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Retratos do comércio Álvaro de Azevedo Diaz

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Fotos dos trabalhadores do comércio em 25 cidades do estado de Santa Catarina, no sul do Brasil.

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Retratos do comércioÁlvaro de Azevedo Diaz

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AgrAdecimentosEsse é um trabalho feito a muitas mãos. Sou grato a todos os trabalhadores que se dispuseram a posar em seus locais de trabalho e contribuir com esse projeto, em primeiro lugar. A todos os ajudantes e assistentes que me acompanharam em cada uma das cidades visitadas. Ao Jacques Mick e à Bianca Scliar por se debruçarem sobre o projeto e lançarem suas originais e atentas considerações expostas nos textos que acompanham esse catálogo.À Audrey Schmitz pela competência e diligência com que executou o projeto gráfico desse trabalho.Aos contatos locais pela disponibilidade e empenho em contribuir para esse projeto já na sua segunda etapa: Ingrid Thaler (Treze Tílias), Priscila Noernberg (Canoinhas), Monique Bachtold (Joinville), Helô Helena (Laguna), Osny Caetano da Silva Júnior (Caçador), Natália Trentini (Jaraguá do Sul), Débora Lopes (Criciúma), Malu Ebele (Curitibanos), Pita Camargo e Luana Pera (Blumenau), Barbara Weiser (Pomerode) e Sebastião Paulo do Aragão Oliveira (Itajaí).E aos técnicos de cultura do Sesc que acreditaram nesse projeto logo no ínício: Adriana Araldi (São Miguel do Oeste), Rudimar Cifuentes (Lages), Marco Aurélio Castro Rodrigues (Tubarão), Morgane Gasparetto (Xanxerê), Damara Savoldi (Concórdia), Anne Santilli (Brusque), Patrícia Gallelli (Florianópolis), Dianalice Lodi Ribeiro (São Bento do Sul) e Sidineia Kopp (Rio do Sul).

Álvaro de Azevedo Diaz

retrAtos do comÉrcioProjeto realizado por meio do Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura 2013Fotos: Álvaro de Azevedo DiazTiragem: 300 exemplaresDistribuição Gratuita

Foto pág. 1: César Cachinski, comerciante. Caçador, 12 de dezembro de 2013.

Foto pág. 40: Gerda Loeffler, comerciante. Canoinhas, 23 de outubro de 2013.

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Antonio Zanella, agricultor. Xanxerê, 3 de dezembro de 2011.

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Helmut Koch, armeiro. Joinville, 8 de novembro de 2013.

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O projetoÁlvaro de Azevedo diaz - Fotógrafo e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), desenvolve projetos autorais em fotografia e multimídia e participa de exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior.

Retratos do Comércio é um docu-mentário fotográfico que regis-tra os trabalhadores desse seg-

mento em 25 cidades de Santa Catarina. Segundo dados do IBGE de 2012, o es-

tado possui pouco mais de 83 mil “unida-des locais com receita de revenda” e quase 500 mil pessoas trabalhando em “empresas comerciais”. Durante quatro anos passei a olhar para esse imenso contingente de tra-balhadores e a captar suas poses e ofícios.

A gênese desse trabalho ocorreu durante uma viagem à Bélgica em 2010. Durante o período da minha estada na pequena Tielt, no Flandres Ocidental, fotografei as pessoas na rua com algo que representasse suas ocu-pações; uma única fotografia era tirada de cada um. Esse conjunto de imagens e o mé-todo de trabalho serviram-me de referência para que, em 2011, começasse o Retratos do Comércio em São Miguel do Oeste, dando início a um périplo de 15.000 km pelo es-tado em busca de rostos e profissões que pudessem representar o comércio de Santa Catarina nesse início de século.

O trabalho aqui apresentado inclui duas fases distintas: uma realizada como contratado para executá-lo dentro da agen-da cultural de unidades do Sesc e a outra através do Prêmio de Estímulo às Artes Vi-suais Elisabete Anderle, da Fundação Cata-rinense de Cultura.

Assim sendo, entre novembro de 2011 e maio de 2013 percorri cerca de 7.000 km para fotografar em dez cidades do esta-do, nessa ordem: São José do Cerrito, São Miguel do Oeste, Tubarão, Lages, Xanxerê, Concórdia, São Bento do Sul, Florianópo-lis, Brusque e Rio do Sul.

Em 2013 ganhei o Prêmio de Estímu-lo às Artes Visuais Elisabete Anderle para

fotografar as 15 cidades remanescentes do projeto original: Treze Tílias, Canoinhas, Joinville, Laguna, Jaraguá do Sul, Guara-mirim, Blumenau, Gaspar, Criciúma, Ca-çador, Chapecó, São Joaquim, Pomerode, Curitibanos e Itajaí.

As imagens aqui apresentadas são o re-sultado dessa imersão no comércio de San-ta Catarina. Vejo em muitas dessas fotos uma existência inteira dedicada a um tê-nue equilíbrio entre o sentido do trabalho e o sentido da vida.

Jean-Marie Roets, Açougueiro. Tielt,

Bélgica, 26 de julho de 2010.

“Tentar seguir a beleza da frase simples” Lou Reed

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“Tio Miro”, vendedor de sorvetes. São José do Cerrito, 22 de março de 2012.

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Filip Vanhooren, Carteiro. Tielt, Bélgica, 26 de julho de 2010.

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Antônio Fernandes, peixeiro. Laguna, 21 de novembro de 2013.

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Maurício Capelari, veterinário. Caçador,

12 de dezembro de 2013.

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Clarisse e Gilmar Tomkelski, comerciantes. Chapecó,

13 de março de 2014.

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Alinor e João Martins, comerciantes. Florianópolis, 8 de novembro de 2012.

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Marly Müller, cabeleireira. São Miguel do Oeste, 5 de novembro de 2011.

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Rubens Bachmann, alfaiate, Rio do Sul, 31 de maio de 2013.

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O trabalho da poseJacques mick - Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), integrante do Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro).

A fotografia documental de Álvaro de Azevedo Diaz experimentou, no projeto que resulta na expo-

sição “Retratos do comércio”, variadas di-mensões de um complexo jogo. Pretendo a seguir analisar cada uma dessas dimensões, sem qualquer ordem de importância, cons-ciente de que algo do jogo sempre há de es-capar ao observador. Meu objetivo é ofere-cer uma interpretação das imagens do autor, nos marcos de uma sociologia do trabalho disposta a acolher a fotografia como um dis-curso aberto sobre seus objetos, mais que como testemunho, prova ou monumento.

Começo pelo jogo (poderia dizer rela-ção) que se estabelece entre a imagem, o trabalho e a identidade dos sujeitos. O que esses retratos em locais de trabalho nos di-zem sobre a importância do trabalho para os personagens? Difícil supor que não se trate de atividade central para quase to-dos. Ao fotografar trabalhadores do co-mércio, Álvaro mergulhou no mundo de ambivalências dessa atividade, menos estu-dada que a agricultura, a indústria ou as finanças. Há uma minoria de comercian-tes de produtos alheios, mas há principal-mente os que vendem seu próprio traba-lho artesanal ou os serviços que oferecem. Assim, o ferreiro, o sapateiro, o alfaiate se encontram com a professora, a cabeleirei-ra, a passadeira, todos comerciantes, assim como os vendedores de roupas, de calça-dos, de peças. A face de quase todos trans-mite orgulho, satisfação; difícil encontrar aí tristeza, frustração ou desencanto. Será um sentimento autêntico em relação ao trabalho, essa ação humana tão importante para o que pensamos que somos – ou para o que pensam que somos? Ou será... pose?

Nessa segunda dimensão do jogo, Álva-ro se envolveu ainda mais diretamente. Tra-ta-se do jogo da pose. Imagem e identidade

seguem indissociáveis, mais do que nunca. Na era da fotografia digital, as imagens em série, os autorretratos em profusão testemu-nham a popularização do acesso ao sentido da foto: fotógrafo ele próprio, ou fotografa-do desde antes do berço, cada retratado ela-bora um repertório sobre a imagem – pre-fere se ver de certo ângulo, gosta de foto-grafar certo tema ou de certo modo. Álvaro negociou com essas vontades ao apresentar a cada personagem o modo de operação de seu projeto: uma só imagem do trabalha-dor em seu local de trabalho, feita em câ-mera analógica de grande formato, em pre-to e branco. Uma personagem, um clique. O trabalhador poderia escolher o horário, a roupa, a maquiagem, a pose; poderia até

Elias Vicenci, sapateiro. Lages, 6 de dezembro

de 2011.

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ajustar o cenário. O fotógrafo ajustaria o en-quadramento às condições de luz.

O resultado desse confronto de ambi-ções é curioso: é como se cada personagem se sentisse um pouco dono da foto. (O or-gulho é, então, duplicado, primeiro pelo trabalho, depois pela imagem que o repre-senta). Essa combinação afeta o caráter do-cumental da imagem – eis a terceira dimen-são do jogo. Pode-se supor que esses retratos refletem o estado atual e diversificado do co-mércio nas principais cidades de Santa Ca-tarina – mas isso seria, primeiro, ingênuo e, em seguida, superficial. O jogo da pose rei-tera o quanto a foto é mais que um docu-mento, precisamente porque comporta sen-tidos (significados, mas também leituras) que escapam à ideia de representação.

Outra dimensão do jogo em que Álvaro se envolveu é a do tempo. A técnica foto-gráfica desloca as imagens para outra épo-ca. A exposição é um discurso moderno so-bre um tempo pós-moderno; a forma pro-

fana o tempo ao mimetizar o discurso clás-sico da foto documental em preto e bran-co. Depois dos anos 1920, a denúncia das condições adversas de trabalho foi o obje-tivo principal da fotografia documental so-bre o trabalho. Aparentemente, as imagens de Álvaro se inserem nessa tradição, mas não é o que de fato ocorre: prevalece aqui um tom descritivo (não de denúncia) so-bre um cenário que, noutra época, se di-ria perfeitamente “burguês”. Nesse mundo pós-industrial, as características da sobre-exploração do trabalho (jornadas extensas, salários comprimidos, competitividade, in-tensificação da produtividade) só aparecem como indícios na fotografia. Com o jogo do tempo, as imagens de Álvaro nos con-vidam a explorar as raízes desse tipo de tra-balho, onde talvez seja possível encontrar explicações para a forma que ele encontra hoje e para as consequências disso sobre a humanidade que se encontra numa relação de compra e venda. 

Eduardo Assini, atendente, e Ricardo Silva, piercer. Brusque, 26 de setembro de 2012.

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O último dos jogos dessa exposição é co-mum a projetos anteriores de Álvaro Diaz: ele nos faz pensar no que a fotografia está perdendo na transição do analógico para o digital. Ao fazer um só clique por persona-gem, ele recusa a diluição da imagem, ine-rente a sua proliferação: há tantas fotos que é quase impossível perceber o que é de fato relevante. Ao optar pelo analógico, ele ex-plora a profundidade, a tonalidade, a ex-pressividade perdida pelo duplo efeito de achatamento do digital: primeiro plano e fundo se confundem e tal redução do visí-vel a duas dimensões testemunha um empo-brecimento da narrativa sobre o mundo. Ao optar pelo preto e branco, ele reforça o con-

vite para pensar no futuro da foto no calei-doscópico e multicolorido universo digital.

A síntese desses jogos é um conjunto de imagens potentes, que nos dizem muito so-bre os vínculos profundos e duradouros en-tre trabalho e identidade, sobre as particula-ridades atuais do trabalho no comércio e, por fim, sobre o próprio trabalho fotográfico. Do mesmo modo como seus personagens cole-cionam peças ou produtos à venda nos cená-rios das imagens que produziu, Álvaro Diaz reuniu aqui uma coleção de corpos forjados pelo trabalho. É interessante imaginá-lo em meio à série de imagens que produziu, retra-tado do mesmo modo – um derradeiro jogo, nessa exposição tão instigante.

Célio Klein, agente funerário. Concórdia,

26 de junho de 2012.

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Simone Zulma da Silva, passadeira. Florianópolis, 7 de novembro de 2012.

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Alexandro Pereira, comerciante. Florianópolis, 30 de outubro de 2012.

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Vagner Schneider, Funileiro. Treze Tílias, 18 de outubro de 2013.

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Maristela Silveira, artista. Pomerode, 14 de abril de 2014.

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Nane Schmitt, blogueira de moda, Joinville, novembro de 2013.

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Nelson Júnior, comerciante. Caçador,

12 de dezembro de 2013.

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Benísio Boeder, controlador de estacionamento. Jaraguá do Sul, 14 de janeiro de 2014.

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Meggie Caropriso, professora. Jaraguá do Sul, 14 de janeiro de 2014.

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Pita Camargo, escultor. Gaspar, 24 de abril de 2014.

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Retratos do Comércio e os Artífices do tempoBianca scliar - Artista da performance e professora e pesquisadora do movimento no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Um dos temas marcantes na arte do século XX foi o fascí-nio dos poetas e artistas pelo

ato de caminhar pela cidade.“Quem de vós nunca ouviu a voz das

ruas?”, indagou João do Rio. Não por aca-so identifico a caminhada como o gatilho da série Retratos do Comércio, de Álvaro de Azevedo Diaz. Em suas fotos somos con-vidados a nos locomover pelos entremeios das tendas do comércio de Santa Catari-na, ultrapassando os desenhos de cenas im-pressas na dura chapa de vidro.

“Mover-se na cidade é mover o pró-prio sentido da cidade”, escreveu Mi-chel de Certeau sintetizando na sentença sua investigação sobre as micropolíticas do cotidiano. De Certeau, ao analisar os modos através dos quais configuramos, transformamos e agenciamos espaços e saberes compartilhados, desce conceitu-almente à altura de nossos gestos do dia a dia e o faz promovendo a caminhada como ato intrínseco à sua filosofia. Estas ações do dia a dia, alcançadas no corpo a corpo de um deslocamento banal, são densas e configuram micropolíticas de extrema intensidade. São ações individu-ais mas que contraditoriamente não são da ordem da experiência singular apenas, e nem menores. Nos sugere tanto a arte quanto a filosofia que os gestos do coti-diano é que compõem os espaços públi-cos e, em última instância, nossas cida-des, guardando em si a dimensão política que emerge da intersecção entre a singu-laridade e a partilha.

Apenas por distração não identificarí-amos a importância do ato de caminhar

na série Retratos do Comércio. Sugiro que Diaz, como de Certeau, tece sua obser-vação do cotidiano a partir da experiên-cia da caminhada e propõe a recuperação de uma fotografia lenta como modo de performar políticas radicais no dia a dia. Não foi para minha surpresa que Diaz descreveu seu ritual ao chegar à noite nas cidades de Santa Catarina que visi-tou: de posse de uma bússola, percorria o perímetro urbano, observando qual se-ria a incidência da luz e o entorno arqui-tetônico, equacionando o melhor trajeto

Clóvis Pereira, borracheiro. Lages, 6 de

dezembro de 2011.

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para alcançar as imagens com eficiência, sem o uso de iluminação artificial. Este mapeamento era feito em silêncio, sem avisar os habitantes de cada um dos espa-ços selecionados de sua presença ou in-tenção documental. Assim preservava a novidade do encontro corpo a corpo para o dia seguinte. Era necessário este ensaio para que o desafio de recolher uma única chapa fotografada em cada um dos am-bientes fosse cumprido da melhor forma possível e com a condição de luz natural mais adequada. A caminhada anônima é seu primeiro gesto fotográfico.

“Caminhar é a ausência de lugar”, es-creve Rebeca Solnitt em sua genealogia deste modo de habitar o mundo. Curio-samente, reconheço na série de Álvaro de Azevedo Diaz uma peregrinação por sítios de permanência, onde tudo aparenta estar estático - um atravessamento entre o fluxo da troca e a persistência da oferta.

Em suas imagens, o lugar deixa de ser moldura para o instante onde ocorre o encontro entre o fotógrafo e o vendedor, entre a câmera e o aparato que configu-ra uma transação comercial que não ve-mos. Contrariando a sugestão implícita

no título, a série de imagens não perse-gue ações de venda, mas busca nas cenas as ferramentas que constituem o comér-cio como ofício. Em outras palavras: fer-ramentas e artífices que prometem uma ação comercial.

Há na seleção de imagens uma com-preensão peculiar sobre a arte da troca (de valores, serviços, coisas), notada nas obras de Diaz por seu fascínio pelos ambientes semiprivados que adquirem em suas ima-gens o status de quasi sujeitos. Nos sítios dos câmbios comerciais cruzam-se as de-mandas particulares com as necessidades de muitos, a mão com os objetos feitos em massa, e é a fotografia que sublinha a jus-taposição entre o singular e o público, ine-rente ao ato mercantil.

Em ressonância com a tradição moder-na dos retratistas, Diaz mantém-se do lado de fora das tendas de comércio (mesmo que eventualmente deixe sua figura impressa na fotografia, como no retrato do barbeiro em Criciúma). Esta posição é observada no tipo de enquadramento construído em suas imagens (e não exatamente na descri-ção de sua posição física diante dos sujei-tos retratados), reestabelecendo o ofício do

Geolori da Silva, barbeiro. Criciúma, 4 de

fevereiro de 2014.

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Jéssica Mendonça da Silva, vendedora.

Tubarão, 14 de dezembro de 2011.

fotógrafo como o de um emissário, inves-tigador de intermeios. Seus retratos do co-mércio não nos mostram a rua, mas guar-dam resquícios do dentro e do fora. Assim, vemos o fora, que são o lugar, as coisas, e o dentro, dos saberes impalpáveis impostos sobre as figuras representantes de seus ofí-cios, invariavelmente retratadas com orgu-lho por um saber-fazer.

Aos que têm apreço pelas imagens que constituíram o imaginário social a partir da expansão da fotografia no início do século XX, o trabalho de August Sander representa uma das mais importantes co-leções imagéticas de um período crucial

para as configurações urbanas atuais - o pós guerra (e o entre guerras). Na cole-ção de imagens cunhadas por Sander dá-se tanto o testemunho da história social quanto testemunhamos uma paixão pela busca de uma ‘verdade’ humana que atra-vessa as silhuetas e as poses que captu-rou. Esta obsessão pela narração históri-ca também se apresenta na série Retratos do Comércio, onde o delicado processo de apreensão de instantes é transformado pelo observador atento em um conto de pequenos gestos humanos e sociais. Diaz, no entanto, faz um caminho distinto de Sander e desvia-se de uma concepção de-

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Cristina Alves Feijó. Laguna, 6 de novembro de 2013.

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senvolvimentista em seus retratos urba-nos. Enquanto a intenção documental é fundamental em Sander, as imagens de Diaz nos contam sobre o fluxo das coi-sas; documentam trânsitos. Nos move-mos a partir de seus retratos porque as ferramentas de trabalho dividem o pro-tagonismo da cena com seus artífices. Há em Diaz uma habilidade em nos apresen-tar o tempo quando propõe uma aferição: existem saberes maiores do que a duração do sujeito em cena. Não se trata de cap-turar as marcas do tempo impressas nos semblantes humanos, mas de reconhecer o humano transcendendo o corpo e insta-lando-se no saber fazer.

Em Retratos do Comércio tudo o que é bizarro torna-se familiar, o que é exagera-do acomoda-se em um peculiar sentido de

ordem, o que é silencioso torna-se reple-to de vetores de som; a pose se move na ocupação que a atravessa. Não se trata de truques, mas de uma habilidade em captu-rar na composição da imagem fotográfica a dimensão parcial da expressão humana. Diaz distancia-se do rosto de seus retrata-dos para alcançar a reinvenção poética do banal. A face na imagem é a face do ofício que se dispõe a ser comercializado.

Nos recortes urbanos de Diaz estão ho-mens, mulheres, coisas, silhuetas arquite-tônicas, lastros materiais, tudo isso apre-sentado com uma intensidade que revela a (super)Humanidade em cena, compondo o corpo humano como instrumento de sa-beres. Diante de suas imagens, me pergun-to se as práticas comerciais se utilizam de um corpo móvel para tornarem-se o tecido social de nossa época?

Nesta série há uma lapidação do retra-to que não despreza a fisionomia mas que inclina-se ao contexto material, à concre-tude de uma relação de uso com os objetos que não é antropocêntrica. Os corpos dos facões, dos carros, dos diplomas, das bici-cletas, dos balcões, embaralham-se com os humanos em cena: qual deles sujeita-se, agencia, instaura, move-se, permanece? Corpos, coisas, saberes, arquiteturas?

Deleuze e Guattari difundiram a ideia de que o sujeito seria apenas um inter-valo, uma porta, um fluxo por vir entre multiplicidades. Ante as imagens de Diaz e o universo de objetos, o equilíbrio deli-cado entre coisas, fluxos e seres, este inter-valo torna-se pitorescamente visível para além da pele: nossos saberes têm uma du-ração maior e o corpo se sujeita a eles, do-brando-se ante a finitude singela e quasi animalesca do homem.

Tudo ali é pose e curiosamente não há repouso. Existe uma oscilação, perceptível na disposição dos objetos que compõem estes retratos, que revela contraditoriamen-te o fluxo e a permanência dos empreendi-mentos comerciais de nossa época: vender facas, entregar cartas, dançar para entreter, cozinhar, dispor de cigarros.

Para alcançar o movimento intrínseco nas imagens de Diaz é preciso extrapolar

Valdir Rodrigues dos Santos, vendedor de loteria. Xanxerê, 4 de dezembro de 2011.

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Lúcio Barroso, gerente temporário. Criciúma, fevereiro de 2014.

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Barbara Weiser, ceramista. Pomerode, 15 de abril de 2014.

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o sentido óbvio do que compreendemos como corpo humano (aquilo que se move no mundo inerte das coisas). Explicar esta coisa móvel, que sabe, que alcança, que é memória, me parece ser crucial para avan-çar sobre as discussões do retrato hoje. Neste sentido, Erin Manning pede que o corpo seja definido como Puro-ritmo-plás-tico. Esta noção se torna proveitosa ante as imagens de Álvaro Diaz para que não nos confundamos com uma representação identitária de determinadas profissões: o barbeiro, o relojoeiro, a dançarina, o es-cultor. O que é representado nestes re-tratos é um corpo-sentido, que recusa ser predefinido e que é ação, mesmo que te-nhamos acesso apenas a um instante po-

sado. Este puro-ritmo-plástico, em recipro-cidade, avança ao ambiente, compõe com seu entorno: se mundifica.

Os objetos posam, prostrados junto aos corpos vivos diante do grande aparato fo-tográfico. O entorno não é apenas cenário para o humano. Seria essa a concepção do super-humano, onde a força dos objetos técnicos emoldura, impulsiona, ilumina o sujeito na cena?

Na inércia das coisas (pose-retrato-fração de instantes) nada é imóvel e por isso a escolha dos materiais usados pelo fotógrafo nesta série não é fetichista, mas faz-se necessária para ser fiel à fotogra-fia como instrumento para forjar mais do que a memória, mas a própria experiên-cia do tempo. Assim, nota-se que os su-jeitos em cena são artífices e ferramentas: puro-ritmo-plástico.

O médico-veterinário precisa do jaleco, a pintura só existe através dos sapatos sujos da artista, a fotografia existe pela câmera, filme e tempo empreendidos para desdo-brar e revelar estes saberes móveis.

Nas relações de comércio observamos grande parte da força do cotidiano e da cidade, e confrontamo-nos com o sentido de repetição que nos rodeia: não se revela o novo, e disso sabe o artesão. A essência do objeto não é sua forma, mas o fazer ao qual ele convida e na atenção aos volumes destes corpos-coisas que deparamo-nos com o passar do tempo de um modo len-to, pois os gestos se tornam sombras per-ceptíveis no contorno das coisas: as ações estão presentes mesmo quando o corpo humano repousa.

Retratos do Comércio nos convida a ser testemunhas de uma fotografia que extra-pola a pose, a forma, a sombra. Os aparatos (tanto os que se oferecem ao comércio nas cenas quanto o aparato fotográfico utiliza-do por Diaz) são corpos que resistem e que apenas emprestam de nós uma força de atualização. Expõe-se nesta série de retratos a máxima de que não usamos nossos equi-pamentos de trabalho, mas que, em reci-procidade, nossos instrumentos tornam-se inventores de nós.

Jonatan Ribeiro, entregador. Criciúma, 5 de fevereiro de 2014.

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Wagner Thaler, ferreiro. Treze Tílias, 18 de outubro de 2013.

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