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1 REUTILIZAÇÃO DE EMBARCAÇÃO PARA USO HABITACIONAL NO BAIRRO DO CAJU Aluna: Fernanda Cascão Barreto Orientador: Fernando Betim Introdução: O tema principal deste trabalho é a reutilização de estruturas abandonadas ou semi- abandonadas. Em um contexto cultural onde o descarte é banalizado, a reutilização pode, ao introduzir novas lógicas, recuperar e tornar vitais espaços deteriorados. O que se propõe neste trabalho é a reutilização de um navio abandonado na região portuária do Rio de Janeiro, no Caju, e sua transformação em um espaço de morar. A escolha da lógica do morar não se deu por acaso. Parte do diagnóstico de que este bairro atualmente, apesar do grande número de moradores, não apresenta um espaço apropriado para o uso residencial. Portanto, a reutilização que aqui se pretende não visa apenas a ação sobre a embarcação, mas sobre o bairro também, propondo intervenções urbanas que corroborem com as necessidades no que concerne ao morar. Ressalta-se ainda que um dos objetivos das reformas que atualmente estão sendo promovidas no Centro da cidade é a de aumentar o número de residências na região. Notícias sobre barcos abandonados na baía de Guanabara têm chamado à atenção nos últimos anos. Jornais cotidianos noticiaram que a baía carioca, um manancial poluído de 381 quilômetros quadrados de espelho d’água, é: um “cemitério de embarcações”. A Secretaria de Estado e do Meio Ambiente estima que, no total, haja pelo menos 250 unidades submersas ou parcialmente submersas, dentre: navios, carcaças, e barcos de pequeno, médio e grande porte. Alguns estão na área há mais de cinquenta anos, o que representa alto risco de acidentes ambientais e também para o tráfego naval. Estas notícias apontam para a relação que hoje está estabelecida com a baía: de uso e descarte. Ou seja, mesmo esta sendo uma região tão complexa pelos grandes interesses evolvidos, seu uso não prevê um esquema de reutilização e reaproveitamento. Suas águas que são, ao mesmo tempo, fonte de riqueza são também o depósito de uma grande lixeira, onde estruturas inteiras ficam abandonadas, o que representa riscos físicos e ambientais. A região do Caju sofreu muito com a modernização do Porto de Rio de Janeiro. Pela sua posição estratégica, terrenos enormes foram tomados para uso comercial. Existem duas escalas dominantes no bairro: A escala macro - que ocupa a maior parte do solo e é composta com o uso logístico e industrial. E a escala micro - que ocupa partes bem menores do terreno, e aproxima-se da escala humana, onde as habitações estão hoje. Na relação entre as escalas, a habitação é completamente desprivilegiada. Nota-se que ela acontece em partes recortadas do terreno e que não existe um plano que interligue os seus vários retalhos, como espaços de uso público. É claro que existem grandes interesses para que a lógica dominante no Caju seja a da produção, como hoje acontece e que torna esse espaço primordialmente comercial, pela proximidade com a baía e com o porto da cidade. A questão levantada é: mesmo mantendo a maior parte do espaço com o interesse comercial, não se pode agregar a preocupação por qualidade nos espaços de morar à lógica existente? Pensar o morar contemporâneo é pensar dentro de uma cidade existente, com suas questões. As suas camadas históricas e funcionais devem trabalhar juntas e agregar diversas lógicas. Integrá-las de modo a vislumbrar a escala humana e a experiência de morar, para que se torne possível uma relação de melhor qualidade entre o morador e a cidade. Para este fim, é

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REUTILIZAÇÃO DE EMBARCAÇÃO PARA USO HABITACIONAL NO

BAIRRO DO CAJU

Aluna: Fernanda Cascão Barreto

Orientador: Fernando Betim

Introdução:

O tema principal deste trabalho é a reutilização de estruturas abandonadas ou semi-

abandonadas. Em um contexto cultural onde o descarte é banalizado, a reutilização pode, ao

introduzir novas lógicas, recuperar e tornar vitais espaços deteriorados. O que se propõe neste

trabalho é a reutilização de um navio abandonado na região portuária do Rio de Janeiro, no

Caju, e sua transformação em um espaço de morar. A escolha da lógica do morar não se deu

por acaso. Parte do diagnóstico de que este bairro atualmente, apesar do grande número de

moradores, não apresenta um espaço apropriado para o uso residencial. Portanto, a

reutilização que aqui se pretende não visa apenas a ação sobre a embarcação, mas sobre o

bairro também, propondo intervenções urbanas que corroborem com as necessidades no que

concerne ao morar. Ressalta-se ainda que um dos objetivos das reformas que atualmente estão

sendo promovidas no Centro da cidade é a de aumentar o número de residências na região.

Notícias sobre barcos abandonados na baía de Guanabara têm chamado à atenção nos

últimos anos. Jornais cotidianos noticiaram que a baía carioca, um manancial poluído de 381

quilômetros quadrados de espelho d’água, é: um “cemitério de embarcações”. A Secretaria de

Estado e do Meio Ambiente estima que, no total, haja pelo menos 250 unidades submersas ou

parcialmente submersas, dentre: navios, carcaças, e barcos de pequeno, médio e grande porte.

Alguns estão na área há mais de cinquenta anos, o que representa alto risco de acidentes

ambientais e também para o tráfego naval. Estas notícias apontam para a relação que hoje está

estabelecida com a baía: de uso e descarte. Ou seja, mesmo esta sendo uma região tão

complexa pelos grandes interesses evolvidos, seu uso não prevê um esquema de reutilização e

reaproveitamento. Suas águas que são, ao mesmo tempo, fonte de riqueza são também o

depósito de uma grande lixeira, onde estruturas inteiras ficam abandonadas, o que representa

riscos físicos e ambientais.

A região do Caju sofreu muito com a modernização do Porto de Rio de Janeiro. Pela sua

posição estratégica, terrenos enormes foram tomados para uso comercial. Existem duas

escalas dominantes no bairro: A escala macro - que ocupa a maior parte do solo e é composta

com o uso logístico e industrial. E a escala micro - que ocupa partes bem menores do terreno,

e aproxima-se da escala humana, onde as habitações estão hoje. Na relação entre as escalas, a

habitação é completamente desprivilegiada. Nota-se que ela acontece em partes recortadas do

terreno e que não existe um plano que interligue os seus vários retalhos, como espaços de uso

público.

É claro que existem grandes interesses para que a lógica dominante no Caju seja a da

produção, como hoje acontece e que torna esse espaço primordialmente comercial, pela

proximidade com a baía e com o porto da cidade. A questão levantada é: mesmo mantendo a

maior parte do espaço com o interesse comercial, não se pode agregar a preocupação por

qualidade nos espaços de morar à lógica existente?

Pensar o morar contemporâneo é pensar dentro de uma cidade existente, com suas

questões. As suas camadas históricas e funcionais devem trabalhar juntas e agregar diversas

lógicas. Integrá-las de modo a vislumbrar a escala humana e a experiência de morar, para que

se torne possível uma relação de melhor qualidade entre o morador e a cidade. Para este fim, é

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imprescindível pensar nesta relação indo além do descarte. Tornar um ambiente sustentável é

olhar para além das potências presentes em seus espaços vivos, mas também nos espaços

mortos, ou semimortos. Os barcos abandonados na baía de Guanabara representam esses

espaços mortos, então por que não pensar que estas estruturas prontas podem ser reutilizadas e

re-incorporadas novamente a usos presentes?

Tema – Reutilização

O tema principal deste trabalho é a reutilização de estruturas abandonadas ou semi-

abandonadas. Em um contexto cultural onde o descarte é banalizado, a reutilização pode, ao

introduzir novas lógicas, recuperar e tornar vitais esses espaços. O que se propõe neste

trabalho é a reutilização de um navio abandonado na região portuária do Rio de Janeiro, no

Caju, e sua transformação em um espaço de morar. A escolha da lógica do morar não se deu

por acaso. Parte do diagnóstico de que este bairro atualmente, apesar de ter muitos moradores,

não apresenta um espaço apropriado para o uso residencial. Portanto, a reutilização que aqui

se pretende não visa apenas a ação sobre a embarcação, mas sobre o bairro também, onde essa

está sendo inserida e suas necessidades no que concerne ao morar. Ressalta-se ainda que um

dos objetivos das reformas que atualmente estão sendo promovidas no Centro da cidade é a de

aumentar o número de residências na região. Espera-se que movimentos semelhantes ocorram

nos bairros circundantes.

Justificativa - O Caju e a relação entre o morar e a cidade

Existe grande proximidade física entre o Caju e o Centro da cidade - motivo pelo qual a

região é densamente habitada. O bairro surgiu em seu atual formato na década de 40, com a

criação da Avenida Brasil que o cortou do bairro de São Cristóvão. Entretanto, as barreiras

físicas criadas, (Ponte Rio - Niterói em 1974, Avenida Brasil em 1946 e Linha Vermelha em

1992) dificultam a integração entre o local e os demais bairros, assim como a expansão dos

investimentos que atualmente estão voltados para a região central pelo Projeto Porto

Maravilha para o Caju. Os limites do Projeto Porto Maravilha chegam, ao mesmo tempo, tão

perto (cerca de 1 km) e tão longe do Caju por causa de tais barreiras. (Ver anexos 01 e 02)

Anexo 01:

Mapa relação Caju com o entorno

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Anexo 02:

Figura 01: Alcance do Projeto Porto Maravilha - Proximidade de cerca de 1 km do Caju Figura 02: Diagrama de Usos de Projeto Porto Maravilha - Preocupação com o uso misto

É claro que existem grandes interesses para que a lógica dominante no Caju seja a da

produção, como hoje acontece, o que torna esse espaço primordialmente comercial, pela

proximidade com a baía e com o porto da cidade. A questão a ser levantada é: mesmo

mantendo a maior parte do espaço com o interesse comercial, não se pode agregar a

preocupação por qualidade nos espaços de morar à lógica existente? Segundo o site do Projeto

Porto Maravilha, há 54 projetos habitacionais para a área central, sendo quatro deles

comerciais e cinquenta de preocupação social. Ou seja, há um grande interesse no projeto pelo

uso misto da cidade, e consequentemente, essa preocupação precisa ser repensada para além

dos limites do projeto portuário, porque existe uma enorme demanda.

O Caju é um bairro historicamente muito importante para Rio de Janeiro. A sua

primeira ocupação aconteceu em meados de 1800, sendo um dos bairros mais antigos da

cidade. Segundo o cronista do Rio antigo, C. J. Dunlop: “Era uma região belíssima, de praias

com areias branquinhas e água cristalina, onde não era rara a visão do fundo da Baía, tendo

como habitantes comuns os camarões, cavalos-marinhos, sardinhas, e até mesmo baleias.”

A região tornou-se a primeira região de banho de mar do Rio de Janeiro, sendo

frequentada por toda a família real até D. Pedro II. Existe ainda, no local, a Casa de Banhos

de D. João VI, que hoje abriga o Museu da Comlurb e passará por um projeto de

revitalização. A importância histórica fez com que o edifício e o seu entorno fossem, em

parte, preservados.

O início do bairro do Caju se deu pela atividade pesqueira- que foi assolada pela

expansão do Porto. Entre 1830 e 1940 foi um bairro nobre. Atualmente, não possui mais

características de um bairro central da cidade, mas de um bairro proletário e, do ponto de vista

do morar, negligenciado.

Hoje há diferentes camadas de habitação no bairro que co-existem entre si, mas não

necessariamente há alguma conexão entre elas. São elas: a do século XIX, próxima à Casa de

Banhos, que tem casas antigas e estruturas de fábricas grandes e pequenas, como uma antiga

fabriqueta de vassoura. Há também camadas de habitação do século XX e XXI: um prédio

grande próximo à praça central, cujo projeto emana preocupação com a habitação social, e as

oito comunidades, que surgiram em tempos diferentes e em lugares desprivilegiados à

ocupação comercial. Todos esses espaços ficam espremidos entre as grandes instalações

industriais e de logística que ocupam em maior parte o solo do bairro. (Ver anexo 03)

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Anexo 03:

Mapa Relação Residencial x Outros Usos

A região do Caju sofreu muito com a modernização do Porto de Rio de Janeiro. Pela sua

posição estratégica, terrenos enormes foram tomados para uso comercial. Existem duas

escalas dominantes no bairro: A escala macro - que ocupa a maior parte do solo e é composta

com o uso logístico e industrial. E a escala micro - que ocupa partes bem menores do terreno,

e aproxima-se da escala humana, onde as habitações estão hoje. Na relação entre as escalas, a

habitação é completamente desprivilegiada. Nota-se que ela acontece em partes recortadas do

terreno e que não existe um plano que interligue as suas várias camadas.

Notícias sobre barcos abandonados na baía de Guanabara têm chamado à atenção nos

últimos anos. Jornais cotidianos noticiaram (Ver anexo 04) que a baía carioca, um manancial

poluído de 381 quilômetros quadrados de espelho d’água, é: um “cemitério de embarcações”.

Anexo 04:

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A Secretaria de Estado e do Meio Ambiente estima que, no total, haja pelo menos 250

unidades submersas ou parcialmente submersas, dentre: navios, carcaças, e barcos de

pequeno, médio e grande porte. Alguns estão na área há mais de cinquenta anos, o que

representa alto risco de acidentes ambientais e também para o tráfego naval. Estas notícias

apontam para a relação que hoje está estabelecida com a baía: de uso e descarte. Ou seja,

mesmo esta sendo uma região tão complexa pelos grandes interesses evolvidos, seu uso não

prevê um esquema de reutilização e aproveitamento. Suas águas que representam, ao mesmo

tempo, grande riqueza são também o depósito de uma grande lixeira, onde ficam abandonadas

estruturas inteiras. Estas estruturas, além de não possuírem reuso, a não ser o do desmonte,

que muitas vezes não acontece, acabam por prejudicar a fluidez dos próprios interesses

financeiros, porque representam riscos físicos e ambientais.

Conceituação – Morar Contemporâneo

Anexo 05:

A forma como a pessoa se apropria do espaço, no entanto, depende de como a cidade é

concebida conceitualmente. Nesse sentido, faz-se uma distinção, neste projeto, entre o

conceito de cidade moderna e o de cidade contemporânea. A idéia de uma cidade moderna

surge no século XIX, como uma forma de se impor determinada ordem a um crescimento

urbano que, naquele momento, eclodia. O intuito era, então, solucionar os problemas

existentes, como a falta de habitação e os deslocamentos internos em maior escala. Trabalhou-

se com conceitos que hoje se percebe, muitas vezes, ignoram a escala humana, criam grandes

distâncias e produzem uma arquitetura habitacional que apresenta desconexão com o meio

local.

Outra crítica pertinente a esta forma de pensar é que a reutilização não era um conceito-

fundamento. A idéia de solucionar, de abrir vias largas, de “organizar” a cidade, acontecia se

impondo às camadas históricas existentes, sem o pensamento de que parte do que está

degradado pode ser repensado, reutilizado, re-viabilizado através de uma nova lógica

reconstruída.

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Muitas críticas foram feitas a este modelo, dentre as quais se pode incluir aquela

realizada a partir da obra de De Carlo. A possível relação entre arquitetura e urbanismo, em

seu ponto de vista, é a possibilidade de engendrar cidadãos participantes do projeto da cidade,

capazes de compreender o espaço urbano, interpretá-lo em sua complexidade e tomar decisões

as quais contribuam para a satisfação de suas próprias necessidades. De Carlo sempre soube

que a arquitetura não resolve o problema social, mas acreditou que ela pode interferir, pela

qualidade ambiental que proporciona, pelo melhor desenho do espaço e o envolvimento dos

habitantes com sua cidade”

Essa crítica pode ser feita atualmente a muitos programas habitacionais

contemporâneos. Assiste-se, muitas vezes, a uma repetição projetual nas quais se ignora o

contexto, o que tende a resultar em projetos sem nenhuma ligação com o entorno e,

arquitetonicamente, pobres. (Ver anexo 06)

Anexo 06:

Minha Casa Minha Vida – Aracaju Minha Casa Minha Vida – Minas Gerais

Minha Casa Minha Vida – Rio de Janeiro Minha Casa Minha Vida – Manaus

De Carlo questiona a noção moderna de morar, pois para ele a escala humana estaria

sendo ignorada em virtude da valorização dos custos baixos e da vontade de resolver o

problema da habitação nó pós-guerra. Segundo o autor, esse tipo de pensamento contribui

para tornar a arquitetura mais empobrecida: “Infelizmente, esta negligência da escala e da

noção humana nos edifícios acelerou durante os anos 30 e os períodos imediatamente

subseqüentes às guerras mundiais, quando os construtores e os especuladores descobriram

com prazer que os objetivos afirmados pelo movimento modernista na arquitetura (luz do sol,

amplas paredes de vidro, ventilação decente), poderiam ser adquiridos com baixo custo. Os

resultados foram os ignóbeis blocos de apartamentos e as desoladoras urbanizações dos

subúrbios que agora enchem o globo – deixando-nos a todos mais pobres.”

Tanto a cidade moderna quanto sua atualização modernista, nesse sentido, não atendem

ao conceito de morar acima referido: aquele em que é necessário uma integração entre a

habitação e o espaço urbano, este pensado em uma escala humana. Em outras palavras:

também a cidade deve ser pensada em função das células habitacionais, de forma a estender a

relação de morar para além do espaço da casa, para a cidade. Mas então, qual seria a relação

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que se busca estabelecer entre, não mais entre o habitante genérico, mas entre o morador e seu

espaço?

Atualmente há muitas formas de morar co-existindo. Há pessoas que tem como maior

sonho, por exemplo, a compra da sua casa própria, mesmo que esta seja distante das suas

atividades cotidianas, enquanto outras preferem alugar e ter mais flexibilidade.. Portanto, não

há como se falar em ‘um morar contemporâneo’ único, universal, porque o mundo caminha

na pluralidade e, por isso, abarca divergentes soluções porque também existem diferentes

questões. Mas, embora todas as formas de morar sejam legítimas, qual é o morar que esta

sendo tratado aqui?

Já não cabe mais pensar numa cidade ideal onde são desenhadas plantas estelares. O

morar contemporâneo tratado aqui se interessa por esse tecido urbano rasgado. E sua intenção

é a conexão das camadas existentes – tanto as históricas quanto as funcionais – às

necessidades de morar. Fomenta-se, desta forma, uma nova lógica local que tem como

objetivo a busca de equilíbrio com a lógica predominante existente (Ver anexo 05).

Usam-se neste projeto os seguintes conceitos de camada: 1- camada histórica e, 2-

camada funcional. O primeiro é inspirado na leitura de Milton Santos, para quem o tecido

urbano é composto de camadas históricas, que em suas interposições criam “rugosidades”. É

nestas camadas que co-existem os espaços “mortos” e os espaços “vivos”. Sendo, os espaços

“vivos” os que estão ligados à economia global hoje e, os espaços “mortos”, os que já

estiveram ligados à economia global, mas não estão mais, embora não estejam

necessariamente desabitados. O segundo conceito de camada refere-se às funções para as

quais o solo urbano é destinado.

Considerados esses conceitos, para este projeto, o morar contemporâneo é uma ação

muito diferente de um hábito, ou de um déficit numérico. Trata-se de um morar onde:

1- A cidade é densa porque há muitas camadas sobrepostas. As distâncias são menores e

por isso o papel dos transportes públicos há de ser fundamental. Os espaços livres são raros e

não deverão servir largamente ao uso de estacionamentos. O espaço tem valor ampliado e,

portanto as pessoas não querem sair dele, porque distâncias enormes representam tempo

perdido.

2- Exista uma relação de intimidade entre o morador e o lugar: O morador não vê a

cidade como uma barreira que separa os lugares de morar, de trabalhar, e de lazer, mas como

uma extensão possível do seu espaço de morar. 3-Exista conexão entre as diversas camadas

históricas e funcionais existentes e sobrepostas no local, bem como entre o bairro e a cidade.

Para isto, não se devem ignorar as camadas mais antigas, nas quais se registram saberes e

tradições locais; nem tampouco as novas, que dão vida às vocações econômicas da região.

Antes, deve haver uma conexão entre elas, através da reutilização e adaptação às novas

lógicas, a fim de construir um pensamento onde essas camadas trabalhem juntas.

O morar contemporâneo em questão, portanto, acontece sobre uma cidade existente,

porque nela existem muitos elementos instalados e estruturas de produção que servem de

atrativos sociais. É claro que neste terreno recortado, e com tantos interesses, o espaço é

extremamente complexo, e justamente por isso, este território não deve ser ignorado, mas de

alguma forma acoplado, costurado, conectado, reaproveitado e interligado ao tecido urbano.

Da perspectivas dos conceitos aqui trabalhados, chega-se a algumas observações sobre o

bairro do Caju. Pode-se constatar três desconexões graves: A- entre as camadas de habitação,

B- na relação entre as escalas de habitação e comercial e C- entre o bairro do Caju e a cidade

do Rio de Janeiro. Hoje, a lógica que rege estas ligações é, predominantemente a lógica da

produção, que ignora os espaços de habitação.

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Partido/Princípios de ação

A relação entre a baía e o uso que se faz dela não utiliza a cultura marinha para agregar

potência no espaço do Caju. É uma relação onde as atividades do porto e da cidade despejam

na água os seus detritos, um uso que não pensado pelos dois lados. Essa relação tanto não é

sustentável quanto perde potências de saberes locais que poderiam doar sua sabedoria em prol

do enriquecimento do morar local.

De Carlo propõe no projeto para o qual ele foi convidado a repensar a Villa Matteotti,

uma vila operária de baixo padrão que viria a sofrer especulação imobiliária, que os

moradores influenciassem diretamente na decisão projetual. Ele inclusive adotou uma solução

que ia de encontro a uma saída financeira mais esperada, e optou por um projeto que inclui

várias passarelas interligando as unidades e aumentando o espaço público do pedestre. Em

suas palavras: “Se considerarmos a casa de corrente de produção edificada contemporânea,

parece claro que os diversos tipos são repetitivos e, sobretudo, indiferentes às situações

ambientais, culturais e sociais. Adições de residências tipo dão lugar a edifícios residenciais

tipo, também repetitivos e indiferentes. E como os habitantes são diferentes, os ambientes

geográficos são diferentes, as situações sociais e culturais são diferentes, é claro que alguma

coisa não funciona.”

Anexo 07:

Cemitério de barcos – Local de Implantação da Proposta

O Caju tem uma larga cultura relativa à pesca, aos saberes marítimos, muitas pessoas

que hoje ocupam lugares irregulares neste bairro o fazem porque trabalham com atividades

locais que envolvem embarcações. Pensar a cidade que está rasgada sob o ponto de vista da

relação de morar com o espaço é também incluir o saber local na transformação da paisagem.

E é claro que esse trabalho é um trabalho que envolve complexidades, porque esta cidade que

é o foco deste pensamento também é uma cidade complexa, uma cidade que guarda, em seu

território, diversos interesses e várias estruturas já instaladas. Pensar o espaço para além das

possibilidades de terrenos existentes é de alguma forma pensar conceitualmente. E se isso

pode ser aplicado a um bairro que tem camadas habitacionais tão recortadas e sem conexão

entre elas, isso poderia ser pensado em diversos outros lugares.

Pensar o morar contemporâneo é pensar dentro de uma cidade existente, com suas

questões e potências. As suas camadas históricas e funcionais devem trabalhar juntas e

agregar diversas lógicas. Integrá-las de modo a vislumbrar a escala humana e a experiência de

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morar, para que se torne possível uma relação de melhor qualidade entre o morador e a

cidade. Para este fim, é imprescindível pensar nesta relação indo além do descarte. Tornar um

ambiente sustentável é olhar para além das potências presentes em seus espaços vivos, mas

também nos espaços mortos, ou semimortos.

Os barcos abandonados na baía de Guanabara (Ver anexo 04 e 07) representam esses

espaços mortos (Milton Santos), então por que não pensar que estas estruturas prontas podem

ser reutilizadas e re-incorporadas novamente a usos presentes? O uso do barco segundo o

morar contemporâneo é uma proposição que visa experimentar como esse conceito de morar

pode ser pensado mesmo em situações inusitadas ou, por exemplo, em casos onde exista

carência de terreno. Ele aponta para todos os aspectos do morar contemporâneo aqui

discutidos: a reutilização, o saber e tradições locais, a integração entre camadas e a ligação

com um espaço de morar do bairro.

Metodologia Projetual

A - Reutilização da estrutura abandonada: o barco

A reutilização é uma forma de integrar as camadas mais antigas da cidade àquelas mais

recentes. O primeiro passo para valorizar a vocação de moradia no bairro do Caju é imprimir

uma nova lógica de morar a estruturas e objetos originalmente concebidos para outros

propósitos. Nesse sentido, uma carcaça abandona no cemitério de barcos será reutilizada para

a moradia. Cabe a citação de um trecho de Milton Santos: “Os lugares, já vimos, redefinem

técnicas. Cada objeto ou ação que se instala se insere num tecido preexistente e seu valor real

é encontrado no funcionamento concreto do conjunto. Sua presença também modifica os

valores preexistentes. Os respectivos ‘tempos’ das técnicas ‘industriais’ e sociais presentes se

cruzam, se intrometem e acomodam. Mais uma vez, todos os objetos e ações vêem

modificada sua significação absoluta (ou tendencial) e ganham uma significação relativa,

provisoriamente verdadeira, diferente daquela do momento anterior e impossível em outro

lugar. É dessa maneira que se constitui uma espécie de tempo do lugar, esse tempo espacial

(Santos, 1971) que é outro do espaço”.

Valorizar a lógica de morar no bairro do Caju é a reutilização, segundo a lógica do

morar, de objetos originalmente concebidos para outros propósitos. Assim, que é possível dar

novos usos a objetos de camadas históricas mais antigas, apropriando-se deles e redefinindo

sua finalidade e seu lugar na paisagem.

B - Integração das camadas funcionais de habitação:

Atualmente, as camadas de habitação no bairro do Caju estão fragmentadas e

desconectadas entre si. Não constituem, portanto, um ambiente pensado sob o conceito do

morar. O que se propõe é realizar intervenções pontuais e fim de criar um espaço virtual de

morar contíguo (Ver Mapa de Proposta Geral Caju).

C - Divisão/ Organização rotas:

Não há uma separação entre a escala macro e a escala micro no bairro. Hoje o bairro é

altamente afetado pelo trânsito de carretas que trafegam indiscriminadamente, se misturando

ao pequeno fluxo de pedestres e veículos de pequeno porte. O bairro não é pensado com essa

diferença entre escalas, a escala grande suprime a menor. Isto torna o espaço bem mais

empoeirado, barulhento e confuso do que deveria ser qualquer espaço residencial.

Programa de Necessidades

A: - Implantação de um espaço de morar, que é o alvo maior do projeto, uma célula

conectada à cidade, parte dela, que acontece dentro de uma estrutura bem conhecida da

região, uma embarcação. Reutilização de uma embarcação de médio porte segundo a lógica

da moradia.

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B: -Fazer uma costura entre as camadas habitacionais existentes de modo a constituir

um espaço contíguo de morar. Criação de espaços públicos que interliguem e conectem as

células habitacionais existentes, fomentando assim, a idéia de um morar no bairro. Primeira

intervenção proposta é a implementação de um parque urbano para uso dos moradores do

Caju e conexão entre o barco reutilizado e as demais camadas habitacionais.

- Conectar a camada de morar ao resto da cidade. Interligação das duas “pontas” do

bairro, com a cidade, sendo a parte histórica ligada ao centro da cidade e a parte da baía ligada

a São Cristóvão, através de transporte público, e ultrapassem as barreiras que hoje estão

levantadas no bairro facilitando a vida como pedestre (Ver Mapa de Proposta Geral Caju).

C: -Separação do tráfego de veículos de grande porte da vida cotidiana dos moradores.

- Retirada de empresas logísticas que não precisam necessariamente ser instaladas

próximas ao ponto de chegada de carga; implemento do aumento de moradia.

Referências Bibliográficas

BARONE, Ana Cláudia Castilho; DORBY, Sylvia Adriana. “Arquitetura Participativa” na

visão de Giancarlo de Carlo. Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em

Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP. n.15, 2004.

PAPANEK, V. Arquitetura e Design. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda, 1995.

SANTOS, Milton: A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4.ed. São

Paulo: EDUSP, 2002

SANTOS, Milton: Pensando o Espaço do Homem. 5.ed. São Paulo: EDUSP, 2004.

MANZINI, E. A Matéria da Invenção. Lisboa: Centro Português de Design, 1993.

Notícias Internet

http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/09/cascos-abandonadas-tornam-baia-de-

guanabara-uma-especie-de-cemiterio.html

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-18/baia-de-guanabara-se-transforma-em-

cemiterio-de-navios.html

http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/baia-de-guanabara-vira-cemiterio-de-navios-

abandonados-no-rio-de-

janeiro,d4a2118836731410VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

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Estudos Preliminares – Intervenções gerais e Implantação

Mapa de Proposta Geral Caju

Implantação

Local - Cemitério Barcos Ruas de paralelepípedo e o trânsito livre de caminhões

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Estudos Preliminares – Planta e Corte Longitudinal

Planta baixa Geral Corte Longitudinal Geral

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Estudos Preliminares – Corte Transversal e Instalações Gerais

Corte Transversal Geral

Diagrama de Instalações Água e Esgoto

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Estudos Preliminares – Usos e Possibilidades Instalações Módulo

Diagrama Usos Planta

Diagrama Usos Corte

Diagrama Áreas Molháveis

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Estudos Preliminares – Layouts Módulos

Layout 02 Módulos – exemplo 01

Layout 02 Módulos – exemplo 02

Layout 01 Módulo– exemplo 01 Layout 01 Módulo- exemplo 02