recursos, as solteiras, as órfãs sem dote,as de família boa, mas arruinada, o quenão era fato raro na época, essas precisa-riam trabalhar, senão como iriam manter-se? Entretanto, tinha que lhes ser ofereci-da uma profissão que não atentasse con-tra os costumes vigentes e não se consti-tuísse um empecilho para o exercício doprincipal trabalho feminino: o casamento,a procriação e o cuidado da casa.

Com isso, abriu-se a possibilidadepara as moças de, ao cursarem a escolanormal e se habilitarem para o magistérioprimário, alcançarem também o desem-penho de uma profissão, sem que gran-des embates necessitassem ser travadoscom os controladores do seu destino. Paraas aspirações sociais da época, exercer oofício de mestra de crianças era nobre; oscuidados com alunos de tenra idade nãofugiam das aspirações maternais; exigin-do espírito de sacrifício e renúncia, quali-dades que todas as mulheres, futurasmães, deveriam ter. Mas havia que dirigirsua vocação para o cuidado de criançaspequenas, de tenra idade nas quais aindanão se desenvolvera a sexualidade. Quan-do fossem maiores, as professoras lecio-nariam para as meninas e os professorespara os meninos. Isso era pregado pelaIgreja Católica e pelos conservadores. Ocontrário seria imoral, pois a sempre ne-cessária separação entre os sexos impe-dia a excessiva intimidade que contami-naria a pureza feminina e despertariam nosmeninos desejos em desacordo com amoral cristã e os bons costumes sociais.No futuro, os sexos se juntariam atravésdo casamento religioso e seu reconheci-mento pela sociedade civil; seres manti-dos no distanciamento teriam por deverformarem novas famílias e viverem em har-monia, revelando-se assim o paradoxo deuma cultura calcada sobre princípiosandrocêntricos.

No Brasil dos primeiros anos do sé-culo 20, haviam sido efetivadas algumasconquistas feministas, principalmentequanto à necessidade de escolarizaçãopara as mulheres, embora houvesse ain-da uma certa resistência quanto a seguircarreiras profissionais, abrindo-se a pos-sibilidade de exercerem o magistério,uma profissão que rapidamente sefeminizava. Isso concedia às jovens umpouco mais de liberdade e autonomia,embora fossem severamente controla-das. Porém, ainda pouco se resolvera

concretamente em termos de maiores di-reitos femininos na vida de todo dia. O votoera uma reivindicação, que ora era con-cedida, ora recusada às mulheres domundo todo, estando em dependênciados acordos políticos das liderançassufragistas com a classe dirigente. O es-paço público seria, por um bom tempo,uma meta a ser atingida e o acesso àprofissionalização, em outras áreas, quenão o magistério ou enfermagem, outrapossibilidade que se abria fazia-se aindamuito restrito.

A educação das mulheres que a princí-pio foi negada, tendo como justificativa queisso iria prejudicar sua frágil constituição físi-ca e emocional, acabou por revelar-se umanecessidade, notadamente no período pós-republicano. De acordo com os pressupos-tos dos liberais e positivistas, o novo estadoque se delineava após a queda do regimemonárquico exigia cidadãos aptos a fazerema nação crescer e a desenvolver-se. Isso nãoseria possível sem a instrução da populaçãoem geral. No caso feminino, a educaçãopossibilitaria que repousasse em mãos ade-quadas o destino dos futuros homens quese incumbiriam dessa tarefa nacionalista. Aomesmo tempo, se entendia que uma escolanormatizada, veiculadora de uma instruçãocorretamente destinada ao sexo feminino efornecida por uma instituição de mérito, nãoofereceria muitos riscos de desviar as jovense as meninas da sua verdadeira vocação, re-presentada pelo casamento e maternidade.As mulheres educadas continuariam a cui-dar da casa e dos filhos, e a hegemonia mas-culina não sofreria ameaças consistentes.

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Para as mulheres, educar-se e instruir-se, mais do que nunca, era uma forma dequebrar grilhões domésticos e de sair parao espaço público, adequando-se às nor-mas sociais e às exigências da vida pes-soal. Foi também uma questão crucial aser enfrentada no novo mundo que sedescortinava e principiava a selecionar osmais preparados. Possuidoras dos sabe-res privados sobre o mundo dos homens,as mulheres passaram a reivindicar o sa-ber público, mesmo derivado do masculi-no e referendado com seu selo oficial. Essesaber público foi, de certa maneira, a viade acesso ao poder, o que era passível deconfronto com a desigualdade e a opres-são. Uma vez conscientes da força revela-da pela atuação no espaço público, dopoder e de suas implicações na vida emsociedade, as mulheres pertencentes àelite feminista que o reivindicava, não maisaceitaram a intermediação masculina en-tre elas e o espaço público e passaram afazer ouvir sua voz, principalmente atra-vés da imprensa periódica feminina. Osmecanismos de exclusão saíram dainvisibilidade e foram contundentementeatacados, revelando às demais mulheresum pensamento que rejeitava a subordi-nação ao modelo masculino.

No cenário europeu, um dos princi-pais sofismas desse período, que diziarespeito à recusa ao voto às mulheres,baseava-se em que estas não pagavamseu tributo de sangue à guerra. As femi-nistas responderam que aqueles que ad-vogavam essa negativa esqueciam-seque o tributo era pago com o sangue dosmaridos, dos filhos, pais e irmãos e com

as privações cotidianas vividas quando nomundo não existe paz. Na ausência doshomens, a sociedade civil deveria conti-nuar subsistindo e as mulheres preenche-ram os postos de trabalho nas fábricas,no comércio, nos setores de produção. Épossível encontrar em jornais da épocamanifestações como esta:

As mulheres nesta grande e terrível guer-ra teem dado uma prova gigantesca doseu preparo para entrarem na vida com-plexa dos povos modernos. As mulheresmenos instruídas, mães, esposas ou fi-lhas, ainda que não o digam sentem a ne-cessidade de continuar a empreza trági-ca à qual está ligada a vida de seus ho-mens. Sem desespero inútil, antes comresignação e serenidade, esperam o fimda guerra.1

A conquista do voto veio na esteira daguerra em alguns países: na Suécia, o votojá havia sido conquistado pelas mulheresdesde 1862; na Dinamarca em 1915, naNoruega em 1913, na Alemanha em 1918,na Holanda, Bélgica, Áustria, Luxemburgo,Polônia, Checoslováquia, Grécia, México,Inglaterra e Estados Unidos em 1919. EmPortugal em 1931 e somente para aquelasque tivessem o curso superior ou secun-dário, entre outras exigências. Na Françaainda foi mais tardio o direito de votar, ape-nas em 1945. Na Itália, perseguidas pelofascismo, as feministas conseguiram sereleitoras somente em 1946 e na Argentina,em 1950.

No Brasil, a proposta de conceder ovoto às mulheres tramitou no Congressodesde 1890, talvez inspirada na Proclama-ção da República e nos ideais igualitáriosdo Liberalismo. O movimento só tomouforma por volta de 1910 num processo pa-cífico e ordeiro, principalmente devido aofato de as sufragistas pertencerem às eli-tes oligárquicas e serem suas aliadas.Mesmo assim, só puderam obter esse di-reito em 1932.

Na república brasileira os positivistas,principais defensores da superioridademoral das mulheres, insurgiram-se tenaz-mente contra o sufrágio com o argumentoque uma incursão ao mundo da políticapoderia conspurcar a moral feminina. Po-rém, as lutas por educação e instrução co-meçaram a dar bons resultados e, nas dé-cadas seguintes, passou-se a dar umaatenção renovada à educação feminina,multiplicando-se os liceus, colégios e es-colas normais. Aproximadamente entre

1 Em artigo de autoria deGemma Majonch, escritora eprofessora da Escola NormalSuperior de Perugia, Itália,correspondente do jornalAlma Feminina, editado emLisboa (1916).

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1890 a 1930 se caracterizou, em termosdas reivindicações feministas, um perío-do em que se apelava pela igualdade dedireitos, o repúdio à infância abandonadae à prostituição, o acesso à cidadania eao trabalho, a denúncia da opressão mas-culina, o direito à educação e instrução, aprofissionalização e a liberdade, ao direi-to de votar e serem votadas, porém semperder de vista o papel de esposas emães. O pós-guerra e a cada vez maisacelerada urbanização e industrialização,o desenvolvimento dos meios de comuni-cação e a publicidade, o cinema, o rádio,ocasionariam, por sua vez, expressivasmudanças nos costumes, gerando novoscomportamentos femininos (Almeida,1998b).

Nas décadas de 40 e 50 do século20, as mulheres não mais aceitavam asmesmas subordinações a que suasantecessoras estiveram submetidas, masmuitos valores permaneceram inalterados,principalmente os referentes à sexualida-de e domesticidade. Entretanto, a expan-são dos meios de comunicação, a con-quista do direito à instrução, a ampliaçãodo mercado de trabalho e o acelerado pro-gresso e desenvolvimento, assim como asnovas descobertas da Ciência, acabarampor produzir uma nova consciência femi-nina que se foi esculpindo em meados doséculo 20 na esteira do término da Segun-da Guerra. O meio século transcorrido des-de as primeiras lutas feministas, juntamen-te com suas conquistas, trouxe as duplasjornadas de trabalho. O lar ainda era con-siderado como um local essencialmentereservado às mulheres e os cuidados comos filhos também continuaram sob a res-ponsabilidade da mulher. Em caso de se-paração, a lei decidia, com raras exceções,que caberia a esta a guarda da prole. Achance de seguir uma carreira remunera-da se ancorava no preparo profissionalpela via escolar, e a legislação civil e tra-balhista caminhava ainda a passos lentosem relação aos direitos das mulheres.

As décadas de 60 e 70 do século 20assistiram à quebra de antigos precon-ceitos, num movimento que se originouprimeiramente nos Estados Unidos e to-mou contornos mais nítidos nos anos 70,acompanhando as reivindicações pelofim da Guerra do Vietnã e alinhando-secom os protestos das minorias margina-lizadas. É possível afirmar que o feminis-mo abriu caminho para as reivindicações

das minorias: numa sociedade que sedesejava democrática e que repudiava osvalores discriminatórios que originaram oconflito europeu, não poderiam coexistirdiscriminações calcadas em fatores bio-lógicos e hereditários. Talvez aí residamtambém as origens daquilo que a pós-modernidade denomina multiculturalismo,o qual considera o pluralismo, a diversi-dade e a diferença entre os seres huma-nos, o que não justifica a discriminação ea dominação de origem cultural, nem seconstitui aval para a opressão.

Nos anos 70 as mulheres tiveram pos-sibilidades de exercer profissões e o aces-so às universidades foi consolidado, em-bora ainda coexistissem guetos profissio-nais. Não mais caladas e confinadas napenumbra doméstica passaram a ser par-te importante do sistema produtivo. O si-lêncio sofrido das antepassadas pareceuter ficado para trás e vozes femininas setornaram uma constante no panoramasociopolítico e econômico dos vários países.Isso abriu espaço para que se expandis-sem os estudos teóricos sobre as mulhe-res e a emergência de uma crítica teóricafeminista pautada na eliminação das de-sigualdades. A partir da elaboração de no-vos constructos teóricos, mudaram algunsparadigmas e a crítica feminista levou à in-trodução do conceito de gênero como ca-tegoria científica que explicita as relaçõessociais entre os sexos, o que leva à elabo-ração de construções epistemológicas maisdefinidas sobre as relações de poder. Issosurgiu primeiramente entre a militância fe-minista durante a ultrapassagem da adoçãodos modelos reivindicatórios dos primeirosmovimentos que se deram em princípios doséculo, e que se basearam primeiramentena não-aceitação da desigualdade e depoisna sua eliminação.

A atual geração feminista incorpora adiferença como construção sociocultural quese refere aos dois sexos, sublinhando o con-ceito da igualdade na diferença, uma dasconcepções mais avançadas do seu pontode vista. Neste, a diferença é aceita, mas nãoé aval para as desigualdades entre os se-xos, o que significa um modelo de condutano qual as peculiaridades existentes entrehomens e mulheres são consideradas. Nomeio acadêmico, o conceito de gênero foiintroduzido a partir da constatação de que ofeminismo e seu confronto com os mecanis-mos de dominação e subordinação levava

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à emergência de novas categorias analíti-cas que não se encaixavam nos paradigmasclássicos, constatando-se que essesparadigmas não conseguiam elaborar mo-delos explicativos mais flexíveis para anali-sar a situação específica da mulher comosujeito social e histórico.

Embora num sentido restrito, o con-ceito de gênero se refira aos estudos quetêm a mulher, a família, a sexualidade, amaternidade, entre outros, como foco depesquisas; num sentido amplo, o gêneroé entendido como uma construção soci-al, histórica e cultural, elaborada sobre asdiferenças sexuais e às relações que seestabelecem entre os dois sexos. Estasestão imbricadas com as relações depoder que revelam os conflitos e as con-tradições que marcam uma sociedadeonde a tônica é dada pela desigualdade,seja de classe, gênero, raça ou etnia. Comisso se permitiu alguma visibilidade a mo-vimentos sociais emergentes, cujo obje-tivo era a denúncia contra a discrimina-ção, impondo-se a necessidade de umolhar diferenciado para as ambigüidadesda ordenação social.

Dessa perspectiva se considera queas configurações de poder entre os gêne-ros, da mesma forma que os significados,as normatizações valorativas, as práticase os símbolos, variam de acordo com asculturas, a religião, a economia, as clas-ses sociais, as raças, os momentos histó-ricos, etc. Formam-se assim redes de sig-nificações que se edificam e se relacio-nam, atuando em todos os âmbitos da vidacotidiana. As desigualdades entre os gê-neros e as que envolvem idade, classessociais, raças e opções sexuais alternati-vas, efetivam mecanismos de produção ereprodução da discriminação. Esses me-canismos adquirem concreticidade emtodas as instâncias da vida social públicae privada: na profissão, no trabalho, no ca-samento, na descendência, no padrão devida, na sexualidade, nos meios de comu-nicação e até nas ciências, envolvendo aHistória, a Sociologia, a Antropologia, aPolítica, a Economia, etc. Portanto, a utili-zação do termo implica uma rejeição àsdiferenças assentadas simplesmente noaspecto biológico e demonstra, por parteda perspectiva teórica feminista, uma ab-soluta rejeição aos enfoques naturalistasque envolvem a aceitação da categoria im-plícita de subordinação da mulher ao ho-mem baseada nas estruturas biológicas decada indivíduo de uma mesma espécie.

No plano educacional, os anos 90 têmmostrado o magistério como um espaçoprofissional definitivamente feminizado emquase todos os níveis de ensino, assimcomo aumenta a cada dia o número demulheres freqüentando a educação básicae superior. Em contrapartida, as conquistastecnológicas e científicas, o aumento naexpectativa de vida e outros progressossociais, não conseguem superar a desigual-dade entre os seres humanos devido à de-sigual distribuição de riquezas. Isso leva aum expressivo aumento na criminalidade eas mulheres situam-se entre as grandes ví-timas da violência, principalmente no espa-ço doméstico, suportando, além disso, aviolência derivada dos hábitos e costumesdas práticas culturais entre os diversos po-vos, o que adquire, inclusive um caráter deuniversalidade entre o sexo feminino nomundo todo.

Segundo reportagem do jornal O Es-tado de S. Paulo de 3/9/1995 (p. D1), noCanadá, uma em cada quatro mulheresserá vítima de violência sexual em algummomento da sua vida, sendo que metadedas agressões será sofrida antes dos 17anos. Nos Estados Unidos, um milhão demulheres sofre violência grave na esferafamiliar a cada ano; na Europa, quatro mi-lhões são atingidas no mesmo período; naDinamarca, 25% dos divórcios são causa-dos pela violência conjugal e, no Chile,estima-se que cerca de 60% das mulheresvivem em situações de violência familiar. ABolívia tem 79% de meninas vivendo emlares violentos e muitas fogem encami-nhando-se para a prostituição infantil. Naguerra da Bósnia, até então, chegou a 50mil o número de estupros cometidos con-tra mulheres, sendo que na Argentina ocor-rem 6 mil casos por ano e, em menos de10% há condenações. Na Grã-Bretanha,4,6 milhões de mulheres possuem rendainferior a 40 dólares por semana e apenas400 mil homens estão nessas condições.O mesmo acontece na Rússia onde asmulheres recebem em média 50% dos sa-lários ganhos pelos homens e são sempreas primeiras demitidas em caso de cortede pessoal; no Japão seus salários che-gam a ser até 60% inferiores aos dos ho-mens, além de sofrerem o peso da tradi-ção de que devem ser primorosas donas-de-casa. Na China é notória a preferênciados pais pelos filhos do sexo masculino emuitas meninas recém-nascidas são assas-sinadas, havendo mais homens do que

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mulheres no país. E em Bangladesh as cri-anças do sexo feminino costumam até re-ceber alimentação inferior às do sexomasculino, e quando adoecem são leva-das mais tardiamente ao médico. A Anis-tia Internacional estima que cerca de cin-co mil mulheres são mortas anualmentena Índia por causa de disputas por dotesde noivas. No Egito e em outros 20 paísesdo Oriente Médio e África, as adolescen-tes são mutiladas sexualmente através daprática bárbara da infibulação, com o ob-jetivo de extirpar-lhes qualquer tipo dedesejo sexual e mantê-las fiéis ao cônju-ge. Em Uganda, a taxa de contaminaçãopor Aids entre adolescente é seis vezesmaior nas meninas do que nos rapazes,devido à crença de que elas transmitemmenos o vírus da doença do que as mu-lheres adultas, em Zâmbia, 24% das grá-vidas que fazem pré-natal estão infectadaspelo HIV, pois não têm poder para exigirdos parceiros o uso de preservativos porserem extremamente dependentes. NoSudão, as mulheres são proibidas de usarroupas como calças compridas, pois cor-rem o risco de serem açoitadas. No Bra-sil, os crimes sexuais contra a mulher ain-da são tratados como contra os costumese não contra a pessoa, legitimando a tesesexista de legítima defesa da honra mas-culina, no Código Penal que data de 1940.

Esse cenário está longe de mostrarsinais de reversibilidade e as mulheres dostempos pós-modernos, apesar das con-quistas que foram efetivadas no terreno dasexualidade, da maternidade como opção,do direito à educação e participação polí-tica, do acesso ao mercado do trabalho,ainda convivem com mecanismos discri-minatórios que dão origem à violênciacontra o sexo feminino na sociedade e naesfera conjugal.

A educação tradicional, ministradanos lares e na escola, sempre teve pornorma privilegiar o sexo masculino, sen-do considerada supérflua para as mulhe-res. A tradição luso-cristã chegava a afir-mar que excesso de instrução poderiaprejudicar sua constituição que seria frá-gil e nervosa, o que teria por conseqüên-cia efeitos nocivos na saúde da futuraprole. Posteriormente, essa educaçãopassou a ser desejável, dado que a mu-lher educada seria mais capaz de criarfilhos saudáveis, mas não poderia fazercom que ela se sentisse capaz de com-petir com os homens, o que ocasionaria

desordem social. Assim, a educação femi-nina, durante longo tempo, tanto na esco-la como na família, foi normatizada e con-trolada pelos homens e de acordo com oque estes consideravam necessários. Paraestes, o espaço público, a política, a ge-rência dos negócios; para as mulheres, ocuidado com a casa e os filhos, a econo-mia doméstica. Ainda hoje essa imagéticatraz conseqüências nas relações entre ossexos, e que se traduzem pela subordina-ção feminina ao sexo masculino, numaescala social hierarquizada.

A imagética social, ao alocar papéissexuais diferenciados para homens e mu-lheres, induz à estereotipia sexual, ondese esperam de cada sexo comportamen-tos predeterminados. Isso se reflete prin-cipalmente quando a criança chega à es-cola; e no ambiente escolar meninos emeninas desenvolvem atividades lúdicase artísticas voltadas para esse desempe-nho. As professoras esperam das meni-nas comportamentos de ordem, asseio eobediência, o mesmo não acontece emrelação aos meninos, aos quais atribuemcaracterísticas de maior agressividade,impulsividade e desobediência. Alguns li-vros didáticos ainda estampam essaestereotipia, mostrando o pai saindo parao trabalho e a mãe em casa cozinhando,ou limpando e cuidando dos filhos, em-bora atualmente haja uma tendência dese reverter essas imagens. Nas diversasatividades em sala de aula, muitas vezesexiste separação entre os sexos, em ativi-dades nas quais meninos disputam commeninas nas habilidades cognitivas. Es-sas diferenciações ainda são constantesno ambiente escolar e as professoras,(que são maioria no ensino fundamental),por sua vez, veiculam uma prática peda-gógica de acordo com a educação tradi-cional que receberam. Portanto, levar emconsideração que na educação escolarcoexistem as diferenças de sexo, assimcomo as de classe e etnia, configura-senos tempos atuais como uma abordagemnecessária nas pesquisas educacionais,em vista dos aspectos multifacetados deuma sociedade diferenciada quanto aoacesso à educação, à cultura e aos bensmateriais. Adotando-se um recorte de gê-nero nas análises educacionais, é possí-vel edificar novas formas de pensamentoisentas de diferenciação sexista, o quelevaria a práticas pedagógicas e sociaiscompatíveis com a nova posição dos se-xos no mundo atual.

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SOUZA, F. C. de. Prática pedagógica nas escolas: reprodução de estereótipos sexuais?[São Paulo], 1999. Monografia apresentada como relatório de pesquisa à Fapesp.

Recebido em 28 de junho de 2000.

Jane Soares de Almeida, doutora em História e Filosofia da Educação pela Univer-sidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado pela Graduate School of Education,Harvard University, Estados Unidos, é professora adjunta (livre-docente) do Departa-mento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista(Unesp/Araraquara).

Abstract

Women have always fought for rights that were denied to them in a world built underthe masculine authority. Besides the political right to vote, several feminist movementsshowed that in those fights. Women demanded education, instruction, equality andcitizenship, which would facilitate their transition from the domestic sphere to the publicspace. This article reports a brief trajectory about that movement based on the femininerevindications. It concludes that, in spite of the conquests that were accomplished, thereare still much to be done in this area, in which education plays important part.

Keyword: women; education; feminism; citizenship.

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ESTUDOS

Heloisa Szymanski

Palavras-chave: família eeducação; diálogo em família;função educativa da família.

A família como um locus educacional:perspectivas para um trabalho psicoeducacional

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Apresenta a Educação paraFamília como um campo deinvestigação e prática profissionalem Educação e Psicologia. Criticaa visão naturalizada de família,enfatizando sua condição defenômeno social e histórico, alémde desempenhar uma funçãosocializadora e educacional.Aponta para a necessidade de sedesenvolverem pesquisas e de seoferecerem programas deatenção nessa área, no sentidode subsidiar a ação educacionaldos pais. Indica a proposta dePaulo Freire aplicada à Educaçãopara Família como referencialteórico para pesquisas na área,na suposição de que aquelaoferece condições para aimplementação de uma práticafavorável ao desenvolvimentosocial e afetivo no ambientefamiliar. Nas considerações finais,indicam alguns pressupostos quepodem orientar o trabalho depesquisa e intervenção.

Introdução

Pretende-se, neste artigo, apresentaruma perspectiva teórica para o desenvol-vimento de pesquisas na área de educa-ção familiar. A atividade educativa dos paistornou-se objeto de estudos e, desde adécada de 70, tem se estabelecido comocampo de investigação, em especial no

Canadá, França e Inglaterra (Durning,1999). Embora o tema família seja estuda-do pela Sociologia, História, Antropologiae Direito, o foco de atenção nos processoseducativos familiares a incluiria como ob-jeto de estudo das ciências da educação.

A inclusão da educação familiar nas ciên-cias da educação pode ser justificada porsua tríplice capacidade: elaborar os co-nhecimentos sobre o processo educativo,apoiando-se nas contribuições das dife-rentes ciências humanas e sociais relaci-onadas, considerar esse processo nassuas articulações com o dispositivorelacional e com o quadro sociohistóricoque o determina e, finalmente, conjugaras abordagens de pesquisa, formação eintervenção (Durning, 1999, p. 44).1

Questões, entretanto, como desenvol-vimento afetivo, cognitivo e social, consti-tuição da identidade, dinâmica interacionalno grupo familiar, dão um destaque espe-cial à contribuição da psicologia para oestudo de práticas educativas no contextoda família. O intercâmbio entre psicologiae educação nesta área pode, conseqüen-temente, torná-la objeto de estudo tambémda psicologia da educação, que tem comoproposta a investigação sobre a constitui-ção do sujeito social que se dá nas trocasintersubjetivas em contextos que a socie-dade oferece aos indivíduos através daeducação formal ou informal.

O ponto de partida deste trabalho con-sistirá em apresentar uma reflexão sobre afamília não só como uma condição quepossibilita a sobrevivência e o desenvolvi-mento dos seres humanos, mas como umadas instituições que assume a tarefaeducativa que lhe é outorgada pela socie-dade, devendo, portanto, receber apoiopara o desempenho dessa função. Nessaperspectiva, educação familiar tem tam-bém o sentido de uma prática social quese refere ao "conjunto de intervenções so-ciais utilizadas para preparar, apoiar, aju-dar, eventualmente suplementar, os pais nasua tarefa educativa em relação aos filhos"(Durning, 1999, p. 38). Tais intervençõespodem ser comparadas, por analogia, àsações de formação de profissionais para aeducação formal das crianças, e seu con-teúdo deverá ser constituído pelas informa-ções resultantes das pesquisas na área.

O saber construído em educação epsicologia pode contribuir para a área deconhecimento sobre práticas educativas

1 Todas as citações de Durningforam traduzidas pela autora.

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familiares, tanto no âmbito da investiga-ção como no da intervenção. É o que sepretende apresentar neste artigo, ao tra-zer-se a perspectiva educacional de Pau-lo Freire como uma base teórica para fu-turo desenvolvimento de pesquisa e ação.

O ponto de partida para um trabalhosistemático com famílias é a considera-ção dessa instituição como construçãosocial e histórica e com uma missãosocializadora que lhe foi imposta pelassociedades dentro das quais está in-serida. Só com essa perspectiva clara-mente posta é que se pode partir paraum conhecimento sistemático das infor-mações e habilidades necessárias parao desempenho daquela missão e trans-cender o mito de sua capacidade "natu-ral" de educar seus filhos. Tal mito aindapermeia os planos públicos de atençãoàs famílias, as atitudes e procedimentosde profissionais e instituições, em parti-cular a escola, na suposição de informa-ções e habilidades que muitas vezes ospais e mães não têm.

A família como instituição sociale historicamente constituída

Este item pretende apontar o carátereducacional da tarefa socializadora da fa-mília como instituição social.

Ao nascer, a criança já tem lugarnuma rede de trocas intersubjetivas atra-vés das quais saberes, sentimentos, emo-ções e significados são veiculados. Suasubjetividade é forjada nesse ser com ooutro, em sua maneira singular de inter-pretar o mundo que se lhe apresenta ena identidade pessoal que é constituídano confronto com a alteridade.

Berger e Luckmann (1985, p. 174)chamam de interiorização esse processode interpretação de um acontecimentoobjetivo sendo dotado de sentido, e, emconseqüência, apropriado subjetivamen-te, o que permitirá a apreensão do mundo"como realidade social dotada de sentido".Esses autores definem socialização comoo processo ontogenético de realização deum grau de interiorização em que não sóse compreendem os processos subjetivosdo outro como se apropria de uma reali-dade objetiva comum. Nesse momento, oindivíduo se torna membro da sociedade.

A integração dos indivíduos à socieda-de se dá mediada por instituições definidas

por Berger e Luckmann (1985, p. 79 e 109)como "tipificações das ações habituais", par-tilhadas e constituídas na historicidade. Cons-titui-se uma solução "permanente"2 ao pro-blema "permanente" de transmissão de se-dimentações objetivadas de uma dada cul-tura. Para esses autores, o processo de trans-missão de significados sedimentados paraatores potenciais de ações institucionalizadasexige um processo "educacional". Este éviabilizado por um aparelho social, que en-volve transmissores e receptores e que re-quer o desempenho de papéis sociais querealizem "as mediações entre os universosmacroscópicos de significação, objetivadospor uma sociedade e os modos pelos quaisestes universos são subjetivamente reais paraos indivíduos".

A família, nessa perspectiva, é umadas instituições responsáveis pelo proces-so de socialização, realizado mediante prá-ticas exercidas por aqueles que têm o pa-pel de transmissores – os pais – desenvol-vidas junto aos que são os receptores – osfilhos. Tais práticas se concretizam emações contínuas e habituais, nas trocasinterpessoais. Seu caráter educativo ex-pressa-se na finalidade de transmissão desaberes, hábitos e conhecimentos, em pro-cedimentos que garantam a sua aquisiçãoe fixação e na constante avaliação dosmembros receptores quanto ao seu graude assimilação do que lhes foi transmitido.Há, também, a reconsideração de estraté-gias de transmissão da herança cultural,conforme os conhecimentos acumuladospor uma cultura. Embora não se trate deconhecimento sistematizado, é o resulta-do de uma aprendizagem social transmiti-da de geração em geração.

Esse processo nos remete ao caráterhistórico da família, considerada comoprodução cultural. As crianças nem sem-pre ocuparam o lugar que ocupam hoje,nem sempre receberam os cuidados quemerecem. Os casamentos nem sempre fo-ram por amor, nem sempre as pessoastinham o direito de escolher seus parcei-ros e as casas nem sempre foram o redu-to privado de um núcleo familiar.3 Nota-se, portanto, uma contínua transformaçãoem sua estrutura, organização, crenças,valores e sentimentos.

A partir do século 16, há o que Gélis(1991) chama de transição do imaginárioda família como linhagem – na qual a exis-tência individual da criança não contava

2 Aspas dos autores.3 A questão histórica da famí-

lia poderá ser encontrada deforma mais aprofundada emAlmeida (1987), Ariès (1978),Poster (1979), Ariès e Duby(1991), Canevacci (1981) ePriore (1991).

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muito – para o modelo nuclear – tendo-acomo centro e a afeição entre os mem-bros como base da realidade familiar. No-vas concepções de infância – ou o queAriès chama de "sentimento da infância" –determinaram novas formas de cuidadospara com os filhos e de organização davida doméstica.

São quatro séculos de formação deum modelo que se instalou no pensamen-to dos ocidentais, mantido pelas váriasinstituições como escola, igreja, sistemade justiça e meios de comunicação. Nãoé de se estranhar que mudanças sejamdifíceis de ser assimiladas. Deve-se lem-brar que, há três séculos atrás, a transfor-mação para o atual modelo nuclear de fa-mília também foi vista com desconfiançae chegou-se até a preconizar seu fim...(Ariès, 1978).

Como instituição social, sempre este-ve inserida na rede de inter-relações comoutras instituições, em especial, com aescola. No momento histórico (século 17)em que esta assumiu a educação formal,surgiu a preocupação de um acompanha-mento mais próximo dos pais junto aosseus filhos. Com essa finalidade, foramelaborados tratados de educação para ospais, com a finalidade de orientá-los quan-to aos seus deveres e responsabilidades(Ariès, 1978).

Essas orientações refletiam as expec-tativas da sociedade, considerando ummodelo específico de família – a famílianuclear burguesa, na qual a mulher eraincumbida de formar os filhos, por ter-lhesido atribuída essa capacidade "instintiva",e o homem recebeu a função de prove-dor. A interpretação das funções paternae materna e a divisão de trabalho por gê-nero permanecem muito fortes até nossosdias, denotando a força de um modelo defamília construído há alguns séculos atrás.Prova disso é a falta de oportunidades for-mais para a formação de pais e mãescomo educadores e o valor de referênciaque esse modelo assumiu por outras ins-tituições da sociedade como a escola.

Será apresentada, a seguir, uma con-sideração sobre o modelo de famíliahegemônico em nossa cultura, na ótica daestrutura e organização do grupo domés-tico que gerou e das relações entre famí-lia e escola mediadas por ele.

Modelo de família: a família pensada

O modelo nuclear da família instalou-se poderosamente em nossa cultura, pre-conizando uma estrutura, uma hierarquia,papéis sociais e normas de funcionamen-to. Nos meios de comunicação e livros di-dáticos, essa família é sempre branca, declasse média, composta de pai, mãe, filhose avós, e os sentimentos associados a essemodelo são de amor, acolhimento, apoioe segurança.

A essas personagens são atribuídospapéis sociais que caracterizam estereó-tipos do homem provedor, associado aomundo externo, no topo da hierarquia, eda mulher, cuidadora e responsável pelavida emocional da família e educação dosfilhos, voltada para o mundo doméstico,a "rainha do lar", uma expressão que de-nuncia as origens aristocráticas da famí-lia nuclear (Ariès, 1978).

É importante notar que esse modeloserve à ideologia patriarcal dominante aose falar em determinismo biológico, atribu-indo às diferenças de gênero – culturalmen-te construídas – o mesmo significado dediferenças sexuais (Maturana, 1993), ao"naturalizar" a mulher em suas funções nafamília e justificar, dessa forma, a hierarquiaproposta, com o racional no topo e o ins-tintivo sob suas ordens.

Essa concepção de família é podero-sa e constitui o que se pode chamar de"família pensada" (Szymanski, 1995), poisestá subjacente ao projeto de constituiçãode família dos membros de nossa socie-dade, dirige o processo de socialização,define as formas de tratamento das outrasinstituições, como a escola.4

Por constituir-se um parâmetro, qual-quer desvio do modelo é considerado umacondição ameaçadora da ordem e poten-cialmente danosa. A família está integradaem um arranjo social e cultural que atendeaos interesses de uma dada sociedade.Qualquer mudança nessa instituição debase – que tem a missão de ser a primeiraagência socializadora a transmitir a cultu-ra para os membros jovens – acaba poratingir as demais instituições, que se vêemdiante da ameaça de mudança. Tenta-sepassar a idéia de que as mudanças na fa-mília podem trazer o caos social e lança-se uma cortina de fumaça nas reais cau-sas da desagregação moral de nossa so-ciedade, atribuindo-a ao afastamento domodelo nuclear e às transformações nacondição de vida das mulheres.

4 Um exemplo típico da pre-sença subliminar da famíliapensada é a escolha do ho-rário de encontro dos edu-cadores com as famílias:durante a semana, no meiodo período, numa clara su-posição do lugar domésticoda mulher e de sua respon-sabilidade pela educaçãodos filhos.

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O caráter avaliativo do modelo im-pregna outras instituições sociais. A escolafreqüentemente atribui as dificuldades deseus alunos à "desestruturação" da famí-lia, referindo-se àquelas em que os paissão separados. Uma estrutura alternativaé desqualificada como desestrutura, no-vamente apontando a presença da famíliapensada definindo atitudes e ações dos/as educadores/as em relação às famílias.

A adoção sem críticas desse modelotem, também, como conseqüência a su-posição de que ele não é passível de mu-dança, pois é natural, instintivo e não é his-tórico. Desta forma, perpetuam-se práticassociais e educativas a serviço de uma ide-ologia. Porém, ao olhar a família numaperspectiva psicoeducacional, é necessá-rio fazer-se uma reflexão sobre a influên-cia desse modelo nas instituições sociali-zadoras, focalizá-la como um ambientepropiciador de desenvolvimento humanoe não se deixar levar por ideologias naspropostas de ação.

Embora o modelo estivesse posto eimposto, as vicissitudes da vida obrigaramas pessoas a moldarem-se às circunstân-cias, no que diz respeito à organização e

à estrutura familiares. Devido a isso, o vivi-do familiar nem sempre correspondeu aopreconizado pelo modelo.

Dando continuidade à exposição,será apresentada, a seguir, a concepçãode família vivida.

A família vivida

As pessoas criam novas formas de vi-ver em família, que se afastam do modelo.Estabelecem diferentes arranjos familiares,adotados como soluções para se continu-ar dando apoio e cuidados às crianças,contemplando as dificuldades encontradasno convívio do grupo familiar.

Muitos querem permanecer cegospara a evidência de que a mera manuten-ção de um modelo não garante a criaçãode um ambiente adequado ao desenvol-vimento dos membros da família, e quemuitos desses problemas de desenvolvi-mento com crianças e adolescentes es-tão ocorrendo em famílias que, na suaaparência, mantêm o modelo tradicional.

Mas, apesar de toda pressão socialpara a adoção do modelo de família nu-clear, que se vive, atualmente, são váriosarranjos familiares, várias possibilidades esoluções para adultos e crianças viveremsua intimidade e trocas afetivas e para acriação de ambientes para o desenvolvi-mento de crianças e adolescentes.

Ao olhar-se para os grupos domésticos,tal como vivem, encontram-se pessoas queos definem como suas famílias, mesmoapresentando uma estrutura e organizaçãodiferentes das do modelo. Estão organiza-das numa estrutura hierarquizada (por ida-de ou gênero), convivem com a propostade uma ligação afetiva duradoura, incluin-do uma relação de cuidado entre os adul-tos e deles com as crianças, jovens e tam-bém com os idosos – constituem a "famíliavivida" (Szymanski, 1995).

Tais grupos, tanto quanto os organi-zados segundo o modelo, podem ofere-cer condições adequadas para o desen-volvimento de crianças e adolescentes etambém devem receber apoio das demaisinstituições para o cumprimento de suafunção socializadora.

É na consideração da família vivida,concreta, que devem ser delineados pro-gramas educacionais e parcerias com ou-tras instituições, em especial com a escola.

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A família como locus educacional

O ambiente familiar é propício paraoferecer inúmeras atividades que envol-vam a criança numa ação intencional,numa situação de trocas intersubjetivasque vão se tornando mais complexas, ouenvolvendo mais intencionalidades,numa perspectiva temporal. Famílias queoferecem às crianças e adolescentesmais atividades organizadas, aumentan-do aos poucos sua complexidade, nasquais possam se engajar por períodosgradualmente mais longos, facilitam osprocessos de desenvolvimento na pro-posta de Bronfenbrenner (1996). Essasatividades não só desenvolvem habilida-des cognitivas e sociais como tambémvão consolidando sua posição na cons-telação familiar. As trocas intersubjetivasna família, numa situação de apego emo-cional sólido, oferecem oportunidade dedesenvolvimento para todos os envolvi-dos, sejam adultos ou crianças.

Considerada sob essa perspectiva, afamília apresenta-se como um contexto dedesenvolvimento humano (Bronfenbrenner,1996), lançando mão de práticas educativascom a finalidade de preparar seus filhos efilhas para a sociedade em que vive – suafunção de agência socializadora primária(Berger, Luckmann, 1985).

Práticas educativas familiares aqui sãoentendidas como ações contínuas e habi-tuais realizadas nas trocas interpessoaispelos mais velhos em relação às criançase adolescentes, com a finalidade de trans-mitir saberes, práticas e hábitos sociais, tra-zendo uma compreensão e uma propostade ser no mundo com o outro. Trata-se datransmissão de uma herança cultural quepossibilita a inserção da criança no mundosocial mais amplo, para torná-la apta a atu-ar nele, considerando sua realidade sociale histórica.

Tais práticas são educativas, pois en-volvem conhecimentos e saberes. Emboranão se trate de conhecimento sistematiza-do, é o resultado de um processo de ensi-no-aprendizagem social, transmitido degeração para geração, durante o qual utili-zam-se estratégias, avaliadas conforme suaeficácia, no decorrer do tempo. Como todaavaliação, sofre os vieses interpretativos eserve a propósitos ideológicos, calcadosem valores e crenças. Além do mais, têm

uma finalidade socializadora reconhecidae freqüentemente explicitada, com signifi-cados que se enraízam poderosamente eque definem o sentido da inserção do indi-víduo no mundo social.

Um olhar educativo para a família su-gere que as práticas podem ser aprendi-das e/ou modificadas segundo uma pro-posta educacional, e que os pais, enquan-to educadores, podem ser sujeitos de umprograma de formação. Este seria um ser-viço importante a ser oferecido às famílias,já que se cobra tanto sua participação naeducação das crianças e jovens e seuenvolvimento em outras instituiçõeseducativas, principalmente a escola.

A proposta de atuação educacionaldos adultos responsáveis pelas crianças,no contexto familiar, que apresentaremosa seguir, segue a teoria freireana de uma"prática educativo-progressista em favor daautonomia do ser dos educandos" (Freire,1996, p. 14).

A práxis autoritária e a práxislibertadora na família

As concepções de educação bancá-ria e educação problematizadora podemser inspiradoras para a compreensão deuma práxis autoritária ou libertadora tam-bém na família.

Segundo a análise que Freire nosapresenta da prática autoritária, as atitu-des que a caracterizam são de desconfi-ança, intolerância, gerando o medo, a dis-simulação. Há a desconsideração da ex-periência da criança e do adolescente e oreferencial é o mundo adulto, sem muitaescuta das urgências e opções dos filhos/educandos. A adaptação destes aos mo-delos preestabelecidos – que orientam oreferencial de família pensada, por exem-plo, – pressupõe que todo o saber per-tence ao adulto, e o filho/educando é umamassa informe a ser moldada. É o adultoque pensa, que sabe, que "diz a palavra",que opta, que atua – é o sujeito do pro-cesso. O que se espera é que a criança eo jovem se adaptem e se ajustem. O medosubjacente ao pai/mãe/educadores é o deque, dando voz aos filhos, haja a perdada autoridade e justificam a violência, físi-ca ou não, em nome do ajustamento.Freire define violência como a proibiçãopor alguns homens de que outros sejamsujeitos de sua busca dirigida ao ser mais(Freire, 1970, p. 74).

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Esse ajustamento é visto como umanecessidade para as famílias que cons-tituem as camadas empobrecidas da po-pulação, conscientes da discriminaçãosocial e racial que sofrem, aliado aomedo adicional de que seus filhos cai-am na marginalidade. O autoritarismo eas punições físicas são considerados re-cursos para evitar a delinqüência nes-sas famílias. A reprodução da ideologiadominante, aliada à aceitação de este-reótipos atribuídos a eles pelas cama-das dominantes da sociedade, pode sertão intensa que suas práticas se enca-minham em direção à construção deuma identidade negativa nos filhos, istoé, criam-nos para que "não sejam" de-linqüentes, marginais (Szymanski, 1999).Podemos considerar essa situação comode imersão na realidade opressora, demanifestação de "autodesvalia", nos ter-mos de Freire (1970, p. 50).

Qualquer movimento em direção àconstituição de sujeitos, naquelas famílias,é visto com desconfiança. Não percebem,entretanto, que o autoritarismo e a violênciainstaurados em casa não são suficientespara evitar que muitos jovens caiam na de-linqüência e, antes de olhar em torno e veri-ficar que outra instituição não os acolheu –a escola – atribuem a si – com o aval dasociedade, a culpa pelo envolvimento deseus filhos com a marginalidade, reforçan-do o sentimento de autodesvalia.

É um desafio empreender a transiçãopara uma educação problematizadora nafamília, em especial para aquelas das ca-madas empobrecidas, para que elas seenvolvam nessa mudança como sujeitos.Para isso precisam aceitar a responsabili-dade de se abrirem para uma mudançaque não significa apenas um novo modode educar os filhos para que eles obede-çam melhor, mas o começo de uma lutaem busca da "liberdade para criar e cons-truir, para admirar e aventurar-se, inician-do o caminho do amor à vida" (Freire,1970, p. 55).

Na família, a práxis libertadora, temcomo atitudes, características a horizon-talidade – igualdade de valor – respeitoe escuta às urgências dos filhos/edu-candos, sem desconsiderar as próprias.Trata-se, basicamente, do reconheci-mento de si e do outro como sujeitos ede que há um saber em cada membroda família. Caracteriza-a uma atitude es-perançosa, identificando os filhos (e os

pais) como "seres mais além de si mes-mos" – como "projetos" (Freire, 1970, p.73) na positividade, diferente do projetode "não ser" citado acima.

Uma nova face do amor aos filhos des-vela-se nesta proposta: o comprometimen-to com o sujeito que os pais têm diante desi, um amor também mediatizado peloamor ao mundo, expresso no respeito aooutro como autêntico outro, como projetoe na confiança no seu poder de fazer e re-fazer. "A confiança vai fazendo os sujeitosdialógicos cada vez mais companheiros napronúncia do mundo" (Freire, 1970, p. 82)e esse companheirismo permite a contínuaconstituição das bases da educação fami-liar. Na família, como locus educacional,também podem estar se formando sujei-tos históricos e transformadores – sujeitosda procura, da decisão, da ruptura, da op-ção, como diz Freire (1996, p. 19) – e issonão é possível senão como sujeitos éticos.

O cotidiano da vida familiar está reple-to de momentos em que se deve constatar,escolher, decidir, romper, avaliar, comparar,e é nesses domínios, como os chama Freire(1996, p. 21), que se impõe a necessidadeda ética. É na consideração dos modos detratamento interpessoal, de relação com ocoletivo e com o ambiente, que se cria umcampo de exercício da ética e se constrói aresponsabilidade.

A família também pode e deve estarcomprometida com uma mudança na so-ciedade, apresentando uma visão libertáriade mundo, repudiando qualquer tipo deopressão. Com certeza, não se trata de umprocesso isolado, mas daquelas que secomprometem com esse projeto. Nele aescola tem um importante papel, e as tro-cas com as famílias podem ser efetivas nasua construção. Já em 1957, Freire apon-tava para o trabalho da escola com os paisdando-lhes condições para mudança de"hábitos antigos de passividade para hábi-tos novos de participação" (Gadotti, 1996,p. 96).

Um desafio na consideração da natu-reza ética das práticas educativas na famí-lia está na dialética do vivido e do pensa-do. A ética referida acima só pode ser trans-mitida às gerações seguintes se for vividano quotidiano da vida familiar, se os dile-mas, contradições e reafirmações foremexpressos e refletidos.

É freqüente os pais expressarem umdesejo intenso de dialogar com seus filhos,mas o diálogo muitas vezes é visto como

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uma forma de convencê-los a lhes obe-decer, constituindo-se, assim, um instru-mento de uma prática autoritária. Nessaperspectiva, a inexperiência da criança évista como um impeditivo para trocas emigualdade de valor. Para dialogar, é pre-ciso reconhecer a contribuição do outrona troca interpessoal. Qual o saber queuma criança tem? Inicialmente, o saberde si mesma, de seu corpo, de seus rit-mos, que devem ser considerados naadaptação desse novo ser ao quotidianodoméstico. É importante levar-se em con-ta esses saberes da criança, pois tambémsão constitutivos do ser no mundo dosadultos.

Dialogar com uma criança e adoles-cente não significa abdicar da autoridade,significa instaurar um pensar crítico, mos-trar sensibilidade e abertura para compre-ender o outro, confiança na sua capacida-de de compreensão, disponibilidade paracriar novas soluções, considerar os fun-damentos éticos da educação, transmitiro conhecimento e interpretação do mun-do. Não significa ausência de conflitos,eles estão presentes na dialética entre ovivido e o pensado. É na sua superaçãoque se constrói um novo saber.

O diálogo cumpre sua função na práxislibertadora quando instituído como caminhopara a constituição de sujeitos num proces-so de humanização, como ato de criaçãopara a liberação dos homens para seremmais.5 A concepção autoritária de que umsabe e o outro não e que esse outro devesubmeter-se é contrária à postura de humil-dade de quem admite no outro um saber. Éessa a postura que reconhece que "quemensina aprende ao ensinar e quem aprendeensina ao aprender" (Freire, 1996, p. 25).

Para o exercício das práticas educa-tivas familiares numa perspectiva liber-tadora, há também necessidade de umsaber específico sobre desenvolvimentohumano, assim como há necessidade deum saber sobre higiene e saúde. Alémdeles há um outro saber que vem sendotransmitido de geração em geração. Mashá também aquele que a psicologia e aeducação vêm acumulando e que precisaser divulgado, tal como os conhecimen-tos da medicina. E a prática crítica de paisque deles se utilizam vai também enrique-cer essas áreas. Psicólogos e educado-res ainda se encontram sem respostaspara muitos desafios enfrentados hoje na

educação de crianças e jovens. A trocaentre pais, pesquisadores e profissionaispode trazer grandes contribuições para odesenvolvimento da área de educaçãopara família.

Ao lado desse conhecimento científi-co está o bom senso ou, o que Freire (1996,p. 67 e 104) chama de vigilância do bomsenso na avaliação da prática. O autor lem-bra que o exercício da autoridade muitasvezes é considerado autoritarismo. Nemsempre é o caso – o exercício da autorida-de na educação dos filhos exige decisões,definições de tarefas e avaliações de re-sultados. O uso do bom senso servirá deorientação para indicar a hora de decidir ea hora de dividir a decisão, a hora de esta-belecer tarefas e a hora de delegar esco-lhas, a hora de cobrar resultados e a horade esperar. Serve também para diferenci-ar a "rebeldia da liberdade" da "deteriora-ção da ordem", e é a reflexão que indicaráse atitudes opressivas geraram a rebeldia,ou se houve deterioração da ordem porconta da impulsividade, que deve ser con-trolada e socializada.

Muitas vezes confunde-se liberdadecom licenciosidade e, baseando-se nessaconfusão, as pessoas investidas de autori-dade cerceiam as oportunidades de esco-lha. Aprender a escolher é um dos maioreslegados que se pode oferecer aos filhos, eé só na prática que isso se dá. A condiçãode escolha cresce à medida que se desen-volve a capacidade crítica, a habilidadeargumentativa e o conhecimento de si e domundo, incluindo-se, aqui, o conhecimen-to sistematizado e formal. Não é liberdadeagir conforme os impulsos, numa totaldesconsideração pelo mundo e pelo ambi-ente, é licenciosidade. Enganam-se os paisque confundem impulsividade com liberda-de, assim como se enganam aqueles queconfundem autoridade com autoritarismo.Filhos e filhas merecem respeito à autono-mia, dignidade e modo de ser, e devemaprender a respeitar essas mesmas condi-ções em relação aos seus pais e mães e éo bom-senso que informa a justa medida.

Freire lembra que o exercício do bom-senso se faz no "corpo" da curiosidade."Neste sentido, quanto mais pomos emprática, de forma metódica, a nossa capa-cidade de indagar, de comparar, de duvi-dar, de aferir, tanto mais eficazmente curi-osos nos podemos tornar e mais crítico sepode fazer nosso bom-senso" (Freire, 1996,p. 69). Na definição de uma decisão em

5 Que não se interprete esse sermais na ética consumista demercado: ser mais do que ooutro. Ser mais enquanto pos-sibilidade de desvelamentode novos horizontes de pos-sibilidades de ser no mundocom os outros, situando-sesocial e historicamente.

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relação aos filhos, ao refletirmos que infor-mações precisam ter para participarem daescolha, das informações de que os pró-prios pais e mães necessitam, dos valoresque estão sendo questionados, estará sen-do construída uma relação crítica elibertadora, sem se abdicar da autoridade.Freire refere-se especificamente à funçãoeducativa de pais e mães, quando afirmaque a

liberdade madurece no confronto comoutras liberdades, na defesa de seus di-reitos em face à autoridade dos pais, doprofessor, do Estado (...) [pais e mães]não podem nem devem omitir-se, masprecisam saber e assumir que o futuro éde seus filhos e não seu (idem, ibidem,p. 119).

A posição da mãe ou do pai é a de quem,sem nenhum prejuízo ou rebaixamentode sua autoridade, humildemente aceitao papel de enorme importância de as-sessor ou assessora da filha ou filho.Assessor que, embora batendo-se peloacerto de sua visão das coisas, jamaistenta impor sua vontade ou se abespinhaporque seu ponto de vista não foi aceito(idem, ibidem, p. 120).

Quando Freire (1996, p. 76) afirmaque ensinar exige apreensão da realida-de como conhecimento das "diferentesdimensões que caracterizam a essênciada prática" e que esse conhecimento tor-na o desempenho mais seguro, refere-seao conhecimento da própria prática e demodos mais eficientes de desempenhá-la. Assim como a competência profissio-nal é fundamental para uma práticalibertadora na escola também o é no am-biente doméstico. Saindo-se da perspec-tiva naturalizada da família e da mulher,tem sentido pensar-se no desenvolvimen-to da competência educativa de pais emães. Os resultados de pesquisas devemsair das prateleiras das bibliotecas e che-gar às famílias.

A proposta freireana aplicada àformação de pais e mães

A fecundidade de uma educaçãolibertadora proposta por Paulo Freire trans-cende os limites da educação formal. Apli-ca-se também à formação de pais e mães,e é uma orientação segura para a criação

de um ambiente que favorece o desenvol-vimento humano, aqui considerando não sócrianças e jovens, mas também adultos eidosos que componham o grupo familiar.

Paulo Freire (1996, p. 102) traz umaenorme contribuição ao apontar para umaautoridade democrática que "revela [se-gurança em si mesma] em suas relaçõescom os alunos. É a segurança que se ex-pressa na firmeza com que atua, com quedecide, com que respeita as liberdades,com que discute suas próprias posições,com que aceita rever-se". O autor refere-se a professores, mas o mesmo pode serdito em relação a pais/educadores.

Os eixos mais firmes dessa autorida-de são o conhecimento das práticaseducativas, a crença numa relação inter-pessoal que permita a manifestação dooutro e a clareza de que as diferenças (degênero, idade e conhecimentos) não indi-cam serem de valor pessoal.

A consideração da família como umfenômeno social e historicamente situadoafasta-a da concepção naturalizada de quebasta tornar-se pai ou mãe para saber edu-car crianças e adolescentes. Não se tratade desconsiderar um saber que vem sen-do acumulado, mas de introduzir um pen-sar crítico num tema com forte componen-te ideológico. Um modelo de família autori-tário, hierárquico, instituído no poder domais forte, física ou economicamente, estáservindo a uma ideologia que, num nívelmais amplo, perpetua a condição opressi-va dos excluídos sociais. A adoção de ummodelo democrático, libertador, com novaspráticas educativas, novas atitudes e senti-mentos, traz a família para uma condiçãode instituição formadora, que pode ter umaação no sentido de mudança social. A fimde que essa mudança ocorra, a família pre-cisa ser vista como objeto de atenção edu-cacional, especialmente as famílias das ca-madas sociais mais empobrecidas, cujasdificuldades na educação dos filhos reme-tem-se freqüentemente à sua condição deexclusão social e econômica.

Inspirando-se na proposta de Freire,como uma teoria do conhecimento (Gadotti,1996, p. 70 e 82), e como uma epistemologiadialética para interpretar o desenvolvimen-to da consciência humana e seu relaciona-mento com a realidade, segundo CarlosAlberto Torres (apud Gadotti, ibidem, p.126), a conscientização emerge como oponto de partida para um trabalho de Edu-cação para Família. O primeiro momento de

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conscientização é o da dialética entre o vi-vido e o pensado na família e da ideologiaembutida neste, transmitida, sem crítica,pela tradição. Nesse primeiro momento,tem-se a análise de uma situação existenci-al concreta, representada "com alguns deseus elementos constitutivos, em interação"(Freire, 1970, p. 97) – e que poderíamoschamar de codificação.

A seguir, é importante o reconheci-mento de que o vivido familiar não está iso-lado na casa, mas faz parte de um bairro ede uma cidade em que vive essa família.6

Nesse momento, não basta identificar o tipode família, mas que tipo de vida se está

6 Note-se que esse processodeve acontecer em grupo,pois a construção desse co-nhecimento e o desenvolvi-mento da consciência nãopodem ocorrer num trabalhoisolado com famílias.

oferecendo ao filho, considerando o con-texto social e histórico em que vive. A essemomento de análise crítica, poderíamoschamar, segundo Freire, de “descrição” dasituação ou prática da descodificação(Freire, 1970, p. 97). É na consideraçãodessa situação que, junto com pais emães, pensar-se-á sobre sua condição deeducadores, seus desafios e barreiras.

Aquelas dificuldades no processoeducativo de seus filhos consideradasintransponíveis constituem situações limi-tes (Freire, 1970, p. 98), e são nelas quese começará a investigar os temas gera-dores para a construção de uma práticaeducativa na família. "Investigar o temagerador é investigar, repitamos, o pensardos homens referido à realidade, é inves-tigar seu atuar sobre a realidade, que ésua práxis". Nesse momento é importantea consideração do conhecimento acumu-lado em psicologia e educação como su-portes teóricos para as escolhas de pro-cedimentos, mas a escolha dos temasgeradores deverá partir das famílias. Àmedida que as reflexões e procedimentosforem levados para a prática familiar é quese poderá pensar no início de um proces-so de transformação. Como lembra PauloFreire (1994, p. 103), o desvelamento darealidade não é necessariamente ummotivador psicológico para sua transfor-mação. O conhecimento da realidade e atransformação desta encontram-se numarelação dialética, em que a prática dodesvelamento "constitui uma unidade di-nâmica e dialética com a prática de trans-formação da realidade".

Considerações finais

Da perspectiva freireana para a com-preensão do fenômeno da educação fa-miliar decorrem um método de pesquisae uma ação. Sua ênfase, no relacionamen-to teoria/prática e no desenvolvimento daconsciência crítica através do diálogo, su-gere uma metodologia participante. Por serum fenômeno complexo requer instrumen-tos diversificados, como a utilização daobservação participante, entrevistas indi-viduais e coletivas, inclusive questionári-os. As dificuldades subjacentes à entradana intimidade familiar impedem, muitasvezes, a observação direta, e o recurso detécnicas grupais vivenciais pode ser umasaída metodológica.

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O próprio procedimento de pesquisapode transformar-se numa situação de in-tervenção e promover transformações du-rante o processo. Quer em projetos depesquisa, quer em programas de atençãoàs famílias, os momentos de codificação,descodificação e levantamento de temasgeradores só poderão ocorrer em situa-ções que favoreçam envolvimento pesso-al dos participantes, o que requer o traba-lho de profissionais especializados e umprofundo respeito à ética, uma vez que seestá lidando com crenças e valores firme-mente estabelecidos em um importantesetor da vida das pessoas.

Qualquer programa de pesquisa ouatenção deverá contemplar as famílias con-cretas, as famílias vividas nas suas condi-ções de vida, nas suas possibilidades desoluções para os desafios do cotidiano enos seus contextos socioculturais. A faltade pesquisas e ações organizadas pelopoder público para a formação de pais/educadores denota ainda uma visão natu-ralizada do grupo familiar. Assim sendo,antes de se iniciar qualquer trabalho, é ne-cessário que os próprios profissionais en-volvidos se conscientizem de seus própri-os modelos de família e de seus precon-ceitos em relação aos "desvios" desse mo-delo. É um cuidado para que não adotemposturas normativas e impositivas durantesua atuação.

Sugerem-se os seguintes pressupos-tos tanto para o delineamento de pesqui-sas como para programas de formação depais/educadores:

a) a natureza ética das práticaseducativas familiares e a contínua consi-deração da dialética entre os valoressubjacentes ao cotidiano vivido, os preco-nizados pelos modelos e os resultantes deuma reflexão crítica;

b) o diálogo entendido como trocaintersubjetiva no respeito às individualida-des e como condição básica para o esta-belecimento de uma educação libertadora;

c) a práxis libertadora como possibili-dade de constituição de sujeitos críticos econscientes de seu valor como cidadãos.

Essa proposta encontra um grande de-safio ao esbarrar na oposição de crenças evalores arraigados, o que frustra a expectati-va de mudanças rápidas, exigindo um pla-nejamento em médio e longo prazos, tantode projetos de pesquisa intervenção comode programas de atenção às famílias.

O que foi apresentado é um esboço daproposta educacional de Paulo Freire comobase para o desenvolvimento de um Progra-ma de Educação para a Família, numa pers-pectiva psicoeducacional. Trata-se de umreferencial que não se cristaliza como ummodelo, dada sua característica dialógica ereflexiva, com um sentido libertador, e quesupõe uma relação dialética entre o vivido eo pensado e entre o refletir e o fazer.

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Recebido em 24 de julho de 2000.

Heloisa Szymanski, doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP), é professora do Programa de Estudos Pós-Graduadosem Psicologia da Educação dessa Universidade.

Abstract

This article presents Family Education as a field of research and professional practicein Education and Psychology. It criticises the naturalistic perspective that bears thesupposition that the educational role of the family can be naturally performed by parentsand women, in particular. That institution is considered here as a social and historicalphenomenon, with a socialising and educational goal. The approach of Paulo Freire appliedto Family Education is proposed as a theoretical framework to develop research, and asa privileged way to implement an educational practice that favours social and affectivedevelopment. The final considerations point to some presuppositions, based on Freire'sideas that can orientate research and intervention projects.

Keywords: family and education; dialogue in family; educational family practices.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 14-25, jan./abr. 2000.

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ESTUDOS

Beatrice LauraCarnielli

Palavras-chave: história daeducação; financiamento daeducação.

O dispêndio com a instrução elementarno Império

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Aborda a evolução dareceita e despesas do GovernoCentral e províncias, no períododo Império, visando avaliar aintensidade do esforço do poderpúblico no financiamento dainstrução primária. A partir dosdados disponíveis, busca analisar,principalmente, os reflexos nacobertura do atendimento escolarprimário do Ato Adicional de1834, que descentralizou para asprovíncias a responsabilidade poraquele nível de ensino. Concluique o dispêndio com a instruçãoprimária situava-se em patamarescompatíveis com os atuais esugere que a explicação pelabaixa escolarização dapopulação, no período, deve serbuscada em fatoressocioeconômicos e não,primordialmente, na alocação derecursos públicos.

Introdução

Poucos eventos da história da educa-ção no Brasil despertaram um repúdio tãogeneralizado quanto os dispositivos rela-tivos à educação contidos no Ato Adicio-nal, de 1834. As críticas dirigidas ao Atosão de diversas naturezas e matizes. Asmais recorrentes, entretanto, dizem respei-to à desorganização provocada no ensinoelementar e ao suposto descompromissodo Poder Central com esse nível de ensi-no, cuja responsabilidade foi repassada às

províncias, as quais não teriam meios paracusteá-la.

A Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834,faz adições e alterações à ConstituiçãoPolítica do Império. No artigo 10 da Lei,são definidas as competências legislativasdas Assembléias, constando no parágra-fo 2º que essas poderiam legislar "sobreinstrução pública e estabelecimentos pró-prios a promovê-las, não compreenden-do as Faculdades de Medicina, os Cur-sos Jurídicos, as Academias atualmenteexistentes e outros quaisquer estabeleci-mentos de instrução que para o futuro fo-rem criados por lei geral".

Na interpretação de Bittencourt (1953)do referido artigo, da qual não há por quediscordar, o Poder Imperial, via Assem-bléia Geral, e as Assembléias Provinciaispoderiam legislar sobre ensino de qual-quer grau ou ramo. Às Assembléias Pro-vinciais ficava, tão-somente, vedado legis-lar quanto às Faculdades de Medicina, aosCursos Jurídicos e às outras Academiasque viessem a ser criadas pelo PoderCentral. No entanto, não foi a interpreta-ção que prevaleceu. Entendeu-se que ainstrução elementar tornara-se privativadas províncias e, ao governo da Monar-quia, caberia, apenas, zelar pelo ensinosuperior e secundário, possivelmente porse considerar esse último meramentepropedêutico ao superior.

As críticas, exemplificadas pelas posi-ções emblemáticas de Fernando de Azeve-do, Otaiza Romanelli e Vanilda Paiva, nãodiscutem a interpretação dada ao dispositi-vo. Ao referir-se ao Ato Adicional, Fernandode Azevedo (1996, p. 555) insurge-se con-tra o golpe na possibilidade de estabelecera unidade orgânica do sistema educacio-nal em formação e na sua conseqüente frag-mentação numa pluralidade de sistemasregionais, funcionando, lado a lado, com osistema mantido pelo poder central.

O governo da União, a que competia,como centro coordenador e propulsor davida política do país, se exonerava poressa forma, segundo as expressões deTavares Bastos 'do principal dos deverespúblicos de uma democracia' que é o delevar a educação geral e comum a todosos pontos do território e de organizá-laem bases uniformes e nacionais.

A exoneração ou isenção do GovernoCentral é também apontada por VanildaPaiva (1983, p. 62-63) para quem

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A lei de 1834 propiciou uma atitude deisenção de responsabilidades por partedo Governo Central, em relação ao ensi-no primário (e, por extensão, ao ensinonormal), considerando-a privativa dasprovíncias. Estas, carentes de recursos,pouco puderam realizar em favor de ins-trução popular, que se desenvolveu pre-cariamente durante todo o Império egrande parte do período republicano.

Otaiza Romanelli (1983, p. 40), aoanalisar a descentralização promovidapelo Ato Adicional de 1834, aponta que

A falta de recursos, no entanto, que umsistema falho de tributação e arrecada-ção da renda acarretava, impossibilitouas Províncias de criarem uma rede or-ganizada de escolas. O resultado foique o ensino, sobretudo o secundário,acabou ficando nas mãos da iniciativaprivada e o ensino primário foi relega-do ao abandono, com pouquíssimasescolas, sobrevivendo à custa do sa-crifício de alguns mestres-escola, que,destituídos de habilitação para o exer-cício de qualquer profissão rendosa, seviam na contingência de ensinar.

Nos limites deste artigo, não se pre-tende discutir todos os aspectos levanta-dos pelos autores anteriormente citadossobre as conseqüências do Ato Adicionalde 1834 ou arrolar os fatores que inibirama expansão do ensino elementar no Impé-rio. De forma dominante, serão analisadasas finanças públicas do Império e o volu-me de gastos com a instrução elementarpelas províncias e pelo Governo Central.Pretende-se, com isso, aferir o peso dogasto com instrução no total das despe-sas, ou seja, avaliar a importância relativaatribuída pelo poder público à instrução,importância esta da qual o gasto se consti-tui um indicador primordial.

Preliminarmente, será apresentadoum breve contorno político-administrativodo período que antecedeu a edição do AtoAdicional.

Quadro político-administrativodo Império (1822-1840)

A Constituição do Império, outorga-da em 1824, instituiu a monarquia unitáriae um sistema de quatro poderes: Modera-dor, exercido pelo Imperador, Judiciário,

Executivo e o Legislativo Bicameral comuma Câmara temporária e o Senado vi-talício. Para a administração das provín-cias, a Constituição previa um presiden-te nomeado pelo Imperador e ConselhosGerais, compostos por 21 membros nasprovíncias maiores e por 13 nas demais.Aos Conselhos cabia discutir e deliberarsobre assuntos das respectivas províncias.As deliberações, contudo, eram mera-mente propositais, devendo ser encami-nhadas à Assembléia Geral, na forma deprojetos de lei. No plano municipal, exis-tiam Câmaras presididas pelo vereadoreleito mais votado. Pela Lei da Organiza-ção Municipal, de 1° de outubro de 1828,as Câmaras foram colocadas sob a de-pendência dos Conselhos Provinciais edo Presidente da Província.

O Império foi o palco da alternânciano poder de liberais e conservadores: osprimeiros, adeptos da descentralizaçãoadministrativa ou mesmo do federalismo eos últimos, da centralização.

Os eventos que levaram à abdicaçãode D. Pedro I, em 1831, marcaram a afirma-ção dos princípios liberais contra o absolu-tismo característico daquele governante. Ovazio de poder que se seguiu à abdicaçãopropiciou uma série de confrontos, incluin-do revoltas nas províncias e lutas internasno bloco que se opusera a D. Pedro I.

Com a Regência (1831-1840), iniciou-se uma revisão da estrutura institucional,cujo primeiro ato foi a Lei de 12 de outubrode 1831, que fixava os artigos da Consti-tuição que deveriam ser reformados. Aconcretização da reforma veio através doAto Adicional de 1834, Lei n° 16 de 12 deagosto de 1834, pela qual

As províncias ganharam vida nova, nãomais como simples unidades administra-tivas, mas sim políticas, com significativamargem de autonomia, muito embora te-nha se mantido a nomeação dos presi-dentes da província pelo imperador(Ferreira, 1999, p. 29).

Os Conselhos Gerais das provínciasforam abolidos e substituídos pelas Assem-bléias Legislativas Provinciais que, entreoutras, ganharam a prerrogativa de fixar areceita e despesa provinciais, incluindo apossibilidade de criar impostos sobre fa-tos geradores não cobertos por Lei Geral.Outro aspecto a ser destacado diz respei-to à atribuição de criar, suprir e nomear para

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empregos municipais e estabelecer os or-denados. Estavam excluídos os "empregosgerais", entendidos como aqueles ocupa-dos pelos responsáveis pela arrecadaçãoe despesas gerais, administração da guer-ra, marinha e correios, bispo, comandantesuperior da Guarda Nacional, membros dostribunais superiores, cursos superiores eacademia. O preenchimento dos demaiscargos passou a ser de competência dasAssembléias Provinciais, sem a necessida-de da sanção do seu presidente. O Ato Adi-cional fecha o ciclo de reformas liberais daRegência e constitui o ápice das reformasdescentralizadoras.

As finanças públicas, de interesse cen-tral do artigo, serão tratadas com maiordetalhe no item, a seguir.

As finanças públicas no Império

A unidade monetária herdada peloBrasil de Portugal foi o mil-réis: RS 1$000,mil unidades de réis, sendo conhecida porconto de réis, ou simplesmente, conto.Esse padrão somente veio a ser substituí-do em 1942.

A herança recebida pelo Império doGoverno Português foi deplorável no cam-po das finanças públicas. Em 1823, o Go-verno Central contava com uma receita de3.802.434 contos, para uma despesa quemontava em 4.702.434, com o conseqüen-te déficit de 900 mil contos (as informações

sobre a despesa e receita do Império foramretiradas de Carreira, 1980).

A Despesa destinava-se à coberturados gastos da:

• Casa Imperial – 325.486;• Repartição da Marinha – 1.710.169;• Repartição da Guerra – 1.353.917;• Tesouro – 1.298.863.Excetuadas as despesas com consig-

nação própria, ao Tesouro cabia cobrir to-das as demais. Não é de se surpreenderque em agosto de 1824 fosse assinado oprimeiro de uma série de empréstimos ex-ternos (Tabela 1), contraído na praça deLondres, no valor de três milhões de libras,cerca de 13 milhões de contos, quantia ex-tremamente vultosa, e que foi conseguidadando-se como garantia de pagamento aarrecadação de todas as alfândegas do Bra-sil. Trata-se de um caso exemplar de nego-ciação desastrosa e inusitada, pela utiliza-ção dos recursos destinados, na maioria, apagar dívidas de Portugal. Isso se deu, pois,pelo Tratado de 29 de agosto de 1825 e re-sultou uma convenção sobre a indenizaçãoa ser paga pelo Brasil a Portugal, em facedas perdas acusadas por aquele país coma proclamação da Independência. Dessaforma, dois milhões de libras do emprésti-mo foram destinados ao pagamento de dí-vida contraída por Portugal em Londres. Ouseja, parte da dívida externa de Portugal foiassumida pelo Brasil. Do restante milhãode libras, metade foi gasta com despesasgerais e corretagem.

Tabela 1 – Relação dos empréstimos externos contraídos durante o Império(em contos)

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Em face do endividamento crescentedo Governo Central e das províncias, im-pôs-se a necessidade de normatizar a de-finição da dívida, o que foi feito pela Lei de15 de novembro de 1827. Outra Lei, de 14de novembro do mesmo ano, une a recei-ta e despesa do Tesouro Público na Cortee a Província do Rio de Janeiro. A mesmaLei, no artigo 4º estabelece que "as provín-cias concorrerão para as despesas geraisdo Império com tudo quanto sobrar de suasrendas depois de deduzidas as despesasprovinciais", ou seja, formaliza prática dosocorro das províncias ao Tesouro, o quejá vinha ocorrendo sistematicamente. Ape-sar disso, em 1829, novo empréstimo écontratado em Londres, no valor de 400 millibras, com a Casa Rotschield.

Somente após a abdicação de D.Pedro I, o Parlamento vota a primeira Leido Orçamento, correspondente ao perí-odo de 1º de julho a 30 de junho dosanos de 1831-1832. Isso porque, entre1828 e 1887, o exercício orçamentárioiniciava em junho e terminava em julhodo ano seguinte.

A previsão da despesa de 12.836.826contos relativa a 1831-1832 assim estavadistribuída:

• Ministério dos Negócios do Império– 1.438.142, dos quais 394.239 para ins-trução pública, nas províncias;

• Ministério dos Negócios da Justiçae Eclesiásticos – 686.445;

• Ministério dos Negócios Estrangei-ros – 120.000;

• Ministério da Marinha – 1.780.818;• Ministério da Guerra – 3.847.926;• Ministério da Fazenda – 4.963.493,

dos quais 1.131.200 para custeio da CasaImperial; 856.761 para pagamento do ser-viço da dívida externa e 1.003.540 parapagamento do serviço da dívida interna.

A Lei do Orçamento de 1832-1833discrimina as despesas públicas do Impé-rio em geral e provincial.

As despesas gerais incluíam:• Casa Imperial, Regência, Ministério,

Conselho de Estado, corpo legislativo;• os Tribunais de Justiça Civil e Mili-

tar, relação eclesiástica e catedrais;• Exército, Marinha, diplomacia, cor-

reio, faróis, canais, estradas e escolasmaiores de instrução pública;

• Tesouro Nacional, alfândegas, Casada Moeda, Tipografia Nacional, Caixa deAmortização;

• pagamento da dívida interna e ex-terna.

As despesas a cargo das provínciasincluíam:

• Presidência, Secretaria e ConselhoGeral, escolas menores e bibliotecas pú-blicas;

• Justiça territorial, guardas policiais,jardins, hortos botânicos e iluminação;

• professores e empregados de saúde,vacina, catequese, colonização, casas demisericórdia, hospitais, seminários, casas deprisão;

• paróquias, obras públicas, reparosde igrejas.

Constituía receita geral:• direitos de importação e exportação,

baldeação e reexportação, ancoragem,armazenagem;

• contribuição da junta de comérciosobre o volume e embarcações;

• dízimo do açúcar, algodão, café, ta-baco, fumo, gado vacum e cavalar; 20%dos couros do Rio Grande do Sul e 40%da aguardente da Bahia;

• dízimo das chancelarias, emolu-mentos cobrados nos Tribunais de Justiça;

• matrículas nos cursos jurídicos eacadêmicos e rendimento da Casa daMoeda;

• venda do pau-brasil, renda diaman-tina, foros de terrenos da Marinha, bens dedefuntos e ausentes, cobrança da dívidaativa;

• emissão de apólices e juros das apó-lices dos empréstimos estrangeiros, ren-dimento da fábrica de pólvora;

• saldos e sobras da receita geral eprovincial.

A receita provincial provinha dos im-postos não-compreendidos pela receitageral. A falta de uma definição precisa dacompetência tributária provincial fazia comque essas recorrentemente exorbitassemde sua competência, com o intuito de au-mentar suas receitas. Como não podiadeixar de ser, esse fato ocasionava recla-mações do Ministro da Fazenda, sobre leiseditadas regulando a navegação em altomar, a cabotagem ou a renda das alfânde-gas, numa clara invasão pelas provínciasdo âmbito regulatório do Poder Central.

Na década de 30, do século 19, asdespesas gerais do Império variaram en-tre 14 e 18 milhões de contos, em algunsanos apresentando saldos notáveis como

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em 1831-1832, de dois milhões de contos eem 1832-1833, de cinco milhões de contos.Esses saldos, contudo, eram ilusórios, poishavia um forte endividamento do País. Em1838, o relatório do Conselheiro MiguelCalmon du Pin e Almeida (Carreira, 1980, p.253) informa que a dívida externa montavaem 5.231.700 libras, ou seja, 29.064.999contos. As amortizações atrasadas soma-vam 3.231.586 contos. Já a dívida internaperfazia 23 milhões de contos, sendo o total

da dívida do Estado de 54.547.876 contos,excedendo cinco vezes sua renda anual. Noentanto, segundo o Conselheiro, se compa-rada com a de outros países, essa dívida nãoera preocupante, visto a dívida da Espanhacorresponder a 40 vezes à sua renda; a daInglaterra, 15 vezes e a dos Estados Unidos,17 vezes. Compondo a dívida interna, a dívi-da do Governo Central com as províncias,em 1844, somava 1.337.192 contos.

Tabela 2 – Receita, despesa e saldo médio do Governo Central, por década

Na década de 50, do século 19, a re-ceita passa a se situar entre 35 e 45 mi-lhões de contos e a dívida tinha dobrado,passando dos 100 milhões de contos.

Em 1850, é editada a Lei Euzébio deQueiroz, o qual, como Ministro da Justiça,promulgou e fez cumprir o decreto queproibia a entrada de escravos no País. Ocapital destinado ao tráfego de escravosfoi redirecionado a outras atividades, pro-movendo um surto de desenvolvimentodas atividades produtivas. De 1850 a 1860,o governo concedeu a autorização para ainstalação de 62 empresas industriais; 14bancos de depósitos e descontos; 20 com-panhias de navegação; 23 companhias deseguro; 8 estradas de ferro; 8 companhiasde mineração; 4 de carros urbanos comtração animal, 3 de transportes e 2 de gás(Carreira, 1980, p. 378).

Sobre o crescimento econômico des-sa época, Caio Prado Júnior (1967, p. 170),além de se referir à liberação de capitais re-sultante do fim do tráfego, destaca, ainda, amodificação da política tarifária, ocorrida em1844. Os tributos sobre a importação e ex-portação estavam entre as principais fontesda receita pública, porém eram cobradosno baixo nível de 15% ad valorem, por forçade tratado assinado com a Inglaterra, em1810, pelo período de 15 anos. Cabe lem-brar que a Inglaterra era a principal fornece-dora de bens importados e a beneficiáriadessa medida. Tendo o prazo do Tratado

expirado em 1841, pôde o Brasil alterar osdireitos de importação, fixando-os em tornode 30%, o dobro do valor anterior, com oconseqüente reflexo positivo sobre a arreca-dação.

A década de 60, do século 19, foimarcada pela Guerra do Paraguai, que teveum custo de 613.183.262 contos, cober-tos, quase integralmente, com recursosinternos. Para tanto, foram emitidas apóli-ces, papel-moeda e realizados emprésti-mos junto a particulares.

O balanço de 1870-1871 indica umareceita de 97.736.559 contos e uma des-pesa de 100.074.292 contos. A receita tevecomo origem:

• Direitos de Importação – 2.991.472;• Direitos de Exportação – 14.915.887;• Despacho Marítimo – 460.958;• Interior – 23.379.345;• Depósitos – 1.851.281;• Extraordinário – 4.134.615.Tomada isoladamente, a taxação so-

bre a importação constituía a maior fontede receita do Império. É de se destacar, noentanto, a receita Interior, a segunda maiorfonte de tributos, e que reunia um conjun-to de taxas, emolumentos e impostosincidindo sobre a produção e circulaçãode bens, o equivalente ao atual Impostosobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS) e o recolhimento desses tributosindicativo de um sistema de arrecadaçãorazoavelmente bem estruturado, tanto no

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âmbito do Governo Central quanto no dasprovíncias. A receita Interior, no início doperíodo imperial, tinha igual expressão à daImportação: no orçamento de 1832-1833,para uma receita de 20.199.738 contos, aparticipação das Importações era de5.736.293 contos, enquanto que a Interior,de 5.498.094 contos. À medida que as ex-portações de café e borracha, já no final doImpério, alavancavam as importações, a re-ceita Interior perdia expressão, situando-se,em 1885-1886, em pouco mais da metadedaquelas oriundas das exportações.

A análise comparativa dos dados fi-nanceiros de um período tão extenso,como a anteriormente efetuada, sugerecautela, em face da interveniência do fe-nômeno inflacionário, o qual já se faziapresente no Império. Se comparado a pe-ríodos mais recentes, principalmente adécada de 80, do século 20, no entanto,a desvalorização da moeda nacional no

Império foi bastante moderada. SegundoOnody (1960), num estudo sobre a infla-ção no Império e na Primeira República,o custo de vida no período 1829-1887 so-freu um incremento de 131%. Já a moedanacional, em frente à libra esterlina, pa-drão monetário à época, entre 1822 e1888, sofreu uma desvalorização de 94%.Essa inflação, por outro lado, não se dis-tribuiu uniformemente, ao longo do perío-do. Entre 1870 e 1888, a economia estavaem franco crescimento, o custo de vidaaumentara 30% e a moeda nacional tive-ra uma pequena valorização. A paridadecambial, de 10,88 (1.000 réis/libra), em1870, passou para 9,51, em 1888, ou seja,teve uma valorização de 12%. Dessa for-ma, a análise procedida sobre a receitatributária, no período imperial, envolvedistorções modestas, mesmo considera-das em valores não deflacionados.

Tabela 3 – Receita geral e das províncias, em anos selecionados

Em que pese o fato de parte conside-rável da receita ser canalizada para o pa-gamento da dívida externa e interna, essaúltima agravada sobremaneira pelos dé-bitos contraídos para custear a Guerra do

Paraguai, analisando a evolução da recei-ta geral e das províncias, observa-se umincremento notável nos valores. No caso dareceita geral, se desconsiderado o ano de1823 como atípico, ter-se-á um incremento

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de 277%. Por outro lado, a administraçãocentral do império arrecadava um porcen-tual dessa receita de cerca de 75%, partesendo gasta nas províncias, inclusive coma manutenção de educandários de ensi-no elementar. Os valores relativos à Pro-víncia do Rio de Janeiro com maior recei-ta no início do período, por sua vez, têmsua análise prejudicada pela sua condiçãode província-sede do município da Corte,ou município Neutro e sua receita ou par-te dela, sofrendo periódicas alterações,pela incorporação à receita geral. De qual-quer forma, ao final do período, certamentenão mais detinha a posição destacada doinício.

Bahia e Pernambuco, economiastradicionais na Colônia e também po-sições destacadas em 1823, conti-nuam tendo receitas vultosas no fi-nal do período, porém superados poruma série de províncias. A produçãode café transforma a província de SãoPaulo na mais rica, no final do Império.A borracha faz a riqueza do Pará e Ama-zonas. Algumas províncias apresentamuma economia notadamente estagnada,outras, onde a imigração é acentuada,como Espírito Santo, Santa Catarina e RioGrande do Sul apresentam um crescimen-to notável. Minas Gerais, a província maispopulosa, sobre cuja receita em 1823 nãose dispunha de dados, termina o períodoentre as dez maiores receitas.

A instrução elementar pública

Data de 15 de outubro de 1827 a pri-meira lei sobre instrução pública elemen-tar. O projeto de lei, apresentado em junhopela comissão técnica da Câmara, susci-tou vivo debate sobre a forma de provimen-to das vagas e salário dos professores,metodologia de ensino, livros didáticos aserem adotados, utilização do castigo físi-co (palmatória), registrando-se um total de30 emendas. No entanto, essas emendasnão redundaram em alterações significati-vas do texto original. Aprovada, a Lei deter-minava que

Em todas as cidades, vilas e lugaresmais populosos haverá escolas de pri-meiras letras que forem necessárias; ospresidentes das respectivas províncias,em conselho, e com a audiência das res-pectivas câmaras municipais, enquanto

não tiverem exercício os Conselhos Ge-rais, nomearão o número e localidadesdas escolas...

Pelo texto legal, às províncias cabia,portanto, a responsabilidade de definir onúmero e localização das escolas, alémda seleção dos mestres, cuja nomeaçãoficava a cargo do Governo Central. É es-cusado dizer que a Câmara não contavacom dados sobre a população ou as es-colas então existentes, mas, por ocasiãodo projeto de criação de escolas de ensi-no primário, apresentado em 1826, pelodeputado Gonçalves Martins, as informa-ções davam conta de que, em Alagoas,

existia uma cadeira de primeirasletras, na comarca de Rio Negro

(depois Amazonas), não haviauma única escola e, em

Goiás, havia cinco cadei-ras em 23 paróquias

(Moacyr, 1940, p. 19).

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Tabela 4 – População das províncias e do Brasil, em anos selecionados

Um primeiro dado a ser considerado,diretamente relacionado com a cobertura doensino primário, diz respeito à população esua distribuição pelas províncias. As estima-tivas sobre a população, no período imperi-al, são precárias. O primeiro recenseamentoocorre em 1872. Mais precárias, ainda, sãoas estimativas sobre a participação de es-cravos no total da população, excluídos dosistema de ensino. Caio Prado Júnior (1967)e Buescu (1970) estimam em menos de umterço a população escrava, em 1823, cain-do para 15% em 1872. A distribuição des-ses escravos pelas distintas províncias é ain-da mais difícil de precisar.

As informações sobre o número dealunos e estabelecimentos têm comofonte os Relatórios Anuais dos Presiden-tes das Províncias, que em alguns anosas apresentavam e em outros não. Es-ses relatórios serviam de subsídio parao apresentado ao Parlamento pelo Mi-nistro do Império, a pasta à qual os as-suntos de instrução estavam afetos,como também ao Primitivo Moacyr, cujaobra é uma minuciosa compilação dasinformações disponíveis e o principalveículo de divulgação sobre a instruçãono Império.

Somente com a instalação da Direto-ria Geral de Estatística, em 1871, começa-se a contar com séries de dados sobre onúmero de escolas e alunos. Assim mes-mo, esses dados apresentam lacunas eimperfeições, já identificadas e analisadas,em 1873, pelo diretor-geral de Estatística,Campos Medeiros (apud Moacyr, 1936):

A respeito da maior parte dos trabalhosestatísticos, está esta diretoria inteiramen-te dependente da boa ou má vontade dospresidentes de províncias, ou antes, dassecretarias de governo. Não havendo boavontade, ou não sendo ali os trabalhos fei-tos ou examinados com escrupuloso zeloe cuidado, não podem deixar de sair comdefeitos mais ou menos graves, como in-felizmente se tem dado a respeito de qua-se todos os trabalhos enviados ou devol-vidos à Diretoria Geral de Estatística.

Os relatórios provinciais são ricos eminformações e permitem esboçar o quadrodas preocupações, dos avanços e das difi-culdades de cada província. Nos relatórios,são temas recorrentes, a preocupação coma qualificação dos professores, os baixossalários por eles percebidos, além das ins-talações precárias das escolas.

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Outra fonte relevante de informaçõesé constituída por José Ricardo Pires deAlmeida cuja obra tem características dis-tintas daquela de Primitivo Moacyr. Os da-dos estatísticos sobre instrução aparecemsistematizados, analisados e enriquecidosde comentários que denotam a erudiçãohistórica do autor. Trata-se de um fervoro-so admirador do regime monárquico doqual foi contemporâneo, o que, no entan-to, não inibe sua crítica, quando julgadanecessária.

Como exemplo do ufanismo, transcre-vem-se os seguintes trechos relativos àorganização do ensino:

Com efeito o regulamento elaborado peloVisconde de Bom Retiro nos colocou, emrelação à instrução primária, no rol dasnações mais avançadas. Podíamos ficarao lado da Suíça, Suécia, França, ao me-nos quanto à organização e ao regula-mento. (...) Estamos habituados hoje, eisto depois de alguns anos, a compararnosso ensino primário com o da Prússia.Mas, a verdade é que, em 1854, este rei-no estava abaixo de nós quanto à orga-nização da instrução primária (Almeida,1989, p. 83).

Aparentemente, o entusiasmo pelaregulamentação da instrução primária serestringia às normas baixadas pelo PoderCentral, pois, ao se referir à legislação ori-ginada nas Assembléias Provinciais,Almeida (1989, p. 65) é muito áspero nasua avaliação:

O que é certo, porque se deduz de umgrande número de relatórios dos presi-dentes das províncias, é que o resultadode todas essas leis e medidas teria sidooportuno se houvesse condições deexecutá-las. (...) Criaram-se muitas esco-las – no papel – , por leis e decretos, maso benefício que poderia resultar destasiniciativas e o progresso que deveria sera sua conseqüência foram arruinados,obstados desde a origem, pela ausênciade instrutores, sobretudo de instrutoreshábeis.

Em que pese a avaliação pessoal deAlmeida sobre a instrução primária no Im-pério, foram retiradas de sua obra somen-te informações estatísticas sobre o núme-ro de escolas e alunos, além de despesacom instrução, as quais têm como origemos aludidos relatórios provinciais.

A informação estatística sobre alunadoou despesa não aparece todos os anos nos

relatórios de todos os presidentes, confor-me já mencionado. Na Província do Piauí,por exemplo, a despesa no período de 1854a 1859 foi de 994 contos e os gastos com ainstrução, de 200 contos. Em 1871, contavacom 50 escolas públicas e 8 particulares. SãoPaulo informava que em 1852 gastava umquarto de sua renda com instrução. Para umapopulação livre de 333 mil habitantes, con-tava com 101 escolas primárias para alunosdo gênero masculino, com 2.454 matrículase 54 para alunos do gênero feminino, com853 matrículas. Esses números subiram, em1867, para 277 escolas públicas (169 mas-culinas, com 5.050 alunos e 108 femininas,com 2.580 alunas) e 106 particulares, com1.263 alunos e 689 alunas.

A Província do Rio de Janeiro (excetoo Município Neutro), após contabilizar osdados do recenseamento de 1852, consi-derava a situação da província satisfatória,por contar com uma escola para cada1.600 habitantes livres. Existiam na provín-cia 117 escolas públicas e 40 particulares.Quase 15 anos depois, em 1866, as esco-las públicas primárias eram 161. Destas,106 totalizavam 6.121 alunos e 55, 1.711alunas, num total de 7.832 matrículas.

Apesar de seu desenvolvimento eco-nômico e cultural, a rede de ensino primá-rio da Província da Bahia tinha dificuldadede fornecer dados estatísticos sobre a si-tuação educacional. Os primeiros dadossão de 1855, quando são informadas 200escolas. Em 1866, contabilizava 226 esco-las primárias públicas, 180 com 7.325 alu-nos e 46, com 2.142 alunas. As escolasparticulares eram 34, com 695 alunos.

Os dados constantes da Tabela 5 per-mitem observar que a Província de MinasGerais apresenta, ao longo do Império, omaior contingente populacional e, em ter-mos absolutos, o de alunos matriculados noensino elementar. O incremento das matrí-culas no período 1870-1888, em Minas Ge-rais, passou de 6 a 18 alunos, por mil habi-tantes. A Província da Bahia, segunda colo-cada em termos populacionais, no mesmoperíodo, apenas dobrou o número de ma-trículas, passando de 7 a 13 alunos por milhabitantes. A Província de Pernambuco co-meça o período com uma relação relativa-mente alta, 13 alunos por mil habitantes,passando a 15, no final. Notabilizam-se, ain-da, pela cobertura escolar, as províncias doRio Grande do Sul e de Santa Catarina, comuma relação mil habitantes/aluno, em 1871,de 29 e 28, respectivamente, passando a30 e 37, em 1888.

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Tabela 5 – População, alunos e escolas elementares em 1870 e 1888

Dispêndio com a educaçãoelementar

Somente se dispõe de dados sobrea despesa com a instrução elementarefetuada por todas as províncias nosexercícios de 1871-1872 e 1888.

Os dados da Tabela 6 demostram quetanto a receita quanto a despesa apresen-tam variações consideráveis, no período1870-1888. A despesa com a instrução ele-mentar situa-se numa média de 16% dareceita em 1871-1872, subindo para22,70%, em 1888. Das 20 províncias, 11gastavam acima da média, em 1871-1872,e 15, em 1888. Esses valores são próxi-mos aos do período republicano. Lembra-se que a Constituição de 1934, que inau-gurou a prática da vinculação de receitatributária para educação, estipulava umporcentual mínimo de 10% para a União;20% para os Estados e Distrito Federal e10% para os municípios. Os porcentuaisdessa vinculação sofreram alterações nasConstituições subseqüentes, sendo que a

Constituição de 1988 fixou os valores mí-nimos em 18% para a União e 25% para osEstados, Distrito Federal e municípios. Éde se ressaltar que o preceito constitucio-nal não tem sido fielmente obedecido, con-forme análise efetuada por Melchior (1993),ficando a aplicação de recursos aquém doestipulado.

Cabe ressaltar que o Governo Cen-tral também realizava gastos com a edu-cação primária. Da despesa de 2.273.912contos com educação, em 1874, dois ter-ços destinavam-se ao ensino secundárioe superior e cerca de um terço destinava-se ao ensino público primário. As iniciati-vas incluíam a remuneração de professo-res primários atuando no serviço decatequese dos índios, nos estabelecimen-tos rurais, na prisão Fernando de Noronhae nas escolas de aprendizes de marinhei-ros. Posteriormente, na década de 80, fo-ram incluídos os professores das escolasdestinados ao ensino de crianças livres demães escravas, asilos de crianças aban-donadas e classes noturnas.

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Tabela 6 – Receita das províncias e despesa com instrução elementar,em 1871 e 1888

Considerações finais

As informações alinhavadas sobreas finanças públicas no período imperi-al e a cobertura da educação elementarvisaram qualificar a versão corrente naliteratura de que a descentralização daresponsabilidade por esse nível de ensi-no, por força do Ato Adicional de 1834,possa ser responsabilizada pelo baixoíndice de escolaridade da então popula-ção brasileira. Inquestionavelmente, oíndice de escolarização era baixo, mes-mo excluindo-se a população escrava,não se seguindo daí a causa apontadana literatura como a principal. O Impériomontou um sistema de arrecadação detributos que funcionava a contento, nãosomente na taxação da importação e ex-portação, como também no recolhimen-to dos impostos sobre bens produzidosno País, ou que nele circulavam. Em quepese o surto de desenvolvimento econô-mico impulsionado pela exportação docafé e da borracha, o erário público doImpério era cronicamente deficitário. Se

a inflação, pelo menos em índices alar-mantes, esteve ausente, o endividamentoexterno drenava parte considerável darenda tributária.

A responsabilidade pela instrução pri-mária, desde a edição da Lei de 15 de ou-tubro de 1827, estava afeta às províncias,na definição no número e localização dasescolas, na seleção dos professores e nafiscalização dos estabelecimentos escola-res. O Ato Adicional de 1834, no bojo deuma série de medidas que garantirammaior autonomia às províncias, permitiu-lhes legislar sobre a instrução primária. Aolongo do período, as províncias alocaramporcentuais substanciais de seu orçamen-to à instrução primária, que no final do pe-ríodo montava em cerca de 20%. O Gover-no Central exerceu uma função comple-mentar com respeito ao ensino elementar,não somente por ser responsável por eleno Município sede da Corte, mas por cus-tear uma série de iniciativas educacionaisem guarnições militares, presídios ou desegmentos específicos da população,como os filhos de escravos.

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Além disso, devem ser lembrados, tam-bém, os aspectos culturais, como a posi-ção social da mulher, em torno de 50% dapopulação, que tinha seu acesso à escolafortemente inibido. Esses e outros aspec-tos do contexto sociocultural da época,como, também, a comparação com outrospaíses, na mesma época, aguardam a in-vestigação dos historiadores da educação,de forma a se contar com um quadro maisbem delineado sobre o panorama educa-cional do Império pois, atribuir as mazelasda instrução apenas à falta de recursos fi-nanceiros constitui uma explicação sim-plista e empobrecedora do problema.

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A baixa cobertura do ensino elemen-tar encontra suas explicações na falta deinvestimento público provincial como, tam-bém, num conjunto de fatores dos quaissobressai a baixa demanda por educação,decorrente da estrutura social polarizada:a elite cuja necessidade por educação ele-mentar era atendida por tutores ou pelarede de escolas privadas e a massa dapopulação livre, para a qual o conteúdodo ensino ministrado na escola tinha pou-ca aplicação no seu cotidiano de vida.

É importante ressaltar ainda que aclasse média, para a qual a educação temsido uma via tradicional de ascensão so-cial, numericamente era inexpressiva.

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Recebido em 15 de setembro de 2000.

Beatrice Laura Carnielli, doutora em Educação pela Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ), é professora do curso de mestrado em Educação da UniversidadeCatólica de Brasília (UCB).

Abstract

The article reflects the income and expenses of the Central Government and itsProvinces during the empire period. It focuses on the evaluation of the public power effortin financing of Basic Education. With the available data, it also seeks the impact analysisin Basic Education attention, considering the additional act of 1834 that decentralized theresponsibility for that level of education. In conclusion, it discourse that the Basic Educationexpenses is situated in a compatible platform and explains that the low attendance inrecent periods is related with social economical factors and not necessarily because ofpublic resources allocation.

Keywords: education history; education financing.

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ESTUDOS

Sueli Soares dosSantos Batista

Palavras-chave: narcisismo;educação; teoria crítica;psicanálise e educação.

Cultura do narcisismo e educação

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O objetivo deste artigo érefletir sobre a cultura donarcisismo e seus efeitos noprocesso de escolarização,discutindo-a a partir dasconsiderações de T. W. Adornosobre formação cultural e a críticada cultura, presentes nopensamento de Sigmund Freud. Apartir destas referências teóricasdiscute-se a "sobrevivênciapsíquica em tempos difíceis",expressada na complexidade doesforço educacional e naresistência a ele, não comosimples aplicação da concepçãode narcisismo àcontemporaneidade. Entendemosque a "mentalidade sitiada"abordada por Lasch, mais que umfenômeno da cultura norte-americana ou brasileira, namodernidade ou pós-modernidade, é inerente àeconomia psíquica do indivíduo etambém à elaboração elegitimação da tradição cultural.

Introdução

É do senso comum a importância dademocratização do ensino para a concre-tização e disseminação dos benefícioscivilizatórios conseguidos pela humanida-de até o momento. Escola para todos fazparte dos discursos dos neoliberais e deseus opositores. No entanto, os esforçosnesse sentido têm-se mostrado pouco

produtivos, apesar da tentativa de esten-der a educação escolar aos grupos delahistoricamente excluídos. No Brasil, porexemplo, o número de alunos repetentese evadidos da escola é conhecidamenteassustador. Mais recentemente, o discur-so da democratização do ensino foi ofus-cado pelo da "qualidade total" que visaadequar a escola à lógica empresarial afim de alcançar alguma eficiência. A ver-dade é que milhares continuam fora daescola por falta de oportunidades ou peladificuldade de mantê-las.

Lasch (1983, p. 161), analisando a si-tuação norte-americana, aponta para aerosão dos padrões intelectuais, não re-sistindo em ceder ao discurso elitista deque "a educação de massa, como os con-servadores sempre argumentaram, é in-trinsecamente incompatível com a manu-tenção da qualidade educacional".

Portanto, em primeira instância, a vul-garização do saber, historicamente cons-truído, passa necessariamente pelo o piorsentido que se possa dar a este esforço,ou seja, banalização, aniquilamento da for-mação cultural e um analfabetismo reves-tido com novas roupagens.

Lasch (1983, p. 12) fala de mudançassociais radicais refletidas na prática aca-dêmica que, em linhas gerais, dão contado fenômeno psicossocial do século 20, a"cultura do narcisismo", onde as condiçõessociais vigentes e as concepções de mun-do por elas criadas – especialmente a par-tir da indústria cultural – encorajam umacontra-ofensiva do eu e colaboram paraapagar as fronteiras entre o indivíduo e seumeio.

Gostaríamos de abordar a questãonuma outra perspectiva que não pensas-se somente a sobrevivência psíquica emtempos difíceis – no caso, o momento atu-al – para considerar a complexidade doesforço educativo e da resistência a ele,além da aplicação do conceito de narci-sismo à contemporaneidade. Entendemosque a mentalidade sitiada abordada porLasch, mais do que um fenômeno da cul-tura norte-americana ou brasileira, damodernidade ou pós-modernidade, é tam-bém inerente à constituição do indivíduona nossa civilização.

O "novo analfabetismo" citado por Lasch,na verdade, é bastante antigo e gostaríamosde problematizar esta questão a partir dequestões que consideramos fundamentais:as classes menos privilegiadas desejam aeducação formal e estão subjetivamente

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preparadas para ela? Por que as classesprivilegiadas encontram-se tambémestupidificadas? Por que a despeito do fra-casso do sistema educacional ainda sepersiste nele? É possível um desvio histó-rico para conter o aniquilamento da for-mação cultural?

Sem narcisismo não haveria culturae antes de atribuir-lhe qualquer juízo devalor é necessário considerá-lo no seucaráter primário atribuído por Freud, ouseja, "de um complemento libidinal doegoísmo do instinto de autopreservação,que, em certa medida pode justificavel-mente ser atribuído a toda criatura viva"(Freud, 1976a).

Se sem narcisismo não haveria cultu-ra, por outro lado, ele significa uma amea-ça a ela se não for projetado na forma deideal do ego, resultante da convergênciado narcisismo primário e das identifica-ções com os pais ou seus substitutos ecom os ideais coletivos (Laplanche,Pontalis, 1994, p. 222). Esta ambigüidadefoi bem explicitada por Freud (1976a, p.117) ao considerar que:

O desenvolvimento do ego consiste numafastamento do narcisismo primário e dámargem a uma vigorosa tentativa de re-cuperação desse estado. Esse afasta-mento é ocasionado pelo deslocamentoda libido em direção a um ideal do egoimposto de fora, sendo a satisfaçãoprovocada pela realização desse ideal.

Mas há de se observar que as consi-derações de Freud sobre o ideal do egoexemplificado nas citações acima comoas referências familiares e ideais coletivostêm que ser repensados. Vivemos umaépoca de esvaziamento da autoridadepaterna ou materna, os ideais coletivos sãorestritos aos sonhos de consumo emassificação. Portanto, é difícil falar tãoseguramente quanto Freud do "desenvol-vimento do ego" que se desloca em dire-ção ao ideal do ego imposto de fora quan-do este último é a massificação. O quetemos, então, é a fragilização crescentedo ego.

Indivíduo: produtor, produto einimigo da cultura

Tivemos uma experiência bastantecomum ao trabalharmos como professora

no ensino fundamental, mas que serve paraintroduzir o problema que queremos abor-dar. Perante a indisciplina e a rebeldia dosalunos, pedimos que pensassem os moti-vos que os faziam estar na escola. Eles, efe-tivamente, acreditavam que poderiam teralgum proveito naquele local que exigiadeles justamente o contrário do que preten-diam? Afinal, o que pretendiam da escola?Pedimos que escrevessem sobre o assun-to sem mencionarem seus nomes para queficassem mais à vontade ao fazerem críti-cas. A resposta uníssona – apresentada deformas variadas – foi: "quero ser alguém navida". Esta resposta, a princípio, parece serapenas a repetição maquinal do discursodos pais ao cobrarem dos filhos um bomdesempenho escolar ou a preocupação desobreviver às exigências do mercado de tra-balho formal e informal que, brevemente,enfrentarão ou já enfrentam. Porém, veja-mos que a promessa de "ser alguém na vida"que a escola postula ao estudante e queele mesmo abraça, consciente ou inconsci-entemente, diz respeito ao próprio cerne dacultura que promete ao sujeito um lugar, umestatuto, um "ser alguém", ser indivíduo.

"Ser alguém", diferenciar-se, não é ape-nas um postulado geral da cultura, mas emparticular, do ideal burguês ao reivindicar aautonomia e uma sociedade igualitária e jus-ta. Este ideal burguês é promessa não rea-lizada por motivos objetivos, bem demar-cados historicamente, e por motivos subje-tivos que podem escapar à mera crítica ide-ológica. Marx e Freud foram denunciado-res das ilusões da consciência, críticos desteindivíduo supostamente autônomo e aomesmo tempo caminhando pari passu coma cultura. Tanto Marx quanto Freud abordamas coações sejam sociais, sejam psíquicasque se transformaram em segunda nature-za, preço que pagamos pelo processo decivilização. Daí que, para compreender asrelações entre indivíduo e sociedade, algunspensadores buscaram e buscam ainda umaaproximação entre o marxismo e a psica-nálise. Este campo de reflexão é para aTeoria Crítica, desde o seu surgimento epodemos dizer que até hoje, um elemen-to fundamental. A psicanálise aplicada àteoria social pode fornecer hipótesesexplicativas para entender os entravessubjetivos que permitem a maioria dos ho-mens suportar relações de dominação.

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O interesse de Adorno por Freud, es-pecialmente dos escritos tardios, surgiudevido à forma pela qual a teoria desteregistrava, sem qualquer hesitação, ostraumas da existência contemporânea. Éevidente que os pensadores, principal-mente os da segunda geração comoAdorno, Horkheimer e Marcuse, não pro-curaram "aplicar" a psicanálise, mas nãohá dúvidas de que ela se tornou para elesum importante referencial numa época dedissolução do indivíduo.

A ingenuidade da crença no autodo-mínio do sujeito, na sua boa vontade eracionalidade foi desmascarada por Freud.Mas esta crença não é apenas ingenuida-de, ignorância. Se assim fosse, bastaria oesclarecimento psicanalítico. Pressuporuma união feliz entre indivíduo e cultura étambém escamotear o sofrimento e a do-minação. Freud (1976a, p. 90) pôde de-nunciar isto, mas não é equivocado dizerque ficou do lado da cultura em detrimen-to do indivíduo:

É digno de nota que, por pouco que oshomens sejam capazes de existir isola-damente, sintam, não obstante, como umpesado fardo os sacrifícios que a civiliza-ção deles espera, a fim de tornar possí-vel a vida comunitária. A civilização, por-tanto, tem de ser defendida contra o in-divíduo e seus regulamentos, instituiçõese ordens dirigem-se a essa tarefa.

Se a civilização tem de ser defendidacontra o indivíduo, quem defende o indiví-duo da civilização? Ao particular que vêdiante de si o esgotamento dos momen-tos de diferenciação do todo, modelando-se ao fetiche da igualdade e vivendo sobo princípio da equivalência, resta aindiferenciação, a mera reprodução, o re-trocesso da consciência. A perda da iden-tidade e de capacidade de resistir ao todouniformizador é acompanhada da amea-ça constante de recaída na barbárie.

Esta questão foi colocada de forma dra-mática no holocausto. Se pensarmos na in-diferença em frente ao sofrimento, esta nãofoi exclusiva da sociedade alemã daqueleperíodo, antes é a marca da modernidade.O horror da propaganda nazista e dos cam-pos de concentração não foi um desvio his-tórico, um acidente. Por que mediante oabsurdo da continuação da miséria e doaumento da injustiça e da violência, o prole-tariado não adquiria consciência disso? Porque o proletariado, a despeito do otimismo

marxista, caminhava contra os seus interes-ses? A Teoria Crítica, ela mesma vítima donazismo, foi em busca não só do porquê,mas também de como é possível a passivi-dade e a adesão das massas perante os in-teresses fascistas quando os marxistas ain-da se detinham no suposto potencial revolu-cionário do proletariado.

Acreditamos mesmo que a Teoria Crí-tica saiu em defesa do particular massa-crado pela totalidade, pelos valores univer-sais e aistóricos utilizados para naturalizara dominação historicamente determinada.A promessa cristã de "um só rebanho e umsó pastor" encontrou sua realização na tra-jetória que vai da prática nazista à culturade massas, ainda que seus realizadores adesvinculem da emancipação do rebanho.

Mas um indivíduo que precisa ser de-fendido já deixou de ser um indivíduo:segue claudicante atrás da totalidade. Ouseja, a diferenciação e a resistência sãoimplícitas ao indivíduo. Sua hostilidade àcultura, antes de qualquer esforço peda-gógico e de conscientização, dá-se deforma inconsciente.

Portanto, o discurso do "ser alguém"pode ser entendido pela necessidade de nosadaptarmos ao processo civilizatório aten-dendo às suas exigências de controle dosinstintos e ao mesmo tempo, não sermosaniquilados por ele. Ou seja, estamos a fa-vor e contra este processo que não é sinôni-mo de progresso simplesmente. Progressoe regressão caminham juntos. O homem aodominar a natureza – essência do conceitode cultura – construiu uma segunda nature-za: o controle social e psíquico que a huma-nidade se impôs. Ser indivíduo é diferenciar-se da natureza e ao mesmo tempo resistir auma segunda natureza também coercitiva eindiferenciadora:

A humanidade teve que infligir-se terríveisviolências até ser produzido o si-mesmo,o caráter do homem idêntico, viril, dirigi-do para fins, e algo disso se repete aindaem cada infância. O esforço para manterfirme o eu prende-se ao eu em todos osseus estágios e a tentação de perdê-losempre veio de par com a cega decisãode conservá-lo. A embriaguez narcóticaque faz expiar, com um sono semelhanteà morte, a euforia que suspende o si-mes-mo, é uma das mais antigas instituiçõessociais que fazem a mediação entreautoconservação e auto-aniquilamento,uma tentativa do si-mesmo sobreviver asi próprio (Adorno, Horkheimer, 1989, p.24).

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O indivíduo não é somente fruto dacivilização, mas também inimigo dela. Oque podemos apreender é que a buscado ser alguém sofre constante confron-to com a vontade da dispersão, da sus-pensão do si mesmo, o que nos tornainimigos daqueles mesmos ideais quedefendemos e aos quais aderimos, apa-rentemente, por livre vontade e por ex-pressão da nossa humanidade.

Educação emancipatória:a formação de indivíduos

É evidente que as contradições a quenos referimos até o momento não são sim-plesmente subjetivas. Os condicionantesobjetivos da subjetividade, preocupaçãocrucial na leitura que a Teoria Crítica faz dapsicanálise, também devem ser contempla-dos. Sem isto, como entender os mecanis-mos atuais da servidão voluntária? Herdei-ros do Iluminismo, que somos, queremosacreditar numa servidão que seja voluntá-ria. Afirmar ser ela involuntária é esvaziar-mos o conceito de indivíduo e sua capaci-dade de resistência e transformação. Masse a massificação nos empurra para o bu-raco sem fim da servidão involuntária é algoque só pode ser avaliado empiricamente,no processo histórico. É tarefa da educa-ção – e aqui nos referimos principalmenteà família e à escola – provar o contrário: aemancipação (Batista, 2000).

O momento de adaptação é neces-sário, e a educação seria definitivamenteimpotente se se recusasse a esta tarefa.Porém, ao tentar, simplesmente, produzirpessoas bem ajustadas simplesmente, elavai de encontro ao que se entende porformação, por democracia. O processoeducativo tem se colocado como proces-so de nivelação ao tentar aparar as ares-tas da natureza não totalmente conforma-da no processo civilizatório. O desejo de"ser alguém" expressado pelos alunospode ser um pedido para que a escolacumpra urgentemente a sua função.

Uma educação em seu pleno senti-do facilitaria uma auto-reflexão crítica,sendo o esclarecimento, antes de qual-quer questão metodológica, a premissabásica de uma ação transformadora. Po-rém, este esclarecimento, obviamente,não é apenas individual. É necessário um

esclarecimento geral, propiciador de melho-res condições culturais para um processode emancipação, onde as razões que levamà barbárie se tornem conscientes. Mas, aprimeira tarefa de uma educação emanci-patória é ter consciência de seus limites,quer sejam objetivos, quer sejam subjetivos.Conceber os limites objetivos de uma edu-cação emancipatória é reconhecer que aemancipação não se faz apenas no âmbitoescolar sem a transformação social: o sa-ber é tão democrático quanto o sistemaeconômico juntamente com o qual se de-senvolve (Adorno, Horkheimer, 1989, p.4). Portanto, é necessário transformar ascondições objetivas. Uma educação eman-cipatória cumpriria boa parte de sua tarefaao contribuir para formar indivíduos, ou seja,agentes de transformação. Usamos a pala-vra "contribuir" porque na experiênciaformativa o esclarecimento é apenas umaparte dela. Conceber os limites subjetivosda formação é reconhecer os limites do es-clarecimento de um indivíduo que, por defi-nição, sendo autônomo, incorpora (ou não)o esclarecimento à sua maneira.

A incompatibilidade entre culturae massa

Para Freud (1976b, p. 18), "as massassão preguiçosas e pouco inteligentes; nãotêm a renúncia instintual e não podem serconvencidas pelo argumento de suainevitabilidade".

Ora, se a renúncia instintual é a maté-ria-prima da cultura, seu solo provedor,logo se entende que a massa, para Freud,é contrária à cultura. Pode-se dizer mes-mo, a partir de Freud, que a experiênciado indivíduo na massa é a experiência dadissolução. O termo "cultura de massas"sofre, portanto, de uma contradição inso-lúvel. Uma cultura para as massas seriauma cultura?

Esta pergunta Freud dificilmente pode-ria responder. Freud pôde ver os horroresda Segunda Guerra, mas não foi possívelpara ele perceber a prática fascista disse-minando-se na democracia. Com o adven-to da cultura de massas, a massificação tor-nou-se, supostamente, o par inseparável dademocracia. Sabemos o quanto uma é ini-miga da outra. A vulgarização é a opressãopermanente no interior da democracia, de-terminando antes uma semidemocracia euma semicidadania. A cultura de massas,

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que não é "das" massas, mas "para" as mas-sas, ou seja, produzida para elas, enqua-dra-se melhor no que Adorno chamou deHalbbildung. O termo foi traduzido para oespanhol como seudocultura e nas tradu-ções brasileiras aparece como semicultura(Adorno, 1996).

Um dos aspectos da semicultura é abusca de uma difusão maciça dos bensculturais sem pensar na sua origem ambí-gua e nas condições atuais de produçãoe recepção culturais. A consciênciasemiformada apega-se ao "isto agrada-me", "isto eu reconheço". Esta reação é ocurvar-se ao coletivo, é o reconhecimentodo exaustivo e massivamente repetido.

A vulgarização dos bens culturais ca-minha no sentido de tornar acessível àsmassas, em nível sociopsicológico, o queeconomicamente lhes é negado. Os livrosde bolso, as biografias novelescas, as adap-tações dos clássicos, as megaexposiçõesde arte ao banalizarem a formação culturalcooperam com sua aniquilação. As tentati-vas de remediar esta situação nos limites daintegração, entre elas as propostas peda-gógicas, por não questionarem as condiçõesobjetivas e manterem-se nos patamares dasemicultura, além de garantirem a situaçãovigente, trabalham contra a formação quedizem fomentar.

A difusão da estupidez

A difusão da estupidez citada porLasch na Cultura do narcisismo é antespressuposto básico da nossa civilização –ora aperfeiçoado em seus mecanismos – ,que para compensar este ônus quer fazeracreditar que pode minimizar esta difusãopor uma outra ainda mais desqualificadorae subsidiária daquela: a difusão dos bensculturais.

Lasch (1983, p. 164) ressalta a difu-são da estupidez tanto da massa, quantodos detentores dos meios de produçãoeconômica e cultural, os privilegiados.

Esta observação bastante corriqueiraestá constantemente na pauta das discus-sões sobre parâmetros educacionais e pro-jetos pedagógicos. O cerne da questãoreside, no nosso entender, em indagarmosnão o que está acontecendo – fato já obvi-amente constatado – , mas por que have-ria esta corrosão cultural?

A formação cultural, supostamente res-trita a alguns privilegiados que se denomi-nam elite, atesta o prestígio daquela. Porum lado, a formação cultural transformadaem mercadorias produz a ilusão da identi-ficação com os ricos e "cultos", ou seja, aindústria cultural tem a função de afirmar aintegração inexistente de fato. No entanto,a verdade da idéia de integração é que aindústria cultural a seu serviço nivela asclasses sociais. Tanto que já não se podefalar de uma burguesia que subjetivamen-te esteja mais adiantada como ocorreu nomomento de sua ascensão.

Queremos resgatar neste instante otexto homérico que relata a viagem deUlisses à Ítaca, narrada no Canto XII daOdisséia, que foi analisado por Adorno eHorkheimer e que, no nosso entender,pode encaminhar esta questão para umaabordagem menos paternalista.

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O texto homérico, como obra funda-mental da civilização européia, tem um lu-gar privilegiado para a composição dadialética do esclarecimento. A viagem deUlisses é considerada uma metáfora à pas-sagem da natureza à cultura, realizadaatravés da renúncia aos instintos. Ao pe-dir que lhe atassem ao mastro de seu na-vio, a fim de que pudesse ouvir o cantodas sereias sem ser arrastado por ele,Ulisses resiste à sedução da natureza,paraíso perdido em nome da autonomiado sujeito ainda a ser conquistada. Asamarras de Ulisses são, em última instân-cia, o controle social e psíquico decorren-te da renúncia instintual. Para assegurar asua trajetória, Ulisses obriga seus mari-nheiros a taparem os ouvidos e simples-mente a olharem para frente. A viagemprossegue sob a coerção dos subordina-dos que, com a sensibilidade embotada,nada têm a fazer, a não ser obedecer, en-quanto Ulisses pode sentir o prazer estéti-co de ouvir o canto, porém distanciado daesfera do trabalho.

A análise que Adorno e Horkheimer(1989, p. 26) fazem deste texto traçandoum paralelo com as condições atuais émuito interessante e esclarecedora:

Os ouvidos surdos que os dóceis proletá-rios conservaram desde o mito não seconstituíram em vantagem alguma, dian-te da imobilidade do mandante. Amadu-recida até passar do ponto, a sociedadevive da imaturidade dos dominados.Quanto mais complicado e refinado oaparato social, econômico e científico, aserviço do qual o corpo fora destinado,desde muito, pelo sistema de produção,tanto mais pobres as vivências de queesse corpo é capaz. (...) Hoje a regressãodas massas consiste na incapacidade deouvir o que nunca foi ouvido, de apalparcom as próprias mãos o que nunca foitocado, uma nova forma de ofuscamentomítico vencido. Através da mediação dasociedade total, que amarra todas as re-lações e impulsos, os homens são con-vertidos de novo justamente naquilo con-tra o que se voltara a lei do desenvolvi-mento da sociedade, o princípio do si-mesmo; em simples exemplares da espé-cie humana, semelhantes uns aos outros,em virtude do isolamento na coletividadedirigida pela coação. Os remadores quenão podem falar entre si são atrelados,todos eles, ao mesmo ritmo, tal como otrabalhador moderno, na fábrica, no cine-ma e na sua comunidade de trabalho. Sãoas condições concretas de trabalho na

sociedade que impõem o conformismo, enão aquelas influências conscientes, asquais fizeram com que, por cima disso, oshomens oprimidos se embrutecessem e sedistanciassem da verdade.

O embotamento da subjetividade da-queles que desde sempre a partir da divi-são do trabalho foram expatriados para oterreno da ignorância e da insensibilidadenão deve, portanto, surpreender aquelesque, utilizando das mesmas artimanhas deUlisses, pretendem furtar-se do obscuran-tismo. O "novo analfabetismo" a que se re-fere Lasch a despeito da "democratização"do ensino revela a verdade da ambivalênciada cultura: conhecimento para libertar-see poder melhor dominar.

Quanto aos dominadores, detentoresdo saber – aqui representados por Ulisses– estupidificação é conseqüência naturaldo processo de auto-expropriação:

O servo permanece subjugado de corpoe alma e o senhor regride. (...) Essa re-gressão não se restringe à experiência domundo sensível, ligada a uma proximida-de em carne e osso, mas afeta ao mesmotempo o intelecto autocrático que se se-para da experiência sensível para subjugá-la. (...) Na restrição do pensar à organiza-ção e administração, praticada pelos queestão de cima, desde o astuto Ulisses atéos ingênuos diretores gerais, está implí-cita a estreiteza que acomete os grandes,a partir do momento em que não mais setrata de manipular os pequenos (Adorno,Horkheimer, 1989, p. 25-26).

O que podemos entender da citaçãoanterior é que a separação primordial en-tre trabalho manual e trabalho intelectualdetermina as possibilidades e limites doprocesso civilizatório até então conhecido.A separação entre espírito e corpo, pala-vra e coisa, arte erudita e arte popular sãoderivados desta separação primordial. Po-demos pensar, desejar e lutar por um mun-do diferente onde elementos tão imbrica-dos sejam experenciados de maneira me-nos departamentalizada. Mediante as con-dições atuais, em que a indústria culturaltrabalha pela liquidação da cultura eruditae da cultura popular através da suadesfronteirização, talvez não seja mais per-tinente fazer esta distinção sumariamente.As culturas se fundem numa cultura queagrade a todos, tirando as possibilidadesde resistência. Não se trata de advogar umacultura em detrimento da outra, mas de

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buscar nos produtos culturais os focos deresistência.

A arte e educação entre asubstituição narcísica para o

"mínimo eu" e a força danegatividade da obra de arte

Outro aspecto que Adorno ressalta nafetichização da formação cultural, apesarde haver a constatação de sua inadequaçãoaos mecanismos atuais de produção e con-sumo, é a questão do narcisismo coletivocolocado como resposta à impotência so-cial: o indivíduo massacrado pela totalida-de compensa seu desamparo, ao crer quefaz parte das qualidades e vitórias destetodo, verificáveis na formação cultural(Adorno, 1972b).

Entendemos que o narcisismo cole-tivo a que Adorno se refere passa neces-sariamente pelo que Freud consideroucomo a satisfação narcísica proporcio-nada pelos ideais culturais e partilhadanão apenas pelos privilegiados, mastambém pelos oprimidos que compen-sam sua privação cultural ao se sentiremparte das conquistas coletivas:

Como já descobrimos há muito tempo, aarte oferece satisfações substitutivas paraas mais antigas e mais profundamentesentidas renúncias culturais, e, por essemotivo, ela serve, como nenhuma outracoisa, para reconciliar o homem com ossacrifícios que tem de fazer em benefícioda civilização. Por outro lado, as criaçõesda arte elevam seus sentimentos de iden-tificação, de que toda unidade cultural ca-rece tanto, proporcionando uma ocasiãopara a partilha de experiências emocio-nais altamente valorizadas. E quandoessas criações retratam as realizações desua cultura específica e lhe trazem à men-te os ideais dela de maneira impressiva,contribuem também para sua satisfaçãonarcísica (Freud, 1976b, p. 25).

É evidente que, sem essa satisfaçãonarcísica integradora dos indivíduos entresi e com a sociedade, os inúmeros imperi-alismos conhecidos na história passada epresente não existiriam. Sem essa satisfa-ção narcísica, o Império Romano, por exem-plo, não persistiria por tanto tempo. Entre-tanto, o contrário também é verdadeiro, já

que a universalidade e a eternidade daque-le império não se comprovaram como es-peravam seus líderes. A raiva contra a civili-zação, substrato da natureza não totalmen-te conformada e da marginalizaçäo daque-les que pouco receberam de benefícioscivilizatórios, tem na resistência à formaçãocultural o seu momento de triunfo.

Sabemos que, se considerada unila-teralmente, esta visada da arte como re-conciliação do homem com os sacrifíciosoriundos do processo civilizatório mostra-se extremamente complicada. A arte nãoestá somente a serviço de satisfaçõesnarcísicas porque nem sempre proporcio-na "experiências emocionais altamente va-lorizadas". Sabemos como o esforço deAdorno, em grande parte, foi mostrar a in-compatibilidade da obra de arte autênticacom o "altamente valorizado" pela socie-dade. Na concepção de Adorno, se há ummomento positivo na verdade estética elasó está evidente nas obras de arte que pro-curam autonomia frente à sociedade atu-al, desafiando, por exemplo, os anseios devulgarização e a identificação imediata coma vida presente.

Parece mesmo que a relação entre aarte e a educação com fins emancipatóriosnão tem como sair deste paradoxo: seu as-pecto de substituição narcísica que anteparao "mínimo eu" e o seu caráter antitético, queé capaz de desalojar a pseudo-individuaçãoque é produzida e se expressa na culturado narcisismo. Portanto, não é qualquerexperiência estética enquanto satisfaçãonarcísica que pode romper com a "culturado narcisismo". Um rompimento com a "cul-tura do narcisismo" não implica necessaria-mente o fim do narcisismo na cultura, coisaimpossível de ser pensada. Ao tentarmosresgatar o poder da arte e da experiênciaestética que ela pode proporcionar, na ver-dade é necessário observar se estamos evo-cando apenas uma substituição narcísica ao"mínimo eu". A educação numa cultura pós-narcisista, no nosso entender, só pode serpensada a partir de um desentorpecimentoda "cultura do narcisismo", premissa estaprimordial e intrínseca na passagem do"mínimo eu" para o "indivíduo". Figueiredoao pensar uma outra subjetividade em subs-tituição à aquela dilacerada do mundo con-temporâneo, propõe fazer da vida uma obra-de-arte que consistiria em

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suportar todas as tensões instituídas peladiferença, pelos intervalos, pelos irrepre-sentáveis, pelos vestígios, pelas anteci-pações, pelos diferendos de que somosfeitos. A questão, no fundo, nos remete-ria a uma crítica às estratégias adaptativase hedonistas dominantes na cultura donarcisismo, em benefício de um acolhi-mento, melhor dizendo, de um enfren-tamento artístico da vida com todo o seupotencial de riscos, imperfeição e sofri-mento. Nesta perspectiva, fazer da vidauma obra de arte seria o mais radicalcontraponto ao mínimo eu que se cons-titui e conserva mediante as mais seve-ras mutilações, para quem a ordem ésofrer menos e gozar mais. Fazer da vidauma obra de arte, seria, enfim, reintegrarà existência uma dimensão propriamen-te trágica que despedaça todas as mo-dalidades ingênuas, totalizantes e bemcomportadas de narração (Figueiredo,1995, p. 11).

O que temos feito, principalmenteatravés da indústria cultural – se é quepodemos chamar de experiência estéticao que ela tem proporcionado através dosbens culturais – é, por um lado, a buscadas "pequenas diferenças" como refúgiopara a identidade dilacerada; e, por outrolado, a busca da universalização atravésda arte globalizada. Este tipo de satisfa-ção narcísica parece nos dar o direito oude desprezar os demais ou de mergulhar-mos numa universalidade abstrata. Mes-mo Freud, ao defender a obra de arte en-quanto "satisfação substitutiva", pensavaem "partilha de experiências" e não na iro-nia defensiva e descompromisso própri-os da cultura do narcisismo.

O "diferente" também a ser acolhido éo excluído num processo crescente demarginalização de vários segmentos dasociedade. Sabemos o quanto a "culturado narcisismo" através do individualismotrabalha incessantemente para o fim doindivíduo. Tem ocorrido uma movimenta-ção no sentido de, esteticamente, revertereste quadro: a educação aliada à arte se-ria capaz de formar cidadãos mais críticose atuantes. Porém, como é possível umasolução estética para um problema quenão é mera formação de uma subjetivida-de que se esgota em si mesma, mas –como já afirmamos – uma questão social epoliticamente determinada. Afinal, umasociedade emancipada

não seria nenhum Estado unitário, mas arealização efetiva do universal na recon-ciliação das diferenças. A política que ain-da estiver seriamente interessada em talsociedade não deveria propagar a igual-dade abstrata das pessoas sequer comouma idéia. Em vez disso, ela deveria apon-tar para a má igualdade hoje, para a iden-tidade entre os interessados no cinema eos interessados em armamentos, pensan-do contudo, a situação melhor comoaquela na qual é possível ser diferentesem ter medo (Adorno, 1996, p. 89).

A compulsão à identidade é legitima-da objetivamente pela ameaça constantede destruição psicológica, cultural e cor-poral. Mudar o curso desta história está naordem do dia para todos os educadoresque querem fazer da expressão "sensíveldiferença" algo muito além que uma merafrase de propaganda.

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BATISTA, Sueli S. S. Teoria crítica e teorias educacionais: uma análise do discurso sobreeducação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 73, dez. 2000.

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FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça. Foucault, Heidegger, Benjamin, Derrida,Nietzsche... há lugar para Freud? São Paulo: [s. n.], 1995. Texto apresentado noSimpósio Foucault: um Pensamento Desconcertante, promovido pelo Departamentode Sociologia da FFLCH-USP, abr. 1995.

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Recebido em 27 de outubro de 2000.

Sueli Soares dos Santos Batista é doutoranda em Psicologia Escolar pelo Institu-to de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Abstract

The objective of this article is to reflect about the culture of narcissism and its effectsin the scholastic process, establishing its evidences on T. W. Adorno's considerationsabout cultural formation and criticism of the culture present in the thought of SigmundFreud. From this theoretic reference on, we talk about the "psychic survival in difficulttimes" expressed in the complexity of the educational effort and the resistance to it, not asa simple application of the narcissism conception to the contemporaneous one. Weunderstand that the "isolated mentality" spoke by Lasch, more than a phenomenon of theAmerican or Brazilian culture, in the modernity or post-modernity, is inherent to the indivi-dual in psychic economy and also in the elaboration and legitimacy of a cultural tradition.

Keywords: narcissism; education; critical theory; psychoanalysis and education.

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ESTUDOS

Ademir José RossoNúbio Delanne FerrazMafra

Palavras-chave: formação deprofessores; inovaçõeseducacionais; educação.

Entre o perene e o novo: a artede compreender o modismo educacional

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Discute o problemaidentificado como moda oumodismo no cenário educacional.Na discussão da temática, busca-se estabelecer contornos dofenômeno, sua explicitação eexemplos de sua ocorrência nocontexto escolar. A preocupaçãofundamental é a de associar otema à formação e práticadocente, procurando favoreceruma atitude de busca do querealmente é significativo naeducação.

... uma boa educação carece de boasrotinas.

António Nóvoa

Introdução

Este trabalho é o aprofundamento deum artigo anterior (Rosso, 1995). A per-manência deve-se à quase inexistência detextos que tratem especificamente datemática; quando muito, a tratam margi-nalmente. Isso por si já se constitui moti-vo suficiente para a sua retomada e abusca de enriquecimento com novas re-flexões e informações. Mesmo que na suaconstituição, como objeto de investiga-ção, este texto mantenha rastros de in-dignação e denúncia, preocupamo-nosprincipalmente com a caminhada neces-sária na busca de princípios de ordemformativa que se contraponham ao pro-blema. Para trabalhar-se nesta direção,

não bastam a indignação e a perplexida-de da academia diante das pessoas queconsomem determinadas visões; é preci-so "se submeter a fazer uma peregrina-ção lenta, didática e cuidadosa que pos-sa (...) servir de contraposição às idéiaserradas" (Del Nero, 1997, p. 20).

A existência de um solo propício paraa distorção de idéias, o consumo e a acei-tação fácil de meias verdades parecem in-dicar falhas das agências formadoras aonão favorecerem aos sujeitos/professoreso desenvolvimento da atividade de análisee crítica. É desse indicativo que deriva onosso entendimento de que se trata de umproblema que está intimamente associa-do à formação e ação docente.

A crença ou desejo de que novas idéiasou novos atores sociais são mais válidos eque podem por decreto anular ou se sobre-por às idéias anteriores e o passado consti-tui-se um viés linear, onde o novo, o recente,é tido sempre como o mais evoluído e o pas-sado, o velho, representa sempre o supera-do, o atrasado da educação. Por isso, emnosso estudo, cunhamos o título "Entre operene e o novo", fazendo uma crítica destaoposição.

Constitutivo da educação, o perenesubsiste ao embate das novas teorias e dossujeitos históricos, independentes da ino-vação, e ultrapassa a dimensão temporal.A partir do perene formulam-se questõespara o confronto com o novo e desse como estabelecido. Ignorar essa dinâmica, atra-vés de uma perspectiva fixa no passado ouno futuro, tornaria falho todo e qualquer es-forço para a implementação de inovaçõeseducacionais (Arendt, 1988, p. 221-247).

O novo não se origina do nada nemexpressa uma visão sobre a qual devemosnos curvar incondicionalmente. Ele tem umpassado e uma gênese. Este passado éconstitutivo, mas não determinante do novoe a gênese não é determinada por "umanecessidade lógica do que já existia", comose sua propriedade fosse. "Se produz algonovo a partir de uma realidade ou elemen-tos preexistentes (...) com a intervenção[necessária e indispensável] da consciên-cia e da prática humanas" (Vásquez, 1986,p. 246-247).

Já a arte, a que também nos referimosno título, deve ser entendida como um pro-cesso de desenvolvimento que segue umpercurso próprio associado à técnica e àciência. Quais seriam os elementos neces-sários e constitutivos do desenvolvimento

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de uma arte? Em Fromm (1995, p. 17),podemos encontrar parte da resposta:

O processo de aprendizado de uma artepode ser adequadamente dividido emduas partes: uma, o domínio da teoria:outra, o domínio da prática. Se eu quiseraprender a arte da medicina, devo primei-ro conhecer os fatos a respeito do corpohumano e de várias doenças. Quando ti-ver todo esse conhecimento teórico, demodo algum serei competente na arte damedicina. Só me tornarei mestre nessaarte depois de grande prática, até que osresultados de meu conhecimento teóricoe os de minha prática acabem por mes-clar-se numa só coisa: em minha intuição,essência do domínio de qualquer arte.Além, entretanto, de aprender a teoria e aprática, há um terceiro fator necessáriopara que me torne mestre em qualquerarte: o domínio da arte deve ser questãode extrema preocupação; nada deve exis-tir no mundo de mais importante do queessa arte.

Por entendermos que a teoria e a prá-tica são indissociáveis e que constituem umpar dialético na formação docente, discor-damos da dissociação e da antecedênciade um domínio sobre o do outro, seja eleteórico ou prático. Podemos então vincularo desenvolvimento dessa arte, necessáriapara compreender a novidade, à formaçãodocente, apoiados no entendimento que asinovações e transformações pedagógicassomente podem repercutir positiva e demodo duradouro no contexto das práticaseducativas se, como condição necessária,estiverem apoiadas sobre base teórica se-gura que passe pelo crivo do perene e doindispensável confronto com o contexto daprática educacional. Essa fundamentação,depurada no confronto com o perene, oconstitutivo da educação, poderá dar aoeducador a capacidade de distinguir: onuclear, permanente, e o periférico ou im-próprio ao ato educativo; o proveniente deuma demanda por aprofundamento e com-preensão da sua função específica ou detendências que negam a singularidade/complexidade do ato educativo.

O termo modismo não possui um sig-nificado unívoco, variando na perspecti-va das críticas internas ou externas ao uni-verso das práticas escolares. A perspec-tiva externa serve-se mais do termo como intuito de classificar e discriminar práti-cas docentes e orientações teóricas. Já

a perspectiva dos professores pode sig-nificar insatisfação com o trabalho queexecutam, procura de alternativas, dese-jo de mudança, entre outros sentidos.

As análises do problema partem dediferentes perspectivas teóricas (Balzan,1985; Garcia, 1996; Castelo Branco, 1991;Solé, Coll, 1997; Rego, 1998; Corazza,1996) predominando as denúncias ondese reivindica: melhor formação teórica ecrítica com a integração dos campos teóri-cos; práticas integradas aos campos teóri-cos e metodológicos; reconhecimento erespeito dos professores como sujeitoscom saberes e experiências; diálogo naimplementação de referenciais teóricos,metodologias e políticas educacionais.

Os fatores determinantes dos modis-mos, analisados da perspectiva docente,estão nas deficiências de natureza teórica,crítica e da função da educação. Numaperspectiva externa, estes fatores são sub-metidos às metodologias e referenciais te-óricos de forma dogmática, superficial eacrítica. A formação docente poderia favo-recer o aprofundamento, a análise e a críti-ca das inovações e referenciais teóricos. Atônica das críticas se dirige às políticas edu-cacionais, aos órgãos governamentais e aomarketing dos milagreiros que invadem ocampo educacional. De dentro do sistemaeducativo critica-se o sistema de formaçãopor ser teoricamente deficiente e por mu-dar de marco teórico sem critérios e, quan-do trata das práticas, predominam aspec-tos metodológicos. As soluções apontadaspassam pelo reconhecimento dos saberesdocentes, de participação ativa dos profes-sores nas decisões e eventos de formaçãocontinuada, na integração de campos teó-ricos e da teoria com a prática.

Em sentido pejorativo, esses contex-tos têm-se mostrado parciais, pois nemsempre tendem a considerar os educado-res como produtores – algo original – ,destacando mais o lado folclórico e ascondições em que se manifesta o proble-ma, sem considerar na mesma proporçãoas agências formadoras, os teóricos daeducação e os projetos políticos para aeducação. Mesmo que não intencional-mente, as críticas acabam desqualificandoos docentes. Na realidade, essa é umasituação que envolve, de um lado, a for-ma – dirigismo ou diretivismo – como asnovidades e as inovações são apresenta-das pelos pesquisadores, teóricos egestores educacionais e, de outro, como

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essas novidades são interpretadas e re-cebidas pelos educadores dentro damaterialidade do espaço escolar.

Neste texto, modismo será entendidocomo mudanças súbitas, injustificáveis deprática e referências teóricas da educação,apoiadas em critérios de validade nem sem-pre suficientemente explorados teórico epraticamente. Por ser um fenômeno com-plexo, que se manifesta num conjunto deatitudes, idéias e práticas, é necessário maisque a descrição e o detalhamento; faz-senecessário buscar os elementos tanto deordem mais geral quanto os mais profun-dos que se ocultam sob esta rotulação.

Na consideração da tensão entre osdiversos fatores e atores envolvidos nasnovidades da educação escolar, no seusentido mais amplo, pode-se admitir doispressupostos amplos e complementares:1) nem todas as distorções presentes nomeio educacional provêm exclusivamen-te das más intenções e interpretações do-centes ou que são originárias somente desuas cabeças; 2) nem todas as distorçõesencontradas no interior dos espaços es-colares resultam única e exclusivamentede influências externas ao ato pedagógi-co. Esses pressupostos, na opinião deBalzan (1985, p. 89), constituem um para-doxo, em que

Nossos problemas são sentidos em salade aula, mas suas soluções não podemser pensadas exclusivamente a este ní-vel, não podem ser circunscritas ao pro-cesso de ensino e aprendizagem e nemmesmo ser passíveis de solução, se en-tendidas no âmbito exclusivo da áreaeducacional. Trata-se de um paradoxo:"nós os detectamos a nível de sala deaula, que podemos agir. Porém nossaação somente terá sentido se entender-mos que eles não estão exatamente aqui".Aprender este paradoxo me parece ser acondição primeira para a superação doatual estado de coisas (grifos do autor).

Entre os extremos do paradoxo, lo-caliza-se, de um lado, a competência ne-cessária e a responsabilidade política as-sumida pelo educador, que agindo den-tro de um espaço social, trabalha dentrode uma ordem social, podendo confor-mar-se e submeter-se, reproduzindo-a,ou, ao contrário, trabalhando para a suamudança; de outro, as agências gestorasda educação e formadoras dos educado-res possuem responsabilidades que não

podem ser simplesmente transferidaspara os professores. Se o primeiro pres-suposto estabelece créditos aos profes-sores, quando leva em consideração ascondições adversas de trabalho e a (in/de)formação recebida, o segundo, aoafirmar que a prática pedagógica não éhermética e nem imune às influências ex-ternas à educação, cobra do educadorresponsabilidade no desempenho de ati-vidades específicas e necessárias ante oseducandos.

Na discussão do tema, foi difícil filtraras fontes a partir de um campo teórico es-pecífico. Por isso, o desafio reflexivo que nospropomos passa pela análise de materiaisheterogêneos, procurando sistematizar es-sas alusões diversas, buscando a lógicaimplícita nessas denúncias, compreenden-do alguns dos meandros que subsidiamatitudes e práticas que redundam na confi-guração dos modismos. Ao descrevermosos males presentes nos modismos peda-gógicos, temos a consciência de que elesse inscrevem dentro de uma prática cultu-ral onde os professores, apesar de sentirem,nem sempre possuem o conhecimento detodas as variáveis intervenientes. Não bas-ta negar a moda, ou criticar seus aspectosmais aparentes, atacando os professores;é necessário proceder uma análise quepossibilite o desmonte e sua superação.

A superação trabalharia no sentido defazer o educador canalizar energias, com-preender o significado presente nessa apa-rente volatilidade como portadora de, numprimeiro plano, um clima favorável e aber-to às inovações. A caminhada do educa-dor acometido pelo modismo partiria deuma atitude dominada por fatores afetivose voluntariosos em direção de uma atitudemais objetiva, apoiada nos dados disponí-veis nas ciências da educação, possibili-tando a compreensão dos objetivos daeducação, da escola e do papel do pró-prio professor. Com isso, resguardam-seos professores do ataque desqualificantepromovido por se portarem de maneiraheterodoxa e eclética diante das formula-ções teóricas. Ao mesmo tempo, afirma-se a necessidade de um tempo e de umespaço de ação que possibilitem o estu-do, a reflexão e a pesquisa; uma formaçãoconsistente que compreenda o profissio-nal da educação como sujeito autônomocapaz de implementar uma prática lúcidacomprometida. Isso tudo sem deixar deconsiderar as condições objetivas de tra-balho, de salário, respeito profissional, etc.

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Estabelecendo contornos

Analisar os modismos pedagógicoscomo um fenômeno inscrito dentro deuma prática cultural significa levantar osvalores que perpassam essa cultura. Talprática cultural apóia-se nos valores domercado onde, para ela, os valores pre-dominantes são o do consumo e do ofe-recimento de serviços. Para o mercado,as relações sociais se desenrolam na pers-pectiva do prestador de serviço e cliente,tendo como metas a satisfação do clientee o lucro do prestador do serviço. Pelaorigem histórica e princípios filosóficos, asmetas perseguidas pelos ideais educa-tivos professados, a relação educativa eformativa se desenvolve dentro de objeti-vos diferentes.

A seguir, passaremos a analisar a for-ma como se processa essa prática culturala partir da ótica do consumo descrita porBaudrillard. Para ele, "todo o discurso (...)acerca do consumo articula-se na seqüên-cia mitológica de um conto: um Homem édotado de necessidades que o impelempara objetos, fontes de sua satisfação"(Baudrillard, 1991, p. 68; grifos do autor).O seu desejo é insaciável por estar funda-do na lógica social do inconsciente, da ca-rência. Este desejo é insolúvel para sem-pre, promovendo fuga para frente e a re-novação ilimitada das necessidades.

A mentalidade de consumo (...) permitearriscar a seguinte comparação: é o pen-samento mágico que governa o consu-mo, é uma mentalidade sensível aomiraculoso que rege a vida quotidiana, éa mentalidade primitiva (...) definida comobaseada na crença na omnipotência dospensamentos.As necessidades visam mais aos valo-res que aos objetos e a sua satisfaçãopossui em primeiro lugar o sentido deuma adesão a tais valores. A escolhafundamental, inconsciente e automáticado consumidor é aceitar o estilo de vidade determinada sociedade particular(Baudrillard, 1991, p. 21, 69-70; grifosdo autor).

O milagre possibilitado pela multi-plicidade de signos possibilita ao consu-midor a exclusão maximal do mundo real,social e histórico, tendendo para a felici-dade, eliminando tensões, angústias esacrifícios.

A moda, como um dos elementosmais proeminentes da sociedade de con-sumo, instala-se principalmente com oauxílio da propaganda especializada empressionar e criar necessidade de con-sumir-se um determinado produto. Nasua consecução, todo o aparelho econô-mico e psicossociológico de estudos demercado e de motivações são mobiliza-dos para fazer reinar no mercado a pro-

cura real e para criar ou seadequar às neces-

sidades profun-das do consumi-dor. As necessi-dades criadassão tanto maiseficientes quantomais se encaixa-rem nas lacunas

pessoais e estere-ótipos sociais. Quan-

to mais naturais pare-cerem, mais facilmente

conquistarão a adesãoe o apoio das pessoas.

Dessa maneira, controla-seo comportamento do merca-

do, dirigindo e configurando asatitudes sociais e necessidades

pessoais.Esta situação pode ser descrita de

forma mais sucinta, ainda nas palavrasde Baudrillard (1991, p. 60), ao afirmarque:

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Nunca se consome o objeto em si (noseu valor de uso) – os objetos (no senti-do lato), manipulam-se sempre como sig-nos que distinguem o indivíduo, querfiliando-o no próprio grupo tomado comoreferência ideal, quer demarcando-o dorespectivo grupo por referência a um gru-po de estatuto superior. (...) Cada indiví-duo vive os lucros sociais diferenciaiscomo lucros absolutos e não o constran-gimento estrutural que está na origem dapermuta das posições e da pertinênciade ordem das diferenças.

A contradição e o embuste estão naimpressão de o produto harmonizar-secom as necessidades do indivíduo, encai-xar-se na fome psíquica e responder àsnecessidades mais secretas de ser moder-no, atualizado, bem-sucedido, etc. "O quese é" ou "o que se pensa" desloca-se parasegundo plano; o que importa é "parecer"ou "ter a posse da novidade", mesmo queo produto seja uma "prótese cerebral" enão tenha nada a ver com evolução men-tal. Na moda, o critério de validade éextrínseco e coercivo e, apesar da mistifi-cação das promessas do preenchimentodas lacunas individuais, da liberdade e dasoberania, busca-se outro objetivo não-revelado. Esses valores prometidos nãopassam de mistificação – o que se quer,normalmente, é a venda do produto.

Neste contexto de manipulação cíni-ca do inconsciente, restam ao indivíduoa decepção e o vazio não-preenchidospelas promessas que lhe pareciam tão efi-cazes e ajustadas às suas necessidades.Decepcionado, sem perspectiva e orien-tação pessoal, torna-se presa fácil de umanova proposta/aposta de um novo pro-duto, jogando para frente mais uma vezas reais possibilidades de crescimentopessoal, da busca de um significado paraa sua vida. Dessa forma, o indivíduo vaisendo empacotado, enrolado como osprodutos – valores e signos vazios – queadquire sem, entretanto, responder às ne-cessidades intrínsecas que são de outranatureza.

A relação moda-consumo com osmodos de produção e de venda é um dosfatores que possui grande influência naestruturação da sociedade como um todoe suas ligações são pouco transparentes.Baudrillard (1991, p. 180) ainda afirma que:

Entrar no ciclo do consumo e da modanão é apenas rodear-se de objetos e ser-viços a seu bel-prazer, é mudar de ser e

de determinação. É passar de um princí-pio de autonomia – o caráter, o valor dopróprio eu – para um princípio de reci-clagem perpétua pela indexação numcódigo em que o valor do indivíduo se fazracional desmultiplicado e mutável: é o có-digo da "personalização", de que nenhumindivíduo em si é depositário, mas queatravessa cada indivíduo na sua relaçãocom significados outros.

Nos mais diferentes campos de saber,encontramos reflexões combatendo modis-mos. Nas neurociências, por exemplo, DelNero (1997, p. 17 e 450) denuncia "osaproveitadores que, sob o rótulo de 'cientí-fico', vendem idéias parciais e erradas (...)beneficiando-se da ingenuidade" e "da mácapacitação cognitiva (...) [dos indivíduos](...) para ludibriá-los com supostas curasquando, na verdade, oferecem apenasemplastros". Por isso, mais do que a deli-mitação de um campo teórico, o que unetais informações é o problema, as suasmanifestações e o ambiente propício oucriado para a implantação dessas idéiassob o rótulo de científicas e modernas.

Ainda para Del Nero (1997, p. 451),

... a garantia de que não nos tornemos(...) desejantes do último lançamento (...)é associarmos à liberdade, ao respeito eà opinião, como valores máximos, umaformação sólida de valores, conhecimen-to, mundo interior, atividade racional e es-trutura clara de deveres.

A formação de professores, apesar delevantar-se como grande esperança dosavanços educacionais, por vezes, além dorazoável, ainda não consegue abarcar osatributos levantados nestes comentários.

No meio educacional, são comuns asperspectivas evolucionistas lineares deanálise (Puiggrós, 1997) e historicista,onde sempre o momento presente é su-perior ao do passado, graças aos teóri-cos iluminados do presente que o cons-troem. Sobre essa mentalidade, Garcia(1996, p. 37) chama a atenção que "a lite-ratura educacional no país enfatiza o fra-casso das concepções passadas e damaioria dos planos de desenvolvimento".Mais adiante (idem, ibidem, p. 40), conti-nua: "o sistema educativo, vez por outra,é tomado de assalto por milagreiros quepropõem desde computadores para alfa-betização até campanha para 'erradicaçãodo analfabetismo' sem nenhum compro-misso maior de compatibilizar meios ade-quados para os fins que anunciam".

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Muito interessante é o estudo de Cunha(1995) que, ao retornar às fontes históricaspara analisar os escritos de Fernando deAzevedo e Anísio Teixeira, entre outros domovimento da Escola Nova, conclui o quan-to é inadequado, insuficiente e superficialo rótulo de psicologismo ao pensamentoescolanovista. Sob a lente de seus profes-sores, que citam a classificação das con-cepções pedagógicas, os acadêmicoslêem muitas vezes aqueles atores da edu-cação brasileira como responsáveis peloatraso, individualismo e psicologismo daeducação. Transformam-se, em suma, nopó da educação. É claro que o mais mo-derno e mais avançado passa a ser a idéiacontemporânea, da qual estes acadêmicossão os seus melhores representantes. Oseducadores que não provarem essepedigree teórico terão poucas chances emmuitos foros educacionais.

Quem tem ousadia suficiente para ci-tar, discutir e contextualizar algumas dasidéias desses professores, ou se são elesos responsáveis pelas práticas enviesadasdos atuais profissionais em educação?

Costa (1997, p. 208), na introduçãode um artigo que faz uma crítica da análi-se economicista da educação, lista algunspontos negativos marcantes nos modis-mos que servem de ponte para as discus-sões da seção seguinte:

– sua aceitação muito fácil e muito rápi-da pela maioria dos especialistas de suaárea, que muitas vezes sequer conhecembem a teoria que os suporta e que, cer-tamente, não a colocaram sob o crivo deuma análise mais crítica cuidadosa, an-tes de esposarem-nos;– o uso de um jargão novo, que serve,principalmente, para agrupar os iniciadosem torno de algumas palavras-chave, for-mando "igrejinhas" fechadas e segregan-do-os dos que ainda resistem a aceitaros novos dogmas;– o entusiasmo com que os modismossão recebidos nos círculos que os acei-tam e as enormes e exageradas espe-ranças que neles depositam seus segui-dores;– a generalização do emprego de seusconceitos principais, fazendo com queeles passem a ser uma espécie de pana-céia ou "Maravilha Curativa", remédio deuso universal, eficiente para quaisquer ti-pos de contusões;– a sua defesa, feita por seus adeptoscom um misto de fé e fervor religioso, em

lugar de argumentos científicos ou lógi-cos, o que os transforma numa espéciede sacerdotes de uma nova religião;– o proselitismo, que leva cada um de seusdefensores a se comportar como um após-tolo caçador de filiações para a causa; e– a repulsa de seus adeptos fervorososcontra os que só aceitam parcialmenteou os que simplesmente não aceitam ea verdadeira fúria com os que investemcontra esses.

Assim que passam os modismos, "osintelectuais sérios podem juntar os cacosque sobraram de sua destruição e, muitasvezes, reabilitar aspectos realmente impor-tantes das teorias que os suportavam, que,provavelmente, ainda permanecerão vigo-rando por longos períodos".

Por isso muitas teorias retornam a dis-cussão, não apenas pelo relançamento ounecessidade de renovação da moda, masporque muitas pessoas e grupos de pes-quisadores vão além do capricho pessoalou da coerção do meio social em momen-tos que estava fora de moda estudar cer-tos aspectos teóricos. São pesquisadoresdedicados que continuaram os seus traba-lhos de investigação, fazem escola, formamdiscípulos – atingindo maturidade, consis-tência teórica e ultrapassando o fenôme-no sensível de massa. Por isso voltam commaior vigor e profundidade. A retomada dadiscussão de um marco teórico no univer-so escolar por certo contém uma dose defenômeno cultural coercitivo, mas não épossível ignorar a existência de pessoasque continuam trabalhando com afinco,avançando no sentido de iluminar a práti-ca escolar, ultrapassando os efeitos dassazonalidades teóricas.

Na condição de quem está preocu-pado com o crescimento profissional doseducadores e busca entender o porquêde determinadas posições, podemos per-guntar: qual é a lógica interna do profes-sor que sobrevive nas suas funções, apoi-ado nos modismos pedagógicos, e quaissão os germes, os potenciais reais decrescimento, os desequilíbrios que pode-remos extrair para conduzi-lo a uma práti-ca pedagógica mais efetiva? Por que aspossibilidades de mudanças são avalia-das como exteriores ao seu fazer peda-gógico? Por que o professor não é capazde assumir uma atitude crítica?

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Destacando alguns contextos

Uma vez percorridos os caminhos emque se esclareceu a origem e abordagemda temática, passamos pela análise da prá-tica cultural do consumo. Discutiremos aformação do artista/professor ante os con-textos de mudanças teóricas e de políticaseducacionais.

Retomando o significado da arte apon-tado por Fromm (1995, p. 17), transpondoe adaptando para a arte de compreender anovidade, podem ser destacadas, na for-mação docente, três esferas que interagemno desenvolvimento desta arte. Vamosconsiderá-las como esfera teórica, esferaprática e esfera política. Começaremos adiscussão pela esfera política das políticaspara educação ou, no dizer de Fromm,aquilo que se constitui como a "extremapreocupação", onde "nada existe de maisimportante" do que a sua execução.

Tomemos, como exemplo, a nova Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal (LDB). Apesar de ser uma discussãoque tenha durado quase duas décadas,ficou no ar a sensação de que essa dis-cussão não esteve próxima da ampla mai-oria dos professores que estão trabalhan-do no ensino fundamental, médio e supe-rior. Uma vez aprovada com uma série decríticas e restrições, deu-se início ao pro-cesso de implantação a partir dos Parâ-metros Curriculares Nacionais (PCNs),avaliações e medidas similares. Para oprofessor que está em sala de aula, atoladoem carga horária e que recebeu uma for-mação que se choca com muitos dos ele-mentos apontados – como, por exemplo,"interdisciplinaridade", "temas transver-sais", "provão", dentre outros – estas dis-cussões inserem-se num terreno absolu-tamente distante e alheio a ele.

Objetivamente, esse preceito legal criauma demanda de estudos, reuniões, etc.que conseguem, nas atuais condições detrabalho, carga horária, salário, etc., sensi-bilizar, no máximo, o grupo dirigente econtrolador das políticas e práticas educa-cionais. Qual educador amarrado a um vín-culo empregatício de sobrevivência e sub-serviência assumirá tal princípio? Com cer-teza, vários professores passam a escre-ver muitos dos termos acima citados emseus planos de trabalho e nas discussõescom os colegas, mas o que efetivamentefazem em sala de aula poderá ter muitopouco a ver com a dita interdisciplinaridade(Lenoir, Larose, 1998).

Mesmo assim, muitos professores fa-zem um esforço sincero, têm idéias criativase conseguem avanços de natureza intuitivaem suas práticas, ainda que a despeito deuma reflexão teórica mais consistente (Fa-zenda, 1999). Se esta é uma questão que,do ponto de vista acadêmico, já suscita mui-tas discussões e controvérsias, é possívelimaginar as mais diferentes interpretaçõespelas quais esta sugestão ou imposição le-gal passará no decurso dos próximos anos.A pergunta que se faz é: como implementarpráticas e metodologias de ensino que pas-sem pela interdisciplinaridade, mantendo-seas atuais condições de trabalho docente?

Como situação proveniente da esferapolítica que tem como alvo a prática do-cente, esta implantação não pode prescin-dir de discussões teóricas que possibilitema compreensão de sua importância naspráticas escolares. Se politicamente dese-ja-se com extrema preocupação, não exis-tindo nada de mais importante do que asua execução, há de se considerar as con-dições materiais de sua implantação. Casocontrário, cai-se na ilusão de que bastamos cursos, os treinamentos e as avaliaçõese outras formas de pressão para a suaimplementação.

Neste caso, as mudanças esperadaspelas políticas públicas – umas mais explí-citas, outras menos – não acontecem pelaausência de condições práticas. Na ilusãoprepotente de que basta o treinamento,acusa-se o professor de não aplicar ou di-gerir competentemente o remédio receita-do. Não se trata de atacar e ridicularizar osprofessores sacrificados e anônimos que,sob pressão do contexto escolar, esperamencontrar uma saída, uma resposta às suasindagações e aos seus problemas. Agirdessa forma é culpar, desautorizar edesqualificar os professores por algo quenão depende diretamente e somente de-les. Há que se responsabilizar, sim, oslançadores de facilidades que exploram oufingem ignorar as carências dos educado-res e da educação para promoverem em-plastros e/ou produtos de consumo para aeducação.

Os responsáveis por tais políticas nãoestão muito longe da prática dos guruslançadores de moda que investigam commuita competência as necessidades maisrecônditas dos consumidores. No univer-so educacional – guardadas as devidasproporções e intencionalidade – temostambém situações e promotores de modas

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que exploram as carências dos professo-res, vendendo livros, conferências, cursos,projetos, etc. É contra esses fabricantesde facilidades e de soluções salvadorasque devemos estar alerta.

Há que se considerar também,como integrante do campo político, osmovimentos de forças existentes no in-terior da própria categoria, como cor-poração social, organização sindical,entre outros, que influem tanto nas to-madas de posições, enquanto catego-ria, quanto de práticas individuais. Aocontrário do que parece, não se trata deum campo social homogêneo, disformeou consensual. No espaço escolar exis-te uma verdadeira rede de produção desentidos em relação ao trabalho, docen-tes, práticas escolares e sociais. Nessarede de relações, estão constantementeem disputas concepções e forças políti-cas e ideológicas associadas ou não aoconjunto dos movimentos sociais.

Do ponto de vista da formação docen-te, tem significado político especial a opo-sição entre formação e trabalho que seexpressa dentro das licenciaturas na se-paração entre teoria e prática, tal comooperário separado dos meios de produ-ção, da cultura e da sociedade civil. Porisso, avançar em termos concretos nesseterreno pode significar também uma me-lhor preparação política dos educadorescomo categoria social. Tal como vem sen-do denunciada nas pesquisas (Maldaner,Schnetzler, 1998; Silva, 1997), a formaçãodocente tem contribuído para a alienaçãoe exploração profissional dos formadosnos cursos de licenciaturas.

Considerando os rumos seguidospelas políticas educacionais, os professo-res tiveram pouco espaço para expressare fazer valer suas vontades políticas. Asmanifestações mais expressivas são pormeio de intérpretes, formas variadas deresistências ou por escamoteamento deposições reais.

Considerar a esfera das práticas do-centes, interagindo com a esfera teórica ea esfera política é buscar elementos dediscussão e confronto a partir do enfoquehistoricamente mais descuidado na forma-ção docente. Considerar o campo práticocomo constitutivo da formação docente eintegrado a outras esferas formativas sig-nifica considerar as esferas da formaçãodocente como o aprofundamento teóricodessas práticas e também das práticas

que questionam e crivam teorias e políti-cas. A ótica da racionalidade técnica sem-pre rechaçou a consideração desse cam-po, pois esses saberes, do ponto de vistade um estatuto epistemológico, se consti-tui um problema com desdobramentos nãotão fáceis de se justificar.

Se no campo da prática pedagógicaemerge um comportamento mutante, estecomportamento pode muito bem refletir umdesejo sincero de mudança, expresso demaneira sensível pela insatisfação e pelapercepção genérica de que as coisas comose apresentam não estão bem. Esse mal-estar geral pode estar aliado ao imperativode consciência de que é preciso fazer algo,mesmo que não se saiba ao certo ainda oquê e como fazê-lo.

Apesar da adversidade e da aridezdesgastante que caracteriza a rotina peda-gógica deste proletarizado professor(Mafra, 1998), encontramos um bom nú-mero de docentes que emergem, em de-terminados momentos, pela tomada deconsciência, questionando-se sobre o atoeducativo e buscando solucionar os pro-blemas, mesmo que não muito claramen-te definidos. Apesar de o problema serapenas percebido na sua periferia, pelossintomas, sem ser compreendido e pen-sado como tal, se constata que, mesmonestas condições, muitos professores,mais por intuição do que por conhecimen-to, ainda conseguem ultrapassar a valacomum da mediocridade e executam umaprática pedagógica diferenciada, funda-mentada em princípios educacionais.

Isso por si só já abre a possibilidadeda investigação. Essa lógica da ação, mes-mo que envolta em posições teóricas pou-co consistentes ou na onda de uma novida-de teórica, pode favorecer o surgimento denovas posições práticas, pois, como afirmaCosta (1990, p. 369), "de um lado o modis-mo exerce um papel positivo, na medidaem que enfatiza certas posições e idéias,de outro, ele inibe ou dificulta uma posturamais profunda do problema em discussão"pela carência de aprofundamento teórico oude um confronto mais sério com a prática.

O mecanismo de pressão e da novida-de motiva e induz o comportamento, masnão garante, na mesma proporção, o pen-samento e a compreensão em profundida-de dos problemas que se tem. É difícil umproblema percebido no nível superficial serresolvido de forma consistente sem oenvolvimento do professor em todos os seus

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níveis de consciência. Para mudar é neces-sário buscar as raízes, pois nenhuma trans-formação substantiva em educação pres-cinde do envolvimento pessoal dos educa-dores. De acordo com Bachelard (1996), énecessário passar por uma psicanálise dosobstáculos que emperram uma melhorcompreensão teórica e prática.

De alguma forma, o mal-estar geradofunciona como incentivo à mudança e ainiciativas de cunho intuitivo. Na busca ouna ânsia de sair do sufoco, mas sem umrumo certo, o professor pode agarrar-se àprimeira tábua de salvação e/ou legitimaçãoque se apresente mais atraente ou quedemande menos esforço. Mesmo assim,por questão de incompreensão, de tempodisponível e de economia de energia, aca-ba por não assumi-la integralmente e deforma consciente.

Ao serem confrontados os dois pres-supostos pontuados na introdução do arti-go, analisando a complementaridade ne-cessária entre análises internas e externasda educação, com o fracasso escolar, éoportuno também, como afirmam Carraher,

Carraher e Schliemann (1991), pensarmosa escola a partir da sala de aula, assumindoo fracasso da escola em si, a partir das prá-ticas escolares. Devemos discutir a escolae o seu fracasso de dentro para fora, pois éna sala de aula que se decide e se concre-tiza o sucesso ou o fracasso do aluno. Istonão significa que os fatores externos nãoinfluenciem ou condicionem os resultadosdos alunos; significa, isto sim, que, isolada-mente, eles explicam apenas parte do fra-casso. Assim entendida, a evasão e arepetência não são somente resultantes,entre outras causas, do fracasso dos indiví-duos/alunos ou de classes sociais ou daeconomia, mas resultam também do fracas-so da escola e de seu projeto pedagógico.

Ao analisar os pensamentos dos pro-fessores em relação às diferenças, Rego(1998, p. 70) afirma que os professores seencontram "imersos em uma rede de infor-mações teóricas de senso comum" e apon-ta que "a formação eclética parece acarre-tar certo amadorismo, uma tendência dereproduzir (ou rejeitar) o modelo fornecidopor antigos professores, tendo como pres-suposto sua intuição ou o senso comum"(idem, ibidem, p. 53).

Tal conclusão se aproxima das infor-mações que foram coletadas por Rosso eEtges (1999) com 115 professores sobreo conceito de educação. As informaçõesindicam que não existe uma diferença sig-nificativa no conceito de educação entreos formados em áreas de Ciências Huma-nas, como Pedagogia e História, porexemplo, em oposição aos da Área deCiências e Matemática. Os autores che-gam à conclusão de que as disciplinaspedagógicas influem muito pouco na ex-pressão um conceito mais preciso sobreeducação por parte dos professores.Quem está dirigindo a formação do con-ceito de educação é o senso comum pe-dagógico povoado de discursos das maisdiferentes ordens.

Conclui-se existir um hiato entre a es-fera teórica com a prática, inadequação dereferenciais teóricos com o contexto daspráticas escolares, sobreposição de deter-minado campo teórico sobre os demais efundamentos teóricos insuficientementeaprofundados porque estão dissociados dapesquisa. Toda vez que se pretende sobre-por um elemento de abordagem sobre osdemais elementos da formação dos pro-fessores, acaba-se criando um "remédio"com um espectro de cura mais amplo do

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que realmente é capaz de atingir. A edu-cação e a formação de educadores resul-ta de um esforço interdisciplinar, de cadaciência bem fundada, de todas as ciênci-as que têm contribuição a prestar. É, nomínimo, pretensiosa a situação em queuma única abordagem tenta se sobreporàs demais. Quando se trata de um fenô-meno complexo e multideterminado, umaabordagem exclusiva não consegue darconta de contemplá-lo em sua totalidade.

Apesar das metas confessadas pelaeducação serem radicalmente diferentes dosistema de produção-consumo, o universoescolar funciona dentro dele e tem suascondições objetivas moldadas pelo sistema.Se a escola trabalhar de maneira alienadaou exclusivista, fracionando conhecimentose a compreensão de si própria, sem consi-derar a "multidimensionalidade do proces-so" educativo (Candau, 1985, p. 21), estarásomente a serviço deste mesmo sistema.

A doutrinação proveniente dos falsosvalores ou de valores superficialmente dis-cutidos reforça o ciclo de dependência edesvia a ação docente dos seus fins.Quem ganha com essa prática são os queda moda se beneficiam. Dessa prática seesperam os piores resultados e o máximoque se consegue é transformar as pesso-as sofridas e com uma formação inade-quada em subordinadas e dependentes,ou avessas e impermeáveis a qualquerinovação.

Estrategicamente, para se livrarem derotulações que consideram os professo-res como "algozes incompetentes" (Silva,1997), assume-se em público e entre oscolegas "ares de", e o que realmente acon-tece entre as quatro paredes da sala deaula não interessa. Se politicamente sãoinúmeras as práticas que sistematicamen-te desqualificam os docentes, assumir"ares de" camufla a mediocridade peda-gógica. Associada à indiferença social e àdefesa muitas vezes incondicional doscolegas e superiores feita em nome dobom andamento da escola, esta posturaesconde o que acontece em sala de aula.Nestas situações, o discurso dito "progres-sista" é legitimado/negado/distorcido poruma prática pedagógica contraditória edesencontrada.

Por isso, no que se refere à atuaçãodos professores, torna-se previsível saberpor que os educadores constantementemudam ou simulam mudar a direção e osobjetivos/intenções educacionais; por que

os educadores assumem com certa facili-dade um discurso pedagógico progressis-ta, mas mantêm-se presos a práticaseducativas tradicionais; por que algunsprofessores fazem questão de se apresen-tar e parecerem modernos, simulando co-nhecer e aplicar determinadas teorias,quando suas práticas reais estão longedesses modelos teóricos confessados.

Dentro do contexto das práticas cultu-rais e da pressão, nada incomoda mais es-ses professores do que o fato de não con-seguirem se encaixar numa rotulação emvoga. De forma alguma querem parecerultrapassados e receber o rótulo de conser-vadores, alienados, antiquados, etc. Isso vaicontra tudo o que se acreditou ser nos últi-mos tempos o ideal do trabalho educativoda chamada teoria histórico-crítica. O fatode se estar na crista da onda pedagógica –ainda que surfando sobre detalhes caren-tes de significado ou marcados por umenfoque exclusivista e distorcido – torna-se,aos olhos dos incautos, sinal de uma situa-ção de elevado prestígio.

Considerações finais

Ante a vulnerabilidade que represen-ta o "ser professor", quando tudo pareceestar conspirando contra nós, reconhece-mos que o assumir-se como um educadornão é uma decisão das mais fáceis. O pon-to de indignação que levantamos contra amoda é a atitude tripudiante de se aprovei-tar justamente desta fragilidade/carência,depreciando e negando a participação e aautoconstrução dos sujeitos/agentes daeducação, buscando contabilizar dividen-dos tanto econômicos como político-ideo-lógicos, pressionando e buscando o con-senso dos educadores.

A vulnerabilidade dos professores anteas idéias e os conceitos superficiais – nemsempre suficientemente aprofundados ouque não foram desenvolvidos especifica-mente "no" e "para" o contexto educacional– pode estar associada a alguns fatorescomo os que listamos a seguir. Um primei-ro elemento seria as condições objetivas dostrabalhadores da educação que os tornavulneráveis e presas fáceis de pressões dasmais diferentes ordens. A inconsistência daformação recebida seria o segundo elemen-to. Esta inconsistência não possibilita aoeducador desenvolver e construir os instru-mentos de análise e crítica necessários para

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o julgamento e a apreciação de inovaçõesnem sempre propostas, algumas vezessugeridas e, muitas vezes, impostas. Naconfluência dos dois fatores anteriores, lo-caliza-se o significado social da profissãodocente que contribui para a difusão de queo trabalho docente é uma tarefa fácil e qual-quer um pode executá-la (Maldaner,Schnetzler, 1998) e que aqueles que sabemuma coisa sabem também para ensiná-la(Apel, 1994). Como um quarto elemento,de ordem mais geral, o comportamento dosintelectuais, que são influenciados por nu-merosos fatores que agem na cultura e nasociedade de seu tempo. "Esses fatores vãodesde as visões de mundo e ideologias atéàs forças econômicas e à tecnologia, pas-sando pelos sistemas de patrocínio e deeducação" (Kneller, 1980, p. 205). Nesteponto, as leis que regem os comportamen-tos dos cientistas não diferem muito dasde quaisquer outros grupos sociais (Latour,Woolgar, 1997).

Com uma formação que não favore-ceu o desenvolvimento conveniente e ne-cessário na arte de ser educador, o con-junto desses fatores favorece que se re-corra aos elementos da representaçãosocial que enfatizam não somente os ele-mentos de pressão comportamental, mastambém as formas de resistência. O pro-cesso de incorporação das novidadesnão se estabelece linearmente. Por isso,o modismo deixa de ser considerado comuma simples manipulação externa e ne-cessita considerar, na análise, as elabo-rações dos sujeitos e grupos que, de for-ma mais ativa ou não, se colocam anteas pressões e as novidades de naturezateórica, onde o escamoteamento é ape-nas uma das possibilidades (Sá, 1995).

No modismo, o professor muitas vezespossui um desejo real de mudar, mas inge-nuamente acredita que uma única ciência,uma única abordagem teórica, uma teoriasuperficial ou mal compreendida poderá re-solver os problemas complexos e multideter-minados como os da educação. Visõesreducionistas e estreitas – que simplificam ocomplexo e tomam a parte pelo todo – con-duzem, quando muito, a aproximaçõesdistorcidas, inócuas e enganadoras.

Esperamos ter demonstrado que asnovidades teóricas se constituem modis-mos quando atuam na exterioridade dosproblemas do contexto educativo, facilitan-do apenas a mudança dos discursos, sem

mudarem, na mesma proporção, os resul-tados e os procedimentos pedagógicos.Para que a proposição de uma inovaçãoeducacional não caia no modismo, faz-senecessário demarcar tanto as suas possi-bilidades quanto seus limites, bem comoas suas implicações quando o educadorbusca implementá-la. Sem esses cuidados,todo o esforço teórico pode cair no vazio.

Se, de um lado, o trabalho formativoexige uma permanente vigilância, de outro,devemos trabalhar para que os educado-res possam compreender a problemáticaeducativa dentro de sua complexidade, reu-nindo forças e se organizando na busca deuma prática coerente com os objetivos daeducação, sem perder a dimensão e a na-tureza da mesma. O trabalho formativo de-veria visar ao desenvolvimento de "anticor-pos" contra idéias infundadas e simplistas,criando um sistema de alerta permanente,capaz de detectar e imobilizar o ataque dosmais variados tipos de "vírus".

Ao discutirmos a interação dos cam-pos constitutivos do desenvolvimento daarte de compreender as inovações, procu-ramos defender que os projetos de forma-ção docente devem ser fundamentadosnos princípios das ciências da educação ecada vez mais orientados para a práticaeducativa. Não apenas como uma vonta-de de governo ou de qualquer grupo depoder, mas contando com a participaçãoefetiva dos educadores a partir da elabo-ração das propostas.

Do viés temporal entende-se que, en-tre a atitude que busca novos caminhos ouaquela que permanece nos caminhos co-nhecidos, existem caminhos intermediários.A simples e pura oposição entre passado/velho e futuro/novo nos mantêm parados,leva-nos ao caos ou a lugar nenhum. O ver-dadeiro objetivo da educação é conduzir ecompletar pessoas situadas geográfica ehistoricamente, não o de tirá-las da estradapelas mais diferentes formas de atropela-mento ou deixar que fiquem presas, espe-rando um milagre que as ponha em mar-cha. Como não existem milagres nemmilagreiros, resta-nos a difícil e desafiantearte de nos equilibrar dentro do conflito, di-alogando e construindo caminhos alternati-vos, sem nos refugiar no futuro, que existeapenas virtualmente, ou cristalizar e idola-trar o passado.

É no presente, encruzilhada dos ca-minhos passados e futuros, entre rotinas,

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novidades e demandas concretas que de-vemos nos posicionar e construir dialéticae dialogicamente novas alternativas. A men-talidade que rejeita estudar o passado ou

que o estuda com as viseiras de gurus é agrande adversária da compreensão do pre-sente e dos esforços que empreendemospara tentar mudar a escola atual.

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Recebido em 26 de fevereiro de 2001.

Ademir José Rosso, doutor em Educação (Ensino de Ciências Exatas e Naturais)pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é professor do Departamento deMétodos e Técnicas de Ensino da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Núbio Delanne Ferraz Mafra, mestre em Educação pela Universidade FederalFluminense (UFF), é professor do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas daUniversidade Estadual de Londrina (UEL).

Abstract

This paper discusses the problem identified as fashion in the educational context. Indiscussing the theme, one tries to establish the phenomenon contour, its explicitnesswith some examples of its occurrence in school context. The fundamental concern is toassociate the theme with teacher education and teaching practice, seeking thedevelopment of an attitude of research of what is really significant in education.

Keywords: teacher's formation; educational innovations; education.

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ESTUDOS

Ana Lúcia EduardoFarah Valente

Palavras-chave: diferenças;processos dehomogeneização econômica;capitalismo.

Quando as diferenças são um “problema”?

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Reflete sobre os momentosem que a diferença aparece comoum "problema", partindo da tesede que essa questão pareceassumir um papel de destaquenas estratégias de resistência, naocorrência de processos dehomogeneização econômica docapitalismo. Da análise de algunsfatos históricos, constata-se quequatro grandes "crises", nasdécadas de 30, 50, 70 e 90 doséculo 20, tornaram visíveismovimentos de reivindicação dediferenças culturais. Suaproblematização coincide com aemergência de propostas deintegração homogeneizadora, queprocuram suprimir ou manteressas diferenças sob controle, deforma a não colocar em risco oseu projeto. A regularidadereconhecida na emergênciadessas "crises" afina-se com aformulação de Mandel sobre as"ondas longas", inevitáveis e decaráter cíclico, por derivarem deleis internas do modo deprodução capitalista.

Introdução

Ao resenharmos o livro O jogo dasdiferenças: o multiculturalismo e seus con-textos (Gonçalves, Silva, 1998), questio-namos a propriedade do emprego da pa-lavra "multiculturalismo" para designar a

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experiência brasileira com o tratamento dotema da diversidade cultural no campo daeducação.

Com base nos argumentos de que:a) a reivindicação do respeito à dife-

rença cultural no Brasil historicamentepartiu de grupos sobre os quais se im-pôs o universalismo europeu, isto é, ín-dios e negros;

b) a luta desses grupos étnicos ganhasignificado enquanto relação opositora diantede outras singularidades, ou seja, diante deoutros grupos étnicos que advogam ahegemonia sobre os demais, com base eminteresses políticos e econômicos;

c) a educação estrutura-se para legiti-mar uma organização sociocultural marca-da pela contradição e que, por isso, abre apossibilidade de sua negação; e

d) a diferença cultural é condição e mar-ca necessária da humanidade em suainteração com o meio, mas aparece na his-tória marcada pela desigualdade, levantamosa seguinte questão: não seria pertinente pen-sar uma proposta educacional que contem-plasse o contraditório processo de criação/significação da diversidade cultural para umaeducação igualitária ou para a cidadaniaparitária? Uma proposta que tivesse, sobre-tudo, o compromisso de desvelar os usossociais dos conhecimentos transmitidos que,como criações humanas, são passíveis deserem transformados?

Como disse, restaria encontrar o ter-mo ou os termos mais apropriados paranomear esse processo, sem cair em redun-dâncias ou tautologias e sem aderir "àsnovas manias recém-importadas pelas eli-tes na sua eterna e volúvel trajetória demodernização conservadora no País", pro-curando, assim, desorganizar "o consen-so em torno das idéias hoje hegemônicas"(Haddad, 1998, p. 12). Na verdade, menosdo que instaurar uma disputa apenas nocampo da linguagem, o maior desafio tal-vez seja refletir sobre os momentos em quea diferença aparece como um problema esobre a possibilidade de essa questão sermanipulada pelos grupos hegemônicos. Oresgate da historicidade desses momen-tos parece-nos uma condição fundamen-tal para a elaboração de estratégias maisconsistentes, que façam oposição efetiva,num quadro de correlação de forças políti-cas desiguais. Em outra ocasião, foramtraçadas as linhas gerais desses momen-tos e, considerando o grupo de trabalhoMovimentos Sociais e Educação um fórum

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importante de discussão, do qual tambémfazem parte os autores do livro resenha-do, parece-nos oportuno trazer à baila areflexão que vimos desenvolvendo, nacondição de antropóloga, para que suapertinência seja criticamente avaliada porestudiosos de outros campos do conhe-cimento interessados no tema. Certamen-te, uma interlocução proveitosa poderáaprimorar a análise, explorando aspectosobscuros e encaminhando a questão paraperspectivas ainda não contempladas.

Homogeneização global ereivindicação de identidades

plurais

Como se sabe, historicamente, o pro-blema central da Antropologia tem sido,de um lado, o de pensar a humanidadecomo uma coisa só, formada por seresque compartilham uma mesma e únicanatureza e, de outro, compreender e defi-nir essa natureza humana em relação àdiversidade sociocultural produzida comosua marca distintiva e necessária. Por isso,o movimento de homogeneização impli-cado na globalização, e que tem promo-vido, como reação, contramovimento, osurgimento de identidades plurais, levan-ta indagações e nos permite aventar a tesede uma relação intrínseca entre esses doismovimentos, a princípio, paradoxais.

Numa perspectiva mais abrangente,sabe-se que o processo de globalização éum fenômeno conhecido, que representao acirramento das contradições próprias docapitalismo em sua fase monopólica. Nomomento, ainda é difícil prever o des-dobramento desse processo que, no en-tanto, para ser compreendido, deve seranalisado historicamente, com os olhosvoltados para o passado. Entretanto, opresente que começa a moldar as previ-sões futuras traz também aos nossosolhos elementos e fatos novos, para no-vas reflexões. Admitindo-se a existênciade processos globais que transcendemos grupos, as classes sociais e as na-ções, ou seja, os processos definidospela forma de organização social, sabe-mos que atualmente o capitalismo se ar-ticula diferentemente. A constituição deblocos econômicos é expressão concre-ta dessa nova articulação.

Alguns estudiosos têm procurado cha-mar a atenção para o fato de que o processode constituição de blocos econômicos é in-formado pela racionalidade instrumental, ouseja, por uma racionalidade econômica queexcluiria a hipótese do irracional – as paixões,os afetos, o imaginário – , como motor daação, no momento em que isso se manifes-ta em escala planetária. Enquanto um pro-cesso de integração, engendra a exclusão,uma vez que as normas e os valores que sãofixados com vistas à integração encontrarãosempre aqueles que não os partilham. É essaracionalidade instrumental, que nega a exis-tência da alteridade e que presidiu o funcio-namento da sociedade ocidental, que deveser examinada lucidamente como condiçãopara a análise da construção de "comunida-des regionais". Quando se trata de enfrentaros verdadeiros problemas de cada país,como o desemprego, as habitações insalu-bres e os baixos níveis educacionais da po-pulação, o verniz do grupo coeso é quebra-do, e cada um passa a temer as iniciativasdo vizinho, tentando se prevenir. Um modode reação à racionalidade instrumental temsido os movimentos de reivindicação de iden-tidades étnicas, que colocam em cena "onarcisismo das pequenas diferenças", geran-do exclusão e xenofobia. Esses movimentosexprimem uma vontade de manter um esta-do de coisas passado, diante do avanço dauniformização e, paradoxalmente, coexistemcom a racionalidade instrumental.

Partindo dessa premissa geral de análi-se da atualidade, nossa tese é que, na ocor-rência de processos de homogeneizaçãoeconômica, a questão da diferença culturalparece assumir papel de destaque nas es-tratégias da resistência, mesmo que o capi-talismo esteja assentado em diferenças quepromovem o acesso desigual à riqueza ma-terial e espiritual entre as classes sociais. Nãoque essa questão deixe de ser informada pordiferenças de classe, mas a diferença cultu-ral aparece como tendo autonomia e capa-cidade explicativa própria.

Em razão das contradições, que são ine-rentes a esse modo de produção, é a partirde sua plena instauração no mundo ociden-tal que as "crises" passam a ser recorrentes.1Essa posição foi hegemonicamente alcan-çada pelo capitalismo por ocasião das duasgrandes guerras mundiais, no início do sécu-lo 20. A Primeira Guerra Mundial originou-sedo desequilíbrio europeu instaurado pela ini-ciativa colonialista do século 19, com a parti-lha da África em colônias e da Ásia em zonas

1 Em razão dos limites de es-paço e dos propósitos destetrabalho, não serão discuti-dos em detalhes os fatos his-tóricos que se seguem.

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de influência. Com a Revolução Soviética de1917, acredita-se que essa guerra foi abrevi-ada. A Segunda Guerra Mundial foi desen-cadeada pela Alemanha, conduzida pelapolítica expansionista de Hitler, reacendendoas divergências entre os adversários da guer-ra anterior. Essas divergências foramagudizadas pela crise de superprodução de1929 que atingiu os Estados Unidos da Amé-rica (EUA) e se refletiu mundialmente nosdemais países. Para superar os problemasda superprodução, paralisou-se o processoprodutivo, e muitos trabalhadores foram des-pedidos, diminuindo ainda mais o consumo.A intervenção estatal foi necessária parareordenar a política econômica americanaque, reabilitada, pôde desempenhar um pa-pel fundamental no conflito bélico.

No período entre as guerras (1919-1938), as contradições do capitalismopromoveram crises que conduziram ostrabalhadores a se organizar contra os in-teresses da burguesia. Os movimentostrabalhistas percorreram um gradiente di-versificado de reivindicações que iamdesde a exigência por melhores saláriosaté as propostas revolucionárias de trans-formação das relações sociais. Por seuturno, a radicalização dos trabalhadoresdiante da péssima situação em que vivi-am promoveu a organização da burgue-sia industrial e financeira, que pretendiamanter seus interesses. Os movimentosnazifascistas desse período vão justamen-te exprimir essa reação da classe domi-nante. Empregando agressivamente emseu discurso idéias nacionalistas, essesmovimentos manipularam os anseios po-pulares de segurança no emprego, decontrole inflacionário e de fim do empo-brecimento crescente, em direção a umadversário "racial".

Especialmente na Alemanha, as mas-sas populares receptivas aos apelos autori-tários passaram a atribuir a responsabilida-de pelas dificuldades econômicas que es-tavam enfrentando aos judeus e a todosaqueles que em razão de diferentes carac-terísticas culturais, como religião, e fenotí-picas, como cor, não se enquadrassem naideologia de "pureza da raça" ou "da raçaariana". A perseguição sofrida pelos judeus,a pretexto dessa ideologia, na verdade, en-cobria o fato de formarem um grupo econô-mico poderoso, controlador do bloco domi-nante, que passou a contrariar os interes-ses da burguesia monopolista emergente,controladora do capital industrial associadoao capital financeiro (Laclau, 1978).

Não levando em conta o processohistórico que promovia a degradação desuas condições de vida, essas massaspassaram a atribuir aos judeus e a todosaqueles que, em razão de diferentes ca-racterísticas, não se enquadravam na ide-ologia nazista a responsabilidade pelasdificuldades econômicas que estavamenfrentando. Nesse ideário importava eli-minar a diferença, suprimindo a presen-ça física dos portadores de signos dife-renciais. Nesse deslocamento ideológi-co, que mobilizou as massas contra umsujeito racial, foi eliminada a possibilida-de da luta de classes, desconectando omovimento nazista de qualquer perspec-tiva socialista.

Como resultado da Segunda Guerra,os EUA e a União das Repúblicas Socia-lista Soviéticas (URSS) emergiram comograndes potências que tentavam delimi-tar suas áreas de influência. No pós-guer-ra, com a Guerra Fria mobilizando as duaspotências e a reconstrução européia, oavanço industrial no mundo foi imenso. Nochamado mundo ocidental, aliado dosamericanos, os governos dos países as-sumiram o controle da economia, procu-rando garantir a segurança e o bem-estarda maioria da população. O crescimentoda indústria americana e européia foiacompanhado por um importante progres-so da técnica. Com o desenvolvimento datecnologia, dentre outras inovações, osmeios de comunicação, especialmente atelevisão, passaram a difundir informaçõespara todos os cantos do mundo. A massade telespectadores culturalmente diversa,para a qual esse meio de comunicaçãose dirige, começou a ter os seus usos ecostumes homogeneizados. O grande de-senvolvimento industrial, que permitiu apadronização das ofertas difundidas pe-los meios de comunicação e a ampliaçãodo mercado consumidor, promoveu, nes-se processo de homogeneização, os con-tornos de uma cultura de massas.

Contudo, uma segunda "crise" é ins-taurada pelo processo de transformação emodernização da indústria na década de50. Conforme analisa Costa (1993, p. 21),com a retomada do desenvolvimento ocor-reu um poder maior para a classe traba-lhadora, em razão da oferta de empregos,bem como foram alteradas as relaçõesentre as gerações. Segundo a autora, "ostrabalhadores jovens passaram a gastarmuito mais dinheiro do que em anos ante-riores, o que tornou possível a criação de

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um mercado de consumo para adolescen-tes e jovens", permitindo a criação de ummercado de consumo destinado a essaclientela. Passados os primeiros anos deeuforia, contraditoriamente, os setoresmais frágeis da classe operária passarama conviver com os riscos do desemprego,e as camadas médias viram inviabilizadosos seus projetos de ascensão ou de ma-nutenção do status social. No processo deresistência à marginalização, a diferençatornou-se bandeira de luta dos movimen-tos da contracultura, que reagiram ao pro-cesso de elaboração de uma cultura demassas homogeneizada pela indústria.

Na década de 60, na Europa e nosEUA, surgiram o movimento hippie, a maispopular manifestação contra a cultura demassa, e os skinheads. Esses movimen-tos de "contracultura"2 diferenciavam-se doponto de vista de sua composição sociale nas formas escolhidas para exprimir suainsatisfação, mas ambos procuravam di-ferenciar-se da homogeneização impostapela cultura de massas, ora recusando oconsumo, ora através da revolta e da dis-sidência social e política. Os jovens queaderiram ao movimento hippie, vinculadosà classe média, não tinham grandes pers-pectivas de incorporação ao mercado detrabalho, em vias de saturação. Reagindoao clima de medo reinante durante a Guer-ra Fria, por estarem expostos aos riscosde convocação para o combate em guer-ras eventuais, como ocorreu no Vietnã,reclamavam pela paz no mundo, defen-dendo propostas pacifistas de reforma in-terior, para promover a transformação dasociedade. Os skinheads, grupos de jo-vens oriundos da classe operária inglesa,também procuravam diferenciar-se, bus-cando reforçar a identidade do grupomediante a adoção de valores idealizadose de condutas violentas e estereotipadasdo próprio grupo.

Também o movimento feminista orga-nizado ressurge com vigor redobrado nes-sa época. Desde a Revolução Francesa eatravessando o século 19, as mulheres vi-nham denunciando a sujeição em queeram mantidas, nas várias instâncias so-ciais, especialmente as difíceis condiçõesde trabalho impostas a elas. Esses movi-mentos foram sistematicamente reprimi-dos e combatidos ao longo do tempo,ganhando, no século 20, uma dimensãoque transcendia a luta pelos direitos civis.Nesse momento, buscou-se descrever a

opressão da cultura masculina, revelando osmecanismos sociais e psicológicos damarginalização feminina, bem como elabo-rar estratégias de liberação integral das mu-lheres, inclusive de seus corpos e desejos.

Além dessas organizações, como queanunciando o prenúncio da "crise dos anos70", em 1968 eclodiu um movimento estu-dantil em Paris e nas mais importantes cida-des do mundo. Alimentado pelo ideário dosmovimentos de contestação ao "sistema",passou a pressionar os governos para a de-mocratização das oportunidades educacio-nais, escapando ao controle e à manipula-ção dos tradicionais partidos e organizaçõesde esquerda.

Na década de 70, agudizaram-se ascontradições processadas na "crise" an-terior. Em 1974, uma crise de alcancemundial foi instaurada quando os paísesárabes fornecedores de petróleo passa-ram a adotar uma política de preços al-tos. Os efeitos da "crise" foram generali-zados mundialmente e resultaram naquebra da economia internacional. Incen-tivos suplementares foram dados à pes-quisa científica, para serem aplicados naindústria, em busca de alternativas quesubstituíssem, como combustível, o pe-tróleo e seus derivados. O avanço técni-co decorrente, mais uma vez, teve con-seqüências marcantes nas relações deprodução. A capacidade produtiva das in-dústrias foi ainda mais potencializada, eo processo de liberação de trabalhado-res foi ainda mais agudizado, crescendoos riscos de marginalização e exclusãosocial. A partir desse momento, os paí-ses europeus, que desde o pós-guerravinham construindo a União Européia –experiência mais antiga de bloco econô-mico, idealizada em razão da perda dahegemonia – , passaram a fazer váriasrestrições à presença dos imigrantes.3

Não se fizeram tardar os problemasdecorrentes dessa situação. Dentre eles, omais temido: o desemprego. Sem garanti-as de trabalho, não era mais possível man-ter as políticas de migração que caracteri-zaram os momentos de crescimento eco-nômico. Obstáculos cada vez maiores fo-ram definidos para impedir a vinda e a per-manência de populações estrangeiras nospaíses onde, até então, eram bem-vindas.Afinal, o emprego passava a não ser maisgarantido nem para a população nativa.Despojados da certeza de sobrevivênciacomo trabalhadores e, muitas vezes, sem

2 Embora os movimentos dereação tenham tido um cará-ter contestatório, nascendo ese formando no interior dacultura de massas, contradi-toriamente, passaram a fun-cionar segundo as leis domercado. Graças ao poderde difusão da mídia, o estiloalternativo que propunhampassou também a ser difun-dido em larga escala.

3 Em que pese os limites im-postos aos processos deimigração, estima-se que, noinício de 1970, cerca de 7,5milhões haviam migradopara os países desenvolvi-dos da Europa. Essa ques-tão, politicamente delicada,passou a ser motivo de es-pecial preocupação dessespaíses a partir de 1974.

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terem a compreensão adequada do queestava ocorrendo, canalizaram o senti-mento de insegurança e a instabilidadepara aqueles que estavam mais próxi-mos e que também portavam marcas di-ferenciais. No entendimento dessas pes-soas, eram "os outros", "os estrangeiros",os verdadeiros responsáveis pela con-dição caótica a que suas vidas e as desuas famílias foram submetidas.

Um clima de tensão entre "nacionais"e "estrangeiros" espalhou-se com rapidez.Logo, ações de flagrante xenofobia se fize-ram notar. Sob formas virulentas ourevestidas de sutileza, ensaiava-se agudizara já conhecida marginalização dos imigran-tes, rumo à exclusão total. Aqueles queantes eram admitidos como mão-de-obraboa e barata, para realizar trabalhos debaixo prestígio social, passavam a ter ne-gada sua condição de cidadãos. A partirdesse momento, evidencia-se a profusãode regulamentos que buscaram impedir achegada de outros imigrantes e a elabora-ção de dispositivos destinados a encorajar

o retorno dos imigrantes aos seus paísesde origem (Valente, 1998). Essas medidas,contudo, tiveram pouco sucesso, e os paí-ses europeus, finalmente, começaram acompreender que a imigração é um fenô-meno durável e irreversível.

Porém, o contexto de crise econômicahostil aos imigrantes passou a operar emdetrimento das populações estrangeirasrecém-chegadas do chamado "TerceiroMundo", tornando a distinção entre imigran-tes comunitários e extracomunitários cadavez mais importante, já que a regulamenta-ção da UE beneficia os primeiros.4 Este é ocaso dos fluxos de origem africana, quecaracterizariam a migração dos anos 90,retomando a importância da clandestinida-de e da camuflagem do asilo político(Bastenier, Dasseto, 1993). Além disso, mi-lhares de migrantes dos países do Lesteafluíram aos países do Ocidente Europeu,surpreendidos com as drásticas mudançaseconômicas que os atingiram. Com o fimda Guerra Fria a queda do muro de Berlime o colapso da ex-URSS, dividida em váriosEstados independentes, fragmentou-se tam-bém seu poder político e econômico. O re-torno à economia de mercado capitalistados países antes habituados às regras so-cialistas promoveu o empobrecimento deamplas parcelas da população. Nos EUA,os distúrbios que começaram em LosAngeles e se espalharam por outras cida-des, em maio de 1992, atestaram a persis-tência do racismo entre os norte-america-nos e reforçaram a avaliação de que asmanifestações eram resultado da frustraçãodos negros por não terem a oportunidadede dividir o "sonho americano" com o restodo país. Desse modo, aceitar as diferençase se enriquecer com elas permanece sen-do um problema que ninguém sabe resol-ver na hora atual, porque supõe o reconhe-cimento da alteridade que, justamente, écolocado em questão.

Retomando a nossa tese inicial, es-sas quatro grandes "crises" do capitalis-mo que engendraram os processos dehomogeneização, nas décadas de 30, 50,70 e 90, numa surpreendente regularida-de de uma vintena de anos, em média,tornaram visíveis processos de reivindica-ção das diferenças culturais. Dito de ou-tra maneira, as diferenças culturais apa-recem como um "problema" quando mo-vimentos de integração homogeneizadoraprocuram suprimi-las ou mantê-las sobcontrole, de forma a não colocar em risco

4 Ilustrativo dessa situação fo-ram as reações portuguesasà presença de dentistas bra-sileiros no início dos anos90 e outras situações deconstrangimento por quepassaram turistas brasilei-ros em viagem à Portugal,que melindraram as rela-ções diplomáticas entre osdois países.

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o seu projeto. Essa preocupação com asdiferenças, transformando-as em um "pro-blema", quando são marcas distintivas e ne-cessárias da condição humana – não po-dendo ser, pois, epifenômenos – , parececumprir a função de deslocar para outrainstância de embate as contradições eco-nômicas próprias do capitalismo. Nessecaso, supomos que a discussão sobre averdadeira raiz do problema é abandona-da, contentando-se em mascará-la e embuscar medidas paliativas e reformadorasno campo cultural.

Essas "crises" universais5 manifestam-se de maneira singular. No Brasil, sem con-tar a imposição do universalismo europeusobre índios e negros, durante o períodocolonial, a partir da década de 30, a políti-ca de modernização industrial, legitimadapor um ideário nacionalista, imprimiu outradireção ao tratamento da diferença, quepassou a ser objeto de reflexão a respeitoda nossa constituição como povo e da for-mação de uma sociedade nacional. As pre-ocupações dos governantes voltaram-separa o desaparecimento das diferençasculturais dos contingentes envolvidos. Fo-ram dois os principais alvos dessa tentati-va: o abrasileiramento dos descendentesde imigrantes, principalmente italianos, ale-mães e japoneses, de maneira a que nãoconstituíssem quistos culturais que amea-çassem o projeto da nação, e a destruiçãodas tradições culturais africanas, que secontrapunham aos planos de construçãode um Brasil branco, ocidental e cristão.

Na década de 50, como se sabe, umprojeto financiado pela Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ci-ência e a Cultura (Unesco) propiciou arealização de estudos sobre a situaçãoracial em vários países, inclusive o Bra-sil. Já naquela oportunidade, os estudosno País apontavam para a existência deproblemas entre brancos e negros e pre-ocupavam-se em desmistificar a chama-da "democracia racial brasileira" (Valen-te, 1996). Houve outros momentos emque a questão da diferença cultural ocu-pou a cena política e educacional doPaís, como nas discussões em torno dachamada "educação popular", a partir dadécada de 60, que envolveu os educa-dores por mais de 25 anos. Nos anos 70,num momento de efervescência políticano Brasil, movimentos sociais passarama ser organizados, inclusive aqueles por-tadores de signos de diferença, como o

movimento negro. Organizavam-se parareivindicar melhores condições de vida,de trabalho e um maior espaço de ex-pressão, em resposta ao modelo econô-mico implantado pelos militares, carac-terizado pela concentração de renda epor uma conjuntura política repressiva,com apoio internacional.

Atualmente, mais uma vez a questãoda diferença emerge no conjunto das pre-ocupações de intelectuais e pesquisado-res brasileiros, em resposta a um clima deanimosidade preocupante e sob a influên-cia da produção acadêmica americana eeuropéia. No início dos anos 90, começa-ram a ser organizados grupos na periferiadas cidades, como a de São Paulo, que,inspirados pela ideologia neonazista, têmfeito vítimas fatais entre os negros e osnordestinos (Valente, 1996). Nos países doMercado Comum do Sul (Mercosul), emparticular na Argentina, os problemas so-ciais existentes estão acirrando a discrimi-nação contra bolivianos, paraguaios e pe-ruanos, levando à proposição de medidaspara restringir a imigração (Gazir, 1998).

5 Universais porque, onde serealizam, as contradições docapitalismo evidenciam-secom maior clareza.

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Racismo e xenofobia no plano nacional eregional parecem reafirmar a nossa tese,impondo a necessidade de uma reflexãoatenta que propicie a compreensão históri-ca desse processo. Voltar os olhos para opassado, buscando avaliar as lições vividasno Brasil e no plano internacional, é exigên-cia imprescindível para não cometermos osmesmos erros e equívocos. A começar pelacrença de que a problemática sobre diver-sidade cultural é uma "novidade".

As "crises" e as "ondas longas"de Mandel

É de se imaginar que, em tempos de"pós-tudo", a busca pela regularidade sejaconsiderada um procedimento anacrôni-co. Entretanto, sem qualquer intenção ini-cial de encontrar uma suposta regulari-dade, constatamos a sua existência apartir da análise de alguns dados históri-cos. De fato, essa regularidade constata-da tem algo de arbitrário, como ocorrecom qualquer tentativa de periodizaçãohistórica, mas sem a intenção de definirmomentos fixos, estanques. Significa di-zer que essa proposição não abandonaa perspectiva de processo, do fluxo his-tórico que, contraditória e cumulativamen-te, pode informar momentos diferentes notempo e no espaço. Assim, consideran-do o pressuposto de que movimentos dehomogeneização da economia desenca-deiam manifestações heterogêneas nocampo cultural, vale indagar até que pon-to a compreensão dos primeiros pode ilu-minar a discussão dos momentos em queas diferenças são ou passam a ser umproblema. Ou, ainda, verificar o valorheurístico dessa reflexão.

A regularidade que reconhecemosnas emergências de "crises" do capitalis-mo, semelhante a movimentos cíclicos,nos remete à formulação de Mandel, paraquem "o andamento cíclico do modo deprodução capitalista ocasionado pela con-corrência manifesta-se pela expansão econtração sucessivas da produção demercadorias e, conseqüentemente, daprodução de mais-valia". Na medida emque há discrepâncias entre a produção demais-valia, sua realização e a acumulaçãode capital, "o fato de que tais discrepânci-as não possam ser atribuídas ao acaso,mas derivem das leis internas do modo deprodução capitalista, é a razão para a

inevitabilidade das oscilações conjunturaisdo capitalismo" (Mandel, 1985, p. 75).

Segundo Singer (1985, p. xiv), Mandel,ao montar o painel histórico do capitalis-mo, percebe períodos marcados por revo-luções tecnológicas, com duração médiade 50 anos, que coincidem com os cha-mados "ciclos de Kondratieff",6 conhecidosna literatura econômica: o primeiro, do sé-culo 18 até a crise de 1847; o segundo, de1848 a 1893; o terceiro, de 1894 a 1939, eo quarto iniciado em 1940. SegundoMandel (1985, p. 84),

cada um desses longos períodos pode sersubdividido em duas partes: uma fase ini-cial, em que a tecnologia passa efetivamen-te por uma revolução (...) caracterizada poruma taxa de lucros ampliada, acumulaçãoacelerada (...). Essa fase inicial dá lugar auma segunda, em que já ocorreu a trans-formação real da tecnologia produtiva (...)em conseqüência, essa fase se torna ca-racterizada por lucros em declínio, acumu-lação gradativamente desacelerada.

Seguindo esse esquema, as fases decrescimento acelerado seriam: até 1823;de 1848 a 1873; 1894 a 1913; 1940 a 1945e 1948 a 1966. As fases de crescimentodesacelerado corresponderiam: de 1824 a1847; 1874 a 1893; 1914 a 1939; a partirde 1967.

Para Mandel (1985, p. 85), essas "on-das longas" não se manifestam mecani-camente, mas resultam de flutuaçõescíclicas7 e "jamais como uma espécie desuperposição metafísica dominando es-sas flutuações". E afirma que,

uma vez estabelecido que as curvas ascen-dente e descendente de uma "onda longa"são determinadas pelo entrecruzamento defatores muito diversos, e que se enfatizouque essas "ondas longas" não possuem amesma periodicidade embutida dos ciclosclássicos no modo de produção capitalis-ta, não há razões para negar a sua íntimaconexão ao mecanismo central, que por suaprópria natureza constitui uma expressãosintética de todas as mudanças a que estápermanentemente sujeito o capital: asflutuações na taxa de lucros (idem, ibidem,p. 90).

Mesmo apontando inúmeros limites eerros atribuídos à ortodoxia, Singer (1985,p. xvi) considera o enfoque de Mandel fun-damentalmente correto, "ao combinar namesma análise a evolução no plano

6 Economista russo que de-senvolveu reflexão sobre osciclos longos nos anos 20.

7 "Numa fase de expansão, osperíodos cíclicos de prospe-ridade serão mais longos emais intensos, e mais curtase mais superficiais as crisescíclicas de superprodução.Inversamente, nas fases dalonga onda, em que prevale-ce uma tendência à estagna-ção, os períodos das crisescíclicas de superproduçãoserão mais longos e maisprofundos" (Mandel, 1985, p.85).

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tecnológico, as transformações no planoeconômico e os eventos no plano político",compondo uma visão mais abrangente docapitalismo, que supera as análises de ca-ráter economicista. Considerando quemudanças nessa tríade implicam, neces-sariamente, transformações no plano cul-tural, uma primeira aproximação com aanálise precedente permite-nos alinhavaralgumas reflexões sobre os momentos emque as diferenças são um problema.

O princípio metodológico de Mandelpara a delimitação das "ondas longas" éiniciar cada período no ano após a criseque vem de terminar um "ciclo clássico",e terminar o período num ano de crise.Para ele,

como esses anos não são completamen-te idênticos em todos os países capita-listas, escolhemos os anos de crise dopaís capitalista mais importante, aqueleque estabelece a tendência para o mer-cado mundial, isto é, a Grã-Bretanha atéa Primeira Guerra Mundial e em seguidaos Estados Unidos (Mandel, 1985, p. 85,nota 28).8

Ao apontarmos os anos 30, 50, 70 e90 como décadas em que os processosde reivindicação da diferença cultural se tor-naram visíveis, esse princípio metodológicode Mandel foi respeitado, tomando-se, en-tretanto, a experiência européia comoexemplar, na medida em que, como foi dito,foi lá que se estabeleceu primeiramente atendência atual de organização capitalistaem blocos econômicos.

Embora nessas décadas sejam engen-drados movimentos de homogeneizaçãoeconômica, estes não parecem guardar asmesmas características, em que pesemexpressarem a agudização crescente dastendências gerais do capitalismo. Seguin-do o esquema de Mandel, em torno dosanos 30 e 70 se iniciam ondas longas comtonalidade de estagnação, ao passo quenos anos 50 se inicia uma onda longa comtonalidade expansionista, assim como nosanos 90, avançando para um período nãoanalisado pelo autor. No argumento deMandel, a tecnologia ocupa um papel fun-damental na passagem de uma onda lon-ga à outra, com tonalidades diferentes.

Em linhas gerais, já foram apontadosos aspectos que permitem a compreensãodesses momentos na perspectiva das rei-vindicações das diferenças culturais. Defato, na década de 50, o avanço tecnológico

é surpreendente, mas não se deve menos-prezar as variáveis sociais e políticas quepodem facilitar a compreensão de quandoas diferenças são um problema. Os anos50, de boom econômico mundial, marcamo momento em que se coloca na pauta dediscussão o tratamento que a diversidadecultural recebera no momento anterior. Po-liticamente era preciso romper com o pas-sado da experiência nazista, combatendoo racismo. Restabelecida a capacidadeprodutiva, era possível promover o respei-to à diversidade do mercado consumidor,como foi sugerido. No entanto, segundoWallerstein (1990, p. 48),

se se quer maximizar a acumulação docapital, é preciso, simultaneamente,minimizar os custos de produção (e porconseqüência os custos da força de tra-balho) e minimizar igualmente os custosdos problemas políticos (e por conseqü-ência minimizar – e não eliminar, porqueisso é impossível – as reivindicações daforça de trabalho). O racismo é a fórmulamágica favorecendo a realização de taisobjetivos.

Operacionalmente, o racismo – na ex-pressão de Balibar (1990, p. 33), "racismosem raças", cujo tema dominante não é aherança biológica, mas a irredutibilidadedas diferenças culturais – toma a forma de"etnicização" da força de trabalho, ou seja,permite a hierarquização de profissões eremunerações na sociedade. Desse modo,na década de 50, que num primeiro mo-mento aparece como redentora das diferen-ças, logo se empreende um movimento desua negação que desencadeia reações nocampo político-cultural, sem que essas di-ferenças deixem de ser manipuladas emproveito da indústria cultural. Os aconteci-mentos que marcaram os anos 60 resultamdesse momento de gestação, estendendo-se até a década de 70.

Nas décadas de 30 e 70, de estagna-ção, cujos fatos emblemáticos foram aguerra e os preços do petróleo, quando osriscos de desemprego eram evidentes,devido ao retrocesso na produção materi-al, parece mais fácil compreender porque,tendencialmente, os portadores de signosdiferenciais foram os primeiros a perderposições no mercado de trabalho. Já nadécada de 90, iniciada como um momen-to de expansão do capital e justificada peloideário neoliberal, a análise torna-se maiscomplexa e delicada, inclusive porque setrata de um processo em andamento.

8 Na verdade, o autor segueo preceito enunciado noprefácio da 1ª edição de Ocapital, quando Marx justifi-ca o estudo do modo deprodução capitalista na In-glaterra, por ser o seu cam-po clássico, na medida emque, sendo consideradas astendências que operam e seimpõem na produção capi-talista, "o país mais desen-volvido não faz mais do querepresentar a imagem futurado menos desenvolvido”(Marx, 1980, p. 5).

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Na década de 90, é possível verificarum incremento tecnológico, que caracteri-zaria uma onda longa de tonalidadeexpansionista, não apenas implicando amudança dos processos de produção exis-tentes, mas também a criação de novosbens e serviços de consumo, propiciandoo surgimento de novos ramos de produ-ção, como aliás ocorre em outras revolu-ções tecnológicas. Dentre os aspectos quecaracterizariam o capitalismo contemporâ-neo, a terceirização tornou-se estrutural,com a fragmentação e a dispersão de to-das as esferas da produção. Fundamental-mente resultante do desenvolvimento dasforças produtivas, que autonomiza e multi-plica atividades de intermediação, aterceirização também diversifica o consu-mo, expandindo o de serviços. Se, a prin-cípio, os avanços tecnológicos tendem aliberar a mão-de-obra, podendo compro-meter a produção capitalista, uma vez quenão havendo trabalho vivo não há produ-ção de mais-valia, como afirma Singer(1985, p. xxxii):

Com o grande aumento do exército indus-trial de reserva cresceu a disponibilidadede força de trabalho, permitindo o ressur-gimento de formas arcaicas de explora-ção, tais como empresas familiares e tra-balho em domicílio. Essas formas muitasvezes são estimuladas por capitaismonopólicos, que demitem operários parasubcontratar seus serviços como fornece-dores externos. Como resultado, cai o ní-vel de remuneração dos trabalhadores e

se recupera a taxa de mais-valia e, maisainda, graças à menor composição orgâ-nica do capital dos "novos setores", a taxade lucro.

O que dizer a respeito dos movimen-tos de reivindicação de diferenças culturaisda década de 90, sobre os quais se temuma fundamentação empírica que nãocorresponde a uma análise mais cuidado-sa? De alguma maneira esses movimentosparecem retomar as tendências percebidasna década de 50: de um lado, resgatam sualegitimidade diante do momento anterior, nadécada de 70, quando a diferença é toma-da como bode expiatório da difícil situaçãoeconômica; de outro, cria-se a expectativade que, num momento subseqüente, essesmovimentos passem a ser negados e ma-nipulados pela lógica capitalista.

Se as flutuações na taxa de lucrosconstituem o mecanismo central de todasas mudanças a que está sujeito o capital,respondemos parcialmente à perguntaenunciada no título desse texto. Contudo,evitando-se o viés economicista, bemcomo o "desencantamento" da discussãosobre as diferenças, outros aspectos soci-ais, culturais e políticos devem, necessari-amente, mediar essa reflexão. No momen-to atual, como questões implícitas naque-le mecanismo, ainda é preciso explorar atese da etnicização da força de trabalho e,sobretudo, a centralidade ou não da cate-goria trabalho – temas a serem discutidosem outra oportunidade.

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Recebido em 7 de março de 2001.

Ana Lúcia Eduardo Farah Valente, doutora em Antropologia Social pela Universidadede São Paulo (USP), com pós-doutorado na Université Catholique de Louvain, Bélgica, éprofessora adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), atuando nocurso de graduação em Ciências Sociais e no Programa de Mestrado em Educação.

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Abstract

We intend to study at which moment the term difference appears as a "problem",starting from the thesis that this subjet seems to assume a prominent position on strategiesof resistance in the occurrence of homogenized economical processes of capitalism.From analysis of some specific historical facts we verified that four great "crisis", at the30's, 50's, 70's and 90's, made visible revindicating movement of cultural diferences. Itsproblematic coincides with the emergency for homogenized integration proposals, tryingto suppress or to maintain those differences under control, in order to not take in risk itsproject. The regularity recognized in the emergencies of those "crises" agrees with Mandel'sformulation about "long waves", which are inevitable and of recurrent character, becausethey derive of internal laws in the way of capitalistic production.

Keywords: differences; homogeneized economical process; capitalism.

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ESTUDOS

Cláudia de OliveiraFernandes

Palavras-chave: ciclos;avaliação; promoçãoautomática; progressãocontinuada; aprovação;repetência; fracasso escolar.

A promoção automática na década de 50:uma revisão bibliográfica na RBEP

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Apresenta uma revisãobibliográfica da Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos (RBEP)acerca do tema da promoçãoautomática na década de 50. Olevantamento teve como intençãoprovocar o debate em torno dopressuposto de que osfundamentos encontrados nosatuais discursos e documentossobre a organização daescolaridade em ciclos e daprogressão continuada muito seassemelham aos de décadaspassadas.

Introdução

O tema das políticas de não-reprova-ção e os estudos em torno da promoçãoautomática marcam longa data no Brasil.Políticas referentes à implantação de taispropostas foram anunciadas, pela primei-ra vez, ainda na década de 20 (Mainardes,1998, 2001; Barreto, 1999). Entretanto, foina década de 50 que propostas de apro-vação automática foram encaradas comentusiasmo e otimismo por políticos egestores de políticas educacionais. Damesma forma, alguns educadores e pes-quisadores em educação também mostra-vam esse otimismo; porém, eram cautelo-sos e apontavam os limites da importaçãoparcial e descontextualizada de modelosde outros países (Almeida Júnior, 1957;Pereira, 1958; Leite, 1959).

Os fundamentos encontrados nos dis-cursos atuais acerca da organização daescolaridade em ciclos e da progressão

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continuada muito se assemelham aos dedécadas passadas. Este trabalho explorao tema da promoção automática, na déca-da de 50, através das idéias veiculadas naRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos(RBEP), retomando as discussões ocorri-das nesse período, no intuito de ajudar acompreensão dos atuais debates em tor-no da organização da escolaridade em ci-clos e progressão continuada.

Justificativa e metodologia

O motivo que levou a realizar um le-vantamento bibliográfico de artigos nadécada de 50 surge a partir de um discur-so do então presidente da República Jus-celino Kubitschek (JK), publicado na RBEP,no qual a promoção automática vem as-sociada ao discurso do progresso e de um"sistema vitorioso entre os povos maisadiantados" (Kubitschek, 1957). Este dis-curso tão enfático sobre o tema, proferidoàs professoras primárias recém-formadasde Belo Horizonte, motivou a procura doque acontecia no Brasil nesse período.

Uma leitura um pouco mais aprofun-dada de bibliografia relativa ao tema tam-bém demonstrou que, nesse período, asdiscussões passam a tomar força e surgemas primeiras propostas oficiais em relaçãoà promoção automática, no sentido tal qualentendemos hoje. Além do discurso do pre-sidente da República, aparecem estudosde órgãos internacionais (Organização dasNações Unidas para a Educação, Ciênciase Cultura – Unesco) sobre o fenômeno dareprovação e sugestões de adoção de me-didas que o eliminem e de modelos de ex-periências estrangeiras, com destaque paraa inglesa.

A escolha da RBEP se deu pelo fatode que, sendo a revista uma publicaçãodo Inep, e tendo este erigido Anísio Teixeiracomo presidente à época, a mesma con-tinha artigos de educadores expressivosno contexto educacional brasileiro, bemcomo representava, de certa forma, o dis-curso oficial. Além disso, a RBEP trazia,publicados, artigos de jornais e revistas daépoca que versavam sobre temas educa-cionais, espelhando a opinião públicaacerca da educação.

Foram revisados todos os artigos pu-blicados na RBEP na década de 50 a partirdas palavras-chave: promoção, repetência,

fracasso, progressão, aprovação, reprova-ção e ciclo na escola primária (de 1ª a 4ªsérie do ensino fundamental). Porém, na ten-tativa de contemplar de forma um poucomais abrangente o pensamento no períodoe, para que esse recorte temporal ficassemelhor compreendido, foram também pro-curados artigos do final da década de 40 einício da década de 60. No ano de 1949 foiencontrado um artigo. No início dos anos60 nenhum texto foi encontrado a partir daspalavras-chave selecionadas, só voltando otema da promoção automática a aparecerao final dessa década, mais precisamenteno ano de 1967, e início dos anos 70. Des-sa forma, tais artigos não foram analisados,pois fugiam ao objetivo deste trabalho.

Dentre as palavras-chave pesquisadas,promoção, repetência, reprovação e apro-vação foram as encontradas nos títulos dosartigos nesse período. Nenhum artigo foiencontrado com as palavras-chave progres-são ou fracasso. Um artigo foi encontradocom a palavra ciclo, mas em nada tinha li-gação com o que hoje vem sendo chama-do de ciclo de escolaridade. Ao todo, fo-ram encontrados sete artigos no período dadécada de 50. Desse total, quatro são arti-gos, dois são reproduções de artigos de jor-nais e um foi publicado inicialmente na re-vista Pesquisa e Planejamento, um boletimdo Centro Regional de Pesquisa Educacio-nal de São Paulo. Nenhum dos textos seapresenta como resultado de pesquisa. Oartigo de 1949, "O problema da repetênciana escola primária", de Ofélia Boisson Car-doso, foi utilizado pela sua temática relevan-te ao tema abordado neste trabalho.

Análise dos artigos

O primeiro artigo a ser analisado, "O pro-blema da repetência na escola primária", deCardoso (1949), apresenta o problema derepetência na 1a série da escola primáriacomo o "ponto nevrálgico" do fenômeno dareprovação. Vemos que, nesse período, areprovação na primeira série já era encara-da pelos educadores como um fenômeno,devido às altas taxas de repetência. A partirdessa constatação, a autora trabalha comalguns dados estatísticos do período e apre-senta argumentos de fundo psicológico e deadaptação da criança a um primeiro ambi-ente socializador mais amplo para explicar areprovação e a evasão na primeira série. Aautora aponta também que o problema da

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repetência já havia sido denunciado comograve em Congresso de Educação e Saúderealizado em São Paulo em 1940. O artigosegue, então, com uma análise maisaprofundada da questão, com a autora apre-sentando seus pontos de vista a partir de"quatro tipos de influências: pedagógicas,sociais, médicas e psicológicas" (Cardoso,1949, p. 79). Quanto às questões pedagó-gicas, Cardoso sublinha que o aprendizadoda leitura e da escrita nem sempre émotivador para a criança, independente dosmétodos utilizados. A autora argumentavaque a receita para uma boa alfabetização éo dom do professor em despertar o interes-se de seus alunos, dizendo que do pontode vista pedagógico, o problema máximoda 1ª série está situado na ação do profes-sor, de quem se deve exigir vocação, dom epreparo profissional especializado.

Patto (1996) analisou o artigo de Car-doso, classificando-o como importante his-toricamente, pelo fato de abordar o tema darepetência e suas causas e, por isso, consti-tuindo-se uma exceção na primeira décadade existência da RBEP. Para Patto, o artigorepresenta a maneira característica de sepensar o fracasso escolar naquela época eseria o precursor na forma como o proble-ma do fracasso viria a ser abordado e com-preendido nas décadas seguintes.

Ao analisar as idéias de Cardosoquanto aos fatores pedagógicos, Pattoafirma que a autora expressa o pensa-mento da Escola Nova ao centrar a açãopedagógica no objetivo de despertar o in-teresse do aluno, uma vez que esse idealé expresso claramente no Manifesto dosPioneiros de 1932.

Cardoso (1949, p. 82-83) relaciona osfatores sociais com a ação negativa da fa-mília, pois o meio familiar é a antítese domeio escolar.

O que a escola procura construir, a famíliadestrói. (...) Os exemplos vivos e flagran-tes insinuam-se na carne, no sangue dascrianças, ditando-lhes formas amorais dereação, comportamentos anti-sociais. Ainfluência é tanto mais perniciosa quantomais baixa é a idade cronológica e o nívelde maturidade social.

O pensamento de que, as famílias dosalunos concorrem de forma concreta parao fenômeno da reprovação, continua quan-do Cardoso elenca que "os heróis do mor-ro, em constante malandragem, vivemuma vida sem normas, regras" e que este

tipo de vida é contrária ao ambiente escolarque preconiza "normas de higiene", que exi-ge "honestidade", que aconselha "boas ma-neiras". No entanto, aliada ao pauperismo, aautora faz uma ressalva que não só ele é oresponsável pelos fatores sociais, pois alu-nos que se originam de famílias maisfavorecidas social e economicamente tam-bém são casos difíceis, uma vez que podemser "ciumentos do irmãozinho mais novo, oufilhos únicos, etc."

Patto (1996, p. 89), em sua análise, dizque quando Cardoso passa a tratar dosfatores sociais,

ela nos surpreende duplamente: primei-ro, pela incoerência que introduz seu ra-ciocínio, ao passar a atribuir as principaisdificuldades da escola pública a caracte-rísticas externas à escola e localizadas noaluno e em seu ambiente familiar e cultu-ral; em segundo lugar, pela maneirapreconceituosa e estereotipada como vêos integrantes das classes subalternas,certamente portadora do preconceito ra-cial confirmado pelas teorias racistas emvigor nos meios intelectuais brasileiros atépelo menos a década anterior e pelas te-orias antropológicas que as sucederam,cuja influência sobre a maneira de pen-sar as diferenças sociais foi muito maisduradoura.

Citando os fatores médicos, Cardosonovamente atribui à pobreza, à fome, à faltade saneamento básico, às doenças a res-ponsabilidade pelo quadro de insucesso ereprovações.

Os fatores psicológicos também di-zem respeito às potencialidades das cri-anças, que têm a ver com os anteceden-tes hereditários, com a história da pessoa.Para detectar problemas de ordem psico-lógica nas crianças, a autora rebate quenão bastam os testes psicológicos paraatestar se as crianças são "retardadas,débeis ou imbecis". É necessário tambémo conhecimento do meio familiar dos re-sultados de exames médicos passados.Novamente, de certa forma, a família apa-rece como um fator de grande responsa-bilidade pelo fracasso dessas crianças.

Este artigo parece de grande relevân-cia para compreender as análises posteri-ores quanto à implantação de um sistemade promoção automática. O tema da pro-moção automática aparece na revista, aolongo dos anos 50, em artigos que vão sefazendo mais constantes já na segunda

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metade da década.1 Apenas um artigo foiencontrado em 1954 (Wilson, 1954), sen-do a tradução de um texto de autor inglêsque relata a experiência de adequação sé-rie/idade na Inglaterra. Em artigos seguin-tes, quando seus autores se propõem atecer críticas sobre o tema, uma das afir-mações, nesse sentido, diz respeito à não-aceitação de modelos estrangeiros quenada teriam com nossa realidade. Nota-setambém, que o tema da promoção auto-mática é analisado muito mais do ponto devista político e econômico e vinculado maisa discursos no âmbito de políticas educa-cionais de governos do que a aspectospedagógicos e educativos. O único estu-do que aborda a questão da promoçãoautomática do ponto de vista puramentepedagógico é o de Dante Moreira Leite(1959).

O artigo "Promoção automática e ade-quação do currículo ao desenvolvimentodo aluno", de Leite (1959), traz, inicialmen-te, uma reflexão acerca do sentido da re-provação. Para realizar essa reflexão, oautor discute o sentido da escola funda-mental e o seu papel na sociedade. O pri-meiro ponto trazido por Leite é o fato deos alunos serem obrigados a freqüentar aescola por lei. Discute o papel do gover-no que propõe a obrigatoriedade e, emcontrapartida, parece não propor soluçãopara o fenômeno da reprovação. Esse as-pecto é interessante, uma vez que pode-mos pensar ser esta uma boa justificativadada pelo autor para o sistema de promo-ção automática, apresentado e defendidomais adiante, mas com ressalvas.

Citando conseqüências desastrosasda reprovação, demonstra espanto quan-to ao fato de ser aceita pelas escolas. Paratal, destaca três razões fundamentais quejustificariam tal aceitação: uma de ordemhistórica: a escola é uma instituição tradi-cionalmente seletiva, e duas de ordemeducativo-pedagógica: classes que de-vem ser heterogêneas e a crença de queprêmio e castigo são formas educativas econcorrentes de uma boa aprendizagem.Nesse ponto, o texto toma corpo no senti-do de que o autor vai tecendo argumen-tos para mais na frente defender a institui-ção da promoção automática. Leite (1959,p. 19) fundamenta suas idéias na "psico-logia contemporânea" e na "pedagogiaatual". A primeira "revela e comprova asenormes diferenças de inteligência e inte-resse entre os indivíduos". A segunda

1 Os artigos serão apresenta-dos numa ordem cronológi-ca a fim de tecer um enca-deamento na discussão tra-vada ao longo dos anos 50sobre o tema. Entretanto, oartigo de Leite (1959) seráanalisado inicialmente, pelofato de apresentar o assun-to de forma aprofundada e,dessa maneira, ser uma boafonte de relação com os de-mais aspectos abordadosnos artigos seguintes.

eliminou a repetição da lição como ativi-dade útil ou desejável. Numa sociedadede extrema diferenciação de trabalho,importa despertar e manter as diferençasde interesse; num mundo em transforma-ção rápida e constante, importa prepararo aluno para ajustar-se a situações novas,não para repetir soluções apresentadas.Se pensarmos nestas condições peculia-res da sociedade em que vivemos, per-ceberemos imediatamente que a classehomogênea, de ideal educacional, pas-sou a ser apenas um problema didático.

A citação acima não só nos forneceas fontes nas quais Leite pauta seus argu-mentos, como nos revela que muito do dis-curso que hoje se utiliza para justificar asmudanças em educação, em relação àsmudanças na sociedade, já era proferidopelo menos em 1959.

Quanto ao prêmio e castigo, o autortambém vai contra-argumentar dizendoque seus efeitos não são permanentes, quenão são educativos e que "destroem exa-tamente o sentido da escola e do estudo"(Leite, 1959, p. 21).

Para Leite (ibidem, p. 24), a aprova-ção e reprovação passaram a ter um valorem si, deixando em segundo plano os ver-dadeiros sentidos da escola. O aluno estu-da para aprender e não para tirar boa notaou evitar a reprovação. Dessa maneira, oautor desenvolve a idéia de que se devetransformar a escola em uma instituiçãoeficiente e que medidas básicas devem serefetuadas para que isso possa acontecer:a adequação do currículo ao desenvolvi-mento do aluno e a instituição da promo-ção automática. Ressalta que essas duasquestões sozinhas não eliminam os pro-blemas, mas são "necessidades básicaspara o ajustamento da criança à escola".Leite discute de forma consistente a ques-tão curricular e de aprendizagem. CitaDewey, Herbert Wright, Miller (psicólogos).Quanto à promoção automática diz que éa única solução coerente para a pedago-gia poder lidar com as diferenças de inte-resse e de desenvolvimento ao longo dasfaixas etárias. A organização das séries poridade resolve o problema dos diferentesinteresses decorrentes de idades diferen-tes: "a única solução para esse problemaé a promoção automática – que se fará poridade: crianças de 7 anos no primeiro ano;as de 8, no segundo e assim por diante"(Leite, 1959, p. 28).

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Ainda na defesa da promoção automá-tica, Leite (1959, p. 29) diz que ela não po-derá ter sucesso se tomada isoladamente.Implica uma "transformação radical da es-cola, na medida em que se transformamseus objetivos básicos, na medida em queprofessores e alunos passarão a viver emtorno de outros valores e aspirações". Deli-mita características mais gerais acerca dopapel do professor, do aluno e da meto-dologia. Tece comentários também acercado papel dos gestores que não devem agirarbitrariamente e que devem estar atentospara envolver professores e diretores no pro-grama de implantação da proposta. Para oautor, o programa de instituição da promo-ção automática estaria condenado ao fra-casso "se os seus executores não estiveremconvencidos de sua necessidade, assimcomo de suas limitações".

Alguns aspectos chamam a atençãonesse artigo de Leite. Primeiro, é o únicoestudo encontrado nesse período que dis-cute mais especificamente a questão a par-tir do ponto de vista da escola, da metodo-logia, do papel do professor e do aluno.Em segundo lugar, ao final do texto, o au-tor usa um tom propositivo e declara a de-fesa pela instituição do programa de refor-ma, porém com algumas ressalvas.

Cabe ainda notar que muitos funda-mentos e justificativas utilizados por Leitepara a promoção automática, são hoje uti-lizados para apresentar as propostas deorganização da escolaridade em ciclos ede instituição do regime de progressãocontinuada.

O texto de H. Martin Wilson, Avaliação,promoção e seriação nas escolas inglesas,de 1954 (p. 57), é uma tradução e relata aexperiência do caso inglês. Ao longo doartigo, o autor compara os sistemas deensino inglês e o norte-americano. Wilsonparte do ponto de que a liberdade sem-pre foi a base da educação inglesa. De-fende esse ideal ressaltando que essa li-berdade à qual se refere diz respeito àsescolas e às administrações locais, dife-rentemente da liberdade norte-americanaque se refere à liberdade dos alunos e desuas famílias. Na segunda parte do artigo,são apresentadas as justificativas educa-tivas, e não-pedagógicas, para a organi-zação das classes por idade: "a Inglaterravem praticando, de todo coração, há cer-ca de 20 ou 30 anos, a prática de promo-ção por idade. (...) o ato Educacional de1944 (...) praticamente recomenda que

toda criança inglesa passe para a escolasecundária aos 11 anos de idade".

Wilson descreve como se organiza umaescola sem reprovação e diz como deve sero trabalho em classe para atender a cadaaluno de acordo com suas possibilidades.Demonstra partir de um princípio básico emque cada aluno tem possibilidades diferen-ciadas, sendo desenvolvidas pelos profes-sores e escola de acordo com as mesmas.Há aqueles que pouco irão adiante, mas issoé assim mesmo. A premissa de que todosos alunos deverão chegar no mesmo pontoao final de cada ano letivo é inexistente, comoaparece expresso no trecho: "naturalmente,nas escolas pequenas, vários grupos de alu-nos entregam-se a trabalhos diferentes den-tro da mesma classe. (...) cada criança é co-locada em um grupo-classe, de acordo coma estimativa de suas capacidades" (Wilson,1954, p. 58).

Sendo a escola livre para fazer seu pró-prio planejamento escolar, este deverá serfeito de acordo com os alunos e as classesque se tem. Wilson (1954, p. 58) destaca aautonomia da unidade escolar:

Cabe essencialmente ao diretor decidirquais os cursos que devem ser ministra-dos aos vários grupos de alunos e quecrianças devem seguir determinados cur-sos. (...) O professor também pode reali-zar, com maior eficiência, a escolha delivros, métodos, ritmos de trabalho e pro-grama, adaptando-os melhor às possi-bilidades do aluno.

Uma terceira parte do texto refere-se aos instrumentos de avaliação daaprendizagem dos alunos, bem comoaos instrumentos de informação aos alu-nos e famílias acerca do aproveitamentoescolar. O artigo encerra destacandomais uma vez os princípios filosóficos detal sistema e diferenciando-o do norte-americano.

Em 1956 é publicado na seção "Atra-vés de Jornais e Revistas", artigo e LuizAlves de Matos, intitulado "A aprovação ea reprovação escolar". Em seu texto o au-tor tem por objetivo apontar que as causasda reprovação estão muito mais na falta deformação dos professores e na ineficiên-cia do sistema escolar do que apenas emcausas externas como, por exemplo, nosalunos ou nas suas famílias. Diferentementeda análise de Cardoso em 1949, Matoscoloca na escola e no professor as princi-pais causas da reprovação. Como Leite

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(1959), Matos (1956, p. 257) aponta que aescola fundamental é de direito e que nãodeve se tornar

uma agência selecionadora de talentosprivilegiados, mas deve ser difusora daeducação e da cultura a serviço da ju-ventude e da democracia. (...) Não serápor certo, cortando a mais da metade dosjovens nela matriculados a possibilidadede prosseguir nos estudos, que a escolabrasileira, tanto a primária como secun-dária, cumprirá esta sua nobre missão.

O autor faz uma crítica ao alto índicede reprovação nas escolas brasileiras,aponta algumas causas, descreve conse-qüências práticas de uma aprovação e deuma reprovação quando adequadas ounão e tece comentários, como o transcritoacima, que servirão de base para os dis-cursos a favor da instituição da promoçãoautomática.

Em 1957, a RBEP transcreve o discur-so do presidente da República à época,Juscelino Kubitschek, realizado ao final de1956 para uma turma de professoras pri-márias formandas em Belo Horizonte. O tí-tulo dado ao discurso na revista destaca ainstituição da promoção automática: "Re-forma do ensino primário com base no sis-tema de promoção automática".

O discurso de Kubitschek (1957, p.144) enaltece experiências estrangeiras erelaciona promoção automática com pro-gresso. O presidente confere à educaçãopapel relevante na modernização e noavanço da sociedade e segue a lógicaargumentativa já destacada nos artigosanteriores, qual seja, uma escola menosseletiva, de direito, na qual as diferençassão consideradas,

onde as aptidões não são uniformes e asociedade precisa tanto das mais altas,quanto das mais modestas. Não mais se

marca a criança com o ferrete da repro-vação, em nenhuma fase do curso.

Terminado este, é ela classificadapara o gênero de atividade a quese tenha mostrado mais propen-sa. Sobre racional, a reformaseria econômica e prática, evi-tando os ônus da repetência eos males da evasão escolar.

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A partir da citação transcrita acima dotexto de JK, podemos notar que um novoargumento para a implantação de um sis-tema de promoção automática aparecenos artigos levantados na RBEP. O fato dea promoção automática ser uma reformaeconômica e prática, uma vez que retira-ria o ônus que a repetência e evasão cau-sam ao sistema educativo.

Ainda em seu discurso, Kubitschek(1957, p. 144) destacou que a inclusão demódulo complementar ao ensino primá-rio, de caráter profissionalizante e voltadoàs parcelas da população que não pudes-sem seguir no ensino secundário, com aconcomitante adoção em todo o ensinoprimário "do sistema de aprovação auto-mática, vitorioso hoje entre os povos maisadiantados", garantiria uma reforma deampla repercussão.

Em artigo de 1957, Almeida Júnior dis-cute "Repetência ou promoção automáti-ca?" O texto é uma transcrição de palestraproferida pelo autor em 1956, mesmo anodo discurso de JK, no 1º Congresso Esta-dual de Educação, realizado em RibeirãoPreto (SP).

Almeida Júnior relata para os partici-pantes do Congresso em São Paulo a suaparticipação na Conferência Regional so-bre a Educação Gratuita e Obrigatória,promovida pela Unesco, em Lima, noPeru, em abril de 1956. Destaca um pon-to que lhe chamou bastante atenção e quese refere a um estudo da Unesco sobre ofenômeno da reprovação nos países daAmérica Latina. Segundo Almeida Júnior(1957, p. 3), o documento continha da-dos estatísticos e sugeria a adoção de po-líticas de promoção automática nessespaíses, que poderiam seguir o exemplodo sistema inglês. Embora Almeida Júniordefendesse a promoção automática, afir-mava que a sua adoção simplesmente,sem o necessário acompanhamento deoutras medidas, faria com que a propos-ta não atingisse seu objetivo. Ressaltan-do que o grave problema da repetênciaconstitui-se prejuízo financeiro e subtraioportunidades educativas a considerávelcontingente em idade escolar, o docu-mento que foi entregue pela delegaçãodo Brasil na Conferência, preconizava:

a) revisão do sistema de promoções naescola primária, com o fim de torná-lomenos seletivo; b) estudo, com a partici-pação do pessoal docente primário, de

um regime de promoções baseado na ida-de cronológica dos alunos e em outros as-pectos de valor pedagógico, e aplicável,em caráter experimental, aos primeirosgraus da escola.

Almeida Júnior (1957, p. 11) mostra-va-se favorável à adoção da solução ingle-sa: "aproveitemos a lição alheia; não po-rém, tão-somente a da sua página final, ada promoção automática". Referia-se àsmedidas necessárias para a adoção: aper-feiçoamento de professores, modificaçãoda então vigente concepção de ensino pri-mário, revisão dos programas e critériospara promoção, cumprimento da escolari-dade obrigatória com a convocação detodos os alunos de 8 anos para a escola,melhorar a formação de professores noscursos regulares.

Um artigo publicado por Luís Pereira(1958) no jornal O Estado de S. Paulo de-monstra que a discussão sobre o tema dapromoção automática chegava ao âmbitodo espaço do público em geral. Tal artigo,sob o título "A promoção automática naescola primária", foi reproduzido na RBEPno mesmo ano.

O autor inicia sua análise afirmandoque existe no ideário pedagógico, há pelomenos três ou quatro anos, propostas derenovação da escola primária, sendo essemovimento fortemente marcado pela insti-tuição da promoção automática. Diz quetal sistema de promoção vem sendo utili-zado na Inglaterra e nos Estados Unidoscom êxito. Entretanto, Pereira (1958, p. 105)destaca que o êxito deve-se à superaçãoanterior, por parte desses países, de pro-blemas relativos às condições materiais epessoais do funcionamento escolar e quea base para implantação desse sistemanesses países deveu-se à busca de solu-ções para alunos que apresentavam difi-culdades especiais para aprender e que,como os outros, deveriam ter iguais opor-tunidades de completar a escola funda-mental (até 11 anos, no caso inglês). "Tra-tava-se, pois, de fundamentação provindada constatação de deficiências de certosalunos e não da existência de precáriascondições materiais e pessoais do funcio-namento escolar". A análise apontava aspremissas originais para a implantação dosistema de aprovação automática e, denun-ciava a distorção que vinham sofrendo nocaso brasileiro, pela simples adoção domodelo sem resolver problemas básicos

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de funcionamento e de condições materi-ais de nosso sistema. O texto denunciavaos problemas do sistema escolar brasilei-ro tais como analfabetismo, falta de vagas,falta de preparo dos professores, bemcomo grande quantidade de professoresleigos.

Pereira (1958, p.107) termina seu ar-tigo denunciando que a repetência éconseqüência de uma série de gravesproblemas e que a promoção automáti-ca, embora " eliminasse as altas porcen-tagens de repetência, não afetaria demodo direto e profundo os fatores des-se fenômeno e que levaria à perda deum valioso termômetro do funcionamen-to do sistema escolar primário – os índi-ces de repetência".

A crítica publicada no jornal cumpriao papel de desnudar os discursos oficiaisem torno da promoção automática comoredentora e promissora de avanços doPaís em direção aos países mais avança-dos, como no discurso de JK. Porém, acrítica rápida não ponderava uma série dequestões já tratadas em artigos de educa-dores como Almeida Júnior (1957) e Leite(1959), como já vimos.

O último artigo levantado data de1959 e é de autoria de Heloísa Marinho.A autora demonstra em seu texto o quan-to a entrada do aluno no jardim-de-infân-cia interfere de forma positiva para suapromoção ao final da primeira série. Paraisso, Marinho utiliza dados estatísticos depromoção na primeira série no Distrito Fe-deral (atual município do Rio de Janeiro)comparando os alunos que tiveram a ex-periência do jardim-de-infância comaqueles que não a tiveram. Embora nãose relacionando diretamente com a ques-tão da promoção automática, o texto estáinserido no bojo das discussões do perí-odo, uma vez que pretende mostrar oquanto a entrada da criança na escola umano antes do previsto obrigatoriamenteinterfere nos índices de aprovação e/oureprovação na série que existe um "pon-to nevrálgico", segundo aparece no textode Cardoso (1949).

Considerações gerais

Esse quadro traçado a partir dos arti-gos da RBEP, na década de 50, mostra oinício de uma discussão e experiências emtorno da promoção automática que vão se

intensificar na década seguinte. SegundoMainardes (1998, p. 17), o debate sobre osistema de promoção automática no Bra-sil data da década de 50, a partir de dis-cussões que se configuravam no âmbitointernacional. Porém, no início da décadade 60, a "Unesco, na Primeira Reunião In-ternacional de Ministros de Educação, re-alizada em Genebra, recomendava estamodalidade escolar para países do Tercei-ro Mundo com problemas de cobertura naárea rural". Ainda segundo o autor, no perí-odo de 1968 a 1972, o Estado de São Pau-lo implantou um sistema de promoção au-tomática que só retornaria em 1984, coma implantação do Ciclo Básico. O mesmoaconteceu em Santa Catarina (1970-1984)e no Rio de Janeiro (1979-1984). Embora,essas diferentes experiências e propostastivessem suas peculiaridades, tinham emcomum partir da premissa de que era ne-cessário, no ensino fundamental, um sis-tema de avaliação que não excluísse o alu-no da escola, tentando amenizar ou atéresolver o problema da evasão e repetênciae, desta forma, contribuir para a melhoriada qualidade do ensino público.

Em minha pesquisa de mestrado(Fernandes, 1997) pude demonstrar quefoi a partir de debate travado na 3ª Reu-nião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação(ANPEd) em 1979, que se introduziu umnovo cunho político, analítico e teórico àsdiscussões anteriores acerca do tema dapromoção automática. Aprofundando asanálises sobre a seletividade escolar no 1°grau, os debates levaram às justificativasteóricas para a implantação de políticaseducacionais que visavam à implantaçãode sistemas de avaliação que traziam umaperspectiva de "não-reprovação", seja emséries, níveis, ou ciclos. A novidade emrelação às propostas anteriores se inseriana análise de que a implantação da pro-moção automática não deveria vir desa-companhada de uma série de outras me-didas, não só no nível das políticas educa-cionais, como também no nível intra-esco-lar. Cunha (1991, p. 218) aponta, referin-do-se como justificativa a não-adoção dapromoção automática no município de SãoPaulo, quando da gestão de GuiomarNamo de Mello, que, "onde a promoçãoautomática foi adotada sem outras medi-das complementares, a qualidade do en-sino caiu irremediavelmente, como foi ocaso de Santa Catarina e Rio de Janeiro".

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Entretanto, a partir da leitura dos tex-tos de Almeida Júnior (1957) e Leite (1959)podemos perceber que esses autores, jáno final dos anos 50, apontavam a necessi-dade de se tomar a medida da promoçãoautomática acompanhada de outras medi-das no nível escolar. O próprio texto de Lei-te trazia no título a relação necessária entreo sistema de promoção e a adequaçãocurricular. O autor tratava também de as-pectos da didática e discutia o papel dosprofessores e alunos. Ele sinalizava queseria uma "mudança radical na escola".

Podemos notar que a análise dos ar-tigos e da literatura pertinente possibilitoua percepção de que há um vácuo entre asanálises dos pesquisadores e educadorese as implantações das propostas. Se já emmeados de 1950 os estudos tratavam aanálise do tema de forma cuidadosa, nosentido de destacar tanto as vantagensquanto os possíveis problemas a partir daadoção do sistema de promoção automá-tica e ainda apontavam medidas comple-mentares necessárias ao funcionamentodo sistema escolar e da metodologia,pode-se perceber, também, que as implan-tações das políticas de promoção nãoacompanharam as investigações e ponde-rações realizadas pelos especialistas.

Não é propósito deste trabalhoenfocar décadas posteriores a 1950. Por-tanto, os breves comentários acima pre-tendem apenas situar o leitor um poucomais no contexto das experiências de pro-moção automática que se sucederam aoperíodo analisado aqui.

Como um dos objetivos deste trabalho,podemos afirmar que é na década de 50que as discussões em torno do tema da pro-moção automática e de outras lógicas deorganização da relação idade/série come-çam a se intensificar. Podemos identificaressa década como o nascedouro de pro-postas e reflexões acerca do tema. Porém,devemos fazer a ressalva de que apenasforam analisados artigos publicados naRBEP, mas que de certa forma espelhavamo que se discutia sobre educação no Brasil.

O contexto da década de 50, mar-cado pela forte industrialização do País,pela abertura de novas estradas, pelamodernização dos estados e da RegiãoCentro-Oeste em especial, aparece re-fletido também no contexto educacional.O pensamento educacional é tomadopela euforia da entrada do País na erado desenvolvimento. Embora existam

ressalvas cuidadosas e críticas sobre asprecárias condições da educação esco-lar no País, as altas taxas de analfabetis-mo, repetência, evasão, formação dosprofessores, falta de escolas, há, ao mes-mo tempo, a crença de que reformas nosistema educacional poderão acontecere contribuir para que o País entre nessaera desenvolvimentista. O discurso de JK,enaltecendo a reforma com base na pro-moção automática como "vitoriosa nospovos mais adiantados", nos dá um cla-ro exemplo dessa visão. O presidentecontinua destacando em sua fala que aescola moderna deixou de ser seletiva,devendo "educar a cada um, no nível quecada um pode chegar". Uma concepçãomarcada pelas premissas do sistema in-glês para a instituição da promoção au-tomática, como podemos observar.

Ainda na pauta da análise do pensa-mento educacional na época, podemosacrescentar a análise de Maria Helena Patto(1996, p. 87). Segundo a autora, as duasprimeiras décadas de circulação da RBEP,40 e 50, revelam como o pensamentoescolanovista havia tomado conta dos ór-gãos governamentais e que "a revista nas-cera com o objetivo de ser porta-voz deuma leitura dos problemas educacionaisbrasileiros à luz dessa concepção de edu-cação." A autora assinala ainda que nesseperíodo o que estava em pauta na revistaera "a defesa da escola pública, a urgên-cia de reformá-la e o propósito de buscarresposta para os problemas educacionaisbrasileiros em experiências educativas jáconsagradas em outros países".

Os textos de Almeida Júnior, Leite,Matos e o discurso de JK assinalam essepensamento destacado por Patto eexemplificam a necessidade, na época, dese repensar a concepção acerca da fun-ção social da escola, aspecto que podeser observado nos trechos a seguir:

Para esse efeito (o da conquista dos efei-tos da promoção automática como no casoda Inglaterra) eis a seguir as providênciascapitais a serem tomadas: modificação davigente concepção do ensino primário,revisão dos programas e critérios de pro-moção (Almeida Júnior, 1957, p. 11).

Essas condições (referindo-se às mudan-ças na vida e na organização das famíli-as, à instrução como um ideal político eoutras) criaram a necessidade de uma es-cola para todos, e não apenas para um

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pequeno grupo; precisamente por essarazão, a idéia de uma escola para alguns,selecionados através de reprovações,passa a ser seriamente discutida (Leite,1959, p. 18).

A escola primária e (...) a secundária (...)são de direito e agências difusoras daeducação e da cultura a serviço da ju-ventude e da democracia. Sua alta mis-são social é valorizar, pela educação epela aculturação, o imenso potencial hu-mano da nação que jaz inaproveitado eimerso no analfabetismo e na ignorância(Matos, 1956, p. 107, referindo-se às al-tas taxas de repetência na escola).

As necessidades sociais de nosso tempoestão a exigir que a escola primária setransforme. (...) Entre os pedagogos mo-dernos, já não se considera a escola pri-mária simples estágio para aprendizagemdos rudimentos da leitura, da escrita e docálculo. Há de, também, preparar o ho-mem para o trabalho, integrando-o naeconomia nacional (Juscelino Kubitschek,1957, p. 143).

Outro aspecto a destacar nas consi-derações gerais deste trabalho diz respei-to ao fato de que os mesmos argumentossobre as necessidades das reformas e ins-tituição do sistema de promoção automáti-ca são utilizados com distintos objetivospelos diferentes autores. Poderíamos dizerque os mesmos argumentos servem parapromover as reformas, criticá-las e analisá-las tanto do ponto de vista pedagógico-educativo quanto do ponto de vista estru-tural e de organização do sistema escolar.

Finalmente, ainda é preciso assina-lar que esses mesmos argumentos, tan-to pedagógicos quanto políticos e eco-nômicos, para a implantação do sistemade promoção automática na década de50 permanecem nos discursos atuais.Nas diferentes redes de ensino em que aavaliação continuada ou progressão con-tinuada foram adotadas, os argumentosreferem-se à inclusão de todos os alunosna vida escolar, à obrigatoriedade doensino fundamental, ao respeito aos di-ferentes ritmos de aprendizagem dos alu-nos, à formação de classes mais homo-gêneas quanto aos interesses por contada faixa etária dos alunos. Os argumen-tos utilizados nos anos 50 para a implan-tação da promoção automática continu-am atuais, embora exista hoje um maioramadurecimento em torno de suas pos-síveis fundamentações pedagógicas,bem como mais experiências em redesde ensino e avaliação de seus impactosnas taxas de aprovação.2

Os debates e as propostas em tornode modificações no sistema de promoçãono ensino fundamental marcam longa datano Brasil. O levantamento bibliográfico naRBEP demonstra que experiências interna-cionais de promoção automática datam daprimeira metade do século 20 e muito in-fluenciaram pesquisadores e políticos bra-sileiros, especialmente a partir da décadade 50 em diante. Entretanto, chegamos aoinício do século 21 ainda com interroga-ções e com uma pauta de questões acer-ca do tema ainda não equacionado.

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2 Para mais dados, consultar:Fernandes (1997); Franco,Fernandes e Bonamino(2000); Fernandes e Franco(2001).

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Recebido em 30 de março de 2001.

Cláudia de Oliveira Fernandes, mestre em Educação pela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), é doutoranda em Educação (Avaliação da Apren-dizagem e Políticas Públicas) nessa universidade.

Abstract

This paper presents a review of literature on age-based form allocation policies.Articles reviewed were published at Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP)during the 50's. The paper discusses to what extent the present debate about organizingschooling in learning cycles are similar to the arguments advanced at that time.

Keywords: learning cycles; evaluation; automatic progression; age-based formallocation; promotion; repetition; school failure.

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ESTUDOS

Raimundo Benedito doNascimento

Palavras-chave: ambienteLogo; Geometria; metodologiapedagógica; paradigmaalternativo; criatividade;ambiente de aprendizagem.

A Geometria via ambiente Logo

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A Matemática torna-se maissignificativa para um aluno queestá constantemente em contatocom ampla variedade deproblemas. Este artigo tem oobjetivo de motivar o professor anão poupar esforços paraestimular suas classes deGeometria com problemas queconduzam os alunos para alémdos exercícios rotineiros. Oambiente Logo é a estratégiametodológica alternativa que nosconduzirá ao objetivo proposto.

Introdução

A Geometria euclidiana tem sido me-nos ensinada nos últimos anos. Observa-se que, no ensino fundamental e médio, asituação é caótica. A razão desse declíniodeve residir não na insatisfação quanto aoseu conteúdo, mas nas dificuldadesconceituais advindas das argumentaçõeslógicas que constituem a essência da Ge-ometria euclidiana. A maioria das dificul-dades conceituais que se observam nosalunos em sala de aula está relacionadacom a maneira de organizarem o raciocí-nio e construírem argumentações lógicas.

A Geometria, tal como é ensinada tra-dicionalmente, precisa mudar. Chegou omomento de refletir sua evolução e per-ceber que ela deve inserir também atecnologia do presente. Os alunos de Ge-ometria deveriam aprender como os con-ceitos e idéias dessa disciplina se aplicamem vasta gama de feitos humanos – naCiência, na Arte, entre outros. Além disso,

deveriam experimentar a Geometria ativa-mente. Uma maneira de lhes proporcionaressa experiência é através da informáticano currículo escolar. Dessa forma, é possí-vel acreditar na construção de um ambi-ente que permita a interação do aprendizcom o objeto de estudo. Esta interação,contudo, não significa apenas o apertar deteclas ou o escolher entre opções de "na-vegação"; a interação deve passar alémdisto, integrando o objeto de estudo à rea-lidade do sujeito, dentro de suas condi-ções, de forma a estimulá-lo e desafiá-lo e,ao mesmo tempo, permitindo que as no-vas situações então criadas possam seradaptadas às estruturas cognitivas, propi-ciando o seu desenvolvimento. A interaçãodeve abranger não só o universo aluno/computador, mas, sobretudo, o aluno/alu-no e aluno/professor, através ou não docomputador.

Um excelente meio de comunicaçãocapaz de criar um ambiente construtivistaé o ambiente Logo.1

A Geometria proporcionada pelo ambi-ente Logo é um paradigma alternativo deGeometria, assim como o paradigmaaxiomático de Euclides é bem distinto doparadigma analítico de René Descartes. En-quanto o paradigma de Euclides é lógico, ode Descartes é algébrico. A Geometria doambiente Logo é um estilo computacional deGeometria. Euclides construiu sua geome-tria a partir de um conjunto de conceitos fun-damentais, um dos quais é o ponto. A Geo-metria proporcionada pelo ambiente Logotambém possui uma entidade fundamentalsemelhante ao ponto de Euclides. Esta enti-dade, denominada de Tartaruga, ao contrá-rio do ponto euclidiano, é dinâmica.

O Logo, desde a sua criação, por vol-ta de 1967, até 1976, ficou confinado emalguns laboratórios, principalmente noMassachusetts Institute of Tecnology (MIT)e em outros centros, como o Departamen-to de Inteligência Artificial da Universida-de Edinburgh e o Instituto de Educaçãoda Universidade de Londres. Isso porqueos microcomputadores ainda não existi-am, e o interpretador Logo estava dispo-nível somente para computadores degrande porte.

No ano de 1976, o Logo sai do labora-tório e passa a ser utilizado na escola. Issoaconteceu graças ao projeto An EvaluativeStudy of Modern Tecnology in Education(Papert, 1976).

1 Neste trabalho foi utilizado aversão Slogow, em português.

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O Logo foi desenvolvido a partir dapremissa de que a programação poderiaser um instrumento eficaz na educação dejovens. Entretanto, trata-se de um ambi-ente sofisticado, cujo potencial pleno ain-da não foi atingido.

A metodologia Logo de ensino-apren-dizagem tem sido utilizada numa amplagama de atividades em diversificadas áre-as do conhecimento e com diferentes po-pulações de crianças. Dessa maneira, tem-se utilizado o ambiente Logo com crian-ças que não conhecem letras, palavras ounúmeros e, portanto, a atividade Logo pas-sa a fazer parte da alfabetização. É possí-vel também utilizar o ambiente Logo paraimplementar jogos e desenvolver ativida-des nas áreas de Matemática, Física, Bio-logia e Português, do ensino fundamentale médio (Valente e Valente, 1988; Nasci-mento, Maciel, 1999). A metodologia Logotem sido usada na educação especial,com crianças deficientes físicas, auditivas,visuais e crianças deficientes mentais.

É justamente este aspecto do processode aprendizagem que o Logo pretenderesgatar: um ambiente de aprendizadoonde o conhecimento não é passadopara a criança, mas onde a criançainteragindo com os objetos desse ambi-ente, possa desenvolver outros concei-tos geométricos. Entretanto, o objeto como qual a criança interage deve tornarmanipulável estes conceitos, do mesmomodo que manipulando copos ela adqui-ra idéias a respeito de volume. E isto éconseguido com o computador atravésdo Logo (Valente, 1993).

Um ambiente de aprendizagem que pre-tenda ter uma conduta de acordo com a teo-ria de Jean Piaget precisa lidar corretamen-te com o fator do erro e da avaliação. Dentrode uma abordagem construtivista, o erro éuma importante fonte de aprendizagem. Oaprendiz deve sempre questionar-se sobreas conseqüências de suas atitudes e, a par-tir de seus erros ou acertos, ir construindoseus conceitos, em vez de servir apenas paraverificar o quanto do que foi repassado parao aluno foi realmente assimilado, como écomum nas práticas empiristas. Neste con-texto, a forma e a importância da avaliaçãomudam completamente em relação às práti-cas convencionais.

O ambiente Logo é uma linguagem que:– promove o aprendizado através da

descoberta;– desenvolve a habilidade de resolver

problemas;– serve de suporte para o ensino de

Geometria.Os gráficos obtidos a partir da tartaru-

ga dentro do ambiente Logo podem serusados para desenvolver eficazmente einvestigar de maneira mais profunda tópi-cos de Geometria em dois níveis:

– para alunos cuja experiência com oLogo é restrita, podem ser inseridas nocurrículo atividades interativas sugeridaspelo professor;

– para alunos que já tiveram experiên-cia com o Logo, tarefas mais instigantes,que acarretem a escrita de procedimentos,proporcionam valiosa mudança de ritmo darotina das aulas de Geometria.

O ambiente Logo é seguramente uminstrumento através do qual se pretendedar vida à Geometria para o aluno.

Finalmente, a lista de sugestões des-critas neste trabalho, tais como ângulos,triângulos, polígonos regulares, séries ge-ométricas, fractais e tangram, contém idéi-as para implementar atividades com o Logopara alunos de Geometria de todos os ní-veis. Espera-se que estes exemplos sejamincorporados como paradigma alternativo,no ensino da Geometria, redimensionandoo ensino-aprendizagem dessa disciplina.

O ambiente Logo:primeiras idéias

Um giro completo da tartaruga em tor-no de si mesma equivale a 360°, conformea Figura 1, a seguir.

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Figura 1 – Posições da tartaruga na tela

Os comandos iniciais são (Figura 2):– parafrente (pf) número – movimenta

a tartaruga para frente, isto é, o númerode passos; desloca a tartaruga no sentidoem que ela estiver apontada;

– paratrás (pt) número – movimenta atartaruga para trás, isto é, o número depassos; desloca a tartaruga no sentidooposto ao que ela estiver apontando;

– paraesquerda (pe) número – gira atartaruga para a esquerda, isto é, o núme-ro especificado, em graus;

– paradireita (pd) número – gira a tar-taruga para a direita, isto é, o número es-pecificado, em graus;

– paracentro (pc) – movimenta a tarta-ruga para o centro da tela (posição[0 0]),sem alterar sua direção.

Figura 2 – Movimentos da tartaruga: comandos primitivos

O ambiente Logo, usado como ferra-menta instrucional na disciplina de Geo-metria oferecida no ensino médio, propor-ciona inúmeras oportunidades para que osconceitos e termos da Geometria informalsejam revistos e ampliados. Isto é, o Logofornece um ambiente para o aluno traba-lhar com algo familiar, porém com umaperspectiva inteiramente diferente. Nesseprocesso, o esforço ocorre naturalmente,mas, na maioria das vezes, resultam tam-bém novas relações e novas percepções.Este fato é verificado nas fases prelimi-nares do uso dos gráficos da tartaruga,quando se tenta construir diferentespolígonos. Para construir um triângulo no

papel, usando régua e transferidor, se fa-zem necessários o conhecimento da me-dida do comprimento de cada lado e asmedidas dos ângulos do triângulo, isto é,os ângulos internos à figura. Para cons-truir um triângulo no ambiente Logo, épreciso conhecer a medida do compri-mento de cada lado e as medidas dosângulos externos à figura.

A Figura 3 (na qual a é um númeropositivo) mostra dois triângulos retângulos.O triângulo (1) pode ser obtido através daseqüência de passos: pf a pd 135 pf a *raizq 2 pd 135 pf a.

O triângulo (2) pode ser obtido atra-vés da seqüência de passos: pd 90 pf a *raizq 3 pe 90 pf a pe 120 pf 2 * a.

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Figura 3 – Construção de triângulos

A Geometria da Tartaruga é uma Mate-mática arquitetada para propiciar umaprendizado por tentativas e exploraçãoe não uma Matemática que apresentaseus Teoremas e suas Provas (Abelson,Di Sessa, 1981, p. 3).

A construção de polígonos regularesusando o ambiente Logo é simples, o quepode ser verificado a partir da Figura 4.

Após girar os ângulos x, y, z, a tartarugase encontrará em sua posição inicial, isto é,a tartaruga terá girado 360°.

Figura 4 – Construção de polígono regular

Os ângulos x, y, z têm as mesmasmedidas, então a medida de cada umdeles será igual a: . Tem-se, portanto,

x = y = z = 120°. Em particular, o polígono daFigura 5 é obtido com os seguintes coman-dos: pf 50 pd 120 pf 50 pd 120 pf 50 pd 120.

Figura 5 – Polígono obtido com o uso de comandos

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A motivação proporcionada peloambiente Logo

"A experiência matemática de umapessoa estará incompleta se ela nunca ti-ver uma oportunidade de resolver um pro-blema inventado por ela própria" (Polya,1977, p. 66). Em particular, o professorpode mostrar a derivação de novos pro-blemas a partir de um outro que acaba deser resolvido e, assim fazendo, despertara curiosidade de seus alunos. O profes-sor pode, também, deixar alguma parte dainvenção para os alunos.

Os alunos devem ser orientados paraa resolução de um problema de váriasmaneiras distintas. O aprendizado podeocorrer a partir da análise de diferentesabordagens de um mesmo problema.Com efeito, proporcionando discussõesem sala de aula e focalizando as múltiplasmaneiras de resolver um mesmo proble-ma são atitudes válidas para a revisão eintegração do conteúdo abordado. "O am-biente Logo, em particular, estrutura-se de

uma característica ideal, capaz de estimu-lar os alunos a investigar mais de um cami-nho para chegar a uma solução" (Bezuszka,Margaret, Linda, 1994, p. 126).

Encontrar a solução de um problemaconstitui uma descoberta. Se o problemanão for difícil, a descoberta não será me-morável, porém não deixará de ser umadescoberta. Em qualquer descoberta, pormais modesta que seja, deve-se investigarse existe mais alguma coisa ainda por sedescobrir, preenchendo as possibilidadesoferecidas pelo novo resultado, tentandoutilizar novamente o procedimento adota-do. "É possível imaginar novos problemasa partir da familiaridade com os principaismeios de variação do problema, tais comoGeneralização, Particularidade, Analogia,Decomposição e Recomposição" (Polya,1977, p. 64).

A título de exemplo, cada um dos pro-cedimentos2 (a) e (b) abaixo gera, via am-biente Logo, um triângulo retângulo decatetos medindo x unidades e y unidades.

Segundo Polya (1977), os métodosgenéricos para resolver problemas devemser ensinados. Com efeito, algumas dasestratégias usadas na Geometria do am-biente Logo são casos especiais das su-gestões de Polya. Ele recomenda que, aoabordar um problema, deveríamos percor-rer uma lista mental de perguntas heurís-ticas, do tipo: esse problema pode sersubdividido em problemas mais simples?Pode ser relacionado com outro proble-ma que já sei como resolver? A Geome-tria proporcionada pelo ambiente Logo seadapta seguramente a esse tipo de exer-cício e acaba servindo como portadora deidéias genéricas de uma estratégiaheurística.

Em decorrência da influência dos tra-balhos de Polya, se tem sugerido,

freqüentemente, que professores de Ma-temática dêem atenção explícita à heurís-tica e ao conteúdo. O fato de essa idéianão ter criado raízes no sistema educaci-onal decorre da escassez de situações nasquais os modelos simples e eficientes deconhecimento podem ser encontrados e,quiçá, interiorizados pelos indivíduos. AGeometria proporcionada pelo ambienteLogo não só é valiosa em situações destegênero, como acrescenta ainda um ele-mento novo à idéia de Polya: "Para resol-ver um problema, procure algo semelhan-te que você já conheça e compreenda".

Os três procedimentos abaixo produ-zem um triângulo retângulo via ambienteLogo. Estes procedimentos são um desa-fio, uma vez que o professor propõe co-mandos equivalentes com o propósito deobter o mesmo resultado.

2 Os comandos contidos nosprocedimentos deste trabalhoestão definidos no Anexo.

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Fatos:– Procedimento 1 – Trata-se de uma

opção viável quando se procura proibir ouso do comando paracentro (pc).

– Procedimento 2 – Trata-se de umaescolha viável ao se proibir o uso dos co-mandos mudexy e paracentro (pc). A no-vidade neste procedimento é a utilizaçãodo teorema de Pitágoras.

– Procedimento 3 – Este procedimen-to é viável quando não se admite o usodos comandos mudexy, paracentro (pc),mudedç (md) e direçãopara. Neste proce-dimento, são usados o teorema dePitágoras, funções trigonométricas inver-sas e a relação: ângulo interno – ânguloexterno num triângulo.

Sugere-se ao leitor a elaboração deoutros procedimentos. Compare-os comos supracitados.

Observa-se através destes procedi-mentos que, no ambiente Logo, temos àdisposição uma fonte quase inesgotávelde situações similares. Além disso, nesteambiente, as novas idéias são adquiridascomo maneira de satisfazer uma necessi-dade pessoal de fazer algo que não seconseguia fazer antes.

A investigação em Geometria viaambiente Logo

O ambiente Logo proporciona uma sé-rie de investigações em Geometria. A títulode exemplo, o problema que trata de de-terminar o número de diagonais de umpolígono regular convexo de n lados. Abai-xo estão descritas algumas atividades típi-cas dispostas em ordem de dificuldade e

que podem ser experimentadas. Estas ati-vidades residem em escrever um procedi-mento para mostrar:

– um quadrado e suas diagonais;– um hexágono regular e suas

diagonais;– um pentágono regular e suas

diagonais;– um eneágono regular e suas

diagonais.O valor dessas atividades reside na

oportunidade de aplicar conteúdos estu-dados durante a disciplina Geometria, ademonstração da habilidade de resolverproblemas e a percepção de que é possí-vel resolver o problema mediante outrasabordagens.

O número d de diagonais de umpolígono de n lados é dado por

Em particular, para um polígono con-vexo regular de n lados (Figura 6), o proce-dimento escrito para o ambiente Logo sefundamenta no seguinte fato da Geometria:se conhecemos as coordenadas de doispontos P1 e P2 , então a distância entre P1 eP2 estará bem determinada, e a partir decada vértice do polígono sai o mesmo nú-mero de diagonais. Nos polígonos da Figu-ra 6, pode-se verificar estas afirmativas.

O procedimento abaixo resulta na sa-ída da Figura 6. Neste procedimento, seráadotada a convenção: L – designará o com-primento do lado do polígono, enquanto n– designará o número de lados.

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Figura 6 – Construção de polígonos convexos regulares de n lados

É preciso deixar claro que o procedi-mento acima, do qual resulta na Figura 6,apenas ilustra a solução do problema. En-tretanto, os dados acumulados decorren-tes da execução desse procedimento sãoessenciais para a dedução da fórmula (1).

Visualizando problemas comênfase na construção

A maioria das descobertas matemáti-cas e científicas tem desempenhado umafunção lingüística análoga, ao fornecerpalavras e conceitos para descrever o queanteriormente parecia amorfo para o pen-samento sistemático. "O exemplo maisvalioso do poder da linguagem descritivaé o surgimento da Geometria analítica, aqual desempenhou um papel decisivo nodesenvolvimento da ciência moderna"(Papert, 1980).

Segundo a lenda, Descartes inventoua Geometria analítica deitado na cama, aoobservar uma mosca no teto. A fertilidadede seu raciocínio pode-se imaginar: a mos-ca, movendo-se em ziguezague, esboçouum caminho real como os círculos e aselipses da Geometria euclidiana, mas quenão se enquadrou na descrição da lingua-gem de Euclides. Descartes viu, então, umamaneira de explicar isto: a cada momento,a posição da mosca podia ser descrita afir-mando-se quão distante ela se encontravadas paredes. Pontos no espaço podiam serdescritos por pares de números; uma tra-jetória podia ser descrita por uma equa-ção ou relação que é verdadeira para ospares de números cujos pontos estão so-bre a curva. O poder de simbologia repre-sentou um passo adiante, quando Descar-tes descobriu como usar uma linguagemalgébrica com o propósito de descrever oespaço, e uma linguagem espacial para

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descrever um fato algébrico. O métodocartesiano de coordenadas geométricas,nascido dessa circunstância, forneceu astécnicas que a Ciência tem usado paradescrever o movimento de moscas e deplanetas – e o movimento de objetos maisabstratos, os objetos da Matemática pura.

Pode-se argumentar que, enquanto paraum matemático como Euclides ou Hilbert,a Geometria começa com entidades inde-finidas, abstratas e elementares comopontos, retas e planos, para uma criança,geralmente, a Geometria começa por umamanipulação física de objetos reais, com-preendida globalmente, usada antes queanalisada, e freqüentemente especial (porexemplo: retângulo) mais do que geral(quadrilátero) (Fletcher, 1972).

As primeiras noções de Geometriapodem centrar-se, evidentemente, na ma-nipulação, desenvolvimento e construçãode objetos interessantes (embalagens dechocolate, invólucros de caldo de carne);a feitura destas e de outras formas – usan-do papel quadriculado, até que seja adqui-rida maior destreza com instrumentos; oufazendo modelos de estrutura das mesmasformas com canudos ligados por cordão.

A Geometria proporcionada pelo ambi-ente Logo pertence a uma família de Geo-metrias com propriedades não encontradasnos sistemas euclidianos ou cartesianos.Essas Geometrias são denominadas geome-trias diferenciais, desenvolvidas desde a épo-ca de Isaac Newton e que viabilizam a maiorparte da Física moderna. Em particular, aequação diferencial é o formalismo atravésdo qual os físicos foram capazes de descre-ver o movimento de uma partícula ou de umplaneta.

A ausência de bons desenhos tornaimpraticável explicar de maneira precisacertos conceitos em Geometria. O ambi-ente Logo mostra-se favorável e pode serprontamente utilizado como apoio, forne-cendo gráficos apropriados em muitascircunstâncias.

Com efeito, existem resultados gera-dos pelo ambiente Logo tão eficazes queasseguramos pertencerem à categoria dasprovas (demonstrações) sem palavras.

Os procedimentos abaixo geram, viaambiente Logo, a Figura 7. Nela pode-seobservar uma circunferência como limitede uma seqüência: p1, p2, ... pn, ..., depolígonos convexos regulares, quando n(número de lados do polígono) cresce demaneira arbitrária.

Figura 7 – Construção de circunferência

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O Logo na construção demodelos para séries geométricas

Esta seção é um pré-requisito para apróxima.

Os problemas de Matemática comcaracterísticas desafiadoras constituemparte essencial e desempenham valiosopapel na história dessa ciência.

Um problema proposto pelo filósofogrego Zenão de Eléia (495-435 a.C.) preci-pitou uma crise na Matemática, quando eleformulou alguns paradoxos engenhosos.Entre estes paradoxos, o mais conhecidoé denominado paradoxo do corredor, o qualpode ser formulado da seguinte maneira:

"Um atleta nunca pode alcançar a metanuma corrida porque tem sempre que cor-rer metade de qualquer distância antes depercorrer a distância total". Isto significaque, tendo corrido a primeira metade, teráque correr a segunda metade. Quando ti-ver percorrido a metade desta, falta-lhepercorrer a quarta parte do total. Quandotiver percorrido a metade desta quarta par-te, falta-lhe percorrer a oitava parte da dis-tância total e assim indefinidamente.

É possível reformular o paradoxo deZenão da seguinte maneira. Suponha queo atleta parte do ponto 1 (um) conforme aFigura 8, e tenta como objetivo alcançar oponto 0 (zero).

Figura 8 – O paradoxo de Zenão

As posições assinaladas com 1/2, 1/4,1/8 etc., indicam a fração do percurso quefalta ao atleta percorrer quando esses pon-tos são alcançados. Estas frações, cadauma das quais eqüivale à metade da an-terior, subdividem o percurso total numconjunto indefinido de pequenos segmen-tos cada vez menores. Para percorrer cadaum desses segmentos, se faz necessáriocerto intervalo de tempo e o tempo exigidopara percorrer todo o percurso é a somatotal de todos estes intervalos parciais. Di-zer que o atleta nunca atinge a meta signi-fica que ele não pode atingir esse ponto aofim de um intervalo de tempo finito.

Esta afirmação foi rejeitada 200 anosdepois de Zenão, com o desenvolvimentoda teoria das séries infinitas.

A teoria das séries infinitas permite atri-buir significado a uma igualdade do tipo

, na qual o primeiro

membro é uma soma com uma infinidadede parcelas. É claro que não tem sentidosomar uma seqüência infinita de númerosreais.

O significado de soma

será melhor enten-

dido analisando-se de maneira detalhadao paradoxo de Zenão.

Suponha que o atleta do paradoxo deZenão corre com velocidade constante eadmitamos que seja necessário T minutospara percorrer a primeira metade do per-curso. Na quarta parte do percurso, gasta-rá T/2 minutos, na oitava parte gastará T/4e, em geral, para a parte do percurso com-preendida entre 1/2n e 1/2n+1 necessitará

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de T/2n minutos. A soma de todos estesintervalos de tempo pode ser indicada sim-bolicamente pela expressão:

O problema consiste em verificar seexiste algum método para determinar umnúmero que possa ser denominado asoma desta série infinita.

A experiência mostra que o atleta quecorre com velocidade constante alcança-rá a meta ao fim do dobro do tempo ne-cessário para alcançar o ponto médio.Dado que o atleta gasta T minutos paraalcançar a metade do percurso, então eledeverá gastar 2T minutos para percorrer opercurso total. Este tipo de raciocínio su-gere fortemente que se deve atribuir asoma 2T à série infinita em (2) e espera-seque a igualdade dada por

seja verdadeira num certo sentido.A teoria das séries infinitas ensina

como interpretar a igualdade em (3). Aidéia é escrever primeiro a soma de umnúmero finito de termos, por exemplo, osn primeiros, e representar esta soma porsn. Têm-se,

A soma em (4) é denominada n-ésimasoma parcial da série. Estuda-se em se-guida o comportamento de sn quando nassume valores arbitrariamente grandes.Em particular, tenta-se determinar se asoma parcial sn converge para um limitefinito quando n cresce indefinidamente.

Algumas somas parciais de (3) sãorepresentadas abaixo.

Observa-se o fato de se escrever es-tas somas sob a forma:

Esta análise conduz à seguinte fórmu-la geral:

Finalmente, quando n cresce de ma-neira arbitrária, o termo 1/2n-1 aproxima-se de zero e sn aproxima-se de 2T. Por-tanto a igualdade em (3) é verdadeira se ainterpretarmos que 2T é o limite da somaparcial sn.

O fascínio dos fractais e asimplicidade do complexo

Tudo o que escapa à compreensão damente humana torna-se fascinante. Assimsão os fractais, estruturas geométricas degrande complexidade e beleza, ligadas àsformas da natureza, ao desenvolvimento davida e à própria compreensão do universo.

O ambiente Logo, com sua naturezaprópria de recursividade, é ideal para aanálise de polígonos e outras figuras cujaconstrução exige o processo recursivo.

Imagine a construção de uma curvapor um processo algorítmico. Considereuma simples regra iterativa de construção:substitua cada segmento de reta daiteração anterior por um chapéu de mes-ma extensão.

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É possível aplicar a regra acima aqualquer poligonal. No caso mais simples,parte-se de um segmento de reta horizon-tal de comprimento unitário. A Figura 9 ilus-tra a seqüência de formas que são possí-veis de se obter pela aplicação sucessivada regra. Se essa sucessão de aplicaçõesfosse ilimitada, qual seria a figura obtida?Seria uma poligonal? Certamente, não.Seria uma curva? Paramétrica, implícita?

O comprimento da curva-limite poderáser avaliado a partir dos comprimentos decada poligonal intermediária. Admitindo ocomprimento horizontal do segmento igualà unidade, a cada aplicação da regra subs-tituímos 1/3 do segmento por dois segmen-tos de comprimento igual a 1/3. Dessa ma-neira, a cada aplicação da regra de cons-trução, o comprimento da poligonal é mul-tiplicado por 4/3. Após k iterações o com-primento será (4/3)k, valor este que cresceindefinidamente com k (Figura 9).

Figura 9 – Iterações sobre a linha reta

Este é um exemplo de fractal obtidovia ambiente Logo. Apesar de complexo erico em detalhes, resulta de uma regraconstrutiva extremamente simples.

O procedimento abaixo gera, via

ambiente Logo, o fractal da Figura 10. Acurva obtida é baseada num quadrado.Neste exemplo, x representa a medida dolado do quadrado, enquanto y representao estádio da seqüência.

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Figura 10 – Estádios da construção de fractal

Se no estádio 1, o lado do quadradoé x unidades, então a série geométrica querepresenta o perímetro da figura fractaladaé dada por

Como , a série diverge e o pe-

rímetro é infinito. Por outro lado, a série

geométrica correspondente à área dafigura fractalada é dada por

Como , a série converge e a área

é finita e igual a . O ambiente Logo põe emevidência o fato de que a área do quadradofractalado é o dobro da área do quadradooriginal. De acordo com as superposiçõesdos estádios 1 e 4, este fato pode ser vistona Figura 11.

Figura 11 – Superposição dos quadrados fractados e original nos estádios 1 e 4

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O procedimento seguinte gera a Fi-gura 12. Mais uma vez, o ambiente Logo

mostra seu poderoso ambiente gráfico paragerar fractais.

Figura 12 – Procedimento para a construção da folha de samambaia por fractais

As experiências e as descobertasapoiadas pelo ambiente Logo são capa-zes de enriquecer o ensino de Geometria.

As novas tendências valorizam o ensi-no da Geometria. Ele é considerado funda-mental porque colabora com o desenvolvi-mento cognitivo das crianças. Há indíciosde que crianças que trabalham com formasgeométricas se tornam mais organizadas,desenvolvem a coordenação motora e vi-sual, melhoram a leitura, compreendemmais rapidamente gráficos, mapas e outrasinformações visuais.

A Geometria é considerada uma par-te essencial da Matemática. Desde queos seres humanos começaram a produ-zir Matemática, dois fatos sempre estive-ram presentes: números e formas geomé-tricas. A Aritmética (os números e as ope-rações) e a Geometria (as formas) são osdois ramos básicos da Matemática.

Finalmente, o problema, nas escolas,é o de conduzir a discussão sobre as figu-ras geométricas, de modo a:

– estimular e desenvolver a imagina-ção espacial do aluno; e

– fazer com que ele aprenda a pensarem hábitos que favoreçam seus estudosposteriores de Matemática.

O tangram

A lenda do tangram

Um sábio chinês deveria levar ao impe-rador uma placa quadrada de jade (pedraornamental muito dura), mas, no caminho, osábio tropeçou e deixou cair a placa, que separtiu em sete pedaços geometricamenteperfeitos. O sábio tentou consertar, e a cadatentativa surgia outra figura. Após várias ten-tativas, ele conseguiu formar novamente oquadrado. Os sete pedaços representariamas sete virtudes chinesas, dentre as quais,seguramente, uma seria a paciência. O sá-bio mostrou aos seus amigos as figuras queconseguira montar, nascendo então otangram.

O tangram é, na verdade, um quebra-cabeças composto de sete peças, utiliza-do na cultura chinesa desde os temposremotos.

A Figura 13 mostra as sete peças dotangram.

As atividades com o tangram consis-tem em montar determinadas figuras apartir das sete peças, conforme a Figura13, sem que haja superposição.

As sete peças do tangram são obtidasa partir do quadrado da Figura 14.

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Figura 13 – Peças do tangram

Figura 14 – Quadrado formado pelas sete peças do tangram

O tangram via ambiente Logo

Para a geração das peças do tangramvia ambiente Logo, considere a medida do

lado do quadrado da Figura 14, igual a L.A diagonal do quadrado da Figura 14 éigual a . Além disso, é possível deduziras seguintes medidas:

Para o quadrado Q, da Figura 14, amedida do lado é equivalente à quartaparte da diagonal do quadrado grande.

Isto é, Lado de Q: .

Enquanto isso, para o paralelogramo,

têm-se. Lado maior: . Lado menor: .

Os procedimentos abaixo geram, viaambiente Logo, as sete peças do tangram.O resultado é mostrado na Figura 15.

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Entre as inúmeras possibilidades deconstrução de figuras do tangram, osprocedimentos descritos a seguir têm opropósito de mostrar a beleza e o poder

que o ambiente Logo possui ao produzirfiguras.

O resultado dos procedimentos serámostrado na Figura 16.

Figura 15 – Peças de um tangram construído pelo ambiente Logo

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Figura 16 – Construção de figuras com peças do tangram

Comentários finais

O ambiente Logo é uma linguagemde programação do tipo interpretada, istoé, cada linha de programa é executadapelo interpretador. Este processo temcomo vantagem não necessitar uma com-pilação completa para cada mudança.

Outra característica única do ambien-te Logo é a tartaruga gráfica, uma série decomandos simples e poderosos que ma-nipulam a tartaruga.

Apesar da facilidade oferecida porqualquer ambiente informatizado, ele, porsi só, não garante a construção do conhe-cimento. Em particular, para que haja qual-quer avanço no conhecimento matemáti-co, é fundamental que o professor plane-je as atividades que serão desenvolvidas.

Seguramente, admite-se ser uma tarefa di-fícil conciliar o que se julga fundamental paraser aprendido com a liberdade de ação doaluno. Com efeito, se o objeto de estudo éo aprendizado da disciplina Geometria, faz-se necessário planejar atividades para tal.Isto significa dizer que não basta apenas oaprendiz ter à sua disposição um programade atividades em Geometria.

Finalmente, pode-se imaginar a utili-dade do computador sob dois prismas: noprimeiro, o computador permite ou obrigao aprendiz a externar expectativas intuiti-vas – quando a intuição é traduzida numprograma, ela se torna mais acessível à re-flexão; no segundo, idéias computacionaispodem ser tomadas como materiais parao trabalho de (re)modelação do conheci-mento intuitivo.

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Recebido em 12 de abril de 2001.

Raimundo Benedito do Nascimento, doutor em Tecnologia (Teoria da Informação eComunicação) pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é professor adjun-to do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (Núcleo de Avaliação Edu-cacional) da Universidade Federal do Ceará (UFCE) e coordenador do Laboratório dePesquisa em Avaliação e Medida Psicoeducacional dessa universidade. [email protected]

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Abstract

Mathematics becomes more significant for a student who is constantly in contactwith a considerable variety of problems. The purpose of this article is to motivate theteacher to make every effort to stimulate his Geometry classes with problems taken fromthe everyday lives of his students. The Logo environment is an alternative methodologicalstrategy, which leads to this proposed objective.

Keywords: Logo; Geometry; pedagogical methodology; alternative paradigm;creativity; learning environment.

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Anexo

Comandos da versão Slogow em português usados no texto

pf número – movimenta a tartaruga para frente, isto é, o número de passos, nosentido em que ela estiver apontando;

pt número – movimenta a tartaruga para trás, isto é, o número de passos no sentidooposto ao que ela estiver apontando;

pe número – gira a tartaruga para a esquerda , isto é, o número especificado emgraus;

pd número – gira a tartaruga para a direita, isto é, o número especificado em graus;

pc – movimenta a tartaruga para o centro da tela;

uL – coloca o lápis sob a tartaruga;

un – suspende o lápis da tartaruga;

dt – faz a tartaruga desaparecer da tela;

ad – apaga todos os traços deixados na tela, sem modificar a posição e direção datartaruga;

mudedç (md) número – muda a direção da tartaruga para o número corresponden-te em graus;

direçãopara lista – retorna um número que equivale ao ângulo que a tartarugadeve girar para poder atingir o ponto na tela especificado por lista. Esta lista deverá sercomposta de dois elementos, onde o primeiro elemento indica a coordenada x e osegundo indica a coordenada y;

coorx – retorna o valor da coordenada cartesiana x da posição atual da tartaruga.No estado inicial do Logo, a coordenada x da tartaruga é 0 (zero);

coory – retorna o valor da coordenada cartesiana y da posição atual da tartaruga.No estado inicial do Logo, a coordenada y da tartaruga é 0 (zero);

mudexy número1 número2 – movimenta a tartaruga para uma posição absoluta detela. O argumento são dois números, onde número1 representa a coordenada x e nú-mero2 representa a coordenada y;

sentença (sn) objeto1 objeto2 – retorna uma lista formada pela concatenação deobjeto1 e objeto2;

raizq número – retorna a raiz quadrada do número;

atribua (atr) palavra objeto – define uma variável designada por palavra e comconteúdo objeto;

coloque (col) objeto palavra – define uma variável denominada por palavra comconteúdo objeto. Esse comando é análogo à primitiva atribua.

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ESTUDOS

Ormezinda MariaRibeiro

Palavras-chave: pesquisaqualitativa; universidade;ensino.

Por que investir em pesquisa qualitativa?

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... existem certas inovações fertilizantes queé muito útil conhecer porque podem facili-tar o cumprimento das funções universitá-rias específicas e fazê-las desempenhar umpapel de aceleradores intencionais datransformação social.(Ribeiro, 1969, p. 36)

Apresenta uma reflexãosobre a importância da pesquisana e para a universidade, dandoênfase à necessidade de seimplementar, nos centrosuniversitários, a pesquisaqualitativa. Atentando para o fatode que esse tipo de pesquisanem sempre é reconhecido comolegítimo, procura, numa rápidaabordagem sobre as funções dauniversidade no decorrer de suahistória, alertar para a prementenecessidade de se adotar apesquisa, sobretudo a qualitativa,como eixo norteador das demaisatividades acadêmicas,colocando-a como diferenciadorde universidade e colégiossuperiores.

Introdução

Iniciar um texto citando Darcy Ribeiroincita-nos a pensar a educação com umolhar de antropólogo...

Perfazendo os caminhos pelos quaispassou a universidade ao longo de suahistória, estabelecemos uma ponte para

algumas reflexões que têm ocupado nos-so espírito ultimamente: Por que investirem pesquisa qualitativa? Qual o papel dauniversidade nessa questão? O que defato representa a pesquisa, no âmbito dauniversidade?

Dentre as mais diversas funções incor-poradas pela universidade desde o seuadvento, a mais difundida é, sem dúvida, ade responsável pela universalização dosaber. Entretanto, à universidade contem-porânea são atribuídas diversas funções,que se modificam conforme o contexto his-tórico, segundo suas exigências e neces-sidades imediatas.

A princípio, a universidade esteve li-gada à conservação e transmissão do sa-ber acumulado, a serviço da verdadeconstituída e isenta de incorporar novasdescobertas. Hodiernamente, chama a sia obrigação de garantir a universalidadedo saber, por meio de uma organizaçãointegrada, que deve se fundamentar embases epistemológicas sólidas, com vis-tas à criação de centros de excelência oude especialização, que não primem porlimitar o conhecimento a uma especiali-dade, mas que agreguem também a arti-culação de outros saberes. Assim, semdeixar de lado o ensino, sua vocação ori-ginal, a universidade incorporou nessafunção as demais funções que lhe são atu-almente inerentes, a extensão e a pesqui-sa. Além de guardar e repassar o saberproduzido fora de seu âmbito, a universi-dade passou a produzir o conhecimentopor meio de pesquisas, que são devolvi-das à sociedade, quer em forma de for-mação de novos profissionais, quer emforma de extensão universitária, cujainterlocução com a sociedade deve ser ofator preponderante.

Conforme destaca Guimarães (2000,p. 81): ''a extensão deixa de ser mera pres-tação de serviços à sociedade para ser umórgão vital do preenchimento dos interes-ses e das necessidades do grupo social, oque a torna uma ferramenta de mudançada sociedade''.

Carlos Rodrigues Brandão,1 com muitapertinência, destaca que o trabalho de criarpesquisas, a ação de motivar a pesquisa éque estabelecem o diferencial entre a verda-deira universidade e os colégios superiores.

Uma instituição que almeja o título deuniversidade, ou deseja assegurá-lo, deveatentar para esse aspecto. Paulo Freire(1989, p. 45) já dizia que "não há pesquisasem ensino e nem ensino sem pesquisa".

1 Em palestra proferida no en-contro com professores deMetodologia Científica da Uni-versidade de Uberaba, parti-cipantes do grupo Aprendera Aprender Pesquisando, nodia 19/6/2000.

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Devemos seguir a trilha desses sábioseducadores, se quisermos alçar vôos mai-ores, no sentido de sairmos da condiçãode país subdesenvolvido e alcançar a pla-taforma de primeiro mundo. Sem pesquisanão há ação que se sustente. É na universi-dade que se desenvolvem pesquisas. E éa partir das descobertas, ou dos resulta-dos dessas pesquisas que se eleva o pa-drão de vida da sociedade, quer no planoda educação, da saúde, da tecnologia oudo meio ambiente. Silva (2000, p. 62), res-salta que ''a pesquisa é o esforço humanopara descobrir os meandros da realidadecomo natureza e como organização histó-rica dos homens em sociedade''.

Quando se fala em pesquisa, fala-seem sociedade e não há como pensar emsociedade sem considerar os seus aspec-tos, dinâmico e interacional. O homem,parte integrante dessa sociedade, encon-tra seu hábitat entre outros homens, seussemelhantes, que guardam em si a indivi-dualidade e a alteridade inerentes à con-dição humana. Portanto, cada um é umser individual, dentro de um coletivo quese altera constantemente. Pesquisa-separa aplicar nessa sociedade e pesquisa-se dentro dessa sociedade.

A universidade, que se apresenta nes-sa sociedade, que não é mais tão-somen-te a guardiã do saber institucionalizado,que pretende se firmar, enquanto espaçode produção e difusão do conhecimento,deve adotar a pesquisa como atividadefundamental em seu seio, pois, como res-salta Demo (1997, p. 6), ''o que melhor dis-tingue a educação escolar de outros tipose espaços educativos é o fazer-se e refa-zer-se na pesquisa''.

Silva corrobora essa asserção, quan-do afirma que a pesquisa se situa no cernedefinidor da educação escolar e que, aosustentar e acompanhar o desenvolvimen-to do conhecimento, evita que este se es-vazie na reprodução iterativa sem forçatransformadora. Esse educador observaque não há conhecimento que não envol-va, de alguma forma, o ato da pesquisa,ponderando que:

Se historicamente o ato da pesquisa foise recolhendo aos átrios de grupos sele-tos de pesquisadores, também historica-mente hoje a pesquisa tem seu espaçoampliado pela presença, não apenas noslaboratórios ou no recôndito de algunsintelectuais, mas no cotidiano das salasde aula, na árdua tarefa docente do trato

do conhecimento entre os professores ealunos (Silva, 2000, p. 64).

Em face dos novos paradigmas emer-gentes numa sociedade em mudança con-tínua, há que se pensar também em novasabordagens de pesquisa. Há de fazer-se umexercício contínuo para uma concepçãomais elástica das concepções cartesianassobre "método", uma vez que a segurançadas compreensões obtidas nas investiga-ções qualitativas radica-se no pesquisadore no diálogo pesquisador/comunidade.

As ciências sociais chamam a si a ne-cessidade de firmar um caráter científico,considerando o embate que travam com asciências naturais, no sentido de mereceremo estatuto de ciência. Seu objeto, sendo his-tórico e determinado por um conjunto defatores, que se confundem com a própriasociedade, têm, na provisoriedade e no di-namismo, características fundamentais.

Assim, se pensarmos consoante aprópria natureza dessas ciências, não po-deremos conceber uma definição decientificidade tal qual se pensa para asciências da natureza; contudo, não po-demos negar caráter científico das Ciên-cias Sociais sob a alegação de que nãoé neutra, de que encerram um compro-metimento ideológico que não pode serignorado, posto que a visão de mundotanto do observador quanto do objetoestão intrinsecamente interligadas. Mashá de se compreender que as CiênciasSociais possuem instrumentos e teoriascapazes de estabelecer "uma aproxima-ção da suntuosidade que é a vida dosseres humanos em sociedades, aindaque de forma imperfeita e insatisfatória",conforme assegura Minayo (1994, p. 15).

O objeto das Ciências Sociais é essen-cialmente qualitativo. A realidade social é opróprio dinamismo da vida individual e co-letiva. Existe uma identidade entre sujeito eobjeto. Observador e objeto são de nature-za idêntica. O investigador também faz par-te da observação por ele mesmo realizada.

Na pesquisa qualitativa quem estabele-ce os parâmetros de rigor não é o método,mas o pesquisador e a comunidade que vaiconsumir e gerar a pesquisa.

Há que se repensar a concepçãopositivista, cuja tendência básica é a sus-tentação de que aquilo que não se contanão se escreve, pois, entender que a me-dida é uma coisa boa é diferente de afir-mar que só é bom aquilo que se pode

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medir. O próprio Descartes, embora posi-tivista, dá-nos a liberdade de interpretar seusmétodos, sem, contudo, empregá-los deuma maneira absoluta, quando afirma: ''Semeus escritos valem alguma coisa, possamos que os tiverem (...) utilizá-los do melhormodo que entenderem'' (Descartes, 1965,p. 42).

Nossa concepção de ciência temsuas origens na concepção clássica deciência, que, em nome da objetividade edo caráter científico, difunde a idéia deque não pode haver afinidade entre pes-quisador e pesquisado. Essa mentalida-de preconiza o distanciamento. Hoje apesquisa qualitativa oferece oportunida-des de novas interpretações. O investi-gador e o investigado gozam de parida-de no contexto da pesquisa. Todavia, nãose rompe com os dados quantitativos,mas abrem-se caminhos para os senti-mentos, as emoções e as interações. Osdados qualitativos e os dados quantitati-vos são coadjuvantes da mesma cena.Não se pode negar totalmente o quanti-tativo. Contudo, não se pode tratar doassunto apenas como um aspecto se-mântico, a questão não é somente desubstituição de números por palavras.

Na pesquisa sociolingüística inter-acional, por exemplo, a descrição etno-gráfica, cujo objetivo central é documen-tar e analisar aspectos específicos do pro-cesso comunicativo (verbal e não-verbal)e contextualizar esse processo no gruposocial em que ele ocorre, caracteriza-sepor ser uma metodologia qualitativa porexcelência, conforme afirma Bortone(1996a, p. 390):

O argumento central da pesquisa resideno fato de a identidade social e étnicaser em grande parte estabelecida emantida pela linguagem. Isto se deve nãosó às características históricas e ideoló-gicas através das quais os grupos sãoestruturados, como também pelos sím-bolos e identidades criados que mode-lam e direcionam as formas discursivasque estão sendo analisadas.

A focalização da análise etnográficaestá na situação de uso, nos hábitos diári-os e sistematizados e na organização ló-gica e comportamental desse uso. Assim,a coleta de dados e sua análise secomplementam mutuamente (Bortone,1996b, p. 24).

Tanto a sociedade para a qual se pes-quisa quanto a universidade, na qual sedesenvolve a pesquisa, são formadas porseres humanos, que não são números es-tatísticos simplesmente, mas seres que seinteragem e se modificam a despeito de umquociente frio. Ao contrário do que pensamos positivistas, cartesianos mais ortodoxos,a pesquisa qualitativa não acaba com a ve-racidade dos fatos, contudo, ao evidenciaras emoções, descortina novos rumos, apon-tando para o mais próximo possível da rea-lidade. O lugar dos resultados da pesquisanão é mais o gráfico e a tabela, mas o pró-prio homem. Aquele que desencadeia, rea-liza e serve-se da pesquisa.

O ser humano não é um ser compar-timentado e não pode estar enquadradoem simples dados com comprovação arit-mética ou tabulado como um elementoneutro.

Silva enfatiza que a sociedade atual, emcontínuo processo de transformação e do-minada pela força globalizante, cuja neces-sidade está voltada para a atividade de pes-quisa marcada pela práxis humana plenade significados e de interpretações teóricas,exige que se repense os caminhos da pes-quisa, para que se estabeleça também anatureza e a função social da EducaçãoSuperior no Brasil. Para esse educador, éfundamental que o conhecimento teorica-mente elaborado se interponha à práticaempírica, pois ''a pesquisa puramenteempírica, que se volta e se esgota nos da-dos, não tem condições de se afirmar nouniverso científico'' (Silva, 2000, p. 62).

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Segundo Thiollent (1996, p. 31), apesquisa-ação é um tipo de pesquisasocial, com base empírica, organizadade modo participativo, com a colabora-ção de pesquisadores e de membros dogrupo, implicados em determinada situ-ação ou prática social, de modo a iden-tificar os problemas e buscar soluções.Destaca, ainda, que a pesquisa-ação(PA) é uma forma de pesquisa participan-te (PP), mas que nem todas as pesqui-sas participantes são pesquisa-ação,embora muitas vezes sejam tomadascomo sinônimas. Para esse autor, na PPa preocupação participativa está maisconcentrada no pólo pesquisador do queno pólo pesquisado e não desencadeiauma ação propriamente dita, uma vezque os grupos pesquisados não sãomobilizados em torno de objetivos espe-cíficos, mas deixados às suas atividadescomuns, e o fato de os pesquisadoresparticiparem das situações observadasnão caracteriza, por si só, uma PA.

Para Thiollent (1985, p. 83), a idéia ésimples: esse tipo de pesquisa visa mobi-lizar pesquisa à ação apontando seus efei-tos para pesquisador e pesquisado, poisalém da participação dos investigadores,a PA supõe também uma participação dosinteressados na própria pesquisa, que éorganizada em torno de uma ação plane-jada e de uma intervenção com mudan-ças dentro da situação investigada. Assim,rompe com o behaviorismo e incita o pes-quisador a sair do laboratório, a buscaroutros campos.

Thiollent2 enfatiza que, para a pesqui-sa-ação acontecer deve haver uma inten-ção de pesquisar e uma vontade de mu-dar, devendo ter um objetivo duplo: resol-ver problemas dos usuários e fazer progre-dir os conhecimentos fundamentais. Seusresultados devem estar voltados para osmodos de resolução de problemas concre-tos, encontrados no decorrer da realizaçãodo projeto; os conhecimentos devem estarvalidados pela experimentação durante apesquisa-ação e voltados para a formaçãode uma comunidade com capacidade deformular novos questionamentos para pes-quisa e estudos.

Há de se salientar que a pesquisa qua-litativa encontra respaldo na comunidadecientífica internacional e encontra apoio nosnovos paradigmas de ciência, além de ofe-recer soluções mais adequadas aos usuá-rios nas áreas técnicas, destacando-se o

fato de que, por meio da pesquisa, é possí-vel rever o novo papel da universidade. Poroutro lado, os críticos da pesquisa-ação sali-entam que falta rigor e precisão de método,que existe a possibilidade de se confundirciência com cultura popular, de criar uma fal-sa expectativa e ainda que se corre o riscode veicular a ideologia do pesquisador.

É possível que esses temores venhama se concretizar, se não existir uma éticaque conduza os rumos da pesquisa enorteie as ações do pesquisador. Entre-tanto, é mister observar que essas ressal-vas também cabem em uma pesquisa deconcepção positivista. Se falta ética a umpesquisador cartesiano, também essepode adulterar ou manipular resultados aosabor de sua ideologia.

O que ocorre de fato é que a pesqui-sa-ação incomoda a um grupo. Incomodaao grupo que monopoliza o saber, que nãotem interesse em dividir o conhecimentocom os atores. Incomoda àqueles que sóentendem como ciência o que é feito emum laboratório, isolando e quantificandodados.

Se pensarmos a educação como umprocesso que promove a mudança dementalidade, compreenderemos a neces-sidade de participarmos como sujeitosdessa mudança, não como um númerotabulado, mas como agente de transforma-ção, pois ''nada se faz entre os homens sema consciência e o trabalho dos homens, etudo o que tem o poder de alterar a quali-dade da consciência e do trabalho, tem opoder de participar de sua práxis e de serparte dela'' (Brandão, 1986, p. 82).

Uma universidade que faz jus ao títulonão pode tão-somente adotar o ensinocomo função preponderante, mas devechamar a si a responsabilidade de desen-volver e estimular a pesquisa não só juntoao seu corpo docente e de pesquisado-res, mas, sobretudo, com seu corpo dis-cente, abrindo espaços para a pesquisaqualitativa, pois é a partir da pesquisa par-ticipante que o ensino superior adota umaforça pedagógica capaz de superar a meratransmissão de conhecimentos, fazendocom que o aluno seja protagonista de seusaber.

Há que se concluir com Brandão(1986, p. 78), concordando que:

A idéia de que a educação não serve ape-nas à sociedade, ou à pessoa na socieda-de, mas à mudança social e à formação

2 Palestra de abertura do 2ºFórum de Investigação Qua-litativa (FIQ), em 8/6/2000, naUniversidade Federal de Juizde Fora (MG).

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conseqüente de sujeitos e agentes na/damudança social, pode não estar escritade maneira direta nas ''leis do ensino''. Afi-nal, as leis quase sempre são escritas porquem pensa que nem elas nem o mundovão mudar um dia.

Daí a grande importância de se es-timular a pesquisa qualitativa na univer-sidade. Daí a urgente necessidade de seimplementar a ação de ''aprender aaprender pesquisando'',3 entre docentese discentes.

Encerrar este texto citando outro an-tropólogo instiga-nos a pensar a educa-ção como um caminhar do homem, so-bre o qual este traça o seu futuro, tendocomo bússola a pesquisa da qual é par-ticipante e sem a qual a universidade seperderia. E, assim, ousamos parodiarBrandão4 afirmando que: as pesquisasnão mudam o mundo. As pesquisas mu-dam as pessoas. As pessoas mudam omundo.

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Recebido em 25 de abril de 2001.

Ormezinda Maria Ribeiro, doutoranda em Lingüística pela Universidade EstadualPaulista (Unesp/Araraquara), é professora do Instituto de Formação de Educadores daUniversidade de Uberaba (Uniube).

3 Proposta de trabalho do Gru-po de Apoio Pedagógico ePesquisa (Gapp), do Institu-to de Formação de Educa-dores da Universidade deUberaba, para o Encontro deProfessores de MetodologiaCientífica, durante a Sema-na de Seminários, nos dias16, 17 e 18/5/2000.

4 "Os livros não mudam o mun-do. Os livros mudam as pes-soas. As pessoas mudam omundo." (Carlos RodriguesBrandão).

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Abstract

In this text, a reflection on the importance of the research in and for the university ismade, giving emphasis on the necessity of implementing, in the university centers, thequalitative research. Being attentive by the fact that this type of research is not alwaysrecognized as legitimate, it tries, as an approach on the functions of the university duringits history, to alert for the pressing necessity of adopting the research, specially thequalitative one, as an axle of other academic activities, placing it in the position of universitydifferentiator and upper colleges.

Keywords: qualitative research; university; education.

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O problema da educação de adultos*

Lourenço Filho

Palavras-chave: educação deadultos; fins da educação.

SEGUNDAEDIÇÃO

* Palestra realizada a convitedo Centro de ProfessoresNoturnos do Rio de Janeiro.Publicada originalmente naRevista Brasileira de EstudosPedagógicos, v. 5, n. 14, p.169-185, ago. 1945. Ilu

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O movimento de ensino deadultos começou, em fins doséculo 17, pelas escolasdominicais e escolas noturnas,ligadas, na sua maioria, acorporações religiosas e comprograma restrito à alfabetização.Destinavam-se principalmente àsclasses operárias, e, em diversospaíses, evoluíram para o tipo decursos de instrução profissional ede prática em ofícios e indústrias.A educação de adultosdesempenha as seguintesfunções: a) supletiva, visandosuprir ou remediar deficiências daorganização escolar no combateao analfabetismo; b) profissional,para reajustar o homem às novascondições de trabalho; c) cívica esocial, quando se dirige aoimigrante, adolescente ou adulto,para lhe facilitar a adaptação aonovo país, e também ao migrante,uma vez que alta porcentagem dapopulação apresenta-se emgrupos quase "marginais",desconhecedores de direitos edeveres cívicos; d) de difusãocultural, pois as exigências decompleto programa de educaçãopopular reclamam instrumentoscomumente utilizados sob adenominação de "educação extra-escolar". Colocada a questão: "atéque ponto os adultos podemeducar-se?", conclui-se que asinstituições educativas precisam

preparar-se para atender aosadultos que desejam aprender,educar-se e reeducar-se, mesmona mais avançada idade, e, paraalcançar essa meta, faz-senecessária uma metodologia deensino especial. Faz menção àsatividades culturais voltadas paraa educação de adultos na cidadedo Rio de Janeiro, em 1945.

Introdução

Em seu mais amplo sentido, a "educa-ção" é a influência que as gerações adultasexercem sobre as novas gerações, para quea estas transmitam suas técnicas, idéias,sentimentos e aspirações. Normalmente,recebem educação os jovens; ministram-lhaseus maiores. A expressão "educação deadultos" parece oferecer, portanto, contra-dição entre os seus próprios termos, ou,pelo menos, problema que reclama estudoparticularizado.

Certo é que a palavra "educação" temacepções mais restritas. Ela indica aquelacomunicação cultural, de uma a outra gera-ção, para continuidade da vida coletiva, porprocesso natural e espontâneo; mas podesignificar ainda, de modo especial, a parteintencional e deliberada desse processo.

Certo é também que a vida coletiva nãose passa num só grupo homogêneo – pas-sa-se em muitos – e que, neles, variam ospadrões de cultura. É de crer que, dessavariação e conseqüente conflito, hajam sur-gido os esforços intencionais, mais ou me-nos graduados e sistematizados, para a for-mação específica que ao fortalecimento de

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cada grupo convenha. Por isso mesmo éque a ação de educação tem tido, e tem, aconcorrência da família, da Igreja, dos gru-pos profissionais, do Estado.

Desde os começos do século pas-sado para cá, a educação foi sendo maisclaramente deferida ao Estado, que pas-sou a planejá-la e a exercê-la de modopreponderante. Por toda a parte, esta-beleceram-se sistemas públicos de edu-cação; montaram-se redes escolarespara difusão de um mínimo de cultura;pretendeu-se e pretende-se a educaçãouniversal. Se a organização desses sis-temas pudesse ser completa, todas ascrianças e jovens acorreriam às escolas,nas idades certas. E se o funcionamen-to das instituições escolares pudesse terplena eficiência, apresentar-se-iam oshomens feitos dotados das capacidadesa desejar-se, para perfeito ajustamentosocial. Não se ofereceria, então, o pro-blema da educação de adultos, ou nãoteria ele os característicos que ainda hojeapresenta.

Mas, a verdade é que, mesmo nospaíses de mais sólida organização e demais abundantes recursos, a realizaçãoacabada daquele ideal não tem sido pos-sível. De uma parte, há dispersão da po-pulação e a sua relativa mobilidade; deoutra, resistência às obrigações escolares.Existem ainda flagrantes diferenças indi-viduais quanto à capacidade de aprendi-zagem. E não é tudo. Por mais adianta-das que sejam as instituições escolares,não chegam elas a dar sempre, e a todasas crianças e jovens, aquelas capacida-des, técnicas, ideais e valores, que a vidaadulta vem a reclamar, no devido tempo.Tais e tantas têm sido as variações da vidacontemporânea, nesta época de "civiliza-ção em mudança", que o processo esco-lar não tem bastado como recurso normalde educação intencional. A necessidadede educação ou de reeducação está as-sim presente em todas as idades.

Função supletiva

O caso de numerosíssimas pessoas,que chegam à idade adulta, sem mesmohaverem logrado o domínio das técnicaselementares da cultura – a leitura, a escritae os rudimentos do cálculo – é, sem dúvida,o mais premente. A educação de adultosapresenta-se, assim, a um primeiro exame,

em sua função supletiva, a de suprir ou re-mediar deficiências, a ineficiência ou inca-pacidade da organização escolar. Aparece,em novos e velhos países, com a mesmafeição: a do combate ao analfabetismo, mui-to embora nisso não se possa conter todo oseu conceito.

Seria inútil, no entanto, obscurecer aimportância da aprendizagem da leitura eda escrita. Sem o domínio dessas técnicaselementares, o homem de hoje permaneceem minoridade cultural; não pode, por simesmo, cumprir numerosos atos da vidacivil; na maioria dos países, está incapaci-tado para a vida política. Tão grave situa-ção encontra justificativa na incapacidadeque ele tem de intercomunicação social, oude ligar-se mais fácil, pronta e eficientemen-te, à vida da comunidade a que pertença.

Numa grande cidade, o homemiletrado é elemento sempre dependentede outrem; nas pequenas povoações, ouno campo, homem "marginal", ao qual nãopodem chegar, por via direta, os proble-mas de mais relevância na vida cívica; es-tão-lhes defesas, em grande parte, as con-quistas da civilização e da cultura, no paíse no mundo. Se toda uma pequena povo-ação do interior é analfabeta, então esseaspecto de "marginalidade" se agrava etende a perdurar.

As influências do analfabetismo navida geral de uma região, ou de todo umpaís, não carecem de ser salientadas, tan-to são evidentes. Sem o comércio prontode idéias, incapacitado de reajustar seuspadrões de cultura às exigências da vidamoderna, peiado por superstições de todaa sorte, na luta contra a doença e na aqui-sição de novas técnicas do trabalho, oiletrado é obstáculo ao progresso.

Simples cotejo entre o teor de produ-ção de populações geralmente maiseducadas ou menos educadas, em nossopróprio País, não deixa dúvidas a respeito.Segundo os índices de produção, expres-sos pela capacidade tributária estadual,verifica-se que há regiões brasileiras emque, a cada habitante, cabem cerca de1.600 cruzeiros anuais; outras, nas quais,tal índice desce a 20 cruzeiros. A razão,como se vê, é de um para 80. Nas primei-ras regiões, por estes ou aqueles motivos,há taxas de mais elevada cultura popular;as demais oferecem ínfima porcentagemde letrados.

Verifica-se, pois, que não será por sim-ples interesse dos indivíduos que convém

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disseminar a cultura, a ser dada por ensi-no supletivo, quando não o tenha sido porensino nas idades próprias: será por inte-resse coletivo e por sentimento de coope-ração social. As taxas de analfabetos, nasidades de 18 anos e superiores, reveladaspelo recenseamento de 1940, impõem-nos, a todos, uma penosa, mas urgentetarefa. O desenvolvimento observado narede escolar, nestes últimos 20 anos, mi-norará a situação de futuro. Mas há a ques-tão do presente, que é preciso atacar, poismuito do desequilíbrio atual da vida do Paísdeverá ser explicado mais pela extremavariação de cultura, entre os contingentesde nossa população, que mesmo pelavariação de raça, de clima ou de recursosnaturais.1

O aumento da precária rede de ensi-no supletivo existente no País, para ado-lescentes e adultos analfabetos, apresen-ta-se como urgente medida de organiza-ção social. Ensino supletivo, mais quesimples alfabetização. A aprendizagemda leitura e escrita, a entender-se a to-dos, será um meio, não um fim. Possibili-tará apenas; não exercerá, por si só, atu-ação positiva. Quer para as crianças querpara os jovens e adultos que hajam es-capado à ação da escola nas idades pró-prias, a questão deverá ser posta, semdúvida alguma, nesses termos de "edu-cação", não nos de simples alfabetização.

Os resultados de uma escola puramen-te literária, ou de ensino formal, de par, écerto, com outras condições de vida coleti-va, podem ser vistos, aliás, em muitos nú-cleos da população do interior. A homense mulheres não armou a escola para osencargos sérios da vida e, especialmente,para as exigências do trabalho ou de lutaeconômica. Não armou também para queutilizassem a leitura e a escrita na melhoriadas condições de saúde, de vida cívica,artística, religiosa, ou de mais larga com-preensão humana. Por muitos pontos, en-contram-se numerosos indivíduos, que jásouberam ler e escrever, e que foramreabsorvidos depois pela incultura ambien-te. A simples posse do instrumento não ostornou, portanto, elementos ativos eprestantes à vida social.

A observação desses casos é bastan-te expressiva e nos leva, por si mesma, acompreender outras funções da obra de"educação de adultos", que, insistimos,não se pode conter na feição de suprir asdeficiências da rede escolar primária.

Função profissional

Entre essas outras funções, a de rea-justar o homem às novas condições de tra-balho apresenta-se como das mais impor-tantes. A educação de adultos deve ter, naverdade, este outro objetivo, o profissional,de interesse tanto aos indivíduos como àcoletividade. Aos indivíduos, porquantolhes dá novas oportunidades para reajus-tamento econômico e social, e, assim, paramelhoria de vida e progresso; à coletivida-de, para que a produção se torne mais or-ganizada e eficiente.

Na função do ensino supletivo elemen-tar, a educação de adultos tem a intençãode remediar, ou de suprir apenas as falhasdo aparelhamento de ensino comum. Decerto modo, procura eliminar valores ne-gativos. Na função, que agora examina-mos, visa criar valores positivos.

É de salientar que foi mesmo por esteaspecto que a educação de adultos tomouforma mais definida e expressão autôno-ma. Não se nega que o movimento de en-sino de adultos tenha começado, já nos finsdo século 17, pelas escolas dominicais eescolas noturnas, ligadas, na sua maioria,a corporações religiosas e com programarestrito à aprendizagem de letras. Destina-das, porém, na sua maioria, a elementosdas classes operárias, elas haveriam logode evoluir, em diversos países, para o tipode cursos de instrução profissional e deprática em ofícios e indústrias (Bryson,1936, p. 35). Deram, na Inglaterra, as cha-madas continuation schools; na França, oscours d'enseignement post-scolaire; nosEstados Unidos, as evening e part-timeschools.2

Todo esse movimento acompanha, aprincípio, o do progresso industrial, parareajustamento dos trabalhadores às novasformas de produção; amplia-se, depois, naoferta de maiores oportunidades para pro-gresso profissional e cultural. Numerososcursos de aprendizagem industrial caracte-rizam esta função profissional de educaçãode adultos, e com ela, o ensino da matemá-tica, do desenho técnico, de rudimentos dasciências físico-químicas. Segundo as exi-gências da vida econômica e, também, dasconquistas sociais dos trabalhadores, essasrealizações têm tomado diferente feição emcada país.3

A função profissional na educação deadultos tem despertado, nos últimos tem-pos, em nosso País, variadas iniciativas.

1 Os dados do recenseamen-to de 1940 dão, para todo oPaís, a taxa de 45% de alfa-betizados, nas idades de 18e mais anos, com variaçõesregionais muito grandes. Éassim que, na Região Sul, osalfabetizados representavam60%; na Região Norte, 46%;na do Leste, 45%; na do Nor-deste, 30%. Os trabalhos doGabinete Técnico do Serviçode Recenseamento mos-tram, por outro lado, que, doano de 1930 para cá, houvesensível elevação na taxa dealfabetizados, se levarmosem conta os grupos de po-pulação de 15 e mais anos,sobre os quais tenha agidoa escola primária nos últimosanos. Essa cota era apenasde 34,5%, em 1920; de 39%,em 1930; orça atualmentepor 46%. O acréscimo geral,ou seja, em todos os gruposde 15 e mais anos, foi de seteunidades. O acréscimo nosgrupos de idades, em quetenha agido a escola primá-ria comum, foi evidentemen-te muito maior. Em 1930, asescolas primárias contavampouco mais de dois milhõesde alunos; contam agoracom cerca de 3,5 milhões.

2 Assinalam-se as primeiras re-alizações desses tipos naFrança, em 1788; na Inglater-ra, em 1800; na Saxônia, em1835; nos Estados Unidos,pouco depois. A elas estãoligadas também as primeirasiniciativas de organização doensino profissional técnico.

3 Das evening-schools, nos Es-tados Unidos, surgiu tambémo movimento dos chamados"liceus" e "chautauquas", deque trataremos adiante.

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Não seria de estranhar que elas tivessemsurgido, primeiramente, nos centros demais ativa vida industrial. A antiga EscolaProfissional de São Paulo (hoje EscolaTécnica Getúlio Vargas) criou alguns cur-sos "de aperfeiçoamento", para adultos,logo após a sua fundação, em 1911, e ostem grandemente desenvolvido depois.Nas Escolas de Aprendizes Artífices,estabelecidas em 1909, criaram-se, algunsanos depois, cursos noturnos de Letras ede Desenho, para operários, destinados"a torná-los mais aptos em seus ofícios".O Regulamento do ensino, da Prefeiturado Distrito Federal, expedido pelo Decre-to nº 2.940, de 22 de novembro de 1928,reorganizou as escolas noturnas já exis-tentes, sob a denominação de "cursospopulares noturnos", atribuindo-lhes ex-pressamente a finalidade de ministrar "en-sino técnico elementar", e determinando,ademais, que a sua localização fosse feita"em centros de população proletária maisdensa". Decreto nº 4.299, de 25 de julhode 1933, passam esses cursos a ter a de-nominação mais ampla de "cursos de con-tinuação e aperfeiçoamento", seu desen-volvimento leva à criação da Diretoria deEducação de Adultos e Difusão Cultural,conforme se vê do Decreto nº 7, de 2 desetembro de 1935, e que ora apresenta otítulo geral de Departamento de DifusãoCultural, com um Serviço de Educação deAdultos.4

Os cursos do Serviço Nacional deAprendizagem Industrial, para aprendizese trabalhadores, como também boa partedos cursos da Divisão de Aperfeiçoamen-to do Departamento Administrativo doServiço Público, representam ainda inici-ativas de educação de adultos, com cará-ter estritamente profissional.

Modalidade peculiar de ação educa-tiva desse gênero começa a aparecer, tam-bém, entre nós, sob a forma de "cursosde correspondência", útil, sem dúvida, edigna de estímulo, embora por vezes in-certa e perigosa.

Função cívica e social

Quer pelo aspecto supletivo, querpelo aspecto profissional, que acabamosde examinar, a educação de adultos sur-ge como esforço no sentido de equilí-brio e reajustamento do indivíduo ao seuambiente social. Este caráter pode ser

destacado, no entanto, para o caso es-pecial de certas categorias de adultos,que reclamam atuação educativa de ca-ráter predominantemente cívico e social.

Para ilustrar a hipótese, basta lembrara situação das massas de população queemigram. Procurando, na luta pela vida, umnovo país, de outra língua, outras leis, ou-tras instituições e costumes, o imigrante,adolescente ou adulto, necessita de auxílioque lhe facilite a adaptação ao novo ambi-ente. Trabalho especialmente notável, nes-te particular, têm realizado grandes paísesde emigração, como os Estados Unidos e aArgentina. E a desatenção a esse proble-ma, de parte de nossos poderes públicos,em outros tempos, tem-nos custado dificul-dades bem conhecidas. Filhos, netos, e ain-da bisnetos de imigrantes, não assimiladospor conveniente trabalho educativo, têmapresentado problemas muito sérios à pró-pria segurança do País.

Não só ao imigrante se aplica, porém,a função cívica e de cunho social na educa-ção de adultos. Alta porcentagem de nossagente sertaneja apresenta-se em gruposquase "marginais", desconhecedores dedireitos e deveres cívicos, senão muitas ve-zes de modificações da legislação nacio-nal, que lhes interessa à vida econômica efamiliar.

O desenvolvimento da imprensa, dorádio e do cinema educativo poderá aten-der, em parte, a tais necessidades da edu-cação de adultos. As "missões culturais",desde que convenientemente planejadase seriamente realizadas, representam, noentanto, o recurso de eleição para essescasos,5 como, sem dúvida também, paraa difusão cultural, em geral.

Função de difusão cultural

Quando bem considerada, no entan-to, a difusão cultural apresenta-se comofunção distinta, na obra de educação deadultos. Na compreensão social de hoje,não só às classes mais favorecidas, ou auma aristocracia, cabem os benefícios dacultura, mas a todos. As exigências de com-pleto programa de educação popular trans-cendem, assim, os recursos que a escolacomum ou os cursos profissionais de adul-tos possam oferecer; reclamam instrumen-tos mais amplos, ou seja também aquelescomumente utilizados sob a denominaçãode "educação extra-escolar".

4 Para histórico do ensino in-dustrial em São Paulo, cf.Silveira (1945); para históricoda educação de adultos noDistrito Federal, cf. Lemme(1940). Este trabalho repre-senta o primeiro estudo pu-blicado em nosso País espe-cialmente sobre educação deadultos.

5 "Missões culturais" têm sidoempregadas para este efeitono México, na Espanha, emCuba, e ainda, em menor es-cala, noutros países. No Bra-sil, as primeiras tentativasdesse tipo foram realizadasno Estado do Rio de Janeiro,no decorrer do ano de 1944.

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O principal característico destes pro-cessos é o de não se dirigirem a uma cli-entela certa, como a escola; outro, o denão exigirem, normalmente, qualquer obri-gação por parte dos educandos, ou dosbeneficiários da ação cultural que desen-volvam. Praticamente, ocupam as horas delazer, tomando a feição de útil recreação.

As bibliotecas públicas e os museus dearte ou de ciências foram as primeiras insti-tuições desse gênero. Os concertos públi-cos, o teatro popular, e mais modernamente,o cinema e o rádio têm servido, por igual, aúteis programas de difusão artística.

Programas mais sistemáticos podemtomar também a forma de "cursos de ex-tensão", de freqüência inteiramente livre; de"clubes de estudo", "centros de debate", ou"fóruns", ligados, ou não, a institutos deensino ou a bibliotecas. Organizações des-te gênero têm tomado, por vezes, o nomede "universidades populares".6

Algumas escolas dominicais, emMassachussets, nos Estados Unidos, evo-luíram no sentido de organizações de tiposemelhante, e aí funcionaram, com onome de "liceus". Por volta de 1840, maisde três mil cidades norte-americanas pos-suíram "liceus", alguns dos quais famosos,como o de Boston, que teve o concursode grandes figuras como Daniel Webster,Emerson e Thoreau. Depois da Guerra deSucessão, declinou o movimento, mas ou-tras organizações apareceram, com o tí-tulo, à primeira vista estranho, de "chau-tauquas", o qual ainda perdura.7

Certo de que os modernos proces-sos de difusão cultural, pela imprensa,rádio, teatro e biblioteca circulante têmtomado, nas grandes cidades, muitasdas funções educativas dantes ads-tritas a essas organizações. Naspequenas cidades, no entanto,elas continuam a desempe-nhar relevante papel. Hajavista os "gabinetes de lei-tura", as "associações fi-larmônicas" e os "clu-bes literários e dramá-ticos", que nos deixoua tradição portuguesa,em muitas localidadesdo interior. Até certo pon-to, elas desempenharam,entre nós, o papel dos "li-ceus" e das "chautauquas" nor-te-americanas.

Como definir a educaçãode adultos

Examinadas, assim, as grandes fun-ções da educação de adultos, que qualifi-camos de supletiva, profissional, cívico-social e de difusão cultural, e indicadostambém os seus mais prestadios instru-mentos, podemos compreender, agora, adificuldade que há em defini-la, de manei-ra concisa.

6 A denominação tem sido em-pregada para designar cen-tros de estudos da mais di-versa organização, ora desimples "difusão cultural", orade cursos teóricos e práticos,para preparação ou aperfei-çoamento técnico-profissio-nal. A cidade de Piracicaba(SP) manteve, por muito tem-po, uma ativa organização dedifusão cultural sob o título de"Universidade Popular". Nacapital do mesmo Estado, foirecentemente fundada umaorganização do mesmo tipoe que tem em vista realizarvasto programa de educaçãode adultos.

7 A Chautauqua Institution, pro-pulsora do movimento, foifundada, em 1871, às mar-gens do lago do mesmonome (Estado de New York)quando aí se reuniu um cur-so de verão para a prepara-ção de mestres das "escolasdominicais" mantidas pelaIgreja Metodista. O programadas "chautauquas" consistia,especialmente, em ciclos deconferências, seguidos dediscussão, concertos e repre-sentações teatrais populares(Bryson, 1936, p. 18).

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A este respeito será interessante co-tejar algumas afirmações tomadas a es-pecialistas da matéria na Inglaterra e nosEstados Unidos.8

Primeiramente, como faz notarLyman Bryson, num de seus escritos, otermo "adulto", para os efeitos práticosda educação, há de ser tomado em sen-tido muito elástico:

Um homem que, aos 30 anos, esteja pros-seguindo seus estudos para a conquistade um título de doutorado, é adulto, semdúvida alguma, quanto à idade. No en-tanto, está ele continuando a sua carreiraescolar, e, no sentido próprio da expres-são não está recebendo "educação deadultos". Por outro lado, um rapazinho de16 anos, que haja interrompido os estu-dos secundários e passado a freqüentaruma escola de continuação, é aí clientetípico de "educação de adultos".

Essa observação faz lembrar a defini-ção que, ao termo "adulto", dá um escritoringlês. "Que é um adulto?... É o indivíduonão obrigado à freqüência escolar; porquesó então, estará ele livre para trabalhar ecumprir com as obrigações que cabem atodo homem feito..."

Talvez, por isso mesmo, não hesitamos autores em definir a "educação de adul-tos" como aquela, que caiba tanto a adul-tos como a adolescentes, como faz, porexemplo, Artur Moehlman (1940, p. 587):"Educação de adultos é expressão quedeve ser empregada para designar qual-quer plano, sistemático ou assistemático,de educação desde que destinado a ado-lescentes e adultos, e independente dosplanos escolares convencionais, de insti-tuições públicas ou particulares". Esta de-finição justifica, em parte, ao menos, aobservação da Enciclopédia de educaçãomoderna, quando diz: "A expressão 'edu-cação de adultos' pode significar coisasdiversas para cada pessoa".

Não será tanto assim, é claro. Todasas vezes que encontrarmos uma institui-ção, ou serviço, claramente concebidocom propósitos educativos, que se exer-çam sobre clientela constituída de pes-soas que não estejam freqüentando cur-sos de um sistema educativo comum, aícaberá a expressão. Suas funções sãovariadas, e variados os seus recursos.Nelas preponderam, pelo volume da cli-entela, as formas do ensino supletivo ede continuação; nas demais, exercidas

pelas instituições de difusão cultural, con-fundem-se com a "educação extra-esco-lar", como já observamos.

Até que ponto podem educar-seos adultos?

Do ponto de vista social, não podem sernegadas as vantagens de serviços organi-zados de educação de adultos. Mas, do pon-to de vista da capacidade de aprendizagem,até que ponto serão eles produtivos?

A pergunta não nos parece ociosa. Naobservação popular, "é de pequenino quese torce o pepino", e "boi velho não tomaensino"... Ainda em escritos de psicólogosrelativamente modernos, essas idéias per-duram. William James, por exemplo, afir-mou que "fora de suas próprias ocupações,as idéias obtidas pelos homens até 25 anossão praticamente as únicas de que pode-rão dispor no restante de sua vida. Nãopodem eles colher nada de novo" (Jamesapud Thorndike et al., 1928).

Os notáveis trabalhos experimentaisde Edward Thorndike, Elsie Bregman, J.W. Tilton e Ella Woodyard, publicados em1928, vieram, porém, modificar esse pon-to de vista, muito corrente mas não funda-mentado (Thorndike et al., 1928).

Na verdade, Thorndike e seus colabo-radores juntaram extensa documentação,colhida em experiência em escolas notur-nas de adultos, escolas de comércio e ins-titutos de ensino superior; e procederam aestudos comparativos, entre a capacida-de de aprendizagem na infância, na ado-lescência e idades mais avançadas; e pu-deram, por fim, concluir de forma diversado que se tinha por assentado. O resumogeral de todo o trabalho pode ser assimexposto, segundo as próprias palavras dospesquisadores:

A capacidade de aprender cresce desdea primeira infância, continuamente, atécerca dos 25 anos; daí por diante decres-ce, gradualmente e vagarosamente, naproporção de mais ou menos um por cen-to. A infância não se apresentou, em nos-sas experiências, como a melhor idadepara aprender, se com isso quisermos sig-nificar maior soma de aprendizagem nasmesmas unidades de tempo. A melhoridade para aprendizagem, nesse sentido,é a dos 20 aos 30; e qualquer idade entre30 e 45, é ainda melhor do que as quemedeiem entre 10 e 14.

8 A expressão "educação deadultos" (adult education) foiprimeiramente vulgarizada naInglaterra, onde se fundou,em 1918, a World Associationfor Adult Education; passoua ser usada, nos EstadosUnidos, depois de 1919. AAmerican Adult Educationdata de 1926 (Encyclopaediaof modern education, 1943).

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Os trabalhos de Thorndike e seus co-laboradores não esperaram por comprova-ção, por parte de outros pesquisadores.Num livro de Weisenburg e Macbride, edi-tado em 1936, encontra-se excelente resu-mo dessas novas investigações, pelo qualse verifica que as conclusões das primei-ras pesquisas não se modificaram na subs-tância. A maior extensão do desenvolvimen-to mental parece ocorrer, na verdade, tantopara os homens como para as mulheres,entre 20 e 30 anos. A plasticidade nervosae muscular pode perder-se, e realmente seperde, mas isso é compensado pela maiorcompreensão dos problemas, maior expe-riência adquirida e mais firme desejo deaprender. Assim, o que há, na realidade,não é a perda da capacidade de aprender,mas formas de aprender diferentes daque-las pelas quais normalmente aprendem ascrianças (Weisenburg, Macbride, 1936).

O que, de modo geral, nos leva à im-pressão de maior facilidade de aprendi-zagem da parte das crianças, é o fato deaprenderem elas uma enormidade de coi-sas na infância: a língua materna, o nomedas coisas, a pronúncia a gramática, osjogos, as lições escolares. A vida domés-tica e as instituições educativas estão, ade-mais, preparadas para ensinar às crianças,o que, é certo, não ocorre para com osadultos.

De tudo, conclui-se que os adultospodem aprender, educar-se e reeducar-se,mesmo na mais avançada idade. De certomodo, todos poderão repetir o dito céle-bre de Catão, o Antigo. Como quisesseeste grande romano aprender grego aos80 anos, perguntaram-lhe porque tinhaescolhido aquela idade para aprender. "Es-colher como?", perguntou ele, "neste mo-mento eu não tenho outra idade".

Poderão assim responder os alunosadultos. Não, porém, os seus mestres,quanto às formas e processos de ensinoque devam empregar. Porque aí há esco-lha a fazer, e, por vezes, delicada.

Metodologia especial do ensinode adultos

Não é da intenção desta breve pales-tra examinar a questão da metodologiaespecial do ensino de adultos. Cabemaqui, porém, algumas observações de or-dem geral a respeito. Como observa umautor, todas as vezes que alguém assuma

a responsabilidade de educar, necessitaráde ordem e método, isto é, de compreen-são segura dos fundamentos de seu tra-balho. É o conhecimento do método quedistingue o verdadeiro profissional do ama-dor, mesmo quando este possua o títulode... professor.

Quem pretende ensinar a adultos,como a crianças, precisará conhecer, porpouco que sejam, os processos de apren-dizagem e os princípios gerais da didáti-ca. Mas estes ainda não bastam. Há, naverdade, uma pedagogia especial paraadultos, já em parte fixada, em outra, ain-da flutuante. E há, também, cuidados es-peciais a tomar, em virtude das própriascondições do desajustamento do adulto,e da conseqüente situação de inferiorida-de cultural.

Se grandes são as diferenças indivi-duais, que se observam nas crianças,maiores são elas nas classes de adultos,porque mais variável é a experiência decada um. Nessas diferenças, salientam-se aquelas decorrentes da falta de treinopara aprender. São elas tão importantes,para o efeito geral que se queira obter,que Thorndike não hesitou em afirmarque no desuso da capacidade de apren-der é que o adulto encontra as maioresdificuldades; e, assim que, no segredoem restabelecer essa capacidade é queencontrarão os professores de adultos achave do êxito em seu ensino.

Nas classes de analfabetos adultos,muito especialmente, será grave erro con-fundir o desajeitamento no trabalho esco-lar com falta de inteligência; e, como oadulto, mais facilmente do que a criança,percebe os gestos de impaciência domestre, claro está que não atender a esteponto será desencorajar o aluno, ou agra-var-lhe o sentimento de inferioridade, quenaturalmente apresenta.

O primeiro cuidado estará em enten-der as dificuldades dessa situação; o pri-meiro objetivo será o de despertar a confi-ança do aluno em si mesmo, ou em suacapacidade de vencer a aprendizagem quese lhe proponha. Em conseqüência, doispontos deverão merecer especial atenção:1) a conveniente graduação das unidadesdidáticas, lições ou exercícios; 2) a propor-cionada "extensão" deles, encarada nãopelo número de elementos a vencer (sen-tença, palavras ou linhas) mas, sim, pelosnovos mecanismos de aprendizagem, quedevam ser dominados.

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Com as crianças, uma certa pressãorelativa à extensão da matéria é por vezesútil, e até mesmo necessária. Com o adul-to, será desastrosa. Um homem, ou mu-lher, a quem se observe, perante outros,que não aprendeu, ou que não aprendefacilmente, ficará de pronto desencorajado,perderá a confiança em si, tornando-secomo negativamente motivado para o tra-balho escolar.

A cada lição, ao contrário, desde quea matéria esteja convenientemente dosa-da, o professor mostrará que mais umadificuldade está vencida e que conviráprosseguir. Nada susterá mais ao estu-dante adulto do que esse sentimento decontinuado triunfo.

Por maior que sejam os recursos téc-nicos do professor, deverá ele lembrar-sede que necessita de grande dose de com-preensão humana ou espírito de serviçosocial. Se a todo e a qualquer professor,necessárias se tornam certas qualidadesde segura intuição psicológica, nos quedevam tratar com adultos essas qualida-des, são de todo em todo imprescindíveis.

Certos estudos têm demonstradoque as classes de adultos necessitam demais abundante material do que a pri-meira vista se possa supor. Quadros, fi-guras, desenhos esquemáticos, gráficos,livros ilustrados, influem beneficamentena instrução. Quanto às cartilhas, torna-se necessário que estejam adaptadas aovocabulário e aos interesses do adulto;tanto quanto procuramos fazer com ascrianças, neste ano, devemos fazer comos adultos. O uso das cartilhas infantisaumenta, para muitos, o seu sentimentode inferioridade pelo inevitável confron-to de sua situação com a dos escolaresna idade própria, seus próprios filhos,parentes ou conhecidos.

Forma natural de contrabalançar essasituação será a de tratar de assuntos deinteresse direto da vida do adulto. Embo-ra os alunos ainda não saibam ler ou es-crever, poderão receber ilustração oral,sobre os mais diversos temas de Geogra-fia, História, Ciência, higiene, problemasda vida social. Isso os confortará, dando-lhes maior segurança em suas capacida-des e reafirmando neles o incentivo dacultura.

Nessas lições orais (que deverão ter, depreferência, a forma de diálogo, e não a demonólogo do professor), dever-se-á desco-brir, tanto quanto possível, os interesses e

aspirações naturais do aluno. Na criança, demais fácil imaginação, certas lições ainda queum pouco apartadas dos interesses imedia-tos, podem atrair. No adulto analfabeto, não.A sua vida tem sentido positivo ou real. Háproblemas concretos, com os quais se de-fronta. Se ele não sente que o ensino, queesteja recebendo, lhe é funcional, dele sedesviará por senti-lo menos útil, ou poucooportuno.

A educação de adultosdo Distrito Federal

Dirigindo-me aos ilustrados professo-res de ensino supletivo, e especialistas deoutros ramos de educação de adultos, noDistrito Federal, desnecessárias se tornammaiores considerações quanto a essespontos. Já tivemos ocasião de fazer refe-rência às diversas fases de continuado pro-gresso desses serviços na capital do País,e bem sabemos de seu atual desenvolvi-mento e da eficiente orientação que lhesvem sendo dada pelo Departamento deDifusão Cultural, da Secretaria Geral deEducação e Cultura, da Prefeitura, profici-entemente dirigido pelo dr. Henrique Ba-tista Pereira. Sabemos igualmente da coo-peração em estudos, cursos especiais einvestigações coordenadas pelo Centro dePesquisas Educacionais, sob a esclarecidachefia do dr. Pedro Pernambuco Filho.9

A esse trabalho, não tem faltado a en-tusiástica colaboração do Centro de Profes-sores de Ensino Noturno, que aqui nos con-grega, para a inauguração desta série depalestras. Será oportuno relembrar que, emdocumento que dirigiu ao sr. prefeito doDistrito Federal, solicitando a aprovação dosprogramas dos cursos de Educação deAdultos, o sr. coronel Jonas Correia, ilustresecretário-geral de Educação e Cultura, teveocasião de salientar "a competência, o cri-tério, a dedicação e a cultura do magistérionoturno, que não deixa que passem as opor-tunidades de firmar, com a mais convincen-te das singelezas, a sua vocação, de sededicar inteiramente à educação das mas-sas humanas necessitadas".

Por contar com auxiliares de tais méri-tos é que a Prefeitura do Distrito Federaltem podido dar grande desenvolvimentoao ensino de adultos, nos últimos anos.Com efeito, se em 1943, eram pouco maisde sete mil os alunos dos vários cursos, já

9 Por solicitação do referido De-partamento, o Centro de Pes-quisas Educacionais já reali-zou, no corrente ano, doiscursos especiais para os pro-fessores de ensino elementarde adultos; cursos esses acargo das professoras IzaGoulart Macedo (didática) eAraci Muniz Freire (orientaçãoeducacional).

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no exercício seguinte subiam eles a 8.345e, no corrente ano, ultrapassam 11 mil.Para esse resultado, é de salientar-se acriação de mais dez cursos elementarespara adultos, e, a título de experiência, dequatro cursos de artes femininas, que ali-ados a outros cursos técnicos, represen-tam verdadeiras "escolas de continuação".

Conveniente será indicar, embora depassagem, a rápida evolução de outrosserviços relacionados com a educação deadultos, mantidos pela Secretaria Geral deEducação. Criados em 1935, eles apresen-tam surpreendente desenvolvimento, nemde todos conhecidos. Além do serviço deensino, a que já fizemos referência, exis-tem hoje o Serviço de Teatros, o Serviçode Bibliotecas e o Serviço de Divulgação.Este último, atuando pela imprensa, pelaradiodifusão, cinema escolar, discotecapública, recreação e cultura popular, vemrealizando obra realmente proveitosa. OServiço de Recreação e Cultura Popular,ultimamente instituído, já realizou 18 es-petáculos públicos em vários bairros dacapital; a Discoteca Pública recebeu a vi-sita de 11.611 consulentes, que se utiliza-ram de mais de 50 mil discos. São servi-ços que, por sua organização, honram aadministração pública e, por seus efeitosde difusão cultural, impõem-se à nossaadministração.

Concluindo

A educação de adultos, dantes limita-da, entre nós, a poucos cursos noturnosde Letras, vem, enfim, nestes últimos 12anos ensaiando outras formas e atenden-do às demais funções que deverá preen-cher. Merecem referência, nesse sentido,também as realizações do DepartamentoCultural da Prefeitura de São Paulo, e ain-da a de outras prefeituras, mesmo de pe-quenos municípios.10

O Ministério da Educação, por seulado, vem incrementando o serviço de bi-bliotecas, em todo o País, pelo InstitutoNacional do Livro; mantém o Serviço Na-cional de Teatro, o Instituto Nacional deCinema Educativo e o Serviço de Radio-difusão Educativa; criou o Museu Nacio-nal de Belas-Artes, o Museu Imperial e oMuseu das Missões, e reorganizou o Mu-seu Histórico e o Museu Nacional. Teve ainiciativa do Serviço Nacional de Aprendi-zagem Industrial. No atual momento, pelo

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos,empenha-se em ampla campanha de ex-tensão do ensino supletivo, por todo o País,para o que sugeriu a criação de ComissõesEstaduais e Territoriais de Educação deAdultos, que venham a coordenar a açãode comissões municipais e subcomissõesdistritais.

Tais iniciativas revelam como todos osaspectos do problema vão sendo agora con-siderados, para o desenvolvimento e a ele-vação de uma grande massa de brasileiros,que não puderam ter maiores oportunidadesde educação nas idades próprias.

Em época de destruição e de crise,como a que vivemos, depois de uma se-gunda conflagração mundial, torna-se ne-cessário reparar e reconstruir com rapidez.E, como afirma Joseph Hart,

não podemos admitir que seja a educa-ção das crianças de hoje que possa sal-var o mundo da destruição: o que poderáfazê-lo é a educação de adultos. É o adul-to quem deve perder a sua mentalidaderestrita, seus preconceitos egoísticos, cos-tumes inadequados e hábitos obsoletos.É ao adulto que deve ser dada a oportu-nidade mais rápida de refazer o mundo,pela ciência, pela tolerância, pela simpa-tia humana e pela organização racional.

Serão exageradas estas afirmações?...Se bem atentarmos para o panorama domundo, e no esforço que temos que pediràs gerações do presente, a fim de que te-nham melhor destino as gerações futuras,havemos de concluir que não. Na épocade acelerada mudança de hoje, o proble-ma da educação dos adultos, não apenassupletiva, mas de mais largo âmbito – pro-fissional, cívico-social e cultural – apresen-ta-se como indispensável recurso de rea-justamento e equilíbrio. O aspecto do en-sino supletivo, porém, na maior extensãodo País, reclama urgentes esforços, para"recuperação" de grandes massas de nos-sa própria gente. Nesse sentido, todas asforças vivas do País devem congregar-senuma campanha que a todos interesse emobilize. A obra da educação popular ge-neralizada, como por toda a parte se temevidenciado, não pode resultar apenas deesforços governamentais, mas há de serlargo e permanente empreendimento emque esteja atenta e vigilante a consciênciapública.

A contradição de termos da expressão"educação de adultos" a que de início alu-dimos é, na verdade, mais aparente que

10Deve ser salientado o exem-plo da Prefeitura de Itaocara,no Estado do Rio de Janeiro,que vem mantendo, já há al-guns anos, notável organiza-ção de educação de adultos,com serviços de biblioteca,museu regional, discoteca emoderna praça de educaçãofísica.

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real. Onde não tenha havido condiçõespara difusão da educação popular, nasidades próprias, ela não só se justifica,como se impõe, em face dos enormesproblemas do pós-guerra.

Organizar a educação de adultos, poronde quer que se torne necessária, serárecuperar valores sociais quase perdidos,

pela oferta de novas oportunidades; seráconcorrer para maior compreensão cívicasocial; será, enfim, reforçar, por todas asformas, a estrutura da vida nacional. É ela,enfim, obra de organização social, derevigoramento econômico e fundamentaçãodemocrática, necessária e urgente.

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Manuel Bergström Lourenço Filho (Porto Ferreira-SP, 1897 – Rio de Janeiro-RJ,1970), educador e escritor. Reorganizou o ensino normal e profissional do Estado deSão Paulo; criou o serviço de Psicologia Aplicada e o Instituto Pedagógico. Organizou edirigiu o Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Primeiro diretor do Instituto Nacionalde Estudos Pedagógicos (1938-1946), atualmente Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais (Inep). Principais obras: Testes ABC (1933), Tendências da educa-ção brasileira (1940), A pedagogia de Rui Barbosa (1954). Na literatura infantil, foi autorde Histórias de tio Damião (1946) e Pedrinho (1953).

Abstract

The movement of adult teaching started at the end of the 17th century by Dominicanschools and nocturnal schools, related, in their majority, to religious corporations andtheir programs were restricted to improve adult literacy. They were mainly intended for theworking class and, in several countries, they evolved into professional instruction coursesand into industrial practices. Adult education fulfils the following functions: a) acceleratedstudies in age grade gap group, whose main goal is to supply means to fight againstilliteracy; b) professional education, whose main goal is to re-adapt the person to new

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working conditions; c) civic and social education directed towards the teenager or adultimmigrant, to make their adaptation to the new country easier; and it is also directedtowards emigrants, since a high percentage of the population is the called "marginalpeople", not knowing of their civil rights and duties; d) cultural diffusion, because therequirements of a complete program of popular education need instruments commonlyused a designation of "extra-curricular education". So, when one questions: "to what degreecan adults educate themselves?", one concludes that the educational institutions need toprepare themselves to teach adults, even the older people, and, to reach this goal, aspecial teaching methodology is needed. The paper mentions the cultural activities directedtowards adult education in Rio de Janeiro, in 1945.

Keywords: adult education; for the education.

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Sistema Permanente de Avaliaçãoda Educação Básica do Ceará (Spaece)na vertente da avaliação do rendimento escolarMaria Iaci CavalcantePequeno

Palavras-chave: sistema deavaliação; rendimento escolar;uso de avaliações.

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Focaliza a avaliaçãoeducacional no Estado do Ceará,desde as primeiras experiênciasno fim da década de 70 até ainstitucionalização do sistemapróprio de avaliação do Estado,denominado Sistema Permanentede Avaliação da Educação Básicado Ceará (Spaece). Enfatiza osprocedimentos metodológicosadotados nesse sistema deavaliação, bem como algunsresultados e o uso pelasaudiências principais. Apresenta,finalmente, reflexões e lições queforam extraídas dessasexperiências que possam servirde balizamento para outrossistemas similares de avaliação.

Primeiras experiências e ainstitucionalização

da avaliação de sistema

Os primeiros antecedentes docu-mentados de avaliação educacional, noâmbito da Secretaria da Educação Bási-ca do Estado do Ceará, encontram-se nosrelatórios de pesquisa de projetos espe-ciais, desenvolvidos pela equipe de pes-quisa desta Secretaria em parceria coma Universidade Federal do Ceará no finalda década de 70 e início da década de80. Entre outros podemos citar: Avaliaçãoda situação atual do ensino agrícola(1979), Caracterização socioeconômicodas famílias residentes nas áreas selecio-nadas para atuação do Prodasec/Urbano

(1980), Avaliação do professor na utiliza-ção do material ensino-aprendizagem(Cartilha da Ana e do Zé), elaborado paraas escolas de 1º grau da zona rural (1982),Avaliação do desempenho do supervisore professor-coordenador no Sistema Su-pervisão Rural (1983), Avaliação do Proje-to de Desenvolvimento de Colônias dePesca Mundaú –Trairi, Ceará (1987), Ava-liação da ampliação da jornada de estu-dos na 1ª série do 1º grau da rede estadu-al de ensino do Ceará (1983); Estudosavaliativos de programas educacionais emdesenvolvimento no meio rural: Polonor-deste – Sertões de Quixeramobim e Mé-dio Jaguaribe (1981). Este último foi finan-ciado pelo Inep e utilizou o modelo pro-posto por D. Stufflebean e E. Guba, o de-nominado modelo Contexto, Entrada, Pro-cesso e Produto (CEPP). Trata-se de umaavaliação com a finalidade de estabele-cer o grau de correlação existente entreas aspirações básicas da população, ob-jeto do Programa Polonordeste e os obje-tivos e as mudanças pretendidas pela atu-ação deste Programa na Região.

Apesar dos esforços empreendidos eda relevância desses estudos na época, oaproveitamento dos resultados obtidos paraa tomada de decisão e reorientação da açãoeducacional foi incipiente. Isso porque es-sas investigações eram muito mais orienta-das para determinar fatores explicativos deuma dada realidade do que propriamentepara privilegiar a evolução dos fatos maisdiretamente relacionados com a utilidadesocial.

Somente a partir de 1990, com a reali-zação do 1º ciclo do Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica (Saeb), é queas preocupações na Secretaria de Educa-ção Básica do Ceará (Seduc) se voltarampara o sistema, os currículos, o rendimentoescolar e para verificar a influência dos fa-tores endógenos e exógenos no contextoeducacional. Isso deu origem assim, em1992, à criação do Sistema Permanente deAvaliação das Escolas Estaduais do Ceará,mais tarde denominado Sistema Permanen-te de Avaliação do Ensino do Ceará(Spaece), o qual se propõe a responder umaquestão fundamental: Qual a qualidade daeducação básica do Estado do Ceará? Maisespecificamente, o Spaece pretende fomen-tar uma cultura avaliativa no Estado do Ce-ará a partir do desenvolvimento permanen-te do sistema de avaliação; analisar as ne-cessidades de aprendizagem consideradasbásicas, tendo em vista a formulação e o

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monitoramento das ações educacionais;possibilitar a todos os elementos envolvidosno processo educativo (alunos, professores,diretores, pais, técnicos especialistas egestores) um acompanhamento efetivo dosresultados escolares que vêm sendo obti-dos no ensino fundamental e médio.

Em fevereiro de 2000, o sistema deavaliação foi institucionalizado por meio daPortaria nº 101, passando a denominar-se Sistema Permanente de Avaliação daEducação Básica do Ceará (Spaece),constando de duas vertentes: a avaliaçãodo rendimento escolar e a avaliaçãoinstitucional. A primeira segue uma abor-dagem mais quantitativa por ser uma ava-liação em grande escala. A segunda, maisqualitativa, por ser, sobretudo, uma avali-ação em processo e ter características deauto-avaliação das escolas. As duas ver-tentes não são excludentes. Ao contrário,se complementam, pois uma procura su-perar as limitações da outra e juntas for-mam hoje o Sistema Permanente de Ava-liação da Educação Básica do Ceará, acargo do Núcleo de Pesquisa e AvaliaçãoEducacional da Coordenadoria de Plane-jamento e Política Educacional da Seduc.Neste trabalho vamos nos deter somentesobre a vertente da avaliação do rendimen-to escolar.

Até o momento, a Avaliação do Ren-dimento Escolar/Spaece já realizou cincolevantamentos, abrangendo sempre asescolas estaduais e os alunos das sériesde saída do ensino fundamental, ou seja,das 4ª e 8ª séries.

O primeiro, em 1992, envolveu todosos alunos das escolas estaduais do municí-pio de Fortaleza. O segundo e o terceiro(1993 e 1994), além de Fortaleza, envolveu

os alunos das 4ª e 8ª séries das escolas es-taduais localizadas nas sedes das 14 anti-gas Delegacias Regionais de Educação. Oquarto, em 1996, envolveu os alunos das 4ªe 8ª séries das escolas estaduais situadasnas sedes dos 21 Centros Regionais de De-senvolvimento da Educação (Crede). Em1998, foram incluídos os municípios de For-taleza, as sedes dos 20 Credes e mais doismunicípios de cada Crede considerados demédio e pequeno porte, conforme sua den-sidade populacional.

Convém ressaltar que, desde 1994, oslevantamentos do Spaece ocorrem emanos alternados, intercalados aos ciclos doSaeb, os quais são sempre desenvolvidosnos anos ímpares. Assim, o Spaece é rea-lizado nos anos pares.

A implementação gradativa deste sis-tema de avaliação tem permitido fazer ajus-tes para atender às demandas do sistemaeducacional, bem como aperfeiçoar seusprocedimentos metodológicos.

No início, mais precisamente nos le-vantamentos realizados em 1992, 1993 e1994, as avaliações incluíam indicadoressobre as dimensões qualidade do ensino,produtividade do sistema e infra-estruturafísica das escolas. A qualidade do ensinoseria o nível atingido pela escola quanto àaprendizagem dos alunos de 4ª e 8ª séri-es, tomando como base as médias obti-das nas áreas básicas do conhecimento(Língua Portuguesa e Matemática). A pro-dutividade do sistema procurava medir aprogressão do aluno nas séries, a propor-ção de alunos aprovados em relação aonúmero de alunos que a escola recebeu,utilizando-se, para isso, a taxa de sucessoassim definida:

O indicador infra-estrutura física refe-ria-se à utilização da capacidade física ins-talada e ao nível de conservação da esco-la, seus ambientes, instalações e equipa-mentos. A capacidade física instalada eraentendida como a quantidade ideal de alu-nos que pode ser atendida nas salas deaula de acordo com seus turnos de funci-onamento e número de turmas, utilizan-do-se, para isso, o fator de utilização que

correspondia ao quociente entre a matrí-cula efetiva dos alunos regulares da esco-la pela capacidade física instalada.

A fim de atender às necessidades doplanejamento político-estratégico previstopara o quadriênio 1995-1998, ocorreramalgumas alterações na sistemática de avali-ação, ou seja, os indicadores infra-estrutu-ra física e produtividade do sistema foramsubstituídos por indicadores referentes ao

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professor e à gestão escolar, tornando oSpaece bem semelhante ao Saeb, porém,com uma distinção fundamental. O Saebutiliza uma amostra de escolas públicas eparticulares e fornece para as escolas osresultados gerais do Estado, enquanto oSpaece, a partir dos dados coletados,constrói um índice de qualidade de cadaescola, uma vez que tem característicascensitárias.

O sexto levantamento a ser realizadono final do ano 2000 será em todas as es-colas estaduais e introduzirá várias inova-ções como, por exemplo, técnicas maisacuradas de medição como a Teoria deResposta ao Item (TRI), incluirá a 3ª sériedo ensino médio, o período noturno eoportunizará, ainda, a participação pormeio de amostragem das escolas da redemunicipal e particular.

Como acontece em alguns países, oGoverno fornece os recursos necessáriospara avaliação enquanto organizaçõesnão-diretamente ligadas ao governo esta-dual são contratadas para fornecer as di-versas competências científicas e técnicasrequeridas pelo Sistema de Avaliação ga-rantindo, assim, maior isenção e credi-bilidade aos dados obtidos. Desta forma,a Secretaria da Educação Básica costu-ma contratar os serviços da FundaçãoCearense de Pesquisa e Cultura ou do Par-que de Desenvolvimento Tecnológico(Cetrede), instituições vinculadas à Univer-sidade Federal do Ceará, as quais ficamencarregadas das seguintes atividades:formulação e impressão dos instrumen-tos, controle de qualidade dos instrumen-tais (análise e pré-testagem), aplicação,processamento dos dados, análise esta-tístico-computacional e elaboração dos re-latórios. Por sua vez, a equipe interna daSeduc (Núcleo de Pesquisa e Avaliação)é responsável pela sensibilização, prepa-ração das unidades escolares, coordena-ção do trabalho de campo, supervisãogeral, elaboração dos relatórios-síntese edisseminação dos resultados.

Quanto aos instrumentos de avalia-ção do rendimento escolar, são utilizadostestes referenciados a critérios e que pro-curam aferir até que ponto os alunos da4ª série/2º ciclo, 8ª série do ensino fun-damental e 3ª série do ensino médio es-tão aprendendo e aplicando os conteú-dos e as habilidades explicitadas nosreferenciais curriculares da Seduc, manu-ais de apoio e cadernos de atividades dotelensino, parâmetros curriculares para o

ensino médio, nas áreas básicas de co-nhecimento de Língua Portuguesa, Mate-mática e Ciências. Além dos testes, os le-vantamentos incluem dois tipos de ques-tionários, um destinado ao professor decada disciplina avaliada e outro ao diretorda escola, constando de variáveis referen-tes ao perfil e prática docente e ao perfil eprática da gestão escolar.

No ano de 2000, os itens que com-põem os testes estão sendo construídospelos professores do ensino fundamentale médio da rede pública, escolhidos me-diante processo seletivo, o conformeEdital nº 4/2000. Previamente à elabora-ção dos itens, os professores receberamcapacitação por meio de oficinas, ondeelencaram, juntamente com a equipe decurrículo da Seduc, os 30 descritores1 decada disciplina que darão origem aos itensdos testes de rendimento.

Os tratamentos estatísticos mais utili-zados na avaliação de rendimento têm sidocorrelações, tabulações cruzadas simples,e algumas análises multivariadas. No mo-mento, a análise estatística dos resultadosdos testes está sendo revisada para asse-gurar maior confiabilidade na comparaçãodos dados obtidos em cada levantamentorealizado ao longo do tempo.

Alguns resultados e o uso pelasaudiências principais

Em Língua Portuguesa os alunos da4ª série/2º ciclo2 foram avaliados nas se-guintes habilidades: identificar regras docódigo lingüístico; identificar diferentes ti-pos de texto existentes em nossa socieda-de e as características que os diferencia;compreender a mensagem e as idéias deum texto; identificar e utilizar a função dossinais de pontuação; aplicar as regras deformação de diminutivo; conhecer sinôni-mos; dominar a estruturação da escrita; lere interpretar mapas; dominar a sintaxe.

Na 8ª série, em Língua Portuguesa, osconteúdos e as habilidades avaliadas fo-ram: dominar as regras de utilização deacentos e pontuação; dominar as regrasde utilização de pronomes; identificar osdiferentes tipos de texto existentes na nos-sa sociedade; dominar as regras de sinta-xe; conhecer e utilizar sinônimos.

Em Matemática, na 4ª série e no 2ºciclo, a avaliação privilegiou as seguinteshabilidades: operar com o sistema decimal

1 Os descritores consistem naassociação entre os conteú-dos curriculares e as opera-ções mentais (competênciase habilidades) extraídos dosreferenciais curriculares bási-cos, manuais de apoio dotelensino e matrizes cur-riculares do Saeb.

2 No levantamento realizadoem 1998, 40% das escolasestaduais estavam com tur-mas organizadas em 1º e 2ºciclos. O 2º ciclo (turmas de10 anos) equivale à 4ª série.

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de numeração; resolver problemas envol-vendo as quatro operações; operar como conceito de fração; resolver problemasenvolvendo números fracionários; operarcom o sistema métrico decimal; reconhe-cer figuras geométricas; calcular períme-tros; ler e interpretar gráficos.

Em relação à 8ª série, na disciplina deMatemática, os conteúdos e habilidadesavaliadas foram: operar com o conceito denúmero envolvendo números racionais, ir-racionais, decimais, etc.; operar com osconceitos de conjunto e de função; operarcom o conceito de função linear; aplicar oconceito e propriedades da função linearna resolução de problemas; operar comporcentagens e juros simples; operar comequações do 2º grau; operar em geome-tria com o conceito de proporcionalidade;operar com relações entre ângulos e ladosde um polígono; operar com as proprieda-des da circunferência.

Os resultados continuam a demons-trar que o desempenho dos alunos doensino fundamental é baixo, compara-do com o esperado nos referenciaiscurriculares básicos da Seduc. À medi-da que avança a seriação, os alunosapresentam desempenho progressiva-mente pior do que o esperado, sobretu-do, em Matemática. Os resultados ante-r iores (1998) revelam uma melhorperformance no rendimento escolar dosalunos, comparados com os de 1996,confirmando também a tendência apre-sentada pelo Saeb/97, cujos resultadosmostraram uma visível melhoria no de-sempenho dos alunos cearenses, espe-cialmente do ensino médio.

No entanto, a qualidade de ensinodesejada ainda não foi atingida, uma vezque são poucos os alunos que conseguemdominar os conteúdos e desenvolvem ashabilidades previstas nos referenciaiscurriculares básicos da Seduc e ainda hácasos observados de problemas de alfa-betização na 4ª série e no 2º ciclo.

Os dados também vêm mostrandoum nítido descompasso entre o currículooficial proposto, o currículo ensinado pe-los professores e o que é aprendido pelosalunos. Parece existir um consenso danecessidade de melhor alinhar o currícu-lo pretendido com o currículo real, isto é,com os livros-texto, com o saber de expe-riência dos professores, com a pedago-gia praticada na sala de aula e o aprendi-zado dos alunos. Para tanto, devem ser

assegurados uma boa formação inicial econtinuada dos professores e um efetivoacompanhamento pedagógico no âmbitodas unidades escolares. Assim, o currícu-lo poderá ser revisado e de fato ser adota-do na prática dos professores, trazendocomo provável conseqüência o aumentosignificativo no perfil de desempenho dosalunos. As avaliações futuras, com amplosrecursos e feedback, deverão sinalizar estatendência.

Numa análise mais acurada dos da-dos, percebe-se certa regularidade nosresultados obtidos em todos os Credes, oque indica um desempenho praticamenteigual para todo o Estado, independente delocalização: capital, interior, serra, litoral ousertão.

Com a finalidade de identificar os fa-tores que se associam e contribuem paraexplicar os resultados obtidos, utilizou-seo modelo de análise de regressão linearmúltipla com o processo de seleção devariáveis pelo método stepwise. Assim, osfatores que se relacionam forte e positiva-mente com o rendimento escolar, são: asexpectativas favoráveis em relação ao alu-no; a cobertura dos conteúdos previstos;o tempo dedicado ao processo ensino-aprendizagem; a utilização de estratégiasde ensino diversificadas; a utilização de li-vros didáticos; a correção coletiva dos re-sultados de avaliação em sala de aula; oreconhecimento pelo professor da respon-sabilidade com os resultados escolares; ea freqüência com que o diretor realiza reu-niões para tratar de assuntos pedagógicos.

Diante do exposto é oportuno indagar:o que tem sido feito desses resultados?

Em primeiro lugar, eles são amplamen-te divulgados em todos os 21 Credes. Issoé feito atualmente por intermédio do Siste-ma de Acompanhamento Pedagógico(SAP) do Núcleo de DesenvolvimentoCurricular, o qual tem sido um excelentemecanismo de divulgação e penetração dosdados nas escolas, pois esse é um momen-to muito rico de reflexão e discussão coleti-va dos agentes educacionais (Seduc/Crede/Escola) e onde também se dá a coopera-ção técnica e o monitoramento a essas ins-tâncias das políticas adotadas pela Seducde forma prioritária. Após o conhecimentodas informações gerais e recebimento dosresultados individuais por escola, o profes-sor-coordenador integrante do SAP, repas-sa para os demais professores da escola odocumento que é elaborado pelos técnicos

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do Currículo, contendo a análise sobre odomínio das habilidades testadas em cadadisciplina e série, bem como o porcentualde acerto e erro de cada item contempla-do no teste. Dessa forma, os professorespodem verificar os sucessos e as deficiên-cias de seus alunos para tomar posições edecisões acerca de como reforçar ou apri-morar o ensino-aprendizagem.

Após esse momento, algumas esco-las de determinados Credes passam a ela-borar projetos ou ações especiais, a fimde superar as dificuldades detectadas emelhorar o rendimento escolar de seusalunos. Neste sentido, é louvável citar asexperiências empreendidas pelas escolasdos seguintes Credes: Crateús, Icó,Jaquaribe, Sobral, Maracanaú, Canindé eBaturité.

Observa-se que nos últimos anos temhavido uma utilização mais efetiva dos re-sultados das avaliações (Saeb, Spaece)por parte das unidades escolares. No en-tanto, esta utilização ainda deixa a dese-jar levando-se em conta a totalidade dasescolas públicas. Parece ainda existir umatendência natural de esperar que as açõesou programas corretivos sejam iniciativassomente dos órgãos centrais. Consideran-do o processo de descentralização e au-tonomia do Crede e Escola, cada vez maisfaz sentido que as escolas decidam quaisestratégias de intervenção devem viabilizarpara melhorar a qualidade do seu ensino.

No âmbito da Seduc, os gestores têmdemostrado vontade política e interessede incorporar os resultados das avalia-ções (Saeb, Spaece), traduzindo-os naconcretização de programas e açõescompensatórios, como por exemplo: Pro-jeto Regularização do Fluxo Escolar(1992), Curso de Capacitação do CorpoDocente (1993), Projeto de Redimen-sionamento do Telensino (1998), EstudosExploratórios sobre a Organização doEnsino em Ciclo e Telensino a partir dosdados levantados pela avaliação do ren-dimento escolar – Spaece/98, para toma-da de decisão no que se refere a essaspolíticas (2000), estudo sobre os alunose escolas que mais se destacaram naAvaliação do Rendimento Escolar em2000.

Reflexões finais e liçõesaprendidas

A implementação do Spaece a partirde 1992 permite fazer algumas reflexões

baseadas nas lições retiradas desta expe-riência vivenciada ao longo de quase dezanos.

Uma primeira lição aprendida foi a deque mais importante do que verificar quantasescolas atingiram os padrões educacionaisaceitáveis de desempenho é procurar açõespara ajudar mais escolas a atingirem estespadrões.

Não menos importante foi a consta-tação de que é preciso envolver o profes-sor, um dos principais usuários da avalia-ção, logo no início; isto é, desde a nego-ciação, elaboração, aplicação dos instru-mentos, validação, discussão e utilizaçãodos seus resultados. Quando isto aconte-ce, percebem-se as vantagens políticas,pois há uma maior aceitação e predispo-sição por parte dos professores para in-corporar, na prática docente, as recomen-dações apontadas pelas avaliações.

Outra lição retirada foi a de que a avali-ação da escola, por intermédio da avalia-ção de sistema, embora utilize instrumen-tos derivados das metodologias quantitati-vas, não se contrapõe à avaliação que sepratica na escola, de caráter processual,contínuo, sistemático e diagnóstico e, por-tanto, qualitativa. Muito pelo contrário, seusresultados até revelam que, quando a avali-ação da aprendizagem é realizada median-te esses princípios, o rendimento dos alu-nos é visivelmente melhor.

Ao longo desses anos também pode-se perceber que a disseminação cuidado-sa dos resultados das avaliações, feita pormeio de documentos elaborados e adap-tados às várias audiências, com relatóriosconcisos e de linguagem clara, menos téc-nicos, quantitativos e mais descritivos equalitativos, ajudam mais facilmente a com-preensão das informações e possibilitamum maior uso aos que deles necessitam epodem utilizá-las efetivamente.

Por fim, pode-se tirar como reflexãoimportante o fato de que a implementaçãode um sistema de avaliação consistente eeficaz não pode ser fruto de um projetoespecial, mas deve ser uma ação perma-nente da instituição, incorporada à políti-ca educacional do Estado e, portanto, nãosofre descontinuidade com as mudançasdas administrações. Além do mais, sen-do uma ação política prioritária, pode tor-nar-se também um sistema transparente,uma forma de prestar contas à sociedadede como anda a qualidade do ensino, umaavaliação a serviço das aprendizagens.

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E isso certamente confere aceitação ecredibilidade pública ao sistema de avali-ação e o credencia para vir a ser um agen-te poderoso das mudanças educacionais.

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WORTHEN, Blaine; SANDERS, James. Educational evaluation. New York: Longman, 1987.

Recebido em 4 de outubro de 2000.

Maria Iaci Cavalcante Pequeno, mestre em Avaliação Educacional pela UniversidadeFederal do Ceará, é assessora técnica do Núcleo de Pesquisa e Avaliação Educacionalda Secretaria de Educação Básica do Ceará (Seduc).

Abstract

This paper describes educational evaluation in the State of Ceará, from the firstexperiences at the end of the seventies, to the institutionalization of the State's ownevaluation system, called Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica (Spaece).The paper emphasizes the methodological procedures used in the evaluation system, aswell as some of the results and its use by the main audiences. The paper also presentsthoughts and lessons issued from these experiences that may be useful for other evaluationsystems.

Keywords: evaluation system, academic performance, use of evaluations.

Esperamos que estas reflexões pos-sam ter repercussões no âmbito nacionale sirvam de balizamento para outros siste-mas similares.

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Avaliação escolar no contextode novas competências*

Iza Locatelli

Palavras-chave: avaliaçãoeducacional; avaliaçãoescolar (interna e externa);competências; habilidades.

AVALIAÇÃO

* Texto apresentado no 1º Ciclode Palestras da Pedagogia eNormal Superior, promovidopela Universidade Estadual doPiauí – Campus de Corrente,em 28 e 29 de agosto de 2001.

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A avaliação educacional,definida como etapa associada aoprocesso de formulação,implementação e monitoramentodas políticas educacionais, é algorecente no Brasil. Hoje, mais doque conteúdos, são avaliadas ascompetências e habilidades dosalunos. Identificam-se, ainda, osfatores intra e extra-escolares queafetam positiva e negativamente oprocesso de ensino eaprendizagem. Apesar de todosos esforços empreendidos noaperfeiçoamento dos métodos einstrumentos utilizados naavaliação educacional emdiferentes níveis (federal, estaduale municipal), é necessárioreconhecer o papel central daescola como agente catalisadorde mudanças dos sistemaseducacionais. A avaliação internanão pode se restringir à avaliaçãodo desempenho dos alunos,devendo coletar indicadores quepermitam acompanhar,aperfeiçoar e reordenar o projetopedagógico da escola. Nessecontexto, o diálogo envolvendo aavaliação externa e a avaliaçãointerna, integrando alunos,professores e diretores, torna-seindispensável.

A avaliação, entendida como um pro-cesso amplo de tomada de decisões noâmbito do sistema federal e dos sistemasestaduais e mesmo municipais, é algo re-cente no Brasil. Temos apenas uma déca-da de avaliações sistemáticas. A partir daconstituição do Sistema Nacional de Avali-ação da Educação Básica (Saeb), começou-se a estender o âmbito da avaliação paraalém da avaliação de alunos, com a intro-dução de novas questões que permitiramdetectar fatores associados ao seu desem-penho. Hoje, mais do que conteúdos, sãoanalisadas as competências e habilidades,o próprio currículo, os hábitos de estudo dosalunos, as estratégias de ensino dos pro-fessores, o tipo de gestão dos diretores eos recursos a eles oferecidos para melhorrealizarem seu trabalho. Estes itens com-põem a agenda dos sistemas de avaliaçãoem seus diferentes níveis.

Mas, apesar destes avanços e em-bora se fale muito em mudanças e ino-vações do sistema educacional estimu-ladas pela avaliação, qualquer mudançatem que ser assumida e implementadadentro das escolas. Mudar a educação émudar a escola. Se tivermos a intençãode usar a avaliação para melhorar a edu-cação, a avaliação terá que ser trabalha-da dentro das escolas, além do nível emque vem sendo executada. Ela terá queser utilizada sistematicamente pelos pro-fessores com seus alunos, no cotidianoda relação ensino x aprendizagem.

A avaliação, segundo Nevo (1998),deve "passar de um discurso de descriçãoe julgamento para um discurso de diálo-go". A avaliação do sistema de ensino devese basear também na avaliação das esco-las por si próprias. Nesse caso, além dasavaliações nacionais, estaduais e munici-pais, cada escola deve se auto-avaliar emfunção de seus programas, projetos, ma-teriais pedagógicos, recursos, professores,gestão, pessoal de apoio, alunos e infra-estrutura.

A importância de a escola se auto-ava-liar está no fato de que, sendo o local ondeas coisas acontecem, é na escola que sedará o diálogo entre a equipe, pais, alunose autoridades gestoras do sistema. Toda acomunidade da escola deve ser preparadapara poder combinar os produtos das ava-liações externa e interna. Só uma boa e sé-ria avaliação interna permitirá às escolas aconstrução de um diálogo efetivo com aavaliação externa. Quando isso não ocorre,

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a avaliação externa pode gerar atitudesdefensivas, não atingindo seus objetivos.

A avaliação intra-escolar é um proces-so que exige uma tomada de consciênciada importância da avaliação para que seestruturem processos de mudanças. En-volve, ainda, descentralização e treinamen-to de equipes escolares.

Cabe aos gestores de políticas públi-cas em educação, agora que a avaliaçãojá está sendo institucionalizada, tomar ini-ciativas para que grupos de escolas sereúnam, discutam seus problemas, formu-lem estratégias de avaliação, utilizem a lin-guagem da avaliação, descubram suaspotencialidades e façam as adequaçõesnecessárias de suas ações às necessida-des específicas de suas clientelas.

Ninguém, na realidade, aprende a ava-liar discutindo conceitos de avaliação. É pre-ciso experimentar, tentar criar estratégias,envolver a equipe, tendo como horizontemelhorar a qualidade da educação e dimi-nuir os índices negativos, sejam de desem-penho, evasão ou repetência. Normalmen-te, deve-se selecionar alguma questão eenvidar esforços para praticar a avaliaçãointerna sobre essa questão. Não é difícil or-ganizar uma base de dados por escola, baseesta que deverá conter os índices de matrí-cula, evasão, desempenho, repetência, pro-jetos implementados, currículo praticado etudo o que for julgado pela equipe comoinsumo necessário à avaliação da escola.

Envolver professores, pais e alunos natarefa de avaliação intra-escolar não é fá-cil, mas não é impossível. Quando se des-cobre onde estão os "nós", é mais fácildesatá-los e criar laços.

À medida que as escolas começarema efetuar suas próprias avaliações, haverámaior facilidade em obter subsídios a par-tir das avaliações externas, de tal formaque o processo avaliativo cumpra sua fun-ção: mudar o que precisa ser mudado,aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoa-do, construir o que precisa ser construído.

A avaliação, portanto, deve servir debase para o diálogo e não para dar ori-gem a descrições assertivas e unilaterais.Escolas habilitadas à avaliação internaentenderão que avaliar é um processocontínuo, coletivo e não uma atividade iso-lada. Desta forma, se envolvidas em suaprópria avaliação, as escolas terão condi-ções de se confrontarem com diferentesperspectivas e conclusões.

No âmbito da avaliação específicados alunos, tarefa a que as escolas se de-dicam com mais vigor, é preciso que seleve em conta a mudança de enfoque nosprocessos avaliativos. Já não basta a ava-liação dos conteúdos aprendidos, mastorna-se cada vez mais necessário avaliaras competências e habilidades desenvol-vidas pelos alunos.

O objetivo primordial do processo deeducação deve ser o de desenvolver nosalunos estratégias para aprender a pensare para saber o que fazer com a imensaquantidade de informações recebidas nasociedade contemporânea. Já não cabemais à escola ensinar ao aluno diferentesconteúdos, em geral desvinculados daspráticas sociais, políticas, econômicas eculturais. O serviço educacional tem comotarefa buscar o equilíbrio e a harmonia en-tre o desenvolvimento humano sob a égideda responsabilidade com a vida em socie-dade. Educamos ou devemos educar paraa vida coletiva. Devemos, portanto, avaliar,também, as competências sociais e nãoapenas os conhecimentos operacionais.

Se educarmos para a vida social, imen-sa é a tarefa de lidar, por exemplo, com acompetência comunicativa que não se es-gota no ensino das regras e normas do en-sino da Língua Portuguesa. Para que osestudantes ascendam à cultura e obtenhamsua própria autonomia, toda a educaçãodeve converter-se num processo comuni-cativo, pois é com e através da linguagemque os estudantes constroem e desenvol-vem seus conhecimentos num diálogo con-sigo próprio, com o "outro" e com o mundo,seja este "outro" o professor, a família, a te-levisão, a Internet, os colegas.

É através da linguagem que os alunosdão significado a sua própria experiênciae dão sentido às experiências dos outros.A linguagem está na base da formação douniverso conceitual do homem e dá suporteà função cognitiva, permitindo ao sujeitoabstrair o mundo, conceituar sobre ele,simbolizá-lo, transformá-lo e comunicá-lo.A linguagem, entendida como mediaçãonecessária, não é instrumento apenas decomunicação ou transmissão de informa-ção, mas é ação que transforma, lugar deconflito, de confronto ideológico.

A avaliação dos alunos na área de Lín-gua Portuguesa deve, pois, centrar-se, nacompetência comunicativa entendendo-sea linguagem como interação, como ummodo de ação que é social.

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Na avaliação da competência comuni-cativa, isto é, na análise das possibilidadesque tem um estudante para compreender,interpretar, organizar, negociar e produziratos de significação, através de distintas for-mas de linguagem, destacam-se a leitura ea escrita. A leitura e a produção de textosnão se fazem apenas na escola, mas nãohá dúvida de que este é um local privilegia-do para que crianças, adolescentes e jovensse apropriem das ferramentas necessáriaspara serem sujeitos ativos na compreensãoe produção de textos.

O desenvolvimento destes processos,dentro da ótica da competência comuni-cativa, é resultado de um processo histó-rico de socialização e depende das opor-tunidades que se ofereçam na escola efora dela de ler/viver textos com compre-ensão e de produzir textos em função daconstrução de novos saberes que vão sefazendo através da vida em si e da vida naescola. Se a função primeira da linguagemnão é a informação e se tomamos o textocomo unidade significativa constituída pelainteração, não há por que considerar umsentido literal e seus efeitos: há múltiplossentidos, há polissemia.

Embora a escola não seja o únicocentro de produção de saberes, é elaquem dá ao estudante os instrumentosnecessários que lhe irão permitir ser umsujeito ativo na construção de conheci-mentos. Estes instrumentos envolvemmuito mais do que a memorização deregras descontextualizadas. O ensino ea avaliação em Língua Portuguesa en-volvem processos concretos de comu-nicação que solicitam do sujeito o exer-cício de determinadas habilidades.

Isto não significa desconhecer a im-portância do conhecimento sobre a língua,mas é preciso que este não se faça semuma consciência das condições pragmá-ticas da enunciação em contextos parti-culares e específicos.

O processo de interpretação textualsupõe uma série de operações que o lei-tor executa sobre o texto. O leitor dialogacom as palavras, ilustrações, gráficos, etc.,e constrói efeitos de sentido em que semesclam os saberes do leitor e os sabe-res do texto. Sempre o leitor estará se con-frontando com seus conhecimentos e ascircunstâncias da enunciação. "Quando sediz algo, alguém o diz de algum lugar dasociedade para outro alguém também dealgum lugar da sociedade e isso faz parteda significação" (Orlandi, 1987, p. 26).

Para que o processo ocorra com com-preensão, o aluno precisará utilizar conhe-cimentos prévios, representações sobrediferentes experiências vividas ou perce-bidas e saberes construídos nas relaçõescom outros sujeitos e com o mundo. Atra-vés destes intercâmbios é que o leitor iráconstruindo hipóteses de leitura sobre oque estará dizendo o texto.

As hipóteses de leitura de cada um sãomuito amplas. No entanto, elas vão se es-treitando à medida que o leitor avança coma leitura. Vão sendo descartadas certas hi-póteses e outras vão sendo construídas. Oleitor constrói o sentido do texto num jogode ensaios e erros, de generalizações e abs-trações. Se num primeiro momento o textoé apenas tinta sobre um papel, num segun-do momento, aquele vazio é preenchidocom uma troca entre o que é dito e o que sepensa sobre o que é dito. Não há homoge-neidade entre o que diz o texto e o que otexto diz ao leitor. A partir do reconhecimentodesta heterogeneidade, o leitor consegueinterpretar o texto reconhecendo que quemfala através do texto é alguém diferente desi próprio.

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As competências de leitura dos alunosexpressam-se através do reconhecimentoexplícito das informações contidas no tex-to até o desvelamento das estratégias desentido do mesmo e das condições prag-máticas que geraram sua produção.

Para avaliar tais competências, váriosníveis de análise podem ser especificados:

– tipos de saberes que o texto exige(cotidianos, literários, especializados);

– situação de comunicação (finalidade,propósito, circunstâncias de enunciação);

– pressupostos do nível discursivo (aorganização discursiva particular de cadatipo de texto);

– mobilização da informação (manei-ra como o aluno dialoga com o texto, for-ma de mobilização de seus saberes intrae extra-escolares);

– manejo de informação especializada;– atualização de saberes de caráter

pragmático, do tipo de saberes do coti-diano;

– contexto da enunciação (os atos delinguagem só podem ser explicados a par-tir do contexto situacional em que foramproduzidos, neste caso, é preciso saberse os estudantes conseguem seguir aspistas do texto e reconstruir suas condi-ções de enunciação); e

– níveis de análise do texto (relaçõesde coesão, inferências, manejo dos com-ponentes enunciativos que levam às dife-rentes configurações de sentido).

O Saeb, ao avaliar os alunos, propõe-se a compreender determinadas operaçõesmentais que os sujeitos utilizam para esta-belecer relações com e entre os objetos fí-sicos, conceitos, situações, fenômenos epessoas. A isto chamamos de competên-cias cognitivas. Estas se traduzem por cer-tas habilidades que se referem ao plano dosaber fazer e decorrem do nível estruturaldas competências adquiridas.

Nas provas de avaliação do Saeb,competências e habilidades são definidaspor meio de descritores para cada área. Osdescritores associam conteúdos e opera-ções mentais desenvolvidas pelos alunos.

Considerando-se que a prova de Lín-gua Portuguesa procura avaliar a compe-tência do aluno como leitor, privilegiandoo conhecimento lingüístico operacional, ouseja, ações que se fazem com e sobre alinguagem, é preciso enfatizar algumascompetências indispensáveis para que amensagem comunicativa do formuladordos itens seja acessível ao aluno. Só pela

descentração do seu próprio pensamentoo aluno poderá identificar o tema e a tesedo texto, perceber efeitos de ironia ou hu-mor, reconhecer o efeito de sentido decor-rente das escolhas de uma palavra, distin-guir um fato de opinião.

A descentração do pensamento, emníveis graduais, é competência básicaconstruída ao longo da vida. Outra compe-tência que também se constrói ao longo davida e se constitui condição necessária paraa operacionalização em habilidades é aconstrução de noção de tempo/espaço.Estas são noções fundamentais para a com-preensão de narrativas, contexto histórico-geográfico e espacial presentes em textos,desenhos, propagandas, etc.

Outros descritores que solicitam aosalunos estabelecer relações entre partes deum texto, entre tese e argumento, entrecausa e conseqüência estão procurandoidentificar a competência dos alunos emlidar com o todo (texto) e as partes, man-tendo as relações possíveis entre parágra-fo/informações/argumentos/ idéias.

A competência geral em apreender osatributos e propriedades se faz indispen-sável ao aluno para distinguir tese e argu-mento, cenário e personagens, sentido deuma palavra ou expressão, tema de umtexto, formas diferenciadas de tratar umtema, locutor/interlocutor, etc. e gêneros,tais como: informativo, carta, propaganda,charge, etc.

Na realidade, o Saeb procura cada vezmais avaliar a competência comunicativados alunos. Busca-se identificar como estáocorrendo a passagem de um falante deum meio sociocultural determinado paraum aluno que se transforma em leitor detextos cotidianos, jornalísticos e literários,de autores que abordam temáticas diferen-ciadas e escrevem em estilos próprios, oque pressupõe a construção de competên-cias compatíveis com os diferentes níveisde letramento.

A Matriz de Referência do Saeb 2001foi organizada a partir deste enfoque, clas-sificando grandes temas e descritores emordem de prioridade de tal forma que sepossa analisar os resultados dos alunosem função da natureza estrutural dos tex-tos, dos tipos de leitura e da natureza dasperguntas.

Combinados estes elementos, as pro-vas do Saeb de Língua Portuguesa apre-sentam a seguinte organização:

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Os descritores foram organizadosobedecendo a algumas prioridades. As-sim, por exemplo, ao descritor "Localizarinformações explícitas no texto" foi atri-buída a prioridade 1, na 4ª série do Ensi-no Fundamental (EF), e a prioridade 4,na 3ª série do Ensino Médio (EM). Istoocorre porque se supõe que o aluno na3ª série do EM já tenha construído ascompetências e habilidades associadasa esse descritor. Da mesma forma, aodescritor "Distinguir um fato da opiniãorelativa a esse fato" foi atribuída a priori-dade 4, na 4ª série do EF, e prioridade 2,na 3ª série do EM. Supõe-se, aqui, queos alunos da 4ª série do EF ainda este-jam no processo de construção das com-petências e habilidades, enquanto os alu-nos da 3ª série do EM já deverão ter con-solidado a construção das mesmas.

De outra parte, o descritor "Identificarefeitos de ironia em um texto" tem priorida-des distintas nas três séries avaliadas. Aesse descritor foi atribuída, na 4ª série doEF, prioridade 3, na 8ª série do EF, priorida-de 1, e na 3ª série do EM, prioridade 1.

Observa-se, portanto, que há des-critores comuns às várias séries, articula-dos em níveis de dificuldade crescente eem diferentes níveis de prioridade. Em fun-ção dessa forma de organização, os itensque compõem as provas do Saeb foramselecionados com o objetivo de avaliar nãoapenas o produto final, mas também o pro-cesso de construção do conhecimento.

Em relação às competências na áreade Matemática, já há alguns anos a escolavem mudando a postura antes adotada.Não mais a Matemática da memorização eda resolução de séries intermináveis deexercícios para fixar determinados conhe-cimentos, mas uma outra vertente que visaà contextualização do objeto de estudo. Aeducação matemática hoje está ou deveestar voltada para a vida.

O conhecimento matemático caracte-riza-se por dois componentes inseparáveis:conceitos e procedimentos e deve serconstruído a partir de situações que permi-tam aos estudantes construir significados.

O conhecimento conceptual caracte-riza-se por um conjunto de fatos, concei-tos, estruturas e teorias. Já o conhecimen-to dos procedimentos caracteriza-se porhabilidades, estratégias e métodos quepermitem aos alunos manifestar as rela-ções e conexões existentes entre estes fa-tos, conceitos e estruturas.

Em termos de avaliação é importan-te trabalhar com as situações que dãosentido aos conceitos matemáticos, en-tendendo-se que o sentido não está nemnas situações nem nas representaçõessimbólicas e sim na relação do sujeitocom as situações e os significados. As-sim, a avaliação em Matemática deveestar centrada na resolução de situações-problema.

Estas, por sua vez, devem exigir doestudante diversos níveis de raciocínio,

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tentando fazer emergir diferentes competên-cias. Em cada situação-problema devemestar subjacentes distintas estruturas ma-temáticas. Assim, pode-se avaliar os alu-nos em vários níveis referenciados à arit-mética, estatística, geometria, etc. Em mui-tos momentos, pode-se levar o aluno a ape-nas realizar operações, em outros a identi-ficar representações, a estabelecer equiva-lências e relações matemáticas simples oucomplexas, a buscar estratégias que rela-cionam vários conceitos e fatos, operações.

A resolução de problemas está presen-te em nossa vida o tempo todo: resolve-mos problemas pessoais, problemas soci-ais, problemas científicos e só se aprendea resolver problemas, resolvendo-os. Todoo ensino de Matemática deve, pois, centrar-se na resolução de problemas.

Em Matemática, há que se utilizar osdiferentes níveis de complexidade levandoos alunos a desenvolverem gradativamentesuas habilidades nesta área.

A avaliação escolar no contexto de utili-zação de novas competências deveria, por-tanto, ser trabalhada em duas vertentes: aavaliação intra-escolar envolvendo as açõese relações realizadas e estabelecidas no âm-bito da escola, criando-se um diálogo entre

direção, pais, alunos, professores e au-toridades gestoras do sistema e a avalia-ção dos alunos centrada na análise dascompetências e habilidades por eles de-monstradas no transcurso de sua traje-tória escolar.

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Recebido em 13 de setembro de 2001.

Iza Locatelli, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio deJaneiro (PUC-RJ), é diretora de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais (Daeb/Inep).

Abstract

The educational evaluation, defined as a stage associated with the process offormulation, implementation and monitoring of educational politics, is recent in Brazil.Nowadays, not only content, but also students' competencies and skills are evaluated.Yet, one identifies the internal and external factors, which affect positively and negativelythe process of teaching and learning. Despite all efforts made to improve the methodsand instruments utilized in the educational evaluation in different levels (federal, state andmunicipal scopes), it is necessary to recognize the main role of the school acting as acatalytic agent of changes within educational systems. The internal evaluation cannot berestrained to simply evaluating students' performance, yet, it must collect indicators whichwill allow to monitor, improve and reorder the pedagogical project of the school. In thiscontext, the dialogue involving external and internal evaluations, integrating students,teachers and directors, becomes imperative.

Keywords: educational evaluation; school evaluation (internal and external);competencies; skills.

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A metodologia de amostragem do Saeb*

Marcus M. RietherRaíssa Rauter

Palavras-chave: amostrascomplexas; coordenação deamostras; amostragemseqüencial de Poisson;números aleatóriospermanentes.

ESTATÍSTICA

* Este artigo é uma versão mo-dificada de "Características easpectos metodológicos daamostra para o Saeb/2001",publicado nos Anais do Mar-co de Aprendizagem Contí-nua em Avaliação, dezembrode 2001, Salvador (BA). Asafirmações ou inferênciascontidas neste texto represen-tam exclusivamente a visãodos autores, não estando ne-cessariamente respaldadas e/ou endossadas pelo Inep.

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Apresenta, sob um enfoquesimplificado, a metodologia deamostragem do Saeb,enfatizando particularidadesrelacionadas com o ciclo de 2001e buscando esclarecer o leitor emrelação a alguns dos pontosconsiderados mais importantes,tais como população dereferência, estágios, esquemas deseleção de unidades amostrais emétodos de análise de dados deamostras complexas. Tópicoscomo precisão amostral, queenvolvem discussões corriqueirassobre a não-publicação deresultados individuais por escolaou a repetição de escolas queparticiparam do Saeb 1999,também são discutidos. Citam-se,ainda, casos de institutos depesquisa sediados em outrospaíses e que utilizammetodologias de amostragemsemelhantes a do Saeb. Por fim,são apresentadas sugestões parao Saeb em suas futurasrealizações.

Introdução

Um dos maiores e mais importantesdesafios que os técnicos, direta ou indire-tamente ligados ao Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica (Saeb),enfrentam a cada ciclo de sua realizaçãoé a produção de resultados que possam

cumprir o papel a que são destinados.Entre os objetivos explícitos do Saeb está,por exemplo, a consolidação da cultura deavaliação externa do sistema de ensinoregular ou o oferecimento de dados e indi-cadores que possibilitem maior compreen-são de alguns dos fatores que influenciamo desempenho dos alunos. O próprio Ins-tituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais (Inep) propõe que o objeti-vo principal do Saeb é o de "contribuir paraa melhoria da qualidade da educação bra-sileira e para a universalização do acessoà escola, oferecendo subsídios concretospara a formulação, reformulação e omonitoramento das políticas públicas vol-tadas à educação básica" ou ainda "pro-porcionar aos agentes educacionais e àsociedade uma visão clara e concreta dosresultados dos processos de ensino eaprendizagem e das condições em que sãodesenvolvidos" (Instituto..., 2001).

Diante da imensurável diversidade derealidades em nosso País, cada uma de-las acompanhada de suas conseqüentesnecessidades, é fácil ver que os objetivosa que o Saeb se propõe são ousados emgrande medida. Por isso mesmo, como énatural esperar, surge uma gama enormede diferentes pontos de vista com que sepode olhar para o tema "avaliação educa-cional". Pesquisadores externos ao Inepcostumam lançar críticas ao Saeb e indi-car caminhos que imaginam ser mais ade-quados para a sua realização. É essenciallembrar, entretanto, que a realidade que oratentamos entender é de fato muito com-plexa e (felizmente) nos permite enxergá-la de diferentes ângulos. Mas é inegávelque o Inep não economiza esforços emadotar para o Saeb o uso de metodologiasde ponta, muitas delas de difícil compre-ensão e cujo entendimento deve passar pormomentos de dedicação aos diversos tó-picos que envolvem a pesquisa em todasas suas fases.

Este documento procura oferecer aoleitor uma visão simplificada sobre aspec-tos ligados à amostra do Saeb, enfatica-mente sobre o ciclo de 2001. Em particu-lar, discute-se, procurando evitar as gran-des complexidades que envolvem o assun-to, que caminho seguir para produzir re-sultados de maneira segura e confiável, apartir dos dados brutos. É um movimento,ainda que mínimo, no sentido de fazer comque os objetivos do Saeb se aproximemmais de sua finalidade.

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População de referênciado Saeb 2001

População de referência designa oconjunto total de elementos para os quaisse pretende, a partir do uso de amostras,fazer inferências, buscando embasamentopara a tomada de decisões, tais como odirecionamento de políticas para atendi-mento a grupos em desvantagem, porexemplo. No Saeb 2001, a população dereferência é definida em Andrade, Silva eBussab (2001) como

alunos da 4ª ou da 8ª séries do ensinofundamental e alunos da 3ª série do en-sino médio, matriculados, em 2001, nasescolas constantes do Censo Escolar de1999,1 excetuando-se os alunos das es-colas federais, rurais ou de turmasmultisseriadas; para o universo da 4ª sé-rie, foram mantidos2 os alunos das esco-las rurais do Nordeste, MG e MS.

Checagem das escolas

A amostra do Saeb é desenhada combase em dados do Censo Escolar (amos-tra planejada). Por ser uma coleta trans-versal, o Censo não contempla (e nempoderia) variações que ocorrem entre adata de sua publicação e a de confecçãodas amostras do Saeb. Dessa forma, dei-xa de ser registrada, na época de confec-ção da amostra, a criação ou a extinçãode escolas que tenham ocorrido nesseperíodo, alterações cadastrais nos regis-tros das escolas, além de que o CensoEscolar não faz a coleta discriminada dasturmas e o correspondente número de alu-nos para cada escola. A coleta dos núme-ros de turmas, sua identificação dentro decada escola e do número de alunos porturma é um trabalho feito em parceria comas Secretarias de Educação e se denomi-na "checagem das escolas", ocorrendoentre a data de confecção da amostra e aaplicação do Saeb.

No caso de escolas que tenham sidoextintas, escolas que não se dispuserama participar do Saeb (a participação não éobrigatória) ou mesmo atualizações ain-da não registradas no Censo, substituiçõesde escolas selecionadas para a amostrapodem vir a ser necessárias – amostra re-serva, também selecionada aleatoriamen-te e voltada para compensar perdas na

amostra planejada, de forma a manter aprecisão esperada. Na fase de planeja-mento da amostra, é estabelecida umaprecisão mínima desejada em termos damedida de proficiência (desempenho dosalunos) ou fixado um número mínimo deelementos em cada estrato populacional.As escolas que efetivamente participamda aplicação do Saeb constituem a "amos-tra realizada", a partir da qual serão avali-ados os porcentuais de perdas e seu im-pacto na qualidade dos resultados.

Estratificação da população dereferência e esquemasde seleção amostral

Para que se possam produzir resulta-dos de desempenho para as diferentesunidades da Federação e, dentro delas,resultados por dependência administrati-va, por exemplo, é necessário que a popu-lação de referência seja estratificada emvárias subpopulações, chamadas de estra-tos, e cuja característica marcante é a não-existência de elementos comuns entre eles(estratos independentes). A definição dosestratos é a primeira etapa na construçãoda amostra do Saeb, para que possa "co-brir" a maior parcela possível de áreas ge-ográficas do País, respeitando os custosplanejados e resultando em que a amostraseja representativa da população de esco-las e alunos das séries pesquisadas comoum todo. Além disso, a estratificação depopulações excessivamente grandes eheterogêneas contribui para a redução davariabilidade das estimativas finais.

Em 2001, os estratos foram definidospelas séries de interesse para a pesquisa,em seguida pela unidade da Federação, adependência administrativa, a localização(capital ou interior)3 e o tamanho das es-colas. Dentro dos estratos, o sorteio de ele-mentos que poderão participar do Saebocorre em estágios distintos, tendo iníciocom a seleção de escolas por amostragemseqüencial de Poisson e de turmas poramostragem aleatória simples.

A estratificação e o uso de probabili-dades desiguais de inclusão na amostrapara as escolas fazem que estimativas (mé-dias, proporções, etc.) calculadas a partirdo Saeb se comportem de maneira dife-rente de estimativas produzidas em amos-tras aleatórias simples, onde todo e qual-quer aluno faz parte de um só cadastro.

1 O uso de dados do CensoEscolar de 1999 deveu-se aofato de o Censo 2000 nãoestar disponível à época deconfecção da amostra doSaeb 2001.

2 A palavra original, retirada dodocumento Plano Amostralpara o Saeb 2001, é "acres-centados", substituída, aqui,pela lógica com que o traba-lho se desenvolve: não se ex-cluem trechos da populaçãoe depois se os acrescentamnovamente; apenas mantêm-se os grupos desejados.

3 Na 4ª série, os estratos do in-terior podem ainda ser aber-tos em urbano e rural na Re-gião Nordeste e nos Estadosde Mato Grosso do Sul e Mi-nas Gerais.

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No caso do Saeb, o acesso aos alunos sedá por meio das escolas. Mesmo em rela-ção a estas, a estratificação implica a pro-dução de estimativas de melhor qualidadedo que aquelas que seriam produzidas casoas escolas pudessem ser selecionadas comigual chance de inclusão na amostra, alémde vantagens relativas aos gastos de reali-zação do Saeb – a seleção de alunos emescolas muito pequenas e de difícil acesso,caso ocorresse, acarretaria uma elevaçãosignificativa dos custos.

Implicações do usode amostragem estratificada,

estágios de seleçãoe probabilidades desiguais

de inclusão na amostra

Uma das conseqüências advindas daforma como a amostra do Saeb é construída

é a exigência do uso de pacotes estatísticosespecializados para a obtenção de resulta-dos válidos ou extensa programação porpessoal devidamente qualificado. Os progra-mas mais comumente utilizados pressupõemindependência das observações ou dadoscoletados, diferentemente do que aconteceem grande parte das pesquisas em largaescala, inclusive no Saeb. Inferências que seestendam à população de referência devemser necessariamente baseadas no uso deinformações sobre o desenho amostral e dospesos amostrais, originados nos diferentesestágios de seleção e dependentes das pro-babilidades de inclusão de elementos naamostra. Os pesos amostrais, acompanha-dos de variáveis que identifiquem a que par-te (estrato) da população cada elementopertence, devem ser usados para "calibrar"as estimativas, de forma que os resultadosfaçam sentido para a população em sua for-ma original. Sem o uso dessas informações,obtêm-se estimativas pontuais viciadas(Brogan, 1998).

Além disso, a aplicação de testes esta-tísticos no Saeb, essenciais para a tomadade decisões, é baseada na principal medi-da de variabilidade das estimativas, o erro-padrão. Quando gerado pelos pacotes deuso mais difundido, o erro-padrão tende aser subestimado, mascarando a precisãodos resultados. Os dados dos alunos, porexemplo, apresentam um potencial padrãode similaridade segundo a escola em queestejam matriculados, espelhado pela exis-tência de correlação entre as respostas dealunos (correlação intraclasse). O raciocí-nio é natural, já que as escolas tendem aoferecer serviços baseados em projetos

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pedagógicos próprios, bem como métodosde ensino, professores, entre tantos outrosfatores que influenciam o dia-a-dia de seusalunos. Para o cálculo dos erros-padrão,pacotes estatísticos especializados consi-deram a estrutura complexa da amostra eos pesos amostrais, integrando também acorrelação entre alunos e fazendo que asmedidas de variabilidade carreguem con-sigo uma parcela devida às diferenças en-tre as escolas e outra devida às diferençasentre alunos dentro das escolas.

Em 1999, o Saeb passou a ter seusresultados calculados pelo Survey DataAnalysis (Sudaan), um pacote de últimageração utilizado para o cálculo dos er-ros-padrão de estimativas em amostras

complexas. O Sudaan dispõe do métodode linearização das séries de Taylor, ado-tado no Saeb, e técnicas de replicação paraestimação dos erros (Shah, Barnwell,Bieler, 1997).

Estimativas simuladas no SPSS, come sem o uso de pesos amostrais, e des-contando-se o efeito do desenho amostral,quando confrontadas com aquelas corre-tamente geradas no Sudaan, ilustram equí-vocos em que se pode incorrer com umaanálise inadequada dos dados. A Tabela 1mostra as médias de desempenho emMatemática, com respectivos erros-padrão,de alunos de 4ª série, da rede estadual deensino, por unidade da Federação, noSaeb 1999.

Tabela 1 – Médias de desempenho em Matemática dos alunos de 4ª série da redeestadual de ensino, por unidade da Federação e método de cálculo

das estimativas – Saeb/1999

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Nota-se que, quando os pesos e odesenho amostral são desprezados, ob-têm-se médias incorretas. Quando consi-derados apenas os pesos, ainda no SPSS,as estimativas pontuais são idênticas àsgeradas no Sudaan, mas os erros-padrãose apresentam bastante subestimados.Testes de comparação entre médias, nes-se caso, facilmente acusariam diferençassignificativas falsas entre alguns Estados.

Os Gráficos 1 e 2 apresentam os inter-valos de confiança (95%) gerados respec-tivamente pelo SPSS, sem o uso de pesosamostrais, e pelo Sudaan, considerando ospesos e o desenho amostral. Das 146 rela-ções significativas apontadas pelo SPSSna apuração de diferenças entre médiasdas unidades da Federação, 50 (34%) es-tariam equivocadas, considerando-se asanálises geradas pelo Sudaan.

Gráfico 1 – Intervalo de confiança do desempenho dos alunos de 4ª sérieda rede estadual, em Matemática – Saeb/1999 – Cálculo pelo SPSS, sem uso

de pesos amostrais

Gráfico 2 – Intervalo de confiança do desempenho de alunos de 4ª sérieda rede estadual, em Matemática – Saeb/1999 – Cálculo pelo Sudaan, com pesos

e considerando o desenho amostral

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Tamanho da amostra versusprecisão dos resultados

Os diferentes tamanhos de amostrasapresentados na Tabela 2 obedecem, emprimeiro lugar, à disponibilidade de recur-sos para realização do Saeb a cada ciclo.A precisão amostral é definida a partir da

divisão da população em estratos quecontenham um número mínimo de alunose também de escolas, juntamente com aprogramação de um número desejado eigual de alunos selecionados em cadaestrato. Para o Saeb 2001, busca-se amesma precisão amostral para todos osestratos, perseguida com base em pa-drões obtidos em 1999.

Tabela 2 – Evolução da amostra do Saeb – 1995 a 2001

Segundo a regra de que a precisãoamostral dos resultados do Saeb está liga-da à existência de quantidades mínimas deunidades avaliadas, deve-se ressaltar queos resultados não são válidos para grupospequenos de alunos, como seria, por exem-plo, a média de desempenho para umaúnica escola. Afirmações a partir desse tipode estimativa devem ser evitadas, já quetais resultados, quando vistos individual-mente, podem ser (e provavelmente são)equivocados e certamente não oferecemqualquer parcela de representatividadequando confrontadas com a população dereferência do Saeb. Este é um resultadoestatístico e, portanto, absolutamentedesvinculado do uso que se espera fazerdos dados da pesquisa.

Coordenação das amostrasde escolas

As amostras dos Saeb realizados em1999 e 2001 tiveram, como ponto em co-mum, a seleção de escolas por amostragemseqüencial de Poisson. A Amostragem dePoisson tem a vantagem de ser um procedi-mento de fácil implementação e é usada paraa seleção aleatória de elementos que apre-sentam probabilidades desiguais de inclu-são numa amostra. Deve-se ressaltar, contu-do, que todos os elementos pertencentes àpopulação de referência ou, em outras pala-vras, as escolas registradas no Censo Esco-lar contidas nos estratos pré-definidos, têmprobabilidades reais de inclusão na amostrae, portanto, de participarem do Saeb.

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Porém, uma das principais caracte-rísticas da amostragem de Poisson é queo tamanho da amostra gerado por esseesquema é aleatório, e uma das conse-qüências advindas desse fato é que asestimativas produzidas sob amostragemde Poisson carregam consigo tambémuma parcela de variabilidade provenien-te do tamanho da amostra. A forma en-contrada para se conseguir a variabili-dade mínima possível das estimativasconsiste, por exemplo, na escolha demedidas adequadas de tamanho dasescolas, que representam, no caso doSaeb, as unidades primárias amostrais(elementos sorteados em primeiro lu-gar). A medida de tamanho das escolasutilizada no Saeb 2001 foi o número deturmas das séries pesquisadas em cadagrupo de estratos correspondente.

A principal diferença entre os esque-mas seqüencial e não-seqüencial está em

que o primeiro é uma adaptação do esque-ma de Poisson que leva à confecção deamostras de tamanho fixo (Ohlsson, 1998),implicando o maior controle sobre os cus-tos da pesquisa.

A amostra do Saeb 2001 contou, ain-da, com a associação de números aleató-rios permanentes às escolas no Censo, le-vando à coordenação positiva entre asamostras dos Saeb 1999 e 2001 (repeti-ção de escolas nas duas pesquisas – verTabela 3). A coordenação de amostras temcomo finalidade oferecer ao pesquisadora possibilidade de maximizar ou deminimizar a repetição, na amostra a sersorteada, de elementos selecionados emamostras de ciclos anteriores ou de ele-mentos em amostras paralelas. No caso doSaeb, a repetição de um certo número deescolas e o uso de variáveis comuns entreciclos reforça a precisão das estimativasde mudança4 (Ohlsson, 1995).

4 Em inglês, usa-se o termochange para se referir à mu-dança ou variação que umdado fenômeno sofre ao lon-go do tempo.

Tabela 3 – Sobreposição de amostras do Saeb ao longo dos anos – 1995 a 2001

A técnica de Números Aleatórios Per-manentes também é aplicada no Saeb embusca da máxima sobreposição possívelde escolas que tenham turmas de maisde uma das séries avaliadas, de forma apromover a máxima redução dos custosde acesso às unidades a serem visitadas(Andrade, Silva, Bussab, 2001).

Na prática, a técnica consiste em asso-ciar a cada uma das escolas constantes doCenso Escolar, dentro das séries de interes-se, um número sorteado aleatoriamente,classificando as escolas do Censo em or-dem crescente. A partir da população as-sim classificada, escolas são sorteadas emzonas de amostragem com espalhamentogeográfico conseguido pela ordenação dasescolas pelo Código de EndereçamentoPostal (CEP) e na quantidade desejada para

se atingir o número de alunos necessáriospara se obter a esperada precisão amostral.A adoção desse procedimento aumenta aspossibilidades do Saeb como instrumento dediagnóstico, por exemplo, de fatores queimpactam o desempenho dos alunos, per-mitindo, com a realização de alguns novosciclos, que estudos de natureza longitudinalvenham a ser produzidos.

Cabe ressalvar, apenas, que algumcuidado deve ser tomado em relação aque aspectos poderiam ser avaliados emestudos longitudinais. A participação noSaeb se dá, primeiramente, no que se re-fere a variáveis próprias da escola, emseguida variáveis do diretor (ou diretora,naturalmente), caso este tenha sido man-tido no cargo por mais de um ciclo de ava-liação, seguidas pelas variáveis de profes-sor. Escolas que se repetem podem não

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ter o mesmo diretor na avaliação seguin-te e muito menos os mesmos professo-res, sobretudo porque as turmas tambémparticipam do Saeb via sorteio. Quantoaos alunos, quando se pensa nas sériesavaliadas, tem-se que um aluno, digamos,da 4ª série, somente poderia participarde uma nova avaliação quando atingissea 8ª série (o Saeb é bianual), caso conti-nuasse na mesma escola, sem ter repeti-do o ano, e estivesse novamente matri-culado em uma turma sorteada. Assim,variáveis próprias do aluno só muito ra-ramente viriam a se repetir partindo domesmo sujeito. Talvez o maior ganho quese possa extrair desse tipo de estudo sejano tocante a métodos de ensino ou as-pectos ligados à gestão e à sua relaçãocom o desempenho dos alunos.

Outras pesquisas que utilizammetodologia semelhante a do

Saeb

A metodologia de coordenação deamostras, hoje adotada no Saeb, é práti-ca comum já há muitos anos em institutosde pesquisa em diversos países, tais comoSuécia, Austrália, Nova Zelândia e Fran-ça, por exemplo, geralmente associadosa pesquisas na área de estabelecimentos

comerciais, mas também é prática corren-te em várias pesquisas sociais geridas peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-ca (IBGE).

O Saeb e as avaliações estaduais

Uma outra possibilidade que o uso denúmeros aleatórios permanentes abre é a decoordenação positiva de amostras entre oSaeb e avaliações estaduais realizadas poramostragem. Na verdade, o tema surgecomo uma questão a ser discutida em forosmais amplos, envolvendo profissionais dediversas origens. A sobreposição de um certonúmero de escolas entre pesquisas parale-las, tipo Saeb e avaliações estaduais, apare-ce, por exemplo, como opção para a redu-ção dos custos totais, que poderiam ser re-partidos entre financiadores em níveis fede-ral e estadual, à parte implicações políticasdisso decorrentes, inclusive no que se refereaos interesses subjacentes à prática de rea-lização de avaliações externas de cada umadas esferas de governo. Nesse caso, o Saebe os Estados poderiam fazer uso da mesmabase de dados gerada pela realização deapenas uma prova, podendo ou não promo-ver a equalização de resultados também deforma conjunta. Com isso, também no senti-do da redução de custos, os Estados pode-riam, opcionalmente, sujeitar apenas umasubamostra adicional de escolas a terem to-das as suas turmas avaliadas, esquivando-se dos gastos com avaliações censitárias emesmo assim aumentando o leque de op-ções das análises de dados. Por exemplo, aaplicação de modelos multinível aos dadospoderia vir a apresentar, a despeito dequestionamentos advindos de alguns pes-quisadores da área, resultados surpreenden-tes. Por outro lado, a coordenação negativade amostras (inexistência de elementos co-muns) também aparece como uma possibi-lidade e poderia garantir que alunos que fi-zessem provas do Saeb não participariamde avaliações estaduais, retirando o ônus dosestudantes em ter que responder a mais deuma avaliação externa, provavelmente umincômodo para a maioria.

Refinamento das relações entreo avaliado e o avaliador externo

Voltando, por fim, aos objetivos doSaeb, parece útil lembrar que o bem mai-or que se pode produzir com a prática de

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Recebido em 25 de fevereiro de 2002.

Marcus M. Riether, bacharel em Estatística pela Universidade de Brasília (UnB), éconsultor do Serviço Social da Indústria (Sesi). [email protected]

Raíssa Rauter, mestranda em Psicologia Social e do Trabalho pela UnB, é consulto-ra da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Instituto Nacional de Estu-dos e Pesquisas Educacionais (Inep). [email protected]

avaliações educacionais é dar ao jovemcondições para que possa assumir, comsegurança e desenvoltura, compromissosem seu dia-a-dia. Disso faz parte oestreitamento das relações entre quemavalia e quem é avaliado.

Nesse sentido, o relacionamento entreo Inep e as Secretarias de Educação apare-ce, certamente, como uma via de duasmãos. Tanto importa ao Inep aprofundar oconhecimento do dia-a-dia nas escolas, es-tas muito mais próximas das Secretarias que

do Ministério, levando a que os "fazedores"de políticas públicas possam entender commais propriedade as necessidades daque-les para quem as políticas são primordial-mente dirigidas, quanto importa aos gestoresde escolas entenderem e acompanharem osprocessos de avaliação em nível nacional,colhendo informações sobre tendências na-cionais ou regionais, dificilmente captadasquando se cruzam resultados produzidos pormétodos de avaliação não-padronizados eem escopos muito menos amplos.

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Abstract

This paper presents a simplified version of the Saeb sampling methodology,emphasizing particularities of its cycle of 2001, and aiming at making clear to the readersome of its main points, such as target population, stages, sampling schemes and dataanalyses methods applied to complex samples. Topics like precision of estimates, thatinvolve customary discussions about the avoidance in publishing schools' individual resultsor the sample overlap with the Saeb 1999 are also discussed. Cases of internationalresearch institutes that make use of sampling methodologies similar to that of Saeb arealso mentioned. To finish, we present suggestions to Saeb in its future realizations.

Keywords: complex samples; sample overlap; sequential Poisson sampling;permanent random numbers.

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Trajetória intelectual e identidadedo educador: Anísio Teixeira (1900-1971)*

Clarice Nunes

Palavras-chave: AnísioTeixeira; biografia.

CIBEC

* Este texto é uma versãocondensada da conferênciade abertura apresentada na23ª Reunião Anual da Asso-ciação Nacional de Pós-Gra-duação e Pesquisa em Edu-cação (ANPEd), realizadaem Caxambu, em setembrode 2000.

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Celebrar a trajetória deAnísio Teixeira é trazer para ocentro das nossas reflexõesmomentos decisivos da nossahistória da educação. Ele fezparte de uma geração deintelectuais urbanos a quemcoube, sobretudo, na passagemdo século 19 para o século 20,grande responsabilidade peladiscussão do tema damodernidade e dos projetospolíticos que lhe diziam respeito,a partir de certa visão desociedade brasileira e de povobrasileiro. Ao trabalhar nosmaiores e mais importantescentros urbanos do País,liderando as famosas reformas deinstrução pública, nos anos 20 e30, esses intelectuais criaram nãosó a possibilidade de estruturarum campo de identificação doseducadores mas, sobretudo,interferiram na ordenaçãosimbólica das cidades, armandonovas representações do urbanoe do seu papel profissional dentrodele. Compreender o móveldessa ação é, em parte, meuobjetivo neste texto. Para tanto,tomo como caso a trajetória deAnísio Teixeira, o maiorrepresentante da tradiçãopedagógica democrática emnosso País.

A trajetória de Anísio Teixeira:sua vida é sua obra

Assim que nasce, o sujeito empreendeuma viagem rumo ao desconhecido, já quenão sabe ainda quem é, mas vai descobri-lo nas suas respostas às provocações daprópria existência. Na tensão entre a res-ponsabilidade e ação daquele que se ex-põe ao mundo, no mundo, e o determinismodas forças que lhe são externas delineia-setodo um espaço de manobra que leva ànegociação das circunstâncias vividas. Essaconcepção de negociação implica umanoção de intersubjetividade. Isto é, no coti-diano, o indivíduo raciocina e age pressu-pondo a existência de outros que, como ele,têm consciência, vontade, deveres, emo-ções. Nesse sentido, só posso fazer umainterpretação da trajetória de Anísio Teixeiracolocando-o em relação dentro da sua pró-pria geração e entre a geração de educa-dores que o antecedeu e o sucedeu. Tam-bém só posso compreender a sua obraentendendo que ela se confunde com o tra-balho de seus colaboradores, de seus ami-gos, de todos os professores que, nas sa-las de aula, despertam a dignidade de quesomos todos portadores, embora nem sem-pre a exerçamos. A sua obra é o sentidoque dela fazemos, as representações quedela construímos e aonde palpitam os valo-res que abraçamos. Se a obra é o efeito deuma ação, o que me provoca é o que amove. O que me instiga é essa palpitaçãodelicada que convida a nossa inteligência ea nossa sensibilidade a se empenharemuma vez mais, levantando perguntas sobrea atualidade desse educador e sobre a ins-piração que sua contribuição pode ter paraos educadores brasileiros contemporâneos.

Anísio não nasceu educador. Tornou-se educador num processo laboriosamen-te construído, lapidado no diálogo com osdiversos educadores que dentro dele tran-sitaram, na intensa experiência dos exer-cícios espirituais realizados na juventude,nas reflexões suscitadas pelas viagens in-ternacionais, nas fiéis amizades, como aque manteve com Monteiro Lobato eFernando de Azevedo, na experiência dagestão pública da educação. Nesse sítiode vivências, povoado de lembrançaspessoais, de forças vivas, quero lançar luzsobre as sombras e surpreender... osmomentos de ruptura. Os momentos deruptura são constelações de sentido nas

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quais o sujeito é obrigado à optar entrerender-se ao mundo ou afirmar-se em suadiferença no mundo. Identifico três mo-mentos de ruptura na trajetória de AnísioTeixeira.

A primeira ruptura

Anísio em sua juventude. Um rostoinaciano, olhando o mundo e vendo neleos sinais de Deus. Vinte anos de idade,tendo em suas mãos o passaporte de umacultura humanista cristã que lhe permitiua entrada na discussão dos mais diversostemas sociais, culturais, políticos e literá-rios. Capaz de manejar a retórica comoinstrumento de poder, invenção e cultura.Formado advogado a contragosto. Con-gregado mariano, ávido pelas leituras filo-sóficas e piedosas: Santo Inácio, AntonioVieira, São Tomás de Aquino. Admiradorda monarquia. Filiado à tradição da res-tauração da Igreja Católica. Alguém queinteriorizou uma visão hierarquizada doshomens e considerava a família como ins-tituição modelar da sociedade. Defensorde uma concepção elitista e seletiva doensino.

Militante do movimento católico noinício da década de 20, Anísio Teixeiraestava, nesse momento, ideologicamentepróximo de Jackson de Figueiredo, AlceuAmoroso Lima e Plínio Salgado. Ao assu-mir o comando da Inspetoria Geral doEnsino, em 1924, na cidade de Salvador,Anísio viveu o cargo com fervor oligárquicoe como um instrumento que tentava am-pliar a área de influência da Igreja dentrodo Estado. Espremido entre as aspiraçõesda autoridade religiosa e as da autorida-de paterna, resistiu ao sacerdócio e à car-reira de político profissional. Viajou para aEuropa e Estados Unidos. Por força docargo que ocupava entrou, pela primeiravez, em contato com uma literatura peda-gógica e um sistema público de educa-ção que não conhecia. Em oposição àcultura, à organização, à competênciadocente dos colégios nos quais estudara,deparou – em sua cidade e em seu Esta-do natal – com a pobreza de recursos hu-manos e materiais, a dispersão e a desar-ticulação dos serviços educativos, odespreparo do professor, a imoralidade, acorrupção e a acomodação dos poderespúblicos, alimentando a ineficiência damáquina estatal.

Foi um impacto para a sua sensibili-dade! Essa vida, que acolhemos em nos-sas palavras, foi sacudida nos seus funda-mentos. Não podemos dar conta dorodamoinho de emoções, provocado pelocontato com a civilização moderna e tam-bém pelos pequenos acontecimentos docotidiano que solaparam a sua confiançana Igreja e o levaram a abdicar do sacer-dócio, pelo qual se sentia predestinado.Anísio Teixeira fez a travessia do seu pri-meiro deserto: o deserto da fé, quandoabdicou de uma religião que lhe dava se-gurança, mas que também não dava res-posta às suas mais vivas inquietações.

A passagem pelo Teachers Collegede Columbia, no final dos anos 20, foi vi-vida com uma intensa carga afetiva, umaexperiência de conversão pelo avesso.Numa dimensão laica Anísio reviveu situ-ações que conhecera no "mundo dos co-légios jesuítas", o que o empurrou areinterpretar a realidade e produziu aosseus olhos e aos olhos dos outros umaruptura biográfica que acentua o antes eo depois da estadia nos Estados Unidos.Adotou Dewey como sua plataforma delançamento para o mundo, como vigamestra para compreender o que se pas-sava na sociedade norte-americana. Es-colhera um crítico contundente dosimpasses da democracia norte-america-na, um colaborador direto de instituiçõesinstaladas no meio da população pobre eimigrante com objetivos filantrópicos eeducativos, um pensador que denuncia-va, aos Estados Unidos, que a ameaça dademocracia não estava fora do país, masdentro dele, nas atitudes pessoais e nasinstituições.

Escolher John Dewey, de quem seria oprimeiro tradutor no Brasil, era optar por umaalternativa que substituiu os velhos valoresinspirados na religião católica e abraçadoscom sofreguidão. Era apostar na possibili-dade de integrar o que, nele, estava cindido:o corpo e a mente, o sentimento e o pensa-mento, o sagrado e o secular. Era abrir o seucoração para o pensamento científico, apos-tando na crença de que o enraizamento e asdireções da mudança social a favor da de-mocracia estão postas na infância. Opragmatismo deweyano forneceu-lhe umguia teórico que combateu a improvisação eo autodidatismo, permitiu-lhe operacionalizaruma política e criar a pesquisa educacionalno País.

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As marcas dessa ruptura se evidenci-aram nos deslocamentos que operaram nasua vida e nas novas idéias que horroriza-ram alguns dos seus amigos mais íntimosque passaram a vê-lo então como umbaiano americanizado. Mas essa imagemnão era só dos seus amigos baianos. Al-guns rapazes de São Paulo, que viriam aser seus colaboradores nos anos 30, noDistrito Federal, também construíram deleessa imagem que reconheceriam, um pou-co envergonhados, ser equivocada. Ao vi-sitar a universidade de Columbia, em 1935,Lourenço Filho, refazia a imagem do ami-go e dizia, em carta: "verifico que (em as-pectos sociais e do pensamento) você émenos americano do que eu próprio su-punha".1 Na volta da sua segunda viagemaos Estados Unidos, Anísio enfrentou oproblema da coerência: ou modificava suarealidade ou mudava as relações com elamantidas. Separou-se física, afetiva e men-talmente daqueles que com ele coabita-ram o universo simbólico anterior. Sai daBahia e refaz a vida na capital da Repúbli-ca. Certas amizades cederam lugar a ou-tras: encontrou Monteiro Lobato e Fernandode Azevedo. Ampliou suas leituras: WilliamJames, Bertrand Russel, Wells. TambémBaudelaire, Proust, Dostoievski e outrosgrandes talentos literários universais. Re-ferindo-se ao ano de 1929, numa carta aFernando de Azevedo, do início dos anos60, afirmava: "Tenho a impressão que foinesse ano que me encontrei comigomesmo".2

O rompimento com a Igreja não signifi-cou a liberação das marcas da pedagogiainaciana na sua personalidade. Às vésperasda sua morte, já no ano de 1971, comenta-va com Fernando de Azevedo: "Com religião,ou sem religião, a realidade é todo esse im-penetrável mistério, de que não há saída senão por essas pequenas frestas abertas aoespírito humano".3 "Guardei de minha for-mação religiosa o sentimento de que viver éservir e nada mais esperar do que o confor-to desse possível serviço".4 Ao final dos anos20, esse serviço ganharia uma direção nova.Dentro dele separaram-se definitivamente aIgreja e o Estado. Emergia, na luta dolorosaentre seus antigos sentimentos de fidelida-de ao divino e às autoridades constituídas,a liberdade de pensamento e de expressãode si mesmo no mundo. Essa defesa pautaa sua conduta, pelo árido caminho da tole-rância. Motiva seu desejo de exercer a pe-dagogia como bem de convivência, que não

constrange ninguém a optar por uma idéiasobre a qual não tem clareza. É a questãode fundo de um projeto de recriação da cul-tura que atravessa todas as classes sociais.É a realocação da fidelidade, não mais aosdogmas de qualquer espécie, sejam elesreligiosos ou científicos, mas à dança da pró-pria vida. A fé incorporava a dúvida. A liber-dade de pensamento acarretou a liberdadede opinar, de crer. Permitiu-lhe revolver to-dos os aspectos contraditórios de si mesmo.Dialético, sem ser marxista!

A segunda ruptura

Eis Anísio em sua mesa de trabalho,que é também uma mesa de existência aserviço da educação. Redige o programado Partido Autonomista do Distrito Fede-ral. Estamos no mês de fevereiro de 1935.Na introdução desse programa aponta anecessidade do Estado assumir o papelregulador da distribuição de bens, denun-cia o fracasso da fórmula personalista dasorganizações partidárias nacionais. Apre-senta o prefeito Pedro Ernesto como lide-rança confirmada pelo voto popular, pelaprimeira vez na história da cidade, desta-cando o sentido radical da sua obra públi-ca, obra que ajudou a construir.

Dispara críticas: às organizações polí-ticas liberais, que não percebiam a neces-sidade de homogeneidade e coesão, aosextremistas de esquerda e aos extremis-tas de direita que, no seio das suas organi-zações, tornavam-se pequenos sacerdotesativos e operantes dos ideais e das solu-ções do seu partido, todas essas atitudescontrárias à formação de uma mentalida-de aberta.

Propõe um partido para o qual a pri-meira necessidade é a difusão da culturae do esclarecimento público dos proble-mas brasileiros e de suas possíveis solu-ções. Todo esse esforço acompanhado derigorosa liberdade de palavra e de impren-sa. O partido revolucionário, como ele ochamava, mas que também foi denomina-do de Partido Autonomista do Distrito Fe-deral, não precisaria da censura ou do se-gredo. As idéias deveriam triunfar pelo seumérito. O que este partido procuraria ga-rantir era um padrão mínimo de educaçãoe de informação, a defesa e manutençãoda saúde e os direitos sociais elementaresda honra, como o da subsistência, traba-lho e conforto relativo.

1 Carta de Lourenço Filho a Aní-sio Teixeira em 31/1/1935. Ar-quivo Anísio Teixeira, série Cor-respondência, AT c 29.11.01,documento n. 15, Centro dePesquisa e Documentação deHistória Contemporânea doBrasil/Fundação GetúlioVargas (CPDOC/FGV).

2 Carta de Anísio Teixeira aFernando de Azevedo, em15/2/1960 (Vidal, 2000, p.132).

3 Carta de Anísio Teixeira aFernando de Azevedo, em4/2/1971 (Vidal, 2000, p.155).

4 Carta de Anísio Teixeira aFernando de Azevedo, em18/1/1971 (Vidal, 2000, p.152).

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Por-que Anísio

escreveu umprograma parti-

dário? Para de-fender uma obra

arduamente cons-truída e que criara,

na cidade do Rio deJaneiro, um sistema de

ensino municipal que iada escola primária à uni-

versidade e que corriasérios riscos numa conjuntura na qual opensamento autoritário crescia dentro doEstado e na própria sociedade, onde asposições políticas se radicalizavam, ondese gestava, como o ovo da serpente, aditadura varguista. Paschoal Lemme nãocompreendia a indiferença de Anísio quan-do lhe alertou sobre a conveniência de nãoopor qualquer obstáculo ao pleno cum-primento do dispositivo constitucional, ela-borado por Francisco Campos, que garan-tia a presença do ensino religioso nas es-colas públicas. Chegou a comentar queAnísio parecia não se preocupar com a for-midável onda que ia se agigantando con-tra ele, movida pelas incompreensões, ig-norância e má-fé. Má-fé que rotulava suaobra de anárquica, dissolvente dos costu-mes e desagregadora da sociedade(Lemme, 1988, v. 3, p. 143-147).

Essa "obra anárquica", como taxavamos opositores de Anísio Teixeira, contoucom uma equipe que reuniu grande núme-ro de colaboradores dos mais distintosmatizes ideológicos: católicos, liberais, co-munistas, pensadores de direita e pensa-dores de esquerda. Como foi possível reu-nir pessoas tão diferentes numa obra co-mum? Só podemos compreender essapossibilidade se visualizarmos o Estado si-nalizando seu desejo de introduzir o Brasilna modernidade. As portas se abriram. Ur-gia entrar e tentar. A habilidade coordena-dora de Anísio lidou com a tensão entreinflexões que, de um lado, empurravam as

realizações da sua gestão para uma aber-tura real das chances educativas e, de ou-tro, para a formulação de pesquisas e ins-trumentos que partiam de uma concepçãoautoritária das classes populares.

A escola primária, a escola técnica se-cundária e o ensino de adultos se expandi-ram e melhoraram a sua qualidade. A esco-la técnica foi um interessante ponto de dis-córdia, não apenas porque reuniu, pela pri-meira vez no País, num curso secundário, acultura geral aos cursos técnicos profissio-nais, antes existentes apenas no nível pri-mário, mas também porque valorizou osseus diplomas, além de introduzir a partici-pação dos estudantes, organizados em con-selhos, na gestão escolar. As bibliotecas, so-bretudo a biblioteca infantil, grande novida-de, e as bibliotecas de classe dinamizarama pedagogia. A rádio educativa colocava ogoverno municipal falando diretamente aoscorações e mentes das famílias cariocas. Oprofessor primário foi prestigiado pois, pelaprimeira vez no País, sua formação ocorreuem nível superior na então recém-criada Uni-versidade do Distrito Federal (UDF). A edu-cação foi instituída como área de investiga-ção acadêmica. Ao mesmo tempo, porém,sob sua gestão, produziam-se pesquisas noInstituto de Pesquisas Educacionais, comoas de Arthur Ramos, que defendiam o con-trole brando das crianças, ou ainda, aplica-vam-se, nas escolas primárias, apesar dassuas discordâncias, os testes classificatóriosde alunos.

Anísio Teixeira participava da mentali-dade da sua época e acabou endossandoo papel disciplinador da escola sobre a ci-dade, ao lidar com a heterogeneidade dasclasses populares e de suas crianças den-tro delas, mas não o fez, como alguns deseus colaboradores, de forma a identificara heterogeneidade como carência de atri-butos intrínsecos do sujeito pobre. Ele des-locou a carência do indivíduo para a omis-são dos governos na direção da reconstru-ção das condições sociais e escolares. Nãoconsiderou as classes populares urbanascomo obstáculos sociais e políticos e por

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esse motivo defendeu a educação comoinstrumento de superação de uma carên-cia que não é do indivíduo, mas da culturaerudita que lhe faz falta. Pode perceber quea desigualdade entre as pessoas não esta-va dada. Era feita.

A obra comum da equipe de Anísionão impediu as divergências e as críticasaos seus colaboradores e até mesmo aosamigos mais queridos. Críticas que des-pontam pelas margens ou, como ele pre-feria dizer, em pontos menos exatos. Aocomentar, no começo dos anos 30, o bem-sucedido livro de Lourenço Filho, Introdu-ção ao estudo da Escola Nova, Anísioapontou a sua visão rígida da técnica peloesvaziamento de aspectos substantivos dopensamento filosófico.5 Ao considerar aavaliação da aprendizagem como umaatitude inerente a qualquer iniciativa esco-lar, ele abriu espaço para recolocar a ava-liação enquanto prática suscetível de críti-ca no seu processo mediante os seus re-sultados, relativizando o valor dos testestão defendidos por Lourenço Filho e IsaíasAlves.

Já nos anos 40, ao comentar, a obraSociologia educacional, de autoria deFernando de Azevedo, afirmava, numabelíssima carta, que "a educação é sobre-tudo um sentido". Perguntava-se: "e estesentido é arbitrário ou imposto pelas insti-tuições?" Afirmava: "Creio que em educa-ção sempre haverá mais necessidade defilosofia do que de ciência (...) a educa-ção é, sobretudo, uma arte que progridecomo progride a música".6 Anísio nuncaabandonou a concepção da educaçãocomo uma prática atravessada pela ciên-cia e, ao mesmo tempo, pela arte. É pelafilosofia e pela arte que relativiza o pesoda ciência na educação. É pelo seu amora ambas que, mesmo tendo escrito umprograma partidário no momento em quesua obra estava ameaçada, se afasta dospartidos. Ele recusava a noção de or-dem, lealdade, hierarquia e o des-prezo pela discussão teórica, co-muns nas hostes partidáriasde então. Esses aspectoscriavam, em Anísio, umaantipatia por qualquerfiliação, mas não im-pediram que eleconvidasse ho-mens de partido,c o m u n i s t a scomo Leônidas

Rezende e Edgardo Castro Rebelo, paraingressarem nos quadros da Universida-de Federal. Essa atitude de Anísio não eraisolada. Nesse caso, ele se aproximava deartistas e escritores que defendiam expli-citamente sua independência de criação ea usavam para justificar a sua não-adesãoa partidos políticos de qualquer espécie.Essa não-adesão convivia com uma certasimpatia militante por algumas idéias co-munistas, da qual partilhavam CarlosDrummond de Andrade e Paschoal Lemme(Andrade, 1983, p. 9; Lemme, 1988, v. 2,p. 214). Jorge Amado, eleito deputado doPartido Comunista Brasileiro, por São Pauloem 1945, dedicaria a Anísio Teixeira, aquem considerava o amigo das crianças,o seu livro Capitães de areia.

À medida que, em meados dos anos30, a modernização autoritária se firmou,Anísio Teixeira catalizou a perseguição decatólicos e pensadores autoritários. Sua ges-tão foi avaliada como uma estratégia de opo-sição dentro da estratégia oficial e, como tal,foi combatida e interrompida. Os católicosinvadiram a prefeitura e controlaram os ser-viços educativos. Vencera o projeto reparti-do de educação: para o povo, uma educa-ção destinada ao trabalho e para as elites,uma educação para usufruir e exercer a cul-tura. Anísio opusera ao nacional, o democrá-tico entendido menos como conjunto demecanismos de participação dos indivíduosna sociedade política e mais como mecanis-mos de democratização da sociedade civil(Warde, 1984, p. 105-139). A reforma por eleconduzida empurrou a escola para fora desi mesma, ampliando sua área de influênciana cidade. Atravessou o espelho da culturaeuropéia e norte-americana, articulando o sa-ber popular ao acadêmico. Retirou o proble-ma da educação da tutela da Igreja e doGoverno Federal. Todos esses aspectos

5 TEIXEIRA, Anísio. Comentá-rios sobre a Introdução aoestudo da Escola Nova. Ar-quivo Anísio Teixeira, sérieProdução Intelectual, AT piTeixeira, A. 20/30.00.00/1,CPDOC/FGV; Parecer Críti-co. Introdução ao estudo daEscola Nova. Arquivo Lou-renço Filho, série ProduçãoIntelectual, LF/S ass. pi 30/32.00.00, CPDOC/FGV.

6 Carta de Anísio Teixeira aFernando de Azevedo, em20/4/1940 (Vidal, 2000, p. 43).

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marcam o caráter polêmico da sua ges-tão, graças à sucessão de conflitos quese criaram em vários níveis: no nível go-vernamental, no nível ideológico e no in-terior das próprias escolas.

Anísio Teixeira atravessou o seu se-gundo deserto: o da solidão. Como afir-ma Renato Janine Ribeiro (1987, p. 241),no posfácio ao livro de Carlo Ginzburg,O queijo e os vermes, "nem toda confis-são é uma vitória da tortura; porque àsvezes a pior tortura é ter a voz silencia-da". A opressão política calou a voz deAnísio, dos seus colaboradores, dos seusadmiradores. A memória da formidávelobra pública que ele e seus colaborado-res empreenderam foi apagada. Escre-vendo a Anísio, em meados dos anos 40,Monteiro Lobato rememora:

Lembro-me quanto te vi no Rio de Janei-ro (perseguido) pela polícia, escondidopelos amigos como um grande crimino-so – e naquela ocasião também chorei.To whom the bells toll? Todos estávamosimplicitamente perseguidos, foragidos,escondidos com você (...) Dez anos pas-sou você caminhando como minhoca porbaixo da terra escondido da Reação Triun-fante, mas caminhando sem o saber.7

Na mesma mesa em que Anísio escre-vera o Programa do Partido Autonomista doDistrito Federal, Francisco Campos escre-veria a Constituição do Estado Novo. O vo-lume e o teor das cartas recebidas por FilintoMüller, em meados dos anos 30, ávidas pelocombate e repressão ao comunismo, reve-lam que Anísio tinha razão quando escreviaa Hermes Lima mostrando a importância daformação da opinião pública no combateaos dogmas, aos medos, aos preconceitose aos fanatismos de qualquer espécie(Nunes, 2000, p. 511). Tornara-se um traba-lhador gasto e desmoralizado pelo fascis-mo brasileiro. Acusado de tapeador públi-co por Everardo Backeuser. Denunciado nossubterrâneos do Serviço Secreto da Políciavarguista ao lado de estupradores, estelio-natários e mandantes de homicídio.8 Viria arevanche? Mais traduções aconteceram. Afamília aumentou com os novos filhos quechegaram. Mineirou manganês no Amapáe vendeu carros em Salvador. Os tocos dasua obra, como profetizara Lobato, ficaramenterrados para brotar de novo. Em mea-dos dos anos 40 finalmente era reconheci-do pela Unesco, que o convidava para suainserção na entidade como conselheiro doensino superior.

Sua dura experiência nos anos da di-tadura varguista não seria a única. De ondevinha a força para enfrentar a hostilidadecontra a realização da educação popular erealizar o sonho de um país cidadão, hu-mano e solidário? De todo o período derealizações dos anos 30 e o posterior si-lêncio a que foi submetido, Anísio carre-gou uma convicção, a de que as questõessociais eram manifestações da cultura e deque era preciso combater os problemasque a industrialização trazia. Afirmava:

... com a industrialização desapareceu aintegração entre o homem e o seu traba-lho, que dividido e superdividido passoua ser esforço coletivo e impessoal. Depois,com o desenvolvimento do saber, tambémeste passou a ser especializado e não ofe-recer senão algo muito reduzido de sa-ber realmente comum. Com isso desfez-se a integração entre o homem e o saber.Com a democracia, por fim, entendidacomo processo de maior participação decada indivíduo nos bens da vida, essesbens passaram a ser concebidos comobens materiais, únicos que eram possí-veis ao acesso de cada indivíduo. E ademocracia fez-se uma democracia deconsumo, o homem se sentindo tantomais importante quanto mais pudesseconsumir.9

Para ele, a civilização da abundânciaestava exagerando a importância dos bensde consumo e não era neles que residia afelicidade humana. Essa tão acalentada feli-cidade só se concretizaria com a integraçãodo homem ao trabalho e à cultura. Caberiaao Estado ser o principal promotor daescolarização e difusor da cultura junto àsclasses populares. Ao lado dessa convicção,carregava, também, na sua valise de pere-grino, a incômoda questão que o acompa-nhou desde a juventude e que, já na maturi-dade, vislumbrava no seu ponto mais agu-do: Qual a magnitude da pobreza brasileira?Aprendera, na primeira metade da sua vida,que a pobreza não é só a destituição dosbens materiais. É também a repressão doacesso às vantagens sociais. Não é só fome!É também segregação, degradação, subser-viência, aceitação de um Estado avassaladore prepotente. A pobreza brasileira era tam-bém, e no mesmo grau de importância dapobreza material, a pobreza política. O seucontrário emergia no horizonte dos direitoshumanos e civis: a cidadania organizada.

7 Carta de Monteiro Lobato aAnísio Teixeira, em 1/1/1947(Vianna, Fraiz, 1986, p. 101).

8 Carta de Sebastião Menezesa Filinto Müller em 8/2/1938.Arquivo Filinto Müller, sérieChefatura de Polícia do DF,FM 33.02.21 cph/ad, docu-mento II-52, CPDOC/FGV.

9 TEIXEIRA, Anísio. Esboço deum trabalho distinguindo afunção dos políticos e pen-sadores de um lado e dostécnicos de outro, dentro daatividade educacional naci-onal. Arquivo Anísio Teixeira,série Produção Intelectual,AT pi Teixeira, A. 00.00.00/17,CPDOC/FGV.

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A terceira ruptura

No dia 9 de abril de 1964, o reitor daUniversidade de Brasília (UnB), AnísioTeixeira, o vice-reitor Almir de Castro, os pro-fessores e os funcionários foram surpreen-didos por uma operação insólita: tropas doExército e da Polícia Militar de Minas Ge-rais tomaram de assalto o campus. Era aprimeira de outras duas invasões que ocor-reriam em 1965 e 1968. Os policiais procu-raram armas. Inspecionaram minuciosa-mente a reitoria, a biblioteca, todos os es-critórios em todos os setores. Prenderamprofessores e estudantes. Anísio Teixeira édemitido do seu posto, ao lado de todo oConselho Diretor da Fundação da universi-dade.10 A autonomia universitária é violen-tamente agredida. Essa agressão disparauma campanha de difamação do trabalhoaté então desenvolvido com dificuldades,mas com muita dedicação e esperança, tra-balho espezinhado por setores da impren-sa que se aliaram ao regime militar sob osrótulos da irresponsabilidade, da indis-ciplina, da subversão, do atentado à dou-trina da segurança nacional. Mais uma vezo Estado desqualificava a obra para que asociedade lhe retirasse o apoio e, no enfra-quecimento, a repressão pudesse agir:para aniquilar. De novo as lágrimas deAlcides da Rocha Miranda que, lembrandoa UDF, chorava a UnB. De novo a persegui-ção, a prisão de intelectuais.

Anísio elaborou o anteprojeto da Uni-versidade de Brasília a convite de Jusceli-no Kubitschek e de Clóvis Salgado, nomomento em que também organizava oPlano Educacional de Brasília. ConvidouDarcy Ribeiro para discutir sua proposta.Se não fosse esse gesto de Anísio, DarcyRibeiro não teria participado da fundaçãoda universidade. Polemizaram sobre a suaorganização. Anísio, defendendo a tese deque a UnB deveria ser estruturada paraoperar apenas como centro de pós-gra-duação, destinado a preparar o magisté-rio superior do País e Darcy contra-argu-mentando que, ao lado da pós-graduação,os cursos de graduação seriam indispen-sáveis (Ribeiro, 1978, p. 14). O processode discussão da universidade passou, em1960, pelo fórum da Sociedade Brasileirapara o Progresso da Ciência (SBPC), es-pecialmente instalado para discuti-la.Quando a universidade foi finalmente cri-ada, já no governo de João Goulart, Aní-sio não aceitou o cargo de reitor que lhe

fora oferecido. Assumiu a vice-reitoria dainstituição para prestigiar Darcy Ribeiro esocorreu diversas vezes a universidade emseus momentos iniciais, através da trans-ferência de verbas do Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos (Inep), do qual eradiretor desde meados dos anos 50, para aFundação Universidade de Brasília (Ribei-ro, 1978, p. 33).

Anísio fez do Inep uma instância decondução da política educacional dentrodo Ministério da Educação e Cultura (MEC),pelo manejo e destinação de verbas e pelacriação de uma infra-estrutura para a pes-quisa social e educacional no país que co-locou, lado a lado, cientistas e educado-res em projetos comuns através do CentroBrasileiro de Pesquisas Educacionais e dosCentros Regionais, que funcionaram emSão Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizon-te e Porto Alegre. Através de convênios doInep com as secretarias estaduais, o MECse propunha a equipar escolas que ampli-assem a escolaridade primária para seisanos, a construir centros de aperfeiçoa-mento docente. Com essas medidas, quecanalizavam verbas públicas para institui-ções públicas, e a defesa do controle daformação do professor primário pelo po-der público, através do exame de estado,ele irritou as instituições confessionais ca-tólicas e os deputados interessados no for-necimento de verba do Inep para a cons-trução de escolas rurais transformadas emmoeda de troca eleitoral.

Toda a grande polêmica provocadapelo livro Educação não é privilégio no anode 1957, da qual a publicação do Memo-rial dos bispos gaúchos, solicitando a exo-neração de Anísio Teixeira do Inep é umaconseqüência, dentre outras, colocou emxeque uma vocação pública num país deferozes interesses privatistas. Mais umavez Anísio catalisava a ira dos católicosque fizeram da Revista Vozes sua trinchei-ra de luta.11 Mas, ao polemizar contra aIgreja, Anísio acionava, através dos seuspronunciamentos, a opinião pública, osórgãos do legislativo, do executivo, a pró-pria universidade e setores combativos daintelectualidade, colocando em foco a ne-cessidade da expansão e da qualidade deuma formação pública comum de todosos brasileiros. A luta agora se fazia no sen-tido de se contrapor aos interessesprivatistas sobre a educação na Lei deDiretrizes e Bases.

10Um excelente trabalho dedepoimento pessoal e divul-gação de documentos sobreos dois primeiros anos defuncionamento da UnB é re-alizada por Salmeron (1999).

11A história do livro Educaçãonão é privilégio está escritano posfácio que dediquei aolivro na sua reedição (cf.Nunes, 1994).

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A capacidade de suportar a avalanchede críticas que recebeu, tanto nos anos30 quanto nos anos 50, e que impressio-nava seus colaboradores diretos, era re-sultado visível da pedagogia da Compa-nhia de Jesus. A arte de governo da Com-panhia talhou, nele, a indiferença inaciana,uma formidável resistência psicológicaconstruída no embate dos exercícios es-pirituais, quando a alma atravessa suasnoites escuras, e constrói uma profundaadesão aos valores sagrados. A educaçãopara ele foi um valor sagrado. A indiferen-ça inaciana, extremamente ativa e vigoro-sa nele, foi colocada à serviço da causapública à qual se dedicou e que o levounão só a enfrentar lutas duras, mas tam-bém incluiu uma das mais belas realiza-ções da educação popular no País, já nofinal dos anos 40: a conhecida Escola-Par-que, ao lado das classes comuns de ensi-no, no bairro operário da Liberdade. Denovo, uma escola feliz, que reunia às clas-ses comuns de ensino as práticas de tra-balho, artes, recreação, socialização eextensão cultural.

Nos anos 60, no entanto, sua trajetó-ria foi novamente colocada à prova. A di-tadura militar constrangeu a UnB e que-brou, como dizia Darcy Ribeiro, uma dascoisas mais importantes que Anísio fizerano País: o Centro Brasileiro e os CentrosRegionais de Pesquisas. De novo se frus-trava a tentativa de tornar a educação umaárea de investigação acadêmica. O Inepfoi desativado como agência de produçãoda pesquisa educacional, tornando-se,primeiramente, um órgão burocrático edepois uma agência financiadora de es-tudos e pesquisas na área. Algumas dassuas publicações como Educação e Ciên-cias Sociais foram suspensas e outras,como a Revista Brasileira de Estudos Pe-dagógicos, passaram a ter edição irregu-lar. Os acervos documentais e bibliográfi-cos, laboriosamente organizados peloCentro Brasileiro de Pesquisas Educacio-nais, foram dilapidados.

Anísio Teixeira atravessou o seu tercei-ro deserto: o do ceticismo. Banido, sus-peito, excluído. Respondeu à violênciacom o seu trabalho, o trabalho possível,como professor visitante em universidadesestrangeiras, tradutor, conferencista, mem-bro integrante do Conselho Nacional deEducação, idealizador do Instituto de Es-tudos Avançados em Educação (Iesae), noRio de Janeiro. Numa carta que Anísio

Teixeira escreve a Monteiro Lobato, em ja-neiro de 1947, ele afirma: "Os sonhos nãose realizam sem que primeiro se armemos andaimes. E uma construção em anda-imes pede imaginação e amor para sercompreendida".12 Uma escola pública comum ensino básico de qualidade para todos,onde a pesquisa é assumida como com-ponente do ensino, e em que os espaçose os tempos da educação sejam significa-tivos para cada sujeito dentro dela. Umaescola bonita, moderna, integral em que otrabalho pedagógico apaixona e compro-mete professores e alunos. Uma escola queconstrua um solidário destino humano, his-tórico e social foi o grande sonho de Aní-sio Teixeira, para o qual procurou construiros andaimes.

A violência barrou suas iniciativas, masnão venceu a sua implacável denúncia deque a privação da educação torna impossí-vel até a simples sobrevivência. Anísio es-tava convencido de que, sem a qualidadecognitiva e psicossocial das experiências deconhecimento, não existem vivências daesperança. E a escola, tal como ele e seuscolaboradores pensaram, e concretamen-te criaram, pretendia instituir-se comoorganizadora da esperança em vidas huma-nas concretas. Mas a organização da espe-rança assusta, porque desestabiliza privilé-gios. Porque exige, sobretudo, a paciênciados recomeços.

Em toda a produção de AnísioTeixeira, nos seus 40 anos de vida públi-ca, o tema da democracia no âmbito daescola e fora dela foi decisivo e se impôssobre outros temas, ganhando na suaobra, mas principalmente com a sua vida,uma entonação própria, distinta mesmode outros intelectuais que colaboraramcom os seus projetos ou se opuseram aeles. Do ângulo da educação popular, asconstruções escolares que edificou, tan-to no Rio de Janeiro, quanto em Salva-dor, foram palco de uma expansão regu-lada tanto das atividades dos estudantis,quanto da sua comunicação interativa. Osespaços de aprendizagem na escola seampliaram e diversificaram.

Do ângulo da formação dos intelectu-ais, a trajetória de Anísio Teixeira em defe-sa da universidade pública e de instituiçõespúblicas de pesquisa ou de financiamentoà ela, como a Campanha de Aperfeiçoa-mento do Ensino Superior (Capes), que,sob a sua condução, se transformou emórgão, tem implícita a convicção de que

12Carta de Anísio Teixeira aMonteiro Lobato, em 29/1/1947 (Vianna, Fraiz, 1986, p.104).

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não há país capaz de sobrevivência dignasem instituições, sobretudo como a uni-versidade, que produzam conhecimentose proponham soluções próprias às ques-tões que o afligem. Mas o que gostaria deenfatizar, na sua defesa do ensino e dapesquisa, e que geralmente não tem me-recido suficiente destaque, é a liberdadede criação. Graças a uma interlocução ati-va dentro do pensamento social brasilei-ro, com os nomes mais destacados daintelectualidade, Anísio colocou a educa-ção em sintonia com os avanços das de-mais ciências humanas e sociais. Colocou-a também em permanente diálogo com aarte, concebida no sentido antropológico,como defendia Mário de Andrade e nãono sentido monumental que lhe conferiu,por exemplo, o virtuosismo de Villa Lobos.Em Salvador, no final dos anos 40, elabo-rou o Projeto Educação pela Arte e fezconstruir, sob a liderança de Alcides daRocha Miranda, um Centro Educativo deArte Teatral, destinado à dança e à música(Salmeron, 1999, p. 45). No Rio de Janei-ro manteve constante interlocução comAugusto Rodrigues e seus companheirosda famosa Escolinha de Arte do Brasil, queconstituía, como afirmou em meados de

1970, uma das poucas e importantes ino-vações pedagógicas do País (Costa, 1994,p. 3).

O que se manifesta por trás e por den-tro das rupturas apresentadas dessas cons-telações de sentido, presentes na obra deAnísio, é a atualíssima questão da relaçãodos intelectuais com o poder, a tensão en-tre a competência e o compromisso assu-mido, o pretendido e o viável, a tradição ea invenção, a desagregação e a constru-ção social. Hoje, quando celebramos a pre-sença viva de Anísio Teixeira na nossamemória, eu me pergunto se realmentepodemos alcançar o significado de suaobra. A prudência me impele pelo menosa destacar a apropriação que podemosfazer das suas concepções no momentoatual, o que pode sugerir alguns caminhos.Distinguia ele, em Educação no Brasil, obrade 1969, presentes efervescentes e presen-tes estagnados. Nos primeiros o passadoestaria vivo, entreabrindo o futuro. Nosoutros, o presente seria depreciado emnome de passado transformado em obje-to de culto nostálgico e paralisante. Comlucidez, continuava: "Toda verdadeira cri-se humana é uma crise de compreensãodo presente (...) Cabe-nos (...) tornar o pre-sente compreensível, a despeito das con-tradições, por intermédio do que chama-mos cultura" (Teixeira, 1969, p. 367-385).

O centro da nossa crise atual é a violên-cia encarnada nas instituições, com todas assuas múltiplas faces e perigos: na família,onde muitas situações revelam a despro-teção de crianças, mulheres e idosos; naescola, espaço de discriminação, de exclu-são de classe, etnia e gênero. No trabalho,urbano ou rural: a presença precoce da cri-ança, os índices alarmantes de acidentes, oesvaziamento das organizações sindicais, aviolação dos direitos e a desumanidade dasrelações, condições e processos de traba-lho. Na política: a hegemonia da globa-lização financeira que reduziu o papel dosestados nacionais e o controle social demo-crático sobre o rumo do atendimento às ne-cessidades fundamentais da pessoa huma-na, a recolonização latino-americana, acorrupção no trato da coisa pública.

A globalização econômica tem revela-do a tirania do dinheiro e também da infor-mação, o crescimento da miséria, a crisede identidade e a manutenção da injustiçasocial. Se o centro da crise atual é a violên-cia que cresce, diante da ausência de sen-tido para se estar no mundo, o mais grave é

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o quanto ela está instalada dentro de nós,em maior ou menor grau, também impreg-nados pela cultura do consumismo, pelaatitude de negação ou resignação diantedo sofrimento alheio, banalizando-o, apre-endendo-o de forma dissociada da injusti-ça que o acarreta.

A crise do presente na educação con-temporânea não é apenas problema dosoutros, que não a possuem, mas de todos,sobretudo dos próprios educadores. "Apedagogia atua apenas sobre o humano.A ela interessa constituir aquele grupo hu-mano com o qual qualquer projeto futuropode contar" (Teixeira, 2000, p. 106). Aque-les que realmente se dedicam e acreditam.A utopia está justamente aí, nesse sentir-se. Nessa perspectiva, a utopia não temalvo externo. Enraíza-se nesse fazer parte,nessa companhia, na socialização das nos-sas experiências mais íntimas tanto na es-cola quanto no trabalho (Teixeira, 2000, p.105-107 e 128). Nessa socialização de ex-periências, a negação e a recusa ao reco-nhecimento do nosso sofrimento no traba-lho e na escola constitui importante obstá-culo ao reconhecimento do sofrimento dosque estão sem trabalho e sem escola(Dejours, 1999, p. 46). É possível que sealegue que esse sofrimento não é algonovo. Sempre existiu. De fato, o novo nãoestá na iniquidade, na injustiça ou no sofri-mento imposto ao outro. Está no fato deque hoje essa imposição pareça razoável,justificada. A novidade está, como denun-cia Christophe Dejours (1999, p. 139), nabanalização das condutas injustas queconstituem a trama. Como pertencer, semdialogar com o mundo que nos cerca?Como dialogar, sem realizar a crítica aonosso próprio modo de pensar? Anísio di-zia, e cito de memória, que "o pensamentoé o ato mais vigiado de todos".

A violência internalizada, mas velada,de confinarmos idéias ou pessoas a julga-mentos e rótulos antecipados e definitivos,vítimas de nossos preconceitos e de avali-ações equivocadas e parciais sobre asações humanas precisa ser combatida. "Autopia não aceita seres humilhados, dimi-nuídos, amputados. A pedagogia mais pró-xima da utopia é a que coloca à disposi-ção de cada ser humano toda a culturahumana" (Teixeira, 2000, p. 137). "É pelapedagogia que a utopia atua sobre a políti-ca e a economia" (idem, ibidem, p. 6). Nes-sa direção, a obra de Anísio Teixeira é umconvite para que resgatemos o sentido da

qualidade da educação no que tem de subs-tantivo, ou seja, enquanto conjunto de trans-formações sociais que visam eliminar privi-légios, hierarquias e desigualdades, o quese faz mais do que nunca, hoje, decisivo eurgente.

Celebrar Anísio Teixeira, nesta opor-tunidade, é advertir para o fato de queos homens capazes de manter o desejopela educação por toda uma vida, comoele o fez, apesar das rupturas que as cir-cunstâncias lhe impuseram, são impres-cindíveis e, hoje, cada vez mais raros. Aobra de Anísio Teixeira é resultado da elei-ção da educação como foco de trabalho.A obra de Anísio e de seus companhei-ros, como nos ensinou Antonio Candido,não foi revolucionária, mas expressão deum pensamento radical, que operou umsignificativo deslocamento para a frente,na direção da solidariedade e da justiçasocial. E isto precisa ser reconhecido evalorizado.

Entre o passado de Anísio e o nossopresente há sucessivas camadas de pen-samento que se interpõem e que de for-mas diferentes e variadas acolheram oque pensou, escreveu e concretizou emobras que se apresentam, ainda, à fren-te do nosso próprio tempo. O Anísio quese torna referência está entre nós! Anísiojá não é mais árvore, como pretendia,quando escreveu a Monteiro Lobato fa-lando da secura feliz de apenas existir,sem mais nada desejar.13 É rizoma. Es-palha-se numa simultaneidade de rostosinventados a cada decisão que o acolhe.Ao mesmo tempo, escapa. Sempre:escolanovista, tecnicista, americanista,liberal, conservador, pioneiro, visionário,romântico, iluminista, comunista, reacio-nário. No entanto, volta. Sempre: comoesperança após cada fracasso; na exi-gência de uma fraternidade que não sedebruce no vazio, mas eleja como alvonossas relações concretas no cotidiano;no resgate da memória e da história danossa sociedade e da nossa educação;na generosa militância da cultura e noexercício digno da política; no diálogo daciência com a arte; em projetos de edu-cação que integrem a cultura e o traba-lho. Volta, sobretudo, na força que nosmove na defesa de que, no novo milênioque se inaugura, a educação, em nossasociedade, seja expressão legítima do di-reito de todos os brasileiros.

13 Carta a Monteiro Lobato, em19/7/1941 (Vianna, Fraiz,1986, p. 87).

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TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1969.

TEIXEIRA, Luiz Gonzaga. O discurso que faz o elogio da Pedagogia. São Roque, 2000.Mimeografado.

VIANNA, Aurélio; FRAIZ, Priscila. Conversa entre amigos: correspondência escolhidaentre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato. Salvador: Fundação Cultural do Estado daBahia; Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 1986.

VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Na batalha da educação: correspondência entre AnísioTeixeira e Fernando de Azevedo (1929-1971). Bragança Paulista: Edusf, 2000.

WARDE, Miriam. Liberalismo e educação. São Paulo, 1984. Tese (Doutorado) – PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo.

Recebido em 8 de julho de 2001.

Clarice Nunes é professora do curso de mestrado em Educação da UniversidadeEstácio de Sá (Unesa) e pesquisadora associada ao Programa de Pós-Graduação emEducação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Abstract

If still alive, Anísio Teixeira would complete one hundred years old. Celebrating histrajectory is to bring to the center of our reflections decisive moments of education history.He was part of an urban intellectual generation that, mainly lasted from the passage of 19to the 20 century, took the responsibility of discussing the modernity of political projects

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 154-166, jan./abr. 2000.

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from the point of view of the Brazilian society and public. Working in the major urbancenters in Brazil, leading the famous public instructions reforms in the 1920's and 30's,these intellectual created not only the possibility of structuring the educators identification,but above all, they interfere in the symbolic ordination of cities, creating new urbanrepresentations and new roles for the professionals. Comprehend the mobile of this actionis in part the objective of this text. For this reason, it is consider the trajectory of AnísioTeixeira, the main representative of the Pedagogical democracy tradition of our country.

Keywords: Anísio Teixeira; biography.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 154-166, jan./abr. 2000.

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Teses e dissertaçõesrecebidas*

* Serão disponibilizadas as re-ferências bibliográficas das te-ses recebidas pelo Cibec noperíodo anterior ao lançamen-to do número subseqüente daRBEP. Todo o acervo das te-ses indexadas poderá seracessado diretamente noCibec ou via Internet.

ALLAIN, Luciana Resende. Dilemas,conscientização e construção da iden-tidade profissional entre professoresem especialização. Belo Horizonte,2000. 144 f. Dissertação (Mestradoem Educação) – Faculdade de Edu-cação, Universidade Federal de Mi-nas Gerais.

Orientador: Arnaldo Vaz

Estudo longitudinal que acompanhoudez professores ao longo do ano em queforam alunos do curso de especializaçãolato sensu em ensino de Ciências. O es-tudo visou identificar e descrever os sa-beres alocados por professores ao seremsubmetidos a desafios relativos à carac-terização da ciência e aos propósitos doseu ensino, acompanhar a maneira comoos saberes dos professores se transfor-maram ao longo do ano, bem como ave-riguar em que medida essa transforma-ção está relacionada com a experiênciade desenvolvimento profissional por elesvivenciada. Os dados sugerem que osmaiores desafios para esses professoresrelacionam-se com os propósitos da edu-cação em ciências, que envolve escolhaspolíticas, éticas e pedagógicas. Ao enfren-tar esse dilema, os sujeitos passam a to-mar decisões mais conscientes em rela-ção às suas escolhas e a ter uma auto-crítica pessoal e profissional. As análisesfeitas no estudo apontam para a impor-tância do enfrentamento dos dilemas naconstrução da profissão de professor.

ANDREAZI, Luciana Maria TeixeiraCastrillon. A escuta do discursoinstrucional: recurso na formação do-cente. Campinas, 2000. 183 f. Tese(Doutorado em Ciências) – Instituto dePsicologia e Fonoaudiologia, PontifíciaUniversidade Católica de Campinas.

Orientadora: Eliana Martins da SilvaRosado

O processo de formação docentedeve incluir atividades que desenvolvamas competências do professor para per-ceber, compreender e avaliar a linguagemda sala de aula. Por isso, esse trabalhoobjetivou estruturar um procedimento deescuta de registros audiogravados de epi-sódios de ensino a partir dos quais sãodescritas as possibilidades de mediaçãopedagógica. Vários episódios são discu-tidos ilustrando como este material subsi-dia a atividade prático-reflexiva de alfabeti-zadores e agentes de formação, eviden-ciando competências e necessidades dedesenvolvimento profissional.

ARAÚJO, Maria Carla de Ávila. Vivênciasescolares de jovens de um bairro daperiferia de Belo Horizonte: um estudoexploratório das marcas da violênciana constituição de suas identidades.Belo Horizonte, 2000. 213 f. Disserta-ção (Mestrado em Educação) – Facul-dade de Educação, Universidade Fe-deral de Minas Gerais.

Orientadora: Inês Assunção de CastroTeixeira

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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Pesquisa participante que investiga avivência escolar e a subjetividade de jo-vens alunos, moradores de um bairro daperiferia de Belo Horizonte, cujo cotidianoe ambiente escolar são marcados pela vi-olência, insegurança pública e exclusãosocial. A pesquisa desenvolveu-se emquatro etapas: 1) caracterização socioló-gica do ambiente escolar; 2) a experiên-cia e as representações sociais dos jovensalunos; 3) as vivências fora da escola, queinvadem o cotidiano e reorientam atitudese comportamentos dos alunos entre si; e4) as possibilidades para pensar a escolacom espaço de mediação de conflitos ede convivência da diversidade cultural esocial.

AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves de.Movimento Escolinhas de Arte: em cenamemórias de Noemia Varela e Ana MaeBarbosa. São Paulo, 2000. 166 f. Dis-sertação (Mestrado em Artes) – Escolade Comunicações e Artes, Universida-de de São Paulo.

Orientadora: Regina Stela BarcelosMachado

Visa recompor a História do Movimen-to Escolinhas de Arte, através de depoi-mentos – fragmentos históricos e imagi-nativos – de dois marcos da arte/educa-ção nacional: Noemia de Araújo Varela eAna Mae Barbosa.

BUETTNER, Glória Elisa Bearzotti Piresvon. Diretrizes curriculares em Psico-logia: discursos de resistência. Cam-pinas, 2000. 256 f. Tese (Doutoradoem Ciências – Psicologia) – Institutode Psicologia e Fonoaudiologia,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Raquel Souza LoboGuzzo

Pesquisa documental que identifica eanalisa as principais temáticas constantesem 37 propostas de diretrizes curriculares,enviadas por instituições educacionais,profissionais e estudantis de Psicologia à

Secretaria de Educação Superior (Sesu/MEC). As temáticas identificadas agrupa-ram-se em: Diretrizes Curriculares, Estru-turação Curricular e Aspectos Específicosda Formação em Psicologia.

CAMPOS, Lêda Maria Ferreira. O papel dogestor na viabilização de projetos pe-dagógicos. Campinas, 2000. 88 p.Anexos. Dissertação (Mestrado emEducação) – Faculdade de Educação,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Maria Eugênia de Lima eMontes Castanho

Enfatiza a função do diretor na viabi-lização de projetos pedagógicos, levandoem conta o processo de democratizaçãodas modalidades de gestão nas escolaspúblicas, na cidade de Catalão-GO, indodesde as formas clientelísticas tradicionaisaté a tentativa de democratização destas.Analisa, também, os critérios adotados naescolha de diretor: a livre indicação de di-retores por lista tríplice, o concurso e o pro-cesso de eleição direta. Como conclusões,aponta que o administrador escolar pos-sui papel importante na viabilização de pro-jetos pedagógicos e também no climaorganizacional da escola, influenciando asatitudes de professores e alunos.

CASTRO, Plínio Eduardo Monteiro de. Es-paço e tempo: a utilização de recur-sos escassos pela escola pública epelo aluno do ensino médio no Distri-to Federal. Brasília, 2000. 129 f. Dis-sertação (Mestrado em Educação) –Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pes-quisa, Universidade Católica deBrasília.

Orientador: Cândido Alberto Gomes

Focaliza a eficiência no uso, pelas es-colas de ensino médio da rede pública doDistrito Federal, dos recursos educacionaisespaço e tempo, de maneira a favorecer ademocratização do ensino e abrigar o

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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acréscimo de alunos pelo incremento dematrículas que está ocorrendo neste nívelde ensino. Segundo a pesquisa, os alunoseram os principais responsáveis pela es-colha da escola onde estudavam, que fica-va, em geral, à pequena distância da suaresidência, com localização satisfatória. Noentanto, cerca de um terço do alunado bus-cava outra escola distante de sua residên-cia, em virtude da sua melhor qualidade.Não foi constatada a matrícula de alunos ànoite por falta de vaga nos demais perío-dos. O turno vespertino, aparentemente pormotivos subjetivos, foi o mais rejeitado pe-los discentes. A distribuição do tempo dis-ponível do aluno indicou relativamente pou-cas horas de estudo, sobretudo para os dosexo masculino e do período noturno, emvirtude de trabalho ou estágio. Quanto àsescolas, foram encontradas evidências donão cumprimento integral da carga horáriano período noturno. Embora os estabeleci-mentos fossem eficientes quanto ao uso doespaço, os laboratórios eram subutilizadose os alunos do curso noturno novamenteprejudicados no seu uso.

CAVENAGHI, Denise Maria. Evasão esco-lar: representação social de alunos.Campinas, 2000. 149 f. Dissertação(Mestrado em Psicologia) – Instituto dePsicologia e Fonoaudiologia, PontifíciaUniversidade Católica de Campinas.

Orientadora: Eliana Martins da SilvaRosado

A evasão escolar ainda é um proble-ma nas escolas brasileiras. Investigaram-se as representações sociais de alunos eva-didos que retornaram à escola em classesde ensino supletivo, buscando possíveiselementos do núcleo central das represen-tações. Como possíveis elementos centraispôde-se identificar: eixo externo à escola,destacando-se a variável necessidade/de-sejo pessoal de trabalhar. Em paralelo, apa-rece o eixo do indivíduo através do concei-to falta de noção da importância do estudo.O eixo interno à escola é pouco expressi-vo, tanto quanto os conceitos referentes aoeixo do indivíduo. Os resultados sugerempossíveis ações preventivas do psicólogoescolar junto à escola, aos alunos e na re-lação escola/família.

COPERTINO, Angélica Lírio. O pedagogonas séries finais do ensino fundamen-tal: agente articulador do currículoescolar. Vitória, 2001. 121 f. Disserta-ção (Mestrado em Educação) – Cen-tro Pedagógico, Universidade Federaldo Espírito Santo.

Orientadora: Denise Meyrelles de Jesus

Pesquisa qualitativa que objetiva co-nhecer a visão dos profissionais da educa-ção sobre o papel dos pedagogos e sobrea percepção que têm do currículo escolarcomo campo de ação profissional. Verifica,também, como os professores descrevema função do pedagogo, como vêem a for-mação continuada e a relação entre projetopedagógico e currículo. Conclui quepedagogos e professores desconhecem oprojeto pedagógico de suas escolas; nãoestabelecem relação entre currículo e de-sempenho escolar; percebem a articulaçãocurricular como ação necessária, mas têmdificuldades de efetivá-la na prática; confun-dem os conceitos de interdisciplinaridadee transversalidade com trabalhos por temase/ou projetos. Aponta para a necessidadede formação continuada de pedagogos eprofessores na área de currículo escolar.

CREMASCHI, Rosângela Santovito.Hipertexto para crianças em fase deletramento: criação de mídia para odesenvolvimento de conhecimentosem Língua Portuguesa. São Paulo,2000. 67 f. Acompanha um CD-ROM.Dissertação (Mestrado em Ciências daComunicação) – Escola de Comuni-cações e Artes, Universidade de SãoPaulo.

Orientadora: Marília Franco

Este trabalho desenvolve, com basenas teorias interacionistas de Piaget eVygotsky, a criação de um hipertexto paracrianças de 6 e 7 anos, que estão em fasede letramento, com o objetivo de trabalharalguns conceitos de Língua Portuguesaampliando seu repertório individual. O con-teúdo desse material foi planejado tendocomo referencial teórico os ParâmetrosCurriculares de Língua Portuguesa e o es-tudo dos gêneros do discurso, realizadopelos autores Dolz e Schneuwly.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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DAMIÃO, Carlos Roberto Torres. Educaçãoespecial: visão de professores e psicó-logos. Campinas, 2000. 205 f. Disser-tação (Mestrado em Psicologia) – Insti-tuto de Psicologia e Fonoaudiologia,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Raquel Souza LoboGuzzo

O objetivo deste estudo foi identificara visão que professores e psicólogos têmda educação especial. Os resultados de-monstraram que os sujeitos referiram-seà educação especial como uma educaçãoque ocorre em espaços segregados, vol-tada para crianças que não acompanhamo ensino comum em decorrência de defi-ciências inerentes a elas e/ou ao sistemaeducacional. A educação inclusiva foi de-finida como uma forma de integração enão de inclusão. O apoio familiar e técni-co, a falta de capacitação profissional ede envolvimento nas decisões governa-mentais foram apontados pelos professo-res como complicadores para o exercíciode suas funções. Os psicólogos indicaram,ainda, como fatores que dificultam a atua-ção profissional, o excesso de demanda,a desatualização dos sistemas de saúdee educação, bem como o intercâmbioentre estas duas áreas.

DUDZIAK, Elisabeth Adriana. A informationliteracy e o papel educacional das bi-bliotecas. São Paulo, 2001. 173 f. Dis-sertação (Mestrado em Ciências daComunicação) – Escola de Comuni-cações e Artes, Universidade de SãoPaulo.

Orientadora: Sueli Mara S. P. Ferreira

Apresenta uma abordagem teórico-do-cumental de análise e discussão de práti-cas e conhecimentos acerca da informationliteracy, a fim de sistematizar a matéria,com ênfase no papel educacional das bi-bliotecas e do bibliotecário. Examina-se ainformation literacy, enquanto processode interiorização de conhecimentos, ha-bilidades e valores ligados à informaçãoe ao aprendizado, segundo um quadro

referencial histórico-conceitual e perante asociedade atual e a explosão informacional.

DURAN, Aglair Iglesias. O projeto saberinserido em proposta pedagógica ino-vadora para a Odontologia. Campinas,2000. 217 f. Acompanha CD-ROM.Dissertação (Mestrado em Educação)– Faculdade de Educação, PontifíciaUniversidade Católica de Campinas.

Orientador: Newton Cesar Balzan

Projeto pedagógico da Faculdade deOdontologia da PUC-Campinas que des-creve o perfil do profissional da saúde bu-cal, o papel do educador, e analisa a políti-ca de saúde no Brasil, o Sistema Único deSaúde, assim como a política de saúdebucal coletiva. Toma como referência pro-jetos educacionais inovadores e conceitosconsiderados de alta relevância para oensino odontológico como integração do-cente assistencial, currículo integrado,interdisciplinaridade e transversalidade. Édado destaque ao Projeto Saber, inseridona disciplina Odontologia e Saúde Coleti-va, descrito como uma proposta pedagó-gica inovadora colocada em prática há seteanos, cujos resultados foram avaliados pe-los estudantes que dele participaram. Éapresentado, também, um evento educa-cional denominado Saúde na Praça – Pre-venção é a Solução que, pelo grande su-cesso alcançado, foi incorporado ao Pro-jeto Saber como alternativa de metodologiado ensino que privilegia as relações estu-dantes-coletividade. Ao final, apresentauma revisão do Projeto Pedagógico doCurso de Odontologia da PUC-Campinas,à luz dos estudos realizados. As conclu-sões sugerem análise e avaliação do pre-sente estudo a serem efetuadas por edu-cadores responsáveis pela formação deprofissionais de saúde bucal, a fim de quesejam construídos projetos pedagógicoscompatíveis com as especificidades regi-onais, cujas bases integrem ética, cidada-nia e profissionalismo vocacionado.

FERRARI, Eliana Moysés Mussi. Aintegração do deficiente mental leveem classes de ensino regular. Brasília,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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1999. 142 f. Dissertação (Mestradoem Educação) – Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, UniversidadeCatólica de Brasília.

Orientadora: Maria Terezinha de LimaMonteiro

O presente trabalho desenvolveu-seatravés de uma pesquisa experimentalcomparando turmas (grupo de controle 03e experimental 01) do ensino regular quepossuem Deficientes Mentais Leves (DML)integrados, os quais freqüentam a 2ª sériedo ensino fundamental da rede oficial deensino do Distrito Federal. Buscou-se, atra-vés da epistemologia genética de JeanPiaget e seus colaboradores, comprovarexperimentalmente o nível de integraçãodos alunos deficientes mentais leves emsala de aula, através da aplicação do testesociométrico. A intervenção pedagógicabaseou-se na construção do conhecimen-to nos seus diferentes níveis, e as açõesrealizadas pelos alunos foram traduzidasem operações expressas por diferentessignificantes. O grupo experimental apre-sentou desempenho superior em termos dedesenvolvimento (tanto em rendimento es-colar quanto em integração social), com-parando-se ao grupo de controle.

GONÇALVES, Carmen Lúcia Caldeira. Su-pervisão de estágio em PsicologiaEscolar: perspectiva e atuação desupervisores. Campinas, 2000. 275 f.Tese (Doutorado em Ciências) – Ins-tituto de Psicologia e Fonoaudiologia,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Geraldina Porto Witter

Estuda aspectos específicos da atua-ção do supervisor junto a 32 supervisoresde agências formadoras públicas e priva-das. Utilizou-se um questionário parasupervisores e um instrumento de auto-avaliação de habilidades e conhecimen-tos em supervisão. Os resultados indica-ram que a formação para supervisão éinexistente, tendo os supervisores da áreapapel relevante na formação profissionaldo supervisionado. A formação do super-visionado é objetivo da supervisão e norteia

os critérios para avaliar sua evolução. A su-pervisão deve viabilizar a integração teoria-prática e o supervisor tem desempenhadopapéis de professor e consultor. É necessá-rio capacitar o supervisor para que se possater psicólogos escolares melhor preparadospara a realidade brasileira.

LIMA, Cláudia Maria de. Educação a dis-tância e TV Escola: apropriações deprofessores em formação contínua.Campinas, 2000. 234 f. Tese (Douto-rado em Psicologia) – Instituto de Psi-cologia e Fonoaudiologia, PontifíciaUniversidade Católica de Campinas.

Orientadora: Eliana Martins da SilvaRosado

Encontrar condições de viabilização daTV Escola em contexto de formação contí-nua para professores de ensino fundamen-tal foi o principal objetivo nesta pesquisa. Paraisso, foi necessário um estudo aprofundadodas relações estabelecidas entre três obje-tos: formação contínua, educação a distân-cia e TV Escola. Os resultados das duas fa-ses em conjunto demonstraram que a TVEscola foi vista como um meio de formaçãocontínua desde que respeitadas quatro dife-rentes condições: acesso fácil às emissõesda TV Escola, necessidade de um coorde-nador, ajustes necessários à continuidade doprocesso, necessidade da modificação dapolítica do projeto TV Escola, além do de-senvolvimento de formas de acompanha-mento e avaliação qualitativas de experiên-cias efetivas no uso da TV Escola.

LIMA, Marina de Paiva Souza. Projeto polí-tico pedagógico de uma escola ruraldo Distrito Federal: o horizonte da par-ticipação coletiva na perspectiva dagestão escolar. Brasília, 2000. 231 f.Dissertação (Mestrado em Educação)– Pró-Reitoria de Pós-Graduação ePesquisa, Universidade Católica deBrasília.

Orientadora: Stella dos Cherubins G.Trois

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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Pesquisa de natureza etnográfica queinvestiga a gestão do Projeto Político-Pe-dagógico (PPP) de uma escola rural doDistrito Federal. Objetiva investigar a con-cepção e a ação do PPP na escola e des-velar aspectos facilitadores e inibidoresdas relações internas e externas da esco-la. Identificou uma estrutura organizacionaldescentralizada e flexível que favorece oaflorar da criatividade e da criticidade e,com o contínuo uso dessas habilidades,os participantes, no próprio ambiente,exercitando suas potencialidades, podemencontrar formas alternativas de maximizaros aspectos facilitadores e administrar,com eficácia, os elementos inibidores dasações do PPP.

MELO, Ana Cláudia Raposo de. Educaçãofísica adaptada e criatividade: umainvestigação sobre a opinião dos pro-fessores. Brasília, 2001. 89 f. Disser-tação (Mestrado em Educação) – Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesqui-sa, Universidade Católica de Brasília.

Orientadora: Eunice Maria LimaSoriano Alencar

Objetivou avaliar as considerações pes-soais sobre sua própria criatividade atravésda análise de discurso, obtidas através deuma entrevista realizada com professores deEducação Física que atuam com portado-res de necessidades educativas especiais,em diferentes categorias de atendimento, eprofessores de Educação Física convenci-onal. Outros fatores avaliados foram: requi-sitos necessários ao professor de EducaçãoFísica para atuar com portadores de neces-sidades educativas especiais, formação emcriatividade e fatores que influenciam na re-alização do trabalho. Os resultados encon-trados evidenciaram a existência de diferen-ças entre os discursos dos professores queatuam com portadores de necessidadeseducativas especiais e os professores deEducação Física convencional.

MOREIRA, Dirce Antonia Berto. Os meiosde comunicação nos recursos didáti-cos utilizados para o ensino de línguaestrangeira moderna. São Paulo,

2001. 345 f. Dissertação (Mestrado emCiências da Comunicação) – Escolade Comunicações e Artes, Universida-de de São Paulo.

Orientadora: Maria Lourdes Motter

O trabalho analisa em que medida autilização de diferentes meios de comuni-cação de massa, por seus diferentes pro-dutos, como a música, trechos de filmes,artigos de jornais ou revistas atuais, etc.,como recursos didáticos, promovem umamaior interação entre o professor e o gru-po/classe, facilitando o processo de aquisi-ção de uma língua estrangeira. Trabalhou-se a concepção de ensino-aprendizagemna perspectiva teórica de Vygotsky, enfati-zando os processos psicológicos e cogni-tivos numa dimensão socioistórica. Os pro-dutos veiculados pela mídia constituem alinguagem mediadora entre professor e alu-nos, inserindo-os na realidade social da qualparticipam os sujeitos desta pesquisa.

MOREIRA, Sebastião Rogério Gois. Con-ceitos e preconceitos de professorasem relação ao aluno epiléptico: análi-se do efeito da informação. Campinas,2000. 166 f. Tese (Doutorado em Ci-ências) – Instituto de Psicologia eFonoaudiologia, Pontifícia Universida-de Católica de Campinas.

Orientadora: Vera Lúcia Adami Rapo-so do Amaral

O presente trabalho teve como objetivoavaliar crenças equivocadas sobre a epilep-sia e a criança epiléptica, reveladas por pro-fessoras antes e depois de um treinamentoinformativo – uma abordagem esclarecedorado assunto – bem como identificar mudan-ças no comportamento dessas mesmas pro-fessoras em face de seus alunos, em sala deaula. Os resultados obtidos indicam um ní-vel de discordância após o treinamento in-formativo sobre epilepsia em cinco de 15crenças analisadas. Considerando-se o com-portamento das professoras antes e depoisdas sessões de filmagem, observou-se, tam-bém, que não houve aumento de contatospositivos com os alunos, mas foi significantea diminuição de comportamentos negativosem relação a eles.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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MOURA, Marta Antunes de Oliveira.Capacitação de pessoal de saúdemediante o uso de tecnologias edu-cacionais. Brasília, 2000. 129 f. Dis-sertação (Mestrado em Educação) –Pró-Reitoria de Pós-Graduação ePesquisa, Universidade Católica deBrasília.

Orientador: Paulo Rodolfo RodriguesPereira

Estudo de caso de abordagem crítico-didática, que objetiva verificar como profis-sionais de saúde da área de laboratório es-tão sendo capacitados tecnicamente pormeio de realização de cursos Telelab, fun-damentados na metodologia da educaçãoa distância, em que se utilizam vídeos emanuais como recursos pedagógicos deaprendizagem, identificando tipos e grausde mudanças observadas antes e após otreinamento profissional. Os resultados ob-tidos, a partir do acompanhamento do de-sempenho de dois grupos de participantesde cursos Telelab, evidenciam quatro aspec-tos fundamentais: a) as mudanças técnicasocorridas na instituição, após a realizaçãodos cursos, foram pouco significativas; b)há necessidade de alterar e aperfeiçoar ométodo de avaliação utilizado nos testesaplicados nos cursos; c) é preciso incluiraulas presenciais nos cursos; e d) o conteú-do dos cursos, veiculados por meio devídeos e manuais, de elevado nível técnico.

OLIVEIRA, Iára Bittante de. Desempenhovocal do professor: avaliação multi-dimensional. Campinas, 1999. 181 f.Tese (Doutorado em Psicologia) – Ins-tituto de Psicologia e Fonoaudiologia,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Solange MugliaWechsler

O objetivo deste estudo foi proporuma avaliação multidimensional, de vari-áveis influentes no desempenho vocal doprofessor do ensino fundamental. A amos-tra final, composta de 42 professores deensino fundamental da cidade de Cam-pinas e subdividida em dois grupos, foi

selecionada a partir de um grupo de 112sujeitos, tendo-se como critério principala queixa de três ou mais sintomas vocais.Para as análises estatísticas, foram utili-zados Correlação de Pearson, Teste T-In-dependente, Análise de Variância (Anova)e Teste de Fisher. Não foram encontradasdiferenças significativas entre professoresde escolas particulares e públicas, no quese refere à prevalência de sintomas vo-cais. Não foram também encontradas di-ferenças estatisticamente significantes,entre os dois grupos, com relação às auto-avaliações do desempenho vocal. Ressal-ta-se a relação de significância encontra-da entre a análise perceptiva auditiva dasvozes dos sujeitos e as alterações encon-tradas nas imagens laringoscópicas. Con-clui-se da importância de uma visãomultidimensional para a avaliação vocaldo professor.

POLIDORI, Marlis Morosini. Avaliação doensino superior: uma visão geral euma análise comparativa entre os con-textos brasileiro e português. Porto,2000. 547 f. Tese (Doutorado em Ci-ências da Educação) – Universidadedo Porto.

Orientadores: Alberto Manuel S. C.Amaral e Stephen R. Stoer

O estudo tenta compreender a qualida-de no ensino superior, particularmente naforma em que se desenvolveu como com-ponente dos sistemas de avaliação do ensi-no superior do Brasil e de Portugal. Com basenesta análise, foi possível concluir que, emambos os países, os sistemas de regulaçãodo ensino superior influenciaram a imple-mentação dos sistemas de avaliação. Con-tudo, no Brasil, esta influência foi caracteri-zada pelo modelo de controle do Estado,enquanto que em Portugal foi o modelo desupervisão estatal que predominou.

SANTANA, Carlos Hernan Guerrero. Trata-mento cibernético na avaliação doselementos rítmico-musicais, utilizadosna aprendizagem por modelagem, ematividades de educação física. São

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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Paulo, 2001. 97 f. Tese (Doutorado emComunicação) – Escola de Comuni-cações e Artes, Universidade de SãoPaulo.

Orientador: Osvaldo Sangiorgi

Estudo que objetiva criar um critério deavaliação dos elementos rítmico-musicais,utilizados na aprendizagem por modelagemem atividades de Educação Física. Combase no critério de avaliação estudado, foielaborado um Manual de Instrução, para usodos professores e estudantes de EducaçãoFísica, que dá espaço para que novos tra-balhos sejam realizados na área da Ciber-nética e do Movimento Humano em Educa-ção Física.

SERVILHA, Emilse Aparecida Merlin. A vozdo professor: indicador para compre-ensão da dialogia no processo ensi-no-aprendizagem. Campinas, 2000.86 f. Tese (Doutorado em Ciências -Psicologia) – Instituto de Psicologia eFonoaudiologia, Pontifícia Universida-de Católica de Campinas.

Orientadora: Eliana Martins da SilvaRosado

O objetivo deste trabalho foi analisarcomo as variações nas características davoz do professor, no processo de interlo-cução em sala de aula, participam damediação pedagógica, palco para a ela-boração do conhecimento pelo aluno. Aancoragem teórica foi buscada em Psico-logia e na perspectiva histórico-cultural deVygotsky e em Fonoaudiologia. As aulasde três professores universitários do Cur-so de Pedagogia foram áudio e videogra-vadas e, posteriormente, transcritas e ana-lisadas qualitativamente. Os resultadospermitem associar mudanças nas vocaisdos professores com diferentes objetivosque permeiam as ocorrências em sala deaula, dentre elas o estabelecimento deacordos e negociação de sentidos. Alémdisso, apontam para a importância de seampliar o estudo da voz no movimentointerativo entre professor e alunos, comomais uma dimensão para a compreensãodo complexo e relevante processo de en-sino-aprendizagem.

SILVA, Maria José Ramos da. Custo diretode funcionamento do ensino médiopúblico no Distrito Federal: um estudode caso. Brasília, 2000. 86 f. Anexos.Dissertação (Mestrado em Educação)– Pró-Reitoria de Pós-Graduação ePesquisa, Universidade Católica deBrasília.

Orientador: Candido Alberto Gomes

Ao Estado coube a responsabilidadeda expansão do ensino médio. Universalizar,financiar e custear passaram a ser palavrasde ordem nas políticas públicas voltadaspara a educação. Esse momento históricodeu origem a esta pesquisa, que teve emvista estimar o custo direto de funcionamen-to do ensino médio público no Distrito Fe-deral. Os resultados do estudo mostraramque entre a escola pesquisada e a converti-da em escola padrão os custos ficaram re-lativamente próximos, o que conferiu à pri-meira uma posição confortável em relaçãoa um significativo número de escolas quecompõem a rede pública de ensino do Dis-trito Federal.

SILVA, Renata Teixeira Nascimento deSant'anna e. Páginas de história: a cri-ança, o livro e a arte. São Paulo, 2000.167 f. Anexos. Dissertação (Mestrado)– Escola de Comunicações e Artes,Universidade de São Paulo.

Orientador: Ana Mae Tavares BastosBarbosa

Considerar o livro como meio deintermediar a relação entre a criança e aarte. Neste sentido, o livro fornece a apro-ximação da obra de arte e divulga suasimagens para crianças de todo o País.Apresenta uma reflexão sobre os diferen-tes livros especialmente dirigidos ao pú-blico infantil, que têm como objetivo criarum novo meio de favorecer o contato comobras de artistas nacionais e internacionais.Mais do que o contato com a obra de arte,ele oferece a oportunidade de uma outraleitura – da obra, da imagem, do mundo.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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SIQUEIRA, Liliane Géo de. Acompanha-mento de lições de casa: uma inter-venção de caráter clínico. Campinas,2000. 149 f. Dissertação (Mestrado emPsicologia Clínica) – Instituto de Psi-cologia e Fonoaudiologia, PontifíciaUniversidade Católica de Campinas.

Orientadora: Vera Engler Cury

Estudo exploratório acerca da modali-dade de atenção psicológica com caráterclínico denominada Acompanhamento deLições de Casa, que promove uma relaçãode ajuda para crianças de 1º grau. A análisedo processo que ocorre com a criança ba-seia-se em uma compreensão psicanalítica.São apresentadas considerações teóricasquanto aos temas relacionados com o tra-balho de acompanhamento de lições decasa, assim como a delimitação do campoonde se situa esta atividade clínica, diferen-ciando-a tanto da psicopedagogia, quantode uma aula particular. Os conceitos psica-nalíticos que subsidiam a proposta de tra-balho – transferência, pulsão epistemofílicae o desenvolvimento do aparelho para pen-sar – também permitiram delinear o cami-nho metodológico escolhido para o desen-volvimento desta pesquisa qualitativa, queconstitui a análise do atendimento de umaúnica criança ao longo de dois meses. Aanálise de dados possibilita uma leitura dosencontros, a partir de três temas: setting,transferência e realização da tarefa propria-mente dita. A principal conclusão a que sechegou quanto a esta modalidade de aten-ção psicológica é que esta pode facilitar adescoberta de uma nova forma de lidar coma tarefa diária de fazer lição de casa, pois oque muitas vezes impede a manifestação dapulsão epistemofílica são aspectos emocio-nais da criança. Um outro aspecto reveladopor este estudo aponta para a importânciada aplicação de conceitos psicanalíticos acontextos outros, além das salas de psico-terapia, permitindo uma compreensão de fe-nômenos humanos, de natureza emocional,em áreas diversas.

SOUZA, Rita de Cássia de. Sujeitos daeducação e práticas disciplinares:uma leitura das reformas educacio-nais mineiras a partir da Revista do

Ensino (1925-1930). Belo Horizonte,2001. 355 f. Dissertação (Mestrado emEducação) – Faculdade de Educação,Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Luciano Mendes Faria Filho

Refere-se à relação entre os diversossujeitos da educação e às práticas discipli-nares tal como foi compreendida em duasreformas mineiras do ensino (1925 e 1927)e divulgada nos seis anos iniciais do maisimportante canal de comunicação entre ogoverno mineiro e os professores do Esta-do: a Revista do Ensino. A análise à propos-ta dos reformadores para a disciplina esco-lar baseou-se em três eixos que constituemas partes deste trabalho. O primeiro desseseixos, tratado na primeira parte, refere-se àsreformas, ao periódico e às suas contribui-ções relacionadas com o novo modelo dis-ciplinar que se pretendia implantar no siste-ma educacional mineiro. Baseadas nas pro-postas do movimento escolanovista e dasdiscussões em torno da Escola Ativa e adap-tando-se às necessidades e interesses lo-cais, os reformadores propunham uma es-cola renovada, moderna e ofereciam umconjunto de práticas disciplinares que pro-metiam a implantação de uma escola ale-gre, festiva, sem castigos e punições, pro-dutiva e disciplinada. O papel da escolaexpandia-se não somente para o atendimen-to a classes sociais desfavorecidas, assimcomo pretendia muito mais que instruir,educar. Realizar uma fusão de diversosmodelos aparentemente contraditórios, masque faziam sentido na lógica da educaçãono Estado. Reunindo uma profunda religio-sidade com as recentes descobertas cientí-ficas do período e ainda utilizando métodosda tão criticada Escola Antiga, como o mé-todo intuitivo, formava-se o modelo discipli-nar que partia da escola e estendia-se paratoda a sociedade. Educar era, nesse senti-do, preparar cidadãos para a implantaçãode um país moderno, industrializado,urbanizado, cuja construção dependeriatão-somente de braços e mentes eficiente-mente preparados para tal.

TEIXEIRA, Jayme do Nascimento. Atributose procedimentos do professor univer-sitário facilitador da criatividade e o ní-vel em que esta vem sendo estimulada

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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em sala de aula. Brasília, 2000. 117 f.Dissertação (Mestrado em Educação)– Pró-Reitoria de Pós-Graduação ePesquisa, Universidade Católica deBrasília.

Orientadora: Eunice Maria LimaSoriano de Alencar

Examina os atributos do professor uni-versitário facilitador da criatividade discen-te e seus procedimentos em sala de aula,segundo a opinião de seus alunos, bemcomo investiga diferenças significativasentre as opiniões dos universitários das trêsáreas. Os sujeitos responderam a dois ins-trumentos: o Questionário de AtributosFacilitadores e a Escala de ProcedimentosDocentes. A análise estatística verificou queo professor universitário não vem facilitan-do a expressão e o desenvolvimento dacriatividade de seus alunos.

VALENTIM, Marta Lígia Pomim. PolíticaNacional de Informação para a Pro-dução de Bases de Dados em C&T:estabelecimento de critérios de ava-liação. São Paulo, 2001. 272 f. Tese(Doutorado em Ciências da Informa-ção e Documentação) – Universida-de de São Paulo.

Orientadora: Johanna W. Smit

A Política Nacional de Informaçãopara a Produção de Bases de Dados emCiência e Tecnologia deve contemplar ageração, tratamento e disseminação dainformação e do conhecimento. A infra-estrutura para a sistematização e consoli-dação da informação no País dependeessencialmente de financiamento e acom-panhamento, bem como do interesse da

iniciativa privada, no sentido de buscarestes recursos e estabelecer efetivamenteum novo segmento produtivo no País, de-nominado indústria da informação. A cul-tura brasileira em relação à consolidaçãode dados deve ser modificada, ou seja, ainformação deve ser entendida comoinsumo básico para o desenvolvimento téc-nico-científico do País. O estabelecimentode critérios de avaliação para produtoresde bases de dados obterem esses recur-sos é fundamental, assim como a confia-bilidade das informações fornecidas poressas bases de dados deve ser objeto deavaliação contínua.

VIANA, Claudemir Edson. O processoeducomunicacional: a mídia na esco-la. São Paulo, 2000. 236 f. Dissertação(Mestrado em Ciências da Comunica-ção) – Escola de Comunicações e Ar-tes, Universidade de São Paulo.

Orientadora: Elza Dias Pacheco

Estudo de caso que analisa a atuaçãodo professor e de um projeto pedagógicoque propunham desenvolver uma prática deensino sobre e através da mídia. O objetivoé compreender o desenvolvimento do pro-cesso de ensino-aprendizagem quando sãoinseridos alguns produtos da mídia, comojornais e programa televisivo ficcional, sejacomo estratégias pedagógicas, seja comoobjetos de estudos entre os jovens, concen-trando as atenções para os procedimentospedagógicos aplicados na inserção destesprodutos num contexto de ensino formal. Deforma ampla, pretende-se analisar como asmedições pedagógicas e de mídia estiverampresentes durante os estudos sobre os te-mas abordados em sala de aula, mediaçõesque interagem durante o processo de cons-trução do conhecimento pelo aluno.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 167-176, jan./abr. 2000.

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Lançamentos editoriaisem educação*

* Serão divulgados os lança-mentos editoriais seleciona-dos a partir dos catálogos re-cebidos pelo Cibec. As edito-ras interessadas poderão en-viar seu material promocional.

A revolução das aprendências: como oregimento escolar pode libertar a alegriade aprenderPaulo Roberto do CarmoVilmar Figueiredo de SouzaUnisinos141 p., 2000

Aids e escola: reflexões e propostas deeducaidsCortez176 p., 2000

Anísio Teixeira: a poesia da açãoClarice NunesEdusf644 p., 2000

Cidadania: educação e exclusão socialMaria Cristina dos Santos CruanhesSergio Antonio Fabris Editor127 p., 2000

Dirigentes municipais de educação: umperfilJulio Jacobo WaiselfiszUndime99 p., 2000

Educação de jovens e adultos: teoria, prá-tica e proposta2. ed.

(Guia da escola cidadã, v. 5)Cortez e Instituto Paulo Freire136 p., 2000

Educação pelo avesso: assistência comodireito e como problemaPedro DemoCortez120 p., 2000

Educando o profissional reflexivo: um novodesign para o ensino e a aprendizagemDonald A SchönArtes Médicas256p., 2000

Educar para solidariedade: projeto didáti-co para uma nova cultura de relações en-tre os povosLeandro SequeirosArtes Médicas167 p., 2000

Ensino de história: revisão urgenteConceição CabriniHelenice CiampiMaria do Pilar de Araújo VieiraMaria do Rosário da Cunha PeixotoVavy Pacheco BorgesEduc164 p., 2000

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 177, jan./abr. 2000.

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RBEPRBEPRBEPRBEPRBEPInstruções aoscolaboradores

Criada em 1944, a Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos (RBEP) tem pe-riodicidade quadrimestral. Publica artigosde natureza técnico-científica, resultantesde estudos e pesquisas que contribuampara o desenvolvimento do conhecimen-to educacional e que possam oferecersubsídios às decisões políticas na área.Seu público leitor é formado por profes-sores, pesquisadores e alunos de gradua-ção e pós-graduação, técnicos e gestoresda área de educação.

A RBEP compõe-se das seguintesseções:

"Estudos" – publica artigos inéditos,resultantes de estudos, pesquisas, deba-tes e experiências relacionadas com a edu-cação e áreas afins.

"Segunda Edição" – reedita trabalhosrelevantes, que se caracterizem como fun-damentais à compreensão da evoluçãohistórica da educação.

"Avaliação" e "Estatística" – publicamartigos de caráter técnico sobre temas li-gados às áreas de atuação do Inep, e têmcomo objetivo subsidiar a formulação e oprocesso decisório das políticas do setor.

"Cibec" – publica informes sobre asbases de dados e atividades do Centro deInformações e Biblioteca em Educação(Cibec). Publica também notas sobre lan-çamentos editoriais e resumos das tesesrecebidas pelo Centro, que tratem de te-mas educacionais.

A RBEP mantém ainda o Projeto Ilus-tração, que tem como objetivo possibilitara participação de alunos das Faculdadese Escolas de Belas-Artes e Design Gráfico(Programação Visual), através da elabora-ção de ilustrações para seus artigos.

Na RBEP, o espaço está aberto paracolaborações que incluam: indicaçõespara reedição de textos fundamentais esugestões de temas para serem debati-dos na revista, com abertura para répli-cas e tréplicas, dependendo do interes-se despertado.

NORMAS EDITORIAIS

Os artigos encaminhados à RBEP sãosubmetidos à aprovação de especialistasreconhecidos nos temas abordados. Deacordo com o pareceres emitidos, o arti-go será programado para publicação oudevolvido ao autor, para reformulação eposterior envio, quando será novamenteavaliado.

Aprovado o artigo, seu autor deveráencaminhar ao Inep uma declaração decessão dos direitos autorais e autorizaçãopara publicação.

A publicação de qualquer matéria estásubordinada à prévia aprovação do Inep eao atendimento das condições especificadasnas Normas para Apresentação de Originais,que se encontram à pagina seguinte.

O setor de revisão reserva-se o direitode efetuar alterações nos originais, respei-tados o estilo e as opiniões dos autores,com vistas a manter a homogeneidade e aqualidade da revista.

Os autores receberão cinco exempla-res pelo trabalho publicado na revista.

As colaborações deverão ser enviadaspara o seguinte endereço:

MEC/Inep – Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais

Coordenação-Geral de Difusão de In-formações Educacionais

Esplanada dos Ministérios, Bloco L,Anexo I, Sala 418

CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61) 224-7092 e (61) 224-1573Fax: (61) 224-4167E-mail: [email protected]

NORMAS PARA AAPRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS

Com vistas a facilitar o tratamento e adisseminação dos trabalhos enviados parapublicação nos periódicos do Inep, apre-sentamos algumas normas técnicas parao estabelecimento de padrões de estilo eapresentação dos textos.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 179-181, jan./abr. 2000.

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Meios

Os originais deverão ser encaminha-dos em papel (3 cópias) e em disquete(arquivo formato Word), digitados em es-paço 2, com 30 linhas por lauda e exten-são máxima de 20 laudas, ou mediantecorreio eletrônico.

Ilustrações (fotos, desenhos, gráficos,quadros, tabelas, mapas) poderão ser en-viados em papel, desde que possuam ni-tidez, ou em meio magnético com, no mí-nimo, 200 dpi de resolução (não serãoaceitas cópias xerox ou fax).

Título

O título do artigo deve ser breve, es-pecífico e descritivo, contendo as palavrasrepresentativas do seu conteúdo.

Resumos

Os artigos enviados para a RBEP de-verão ser acompanhados, obrigatoriamen-te, de resumos em português e inglês, com10 linhas no máximo, e de um resumoanalítico, em português, cujo modelo seencontra neste Guia de Colaboradores,para disseminação na Bibliografia Brasi-leira de Educação (BBE) e na Rede Lati-no-Americana de Informação e Documen-tação em Educação (Reduc).

Os artigos enviados para o Em Aber-to e a Série Documental devem vir acom-panhados apenas do resumo analíticopara a Reduc.

Palavras-chave

Os artigos enviados à RBEP devemconter palavras-chave, referentes ao seuconteúdo, escolhidas em vocabulário livreou controlado.

Citações

As citações devem ser acompanha-das por uma chamada para o autor, como ano e o número da página. A referênciabibliográfica da fonte da citação virá emlista única ao final do artigo. A exatidão ea adequação das citações e referências atrabalhos consultados e mencionados notexto são de responsabilidade do autor.

Notas

As notas de rodapé devem ser evita-das. Quando necessárias, que tenham a

finalidade de: indicações bibliográficas;observações complementares; realizar re-missões internas e externas; introduziruma citação de reforço e fornecer a tra-dução de um texto. As indicações das fon-tes deverão ser feitas nos textos.

Referências bibliográficas

As referências bibliográficas devemconstituir uma lista única no final do arti-go, em ordem alfabética por sobrenomede autor; devem ser completas e elabora-das de acordo com as normas da Associ-ação Brasileira de Normas Técnicas(ABNT) – NBR 6.023.

• Monografias: autor; título em itálico;edição; imprenta (local, editor e ano depublicação); descrição física (número depáginas ou volumes); série ou coleção.Exemplo:

FLORIANI, José Valdir. Professor e pes-quisador: exemplificação apoiada naMatemática. 2. ed. Blumenau: Furb,2000. 142 p. (Programa Publicaçõesde Apoio à Formação Inicial e Conti-nuada de Professores).

• Artigos em periódicos: autor; título;nome do periódico em itálico; local ondefoi publicado; nº do volume; nº do fascí-culo; páginas inicial e final do artigo; mês;ano. Exemplo:

GOROVITZ, Matheus. Da educação dojuízo de gosto. Revista Brasileira de Es-tudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n.193, p. 86-94, set./dez. 1998.

Ilustrações

As ilustrações devem vir acompanha-das das fontes e de título que permita com-preender o significado dos dados reuni-dos. Quadros, tabelas e gráficos devemobedecer às normas de apresentação ta-bular do IBGE.

Siglas

As siglas devem vir acompanhadas donome por extenso.

Destaques

O uso de negrito deve ficar restrito aostítulos e intertítulos; o de itálico, apenaspara destacar conceitos ou grifar palavrasem língua estrangeira.

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Reedição

Textos para reedição deverão serapresentados na forma originalmentepublicada, de modo a assegurar a indi-cação da fonte primitiva. No caso de tra-dução, anexar cópia da folha de rosto dapublicação original.

Currículo

Devem constar do trabalho informa-ções quanto à titulação acadêmica do au-tor e respectiva instituição; atividades quedesempenha; instituição a que está vin-culado; endereços residencial, profissi-onal e eletrônico completos.

Somente serão aceitos os trabalhos que preencherem as condições acima.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 179-181, jan./abr. 2000.

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O Centro de Investigação e Desen-volvimento da Educação (Cide) iniciou,em 1972, a edição dos Resumos Analíti-cos em Educação (RAE), que é, atualmen-te, um dos produtos da Rede Latino-Ame-ricana de Informação e Documentaçãoem Educação (Reduc). Os resumos têmpor finalidade tornar acessível aos usuá-rios da rede os documentos que se refe-rem à educação latino-americana. Paraatingir essa finalidade, os RAEs são cui-dadosamente preparados de acordo comregras e técnicas que permitem apresen-tar ao usuário um nível de leitura do do-cumento, que, em alguns casos, atendea suas necessidades de informação, semrecorrer ao documento como um todo.

Estas orientações têm como objeti-vo servir de guia para o preenchimentoda planilha de resumos Reduc/Brasil,que resultará na publicação de RAEs ououtra, de acordo com a política editorialadotada.

Resumo

Descrição – Consta de duas partes: aprimeira indica o tipo de documento que

está sendo analisado (monografia, disser-tação, tese, livro, coletânea, capítulo de li-vro, artigo de periódico, relatório, trabalhoapresentado em conferência, número deperiódico, etc.); a segunda define os obje-tivos e/ou as principais características dodocumento. A descrição deve ter, no má-ximo, 6 linhas (resumo informativo).

Metodologia – (somente quando hou-ver fato concreto) – Indicar as fontes dedados, descrever a abordagem teórica e/ou metodológica empregada no trabalho,colocando todas as informações possíveis.

Conteúdo – Descrever as principaisidéias do trabalho e os resultados, quan-do houver. Deverá conter, no máximo, 400palavras.

Conclusão – Deverá aparecer quandoconstar do documento, ou se for possível,selecionar a(s) mais significativa(s) a partirdo texto. Incluir aqui as recomendações,quando houver.

Referências Bibliográficas ou Fontes– Indicar a quantidade de referências na-cionais e internacionais. Caso a bibliogra-fia apareça dispersa pelo texto, coloque:Inclui bibliografia.

reduc

Instruções paraa elaboração deresumos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 182, jan./abr. 2000.

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Instruções aosilustradoresRBEPRBEPRBEPRBEPRBEP

A RBEP – Criada em 1944, tem perio-dicidade quadrimestral. Publica artigos re-sultantes de estudos, pesquisas, experiên-cias e debates relacionados com a edu-cação e com áreas afins. Também reeditatrabalhos relevantes que se caracterizemcomo fundamentais à compreensão his-tórica da educação.

Conta, ainda, com duas seções temá-ticas que abrangem a área de atuação doInep – avaliação e estatística – e com umaseção que trata dos produtos informacionaisda autarquia.

Projeto Ilustração

1) Objetivo – Possibilitar a participa-ção do corpo discente das Faculdades eEscolas de Belas-Artes e Design Gráfico(Programação Visual), no processo deedição da RBEP, através da elaboraçãode ilustrações para seus artigos, de acor-do com as normas estabelecidas a seguir.

2) Processo de Elaboração – Os arti-gos são encaminhados a uma única fa-culdade ou escola, que se incumbe deorganizar, internamente, o processo deseleção dos trabalhos que ilustrarão cadaabertura de artigo.

O processo é aberto a todas as Fa-culdades e Escolas de Belas-Artes eDesign Gráfico (Programação Visual) doPaís, públicas e privadas, que se compro-meterem a promover a elaboração dos tra-balhos, de acordo com as normas e osprazos estabelecidos.

3) Coordenação – Os trabalhos sãocoordenados pelo Inep em parceira coma Faculdade de Belas-Artes de São Paulo,que se responsabilizará pela sistemáticade contato, seleção e articulação das es-colas que participarão do projeto.

4) Especificações Técnicas – A revis-ta, no formato 20,5x28 cm, tem a capa im-pressa em cores e o miolo, em preto e bran-co. A capa será elaborada pela equipe de

programação visual do Inep, responsávelpelo projeto gráfico da publicação.

As ilustrações serão utilizadas na aber-tura dos artigos e deverão ser elaboradasem preto e branco, sendo livre a técnica aser utilizada, admitindo-se também a apre-sentação de fotos inéditas. A disposiçãoda ilustração no espaço da página serádecidida pela equipe do Inep, garantindo-se, contudo, a sua integridade. Poderá serenviada em papel ou em meio magnético.Neste caso, utilizar os programas CorelDraw, Corel Photo Paint, Adobe PhotoShop ou Paint Brush.

5) Créditos – A revista fará menção àescola ou faculdade que elaborou as ilus-trações, e cada trabalho trará a identifica-ção do(s) seu(s) autor(es).

6) Premiação – Cada trabalho seleci-onado receberá a premiação de R$ 200,00(duzentos reais), que serão pagos peloInep. O autor receberá dois exemplares darevista e a escola, cinco exemplares parasua biblioteca.

7) Prazos – A partir da entrega dos arti-gos, a escola ou faculdade terá 30 dias paraentregar os trabalhos selecionados. O não-cumprimento desse prazo comprometeráos trabalhos de edição final da revista.

8) Esclarecimentos adicionais pode-rão ser obtidos com:

Prof. Antonio Danilo Morais BarbosaTelefax: (61) 224-4167E-mail: [email protected]

Jair Santana MoraesFone: (61) 224-7092E-mail: [email protected]

MEC/Inep – Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais

Esplanada dos Ministérios, Bloco L,Ministério da Educação, Anexo I, 4º Andar,Sala 418, CEP: 70047-900, Brasília-DF.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 183, jan./abr. 2000.

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