revista agora 2015

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O MARAVILHOSO REINO DE HILDA FURACÃO Em Minas, o velho hotel, que um dia foi o cenário luxuoso da famosa cortesã, é um verdadeiro baú de recordações e histórias ágora revista Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Centro Universitário Newton Paiva | Ano VII | 2015

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Publicação da Escola de Comunicação do Centro Universitário Newton Paiva

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Page 1: Revista agora 2015

o maravilhoso reino de hilda furacãoEm Minas, o velho hotel, que um dia foi o cenário luxuoso da famosa cortesã, é um verdadeiro baú de recordações e histórias

ágorarevista

Revista Laboratório do Curso de JornalismoCentro Universitário Newton Paiva | Ano VII | 2015

Page 2: Revista agora 2015

postpostPortaL de informação da escoLa de comunicação

centro universitário newton Paiva

npa.newtonpaiva.br/post

Page 3: Revista agora 2015

REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015

ediTorial

ainda com mercado forTe

Instantaneidade informacional; crise do

mercado jornalístico, com demissões em mas-

sa, principalmente no meio impresso; público

conectado 24 horas por dia via redes sociais e

aplicativos mobile. Audiência e jornalistas são

mídias. webjornalismo, trans e crossmidialia-

dade em plena ascendência, revolucionando as

estruturas das empresas de comunicação. Acú-

mulo de funções e responsabilidades diversas

sob o mesmo profissional. Queda nas tiragens

dos jornais impressos em quase todo o globo.

Tal cenário parece não ser muito relevante para

a realidade das revistas impressas. Pelo menos,

ainda não.

Ainda que as semanais venham perdendo

terreno, por sua natureza, as mensais, especia-

lizadas ou sobre assuntos gerais, ainda se man-

têm como objeto de desejo de seus públicos fiéis,

sempre ávidos por informações aprofundadas,

bem apuradas e transmitidas com sofisticação

e elegância textual e fotográfica.

Esta edição de Ágora, elaborada pelos alu-

nos do 5o período de Jornalismo da Escola de

Comunicação Newton, traz a cultura mineira

sob ótica minimalista, com redação, fotografia e

diagramação pensadas para transmitir o acon-

chego que as terras Gerais, incrustadas entre

montanhas e Minas, trazem a todos os que nela

pisam. Uma “diliça” de leitura para você!

ÍCARo BATIsTA

npa.newtonpaiva.br/post

Page 4: Revista agora 2015

REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015

carTa ao leiTor

vocÊ conhece sua cidade?

“Moro no Rio de Janeiro e nunca fui ao Cristo Reden-tor”. “sempre morei em são Paulo e nunca fui à Praça da sé”. “sempre morei em Brasília, mas não conheço o Pla-nalto”. É corriqueiro ouvirmos essas frases dos nativos de regiões que visitamos, e mais comum ainda é o fato de que, muitas vezes, conhecemos mais as cidades para onde viaja-mos do que a cidade em que moramos.

Dentro de uma grande cidade, há várias cidades. Dentro de uma grande cidade, há vários povos, culturas, crenças, lugares que nem imaginamos que existem e que ,muitas vezes, ficam a algumas quadras de onde estamos. Acostu-mados a uma ‘viseira’, sempre visitamos apenas os lugares que nos interessam, com o mesmo grupo de amigos que, por sua vez, frequentam os mesmos lugares. E assim, fechamos os olhos para uma verdadeira nação que existe dentro da cidade em que vivemos.

E você, conhece a sua cidade?

Você sabia que Belo Horizonte é uma das capitais que possuem o projeto arquitetônico mais moderno do Brasil?

E que é aqui, também, onde temos uma Igrejinha das mais notáveis do estado, construída antes mesmo de a ci-dade nascer?

Mais: que a maior das grandes bandas do Metal tem fi-xadas aqui as suas raízes?

Na cultura, além de um dos grupos de teatro de bonecos mais prestigiados, e uma das emissoras de rádio de maior impacto do país, chegamos a ter mais de 40 cinemas de rua ao mesmo tempo. Você sabia que a capital ,muitas vezes, foi conhecida como a cidade do pecado, por abrigar um nome famoso atrelado à prostituição?

E é claro que a gastronomia não poderia ficar de fora. Nem o turismo. Belo Horizonte é o ponto de partida para uma agradável viagem que nos levará dos ricos sabores dos queijos mineiros a um tour pela rota de Peter Lund.

E é desse ponto de partida que os alunos do 5º período de Jornalismo da Newton Paiva convidam você, leitor, para conhecer melhor a sua cidade, aquela em que vivemos, es-tudamos, trabalhamos e crescemos. seja bem-vindo aos vá-rios universos que residem neste horizonte vasto e belo em que temos o prazer de ver o sol nascer e cair todos os dias.

RoGER LEoN

Page 5: Revista agora 2015

HISTÓRIA38 A 43

DESCOBERTAM

ODA 34 A 37

44 A 47

ágorarevista

Revista Laboratório

do Curso de Jornalismo

Centro Universitário Newton Paiva

Ano VII | 2015

PresidenTe do GruPo sPlice

antônio roberto Beldi

reiTor

João Paulo Beldi

vice-reiTora

Juliana salvador ferreira de mello

coordenadora da e

scola de comunicaÇão

Juliana lopes dias

ediTor da revisTa

Pro fes sor eus tá quio Trin dade netto

(drT/mG 02146)

aPoio

núcleo de Publicações acadêmicas - nPa

Pro JeTo Grá fico e

direÇão de arTe

helô costa

(registro Profissional 127/mG)

diaGramaÇão

ariane lopes

marina Pacheco

estagiárias do curso de Jornalismo

sumário

Page 6: Revista agora 2015

REVIsTA ÁGoRA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015PÁGINA 6

Beagá

o aBenÇoado coraÇão da

caPiTal mineiraEm meio à rotina

infernal do centro, a

centenária capelinha

de Nossa Senhora do Rosário se

transformou numa

escadaria que nos deixa a

dois passos do paraíso

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REVIsTA ÁGoRA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015PÁGINA 7

Por Caíque Rocha

A correria cotidiana de quem vive e trabalha no centro de Belo Horizonte acaba ofuscando um patrimônio histó-rico importante, que data dos primór-dios da capital mineira. Localizada na agitada confluência das ruas são Paulo e Tamoios com a Avenida Amazonas, bem no coração da cidade, a Capela Curial Nossa senhora do Rosário — a igreja mais antiga de Beagá — há 115 anos serve como refúgio para os fer-vorosos fiéis que buscam, em meio à

selva de pedra, um caminho até a cobi-çada paz de espírito.

Ali, bem no centro da cidade, a pe-quena e singela capela em nada lem-bra a grandiosidade de suas vizinhas maiores, a igreja de são José e a ma-triz de Nossa senhora da Boa Viagem. Elas chamam a atenção pela arquite-tura e, principalmente, pelo destaque em relação ao cenário em que estão inseridas — parques e escadarias que até sugerem, digamos, verdadeiros cartões postais.

É daí que vem a mística da cente-

nária capelinha, considerada um “oásis de Maria” pelos que transitam naquele conturbado ambiente, sufocados pelos incontáveis prédios. o pequeno templo, mesmo sem chamar a atenção de longe, atrai centenas de devotos durante toda a semana, seja por algum motivo especial, ou simplesmente pela fé. É o caso de Ma-ria Aparecida Pereira, 55. Já aposentada há sete anos, faz questão de comparecer todos os dias à capela. “o que me motiva é sempre a vontade de agradecer a Deus pela vida; essa igrejinha é uma benção pra mim”, suspira.

Até mesmo os que rotineiramen-te dedicam suas vidas à conservação e funcionamento do templo colocam a devoção em primeiro lugar. Ana Maria Andrada Pacheco, 73, trabalha como voluntária há cinco anos e explica que a recompensa é unicamente espiritual. “Abrimos mão de parte da nossa vida familiar em prol da vida de pessoas desconhecidas. Isso só é possível com o amor de Deus”, orgulha-se.

Mas há casos de quem volta sem-pre porque teve um motivo realmente especial. A dona de casa Marcília Pe-reira da silva, 66, entrou pela primeira

vez na capela em um distante 1985. E se lembra até do dia: “foi numa terça-feira, no comecinho do mês de junho”. Entrou porque perdeu o dinheiro da passagem de ônibus e não tinha a quem recorrer.

— Aí, comecei a rezar e desatei a chorar. Eu chorava que dava pena. Chorei tanto, que chamei a atenção de um rapaz que estava lá, e que veio me perguntar o que eu tinha. Então, contei pra ele o meu drama e ele disse que me daria o dinheiro: “Mas você não pre-cisa me pagar; quando tiver dinheiro, você volta e deixa aqui uma esmolinha

pra santo Antônio”.Marcília voltou exatamente no dia

dedicado a santo Antônio, 13 de junho. “A capela estava cheia”, recorda-se, contando que levou o dinheiro da pas-sagem e “uns trocadinhos a mais” para agradecer a santo Antônio.

— E sabe quem eu reencontrei lá? o meu anjo da guarda, o moço bonito que me emprestou o dinheiro.

os dois se casaram um ano de-pois e, religiosamente, todo ano, voltam com os cinco filhos para agradecer a cupido, isto é, ao santo casamenteiro.

sanTo casamenTeiro

Fotos Caíque Rocha

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REVIsTA ÁGoRA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015PÁGINA 8

Engana-se quem pensa que de-voção não é coisa de jovens. Flávia Ivining, de 21 anos, trabalha bem per-tinho da igreja e costuma passar o tempo livre no interior da capela, para rezar “e meditar”. Mesmo nos horários de pico, segundo Flávia, quando a po-luição sonora provocada pelo trânsito intenso eleva à potência máxima o ní-vel de estresse de quem convive com as proximidades da Praça sete, o ambien-te dentro do templo permanece calmo.

— Chega a ser engraçado; quando estamos lá dentro é difícil de se ouvir até mesmo as constantes buzinas dos carros.

A polivalente Ana Maria também conta que muitos estudantes, depois das aulas, costumam passar pelo tem-plo. Ela acredita que, além de preces, eles praticam um merecido “descanso mental”

— Acho que é isso, porque até mes-mo nos intervalos eles costumam vir.

Danilo Matos Alvarenga, 18, criou o hábito de frequentar a capelinha “para rezar antes de fazer prova, como a maioria faz”. Hoje, continua frequen-tando, mas por outros motivos.

— Descobri uma paz muito gran-de aqui dentro. Venho todo dia. Não sei ainda se é vocação, mas minha meta agora é entrar para um seminário. Já visitei o convento dos frades dominica-nos e gostei muito. Venho aqui para re-zar e para ver se Deus me dá uma luz.

sem idade

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REVIsTA ÁGoRA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015PÁGINA 9

hisTÓria e arQuiTeTura

Responsável pela casa há mais de 20 anos, Monsenhor Geraldo dos Reis Calixto, em uma breve volta ao passa-do, lá na época da fundação da capela, explica que ela já existia antes mesmo de se definir Belo Horizonte como capi-tal do Estado.

— É de quando havia o Curral Del Rei, o arraial situado onde posterior-mente a atual capital mineira seria implantada. só que, naquele tempo, o traçado das ruas era outro. Já havia alguns templos católicos espalhados pela região central, mas a capela de-dicada à Nossa senhora do Rosário foi construída em 1819, onde hoje se compreende o cruzamento da Avenida Álvares Cabral com a Rua da Bahia.

Para que a avenida fosse aberta, no entanto, foi preciso que a capela mu-dasse de local. Assim, em 1895, por or-dem do governador Afonso Pena, deu-se início às obras e, dois anos depois, a igrejinha foi reinaugurada no novo en-dereço, onde permanece até hoje. Belo Horizonte, por sua vez, foi declarada munícipio dois meses depois.

Relatos curiosos enriquecem ain-da mais a história do templo. Mon-senhor Geraldo nos lembra de que a inauguração, em 27 de setembro de 1897, foi exatamente no mesmo dia em que o Parque Municipal Américo Ren-né Giannetti, um dos principais pontos turísticos da cidade, também abria suas portas. outro fato importante foi o período em que a capela foi matriz da Paróquia são José, uma das “primas ricas” do centro.

Monsenhor Geraldo conhece cada metro quadrado do espaço e, apesar de algumas reformas que foram realizadas, se lembra perfeitamente de cada palmo do templo. Ele próprio faz questão de explicar a base arquitetônica da capela.

— Construído em estilo neogóti-co, o templo possui uma escadaria em cantaria de granito. o mesmo aconte-ce com a base sobre a qual se assenta o pórtico, que mostra, na parte supe-rior da porta, no côncavo da ogiva e em alto relevo, a Virgem Maria reve-renciada por dois anjos.

Dedicada à Nossa senhora do Ro-sário desde sua fundação, a carismá-tica igreja costuma confundir alguns fiéis. Muitas pessoas, frequentadoras ou não, se referem ao local como Ca-pela santo Antônio, um equívoco que, para o sacerdote, tem algumas expli-cações:

— Vários cristãos fervorosos, em suas devoções a santo Antônio de Lisboa-Pádua, insistem em chamar a capela por esse nome, mas pode ser também pela proximidade com o antigo orfanato santo Antônio, que também se mantinha na Rua são Paulo. É claro que Nossa senhora não fica aborreci-

da, mas não é o nome correto — argu-menta.

Não é à toa que a edificação é tom-bada pelo Patrimônio Cultural da Fun-dação Municipal de Cultura, como in-forma a Prefeitura de Belo Horizonte. os motivos da valorização e admiração dos fiéis vão além dos aspectos visuais, já que, antes de tudo, a maior riqueza é histórica. Ali não está presente somen-te o Espírito santo, como acreditam os fiéis. Por trás daquela porta encontra-se o refúgio de almas que, em um pas-sado não muito distante, deram a vida pelo crescimento da cidade que, antes de construída, foi sonhada.

saGrado e conTroverso

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Teatro

Quandoas luzes se aPaGam

Por trás de uma simples

apresentação de teatro de

bonecos, pode existir muito

mais do que possamos

imaginar. E disso, o grupo

GiraMundo entende como

ninguém

um GÊnio chamado álvaro aPocalyPseTudo começou por meio de um dos maiores artistas plásticos brasileiros, Álvaro Apocalypse.

E não é de se admirar que o GiraMundo, um grupo capaz de misturar as mais belas artes com tanta propriedade e bom gosto, fosse criado por um pintor, ilustrador, museólogo, cenógrafo, de-senhista, diretor de teatro e publicitário.

Álvaro Apocalypse, desde pequeno, parecia enxergar coisas que ninguém via. De maneira encantadora e ao mesmo tempo surreal, desenhava os animais que via. Fazia do belo e do incom-preendido um só corpo, o que começou a atrair olhares. Uma coisa tornou–se clara por fim: Álvaro não podia mais fugir da arte, e ela parecia atrair-se por ele. Após estudar Belas Artes na UFMG, tornou-se professor e o desenho passou a ter um espaço definitivo na sua vida.

seus projetos sempre foram fruto de seus sonhos, e estes, resultado do olhar clínico e obser-vador que tinha. Por isso, após assistir a muitos espetáculos com marionetes durante um período que passou na Europa, ele retorna à capital mineira com sua criatividade aflorada de uma manei-ra como nunca havia tido antes. Para muitos, talvez, poderia parecer só mais uma ideia, mas ele tinha uma convicção: criaria um grupo de teatro de bonecos. E que sonho resiste à concretização, quando vem da cabeça de um artista determinado? Junto com sua esposa Terezinha Veloso e sua aluna Maria Antonieta Martins, surge então, em 1970, o grupo_ de teatro de bonecos GiraMundo.

Gru

po G

iram

undo

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Por Magno Oliveira e Taís Angélica

Uma das artes mais antigas do mundo esconde mistérios encantado-res em sua origem. Há quem acredite piamente que o teatro de bonecos seja mais do que fazer uma interpretação com objetos de madeira, suspensas por fios. Isso vem bem antes de Pinóquio e Gepeto. E, para variar, é mais um negó-cio da China.

Diz a lenda que uma jovem dan-çava todos os dias para o imperador chinês Wi Ti, no ano 121 a.C. Era sua bailarina favorita. Desesperado com sua morte, ele recorre a um mágico e o ordena que faça reviver sua amada, sob pena de morte. o sagaz mago cria, então, numa pele de peixe, a silhueta da bailarina, semelhante à original, e a coloca atrás de uma cortina branca. Através da luz que refletia, fez evoluir a sombra da boneca que “dançava” ao som de uma flauta. Isso foi suficiente para encantar o imperador e, poste-riormente, toda a dinastia chinesa.

A história - relatada há muito mais de mil anos - é tida, por muitos, apenas como uma lenda. Mas, ainda hoje, muitos países orientais conside-ram os bonecos verdadeiros deuses.

Desde sua criação, a arte de teatro de bonecos tem sido vista como mais que entretenimento. É considerada uma ferramenta, capaz de brincar com as emoções de quem assiste. os bonecos também viraram atração na Europa, ao acompanhar um grupo ambulante de teatro da Comedia dell’Art. No Bra-sil, essa arte surgiu no século XVI, mas ganhou força bem depois, especialmen-te no nordeste, onde, até hoje, possui forte tradição.

Mas foi Minas Gerais que herdou o privilégio de possuir um dos maiores grupos de teatro de bonecos do Brasil e da América Latina: o GiraMundo.

Quem assiste a algum dos espe-táculos do grupo não pode negar que, de fato, existe alguma magia em cada boneco. Quem nunca ouviu a velha his-tória do boneco de madeira que, tendo seu desejo atendido, foi transformado em um menino de verdade? No Gira-Mundo, os bonecos parecem realmen-teter vida, não por algo sobrenatural, mas porque pessoas reais os criaram com toda a magia e o poder que há nas emoções humanas.

Para o produtor cultural, diretor de teatro e colunista do Jornal Hoje em Dia, Luiz Hippert, a atenção aos deta-

lhes e a linguagem usada pelo grupo, são fortes determinantes do sucesso de suas apresentações.

— o processo criativo do Gira-Mundo, desde sua fundação, é mar-cado pelo esmero nos detalhes. seus bonecos, com cenários, figurinos e todo o entorno que compõe os espetáculos conduzem as plateias a um universo mágico, onde os bonecos criam vida. É como se eles realmente “atuassem” e é bem fácil se perder neste encanta-mento. Talvez a principal marca do Gi-raMundo seja a criação poética aliada a uma técnica precisa.

Hippert também afirma que o Gi-raMundo foi uma das grandes ferra-mentas pelas quais o teatro de bonecos ganhou destaque no Brasil. “Além de o Álvaro ter sido um grande artista plás-tico, foi um dos primeiros artistas bra-sileiros a conquistar reconhecimento e prestígio internacional, sendo bem co-nhecido em vários países da Europa”, afirma. Para Hippert, sua influência, bem como a do GiraMundo, seja para o Brasil ou Minas Gerais, foi determi-nante para o crescimento e divulgação do Teatro de Bonecos. ”Foi o precursor deste movimento e tudo se desenvolveu a partir da sua experiência”.

A primeira encenação do grupo foi a peça “A Bela Adormecida”. Álva-ro desenhou, montou e construiu cada personagem, mesmo com recursos ain-da mínimos. Alguns dos bonecos foram feitos com papel, mas o que não faltava neles era criatividade. Aos poucos, o grupo foi ganhando realidade. A peça “Cobra Norato”, que explorava elemen-tos do folclore brasileiro, por exemplo, foi imensamente aprovada pela crítica, ganhou prêmios de grande destaque e continua sendo admirada como uma das melhores produções do grupo.

Mário Bernardo de Mello, 38, ain-da se lembra de quando viu a peça, em companhia da mãe, no Teatro Marília.

— Nem me lembro da idade, mas eu era menino, quase adolescente. Até hoje, acho que nunca vi nada tão im-pactante. Era magia pura.

Hoje considerado o maior grupo

de teatro de bonecos da América La-tina, o GiraMundo leva uma bagagem de 45 anos de experiência com cerca de 30 peças apresentadas e mais de mil bonecos produzidos. Muitos dizem que o sucesso do grupo está no fato de os bonecos “possuírem personalida-de”. E não sem razão. “Nas apresen-tações, eles passam tanta realidade que há quem diga nem perceber os marioneteiros manipulando-os”, afir-ma Hippert.

Chegar ao ápice e estar entre os grupos de teatro de bonecos mais importantes do Brasil não foi uma tarefa tão fácil. Álvaro e sua equipe enfrentaram desafios que ameaça-ram o grupo até mesmo de encerrar suas atividades. Em 2000, quando foi retirado da UFMG, sua antiga sede, o grupo ficou sem lugar para abrigar o acervo. Mas como o GiraMundo já

havia caído no gosto da sociedade, recebeu patrocínio para fazer teatro móvel.

Hoje, o grupo passou a ter novos artistas empenhados na construção dos bonecos, dos cenários, e sua ma-nipulação. o GiraMundo reergue-se e começa a se apresentar por todo o es-tado, com recursos mais avançados, e um público cada vez maior. Desde 2001, todo o acervo do grupo GiraMundo ga-nhou um espaço para o armazenamen-to, preservação e exposição, o que deu origem ao Museu GiraMundo.

— Álvaro plantou as sementes, mas infelizmente não pôde colher to-dos os frutos. Morreu deixando nas mãos das filhas a responsabilidade de concretizar seus sonhos e dar prosse-guimento ao grupo que, agora, não era só um grupo de bonecos, era o Gira-Mundo — afirma Luiz Hippert.

rePerTÓrio clássico

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A Arte de se reinventAr

Após a morte do pai, em 2003, Beatriz, suas irmãs e toda a equipe passaram a empenhar-se na restau-ração dos bonecos. Mas o mundo estava diferente. A tecnologia, antes vista ape-nas como um pequeno au-xílio, tornou-se uma exigên-cia. Mas como o GiraMundo faria para sobreviver a toda-essa reviravolta que estava remodelando a sociedade? eles fizeram arte mais uma vez, é claro. exemplo disso é a peça “Pinóquio”, que conta com uma cena em vídeo de teatro de sombras.

— Acho que o grupo con-tribuiu muito para marcar uma estética para o teatro de bonecos. isso é muito rico, porque não cedeu a ne-nhuma pressão de mercado e sempre procurou se reno-var dentro daquela lingua-gem. inclusive em seu últi-mo espetáculo, “Aventuras de Alice no país das maravi-lhas”, eles já passaram por workshops com animadores em 3d. isso mostra uma preocupação de atualização sem perder a essência da companhia — atesta Caroli-na Braga, crítica de teatro.

A soma de várias artes, e uma pitada de qualidade digital, trouxeram ao Gira-Mundo um novo tempo, mas é claro, sem perder suas ori-gens. isso selou um grupo que pode ser considerado “moderno à moda antiga”. Afinal, identidade é algo que o GiraMundo nunca preten-deu deixar o tempo levar. sobreviver ao tempo, às mudanças e às exigências de um mundo em constante evolução, mas sem perder o poder de encantar, não é pra qualquer um.

“No fim do

dia, quando

estávamos nos

preparando

para sair

daquela sala

cheia de bonecos

pendurados, ele

dizia: Observem-

nos. Quando

eu fechar a

porta, eles

irão se mover

pensando que

fomos embora.

De repente, ele

abria a porta e

eu via. Via eles

se mexendo!

Acredito que

os bonecos são

seres especiais.”

Beatriz

Apocalypse,

filha de Álvaro

Apocalypse,

criador

do grupo

GiraMundo.

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culTura

Belo horizonTe é a caPiTal do heavy meTal

Apesar da fama de tradicionalista e conservadora, a

cidade viu nascer a mais radical cena do metal em toda a

América Latina

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REVIsTA ÁGoRA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2015PÁGINA 14

Por Gabriel Pompeo e Arthur Anjos

Belo Horizonte é uma cidade com população tradicionalmente conserva-dora, de hábitos e rotina bem previsí-veis. Pelo menos era assim que o povo mineiro, em geral, era conhecido. Em parte, por seu apego às tradições que escreveram sua história. Prezamos por um tradicionalismo que é uma es-pécie de marca; porque vivemos cer-cados por montanhas e serras que nos caracterizam e nos isolam. se é assim, então como explicar que um estado tido como conservador, com uma capi-tal definida como “provinciana” e com um bairro conhecido como o berço da seresta, foi também o berço da banda de rock mais famosa do país?

Nos anos 1970, Belo Horizonte era uma cidade em desenvolvimento, relativamente “nova” — se compara-da às grandes capitais —, começava a ter uma geração nascida e cresci-da aqui, que criava e enraizava uma identidade. Na região do bairro san-ta Tereza, surge o Clube da Esquina, movimento musical que veio renovar e revolucionar a música brasileira. Encabeçado por Milton Nascimento, Fernando Brant e os irmãos Borges, a musica mineira se tornava impor-tante no cenário nacional e mundial. Muito pouca gente poderia prever que o mesmo bairro seria o ponto de partida, pouco tempo depois, de uma banda de rock que, em termos inter-nacionais, suplantaria até mesmo Clube da Esquina. Claro, estamos fa-lando do sepultura.

PIoNEIRIsMo

os anos se passaram, e na mesma região de Belo Horizonte, surgia um mo-vimento totalmente adverso ao Clube da Esquina, e pioneiro no Brasil e no mundo. A ditadura e o conservadorismo da capital, em uma época de dificuldades financeiras e sociais que o Brasil enfrentava, acaba-ram contribuindo para o surgimento da cena Heavy Metal mais forte do país. Quem andasse pelo centro de Belo Horizonte, no começo da década de 1980, veria que era comum encontrar grupos de cabeludos, com raiva nos olhares, vestidos de preto, com botas, jeans, jaquetas de couro e cami-sas de bandas de heavy metal do exterior.

os headbangers (termo em inglês para fãs de heavy metal) se reuniam em alguns pontos da capital, como na es-quina da Avenida Augusto de Lima com a Rua Rio de Janeiro, em frente à histó-rica loja de discos de heavy metal, Co-gumelo. Na porta da loja, dezenas deles se juntavam para ouvir discos de metal e fazer algazarras pela noite na cidade.

Jairo Guedes, ex-guitarrista do se-pultura, conta como era ser metaleiro em Belo Horizonte nos anos 1980.

— A gente não podia ficar em qual-quer lugar. Naquela época, cabeludo vestido de preto era sinônimo de mar-ginal. os policiais nos intimidavam e as pessoas olhavam torto pra gente.

Esses headbangers andavam em turmas, geralmente do mesmo bairro. Existia uma espécie de rivalidade entre os metaleiros de regiões diferentes. se-gundo Jairo Guedes, “antes de o sepultu-ra existir, havia muitas rixas de bairros.

Havia brigas, por exemplo, da turma do Floresta contra a turma do sion, a tur-ma do Mangabeiras contra a turma da savassi... Isso tudo era uma coisa muito da juventude, do pessoal de colégio...Mas com o tempo todas as rixas foram sen-do resolvidas, pelo amadurecimento e o crescimento de cada um”, acredita.

segundo Jairo, depois que nasceu o sepultura, e as outras bandas também começaram a tocar, “nós ficamos mais caseiros, ficávamos ensaiando em nos-sas casas, escutando rock”.

— Nós fazíamos festas, chamávamos o pessoal do Korzus e do Ratos de Porão (bandas paulistas), às vezes, um ou ou-tro gringo... Eles vinham, eles ficavam na casa do Max e do Igor (irmãos e funda-dores do sepultura). Existiam pontos de encontro da galera do metal, como o soft Pastel, no bairro Cidade Nova, e o Pop Pastel, na savassi, na esquina da Cristo-vão Colombo com Avenida do Contorno.

outro ponto que ficou famoso foi o inevitável Bar do Bolão em santa Te-reza. Carlos, um dos proprietários do Bolão, afirma que viu o nascimento da banda sepultura.

— A primeira formação do sepul-tura com o Andreas, Paulinho, Igor e Max sempre estava aqui. Eles sempre faziam um ensaio numa garagem que ti-nha aqui embaixo na Rua Pouso Alegre, e nisso eles foram crescendo. Começou tudo aqui mesmo. Aconteceu uma situa-ção engraçada uma vez. A banda reali-zou uma coletiva aqui no restaurante, e não parava de chegar pessoas, ficamos desesperados. Quando está em Belo Ho-rizonte, o Paulo ainda vem muito aqui.

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Após o boom do Rock In Rio de 1984, muitos desses garotos quiseram fazer seu próprio traba-lho — ainda que sem condições. Na época, os jovens de Belo Hori-zonte não tinham acesso a discos, muito menos a bons instrumentos. Não havia estrutura necessária para se criar algo sólido. Para es-cutar o trabalho das bandas do ex-terior, que eles tanto veneravam, muitas vezes tinham que recorrer a amigos, primos que viajavam para são Paulo ou Rio de Janeiro e traziam os LPs de grupos como Iron Maiden, Kiss ou Black sabba-th, entre outras.

Jairo Guedes conta sobre as aventuras para conseguir os dis-cos das bandas: “A gente compra-va dólares escondido, pra mandar dentro de um papel carbono, den-tro de uma carta, porque na hora de passar nos raios X, a polícia dos outros países não identificava, pois o carbono evitava que os raios X identificassem o dinheiro. Então, a gente mandava a carta para um cara que a gente nunca viu na vida, e demorava um mês para a carta chegar ao interior da Holanda. Aí, esse cara mandava uma fita cassete da banda sacri-fice por exemplo.”

A Cogumelo teve um papel ex-tremamente importante na união e formação de uma geração de rockeiros. Percebendo isso, a loja de discos fundou, no fim de 1984, o selo Cogumelo Records. Paty e João, (donos da loja) notaram po-tencial em determinados grupos da época, ainda que muitos não sou-bessem nem tocar direito os ins-trumentos. A Cogumelo Records resolveu dar um suporte para que as bandas daqui pudessem se de-senvolver. Apesar da falta de es-trutura, Belo Horizonte tinha o JG estúdio, no bairro serra, com tec-nologia suficiente como mesas de som e amplificadores para que as bandas gravassem seus álbuns.

marco

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Primeiros fesTivais

Em 1985, aconteceu o “Metal BH”, primeiro festival de bandas de heavy me-tal da cidade, organizado pela Cogumelo. Ainda que extremamente “crus” e sem nenhuma experiência, foi possível notar, ali, o surgimento de uma nova cena. Ain-da em 1985, a Cogumelo Records teve a ideia de gravar um split (disco) com duas bandas. Foram escolhidos os grupos overdose e sepultura. o overdose era considerado, na época como uma grande esperança, graças à qualidade sonora e técnica musical dos integrantes, que es-tavam a frente das outras bandas.

A escolha do sepultura como a ou-tra banda a gravar o split partiu do pe-dido de Vladmir Korg, que era vocalista do Chakal e trabalhava na loja Cogume-lo. Ele era muito ligado aos rapazes do sepultura, os ajudava a escrever letras, acompanhava as gravações e dava di-cas à banda. No ano seguinte, 1986, foi gravada uma coletânea chamada “War-fare Noise”, com as bandas, sarcófago, Mutilator, Chakal e Holocausto. Esses trabalhos mostraram o potencial dessas bandas. Ainda que iniciantes, e não sou-bessem falar bem inglês, o álbum é con-siderado referência pelos fãs.

Todas essas bandas começaram a fazer turnês pelo Brasil. Existia um pú-blico. A cena do heavy metal tinha sua força. “os instrumentos eram empresta-dos. A gente fazia uma turnê que tinha sepultura, Mutilator, Dorsal Atlântica, Korzus e Ratos de Porão. Nós trocáva-mos os instrumentos, eu pegava a guitar-ra do João, guitarrista do Ratos de Po-rão, eles pegavam meu pedal de guitarra, o Igor emprestava o pedal do bumbo não sei pra quem”, conta Jairo.

— Na foto do Morbid Visions (pri-meiro disco do sepultura), a guitarra que está nas fotos é a mesma do cara do Mutilator. o Igor, que pintava e de-senhava muito bem, pegou tinta gua-che e fez uns espirrados de sangue, pra ninguém desconfiar que a guitarra era a mesma. Depois de muito tempo, a gente foi comprar instrumentos, vie-ram alguns patrocínios, mas, até en-tão, comprar um instrumento era como comprar um carro hoje, era tudo muito caro — comentou Jairo.

O movimento das bandas de heavy metal de Belo Horizonte no começo dos anos 1980 foi algo pioneiro. Referência nacional. Tinha todos os motivos para dar errado: falta de estrutura, falta de dinheiro, fama de conservadorismo da cidade. Mas existia uma fome de acesso às informações.

“Em outras cidades, como São Pau-lo e Rio de Janeiro, também existiram bandas que faziam um bom trabalho. Porém, não existia uma cena como em Belo Horizonte. Aqui, parecia haver uma sinergia, todos caminhavam juntos para elevar a qualidade das bandas.”, comenta Danilo Travassos, divulgador de discos e DJ.

Essas bandas tomaram caminhos di-

ferentes. A grande maioria conseguiu ter reconhecimento nacional e internacional dentro do gênero. Em vários países da Europa, Sarcófago, Overdose e Chakal são considerados referências em um nicho mais underground do heavy metal. Alguns desses grupos ficaram pelo caminho, não resistiram.

O grande caso de sucesso e reconhe-cimento mundial que dura até hoje é o do Sepultura. Mais de vinte milhões de ál-buns vendidos em todo o mundo. Álbuns reconhecidos entre os melhores de todos os tempos no gênero. Apesar da troca de for-mações que aconteceram nesses 30 anos de banda, o Sepultura ainda lota casas de shows em todo o Mundo. Belo Horizonte é uma cidade heavy metal.

referÊncia mundial

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Patrimônio

luz, câmera e...

aÇãoSanta Tereza mostra que a tradição e a

modernidade podem conviver

harmoniosamente no tempo e no

espaço

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Por Jéssica Rodrigues Guimarães e Jéssica Karoline Azeredo e Silva

Entre as décadas de 1940 e 1950, a capital viveu plenamente a maravi-lha chamada cinema. E vivenciou a grande explosão da indústria cultural por meio da exibição de longas e cur-tas metragens. Durante a época, BH chegou a ter, aproximadamente, 30 cinemas de rua — ainda não havia a atual restrição à área dos shoppings —, como eram conhecidos. Entre os que tiveram mais destaque estavam o Brasil, Metrópole, odeon, Pathé, san-ta Efigênia, Jacques (então ainda cha-mado Tupis) e Candelária.

A cidade, nos anos de 1940, passava por um intenso processo de urbanização, consolidando-se como capital do estado, sob a administração do então prefeito Juscelino Kubitschek. o período contou com a construção do conjunto da Pampu-lha, pavimentação da Afonso Pena, entre tantas obras. Festeiro, JK também se preocupava com a criação de uma identi-

dade cultural e, em 1943, foi implantado o Instituto de Belas Artes. Assim, natu-ralmente, vieram os cinemas, se insta-lando pouco a pouco em diversas áreas do centro e em alguns bairros.

os cinemas se localizavam em grandes edifícios. Muitos, como o Me-trópole, apresentavam influências da arquitetura moderna, com requintes de art-déco e salas luxuosas. Ir ao cinema era, então, um acontecimento que exi-gia trajes finos, muita elegância, mui-ta pompa e circunstância. Por isso, os preços dos ingressos eram altos e pou-co democráticos. Nos jornais, a progra-mação dos cinemas se destacava como um grande evento, grafado em francês: sessões soirée e matinées.

Nos bairros, o cinema também era atração. Alguns bairros, como a Flo-resta, tinham até dois cinemas. Mas um dos que se destacaram foi o cine santa Tereza, por ficar justamente no centro da praça que reunia toda a vida social do bairro.

A praça Duque de Caxias, em seus velhos tempos

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No dia 20 de maio de 1944, aconteceu a grandiosa cerimônia de inauguração do Cine santa Tereza. A solenidade contou com a bên-ção do Padre José de Campos Taitson e com o discurso de João Franzen de Lima, um dos fun-dadores da UND, União Democrática Nacional, que, dois anos após, se tornaria prefeito de Belo Horizonte. Depois de todas as honrarias, o filme “Conde Monte Cristo” foi exibido em duas ses-sões, às 19h e 21h. o filme, produzido em 1934, foi dirigido por Rowland V.Lee e teve no elen-co Robert Donat e Elissa Landi. Essa primeira sessão, cujo ingresso custou Cr$ 2,20 atraiu um grande público.

o sucesso foi tanto que o Cine santa Tereza passou a funcionar com duas sessões diárias, de segunda-feira a sábado. Já aos domingos, a programação fazia a alegria da criançada; co-meçava às 10h com a matinê infantil e censura livre. Durante a tarde, havia sessões juvenis e, à noite, exibições direcionadas ao público adul-to. E claro, no intervalo entre as sessões, a pa-quera era, respeitosamente, o atrativo principal dos frequentadores.

BERço DA TRADIção“Bem longe da fama que tem hoje de bair-

ro boêmio, devido à efervescência dos bares e restaurantes, santa Tereza sempre foi uma região aberta a manifestações culturais, tanto religiosas quanto profanas”, contava o pesqui-sador Geraldo Fonseca, lembrando que se tra-tava, ainda, de uma época em que “o recato era fundamental e as serestas, que fizeram a fama do bairro, eram acontecimentos que reuniam multidões, mas tudo dentro de um clima extre-mamente familiar, como tudo que acontecia nos bairros da capital daqueles tempos”.

Elza Maria Duarte, 77, ainda se recorda das serestas, mas não esconde que, para ela, o melhor de tudo era ir ao cinema, “princi-palmente quando passavam filmes do Robert Taylor”. Elza Maria não mora mais em santa Tereza, mas ainda tem parentes e amigos que moram na região. Além do cinema, tem sauda-des das casas que exibiam grupos de seresta, em plena Praça Duque de Caxias, no coração do bairro. “Hoje, ninguém mais quer saber de seresta”, suspira.

o BAIRRosanta Tereza surgiu da ocupação de imi-

grantes italianos, portugueses e espanhóis

que vieram trabalhar na construção da capital mineira. A região teve vários nomes como Co-lônia Américo Werneck, Bairro da Imigração, Alto do Matadouro, Bairro do Quartel e o ina-creditável Fundos da Floresta. o batismo como santa Tereza só aconteceu em 1928, quando foi inaugurada a Praça Duque de Caxias. situado na região Leste de BH, santa Tereza é cercado pelas avenidas silviano Brandão, Contorno e Andradas, até hoje importantes vias de tráfego de veículos.

Mas, o roteiro dessa história teve início, auge, e fim — ou decadência, como muitos pre-ferem dizer. E o que não acabou bem, em Belo Horizonte, foi a história dos cinemas tradicio-nais, inclusive do Cine santa Tereza. Nos anos de 1980, os cinemas entraram em decadência devido à concorrência com as televisões, que co-meçaram a exibir filmes, bem como a expansão das locadoras de vídeo.

Com a queda da bilheteria, a especulação imobiliária começou a entender que ali era um lugar para se fazer outra coisa. A partir daí, as igrejas evangélicas começaram a ocupar os cinemas — afinal, os espaços já vinham com tudo pronto: tinham o palco para o show dos pastores e as cadeiras para os fiéis. E ainda ficavam em pontos centrais, já bastante conhe-cidos por todos.

RENAsCIMENToDurante o período em que o cinema perdeu

espaço, o local recebeu outras atrações. Em 1984, abrigou uma casa noturna que foi nomea-da de “santa Thereza Cine show”. Foi um pro-jeto de sucesso, que incendiou a vida do bairro, mas só durou três anos, até ceder lugar à casa de shows Casablanca. E foi assim durante vá-rios anos, o lugar seguia mudando de nome e de segmento, mas nada vingava. Na verdade, parece que uma “maldição” cercava o prédio. “Nada mais funcionava ali”, lembra a jornalista Ângela Rodrigues, frequentadora do bairro.

A decadência parecia irreversível, até que, em 14 de novembro de 2000, um decreto muni-cipal determinou que o imóvel seria desapro-priado por ser considerado de utilidade pública. Durante esse período de mudanças no espaço do cinema, uma das grandes cobranças dos moradores da região era que houvesse um Cen-tro Cultural. Já que o prédio passaria a ser de utilidade pública, era de interesse de todos que fosse ocupado com arte, entretenimento e lazer.

cine sanTa Tereza

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No período 2001/2002, o orçamen-to Participativo atendeu ao pedido da população e destinou a transforma-ção do Cine santa Tereza em Centro Cultural santa Tereza. Desde então, o prédio abriga, além da sala de cinema, uma biblioteca, cafeteria e um espaço multiuso. A reforma foi realizada com recursos liberados pela Vale do Rio Doce, em contrapartida por uma inter-venção feita em um trecho da ferrovia entre Belo Horizonte e sabará (Termo de Ajuste de Conduta).

o Museu da Imagem e do som (MIs – antigo CRAV) é o responsável pelas atividades do Centro Cultural santa Tereza. Todo trabalho de preservação e restauração da história audiovisu-al da cidade, realizado pelo MIs, vem sendo exibido no novo centro cultural. José Ricardo, então chefe de Divisão do MIs, afirmou que os dois ambientes

são complementares um do outro.— o que nós fazemos de preserva-

ção, restauração e resgate da memória encontrou seu grande braço exibidor no santa Tereza.

Mantendo a tradição do cinema e do bairro santa Tereza, a expectativa é de que a reabertura do local incentive os artistas de Belo Horizonte e volte a movimentar a vida cinematográfica da cidade. Mais do que isso, no entanto, é preciso entender a importância da preservação desses espaços como cen-tros de produção cultural em diversos segmentos e como uma conquista da cidadania. Isso impediria, por exem-plo, que moradores de outros bairros notadamente limitados nessa área, não tivessem que amargar a tristeza de ver seus antigos cinemas transformados em supermercados, serrarias, templos, feira shopping ou estacionamentos.

o recomeÇo do cine sanTa Tereza

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memória

aQui reinou hilda furacãoA voluptuosa linha do tempo do antigo reino de

Hilda Furacão, a região central da capital mineira,

famosa por ser a usineira do pecado

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As ruínas do hotel esconde o passado de luxuria e glamou

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Roger Leon e Fernando Oliveira

5º período, Jornalismo

“Um belo horizonte que cheirava a jasmim e a gás lacrimogênio”. Essa era a cidade descrita por Roberto Francis Drummond, quando desembarcou em Belo Horizonte, aos 18 anos, no ano de 1950. Uma das grandes capitais do Brasil, mesmo sem estar em região litorânea, Beagá se destacava pela charmosa boemia que tomava conta das ruas do centro da cidade. Políticos, cafeicultores, jogadores de futebol de times de todo o país, passaram pela região da Rua Guaicurus, conhecida por ter o nome atrelado à prostituição. A Guaicurus é limitada pela Rua Curi-tiba e pela Praça Rui Barbosa. Quem passa por ali, durante o dia, convive com a movimentação intensa. o presi-dente Juscelino Kubistchek de oliveira foi uma das grandes personalidades que moraram na região, mais precisa-

mente na extinta pensão da D. Cotta. o lojista Marcos Andrade, 72, recorda os tempos de sua adolescência, quan-do ainda morava no centro da cidade. — Na época a Guaicurus era fre-quentada por coronéis e políticos, enquanto os meros mortais traba-lhavam meses para juntar dinheiro e passar ao menos pela porta do Mara-vilhoso Hotel e do Montanhês Dancing. Ele passou grande parte de sua ju-ventude nas proximidades da região e conheceu várias personalidades que viveram por ali. “Lembro-me de conhe-cer pessoalmente o travesti Cintura Fina, que era a personalidade mais fa-mosa na época e andava sempre a pos-tos com sua navalha pelas ruas, botan-do bronca até na polícia”. seu Márcio também cita o alvoroço que era criado quando os jornais publicavam qualquer notícia sobre a vida do empresário An-tônio Luciano, um milionário da época. — Ele era dono de centenas de

imóveis em toda a cidade. Dizem que quando morreu, há mais de vin-te anos, sua fortuna era estimada em mais de três bilhões de dólares. o local mais lembrado da época é o Maravilhoso Hotel (também conhecido como Hotel Maravilhoso). Mesmo com essa nomenclatura, o lugar funcionava como um hotel, sim, mas para prosti-tutas, travestis e cafetões. o auge de seu sucesso foi no fim dos anos 1950 e início dos anos 1960. A ascensão da zona boêmia de Belo Horizonte causou muita polêmica, visto que os hábitos das pessoas ainda eram diurnos, e a cidade, com pouco mais de 352 mil ha-bitantes, era conhecida em todo Brasil pela sociedade conservadora. Belo Ho-rizonte era praticamente uma cidade fantasma depois das 21h, e a boemia do centro-sul da capital mineira aca-bou quebrando este paradigma. o me-lhor de tudo, no entanto, é que lá — di-zem — viveu a famosa Hilda Furacão.

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um furacão na GuaicurusHilda Maia Valentim chocou a

sociedade na época em que trocou sua vida de luxo, sem nenhum motivo aparente, e passou a viver no Mara-vilhoso Hotel, abandonando o noivo às vésperas do casamento e vivendo quase uma década como prostituta. o apelido Furacão veio pela sua re-putação de não ter muita paciência e ser bem explosiva, apesar da classe inconfundível no tratamento aos clien-tes. o caso ganhou destaque na mídia de todo o país e atraiu turistas para a cidade, curiosos que queriam saber o que Hilda Furacão tinha de tão espe-cial que enlouquecia os homens, que abandonavam tudo por sua causa, e a cobriam de presentes. Vale ressal-

tar que seu atendimento durava nada além de — pasmem! — dois minutos. Hilda largou a zona boêmia após receber uma proposta de casamen-to do jogador Paulo Valentim, que na época jogava no Clube Atlético Minei-ro. Também conhecido como Paulinho Valentim (1932-1984), Paulo nasceu na Barra do Piauí (RJ) e veio para Belo Horizonte em 1954, onde atuou pelo Galo até o ano seguinte. Em 1956 foi transferido para o Botafogo que não conquistava um título desde 1948, e foi o responsável pela quebra desse longo jejum fazendo cinco gols em uma única partida, o que decidiu o campeonato carioca daquele ano. Convocado para a seleção Brasileira em 1959, seu futebol encantou os argentinos, o que decidiria seu destino a partir dali.

Hilda e Paulo foram morar em Buenos Aires na década de 1960, onde ficaram por mais de vinte anos. Paulo morreu com a saúde debilitada, causa de sua vida boêmia, deixando Hilda viúva, em 1984. Após perder seu único filho, Hilda foi morar em um asilo, onde

faleceu em dezembro de 2014. A inspiração de Roberto Drum-

mond para escrever o romance Hilda Furacão, em 1991, culminou em uma minissérie da Rede Globo, apresentada no ano de 1997. Assim como no livro, a minissérie também ganha ares dramáticos, ao explicar a história de quando Hilda se apai-xona por um frade que quer tirá-la da vida noturna, e consegue. Adap-tada por Glória Perez e estrelada por Ana Paula Arósio, Rodrigo santoro e Danton Mello, a minissérie, dividida em 32 capítulos, bateu recordes de audiência, superando a novela do horário nobre da época, “Torre de Babel”. Todo um cenário foi criado para retratar a Belo Horizonte do fim dos anos 1950, sem contar as inúmeras sequências gravadas em várias locações da cidade. os locais mais marcantes foram a Praça Da Liberdade, Mirante e Belvedere.

Na Guaicurus, o movimento

não para

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As casas de shows (dancings) são tradicionalmente conhecidas, desde o fim do século XIX, como o lugar onde as pessoas se encontram para pra-ticar as danças de salão e as chama-das “danças de casal”. A festividade, típica do Rio de Janeiro, abriu espaço para futuramente dar origem à gafiei-ra, como a famosa ‘Estudantina’ (que hoje tem finalidades musicais diferen-tes das do século passado). os dan-cings se espalharam por todo o Brasil, e claro, não ficaram de fora de BH. o maior ícone entre as danceterias da cidade foi fundado em 1930, o Mon-tanhês Dancing. suas noites eram ex-tremamente agitadas, contavam com uma equipe musical com mais de 30 músicos, e seu ambiente era muito miscigenado. Estudantes, políticos, ba-rões, músicos, coronéis, famosos, pa-trões e empregados. Todos juntos, mas, com regras rígidas a serem seguidas. Entrar sem terno e gravata; nem pen-sar! Quem não estivesse usando o fa-moso blazer (na época conhecida como jaquetão), tinha a opção de alugá-lo na porta. Lá, só se podia dançar. Para fazer algo além da dança o combinado teria que acontecer fora do Montanhês. Marco Aurélio Ribeiro têm 62 anos e é dono de um bar na Rua Guaicu-rus, próximo ao Hotel Novo, um dos conhecidos hotéis de prostituição do centro. Marco lembra como era a mo-vimentação de pessoas pela Guaicurus quando ainda era adolescente e faz uma comparação com os dias atuais. — Quando eu era garoto, não era qualquer um que frequentava a zona boêmia. Era muito caro passear pela cidade, e as pessoas que não esti-vessem bem vestidas não passavam nem pela porta dos estabelecimentos. Terno, sapato social, chapéu. Hoje, a mistura é grande. Têm adolescente, adultos e idosos. Tem pobre e tem rico. Ainda tem os engravatados e os que rodam de camiseta regata e bermuda. o auge da boemia na região e, espe-cificamente, do Montanhês, perdurou por várias décadas, até começar a de-clinar, no fim da década de 1970. Havia um projeto municipal que visava trans-

formar o local do antigo Montanhês em uma escola. o projeto obviamente não foi para frente. Vários pais manifesta-ram a insatisfação de ter que levar o filho pequeno a uma escola que um dia foi um bordel, já que a região até hoje é atrelada à prostituição. o local onde ficava o Montanhês foi demolido, e deu espaço à um estacionamento. E dos carnavais animados, grandes festas e encontros musicais, restaram apenas a memória.

A CIDADE DAs CAMÉLIAs

Engana-se quem pensa que o antro da prostituição e do pecado funcionava sem retaliações. A tradicional família mineira se ofendia profundamente com a exposição desenfreada no centro da cidade, que era um lugar muito frequen-tado, não só por homens, mas também por mulheres com filhos, e até idosos. A pressão para uma possível proibição era extrema. Logo, um projeto criado pela câmara dos vereadores, no fim da década de 1950, visava tirar toda a zona boêmia do centro e transferi-la para al-guma região periférica da cidade. A fa-mosa Liga da Defesa da Moral e dos bons costumes era presidida por uma sociali-te chamada dona Lalá Fernandes, que encabeçava o projeto e espalhava car-tazes pela cidade em prol da mudança. o nome ‘Cidade das Camélias’ é uma clara alusão à obra de Alexandre Du-mas, pelo livro ‘A dama das Camélias’ (La dame aux camélias, 1848). É uma narrativa da história de Margueritte Dautier, cortesã que passeava por Paris com camélias brancas por todo o mês, e enquanto estava menstruada, andava com camélias vermelhas. Margueritte chama a atenção do adolescente e es-tudante de direito Armando Duval, que abandona o estudo e a família para fi-car ao lado dela, e desafia os ‘bons cos-tumes’ do conservadorismo da época. o jornal Folha de Minas (de tira-gem expressiva na época) fazia cober-tura total da luta insana de dona Lalá e destinava duas páginas diárias ao assunto. Inclusive, páginas escritas pelo jornalista Felipe Drummond. Uma enquete do jornal mostrava que 84%

da população eram a favor da retira-da da zona boêmia da Rua Guaicurus, o que causou revolta nas prostitutas. o boato sobre quem estava por trás da criação do projeto ‘Cidade das Ca-mélias’ se alastrou e gerou polêmica. o vereador orlando Bomfim denun-ciou que “A Cidade das Camélias não passa de uma brutal e cruel especula-ção imobiliária”. Enquanto isso, o líder da oposição, Padre Cyr, um dos autores do projeto, afirmou: “Estamos diante da vontade expressa de Deus. E em maté-ria de Deus, Vossa Excelência não é um expert”. Resultado: o projeto foi nega-do em votação acirrada no plenário. o assunto nunca mais esteve em pauta. Durante certo tempo, jornais, como o Estado de Minas, tratavam as prostitu-tas da rua Guaicurus e da vizinha rua Mauá (atual Nossa senhora de Fátima) como “irregulares”.

soBE E DEsCE

Hoje, a rua Guaicurus dispõe de um comércio variado, contando com cotando com papelarias, bares, arti-gos de presentes, perfumaria, salões e farmácias. os cinemas pornôs também são numerosos na rua, a exemplo do Cine Caribe, que já completa 18 anos de existência e mantém uma plateia tão fiel quanto animada e performática. Ivânia Garcia é gerente de quatro cinemas privês no centro da cidade. Esses cinemas consistem em cabines individuais onde filmes eróticos são exibidos em tempo integral pelo pre-ço médio de R$ 12. Garcia afirma que “mesmo com o avanço da internet”, os cinemas ainda têm seu público. — o material pornográfico que é muito difundido na internet não tira o meu público. As pessoas que vêm aqui gostam de sair de casa para assistir aos filmes e vídeos e sentem tesão nisso. Ela reitera que o estabelecimento é dividido em cabines estritamente individuais.

— Qualquer tipo de relação e contato físico é proibido e os segu-ranças retiram as pessoas imedia-tamente do local. se quer sexo, que vá para o “sobe-e-desce”; aqui não.

monTanhÊs dancinG

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os trocadilhos em torno da rua Guaicurus já fazem parte do linguajar dos mineiros. “Entra-e-sai”, “sobe-e-desce” e “casa das tias” são alguns exemplos que sintetizam o que acon-tece nas portas nada discretas e nos corredores estreitos localizados em cada esquina da rua. sim, não há como negar que a rua já perdeu a majestade de antes, mas seu carro-chefe, a prosti-tuição, continua a todo vapor.

“GUIVE UM CIGARRETE PLIs”

o elevado número de garotas de programa que reside ou apenas tra-balha no local, deu origem à Apros-mig — Associação das prostituas de Minas Gerais. o instituto assegura os direitos das meninas e lhes dá proteção, informação e assistência. Criado em 2009, o centro de apoio é localizado nos fundos do hotel Bri-lhante, onde acontecem campanhas de conscientização, são distribuídas cartilhas de apoio às mulheres e in-formações sobre as DsT’s (doenças sexualmente transmissíveis). Lá, também é feito o acompanhamen-to psicológico e mais recentemente, curso de idiomas gratuitos, visando aparelhar a galera para atuar a con-tento em eventos de grande porte, como foi a Copa do Mundo. Trata-se de uma parceria com cursos de algu-mas das universidades de prestígio da cidade e essa ideia dos cursos de idiomas teve tanta repercussão que foi pauta até no jornal america-no da rede de TV CNN. Altamira Dos santos, a “Mira”, não revela a idade

e diz que veio do Vale do Jequitinho-nha. Fez o curso, disse que foi bom, mas que não aprendeu muita coisa. — Não aprendi muito, não. Mas aprendi a pedir cigarro: “Guive um ci-garrete aí, plis”. Já dá pro gasto, né?

As mulheres da Guaicurus vêm de diferentes lugares, têm idades muito variadas e cada uma está ali por al-gum motivo. Umas têm emprego fixo; outras até dizem que se prostituem para pagar a faculdade; e há as que sonham em voltar para sua cidade de origem e levar uma vida normal, longe da prostituição. Esse é o caso de Luna, 28, que trabalha há três anos no Hotel Catete e diz buscar uma independên-cia que está próxima de acontecer. — saí de cidade pequena, vim atrás de sonhos como o de estudar e cons-truir a vida na cidade grande mas deu tudo errado. Fui enganada e me iludi com promessas de emprego. Vim parar no hotel por indicação de um conhecido. Fui iludida pela falsa pro-messa do dinheiro fácil e acabei fican-do. Alugo o quarto pois tenho medo de trabalhar na rua, pode acontecer muita coisa. E guardo praticamente tudo o que ganho. Quero voltar para a minha cidade e talvez abrir um peque-no comércio lá. Luna afirma também que ninguém gosta da vida na prostituição, mas todos a aceitam por ser uma opção mais fácil. “Não estou feliz, não desejo essa vida pra nin-guém. Vivo angustiada e rezo muito. Assim como qualquer mulher, eu que-ro me casar e ter filhos. Um dia espero nem me lembrar do que eu fazia aos vinte e oito anos”.

A mulher que é mulher, a mulher

de verdade é sempre rainha. Ela está sempre

lá por cima do salto, superior.

Quando ela passa, deixa

um perfume e um rastro no ar.

Promete, mas não cumpre, oferece

uma certeza com uma mão e

uma dúvida com a outra.

(Roberto Drummond)

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A rua Guaicurus já foi pauta de livro, filme e minissérie de televisão. Temas de trabalhos de conclusão de curso e até de blog. o repórter Felipe Torres Bueno criou, há alguns anos, um blog chamado “o que se vê na Guaicurus”, que conta o dia a dia da região, de seus moradores, frequen-tadores, comerciantes, e foi fruto de um intenso trabalho de campo e de observação. “subi as escadas dos hotéis, passei tardes observando o movimento das casas de prostituição, conversei com prostitutas e comer-ciantes do local”. A ideia, que surgiu amadoramente para um blog e um TCC (trabalho de conclusão de cur-so), acabou se fortificando e virou até um livro reportagem.

— A rua passa se não por um renascimento, diria, uma maior visi-bilidade no momento. Parte da socie-dade civil está engajada em se apro-

ximar da Guaicurus, que sempre foi marginalizada por pessoas de fora, por conta do tipo de uso e atividades do local. Estudantes universitários e profissionais de várias áreas estão levando assistências às prostitutas, junto à Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). Eles desen-volveram cursos de idiomas para as profissionais do sexo, bem como le-vam assistência jurídica, psicológica, médica, entre outros serviços.

Felipe também destaca que os movimentos culturais que ocupam os espaços públicos estão em diálogo constante com a rua e, também, com a questãopolítica que a envolve.

— Podemos destacar o bloco car-navalesco “Então, Brilha”, um dos mais esperados da folia da capital mi-neira, que sai da rua Guaicurus. Pode-mos frisar, também, o concurso Miss Prostituta, com a finalidade de des-

construir o preconceito e dar visibili-dade maior à “zona de baixo meretrí-cio”. Tudo isso mostra uma resistência da rua, que sofre com o avanço da es-peculação imobiliária. o poder público ignora as pessoas que ali estão insta-ladas. Não existe um projeto de revita-lização urbanística, muito menos po-líticas públicas para a região. Por outro lado, as prostitutas estão cada dia mais conscientes e, com o apoio de civis, têm lutado por mais direitos. A boemia se mantém viva em bea-gá, não nos moldes que nossos pais e avós conheceram, e nem com o mesmo conceito antigo. Hoje, a ideia de pros-tituição e libertinagem vive um para-doxo de ser extremamente mal visto e, ao mesmo tempo, de estar atrelado a uma situação natural. Mas o certo é que ela se tornou inevitável na vida das mulheres e da sociedade pseudo-conservadora.

vidas Que dariam um filme

ANTôNIo LUCIANo

Nascido em 27 de maio de 1913, Antônio Luciano Pereira Filho foi um médi-

co, político, industrial e hoteleiro no estado de Minas Gerais e é considerado por,

muitos, uma lenda. Nunca exerceu a medicina, mas só se vestia de branco. Era

conhecido como o dono de Belo Horizonte, e chegou a ter 30 mil lotes na cidade.

Nos anos de 1960, era o dono de, praticamente, todos os cinemas da capital e de

256 fazendas espalhadas pelo interior. Partilhar tantos bens já seria uma tarefa

difícil se Antônio fosse um homem comum, mas, seus hábitos sexuais espantosos

dificultaram ainda mais os processos. Teve filhos com 28 mulheres diferentes

(registrados) — três, dos quase cem (!!!) filhos, foram foram com Clara, única

mulher com quem foi casado oficialmente.

Antônio só mantinha relações com mulheres virgens, alegando ter se rela-

cionado com mais de duas mil. Uma polêmica - nunca confirmada - é sobre o fato

de Antônio ter tido uma relação incestuosa com uma de suas filhas, o que gerou

uma filha do próprio pai. Perguntado por um jornal local sobre o caso na época,

ele foi categórico. “Passarinho não tem pai, só tem mãe”. A divisão dos bens de

Antônio Luciano, acertada antes de sua morte, está parada na Justiça até hoje,

com mais de cem pessoas envolvidas.

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história

BeaGá na era do rádio

A Hora do Fazendeiro é

o mais antigo programa do rádio

brasileiro. Mas, acima de tudo, é o resumo de

um estilo de vida.

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Para começar, o rádio sempre foi um veículo de informação que permi-tiu o seu ouvinte fazer múltiplas fun-ções enquanto acompanha as ondas sonoras. se está almoçando, pode ouvir o rádio; se o lavrador faz a co-lheita, pode ter um radinho de mão; se vai tirar o leite da vaca, idem; e, se vai repousar, o velho companhei-ro não o abandona. Agora, imaginem toda essa vantagem em uma época em que o rádio não tinha a concorrên-cia da TV nem da internet, por exem-plo. Era como um romance intenso entre o ouvinte e os interlocutores. sem tantos bairros desenvolvidos e com uma cultura que ainda remetia à vida rural, as opções de lazer em Belo Horizonte eram escassas. Como se fosse um refúgio da rotina e um meio para despertar a imaginação de quem se ligava, o rádio era um objeto de desejo. Quando as atividades do campo acabavam, a cidade também ia adormecendo e as famílias tinham o costume de se reunir para acom-panhar os programas prediletos e as radionovelas, que eram a febre do

momento. Maria Felisberta de Elói, 87, ainda se lembra bem disso tudo. — Eu era menina. Naquele tem-po, moça de família não saía de casa depois das seis da tarde. só saía acompanhada da mãe e, assim mes-mo, para visitar vizinhos. Não por causa da falta de segurança, mas é que não pegava bem moça de família sair de casa à noite. Então, por vol-ta do fim da tarde, depois da janta, era hora de reunir a família em tor-no do rádio. Meu pai, que era de um distrito de Coromandel, gostava de ouvir os violeiros, principalmente Ja-raraca e Ratinho. Cantava junto com eles. Era um encanto que só vendo! E para não dizer que as ondas radiofônicas eram unanimidades, a década de 1930 também apresentou a expansão dos cinemas. Registros apontam que o primeiro inaugurado na capital foi o Cine Teatro Paris em 1906. Depois conhecido como odeon, ele habitou a Avenida do Contorno, na Floresta. Mais tarde apareceram o Glória, na Avenida Afonso Pena, 764 e Cine Brasil, na antiga Praça 7 de se-

tembro, entre outros. Houve, também, um tal de Cine Colosso, que se perdeu no tempo e hoje ninguém sabe onde fi-cava. Mas os cinemas, recorda-se Ma-ria Felisberta, não eram para todos. — Eu mesma, só fui muito tem-po depois... Meu marido não permi-tia, dizia que não era coisa de mu-lher honesta. o primeiro filme que eu assisti, ainda me lembro bem, foi “A Noviça Rebelde”, depois que fi-quei viúva, em 1966... Nem sei mais. Cinema era um acontecimento, não era coisa de todo dia, como agora. E também porque havia as radio-novelas: eu não perdia um capítulo. só a partir de meados da década de 1940 é que Belo Horizonte começou a ter mais opções de lazer. Nos clubes, as horas dançantes e os bailes come-çaram a fazer sucesso entre os jovens. o footing nas pracinhas das igrejas também era famoso. sendo assim, ob-servando um espaço a ser explorado, políticos investiram na inauguração de uma estação de rádio e em um progra-ma voltado para a população que tinha raízes do campo.

Por Leo Campos e Suellen Versiani

Com tanto tempo de estrada, a história do programa A Hora do Fazen-deiro se confunde com a trajetória da rádio Inconfidência que, por sua vez e pelo mesmo motivo, se miscigena com a de Belo Horizonte. Destacar separa-damente cada assunto se torna uma tarefa penosa, tendo em conta que, em algum momento, um corroborou para o desenvolvimento do outro.

A Hora do Fazendeiro foi transmi-tida pela primeira vez em 7 de setem-bro de 1936, quatro dias após a inau-guração da emissora. E o programa surgiu para atender a necessidade de uma capital que também era recém-nascida. Afinal, era uma cidade de apenas quase 40 anos, ainda em seus primeiros passos, ou até mesmo enga-tinhando como um bebê.

Muito dessemelhante do que é

hoje, o município dos belo-horizontinos era pacato, pequeno e simples. Arão Reis foi o principal engenheiro no pla-nejamento da cidade. E, talvez por não ter sido nada visionário, o projeto foi calculado erroneamente. Para se ter uma ideia, a previsão era ter 100 mil habitantes um século depois da fun-dação, e não 1,5 mil, como aconteceu. Antes da explosão demográfica e da expansão de Beagá, seus traços inclu-íam quarteirões regulares e principais vias em diagonal. Tudo moldado pela Avenida do Contorno, que servia como perímetro da capital. Bairros como Lourdes, Barro Preto e santa Efigênia foram os primeiros a serem planeja-dos. Mais tarde, em meados da década de 1950, as avenidas Antônio Carlos e Pedro II foram construídas e, a região da Pampulha surgiu como uma exten-são territorial. Depois, Venda Nova, Barreiro e outras zonas regionais co-

meçaram a ser urbanizadas.ora, se a configuração estrutural

da cidade era tão modesta, imagine a população daquela época. Inicial-mente, Belo Horizonte abrigou um arraial, o Curral Del Rei. o que co-nhecemos, hoje, como região metro-politana eram as grandes fazendas, que movimentavam rebanhos, pe-quenas atividades agrícolas e outras atividades rurais — era o cinturão verde que abastecia a cidade. Perce-be-se, então, que os primeiros habi-tantes do município eram do campo. Tinham costumes e raízes de terras campestres. Nesse contexto, qual a probabilidade de o programa A Hora do Fazendeiro não se tornar um su-cesso? some-se a isso o fato de que a nova capital atraiu, inicialmente, quase que só moradores do interior do estado, que trouxeram seus hábi-tos simples e tradicionais.

culTura rural

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os Primeiros TemPosUm ano depois da Rádio Inconfi-

dência iniciar sua modulação da po-tente onda de amplitude 880, o chefe da secretaria de Agricultura do Esta-do, Israel Pinheiro, já concatenava o programa caipira. Faz sentido. Minas era (e ainda é) um dos maiores esta-dos do país e, num tempo em que as estradas eram precárias e as distân-cias assumiam proporções de um ver-dadeiro desafio, fazia-se necessário unir os mineiros por uma emissora de rádio. Espelhava-se no modelo que Ge-túlio Vargas havia começado também a implantar, a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, então capital da Repúbli-ca, que cobria o Brasil de norte a sul. Israel foi em busca de apoio de vá-rias prefeituras vizinhas e conseguiu levantar uma boa ajuda de custos para colocar no ar A Hora do Fazen-deiro. A incumbência de produzir o programa foi dada a seu secretário,

João Anatólio Lima, pai do radialis-ta e locutor esportivo Jairo Anatólio Lima. João nasceu em 1899, em Ca-eté. Ele formou-se em Agricultura e trabalhou na secretaria até ser cha-mado para a produção do programa. Apesar de ter lançado muitos locu-tores, o produtor nunca quis soltar sua voz nos microfones. os res-ponsáveis por levar a atração ao ouvinte têm nomes como os irmãos Francisco e Paulo Lessa, o médico Teófilo Pires, o engenheiro Walter Coscarelli, Heleonice Rabelo Mou-rão, os bacharéis em Direito Rubem Tomich, Ulpiano Chaves e Jacomini Tomazio, o engenheiro químico An-tônio Vono Filho, mais conhecido como Bentinho do sertão, Geraldo Eustáquio e José Penido. Hoje, a dupla que dialoga com os ouvin-tes é formada por Tina Gonçalves e o jornalista Cristiano Batista.

Tina está na casa desde 1970. Ain-da jovem, ela chegara com muita expe-riência. Ironia do destino, ou não, em são João Del Rei, a locutora trabalha-va com o pai, Vieira, que era apresen-tador de programas e ainda formava uma dupla sertaneja com a esposa. Imersa em mágica nostalgia, quan-do busca na memória as primeiras edições de A Hora do Fazendeiro, Tina Gonçalves se lembra dos programas de auditório e dos artistas famosos da época que se apresentavam lá. Casca-tinha e Inhana, por exemplo, é uma du-pla mencionada com entusiasmo pela radialista. Aqueles mais novos, que nunca ouviram com certeza já cantaro-laram algumas canções da dupla. Eles eram paulistas, e as principais músi-cas que ficaram marcadas no chamado sertanejo de raiz foram as guarânias “Índia”, “Colcha de Retalhos” e “Meu Primeiro Amor”.

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Pedido de casamenTo

Várias duplas caipiras, san-foneiros, violeiros, trios, solistas, que tanto sucesso fizeram e ain-da fazem no Brasil, foram crias do programa mineiro. Toninho e To-nhão, Gino e Geno, Trio Parada Dura, Delmário, Caxangá e Benti-nho do sertão são alguns exemplos. Agora, enganam-se os que pensam sobre o sucesso da Hora do Fazen-deiro ser justificado apenas pelos astros caipiras que por ali passavam. A identificação com o ouvinte sempre foi além. sem estradas asfaltadas e com meios de comunicação antiqua-dos, a informação chegava com mais qualidade nas fazendas e casas do interior por meio das ondas da In-confidência. As montanhas que circu-lam a cidade já não eram barreiras para o ouvinte ficar bem informado. o radialista José Parreiras de oli-veira, mais conhecido como Ricar-do Parreiras, é o funcionário mais antigo da emissora pública. Desde 1948 ele integra a equipe do “Gigan-te do Ar”. sobre a Hora do Fazen-deiro, Parreiras também destaca a importância social do programa em uma época em que havia vários em-pecilhos para se comunicar. Para ele, a identificação forte do ouvinte podia ser observada nas diversas cartas que João Anatólio recebia. — o João respondia todas as cartas dos ouvintes: elas traziam consultas sobre a doença do gado, remédios para cuidar da lavoura, os segredos para uma boa colheita, um bom plantio, e outras questões ligadas à agricultura e pecuária. Porém, não era só em prestação de serviços que quem estava do outro lado do radinho estava interessado. A magia das ondas radiofônicas ainda é capaz de aguçar a imaginação do ouvinte que, na curiosidade de saber quem são os donos das belas vozes que soavam como música, muitas ve-zes, acabavam se apaixonando e se derretendo de amores pelos locuto-res, como um sorvete em dia de verão. Tina Gonçalves já foi presenteada

com queijos, frutas e outras delícias do meio rural. E, quando o ouvinte não tem a oportunidade de ir até a rádio, Tina conta que as situações mais inu-sitadas acontecem via carta postal. — Há ouvintes que ficam ima-ginando: “como será essa mulher Tina Gonçalves”? “será ruiva ou

loira dos olhos azuis”? Ai chegam aqui e encontram a Tina Gonçalves morena e ‘coroona’, mas ainda enxu-tona! Quanto às cartas, já recebi até pedido de casamento. Uma vez, um fazendeiro se identificou, disse que tinha muitas terras, patrimônios e se declarou.

Parreiras: programa tem importância social

Fotos Arquivo Rádio Inconfidência

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GeraÇão a GeraÇão

A aposentada Davina Lis-boa, 65, acompanha A Hora do Fazendeiro desde os 11 anos de idade. E como todo programa tra-dicional, o costume de se ouvir é passado de geração para geração. — A gente sempre se reunia para acompanhar A Hora do Fa-zendeiro. As músicas, os cantores que por lá passavam eram uma atração sempre aguardada pelo meu pai. sempre acompanhei e até hoje ainda me sento ao lado do rádio para ouvir o programa. E quanta coisa mudou. Nem sempre, Davina teve o conforto de se sentar no sofá para acompanhar a Inconfidên-cia. Antigamente, o pai caminhonei-ro precisava de algumas manobras para ouvir seu programa favorito. — Eu me lembro que papai ligava o rádio na bateria do caminhão para a gente ouvir o programa. E não era igual hoje. os rádios eram maiores e a antena precisava estar bem posicio-nada, senão você não conseguia ouvir. “Dialogar com o homem do cam-po” sempre foi a missão de A Hora do Fazendeiro. Antes, as edições eram apenas de meia hora, das 17h às 17h30. Hoje, ela começa no mes-mo horário e vai até às 18h50. Além da música caipira e os quadros vol-tados para agricultura e pecuária, a produção do programa inseriu mais informações com profissionais do departamento de Jornalismo e Es-porte da emissora. Para o sociólogo Márcio Renato Azeredo, que é gaúcho e neto de alemães, Minas Gerais foi um dos estados que mais souberam preservar suas tradições. Por isso, o sucesso do programa continua. — As tradições da cultura regio-nal de Minas continuam vivas no in-terior do estado, onde as paisagens rurais não mudaram tanto. Claro, hoje há fazendas com energia elé-trica e muitas estão conectadas na internet, mas o apego do mineiro a seus modos de viver não mudou. Na periferia das grandes cidades e nos

municípios menores, a velha Mi-

nas Gerais continua mais viva do

que nunca. Tradição não tem nada

a ver com atraso; é respeito, apreço

por um modo muito especial de viver.

o isolamento provocado pelas mon-

tanhas, segundo Azeredo, é, em parte,

responsável pela preservação da cultu-

ra regional de Minas. sem as praias do

Rio de Janeiro e sem a força do parque

industrial de são Paulo, que forjou as

principais mudanças culturais do país,

Minas solidificou um modo de viver

que ainda molda e moldará corações e

mentes por muito tempo. E que ainda

chega pelas ondas do rádio.

Tina Gonçalves: artistas famosas já passaram por aqui

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moda

das cosTureiras às Passarelas

Visto pelo lado de que a primeira impressão diz tudo so-bre uma pessoa, o modo de se vestir possui forte influência na concepção da sociedade. A artista plástica Marta Neves destaca algumas características favoráveis a isso, relacionando roupas à personalidade.

— A roupa pode significar inúmeras coisas: inserção numa comunidade, aceitação social, rebeldia, processo de autoafir-mação. Em nossa sociedade complexa, não nos vestimos pura e simplesmente para nos abrigar do tempo.

Moda pode ser vista, seguindo Gilles Lipovetsky, como a ló-gica das substituições, da mudança, avalia Marta, acrescentan-do que moda é o oposto de tradição.

— Então vivemos o signo da moda: nas roupas, nos objetos, nos usos, na maneira de falar, nas escolhas. A moda é a lógica da efemeridade. Mas se pensarmos mais estritamente em moda como o negócio “fashion” das coleções de roupas, calçados, acessórios, das “fashion weeks”, dos grandes estilistas, aí vem outro departamento. Trata-se de uma lógica, claro, da mudan-ça, mas também do glamour e do império das grandes marcas. Algo tanto sedutor e delicioso, como perverso e opressor, no caso de uma sociedade desigual como a nossa, em que a vida de alguém pode valer um par de tênis de boa marca.

Num primeiro momento, segundo Marta, pode-se pensar em dizer quem é uma pessoa por aquilo que ela veste: mais ou menos informal, mais ligada a algumas “tribos urbanas” (ra-ppers, funkeiros, tatuados etc.).

—Eu diria que a vestimenta é uma primeira apresentação da pessoa. Ela se comunica pela roupa. Mas, cuidado! o fato de alguém se vestir de maneira diferente dos outros, não quer dizer que deve ser avaliado totalmente apenas por isso.

rouPa & Personalidade

Fotos Bruna A

lves

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Por Brunna Alves e Kênia Cristina

A mulher mineira sempre se vestiu bem. Desde os tempos em que ainda nem se fala-va em moda como um fenômeno midiático. Pelo menos, não nos termos de hoje. Desde os anos de 1940 e 50, apesar dos ares ainda provincianos, a cidade já respirava elegân-cia. o comércio, por exemplo, já registrava um grande número de estabelecimentos focados apenas no setor. Vale lembrar que, nesse tempo, a savassi não era nada mais que o nome de uma padaria e o advento dos shoppings só viria a acontecer décadas de-pois. A vida social da capital se concentrava, então, no centro da cidade.

Havia várias lojas de departamentos — Casa sloper; Lojas Normandy; Casa Guanabara; A sibéria (uma peleteria chiquérrima, porque o clima ainda per-mitia e, naquela época, não era politica-mente incorreto vestir casaco de pele), e as exclusivas Dora Modas e Antonieta Modas, dois ateliês/boutiques que aten-diam as elegantes no centro de Belo Ho-rizonte. opções não faltavam. Por isso, frequentar restaurantes, os bailes e as horas dançantes do Automóvel Club e do Minas Tênis, e até mesmo as sessões soirée de cinema, tudo era pretexto para andar no auge da moda. Deve-se ressal-tar a presença da Casa Guanabara, a primeira a apresentar desfiles de moda semanalmente, com manequins profis-sionais, atraindo multidões.

A tradição, no entanto, passava pe-las prendas que a mulher mineira culti-vava desde tempos imemoriais: as artes de bordar e costurar. As mais elegantes contavam com sortidas lojas de finos teci-dos, que só eram entregues às costureiras mais renomadas — dona olga Mazzetti, a famosa Marchesa di Lucca, era uma delas. “A roupa pronta ainda não era páreo para os tecidos nobres, como os brocados, os veludos, as musselines e as sedas, que só iam parar nas mãos das costureiras mais habilidosas, que eram requisitadíssimas”, conta a jornalista e editora de moda Ân-gela Rodrigues. o capricho dessas antigas costureiras pode ser considerado, de certa forma, o ponto de partida para o reconhe-cimento de uma talentosa geração de esti-listas que só surgiria anos depois.

HERANçA BARRoCAJornalista e editora de moda, Teresa

Cristina Motta vai mais longe ainda ao dizer que nossa herança barroca, que está pre-sente nas cidades do Ciclo do ouro em Mi-nas, gerou não só o patrimônio histórico ad-mirável, mas também influenciou nos modos de vestir dessa elite mineira do século XVIII.

— Como Portugal não permitia manu-fatura na colônia até o século XIX, devia ser muito difícil para uma mulher de posses, em Minas, se vestir nos padrões europeus. Relatos que li, dos viajantes europeus em vi-sita a Minas, depois de 1808, se referem ao cuidado no vestir das mulheres dos grandes fazendeiros e mineradores. Mas nesta épo-ca, após a chegada da corte de Dom João VI, o Rio de Janeiro já recebia toda a sorte de produtos ingleses importados, por causa do Tratado de 1810, que abria os portos para os exportadores do Reino Unido. Lojas na rua do ouvidor, no centro da cidade, e modistas francesas começam a suprir as aspirações de moda da elite brasileira. As damas da corte portuguesa chegam com a novidade da moda Império, decretada depois da Revolu-ção Francesa por toda a Europa.

Como Minas ainda estava longe do Rio de Janeiro, a manufatura, a partir de tecidos então importados, começa a acontecer no interior das residências e das fazendas. A informação sobre a moda europeia começa também a circular. Havia, ainda, o rústico tear mineiro, que produzia peças para o en-xoval da casa.

Abandonando, inclusive, suas profis-sões de origem.

— Acho que podemos afirmar que este gosto pela moda e pelo bem feito, pela costu-ra e pelo bordado veio se intensificando na província mineira. Ao longo do século XX ele se intensifica. Na primeira metade do século, Belo Horizonte chegou a ser conhecida como a “cidade das costureiras”.

Aqui, as revistas eram o meio de infor-mação, os chamados “figurinos”, para a cos-tureiras reproduzirem os modelos nos pa-drões da moda parisiense. A partir dos anos 1950, o comércio de roupas e calçados na cidade prospera e as opções de moda pron-ta se estratificam. Nos anos 1960, a revista “Manequim”, da Editora Abril, dita moda para as jovens mineiras reproduzirem junto às suas costureiras.

Da herança barroca ao prêt-à-porter, a moda mineira escreve uma trajetória

ímpar no cenário brasileiro

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Em termos nacionais, no entanto, pode-se dizer que o destaque da moda mineira se iniciou mesmo na década de 1980, quando se formou o Grupo Mineiro de Moda, responsável pelo despontar de um novo polo de moda, que terminou por chamar a atenção de todo o Brasil. Tratava-se, na verdade, da união de importantes marcas do mercado de Belo Horizonte para fa-zer, aqui, eventos de lançamentos de estação, convocando a opinião espe-cializada de moda dos veículos de são Paulo e Rio de Janeiro, e atraindo os compradores e lojistas de todo o Brasil. Era composto pela Allegra (de sheila Mares Guia); Bárbara Bela (de Helen Carvalho); Pitti (de Renato Loureiro); Artmanha (de Mabel Magalhães), Art-I-Man (de Luiza Magalhães e Márcia Correia), Printemps (de sonia Pinto), straccio (de Dedé Gelmi), Comédia (de Liana Fernandes) e Mônica Torres, de calçados. o mercado de moda de Belo Horizonte acabou se beneficiando com a iniciativa, que trouxe visibilidade para todos.

o grupo foi encerrado em 1997, devi-

do a crises na economia da época e, tam-bém, pelo menos em certos casos, pela inexperiência empresarial de alguns. A existência do grupo foi que também deu à savassi a fama de ter sido o primeiro polo de moda da capital, nos anos de 1970 e 80. As primeiras confecções sur-gem a partir dos anos 1970, assim como as célebres butiques da savassi, comer-cializando uma moda artesanal, reali-zada por jovens de classe média, que se lançavam no mercado, abandonando inclusive suas profissões de origem. Nes-ta época, quem lançava moda no Brasil era o Rio de Janeiro, via Ipanema, e as lojas da rua Augusta paulista. A moda que abastece butiques mineiras começa nas garagens das casas das famílias de classe média, conta Teresa Cristina.

— E a savassi se torna o epicen-tro deste movimento. Era um estilo inspirado na moda jovem londrina e na revolução cultural que sacudiu o mun-do ocidental a partir de 1968. Mas a savassi, hoje, não é mais referência — avalia Teresa Cristina.

Nos anos 1980 as confecções mi-neiras já se encontram estabelecidas

em fábricas e produções mais bem es-truturadas, o que possibilita a projeção do estilo feito aqui.

— Mas a moda mudou radical-mente. Como as importações não eram permitidas, o setor de confecções e de calçados e acessórios prospera. Nesta década, a influência sobre o estilo fei-to aqui vem dos estilistas japoneses (Grupo Mineiro de Moda), via Paris e de vertentes, como a música pop ou o movimento punk rock para a moda jo-vem (Divina Decadência e Vide Bula). Em 1990, a abertura do mercado para as importações muda radicalmente os cenários e os confeccionistas passam a ter acesso às matérias primas interna-cionais, o que possibilita outro padrão de qualidade para os produtos.

segundo Teresa Cristina, hoje, a moda feita em Minas já tem caracte-rística própria, muito calcada no esti-lo festa, moda de luxo inclusive para exportação. “Mas há o estilo casual também; podemos dizer que, a partir do evento Minas Trend, o setor minei-ro se projeta de forma significativa a partir de 2006”.

Passos Profissionais

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esPaÇos PoPularesNão se pode esquecer, também, do

polo atacadista popular que, dos anos de 1990 para cá, se instalou a todo vapor na região do Barro Preto, zona centro-sul da cidade, que se tornou uma referência nacional em termos de comércio, atraindo caravanas de quase todo o país. A empresária Mary Abadia Leite tem boutiques em Goiás e só se abastece em Belo Horizonte. “Antes, comprava em são Paulo, mas a roupa daqui é mais bem acabada e o design é mais interessante”, vai enumerando Mary Abadia, que passa pelo menos duas semanas por aqui, a cada tem-porada, só escolhendo e fazendo com-

pras. “os paulistas agora só nos repas-sam essas roupas horrorosas que vêm da China, cheias de defeitos”, compara.

Maria Fernanda Tavares concorda. Ela é estilista e já deu consultoria para algumas confecções baseadas no Barro Preto. Para se reciclar, viaja aos Estados Unidos duas ou três vezes ao ano. Para ela, em termos de moda, a Europa já era.

— Quem dita os rumos da moda de hoje é o street fashion das grandes cidades americanas, principalmente Nova York. Por isso, posso falar que a moda daqui, por ser mais popular, não perde em nada para o que se usa por lá — estamos sempre antenados — ates-

ta Maria Fernanda, justificando o in-teresse que os compradores de outros estados têm pelo Barro Preto, princi-palmente na chamada moda de festa.

— E tudo com qualidade, porque os nossos bordados são imbatíveis.

ou seja, impõe-se cada vez mais a presença de Minas no mercado de moda brasileiro (e até internacional). sem o romântico amadorismo de ou-tros tempos, a moda mineira se des-taca tanto pela qualidade quanto pelo design e por uma visão profissional cada vez mais amadurecida. Muda o mundo, mudam as modas, já diziam nossas avós...

consciÊncia no consumo

De acordo com consultor de moda Zeca

Perdigão, moda segue uma tendência interna-

cional; quando fica muito regional, deixa de

ser comercial.

— Tivemos, durante esse movimento, ar-

tistas que fizeram moda!

Zeca também chama a atenção para

questões sustentáveis. Para ele, a moda vem

perdendo muito nos últimos anos.

— Antes, era o principal produto de

consumo. Hoje, são tantas coisas para se

consumir que a moda perdeu muito. Deve-

mos pensar muito sobre esse consumo e sua

sustentabilidade; a moda feita por escravos,

a durabilidade das roupas e as questões am-

bientais.Quando se lembra que, para cada

calça jeans, você gasta dois mil litros de água,

as ações devem ser pensadas de forma bem

séria!

markeTinG com TalenToUma das figuras mais conhecidas da moda mineira é, sem dúvida, Ronaldo Fraga, que surgiu em meados dos anos 1990. Ronaldo projetou-se depois de con-vidado para desfile no evento Phytoervas Fashion, em sP, e, nos anos 2000, passou a figurar no são Paulo Fashion Week.Para Teresa Cristina Mota, “sua característica principal é unir temas da cultura brasilei-ra a cada coleção — de Artur Bispo do Ro-sário e Zuzu Angel ao Rio são Francisco”.

— seu desenho é muito bom e ilus-trativo para diversos tipos de produtos, como sacolas de supermercado etc. e ele é marqueteiro. sua moda feminina é sig-nificativa do ponto de vista cultural. seus desfiles são muito teatrais, com ênfase no cenário e nos personagens. A moda infan-til de sua autoria é muito interessante e bem feita.

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Gastronomia

TradiÇão,um aBraÇo e um...

QueiJo

Fotos Ícaro Batista e A

manda A

raújo

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Por Ícaro Batista e Amanda Araújo

Mais do que um simples ingre-diente de alguns pratos da culinária mineira, o queijo minas já é parte in-substituível da cultura de nosso povo. Famílias, fazendas, populações de ci-dades inteiras e até associações foram socialmente organizadas em torno do processo produtivo desta iguaria no decorrer da história de Minas Gerais. são quase 300 anos de tradição gas-tronômica apreciada em todo o país e pelo mundo a fora. o produto chegou a Minas no século XVIII, pelas mãos dos portugueses que vieram para nossas terras em busca de ouro.

Como os trabalhadores do Ciclo do ouro precisavam de uma sustento que se conservasse por um dia inteiro, trouxeram para cá uma antiga técnica portuguesa de queijo coalhado, produ-zido com o leite fresco, que, adaptada às condições locais, deu origem aos primeiros queijos artesanais de Minas. Entretanto, essa é uma riqueza cultu-ral desvalorizada pela política, pois o produto teve sua venda proibida fora do território estadual.

A importância cultural deste ali-mento secular na raiz da cultura gas-tronômica mineira é tamanha que, em 2011, virou tema de um documentá-rio político e poético, “o mineiro e o queijo”, de Helvécio Ratton. À época de seu lançamento, cerca de 30 mil famílias já viviam apenas da produ-ção queijeira artesanal. o longa tam-bém trata, em tom de denúncia, pela voz dos próprios produtores artesa-

nais, endossada por depoimentos de pesquisadores e técnicos da área, da proibição da exportação deste produ-to para fora território mineiro.

o problema é que o fato desta iguaria ser produzida artesanalmen-te a partir de leite cru, como muitos dos queijos gourmet feitos na Eu-ropa, oportunizou a criação de leis anacrônicas e o lobby exercido pelos grandes laticínios do estado, confor-me denuncia o documentário. Por outro lado, em 15 de maio de 2008, o modo de fabricação artesanal do queijo produzido em Minas Gerais foi registrado como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimô-nio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Nesta época, o presidente do Iphan e do Conselho salientou que esta produção artesanal estava “in-serida na cultura do que é ser minei-ro.”. À maneira dos vinhos, o queijo minas é, hoje, um produto com deno-minação de origem Controlada.

o Governo de Minas, em 2012, sancionou a Lei 20.549/12, no intuito de contribuir para a legalização dos produtores mineiros de queijo artesa-nal. Existiam, aproximadamente, 30 mil fabricantes da iguaria no Estado. Mas, apenas cerca de 200 deles esta-vam legalizados. Com isso, também aprovou-se um orçamento de R$ 900 mil para ser investido em melhorias para o produtor queijeiro. A legislação previa o fornecimento de ajuda técni-ca, por parte do Estado, aos produtores de Queijo Minas Artesanal, produzidos

nas microrregiões do serro e da Ca-nastra, e ainda incluía os queijos caba-cinha, meia cura, canastra e requeijão neste respaldo.

TEM PRA ToDo PALADARo queijo Cáccio Cavalo, de origem

italiana, era produzido com leite de jumenta e servia de alimento dos nô-mades. o nome vem do processo de se-cagem utilizado na fabricação, no qual os queijos são amarrados em pares por um barbante e suspensos em uma vara de madeira “a cavallo” até secarem. o nome Cabacinha foi consagrado no Vale do Jequitinhonha, pelo fato do for-mato se assemelhar a uma cabaça.

Já o meia-cura, conhecido por muitos como queijo curado, consiste em uma espécie de variação do minas frescal. Apesar da grande semelhança nas composições de ambos, o meia-cu-ra é maturado por cerca de 30 dias, o que o confere um sabor suave, textura compacta, untuosa, boa plasticidade e cor amarelada.

Artesanal, patenteado e feito com leite cru, o Queijo Canastra é o produto de maior relevância da região da serra da Canastra. Pode-se considerá-lo um parente bem distante do queijo da ser-ra da Estrela, de Portugal. É forte, meio picante, denso e encorpado graças ao clima, a altitude, os pastos nativos e às águas da serra da Canastra.

o requeijão cremoso foi criado na cidade de Poços de Caldas, em Minas Gerais. É fabricado com leite desnata-do, acrescido de creme de leite fresco e, comumente, é vendido em copos.

Conheça a história dessa iguaria mineira, que já conquistou o Brasil e o mundo, e,

hoje, é um dos orgulhos de nossas histórias e tradições

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deBreT Provou e... aProvou!

Em 1816, período do Brasil Colô-nia, o artista francês Jean-Baptiste Debret mudou-se para cá com a mis-são de ser o pintor da família real e, por isso, foi um dos primeiros visitan-tes a notar que, em nossa culinária, havia um produto diferenciado, que, por hábito local, era consumido sem-pre ao final das refeições. Tratava-se do queijo de minas.

Auguste de saint-Hilaire, botâni-co, naturalista, viajante francês, tam-bém provou a “prata da casa” no início do século XIX, e chegou a divulgar a receita: “Tão logo o leite é tirado colo-ca-se nele o coalho, o que o faz talhar-se instantaneamente. o coalho mais usado é o de capivara, por ser mais facilmente encontrado. As fôrmas são de madeira e de feitio circular, tendo o espaço livre interno mais ou menos o tamanho de um pires. (...) o leite talhado é colocado dentro delas em pequenos pedaços, até enchê-las. Em seguida a massa é espremida com a

mão, e o leite cai dentro de uma game-la colocada em baixo. À medida que a massa é talhada vai sendo comprimi-da na fôrma, nova porção é acrescen-tada, continuando-se a espremê-la até que a fôrma fique cheia de uma massa totalmente compacta. Cobre-se de sal a parte superior do queijo, e assim ele é deixado até a noite, quando então é virado ao contrário, pulverizando-se também de sal a parte agora exposta”.

PRoDUção ARTEsANALo atual diretor da Associação dos

Produtores de Queijo Canastra do Muni-cípio de Medeiros — APRoCAME, Paulo souza, contou detalhes sobre a produção artesanal da iguaria mineira. segundo ele, ainda no século XVIII, a produção artesanal do queijo minas, que era feito para garantir a subsistência das famílias da época, chegou à marca de 6.050 tone-ladas anuais. seu transporte era feito em uma espécie de baú coberto com cou-ro cru. A ordenha do gado era diferente,

pois muitos animais não aguentavam o clima frio da serra.

— A produção começa pela apli-cação do coalho industrializado. Nele é acrescentado o “pingo” (últimas go-tas do queijo anterior), que contém as bactérias específicas que irão gerar o coalhado ideal do queijo. Entre 40 e 50min depois dessa etapa, o leite coa-gula. Posteriormente, realiza-se o corte e a quebra dos microgrânulos. Depois, a massa de mais ou menos um quilo e meio é envolvida em um tecido fino, que é fechado. Após isso, efetua-se a pren-sagem por entre 30 e 40 min. Logo em seguida, o queijo é retirado da forma e do pano. Então, é colocado em uma mesa com sal grosso para salgar. No outro dia, é virado na cama de sal e, ao final desse segundo dia, retirado dela. Após a salga, o queijo descansa 18 ho-ras. Feito isso, ele é colocado em uma mesa de madeira e, durante 22 dias, é lavado e virado. só então, o queijo mi-nas fica pronto para o consumo.

A Região da serra da Canastra, um dos locais onde o queijo artesanal de minas é produzido desde seus primórdios, é um território unido por características naturais e culturais. o chamado queijo canastra, produ-to patenteado, precisa, necessariamente, ser feito em um desses sete municípios: são Roque de Minas, Medeiros, Vargem Bonita, Tapiraí, Delfinó-polis, Bambuí e Piumhi. Estas cidades compõem a área delimitada pela Indicação de Procedência Canastra. Nesta localida-de, o queijo é muito mais do que um produto: re-presenta a identidade, a cultura e as tradições que fazem parte da história da população.

canasTra com nome e endereÇo

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Leonardo Paixão é considerado membro do seleto grupo da “Jovem Gastronomia Mineira” e eleito Chef do Ano 2014/2015 pelas revistas Veja BH e Encontro Gastrô. seu estudo dos produtos do cerrado mineiro já é internacionalmente co-nhecido por meio de seu prato homônimo, que une pesquisa de produtos, refino técnico e sen-sibilidade poética. Leonardo veste a camisa de Minas Gerais em diversos festivais gastronômi-cos nacionais e internacionais.

Logo que formou-se em Medicina, Paixão fez as malas e mudou-se com a esposa para Paris, onde cursou gastronomia na Escola Fer-randi. Formado, passou por estágios em bada-lados restaurantes, tais como o Joel Robuchon, Pierre Gagnaire e o Nicholas Magie. Quando re-tornou ao Brasil, prestou consultoria de quase dois anos no restaurante Taste Vin, do bairro de Lourdes, área nobre de BH, no qual mudou radicalmente os processos e incluiu novos pra-tos no menu, trabalho também reconhecido por premiações.

Hoje em dia, Leonardo Paixão dedica sua vida ao comando de seu restaurante Glouton, onde pratica o que denomina como a cozinha mineira contemporânea. Consideravelmente novo na cena gastronômica da capital, o Glou-ton já ganhou dois prêmios de Restaurante Re-velação 2013/14, também das revistas Veja BH e Encontro Gastrô. sua primeira estrela no Guia 4 Rodas foi conquistada com apenas dez meses de existência e, Paixão, eleito Chef Revelação do Brasil 2014 pelo Guia 4 Rodas. Perguntamos a Leonardo se a importância cultural dos quei-jos minas e canastra e da culinária mineira o influenciaram na reviravolta profissional de abandonar a carreira médica para viver sua paixão pela gastronomia:

— sempre influência. A culinária mineira é claro, porque é a culinária do lugar onde eu nasci. Eu cresci comendo comida mineira. A co-zinha mineira é muito jovem, então, desde o seu surgimento, é muito atual. Até hoje a cozinha de quintal é praticada intensamente e é o que é feito nas casas das famílias de Minas. o queijo é uma coisa muito tradicional em Minas Gerais, não só o queijo in natura, como também os pre-paros derivados do queijo, o pão de queijo etc. Então, tem uma importância grande. É claro que tudo faz parte de uma coisa só, eu não diria o queijo especificamente, mas o queijo de minas é incrustado na culinária mineira.

a cara da nova GasTronomia mineira

O queijo Minas é o porte de nossa história

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O queijo minas é

fundamental. Sobretudo

para nossas quitandas e doceria.

Com honroso destaque

para o pão de queijo,

no primeiro caso; e para

o nosso universal Romeo e

Julieta, no outro

(DONA LUCINHA)

Dona Lucinha é mineira, nascida, em 1932, na famosa cidade do serro, uma das regiões produtoras do queijo artesanal de Minas Gerais. Nos anos em que viveu em sua terra natal, foi catequista, professora, salgadeira, do-ceira, feirante, quitandeira, diretora escolar e vereadora. A maternidade de seus 11 filhos não foi impedimento para que exercesse toda esta múltipla vida profissional e se tornasse um dos nomes especializados na culinária mi-neira mais respeitados no Brasil.

Dona Lucinha contou um pouco de sua aventura pela culinária cultural mi-neira e falou sobre o queijo em seus pra-tos. segundo a cozinheira, esta iguaria pode servir como ingrediente curinga, a depender da criatividade e da necessi-dade, que são as mães de toda invenção. “Mas, pessoalmente, penso que ele ocu-pa assento “de primeira classe” em nos-sa cozinha. Vale dizer: muitos podem usá-lo como ‘carta na manga’. Mas, há que ter cuidado”, aconselha.

Para o chef Leonardo Paixão, a acidez do queijo minas é muito legal para combinar com doces e compotas: “acho bacana demais assim. Acho que tudo depende da proporção, na verda-de, na qual as pessoas pensam pouco, mas que é muito importante na hora de você degustar um queijo com algum tipo de compota”, ensina Paixão. Ele expli-ca que “se você quiser comer um quei-jo salgado com um pouco de geleia ou um pouco de doce, deve servir bastante queijo e só um pouquinho de doce: Você pode fazer isso até tomando um vinho”.

— Mas, se a vontade do momento é se render ao deleite com uma sobreme-sa, o bacana é optar por bastante doce e apenas um pouquinho de queijo, só para poder quebrar o adocicado da sobremesa.

Dona Lucinha conta que as pessoas procuram seus pratos e quitandas tan-to pelo fato de serem feitos com queijo, quanto pelo sabor final que essa delícia mineira confere a eles. Ela lembra que, depois do pão de queijo, uma das recei-tas feitas com queijo minas mais tradi-cionais e pedidas é o bolo de fubá.

Leonardo considera muito inte-ressante fazer preparos com o queijo canastra, pelo fato dele ter um ponto muito interessante de derretimento de ser muito cremoso, se bem aquecido. “Então é uma coisa que acho que vale a pena de se fazer. Pão de queijo, pastéis e coisas recheadas com queijo, massas: eu acho que ele inteiro, em alguma coi-sa quente, fica bem legal”, indica.

Paixão diz utilizar bastante o in-grediente em suas receitas “em entra-da, prato principal e sobremesa. Hoje, no cardápio, eu tenho uma entrada que é praticamente só queijo. Há outra entrada em que faço uma burrata: tri-turo um pão de queijo minas no meio da burrata, porque eu acho importante um pouco do gosto do queijo canastra. Eu uso queijo são Roque, comprado do queijeiro no Mercado Central. Não tem como eu comprar lá (leia-se município de são Roque de Minas). Eu mesmo curo o queijo aqui (leia-se Glounton). E no menu de pratos principais, tenho um nhoque de queijo minas.”

(A burrata é o termo italiano deri-vado da palavra burro que, nesta lín-gua, significa manteiga — é oriunda da região de Puglia, Itália, e consiste em um tipo específico de queijo, algo como o meio termo entre a mussarela de bú-fala e a manteiga) .

Para Edson Araújo, feirante do tradicional Mercado Central de Belo Horizonte, o queijo canastra é bem fa-moso em sua barraca. Para ele, a cura do queijo é fator principal em sua pro-dução e interfere em seu sabor. “De-pendendo de como ele é curado, o sa-bor fica forte, o queijo fica amarelado e seco. Como a cura do queijo canastra é diferente das outras, o sabor dele é mais gostoso”, relata.

seus clientes preferem o queijo fresco, que, de acordo com ele, normal-mente, é consumido com um acompa-nhamento — café ou doce, por exemplo. Já o queijo curado, em sua barraca dele, é mais comprado para ser degustado como tira-gosto, “para colocar no ma-carrão e para comer com pão”, ensina.

variaÇões e sinGularidades

da culTura QueiJeira

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da cidade

nova ao JaPão

José Edmundo silva, ou apenas Edmundo, é uma referência concei-tual em queijo minas artesanal em Belo Horizonte. Em sua loja na Feira dos Produtores, da qual é presiden-te, na Avenida Cristiano Macha-do, no bairro Cidade Nova, diz que muitos de seus clientes gostam de comer o queijo curado com doce. Aí, os que vão ficando mais curtidos já passam para fazer o pão de queijo ou para fazer biscoito.

— Eu, pelo menos, sei os que são bons para cada coisa, por causa da convivência com os queijos. só no olho, eu já sei se ele é salgado, se ele tem alguns buraquinhos por dentro, se ele tem a massa tapa-dinha... Porque muita gente exige: ‘eu quero um queijo com cinquenta buracos, cem buracos’. Aí, eu vou lá, pego o queijo e falo: olha, esse daqui, você pode levar.

Edson fala também da preferên-cia do produto mineiro pelos turis-tas. “os turistas de são Paulo e do Rio de Janeiro, quando vêm aqui, compram e levam sempre. Eu tam-bém tenho cliente que leva queijo para Austrália e para os EUA. Todos os meus clientes sempre preferem levar o queijo canastra. Eles falam muito do sabor. Ele tem um sabor di-ferente dos outros.”

Da mesma forma, Edmundo também possui muitos fregueses de outros estados e até países. “Eu não gosto de comentar muito sobre o tanto de queijo que vendo, mas che-ga a mais de uns 500 kg por semana e para esse Brasil inteiro. Já vendi queijo para o Japão, para a Ingla-terra, Miami, orlando, e para todo lugar deste país”.

O queijo Minas é o forte de nossa

história

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descoBerTa

Por Edivaldo Miranda e Raphael Gouvêa

o homem que descobriu o Brasil. Esta poderia ser, sem dúvida, a maior re-ferência a Peter Wilhelm Lund. Ele não foi o primeiro a pisar em solo brasileiro, mas descobriu os povos e espécies que viveram aqui antes mesmo da chegada dos europeus. Além da descoberta de mais de 12 mil espécies fósseis, o cien-tista revelou que já havia a presença hu-mana por aqui há mais de dez mil anos.

“Nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte”. Com essas palavras Lund descreveu seu encantamento ao encontrar lugares nunca antes explo-rados. Como Pero Vaz de Caminha que

enviou além–mar cartas com as boas novas de mares nunca antes navegados, este descobridor enviou ao mundo suas pesquisas sobre mais de 800 grutas e ca-vernas da região de Lagoa santa. o local tornou–se conhecido como importante cenário de habitação pré-histórica.

Peter Lund nasceu na Dinamarca em 1801, chegou ao Brasil em 1825, fu-gindo de uma peste que dizimou grande parte da população europeia. Ele é consi-derado o pai da paleontologia brasileira e pioneiro na espeleologia (ramo da ci-ência que estuda as grutas e cavernas). Lund abriu caminho para que as futuras gerações pudessem seguir seus passos, refazer suas rotas e se encontrar com o seu passado e com as ascendências das atuais espécies.

Como um dinamarquês colocou Lagoa Santa na lista dos lugares mais importantes para a

explicação da evolução humana

na roTa de

PeTer lund

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A arte desenhada nas paredes ro-chosas permaneceu no tempo, como uma ponte de contato entre espécies humanas que não eram dotadas de fala ou escrita, mas comunicaram sua existência a gerações ainda distantes do período em que viveram. Conhecer a gruta é um exercício de imaginação. Com seus 40 metros de profundidade, suas formações minerais parecem dar vida às rochas que, como nuvens, vão ganhando formas de pirâmides, casca-tas, animais e objetos. Tudo aquilo que a imaginação humana permitir.

os mais aventureiros encontram em pontos como na Gruta da Lapi-nha, uma das sete maravilhas da Es-trada Real, ótima oportunidade de conhecer suas origens. o cenário ga-rante inspiração para viajar ao pas-sado e mergulhar na história de um povo nômade. Estes que viveram em uma era quando algumas regiões de Minas Gerais se encontravam sub-mersas em aguas marítimas. A gru-ta faz parte do Parque Estadual do sumidouro, patrimônio natural da humanidade. Adentrar seus salões subterrâneos é mergulhar em um mundo desconhecido, esculpido pela natureza e por quem deixou suas marcas há milhares de anos.

1884 é uma data histórica. Após muitos estudos, juntando os fósseis, fazendo os cálculos, indo e voltando na história da humanidade, o grande esca-vador dinamarquês cravou mais uma descoberta, não só na história mineira, mas na história do planeta: Lund apre-sentou ao mundo científico o ‘Homem de

Lagoa santa’. Assim conta, com deta-lhes, o paleontólogo e curador do Museu de Histórias Naturais da PUC / Minas, Castor Cartelle.

–– Quando encontrou estes ma-teriais fósseis, em Lagoa santa, Lund levou um susto. Inicialmente, ele pen-sou que eram fosseis comuns, de ín-dios. o grande achado foi na lagoa do sumidouro. Na época, a água da lagoa estava muito baixa, o que facilitou sua escavação e ele encontrou dezenas de crânios. Ele levou um susto, pois estes crânios estavam juntos com materiais fosseis de animais atuais e extintos. só por isso, ele viu que era algo muito antigo, mas não se atreveu a arriscar uma data, pois não é essa sua espe-cialidade. somente mais tarde o mun-do científico veio saber desta grande descoberta.

Este êxito mudou o curso da teo-ria da ocupação da América Latina, pois antes se pensava que os primei-ros habitantes a povoar o continente Americano eram oriundos da Ásia. Porém, os traços negróides de “Lu-zia”, nome dado ao fóssil, levaram à hipótese de uma migração anterior de povos originários dda África ou dos aborígines australianos. “Luzia” foi o fóssil humano mais antigo en-contrado em terras de nosso conti-nente. o paleontólogo reforça o que representaram os achados do dina-marquês.

“Inclusive Darwin cita as desco-bertas de Lund em suas teorias que tratavam sobre a evolução da humani-dade”, lembra Cartelle. “Pela primeira

vez houve a certeza de que o homem ti-nha convivido com animais extintos; ou seja, desautorizou a teoria das catás-trofes”. Esta teoria, segundo o paleon-tólogo, dizia que a vida na terra era cí-clica, ou seja, havia extinções e depois se criava outras espécies. Até então, se acreditava que a última criação fossem os animais atuais e o homem. “Quando Lund encontra os fosseis do Homem de Lagoa santa ao lado de espécies que ainda habitam a terra juntos com as extintas, se prova que a teoria catas-trofista estava errada”, define.

Desvendar seus mistérios não se-ria possível sem a intervenção dos rios que, há milhares de anos, esculpiram, com as forças de suas águas, passagens por onde muito tempo depois se poderia caminhar. Espalhados pela cidade de Lagoa santa estão ruas, praças e mo-numentos em homenagem ao cientista, paleontólogo, ambientalista e descobri-dor das riquezas fósseis do lugar.

A 50 km de Belo Horizonte, entre os municípios de Lagoa santa e Pe-dro Leopoldo, região metropolitana da capital mineira, o Parque Estadual do sumidouro é um atrativo de diver-sos turistas e historiadores, devido às suas cavernas e diversas histórias de pesquisa científica. o Parque tem um tempo de percurso de aproximadamen-te 40 minutos.

o local possui mais de 40 grutas que podem ser visitadas. Entre as prin-cipais, se destaca a da Lapa Vermelha, onde foi descoberto o crânio de “Lu-zia”, na década de 1970; e a da lapinha, descoberta por Lund, em 1835.

exercício de imaGinaÇão

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Algumas normas de muita importância do parque devem ser seguidas pelos turistas no ato da visita:

•Não é recomendável a entrada de crianças menores de cinco anos na gruta, por questões de segurança

•A administração recomenda o uso de sapatos fechados para acessar as trilhas

•Crianças de seis a 12 anos e idosos, acima de 60, pagam o valor de meia-entrada

•Para os portadores de carteirinha de estudante, é obrigatória a apresentação da mesma, para pagamento de meia-entrada

inforMAções •Endereço: Estrada Campinho Lapinha, km 6 – Lagoa Santa

•Tels: (31) 3689 8592, (31) 3689 8585 e (31) 3689 8575.

•Email para agendamento de visitas: [email protected]

•Horário de Funcionamento: 3ª a dom. das 9h às 17h.

CoMo CheGAr•De Carro: Todo o trecho, desde a saída de Belo Horizonte até o município de Lagoa Santa é muito bem sinalizado. Os visitantes de-

vem seguir pela MG 10 em direção a Lagoa santa, seguindo todas as placas que indicam para a serra do Cipó. No bairro Campinho,

em Lagoa santa, entrar à esquerda, sentido Lapinha. Após o Km 44, seguir as placas indicativas das duas entradas do Parque. Deste

ponto são 6 km até a recepção do Museu Peter Lund/Gruta da Lapinha. Depois de seguir por aproximadamente 10 km, chega-se até

a recepção Casa Fernão Dias. Em caso de insegurança, qualquer frentista dos diversos postos de gasolina existentes neste caminho

saberá indicar como chegar. A estrutura de recepção do estacionamento no parque é bastante ampla e gratuita.

•De ônibus: A linha de ônibus 5882 (LAGOA SANTA/TERMINAL VILARINHO) é outra opção para levar os turistas da capital mineira

até o Parque. o ônibus da empresa Atual tem intervalos de 15 minutos durante a semana, 25 minutos no sábado, e de 40 minutos aos

domingos. A passagem custa R$ 4,50. Há também a opção das linhas 5887 e 5888 (ônibus executivo).

•O valor da passagem é de R$ 5,10. Essa linha tem horários variando de uma e duas horas de partida, durante a semana, com saída

da rodoviária de Belo Horizonte, na Praça Rio Branco. Nos fins de semana, o tempo de partida é de duas horas. Para outras infor-

mações os telefones da empresa Atual são: (31)3272-8525 (Belo Horizonte); e (31)3681-1924 (Lagoa santa).

•Obs.:

Percurso nas trilhas e no circuito do parque devem ser agendados com antecedência e sempre com um guia local. o horário para

entrada da última gruta é as 16h.

soBre o PArqueo parque não possui em sua área interna, restaurantes e lanchonetes. o recomendável para os turistas são algumas lanchonetes

tradicionais, em torno do parque. o Cafofo Café com Arte é um dos mais frequentados pelos visitantes. Fica paralelo à MG - 10 e tem

sua estrutura toda montada de forma artesanal. Para outras informações, o telefone do Cafofo é o (31) 3689-8291 / (31) 9254-4077.

outra opção é o Cantinho da Luci, onde o visitante tem comida caseira, feita totalmente no fogão a lenha. Aberto todos os dias de

11h as 15h30min e de 18h as 20h, o restaurante trabalha com pagamento em dinheiro. Para outras informações, o telefone é (31)

3689-8440 / 9715-4652.

hosPedAGeMPara quem deseja se hospedar em locais próximos, a sugestão é o Pouso do sol Pousada e Restaurante, na região da Lapinha, que

oferece serviços completos para o conforto dos turistas que queiram estender a visita nas grutas a outras opções de lazer, como,

passeios a cavalo. o estabelecimento possui apartamentos confortáveis, duchas com aquecimento solar, piscina, sauna e sinucas.

os valores para fins de semana variam de R$ 260 a R$ 310 reais e a forma de pagamento pode ser feita por meio de dinheiro, cartões

de crédito/débito e depósito bancário. Contatos para outras informações:

site: www.pousodosol.com.br

Facebook: www.facebook.com/pousodosolpousada

Email: [email protected]

Fone: (31) 3689 8116

Endereço: Rua são José, n° 200 – Lapinha – Lagoa

Com a colaboração de Elisangela Alves, 7° período de Jornalismo, Newton.

serviÇos

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núcleo de Publicações acadêmicas

http://npa.newtonpaiva.br/npa/

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