resumo - repositório da universidade de lisboa: página...

99

Upload: others

Post on 16-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha
Page 2: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

2

RESUMO

A integração do 1º ciclo e pré-escolar nos agrupamentos verticais de escolas e as

alterações nos modos de regulação do sistema educativo colocam novos desafios aos

coordenadores dos estabelecimentos destes níveis de ensino. A visão da organização, o

modo como interpretam a função e as acções estratégicas que desenvolvem, são

dimensões da actividade de gestão que se pretenderam compreender e problematizar.

Este projecto desenvolveu-se numa EB1/JI – escola básica com 1º ciclo e pré-

escolar – junto da coordenadora de estabelecimento.

Na sua vertente investigativa, o projecto é um “estudo de caso” descritivo.

Pretendeu-se observar, descrever e analisar o desempenho deste cargo de gestão

intermédia, como objecto de estudo acerca do qual se levantam novas questões e se

ensaiam novos modos de utilizar “ferramentas” já usadas.

Definiram-se duas ordens de objectivos: descrever e analisar o trabalho de gestão

no estabelecimento no contexto da actividade de regulação do agrupamento; responder às

expectativas da coordenadora de avaliar/reflectir sobre o seu trabalho.

Partiu-se de uma dupla interrogação geral: quais os papéis de gestão activados pela

coordenadora no sistema de regulação local? Como é que ela, nas interacções com os

outros actores internos e externos, gere e cria a coordenação da acção?

Com base na problematização da gestão intermédia como acção cultural e

política, a análise focou-se nos papéis de gestão e nas áreas de influência do gestor.

Os passos metodológicos desenvolveram-se nas seguintes fases: contacto inicial

com a coordenadora, recolha, tratamento, análise e devolução dos dados. Como técnicas

usaram-se a entrevista exploratória, a observação estruturada e a entrevista semi-

directiva.

A descrição e análise do trabalho de gestão no estabelecimento, na articulação

com o quadro teórico de referência, permitiram ensaiar uma interpretação da construção

do cargo de coordenador de estabelecimento e construir um guião de questões que

possam suscitar o debate e a reflexão.

Page 3: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

3

ABSTRACT

Integration of pre- and primary schools in vertical groupings and changes in

educational regulations challenge the coordinators of these levels of education. The way

how they see school organization and the understanding they have of their role and

strategic actions are the dimensions of management to be questioned and understood.

This project has been developed in an EB1/JI – school with both levels of

education – with the coordinator of the school.

Within its investigative component, the project is a descriptive “case study”. The

intention is to observe, describe and analyze the post of middle management in the

context of a school group, as an object of study about which new questions are raised and

new ways of using old tools are tested.

Two main aims were defined: to describe and analyze the management within the

regulating activity of the grouping and to respond to the coordinator’s expectations to her

own assessment.

A double general question is posed: which specific management roles are

mobilized by the school coordinator in the regulation of the grouping of schools? How

does she manage and build the coordination of action with other internal and external

actors?

On the assumption of middle management as cultural and political action, the

analytical approach is focused on the roles of management and spheres of influence of

the manager.

Methodological procedures were developed into five stages: an initial contact

with the coordinator; data collection; processing; analysis and feedback. The techniques

used were an exploratory interview, structured observations and a semi-directive

interview.

The description and analysis of management, within the theoretical framework,

have allowed an interpretation of the post of coordinator of a school, as well as a bank of

questions which might raise debate and reflection.

Page 4: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

4

ÍNDICE GERAL

RESUMO ……………………………………………………………………….……. 2

ABSTRACT …………………………………………………………………….……. 3

ÍNDICE GERAL ………………………………………………………….................. 4

ÍNDICE DE ANEXOS …………………………………………………………..…... 6

ÍNDICE DE ANEXOS (suporte informático) ………………………..…………….... 7

INTRODUÇÃO ………………………………………………………………............ 8

I – O CONTEXTO DA INTERVENÇÃO …………………………………...……. 10

II – A PROBLEMÁTICA ……………………………………………………..….... 15

1. A Entrada – A micro regulação local da educação ………………………….…..… 15

2. O objecto – A gestão intermédia ……………………………………………...…... 19

2.1. Estudos sobre os departamentos e os gestores intermédios ……………... 20

2.2. Estudos sobre o pré-escolar e 1º ciclo: a cultura de “cuidar” …………… 26

3. A perspectiva – O trabalho do gestor intermédio …………………………............. 28

3.1. Os papéis de gestão ……………………………………………………… 29

3.2. As áreas de influência …………………………………………………… 32

4. Interrogações e propósitos do projecto ……………………………………………. 36

III – A METODOLOGIA ………………………………………………………….. 38

1. Os critérios e os dilemas da investigação …………………….…………………… 38

2. Desenho do projecto ………………………………………………………………. 39

3. Os passos da investigação e os procedimentos …………………………..................40

3.1. Entrevista exploratória ……………………………………….…………. .42

3.2. Observações ……………………………………………….…………….. 43

3.3. Entrevista semi-estruturada …………………………………………...…. 45

3.4. Outros procedimentos ………………………………………………….... 46

IV – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ………………………………...… 47

1. O contexto da acção ……………………………………………………………….. 47

2. O percurso pessoal e profissional ………………………………………………..... 48

3. O trabalho no quotidiano ………………………………………………………...... 49

3.1. Actividades de gestão: frequência …………………………………....…. 49

3.2. Actividades de gestão: duração …………………………………….….... 51

3.3. Os papéis de gestão ………………………………………………....…... 53

Page 5: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

5

3.4. Síntese interpretativa …………………………………………………..… 60

4. Os problemas e as estratégias ……………………………………………………... 61

4.1. Problemas ………………………………………………………………... 61

4.2. Estratégias ……………………………………………………………….. 65

4.3. Síntese interpretativa ………………………………………………….…. 69

5. As áreas de influência …………………………………………………………....... 70

5.1. O ensino ……………………………………………………………….… 71

5.2. A alocação …………………………………………………………..…… 73

5.3. A fronteira ……………………………………………………………….. 76

5.4. A segurança …………………………………………………………...…. 82

5.5. Síntese interpretativa …………………………………………………..… 85

V – SÍNTESE INTERPRETATIVA E GUIÃO DE QUESTÕES ……………..… 88

BIBLIOGRAFIA ………………………………………………………………...…. 95

ANEXOS ……………………………………………………………………..…....... 99

Page 6: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

6

ÍNDICE DE ANEXOS

(suporte papel)

ANEXO 1 – Texto escrito pela Coordenadora no início da apresentação do projecto

ANEXO 2 – Grelha de categorização da entrevista exploratória

ANEXO 3 – Grelha de registo das observações

ANEXO 4 – Categorização dos papéis de gestão (segundo Mintzberg) e dos assuntos

(segundo Dinis e Hanson) e os critérios de classificação adoptados.

ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada

ANEXO 6 – Grelha final de categorização dos dados e critérios de classificação

ANEXO 7 – Grelha de categorização das áreas de influência da escola (aferidas com

Dinis e Hanson)

ANEXO 8 – Síntese da narrativa do percurso pessoal e profissional

ANEXO 9 – Quadros do tratamento estatístico das observações

Page 7: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

7

ÍNDICE DE ANEXOS

(suporte informático)

ANEXO 1 – Entrevista exploratória

Protocolo, análise de conteúdo, textos de análise e síntese interpretativa

ANEXO 2 – Observações

Protocolos, tratamento estatístico – guião do cruzamento de variáveis, quadros,

texto descritivo-analítico – quadro-síntese de papéis

ANEXO 3 – Entrevista semi-estruturada

Guião, protocolo, análise de conteúdo, texto analítico

ANEXO 4 – A voz da coordenadora de estabelecimento

Texto do início do projecto, discurso da festa, texto dos alunos

ANEXO 5 – Notas de campo

Page 8: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

8

INTRODUÇÃO

No meu percurso profissional como Educadora de Infância acompanhei

momentos tão significativos como a criação e o desenvolvimento da Rede Pública de

Educação Pré-Escolar ou, mais tarde, a tentativa da sua privatização e, assim, o interesse

pessoal pelas questões da política educativa e o desejo de aprofundar conhecimentos

nesta área, surgiram naturalmente nos diversos contextos em que desenvolvi o meu

trabalho.

A criação recente dos Agrupamentos Verticais de Escolas e a consequente

integração do 1º Ciclo e Pré-Escolar neste modelo organizacional constituiu, para os

profissionais destes graus de ensino, um novo momento significativo de desafios e

constrangimentos. A oportunidade de desenvolver um outro “olhar” sobre esta realidade,

no âmbito do Mestrado em Administração Educacional, veio permitir traduzir as dúvidas

e as interrogações em questões de estudo.

O tema em análise é a gestão intermédia nas organizações escolares, mais

especificamente nos estabelecimentos de ensino de 1º Ciclo e Pré-Escolar integrados em

agrupamentos verticais de escolas e o presente projecto de investigação/intervenção

desenvolveu-se, junto da coordenadora de estabelecimento, enquanto interlocutora ao

longo de todo o processo, numa EB1/JI – estabelecimento com ambos os níveis de ensino

– onde desempenho funções actualmente.

Com base no “contrato” estabelecido inicialmente, duas ordens de objectivos foram

definidas: descrever e analisar o trabalho de gestão do estabelecimento no contexto da

actividade de regulação do agrupamento; responder às expectativas da coordenadora de

avaliar/reflectir sobre o seu trabalho.

O texto final que agora se apresenta pretende dar conta do desenvolvimento do

trabalho realizado e está dividido em cinco capítulos.

No primeiro capítulo aborda-se o contexto da intervenção. Faz-se uma breve

referência a alguns aspectos da “história” de cada um destes níveis de ensino e

Page 9: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

9

estabelece-se uma caracterização do estabelecimento, do agrupamento e do cargo de

coordenador de estabelecimento.

O segundo capítulo apresenta a problemática, desenvolvendo-a em três

momentos: a micro regulação local da educação – em que se faz uma abordagem ao

conceito de regulação da educação e às suas implicações neste trabalho; a gestão

intermédia – no âmbito dos departamentos curriculares do ensino secundário e no 1º ciclo

e pré-escolar; o trabalho do gestor – em torno de duas tópicas, os papéis de gestão e as

áreas de influência. Finalmente, ainda neste capítulo, apresentam-se as principais

interrogações e os objectivos do projecto.

No terceiro capítulo, apresenta-se a metodologia. Começa-se por fazer uma

referência aos critérios e aos dilemas do processo da investigação. Apresenta-se, depois,

o desenho do projecto, a partir dos objectivos que se formularam e das interrogações

iniciais. Por último descrevem-se os procedimentos na sua sequência temporal, a partir

das técnicas usadas.

No quarto capítulo faz-se a descrição e a análise dos dados, em cinco pontos: o

contexto da acção; o percurso pessoal e profissional; o trabalho no quotidiano; os

problemas e as estratégias; as áreas de influência.

No quinto e último capítulo, ensaia-se uma análise interpretativa dos dados com

base no quadro de referência teórico e apresenta-se uma proposta de guião de questões

para reflexão.

Page 10: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

10

I – O CONTEXTO DA INTERVENÇÃO

Os novos desafios organizacionais que a constituição dos agrupamentos de

escolas colocam aos coordenadores dos estabelecimentos de Educação Pré-Escolar e 1º

Ciclo, apenas se poderão compreender no contexto histórico da evolução de cada um

destes níveis de ensino. Embora sem aprofundar a questão, sentiu-se a necessidade de

fazer uma breve referência a alguns destes aspectos, antes de caracterizar o

estabelecimento, o agrupamento e o cargo de coordenador de estabelecimento.

O 1º CICLO

Como salienta Sarmento, a administração das escolas do 1º Ciclo mantém-se

praticamente inalterada desde 1933, altura em que foram criadas as Direcções e

Delegações Escolares, que resistiram mesmo à criação das estruturas de descentralização

do Ministério da Educação, em 1996/97.

“Isto significa que se assiste a uma estrutura administrativa das escolas primárias

que é duplamente dual: à gestão pedagógica das escolas acopla-se a gestão

administrativa e financeira das delegações escolares e direcções escolares e à estrutura

administrativa do Ministério da Educação (com os seus Departamentos e DRE) anexa-se

a estrutura distrital e concelhia específica do ensino primário”. (Sarmento, 1998:41).

O mesmo autor refere duas características que resultam desta situação: por um

lado, “a adopção simbólica do ensino primário como um nível de ensino autónomo, e

não como um ciclo do ensino básico”; por outro lado, “ a multiplicação das relações de

interdependência administrativa”.

As funções do “encarregado de direcção” das escolas do 1º Ciclo que

“acrescentavam” ao trabalho pedagógico, a articulação com a administração local e,

posteriormente, com as autarquias, mudaram consideravelmente com a constituição dos

agrupamentos de escolas do ensino básico. Trata-se, neste novo contexto organizacional,

de lidar com a complexidade dos problemas colocados pela “integração” no sistema de

ensino e de cumprir/encontrar novos procedimentos administrativos.

Page 11: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

11

O PRÉ-ESCOLAR

No caso dos Jardins de Infância, dado o seu aparecimento tardio no sistema de

ensino público, algumas especificidades são de realçar, como é o caso da articulação com

as autarquias e outras instituições da comunidade, até por via da construção e instalação

dos próprios espaços, inexistentes no sistema público de educação antes de Abril de

1974.

“Ainda no mesmo ano [1977], é finalmente definida a criação da rede

oficial da educação pré-escolar. (…) Define-se que a criação destas instituições

será feita prioritariamente nas zonas socioeconomicamente mais desfavorecidas,

em colaboração com as autarquias e outras entidades públicas e privadas. (…) É

reforçada a necessidade de o jardim-de-infância funcionar em articulação com as

características da vida comunitária. Esta necessidade, que começa a ter um

grande peso desde Abril de 1974, tem implícita a existência de uma participação

mais activa dos pais, e também de outras pessoas da comunidade, na vida escolar

das crianças. Esta maior abertura das escolas vai ser ainda mais valorizada nos

estatutos dos jardins-de-infância posteriormente definidos, em 1979. (…) Esta

ligação à vida comunitária surgiu naturalmente em consequência das

características estruturais das instituições, de uma forma inovadora em relação à

realidade dos outros níveis de ensino. ” (Cardona:79 a 93)

O modelo de organização dos Jardins-de-Infância foi, assim, inovador, incluindo

mesmo, junto da directora pedagógica, um Conselho Consultivo1, constituído por

educadores e representantes de pais, auxiliares e Autarquia que em muito contribuiu para

a criação de condições físicas e pedagógicas dos Jardins, bem como para a construção da

própria rede pública da educação pré-escolar.

Os educadores “directores pedagógicos” que, para além do trabalho pedagógico e

da articulação com a administração local, desempenharam sempre funções de articulação

com vários protagonistas do sistema educativo, com a constituição dos agrupamentos de

escolas, passam a interagir também com os outros ciclos do ensino básico.

1 Estatuto dos Jardins de Infância – Dec -Lei 172/79 – Fevereiro

Page 12: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

12

O ESTABELECIMENTO – EB1/JI

À medida que se foi alargando a rede de educação pré-escolar, e com a diminuição

da população escolar no 1º Ciclo, nalgumas salas devolutas destas escolas foram criadas

salas de Jardim-de-Infância o que deu, ainda, origem a outro tipo de estabelecimentos, as

actuais EB1/JI (Escola Básica de 1º Ciclo/Jardim de Infância) que integram ambos os

níveis de ensino, o que acrescenta, ainda, novas especificidades aquelas já referidas.

Neste caso, quer o 1º Ciclo quer o Pré-Escolar, com as suas diferentes “histórias”,

têm que articular entre si num contexto organizacional de estabelecimento, bem como

encontrar estratégias de integração no contexto organizacional do agrupamento.

O presente projecto desenvolve-se num estabelecimento deste tipo, a EB1/JI dos

Combatentes, em Santarém, em que as tarefas de gestão, inicialmente desempenhadas

por um professor do 1º Ciclo e uma educadora de infância, vieram, com a constituição do

agrupamento, a ser assumidas apenas por um docente2, o “coordenador de

estabelecimento”, eleito por todos os outros (embora algumas tarefas mais específicas

ainda se encontrem repartidas pelos dois docentes, como é o caso da supervisão das

actividades extra-curriculares).

O estabelecimento possui 5 salas de aula do 1º Ciclo e 1 de Pré-Escolar,

abrangendo perto de 120 alunos de uma faixa etária que vai dos 3 anos aos 9/10 anos.

Trabalham actualmente na escola um total de 15 docentes: 5 professores nas turmas

de 1º ciclo; 1 educadora na sala de Jardim; 2 professores de apoio; 5 professores de

Actividades de Enriquecimento Curricular do 1º ciclo; 3 professores de actividades da

Componente Sócio-Educativa do Jardim; 1 professor de Língua Portuguesa para

estrangeiros. O número de auxiliares de acção educativa é de 6, havendo ainda 2

funcionárias da empresa responsável pelo refeitório.

É uma escola antiga, de bairro, durante muito tempo com o rótulo de “escola

problemática”, num edifício tipo “Plano dos Centenários”, com dois blocos distintos que

em tempos foram escola masculina e feminina. É uma escola que muitos pais já

frequentaram na sua infância e em cujo bairro habitam ainda hoje muitos avós de alunos.

2 Embora este não seja o “modelo” adoptado em todos os agrupamentos.

Page 13: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

13

A comunidade educativa é hoje socialmente bastante diversificada, menos

coincidente com a população do bairro e integra alunos estrangeiros, em particular um

grupo significativo de crianças chinesas.

Existe ainda uma Associação de Pais, que tem desenvolvido alguma actividade

sobretudo no que se relaciona com os problemas de instalações e refeitório, mas também

com a formação dos pais.

O AGRUPAMENTO DE ESCOLAS

O agrupamento de escolas em que se insere este estabelecimento é constituído por

uma Escola Básica com 2º e 3º Ciclo, 7 escolas do 1º Ciclo, 4 Jardins de Infância e 4

EB1/JIs. O agrupamento foi constituído no ano lectivo de 2001/02, na sequência da

implementação, a nível nacional, do modelo de gestão previsto no decreto-lei 115-

A/98,de 4 de Maio, sensivelmente na mesma altura em que se constituíram os outros dois

agrupamentos da cidade e de acordo com a mesma lógica de “associar” as escolas de 1º

ciclo e jardins de infância da cidade e concelhos limítrofes, às escolas sede de 2º e 3º

ciclo. Como já alguns estudos têm assinalado3, a “integração” dos diferentes ciclos

revela-se bastante problemática, sobretudo quando ela foi decretada a partir do centro,

com a intervenção dos órgãos locais e regionais do Ministério da Educação, e não a partir

de dinâmicas e/ou projectos dos actores nas escolas ou comunidades locais. Mesmo a

autarquia, neste caso, teve um papel pouco activo na iniciativa da constituição dos

agrupamentos de escolas. Na realidade, os diferentes ciclos passaram a “conviver” uns

com os outros mas, para além de algumas actividades pontuais, sem uma real

“articulação” entre si, quer no que respeita aos professores, quer aos alunos, quer aos

encarregados de educação. A manter-se esta tendência, resta saber se ela é significativa

de uma valorização da autonomia dos diferentes estabelecimentos e/ou níveis de ensino,

ou se, pelo contrário, como refere Lima (2004:7) os agrupamentos se constituirão como

um “novo escalão da administração desconcentrada”.

3 Entre outros, Simões (2003), Homem (2004), Lima (2004)

Page 14: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

14

O COORDENADOR DE ESTABELECIMENTO

As tarefas do coordenador de estabelecimento, previstas no Dec-Lei 115-A/98

incluem, numa escola com 1º ciclo e pré-escolar (escola EB1/JI), a gestão comum do

jardim-de-infância e do 1º ciclo e, de acordo com o mesmo decreto, estão assim

definidas:

“ a) Coordenar as actividades educativas do estabelecimento em articulação

com a direcção executiva;

b) Cumprir e fazer cumprir as decisões da direcção executiva e exercer as

competências que por esta lhe forem delegadas;

c) Veicular as informações relativas ao pessoal docente e não docente e aos

alunos;

d) Promover e incentivar a participação dos pais e encarregados de educação,

dos interesses locais e da autarquia nas actividades educativas.” (art.º 33)4.

O cargo de coordenador de estabelecimento passa também a ser remunerado5, o

que contribui para (re) forçar um compromisso, por um lado com a direcção executiva do

agrupamento (e as suas orientações, tendo como referência o Projecto Educativo, o

Regulamento Interno e o Plano Anual de Actividades) e, por outro, com os diversos

actores no contexto do estabelecimento (e os seus interesses). Encontra-se, assim, entre

“dois fogos”, entre várias instâncias reguladoras, constituindo-se ele próprio como

elemento regulador.

A figura do gestor escolar, o modo como ele exerce a sua acção, quer no quadro da

autonomia da escola, quer no quadro da sua regulação, surge como um “lugar” de

tensões, constrangimentos e possibilidades, já que, enquanto actor social, investido de

poucos poderes, ele possui o poder simbólico que o seu contexto local lhe possa atribuir

ou ele possa conquistar.

4 O actual modelo de gestão mantém intacta esta formulação das competências do coordenador de estabelecimento. 5 Ver a este propósito Dinis (1997:59) na referência a Etzioni sobre o poder remunerativo

Page 15: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

15

II – A PROBLEMÁTICA

Este capítulo apresenta a problemática, desenvolvendo-a em três momentos: a

micro regulação local da educação, a gestão intermédia e o trabalho do gestor.

No primeiro faz-se uma abordagem ao conceito de regulação da educação e às

suas implicações neste trabalho, como forma de contextualizar as primeiras interrogações

– ao nível da micro regulação.

No segundo, aborda-se a gestão intermédia, no âmbito dos departamentos

curriculares do ensino secundário e no 1º ciclo e pré-escolar.

No terceiro estabelece-se uma perspectiva de problematização e análise da gestão

intermédia, em torno de duas tópicas fundamentais: os papéis de gestão e as áreas de

influência do gestor.

Finalmente, apresentam-se as principais interrogações e os objectivos do projecto.

1. A ENTRADA – A MICRO REGULAÇÃO LOCAL DA EDUCAÇÃO

“Depois de ter retirado à Igreja o controlo sobre a educação (nos finais do século

XVIII, com a reforma do Marquês de Pombal) e construído lentamente, ao longo de quase

dois séculos, os alicerces e, depois, o edifício do “Estado Educador”, o estado vê, nos

finais do século XX, ser-lhe disputada a primazia através do envolvimento de outros

actores sociais, quer sejam as chamadas “forças do mercado” (empresários e

corporações), quer sejam grupos de interesses específicos (de origem social, cultural,

económica, religiosa, etc.) quer sejam os pais dos alunos (e os próprios alunos) enquanto

cidadãos ou consumidores, individualmente considerados, ou agrupados em associações.”

(Barroso, 2005:63)

Com o recurso a esta síntese ilustrativa de Barroso, pretende-se apenas situar

historicamente a actual complexidade da realidade organizacional e administrativa das

escolas num contexto de mudança e, desde logo, identificar algumas das causas de

perplexidades e interrogações que se colocam, quer aos seus diferentes protagonistas no

quotidiano, quer aos que pretendem descrever e interpretar as suas acções. Por um lado,

causas relativas aos modos de configuração do papel do Estado na definição e controlo

Page 16: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

16

das políticas educativas. Por outro lado, causas relativas à “entrada” de novos

protagonistas no sistema e a “novas” expectativas face a “velhos protagonistas” e aos

seus papéis na regulação da educação.

Como forma de olhar estas alterações, Barroso (2005:72,73) propõe um quadro de

análise que permite compreender as tendências das diferentes “alianças” entre os

diferentes intervenientes nas políticas de educação – Estado, professores e pais – e que se

têm concretizado em diferentes modos de regular essas mesmas políticas. “A situação

mais frequente é a que se traduz em alianças bipolares de que resultam sempre um

‘terceiro excluído’” (Barroso, 2005:73). Uma associação entre pais e Estado, com a

exclusão dos professores, configura uma forma de regulação pelo mercado; a associação

entre Estado e professores, com a exclusão dos pais, uma regulação burocrática, tal

como existiu até há bem pouco tempo entre nós; finalmente, uma associação entre

professores e pais, com a exclusão do estado, configura uma regulação comunitária, que

apenas esporadicamente se tem concretizado. Em qualquer destes casos, a dicotomia

traduz a pobreza de alternativas perante os desafios que se colocam hoje às escolas,

defendendo o autor a necessidade da procura de um novo equilíbrio na correlação de

forças entre os três diferentes tipos de actores.

A partir deste modelo pode mais facilmente fazer-se uma aproximação ao conceito

de regulação e compreender a sua introdução no campo da educação.

“Na verdade, embora no quadro do sistema público de ensino o Estado

constitua uma fonte essencial de regulação, ele não é a única, nem por vezes, a

mais decisiva nos resultados finais obtidos. A diversidade de fontes e modos de

regulação faz com que a coordenação, equilíbrio ou transformação do

funcionamento do sistema educativo resultem mais da interacção dos vários

dispositivos reguladores do que da aplicação linear de normas, regras e

orientações oriundas do poder político.” (Barroso, 2005:84,85).

Se bem que o referido conceito esteja associado a perspectivas teóricas, ele tornou-

se um instrumento útil na análise das políticas educativas, com as novas configurações

que se referiram. Estas tendências manifestam-se de formas diferentes nos diferentes

contextos escolares, de acordo com o modo como os actores sociais se organizam e

interpretam as suas acções, para além dos normativos legais. E é neste sentido que

importa precisar o modo como se pretende compreender e utilizar neste trabalho o

conceito de regulação da educação.

Page 17: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

17

Ainda seguindo o mesmo autor, ele pode referir-se a “dois tipos de fenómenos

diferenciados mas interdependentes: os modos como são produzidas e aplicadas as

regras que orientam a acção dos actores” – “regulação institucional” e “os modos

como esses mesmos actores se apropriam delas e as transformam” – “regulação

autónoma”. O primeiro caso inclui as “dimensões de coordenação, controlo e influência

exercida pelos detentores de uma autoridade legítima”. O segundo inclui “não só a

definição de regras (normas, injunções, constrangimentos, etc.) que orientam o

funcionamento do sistema, mas também, o seu (re) ajustamento provocado pela

diversidade de estratégias e acções dos vários actores, em função dessas mesmas

regras.” (2007:12,13). E é neste caso, no âmbito da regulação autónoma, que se pretende

situar o estudo.

Os processos de regulação, no actual contexto de mudança a que se tem feito

referência, ocorrem em diferentes níveis: transnacional, nacional e local. Embora não

esquecendo a sua complementaridade, situando-se o caso em estudo ao nível local,

importa clarificar o que se entende por micro regulação local. Barroso (2007:57) define-a

como:

“O processo de coordenação da acção dos actores no terreno que resulta do

confronto, interacção, negociação ou compromisso de diferentes interesses,

lógicas, racionalidades e estratégias em presença, quer numa perspectiva vertical

entre “administradores” e “administrados”, quer numa perspectiva horizontal,

entre os diferentes ocupantes de um mesmo espaço de interdependência (intra e

inter organizacional) – escolas, territórios educativos, municípios, etc.” (Barroso,

2007:57)

Em organizações como as escolas de 1º ciclo e de acordo com o estudo realizado

por Sarmento “a regulação da acção ocorre através de processos comunicativos,

predominantemente informais, onde os modos regulares relativamente padronizados de

actuação passam através de mensagens verbais e, em boa medida, de mensagens

tacitamente induzidas através das atitudes, comportamentos, formas de apresentação e

gestos.” (2000:487). Este autor descreve nesse estudo interessantes modos de regulação

das acções, a partir da matriz de análise 6 que propõe, fazendo referência à liderança

organizacional neste contexto, como uma função onde “falar é o trabalho”7.

6 Esta matriz é construída a partir de duas dimensões: a temporalidade e a dimensão formal-informal (Sarmento, 2000:438) 7 Ver Gronn (1988:289-303)

Page 18: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

18

Pretende-se, assim, no contexto dos processos de micro regulação da educação,

numa escola básica com 1º Ciclo e Jardim de Infância, compreender e problematizar o

trabalho de gestão, no quadro das alterações organizacionais que associam às escolas

novas responsabilidades e aos coordenadores de estabelecimento o alargamento e

valorização social da sua função.

Na sequência do que foi dito, é no entendimento dos actores, enquanto “autores”

no seio das organizações escolares, que convém referir, embora sucintamente, os

diferentes modelos de análise propostos por Lima (2002:44-50). O autor, estabelecendo a

diferença entre acção prescrita e acção real, distingue quatro tipos de modelos quanto ao

nível de análise: modelos decretados – referem-se ao conjunto de normativos e regras

formais; modelos interpretados – incluem a forma como os actores interpretam as regras

formais; modelos recriados – para além das anteriores incluem novas regras produzidas

em acção; modelos praticados – incluem as regras em uso efectivo na acção.

Importa ainda reter, para o foco deste trabalho, a complexidade do sistema de

regulação das escolas, tal como ele hoje se apresenta:

“Se entendermos a “regulação do sistema educativo” como um “sistema de

regulações” torna-se necessário valorizar, no funcionamento desse sistema, o

papel fundamental das instâncias (indivíduos, estruturas formais ou informais) de

mediação, tradução, passagem dos vários fluxos reguladores, uma vez que é aí que

se faz a síntese ou se superam os conflitos entre as várias regulações existentes.

Estas instâncias funcionam como uma espécie de “nós da rede” de diferentes

reguladores e a sua intervenção é decisiva para a configuração da estrutura e

dinâmica do sistema de regulação e seus resultados.” (Barroso, 2007:65)

Embora no âmbito de processos de micro regulação, como atrás se referiu, é neste

entendimento do cargo de coordenador de estabelecimento, enquanto instância de

mediação, “nó de uma rede”, que se pretende compreender e problematizar o trabalho de

gestão.

Page 19: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

19

2. O OBJECTO – A GESTÃO INTERMÉDIA

A gestão dos estabelecimentos de ensino inseridos nos agrupamentos de escolas

apresenta características específicas que, num primeiro momento, se podem estabelecer a

partir da própria posição que o cargo de coordenador de estabelecimento ocupa na

organização, à semelhança do que se observa em contextos não escolares.

O recurso à obra de referência de Mintzberg (2004) “Estrutura e dinâmica das

organizações” permite encontrar um primeiro esboço desta posição, quando o autor a

situa na “cadeia hierárquica”, uma das cinco componentes básicas da organização.8

O autor refere o desempenho de tarefas do gestor de nível médio tanto no sentido

ascendente, como no sentido descendente. No primeiro caso, ele recolhe informações e

passa uma parte delas ao nível superior, resolve alguns problemas e transfere outros

tendo, neste sentido, uma intervenção no processo de tomada de decisões. No segundo

caso, ele decide sobre a afectação de recursos da sua unidade, elabora regras, prepara

planos e implementa projectos. Para além destas tarefas, ele tem que gerir as condições

de fronteira entre a sua unidade e o resto da organização, e está empenhado na

formulação de estratégias para a sua unidade, embora esta seja significativamente

afectada pela estratégia da organização global.

O gestor intermédio desempenha todos os papéis do gestor de topo, embora

apenas no contexto da sua unidade e com diferentes configurações de acordo com o nível

em que se encontre na cadeia hierárquica, como se verá adiante, quando se fizer

referência aos papéis de gestão. A posição que ocupa na organização coloca-o num

“campo de forças” quer no sentido ascendente quer no sentido descendente. “Por vezes

estas forças são de tal forma poderosas (…) que mal se pode considerar o titular do

posto como um ‘gestor’, no sentido de este estar ‘encarregado’ de uma unidade

organizacional.” (Mintzberg, 2004:49).

O cargo de coordenador de estabelecimento, tal como se pretende abordar neste

trabalho, apresenta algumas destas características que desde logo estão associadas à

posição que ele ocupa no seio do agrupamento de escolas. A configuração deste modelo

organizacional, coloca o gestor intermédio “no meio” da linha hierárquica da organização

e, se tivermos em conta as alterações atrás referidas quanto aos novos intervenientes nos

processos de regulação da educação, bem como ainda o aumento dos tempos escolares,

8 As outras componentes são: o centro operacional, o vértice estratégico, a tecno-estrutura e o apoio logístico (Mintzberg, 1994:43-53)

Page 20: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

20

pode começar a desenhar-se o “campo de forças” em que também o coordenador de

estabelecimento se situa.

2.1. ESTUDOS SOBRE OS DEPARTAMENTOS E OS GESTORES INTERMÉDIOS

A gestão intermédia tem sido objecto de estudo sobretudo no âmbito das

pesquisas sobre os departamentos curriculares. Estes estudos constituem uma referência

importante quando se pretende problematizar as funções do coordenador de

estabelecimento, já que a cultura e a política departamental são elementos

organizacionais relevantes para compreender o trabalho, as funções e a identidade dos

gestores intermédios.

Tendo em conta o estudo de Carvalho (2002:49-56), os departamentos

constituem-se como um poderoso contexto, no seio do qual as práticas e as perspectivas

de ensino são moldadas e participam de forma determinante na organização das

experiências dos professores e alunos. Podem considerar-se, a partir de diferentes

perspectivas de análise, como “mundos de conhecimento”, como “mundos sociais” e

como “arenas políticas”9.

“Mundos de conhecimento” quando se consideram, como foco do seu estudo, os

conteúdos das culturas dos professores, isto é, as atitudes, os valores, as crenças e os

hábitos partilhados no seio desses grupos particulares, ou das comunidades profissionais

mais alargadas. As designações dos departamentos não são apenas classificações

disciplinares mas “fronteiras” que os dividem em mundos diversos relacionados com os

conhecimentos, linguagens e quadros de referência da sua disciplina.

Aos diferentes departamentos associam-se diferentes representações, acções e

interacções dos professores e, neste sentido eles podem considerar-se como “mundos

sociais” quando o seu estudo se centra nesses aspectos, enquanto “formas” das culturas

dos professores. Estas incluem os padrões de relações e as formas particulares de

associação que se estabelecem entre os professores.

Podem entender-se como “arenas políticas” quando os estudos têm como foco a

orientação estratégica das acções e relações dos professores para a obtenção e

distribuição de recursos quer materiais quer simbólicos, bem como para a criação de

9 O autor faz referência ao modelo tridimensional de análise dos departamentos proposto por Siskin (1994)

Page 21: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

21

sentidos, no seio desses espaços ou na sua relação com o exterior. Nesta perspectiva, o

autor considera que essa estrutura fixa de aparente desigualdade que é o departamento, é

“modificável” em função de diferentes factores, como o prestígio e credibilidade dos

professores no estabelecimento, a proximidade ou distância face à gestão da escola, a

presença em diversas redes de influência, as inclusões-exclusões dos processos políticos

nas escolas, o grau de comprometimento no interior dos departamentos, a existência de

comprometimentos exteriores. (Carvalho, 2002:55). Assim, quer o status10 dos

departamentos quer a acção estratégica dos professores são elementos importantes a ter

em conta na dimensão política da sua análise.

Sendo a política e a cultura factores inerentes à própria função de gestão, estes

aspectos contribuem para compreender a gestão intermédia, na complexidade de factores

que intervêm na constituição e maior ou menor coesão dos diferentes grupos de

professores e também na complexidade da articulação dos departamentos com os órgãos

de gestão de topo.

Uma perspectiva micro-política da educação permite circunscrever os fenómenos

políticos a que anteriormente se fez referência, focalizando a sua análise em contextos

mais restritos, como os departamentos, no quotidiano das escolas.

Tendo como referência o estudo de Carvalho (2002) esta perspectiva “preocupa-

se em captar os processos sociais através dos quais actores ou grupos procuram impor

ou salvaguardar os seus interesses na vida organizacional” e “centra-se sobretudo na

análise das relações de poder nas organizações.” (Carvalho, 2002:60). A mudança que

esta alternativa conceptual propõe situa-se, quer na ênfase que dá aos actores (e não às

estruturas) como constituintes básicos das organizações, quer na análise do modo como

esses actores definem, interpretam e manejam as situações com que se confrontam no

quotidiano. A perspectiva micro-política, no âmbito dos estudos sobre os departamentos,

tem em conta as acções políticas dos indivíduos orientadas pela sua percepção das

diferenças entre si ou entre grupos, debruça-se sobre o uso do poder (para influenciar

e/ou proteger) e sobre o significado político das suas motivações mais ou menos

conscientes. Tem em conta as acções e processos quer cooperativos quer conflituais dos

actores, bem como os interesses relativos a bens materiais ou simbólicos. Ainda, segundo

o mesmo autor:

10 O status pode definir-se como a posição social à qual se associa um conjunto de direitos e deveres e um lugar relativo numa hierarquia e relaciona-se com o prestígio, os bens e a autoridade do departamento (Carvalho, 2002:45).

Page 22: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

22

“A actividade micro-política pode envolver tanto a luta em torno dos

recursos como a luta pela definição das regras dessa luta. A micro-política cobre

tanto o espaço do acesso, da alocação e da distribuição de recursos e recompensas

materiais e simbólicas como o espaço de estabelecimento da ordem organizacional

e educativa, da definição do modo de controlo da organização e da definição do

que é tomado como válido do ponto de vista educativo nessa organização.”

(Carvalho, 2002:63)

De acordo com Friedberg (1995:120) o poder pode definir-se como “a capacidade

de um actor estruturar processos de troca mais ou menos duráveis a seu favor,

explorando os constrangimentos e oportunidades da situação para impor os termos da

troca favoráveis aos seus interesses.” Essa capacidade pode ter como origem a própria

definição da situação e do problema11 ou pode estar relacionada com a liberdade ou zona

de autonomia de cada actor.

Tendo em conta esta perspectiva de análise, os actores nas organizações

desenvolvem estratégias de acção que se pretendem compreender, no caso dos gestores

intermédios, enquanto acções estratégicas orientadas para determinados fins, no

desempenho da função de gestão.

Importa, neste âmbito, fazer uma referência aos estudos de Blase e Anderson

(1995). Os autores consideram que o poder, nas relações humanas, consiste numa

estrutura tripartida expressa em termos de “poder sobre”, “poder através de” e “poder

com”. A primeira forma relaciona-se com a dominação e o controlo e está associada a

uma perspectiva de poder como um recurso escasso, em que a competição é a única

forma de obter o seu uso, sempre considerado como total. O “poder através de” está

associado à motivação dos indivíduos e grupos que, desta forma, sentem mais como seus,

os objectivos da organização. Os autores vêem como alternativa a estas abordagens

tradicionais da liderança, o modelo de “poder com” que favorece o empowerment dos

“subordinados”, isto é, que tem em conta a participação democrática como um direito e

não como privilégio dos administradores e que vê o poder como um recurso que se

encontra distribuído de diferentes formas, nas organizações escolares. (Blase e Anderson

1995:13).

11 Como salienta Carvalho (2002:63), referindo Mangham (1979), a definição da situação é um dos focos centrais da actividade micro política pois é através da atribuição de significado que os contextos são interpretados e a acção é ordenada.

Page 23: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

23

Desenvolvendo uma matriz de análise a partir de duas dimensões, aberto-fechado e

transacional-transformativo, os autores estabelecem quatro tipos diferentes de liderança,

aos quais associam as diferentes formas de exercício do poder:

Autoritário – transacional-fechado – uso do “poder sobre” – mantém o status quo

Adversarial – transformativo-fechado – uso do “poder sobre” e do “poder através”

– promove a visão moral do lider

Facilitativo – transacional-aberto – uso do “poder sobre” e do “poder através” –

promove um clima organizacional mais humano

Democrático – transformativo-aberto – uso do “poder com” – promove a

democracia e o “empowerment” social.

Em diversos estudos empíricos estes autores referem-se às diferentes estratégias de

uso do poder e ao seu impacto, entre outras, nas relações entre professores e entre

professores e gestores nas escolas. De um modo geral, de facto, aos estilos mais

“fechados” dos gestores, vistos pelos professores como autoritários, inacessíveis,

indecisos, inseguros, frios e impessoais, também se associaram orientações políticas dos

professores que eram igualmente “fechadas”, e dominadas por considerações reactivas

(Blase e Anderson, 1995:80). Aos estilos mais “abertos” dos gestores, vistos como

honestos, comunicativos, colegiais, informais, participativos e apoiantes, associaram-se

estratégias de acção dos professores como, entre outras, a diplomacia, enquanto

estratégia de influência positiva e pró-activa e a disponibilidade para realizar trabalho

extra e dar visibilidade ao seu trabalho (Blase e Anderson, 1995:93).

No entanto os autores pretendem demonstrar que qualquer estratégia micro-política

pode ser usada de forma autêntica ou manipulativa e, tendo em conta que as tecnologias

do controlo se tornaram mais subtis e ideológicas, os modelos de gestão mais abertos e

participativos devem ser analisados com precaução. O controlo ideológico através da

“gestão dos significados”12 parece ser apanágio dos gestores, mesmo nesse tipo de

modelos. Ao gestor tende a pertencer o direito a enquadrar e “definir” a realidade dos

outros, mesmo quando ela possa corresponder a simples ficção. E, no entanto, também

ele, numa posição intermédia de gestão, se confronta com constrangimentos vários. Com

referência a um destes estudos, os autores assinalam: “At least in Fairlawn, principals

12 “O vocabulário e os conceitos correntes e comuns operam selectivamente sobre a visibilidade das coisas e exercem uma poderosa regulação sobre as percepções, as cognições e as preferências, sobre a promoção ou a marginalização de pessoas e ideias” Carvalho (2002:17)

Page 24: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

24

may technically be the teachers’ immediate bosses, but they are, in their own way, as

vulnerable as teachers.” (Blase e Anderson, 1995:118)

Um estudo de Busher (2005), debruçando-se sobre a identidade profissional dos

gestores intermédios, com base numa análise dos processos micro-políticos das escolas

secundárias, demonstra algumas das formas como eles lidam com essa “vulnerabilidade”:

a necessidade de gerir o departamento através de processos colaborativos, da consulta, da

persuasão; o uso do “poder com” e “através de”; estabelecer a mediação entre

professores e gestores de topo; desenvolver culturas colaborativas e uma liderança

distributiva. Nesta posição na organização, eles têm de estabelecer constantes

negociações com os outros actores. Como refere o autor: “There was a form of consent to

their actions that was frequently renewed through middle leaders’ formal and informal

interactions with their colleagues in the specific policy contexts of the school” (Busher,

2005:149). O autor assinala ainda o facto de a sua identidade emergir da linguagem que

“não usam”: eles nunca se referem a si próprios como gestores e quando usam o termo

referem-se aos gestores de topo, na organização escolar.

No âmbito de um estudo sobre departamentos no ensino secundário (Busher e

Harris, 1999), o gestor intermédio é caracterizado do seguinte modo:

“In hierarquical terms the head of department is a middle manager. He or she is

not part of the senior management team, responsible for the overall strategic

development of a school, but someone responsible for the operational work of others,

namely classroom teatchers.” (Busher e Harris, 1999:306)

Estes autores referem-se às exigências complementares e opostas das suas

funções, que colocam tensões e dilemas na liderança ao nível dos departamentos e que se

associam a quatro diferentes dimensões: o modo como os chefes de departamento

traduzem as perspectivas e políticas do senior staff; o modo como encorajam o

desenvolvimento da identidade do grupo; o modo como melhoram o desempenho de

professores e alunos; o modo como estabelecem a ligação com os actores externos (numa

linha vertical ou horizontal). Estas dimensões reflectem a complexidade das tarefas de

gestão nestes contextos e revelam as tensões que os líderes enfrentam numa posição de

gestão intermédia. O facto de os departamentos variarem em tamanho, configuração,

status, fontes de poder e especialização do grupo profissional, torna o trabalho de cada

chefe de departamento contextualmente diferente do que é experienciado pelos outros

dentro da mesma escola ou noutras escolas.

Page 25: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

25

As alterações nas formas de regulação da educação, a que se fez referência,

colocam novas exigências e desafios aos gestores. Uma mudança nas funções do gestor

intermédio, ao nível dos departamentos, tal como refere o estudo de Adey (2000: 419-

431) vai no sentido, quer de uma maior participação sua nas políticas globais da

organização escolar, quer de um papel mais efectivo no desenvolvimento profissional dos

professores. As conclusões do estudo permitem, em primeiro lugar, constatar uma grande

discrepância entre o que se espera destes gestores e o que eles sentem acerca destas

questões. Se, devido à “pressão” que sobre eles se exerce, demonstram aceitar essas

novas responsabilidades, de facto consideram não estar preparados para as concretizar. O

estudo evidenciou que:

- O modo como vêem a sua função está sobretudo ligado às competências gerais

de gestão: tomar decisões, gerir recursos e reuniões, desenvolver boas relações de

trabalho, entre outras.

- Vêem-se mais como “line manager”, responsáveis pela aplicação de medidas

políticas institucionais do que como líderes.

- Não reconhecem o seu papel de liderança no desenvolvimento profissional dos

professores; não consideram o processo de avaliação dos docentes como instrumento de

desenvolvimento profissional.

- Alguns demonstram uma insatisfação pelo facto de não terem influência nas

decisões políticas globais da escola mas, na generalidade, não aceitam a noção da

necessidade do seu contributo nessa tomada de decisões

- A gestão do tempo é uma preocupação dos gestores intermédios, perante as

pressões que sofrem para efectivar as referidas mudanças nas suas funções.

Os autores salientam que estes aspectos são consistentes com outros estudos:

“The essencial feature of ‘middleness’ appears to be that the subject leaders and others

are translators and mediators rather than originators of the policy and culture of the

school.” (Glover et al, 1998, cit por Adey, 2000:428)

Page 26: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

26

2.2. ESTUDOS SOBRE O PRÉ-ESCOLAR E 1º CICLO: A CULTURA DE “CUIDAR”

Uma interessante abordagem à cultura destes níveis de ensino 13 é feita por Nias

(1999:66-81) a partir do conceito de “care”, enquanto preocupação pela vida emocional e

pela protecção dos alunos dos mais baixos níveis etários.

“Whatever the reasons, if we accept as generalisations that the teachers

are affectively involved with children, and the proposition of the relational

feminists that affectivity is the basis of an ethic of care, then it is easy to construe

primary teaching as a ‘culture of care’ whose underlying values emphasise the

importance of making children feel secure, happy and cared for.” (Nias, 1999:68)

A ética do cuidar emerge de sentimentos, mais do que de princípios racionais e

pode compreender-se a sua ênfase numa situação profissional em que, para além da faixa

etária das crianças, os professores trabalham num sistema de monodocência em que se

encontram isolados, por longos períodos de tempo, com as “suas” crianças, nas “suas”

salas. Esta perspectiva está também implícita no modo como os professores

percepcionam as relações entre si, na organização escolar.

A autora faz referência a três tipos de razões históricas que estão na origem desta

característica cultural. Uma primeira prende-se com o facto de a educação poder ser

entendida como “endoutrinação” associada a uma perspectiva religiosa. Uma segunda

razão situa-se na influência que, na educação dos primeiros anos, tiveram as abordagens

de Froebel, Pestalozzi e outros, mais viradas para o desenvolvimento do que para a

aprendizagem. Uma última razão está relacionada com o entendimento da profissão

como “obediência” ao sistema, associada ao baixo status social e económico e à

feminização, entre outros factores. Assim, uma “cultura de cuidar” pode associar-se a

diferentes modos de entender a função docente – como afectividade, como

responsabilidade e como altruísmo ou auto-sacrifício – mas a autora salienta o facto de,

em qualquer dos casos, ela se constituir como uma fonte de identidade e compromisso

com a profissão. A intensificação do trabalho docente, nestes níveis de ensino poder ter,

neste sentido, efeitos mais devastadores junto dos professores. A autora identifica a

“culpa” e a “tensão” como os efeitos que as exigências actuais do sistema têm nos

professores. “Culpa” porque a responsabilidade moral na profissão é difusa, não definida

e inegociável, ficando a cargo da consciência individual. “Tensão” porque o discurso

13 Não se ignorando diferenças entre as culturas de ambos os níveis de ensino, aqui tomam-se como idênticas no aspecto específico que se aborda: o “care”.

Page 27: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

27

actual se centra na relação custo-benefício e não no “care”, na prestação de contas e não

no “serviço”. A pressão competitiva aumentou, dentro e entre as escolas, o que tem um

efeito paradoxal, já que torna a função de responsabilidade moral destes professores mais

difícil de atingir. Assim, eles são levados a percepcionar os interesses da escola mais em

função dos indivíduos, do que em função das medidas legalmente instituídas.

Pode-se compreender melhor a gestão intermédia no 1º ciclo e pré-escolar, se for

entendida como uma tarefa “cultural” e “moral” intimamente associada ao “care”,

enquanto preocupação pelos alunos e enquanto preocupação pelos aspectos afectivos e

relacionais na organização, o que a distingue da gestão intermédia noutros contextos.

Southworth, autor que tem estudado a gestão intermédia nas escolas de 1º ciclo,

salienta a função de liderança precisamente como uma forma de gestão da cultura das

escolas, dando ênfase aos aspectos sociais, relacionais e morais do cargo. De uma forma

sintética estabelece, deste modo, uma distinção entre os dois tipos de funções inerentes

ao cargo, a de gestão e a de liderança: “Management is to do with keeping the

organization going. Leadership though is about ensuring the organization – the scool –

is going somewhere” (Southworth, 1998: 8). Enquanto que a actividade de gestão

implica a manutenção do funcionamento da organização, e nesse sentido é também um

trabalho relacional, a liderança supõe, de acordo com o mesmo autor, uma acção social

que pretende influenciar os outros. 14 Implica, defende o autor, uma visão global da

escola, estabelecer objectivos e avaliar, co-ordenar e desenvolver o currículo, assegurar a

qualidade do ensino-aprendizagem e constituir-se como exemplo, no seio da organização

escolar (Southworth, 1998:70).

Como se registou, dificilmente os gestores intermédios têm um entendimento do

seu cargo nesta vertente de líderes de professores e num estudo sobre o 1º ciclo,

relacionado com a detecção de necessidades de formação dos gestores intermédios, os

autores salientam:

“Primary subject leaders acknowledged the importance of auditing colleagues’

training needs, but did not appear to take their response further than attempting to lead

by example.” (Bennett et al, 2003:8).

14 Sanches (1996:13-35) estabelece uma distinção entre estes dois conceitos, a partir da sua evolução histórica, considerando que “Ao contrário da visão tradicional que tem confundido liderança e gestão, para o tempo presente requerem-se mais líderes do que gestores”. (1996:21)

Page 28: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

28

A gestão intermédia poderá, assim, compreender-se como uma função complexa

situada num “campo de forças” em que se jogam as acções e os interesses

simultaneamente complementares e opostos dos vários actores, quer numa linha vertical

quer horizontal e quer no interior, quer no exterior do contexto organizacional. Nos

departamentos, como nas escolas, enquanto contextos culturais e políticos, o gestor

intermédio é um actor central. Com uma maior ou menor participação na política global

da organização, o lugar do meio é sempre lugar de definição de regras, situações e

problemas, de tradução e gestão de significados, de interacção e negociação para a

afectação de recursos materiais ou simbólicos. Ao gestor intermédio cabe, assim, uma

função que é simultaneamente cultural e política. A sua visão da organização, o modo

como interpreta a sua função e as acções estratégicas que vai desenvolvendo, mais ou

menos conscientemente, constituem-se como dimensões duma “construção” própria do

cargo de gestão e permitem-lhe estabelecer equilíbrios mais ou menos provisórios e/ou

conquistar “zonas de negociação” favoráveis à sua unidade organizacional.

Neste sentido, o desempenho dos papéis de gestão, e as áreas de influência em

que ele exerce a sua acção são fundamentais para descrever e analisar os modos como, no

quotidiano, o gestor intermédio desenvolve essa acção.

3. A PERSPECTIVA – O TRABALHO DO GESTOR INTERMÉDIO

A função de coordenação de um estabelecimento de ensino, no contexto de um

agrupamento de escolas, apresenta especificidades que se pretendem olhar e

problematizar tendo como dimensões de análise o desempenho dos papéis de gestão e as

áreas de influência em que se concretiza a sua acção. Embora estes conceitos e

perspectivas se constituam como categorizações a priori, o que se pretende é olhar o

objecto de estudo a partir deles, como referências facilitadoras de uma compreensão das

acções estratégicas do gestor intermédio, enquanto actor organizacional, no contexto

específico do estabelecimento em análise.

Page 29: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

29

3.1. OS PAPÉIS DE GESTÃO

O coordenador de estabelecimento, como responsável pelo funcionamento da

organização, é objecto de uma regulação institucional, isto é, espera-se dele que cumpra e

“faça cumprir” as orientações emanadas da legislação e dos seus superiores hierárquicos.

Por outro lado ele é um regulador das acções de outros (entre eles, os seus pares). A sua

autoridade formal, inerente à natureza do cargo e à posição que ocupa na organização,

atribui-lhe um estatuto, o de representante da instituição, constituindo-se, assim, como

um actor central no “jogo” das regulações internas 15 da escola.

É neste contexto que pode entender-se a natureza “dilemática e conflitual” da

actividade do gestor escolar, tal como é referida por Dinis (2002:124), fruto das

“exigências contraditórias” a que se encontra sujeito. Ele é simultaneamente “um entre

dois”, se tivermos em conta a dicotomia administração/ensino, e “um entre iguais”, se

considerarmos que é eleito pelos outros professores e é ele próprio um profissional do

ensino.

Este autor faz referência aos papéis do gestor, enquanto “configurações de

comportamentos sociais requeridos ao actor organizacional, em função do estatuto ou

posição que ocupa na organização”, distinguindo os diferentes processos de percepção e

interpretação que deles fazem os diversos actores no seio dos contextos organizacionais e

que explicam a natureza ambígua da actividade do gestor.

O autor explicita, quanto ao conceito de papel, quatro aspectos que, neste sentido,

importa reter: as expectativas a ele associadas pelos actores – o papel esperado; as

diferentes formas como essas expectativas são passadas a outros – o papel comunicado; a

percepção dessas expectativas comunicadas – o papel percebido; a execução – o papel

exercido (Dinis, 2002:123-126).

Como se referiu, Mintzberg (2004:48) considera que os gestores intermédios

desempenham todo o tipo de papéis dos gestores de topo. Devem servir de símbolo à sua

unidade e ser líderes dos seus membros, controlar o ambiente e as actividades e

transmitir informações dentro e fora da cadeia hierárquica, realizar a afectação dos

recursos, negociar com pessoas fora da organização, tomar a iniciativa de mudanças

estratégicas e lidar com as excepções e com os conflitos. Estes papéis apresentam, no

15 “Por regulação interna entendemos os processos formais e informais que garantem a coordenação da acção colectiva na escola, através da produção e manutenção de regras que asseguram o seu funcionamento” (Barroso, Dinis, Macedo e Viseu, 2007:171)

Page 30: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

30

entanto, diferentes configurações à medida que a posição do gestor desce na cadeia

hierárquica, caracterizando-se as decisões nestes casos, entre outros aspectos, por serem

cada vez mais frequentes, de menor duração, menos flexíveis, menos ambíguas e menos

abstractas; as soluções mais pré-determinadas; o significado dos acontecimentos e das

inter-relações mais claro (Martin, 1956, cit por Mintzberg, 2004:49).

De acordo com o mesmo autor (Mintzberg, 1999:25) os papéis de gestão, embora

na realidade se sobreponham, podem sistematizar-se em três grandes áreas: a relação, a

informação e a decisão. Em cada uma destas categorias se incluem diferentes papéis aos

quais o autor associa as diferentes tarefas de gestão, como se pode observar no seguinte

quadro

Quadro 1 – Papéis de gestão, segundo Mintzberg (1999)

PAPÉIS INDICADORES

Representante Obrigações sociais; recebe representantes oficiais; convida pessoas.

Líder

Responsabilidade pela sua equipa; motivar e encorajar os assalariados;

conciliar as suas necessidades com os objectivos da organização; influenciar;

exercer autoridade. Relação

Agente de ligação Contactos com pessoas fora da cadeia vertical de comando;

Piloto

Escrutina o meio à procura de informação; recebe e procura informação

espontânea

Difusor Passa informações importantes aos assalariados

Com

unicação

Passa-palavra

Transmite informações para o exterior; deve informar e satisfazer as pessoas

que exercem uma forma de influência ou de controlo sobre a sua unidade;

mantém os superiores informados

Empreendedor

Procura fazer evoluir a sua unidade e adaptá-la às mudanças do meio; Inicia

um projecto de desenvolvimento que supervisiona ou delega a um membro da

equipa; inicia voluntariamente a mudança;

Gestor de crises

Gerir a mudança que é imposta pelas circunstâncias; o gestor, como actor

involuntário da mudança, respondendo à urgência; como um chefe de

orquestra deve assegurar a “harmonia do conjunto”; resolução de problemas

imprevistos e urgentes; é actor involuntário de mudança;

Gestor de recursos

Responsável pela afectação de recursos; autorizar decisões de maneira

informal (quando os projectos não podem esperar ou não permitem calcular

custos e benefícios para estabelecer um orçamento);

Decisão

Negociador Implica o poder de afectar os recursos da organização em tempo útil;

Page 31: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

31

Centrando-se nos papéis de relação, o autor considera que eles derivam

directamente da posição que os gestores ocupam na estrutura formal da organização e

incluem o papel de “representante”, o de “líder” e o de “agente de ligação”. A

autoridade formal e o estatuto de que dispõem implicam um certo tipo de relações, donde

derivam um conjunto de papéis de informação que incluem os de “piloto”, “difusor” e

“passa-palavra”. Estes conjuntos de papéis, por sua vez, permitem-lhe jogar os papéis

decisionais que incluem os de “empreendedor”, “gestor de crises”, “gestor de

recursos” e “negociador”.

“En vertu des nombreux contacts personnels qu’il entretient avec ses

subordonnés et tout un réseau de relations, le manager apparaît comme le centre

névralgique au sein de son unité” (Mintzberg, 1999:25)

É esta “posição” na organização que importa reter para, no caso da gestão

intermédia, se descrever a especificidade das tarefas da coordenadora de estabelecimento,

num cargo de gestão intermédia.

Tendo em conta estes aspectos relacionados com a problematização do conceito e

a categorização dos papéis de gestão, importa conhecer e compreender o modo como, no

quotidiano, se desenvolvem as práticas de gestão, isto é, em que consiste a actividade

prática da coordenadora, no desempenho dos diferentes papéis de gestão.

Como salientam vários autores, a imagem do gestor como alguém que planifica,

organiza e, posteriormente, decide e reflecte sobre o seu trabalho, não corresponde à

realidade. De facto, no quotidiano verifica-se a sobreposição dos papéis do gestor e a sua

actividade caracteriza-se pela brevidade, fragmentação e comunicação verbal (Mintzberg,

1999:24). E ainda: pela dispersão, densidade e rapidez na sucessão das tarefas (Barrère,

2006:46).

No caso da gestão de organizações educativas, Barrère (2006: 41-102) caracteriza

o trabalho do gestor de um estabelecimento de ensino a partir de quatro dimensões: a

diferenciação das tarefas, a temporalidade, a reactividade e a visibilidade.

As tarefas de gestão podem caracterizar-se, numa primeira dimensão, como sendo

de natureza diversa – administrativas, relacionais e decisionais – e com um grande

diferencial de densidade, duração e sucessão, o que permite ao gestor “suportar” o peso

do seu trabalho, apesar da intensidade que o caracteriza. As sobreposições de pedidos de

informação, a imprevisibilidade das situações, as interrupções constantes, são aspectos

que caracterizam o seu trabalho, bem como o facto de a política do estabelecimento estar

totalmente “imersa” no resto da actividade, ou “atomizada” em “micro-decisões”. As

Page 32: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

32

estratégias de regulação que utiliza, como forma de lidar com a complexidade das

situações, são sobretudo relacionais. A “presença”, a disponibilidade, a consulta,

constituem formas de antecipar os problemas e, desde logo, começar a resolvê-los.

As diferentes temporalidades – os finais de períodos lectivos, a “urgência” e os

projectos – constituem, igualmente, fontes de “pressão” exterior, quer devido ao

incremento de uma cultura de diagnóstico e avaliação que exige a recolha de dados,

sobretudo quantitativos, quer devido à “oferta periférica de acções” por parte de

instituições externas. A autora refere, a este propósito, que se pode falar da

“confiscação” do projecto pela proliferação de ofertas deste tipo (Barrère, 2006:66).

A reactividade, como dimensão caracterizadora do trabalho do gestor, prende-se

igualmente com as alterações que a descentralização trouxe aos modos de regulação do

sistema educativo. As fronteiras com o exterior tornaram-se mais “porosas” e as famílias

mais interventivas, como “clientes” de um serviço público, o que exige bons níveis de

resposta por parte do gestor. A ordem de prioridades das tarefas tende a ser definida pelo

seu diferencial de reactividade e as interacções relacionais e informacionais constituem-

se como o trabalho mais apropriado para procurar a “reactividade ideal” no

estabelecimento. O gestor pode ser visto, assim, como um “regulador da reactividade”

(Barrère, 2006:72-83).

O trabalho de gestão do estabelecimento é fortemente marcado pela sua

transformação em acção visível, sobretudo no contexto da difusão de uma cultura de

resultados, já que as acções do gestor são identificáveis e possíveis de objectivar. Assim,

as formas de comunicação revestem-se da maior importância pois permitem explicitar e

pôr à discussão uma visão da organização, isto é, “agir” sobre a sua imagem exterior

(Barrère, 2006:97)

3.2. AS ÁREAS DE INFLUÊNCIA

No caso da gestão intermédia, num estabelecimento de ensino dum agrupamento de

escolas, uma aparente invisibilidade do trabalho de gestão poderá ser, de facto, apenas

aparente, se tivermos em conta estudos como os de Hanson (1981) e Friedberg (1995)

acerca do “jogo” de poderes e das zonas de incerteza, em que se joga a influência e a luta

pelo preenchimento de espaços de indefinição decisional.

Page 33: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

33

O “modelo de esferas de influência” (Hanson, 1981:245-272) parece pertinente

para a compreensão do desempenho dos papéis no cargo de gestão intermédia, tal como

se pretende descrever e analisar neste trabalho. O modelo sugere que o controle dos

processos de decisão nas escolas se concretiza no contexto de múltiplas “esferas de

influência”, ou “domínios ou áreas decisionais”, sendo duas dominantes: a dos

administradores e a dos professores. No entanto, embora diferindo na forma e conteúdo,

essas esferas encontram-se associadas aos diferentes actores – funcionários, alunos,

professores, administradores e grupos de pais – e cada uma mantém graus relativos de

poder, autonomia, arbítrio decisional, legitimidade, tarefas e objectivos. O autor,

debruçando-se sobre as duas esferas dominantes, considera que estas se constituem como

uma resposta organizacional ao problema fundamental das escolas, a tomada de decisão

num contexto simultaneamente estruturado e flexível.

“Hence, the existence of spheres of influence forms the basis of predictability

between teachers and administrators and thus functions as a conflict-reduction

mechanism that permits the tasks of schooling to be carried out more smoothly.”

(Hanson, 1981:256).

As diferentes esferas de influência têm, no entanto, diferentes graus de autonomia,

constrangimentos e limites, quer no caso dos professores, quer no caso dos gestores que

podem associar-se à estrutura formal hierárquica, ao isolamento do espaço de trabalho ou

à aplicação informal de poder.

Uma classificação das diferentes áreas decisionais das escolas é, assim, apresentada

pelo autor: “decisões de alocação” – a distribuição de recursos humanos e materiais na

escola; “decisões de segurança” – a preservação da segurança física e psicológica do

corpo docente e dos alunos; “decisões de fronteira” – a determinação de quem controla a

passagem de materiais, informação e pessoas, de um domínio para outro, dentro da

escola ou entre a escola e a comunidade; “decisões de avaliação” – a passagem do

julgamento sobre a qualidade do desempenho (professores ou alunos); “decisões de

ensino” – a determinação do processo e conteúdo do ensino-aprendizagem.

Em cada uma destas categorias, as decisões podem estar ligadas a diferentes esferas

de influência, isto é, “caírem” no espaço decisional de diferentes actores. No contexto

organizacional das escolas existem, assim, “zonas de contestação”, espaços em que não

é clara a delimitação dos poderes decisionais e em que as decisões são tomadas com base

em negociações mais ou menos informais. Neste sentido podem formar-se “coligações”,

ou “sub-coligações” entre os diferentes actores e com um carácter mais ou menos

Page 34: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

34

duradouro, à volta de “pontos de vista contraditórios”. Este é um processo que se pode

observar como forma de influenciar ou contestar decisões, afirmar posições, obter

recursos dentro ou fora da escola ou criar alianças com base em crenças e valores.

Alianças temporárias entre professores e administradores podem, por vezes, formar-se

como estratégia de influenciar decisões a nível central.

Esses acordos permitem encontrar uma “ordem negocial”, isto é, um grau de

estabilidade aceitável numa zona de potencial desacordo. Uma noção das escolas como

organizações “debilmente articuladas” 16 ajuda a compreender o modo como as esferas

de influência mantêm graus de autonomia e arbítrio decisional e como têm uma débil

articulação entre si. É nas zonas de contestação que em larga medida a articulação entre

esferas se processa e quanto mais firme é a “ordem negociada” menos “débil” é essa

articulação. Uma escola “firmemente articulada” é uma escola onde existe um alto nível

de acordo e de actividade coordenada entre esferas.

Uma compreensão do “modelo de esferas de influência” permite abordar a

complexidade da organização escolar e identificar diferentes “tácticas de gestão

informal” usadas pelos diferentes actores nas escolas. E, como refere o autor:

“The principal, by his or her awareness and skill, seems to be a key figure in

whether or not the subcoalitions are moved toward differentiation and integration

or whether they simply go their own ways.” (Hanson, 1981:272)

Todos estes aspectos remetem para a dimensão política da acção humana que, de

acordo com Friedberg (1995:270) se caracteriza por ser instrumental e não gratuita,

baseada em interesses que, no entanto, não podem ser entendidos “a priori”, mas

dependentes das situações ou campos de acção nos quais actuam. Neste sentido, como

refere o autor:

“Os indivíduos só raramente têm preferências ou objectivos claros.

Sobretudo, nem sempre têm o tempo de calcular a sua conduta em função dessas

preferências. São obrigados a remediar rapidamente as situações, o que os pode

levar a reconsiderarem as finalidades da sua acção em pleno caminho, a inventar

ou descobrir outras, a ‘racionalizar’ a sua acção. É pois ilusório considerar o

comportamento humano como sendo sempre reflectido, ou seja mediatizado por

um cálculo a partir de objectivos fixados à partida.” (Friedberg, 1995:53)

16 “The image is that the principal and the counselor are somehow attached, but that each retains some identity and separateness and that their attachment may be circumscribed, infrequent, weak in its mutual effects, unimportant, and/or slow to respond” (Weik, 1976:3, cit. Por Hanson, 1981:266)

Page 35: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

35

Os diferentes actores possuem, assim, uma “racionalidade limitada” orientando-se

no entanto por interesses, intenções ou estratégias mais ou menos conscientes que geram

relações de força e que se ajustam através de negociações. Num contexto organizacional,

a estrutura e as regras formais não podem entender-se como adquiridas, pelo que é

preciso ter em conta o modo como os actores se situam face a elas.

“Com efeito, enquanto que elas visam racionalizar os problemas, fazer

desaparecer incertezas e acasos de comportamento e estabilizar, regularizar e

desse modo tornar mais previsível o funcionamento de uma organização, a

estrutura e as regras formais geram os seus próprios problemas. Criam portanto

novas incertezas que nascem das dificuldades levantadas pela aplicação no dia-a-

dia das suas prescrições, e que fornecem por sua vez aos membros da organização

possibilidades de “jogo” com os dados formais.” (Friedberg, 1995:148,149).

Neste “jogo” de interesses e acções, as relações entre os actores inscrevem-se

sempre num campo não igualitário, estruturado por relações de poder e de dependência,

em que as soluções para os problemas se constituem como formas de estabelecer

equilíbrios mais ou menos provisórios que permitam estabilizar, pelo menos

temporariamente, as suas negociações e interacções e tornar mais previsíveis os

comportamentos e situações.

Neste sentido, para descrever e interpretar o trabalho do gestor intermédio enquanto

actor na organização, optou-se por focar a sua análise nas dimensões referidas: os papéis

de gestão e as áreas de influência. Quer o desempenho de papéis, enquanto configurações

de comportamentos sociais, quer as áreas da organização em que desenvolve uma acção

estratégica, são os aspectos “visíveis” do seu trabalho que se pretendem observar e a

partir dos quais se ensaiará uma análise dos seus significados tendo como base o quadro

teórico de referência.

Estes dois conceitos são, assim, utilizados neste trabalho enquanto “instrumentos”

conceptuais de análise das acções e interpretações das acções que a coordenadora

desenvolve, enquanto actor com “interesses” específicos (relacionados com a integração

do estabelecimento num novo modelo organizacional), com uma “cultura” específica

(manifesta nos referenciais e padrões de comportamentos adquiridos) e uma “posição”

específica (a gestão intermédia), num contexto organizacional específico (o

estabelecimento de ensino, no agrupamento de escolas).

Page 36: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

36

4. INTERROGAÇÕES E PROPÓSITOS DO PROJECTO

O cargo de gestão intermédia num estabelecimento de ensino implica um grande

número de interacções com diferentes actores – alunos, docentes, auxiliares,

encarregados de educação, funcionárias do refeitório, docentes das AECs (actividades de

enriquecimento curricular), para além dos docentes do conselho executivo e outros

funcionários do Agrupamento – e instituições – a Associação de Pais, a Câmara

Municipal e outras. As formas que estas interacções assumem traduzem, por um lado, o

modo como, na prática, o coordenador interpreta as alterações legislativas e as

orientações superiores que exercem um controle/regulação sobre o seu trabalho.

Actualizam, por outro lado, o modo como ele exerce o seu poder regulador sobre os

outros nas diferentes áreas decisionais da organização escolar.

O trabalho de projecto partiu de uma (dupla) interrogação geral – quais são os

papéis de gestão activados pela coordenadora de estabelecimento no sistema de regulação

do agrupamento de escolas? Como é que ela, através das relações que estabelece com os

outros actores internos (à escola) e externos (dentro do agrupamento), gere e cria a

coordenação da acção à escala local?

A oportunidade de desenvolver um projecto de investigação com uma vertente de

intervenção permitiu estabelecer duas ordens de objectivos. Por um lado, relacionados

com a descrição e compreensão do cargo de gestão intermédia. Por outro lado,

relacionados com as expectativas da coordenadora, enquanto interlocutora ao longo do

processo.

Foram, assim, definidos os seguintes objectivos: (1) Descrever e analisar o perfil

do trabalho quotidiano de uma coordenadora de estabelecimento (descrição dos papéis de

gestão no quotidiano); (2) Caracterizar o seu trabalho no contexto da actividade de

regulação (modos de regulação das acções no estabelecimento); (3) Descrever e analisar

o seu “guião de regulação” (as áreas de influência em que desenvolve a sua acção); (4)

Responder às expectativas da coordenadora: “ver a globalidade” do seu trabalho,

“reflectir sobre o trabalho desenvolvido”17; (5) Devolver um “texto/imagem” do seu

trabalho e um guião de questões que permita essa avaliação/reflexão.

17 Texto escrito pela coordenadora, no início da apresentação do projecto (VC1) – Anexo 1

Page 37: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

37

Para atingir estes objectivos e com referência ao quadro teórico em que se

desenvolveu o estudo, definiram-se os passos metodológicos necessários à construção do

dispositivo de recolha e tratamento da informação, como se referirá adiante.

Page 38: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

38

III – A METODOLOGIA

Começa-se por fazer uma referência ao modo como se estabeleceram os critérios

da investigação e se viveram os dilemas próprios de quem ensaia um trabalho deste tipo

no contexto quotidiano da vida da escola.

Apresenta-se, depois, o desenho do projecto, tal como se foi construindo, a partir

dos objectivos que se formularam e das interrogações iniciais.

Por último, os procedimentos são descritos com base nas técnicas utilizadas e na

sua sequência temporal.

1. OS CRITÉRIOS E OS DILEMAS DA INVESTIGAÇÃO

O projecto, na sua vertente investigativa adopta o formato “estudo de caso”

descritivo. Pretendeu-se observar, descrever e analisar o desempenho do cargo de gestão

intermédia no contexto específico de um estabelecimento, constituindo-se esse cargo

como um objecto de estudo acerca do qual se levantam novas questões e se ensaiam

novos modos de utilizar “ferramentas” já usadas. A utilização simultânea de métodos

qualitativos e quantitativos no tratamento dos dados, podem, assim, entender-se como

recursos que evidenciam ainda um carácter exploratório do estudo.

Como forma de dar uma imagem da construção deste processo, pode dizer-se que

ele se assemelhou a um “patchwork”. Procurou-se, nas diferentes fases do processo,

mesmo nos momentos sentidos como dispersos ou menos coerentes, ir encontrando o fio

condutor do trabalho, o pedaço de tecido certo para colocar no local certo.

Não cabe agora aprofundar os dilemas próprios de quem ensaia uma abordagem

investigativa no seu contexto de trabalho quotidiano, mas esta é uma questão que

suscitou interrogações e reflexões, ao longo de todo o processo. Como refere Simões

(2003:100) no seu estudo, “não se tratava de tornar familiar o estranho mas de tornar

estranho o familiar”. Quer na fase de recolha de dados quer na fase do tratamento e

análise, a necessária “distanciação” do terreno foi, neste caso, vivida fisicamente

“dentro” dele. “Estar” dentro do terreno no quotidiano e “ser” actor, parte interessada, na

Page 39: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

39

organização escolar, constituiu-se como uma situação dilemática, na qual foi necessário

ir encontrando “equilíbrios” sempre instáveis e provisórios.

Tendo em conta as duas vertentes do projecto – investigativa e interventiva – foi

igualmente necessário ir “encontrando” o próprio critério da intervenção, já que a recolha

e o tratamento dos dados se constituíram como um processo algo moroso e gerador de

alguma ansiedade. Tendo em conta o “contrato” estabelecido inicialmente com a

coordenadora e o compromisso de devolução dos dados, foi sendo cada vez mais

evidente que essa devolução consistiria no próprio produto final deste trabalho a partir do

qual se estabelecerá o debate, o confronto e a reflexão.

2. DESENHO DO PROJECTO

A construção do desenho geral do projecto na sua vertente investigativa,

apresentado no quadro 2, teve como ponto de partida a formulação de três conjuntos de

questões18 que acompanham os eixos de análise:

1. Questões relativas à descrição dos papéis de gestão no quotidiano: que actividades

desenvolve a coordenadora no quotidiano do seu trabalho? Como se podem caracterizar

essas tarefas quanto aos tempos e lugares das acções? Quais são os interlocutores (quem

são, quem representam)? Como é que a coordenadora interpreta as suas tarefas (em

função da legislação e/ou das finalidades da organização)?

2. Questões relativas aos modos de regulação das acções no estabelecimento: como se

processa a articulação do trabalho da coordenadora com o CE? Para além do CE, de

quem (ou de que instituições) recebe orientações? De que formas coordena/orienta o

trabalho dos diferentes actores, no estabelecimento? Quais são as situações problemáticas

que identifica? Que estratégias são utilizadas para a sua resolução? Que factores pessoais

ou organizacionais condicionam as orientações que dá ou recebe?

3. Questões relativas às áreas de influência em que desenvolve a sua acção: quais são as

áreas específicas que toma para si? Quais são as áreas que delega e a quem? Quais são as

áreas de contestação? Como se estabelece a negociação?

A estes conjuntos de questões se adequaram as técnicas e os instrumentos de

recolha e tratamento da informação, como mais adiante se explicitará.

18 De acordo com Afonso, N. (2005:53-58)

Page 40: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

40

Quadro 2 – Desenho geral do projecto

Em relação à vertente interventiva do projecto pretendeu-se, como foi referido,

responder às expectativas da coordenadora/interlocutora neste processo: “ver a

globalidade” e “reflectir” sobre o trabalho desenvolvido. Este objectivo concretizar-se-á

através da devolução, confrontação e debate acerca dos dados, a partir da apresentação de

um “texto/imagem” do seu trabalho e de um guião de questões que possam suscitar a

reflexão.

3. OS PASSOS DA INVESTIGAÇÃO E OS PROCEDIMENTOS

Os vários passos metodológicos que se delinearam, embora a sua temporalidade

não seja totalmente fiel a esta ordem, podem explicitar-se em quatro diferentes fases: 1ª -

O contacto inicial, o levantamento dos primeiros dados, a auscultação de expectativas; 2ª

- O trabalho de recolha de dados; 3ª – O tratamento e a análise dos dados (em

sobreposição com a fase anterior); 4ª - A devolução.

Numa primeira fase da implementação do projecto, estabeleceu-se o contacto

formal com a coordenadora no sentido de obter a sua adesão/colaboração ao longo do

OBJECTIVOS

EIXOS DE ANÁLISE E QUESTÕES

TÉCNICAS/INSTRUMEN

TOS

- Descrever e analisar o perfil de

trabalho quotidiano de uma

coordenadora de estabelecimento

- Caracterizar o seu trabalho no

contexto da actividade de regulação

- Questões relativas à descrição dos

papéis de gestão no quotidiano

Entrevista

exploratória

Observações

Notas de campo

- Descrever e analisar o seu guião de

regulação: que áreas (toma para si,

delega, são alvo de contestação, de

partilha, de negociação)

- Questões relativas aos modos de

regulação das acções no

estabelecimento

- Questões relativas às áreas de

influência em que desenvolve a sua

acção

Observações

Entrevista estruturada

Notas de campo

Page 41: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

41

processo e auscultaram-se as suas expectativas, que se podem sintetizar, de acordo com

as suas palavras: “ver a globalidade” e “reflectir sobre o trabalho desenvolvido”19.

Contribuir para responder a estas expectativas foi o compromisso que se assumiu desde o

início e que se constituiu como um dos objectivos do projecto.

O que se considerou como segunda fase do trabalho corresponde ao processo de

recolha de dados – que se iniciou em Janeiro de 2008, altura em que se realizou a

entrevista exploratória e terminou em Janeiro de 2009, com a realização da entrevista

semi-estruturada – que se desenvolveu, assim, em simultâneo com a fase de tratamento e

análise.

Posteriormente à realização da entrevista exploratória, e em simultâneo com a

recolha de outros dados (observações e notas de campo), foi sendo realizada a análise da

entrevista e finalizados os protocolos das observações que iam sendo realizadas. Os

dados das observações foram posteriormente objecto de tratamento estatístico e, a partir

do seu cruzamento com os dados da primeira entrevista, foi elaborado o guião e realizada

a entrevista semi-estruturada. Para a análise desta entrevista foi usada e completada a

grelha de análise já utilizada na entrevista exploratória.

As técnicas que se utilizaram foram, assim, a da entrevista exploratória – por se

considerar mais adequada, num primeiro momento, à recolha de dados de opinião sobre

um maior leque de temas e questões20 –, a da observação estruturada – no caso, relativa a

vários dias de trabalho da coordenadora – e, no final do cruzamento dos dados de ambas,

a entrevista semi-estruturada – que permitiu obter dados mais de acordo com o foco

emergente de todo o processo. Optou-se também pelo registo de notas de campo, como

forma de dar conta de situações (e inferências a partir de situações) pertinentes, tendo em

conta os objectivos e o quadro de análise em que se desenvolveu o trabalho. Reuniram-se

também os textos que, pontualmente e por sua iniciativa, a coordenadora elaborou.

Os instrumentos construídos e aplicados na recolha dos dados foram: a grelha de

observação estruturada e o guião da entrevista semi-estruturada

Os instrumentos construídos para tratamento e análise dos dados foram: a grelha

de categorias analíticas das entrevistas, as tabelas do tratamento estatístico das

observações, as figuras-síntese das actividades de gestão no quotidiano, a categorização

19 Texto escrito pela coordenadora, no início da apresentação do projecto (VC1) – Anexo 1 20 “Podem-se utilizar diferentes tipos de entrevista, em diferentes fases do mesmo estudo. Por exemplo, no início do projecto pode parecer importante utilizar a entrevista mais livre e exploratória, pois nesse momento o objectivo é a compreensão geral das perspectivas sobre o tópico” (Bogdan e Biklen, 1994:136)

Page 42: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

42

das áreas de influência da escola, com base em Dinis e em Hanson e o quadro da

distribuição das responsabilidades na escola.21

Convém referir que a grelha de categorias das entrevistas foi sendo construída ao

longo do processo de pesquisa, primeiro a partir do quadro de referência teórico e

posteriormente actualizada até ao final do processo de análise da última entrevista, como

adiante se explicitará. Nela se foi inserindo, igualmente, a informação recolhida através

das notas de campo e dos textos escritos pela coordenadora, por sua iniciativa, tendo-se

constituído como uma matriz de classificação da totalidade dos dados.

Quanto à fase final, a devolução dos dados à coordenadora de estabelecimento,

prevê-se realizar um encontro com a mesma, para a apresentação do presente trabalho

escrito (que se constitui como um “texto/imagem” da sua actividade de gestão) e do

guião de questões. Neste encontro, tal como se referiu, se estabelecerá o confronto e

debate acerca dos dados e espera-se poder assim contribuir para responder às suas

expectativas de reflexão sobre a globalidade do seu trabalho.

3.1. ENTREVISTA EXPLORATÓRIA

A entrevista foi realizada como uma “conversa informal”, a partir de uma

interrogação aberta, na sala de professores, no final de um dia de trabalho, com a duração

de 70 minutos, tendo em conta os objectivos assim definidos:

1. Conhecer o percurso pessoal e profissional da coordenadora.

2. Identificar as áreas de trabalho, no âmbito da coordenação, que valoriza e as suas

principais preocupações.

O primeiro objectivo da entrevista relaciona-se com a natureza do próprio

trabalho, já que o projecto de investigação/intervenção junto do cargo de coordenação da

escola se constrói no conhecimento e relação entre duas pessoas e em que, para descrever

e interpretar o seu trabalho, a pessoa da coordenadora surge como “a interlocutora”, no

sentido total do conceito, isto é, englobando a sua identidade pessoal e profissional e

mobilizando a “sua história” 22.

O segundo objectivo formulou-se, numa primeira entrevista exploratória, no

sentido de obter informação, quer para um primeiro esboço do perfil de coordenação,

21 Encontram-se em anexo e serão apresentados ao longo do capítulo IV. 22 “O respeito pelo autobiográfico, pela ‘vida’, é apenas um aspecto duma relação que permita fazer ouvir a voz dos professores” (Goodson, 1992: 71)

Page 43: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

43

quer para a definição das áreas mais problemáticas do trabalho de gestão, na perspectiva

da coordenadora, e que orientaram o desenvolvimento do projecto.

Depois da transcrição da entrevista e da sua devolução à coordenadora, finalizou-

se o protocolo que se submeteu a uma leitura flutuante. Algumas primeiras notas foram

tomadas, no sentido de registar um primeiro conjunto de inferências ainda muito

próximas do seu próprio discurso.

Posteriormente, a classificação da informação23 e a análise foram construídas a partir

de três grandes dimensões:

1. História de vida – reconstituição do texto em narrativa e realização de uma

análise interpretativa.

2. Eixo descritivo do trabalho de gestão – codificação da informação a partir de

categorias dedutivas sugeridas pelos objectivos e pelo quadro de referência

teórico (1ª fase): “papéis de gestão” e “problemas”; produção de categoria

indutiva (2ª fase): “estratégias”

3. Eixo avaliativo (3ª fase), em que se inseriu a informação relativa às justificações

das acções – reclassificação de toda a informação, a partir da categoria indutiva:

“aspectos avaliativos”

Depois da categorização da informação relativa aos eixos descritivo e avaliativo,

procedeu-se a uma análise com base no seu cruzamento com o referencial teórico,

produzindo-se textos de análise e de síntese da informação.

3.2. OBSERVAÇÕES

As observações estruturadas foram realizadas depois de se encontrar o melhor

“formato” com a coordenadora, ao longo de um dia de trabalho, na sala de aula (já que é

o seu principal local de trabalho administrativo no quotidiano). Num total de seis

observações, foram realizadas entre 27-02-08 e 3-06-08, tendo-se procedido ao registo

dos dados numa grelha24 construída com base no trabalho de Dinis (1997), com os

seguintes objectivos:

1. Descrever o trabalho quotidiano da coordenadora.

23 Ver grelha de categorização da entrevista – Anexo 2 24 Apresenta-se a grelha de registo das observações – Anexo 3

Page 44: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

44

2. Caracterizar as actividades quanto aos tempos, locais, interlocutores, assuntos

e papéis de gestão.

Estas observações, para além de providenciarem descrições detalhadas do seu

trabalho de gestão permitiram, com base no tratamento quantitativo posterior, encontrar

uma “caracterização” da actividade quotidiana da coordenadora 25

O tratamento a que se submeteram os protocolos das observações foi a análise

estatística descritiva, com a qual se pretendeu sumariar os resultados obtidos e apontar

algumas das características da sua distribuição, que pode descrever-se sucintamente do

seguinte modo26:

1. Para cada uma das variáveis em análise – locais, interlocutores, papéis de

gestão, assuntos e tempo (duração) – se estabeleceu uma categorização27. Por exemplo,

para a variável locais, as categorias registadas, foram: hall, sala de aula, porta da sala e

outros. De acordo com esta categorização se elaboraram os quadros para registo do

tratamento estatístico.

2. Procedeu-se à contagem das frequências (actividades de gestão) e ao seu

registo nas diferentes categorias consideradas para cada variável, tendo-se encontrado

também as frequências relativas (percentagens).

3. O mesmo procedimento se adoptou para a contagem do tempo de duração das

actividades, em minutos.

4. Procedeu-se, em tabelas de contingência, ao cruzamento e análise descritiva

entre variáveis, a partir do registo do número de casos (actividades) que se verificaram

em cada uma das situações definidas pelo cruzamento dos valores (categorias) das

variáveis (por exemplo, quantas actividades se registaram com um determinado

interlocutor num determinado local).

5. Procedeu-se à elaboração do texto de análise descritiva e à elaboração das

figuras (frequência e duração das actividades de gestão).

25 Ver Figuras 1 e 2 (pp. 58 e 59) 26 Os registos completos do tratamento e análise das observações encontram-se em anexo, em suporte informático 27 Ver categorização dos papéis de gestão (segundo Mintzberg) e dos assuntos (segundo Dinis e Hanson) e os critérios de classificação adoptados – Anexo 4

Page 45: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

45

3.3. ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Para a realização da entrevista semi-estruturada construiu-se o guião 28 com base

na informação já anteriormente recolhida e tratada, pelo que foi possível aprofundar as

temáticas emergentes quer do quadro teórico quer dos dados empíricos.

Esta foi realizada na sala de professores, depois de um dia de trabalho, com a

duração de 135 minutos e com os seguintes objectivos gerais:

1. Aprofundar as percepções da coordenadora acerca da organização geral da

escola e do agrupamento e sobre o modo como vê o “peso” do seu cargo,

nesses contextos.

2. Recolher informação sobre o “guião de regulação” das suas acções no

quotidiano

Estruturado o guião em dois blocos temáticos, papéis de gestão e guião de

regulação, para cada um deles se definiram os objectivos específicos:

1º Bloco: (1) Conhecer a opinião da coordenadora sobre as principais mudanças e

continuidades na organização da escola, antes e depois da constituição do agrupamento e

sobre os novos papéis de gestão.

2º Bloco: (2) Identificar os modos como gere as relações interpessoais na escola e

com o exterior. (3) Conhecer o modo como vê a sua “posição” na organização e o peso

que ela tem no contexto da escola e do agrupamento. (4) Identificar as áreas que

considera serem da sua influência e as que identifica como da influência de outros.

O primeiro objectivo específico relaciona-se com a primeira dimensão de análise,

os papéis de gestão, e formulou-se no sentido de obter especificações de situações já

identificadas ou identificar novas situações consideradas problemáticas, na opinião da

entrevistada, que pudessem completar o descritivo do seu trabalho quotidiano.

Os restantes, prendem-se com a segunda dimensão de análise, as áreas de

influência, e com eles se pretendeu encontrar a distribuição das diferentes categorias

decisionais pelos diferentes actores na organização escolar, na perspectiva da

coordenadora, bem como identificar estratégias de acção.

Depois da transcrição e devolução do protocolo à entrevistada, procedeu-se à

análise de conteúdo desta entrevista, a partir da grelha de categorias da entrevista inicial

que, ao longo deste processo, se completou.29 Para além das categorias iniciais “papéis de

28 Apresenta-se o guião da entrevista semi-estruturada – Anexo 5 29 Ver grelha final de categorização dos dados e critérios de classificação – Anexo 6

Page 46: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

46

gestão”, “problemas” e “estratégias”, às quais se acrescentaram novas sub-categorias

emergentes, construiu-se a nova categoria, “áreas de influência” e as respectivas sub-

categorias. Para este efeito, embora um primeiro levantamento das áreas decisionais da

escola se tivesse estabelecido na fase de construção do guião, o mesmo foi completado e

classificado com base nas categorizações de Dinis e Hanson30. A partir desses dados, e

para facilitar a análise de toda a informação obtida, construiu-se ainda, como se referiu, o

quadro da “distribuição das responsabilidades”31 pelos diferentes intervenientes, na

escola, posteriormente aferido com a coordenadora. Dada a grande quantidade de

informação obtida nesta categoria de análise e a morosidade do seu tratamento, já não foi

possível preceder à fase de reclassificação da informação, com base no “eixo avaliativo”

(justificações das acções), tal como foi feito na primeira inquirição, devido a limitações

de tempo.

Depois deste processo de categorização dos dados da entrevista procedeu-se à sua

análise, com base no cruzamento com o referencial teórico, produzindo-se textos de

análise e de síntese da informação.

3.4. OUTROS PROCEDIMENTOS

Alguns documentos escritos pela coordenadora 32 por sua iniciativa inseriram-se

no conjunto dos dados, tendo sido classificados posteriormente de acordo com o quadro

de categorização global que se foi construindo ao longo de todo o processo. Como já foi

referido, também se reuniu um pequeno conjunto de notas de campo33, com o objectivo

de “acrescentar” informação aos dados obtidos, que se registaram com base quer no

carácter de oportunidade quer na pertinência das situações. Estas notas foram igualmente

classificadas com base no referido quadro de análise.

30 Apresenta-se a grelha de categorização das áreas de influência – Anexo 7 31 Ver pp. 83 e 84 32 Apresentam-se em anexo os textos escritos pela coordenadora, em suporte informático 33 Em anexo apresentam-se as notas de campo, em suporte informático

Page 47: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

47

IV – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

1. O CONTEXTO DA ACÇÃO

O estabelecimento de ensino onde se desenvolveu o projecto é uma escola da

cidade de Santarém, como já foi referido, com 1º Ciclo e Jardim de Infância, que nos

últimos anos tem vindo a sofrer consideráveis alterações na sua estrutura e dinâmica. A

constituição do Agrupamento de Escolas, os novos tempos escolares com a introdução

das Actividades de Enriquecimento Curricular (AECs), o serviço de refeições, a

constituição da Associação de Pais, são os principais factores a considerar nessas

alterações.

O dia-a-dia decorre entre as 9h e as 17h 30m, com pequenos intervalos de manhã

e de tarde, em que os alunos convivem entre si no recreio ou, quando o tempo não o

permite, na única sala disponível actualmente, que tem algum equipamento áudio-visual.

Sobretudo durante a tarde, com a entrada dos professores das AECs, a divisão dos alunos

em grupos diferentes e as trocas de salas, a actividade da escola é intensa.

O edifício tipo “Plano dos Centenários” tem dois blocos com dois pisos cada um e

a sala da coordenadora situa-se no rés-do-chão, logo no primeiro bloco. No hall de

entrada encontra-se uma secretária com o telefone. A passagem para o refeitório, que se

encontra entre os dois blocos do edifício pode fazer-se a partir deste local. Neste bloco,

situam-se ainda mais três salas de aulas do 1º Ciclo. No outro bloco, no rés-do-chão,

situam-se a sala de Jardim de Infância e uma outra sala de 1º Ciclo e no primeiro andar, a

sala de professores e a “sala de áudio-visuais”. O espaço de recreio é amplo e com uma

bela vista sobre o vale que circunda a cidade, é arborizado e possui algum equipamento

de exterior.

A coordenadora de estabelecimento quase todos os dias está presente na escola

durante todo o tempo escolar e durante o período de almoço raramente sai, preferindo

“passar” pelo refeitório ou terminar alguma tarefa na sua sala ou na sala de professores.

Page 48: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

48

2. O PERCURSO PESSOAL E PROFISSIONAL

Não se pretende, no âmbito deste trabalho aprofundar a “intersecção” da vida

pessoal e profissional dos gestores. No entanto não se podem compreender as acções e

disposições dos indivíduos fora dos seus contextos históricos34. E daí a necessidade de

registar, como pequeno apontamento, algumas referências ao percurso pessoal e

profissional da coordenadora. Na história de vida que optou por partilhar, durante a

entrevista exploratória, podem encontrar-se momentos mais significativos, opiniões que

emergem dos factos relatados e que ajudam a compreender razões e opções que a

conduziram até aqui.

Da infância, vivida entre África e Portugal, destaca-se um momento difícil de

separação dos pais com o insucesso escolar pontual que, no seu entender foi decisivo

para “compreender muito bem a parte emocional dos alunos” 35. Em África teve a sua

primeira experiência no ensino tendo, posteriormente, vivido a realidade social e política

da época com a dificuldade, no regresso, em retomar a profissão. Mas, como refere,

“sempre cá ficou a história do ensino” e, logo que pôde, fez a formação inicial na Escola

do Magistério Primário.

A vida pessoal foi condicionante das escolhas profissionais e inicialmente o

trabalho administrativo nas escolas, no SASE (Serviço de Acção social Escolar) e, depois

na Delegação Escolar, foi a forma de encontrar a estabilidade que, na época, era difícil

para os professores do 1º Ciclo. Só depois de ficar efectiva numa localidade perto de casa

se dedicou em definitivo ao ensino, tendo feito formação e vivido pontualmente uma

experiência no ensino especial. Quando teve que optar, no entanto, optou pelo ensino

regular, ficando colocada na escola actual, desde essa altura. A estabilidade profissional e

pessoal é a característica que salienta, na sua vida actual e que claramente valoriza.

Assim, encontra-se no seu discurso um “entre cá e lá” que a acompanhou numa

primeira fase da vida. E, se inicialmente ele é geográfico, entre Portugal e África, é

também uma imagem da sua vida profissional, entre o ensino e as funções

administrativas e, actualmente, uma imagem das suas funções, como coordenadora da

escola.

34 Ver Goodson (1992:75) 35 Ver síntese da narrativa do percurso pessoal e profissional – Anexo 8

Page 49: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

49

3. O TRABALHO NO QUOTIDIANO

As actividades de gestão no trabalho quotidiano correspondem a “interrupções”

da actividade lectiva na sala de aula. As características do próprio cargo de coordenador

de estabelecimento, do seu ponto de vista, conduzem a esta situação, pois não está

previsto qualquer tempo no horário para as funções administrativas, elas são

“acumuladas” com o tempo de docência.

A coordenadora refere-se a estas interrupções como problemáticas, pois os seus

efeitos repercutem-se em si própria, quer no desempenho do cargo de gestão, quer nas

funções docentes, mas sobretudo nos alunos: “Basta a funcionária entrar e interromper

a aula. Ao retomar já estou a pedir um esforço extra aos alunos.” (PROBL 4 – 12,13)

Assim, embora a curta duração das actividades de gestão seja uma característica

apontada em diversos estudos, pode neste caso compreender-se também como uma

preocupação de evitar a interrupção mais prolongada do trabalho com os alunos.

3.1. AS ACTIVIDADES DE GESTÃO: FREQUÊNCIA

Foram feitas 6 observações de um dia de trabalho da coordenadora, num total de

48 actividades de gestão. O número de actividades, ao longo do dia, variou entre 5 e 12,

numa média de 8 actividades por dia. A duração média do conjunto das actividades de

gestão, em cada dia, é de 44 minutos, 14.6% do tempo total do dia de trabalho da

coordenadora, mas o tempo de duração das actividades, em cada dia, variou entre 9 e 81

minutos, correspondendo a uma percentagem entre 3% e 27% do tempo total (Quadro

136). Esta grande amplitude reflecte uma das principais características das tarefas de

gestão no desempenho deste cargo, que se prende com a “urgência” e a consequente

imprevisibilidade dos problemas a resolver, no quotidiano.

Onde decorrem as actividades?

Embora o hall seja o local onde decorre a maioria das actividades (39.6%), até por

ser ao lado da sua sala de aula e aí se encontrar o telefone, é também significativa a

utilização do espaço da sala de aula (31.3%) e mesmo do espaço “à porta da sala ”

(22.9%) – Quadro 3. A distribuição da frequência das actividades em cada local é maior

36 Ver quadros do tratamento estatístico das observações – Anexo 9

Page 50: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

50

no hall mas, se exceptuarmos um dos dias, há maior regularidade à porta da sala (Quadro

3 b)37.

Com quem? 38

Dois terços do total das actividades são realizados em interacção com os

interlocutores internos à escola (69.1%), onde se destacam as funcionárias auxiliares de

acção educativa (50.9%). A presença dos professores (12.7%) é menos significativa39. No

caso dos interlocutores externos (23.6%), destaca-se ligeiramente a interacção com os da

Câmara Municipal (9.1%). Algumas actividades (8.3% do total) foram realizadas sem

interlocutor e correspondem ao trabalho de gestão na sala de aula, como a redacção de

notas informativas ou textos de outra ordem, durante o tempo lectivo (Quadro 4).

Que assuntos são tratados? 40

São salientes os temas relacionados com a “alocação de recursos” (52%) – que se

referem à distribuição de recursos humanos e materiais na escola – e com as “decisões de

fronteira” (22.9%) – que se referem à passagem de materiais, informações e pessoas

dentro da escola ou entre a escola e a comunidade. (Quadro 6. B.)

Analisando a distribuição dos temas por cada dia de observação (Quadro 6. B. a),

é dominante o tema “alocação” em quase todos os casos (com uma percentagem média

de 67%), sendo que nos outros foram dominantes os temas “fronteira” (45.5%) e

“segurança” (40%).

Verifica-se a existência de assuntos-chave diferentes, em diferentes dias: “gestão

do orçamento” (42.9% na 2ª observação) – a solicitação de uma contribuição financeira

aos pais, porque há necessidade urgente de verbas; “gestão de pessoal” (100% na 3ª

observação) – dia de ausência de um professor e de funcionárias; “organização geral da

escola” (41.7% na 4ªobservação) – assuntos relacionados com a coordenação das

actividades da escola e solicitados por diversos interlocutores; “gestão de instalações”

37 A estratégia de evitar a interrupção da actividade lectiva consiste em “filtrar a comunicação” encaminhando-se, ou não, os interlocutores da porta à sala de aula, podendo ou não “justificar” a saída da coordenadora até ao hall ou, embora em número menos significativo, a outros locais da escola. 38 Há actividades em que estão presentes mais do que um interlocutor. 39 Este aspecto pode compreender-se pelo facto de estes, durante a maior parte do tempo de observação, estarem nas salas de aula, em actividade lectiva. 40 Tendo em conta a categorização de Hanson (1981:258).

Page 51: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

51

(60% na 6ª observação) – dia de problema de segurança, relacionado com a instalação

eléctrica (funcionários da Câmara vêm à escola). - Quadro 6. A. a).41

Assim, analisando a distribuição relativa dos temas em cada dia de observação,

verifica-se que, na maioria dos casos, um assunto é dominante, absorvendo a atenção da

coordenadora ao longo desse dia. Assuntos que, no entanto, são diferentes nos diferentes

dias (sendo embora dominante o da alocação de recursos) e quase sempre surgem por

solicitação de outros ou de circunstâncias imprevistas.

Analisando a distribuição relativa das actividades em cada um dos temas,

verifica-se que o tema presente e recorrente na gestão diária é a “alocação” registando-se,

se exceptuarmos um dos dias, uma clara regularidade (entre 12% e 28%) na distribuição

da sua frequência pelos dias de observação. Embora com uma distribuição mais

diferenciada, o tema “fronteira” surge também com grande frequência (em 2/3 das

observações) – Quadro 6. B. b).

3.2. AS ACTIVIDADES DE GESTÃO: DURAÇÃO

A maioria das actividades registadas tem uma duração inferior a um minuto

(43.8%) e, se somadas às actividades com duração até dois minutos, a percentagem situa-

se nos 75.1%. Quase todas as restantes (20.8%) têm duração bastante superior, mais de 5

minutos, havendo apenas 4.2% de actividades com uma duração intermédia (entre 2 e 5

minutos). Verifica-se, igualmente, a distribuição da frequência das actividades de curta

duração pelos diferentes dias de observação, o que não acontece com as outras. (Quadro

2).

Onde demora mais tempo?

Quando se considera o tempo de duração total de cada actividade de gestão, pode

verificar-se que as actividades na sala de aula são significativamente mais demoradas

(47.9%) – Quadro 7.B. No entanto, observando os diferentes dias, verifica-se que apenas

num deles (2º dia) é muito superior o tempo gasto neste local (93.8%) – o que se

relaciona com o tempo de trabalho de gestão, sem interlocutores, na sala de aula – sendo

o hall o local onde, na maior parte dos dias (2/3 do total), é gasto mais tempo nas

41 Quadro 6.A.a) – Tratamento dos temas de gestão com base na categorização de Dinis.

Page 52: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

52

actividades de gestão (Quadro 7 B a). Considerando, ainda, o tempo de duração das

actividades em cada um dos locais observa-se, se exceptuarmos um dos dias, uma grande

regularidade dos valores obtidos à porta da sala de aula (entre 18.2% e 27.3%), ao

contrário dos outros locais, em que os valores são bastante diferenciados. (Quadro 7 B b).

Assim, é à porta da sala de aula que acontece o trabalho de gestão que demora menos e o

que é mais regular42.

Com quem demora mais?

Analisando o tempo total de duração das actividades com os interlocutores,

verifica-se que são os interlocutores externos que apresentam o valor global mais elevado

(61.5%), em relação aos internos (38.5%). Embora mais presentes os interlocutores

internos nas interacções com a coordenadora, são os externos que absorvem mais do seu

tempo de gestão. Estes valores globais distribuem-se, no entanto, de forma diferenciada,

nos diferentes dias de observação, verificando-se a predominância dos interlocutores

externos apenas em dois dos dias. (com 81.1% e 74.4% do tempo gasto nas actividades)

– Quadro 8 B a). A interacção com estes pode assim caracterizar-se como menos

frequente mas mais “absorvente”.

Observando a distribuição dos valores obtidos com cada interlocutor nas

actividades, confirma-se quer o valor total mais elevado (32.3%) quer a maior

regularidade no tempo gasto com as funcionárias auxiliares 43 (Quadro 8 B b).

É ainda relevante verificar, analisando os totais do tempo gasto com cada

interlocutor, a grande distância de valores obtidos com todos os outros interlocutores

internos (6.2%), quando comparados com o das funcionárias (32.3%), bem como o facto

de se aproximarem mais deste valor, os obtidos pelos interlocutores externos,

considerados individualmente: outras instituições – 25.5%; agrupamento – 19.9%;

Câmara Municipal – 16.1% (Quadro 8 B). Sendo significativo o valor do tempo

dispendido com “outras instituições”, até quando comparado com a Câmara Municipal e

Agrupamento, importa referir que aquelas incluem as entidades exteriores à escola

42 Pode mesmo considerar-se a porta da sala de aula como o local das actividades de curta duração, verificando-se que 72.7% das actividades aí realizadas duram menos de um minuto (ver Quadro 7.A.b). As actividades de duração superior nunca se situam neste espaço, mas apenas na sala de aula ou no hall (ver Quadros 7.A e 7.A.a) 43 Como já se tinha observado, as funcionárias auxiliares são os interlocutores com quem se verifica um maior número de interacções, nas actividades de gestão. Pode agora verificar-se que estes apenas são dominantes nas actividades de menor duração, numa percentagem de 50% das actividades com menos de 1 minuto e de 35.7% das actividades com duração entre 1 e 2 minutos (Quadro 8 A b). Isto é, elas estão sempre presentes, mas sempre em situações de curta duração.

Page 53: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

53

(hospital, PSP) com quem a coordenadora estabelece contactos para a organização de

actividades curriculares e de formação para pais.

Que assuntos demoram mais?

Na análise da duração dos assuntos, verifica-se a saliência dos temas “alocação” e

“fronteira” que já se registara na frequência das ocorrências. No entanto, o diferencial

entre ambos os valores é agora menor44, estando os valores do tema “fronteira” (43.4%)

mais próximos dos do tema “alocação” (45.7%) – Quadro10 B.

Os valores registados nas actividades relacionadas com o tema “alocação”

apresentam agora uma maior amplitude, na sua distribuição pelos diferentes dias. Assim,

embora a sua frequência apresente uma clara regularidade, o tempo gasto nestes assuntos

é mais irregular. Este aspecto relaciona-se com a existência de assuntos-chave diferentes

nos diferentes dias, como já se referiu e, para além dos temas assinalados, registam-se,

tendo em conta a sua duração: no 1º dia de observação, valores mais elevados em

assuntos relacionados com a “organização geral da escola” (82.8%) e no 5º dia, em

assuntos relacionados com o “ensino” (73.7%). Em ambos os casos a maior duração das

actividades está relacionada com a interacção com interlocutores externos à escola e, no

caso do tema “ensino”, com a proposta de actividades curriculares (Quadro 10 B b).

3.3. OS PAPÉIS DE GESTÃO

Papéis de gestão desempenhados: frequência 45

Tendo como referência as três grandes categorias que se consideraram, é saliente

o desempenho dos “papéis de informação” (66.7%) e dos “papéis relacionais” (62.5%).

Os “papéis decisionais” representam apenas 41.7% (Quadro 5).

Em cada uma destas categorias identificaram-se, respectivamente, os papéis mais

frequentemente desempenhados pela coordenadora, durante o total das actividades de

gestão observadas – Quadros 5 e 5 c): “piloto” – relacionado com a troca de informações

sobre faltas e substituições de professores e funcionários – e “líder” – pequenas “ordens”

44 O assunto da gestão de pessoal, por exemplo, que se verificou ser muito frequente é afinal dos que menos demora (Quadro 10. A) – Anexo 9 45 Os papéis desempenhados pela coordenadora nas diversas actividades foram identificados de acordo com a classificação de Mintzberg (1999:25). Nalgumas actividades foram identificados mais do que um papel de gestão.

Page 54: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

54

às funcionárias, conversas com os professores sobre alterações legislativas, irregularidade

de aluno estrangeiro (ambos com 37.5%), logo seguidos de “gestor de recursos” –

actividades relacionadas com a gestão de espaços, materiais e orçamento (com 22.9%).

Assim, embora desempenhando todo o tipo de papéis, os papéis decisionais são os

menos frequentes (Quadro 5 a) e, dentro destes, o papel de “empreendedor”46 apresenta

mesmo uma frequência residual (1.2%). Neste caso, apenas foi registada uma actividade,

a conversa com a formadora da acção de formação para pais.

Considerando a distribuição dos papéis pelos diferentes dias de observação, é

interessante verificar, também neste caso, a existência de dias específicos, em que

sobressai o desempenho de um ou dois papéis de gestão: “agente de ligação” e “piloto”

na 1ª observação (dia em que recebe, na escola, a visita de representantes de instituições

externas); “líder” na 2ª, 4ª e 5ª observações; “piloto” e “gestor de recursos” na 3ª

observação; “passa-palavra” e “gestor de recursos” na 6ª observação (dia de problemas

relacionados com as instalações e em que a comunicação com os superiores hierárquicos

foi muito intensa). É de salientar, no entanto, que em metade dos dias observados o papel

dominante é o de “líder” 47(Quadro 5 a).

Analisando a frequência do desempenho de cada papel no total das observações,

confirma-se a grande variação dos valores, excepto no de “passa-palavra”48, em que se

verifica maior regularidade na distribuição pelos diferentes dias (Quadro 5 b).

Papéis de gestão desempenhados: duração

Considerando o tempo de duração do desempenho de papéis, verifica-se que é nos

papéis de informação que a coordenadora gasta mais do seu tempo (40.8%): estes são,

assim, simultaneamente os que surgem com maior frequência e com maior duração. No

entanto, os valores dos papéis decisionais situam-se logo a seguir (37.4%) e antes dos

relacionais (21.7%). Embora menos frequente o desempenho dos papéis decisionais,

estes “absorvem” mais do seu tempo do que os relacionais e quase tanto como os de

informação (Quadro 9).

Dentro dos papéis de informação, embora mais frequente o desempenho do papel

de “piloto”, é no de “passa-palavra” que é gasto mais tempo, registando-se neste último o

46 Que inclui as acções em que está presente uma iniciativa de mudança. 47 Em que se inclui todo o tipo de actividades relacionadas com a responsabilidade pela equipa, motivação dos subordinados, influência e exercício da autoridade. 48 “Passa-palavra”: Transmite informações para o exterior; deve informar e satisfazer as pessoas que exercem uma forma de influência ou de controlo sobre a sua unidade; mantém os superiores informados (Mintzberg, 1999:31)

Page 55: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

55

valor claramente mais elevado (24%) em relação a todos os outros – Quadro 9. É também

no papel de “passa-palavra” que se verifica a maior regularidade na distribuição pelos

diferentes dias. (Quadro 9 a) 2). No cruzamento das variáveis “papéis” e “interlocutores”

verificou-se um valor significativo do desempenho do papel de “passa-palavra” na

interacção com o agrupamento (Quadro 14 a).

Nos papéis decisionais, é no de “gestor de recursos” que se verifica

simultaneamente a maior frequência e duração (16.3%).

Nos relacionais, no entanto, é grande a diferença, no caso do papel de “líder”,

entre a frequência (que como se viu era a mais elevada) e a duração, apenas com 3.6% do

tempo total. Neste conjunto de papéis é no de “agente de ligação” que se regista agora o

valor mais elevado (15.1%) – Quadro 9 – e que, como se verá adiante, é saliente

sobretudo na interacção com os interlocutores externos (Quadro 14. a).

Quando se observa a distribuição do tempo gasto no desempenho de cada papel,

nos diferentes dias, confirma-se a dispersão dos valores, isto é, a existência de dias

específicos, também em termos do uso do tempo. Neste caso, é saliente no 1º dia de

observação o desempenho do papel de “empreendedor”, relacionado com a conversa com

a formadora da acção para pais. Também nos 2º, 4º e 5º dias de observação se verifica

que o papel de líder tem menor duração, sendo os papéis de “gestor de recursos”, no

primeiro, “agente de ligação” e “passa-palavra”, no segundo e “representante”, “passa-

palavra” e “negociador”, no terceiro, os papéis que registam valores mais elevados. Estas

diferenças estão associadas à interacção com entidades externas à escola (Quadro 9 a) 1).

Em que locais desempenha os diferentes papéis de gestão?

Em relação à distribuição dos papéis de gestão pelos diversos locais, pode

observar-se que é no hall que se verifica o desempenho da maior diversidade de papéis de

gestão, com um ligeiro predomínio dos papéis relacionais (37.1%) em relação aos de

informação (34.3%) e aos decisionais (28.6%) – Quadro 12 a).

Na sala de aula são os papéis de informação que se salientam (40.9%), quando

comparados com os relacionais (36.4%) e os decisionais (22.7%). Também à porta da

sala de aula se verifica uma maior frequência do desempenho dos papéis de informação

(47.4%), neste caso com uma diferença mais clara em comparação com os relacionais

(31.6%) e os decisionais (21.1%).

Page 56: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

56

Que papéis desempenha com os diferentes interlocutores?

Numa primeira leitura da distribuição dos papéis de gestão pelos interlocutores,

verifica-se que é com os interlocutores internos que surgem os valores mais elevados no

desempenho de todo o tipo de papéis. Com estes registam-se 74.3% dos valores dos

papéis relacionais, 72.7% dos informacionais e 59.1% dos decisionais, enquanto que com

os externos se registam 22.9% dos papéis relacionais, 15.2% dos informacionais e 31.8%

dos decisionais. Quadro 14 a)

Quando considerados individualmente, dois papéis têm, no entanto, valores mais

elevados com interlocutores externos, o de “agente de ligação” (53.8%) e o de “gestor de

crises” (66.7%), apresentando o de “difusor” igual valor com os internos e os externos

(50%). No caso dos interlocutores internos, verificam-se com as funcionárias auxiliares

os valores dominantes do desempenho dos papéis de “líder” (72.2%) e “gestor de

recursos” (63.6%) – Quadro 14 a). Pode considerar-se que é com estes e/ou através

destes interlocutores que a coordenadora resolve grande parte dos problemas do

quotidiano.

Considerando individualmente os diferentes interlocutores, são mais frequentes os

seguintes papéis: professores – “piloto” (53.8%) auxiliares – “líder” (28.3%) e “piloto”

(23.9%) Câmara Municipal – “agente de ligação” (57.1%) Agrupamento – “passa-

palavra” (28.6%) outras instituições – “agente de ligação” (28.6%) – Quadro 14 b)

Que papéis desempenha no tratamento dos diferentes assuntos?

Verifica-se, numa leitura global, que os temas mais frequentes, os relacionados

com a “alocação” de recursos e “fronteira”, estão associados ao desempenho dos papéis

de informação no primeiro caso, com 40.9% das ocorrências, e aos papéis relacionais, no

último (44.4%).

No tratamento dos assuntos relacionados com a “alocação” de recursos,

salientam-se os papéis de “piloto” (27.3%), “gestor de recursos” (25%) e “líder” (20.5%).

No caso do tema “fronteira”, salientam-se ligeiramente os de “agente de ligação” e

“passa-palavra” (22.2%). – Quadro 16.B a).

Quando se analisa a distribuição dos assuntos tratados em relação ao desempenho

dos papéis, considerados individualmente, verifica-se que no de “representante” é

dominante o tema “fronteira” (66.7%), no de “líder”, o tema “alocação” (50%). No caso

dos papéis de informação, o de “piloto” surge claramente associado ao tema da

“alocação” (66.7%), no papel de “difusor” apenas se regista o tema “alocação” (100%) e

Page 57: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

57

no papel de “passa-palavra” é ligeiramente dominante o tema “fronteira” (40%). No caso

dos papéis decisionais, o papel de “empreendedor” está associado ao tema “fronteira”

(100%), bem como o de “gestor de recursos” ao da “alocação” (100%). No papel de

“gestor de crises” predomina o tratamento do tema da “segurança” (66.7%), no de

“negociador” o da “alocação” (60%) – Quadro 16.B

Page 58: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

58

Figura 1 – Actividades de gestão no quotidiano – Frequência

Page 59: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

59

Figura 2 – Actividades de gestão no quotidiano – Duração

Page 60: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

60

3.4. SÍNTESE INTERPRETATIVA

As actividades de gestão correspondem a interrupções da actividade lectiva, no

quotidiano, são predominantemente de curta duração e ocorreram nos diversos espaços,

com uma ligeira predominância, quer na frequência quer na duração, no hall de entrada, o

local do telefone (ver figuras 1 e 2). Na sala de aula registaram-se algumas actividades

mais demoradas, nos momentos em que, sem interlocutores, a coordenadora aproveita o

tempo “livre”, sobretudo para redigir notas informativas. A porta da sala de aula é o

espaço das actividades de curta duração mas de maior regularidade, sendo este local um

“filtro” que pode ou não permitir o acesso dos interlocutores à sala de aula, ou forçar a

saída da coordenadora a outros locais.

Os interlocutores internos são aqueles que estão presentes mais frequentemente

nas interacções no quotidiano, sobretudo as auxiliares de acção educativa. No entanto, é

com os interlocutores externos que mais tempo é gasto sendo, assim, a sua presença mais

“absorvente” para a coordenadora. Dentro destes, mais do que a autarquia (que registou a

maior frequência) ou o agrupamento, são as instituições da comunidade que registam

maior tempo de duração das actividades.

O tema mais frequentemente tratado é o da “alocação” de recursos mas o tempo

gasto aproxima mais dos valores deste, o tema “fronteira”, relacionado com a passagem

de pessoas e/ou informações no espaço escolar.

Os papéis informacionais são os que são desempenhados quer com maior

frequência quer com maior duração. Contudo, enquanto que os papéis relacionais surgem

logo a seguir quando se considera a sua frequência, são os papéis decisionais que se

seguem aos informacionais, quando se considera a duração. O papel mais frequente na

categoria dos de informação é o de “piloto”, na de relação, o de “líder” e na de decisão, o

de “gestor de recursos”. No entanto é no desempenho do papel de “passa-palavra” que se

verifica a maior duração e regularidade e este surge associado à comunicação com a sede

do agrupamento. No caso dos papéis relacionais quando se considera a duração, é no de

“agente de ligação” que se registam os valores mais elevados, sendo que o de “líder” tem

valores claramente baixos. A estes dois papéis se associaram respectivamente, os

interlocutores externos e as auxiliares de acção educativa.

Com os interlocutores externos predominam os papéis de “agente de ligação” e de

“gestor de crises”. Com os internos, que são sobretudo as funcionárias, predomina o de

“líder”. Ao tema da “alocação” associa-se sobretudo o desempenho dos papéis de

Page 61: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

61

“piloto”e “gestor de recursos” e ao tema “fronteira”, os de “agente de ligação” e “passa-

palavra”.

Quer os assuntos tratados, quer o desempenho de papéis de gestão distribuem-se

de forma muito irregular nos diferentes dias observados, o que permite verificar que as

solicitações e as circunstâncias imprevistas “obrigam” por vezes a tratar um assunto e a

desempenhar um determinado papel em cada dia. Nas observações realizadas, essas

situações estiveram relacionadas sobretudo com a gestão de recursos humanos e

materiais e com a interacção com entidades externas à escola.

4. OS PROBLEMAS E AS ESTRATÉGIAS

4.1. PROBLEMAS

Os aspectos que a coordenadora refere como problemáticos no seu trabalho de

gestão relacionam-se, sobretudo, com a articulação com o Conselho Executivo (PROBL

7)49, com a gestão do currículo (PROBL 8) e com a articulação com as famílias (PROBL

9).

No primeiro caso, percepciona o conselho executivo como o único órgão com o

qual se estabelece a articulação directa com o agrupamento, como entidade relativamente

distante, como “ponto de sustentação para determinadas resoluções/atitudes” mas que

“por vezes não está lá” (VC1a). Embora afirme que a constituição dos agrupamentos,

enquanto modelo de organização das escolas, não se traduziu em mais autonomia,

defende como mais favorável a relação de proximidade que considera ter existido

anteriormente com a delegação escolar. A ausência de “proximidade” e de “orientações

precisas” (PROBL 7 - 1) por parte do órgão de gestão que lhe é superior e ao qual

reconhece a legitimidade de uma função reguladora do seu trabalho, leva a coordenadora

a revelar a forma como se sente na sua posição, embora o faça referindo-se aos

professores em geral: “o professor está mais entregue a si próprio” (PROBL 7 – 2). E,

valorizando a componente relacional desta articulação, tal como desejaria que ela se

concretizasse, acentua:

49 Ver grelha final de categorização dos dados e critérios de classificação – Anexo 6

Page 62: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

62

“Tento ter com os membros do conselho executivo uma relação de ética

profissional, de respeito por aquelas pessoas que estão numa escala hierárquica

superior à minha, tendo por elas respeito e boas relações humanas e tudo… Mas

não me sinto muito próxima, lá está, na tal proximidade afectiva que eu há

bocado referia.” (PROBL 7 - 15)

Por todas estas razões um dia, trocando opiniões com os colegas na sala de

professores, sobre o novo modelo de gestão, manifestou a opinião de que, à partida, esse

modelo não é negativo: “se até agora as coisas corressem bem, mas não tem havido

estabilidade nenhuma, por isso nada de bom há a manter” (NC3a).

A “coordenação da actividade educativa” 50 no que se relaciona com a gestão do

currículo, é referida como problemática por razões que se prendem, por um lado, com a

elaboração dos documentos escritos enquanto instrumentos de regulação do agrupamento

que exigem uma “formalização” e aprovação em conselho pedagógico que antes não

existia, mas sobretudo com a complexidade de que esta tarefa se reveste actualmente,

devido ao aumento da oferta educativa junto das escolas, quer por parte da autarquia,

quer por parte de outras instituições da comunidade.

“Toda a gente oferece. É a Câmara, são as Editoras, é a Companhia das

Águas, é a Companhia de Electricidade, é a Brisa… há muita, muita oferta e

portanto agora, essa coordenação é muito mais complexa.” (PROBL 8 - 3)

Associado ao problema da gestão do currículo, refere-se ainda à dificuldade da gestão do

tempo, quer do tempo de permanência na escola, devido à “duplicação” do trabalho de

gestão depois do alargamento dos tempos escolares (PROBL 5), quer do seu tempo

pessoal, que lhe cabe gerir fora da escola (PROBL 3) para poder responder às exigências

do trabalho. A dificuldade de gestão do tempo está, assim, relacionada com as opções

que tomou, em conjunto com o corpo docente, de integrar esta componente de

enriquecimento curricular na vida da escola, e não a considerar como algo exterior,

aspecto que se constitui, na sua opinião, como um objectivo assumido por todos, apesar

de contribuir para a intensificação do trabalho docente.

“Porque nós não podemos por as actividades de enriquecimento

curricular à parte. E se nós queremos… lá está, aquilo que nós temos tentado

50 No seu testemunho, a coordenadora fez questão de notar que é com esta formulação que essa função é referida, enquanto competência do coordenador de estabelecimento, no Dec-lei 115-A/98 de 4 de Maio (e se mantém sem alteração no novo modelo)

Page 63: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

63

fazer no nosso conselho de docentes… englobar (acentuou) os colegas das

actividades de enriquecimento curricular e captá-los e fazer deles e de nós um só

bloco docente, e interagir com eles de forma a que o currículo seja gerido tanto

por nós como por eles, em parceria. (…) Nós podíamos fazer de conta que eles

não existiam, se calhar era mais fácil. Eles cumpriam a parte deles e nós

cumpríamos a nossa… mas esse não é, ou não deve ser o objectivo da escola, não

é?” (PROBL 5 - 4)

A gestão da articulação com as famílias é também sentida como uma área problemática

nos casos em que os pais se mostram críticos em relação à escola. A sua função de

coordenação, neste caso, é mais difícil depois da constituição da Associação de Pais,

entidade que considera mais crítica do que colaborativa, apesar de valorizar algumas

actividades já realizadas em conjunto: “Por vezes esta mais valia [Associação de Pais]

torna-se um pouco incómoda, pela rapidez que exigem na resolução de situações e pela

frequência com que o fazem” (VC1).

A “distância” é algo que também sente em relação a esta instituição da

comunidade educativa “porque a associação (…) existe para reivindicar, e não existe

para colaborar” (PROBL 9 - 6). O tipo de colaboração que descreve de forma positiva,

com referência ao meio rural, onde trabalhou anteriormente, está sobretudo relacionado

com o apoio dos pais na afectação directa de recursos para a escola, como as iniciativas

de angariação de fundos para compra de equipamento e também com a participação em

actividades das crianças, como as visitas de estudo. Considera que os pais actualmente já

vêem na autarquia a entidade que tem obrigação de equipar as escolas, pelo que não se

mostram receptivos ao desenvolvimento de actividades daquele tipo preferindo solicitar

informações sobre as situações problemáticas que vão surgindo: “Outro dia era a saber

o que se passava com as abelhas e o refeitório. Ora eu já tenho que dar satisfações a

tanta gente, Câmara, agrupamento… e ainda mais aos pais” (NC 4c).

O problema da gestão dos papéis de coordenação e docência (PROBL 4) é

recorrente no seu discurso e determinante no modo como justifica algumas opções que

teve que tomar para evitar as interrupções do trabalho na sala de aula. Para além da

dualidade de funções que se sobrepõem no quotidiano, administrativas e pedagógicas,

Page 64: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

64

esta questão torna-se duplamente problemática, pois compromete a sua percepção de

equidade e justiça para com os alunos.51

“Porque se eu respondesse a todas as solicitações, para dar resposta a

coisas momentâneas, a problemas momentâneos que fazem parte das funções de

coordenadora, então, os pobrezinhos dos alunos quando chegassem ao fim do dia

tinham menos duas horas de aulas. Então, jurei a mim própria que isso não ia, não

podia acontecer” (PROBL 4 - 8)

Este aspecto constitui-se como um dilema, que vai gerindo “casuisticamente”, apenas

pode ir encontrando, no quotidiano, modalidades de acção ajustada.

“Portanto eu não posso por (acentuou), não posso por uma à frente da

outra. Olha… vou tentando fazer o melhor que posso para as duas. Se calhar às

vezes falho mais numa, outra semana falho mais noutra… não posso ter a ideia de

que sou perfeita” (PROBL 4 - 8, 9)

A gestão das relações (PROBL 1) com os adultos, referida como a área mais

problemática do seu trabalho na primeira inquirição, é associada às suas características de

personalidade, naturalmente não directiva e não autoritária o que, na sua perspectiva,

dificulta o desempenho das funções de coordenação no caso das reuniões do corpo

docente.

“Eu acho que [as reuniões] é a parte, como coordenadora, onde eu falho

mais, porque como eu não gosto de ser muito… directiva, nem muito

autoritária… e como me mantenho sempre nesta posição do mediar, do orientar e

não do impor, isso às vezes dá azo a que as pessoas sintam à vontade para, todas

à uma… exporem ideias, opiniões. E depois a mediação não resulta muito bem.”

(PROBL 1 – 10)

Em relação à sua função junto do corpo docente, refere ainda: “sinto-me mais

como ‘mais uma professora’ do que como ‘uma professora com funções de liderança’”

(VC1b).

51 A questão do “primary teatching as a culture of care” e o sentido de responsabilidade que os professores têm pelo desenvolvimento global dos alunos, que advém das próprias características das crianças destas idades (“wholeness”). Como efeitos desta situação (associada à intensificação do trabalho dos docentes), a autora refere: a “culpa” e a “tensão” (Nias, 1999: 80, 81)

Page 65: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

65

A gestão da informação (PROBL 2) é sentida como problemática devido à

introdução do correio electrónico e também pelo facto de, por vezes, os pedidos de

informação das diferentes entidades se sobreporem (NC4a), exigindo mais esforço e

tempo do seu trabalho. O problema da informação relaciona-se também com a

necessidade de trocar impressões sobre a interpretação da legislação que vai surgindo,

aspecto para o qual recorre ao apoio de uma colega a quem reconhece mais competência

nessa matéria.

4.2. ESTRATÉGIAS

A coordenadora salienta a estabilidade (ESTR1 – 9a) como um valor a manter e

defender nas relações entre os actores na organização e em função do qual orienta as suas

acções. Tem uma concepção do seu trabalho como uma função de integração e mediação

e, neste sentido, refere um conjunto de normas, como: evitar o conflito (DESCR 3 – 15

a), aceitar/negociar ideias dos outros (DESCR 3 - 15 b), evitar o enviesamento das

comunicações (PROBL 1 – 9), apoiar a integração dos novos professores (AINF 13 –

19,20), “envolver” o pessoal auxiliar nas tarefas como forma de promover a sua adesão e

facilitar a sua autonomia (ESTR 8 – 10,11).

Quer os aspectos relacionais quer os aspectos comunicacionais, constituem

preocupações centrais no desempenho das suas funções, o que é também saliente na

forma como descreve as estratégias de acção, que avalia como positivas. A “diplomacia”

(ESTR 9) é uma palavra-chave no discurso da coordenadora, quando se refere às suas

estratégias de acção que, como faz questão de sublinhar, desde logo está relacionada com

a prevenção ou resolução de situações de conflito.

“Quando eu digo que tenho de ter diplomacia para gerir os assuntos, se

calhar estou a partir do princípio que há qualquer conflito para gerir… ou há…

qualquer assunto menos agradável para enfrentar (acentuou). Se tudo estiver

bom, a diplomacia… não há necessidade dela.” (ESTR 9 - 14)

A valorização dos aspectos relacionais no quotidiano da escola e a própria avaliação

positiva que faz desta sua opção, leva a coordenadora a desenvolver e estabelecer uma

clara sequência de acções que estão patentes no seu discurso, enquanto componentes

dessa estratégia.

“Primeiro acho que é (…) tentar ver as razões que levaram à existência, à

constituição daquele problema. E se existem várias pessoas em confronto, tentar

Page 66: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

66

perceber as razões de uma, as razões de outra. Nunca empolgar as razões duma

nem empolgar as razões da outra. (…) Debater com essa pessoa. E depois até

podemos chegar à conclusão de que eu também não estou a ver bem as coisas…

Tentar perceber, dissecar a situação e as razões. (…) O que há que tentar fazer é

dar tempo ao tempo porque se as pessoas voltam à calma até conseguem ver as

coisas de outra maneira… e portanto lá está, a diplomacia não é mais nem menos

do que tentar ajudar aquela pessoa a… encontrar-se de novo a si própria

(acentuou). Se há duas pessoas, é tentar uma plataforma de entendimento…

agora o que um coordenador não pode nunca fazer é tomar um partido.” (ESTR

9 - 14)

Esta estratégia é justificada pela importância que atribui aos aspectos relacionais e

afectivos na dinâmica da escola: “As pessoas não se convencem que o mais importante

são as relações afectivas” (NC6). Assim, sente também como sua, uma função de

garantir a “estabilidade” afectiva e relacional no seio da escola.

“Se não houver a parte afectiva, é fácil entender-se qualquer coisa que se

ouve em relação a nós próprios, ou um comentário… entender-se pela parte

negativa. E se houver uma base afectiva, somos capazes de entender aquele

comentário de outra maneira. (…) Base afectiva são sentimentos. Mas esses

sentimentos, esses elos sentimentais só se criam quando todas as pessoas se sentem

envolvidas. (…) Se a pessoa se sente valorizada, não se sente criticada, se se sente

envolvida, automaticamente começa a nascer na parte sentimental, um sentimento

positivo. (…) E depois isto é uma bola de neve (acentuou) … se a pessoa se sente

ligada afectivamente, colabora, se colabora, o laço afectivo aumenta, pronto,

reforça. (…) Porque todos nós podemos ser úteis à comunidade onde estamos

inseridos, todos nós temos partes boas para dar… e quando alguém ainda não

percebeu isso, alguém tem de puxar de lá.” (ESTR 9 – 14,15)

A “diplomacia” parece constituir-se, assim, como uma forte componente do seu modelo

de acção construído no desempenho das suas funções, no contexto específico daquela

escola e como estratégia de resolução dos problemas que foi identificando, mais ou

menos conscientemente e sobre os quais foi reflectindo. É também uma forma de intervir

na negociação dos “significados” e da “definição” das acções e situações junto dos outros

actores.

Page 67: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

67

As relações humanas (ESTR 2 – 24,25) e a partilha (ESTR 7 – 9a) de ideias, de

materiais e métodos de trabalho no seio do grupo de docentes, são aspectos que refere

com frequência, na descrição que faz das situações e dos comportamentos – seus, ou dos

outros. Neste sentido, facilitar a colaboração (ESTR 7) e delegar (ESTR 8) são duas

estratégias que também salienta, a primeira no âmbito do trabalho pedagógico em equipa

docente e a segunda junto das auxiliares de acção educativa.

“Portanto, sabemos partilhar ideias, sabemos partilhar materiais, sabemos

partilhar… formas e métodos de trabalho, trocamos ideias, trocamos impressões,

trocamos críticas… às vezes duma maneira mais alterada do que outra… (risos),

mas temos conseguido fazê-lo sem entrar em choque. E, portanto acho que é muito

bom, acho que temos uma grande sorte nisso.” (ESTR 7 - 9 a)

“Eu nem sequer sinto [resistência às orientações] … eu sinto-as muito…

usam a sua capacidade de autonomia, de organização… acho que elas investiram

muito nesses aspectos para facilitarem a vida da coordenadora e dos professores.”

(ESTR 8 - 10, 11)

Quando se refere a estes aspectos relacionais, considera também os seus efeitos enquanto

vantagens para o desenvolvimento do trabalho na escola, isto é, os seus efeitos

organizacionais.

“E portanto as coisas não podem ser pura e simplesmente impostas… porque ao

impor, depois está-se a criar os tais atritos… as pessoas se não aderem

voluntariamente e se a lei também não as obriga a aderir… o objectivo fica por

cumprir. Muitos objectivos por cumprir, fazem com que o estabelecimento funcione

mal” (ESTR 2 - 24, 25 a)

A estabilidade organizacional e as relações humanas estão assim, na sua

perspectiva, estreitamente ligadas como valores e como critérios da sua intervenção e,

nesse sentido, aceitar a hierarquia (ESTR 3 – 9,10), contestar no sítio certo (ESTR 3 – 9,

10), contextualizar a acção reguladora, pedir pareceres (ESTR 5 – 16 a), são algumas das

normas orientadoras das acções, que privilegia.

Antecipar os efeitos das acções (ESTR 2) e avaliar os efeitos das acções (ESTR 6)

constituem estratégias orientadoras da sua própria acção, no desempenho dos papéis de

gestão, que revelam uma necessidade de distanciamento e reflexão sobre o seu trabalho.

Considera também que estas estratégias têm efeitos positivos no funcionamento geral da

escola.

Page 68: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

68

“Quantas e quantas vezes é que eu não vou para a minha caminha a

pensar assim: eh pá, hoje aconteceu isto, aquilo ou aqueloutro, aconteceu assim,

não devia ter acontecido, aconteceu assado, ou então penso: olha, pelos vistos,

olha, por acaso foi sorte, deu bom resultado. Ou então: tenho que fazer isto

assim, como é que eu vou fazer?... E só assim é que se consegue… Porque o a

escola funcionar bem ou mal não depende tanto do que vem para cumprir,

porque vem para cumprir igual para todos, mas do como (acentuou) se faz

cumprir…” (ESTR 6 - 23, 24)

Considerar os efeitos da sua acção junto dos outros actores, é uma forma de ir

estabelecendo para si própria o “como”, os modos aceitáveis e mesmo os limites da sua

função de gestão.

“Não se pode chegar ao pé dos funcionários e dizer: tem que se fazer isto

e isto e isto, e impor-se pura e simplesmente que eles façam, e exigir que eles

trabalhem fora de horas ou não sei quê… Não se pode fazer isso, porque senão

eles podem responder-me que isso não é das suas competências e se não for eles

recusam-se e não fazem, com razão não fazem.” (ESTR 2 – 24, 25)

A orientação da sua acção estratégica não é tanto o efeito de uma regulação institucional,

já que a legislação é vaga em relação às suas funções e os órgãos de gestão do

agrupamento se encontram “distantes”, mas sim das articulações que estabelece entre

essa forma de regulação e, neste caso, as estratégias de auto-regulação52.

“O coordenador não manda nada, não tem poder nenhum para mandar…

as leis vêm lá de cima e a obrigação que ele tem é de fazer cumprir. Quem diz lei,

diz recomendações, diz orientações, diz princípios. Mas a forma (tom de voz

baixo e pausado) como o coordenador faz com que isso aconteça é que é o busílis

da questão, é ou não é?” (ESTR 6 - 23, 24) “ Lá está, a legislação, se formos ver

a legislação, não me confere poder. Mas, no fundo, de mim… não é de mim, M,

mas de mim, coordenadora… depende, sei lá, mais de 50% o facto do

funcionamento do estabelecimento ser bom ou mau.” (ESTR 6 - 25)

52 Aqui entendida como os processos através dos quais vai reflectindo e reformulando a sua acção.

Page 69: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

69

4.3. SÍNTESE INTERPRETATIVA

Os aspectos problemáticos assinalados pela coordenadora, na sua função de

gestão, referem-se à articulação com o Conselho Executivo, à coordenação da actividade

educativa, à articulação com as famílias e Associação de Pais, à gestão dos seus papéis de

coordenação e docência, à gestão das relações com os adultos e à gestão da informação.

O Conselho Executivo é percepcionado como um órgão distante, por vezes

ausente e com o qual não existe proximidade “afectiva”.

A coordenação da actividade educativa é considerada uma tarefa mais complexa

com a “pressão” da oferta educativa às escolas por parte de entidades externas, com a

“duplicação” dos tempos escolares e a integração das AECs, com a necessidade de

“formalização” dos documentos de planificação e avaliação das actividades, bem como

com a solicitação dessa avaliação, actualmente, também por parte da autarquia.

A articulação com as famílias é entendida como problemática nalguns casos de

pais mais críticos em relação à escola mas, sobretudo, no caso da Associação de Pais,

entidade “distante”, mais reivindicativa do que colaborativa.

A gestão dos papéis de coordenação e docência é referida como problemática

pois, para além da dualidade de funções que se sobrepõem no quotidiano, a interrupção

frequente das aulas compromete a sua percepção de justiça e equidade para com os

alunos.

A gestão das relações com os adultos e a gestão da informação são aspectos que

também refere, o primeiro mais relacionado com a orientação das reuniões de professores

e o segundo devido à sobreposição de pedidos de informação por diferentes entidades,

para além das suas dificuldades em lidar com os meios informáticos e com algumas

questões relacionadas com a interpretação da legislação.

A estabilidade é um valor que defende e em função do qual orienta a sua acção,

no quotidiano. Os aspectos relacionais, afectivos e comunicacionais são preocupações

centrais no seu trabalho, que considera sobretudo como uma função de mediação. Nesse

sentido, evitar o conflito, aceitar/negociar ideias, evitar o enviesamento das

comunicações, apoiar e integrar novos professores, envolver o pessoal auxiliar, são as

normas que salienta na descrição das suas estratégias de acção.

A diplomacia é uma estratégia que se constitui como um conjunto sequencial de

comportamentos que valoriza, como uma forma de estabelecer a negociação em

Page 70: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

70

diferentes situações de conflito, tendo em conta a estabilidade organizacional, relacional

e afectiva.

As relações humanas e a partilha de ideias e materiais são aspectos que salienta

como positivos, em si e nos outros, e algumas estratégias que descreve, como facilitar a

colaboração e delegar funções, associam-se a esta avaliação positiva que faz dos seus

comportamentos.

A dimensão relacional é também valorizada pelos efeitos positivos que tem no

cumprimento dos objectivos e na estabilidade organizacional. Neste sentido, as

estratégias que salienta são: aceitar a hierarquia, contestar no “sítio certo”, contextualizar

a acção reguladora, pedir pareceres (ao órgão de gestão e aos diferentes actores na

escola). Antecipar e avaliar os efeitos das acções são as estratégias que lhe permitem

encontrar as modalidades aceitáveis e os limites da sua própria acção de regulação.

O seu modelo de acção assenta, assim, neste conjunto de estratégias que avalia

como positivas, tendo como referência as articulações que foi estabelecendo entre as

orientações superiores e as normas que tomou como suas, a partir das estratégias de auto-

avaliação.

5. AS ÁREAS DE INFLUÊNCIA

Uma boa parte da acção estratégica da coordenadora de estabelecimento concretiza-

se nos modos de atribuição e distribuição de tarefas na escola, enquanto formas de

coordenar as acções dos outros actores, garantido a sua coerência com os objectivos da

organização escolar. Esta acção reguladora constitui-se como um aspecto central da sua

actividade decisional, isto é, estabelece a sua “margem de manobra” no exercício da

função de gestão. A forma como descreve a distribuição das responsabilidades dos

diferentes intervenientes, pelas diferentes áreas de intervenção da escola53, permite

estabelecer a sua “visão” das zonas de influência, suas e dos outros, onde se “jogam” as

acções, os interesses e os sentidos das acções e interacções no quotidiano. Enquanto que,

nalgumas áreas, como é o caso da “segurança”, a distribuição dessas responsabilidades é

entendida como bem delimitada, sendo claro o tipo de intervenção que é esperado por

parte dos diferentes actores, noutras, como são os casos do “ensino”, “alocação” e

“fronteira”, os limites são bem mais difusos, revelando-se intercepções ou vazios, e

53 Ver pp. 83 e 84.

Page 71: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

71

tornando-se difícil prever as situações. A coordenadora, no seu testemunho, descreve por

vezes o como “deve ser”, como forma de estabilizar um padrão que permita a coerência

da sua própria “visão”.

5.1. O ENSINO

O Currículo (AINF 1) é, desde logo, uma das áreas onde todos os actores jogam a

sua influência. O currículo é, assim, uma construção dos professores e alunos, mas onde

os actores externos, autarquia e outras instituições da comunidade, têm uma “oferta

educativa” a propor, a integrar, sentida como “pressão”, já que é necessário “saber

seleccionar” para garantir a pertinência e a coerência do projecto curricular da escola.

“Aí, a mudança número um é que, naquela altura ainda se estava a tentar

que os parceiros educativos entrassem na escola… Agora, se calhar… os

parceiros interiorizaram tão bem que têm uma palavra a dizer na escola, que

agora estamos no pólo contrário. É que as escolas agora têm dificuldade em

gerir tanta oferta, não é? (…) Nunca tive dificuldades em gerir, em aceitar. Isso

só cria problema se nós deixarmos que se crie problema. Porque de tanta oferta

que temos se nós seleccionarmos, se soubermos seleccionar, pronto, não ficamos

com problema nenhum…” (AINF 1 - 5)

Para além da prestação de contas aos órgãos do agrupamento, materializada na

aprovação, pelo conselho pedagógico, dos documentos orientadores (projecto curricular

da escola e plano anual de actividades) e na apresentação sistemática da avaliação das

actividades, também a autarquia se constitui, actualmente como instância de controlo,

“invadindo” claramente um espaço que até aí lhe era interdito: “E agora, com a história

da oferta educativa, também temos que dar contas à câmara, fazendo a avaliação da

maneira como decorrem as actividades” (AINF 1 - 15, 16). Mesmo ao nível dos actores

internos, com o alargamento do tempo escolar e a introdução das actividades de

enriquecimento curricular na escola, novos protagonistas participam, actualmente, no

processo de construção e desenvolvimento do currículo, neste caso, “chamados” a

colaborar, como opção do corpo docente em integrar esta componente organizacional na

dinâmica da escola.

“Por exemplo, na gestão do currículo. Nós sabemos que, então com o tipo

de turmas que nós temos, esses colegas que estão nas actividades de

enriquecimento curricular podem compensar os alunos daquilo que nós não

Page 72: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

72

conseguimos fazer naquelas áreas, por exemplo, nas áreas das expressões,

educação física, música, dança. Nós estamos muito preocupados… no LEC, na

leitura, escrita e cálculo, não temos tanto tempo para as actividades expressivas,

então porque não aproveitar esses colegas para compensar os alunos nas áreas

expressivas, que nós não temos tanto tempo para isso.” (AINF 1 - 4)

O espaço de intervenção dos professores no desenvolvimento do currículo é, assim,

entendido como mais restrito, mais relacionado com o LEC (leitura, escrita e cálculo) 54,

enquanto que à coordenadora cabe uma função, agora mais complexa, de “coordenar a

actividade educativa”.

“A construção do projecto é da responsabilidade de todos (…) o corpo

docente tem todo que colaborar para a construção desse projecto, seja o plano

anual de actividades, seja o projecto curricular… temos todos que participar

para a construção desses documentos, agora coordenar os trabalhos para que ele

apareça feito, é da responsabilidade do coordenador.” (AINF 1 - 19)

Quanto às actividades de enriquecimento curricular (AINF 2) e apoio ao estudo (AINF

3), a coordenadora considera ser sua a responsabilidade pela organização geral do seu

funcionamento no interior da escola. Responsabilidade que é partilhada com todos os

professores, já que são os professores titulares de turma, actualmente, os responsáveis

pela supervisão das actividades de enriquecimento curricular e, no caso do apoio ao

estudo, dão as aulas ou deixam orientações aos outros. Esta responsabilidade é também

partilhada com as auxiliares de acção educativa a quem, no caso do apoio ao estudo,

delegou a função de fazer a substituição, no caso da ausência do professor.

“Portanto, superiormente, disseram-me: na falta do professor, por

exemplo de apoio ao estudo, a escola tem que se organizar de forma a que os

alunos continuem em segurança e em actividade. Que hipótese é que a escola

tinha? Ou mobilizava professores ou mobilizava as auxiliares, como não tem

professores para mobilizar, tivemos que mobilizar as auxiliares. Portanto, o

professor da turma tem que deixar uma actividade para que os alunos

desenvolvam nessa hora de apoio ao estudo. Se está o professor de apoio ao

estudo, é ele que apoia os alunos, na actividade… se o professor de apoio falta, é

a auxiliar que vigia. E, voluntariamente, pode apoiar, se ela se sentir com

54 A área de influência “tradicional” dos professores sofre actualmente grandes alterações que, no entanto, não cabe aprofundar no âmbito deste estudo.

Page 73: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

73

competência e conhecimento para isso, e voluntariamente (acentuou), porque aí

já não é obrigada a apoiar, a obrigação é vigiar.” (AINF 3 – 11)

Assim, numa área tradicionalmente da influência exclusiva dos professores, a orientação

do trabalho com os alunos nas salas de aula, verifica-se a “entrada” destes novos actores,

as auxiliares de acção educativa, preenchendo o vazio que representa a ausência pontual

do professor.

5.2. A ALOCAÇÃO

A colocação de pessoal (AINF 8) é uma área em que não é clara para a

coordenadora, a distribuição das responsabilidades entre a direcção executiva do

agrupamento e a autarquia: “A câmara diz que é do agrupamento e o agrupamento diz

que é da câmara” (NC1). Esta é uma questão que colocou à escola problemas difíceis,

dada a falta de auxiliares de acção educativa em número suficiente e, mais tarde, a sua

colocação temporária, não sendo muitas vezes substituídas atempadamente. Este aspecto,

tendo em conta a necessidade de “guarda” das crianças destas idades, em todos os

momentos do dia, colocava à coordenadora uma “tensão” redobrada, já que a ela cabia

assumir a “responsabilidade moral” pela segurança dos alunos.

“E o agrupamento dizia: a lei tal diz que a responsabilidade de colocar o

pessoal é da câmara. Depois a câmara dizia: não, não, o agrupamento sabe que

a lei tal diz que a responsabilidade é do agrupamento. Portanto isto queria dizer

que havia duas leis que atribuíam a mesma responsabilidade a entidades

diferentes… Depois aí, as entidades às vezes não se entendem, não conseguem

chegar a uma plataforma de entendimento.” (AINF 8 - 21, 22)

A coordenadora, embora não tendo poder de decisão, sendo esta claramente uma zona

decisional de outros, sentia no quotidiano, também perante os actores próximos (entre

eles os pais), o peso da “sua” responsabilidade pelo funcionamento da escola, fortemente

comprometido enquanto não houvesse uma solução. Mobilizou, assim, a única “fonte” de

poder de que dispunha, a de influenciar decisões, mesmo que “apenas” através de uma

série de acções que permitissem manter a comunicação com eles, ou “forçar” a

comunicação entre eles.

“Neste caso eu só podia fazer sentir junto do meu superior hierárquico,

que neste caso é o executivo… apenas lhe fazia sentir a necessidade de ter cá

Page 74: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

74

mais recursos humanos. (…) E depois o conselho executivo é que tinha que entrar

em entendimento com a câmara para resolver a situação. Depois passou-se a

outra situação que já era o passo a seguir. Quando a câmara e o executivo

conseguiram chegar a entendimento, chegou cá pessoal colocado pela câmara.

Era pessoal que estava cá com um carácter muito transitório, cada uma que

vinha era transitoriamente. E então o que é que acontecia? Aí já a coordenadora

entrava directamente com a câmara, porque (…) era a câmara que o tinha cá

colocado. Portanto, a primeira fase já estava ultrapassada, não é? Eu agora só

estava a tentar uma substituição duma pessoa que tinha sido cá colocada… então

aí sim, fazia sentir junto da câmara: olhe, vamos ficar sem esta pessoa outra vez,

há necessidade de substituição, mas fazia-o sempre, dando conhecimento ao

agrupamento de que estava a fazer aquela diligência junto da câmara.” (AINF 8

- 22)

A comunicação constitui-se, neste caso, como uma estratégia de exercício de “poder”, em

que se identificam algumas das componentes da estratégia de “diplomacia” (ESTR 9),

bem como o desempenho dos papéis de informação, sobretudo o de “passa-palavra” 55 e

que permitem à coordenadora negociar, “através de” outros, numa área de influência que,

de outra forma, lhe estaria interdita.

Esta questão prende-se com a dos equipamentos (AINF 5), em que é da

responsabilidade da autarquia a sua aquisição e manutenção. No entanto, não

concretizando essa responsabilidade, ou pelo menos não o fazendo como seria

necessário, a afectação de recursos é referida como uma área muito problemática e que se

reflecte no dia-a-dia da escola. Este vazio decisional reserva à coordenadora uma

“margem de manobra” que, neste caso, claramente gostaria de partilhar com outros

como, por exemplo, a associação de pais.

A manutenção dos equipamentos é frequentemente fonte de conflito, quando os

funcionários da Câmara se dirigem à escola com ordens que, não sendo do conhecimento

da coordenadora ou contrariando negociações previamente estabelecidas, a obrigam a

tomar decisões, na pressão da “urgência”. Numa destas situações, em que, para pintar os

quadros da escola, deveria responsabilizar-se pelos efeitos que o cheiro da tinta teria para

os alunos, sem ter conhecimento prévio da questão, optou por não assumir essa

55 Papel que, nas observações das aulas, se associou claramente à articulação com o Conselho Executivo.

Page 75: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

75

responsabilidade. No entanto, isso constituiu para si um dilema moral. “Peguei no papel,

escrevi o meu parecer e eles voltaram à Câmara (…) Mas agora, eles podem dizer que

sou eu que não estou interessada” (NC10).

No caso do serviço administrativo (AINF 11), as diferentes tarefas distribuíram-se

pelos docentes e auxiliares, cabendo a estas a responsabilidade pelos mapas do leite

escolar e de presenças no prolongamento de horário ou nos almoços. Assim, também

nesta área, novas responsabilidades cabem agora às auxiliares de acção educativa. A

coordenadora optou pela delegação de funções administrativas apenas a duas delas, a

quem reconhece maior competência, como estratégia de resolução do problema que

coloca à escola o aumento do controlo administrativo por parte do agrupamento e da

câmara.

Nas áreas relacionadas com o serviço de limpeza (AINF 6), gestão de pessoal

auxiliar (AINF 7) e serviço de almoços (AINF 15), a coordenadora delegou no pessoal

auxiliar uma parte das próprias tarefas de coordenação, considerando que elas têm mais

competências e conhecimento desse trabalho específico, embora não abdique da sua

responsabilidade.

“Como coordenadora responsável pelo bom funcionamento do

estabelecimento, quem tem que dar a cara sou eu. Agora, para organizar o bom

funcionamento daquele serviço que é o serviço de almoços, eu não posso ter a

pretensão de que sei fazer essa gestão muito bem feita, sem pedir pareceres de

quem trabalha directamente em campo. Na medida em que elas conseguirão

organizar-se melhor porque elas têm conhecimento do trabalho de campo. E esta

articulação às vezes deixo nas mãos das próprias auxiliares (…) Agora

imaginemos que elas não conseguiam chegar a acordo, ah, então aí eu

(acentuou) tinha que me impor (acentuou) e dizer: não, isto é assim, então tem

que se fazer com estes horários, com estas pessoas… Mas pronto, até aqui tem

dado resultado” (AINF 15 - 18)

Quanto à gestão dos espaços (AINF 4) e dos recursos financeiros (AINF 9), considera

que a responsabilidade de “pôr esse assunto na mesa” é sua mas “encontrar maneiras de

gerir a situação é do corpo docente todo.” (AINF 4 - 17) embora, no caso dos recursos

financeiros, a escrituração e a atribuição de verbas seja da responsabilidade dos serviços

Page 76: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

76

administrativos do agrupamento. As regras de funcionamento da escola (AINF 12)

devem ser cumpridas por todos mas considera ser sua a responsabilidade por “fazer

cumprir, zelar para que elas sejam cumpridas” (AINF12 - 19). Quanto à organização

geral da escola (AINF 10) deve assumir a responsabilidade de prestar contas quer ao

conselho executivo, quer à autarquia.

5.3. A FRONTEIRA

A articulação com as famílias (AINF 13) é uma área em que a coordenadora e os

professores dividem as responsabilidades e em que o pessoal auxiliar colabora, sobretudo

na passagem de informação, quer oralmente, quer afixando notas informativas emanadas

do conselho executivo. Esta forma de distribuição de responsabilidades pelos diversos

actores não constitui um problema, na perspectiva da coordenadora, embora a articulação

com as famílias seja uma das áreas referidas como mais problemática. Parece claro, em

sua opinião, que os professores estabelecem uma relação com os encarregados de

educação da sua turma, cabendo a ela estabelecer essa relação com a totalidade dos pais,

em função das situações, como exemplifica com o caso da apresentação da nova

professora aos encarregados de educação dessa turma. Assim, a sua “entrada” no espaço

relacional professor-pais da turma, é ditada pela especificidade das situações, não ficando

claro quem e como estabelece um critério para essa intervenção.

“Claro que aquela professora tem… vai-se dinamizar uma reunião de

pais daquela turma para fazer a apresentação da nova professora. Aquela

professora tem a obrigação de se apresentar, de comunicar aos pais dos seus

alunos. A coordenadora deverá participar na organização desta reunião e deverá

estar presente. Porque não são os encarregados de educação dos seus alunos,

mas são os encarregados de educação dos alunos da escola, portanto ela como

coordenadora, tem que estar junto daquela professora para comunicar com

aqueles pais.” (AINF 13 - 19, 20)

A sua acção de articulação com as famílias tem, no entanto, uma orientação precisa, que

se constitui como um critério de intervenção: transmitir-lhes uma imagem da escola que

contrarie as “ideias preconcebidas” de alguns pais.

“Logicamente que muitas vezes entre os alunos surgem conflitos, mas faz

parte da sua aprendizagem. Muitas vezes os pais… não sabem ter essa

Page 77: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

77

perspectiva, de que é natural que entre crianças surjam conflitos. Então temos

que explicar aos pais que isso é natural… Portanto estou-lhes a transmitir uma

ideia que eles não têm… eu até diria mais, estou-lhes a transmitir um

conhecimento (acentuou) que eles não têm para que aquela ideia preconcebida

de que existem alunos… violentos na escola, se desfaça.” (AINF 13 – 16)

Algumas actividades em que os pais participam, como as festas (VC2), são

ocasião privilegiada para a coordenadora dar visibilidade aos aspectos positivos da

dinâmica da escola, tentar obter a sua adesão aos projectos em curso e para lhes

transmitir a sua visão de “que esta é uma escola sem problemas” (AINF 13 – 16). São

também ocasião para conhecer a sua opinião sobre o trabalho da escola e a função de

gestão, para avaliar de que forma essa “visão” é estabelecida para o exterior. Como dizia

um representante dos pais, referindo-se às opiniões de outros e do presidente da Junta de

Freguesia “A senhora está de parabéns!” (NC8)

No caso da associação de pais (AINF 14) a coordenadora assume claramente a

responsabilidade pela articulação “directa”, embora refira a colaboração pontual dos

outros professores. Nesta área, tenta estabelecer negociações com vista à resolução de

alguns problemas da escola: “Reconheço-lhe [à associação de pais] o poder, que os

professores não podem exercer, de pressão sobre órgãos de administração e gestão,

conselho executivo, autarquia, com vista à regularização de certas situações de

funcionamento.” (VC1c). Tem também tomado algumas iniciativas para tentar envolver

a associação na afectação directa de recursos, “captá-los” para o preenchimento de uma

área da responsabilidade da autarquia quando esta falha embora, neste âmbito, sem

qualquer resultado.

“Também junto da associação de pais, lancei o repto: vejam lá se

desenvolvem, põem uma proposta qualquer, conjuntamente connosco,

desenvolverem uma actividade para arranjar dinheiro para a fotocopiadora, já

que, lá está, a autarquia não tem dinheiro para por cá a fotocopiadora. Está bem,

acho que a associação de pais ainda falou do assunto mas houve cabeças

discordantes que acharam que não senhor, lá está, que a tal entidade é que tem

obrigação de cá a por. Bom, então é assim: como a associação de pais não

apresentou proposta, então como coordenadora de estabelecimento, agora a

nível de estabelecimento vamos nós fazer a proposta. (…) Não fizeram? Olha…

vamos fazer ao contrário, ver se a proposta sai de nós… e se conseguimos captá-

Page 78: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

78

los a eles! Portanto há uma adaptação à situação e há também… a iniciativa se

não partiu deles tem que partir de nós, portanto estamos a adaptar-nos à

situação… sem os excluir” (AINF 14 - 7)

Como se referiu, “ganhar” os pais para a colaboração na afectação de recursos é

tarefa difícil, já que a Associação de Pais se coloca numa posição “exterior” à escola, não

entrando no espaço decisional desta, antes se assume como entidade a quem a escola

deve prestar contas.

No que se refere às pessoas ou entidades que se dirigem à escola no quotidiano, o

controlo das entradas e saídas (AINF 17) é da responsabilidade directa do pessoal

auxiliar, que a mantém informada das situações56. O conselho executivo também exerce

algum controlo, dando previamente autorização a algumas pessoas para se dirigirem à

escola. No entanto, de acordo com a descrição da coordenadora, esta é também uma área

em que são as situações que determinam as decisões e não a existência de um critério pré

definido, mesmo quando ele é estabelecido pelo órgão de gestão de topo.

“Então… foi transmitido às auxiliares que só quando são assuntos

entendidos como importantes, é que a aula é interrompida… e só é entendido

como importante, por exemplo, alguém que já vem com autorização superior,

portanto já vem com autorização, por exemplo do conselho executivo, para vir

contactar a escola. (…) Outro dia, sei lá… vinha aí uma pessoa que queria vir à

escola ensinar a fazer um trabalho qualquer… entendemos que não era oportuno,

e pronto, e não recebemos… (…) Ah! Essa até vinha [com autorização do CE],

essa até vinha só que nós entendemos que a proposta que ela vinha fazer… (…)

Neste caso era nós… eu, como coordenadora e as colegas que ali estavam… ah,

essa actividade não tem cabimento e: olhe, pedimos desculpa mas não há tempo

para atender o senhor… porque não tem cabimento a actividade…” (AINF 21 -

11, 12)

Numa situação em que o Bispo visitou a escola, mas para cuja visita os

professores não tinham sido auscultados e por isso se mostravam contrariados, a

coordenadora, pressionada para dar a sua opinião, mas não “podendo” contrariar as

decisões superiores, referiu: “Comigo é assim, eu sou uma professora como outra

56 Nas observações realizadas, verificou-se que esta forma de actuar permite à coordenadora evitar as interrupções do seu trabalho lectivo, funcionando como um “filtro”

Page 79: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

79

qualquer, tenho os meus alunos, ninguém me vem substituir, portanto vou estar na sala

de aula como vocês e recebo-o lá” (NC2).

A articulação com os outros estabelecimentos (AINF 20) é claramente uma área

da responsabilidade do conselho executivo ou dos conselhos de docentes do 1º ciclo, em

que a coordenadora não “entra”, nem formal, nem informalmente, parecendo no entanto

este aspecto não constituir qualquer problema para si, já que a orientação das suas

acções, como se revela também noutros momentos do seu discurso, é mais dirigida para o

interior da organização. “Logo aí, isso não nos obriga a uma comunicação entre…

escolas. (…) Nós temos que nos gerir é dentro da escola, não temos que nos preocupar

com a outra escola.” (AINF 20 - 13). Os outros estabelecimentos de ensino do

agrupamento não são considerados, nem referidos no seu testemunho, como parceiros ou

entidades com quem se possa cooperar ou estabelecer alianças. Surgem antes, a propósito

de julgamentos avaliativos sobre os seus funcionamentos globais.

“As leis, os princípios, as orientações vindas superiormente são as

mesmas. Então se são as mesmas que vão para os dois coordenadores, os dois

estabelecimentos… os poderes dos dois coordenadores são iguais, ou seja, não são

nenhuns… porque é que um funciona bem e o outro funciona mal? Por alguma

razão é…” (ESTR 6 - 23, 24)

Na articulação com a autarquia e entidades externas (AINF 21), considera ter

uma função de coordenação, recorrendo ao parecer dos professores e solicitando o apoio

das auxiliares de acção educativa. Esta articulação é vista como uma forma de

“rentabilizar” a afectação de recursos, de acordo com as necessidades da escola, quer

materiais quer relacionadas com a oferta de actividades curriculares. Esta oferta é

seleccionada, na sua perspectiva, em função da pertinência que essas actividades possam

ter no desenvolvimento do currículo e não em função das entidades proponentes.

“Avalio… de forma muito positiva [a relação com a autarquia]. Lá está,

estamos todos a trabalhar para o mesmo fim e não devemos estar de costas

voltadas. E, se não estamos de costas voltadas, há que tirar partido da situação.

(…) Então mas não vamos ver a autarquia apenas … onde se recorre para suprir

faltas… Então vamos ver a autarquia como uma entidade que pode oferecer

melhorias no processo educativo, como por exemplo o participar no carnaval.”

(AINF 21 – 13)

Page 80: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

80

“Eu nunca valorizo, eu não valorizo uma entidade mais que outra…

quando as propostas me são postas eu não olho à entidade de onde vem. Eu olho

é: se a actividade proposta se enquadra ou não dentro do nosso currículo… se

ela se enquadra, se não, se uma é mais oportuna que outra, se uma tem propostas

de actividades mais interessantes para os alunos que outra. Portanto eu não olho

à entidade de onde vem, mas sim à actividade em si… em relação ao currículo.”

(AINF 21 - 14)

Quer em relação à afectação de recursos, quer em relação à oferta educativa

torna-se necessário encontrar novas formas de lidar com novos constrangimentos,

“transformando-os” em vantagens, ainda que apenas através de novas definições das

situações.

No caso da afectação de recursos, a visita à escola de representantes das entidades

externas constitui frequentemente ocasião de desenvolver negociações e procurar

influenciar decisões. O contacto pessoal, a “proximidade” relacional facilitam essa acção

estratégica. Mostrar os diversos espaços, acentuar as necessidades da escola, lembrar

solicitações anteriores, são formas de ir estabelecendo com os interlocutores uma

“definição da situação” e ganhar o seu “compromisso”. Ao longo de uma destas visitas, a

negociação que se estabeleceu entre a coordenadora e a responsável da autarquia, levou o

engenheiro da Câmara a alterar as prioridades estabelecidas para as obras a realizar nas

diferentes escolas. (NC5b).

A articulação com o CE (AINF 22) é uma área que a coordenadora considera

claramente não ser da sua influência. É descrita como uma articulação “formal”,

realizada indirectamente, no âmbito das reuniões de conselho de docentes na escola sede

do agrupamento ou através de correio electrónico. A iniciativa dos contactos cabe

sobretudo ao conselho executivo e apenas se estabelece presencialmente em casos

pontuais, não existindo momentos de encontro previstos entre a coordenadora e o

executivo.

“Foi também uma orientação vinda de lá (leve ironia) que a forma

privilegiada de comunicação é correio electrónico. Quando são coisas que,

realmente o correio electrónico, lá está, é uma linguagem escrita, não

corresponde tanto à necessidade, então pode-se recorrer ao telefone ou… à ida

mesmo lá. Quando são realmente assuntos que têm que ser debatidos, são

debatidos pessoalmente… (…) Assuntos mais complexos… de natureza

Page 81: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

81

disciplinar, de interpretação de legislação, às vezes esclarecer pormenores de

directivas emanadas sobre… e depois não se percebe ali determinados meandros

que é preciso esclarecer verbalmente” (AINF 22 - 12)

A “distância” e a inexistência de regras claras na articulação com a entidade a

quem reconhece legitimidade formal, parece não facilitar a sua “entrada” numa zona que

considera não lhe pertencer, fazendo-o apenas quando a urgência das situações o exige.

No entanto, também neste caso, a coordenadora, preferindo o contacto pessoal e

informal, aproveita as situações em que, na escola sede do agrupamento, encontra a

presidente do conselho executivo para prestar ou recolher informações, esclarecimentos

ou estabelecer negociações sobre os assuntos mais prementes. Este foi o caso do

problema da substituição dos professores de Apoio ao Estudo nos dias em que estes

seriam destacados para as provas de aferição. Não tendo a garantia dessa substituição, e

arrastando-se a indefinição da situação, foi num desses contactos informais que garantiu

a vinda de um elemento do conselho executivo para a escola, nesses dias. (NC5c). O

modo de contacto habitual, através dos meios de comunicação formais previstos, não lhe

garante a mesma “margem de manobra”, ficando a solução dos problemas dependente

dos critérios e timings dos superiores hierárquicos: “Não tenho capacidade de decisão.

Só posso gerir o dia a dia muito cá por baixo. Nós aqui limitamo-nos a apanhar com as

consequências das decisões… estamos sempre a jogar no incerto” (NC3b).

Na articulação com o Conselho Executivo, considera ainda ter uma função de mediação

entre o corpo docente da escola e o órgão de gestão do agrupamento, referindo-se à sua

posição como “representante” dos professores, junto daquele órgão.

“Como eu (…) sou coordenadora mas também sou professora, tento ver…

as razões de lado a lado. (…) Como professora também não concordo com essa

orientação, ou concordo nisto e não concordo naquilo. Mas a ordem veio, tem que

ser cumprida, então vamos ter que cumprir, vamos ver como… o melhor que se

possa. Portanto, às vezes também, logicamente, transmito à outra parte a opinião

dos professores: olha, lá na escola, pensa-se isto e isto e isto. Portanto, lá está,

agora sou mediadora entre o corpo docente e a parte do conselho executivo.”

(ESTR 9 - 10)

Page 82: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

82

5.4. SEGURANÇA

Nas áreas relacionadas com a segurança, a supervisão dos alunos fora das aulas

(AINF 16) é da responsabilidade directa de algumas auxiliares de acção educativa, as

que, estando há mais tempo na escola e tendo mais competências para o apoio directo às

crianças, têm essa tarefa atribuída. No caso de acidentes escolares (AINF 18) são também

estas que prestam os primeiros socorros e contactam os serviços de urgência, sendo o

professor da turma responsável por elaborar o registo do acidente. Os problemas

disciplinares (AINF 19) são da responsabilidade dos professores das turmas. No entanto,

em todas estas áreas a coordenadora considera ter uma responsabilidade global, actuando

sempre, no caso de as situações atingirem um “determinado grau de gravidade.” (AINF

19-21)

Page 83: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

Quadro 3

DISTRIBUIÇÃO DAS RESPONSABILIDADES NA ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA (NA PERSPECTIVA DA COORDENADORA)

INTERVENIENTES

ÁREAS DE

INTERVENÇÃO

AGRUPA MENTO

(CE, CP, SA)

CÂMARA

MUNICIPAL

COORDENADORA

PROFESSORES

(TURMA)

PROFESSORES

(AEC)

PROFESSORES

(APOIO AO ESTUDO)

AUXILIARES

CURRÍCULO

CT

CL/CT

CD

CD/E/AV

CL/E

CL

PROJECTO

CURRICULAR DA

ESCOLA

CT

CD

CD/E/AV

CL/E

CL

ACTIVIDADES DE

ENRIQUECIMENTO

CURRICULAR (AEC)

O/CT

O/CT

CD

S/AV

E

CL

APOIO AO ESTUDO

AF/O/CT

CD

O/E

E

CL/E

ESPAÇOS

CD

CD

CL

EQUIPAMENTOS

CT

AF

CT

CT/CL

SERVIÇO DE LIMPEZA

CD

CD

CD/E

GESTÃO DE PESSOAL

AUXILIAR

CD/AV

CL

COLOCAÇÃO DE

PESSOAL AUXILIAR

AF/AV

AF

RECURSOS

FINANCEIROS

AF/CT

AF

CD

CD

ORGANIZAÇÃO

GERAL

O/CT

O/CT

CD

Page 84: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

84

SERVIÇO

ADMINISTRATIVO

O/CT

O/CT

CT/E

E

E REGRAS DE

FUNCIONAMENTO

O/CT

O/CT

CT

E

E

E

E ARTICULAÇÃO COM

AS FAMÍLIAS

O

CD (GLOBAL)

CD (TURMA)

CL

ARTICULAÇÃO COM A

ASSOCIAÇÃO DE PAIS

CL

CD

SERVIÇO DE

ALMOÇOS

CT

AF/O/CT

CD/AV

CD/E

SUPERVISÃO DOS

ALUNOS FORA DOS

TEMPOS ESCOLARES

CD/CT

CL

E

E

ENTRADAS E SAÍDAS

CT

CT

E

ACIDENTES

CT

CT

E

E

E

E

RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS

DISCIPLINARES

O/CT

CD/E

E

E

E

E

Nota: Mapa construído a partir do protocolo da entrevista e aferido posteriormente com a coordenadora.

LEGENDA:

CD – Função de orientação e coordenação das acções; distribuição de recursos e tarefas

S – Supervisão directa de actividades curriculares

CT – Função de controlo e monitorização presencial ou à distância AF – Afectação de recursos

O – Estabelecimento de orientações de carácter geral E – Execução AV – Procedimentos de avaliação com base em documentos administrativos

CL – Colaboração e apoio

Page 85: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

5.5. SÍNTESE INTERPRETATIVA

Na generalidade, a coordenadora refere ter uma responsabilidade na orientação,

distribuição de tarefas e controlo das situações dentro da escola, com a colaboração dos

professores nalgumas delas e do pessoal auxiliar noutras e prestando contas ao órgão de

gestão do agrupamento e/ou à autarquia, como pode ver-se no Quadro 3. Na ausência de

uma definição a priori da distribuição das responsabilidades nalgumas áreas decisionais

da escola, são as próprias situações que determinam alterações, mais ou menos

frequentes e duradouras, na distribuição dessas responsabilidades pelos diferentes

actores, aspecto que determina a própria acção reguladora da função de gestão, neste

contexto. Os critérios são “encontrados” em simultâneo com a definição e a resolução

dos problemas. A negociação informal que estabelece continuamente nas interacções

com os diversos actores, permite-lhe estabelecer uma articulação entre as diferentes

esferas de influência quando os problemas encontram “vazios” decisionais ou se situam

em “zonas de contestação”.

O currículo é descrito como uma área em que se verifica a “entrada” de novos

actores no espaço decisional tradicional dos professores, a quem fica agora reservado o

espaço mais restrito do LEC (leitura, escrita e cálculo). Os professores das AECs nas

áreas das expressões, a autarquia na “oferta educativa” que propõe às escolas

(solicitando mesmo a avaliação posterior dessas actividades) e outras instituições da

comunidade, são os novos parceiros com quem é necessário negociar ou “seleccionar”

as actividades pertinentes para a construção do currículo. A coordenação da actividade

educativa no estabelecimento, da responsabilidade da coordenadora assume, assim, uma

complexidade crescente e obriga a uma articulação constante com os vários

intervenientes neste processo, para assegurar a coerência e a pertinência do projecto

curricular.

Na área da alocação, a colocação de pessoal, não sendo claro a quem (autarquia

ou agrupamento) compete esta responsabilidade, obriga a coordenadora a constantes

“entradas” numa esfera de influência que não lhe pertence. Já que assume a

responsabilidade moral pela segurança dos alunos perante a comunidade educativa,

mobiliza as estratégias de diplomacia e o desempenho dos papéis comunicacionais com

as entidades hierarquicamente superiores para “fazer sentir”, estabelecer uma definição

própria do problema, junto delas.

Page 86: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

86

Os equipamentos e a sua manutenção constituem uma outra área em que a

urgência das situações frequentemente exige um conjunto de interacções relacionais e

comunicacionais com a autarquia para a resolução dos problemas. Como forma de

evitar ou tornar mais previsíveis estas situações, a coordenadora tenta envolver os pais,

enquanto parceiros na afectação de recursos para a escola, mas sem grandes resultados.

Na área administrativa, com o aumento dos modos de controlo por parte quer

dos órgãos de gestão do agrupamento quer da autarquia, a delegação de funções em

colegas e auxiliares foi a forma que encontrou para assegurar o cumprimento das

tarefas. O mesmo acontece em relação à gestão do pessoal nos serviços de almoços e

limpeza, cuja responsabilidade directa é das auxiliares.

Na organização geral da escola e no que respeita aos espaços, recursos

financeiros e cumprimento das regras, a coordenadora considera ser sua função colocar

os assuntos “na mesa” mas prefere partilhar as responsabilidades com os outros

professores, prestando contas quer à autarquia, quer ao agrupamento.

A fronteira é uma área que a coordenadora considera”sua”, na generalidade. A

articulação com os pais, embora da responsabilidade mais específica dos professores das

turmas, é uma preocupação sua quando os assuntos se relacionam com os alunos em

geral, quando é importante estabelecer, para o exterior, uma visão da escola como

escola sem problemas. A Associação de Pais, entendida como uma instituição que pode

colaborar na afectação de recursos para a escola, exercendo pressão junto das entidades

superiores ou angariando directamente meios materiais, de facto assume-se mais como

uma outra entidade a quem a escola deve prestar contas e, nesse sentido, é sentida como

“distante”.

O “filtro” da entrada de pessoas na escola, no quotidiano, é estabelecido em

função das situações, normalmente pela coordenadora e os professores e auxiliares

presentes nesses momentos, podendo ou não estar de acordo com orientações

superiores.

A articulação com outros estabelecimentos é considerada uma área pouco

importante. Eles são considerados mais enquanto referência comparativa e avaliativa do

funcionamento da escola do que como entidades colaborativas ou parceiros nas

negociações.

A articulação com entidades externas e com a autarquia é uma área que

determina um grande conjunto de interacções comunicacionais e relacionais, quer pela

necessidade de gerir a oferta educativa, quer pela necessidade da afectação de recursos.

Page 87: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

87

A “pressão” exterior condiciona as acções, “saber seleccionar” é uma forma de tentar

transformar constrangimentos em vantagens para a organização. A “proximidade”

relacional é vantajosa quando se trata de estabelecer negociações, permitindo a

mobilização das estratégias de diplomacia para ganhar um “compromisso” das

instituições com a escola.

A articulação com o Conselho Executivo também se torna mais vantajosa para a

escola nas situações de proximidade, claramente da preferência da coordenadora, No

entanto o contacto pessoal apenas existe em situações de urgência e o contacto formal,

via correio electrónico, é a forma de comunicação habitual. Perante o Conselho

Executivo considera ter sobretudo uma função de mediação em que predomina a

“representação” do conjunto dos professores.

Na área da segurança, a coordenadora, embora muitas tarefas sejam da

responsabilidade directa de auxiliares e/ou professores, como é o caso dos acidentes

escolares, considera ser sua a responsabilidade quando há um “determinado grau de

gravidade”.

Page 88: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

88

V – SÍNTESE INTERPRETATIVA E GUIÃO DE QUESTÕES

Depois da apresentação dos resultados do tratamento dos dados, feita no capítulo

anterior, cabe agora ensaiar uma interpretação global dos mesmos, com referência ao

quadro teórico em que se desenvolveu o estudo.

O cargo de gestão intermédia de um estabelecimento de 1º Ciclo e Pré-Escolar

de um agrupamento de escolas, entendido como função cultural e política, foi o objecto

de estudo que se pretendeu descrever e analisar, como contributo para a compreensão e

reflexão acerca do trabalho dos gestores neste nível da organização escolar.

Relembrando as questões de partida: quais são os papéis de gestão activados pela

coordenadora de estabelecimento no sistema de regulação do agrupamento de escolas?

Como é que ela, através das relações que estabelece com os outros actores internos (à

escola) e externos (dentro do agrupamento) gere e cria a coordenação da acção à escala

local?

E relembrando os propósitos iniciais: (1) Descrever e analisar o perfil do

trabalho quotidiano de uma coordenadora de estabelecimento (descrição dos papéis de

gestão no quotidiano); (2) Caracterizar o seu trabalho no contexto da actividade de

regulação (modos de regulação das acções no estabelecimento); (3) Descrever e analisar

o seu “guião de regulação” (as áreas de influência em que desenvolve a sua acção); (4)

Responder às expectativas da coordenadora: “ver a globalidade” do seu trabalho,

“reflectir sobre o trabalho desenvolvido”; (5) Devolver um “texto/imagem” do seu

trabalho e um guião de questões que permita essa avaliação/reflexão.

Dir-se-á que todo o processo desenvolvido contribuiu para atingir os objectivos

propostos, à excepção dos dois últimos que, como já se explicitou, se concretizarão

posteriormente à construção do presente texto.

Nesta fase final do trabalho, cabe agora encontrar a forma de dar conta de

algumas “respostas” às questões que se colocaram, em forma de uma síntese

interpretativa, e apresentar uma proposta de guião de questões que possam suscitar o

debate e a reflexão.

Page 89: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

89

A CONSTRUÇÃO DO CARGO DE COORDENADOR DE ESTABELECIMENTO

O cargo de coordenador de estabelecimento foi entendido como “lugar” de acção

cultural e política na organização geral do agrupamento de escolas e pode caracterizar-

se como uma construção singular de um actor estratégico, no quadro das possibilidades

e constrangimentos do campo social em que se encontra.

A posição na organização

A posição intermédia na organização coloca-o no seio de um “campo de forças”

no sistema de regulação institucional no qual, no entanto, ele se constitui

simultaneamente como um autor no sistema de regulação autónoma do estabelecimento.

O seu guião de regulação no sistema vertical e horizontal da organização é, desde

logo, construído a partir do modo como interpreta as orientações legais mas também do

modo como, nas interacções no quotidiano, gere e cria a coordenação da acção.

A especificidade dos contextos educativos exige a singularidade da acção dos

gestores e estes, mobilizando a sua história e a sua cultura, constituem-se como

“criadores” de uma função complexa, no quotidiano do seu trabalho.

O cargo de coordenador de estabelecimento é lugar de tensões e dilemas, é lugar

de definição de regras, de tradução e gestão de significados, de interacção e negociação

para a afectação de recursos materiais ou simbólicos. Embora sem uma participação

explícita na política global do agrupamento, a sua visão da organização, o modo como

interpreta a sua função e o modo como estabelece negociações, permitem-lhe “jogar” no

seio de constrangimentos e possibilidades, para estabelecer equilíbrios mais ou menos

provisórios e conquistar maior ou menor espaço de acção nas diferentes áreas

decisionais da escola.

A visibilidade do trabalho de gestão A entrada de novos actores no sistema de regulação local da educação, como a

Autarquia e outras instituições da comunidade, ou a Associação de Pais, é um dos

factores determinantes para se estabelecer uma nova “ordem negociada”, ainda que

implícita e desencadeadora de novos desequilíbrios.

Page 90: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

90

Se as funções que lhe estão atribuídas são vagas e se relacionam sobretudo com

a aplicação de princípios e orientações institucionais, a “pressão” de uma cultura de

avaliação na educação transforma a aparente invisibilidade do cargo de coordenador de

estabelecimento em acção visível e objectivável, colocando a sua responsabilidade

moral no centro dos olhares dos protagonistas externos. Às “micro-decisões” do

quotidiano para resolver problemas, na imprevisibilidade das situações, associa-se

também a imprevisibilidade do seu efeito exterior.

A orientação para o interior da organização, uma opção que claramente salienta

como desejável, “transforma-se”, por esse facto, em acção orientada para o exterior,

pelo incremento das interacções com os actores externos e pela necessidade de

transmitir uma imagem positiva do estabelecimento. A maior frequência e duração dos

papéis comunicacionais que se verificou no seu trabalho quotidiano, em relação aos

papéis relacionais, parece ilustrar este facto, tendo em conta que, nas suas opiniões, são

mais valorizados os aspectos relacionais e afectivos.

Uma tensão constante entre a “proximidade” e a “distância” também se pode

considerar associada a este facto. Se por um lado a proximidade dos actores externos é

maior, tornando mais visíveis os resultados da sua acção, a distância de pontos de vista

e interesses ou mesmo a distância provocada pelos meios formais de comunicação, não

favorece a negociação, quando se trata de resolver problemas e/ou afectar recursos para

a organização escolar.

A maior visibilidade externa e a responsabilidade moral que, no caso do trabalho

de gestão no 1º Ciclo e Pré-Escolar se associa a uma cultura de “cuidar”, são factores de

“tensão” no desempenho do cargo, com os quais é necessário lidar, no quotidiano.

Estabilidade relacional e organizacional A estabilidade é um valor que defende e em função do qual orienta a sua acção

de gestão. A realidade actual, no entanto, é a “turbulência”. Para além das mudanças

referidas, mesmo no interior da escola com a “duplicação” dos tempos escolares, o

trabalho de gestão intensificou-se e também novos protagonistas entraram, os docentes

das AECs.

As interrupções e a urgência constituem aspectos caracterizadores do seu

trabalho e os interlocutores externos condicionam o uso do seu tempo na actividade de

gestão, bem como a própria agenda curricular da escola. A articulação com a

Page 91: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

91

Associação de Pais revela-se tarefa difícil quando esta se apresenta mais como “cliente”

de um serviço público, do que como entidade “colaborativa”. Com o Conselho

Executivo e a Autarquia nem sempre é possível uma interacção de “proximidade”, nem

sempre pode contar com eles para resolver problemas.

Neste cenário, assumindo a responsabilidade moral pelo funcionamento do

estabelecimento, a coordenadora gere e cria um sistema de regras e estratégias que lhe

permitem “jogar” a coordenação das acções para assegurar a estabilidade

organizacional. Os interesses da escola são considerados mais em função dos actores e

dos equilíbrios internos do que em função das medidas ou regras a priori. A “presença”

no local e a disponibilidade constituem formas de antecipar os problemas e, desde logo,

começar a resolvê-los.

A valorização da dimensão relacional e a avaliação positiva que faz dessa sua

opção, expressam-se num conjunto de normas que toma como adequadas à sua acção

junto dos outros actores, como evitar o conflito, aceitar/negociar ideias, evitar o

enviesamento das comunicações, apoiar e integrar os novos professores, envolver o

pessoal auxiliar. A delegação de funções e a consulta são estratégias que salienta,

revelando uma perspectiva do uso do “poder através de”, na regulação das acções na

escola.

Embora revelando uma orientação das acções para os objectivos da organização

escolar, entende os resultados atingidos, que avalia como positivos, mais como um

efeito da orientação das acções para as pessoas e para as relações. As mudanças

referidas colocam, a todos os actores, novos constrangimentos e possibilidades e o

incremento de uma cultura colaborativa poderá entender-se como uma forma de, no

cargo de coordenadora, contribuir para a construção da estabilidade, mantendo níveis

aceitáveis de “reactividade” no estabelecimento.

A “diplomacia”

A estabilidade organizacional e as relações humanas constituem-se como

referentes, isto é, como valores e como critérios da sua intervenção. Neste sentido,

aceitar a hierarquia, contestar no “sítio certo”, contextualizar a acção reguladora, pedir

pareceres, são referidas como estratégias que valoriza, no trabalho de gestão.

Page 92: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

92

Mobilizando a sua “história” e a sua cultura, a coordenadora desenvolve uma

acção estratégica própria, cujos contornos se vêm delineando e que melhor se pode

compreender usando uma palavra-chave do seu discurso: a “diplomacia”. Esta constitui-

se, como se descreveu, como um conjunto sequencial de comportamentos que lhe

permitem negociar em diferentes situações de conflito e estabelecer alianças mais ou

menos provisórias com os diferentes actores, tendo em conta a estabilidade

organizacional, relacional e afectiva.

É uma estratégia que descreve sobretudo quando se refere às interacções com os

interlocutores internos e relacionada com situações de conflito. No entanto, também

com os interlocutores externos, esta estratégia é mobilizada. Associada ao desempenho

dos papéis comunicacionais, permite estabelecer modalidades de “entrada” em espaços

decisionais que não lhe pertencem, junto de entidades hierarquicamente superiores,

quando a “urgência” dos problemas o exige. Esta estratégia constitui-se como uma

forma de estabelecer negociações, mais implícitas do que explícitas, que lhe permite,

junto de outros actores, “fazer sentir”, estabelecer uma “definição” do problema, do

ponto de vista do interesse do estabelecimento, sem comprometer o valor da

estabilidade.

A identidade

Numa posição intermédia, a participação na política global da organização

escolar praticamente é inexistente (mas também não é afirmada como desejável), quer

ao nível da articulação com o órgão de gestão, quer da articulação com outros

estabelecimentos.

A identidade associada ao cargo parece construir-se mais em torno do seu

trabalho de gestão no quotidiano do estabelecimento do que em torno de uma função de

liderança junto dos outros professores. O papel de líder está claramente associado às

auxiliares de acção educativa.

O seu trabalho é entendido sobretudo como uma função de mediação em que, no

caso da articulação com o Conselho Executivo, se assume como uma “representante” do

corpo docente. O uso do termo “nós”, referindo-se ao conjunto dos professores, é

frequente ao longo do seu discurso e ilustra bem esta sua perspectiva do cargo.

Page 93: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

93

GUIÃO DE QUESTÕES

Com base nos resultados do trabalho realizado fez-se o levantamento de um

conjunto de questões57 a incluir no guião orientador do encontro de devolução dos

dados à coordenadora de estabelecimento:

1. Que perspectivas de futuro vê para a escola? A visão que tem poderia ser

formulada de forma mais explícita para os outros?

2. A delegação de funções nos outros melhora o seu desempenho e os

resultados da escola ou a coordenação das actividades sofre de um excesso

de independência?

3. Como é que as pessoas reagem ao seu estilo de gestão? Está atento ao

impacto da sua acção? Encontrou o equilíbrio certo entre pressão e

encorajamento?

4. Tem tendência a consagrar muito tempo às tarefas correntes e concretas? Os

problemas-chave recebem toda a atenção que merecem?

5. Como concilia os seus direitos com os seus deveres? Como transforma as

suas obrigações em vantagens?

6. Que informação difunde? É útil aos outros? Como a passa a eles para que

possam tomar melhores decisões? Utiliza bem os diferentes suportes de

informação?

7. Como gere o seu tempo? Contenta-se em responder às solicitações do

momento? Sabe dosear e alternar as actividades? É mais eficaz numas tarefas

do que noutras? Isso reflecte-se no seu emprego do tempo?

8. Onde e como recolhe informação? Poderia tirar um melhor partido dos seus

contactos? Em que domínios os seus conhecimentos são mais limitados e

com obter a informação necessária junto de outros?

9. Que relações mantém com o exterior? Consagra-lhes demasiado tempo ou,

pelo contrário, há relações que deveria aprofundar?

57 Adaptadas a partir de Mintzberg (2004:48-51)

Page 94: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

94

Com a apresentação deste conjunto de questões à coordenadora de

estabelecimento, interlocutora interessada e sempre disponível, espera-se de algum

modo “responder” às suas expectativas iniciais e, com o trabalho desenvolvido neste

processo de construção conjunta, contribuir para a discussão e reflexão acerca do cargo

de coordenador de estabelecimento nas escolas de 1º Ciclo e Pré-escolar.

Page 95: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

95

BIBLIOGRAFIA

Adey, K. (2000), Professional development priorities: the views of middle managers in

secondary schools. In Educational Management Administration Leadership, SAGE

Publications.

http://ema.sagepub.com/cgi/content/abstract/28/4/419

Afonso, N. (2005), Investigação naturalista em educação. Lisboa: edições ASA.

Ball, S.J. (1989), La micropolítica de la escuela. Barcelona: Paidós (The micro-politics

of School. London: Methuen, 1987)

Barrère, A. (2006), Sociologie des chefs d’Établissement. Paris:PUF, pp. 41-102

Barroso, J. (2007), A investigação sobre a regulação das políticas públicas de educação

em Portugal. In J. Barroso (org.), A regulação das políticas públicas de educação.

Lisboa: Educa, pp. 11-39.

Barroso, J. (2007), O estado e a educação: a regulação transnacional, a regulação

nacional e a regulação local. In J. Barroso (org.), A regulação das políticas públicas de

educação. Lisboa: Educa, pp. 43-70.

Bennett, N.; Newton, W.; Wise, C.; Woods, P.; Economou, A. (2003), The role and

purpose of middle leaders in schools, National College for School Leadership, pp. 1-16.

www.ncsl.org.uk/literaturereviews

Bogdan, R. e Biklen, S. (1994), Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto

Editora.

Busher, H. (2005), Being a middle leader: exploring professional identities. In School

Leadership and management, vol. 25, Nº 2. pp. 137-153.

Page 96: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

96

Busher, H. e Harris, A. (1999), Leadership of school subject áreas: tensions and

dimensions of managing in the middle. In Scool Leadership & Managment, vol. 19, Nº

3, pp. 305-317.

Cardona, M.J. (1997), Para a história da educação de infância em Portugal. Porto:

Porto Editora.

Carvalho. L.M. (2002), Oficina do colectivo: narrativas de um grupo de disciplina de

educação física. Lisboa: Educa e Sociedade Portuguesa de Educação Física.

Dinis, L.L. (1997), Presidente do conselho directivo: o profissional como

administrador. Dissertação de mestrado, Universidade de Lisboa, Faculdade de

Psicologia e de Ciências da Educação.

Dinis, L.L. (2002), Presidente do conselho directivo: dilemas do profissional docente

enquanto administrador escolar. Revista Administração Educacional, nº2, pp.115-135.

Friedberg, E. (1995), O poder e a regra. Lisboa: Instituto Piaget

Glover, D.; Gleenson, D.; Gough, G. e Johnson, M. (1998), The meaning of

management: the development needs of middle managers in secondary schools. In

Educational Management and Administration. Nº 26 (3), pp. 279-292.

Goodson, I. F. (1992), Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu

desenvolvimento profissional. In A. Nóvoa (org.), Vidas de professores. Porto: Porto

Editora, pp. 63-78.

Gronn, P. (1988), Talk, as the work: the accomplishment of school administration. In A.

Westoby (Ed.), Culture, power in educational organization. Milton Keynes: Open

University Press, pp. 289-303.

Hanson, E. M. (1981), Organizational control in educational systems: a case study of

governance in schools. In S. Bacharach (Ed.), Organizational behaviour in schools and

schools districts. New York: Praeger, pp. 245-276.

Page 97: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

97

Homem, L.F. (2004), Experiências de gestão – a aplicação do Decreto-Lei nº 115-A/98.

In Infância e Educação, Investigação e práticas, nº 6, Lisboa: GEDEI, pp. 109-126.

Lima, L.C. (2002), Modelos organizacionais de escola: perspectivas analíticas, teorias

administrativas e o estudo da acção. In L. M. Machado e N.S.C. Ferreira (orgs.),

Política e gestão da educação: dois olhares. Rio de Janeiro: DP&A editora, pp. 33-53.

Lima, L.C. (2004), O agrupamento de escolas como novo escalão da administração

desconcentrada. In Revista Portuguesa de Educação, vol. 17, nº 2, pp.7-47.

Mintzberg, H. (1999), Profession: manager. Mythes et réalités. Harvard Business

Review – Le Leadership, Paris: Éditions d’Organization, pp.12-53.

Mintzberg, H. (2004), Estrutura e dinâmica das organizações escolares, Publicações D.

Quixote, 3ª edição

Nias, J. (1999), Primary teaching as a culture of care. In J. Prossner (Ed), School

culture. London: Paul Chapman, pp. 66-81.

Sanches, M.F.C. (1996), Imagens de liderança educacional: acção tecnocrática ou acção

moral e de transformação? Revista de educação, vol. VI, nº 1, Departamento de

Educação da F.C.U.L, pp.13-35.

Sarmento, M.J. (1998), Escola primária: sedimentação normativa e mudança

organizacional. Revista Inovação, nº11, pp.33-52.

Sarmento, M.J. (2000), Lógicas de acção nas escolas. Lisboa: Instituto de Inovação

Educacional.

Simões, G.M.J. (2003), Urdindo a teia: as linhas e lógicas de acção na emergência e

construção do “agrupamento vertical” de escolas de Figueiró dos Vinhos. Dissertação

de mestrado, Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da

Educação.

Page 98: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

98

Southworth, G. (1998), Leading improving primary schools: the work of headteachers

and deputy heads. Falmer Press

Weick, K.E. (1976), “Educational organizations as loosely coupled systems”,

Administrative Science Quartely, 21 (1), pp. 1-19.

Page 99: RESUMO - Repositório da Universidade de Lisboa: Página ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/860/1/18863_ulsd...ANEXO 5 – Guião da entrevista semi-estruturada ANEXO 6 – Grelha

99

ANEXOS