revel 11 a transferencia grafo fonico fonologica na producao de sequencias ortograficas

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Fonética fonologia teoria da transferência

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  • CABAERO, M. B.; ALVES, U. K. A transferncia grafo-fnico-fonolgica na produo de seqncias ortogrficas ng do ingls (L2): uma abordagem conexionista. ReVEL. Vol. 6, n. 11, agosto de 2008. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].

    A TRANSFERNCIA GRAFO-FNICO-FONOLGICA NA PRODUO DE SEQNCIAS ORTOGRFICAS NG DO INGLS

    (L2): UMA ABORDAGEM CONEXIONISTA

    Mrcia Bueno Cabaero1 Ubirat Kickhfel Alves2

    [email protected] [email protected]

    RESUMO: Neste artigo, apresentamos os ndices de produo ilegal da plosiva velar [] nas seqncias ortogrficas ng do ingls, por aprendizes de nvel bsico e avanado de L2. Os dados sero discutidos com base em uma concepo conexionista de aquisio de segunda lngua. Ao caracterizarmos a produo da plosiva velar como o efeito da transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1 na produo da L2, discutiremos como o conexionismo v a transferncia L1-L2, bem como o papel do input grafado na trajetria dos aprendizes s formas-alvo. PALAVRAS-CHAVE: seqncias ng; aquisio de L2; transferncia grafo-fnico-fonolgica; conexionismo.

    INTRODUO

    Ao considerarmos a aquisio dos aspectos fontico-fonolgicos de uma segunda lngua (L2)3, ateno especial deve ser dada ao papel exercido pelo input escrito. No caso em que a L1 e a L2 compartilham o mesmo sistema alfabtico, possvel que o aprendiz tenda a transferir os padres grafo-fnico-fonolgicos4 da sua

    lngua materna para a lngua-alvo, do que resultam produes diferentes do falar nativo.

    1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.

    2 Universidade Catlica de Pelotas UCPel.

    3 O presente trabalho no faz distino entre os termos segunda lngua (L2) e lngua estrangeira (LE).

    4 Utilizamos, aqui, o termo grafo-fnico-fonolgico (cf. ZIMMER e ALVES, 2006), ao invs do termo

    grafema-fonema, para expressar a gradincia entre o fone fsico e o fonema (Albano, 2001, 2002), que, sob a concepo de aquisio de linguagem que serve de alicerce para este trabalho, mapeado de forma distribuda e paralela no crebro.

  • Esse , de fato, o caso dos brasileiros aprendendo ingls. Uma vez que o portugus se caracteriza por uma relao grafo-fnico-fonolgica transparente e o ingls, por sua vez,

    apresenta uma relao opaca (cf. AKAMATZU, 2002), o aprendiz brasileiro tende a pronunciar as palavras da lngua alvo de acordo com a relao entre letras e sons de sua

    lngua materna (ZIMMER, 2004). O presente trabalho tem por objetivo investigar o fenmeno da transferncia

    grafo-fnico-fonolgica portugus-ingls manifestado na produo da plosiva velar [g] em seqncias ortogrficas ng finais. A seqncia ortogrfica final ng produzida,

    no ingls, como uma nasal velar [N], sem a presena do segmento plosivo final (ex. king [kHIN], dancing [dQnsIN]). Desse modo, para o aprendiz brasileiro de ingls, a produo de tais palavras implica no somente a capacidade de realizao do som nasal

    de maneira semelhante ao falar nativo5, mas, tambm, a no-produo da plosiva final

    [g], ainda que a forma grafada e os padres de decodificao leitora de sua L1 o induzam a inserir tal consoante. Objetivamos, dessa forma, verificar a ocorrncia do fenmeno de insero indevida de [g] em dois nveis de proficincia distintos, bem como investigar possveis diferenas nos ndices de produo de [g] em funo do contexto morfolgico em que a seqncia ortogrfica ng se encontra.

    O processo de transferncia grafo-fnico-fonolgico da L1 para a L2 ser discutido luz da abordagem conexionista de aquisio de linguagem. O conexionismo

    v a aquisio do conhecimento lingstico como um processo emergente, combinado a influncia do ambiente, do sistema cognitivo e da freqncia do input. Ao operarmos

    com uma noo emergentista de aquisio de linguagem, reconhecemos o papel primordial tanto do input acstico como do input escrito, e o jogo que ocorre no processamento dessas duas formas de input, a partir do qual a transferncia dos padres da L1 para a L2 pode ocorrer.

    O artigo ser desenvolvido da seguinte maneira: aps essa seo introdutria, apresentaremos, na Seo 1, uma viso geral do paradigma conexionista e suas consideraes sobre aquisio de L2, de modo a discutirmos a influncia da lngua

    materna no processo de transferncia grafo-fnico-fonolgica. A Seo 2 explica a metodologia do experimento. A Seo 3 caracterizada pela descrio dos dados, que

    5 Uma vez que temos por objetivo a verificao de um fenmeno que tenha como nico fator causador a

    transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos, no investigaremos, neste trabalho, a natureza fontica do segmento nasal produzido pelos aprendizes, de modo a nos determos unicamente na produo da plosiva velar.

  • sero discutidos luz da concepo conexionista de aquisio, na Seo 4. Finalmente, ao concluirmos o trabalho, retomamos os pontos de discusso principais e propomos questes para investigaes futuras.

    1. FUNDAMENTAO TERICA

    Nesta seo, iniciaremos apresentando as caractersticas basilares do paradigma conexionista, e a concepo de aquisio de linguagem defendida por esse paradigma.

    Em seguida, focalizaremos o processo de aquisio de L2, de modo a apontarmos as diferenas entre os processos de aquisio de lngua materna e de segunda lngua.

    Finalmente, abordaremos o processo de transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1 para a L2.

    1.1 O PARADIGMA CONEXIONISTA E A AQUISIO DE LINGUAGEM

    Segundo N. Ellis (1999, p. 23), o aprendizado de uma segunda lngua um ato de cognio par excellence. Explicaes acerca do processo de aquisio de linguagem, bem como da arquitetura cognitiva que possibilita tal processo, variam substancialmente em funo do paradigma de cognio a ser defendido pelo pesquisador. No contexto atual da psicologia cognitiva, destacam-se, sobretudo, dois paradigmas de cognio: o simblico e o conexionista.

    Para um entendimento acerca da concepo de aquisio de linguagem defendida pelo conexionismo, sob a qual o presente trabalho opera, preciso diferenciar os principais pontos divergentes entre esses dois paradigmas. Nesse sentido, preciso

    considerar o tratamento dispensado por ambos os paradigmas no somente no que diz respeito ao conhecimento da linguagem. Devemos discutir, tambm, como ambos os

    paradigmas vem o conhecimento em geral, e a relao estabelecida entre o conhecimento geral e o lingstico.

    Ao considerarmos os principais pressupostos do paradigma simblico, iniciemos fazendo meno sua grade nfase na existncia de representaes mentais abstratas, para dar conta da aquisio do conhecimento. Tal paradigma prioriza a descrio do processo de representao, enfatizando o carter modular do aprendizado, uma vez que

  • defende que o conhecimento processado e armazenado em dispositivos especficos de carter mentalista, com uma arquitetura de grande complexidade. Sob o paradigma simblico, adquirir conhecimento significa adquirir, atravs de um dispositivo abstrato, o conjunto de regras e smbolos que caracterizam um dado tipo de conhecimento em especfico.

    Em oposio aos pressupostos do paradigma simblico, a viso de aquisio de

    conhecimento advogada pelos defensores do paradigma conexionista dispensa mecanismos representacionais de carter abstrato (SHANKS, 2003, POERSCH, 2004, 20056) A diferena entre as arquiteturas dos mecanismos de aprendizagem simblico e conexionista reflete as divergentes concepes, mantidas por cada paradigma, frente

    questo da aquisio do conhecimento. Conforme explica N. Ellis (1999, p. 28), as hipteses conexionistas so verificadas a partir de simulaes, em modelos

    computacionais, caracterizados por uma grande associao de unidades de processamento conectadas em paralelo. O conhecimento representado atravs de redes conexionistas, que visam a explicar como o processamento ocorre de forma distribuda e paralela no crebro. As simulaes conexionistas devem dar conta do processamento

    no somente do conhecimento lingstico, mas de qualquer outra forma de conhecimento, atravs de uma arquitetura o mais simples possvel. Segundo N. Ellis

    (1999, p. 28),

    As unidades em uma rede artificial so tipicamente interconectadas multiplamente por conexes com foras e pesos variados. Essas conexes permitem que um nvel de atividade em qualquer uma das unidades influencie o nvel de atividade em todas as unidades a que estiver conectada. As foras da conexo so ento ajustadas atravs de um algoritmo de aprendizagem apropriado de tal modo que, quando um determinado padro de ativao aparecer em uma dada unidade, esse pode levar a um padro desejado de atividade a surgir em outro conjunto de unidades.

    A partir dos pressupostos conexionistas, a concepo de aquisio do conhecimento lingstico caracteriza-se, sobretudo, por se preocupar com os princpios gerais que permeiam no somente a aquisio do conhecimento lingstico, mas de qualquer outra forma de conhecimento, referente a diferentes domnios cognitivos. Dessa forma, dispensam-se mecanismos especficos para a aquisio da linguagem, uma

    6 Para uma discusso aprofundada acerca do vnculo entre os mecanismos de aprendizado conexionista e

    as redes neuroniais, com uma explicao de como se do os padres de ativao e desativao das unidades que compem uma rede, aconselhamos a leitura de Rumelhart e McClelland (1986), Shanks (1993) e Poersch (2004, 2005).

  • vez que o conhecimento lingstico adquirido como qualquer outra forma de conhecimento (MOTA e ZIMMER, 2006).

    A concepo conexionista de aquisio de linguagem volta-se para a verificao da lngua efetivamente em uso, que se caracteriza ao mesmo tempo como o input do

    processo desenvolvimental e a forma-alvo a ser atingida. O sistema lingstico adquirido a partir do papel fundamental a ser assumido pelo input a que o aprendiz

    submetido. defendida, dessa forma, uma concepo emergentista de aquisio da linguagem (ELMAN et al, 1996, N. ELLIS 1998, 1999, 2001, 2002, 2003, 2005; MacWHINNEY 1998, 2001).

    luz do emergentismo, a complexidade do sistema lingstico se origina de processos desenvolvimentais relativamente simples, a partir da exposio a um input rico o suficiente para propiciar o processo de aquisio. O conexionismo, atravs de

    suas simulaes em redes computacionais, fornece uma srie de ferramentas operacionais que permitem a verificao de como se d tal processo de aquisio. Conforme explica Gregg (2003), atravs dos modelos conexionistas de aquisio, o emergentismo capaz de implementar a sua teoria de transio desenvolvimental,

    caracterizando a evoluo dos estgios de aquisio. A partir da concepo de aquisio de linguagem descrita acima, o input

    constitui a evidncia positiva a partir da qual todas as regularidades lingsticas sero adquiridas, de modo que os aprendizes extraiam pistas lingsticas (cues) que competem e cooperam entre si (MacWHINNEY, 2001). Essas pistas lingsticas, ao serem somadas aos aspectos j previamente internalizados, caracterizam uma viso estocstica de aquisio de linguagem. De acordo com essa viso estocstica, o aprendiz capaz de tomar em conjunto mltiplas restries probabilsticas. Assim, alguns aspectos do input que, se tomados isoladamente, no exerceriam papel na emergncia do output produzido, podem vir a ser importantes quando tomados em conjunto com outros aspectos tambm presentes no input, ou ainda com outros padres informacionais que j haviam sido anteriormente ativados, na rede cognitiva (SEIDENBERG & McDONALD, 1999).

    Frente grande importncia dada ao input, considerado, juntamente com o ambiente de aprendizagem e a arquitetura cognitiva do aprendiz, um dos trs componentes fundamentais para o aprendizado lingstico (cf. MacWHINNEY, 2001), noes como a freqncia e a consistncia do input lingstico assumem especial

    importncia. N. Ellis (2002) enfatiza a relao entre o processamento lingstico e a

  • freqncia de dado aspecto no input lingstico, bem como a regularidade desse aspecto, uma vez que sero as regularidades mais freqentes as primeiras a serem extradas e a serem processadas pela rede cognitiva.

    O processo de aquisio da linguagem, dessa forma, caracteriza-se como lento e

    incremental. Ocorre, portanto, de modo no-linear, sem que possamos descartar a possibilidade de degradao de conhecimentos j adquiridos (desde que emergentes em baixa freqncia, em termos de input e output). Em outras palavras, sob essa concepo, as experincias lingsticas do indivduo encontram-se em constante estado dinmico, sendo sujeitas a mudanas sempre que um novo input for processado.

    A partir da considerao acima, preciso ressaltar o papel fundamental

    assumido pelo conhecimento prvio, que compreende informaes tanto de carter lingstico como no-lingstico. N. Ellis (2001, p. 46) explica que com base no conhecimento prvio que a noo chomskyana de criatividade lingstica deve ser revisitada. Assim, uma vez que a concepo conexionista de aquisio se mostra voltada para a lngua em uso, tanto o processo de aquisio como o uso da lngua envolvem os mesmos mecanismos cognitivos, o que caracteriza uma continuidade entre aquisio e

    processamento. Em outras palavras, o alvo da aquisio a lngua em uso, que corresponde ao prprio input lingstico a que o aprendiz exposto.

    Os pressupostos acima discutidos servem como base para o entendimento dos processos de aquisio de primeira e, tambm, de segunda lngua. Entretanto, ainda que ambos os processos sejam explicveis sob uma viso de aquisio que considere a lngua em uso, no podemos ignorar o fato de que os processos de aquisio de L1 e L2 so, indiscutivelmente, diferentes. preciso verificar, luz da concepo conexionista de aquisio de linguagem, como se do essas diferenas.

    1.2 O CONEXIONISMO E A AQUISIO DE L2

    A concepo de aquisio de L2 que norteia o presente trabalho segue os mesmos preceitos da caracterizao de aquisio de carter emergentista j descritos para o processo de aquisio de L1. Nesse sentido, caracteriza-se, tambm, como um processo estocstico com base no input, que a prpria lngua em uso. Conforme

    explica MacWhinney (2004), os processos de aquisio de L1 e de L2 devem ser vistos

  • atravs de um nico modelo conexionista, o que explicaria no somente o fato de que a aquisio de ambos os sistemas seguem os mesmos princpios, mas tambm a prpria influncia do sistema da primeira lngua sobre o da segunda, ou seja, a transferncia L1-L2.

    Embora tanto o processo de aquisio de L1 como o de L2 possam ser regidos pelos mesmos princpios, certos aspectos da L2 parecem nunca ser adquiridos, de modo

    que determinadas estruturas diferentes daquelas produzidas por um falante nativo se mostrem persistentes nas produes dos aprendizes. Conforme explica Gasser (1990), a transferncia de padres da L1 e da L2 um dos fenmenos que as redes conexionistas conseguem demonstrar com maior propriedade. Uma vez que no se concebem dois

    mdulos de aquisio, um para a L1 e outro para a L2, entendemos como um padro novo, menos fortemente instanciado, sofrer a influncia do padro mais forte. Essa a

    idia bsica da noo de transferncia L1-L2, na rede conexionista. A L2 comea a se desenvolver de maneira parasitria ou dependente, da L1. O

    entrincheiramento da rede cognitiva com os padres da L1 exerce um carter de grande importncia, pois, havendo novos padres lingsticos na L2, que devero ser

    processados e incorporados a uma rede fortemente engramada com a L1, os padres da lngua adquirida tendem a sofrer uma interferncia catastrfica (MacWHINNEY, 2004). dispensada, dessa forma, a noo de um perodo crtico geneticamente controlado para a aquisio de L2, uma vez que enfatizada uma noo de processamento cognitivo de carter interativo, dado que tanto a L1 como a L2 permanecem potencialmente ativas durante o processamento lingstico, em uma mesma rede (MacWHINNEY, 2004; TOKOWICZ e MacWHINNEY, 2005).

    Explicada a transferncia dos padres da L1 no processo de aquisio dos padres lingsticos da L2, na seo que segue focalizaremos um aspecto em especfico de transferncia da primeira para a segunda lngua: os padres fontico-fonolgicos.

    1.3 A TRANSFERNCIA GRAFO-FNICO-FONOLGICA

    Ao nos referirmos transferncia dos padres fontico-fonolgicos da lngua materna para a estrangeira, alm de se ressaltarmos a tendncia transferncia dos padres articulatrios de um sistema para outro, no menos necessrio considerar,

    tambm, a transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1 para a L2.

  • Quando tentam produzir as palavras da L2, os aprendizes normalmente estabelecem correspondncias entre as letras e os sons, de modo a seguirem os padres baseados nas regularidades ortogrficas encontradas na L1. Segundo Zimmer (2004, p. 61), no apenas a diferena entre sistemas fonolgicos que subjaz transferncia durante a recodificao leitora, mas tambm os princpios dos sistemas alfabticos da lngua-fonte e da lngua-alvo. Assim, h uma tendncia de transferncia dos padres do

    portugus, referentes relao entre a escrita e a produo dos sons, na produo oral em ingls, em que o padro de correspondncia grafo-fnico-fonolgica opaco. importante deixar claro que tal transferncia no se d apenas durante o momento da decodificao leitora, uma vez que pode ser automatizada de modo que as formas de

    output emergentes desta transferncia sejam tambm utilizadas durante situaes de fala espontnea do aprendiz (ZIMMER e ALVES, 2006; ALVES, 2007).

    Zimmer (2004) investigou os efeitos da transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos do portugus para o ingls em 9 processos, dentre os quais se encontrava a produo da nasal velar nas seqncias ortogrficas ng finais. Os dados revelaram que,

    dentre os nove processos investigados, o de produo indevida de [g] em seqncias ortogrficas ng finais foi o de maior ndice de ocorrncia, tendo ocorrido em altos ndices em todos os nveis de proficincia, inclusive nos mais avanados. Os ndices encontrados nos dados de Zimmer (2004), referentes a palavras monomorfmicas, foram confirmados pelos estudos realizados por Silveira (2007) e por Cabaero (2007), que, apesar de contarem com um nmero menor de tokens, revelaram, tambm, um alto grau de aplicao do fenmeno de insero da plosiva velar.

    As palavras utilizadas no estudo de Zimmer (2004) eram monomorfmicas, de modo que a seqncia ortogrfica ng no constitusse um morfema parte. No foram investigadas, no estudo em questo, palavras encerradas pelo morfema -ing, morfema

    esse altamente freqente na lngua, e ensinado pelos professores de L2 nos nveis mais bsicos de proficincia. O presente trabalho, em complemento ao estudo de Zimmer

    (2004), volta-se para a investigao tanto de palavras monomorfmicas (ex. king) como encerradas pelo sufixo ing (ex. dancing), de modo a questionar se h diferenas nos ndices de produo ilegal da plosiva velar em funo da natureza morfolgica da palavra que carrega tal seqncia, conforme sugerido em Cabaero (2007). Uma vez que os dados de Zimmer (2004) e de Cabaero (2007) apontam para ndices altos de produo da plosiva inclusive nos ndices mais adiantados de proficincia, nosso corpus

  • contar com dados de aprendizes dos nveis bsico e avanado, para que possamos verificar em que grau de adiantamento na L2 tal possvel diferena nos ndices de

    produo de [g] em palavras monomorfmicas e no sufixo -ing pode ocorrer. Maiores detalhes a respeito do corpus da pesquisa sero fornecidos na seo que segue.

    2. METODOLOGIA

    2.1 PARTICIPANTES

    Para levar esta pesquisa a termo, contatamos a coordenao do Departamento de Lnguas Modernas Lngua Inglesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de modo a recebermos autorizao para a realizao do estudo com alunos de 1 semestre do curso de Letras Ingls I.

    A pesquisa contou com um nmero total de 29 participantes. Uma vez que a investigao ainda se mostra em progresso, no presente estudo apresentaremos apenas

    os dados obtidos dos aprendizes de nveis bsico e avanado, que totalizam 12 informantes. Para a verificao de seus nveis de proficincia, os aprendizes foram submetidos ao teste de nivelamento Oxford Placement Test (ALLAN, 2004)7, a partir do qual os aprendizes foram classificados como de nveis Bsico, Intermedirio, Intermedirio-Superior e Avanado, sendo os sujeitos do primeiro e do ltimo nvel aqueles cujos dados sero discutidos neste trabalho.

    O Quadro 01, a seguir, apresenta uma descrio dos alunos cujos dados foram verificados no presente estudo.

    7 O Oxford Placement Test constitudo por questes de mltipla escolha de compreenso auditiva e de

    conhecimento gramatical. Conforme aponta Allan (2004), o teste foi validado a partir da sua aplicao, ao longo do perodo de cinco, a aprendizes de mais de 40 nacionalidades.

  • Inf. Idade Anos de estudo8 Nvel 01 19 08:04 Avanado

    02 18 12:03 Avanado

    03 17 09:00 Avanado

    04 17 13:01 Avanado

    05 18 05:00 Avanado

    06 19 03:03 Bsico

    07 24 06:00 Bsico

    08 18 08:01 Avanado

    09 18 08:04 Avanado

    10 28 08:00 Bsico

    11 19 00:03 Bsico

    12 20 00:04 Bsico Quadro 1 Informaes sobre os participantes do estudo

    2.2 INSTRUMENTO E COLETA DE DADOS

    Os dados foram coletados atravs de uma tarefa de leitura de palavras isoladas,

    apresentadas atravs de slides (arquivos de powerpoint) na tela de computadores. A tarefa contava no somente com palavras que apresentam a seqncia ortogrfica ng

    em posio final, mas tambm inclua itens vocabulares em que a seqncia se encontra

    em posio medial na palavra, tal como singer [sINr]9 e singing [sININ]. Ao incluirmos, na tarefa de leitura, palavras com a seqncia ortogrfica em posio medial, pretendemos futuramente verificar o comportamento do aprendiz no que diz

    respeito varivel posio da seqncia ortogrfica ng na palavra, ao questionarmos se o segmento ilegal da palavra sing, em posio final, tende a deixar de ser produzido anterior ou posteriormente ao abandono da plosiva das palavras em que tal segmento se encontra em posio medial, como em singer.

    8 Leia-se (anos:meses)

    9 Reconhecemos, entretanto, que alguns dialetos de carter no-padro do ingls americano e britnico

    possibilitam a produo de uma plosiva velar aps a nasal, como em [sINg] e [sINgr]. Conforme aponta Pennington (1996, p. 63), este o caso do dialeto da cidade de Nova York. Ainda assim, uma vez que provavelmente bastante reduzida a exposio a esses dialetos, por parte do aprendiz de ingls no Brasil, atribumos a produo de [g] aos efeitos da transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgica.

  • Para a seleo das palavras apresentadas no instrumento, utilizamos o dicionrio eletrnico Macmillan American English Dicitonary in CD-ROM. Tal dicionrio eletrnico disponibiliza o recurso chamado Sound Search, por meio do qual possvel solicitar listagens de todas as palavras do dicionrio que apresentam um dado som, em

    um contexto fontico-fonolgico pr-estabelecido. Dessa forma, foram selecionadas cinco palavras para cada tipo de ng final. O instrumento apresentava, tambm, uma

    srie de palavras distratoras, para evitar o reconhecimento do item em estudo. Todas as palavras dos instrumentos foram apresentadas cinco vezes para os aprendizes, o que totalizou 165 tokens a serem produzidos pelos aprendizes. As palavras foram apresentadas em trs arquivos do tipo .ppt (55 palavras cada), seguindo um ordenamento aleatrio.

    As gravaes foram feitas no laboratrio da universidade, atravs do programa

    Audacity Version 1.2.610. O uso do laboratrio possibilitou que mais de um aluno tivesse seus dados coletados ao mesmo tempo. Previamente coleta, o arquivo em PowerPoint foi instalado no computador principal do laboratrio, para que a seqncia de slides fosse exibida em cada um dos monitores de vdeo no momento em que a gravao tivesse incio. Cada um dos aprendizes encontrava-se usando um headset (microfone + fone de ouvido), o que possibilitou uma distncia igual entre o microfone e a boca do participante na produo de cada uma das palavras.

    Aps a coleta, os arquivos de dados, de extenso .wav, foram analisados acusticamente11, atravs do Programa Praat 5.0.25 (BOERSMA e WEENINK, 2008)12. A anlise acstica propiciou uma maior exatido na descrio dos dados, uma vez que a

    presena/ausncia do segmento plosivo [g] final pde ser facilmente verificada atravs da verificao das formas de onda sonora exibidas pelo programa. Transcritas todas as produes, os dados foram agrupados de acordo com o nvel de proficincia dos

    aprendizes (bsico ou avanado) e da palavra em que se encontra a seqncia ng (palavra monomorfmica ou sufixo -ing), conforme aponta a seo seguinte.

    10 O software Audacity pode ser baixado gratuitamente atravs do site http://audacity.sourceforge.net.

    Aconselhamos a leitura do contedo do site para maiores informaes acerca do programa. 11

    Agradecemos aos bolsistas de iniciao cientfica Julia Huf, Liane Lucas e Leonardo Peres (UCPel), pelo auxlio na etapa de anlise acstica dos dados. Somos gratos, tambm, a Nathalia Corra Morrone (UFRGS), por sua ajuda na etapa de coleta do material emprico. 12

    O software Praat pode ser baixado gratuitamente no site http://www.fon.hum.uva.nl/praat. Para maiores detalhes acerca do programa, aconselhamos a leitura do contedo da pgina eletrnica em questo.

  • 3. DESCRIO DOS DADOS

    Nesta seo, apresentamos os ndices de produo ilegal da plosiva dorsal [g] nas seqncias ng, com vistas a verificarmos o papel do tipo de palavra em que tal seqncia ortogrfica se encontra, nos dois distintos nveis de proficincia. Das 583 palavras analisadas, 261 (52,2%) apresentaram a consoante epenttica final, que constitui a evidncia da transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1 para a L2. Tal ndice global, entretanto, nada informa sobre os efeitos do tipo de palavra e do nvel de proficincia do aprendiz. Com vistas a discutirmos os efeitos desses dois

    fatores, apresentamos, na Tabela 01, os ndices de produo de [g] final em funo da palavra em que a seqncia se encontra, bem como do nvel de proficincia dos participantes.

    Bsico Avanado

    Monomorfmicas (ex. king)

    96,77% (120/124)

    77,71% (136/175))

    Sufixo -ing

    2,70% (3/111)

    1,16% (2/173)

    Tabela 1: ndices de produo da plosiva [g] em posio final, em funo do tipo de palavra e do nvel de proficincia dos aprendizes

    Os dados da Tabela 01 revelam uma diferena incontestvel nos ndices de

    produo da plosiva em palavras monomorfmicas e no sufixo ing. Verificamos, ainda, que tal sufixo tende a ser produzido de forma semelhante ao falar nativo desde o

    nvel inicial de proficincia, conforme mostram os baixos ndices de produo de [g] encontrados em nossos dados (2,70 %).

    Os resultados apontados na Tabela 01 vo ao encontro dos dados demonstrados

    em Zimmer (2004), referentes ao alto grau de produo do [g] final em palavras monomorfmicas13, alm de fornecerem uma informao adicional a respeito da

    produo da plosiva no sufixo ing. Fica claro, com os dados acima descritos, que a

    13 Houve, tambm, a preocupao de verificar possveis diferenas nos ndices de produo de [g] em

    funo da natureza individual de cada uma das palavras monomorfmicas utilizadas no teste (king, long, strong, song e thing). Nossa verificao, entretanto, apontou ndices praticamente iguais para cada uma dessas palavras.

  • produo da seqncia ortogrfica ng se mostra distinta da realizao fontica do sufixo ing. De fato, notamos, nas produes que envolvem tal sufixo, um padro de produo completamente contrrio ao encontrado na realizao de palavras como song e thing.

    Ainda no que diz respeito produo da plosiva indevida em palavras monomorfmicas, notamos uma queda no ndice de produo do segmento plosivo ao

    compararmos os nveis bsico e avanado, embora as produes indevidas sejam, ainda, superiores a 75% em ambos os nveis. Uma questo importante, sobretudo ao nos referirmos produo por parte dos falantes de nvel avanado, diz respeito possibilidade de haver diferenas individuais considerveis entre os participantes. Para

    discutirmos essa questo, apresentamos as Tabelas 02 e 03, que evidenciam os ndices de produo de cada um dos sujeitos, nos nveis bsico e avanado.

    Inf. 06 Inf. 07 Inf. 10 Inf. 11 Inf. 12

    Monomorfmicas (ex. king)

    92% (23/25)

    95,83% (23/24)

    100% (25/25)

    96% (24/25)

    100% (25/25)

    Sufixo -ing

    4,17% (1/24)

    9,09% (2/22)

    0 (0/25)

    0 (0/25)

    0 (0/15)

    Tabela 02: ndices de produo da plosiva [g] por cada um dos sujeitos de nvel bsico

    Inf. 01 Inf. 02 Inf. 03 Inf.04 Inf. 05 Inf. 08 Inf. 09

    Monomorfmicas (ex. king)

    52% (13/25)

    76% (19/25)

    40% (10/25)

    96% (24/25)

    88% (22/25)

    96% (24/25)

    96% (24/25)

    Sufixo -ing

    0 (0/25)

    4,17% (1/24)

    0 (0/25)

    0 (0/24)

    0 (0/25)

    4% (1/25)

    0 (0/25)

    Tabela 03: ndices de produo da plosiva [g] por cada um dos sujeitos de nvel avanado

    As diferenas individuais se mostram mais notveis entre os aprendizes com um

    maior grau de adiantamento na L2, conforme revela a Tabela 03. Ainda que todos os participantes em questo tenham sido considerados como de nvel avanado, os dados sugerem que os informantes se mostram em estgios de desenvolvimento distintos, no que diz respeito ao abandono da transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1. Os Informantes 01 e 03 encontram-se em uma etapa mais avanada de abandono da

  • produo da plosiva, sobretudo se comparados aos Informantes 04, 08 e 09. Conforme veremos a seguir, atribuiremos tais diferenas hiptese de que os aprendizes 01 e 03 j notam (cf. SCHMIDT, 1990, 1994, 2001)14 mais intensivamente as diferenas entre a forma grafada e a forma efetivamente pronunciada, o que corresponde ao primeiro

    passo para que a forma-alvo passe a ser produzida. importante considerarmos, ainda, o fato de que nenhum aprendiz de nvel

    avanado apresentou um ndice de 100% de produo da plosiva. Esse fato pode ser visto como bastante importante, uma vez que nos leva a sugerir que, ainda que em trajetrias desenvolvimentais distintas frente ao fenmeno, todos os aprendizes desse nvel j parecem ter notado em um determinado grau, implcita ou explicitamente, o fato de que a seqncia ortogrfica ng no produzida com o segmento plosivo, em posio final. Acreditamos, assim, que todos os aprendizes desse nvel possivelmente j deram incio etapa de abandono do processo de transferncia grafo-fnico-fonolgica da L1, na produo da seqncia ortogrfica ng.

    Apresentamos, na seo que aqui se encerra, os dados de produo tanto em

    palavras monomorfmicas como nas encerradas pelo sufixo -ing. Os ndices descritos mostraram-se importantes por evidenciar uma diferena nas taxas de produo da

    plosiva velar em funo de a seqncia ortogrfica se encontrar no sufixo -ing ou no. Resta discutir, com base na concepo terica de aquisio que embasa o presente trabalho, possveis explicaes para essa diferena. Isso ser feito na seo que segue.

    4. DISCUSSO DOS RESULTADOS

    No que diz respeito produo das palavras monomorfmicas pelos falantes de nvel avanado, devemos discutir, primeiramente, as diferenas individuais entre os

    aprendizes, apontada na Tabela 03. Atribumos tais diferenas no somente freqncia de exposio de cada um dos aprendizes ao input acstico da L2, mas tambm ao grau

    de noticing desse input acstico. Em outras palavras, preciso, de fato, que o aprendiz

    14 Maiores detalhes sobre a concepo da Noticing Hypothesis de Schmidt (1990, 1994, 2001) sero

    fornecidos na seo que segue, em que discutiremos os dados a partir da concepo terica de aquisio de L2 que embasa o trabalho.

  • note a diferena entre a forma escrita e a forma grafada, de modo a verificar que a

    seqncia grafmica ng produzida como um s segmento na L2, a nasal [N]. A necessidade de notar os detalhes presentes no input para o instanciamento do

    processo de aquisio foi primeiramente implementada no trabalho de Schmidt (1990), em que o autor apresenta a sua Noticing Hypothesis. De acordo com tal hiptese, notar os detalhes da forma lingstica presentes no input caracteriza-se como condio suficiente e necessria para que o input seja convertido em intake. A partir desta noo de noticing, Alves e Zimmer (2005) ressaltam que, no caso da aquisio fonolgica, notar implica muito mais do que a mera percepo auditiva do sinal acstico. Em outras palavras, no caso do fenmeno aqui investigado, no basta que o aprendiz oua a nasal

    velar final de palavras como king e sing; necessrio, alm disso, notar o fato de que um dos grafemas no produzido oralmente, ao contrrio do que ditaria a relao grafo-fnico-fonolgica da lngua materna. importante mencionar, nesse sentido, que os aspectos de menor salincia perceptual, ou de menor contribuio para a compreenso do enunciado, tendem a ser os ltimos a serem notados, nos casos em que chegam a ser. Assim, a plosiva dorsal parece ser um bom exemplo de um aspecto difcil de ser notado,

    sobretudo porque a sua produo, por parte do aprendiz, no implica problemas de inteligibilidade na fala.

    Tomando-se a noo de noticing como uma das bases explanatrias para os

    dados acima apresentados, devemos discutir os motivos pelos quais as seqncias ng no sufixo -ing j so devidamente processadas inclusive pelos aprendizes de nvel mais bsico, o que no ocorre no caso das palavras monomorfmicas empregadas neste estudo. Como resposta, precisamos reconhecer no somente a alta freqncia de tal sufixo, mas tambm a consistncia do mapeamento grafo-fnico-fonolgico do

    morfema em questo, uma vez que esse sempre produzido foneticamente como [IN]. Alm disso, no podemos descartar a hiptese de que, ao receber instruo gramatical formal sobre o sufixo -ing, os aprendizes tenham sido instrudos explicitamente acerca da pronncia de tal sufixo, o que tambm representaria um fator de grande importncia para facilitar o processo de noticing.

    Ao considerarmos as palavras monomorfmicas produzidas pelos participantes,

    verificamos altssimos ndices de produo de [g] no nvel mais baixo de proficincia, o que pode ser explicado frente pouca experincia dos informantes com o input acstico da L2, que levaria o aprendiz a abandonar o padro grafo-fnico-fonolgico da L1. Em

  • funo disso, as novas formas da L2 sofrem a influncia do padro de mapeamento grafo-fnico-fonolgico da L1, fortemente entrincheirado, de acordo com o qual a letra g deve ser sempre pronunciada, na leitura em voz alta.

    Em suma, parece no ter havido o noticing, por parte do aprendiz, do fato de que

    o grafema g no deve ser pronunciado, de modo anlogo ao que ocorre com o sufixo -ing. No havendo o noticing, reforado o padro caracterizado pela produo do

    segmento da escrita na decodificao leitora. A emergncia do padro da L1 caracteriza-se, na verdade, como um caso de reforo do padro indesejado.

    As consideraes acima feitas nos remetem s concluses obtidas por meio da simulao conexionista de McClelland (2001). Ao estudar a incapacidade, por parte de alguns aprendizes, de distino e produo de sons do ingls por japoneses, o autor discute a noo de modificao sinptica Hebbiana. De acordo com McClelland

    (2001), h uma tendncia de se fortalecerem os aspectos que a rede cognitiva j est acostumada a reforar, de modo que itens novos a serem aprendidos, que se mostrem bastante semelhantes aos comumente fortalecidos, tendam a ser tambm reforados como instncias do aspecto que regularmente engramado, ou seja, aquele da L1. Em outras palavras, o padro da L1 fortalecido e cada vez mais instanciado, medida que as formas da L2 continuarem a ser produzidas de acordo com o padro da lngua

    materna. Fica caracterizada, assim, a noo de reforo indesejado, em que a prpria tentativa de produo na L2 deixa o padro da L1 ainda mais forte.

    Acreditamos que a noo de reforo Hebbiano se mostra operante no somente no que diz respeito distino dos sons da L2, mas tambm no que concerne ao reforo dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1 na produo em L2. Esse , justamente, o caso da produo de [g] nas seqncias ng. A produo indevida do segmento consonantal caracteriza, em outras palavras, a retomada do padro da L1, de modo a

    constituir o reforo de um padro indesejado. Cabe ao aprendiz, dessa forma, verificar a diferena entre o input grafado e o fontico. No havendo esse noticing, o padro

    reforado, o que parece ser o caso verificado nos dados de produo das palavras monomorfmicas.

    Conforme j afirmamos, para a inibio do padro indesejadamente reforado, atentar para o input fundamental. O noticing pode se dar de forma gradual, o que

    parece ser o caso dos sujeitos de nvel avanado , que j apresentam uma variabilidade entre formas com e sem a consoante. A variabilidade mostra-se, nesse sentido, como

  • caracterstica do surgimento de um novo padro, o da L2, em um sistema fortemente entrincheirado com o padro da L1, de modo que uma mesma palavra possa ser produzida ora com, ora sem, o segmento consonantal epenttico, em funo do padro emergente mais fortemente reforado na rede, naquele dado momento de produo.

    Uma vez que o noticing das formas-alvo muitas vezes no ocorre, uma pergunta pertinente diz respeito possibilidade, por parte do professor de lngua estrangeira, de

    facilitar a chegada dos aprendizes ao padro da L2. Ainda que o presente trabalho no tenha por objetivo discutir o efeito de estratgias pedaggicas para a aquisio do componente fontico-fonolgico da L2, julgamos pertinente ressaltar a importncia da prtica de instruo explcita dos aspectos fontico-fonolgicos da lngua-alvo, o que

    facilitar o processamento do input e, dessa forma, poder contribuir para uma diminuio do reforo do padro da L1. A noo de ensino explcito que defendemos

    vai muito alm do falar sobre a lngua, uma vez que atribui fundamental importncia insero do aprendiz em um ambiente comunicativo de ensino, condio essa fundamental por concebermos o input da L2 como rico. Nesse sentido, a caracterizao de instruo explcita com que operamos ultrapassa as definies tradicionais de

    ensino explcito como uma forma de instruo em que os aprendizes so instrudos a procurar pelas regras que subjazem ao input (ROSA e LEOW 2004, HULSTIJN 2005). Sob nossa viso, o termo instruo explcita dever incluir no somente o trabalho de explicitao da questo lingstica per se, mas tambm todos os passos pedaggicos que objetivam garantir aos alunos oportunidades de exposio e uso das formas lingsticas em questo, em meio a um contexto comunicativo de ensino (ALVES 2004; ZIMMER e ALVES 2006).

    Ao passar a processar o padro da L2, o aprendiz comea a introduzir um novo padro competitivo, que dever se estruturar em um sistema cognitivo em que o padro da lngua materna est fortemente arraigado. A partir da prtica extensiva e de exposio ao input significativo, que ento comea a ser efetivamente processado pelo

    aprendiz, possvel que, em longo prazo, as formas da L2 passem a ser inclusive automatizadas15. Estudos futuros, que verifiquem os efeitos da prtica de instruo

    explcita sobre a produo fontica da seqncia ortogrfica -ng, mostram-se, portanto, de grande pertinncia.

    15 Alves & Zimmer (2005) discutem os efeitos da isntruo explcita, em termos conexionistas, atravs do

    modelo Hipcort, de McClelland, McNaughton e OReilly (1995). Para um maior aprofundamento a respeito da possibilidade da interao entre as formas de conhecimento implcito e explcito luz do conexionismo, aconselhamos a leitura dos trabalhos em questo.

  • 5. CONCLUSO

    Neste trabalho, a partir de uma concepo de aquisio de linguagem de cunho conexionista, discutimos a transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1

    para a L2, ao verificarmos a produo ilegal da plosiva velar nas seqncias ortogrficas finais ng do ingls. Os dados no somente confirmaram a expectativa de que o

    fenmeno de epntese da consoante velar se caracteriza como presente tanto nos nveis de proficincia bsico e avanado, mas, sobretudo, demonstraram haver diferenas referentes ao tipo de palavra de que a seqncia ortogrfica faz parte.

    Os altos ndices de produo de [g] em palavras como king, thing e song constituem exemplos de reforo indevido de carter Hebbiano, tendo sido interpretados com base no modelo de McClelland (2001). Nesse sentido, chamamos tambm ateno para a necessidade de o aprendiz notar as diferenas entre a forma escrita e a acstica, bem como a diferena entre os padres de correspondncia entre letra e som encontrados na L1 e na L2. Conforme discutimos, somente a partir do noticing das caractersticas da L2 o input poder ser tomado como intake, sendo essa, portanto, a condio necessria para que o padro da L2 tenha uma possibilidade de instanciamento.

    Estando a pesquisa que originou o presente artigo ainda em andamento,

    devemos ressaltar a importncia de estudos futuros, que verifiquem os ndices de produo da plosiva velar em aprendizes com nvel de proficincia intermedirio e

    intermedirio-superior. Alm disso, a investigao da varivel referente posio da seqncia ortogrfica ng na palavra (ex. sing vs. singer), nos diferentes nveis de proficincia, tambm se mostra de grande importncia.

    Acreditamos que a descrio e a discusso dos dados aqui feita tenha se

    mostrado pertinente por ter possibilitado uma reflexo acerca do processo de aquisio de L2 a partir dos pressupostos de um paradigma de cognio. Conforme afirma Ritter

    (2005, p. 121), o esprito da cincia cognitiva desenvolver um campo de pesquisas em que os estudiosos oriundos de uma grande variedade de disciplinas tentam colaborar juntos para entender, dentre outras questes, o relacionamento entre a linguagem, entendida como comportamento e tambm como conhecimento abstrato, e sua relao

    com o crebro. Nesse sentido, esperamos que o presente trabalho tenha evidenciado nossa concepo de que o dado fontico-fonolgico de L2 constitui um valioso portal

  • para a discusso terica acerca dos mecanismos cognitivos envolvidos no processo de aquisio de linguagem.

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    RESUMO: Neste artigo, apresentamos os ndices de produo ilegal da plosiva velar [] nas seqncias ortogrficas ng do ingls, por aprendizes de nvel bsico e avanado de L2. Os dados sero discutidos com base em uma concepo conexionista de aquisio de segunda lngua. Ao caracterizarmos a produo da plosiva velar como o efeito da transferncia dos padres grafo-fnico-fonolgicos da L1 na produo da L2, discutiremos como o conexionismo v a transferncia L1-L2, bem como o papel do input grafado na trajetria dos aprendizes s formas-alvo. PALAVRAS-CHAVE: seqncias ng; aquisio de L2; transferncia grafo-fnico-fonolgica; conexionismo.

    ABSTRACT: In this article, we present the rates of velar consonantal [g] epenthesis in final ng ortographic sequences produced by elementary and advanced Brazilian learners of English. The data will be discussed based on the connectionist approach to data acquisition and processing. As we consider the production of the velar plosive as an instance of L1-L2 grapho-phonic-phonological transfer, we discuss the connectionist view of L1-L2 transfer, as well as the role of the written input in L2 acquisition. KEYWORDS: ng sequences; L2 acquisition; grapho-phonic-phonological transfer; connectionism.

    RESUMEN: En este artculo presentamos los ndices de produccin ilegal de la plosiva velar [] en las secuencias ortogrficas ng en ingls, de aprendientes de nivel bsico y avanzado de L2. Los datos sern discutidos con base en una concepcin conexionista de adquisicin de segunda lengua. Al caracterizar la produccin de la plosiva velar como el efecto de la transferencia de los padrones grafo-fnico-fonolgicos de L1 en la produccin de L2, discutiremos cmo ve el conexionismo la transferencia L1-L2, as como el papel del input en grafa en la trayectoria de los aprendientes hacia las formas de la lengua de llegada.

  • PALAVRAS-CLAVE: secuencias ng; adquisicin de L2; transferencia grafo-fnico-fonolgica; conexionismo.

    Recebido no dia 05 de junho de 2008. Artigo aceito para publicao no dia 01 de julho de 2008.