revisitando a decisÃo 24: significado e impactos da ... · (avery, cochrane, 1973; tironi, 1978,...

20
REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ESTRATÉGIA ANDINA DE REGULAÇÃO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO Edna Aparecida da Silva 1 RESUMO: O texto trata das disposições do Código Andino de Investimento, no contexto do debate internacional sobre as instâncias e mecanismos de regulação do investimento estrangeiro. Destacando o significado da experiência andina de integração, com criação de um regime comum de investimento estrangeiro e transferência de tecnologia, o texto considera três aspectos: o impacto das inovações normativas do Código; o significado político, ao formular uma posição comum em fóruns multilaterais, e suas implicações para as propostas de regulação internacional do investimento. PALAVRAS-CHAVE: investimento estrangeiro, desenvolvimento, integração regional INTRODUÇÃO Foi no Acordo de Cartagena, o Pacto Andino, acordo de integração sub-regional que reuniu Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru em 1969, no âmbito da Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), que se verificou uma experiência inédita de regulação do investimento estrangeiro direto e transferência de tecnologia, o “Regime comum de tratamento do investimento estrangeiro, marcas, patentes, licenças e royalties”. A iniciativa andina de integração pretendeu por meio da constituição de um mecanismo regional de harmonização de suas políticas de desenvolvimento, econômica e social pretendia constituir mecanismos de cooperação para superar os obstáculos estruturais para o desenvolvimento econômicos e do ponto 1 Mestre em História e Bacharel em Ciências Sociais pela UNESP. Professora Substituta UNESP. Parte do trabalho de pesquisa já concluída, sobre as negociações multilaterais, organizações internacionais e regulação de investimento estrangeiro, realizada como bolsista do CNPq, no programa de Doutorado em Ciência Política/IFCH/UNICAMP. [email protected]

Upload: others

Post on 24-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ESTRATÉGIA ANDINA DE REGULAÇÃO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

Edna Aparecida da Silva1 RESUMO: O texto trata das disposições do Código Andino de Investimento, no

contexto do debate internacional sobre as instâncias e mecanismos de regulação do

investimento estrangeiro. Destacando o significado da experiência andina de integração,

com criação de um regime comum de investimento estrangeiro e transferência de

tecnologia, o texto considera três aspectos: o impacto das inovações normativas do

Código; o significado político, ao formular uma posição comum em fóruns

multilaterais, e suas implicações para as propostas de regulação internacional do

investimento.

PALAVRAS-CHAVE: investimento estrangeiro, desenvolvimento, integração regional INTRODUÇÃO

Foi no Acordo de Cartagena, o Pacto Andino, acordo de integração sub-regional

que reuniu Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru em 1969, no âmbito da

Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), que se verificou uma

experiência inédita de regulação do investimento estrangeiro direto e transferência de

tecnologia, o “Regime comum de tratamento do investimento estrangeiro, marcas,

patentes, licenças e royalties”. A iniciativa andina de integração pretendeu por meio da

constituição de um mecanismo regional de harmonização de suas políticas de

desenvolvimento, econômica e social pretendia constituir mecanismos de cooperação

para superar os obstáculos estruturais para o desenvolvimento econômicos e do ponto

1Mestre em História e Bacharel em Ciências Sociais pela UNESP. Professora Substituta UNESP. Parte

do trabalho de pesquisa já concluída, sobre as negociações multilaterais, organizações internacionais e

regulação de investimento estrangeiro, realizada como bolsista do CNPq, no programa de Doutorado em

Ciência Política/IFCH/UNICAMP. [email protected]

Page 2: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

de vista político melhorar sua posição de negociação do grupo em face aos Estados mais

fortes dentro da Associação Latina Americana de Livre Comércio (ALALC) e nas

organizações internacionais, por meio da atuação como bloco no âmbito da ONU

(AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979).

A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado posta

em vigor por meio do Código Andino de Investimento, ou Decisão 24, do Acordo de

Cartagena ocupa lugar de destaque no que se chamou “período de controle” do

investimento, no contexto das experiências de integração latino americanos na década

de 60. No entanto, mais do que controle ou restrição, termos que revelam muito mais da

ótica de análise comprometida com o ponto de vista dos investidores do que sobre a

especificidade do regime andino, o código enunciou mudanças fundamentais na

concepção da regulação do investimento: a abrangência das suas disposições

representou um código compreensivo2 que estabeleceu novos mecanismos regulatórios

para contenção das práticas restritivas utilizados pelas empresas multinacionais ao

mesmo tempo em que definiu um papel para o investimento privado nos processos de

integração e desenvolvimento regional, em particular ao considerar a questão de

transferência de tecnologia. A D24 estabeleceu um sistema comum de tratamento de

capital estrangeiro e de marcas, patentes, licenças e royalties instituindo um regime

uniforme para as empresas multinacionais em que se destacam exigências de entrada, o

desinvestimento e transferência de tecnologia. Enfim, os países andinos definiram um

complexo e refinado conjunto de disposições relativas ao investimento estrangeiro

direto e a atuação das corporações transnacionais para que respondessem aos objetivos e

necessidades de desenvolvimento tal como definidas pelos países membros no âmbito

do processo de integração sub-regional.

2 Código compreensivo refere-se a conjunto de disposições que contemplem questões de admissão,

condições de operação e resolução de controvérsias, abrangendo o conjunto das interações entre o

investimento estrangeiro e os países hospedeiros.

Page 3: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

Por que discutir a D24 e a estratégia andina de integração? O olhar para a o

regime comum tratamento dado ao investimento estrangeiro e fluxos de tecnologia

nesse texto é motivado por duas razões: uma, pensar as experiências no que pode ter

significativo em termos das questões que estão postas no debate contemporâneo sobre o

o novo regionalismo pós-liberal, como o tema do desenvolvimento e das estratégias de

integração Sul-Sul , outra, pela natureza dos problemas de integração, como o lugar e

relação das multinacionais e investidores estrangeiros nos processos de integração de

países em desenvolvimento ou periféricos, aos quais a estratégia de harmonização de

políticas tentou responder. Ainda, o objetivo específico dessa comunicação, é

considerar a relevância das políticas de regulação investimento estrangeiro e de

tecnologia tal como desenhada pelo grupo andino no cenário do debate internacional

sobre políticas de investimento, como sobre os códigos de conduta para as

transnacionais.

O texto divide-se em três partes. A primeira situa a formação do grupo andino no

cenário da integração latino americana, destacando aspectos que conduziram a formação

do gruo sub-regional; a segunda analisa as disposições do Código Andino,

especificamente a Decisão24, bem como das disposições 84-89, que trataram do

investimento estrangeiro e fluxos de tecnologia, com ênfase nas disposições específicas

que denotam sua originalidade; e a terceira destaca aspectos significativos da

experiência relativamente às inovações regulatórias apresentadas na regulação andina de

investimento estrangeiro.

I. O PACTO ANDINO NO CENÁRIO DA INTEGRAÇÃO SUL AMERICANA

NA DECADA 60

As disposições do Código Andino de Investimento só podem ser

compreendidas considerando o percurso da experiência de integração latino americana e

o debate sobre desenvolvimento nas décadas de 50 e 60, bem como os processos

políticos que conduziram a formação do grupo andino dentro da Associação Latino

Page 4: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

Americana de Livre Comércio (ALAC). Ao longo da década de sessenta verificaram-se

várias iniciativas de integração econômica na América Latina. No ano de 1960 formou-

se o Mercado Comum Centro Americano e a Associação Latino Americana de Livre

Comércio, a ALALC. Em 1968 foi estabelecida a Associação Caribenha de Livre

Comércio, e o Pacto Andino, este no período de 1969-1976.

O Consenso de Viña Del mar de 1969, segundo o qual o comércio e o

desenvolvimento direcionado para os Estados Unido e o investimento do setor privado

estrangeiro tinham poder para, e efetivamente agia como tal, para distorcer e frustrar as

percepções nacionais de quais deveriam ser as prioridades na aplicação dos recursos

nacionais. O artigo 33 do Consenso indicava a postura reativa diante do ajuda externa

para o desenvolvimento e o investimento estrangeiro do setor privado deveria ser

desprezado. A relação entre ajuda externa e expansão do investimento privado dos

Estados Unidos era um elemento central na arquitetura da hegemonia americana desde o

pós-guerra, daí a identificação entre multinacionais e interesses da política externa

americana.

Foi no encontro em Bogotá, quando os presidentes do Chile, Colômbia e

Venezuela e representantes de Equador e Peru, iniciaram discussões para criação do

Mercado Comum Andino. O objetivo era tratar dos problemas econômicos, em

particular os que eram derivados da ALAC. A insatisfação com os resultados da

integração conduziram ao Acordo de Cartagena, em maio de 1969, quando se constituiu

um grupo sub-regional, dentro da Associação Latino Americana de Livre Comércio, o

Pacto Andino.

A integração foi resultado da reação dos países andinos as desvantagens da

integração da ALALC que beneficiava os países mais industrializados enquanto

permanecia restritos a exportação de produtos primários. Esse projeto havia sido

proposto pelos Estados Unidos no contexto da Aliança para o Progresso.

Page 5: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

The major weakness was the member nations' extremely diverse representation of levels

of development, ranging from countries with a relatively strong economic base and

sizeable markets, such as Brazil, Argentina and Mexico, to countries like Ecuador and

Bolivia still striving to establish foundations in light industry. It was the fervent hope of

the poorer members that these disparities could be reduced, with some tangible proof

seen by the end of their first decade of cooperation. (Kearns, 1972, p. 228)

Avery e Cochrane (1973: 183-184) indicam fatores apontam razões pelas

quais os países andino decidiram criar o mercado comum (AVERY e COCHRANE, 1973,

p.186) A insatisfação com a distribuição dos benefícios e o medo dos “Três Grandes”,

ABRAMEX (Argentina, Brasil e México) que dominavam o comércio de bens

industrializados e semi-acabados (KEARNS,1972:228). As dificuldades de mudança no

interior da ALALC apesar de várias propostas de líderes políticos como Frei Montalva

do Chile em 1964 e Lleras Restrepo da Colômbia, e nas conferências da Cepal ou

promovidas individualmente pelos países, como Presidente Belaunde Terry do Peru.

O Acordo de Cartagena previa adoção progressiva de estratégias para o

desenvolvimento sub-regional, com a coordenação dos planos de desenvolvimento em

setores específicos e harmonização de política social e econômica para alcançar um

desenvolvimento integrado nas áreas das ações planejadas3. Essas medidas seriam

simultâneas e coordenadas para à criação de um mercado sub-regional e previam a

criação de um programa de desenvolvimento industrial, agrícola e agroindustrial, de

infraestrutura física bem como programa intrarregional de liberalização de serviços. A

harmonização das políticas fiscal, financeira, monetária e cambial, incluía o tratamento

do capital sub-regional ou estrangeiro, uma política comercial comum em relação a

3 O texto integral do Acordo de Integração Sub-regional Andino, o Acordo de Cartagena, encontra-se em:

http://www.comunidadandina.org/ingles/normativa/ande_trie1.htm

Page 6: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

terceiros países, com tarifa externa comum e harmonização dos métodos e técnicas de

planejamento.4

Em fevereiro de 1973, através do Consenso de Lima, a Venezuela passou a fazer

parte enquanto Chile abandonou o Pacto Andino em outubro de 1976. A Decisão 24 do

Pacto Andino foi abolida em maio de 1987, sendo substituída pela Decisão 220 que

permitiu a cada país adotar um regime próprio de investimento. No início dos anos 90, o

Pacto Andino estava efetivamente submetido aos esquemas de integração e cooperação

comercial da América do Sul, dentro no novo contexto de integração e inserção

internacional.

A Decisão 24 do Pacto Andino foi abolida em maio de 1987, sendo trocada pela

Decisão 220 que permitiu a cada país adotar um regime próprio de investimento. No

início dos anos 90, o Pacto Andino estava efetivamente submetido aos esquemas de

integração e cooperação comercial da América do Sul (BREWER, 2000:104-105) e

compartilhou o mesmo destino com outras políticas de cunho desenvolvimentista e de

substituição de importações que tinham norteado o horizonte das políticas econômicas e

estratégias de inserção internacional. Para Sauvant e Aranda

… result of domestic differences, significant divergences soon appeared in national

regimes. Over time, individual countries began to distance themselves from Decision

24, as they became more interested in attracting FDI flows. (SAUVANT e ARANDA,

1994:98-99)

Até então estes países tinham mantido uma posição de abertura relativa ao

investimento estrangeiro, para o qual não existia uma legislação específica. A

nacionalização das empresas extrativas de recursos naturais (petróleo) e de serviços

públicos, o capital externo teve suas áreas de investimento restringidas. O desenho do

código representou uma mudança da atitude em relação ao investimento estrangeiro que

historicamente constitui uma preocupação, especialmente as empresas multinacionais. O

4Uma análise detalhada da rationale econômica das políticas de integração andina encontra-se em

(MYTELKA, 1979) (AVERY, COCHRANE, 1973)

Page 7: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

código de investimento ampliava a participação doméstica no controle sobre o conjunto

dos setores da economia, instituiu uma alternativa a dominação econômica do capital

estrangeiro.

O Acordo de Cartagena estabeleceu um amplo arco de disposições. No

Capítulo terceiro, relativo a relações exteriores, previa a criação de uma política externa

comum e formulação da posição do grupo sub-regional nos fóruns e organizações

internacionais. O mercado sub-regional constituía não um fim em si mas um mecanismo

articulado com os objetivos maiores do processo de integração. Na verdade a

liberalização comercial e redução tarifária, bem como as regras de origem, respondiam

ao intento mais amplo.

No Capítulo IV o Acordo dispunha sobre a harmonização de políticas

econômicas e coordenação dos planos de desenvolvimento com a previsão de adoção

progressivamente de estratégias para o desenvolvimento sub-regional (art.53),

coordenação dos planos de desenvolvimento em setores específicos e harmonização de

política social e econômica para alcançar um desenvolvimento integrado nas áreas das

ações planejadas (art. 54). Essas medidas seriam simultâneas e coordenadas com a

criação do mercado sub-regional: programa de desenvolvimento industrial; programas

de desenvolvimento agrícola e agroindustrial; programa de desenvolvimento de infra-

estrutura física, programa intra-regional de liberalização de serviços; harmonização das

políticas fiscal, financeira, monetária e cambial, incluindo o tratamento do capital sub-

regional ou estrangeiro; uma política comercial comum em relação a terceiros países,

com tarifa externa comum e harmonização do planejamento.

O artigo 55 previa a criação de um sistema comum de tratamento de capital

estrangeiro e de marcas, patentes, licenças e royalties e o art. 56 a instituição de um

regime uniforme para as empresas multinacionais andinas.

O comércio ficava submetido aos objetivos políticos e ao programa de

desenvolvimento com harmonização de políticas e consideração das diferenças entre os

Page 8: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

membros o que deu viabilidade política ao Acordo. A estratégia de negociação,

comércio e investimento, reconhecia que estes não geram resultados per si para as

economias hospedeiras e seria necessário evitar que os investidores burlassem os

mecanismos de integração. O que explica a concepção do Pacto em particular o desenho

ao tratamento do investimento estrangeiro.

O Acordo com vigência a partir de 1972 buscou harmonização, não

uniformização, preservando diferenças nacionais no cumprimento das disposições do

Acordo. O modo como o arranjo de integração andino contemplou as divergências

internas do Grupo, no âmbito dos Estados, com a criação de um mecanismo

supranacional, a Junta e o espaço de debate e articulação com os setores privados

nacionais constituem aspectos originais no curso da integração naquela quadra histórica.

A concepção de desenvolvimento e o papel do investimento estrangeiro privado

pressupostos no projeto de integração são destacados por Olivey (1972: 769). O

desenvolvimento e integração exigiam continua e significativa transferência de

tecnologia e capital dos países desenvolvidos. Nessa visão o investimento privado

estrangeiro e o know-how preencheria o gap causado pelo suprimento insuficiente de

capitais e tecnologias locais e a assistência ao desenvolvimento do setor público. Os

efeitos negativos associados à presença do investimento de propriedade estrangeira

deveriam ser regulados em conformidade com as necessidades dos Estados, bem como

interferências com o crescimento do setor privado nacional e perda da capacidade

efetiva das nações para fazer e executar políticas nacionais. Aspectos que foram

incorporados nas disposições que colmataram o projeto de integração andina.

Do conjunto de questões colocadas pelo grupo andino que levaram a criação do

bloco sub-regional, podemos destacar aspectos importantes para discussão: assimetrias

produtivas em experiência, papel do investimento estrangeiro e modo de inserção

internacional dos países membros, estratégias política internacional e natureza dos

regimes domésticos e consideração de interesses estratégicos...fim do pacto e busca de

Page 9: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

alternativas nacionais diante de inflexões determinadas pela mudança do cenário

internacional e orientação da política domésticas.

2. O CÓDIGO ANDINO DE INVESTIMENTO, A DECISÃO 24

O que há de inédito no Código Andino? Várias interpretações do Código e

da experiência andina de integração destacam sua peculiaridade e ineditismo porque foi

a primeira experiência de política intergovernamental para regulação das empresas

multinacionais, considerando a influência que o capital internacional poderia exercer

sobre a distribuição dos benefícios advindos do processo de integração5. Essa posição

tinha sido manifestada em 1966 na “Declaração de Bogotá” quando os presidentes de

Colômbia, Chile, Equador, Peru e Venezuela indicaram as bases doutrinárias do Acordo

de Cartagena, afirmando:

Consideramos que el capital privado extranjero puede realizar un aporte

considerable al desarrollo de América Latina, siempre que estimule a capitalización

del país onde radique; facilite la participación amplia del capital nacional en ese

proceso y no cree obstáculos para la integración regional. (TIRONI, 1978: 73)

Nesse sentido, em função da alta prioridade atribuída a formulação de uma

política comum face ao capital estrangeiro, o “Regime comum de tratamento de capital

estrangeiro e tecnologia” a Decisão 24 abrangia dois grandes conjuntos de medidas,

uma relativa ao investimento estrangeiro direto e outro, a regulação de transferência de

tecnologia. Confira, portanto, um conjunto de as disposições fundamentais de uma

política tecnológica sub-regional com vistas ao desenvolvimento de tecnologia local

(Decisão 84) e as regulações para aplicação as regras de propriedade industrial (Decisão

85). Como explica Berrios (1981) definiu uma política para fluxos de tecnologia através

de investimento estrangeiro direto e para o tratamento do comércio de tecnologia, no

5 Outra tentativa de adoção de política comum para o capital estrangeiro entre países em desenvolvimento

foi a dos membros da East African Community (AVERY; COCHRANE, 1973:198)

Page 10: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

sentido de mudar as condições de operação das empresas no espaço econômica gerado

pelo processo de integração.

Um aspecto importante, destacado por Tironi, foi sua natureza de política global.

Ou seja, não pretendia apenas padronizar as políticas nacionais dos países membros,

pois, na condição de política comum mínima, preservava espaço de discrição para os

países membros, o que significava, como se explicita abaixo, certo grau de flexibilidade

no âmbito nacional ou mesmo o estabelecimento de normas mais estritas. Isto porque,

como explica o autor, a política “uniforme” em relação aos setores mais “relacionado”

com a integração, deixava outras áreas, como mineração, petróleo e recursos naturais a

critério das políticas de cada país. (TIRONI, 1978)

As várias medidas previstas no Código, de modo abrangente, visavam atender a

diversos objetivos. Dentre estes se destacavam a intenção de estimular a formação de

capital nos países receptores de investimento estrangeiro direto, favorecer a participação

do capital nacional no processo de integração, impedir que os investimentos externos

criassem dificuldades para a integração, coordenar o investimento para serem

consoantes as estratégias dos países membros, dar acesso a tecnologias modernas, sem

as limitações de distribuição e venda de produtos em que estas estejam incorporadas;

conferir estabilidade ao investimento que gerasse contribuições positivas ao

desenvolvimento do país hospedeiro e colaborar com uma distribuição “equitativa” dos

ganhos da integração, em particular no caso dos países andino menos desenvolvidos.

(TIRONI, 1978:74) (THARP, 1976)

Dos compromissos estabelecidos no acordo sub-regional para harmonização e

coordenação de políticas em diferentes áreas como política econômica, social, fiscal e

cambial bem como planejamento da agricultura, a mais importante foi a que se referiu

ao tratamento do investimento estrangeiro. A Decisão 24, no seu texto básico, foi

adotada em 31 de dezembro de 1970, chamada de “Regime comum para tratamento do

capital estrangeiro, marcas, patentes licenças e royalties”, resultado de estudos de grupo

de especialistas. Várias pesquisas tinham sido realizados sobre práticas de produção,

Page 11: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

acordos jurídicos e financeiros de corporações em cada país participante, por autores

como Constantine Vaitsos6 e Miguel S.Wionczek, sendo este último quem redigiu o

primeiro esboço do Código, bem como publicaram importantes trabalhos e relatórios

sobre as questões implicadas no regime andino de regulação.

Do ponto de vista do seu conteúdo substancial, do Código Andino estabeleceram

as medidas regulatórias e disposições prevendo mecanismo de supervisão da execução

no âmbito da Junta, bem como a criação de agências nacionais para registro e

monitoramento, em especial em relação a transferência de tecnologia7. (MYTELKA,

1979)

Um aspecto central da D24 é a classificação do investimento considerando as

distinções entre propriedade e controle acionário em virtude do qual as empresas eram

consideradas: nacionais, mistas ou estrangeiras. A empresa que pretendesse usufruir das

vantagens da integração como baixas tarifas no mercado andino, deveria converter-se

em mista ou nacional. Na empresa mista 49% do controle acionários seria de

estrangeiros e 51% de nacionais e na empresa nacional, a participação estrangeira seria

no máximo de 19% e a nacional de no mínimo 81%, Outra seria a empresa

multinacional regional em que o percentual de propriedade estrangeira seria de até 40%.

As empresas teriam8 um prazo de 15 anos, 20 no caso de Bolívia e Equador, para

adaptarem-se as novas regulações.

6 Vaitsos foi diretor do grupo de Política de Ciência e Tecnologia do Acordo de Cartagena. Em Vaitsos

(1976) o autor trata do debate sobre a revisão do sistema internacional de patentes sob a perspectiva do

informou as posições assumidas na integração andina.

7 Cabe destacar que a criação de agência para monitoramento do investimento estrangeiro e da avaliação

de seus “benefícios líquidos” para a economia nacional foram usados no Canadá como a Foreign

Investment Review Agency (FIRA), que tinha como foco a participação do investimento oriundo dos

estados Unidos. Nos EUA, em 70, também foi criado o Committe on Foreign Investment in United

States(CFIUS), com a tarefa de supervisionar as fusões e aquisições, em especial aquelas que podem dar

acesso á tecnologias sensíveis a empresas e investidores estrangeiros. (SILVA, 2011)

8 As empresas que autuavam nos setor extrativismo seriam isentas das regulações de propriedade embora

devessem operar sob contratos de concessão submetidos ás diretriezes do mercado comum andino.

Page 12: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

A partir dessa classificação estabeleceram as demais disposições do código: -

determinação de condições para entrada de novo investimento estrangeiro direto,

chamadas de condições pré-estabelecimento ou restrições de entrada; - criação das

agências nacionais para o registro e revisão dos contratos de investimento (Art. 5-6); -

proibição de novos investimentos em vários setores, tais como serviços públicos,

seguros, comércio bancário e financeiro, transporte, setores de comunicação e

publicidade9 (art. 41-44); - regulação da repatriação do capital investido e de remessa de

lucros anual de 14% do capital registrado (art.37); - exigência de desinvestimento para

diminuir para níveis minoritários o controle sobre as empresas; assim todas as empresas

já estabelecidas de propriedade estrangeira parcial ou integralmente bem como os novas

empresas estrangeiras que desejassem usufruir das benesses da liberalização tarifária

intra-regional deveriam assumir obrigações de desinvestimento num determinado tempo

(art. 27-29, 30); - limitava o acesso das empresas estrangeiras ao crédito local de médio

e longo prazo (art.17); - proibia o re-investimento por empresas estrangeiras de mais de

5% dos lucros anualmente, sem revisão e aprovação (art. 13) e impunha aos membros a

criação de uma rede para troca de informações relevantes sobre o investimento

estrangeiro direto e transferência de tecnologia incluindo os dados sobre os preços de

produtos intermediários (art. 6, 48); - criação de agência nacional para registro e revisão

de todos os contratos de transferência de tecnologia (art.18); - exige a identificação do

valor de cada elemento nos pacotes de tecnologia importados (art.19); - proibia as

cláusulas restritivas anteriormente incorporadas nos contratos de tecnologia (art.20-25);

- programa para desenvolvimento de tecnologia apropriada à sub-região. (art.23)

(MYTELKA, 1979)

A transformação de empresas estrangeiras em empresas mistas ou nacionais, as

exigências de desinvestimento é um dos aspectos mais polêmicos da D24 e tinha um

papel central na lógica da política comum. As empresas que não desejassem desinvestir

poderiam exportar para países fora do grupo; as que optassem pelo desinvestimento

9 Importante observar que aplicavam as mesmas restrições que vigoravam nos Estados Unidos.

Page 13: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

poderiam remeter os valores recebidos pela venda das ações. Essas operações de

financiamento dos grupos nacionais para aquisição de ações, no processo de

desenvolvimento dos setores privilegiados no programa da integração, seriam realizadas

pela Corporação Andina de Fomento (CAF). Para Fernandez e Ocampo (1975), esse

processo intensificou a dependência dos Estados em relação aos mecanismos

financeiros internacionais e constitui, segundo o autor, um dos problemas desse

processo.

Outro conjunto de medidas remete a questão do mercado de tecnologia. O

objetivo era impedir a continuidade das estratégias das empresas cujos contratos de

obrigavam “ao recebedor a comprar equipamentos, matérias primas, componentes de

compradores determinados, filiais ou matrizes. Conhecidas como práticas restritivas,

impunham obstáculos para o uso de tecnologia, como restrições de produção que

limitavam o volume de produção de produtos licenciados, restrições para uso de

tecnologias competitivas, pacotes que impediam o recebedor de utilizar a tecnologia em

projetos de desenvolvimento, exigência de pagamento de royalties sobre patentes não

usadas em pacotes de tecnologia, bem como de exportação de produtos produzidos com

as licenças. Enfim, a D24 , como explica Mytelka, fortaleceu a posição de negociação

das empresas nacionais “requiring the renegotiation of their technology contracts with

foreign firms as to reduce royalty payment, eliminate restrictive clauses, and

institutionalize procedures for divestiment and the registration of foreign investment.”

(MYTELKA, 1979:64)

3. SIGNIFICADO E IMPACTOS DO CODIGO ANDINO DE INVESTIMENTO

Page 14: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

O jurista americano Covey T. Oliver10 destaca a importância do Código,

destacando que foi a primeira iniciativa mundial multi-estatal ou de sistema regional de

restrições prévias sobre a entrada de investimento estrangeiro no setor privado por parte

de investidores externos aos “territórios combinados”, e do ponto de vista jurídico,

elogiava o refinamento das categorias utilizadas pelos formuladores da Decisão 24.

(OLIVEY, 1972:777)

A iniciativa andina teve efeitos importantes no decurso do tratamento do

investimento estrangeiro em múltiplas arenas. Conforme Sauvant e Aranda, a Decisão

24 delineou um modelo para muitos países em desenvolvimento que se inspiraram nessa

formula para padrões globais e nacionais para as atividades das corporações

transnacionais, tanto nas negociações no Código de Conduta da ONU para as empresas

quanto na OCDE que decidiu formular seus próprios padrões para as atividades das

corporações transnacionais e ao mesmo tempo, reforçar sua posição negociadora nas

questões relativas às multinacionais no nível multilateral em geral (SAUVANT,

ARANDA, 1974). Essa sua influência político-normativa, pode ainda ser identificada na

elaboração do esboço de Estatuto para o Tratamento de Investimento Estrangeiro, das

Corporações Transnacionais e Transferência de Tecnologia, pelo Comitê de

Especialistas em Investimento Externo Privado dos países não–alinhados,nas

Orientações de Comportamento para as empresas multinacionais, submetidos pelo

Grupo Latino Americano à Organização dos Estados Americanos em 1975. Neste

documento havia disposições parecidas coma Decisão 24 e indicavam o papel de

liderança dos países da América Latina na discussão sobre códigos internacionais para

regulação das empresas multinacionais.

10 O artigo de Covey Oliver é citado na literatura como a mais completa análise legal do código de

investimento andino. Olivey (1913-2007) foi professor de direito internacional e serviu como diplomata

dos Estados Unidos. Na Segunda Guerra foi membro do U.S. Board of Economic Warfare; serviu no

Departamento de Estado até 1949; foi nomeado por Kennedy em 1962 para o Comitê Jurídico Inter-

Americano da OEA; embaixador dos Estados Unidos na Colômbia por dois anos. In 1967 foi secretário

de Estado para os assuntos interamericanos e coordenador na Aliança para o Progresso. Ocupou a

presidência da American Society of International Law e foi editor do American Journal of International

Law bem como membro do Council of Foreign Relations, entre outros.

Page 15: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

Segundo Olivey (1972) o código andino, do ponto de vista jurídico, marcou o

início de uma nova fase. Até então os países exportadores de capital haviam tentado

estabelecer códigos de investimento como direito positivo, mas seus esforços foram

ignorados pelos países em desenvolvimento, como demonstra a analise das negociações

multilaterais ao longo do século XX, da Organização Internacional de Comércio (OIC)

e nos debates sobre códigos de conduta para transnacionais na ONU (CHUDSON,1996)

. Os países desenvolvidos pretendiam formular um código universalista, baseado nos

princípios do direito internacional público, enquanto o Código Andino era parte das

obrigações legais assumidas pelos membros sob o Acordo de Cartagena, e deveriam

efetivar-se nas legislações nacionais, portanto no âmbito do exercício soberano de

formulação de políticas.

..new phase, one in which direct investment-receiving , or host, countries, organized

into groups or regional arrangements, compact among themselves that a comprehensive

normative system shall prevail in each of them as to the legal relationships between

foreign investors and each of the those countries. Although foreign investment codes for

particular states, including systems of prior restraints on entry in some developed

countries, are not new, the Andean Foreign investment Code is, indeed, a new juristic

phenomenon. (OLIVEY, 1972, 763)

Um aspecto importante do Código foi é ausência de referência aos padrões

internacionais mínimos para o tratamento dos interesses econômicos dos estrangeiros,

que havia sido tão debatido nas décadas anteriores. Divergindo das análises

ideologicamente orientadas, a análise do jurista observa que não há no texto nenhum

princípio conflitante com os princípios gerais do Direito Internacional. Olivey (1972)

destaca que traços importantes do Código como as restrições de entrada, não são ilegais,

o controle informações seriam apenas o exercício do poder de política, e o

desinvestimento não é forçado, apenas induzida e a venda de ações transferindo

propriedade para o governo ou mercado privado nacional é prevista.

Page 16: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

Outro aspecto remete ao conceito de tratamento nacional, central no arcabouço

dos princípios do sistema de negociações comerciais do Acordo Geral de Tarifas e

Comercio (GATT). O artigo 50 afirmava que os países membros não concederão aos

investidores estrangeiros tratamento mais favorável do que o concedido aos investidores

nacionais. Ou seja, retomando a Cláusula Calvo, derivada da Doutrina Calvo, segundo a

qual o melhor tratamento a que um estrangeiro poderia aspirar em outro país é um

tratamento igual ao dos nacionais, portanto submetido à jurisdição do Estado e sem

direito a privilégios que derivem de sua condição de estrangeiro.

Vaitos (1976) observa que a aprovação da legislação de propriedade industrial

foi fortemente criticada pelas empresas estrangeiras e seus representantes locais.

Especificamente o artigo 28 da Decisão 85 que proibia a garantia de privilégios de

patentes sobre importações e direitos exclusivos era limitado a produção local. Os

“spokemen for foreign enterprises commenting of this article indicated that, in effect, it

abolished patent protection for most of the cases where patents are granted in the

Andean Pact.”(Vaitsos, 1976:88).

Berrios considera que a experiência andina marcou uma transformação na

política em relação ao lugar do Investimento estrangeiro no debate sobre o

desenvolvimento.

“Hacia fines de 1960 y a comienzos de los 70, la emergencia del nacionalismo

económico en los países andinos trajo una significante modificación en la política hacia

la inversión extranjera. Las actitudes nacionalistas que surgieron de la teoría da

dependencia, no significaron toral oposición al capital foráneo sino que simplemente

quisieron cambiar la naturaleza de la inversión extranjera. Las políticas nacionalistas

no son incompatibles con una mayor integración en la economía mundial, ya sea a

través del mercado o un acercamiento más intenso a las empresas transnacionales.

(BERRIOS, 1981:119)

Consideramos que o Código Andino definitivamente não pode ser chamado de

“romântico”, pois o deslocamento dO foco do debate de restrição do investimento para

o desenho de políticas que consideraram questões como a natureza do mercado de

tecnologia, competitividade e estratégias de desenvolvimento relacionadas com

Page 17: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

investimento e comércio que se colocaram no cenário da política internacional nos anos

90 são indicativos de uma cenário muito fértil para reflexão.

Ainda, como explica Mytelka, as disposições não pretenderam impedir o fluxo

de investimento direto ou transferência de tecnologia, mas regular de modo a considerar

as possibilidades de desenvolvimento a partir de certos mecanismos de política

econômica. Os dados sobre o volume de investimento nos países andinos no período de

19710-1976 mostrados por Tironi (1978:100-107) indicam que não houve redução do

investimento, apesar das críticas e resistência, em especial dos investidores norte-

americano.

Em síntese, consideramos que o impacto das inovações normativas do Código

criou novos elementos para o debate regulatório articulando investimento,

desenvolvimento e comércio; tem relevante significado político, na medida em que

exerceu um papel no debate sobre os códigos de conduta das empresas multinacionais

na ONU através de uma posição comum para as instâncias de negociação internacional

dos países membros e implicações no desenho dos projetos de regulação dos países

desenvolvidos, especificamente as propostas da OCDE que foram desenhadas

reativamente as proposições do Código e que ganharam cena internacional a partir das

discussões do Acordo Multilateral de Investimento e no Capítulo 11 do NAFTA

(BREWER, 2000).

As negociações de investimento que ocorreram ao longo da Rodada Doha da

Organização Mundial do Comércio (OMC) e a trajetória conflitiva do Acordo

Multilateral do Investimento envolveram concepções regulatórias e disposições

normativas que resultaram de uma proposição reativa dos países desenvolvidos ao

modelo constituído na experiência andina de integração. O texto destaca o protagonismo

das iniciativas latino-americanas na política internacional no que tange à capacidade de

proposições alternativas, e, em particular no campo da regulação do investimento

estrangeiro, sua influência na determinação dos projetos regulatórios que emergiram na

década de noventa sob o desenho liberal.

Page 18: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

O debate contemporâneo sobre o regionalismo pós-liberal (BASTOS, 2012)

certamente pode localizar questões significativas para as quais será preciso ensejar

novas respostas, como indagações sobre o lugar das políticas de investimento

estrangeiro nos processo de integração, a compreensão das estratégias das empresas

multinacionais no espaço econômico que emerge da integração, e as possibilidades

relativas a políticas de inovação e competitividades nas estratégias de integração

regional de países dependentes (IZERROUGENE, 2007) (BIERSTEKER, 1980).

O Código Andino de Investimento, apesar de suas limitações e dos

condicionantes históricos que marcaram o seu percurso, representou um momento muito

significativo, do ponto de vista dos países periféricos, no longo e conflitivo percurso de

debates e negociações internacionais sobre o investimento estrangeiro e sobre a natureza

dos institutos normativos de regulação da atividade econômica que permitam aos

Estados garantir efetividade de suas escolhas de políticas de desenvolvimento e

estratégias de inserção internacional sem limitar ou condicionar políticas públicas aos

interesses ou lógica dos investidores internacionais, seja na vertente produtiva ou

financeira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARMSTRONG, Frances. 1975. Political Components and Practical Effects of the

Andean Foreign Investment Code. Stanford Law Review, 27, 6:1597-1628. Disponível

em: http://www.jstor.org/stable/1228186 Acesso em: 26-03-2015

AVERY, William P., COCHRANE, James D. 1973. Innovation in Latin American

regionalism: the Andean Commom Market. International Organization, 24, 2:181-223.

BASTOS, Pedro Paulo Z. 2012. A economia política da integração da América do Sul

no mundo pós-crise. Observatório da economia global - Textos Avulsos, 10. Disponível

em:

http://www3.eco.unicamp.br/cecon/images/arquivos/observatorio/OBSERVATORIO_1

0.pdf Acesso em: 26/04/2015

BIERSTEKER, Thomas. 1980. The illusion of state power: transnational corporations

and the neutralization of host-country legislation. Journal of Peace Research, 17, 207-

221

Page 19: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

BIERSTEKER, Thomas. 1978. Multinationals, the state, and control of the Nigerian

economy. New Jersey: Princeton University Press.

BREWER, Thomas L.,YOUNG, Stephen. 2000.The multilateral investment system and

multinational enterprises. New York: Oxford University Press.

CHUDSON, W. A. 1996. "An impressionistic tour of international investment codes

1948-1994." In: KIRSHNER, O. (ed.) The Bretton Woods-GATT system: retrospect and

prospect after fifty years. New York : M. E. Sharp, 174-180

DUCATENZEILER, Graciela, DE LA FUENTE, Manuel. 1979. Acteurs et stratégies

dans le processus d'intégration économique en Amérique Latine. Canadian Journal of

Political Science / Revue canadienne de science politique, 12, 4 : 775-797.

FERNANDEZ, Raul A., OCAMPO, Jose F. 1975. The Andean Pact and state capitalism

in Colombia. Latin America Perspectives, 02, 3:19-35.

FFRENCH-DAVIS, Ricardo.1978. El Pacto Andino: un modelo original de integración.

in: TIRONI, Ernesto (comp.) Pacto Andino: carácter y perspectivas. Lima: Instituto de

Estudios Peruanos, 25-70

IZERROUGENE, Bouzid. 2007. Os obstáculos à integração de economias desiguais. O

caso do Mercosul. Cadernos PROLAM/USP 2:125 - 167. Acesso em 20/03/2015.

Disponível online: http://www.usp.br/prolam/downloads/2007_2_6

KEARNS, Kevin C. 1972. The Andean Common Market: a new thrust at economic

integration in Latin America. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, v.14,

n. 2: 225-249.

MYTELKA, Lynn K. 1977. Regulating Direct Foreign Investment and Technology

Transfer in the Andean Pact. Journal of Peace Research:155-184.

MYTELKA, Lynn Krieger. 1979. Regional development in a global economy: the

multinational corporation, technology, and Andean Integration. New Haven and

London: Yale University Press.

OLIVER, Covey T. 1972. The Andean Foreign Investment Code: a new phase in the

quest of normative order as to direct foreign investment. The American Journal of

International Law, 66, 4:763-784

SAUVANT, K. P., ARANDA, V. 1994. The international legal framework for

transnational corporations. in: FATOUROS, A. A.(ed.) Transnational corporation:

codes of conduct. New York: Routledge, 83 – 115

Page 20: REVISITANDO A DECISÃO 24: SIGNIFICADO E IMPACTOS DA ... · (AVERY, COCHRANE, 1973; TIRONI, 1978, MYTELKA, 1979). A política comum de tratamento do investimento estrangeiro privado

SILVA, E.A. 2011. A política de investimento estrangeiro dos Estados Unidos: conflito

de princípios na reforma do CFIUS. Tempo do Mundo, 3, 1:31-68

TIRONI, Ernesto. 1978. Políticas frente al capital extranjero: la Decisión 24. In:

TIRONI, E. (comp.) Pacto Andino: caracter y perspectivas. Lima: Instituto de Estudios

Peruanos, 71-110.

VAITSOS, Constantine V. 1976.The revision of the International Patent System: legal

considerations for a Third World Position. World Development, 4, 2:85-102.