retratos da crÍtica de cinema no jornalismo impresso … · 2019-05-25 · com a história da arte...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS JORNALISMO RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA NO JORNALISMO IMPRESSO BRASILEIRO RITA CONSTANTINO RIO DE JANEIRO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JORNALISMO

RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA NO

JORNALISMO IMPRESSO BRASILEIRO

RITA CONSTANTINO

RIO DE JANEIRO

2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JORNALISMO

RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA NO

JORNALISMO IMPRESSO BRASILEIRO

Monografia submetida à Banca de Graduação

como requisito para obtenção do diploma de

Comunicação Social/ Jornalismo.

RITA DE CÁSSIA CONSTANTINO DE OLIVEIRA

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior

RIO DE JANEIRO

2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

TERMO DE APROVAÇÃO

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia Retratos da

Crítica de Cinema no Jornalismo Impresso Brasileiro, elaborada por Rita de Cássia

Constantino de Oliveira.

Monografia examinada:

Rio de Janeiro, no dia ........./........./..........

Comissão Examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior

Doutor em Literatura Comparada - UFRJ

Escola de Comunicação - UFRJ

Profa. Ivana Bentes de Oliveira

Doutora em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ

Escola de Comunicação - UFRJ

Prof. Igor Pinto Sacramento

Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ

Escola de Comunicação – UFRJ

RIO DE JANEIRO

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

OLIVEIRA, Rita de Cássia Constantino de.

Retratos da Crítica de Cinema no Jornalismo Impresso Brasileiro.

Rio de Janeiro, 2017.

Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo) –

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação

– ECO.

Orientador: Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior

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OLIVEIRA, Rita de Cássia Constantino de. Retratos da Crítica de Cinema no

Jornalismo Impresso Brasileiro. Orientador: Paulo Roberto Pires de Oliveira Junior.

Rio de Janeiro: UFRJ/ECO. Monografia em Jornalismo.

RESUMO

Este trabalho busca investigar o espaço que a crítica jornalística de cinema ocupa na

grande imprensa diária brasileira, em particular após as transformações no ecossistema

midiático que modificaram o jornalismo, e, portanto a crítica, com a chegada do século

XXI. Para isso, a pesquisa irá percorrer as origens do ato de criticar, sua relação com o

cinema, passando pela prática no Brasil e suas particularidades socioculturais e

políticas. Com retratos da crítica nacional no passado, espera-se entender melhor a

imagem da crítica do presente. Compreender seu destino já que os periódicos estão cada

vez mais enxutos, explorar suas formas de manifestação nas novas configurações de

rede digital e descobrir as consequências dessas duas variáveis no consumo do leitor de

crítica cinematográfica são algumas das questões que este projeto experimental irá se

atentar.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................6

2. O NASCIMENTO DA CRÍTICA....................................................................10

2.1. Noções preliminares......................................................................................10

2.2. A crítica no cinema..................................................................................... 15

3. RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA.........................20

3.1. Caminhos do jornalismo cultural no Brasil..................................................20

3.2. Eis o Cinema: fazendo crítica de filmes em solo nacional...........................21

3.2.1. Primeiros anos........................................................................................21

3.2.2. Transformação na imprensa: suplementos culturais e novos caminhos para a

crítica de cinema brasileira..............................................................................................23

3.2.3. Do Crítico de Cinema Colonizado ao crítico militante..........................26

3.2.4. Didatismo, indústria cinematográfica e produção crítica.......................32

3.2.5. Renascendo das cinzas: crítica e o Cinema de Retomada.....................36

4. CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI: RETRATO

CONTEMPORÂNEO.....................................................................................39

4.1. Jornais em transformação e mudanças do ecossistema midiático...............39

4.2. Passado e presente.......................................................................................41

4.3. Consumo de crítica de cinema.....................................................................46

4.4. Crítica de cinema e suas possibilidades no presente...................................50

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................55

6. REFERÊNCIAS...............................................................................................58

7. ANEXOS........................................................................................................... 63

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1. INTRODUÇÃO

No dia 13 de julho de 2017, chegou ao circuito nacional o longa-metragem português

Cartas da Guerra, adaptação do diretor Ivo M. Ferreira das memórias do escritor António

Lobo Antunes durante o conflito de independência na Angola. Como de praxe, na semana de

estreia, a distribuidora organizou cabines, sessões fechadas para críticos, para a apreciação da

imprensa.

Na sala do Cine Joia, cinema onde aconteceu a exibição no Rio de Janeiro, a imagem era

curiosa: aguardavam o início do filme críticos amadores, críticos profissionais de sites

especializados e Ely Azeredo. Um dos maiores nomes da crítica jornalística de cinema no país

dividia o espaço com jovens inexperientes, muitos que se aventuram nesse meio graças a

blogs e portais de cultura independentes e que talvez desconheçam a figura do veterano com

mais de 60 anos de carreira.

Esse cenário, porém, por mais peculiar que seja não é incomum nas cabines no Brasil

hoje. Heterogêneas, as sessões exclusivas à imprensa reúnem desde críticos que atuam nos

maiores veículos do país a cinéfilos que escrevem crítica como hobby. Entre esses dois polos,

há quem trabalhe para portais populares sobre cinema até personalidades que ganharam fama

na web por tratarem do tema.

Diante desse quadro algumas questões surgem. Como a cena da crítica cinematográfica

brasileira chegou a essa configuração? Como ela foi há 50 anos? Qual é a sua história? É

possível perceber que o quadro descrito é curioso, mas não é apenas uma anedota. Pelo

contrário, foi a partir dele que se confirmou a intenção deste trabalho: tentar capturar, como

em uma fotografia, momentos da crítica de cinema no jornalismo brasileiro, visualizar com

ela foi praticada no passado e entender sua vida no presente.

Parte desse desejo vem também do fato de que o conhecimento acerca de como se

escrever sobre filmes em nosso país ser um tanto obscuro. Há dúvidas se alguns dos jovens

frequentadores da cabine tinham a consciência de quem era – e o que representa - o senhor

sentado próximo a eles. André Bazin, François Truffaut, Pauline Kael e Roger Ebert são, por

exemplo, nomes familiares para quem tem algum tipo de afinidade com o meio, talvez mais

do que os de quem se dedicou em escrever crítica no Brasil nos últimos 50 anos.

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Talvez pouco se saiba, mas hoje, como nunca, muito se produz. O cinema, por sua

natureza de veículo de comunicação de massa, estimula o espectador a expressar sua opinião

sobre os filmes com menos constrangimentos do que outras formas de arte e entretenimento;

não basta senti-lo, é preciso também expor sua opinião sobre ele. Com as novas formas de

comunicação, então, esse hábito ganha muito mais força: qualquer pessoa acha que pode ser

crítico e as ferramentas digitais dão respaldo a isso.

Esse material, por mais amador que seja, pode ganhar alguma legitimidade ao chegar às

redes. Atualmente, a internet corresponde ao segundo maior caminho que o público utiliza

para se informar depois da televisão, é o que informa a última “Pesquisa Brasileira de Mídia

de 2016” organizada pela Secretaria de Comunicação Social do governo1. Não só canais

especializados de informação, como conteúdo produzido por indivíduos sem nenhuma

profissionalização na área podem ser colocados no mesmo patamar pelos receptores.

A mídia tradicional, em contrapartida, tem perdido força. Segundo dados da Pesquisa

Mensal do Comércio (PCM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o

segmento “Livros, Jornais, Revistas e Papelaria” apresentou, no ano passado, recuo de 16,1%

no volume de vendas sobre janeiro-dezembro de 20152. O impresso há um tempo não é a

primeira opção do público na busca de informação e vem tentado sobreviver diante desse

novo panorama.

Desequilíbrio que é visível até no episódio que abre este trabalho: enquanto os redatores

para conteúdo online tiveram liberdade para aprofundar seu texto34

, Ely Azeredo, cobrindo

para o jornal O Globo, não ganhou mais do que duas frases na seção do O Bonequinho Viu5.

Nesse contexto, qual é o espaço dado à crítica de cinema nas páginas dos jornais brasileiros?

É menor do que há meio século? Quais as suas diferenças em relação ao tipo de material

produzido na internet? Essas são algumas questões que esse projeto experimental se atentará.

1 TV é o meio preferido de 63% dos brasileiros para se informar, e depois internet com 26%, diz pesquisa. G1

Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/tv-e-o-meio-preferido-por-63-dos-

brasileiros-para-se-informar-e-internet-por-26-diz-pesquisa.ghtml> Último acesso em: 28.11.17 2Venda de livros tem recuo histórico no comércio varejista. O Globo Disponível:

<https://oglobo.globo.com/cultura/livros/venda-de-livros-tem-recuo-historico-no-comercio-varejista-20924419>

Último acesso em: 28.11.17 3 CARMELO, Bruno. Cartas da Guerra: Fragmento de um discurso amoroso. Adoro Cinema. Disponível em:

<http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244218/criticas-adorocinema/> Último acesso em: 28.11.17 4 CARVALHO, Demétrius. ‘Cartas da Guerra’ é um drama português envolvente. Blah Cultural. Disponível em:

<https://www.blahcultural.com/critica-cartas-da-guerra/> Último acesso em: 28.11.17 5 AZEREDO, Ely. Cartas da Guerra. O Globo. Segundo Caderno, p. 3, 13 de jul. 2017

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Para poder esclarecê-los, o caminho a ser percorrido será divido em três etapas. O

primeiro capítulo, O Nascimento da Crítica, mergulhará nas origens do ato crítico.

Tentaremos compreender de onde surge a necessidade de exprimir julgamentos, sua relação

com a história da arte e com a formação da sociedade burguesa no XVII.

Preparado esse terreno, partiremos para a crítica de cinema, em que investigaremos sua

gênese e como seus passos cruzam com os do jornalismo. As teorias de André Richard (1988)

e Terry Eagleaton (1991) sobre crítica norteiam esse ponto de partida. Sobre o ato de

expressar avaliações sobre cinema, David Bordwell (1991) auxilia na compreensão.

Passadas essas noções preliminares, o capítulo seguinte, Retratos da Crítica de Cinema

Brasileira, como o título sugere, entrará no Brasil. Nesta fase da pesquisa, tentaremos

observar o surgimento da prática em nosso país e os conflitos e tendências que marcam sua

trajetória até antes da virada dos séculos XX para o XXI. Jogaremos luz no espaço ocupado

pelos textos críticos nos cadernos e suplementos de cultura de periódicos importantes para o

jornalismo brasileiro.

Neste capítulo, serão analisadas linhas que moveram a nossa crítica segundo a

Trajetória Crítica de Jean-Claude Bernardet (2011). Nele, o autor aponta uma das direções

seguidas pelo texto crítico no Brasil, como o escrito pelo o que ele chama de “crítico de

cinema colonizado”, ou as críticas de viés militante que surgem com a vinda do Cinema Novo

e as mudanças no cenário político brasileiro.

No percurso passaremos também pelo período conhecido como Cinema de Retomada e

tentaremos compreender como o reaquecimento da produção cinematográfica nacional afetou

a forma de fazer crítica. Pesquisas em fonte primária nos jornais da época nos auxiliarão a

materializar essas tendências.

Feito este panorama, resta pensar o presente. No capítulo final, Crítica de Cinema

Brasileira no Século XXI: Retrato Contemporâneo, pretende-se investigar a prática nos

jornais de hoje. Nesta etapa não só tentara capturar a imagem atual, mas como também, para

melhor entendê-la, será confrontada a crítica feita no passado e com as novas alternativas de

texto crítico.

Para reforçar a observação, três ferramentas serão utilizadas: análise da crítica nos maiores

veículos impressos diários do país (O Globo, Folha S. de São Paulo e Estado de S. Paulo),

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dados reunidos através de questionário, aplicado nas redes sociais a fim de entender como o

público consome esse conteúdo, e uma comparação entre a recepção crítica no jornal e na

internet do filme Aquarius, de Kléber Mendonça Filho.

Determinado o itinerário deste trabalho, é importante pontuar que não se espera encontrar

respostas definitivas sobre o cenário da crítica cinematográfica no Brasil. Assim como é

possível, por exemplo, deparar-se com mais de uma história sobre a crítica literária em nosso

país, não há dúvidas de que a escrita sobre cinema por aqui também é multifacetada e que

talvez não seja possível registrar todos os seus lados, mas pelo menos alguns deles.

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2. O NASCIMENTO DA CRÍTICA

Se o cinema existe há pouco mais de um século, a crítica vive há bem mais.

Fecundada no útero da arte, sua história não é de unanimidade. Em meio a confrontos e

tendências, sua função, seus métodos e suas necessidades de existência sempre foram

constantemente questionados. Esse capítulo buscará visualizar o nascimento dessa prática e

entender os caminhos que a levaram até a sétima arte.

2.1 – Noções preliminares

Condenado duramente por imoralidade após a primeira publicação de O Retrato de

Dorian Gray na revista Lippincott's Monthly Magazine, como resposta, Oscar Wilde

adicionou um prefácio sugestivo na primeira edição de seu livro, em 1891:

O artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e ocultar o artista é a

finalidade da arte. O crítico é quem pode traduzir de outro modo ou para um

novo meio sua impressão sobre coisas belas. A mais elevada modalidade de

crítica, e também a mais baixa, é uma forma de autobiografia.6

Traduzir sua impressão sobre coisas belas. Uma forma de autobiografia. No

documentário “Crítico” dirigido pelo cineasta – e crítico de cinema – Kléber Mendonça Filho

essas ideias são amplamente trabalhadas. Em um dos depoimentos, Michel Ciment, crítico da

revista francesa Positif, reflete que umas dificuldades de seu ofício: “é expressar coisas

complexas em uma linguagem clara”7.

Derivada do verbo grego krino, kritike está ligada a capacidade de fazer julgamentos, a

ideia de escolha, de “‘separar o joio do trigo’, o belo do feio, o bom do mau”8. Mudam-se as

épocas, e, com elas, os critérios, mas o fenômeno permanece:

Em presença de formas de arte que não mais comportam um sentido

universalmente reconhecível (abstração, arte cinética) nem uma técnica

avaliável (arte pop), pode-se perguntar onde se apoiaria legitimamente uma

apreciação crítica. Talvez a resposta seja que, apesar das dificuldades, a

crítica de arte, por mais inadequada que seja, responde a uma necessidade de

compreender o fenômeno artístico e a um desejo de compartilhar um

6 WILDE, 2012, p. 15.

7 CRÍTICO. Direção: Kébler Mendonça Filho, Produção: Kébler Mendonça Filho. Recife. (DE): CinemaScópio,

2008. 8 GOMES, 2006, p. 5.

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julgamento que se emite sobre obras. Pode-se demonstrar sua

impossibilidade, mas deve-se constatar sua existência.9

Os primeiros registros da prática vêm da Antiguidade. Num período em que a

qualidade da arte é avaliada por sua capacidade de imitação do homem e da natureza, o

critério inicial que fundamenta as primeiras ocorrências de crítica de arte, segundo André

Richard (1988), é o de semelhança: quanto mais precisão em reproduzir a realidade, melhor é

a obra.

A evolução das técnicas convergiu para aperfeiçoar o caráter de imitação e com o

surgimento de recursos como o trompe-l’oeil, que busca iludir os olhos do espectador com a

sua sofisticação reprodutiva, pautam o julgamento de bom ou ruim na qualidade da cópia.

Uma anedota de Sêneca, evocada por Richard (1988), exemplifica a questão:

Contam que Zêuxis, creio eu, pintou uma criança que segurava um cacho de

uvas e que as uvas apresentavam tão grande semelhança com as reais, que

atraíam os pássaros. Um espectador declarou que os pássaros estavam

fazendo uma crítica ao quadro, pois não teriam ousado aproximar-se dele se

a criança fosse realmente semelhante a uma criança.10

Somado a esse parâmetro de semelhança que fundamenta a crítica descritiva, a

ausência de reprodução gráfica das obras – até o século XIX não existia fotografia, logo a

única forma de conhecê-las era ter acesso real às peças – fez com que surgisse o fenômeno da

transposição literária, gênero tão antigo quanto à crítica, que fez com que a descrição do

objeto de análise fosse obrigatória no ensaio crítico11

.

No século III a.C, com o escritor grego Filóstrato de Lemnos, a descrição de quadros

torna-se um gênero literário. Afirmando uma necessidade de verossimilhança e um meio de

legitimar as regras da arte, nos Salões, exposições que ganharam popularidade no Europa do

século XVII e que serviram como vitrine para novas tendências, a descrição crítica encontrou

terreno para uma produção prolífica.

Em uma de seus relatos sobre os Salões, Théophile Gautier, de acordo com Richard

(1988) um dos melhores representante da transposição de seu tempo, une seu conhecimento

prévio das técnicas de pintura à crítica descritiva. Sobre um dos trabalhos do francês Jean-

Baptiste Camille Corot:

9 RICHARD, 1988, p. 1.

10 SÊNECA apud RICHARD, 1988, p. 7.

11 RICHARD: 1988.

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Um caos de tons pesados, abafados, borrados, inapreciáveis... Recuando

alguns passos... Essa mancha escura se transforma num barqueiro que se

curva. Esses borrões pardos são agora árvores cujas ramagens provocam

estremecimento o sopro intermitente da noite; há aí pouco espaço, ar, há

profundidade nesse quadro que lhes parecia ainda há pouco manchado por

tons sujos12

.

Contudo, essa modalidade crítica, calcada no critério de semelhança era feita por um

grupo específico: apreciadores e artistas. Simultaneamente, outra corrente tentava emplacar

uma crítica de criadores, não só se opondo a um olhar que apenas observa similitudes, mas

buscando definir “regras de arte como outros definem regras de linguagem”13

.

Complementar, surge o que Richard (1988) chama de crítica canônica, que valoriza a

beleza em um caráter racional, matemático. Nesse fundamento, a reprodução fiel não pode se

limitar a tentar emular todas as características do modelo, uma vez que até os elementos da

realidade possuem imperfeições. Para uma obra ser bela ela tem que consultar estruturas

ideais, modificando o que for necessário para alcançar a perfeição:

Xenofonte faz Sócrates dialogar com o rival de Zêuxis, Parrásio: “Se queres

representar uma beleza perfeita, como é difícil achar alguém sem alguma

imperfeição, reúne vários modelos e pega de cada um o que tem de belo para

fazer disso um todo perfeito14

.

Ao longe de milênios, criticar obras de arte seguiu uma dessas cartilhas. Se seus

primeiros passos foram desenhados na Antiguidade, a semelhança como critério persistiu pela

Idade Média e pela Época Clássica e ganhou força no realismo do século XIX. Revoluções

nas concepções estéticas reformularam, porém, os paradigmas críticos.

Primeiro que, para os cânones, percebeu-se que era impossível encerrar a beleza em

regras universais. Já em 1790, com sua “Crítica da Faculdade do Juízo”, Emmanuel Kant,

conseguiu dar um basta na estética acadêmica e na crítica canônica reposicionando as noções

de beleza. “É belo aquilo que agrada universalmente sem conceito”15

, decreta o filósofo

alemão.

O belo agrada sem conceito, isto é, sem a ajuda de um raciocínio, sem que

haja a necessidade (nem possibilidade de) provar beleza. O bem pode ser

provado, explicado, pois uma boa ação liga-se a uma doutrina moral. O belo

12

GAULTIER, apud RICHARD, 1988, p.16 13

RICHARD, 1988, p. 23 14

RICHARD, 1988, p. 26 15

KANT apud RICHARD, 1988, p 35

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13

não tem provas, não tem referências, uma vez que é inimitável. Nenhuma

crítica poderá sugerir a beleza de um quadro; é preciso ver a própria obra.16

Intensificando esse processo, a chegada da fotografia, que acaba com a necessidade da

descrição, e o irrompimento da Arte Abstrata, abalando o critério de semelhança, fizeram com

que o trabalho dos críticos passasse por uma reformulação. Voltando o olhar para influências

e personalidade do autor para “caracterizar os novos universos visuais foi preciso inventar

comparações, definir campos [...]” 17

.

Livrando-se das amarras do critério de semelhança, a revolução na arte faz com que

ela se torne mais autônoma e o artista mais livre para expressar sua visão.

O critério de semelhança, que ainda orienta o julgamento do público comum,

desapareceu da crítica contemporânea. Não se pede mais aos leitores uma

exatidão literal, mas uma criação original e expressiva, não uma cópia do

real, mas uma obra pessoal18

.

Enquanto ferramenta social, a crítica foi um dos personagens principais da construção

da esfera pública tal como concebida por Jürger Habermas19

. Nascida no século XVIII na luta

contra o Estado Absolutista, no seio da opinião pública que se formava nas páginas dos

periódicos e nas mesas dos cafés, a crítica moderna europeia abre espaço “ao debate, tenta

convencer, convida à contradição”20

, consolidando os ideais da intelectualidade burguesa.

Na literatura, a classe média inglesa encontrou um mecanismo emancipatório,

ferramenta para reivindicar seu “amor-próprio” e lutar contra um governo autoritário,

fenômeno que foi pioneiro na Inglaterra. Dessa forma, o debate e a crítica literária moderna

prepararam o terreno da burguesia para discussão política na esfera pública.

O surgimento dos primeiros periódicos também foi peça importante para a ascensão

dessa estrutura social em que a crítica está inserida. Jornais como Tatler e o The Spectator,

idealizados pelos ensaístas Joseph Addison e Richard Steele, ocuparam papel central.

Segundo Terry Eagleton (1991), os dois não só foram testemunhas de uma nova formação

discursiva em seu país de origem, como também fomentaram a criação de um novo bloco

16

RICHARD, 1988, p. 35 17

RICHARD, 1988, p. 17 18

RICHARD, 1988, p. 18 19

EAGLETON : 1991 20

HOHENDAHL apud EAGLETON, 1991, p. 4

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14

dirigente na sociedade inglesa. “Em síntese o que vai ajudar a unificar o bloco dominante

inglês é a cultura, e o crítico é o principal portador dessa tarefa histórica.”21

Refinando um olhar que antes até que se atentava às belas artes, mas que não buscava

aperfeiçoar o gosto estético e recorria demasiadamente “a sumários e excertos do que a crítica

original”22

, os novos periódicos substituem a prática de resumir obras eruditas com o objetivo

de informar leitores atarefados - artifício, que em comparação, é paralelo à transposição

literária e à crítica descritiva observada por André Richard (1988) -, pelo ensaio crítico

elaborado e amadurecido.

Por mais que a crítica literária tenha conquistado um espaço importante nesse

momento, ela não é de todo técnica, mas sim um discurso que, a partir de um objeto de

discussão, abarca elementos gerais da sociedade.

A essa altura a crítica não é ainda “literária”, mas sim “cultural”: o exame

dos textos literários é um momento relativamente marginal de um

empreendimento mais amplo, que explora as atitudes para com os criadores

e as normas de cortesia, o status das mulheres, as afeições familiares, a

pureza da língua inglesa, a natureza do amor conjugal, a psicologia dos

sentimentos e as normas relativas ao toalete.23

Chega o século XIX e segundo Eagleton (1991), pessimista em relação à função da

crítica, a esfera pública se fragmenta por ver seus princípios se voltarem contra si mesma:

“[...] os sujeitos discursantes esclarecidos da classe que domina, forçados a estender a

franquia (e, com ela, as fronteiras da esfera pública) à multidão, veem-se de repente como

uma minoria desprotegida dentro de seu próprio domínio”24

.

Entretanto, se a estrutura prevista por Habermas ruiu pelo choque de uma luta de

classes, de uma ruptura interna com a ideologia burguesa e um crescimento desequilibrado de

um publico leitor, o século XIX acaba com a descrição das obras e “dá lugar às considerações

sobre o temperamento o romantismo, as correspondências, a simplificação e a lembrança, o

chique e o banal, [...] o heroísmo da vida moderna.”25

No século XX, as relações entre a crítica e outras áreas do conhecimento ficaram mais

estreitas, criando novos rumos de acesso às obras. Na psicanálise, o estudo das peças e sua

21

EAGLETON, 1991, p. 6 22

EAGLETON, 1991, p. 6 23

EAGLETON, 1991, p. 12 24

EAGLETON, 1991, p. 46 25

RICHARD, 1988, p. 65

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15

iconografia foi um caminho para compreender melhor as motivações dos artistas e no método

estrutural através da comparação dos trabalhos de uma profissional é possível entender “a

fantasia comum que é sua chave.”26

Já o marxismo e a sociologia da arte, enxergavam-na como um canal que exprime a

ideologia de uma época e de uma classe. Para eles é preciso que arte deixe de “ser uma

atividade de especialistas, como determinada a divisão capitalista, para tornar-se um meio de

expressão ao alcance de todos.”27

Dessa forma, o crítico tem que mostrar “a contribuição

positiva das artes”28

.

2.2 - A crítica no cinema

Ao contrário do que se imagina “A chegada do trem na estação”, um dos primeiros

filmetes realizados por August e Louis Lumiére, não foi exibido no evento que apresentou ao

mundo os resultados da tecnologia do cinematógrafo, no final de 1895. Assistido

publicamente no dia 25 de janeiro de 1986, o filme teria levado os espectadores, que

pensaram que seriam atropelados pela locomotiva, ao caos29

.

Em julho do mesmo ano, uma projeção da obra na Rússia, levou Maxim Gorky a

escrever para o periódico Nizhegorodski listok o texto que é considerado uma das primeiras

críticas de cinema da história:

Um trem aparece na tela. Ele acelera em direção a você – cuidado! Parece

que irá mergulhar na escuridão que você habita, tornando-te um saco

dilacerado de carne e ossos esmigalhados, e transformando em poeira e

pedaços quebrados essa sala e esse prédio cheio de mulheres, vinho, música

e vício. Mas isso, também, é apenas um trem de sombras. Sem barulho, a

locomotiva desaparece para além da beira da tela. O trem para, figuras

cinzentas silenciosamente emergem dos vagões e sem som cumprimentam

seus amigos, riem, andam, correm, apressam-se e ... vão embora.30

26

KOFMAN apud RICHARD, 1988, p. 101 27

RICHARD, 1988, p. 103 28

RICHARD, 1988, p. 105 29

LOIPERDINGER: 2004 30

“A train appears on the screen. It speeds right at you— watch out! It seems as though it will plunge into the

darkness in which you sit, turning you into a ripped sack full of lacerated flesh and splintered bones, and

crushing into dust and into broken fragments this hall and this building, so full of women, wine, music and vice.

But this, too, is but a train of shadows. Noiselessly, the locomotive disappears beyond the edge of the screen.

The train comes to a stop, and gray figures silently emerge from the cars, soundlessly greet their friends, laugh,

walk, run, bustle, and...are gone.” (GORKY apud LOIPERDINGER, 2004, p.99). Tradução nossa.

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O The New York Times, no mesmo período, fez uma breve resenha da primeira

exibição feita no Koster e Bial’s Music Hall em Nova Iorque. Foram projetadas imagens de

garotas dançando, ondas quebrando em pedras na praia e comediantes em arenas de boxe.

[...] o texto relatou “o zumbido e o rugido ouvido no projetor e o incomum

brilho caindo sobre a tela.” Depois da breve descrição das imagens, ele

concluiu que elas “estavam todas maravilhosamente reais e singularmente

emocionantes.”31

Nesses exemplos já é possível perceber que o jornalismo é de onde parte a crítica

cinematográfica. Nascida da resenha, seus primeiros passos desenvolveram-se na discussão

jornalística diária, observações sobre produção da indústria cinematográfica nascente.

Jornalistas profissionais e escritores são os primeiros a se aventurarem na prática, como Louis

Delluc, Riccioto Canudo, Siegfried Kracauer, Otis Ferguson, James Agee, Parker Tyler, e

Graham Greene32

.

Nos anos de 1910 e 1920 surgem as primeiras publicações voltadas para os amantes de

cinema, como a revista americana Photoplay criada em 1911. No cenário que se configura

depois da Segunda Guerra Mundial nascem publicações fundamentais para o estabelecimento

de novas escolas teóricas, entre elas revistas importantes que existem até hoje como a Cahiers

du Cinéma e a Sight and Sound33

.

David Bordwell (1991) divide a crítica em três “instituições interpretativas”: o

jornalismo, a escrita ensaística e a academia. Para ele, essas “macroinstituições moldaram”,

cada uma a sua maneira, a forma do olhar crítico sobre o cinema. Na formação de seu objeto

de estudo, a interpretação da linguagem cinematográfica, percebeu-se que apesar do

jornalismo estar associado à prática, muitos jornais e revistas populares não estavam

interessados em análises detalhadas.

Entretanto, certas publicações tiveram papel fundamental para o desenvolvimento do

crítico de cinema, criando duas formas de leitura: o ensaio reflexivo e a “leitura atenta”34

. A

primeira, especialidade de revistas francesas de cinema, busca, muitas vezes apoiando-se em

outras áreas de conhecimento como a história, a filosofia e a sociologia, observar os

31

“piece reported ‘buzzing and roaring heard in the turret and an unusually bright light fell upon the screen.’

After brief descriptions of the images, he concluded they ‘were all wonderfully real and singularly

exhilarating.’” (ROBERT, 2010, p. 21). Tradução nossa. 32

BORDWELL, 1991, p.21 33

BORDWELL, 1991, p.21 34

BORDWELL: 1991

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significados implícitos no filme – André Bazin foi um dos expoentes nessa modalidade - e a

segunda, ligada a semiótica, procura analisar a técnica cinematográfica enquanto linguagem

dotada de unidades codificadas e uma gramática própria.35

O ato de interpretar e escrever sobre cinema alterou por si só a forma de se fazer

filmes. Pensando sobre e experimentando a estética cinematográfica, os críticos da notória

Cahiers du Cinéma, como Jean-Luc Godard e Françoise Truffaut, inauguraram um

movimento importante para o cinema francês: a Nouvelle Vague. Ligada às conjunturas

políticas do mundo no final dos anos 1960, a revista deu apoio ao cinema de outras nações e

suas diretrizes ajudaram a fundar outras correntes como o Neorrealismo italiano, o Cinema

Novo no Brasil e o Novo Cinema em Portugal36

.

Porém, essa abordagem, que influenciou a emergência de escolas de interpretação na

academia, não era a realidade de muitos jornais e revistas populares da época, que, em seu

cotidiano, assumiam um perfil mais resistente a análises detalhadas dos filmes. Em

retrospectiva, nas primeiras experiências de exibição cinematográfica para a grande audiência,

na virada do século XIX para o XX, o trabalho dos jornalistas era apenas registrar o evento

em seu caráter noticioso.

[...] a então chamada crítica era um mistura de reportagem que descrevia o

evento em termos factuais e de resenha que aconselhava o leitor sobre o

valor do filme. Segundo Bywater (1989, p. 5-6), a ênfase era colocada na

palavra valor uma vez que os resenhistas/jornalistas deveriam informar se

valeria ou não a pena gastar certa quantia de dinheiro pelo visionamento da

película, critério, aliás, vigente até os dias de hoje pelos críticos.37

No começo, houve resistência em acreditar que o cinema era uma arte passível de

reflexão. Isso fez com que o desenvolvimento da crítica cinematográfica não acompanhasse

“o pensamento crítico relativo às artes plásticas, que já tinha uma trajetória de evolução

descrita desde a antiguidade.”38

Independente disso, o fato é que para o crítico oferecer sua interpretação é preciso que

ele destrinche, no caso o filme, com o mínimo de conhecimento possível da linguagem

cinematográfica. Pela análise de Carla Meneghine (2002), estudiosos como Angelo

Moscariello, Galvano Della Volpe, Francis Vanoye, Anne Goliot-Lété e Jacques Aumont

35

BORDWELL: 1991 36

GOMES: 2006 37

GOMES, 2006, p. 2 38

MENEGHINI, 2002, p. 12

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variam em suas concepções sobre a tarefa do crítico de cinema, mas convergem quando o

quesito é que ele seja munido de um olhar treinado.

Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda examiná-lo

tecnicamente. Trata-se de uma outra atitude com relação ao objeto-filme,

que aliás, pode trazer prazeres específicos: desmontar um filme é, de fato,

estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico,

usufruí-lo melhor.39

Ao longo do tempo, esse parâmetro foi amadurecendo. Se nos primeiros anos de

cinema, por mais que transformadoras, eram poucas as publicações que exploravam um viés

analítico, progressivamente esse prática foi se difundindo. Abandonando o título de “cinema

de atrações”, os filmes começaram a ganhar legitimação como obra de arte e paralelo a esse

processo, além dos europeus, nomes como Otis Ferguson, James Agee, Andrew Sarris e

Pauline Kael marcaram a forma de falar sobre filmes nos Estados Unidos40

.

Dos jornais e revistas, a crítica cinematográfica foi parar na academia, passou a ter

especializações em cursos superiores - trabalho de análise que foi possível com o avanço da

tecnologia de mídia e exibição como projeções em 16mm na década de 1950, as mesas de

edição Steenbeck nos anos 1960 e os videocassetes em 197041

- e conquistou mais espaços

nas publicações impresas42

.

Os filmes ficaram mais acessíveis. Se na virada do século passado poucos eram os que

podiam comparecer nas primeiras exibições, a partir dos anos 2000, depois de escolhermos o

que vamos assistir nas prateleiras de locadoras, o cinema ficou à distância de um clique em

um arquivo tipo torrent em um site pirata ou no play de alguma provedora de filmes via

streaming.

Essa característica reflete um dos maiores desafios para o trabalho do crítico: todos

nós achamos que podemos analisar filmes. Na introdução de sua coletânea de críticas mais

popular, Os Filmes de Minha Vida, Truffaut pontua essa questão.

Em Hollywood ouve-se muito esta fórmula ‘Cada um tem duas profissões, a

sua e a de crítico de cinema’. [...] Qualquer pessoa pode torna-se crítico de

cinema; não será exigido nenhum postulante nem um décimo do

conhecimento que se exige de um crítico literário, de música ou de arte. Um

diretor de hoje deve aceitar o fato que seu trabalho será eventualmente

39

VANOYE, GOLIT-LETÉ apud MENEGHINE, 2002, p. 14 40

GOMES: 2006 41

BORDWELL: 1991 42

GOMES : 2006

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julgado por alguém que talvez nunca tenha assistido a um filme de

Murnau.43

Aqui chegamos aos dilemas atuais da crítica. Se a facilidade de assistir a filmes que o

cinema conquistou com o tempo faz com que o público sinta-se confortável para dar sua

opinião, na era digital expô-las é mais fácil ainda. É uma infinidade de sites, blogs e vídeos

dedicados ao assunto que aumentam seu alcance ao atrelarem-se às redes sociais.

Paralelamente, a cultura, um dos pilares que ajudou a fundar o jornalismo moderno,

tem perdido cada vez mais espaço nas publicações. Revistas fecham as portas porque não

conseguem manter-se financeiramente, suplementos culturais são extintos para cortas gastos.

Nesse ínterim fica a questão: ainda existe espaço para o crítico nos grandes veículos?

43

TRUFFAUT, 1989, p. 19-20

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3. RETRATOS DA CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA

Depois de entender o nascimento da crítica e como seus caminhos cruzaram com os do

cinema, resta, então, pensar no Brasil. No capítulo que segue, será investigado como a crítica

cinematográfica se manifesta em nosso país, suas tendências, conflitos e particularidades

frente à realidade nacional.

3.1 – Caminhos do jornalismo cultural no Brasil

No final do século XIX, o comentário cultural conquista seu lugar ao sol nas páginas

dos jornais brasileiros. O Brasil modernizava-se, o Rio de Janeiro passava por um intenso

processo de urbanização e a imprensa estabelecia-se como “a principal instância de produção

cultural da época e que fornecia a maioria das gratificações e posições intelectuais.”44

As transformações eram intensas. Comunicação, transporte, economia estavam em

processo de metamorfose, o que fez com que as mudanças na sociedade brasileira, paralelas

às mutações na cultura europeia, tomassem “emprestado o apelido francês”45

sinônimo de

prosperidade e avanço social:

Se a Belle Époque tropical é considerada um período de estagnação literária,

em termos estritamente estéticos, por outro lado ela desenvolveu as

condições sociais para a profissionalização do trabalho intelectual. E

também para a sua massificação. (...) Mudanças econômicas, sociais,

tecnológicas e demográficas permitiram a proliferação de jornais na virada

do século, criando centenas de empregos.46

Nesse cenário, nomes como Machado de Assis e José Veríssimo47

destacam-se por sua

atuação incisiva nos periódicos, atestando a aproximação da produção jornalística da época

com a literatura. Mesmo que as transformações tecnológicas tenham expandido a produção de

jornais – títulos importantes como Correio Mercantil, o Diário do Rio de Janeiro, o Jornal do

Commércio e O Estado de S. Paulo nasciam na época48

-, seu conteúdo era produzido pelos

escritores. Consequentemente, essa falta de parâmetros para o que seria o texto jornalístico fez

com que andassem lado a lado “a linguagem do livro à linguagem do jornal”49

.

44

MICELI apud SOARES, 2012, p.10 45

SOARES, 2012, p. 10 46

COSTA apud SOARES, 2012, p.10 47

PIZA : 2003 48

SOARES : 2012 49

NINA apud SOARES, 2012, p. 10

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Entretanto, com a virada do século, a modernização da sociedade modificou o

jornalismo e sua forma de falar sobre cultura. A prática jornalística que até então era feita de

“escassos noticiários, muito articulismo político e debate sobre livros de artes”50

, passou a dar

mais importância “para a reportagem, para o relato de fatos, não raro sensacionalista, e

começou a se profissionalizar. Repórteres de polícia e política passaram a ser os mais

importantes dentro das redações.”51

No Brasil, mesmo que a modernização tenha sido tardia,

o processo não foi diferente.

O cenário agora é outro. Para Piza (2003), a espinha dorsal do jornalismo cultural é a

crítica, mas com o jornalismo se transformando a opinião também tem seu espaço alterado.

Ela não some das publicações, mas passa a se estruturar em um formato mais “enxuto e ligado

com o factual, além de se restringir a um espaço específico, onde o leitor poderia distinguir

claramente que se tratava de um juízo pessoal.”52

Entretanto, mesmo redimensionada, ela não

perde sua força e influência:

O crítico que surge na efervescência modernista dos inícios do século XX,

na profusão de revistas e jornais, é mais incisivo e informativo, menos

moralista e meditativo. No entanto, continua a exercer uma influência

determinante, a servir de referência não apenas para leitores, mas também

para artistas e intelectuais de outras áreas.53

3.2 – Eis o cinema: fazendo crítica de filmes em solo nacional

3.2.1 - Primeiros anos

O cinema foi notícia pela primeira vez no dia 9 de julho de 1896 nas páginas dos

periódicos cariocas. No dia anterior, em uma sala alugada do Jornal do Commércio, então na

Rua do Ouvidor, no Centro da cidade, foi apresentada pela primeira vez, à imprensa e a

convidados, a tecnologia do omniógrafo, trazida por um exibidor itinerante belga54

. A Gazeta

da Tarde descreveu a experiência:

50

PIZA, 2003, p. 18 51

PIZA, 2003, p. 19 52

SOARES, 2012, p. 13 53

PIZA, 2003, p. 20 54

PENNAFORT, R; WERNECK, F. 1ª sessão de cinema do Brasil completa hoje 115 anos. Disponível em:

<http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,1-sessao-de-cinema-do-brasil-completa-hoje-115-anos-imp-

,742130> Último acesso em: 07.05.17 Último acesso em: 07.05.17

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Ontem assistimos ao ensaio do omniógrafo, aparelho elétrico de projeções

luminosas e vistas animadas, que o público vai ter a ocasião de muito

apreciar graças ao senhor Henri Paellli. A sala é bem iluminada à

eletricidade e fica repentinamente escura e desenrolam-se então, sob vista

dos espectadores, num quadro ao fundo, cenas de um efeito surpreendente.55

56

Entre as imagens animadas de bombeiros apagando fogo, animais brigando, uma

tomada de um boulevard parisiense e acrobatas no trapézio, o Jornal do Commércio destacou:

[...] Talvez por defeito das fotografias que se sucedem rapidamente, ou por

inexperiência de quem trabalha com o aparelho, algumas cenas movem-se

indistintamente em vibrações confusas; outras, porém, ressaltavam nítidas,

firmes, acusando-se um relevo extraordinário, dando magnífica impressão de

vida real.57

58

Em termos históricos, pensar sobre o ofício do crítico de cinema no Brasil não é uma

tarefa fácil. Como sugere o crítico paulista Luiz Zanin Oricchio (2003) em seu trabalho de

reflexão sobre o cinema de retomada da década de 1990, não existe um estudo que compile a

trajetória do ofício em nosso país. De fato, talvez essa obra “ampla, orgânica e unificada”59

não exista, mas com a reflexão de alguns autores sobre fenômenos que perpassam o cinema

nacional e sua relação com o trabalho crítico e a imprensa, é possível rastrear algumas

tendências.

Consolidando-se enquanto arte no começo do século XX, o cinema viu suas

possibilidades estéticas ampliadas e com elas a definição de conceitos, ferramenta para a

reflexão sobre as produções cinematográficas. Na produção jornalística, ele começava

aparecer em publicações voltadas para a cobertura cultural como a Palcos e Telas (1918), a

Paratodos... (1919), A Scena Muda (1921). Em consequência, nomes como Henrique

Pongetti, Mário Behring, Pedro Lima, e Adhemar Gonzaga – criador da produtora Cinédia -

surgiam no cenário de comentário sobre cinema60

.

Os três últimos, inclusive, tiveram papel fundamental para o funcionamento da revista

Cinearte (1926) – dirigida por Behring e Gonzaga61

-, uma das primeiras totalmente focada na

55

Omniographo. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, p. 3, 9 de jul. 1896 56

Ver em anexo A, página 63. 57

Omniographo. Jornal do Commércio. Rio de Janeiro, p. 2, 9 de jul. 1896 58

Ver em anexo B, página 64 59

ORICCHIO, 2003, p. 207 60

CALEIRO: 2011 61

Cinearte. Rio de Janeiro, n. 1, p. 29, 1926

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produção de conteúdo sobre cinema, prometendo “pugnar pelo crescente processo da

cinematografia no Brasil”62

.

Contudo, o olhar analítico para a sétima arte ainda não tinha a sofisticação da crítica

de outras manifestações artísticas como as artes plásticas e a literatura. A própria revista

Cinearte, em um comparativo de sua edição de estreia em 1926, com os primeiros volumes

dos anos de 1931 e 1936, cinco e dez anos, respectivamente, depois de seu lançamento, não

dedicava um espaço grande a crítica, mesmo defendendo que sua atuação nessa área fosse de

“alto escopo”63

.

Ainda assim, esse recorte mostra que a análise de filmes era praticada em apenas uma

seção, A Tela em Revista, que servia como uma espécie de guia de consumo, oferecendo

pequenas observações, acompanhadas de cotação em pontos, sobre os títulos disponíveis nos

cinemas brasileiros. Entretanto, não só o segmento tinha pouco destaque perto do restante do

material da publicação – focado em curiosidades sobre as produções, funcionamento dos

grandes estúdios, perfil dos astros de Hollywood -, como também as críticas nesse período

reduziam-se a breves comentários sobre o enredo, desempenho dos atores, variedade dos

cenários, diálogos. Como por exemplo:

À Procura do Diabo (Texas Tommy – Syndicate – Prog. V. R. Castro)

Bob Custer novamente como o heroe. Regularzinha. A direção é de J. P.

McGowan, que, por sua vez, não quebrando a praxe, também trabalha no

film. Bob está ficando querido. Mary Mayberry é mais uma vez sua ‘leading

woman’, é uma pequena interessante. Scenas de luta, correria, pancadaria

grossa e... o eterno beijo final. Cotação: 4 pontos64

65

Além disso, o discurso de algumas dessas revistas foi marcado pelo contraditório. A

Cinearte, junto com a Paratodos..., inaugurou a “Campanha Pelo Cinema Brasileiro”, um

esforço para que a produção nacional ganhasse mais espaço, a qual ficou marcada pelo slogan

“todo filme brasileiro deve ser visto”66

. Para isso, era defendido que o Estado deveria assumir

o papel de mediador de nossa indústria cinematográfica, propondo leis de proteção e fomento

das fitas nacionais.

62

Cinearte. Rio de Janeiro, n. 1, p. 2, 1926 63

Cinearte, Rio de Janeiro, p. 3, 3 de mar. 1926 64

A Tela em Revista, Cinearte. Rio de Janeiro, p. 28, 7 de jan. de 1931 65

Ver em anexo C, página 65 66

CALEIRO, 2011, p.4

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Mesmo trabalhando para a formação de uma consciência cinematográfica nacional,

por mais contraditório que isso possa parecer, essas publicações eram majoritariamente

campo de divulgação do cinema norte-americano e ainda dedicavam pouco espaço à reflexão

e ao debate sobre o trabalho crítico e questões mais profundas sobre o cinema no Brasil.

Ainda que a revista apostasse em seções como Filmagem Brasileira e Cinema

Brasileiro e reportagens dedicadas a produções nacionais, a Cinearte, assim como a revista

americana que a inspirou, a Photoplay (1911), era um veículo de divulgação do star system

hollywoodiano67

. O apelo em favor do cinema nacional era relevante, mas, em proporção,

apagado perto da grande quantidade de perfis de atores, fofocas dos mundos dos famosos,

artigos concentrados em destrinchar seu estilo de vida.

O mesmo pode-se dizer de outras publicações, como A Scena Muda:

A tônica dessas revistas era a vida de astros e estrelas, os bastidores de

filmagens e notícias sobre os futuros lançamentos nas salas de cinema. Dessa

maneira, compunham-se de farto material fotográfico com as fotos posadas

dos artistas e com o still de filmagem.68

Parte disso se deve ao fato de que tais revistas nascem em um período em “[...] cuja

adesão ao modelo hollywoodiano de produção e narração não apenas aproxima-se da

adoração, como obnubila a percepção acerca do potencial de desenvolvimento próprio de

cinematografias não-hegemônicas.”69

3.2.2 – Transformação na imprensa: suplementos culturais e novos caminhos para a

crítica de cinema brasileira

No desenvolvimento do cinema brasileiro, é interessante perceber como a crítica teve

papel de solidificar, renovar e dar autonomia à cultura cinematográfica. As práticas de

escrever e, consequentemente, ler sobre cinema começaram a se expandir, abrindo novas

formas de percepção dos filmes e foram as transformações na imprensa um das grandes

responsáveis pelo estabelecimento desse novo contexto70

. Como observa Piza (2003), se os

67

LUCAS : 2008 68

LUCAS, 2008, p. 33 69

CALEIRO, 2011, p. 5 70

LUCAS : 2008

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anos de 1920 representaram a multiplicação de revistas culturais no Brasil, os anos 1950

foram de expansão das seções culturais na grande imprensa diária e semanal.

Foi nesse período, que o Correio da Manhã, desenvolveu seu suplemento de cultura, o

Quarto Caderno; o jornal foi o local de trabalho de um dos maiores nomes da crítica nacional,

Moniz Vianna. Já em 1956, o Jornal do Brasil deu um passo em direção ao jornalismo cultura

moderno com o Suplemento Dominical, “abrindo suas páginas para longos ensaios sobre

literatura, filosofia, música, balé e artes plásticas”71

. De Clarice Lispector a Glauber Rocha,

contribuiriam com a publicação.

Em, São Paulo a grande imprensa diária também seguiu esse caminho. O Estado de S.

Paulo fez história com seu Suplemento Literário, projetado por Antônio Cândido a pedido da

família proprietária do jornal e lançado em outubro de 1956, a publicação teve em suas

páginas o trabalho de Paulo Emílio Salles Gomes, outro grande nome importante da crítica de

cinematográfica nacional.

Assim, como essas novas configurações que ganhavam as páginas dos jornais

brasileiros, o cinema, que já tinha um espaço de discussão em cineclubes e cinematecas, viu

suas formas de consumo e apreciação sofrerem modificações:

O jornal, especialmente nas grandes capitais, passou também a funcionar a

partir de meados dos anos 50 como um lócus privilegiado de interlocução

das pessoas ligadas ao cinema e um espaço em que se constituía uma cultura

cinematográfica em novos termos. Ele ampliou a comunidade de leitores

especializada na cultura cinematográfica, tornou-se veículo de expressão dos

realizadores (diretores, produtores, técnicos), disseminou uma nova

percepção do que seria o cinema, permitiu o acesso a uma literatura

disponível somente em língua estrangeira através da tradução de textos de

teóricos e estudiosos de renome internacional e, por fim, abriu espaço para

matérias que tratavam dos problemas da realização e da circulação da

produção nacional.72

Não é preciso muito para deduzir que nesse novo momento, a crítica também tem o

seu lugar. Lugar esse que não é único, estático e imutável, mas que assume novas formas com

o passar do tempo e com a transformação de conjunturas históricas e socioculturais.

Como Oricchio (2003) observou, não há uma pesquisa abrangente que compile a

história da crítica de cinema nacional, mas pelo olhar sobre o trabalho de alguns críticos há

pistas do que tem sido a prática no Brasil. Um deles é o de Jean-Claude Bernardet, que em sua

71

LUCAS, 2008, p. 21 72

LUCAS, 2008, p. 23

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Trajetória Crítica (2011), um exercício de observação sobre a sua atuação entre a década de

1960 e meados de 1970, que, mesmo partindo do particular, é revelador em apontar as

singularidades que marcaram a escrita de cinema em seus momentos de maior relevância na

imprensa brasileira.

Segundo sua análise, nesse período, a crítica cinematográfica e a escrita jornalística

sobre cinema assumem muitas faces como: a crítica feita pelo o que ele chama de crítico de

cinema colonizado, que perde espaço para uma crítica de caráter militante; um formato

conteudista, didático, que divide lugar com o texto frio sobre o mercado nacional, resultado de

uma “insuficiente reflexão teórica sobre a significação e as possibilidades de uma atuação

política do cinema brasileiro”73

.

Para completar a reflexão, pensar sobre como os críticos reagiram com a recuperação

da indústria após seu desmonte com as medidas do governo Collor – período conhecido como

Cinema de Retomada - também se faz necessário. Como observa Ismail Xavier (2003), ao

investigar nossa produção cinematográfica em retrospecto “cabe também à crítica a

construção de seu próprio lugar nesse processo.”74

3.2.3 – Do Crítico de Cinema Colonizado ao crítico militante

A chegada dos cadernos de cultura à grande imprensa diária foi um passo importante

para a massificação do diálogo sobre cinema, mas ainda não correspondia a uma realidade

ideal. “A cultura cinematográfica brasileira é precária e marginal”75

, declarava Glauber Rocha

nas primeiras linhas de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro. Comentário feito há mais de 50

anos, mas ainda atual para discutir o cenário de produção, consumo e reflexão da nossa

cinematografia.

Sobre os críticos, ele também era não inspirava otimismo:

Cada crítico é uma ilha, não existe pensamento cinematográfico brasileiro e

justamente por isso não se definem os cineastas, fontes isoladas em

intenções e confusões, algumas autências, outras desonestas. Teoricamente,

73

BERNARDET, 2011, p. 184 74

XAVIER, 2003, p. 11 75

ROCHA, 2003, p. 33

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o clima é de ‘vale tudo’: a partir de 1962, o que não era chanchada virou

cinema novo.76

A crítica de cinema no Brasil segue longe do cenário perfeito, mas ao longo de seu

curso apresenta suas particularidades, características moldadas a partir de transformações

sociais, políticas e culturais. É o que acontece no correr da década de 1960, que com as

mudanças no cenário político, o surgimento de novas demandas populares e o maior

desenvolvimento da produção cinematográfica nacional houve a modificação da forma de

olhar os filmes.

Segundo Bernardet (2011), no começo dos anos 1960 encarava-se o crítico como uma

espécie de figura sacerdotal, responsável por proporcionar uma maior penetração no “mundo

complexo da arte”77

, uma criatura que tenta “reviver através da obra uma experiência

existencial ou ontológica do autor”78

e “que abre ao leitor-espectador os arcanos da obra

mistério”79

. Esse tipo de profissional é o que ele nomeia de Crítico de Cinema Colonizado.

Reduzindo sua análise a impressões imediatas, esse tipo de crítica, associada a um

esteticismo burguês, seria problemática:

[...] não se questiona a intuição, a sensibilidade e a emoção como pilares do

método. O crítico não pode entrar em choque como o grupo de leitores aos

quais se dirige. Não questiona alguns valores fundamentais, como aquele

que elege ‘a arte como status’ (isso deve ser aceito, mas não pode ser dito).

A experiência autêntica e pura fruição artística não deve ser poluída pelo

contato com o mercado, o contexto social, ou a função social da cultura.80

Como ilustração, Bernardet utiliza exemplos de seu próprio trabalho nos primeiros

anos do Suplemento Literário do jornal Estado de São Paulo, escritos que para ele são “leitura

penosa”81

, como esse artigo escrito em março de 1961 sobre a obra de Fellini:

[...] Amo o movimento. É La Dolce Vida. Filme religioso, creio eu. Crítica

social, talvez. Mas antes de tudo, movimento e eu falarei deste movimento.

Ir da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, sem nenhum apelo

nem à direita, nem à esquerda, certamente é gratuito. Entretanto, este

movimento não traduz uma esperança. E, sobretudo, vida é movimento, o ser

animado sem cessar, crê e depois de descrê, sem cessar o vento modela a seu

modo a ramagem. A arte dos séculos passados habituou-nos a descobrir

76

ROCHA, 2003, p. 34 77

BERNARDET, 2011, p. 48 78

BERNARDET, 2011, p. 48 79

BERNARDET, 2011, p. 49 80

ORICCHIO, 2011, p. 12 81

BERNARDET, 2011, p. 49

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antes do movimento, sua justificação: Ce Combat des Amazones e Les

Kermesse não são luta e dança?82

Passeando entre as páginas das publicações da época, é difícil não esbarrar com esse

tipo de reflexão. Na chegada de Hiroshima, Mon Amour ao Brasil, Álvaro Pacheco escreve

nesses moldes sobre o filme de Alains Resnais para o 2º Caderno do Jornal do Brasil:

Como um belo poema trágico, ao mesmo tempo de esquecimento e

advertência, grande em seu humanismo e em sua expressão, Hiroshima, Mon

Amour é, em si mesmo, uma obra de arte e como tal, tanto poderia ser um

romance, como uma escultura ou uma sinfonia. Nele, a expressão

cinematográfica atinge culminâncias raramente encontradas em outros

filmes. Em alguns instantes chega a ser insuportável, tanto nos oprime e

empolga. Há uma atmosfera de tragédia e lirismo mesclados, de quando em

vez, no terra-a-terra cotidiano. Há um clima simultaneamente de sonho, de

pesadelo e de realidade: de poesia, de prosaismo, tudo isso transcendente de

tal modo, que o espectador pode abstrair-se inteiramente dos personagens e

dos cenários, puramente pela sugestão e pelo impacto que eles provocam em

seu íntimo – eis a realização de Alains Resnais, mais justamente comparado

a René Clair pelo trabalho neste filme.83

84

Assim como Ely Azeredo em sua crítica sobre Psicose de Alfred Hitchcock, para a

Tribuna da Imprensa:

Acreditamos que Clouzot, como tantos intelectuais, veja na obra de Hitch

apenas uma galeria de truques bem-sucedidos. Ele soube desenvolver

algumas situações hitchcockeanas na contextura, nenhuma no espírito.

Tecnicamente, a partir da ilusão da continuidade, dos quadrinhos

descontínuos, o cinema é artifício. Nenhuma arte é tão fabricada, tão

quebra-cabeça, tão alquimia. O erro de um calouro como Molinaro “Les Dos

Au Mur”, ainda tonto no métier, é o mesmo de um profissional malicioso,

“vivo”, de ambição perfeccionista, como Clouzot. Naturalmente colocamos

um plano elogioso de big joke, “Les Diabolique”, mas os dois exemplos

servem para a tentativa de erro de definição de um erro fundamental: o

importante, no filme essencialmente de horror & suspense, ou de suspense

& horror, não é alcançar o insólito, do mistério, do medo, através de uma

narrativa realista; o que importa, no mais alto nível do gênero, é assimilar o

espectador no irrealismo essencial da linguagem cinematográfica para

conduzi-lo no mesmo plano do objetivo, à intima experiência que o cineasta

deseja comunicar.85

86

Mesmo duro na sua crítica a esse tipo de análise fílmica, é importante destacar que

esse tipo de texto tem seu valor por sua natureza ensaística. Muitos dos artigos que Bernardet

(2011) acusa de inócuos são bem sucedidos na forma como desvendam seu objeto, sem a

82

BERNARDET, 2011, p. 42 83

PACHECO, Álvaro.Hiroshima, Mon Amour, Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, p. 15, 30 de jul. 1960 84

Ver em anexo D, página 66 85

AZEREDO, Ely. Hitchcock e o real. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, p. 11, 9 de jun. 1961 86

Ver em anexo E, página 67

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preocupação de partir de um princípio conceitual ou chegar a um fim; são livres. Como

observa Adorno (2003), o ensaio é forma crítica por excelência e:

Escreve ensaísticamente quem compõe experimentando; quem vira e revira

seu objeto, quem o questiona e o apalpa, quem prova e o submete à reflexão;

quem ataca de diversos lados e reúne no olhar de seu espírito aquilo que vê,

pondo em palavras o que o objeto permite vislumbrar sob condições geradas

pelo ato de escrever.87

O fato é que, independentemente dessa discussão, essa crítica considerada romântica, a-

histórica, que usa as palavras da moda e quer fazer com que o leitor sinta que ele próprio

atingiu a experiência do criador foi se deteriorando. “O sistema do crítico colonizado é

fechado. Nada há nele que possa alterá-lo. É necessário que fatores intervenham de fora para

que ele desmorone.”88

Com mudanças no arranjo político nos primeiros anos na década de 1960, duas foram

as razões para o desgaste dessa forma de fazer crítica: as modificações pelas quais estavam

passando a sociedade brasileira, interpretadas como ascensão das massas à vida política do

país – fruto de um governo populista pré-ditadura - e o maior desenvolvimento

cinematográfico brasileiro, marcado pela chegada do Cinema Novo89

.

Nesse novo cenário, o intelectual vê que pode desempenhar um novo papel, o de

trabalhador para a conscientização do povo, em um momento em o valor que vigora é o de

tomada da consciência do país enquanto nação em estado pré-revolucionário. O crítico:

[...] passa então a estabelecer as relações existentes entre o filme e a

sociedade da qual ela surge e à qual ele se dirige. Fica aí claro para o crítico

que ele deixou de ser um demiurgo para se tornar uma peça envolvida no

mesmo processo cultural, social, político, que o cineasta e sua

responsabilidade é a mesma diante do processo socio-político de filmes, da

afirmação do cinema brasileiro enquanto produção cinematográfica e

enquanto fator de transformação social.90

A mudança no olhar é perceptível. Glauber Rocha (2003) fala de uma “corrente-

viva”91

denunciada pelo jornalismo brasileiro entre os anos de 1960 e 1962, um momento em

se que se passa a observar o cinema enquanto objeto sociopolítico, em se que trabalha não só

o tributo como as intenções polêmica de grandes consequências.

87

ADORNO, 2003, p. 38 88

BERNARDET, 2011, p. 61 89

BERNARDET : 2011 90

BERNARDET, 2011, p. 61 91

ROCHA, 2003, p. 130

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A crítica então teria uma função desmitificadora, deixando de ser uma constatação

sobre valores estéticos para se tornar uma peça importante na observação da cultura brasileira,

uma arma que contribuiria para sua “evolução”92

. Como Lucas (2008) observa, a crítica feita

ao cinema então produzido era acompanhada de propostas para um cinema a ser feito.

O artigo de Vidas Secas - adaptação célebre do cineasta Nelson Pereira dos Santos do

clássico de Graciliano Ramos - escrito por Cláudio de Mello e Sousa para o Caderno B do

Jornal do Brasil em 1963 é um bom do exemplo do fenômeno descrito por Jean-Claude

Bernardet (2011):

Já disse aqui e agora repito que Vidas Secas é algo mais que do que o melhor

filme nacional. É o fundador de uma linguagem brasileira de cinema, e isso é

importante não por atender as exigências de uma noção obtusa de

nacionalismo nem por satisfazer a alma patriota. Essa importância decorre

do fato de que, pelo menos em Cinema, o Brasil caracteriza-se culturalmente

como, afirma-se como uma individualidade e passa a falar com sua própria

voz, com sua própria língua. Com Vidas Secas passamos a ter um

verdadeiro, e por isso mesmo novo, cinema nacional.93

94

Bernardet também é suspeito para falar desse tipo de crítica, já que ele próprio também

a produziu. É o que é possível perceber em sua análise do documentário Apelo dirigido por

Trigueirinho Neto, para o Suplemento Literário do Estado de São Paulo:

Que Trigueirinho Neto esteja ligado ao Brasil e sofra com seus problemas,

não há dúvida: provam-no a violência (e também o amargor) de seu filme.

Mas esta ligação não o levou a mostrar os sofrimentos da terra brasileira. Do

Brasil, não se vê nada. Levou-os a desnudar os mecanismos desse

sofrimento. Armado com tais abstrações, tendo a possibilidade de encontrar

os mecanismos – e é isto, me parece, que se chama cultura – Trigueirinho

poderia, pelo menos aparentemente, interessar-se por outros problemas de

outros países, com a mesma felicidade. Mas o Brasil é seu país.95

Nesse momento os problemas sociais são considerados urgentes e devem ser uma das

principais pautas do cinema. Assim, caberia ao crítico repensar sua posição “na torre

aristocrática de seus elevados pensamentos”96

e refletir na sua capacidade de orientação do

público. Ele teria que desmascarar os filmes, explicar seu significado como um todo, não

qualificá-lo apenas através de elementos, como fotografia e montagem.

92

BERNARDET : 2011 93

SOUZA, Cláudio Mello e. “Vidas Secas, nasce o cinema brasileiro.” Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 22

de ago. 1963 94

Ver em anexo F, página 68 95

BERNARDET, 2011, p. 84 96

BERNARDET, 2011, p. 63

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O Pagador de Promessas não é mais um filme do qual o crítico poderá dizer

que é bom ou não é bom, merecendo esta ou aquela nota. O crítico deverá

tentar explicar porque fizemos O Pagador, o que significa produzir um tal

filme, se ele abre nos perspectivas, se é um progresso e etc.97

A partir daí, o olhar que o crítico brasileiro lança ao cinema nacional deve ser de

compromisso. Há uma maior exigência dos nossas produções em relação ao profissional,

porque ele conhece a realidade que a obra interpreta. Frente ao cinema nacional, a

responsabilidade daquele que o analisa seria muito maior, já que “[...] o crítico e o diretor

estão envolvidos no mesmo processo evolutivo.”98

Diante das produções estrangeiras, sua postura também se modifica. Ao contrário do

crítico de cinema colonizado que observa o filme “com os olhos da metrópole”99

, esse novo

crítico faz sua leitura dentro da perspectiva de nossas preocupações e interesses. O crítico

deve contribuir para a evolução social brasileira.

Enxergar os filmes enquanto objetos sociopolíticos parece um caminho promissor,

mas a falta de instrumentos também levou esse modelo de interpretação fílmica no Brasil ao

fracasso. Como Jean-Claude Bernardet (2011) constata, os críticos já tinha um vocabulário

próprio quando encaravam a arte enquanto abstração histórica e os leitores tinham intimidade

com o texto fruto desse meio de observação, o que não acontecia com essa nova forma de

pensar o cinema.

Seguindo um método rudimentar – baseado apenas no confronto entre a significação

imediata da película e a ideologia do período -, caía-se muitas vezes em observações

primárias e tão abstratas quanto na fase anterior. Além de que se fala em conscientização, mas

não há reflexão real do que ela significa. Para Bernardet (2011), esse discurso não passava de

uma forma de imposição de poder. “Nunca nos preocupamos em saber o que havia por trás

deste conceito de conscientização, justificativa para uma camada social que de algum modo se

considera superior divulgar sua ideologia para outra camada social.”100

Só se pode conscientizar se souber “quem se quer conscientizar e onde se quer levar a

quem se conscientiza”.101

Os intelectuais e críticos da época aparentemente não sabiam.

Bernardet (2011) conclui:

97

BERNARDET, 2011, p. 71 98

BERNARDET, 2011, p. 70 99

BERNARDET, 2011, p. 90 100

BERNARDET, 2011, p. 95 101

BERNARDET, 2011, p. 96

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Esse poderia ter sido um momento inicial e experimental, de um método

crítico que possibilitaria um equacionamento mais complexo da significação

dos filmes, das suas relações com a sociedade que os produz e a ampliação

com o público. Mas não houve oportunidade para ultrapassar este estágio

rudimentar, pois a sustentação do método só poderia ter sido uma produção

cinematográfica que analisasse de modo cada vez mais complexo a

sociedade brasileira, e a ampliação e a diversificação dos públicos que

tivessem o alcance aos filmes, bem como das pessoas que pudessem

participar da produção. E este enriquecimento da significação foi logo

estancado.102

3.2.4 – Didatismo, indústria cinematográfica e produção crítica

À medida que a crítica cinematográfica de caráter militante dava sinais de que não iria

tão longe, o comportamento crítico foi aos poucos voltando à sua zona de conforto. No

começo dos anos 1970 a crítica impressionista retornava a seu lugar de prestígio na grande

imprensa diária, enquanto, em paralelo, uma crítica universitária, com base no estruturalismo

e na semiologia, auxiliava em dar um suporte científico à análise de filmes, porém de forma

ainda insuficiente:

[a crítica universitária] se resolve mais numa atitude de consumo de

elaborações estrangeiras, que de criação, e que representa uma hipertrofia

teórica que mascara a necessidade de elaborar as relações entre a produção

cinematográfica brasileira e a sociedade atual.103

Nesse momento, Bernardet (2011) aponta que escrita sobre cinema no Brasil seguiu

outros dois caminhos: análises presas ao enredo e ao conteúdo do filme e reflexões sobre o

mercado nacional, inseridas em uma lógica que, de acordo com ele, se enquadra em uma

lógica entendida por ideologia do desenvolvimento104

.

“Pouco defensáveis como crítica cinematográfica, estes textos que ficam presos a ao

enredo e ao conteúdo mais imediato de filmes tiveram sua função”105

, observa o crítico ao

refletir sobre a prática na época em que escrevia para o jornal Última Hora. Este tipo de

material, mais jornalismo do que crítica, tinha a intenção de levar informações polêmicas aos

leitores de jornal, sendo utilizava como forma para melhor atingir o público106

.

102

BERNARDET, 2011, p. 96 103

BERNARDET, 2011, p. 96 104

BERNARDET: 2011 105

BERNARDET, 2011, p. 115 106

BERNARDET: 2011

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Críticos como José Carlos Avellar e Eduardo Coutinho representariam o refinamento

dessa intenção. Com alternativas mais eficientes para a proposta de levar um conteúdo de fácil

compreensão ao público, os dois, durante sua atuação no Jornal do Brasil, estavam

“empenhados em salientar, em nível elementar e didático, a mecânica dos filmes como

espetáculo e como produtos industriais em relação que se estabelece entre os filmes e a

problemática de que pretendem tratar.”107

Características que podem ser percebidas, por

exemplo, nos trechos das críticas a seguir sobre os filmes Agonia do Terror, artigo de Avellar

para o longa de Gordon Hessler:

A história de Agonia do Terror reúne muitos dos elementos do mundo da

ficção criado pelos expressionistas na primeira metade do século. As

mesmas situações inventadas para formar o retrato crítico de uma sociedade

às vésperas do domínio nazista são encontradas aqui, onde pessoas são

comandadas por um poder absoluto empenhado na formação de uma super-

raça, montando peça por peça em laboratório um corpo humano mais puro e

resistente, uma nova espécie de Frankenstein.

[...] No entanto, uma vez toda a situação armada, uma vez colocada em

ordem as peças deste complexo mundo da ficção, nada mais funciona. O

roteiro tem uma preocupação, a direção do filme tem outra, e ao transformar

as indicações em imagens o realizador procurou extrair da história apenas os

elementos que tradicionalmente fazem parte do espetáculo cinematográfico.

Em realidade nos encontramos diante de um filme não acabado, onde o estilo

usado para contar a história nada tem a ver com o tema da conversa.108

109

Podemos visualizá-las também na crítica de Eduardo Coutinho para o filme Harry, o

Mão Leve, dirigido por Bruce Geller:

Os heróis de Harry, o Mão Leve vivem da punga, essa atividade artesanal no

mundo da delinquência organizada, feita da habilidade manual, reflexos

rápidos e conhecimento da natureza humana – segundo Casey (Walter

Pidgeon), o velho profissional em fim de carreira. Personagem mais

interessante da trama, ele orgulha-se do trabalho bem-feito aprendido

metodicamente com mestres legendários e lamenta, tal como um

representante da maioria silenciosa, a degradação dos costumes da grande

cidade, com sua cota diária de violências.

Hoje em dia, diz ele, já não se batem mais carteira como antigamente –

prefere-se golpear selvagemente uma pobre velhinha e arrebatar-lhe sua

bolsa. Por isso mesmo Harry conforma-se com rápidas temporadas em

praças mais tranquilas – no filme, os punguistas começam em Seattle,

passam por Victoria e terminam em Salt Lake City – e evita lugares como

107

BERNARDET, 2011, p. 115 108

AVELLAR, José Carlos. O Moderno Frankenstein. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 23 de jan. 1973 109

Ver em anexo G, página 69

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Nova Iorque, onde “poderia ser roubado” por amadores agressivos mais

ligados ao espírito da época.

[...] Harry, o Mão Leve, mais filme psicológico que thriller, não aprofunda

essa temática, nem tampouco as ligações perigosas que se forjam entre os

quatro heróis, em que a diferença de idade, o sexo e a competição – esta

marcada pela aspiração de ser um profissional e o desespero de ser um

fracasso, um perdedor – constituem os ingredientes.110

111

Entretanto, ao tratar dessa forma de análise fílmica por qual também enveredou a

crítica de cinema brasileira, Jean-Claude Bernardet (2011) põe em perspectiva um conflito

delicado que marca as relações entre a produção crítica e o cinema nacional: avaliações

negativas de produções brasileiras versus a ideia de que o esforço da nossa indústria

cinematográfica deve ser sempre enaltecido.

Desde as primeiras décadas do século passado, exultar o cinema nacional parecia

dever dos profissionais que escrevem sobre ele. A revista Cinearte já nos anos 1920 era

combativa com seu slogan que pregava que todo filme brasileiro deveria ser visto e reuniões

como I Congresso Nacional de Cinema Brasileiro, que aconteceu em 1952, recomendavam

que “os produtores e escritores de cinema tenham sempre em mente que a utilização de temas

nacionais significa a um só tempo fator decisivo para o progresso material do cinema

brasileiro e para a valorização e a difusão da nossa cultura.”112

Assim, criticar filmes produzidos pelo Brasil sempre foi um terreno sensível já que

expor uma opinião reprovando obras nacionais muitas vezes soava como sinônimo de falta de

apoio aos realizadores brasileiros. Esse comportamento foi um dos vetores responsáveis por

desencadear um fenômeno que marcou a escrita sobre cinema no Brasil: a hesitação dos

críticos entre uma atitude político-cultural e uma atitude industrial-comercial. Como o crítico

aponta:

Qual seria a viabilidade de um cinema que fosse crítico em relação à

sociedade brasileira e que se exibisse nas salas comerciais, sem um

mecanismo de distribuição-exibição para assegurar a continuidade da

produção? Por outro lado, produção-distribuição-exibição não necessitavam

de um cinema crítico para se afirmar, mas sim de qualquer tipo de filme que

fosse bem recebido por um amplo público.113

110

COUTINHO, Eduardo. Punguistas ao entardecer. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 2, 14 de nov. 1973 111

Ver em anexo H, página 70 112

BERNARDET, 2011, p. 184 113

BERNARDET, 2011, p. 183

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Diante desse impasse, Jean-Claude Bernardet (2011) explica que os críticos não

questionaram o problema, mantendo as duas questões juntas, sem muito indagar sobre suas

afinidades. O resultado foi uma reflexão teórica insuficiente sobre “a significação e as

possibilidades de atuação política do cinema brasileiro”114

, o que levou a outra tendência na

produção crítica nacional, a escrita de textos referentes à situação do cinema brasileiro no

mercado e a política da indústria. Esse artigo escrito pelo jornalista Ênio Squeff para

Suplemento Literário do jornal Estado de São Paulo, é um bom exemplo dessa corrente:

O Brasil produziu 70 filmes no ano passado, a um custo total de 24 milhões

e meio de cruzeiros. Há 382 produtores inscritos no Instituto Nacional de

Cinema (INC), a grande maioria deles no Rio e em São Paulo. Mas apesar

dos incentivos, dos financiamentos e das facilidades criadas pelo INC, o

cinema nacional não conseguiu superar uma crise que vem desde o seu

nascimento.115

116

Ou o próprio texto em que Carlos Murao escreve para o semanário carioca Opinião,

sobre a ilusão de que os filmes ditos “cultos” tinham mais a dizer do que a pornochancada:

Os Condenados é um aristocrata congelado do cinema brasileiro. Ainda

Agarro Esta Vizinha é preferível, porque se relaciona com o grande público,

falando um pouco e sobre este grande público, porque não tem veleidades

em relação a uma artificial “cultura culta”. E se a pornochanchada tem

valores conservadores ou retrógrados, os valores veiculados por Os

Condenados e filmes afins não são menos conservadores, nem menos

retrógrados.117

Ainda que de origem problemática, voltar o olhar para o funcionamento da indústria

seria útil não só para construir uma reflexão sobre a conquista do mercado, mas também

auxiliar a produção crítica. Para Bernardet (2011), falar, pensar e – escrever – sobre a

máquina cinematográfica no Brasil é importante porque ajuda “o crítico a não ver o filme

como algo abstrato, destacado do contexto da produção, contribui para inseri-lo dentro do

processo cultural de que ele é parte e não juiz”.118

114

BERNARDET, 2011, p 185 115

SQUEFF, Ênio. Cinema Em Transe. Estado de São Paulo, São Paulo, p. 4, 5 de dez. 1971 116

Ver em anexo I, página 71 117

BERNARDET, 2011, p. 235 118

BERNARDET, 2011, p. 217

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3.2.5 – Renascendo das cinzas: crítica e o Cinema de Retomada

Ao visitar algumas das tendências que marcaram a forma de escrever sobre cinema no

Brasil, é inevitável não pensar em como o cenário desolador da indústria deixado pelas

medidas nada benéficas do governo Collor e depois seu renascimento das cinzas - que ficou

conhecido como Cinema de Retomada – afetaram a crítica.

Neste período, o quadro era decadente: a Embrafilme, empresa estatal responsável por

produzir e distribuir filmes no Brasil, já se mostrava um modelo falido119

, recebeu seu golpe

de misericórdia com o decreto de lei nº 99.226 de 1990, que a extinguiu junto a outras

entidades de administração pública120

. Não demorou muita para que outros órgão

responsáveis como o Conselho Nacional de Cinema (Concine) e a Fundação do Cinema

Brasileiro (FCB) tivessem o mesmo destino.

Com essas ações, a produção cinematográfica brasileira chegou a praticamente zero,

passando a existir em condições precárias:

Alguns filmes, é verdade, tinham sido produzidos antes do desastre. Outros

se fizeram em condições primárias, foram mal lançados, ou nem chegaram

às telas das salas comerciais. Assim, debilitado, o cinema brasileiro saiu do

imaginário popular brasileiro.121

Entretanto, essa imagem de degradação não durou por toda a década de 1990. Com o

impeachment de Collor, o investimento na indústria cinematográfica aos poucos volta a

acontecer: através da lei nº 8.685 de 1993, conhecida como Lei do Audiovisual, promulgada

no governo Itamar Franco, cria-se mecanismos para captação de recursos via renúncia

fiscal122

, o que volta a da dar vida às produções nacionais.

Com nosso cinema em fase de recuperação, o relacionamento entre a crítica e os

filmes modifica-se. Segundo Oricchio (2003), antes mesmo das medidas tomadas pelo

governo, fatais para nossa indústria, o cinema nacional passou durante a década de 1980 por

um período de desmonte, fenômeno que para ele germinou com o contexto sociopolítico da

época. A reta final da guerra fria, com a vitória – mesmo que não dita - de um dos lados, o

119

ORICCHIO : 2003 120

BRASIL. Decreto n. 99.226 de 27 de abril de 1990. Dispõe sobre a dissolução de entidades da Administração

Pública Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-

1994/D99226.htm:> Último acesso: 22.10.17 121

ORICCHIO, 2003, p. 26 122

BRASIL. Lei n. 8.685 de julho 1993. Cria mecanismos de fomento à atividade audiovisual e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8685.htm> Último acesso: 22.10.17

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flerte com as políticas neoliberais faz, para ele, com que o cinema passe a ser tratado com

certo desdém pelos órgãos de imprensa, o que se ajusta “perfeitamente a ideologia liberal dos

proprietários dos veículos daquele momento.”123

Assim, a relação que se estabelece entre os críticos e o Cinema da Retomada é

ambígua. Uma parte da crítica, que participou do desmanche apontado pelo crítico paulista,

continuou fingindo que o cinema nacional não existia124

. Já outra, “reviu taticamente sua

posição”125

e voltou a crer no mercado brasileiro quando ele voltou a dar sinais de vida. Como

Oricchio (2003) explica:

O cinema brasileiro, redivivo, passava a significar mercado de trabalho,

algum poder e, portanto, deveria ser respeitado, pelo menos como atitude de

fachada. Gente que no começo da década nem podia ouvir falar em filmes

brasileiros passou a citar Paulo Emílio Salles Gomes e Glauber Rocha como

se fossem referências de longa data. Esse tipo de conversão tardia, como

toda forma de oportunismo, não deixa de ter seus aspectos preocupantes. São

adesões revogáveis a qualquer momento, se as coisas mudarem para pior.126

Já outra corrente de críticos, que não seguiu o caminho do desmanche, foi no sentido

contrário. Com postura paternalista, esse segmento encarava a produção renascente quase

como uma pessoa doente, que “estivera à beira da morte e agora emitia sinais vitais mais

estáveis deveria ser tratado com todo o cuidado”.127

Em sua análise do filme Central do Brasil para a Folha de S. Paulo, Inácio Araújo é

crítico a esse sintoma:

O cinema brasileiro ainda procura heróis. E ninguém no momento representa

melhor essa figura redentora do que Walter Salles Jr. Seu filme foi bem

acolhido no Sundance Festival, no EUA. [...] Mas, por mais que se queria

fazer de Walter Salles o Ruy Barbosa do fim do século 20, a verdade é que

uma cinematografia (como país, no mais), não existe por suas exceções. E

uma obra não se constrói por um golpe só.128

Contudo, independente dessas posições, Oricchio (2003) destaca um episódio em

particular que fez os críticos entrarem em convulsão, como há muito não acontecia: o

lançamento de Cidade de Deus, em 2002. Polêmico, o filme se viu em meio a um embate que

123

ORICCHIO, 2003, p. 216 124

ORICCHIO: 2003 125

ORICCHIO, 2003, p. 217 126

ORICCHIO, 2003, p. 217 127

ORICCHIO, 2003, p. 217 128

ARAUJO, Inácio. Salles busca pátria e estilo em “Central”. Guia da Folha. São Paulo, p. 36, 3 de abr. 1998

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de um lado acreditava que o longa estetizava a pobreza, “miséria bonitinha, para gringo ver e

classe média comprar”129

e do outro que o defendia como espetáculo da melhor qualidade:

[...] o barulho causado pelo filme foi real. De uma forma ou de outra, toda a

crítica em atividade, daquela que atua em jornais e revistas semanais a

revistas de cultura mensais, como a Bravo!, por exemplo, pronunciou-se

sobre o filme. Cidade de Deus mobilizou também colunistas e críticos

bissextos.130

O cenário agora é outro. A repercussão de Cidade de Deus, que movimentou não só a

crítica como o público, serve como marco do fim de um período para o começo de outro131

.

Após ressurgir das cinzas, a indústria cinematográfica nacional passa por um momento de

estabilidade, mas com um porém: as formas de consumo não só de filmes, quanto de crítica se

modificou com a chegada da internet.

Uma das lições que se pôde tirar da experiência tida entre o Cinema de Retomada e a

crítica foi que “se o cinema brasileiro precisa da crítica para se revitalizar e reavaliar seus

parâmetros, a crítica precisa do cinema brasileiro para existir”132

. Entretanto, no século XXI, a

crítica transbordou as páginas dos jornais e ocupa espaços fluídos, de alta fragmentação, não

há limites para quem quer analisar filmes. Nesse novo contexto, essa relação cinema brasileiro

e crítica torna-se um novo desafio.

129

ORICCHIO, 2003, p. 222 130

ORICCHIO, 2003, p. 221 131

ORICCHIO: 2003 132

ORICCHIO, 2003, p. 218

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4. CRÍTICA DE CINEMA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI: RETRATO

CONTEMPORÂNEO

Nas páginas de jornais e de revistas a crítica de cinema se fez. Entretanto, assim como

a observação da arte não se manteve a mesma no curso da história, não seria diferente com o

exame crítico do cinema. Investigadas algumas tendências que orientaram a produção crítica

no Brasil, transformações que se deram através de modificações políticas e socioculturais,

resta pensar qual é o lugar da crítica nos jornais hoje, objetivo no qual se debruça esse

capítulo: se pudéssemos, como em uma fotografia, capturar a imagem da crítica de cinema da

atualidade, como ela seria?

4.1 - Jornais em transformação e mudanças do ecossistema midiático

Revisitando o conceito de David Bordwell (1991) de “instituições interpretativas”,

sabemos que o jornalismo é uma das esferas de manifestação da crítica de cinema. Tanto no

que o autor aponta como crítica jornalística quanto como crítica ensaística, dependem de

publicações como jornais, revistas, televisão, rádio e publicações especializadas (semanais,

mensais, quadrimestrais...) para existir.

Inserida no fluxo dos meios de comunicação de massa – o cinema por si só é um

veículo massivo de informação -, a crítica cinematográfica, então, está sujeita às

transformações das lógicas comunicacionais. Para compreender as modificações que a prática

pode sofrer, em particular com as mudanças possíveis no ecossistema midiático, é preciso

observá-la por uma facete de sua natureza comunicativa: a de dispositivo.

Refletindo sobre essa constante no pensamento de Foucault, Braga (2013) observa que

a escrita jornalística de cinema se enquadra na noção “de uma meada, um conjunto

multilinear, composto por linhas de natureza diferente”133

, em que o crítico é um dos sujeitos

capazes de interferir nessas linhas. A autora observa:

Até aqui, sabemos: a crítica jornalística de cinema é um dispositivo que se

expressa em formato do gênero jornalístico de opinião; trata-se de um

formato híbrido de informação e opinião cujo objetivo é apreciar, interpretar

e avaliar as obras cinematográficas por meio do texto; e, por fim, possui uma

133

DELEUZE apud BRAGA, 2013, p. 110

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estrutura padrão composta por sinopse, informações gerais sobre o filme e

avaliação geral do crítico.134

Enquanto dispositivo, é possível entender a crítica cinematográfica através da

concepção de ecologia midiática. Campo de investigação que encara os meios de

comunicação como ambiente – conceitualmente observado por McLuhan e formalmente

introduzido por Neil Postman135

-, segundo Braga (2013), a ecologia pode ser compreendida

como o estudo das ações dos dispositivos midiáticos variados na constituição das trocas

comunicativas.

Nessa lógica, os meios de comunicação e sua relação com a sociedade compõem um

sistema de conexões cujas interações podem interferir na cultura de um povo136

, o que não

passa imune às possíveis transformações por quais esses meios são capazes de atravessar. Sob

essa perspectiva, investigar o lugar ocupado pela crítica de cinema no momento presente, em

especial no jornal, exige pensar nas modificações sofridas por esse veículo, as novas tensões

que regem as linhas desse dispositivo137

.

Na virada do século, as condições de existência do jornalismo impresso se modificam

de forma significativa. Como Marialva Barbosa (2007) observa em História Cultural da

Imprensa, algumas mutações passam a afetar o jornalismo diário a partir da década de 1980,

como: a supervalorização da editoria de economia, a radicalização do ‘jornalismo cidadão’, a

multiplicação de cadernos especializados que priorizam colunas de pequenas notas e, entre

elas, a utilização das tecnologias de informática.

Entretanto, com o passar das décadas, a informatização ultrapassou a estação de

trabalho das redações e se expandiu não só para produção de conteúdo, mas também para sua

forma de consumo. Importante destacar que tais transformações tecnológicas nos meios de

comunicação, seguindo o raciocínio da ecologia midiática, não se organizam de forma aditiva

- elementos que existem isoladamente e se somam - mas sim de forma “ecológica”,

contaminam-se. Neil Postman (apud Braga) explica o fenômeno:

É isso que eu chamo de mudança ecológica. Um novo meio não acrescenta

alguma coisa: muda tudo. No ano 1500, depois que a prensa foi inventada,

134

BRAGA, 2013, p. 93 135

BRAGA : 2013 136

BRAGA : 2013 137

Como Mouillaud pontua o jornal também é um dispositivo: “os dispositivos se encaixam uns nos outros. O

jornal se inscreve no dispositivo geral da informação e contém, ele próprio, dispositivos que lhe são

subordinados (o sistema dos títulos, por exemplo).” (MOUILLAUD apud BRAGA, 2013, p. 98)

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você não teve a velha Europa somada à prensa. Você teve uma Europa

diferente. Depois da televisão, América não foi América mais televisão.

Televisão deu novas cores a todas as campanhas políticas, todas as casas,

todas as escolas, todas as igrejas, todas as indústrias e assim por diante.138

Os meios de comunicação se modificam de modo ecossistêmico, mas concentrando-se

nas mutações na imprensa brasileira durante transição entre séculos, restou aos jornais adotar

estratégias discursivas para alinhar-se ao novo contexto midiático que se articulava. De

acordo com Barbosa (2007), para ampliar seu poder simbólico, o impresso intensificou a

idealização de um jornalismo cidadão - a noção construída de que a ação cotidiana do

jornalismo deve ter uma utilidade social – e passou a aderir a critérios editoriais ligados a

temporalidade pautada pelas novas redes.

Com os jornais entrando em um processo de metamorfose, a crítica de cinema e seu

espaço de manifestação na imprensa também passam por mutações. É o que Braga (2013)

constata: “[...] no momento em que o formato crítica habita uma ambiência dinâmica, fluida e

heterogênea, dificilmente ele passará incólume da contaminação provocada a cada novo

ambiente”139

.

Para compreender melhor o contexto atual da análise fílmica no jornalismo impresso,

iremos investigar como a prática ainda se expressa nos periódicos de maior circulação no país,

comparando-a com a produção do passado e sua relevância frente às novas possibilidades de

crítica cinematográfica que surgem com a internet. Para auxiliar a compreensão do cenário

contemporâneo, um exame do perfil de consumo de leitores de crítica será feito.

4.2 - Passado e presente

Se o jornalismo diário passou por um rearranjo significativo na virada dos 1900 para

os 2000, a crítica jornalística de cinema não atravessou esse período sem sentimentos

conflitantes. Pelo contrário, a chegada da primeira década do século XXI representou para a

crítica no jornal o crescimento de uma sensação de mal-estar140

.

Desse modo, para entender tal incômodo e compreender como hoje a crítica de

cinema ocupa as páginas dos jornais, um dos caminhos é observar, na prática, como ela se

138

POSTMAN apud BRAGA, 2014, p. 99 139

BRAGA, 2013, p. 100 140

ROBERTS : 2010

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manifesta. Assim, serão analisadas três publicações de maior influência e grande circulação

no Brasil: O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.

Segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC)141

, no ano de 2015, a

tiragem do jornal O Globo foi a segunda maior do país142

, com uma média de 193.079

exemplares circulando por dia, seguido da Folha de S. Paulo, com 189.254 exemplares e o

Estado de S. Paulo com 157.761. Já na circulação diária do conteúdo digital, quem assume a

liderança é a Folha com uma média de 146.641 exemplares, seguida do jornal O Globo, com

118.143. O Estado de S. Paulo ocupa a terceira posição, com 78.410 exemplares no digital.

A análise que se segue é resultado da observação desses periódicos durante a semana

do dia 30 de abril até o dia 6 de maio de 2017. É preciso destacar que nessa data não houve

evento de grande repercussão ligado a cinema que exigisse algum tipo de cobertura especial –

como mostras, festivais, etc -, logo, neste aspecto, é um período corriqueiro nos jornais,

apenas com a agenda de lançamentos da semana.

Assim, ao longo desses sete dias, pode-se verificar que O Globo publicou uma crítica

(A Mulher Que Se Foi, de Lav Diaz) e o Estado de S. Paulo duas (Clash, de Mohamed Diab;

Vermelho Russo, de Charly Braun). Já a Folha de S. Paulo destoa com sete críticas veiculadas

(Clash; A Mulher Que Se Foi; Corra, Jordan Peele; Norman, Joseph Cedar; Melhores Amigos,

Ira Sachs; Rockdog - No Faro do Sucesso, Ash Brannon; Beduíno, Júlio Bressane).

Diferente dos demais, o jornal carioca publica todos os dias, exceto às sextas-feiras, a

seção O Bonequinho Viu oferece breves avaliações de críticos sobre os filmes em cartaz. Estas

não foram consideradas aqui pelo fato de não oferecerem uma análise aprofundada, mas se

pretenderem um guia de consumo rápido, indicando o que supostamente vale ou não ser

assistido.

Antes de contrapor presente e passado é importante esclarecer que há a devida

consciência que esses números não são estáticos e dependem de algumas variáveis, como a

quantidade de filmes em cartaz e se o título é relevante o suficiente para receber crítica.

Contudo, mesmo passíveis de flutuações, por lado a lado esses dados sobre a crítica

141

Os maiores jornais do Brasil de circulação paga, por ano. Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-

jornais-do-brasil/> Acesso em: 12.11.17 142

Só perde para o tabloide mineiro Super Notícia, que alcançou em 2015 uma circulação diária média de

249.297 exemplares.

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jornalística de cinema é uma ferramenta útil para entender seu tratamento em períodos

distintos.

Comparando os periódicos a suas edições publicadas há 50 anos143

, é possível

perceber que houve uma retração da crítica. Na mesma data no ano de 1967, O Globo, que

não circulou em 30 de abril e 1º de maio, publicou quatro críticas (Epopeia dos Anos de Fogo,

de Aleksandr Dovzhenko; Dois Contra o Oeste, de Michael Gordon; Quem Tem Medo de

Vírginia Woolf?, de Mike Nichols; e Judith, de Daniel Mann). O Estado de S. Paulo, que

também não circulou no feriado do Dia do Trabalho, seguiu o mesmo número (Vikings, Os

Conquistadores, de Richard Fleisher; Cléo de 5 a 7, de Agnés Varda; Georgy, a Feiticeira, de

Silvio Narizzano; Terra em Transe, de Glauber Rocha).

O caso da Folha de S. Paulo é curioso: apenas duas críticas foram publicadas, mas o

cinema foi uma pauta constante para o periódico nessa semana, com notícias sobre o 20º

Festival de Cannes. Além dos dois artigos sobre Cléo de 5 a 7, filme dirigido por Agnés

Varda, o jornal veiculou nessa semana 14 matérias – três na capa do caderno - e três notas

sobre o tema. Número bem maior que o do material publicado 50 anos depois em que foi

publicada uma matéria frente a sete notas.

Essa escolha editorial que investe em reduzir o conteúdo em notas e em artigos com

muitas subdivisões, às vezes condensadas em recursos como infográficos e retrancas, é efeito

colateral das novas tecnologias no jornalismo144

. Segundo Barbosa (2007) essas estratégias

apontam a velocidade e aceleração dos dias atuais e parecem ser a materialização narrativa

dessa nova temporalidade.

As críticas estão mais breves e raras. Como Roberts (2010) aponta, em um cenário em

que o impresso perde cada vez mais espaço para o digital, a imprensa passa a abrir mão da

responsabilidade de sustentar crítica cinematográfica de qualidade para tentar manter a

fidelidade do público. Seguindo essa lógica, ao falar sobre cinema passa-se a valorizar mais

material que tenha apelo, como entrevista com atores famosos e dados sobre a produção, do

que a avaliação que um crítico possa dar sobre os méritos de um filme145

.

143

Vale ressaltar que no período, apenas a Ilustrada da Folha de S. Paulo existia como um caderno autônomo. A

área de cultura do O Globo era publicada ao lado de outros assuntos, como saúde e esportes, a chamada Segunda

Seção. No Estado de S. Paulo não só era o último ano de vida do Suplemento Literário, como não havia um

caderno diário específico para o assunto. 144

BARBOSA : 2007 145

ROBERTS : 2010

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Com o jornal de papel em crise, reduzindo de tamanho, dando fim a cadernos e

demitindo em massa para cortar custos, dedicar linhas a crítica de cinema parece um luxo

desnecessário. Sensação que se intensifica quando um dos recursos para a sobrevivência do

jornalismo impresso é reduzir-se a um caráter frio de serviço, o que fatalmente enxugaria,

entre todas as coisas, a crítica.

Leah Rozen (apud Roberts), crítica conhecida por seu trabalho na revista americana

People, narra uma das consequências do fenômeno:

Editores em todos os lugares foram afetados pela influência do jornalismo de

serviço a ponto em que você os encontra questionando porque os críticos vão

tão longe quando tudo o que os leitores realmente querem saber é - se eles

devem assistir ao filme ou não?146

Não é por outro motivo que a cotação torna-se parte fundamental da crítica

cinematográfica no jornal diário de hoje. Dar notas para os filmes é um hábito antigo - a

revista Cinearte fazia isso em plena década de 1920 e o Bonequinho Viu do O Globo existe

desde 1938147

-, mas com o conteúdo do jornal, mais do que nunca, disputando a atenção com

outros meios de informação, mecanismos que atinjam o leitor de modo imediato tornam-se

necessários. Basta observar os periódicos investigados para essa análise: os três acompanham

suas críticas com notas.

No recorte feito, o próprio O Globo, por exemplo, publicou apenas um texto com

profundidade sobre um filme em lançamento, mas seu quadro de avaliações esteve presente

todos os dias, menos na sexta-feira, classificando os lançamentos entre aqueles em que o

bonequinho “deixou a sala” ou em que ele “aplaudiu de pé”. De acordo com o site do veículo,

nos últimos 20 anos a seção cotou 6.365 longas-metragens148

.

Contudo, importante recordar que o ecossistema midiático contemporâneo é

híbrido149

, logo a imprensa não só modificou a forma de produzir conteúdo projetado para um

suporte material, mas também expandiu também suas possibilidades para o digital. Se por um

146

“Editor everywhere have been affected by influence of service journalism to the point where you find tem

asking why critics are going on at such length when all the reader really want to know is - should they go to the

movies or not?” (ROZEN apud ROBERTS, p. 400) Tradução nossa. 147

Novo site do Rio Show traz melhor da programação cultural da cidade. Disponível em:

<https://oglobo.globo.com/cultura/novo-site-do-rio-show-traz-melhor-da-programacao-cultural-da-cidade-

21752532> Acesso em: 17.11.17 148

Novo site do Rio Show traz melhor da programação cultural da cidade. Disponível em:

<https://oglobo.globo.com/cultura/novo-site-do-rio-show-traz-melhor-da-programacao-cultural-da-cidade-

21752532> Acesso em: 17.11.17 149

BRAGA : 2013

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lado a escrita jornalística de cinema parece não ter mais lugar no papel, na internet o terreno

parece fértil para sua prática. Dessa maneira, o caminho que a mídia tradicional encontrou

para contornar a ausência de certo material, que, dentro dos parâmetros que já foram

discutidos, não cabe no impresso, é veiculá-lo em sua respectiva plataforma digital,

mecanismo conhecido como remediação150

.

Na edição do O Globo do dia 5 de maio há um bom exemplo desse artifício: no final

da matéria sobre o filme Clash, dirigido pelo egípcio Mohamed Diab, que havia entrado em

circuito comercial no dia anterior, há a recomendação “Leia a crítica do filme no Rio Show”151

152. Acessando o portal, que serve como guia sobre ofertas culturais do Rio de Janeiro, é

possível ler não só a crítica do longa em questão, mas de todos as produções cotadas pelo O

Bonequinho Viu. O material é exclusivo para a internet.

Ao contrário de alguns anos atrás, em que parte desse material envelhecia junto com o

jornal do dia, a tendência é que com a sua materialização no digital ele continue vivo e

permaneça chegando até o público. Inserida em uma lógica hipermediática, a crítica de

cinema que nas páginas dos jornais era transmitida em um fluxo “um-muitos”, ao ser lançada

à web passa a seguir um caminho “um-a-um”, permitindo com que ela seja compartilhada,

recontextualizada, reconfigurada. Esses dois fluxos é o que Braga (2013) aponta como lógica

transmissiva e lógica de compartilhamento, respectivamente.

Refletindo sobre o próprio trabalho, Jean-Claude Bernardet (2008) mostrou que a

forma de fazer crítica de cinema no Brasil foi afetada por características socioculturais e

políticas. Luiz Zanin Oricchio (2011), por sua vez, deu pistas sobre como os críticos reagiram

com o renascimento da nossa fragilizada produção nacional durante a década de 90. Nos dois

olhares, a crítica jornalística de cinema brasileira foi moldada a partir de nossas

particularidades culturais. Agora a tendência é outra.

A crítica jornalística de cinema faz parte do ecossistema midiático contemporâneo,

incorporando as características desse novo ambiente a seu dispositivo, porém essas

modificações transbordam os limites de questões nacionais. Ao pensar como a tecnologia

transformou as lógicas comunicativas, reorganizando a forma como a sociedade se constitui

150

BRAGA : 2013 151

GIANNINI, Alessandro. Primavera sem Flores: Cinema de Guerrilha no Cairo. O Globo. Rio de Janeiro, p. 3,

5 de maio 2017. 152

Ver em anexo J, página 72

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em rede, Manuel Castells (2005) aponta que a comunicação é ao mesmo tempo local e global.

Assim, o retrato contemporâneo da crítica cinematográfica no Brasil faz parte de um

fenômeno amplo, que transborda os limites do nosso próprio país. Para compreendê-lo

melhor, observaremos em seguida o perfil de consumo desse tipo de conteúdo.

4.3 - Consumo de crítica de cinema

Assim como um filme é feito para ser assistido por alguém, o que faz com que surjam

“espectadores profissionais”153

como o crítico, um texto é escrito para ser lido. Pode parecer

uma relação óbvia, mas como Braga (2013) relembra um pensamento de Umberto Eco: “todo

texto quer alguém que o ajude a funcionar”154

. Dessa forma, observar o leitor, seu hábito,

pode ser útil para conceber a mudanças que atingem a crítica cinematográfica, sua relevância

ainda hoje e as novas possibilidades surgem para ela.

Para tentar encontrar algumas respostas a essas questões, foi formulado um

questionário online com base na pesquisa realizada até então por esse trabalho. A enquete,

com nove perguntas, foi aplicada em alguns grupos da rede social Facebook voltados para

discutir cinema ou cultura em geral, que foram: Cinéfilos Malditos (17.520 membros), Dias

de Cinefilia (22.112 membros), Pseudo Cinéfilos – O Grupo (99.193 membros), Terror In

Box (6.671 membros), Vivieuvi (7.971 membros).

Foram obtidas 357 respostas válidas, sendo que 78,4% das pessoas têm o costume de

ler crítica sobre os filmes que assistiram ou pretendem assistir, contra 21,6% que não têm esse

hábito. Mapeando o lugar de onde vêm as respostas, 67,8% são do Sudeste, 12,3% do

Nordeste, 10,9% vivem no Sul, 6,7% moram no Centro-Oeste e apenas 2,2%, no Norte.

Observando a faixa etária, foi constatado que no primeiro grupo 52,1% têm entre 21 e

30 anos, 26% entre 15 e 20 anos, 12,5% entre 31 e 40 anos, 4,28% entre 51 e 60 e 1% mais de

60 anos. Já no segundo, 46,7% se enquadram entre 21 e 30 anos, 32% entre 15 e 20 anos, 9%

entre 31 e 40 anos, 6,4% entre 41 e 50 anos, 3,8% entre 51 e 60 anos e 1% tem mais de 60

anos. Percebe-se, então, que o público que mais consome esse conteúdo é majoritariamente de

153

BERNARDET : 2011 154

ECO apud BRAGA, 2013, p. 87

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jovens adultos. Importante salientar, no entanto, que a análise está limitada aos dados

coletados.

Sobre a escolaridade, pode-se constatar que quem lê crítica tem um nível alto de

educação formal. Nesse grupo, 40,3% dos leitores têm o Ensino Superior Completo, 28,2%

estão cursando o Ensino Superior, 11,4% têm o Ensino Superior Incompleto, 8,92% têm o

Ensino Médio Completo e 1,42% está cursando o Ensino Fundamental II.

Nesse aspecto, não há grande variação com o grupo de não-leitores, o que talvez seja

uma característica dos participantes dos fóruns com essa temática na internet. No núcleo que

não consome esse conteúdo, 35% cursam o Ensino Superior, 31,1% têm o Ensino Superior

Completo, 12,98% têm o Ensino Médio Completo, 11,68% têm o Ensino Superior

Incompleto, 6,49% estão cursando o Ensino Médio e 2,59% têm o Ensino Médio Incompleto.

Delineado esse perfil inicial, o passo seguinte foi tentar descobrir quais meios são os

mais populares para saber dos lançamentos de filmes. As redes sociais lideram com 89,9%

dos votos, sites especializados em cinema vêm em segundo com 69,2% seguidos de portais

online de grandes veículos de imprensa, com 32,2%. Televisão é o quarto caminho mais

utilizado com 19,6%, depois vêm os veículos impresso com 14% e o rádio com 3,4%. No

espaço aberto à sugestão, alguns participantes apontaram que conhecem os títulos a estrear

através de amigos (1,9%), de Media Out-Of-Home (Outdoors, propaganda em meios de

transporte, etc) (0,8%), de trailers e da conferência da programação de cinemas (1,1%).

Investigando apenas o público leitor de crítica, como mostra o Gráfico 1, os sites

especializados (como Omelete, Adoro Cinema, Cinética, etc) são os mais procurados, com

87,1%,quando se quer ler alguma análise sobre filmes. Ainda no campo virtual, as Redes

Sociais são a segunda forma mais utilizada para ter acesso a críticas com 72,5%. Depois vêm

sites responsáveis por agregar esses textos como o Rotten Tomatoes e o Metascore com

47,9%, os portais online da grande mídia com 34,6% e por fim os veículos impressos com

14,6%.

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A partir desses dados, é possível visualizar as novas configurações do ecossistema

midiático apontados por Braga (2013), sua natureza heterogênea, dinâmica e fluida e como a

crítica cinematográfica é afetada por elas. Diante dos números, constata-se que os meios de

comunicação coexistem, mas as transformações, ecológicas, como proposto por Neil Postman

(apud Braga), fazem com que elas não tenham o mesmo poder de informação. O impresso é

hoje menos influente que há 50 anos e perde para os formatos ágeis e plurais como os

disponíveis pela internet.

Em relação às redes sociais, que aparecem duas vezes como uma das formas mais

utilizadas para encontrar material informativo sobre cinema (ver Gráfico 1 e Gráfico 2), os

leitores de crítica cinematográfica que responderam o questionário apontaram o YouTube

como a rede mais utilizada para ter acesso a esse tipo de conteúdo, com 64,8%. Verifica-se

também no Gráfico 2, que depois vem o Facebook com 58,6%, seguido de plataformas

voltadas para o público cinéfilo, como o site estrangeiro Letterboxd e o brasileiro Filmow,

com 30% e o Twitter com 12,8%.

Todavia, por mais que no senso comum exista a discussão se a crítica cinematográfica

está morrendo ou não, os números apurados no questionário apontam que ainda há relevância

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na figura no crítico e valor em sua análise. Como mostra o Gráfico 3, 58,2% acreditam que a

palavra do crítico os influencia na hora de assistir ou não a um filme, 41,8% afirmam que não.

Por fim, pensando na questão apontada por Truffaut (1989) sobre como qualquer

pessoa opina sobre cinema sem constrangimentos, foi questionado “Você compartilha suas

impressões sobre cinema na internet?”. O resultado é bem divido: 46,4% responderam que

não 44,3% apontaram que têm esse hábito. Dos demais 6,8% informaram que se consideram

críticos amadores e compartilham esse conteúdo em plataforma digital, contra 2,5% que são

críticos profissionais. Essa problemática, exposta no Gráfico 4, será aprofundada mais a frente

ainda neste capítulo.

Apresentados os números, o retrato da crítica cinematográfica contemporânea fica

mais nítido. Percebe-se que no impresso, que luta pela sua sobrevivência, ela está no final da

lista de prioridades e na internet ela tem espaço ilimitado para se manifestar. Para poder

concluir essa reflexão, a última análise que será feita é comparar a produção da crítica no

jornal com a das redes. O objeto que auxiliará no confronto é o filme Aquarius (2016),

dirigido por Kléber Mendonça Filho.

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4.4 - Crítica de cinema e suas possibilidades no presente

No dia 1º de setembro de 2016, chegava aos cinemas brasileiros um dos filmes mais

controversos daquele ano: Aquarius, escrito e dirigido pelo cineasta recifense, Kléber

Mendonça Filho. Depois de chamar a atenção na 69ª edição do Festival de Cannes, as

expectativas eram altas, não só por ter caído na graça da crítica internacional, mas pelo

protesto que a equipe da produção fez contra o processo de impeachment da presidente da

República Dilma Rousseff, de o Ministério da Justiça ter classificado o filme como impróprio

para menores de 18 anos e de ter sido excluído do processo de seleção a representante

brasileiro ao prêmio da Academia.

Por tamanha comoção midiática entorno do projeto, Aquarius pode ser um bom objeto

para tentar enxergar com mais clareza, como as mudanças comunicativas no século XXI

transformaram a crítica cinematográfica brasileira, entender as novas linhas que a regem e o

novo espaço que ocupa, uma vez que, como já foi observado neste capítulo, não é mais nas

páginas dos jornais diários. Para isso, será comparado a recepção crítica.

Começando pela grande imprensa, apenas O Globo e O Estado de S. Paulo publicaram

crítica no dia da estreia. O jornal carioca deu ênfase ao lançamento da produção divulgando

uma reportagem na capa155

do Segundo Caderno e um texto analítico156

na página seis. O

Estado de S. Paulo, por sua vez, não elegeu a estreia do longa como um dos destaque daquela

quinta-feira, veiculando apenas uma crítica157

na página sete do Caderno 2. A Folha de S.

Paulo falou sobre Aquarius na terça-feira daquela semana, dia 30, com matéria158

e crítica159

na capa do caderno Ilustrada. Exceto a crítica do O Globo, as demais estão disponíveis nas

respectivas plataformas online dos jornais.

Ao somar o material produzido pelos três jornais é possível ver uma das primeiras

diferenças do impresso em relação à web: a variedade de informação. Nos três periódicos de

maior circulação do Brasil o máximo que alguém poderá consumir são três artigos analisando

a obra, na internet. Já pesquisando no Google a combinação “Aquarius crítica”, o número de

resultados é 290.000, encontrados em menos de um segundo.

155

RISTOW, Fabiano. As outras questões de Aquarius. O Globo, Segundo Caderno, p. 1, 1 de set. de 2016. 156

MIRANDA, André. Memória e Presente. O Globo, Segundo Caderno, p.6, 1 de set. de 2016. 157

ORICCHIO, Luiz Zanin. Polêmico ‘Aquarius’ é elogio à resistência. Estado de S. Paulo, Caderno 2, p 7, 1 de

set. de 2016. 158

GENESTRETI, Guilherme. E nem estreou. Folha de S. Paulo, Ilustrada, p .1, 30 de ago. 2016 159

ARAÚJO, Luiz Inácio. Sônia Braga está espetacular em filme construído meticulosamente. Folha de S.

Paulo, Ilustrada, p .1, 30 de ago. 2016

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É certo que essa quantia não significa que todos os mais de 200 mil links

correspondem a críticas sobre o filme, mas oferece uma noção da amplitude da rede. Portanto,

mesmo que o dado fornecido pelo buscador não corresponda a um número real de artigos, a

internet põe a disposição do leitor um quantidade vasta de conteúdo, muito maior que

qualquer veículo tradicional possa oferecer.

Para comprovar, um caminho é acessar sites especializados como Adoro Cinema,

Rotten Tomatoes e Internet Movie Database (IMDB). Os três portais funcionam com uma

base de dados cinematográfica, cada um com sua particularidade, fornecendo informações

técnicas sobre filmes e compilando avaliações tanto do público quanto da crítica

especializada. No primeiro, navegar pela aba da crítica da imprensa na ficha de Aquarius, o

usuário, além de ler a própria análise feita pelo site, tem acesso a outros 25 críticas desde os

artigos publicados pelo O Globo, Folha de S. Paulo e O Estadão, como de outros veículos

impressos (Diário de Pernambuco, Veja, Gazeta do Povo, Zero Hora e Rolling Stone) e

online, nacionais e internacionais.

Nas páginas estrangeiras o número salta. O Rotten Tomatoes, conhecido por somar a

notas dos críticos separando os filmes entre tomates “podres” e “frescos”, o que tem gerado

discussões sobre a sua influência na bilheteria, oferece acesso a 99 críticas, de veículos de

todo o mundo. O IMDB não sai perdendo: além de dar ao usuário a oportunidade de ler 22

críticas compiladas por outro portal, Metacritic, também dá acesso a outras 150 críticas, de

grandes publicações da área, como a revista inglesa Sight and Sound, a pequenos blogs.

Se o volume de conteúdo é grande, parte disso está relacionada ao fato de que nesse

ecossistema, inserido em uma nova configuração de sociedade em rede conduzida pelas

tecnologias da informação, o contato com o material não é só mais acessível, como ultrapassa

barreiras territoriais com maior facilidade. Nossa comunicação é simultaneamente global e

local.160

Assim, diferentemente de décadas atrás, quando o público interessado em cinema

dependia da tradução de artigos estrangeiros chegar a jornais e revistas especializadas, hoje o

consumo desse material está à distância de um clique. E pelos dados apurados, o público vai

até esse tipo de conteúdo: sites internacionais como o Rotten Tomatoes e o Metascore, na

160

CASTELLS : 2005

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categoria de agregadores de crítica, foram a terceira maior escolha do público na busca por

textos críticos, com 47,9% dos votos dos que responderam o questionário.

O trabalho com crítica cinematográfica também é afetado por essa desterritorialização.

O crítico Jonathan Rosenbaum (2010) aponta que uma possibilidade da nossa época é, por

exemplo, publicações sobre cinema serem editadas à distância, como a Film Quarterly que é

publicada nos Estados Unidos, mas seu editor residia na Inglaterra. Sobre essa questão o autor

acredita que:

A fim de compreender alguns novos truques que alguns cachorros velhos

estão falhando em aprender, ajuda se nós começarmos redefinindo o que

queremos dizer com comunidade em relação à geografia, que é central para

todas as mudanças paradigmáticas.161

Nesse novo ambiente, o ato de escrever críticas sobre filmes tem passado uma

reorganização de influências e uma das novas características que podem ser percebidas nesse

processo é o estreitamento – e a confusão - da linha entre público e autor. Esse aspecto

estimulou a pergunta “Você compartilha suas impressões sobre cinema na internet?” no

questionário aplicado por essa pesquisa.

François Truffaut (1989) já dizia que em Hollywood havia a máxima de que cada

pessoa tem duas profissões, a sua e a de crítico de cinema. Esse ditado não poderia ser mais

apropriado para os tempos atuais. Se no século passado um diretor já teria que “aceitar o fato

de que seu trabalho será eventualmente julgado por alguém que talvez nunca tenha assistido a

um filme do Murnau”162

, hoje ele tem que estar preparado que não irão só julgá-lo, mas

escrever sobre ele.

O último filme de Kléber Mendonça Filho não fica imune a esse fenômeno. Ao

acessar o perfil de Aquarius no Adoro Cinema, no Rotten Tomatoes e no IMDB, de fato,

encontra-se um extenso material produzido pela crítica especializada, mas também é possível

ter acesso aos textos críticos escritos pelo público, que não são poucos. Nas seções, misturam-

se quem teceu breves comentários com quem de fato se debruçou sobre o filme, mas

161

“In order to grasp some of the new tricks that some old dogs are failing to learn, it helps if we starts

redefining what we mean by community in relation to geography, which is central to all paradigmatic

shifts.” ROSENBAUM, 2010, p. 280. Tradução nossa. 162

TRUFFAUT, 1989, p. 20

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contabilizando há 102 avaliações163

no Adoro Cinema, 52164

no Rotten Tomatoes e 28165

no

IMDB.

Esse tipo de conteúdo não para por aí: com as novas mídias, as possibilidades para

crítica ultrapassam o formato do textual. Braga (2013) mostra que a crítica de cinema

contemporânea, contaminada pelas características do novo ecossistema, é afetada por

particularidades como a hipertextualidade, a interatividade e a multimedialidade. Assim,

criticar cinema pode ganhar novas opções discursivas, alternativas híbridas ou que explorem

outros recursos que não a palavra escrita.

Curiosamente, com o avanço da tecnologia, as ferramentas para captura audiovisual

tornaram-se mais acessíveis fazendo com que a crítica cinematográfica em vídeo se

popularizasse. Assim, ao procurar por “Aquarius crítica” pelo YouTube, a rede social que já

abocanha quase um terço166

dos usuários na web, não é surpresa se deparar com 3.730

resultados, desde impressões dadas por espectadores comuns a exames feitos críticos

profissionais que se renderam a essa mídia.

Nos primeiros anos da internet, no começo dos anos 1990, eram as instituições que

alimentavam a rede. Agora não é mais assim. De acordo com Braga (2013), pelo menos 60%

dos dados são colocados pelos usuários online. Logo, o novo ecossistema midiático, ambiente

em que as relações entre produtor e consumidor de informação são nebulosas, é ideal para

radicalizar a ideia de que todo espectador de filmes “pode ser um crítico”. Como Roger

Chartier (apud Barbosa) observa “a apresentação eletrônica dos textos anula as antigas

distinções entre papéis intelectuais e funções sociais”167

.

É evidente que existem alguns critérios que legitimam pessoa como especialista em

crítica de cinema ou não (estudo na área relacionada, prática profissional), mas o fato é que o

conforto que o público tem em expor sua opinião na internet sobre filmes, muitas vezes a

ponto de se tornarem por si só veículos alternativos de comunicação, é um sintoma dessa

transformação ecossistêmica. Castells (2005) apresenta o panorama dessa nova realidade:

163

Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-239210/criticas/espectadores/> Acesso em:

22.11.17 164

Disponível em: <https://www.rottentomatoes.com/m/aquarius/reviews/?type=user> Acesso em: 22.11.17 165

Diponível em: <http://www.imdb.com/title/tt5221584/reviews?ref_=tt_ov_rt> Acesso em: 22.11.17 166

Imprensa. Disponível em: <https://www.youtube.com/intl/pt-BR/yt/about/press/> Último acesso em: 22.11.17 167

CHARTIER apud BARBOSA, 2007, p. 223

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Com a difusão da sociedade em rede, e com a expansão das redes de novas

tecnologias de comunicação, dá-se uma explosão de redes horizontais de

comunicação, bastante independentes do negócio dos media e dos governos,

o que permite a emergência daquilo a que chamei comunicação de massa

autocomandada.168

Entretanto, por mais que essa nova configuração social seja sinônimo de autonomia,

muito se discute se a quantidade de crítica cinematográfica oferecida na rede não é

proporcional à falta de qualidade desse conteúdo. Com os jornais cada vez com menos força

para dedicar espaço a crítica, os críticos profissionais tem que lutar para se fazer ouvidos.

Por mais que pareça que a ascensão de críticos na Internet tenha criado uma galáxia de

“árbitros do ciberespaço”169

, porém, com o impresso enfraquecido, não é tão desagradável a

ideia de um lugar onde a crítica cinematográfica possa continuar existindo de modo tão

prolífico. Afinal, apesar dos pesares, para quem tem ânsia em ler crítica, tanto de Aquarius,

quanto de qualquer outro filme, é na web que encontrará todo o tipo de texto, sejam

comentários superficiais, ensaios de grande profundidade ou a versão digital do que foi

publicado no papel.

168

CASTELLS, 2005, p. 24 169

ROBERTS : 2010

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez ainda não exista, como apontou Luiz Zanin Oricchio (2003), uma obra que

conte a história da crítica cinematográfica no Brasil de forma ampla, orgânica e unificada,

mas a não-existência desse trabalho não nos impede de observar momentos, incluindo o atual,

da crítica de cinema nas páginas dos jornais brasileiros. Pode ser um obstáculo, mas que não

chega a ser intransponível.

A crítica, incluindo a leitura sobre cinema, não é estática. Tal consciência foi o ponto

de partida dessa pesquisa que se propôs tentar capturar retratos da crítica de cinema em nosso

país e compreendê-los. Capturar retratos porque o estudo sobre cinema é prolífico, mas pouco

se pensa sobre aqueles escrevem sobre ele, ainda mais no jornalismo diário. Muito se sabe

sobre o ofício do crítico no exterior, mas no Brasil é fraca a luz jogada sobre esta a prática.

Assim, neste capítulo final, que busca tecer algumas conclusões, uma das questões que

se pode constatar no caminho que foi percorrido é que a crítica cinematográfica enquanto

dispositivo midiático170

irá se transformar de acordo com mudanças na comunicação. Assim

como a chegada da fotografia no século XIX foi um dos fatores que colocou por terra a crítica

descritiva apontada por Richard (1988), o advento da internet também modificou o texto

crítico, uma vez que esse tipo de material começa a ser regido por uma lógica hipermidiática,

em que passa a ser compartilhado, não transmitido, e orientado por fenômenos como a

interatividade, a multimedialidade e hipertextualidade.

Nessa reta final, é necessário retornar a um dos questionamentos feitos ao longo dessa

pesquisa: ainda há espaço para a crítica jornalística de cinema nos grandes veículos? A

resposta dependerá da plataforma. No papel, os jornais, que lutam por sua sobrevivência,

tiveram que repensar a prioridade do conteúdo para continuar nas bancas, o que fez não só

com que o local ocupado pela crítica encolhesse, mas também a sofisticação dos textos. Já no

digital, a imprensa pode se dar ao luxo de arriscar171

. Não é por menos que para cada breve

avaliação que seção de O Bonequinho do Viu do jornal O Globo publica no impresso, há uma

versão disponível na web.

Em relação ao texto da crítica cinematográfica, outra constatação é que sua

profundidade é elástica. Em um ponto da história da crítica, como observa Eagleaton (1991),

170

BRAGA : 2013 171

Realidade que pode ser confirmada com a apuração em fonte primária dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo

e Estado de S. Paulo.

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os periódicos que surgem entre os séculos XVII e XVIII trocam resumos de obras eruditas

com o objetivo de informar leitores atarefados, por um ensaio crítico elaborado. Na

interpretação de filmes, David Bordwell (1991) aponta o ensaio reflexivo e a “leitura atenta”,

dois métodos incisivos, como linhas de observação. No Brasil, mesmo maldito por Bernardet

(2011), os artigos do “crítico de cinema colonizado” também mergulhavam fundo em seu

objeto, assim como as reflexões conduzidas por um viés sociopolítico. Hoje, porém, com o

enxugamento da crítica da mídia tradicional, o conteúdo às vezes pode ser tão superficial

como as críticas descritivas de outrora172

.

A sorte talvez seja o novo regime de informação, que oferece acesso a uma rede

infinita de material, fazendo com que qualquer um desses tipos de texto, do mais pedestre ao

mais sofisticado, possa ser localizado e consumido. O reflexo dessa possibilidade pode ser

visto na pesquisa quantitativa utilizada nesse trabalho, que mostra que a internet é caminho

mais utilizado para se ler crítica: sites especializados (87,1%), redes sociais (72,5%), sites

agregadores de crítica (47,9%) e portal de grandes veículos (34,6%) foram escolhidos em

detrimento do impresso (14,6%).

Com os retratos capturados da crítica cinematográfica brasileira no século passado,

outra conclusão a que chegamos é que enquanto no século passado nossas particularidades

sociopolíticas e culturais foram determinantes para o texto crítico no país, atualmente as

forças que regem as linhas desse dispositivo são globais e não só locais. Dessa forma, a crítica

no presente se manifesta, tanto no Brasil quanto no mundo, de acordo com os efeitos

colaterais do novo ecossistema midiático.

Por fim, esse trabalho se propôs a investigar a prática no nosso país, mas sabe-se que

é um tema que ainda tem muito a se explorar. Projetos futuros podem se debruçar sobre outros

prismas da discussão como a perspectiva dos críticos profissionais sobre esse novo

paradigma, tentar entender os conflitos que surgem sobre autoria, já que a compreensão de

autor nesse momento é outra, ou examinar, em detalhes, os formatos possíveis da crítica agora

que ela é multimídia.

Como pudemos perceber, vivemos em constante transformação e a escrita crítica

acompanha essas mudanças. Não é possível prever como será o retrato da crítica de cinema

daqui a 50 anos, se sua função se transformará, mas o fato é que uma de suas características

172

MENEGHINE : 2002

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talvez não se altere: como observa Jean-Claude Bernardet (2011), “obra e crítica participam

de um modo diferente de um mesmo processo cultural em que são pesquisadas significações

que dizem respeito à sociedade que produz e que recebe obras, ou, segmentos dela.”173

173

BERNARDET, 2011, p. 329

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6. REFERÊNCIAS

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<http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/> Acesso em: 12.11.17

Novo site do Rio Show traz melhor da programação cultural da cidade. Disponível em:

<https://oglobo.globo.com/cultura/novo-site-do-rio-show-traz-melhor-da-programacao-

cultural-da-cidade-21752532> Acesso em: 17.11.17

TV é o meio preferido de 63% dos brasileiros para se informar, e depois internet com 26%,

diz pesquisa. G1 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-

marketing/noticia/tv-e-o-meio-preferido-por-63-dos-brasileiros-para-se-informar-e-internet-

por-26-diz-pesquisa.ghtml> Último acesso em: 28.11.17

Venda de livros tem recuo histórico no comércio varejista. O Globo Disponível:

<https://oglobo.globo.com/cultura/livros/venda-de-livros-tem-recuo-historico-no-comercio-

varejista-20924419> Último acesso em: 28.11.17

CARMELO, Bruno. Cartas da Guerra: Fragmento de um discurso amoroso. Disponível em:

<http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244218/criticas-adorocinema/> Último acesso

em: 28.11.17

CARVALHO, Demétrius. ‘Cartas da Guerra’ é um drama português envolvente. Disponível

em: <https://www.blahcultural.com/critica-cartas-da-guerra/> Último acesso em: 28.11.17

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7. ANEXOS

Anexo A

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Anexo B

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Anexo C

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Anexo D

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Anexo E

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Anexo F

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Anexo G

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Anexo H

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Anexo I

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Anexo J